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  • JURISMAT Revista Jurdica do Instituto Superior Manuel Teixeira Gomes

    N. 3 PORTIMO NOVEMBRO 2013

  • JURISMAT Revista Jurdica do Instituto Superior Manuel Teixeira Gomes

    N. 3 PORTIMO NOVEMBRO 2013

  • Ficha Tcnica

    Ttulo: JURISMAT Revista Jurdica N. 3 Director: Alberto de S e Mello Edio: Instituto Superior Manuel Teixeira Gomes Avenida Miguel Bombarda, 15 8500-508 Portimo PORTUGAL Correspondncia: [email protected] Data: Novembro 2013 Tiragem: 250 exemplares Design Grfico: Eduarda de Sousa Impresso: Serise Expresso, Lda Depsito Legal: 349962/12 ISSN: 2182-6900

    JURISMAT REVISTA JURDICA DO ISMAT

    COMISSO CIENTFICA

    Ana Balmori Padesca Instituto Superior Manuel Teixeira Gomes

    Carlos Rogel Vide Universidad Complutense de Madrid

    Gonalo Sampaio e Mello Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

    Jos Lebre de Freitas Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa

    Luiz Cabral de Moncada Universidade Lusfona de Humanidades e Tecnologias

    & Instituto Superior Manuel Teixeira Gomes

    Maria Serrano Fernndez Universidad Pablo de Olavide Sevilha

    Mrio Ferreira Monte Universidade do Minho

    Paulo Jorge Nogueira da Costa Instituto Superior de Contabilidade e Administrao de Lisboa

    & Instituto Superior Manuel Teixeira Gomes

    Pedro Romano Martinez Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

    Pedro Trovo do Rosrio Universidade Autnoma de Lisboa

    Pilar Blanco-Morales Limones Faculdad de Derecho de Caceres da Universidad de Extremadura

    & Instituto Superior Manuel Teixeira Gomes

  • Ficha Tcnica

    Ttulo: JURISMAT Revista Jurdica N. 3 Director: Alberto de S e Mello Edio: Instituto Superior Manuel Teixeira Gomes Avenida Miguel Bombarda, 15 8500-508 Portimo PORTUGAL Correspondncia: [email protected] Data: Novembro 2013 Tiragem: 250 exemplares Design Grfico: Eduarda de Sousa Impresso: Serise Expresso, Lda Depsito Legal: 349962/12 ISSN: 2182-6900

    JURISMAT REVISTA JURDICA DO ISMAT

    COMISSO CIENTFICA

    Ana Balmori Padesca Instituto Superior Manuel Teixeira Gomes

    Carlos Rogel Vide Universidad Complutense de Madrid

    Gonalo Sampaio e Mello Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

    Jos Lebre de Freitas Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa

    Luiz Cabral de Moncada Universidade Lusfona de Humanidades e Tecnologias

    & Instituto Superior Manuel Teixeira Gomes

    Maria Serrano Fernndez Universidad Pablo de Olavide Sevilha

    Mrio Ferreira Monte Universidade do Minho

    Paulo Jorge Nogueira da Costa Instituto Superior de Contabilidade e Administrao de Lisboa

    & Instituto Superior Manuel Teixeira Gomes

    Pedro Romano Martinez Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

    Pedro Trovo do Rosrio Universidade Autnoma de Lisboa

    Pilar Blanco-Morales Limones Faculdad de Derecho de Caceres da Universidad de Extremadura

    & Instituto Superior Manuel Teixeira Gomes

  • NDICE

    PALAVRAS DE ABERTURA ...................................................................... 9

    ALBERTO DE S E MELLO Nota aos Leitores ............................................................................................ 11

    ANA LUSA BALMORI Palavras de Agradecimento ............................................................................. 13

    ARTIGOS ...................................................................................................... 15

    JORGE MIRANDA O Tribunal Constitucional em 2012 ................................................................. 17

    CARLOS BLANCO DE MORAIS As mutaes constitucionais implcitas e os seus limites jurdicos: autpsia de um Acrdo controverso ............................................................... 55

    MRIO FERREIRA MONTE Direito Penal da Sustentabilidade? Tpicos para um novo paradigma na tutela penal do ambiente .......................... 91

    PEDRO TROVO DO ROSRIO O Mandado de Deteno Europeu Enquadramento e Ponderao Atual ......... 103

    ADIL ELAABD La clrit du procs pnal dans le cadre dune justice quitable ...................... 121

    SELMA SANTANA & RAFAEL CRUZ BANDEIRA A Justia Restaurativa como via de legitimao da punio estatal e reduo de seus paradoxos sob tica de Teoria da Argumentao .................. 133

  • NDICE

    PALAVRAS DE ABERTURA ...................................................................... 9

    ALBERTO DE S E MELLO Nota aos Leitores ............................................................................................ 11

    ANA LUSA BALMORI Palavras de Agradecimento ............................................................................. 13

    ARTIGOS ...................................................................................................... 15

    JORGE MIRANDA O Tribunal Constitucional em 2012 ................................................................. 17

    CARLOS BLANCO DE MORAIS As mutaes constitucionais implcitas e os seus limites jurdicos: autpsia de um Acrdo controverso ............................................................... 55

    MRIO FERREIRA MONTE Direito Penal da Sustentabilidade? Tpicos para um novo paradigma na tutela penal do ambiente .......................... 91

    PEDRO TROVO DO ROSRIO O Mandado de Deteno Europeu Enquadramento e Ponderao Atual ......... 103

    ADIL ELAABD La clrit du procs pnal dans le cadre dune justice quitable ...................... 121

    SELMA SANTANA & RAFAEL CRUZ BANDEIRA A Justia Restaurativa como via de legitimao da punio estatal e reduo de seus paradoxos sob tica de Teoria da Argumentao .................. 133

  • PALAVRAS DE ABERTURA

    NDICE

    8

    TERESA LUSO SOARES O crime de lesa-majestade humana na legislao portuguesa ............................. 167

    FERNANDO CONDESSO Temas e problemas do direito municipal e intermunicipal ................................. 185

    LUIZ CABRAL DE MONCADA O acto administrativo no Projecto de Reviso do CPA ...................................... 215

    HENRIQUE DIAS DA SILVA A relao de hierarquia na Administrao civil e na Administrao militar o regime jurdico do dever de obedincia ................ 227

    MIGUEL SANTOS NEVES Direito Internacional da gua e conflitualidade internacional: implicaes do reconhecimento da gua como direito humano .......................... 261

    LCIO AUGUSTO PIMENTEL LOURENO A Tributao dos Factos Ilcitos em Portugal .................................................... 293

    MARIA DE FTIMA CABRITA MENDES O Poder de Compra: A Abordagem da Comisso Eurpeia ................................. 311

    MARIA SERRANO FERNNDEZ La transmisin inter vivos de los derechos de explotacin de los autores en el derecho portugus, espaol y alemn .................................. 337

    IOLANDA VEIGA Os offshores e a evaso fiscal das grandes empresas e grupos econmicos ........ 363

  • PALAVRAS DE ABERTURA

    NDICE

    8

    TERESA LUSO SOARES O crime de lesa-majestade humana na legislao portuguesa ............................. 167

    FERNANDO CONDESSO Temas e problemas do direito municipal e intermunicipal ................................. 185

    LUIZ CABRAL DE MONCADA O acto administrativo no Projecto de Reviso do CPA ...................................... 215

    HENRIQUE DIAS DA SILVA A relao de hierarquia na Administrao civil e na Administrao militar o regime jurdico do dever de obedincia ................ 227

    MIGUEL SANTOS NEVES Direito Internacional da gua e conflitualidade internacional: implicaes do reconhecimento da gua como direito humano .......................... 261

    LCIO AUGUSTO PIMENTEL LOURENO A Tributao dos Factos Ilcitos em Portugal .................................................... 293

    MARIA DE FTIMA CABRITA MENDES O Poder de Compra: A Abordagem da Comisso Eurpeia ................................. 311

    MARIA SERRANO FERNNDEZ La transmisin inter vivos de los derechos de explotacin de los autores en el derecho portugus, espaol y alemn .................................. 337

    IOLANDA VEIGA Os offshores e a evaso fiscal das grandes empresas e grupos econmicos ........ 363

  • Nota aos Leitores

    ALBERTO DE S E MELLO *

    Como programado desde o incio, dado estampa mais um nmero (o terceiro) da JURISMAT, a Revista jurdica do Instituto Superior Manuel Teixeira Gomes (ISMAT), em Portimo, onde se ministra o nico curso de Direito acreditado a sul do Tejo.

    Contamos, tambm desta vez, com colaboraes de Professores muito ilustres de Faculdades de Direito portuguesas e, reforando o nosso esforo de internacionaliza-o, com textos de eminentes Professores de Espanha, Brasil e Marrocos. Isto, sem que deixemos de continuar a privilegiar os contributos cientficos de Docentes do ISMAT, cuja produo cientfica constante continua a enriquecer as nossas pginas.

    No podemos tambm deixar de realar que, pela primeira vez e como prometido, contamos com a colaborao de uma Discente do Instituto, cujo texto seleccionado publicamos, abrindo caminho participao qualificada de Estudantes e ex-Estu-dantes da nossa Escola.

    Anunciamos tambm a edio para breve de um nmero especial da Revista, con-tendo as actas das primeiras Jornadas Luso-Marroquinas de Direito Comparado, realizadas pelo ISMAT em Maio passado.

    A JURISMAT est hoje acessvel em todas as maiores Bibliotecas jurdicas portu-guesas e os seus dois primeiros nmeros esto disponveis on line. Esperamos poder continuar a contar com o interesse de autores e leitores.

    * Director da JURISMAT.

  • Nota aos Leitores

    ALBERTO DE S E MELLO *

    Como programado desde o incio, dado estampa mais um nmero (o terceiro) da JURISMAT, a Revista jurdica do Instituto Superior Manuel Teixeira Gomes (ISMAT), em Portimo, onde se ministra o nico curso de Direito acreditado a sul do Tejo.

    Contamos, tambm desta vez, com colaboraes de Professores muito ilustres de Faculdades de Direito portuguesas e, reforando o nosso esforo de internacionaliza-o, com textos de eminentes Professores de Espanha, Brasil e Marrocos. Isto, sem que deixemos de continuar a privilegiar os contributos cientficos de Docentes do ISMAT, cuja produo cientfica constante continua a enriquecer as nossas pginas.

    No podemos tambm deixar de realar que, pela primeira vez e como prometido, contamos com a colaborao de uma Discente do Instituto, cujo texto seleccionado publicamos, abrindo caminho participao qualificada de Estudantes e ex-Estu-dantes da nossa Escola.

    Anunciamos tambm a edio para breve de um nmero especial da Revista, con-tendo as actas das primeiras Jornadas Luso-Marroquinas de Direito Comparado, realizadas pelo ISMAT em Maio passado.

    A JURISMAT est hoje acessvel em todas as maiores Bibliotecas jurdicas portu-guesas e os seus dois primeiros nmeros esto disponveis on line. Esperamos poder continuar a contar com o interesse de autores e leitores.

    * Director da JURISMAT.

  • Palavras de Agradecimento

    ANA LUSA BALMORI *

    Ao ser lanado o nmero trs da Revista Jurdica do ISMAT gostaria de agradecer ao seu Director, Prof. Doutor Alberto de S e Mello, pelo seu magnfico trabalho, empenho e dedicao, sem os quais certamente no teramos agora mais este nme-ro.

    Trata-se de uma Revista com uma periodicidade semestral, que est a ser muito bem aceite pela nossa comunidade cientfica.

    No momento do lanamento apresentada em suporte de papel, passando a ficar disponvel no site do ISMAT no momento do lanamento do nmero seguinte. Assim, com o lanamento deste nmero trs colocado on line o nmero dois.

    Tambm a todos os que colaboram neste nmero, docentes e no docentes do ISMAT, manifesto especial gratido.

    Saliento finalmente o facto de que, pela primeira vez, a Revista publica um artigo escrito por uma das nossas alunas, a quem tambm felicito e agradeo, esperando que muitos outros dos seus colegas lhe sigam o exemplo.

    * Directora do Curso de Licenciatura em Direito, ISMAT.

  • Palavras de Agradecimento

    ANA LUSA BALMORI *

    Ao ser lanado o nmero trs da Revista Jurdica do ISMAT gostaria de agradecer ao seu Director, Prof. Doutor Alberto de S e Mello, pelo seu magnfico trabalho, empenho e dedicao, sem os quais certamente no teramos agora mais este nme-ro.

    Trata-se de uma Revista com uma periodicidade semestral, que est a ser muito bem aceite pela nossa comunidade cientfica.

    No momento do lanamento apresentada em suporte de papel, passando a ficar disponvel no site do ISMAT no momento do lanamento do nmero seguinte. Assim, com o lanamento deste nmero trs colocado on line o nmero dois.

    Tambm a todos os que colaboram neste nmero, docentes e no docentes do ISMAT, manifesto especial gratido.

    Saliento finalmente o facto de que, pela primeira vez, a Revista publica um artigo escrito por uma das nossas alunas, a quem tambm felicito e agradeo, esperando que muitos outros dos seus colegas lhe sigam o exemplo.

    * Directora do Curso de Licenciatura em Direito, ISMAT.

  • ARTIGOS

  • ARTIGOS

  • O Tribunal Constitucional em 2012

    JORGE MIRANDA *

    SUMRIO: I Tipos e volume de decises. II Principais decises. III Direito identidade pessoal e ressalva de casos julgados na declarao de inconstitucionali-dade. IV Crime de violncia domstica e garantias de processo penal. V Enri-quecimento ilcito. VI Direito dos reclusos tutela judicial. VII Os cortes dos subsdios de frias e de Natal no sector pblico. VIII Contribuies financeiras e retroatividade. IX Sobretaxa extraordinria sobre rendimentos e poderes das regies autnomas. X Reorganizao territorial das freguesias e referendos locais. XI Recomposio do Tribunal.

    I Tipos e volume de decises

    1. Em 2012, o Tribunal Constitucional proferiu os seguintes acrdos, classificados em razo das diversas competncias que a Constituio e a lei lhe conferem:

    Fiscalizao concreta da constitucionalidade e da legalidade Decises sobre reclamaes 108 Decises sobre questes de processo 314 Decises de mrito 136

    Fiscalizao abstrata Decises em fiscalizao preventiva 4 Decises em fiscalizao sucessiva 11 Decises em fiscalizao da inconstitucionalidade por omisso 0

    JURISMAT, Portimo, n. 3, 2013, pp. 17-54. ISSN: 2182-6900.

  • O Tribunal Constitucional em 2012

    JORGE MIRANDA *

    SUMRIO: I Tipos e volume de decises. II Principais decises. III Direito identidade pessoal e ressalva de casos julgados na declarao de inconstitucionali-dade. IV Crime de violncia domstica e garantias de processo penal. V Enri-quecimento ilcito. VI Direito dos reclusos tutela judicial. VII Os cortes dos subsdios de frias e de Natal no sector pblico. VIII Contribuies financeiras e retroatividade. IX Sobretaxa extraordinria sobre rendimentos e poderes das regies autnomas. X Reorganizao territorial das freguesias e referendos locais. XI Recomposio do Tribunal.

    I Tipos e volume de decises

    1. Em 2012, o Tribunal Constitucional proferiu os seguintes acrdos, classificados em razo das diversas competncias que a Constituio e a lei lhe conferem:

    Fiscalizao concreta da constitucionalidade e da legalidade Decises sobre reclamaes 108 Decises sobre questes de processo 314 Decises de mrito 136

    Fiscalizao abstrata Decises em fiscalizao preventiva 4 Decises em fiscalizao sucessiva 11 Decises em fiscalizao da inconstitucionalidade por omisso 0

    JURISMAT, Portimo, n. 3, 2013, pp. 17-54. ISSN: 2182-6900.

  • JORGE MIRANDA 18

    Eleies, referendos e partidos Decises em contencioso eleitoral 5 Decises sobre referendos locais 12 Decises sobre partidos e coligaes 4 Decises sobre financiamento dos partidos e das campanhas eleitorais 13 Decises sobre recursos de deliberaes de rgos partidrios 10

    Outras competncias Decises sobre declaraes de rendimentos e incompatibilidades dos titulares de cargos polticos 2

    Desde 1983, o Tribunal proferiu 17.637 decises.

    2. A fiscalizao concreta continua a dominar a atividade do Tribunal Constitucio-nal.

    Na fiscalizao abstrata continua a verificar se estabilidade em nvel muito baixo. S na fiscalizao preventiva se passou de 1 para 4 acrdos.

    II Principais decises

    1. Sobre o princpio da igualdade: Acrdo n. 327/2012, de 26 de setembro (insolvncia); Acrdo n. 353/2012, de 5 de julho (suspenso do pagamento dos subsdios de frias e de Natal aos servidores pblicos)

    2. Sobre princpio de segurana jurdica: Acrdo n. 213/2012, de 14 de abril (recursos em processo executivo).

    3. Sobre acesso justia: Acrdos n.os

    215/2012, de 24 de abril e 439/2012, de 26 de setembro (apoio judicirio); Acrdo n. 248/2012, de 22 de maio (acesso ao tribunal, insolvncia); Acrdo n. 383/2012, de 12 de julho (tutela jurisdicional efetiva, indemniza-o por acidente de viao).

    4. Sobre garantias de Direito e processo penal: Acrdo n. 21/2012, de 12 de janeiro (fase de inqurito em processo penal, poderes do Ministrio Pblico); Acrdo n. 24/2012, de 17 de janeiro (aplicao de lei processual a processos pendentes data da sua entrada em vigor);

    O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL EM 2012

    19

    Acrdo n. 34/2012, de 24 de janeiro (sujeio a prova de deteo de lcool, direito de resistncia); Acrdo n. 109/2012, de 6 de maro (notificao de arguido por via postal); Acrdo n. 158/2012, de 28 de maro (violncia domstica); Acrdo n. 179/2012, de 4 de abril (enriquecimento ilcito); Acrdo n. 379/2012, de 12 de julho (falsas declaraes perante oficial pbli-co, tipicidade penal); Acrdo n. 397/2012, de 28 de agosto (droga, ilcito penal e ilcito de mera ordenao social); Acrdo n. 445/2012, de 26 de setembro (prescrio de procedimento crimi-nal).

    5. Sobre direitos dos reclusos: Acrdo n. 20/2012, de 12 de janeiro (impugnabilidade de deciso de manu-teno de recluso em regime de segurana).

    6. Sobre matrias familiares: Acrdo n. 108/2012, de 6 de maro (aes de investigao de paternidade, caso julgado); Acrdo n. 247/2012, de 22 de maio (investigao de paternidade, prazos).

    7. Sobre inviolabilidade de domiclio: Acrdo n. 216/2012, de 24 de abril (buscas domicilirias).

    8. Sobre liberdade de profisso: Acrdo n. 311/2012, de 20 de junho (idoneidade moral); Acrdo n. 377/2012, de 12 de julho (estatuto dos tcnicos oficiais de contas, liberdade de profisso).

    9. Sobre expropriaes: Acrdo n. 127/2012, de 7 de maro (direito de reverso em caso de expro-priao por utilidade pblica); Acrdo n. 381/2012, de 12 de julho (expropriao de terrenos aptos para construo, indemnizao).

    10. Sobre matrias tributrias: Acrdo n. 135/2012, de 7 de maro (retroatividade de lei fiscal).

    11. Sobre regies autnomas: Acrdo n. 187/2012, de 17 de abril (autonomia legislativa regional, farmcia de oficina nos Aores); Acrdo n. 412/2012, de 25 de setembro (sobretaxa extraordinria, disposio pelas regies autnomas das receitas fiscais nelas cobradas ou geradas);

  • JORGE MIRANDA 18

    Eleies, referendos e partidos Decises em contencioso eleitoral 5 Decises sobre referendos locais 12 Decises sobre partidos e coligaes 4 Decises sobre financiamento dos partidos e das campanhas eleitorais 13 Decises sobre recursos de deliberaes de rgos partidrios 10

    Outras competncias Decises sobre declaraes de rendimentos e incompatibilidades dos titulares de cargos polticos 2

    Desde 1983, o Tribunal proferiu 17.637 decises.

    2. A fiscalizao concreta continua a dominar a atividade do Tribunal Constitucio-nal.

    Na fiscalizao abstrata continua a verificar se estabilidade em nvel muito baixo. S na fiscalizao preventiva se passou de 1 para 4 acrdos.

    II Principais decises

    1. Sobre o princpio da igualdade: Acrdo n. 327/2012, de 26 de setembro (insolvncia); Acrdo n. 353/2012, de 5 de julho (suspenso do pagamento dos subsdios de frias e de Natal aos servidores pblicos)

    2. Sobre princpio de segurana jurdica: Acrdo n. 213/2012, de 14 de abril (recursos em processo executivo).

    3. Sobre acesso justia: Acrdos n.os

    215/2012, de 24 de abril e 439/2012, de 26 de setembro (apoio judicirio); Acrdo n. 248/2012, de 22 de maio (acesso ao tribunal, insolvncia); Acrdo n. 383/2012, de 12 de julho (tutela jurisdicional efetiva, indemniza-o por acidente de viao).

    4. Sobre garantias de Direito e processo penal: Acrdo n. 21/2012, de 12 de janeiro (fase de inqurito em processo penal, poderes do Ministrio Pblico); Acrdo n. 24/2012, de 17 de janeiro (aplicao de lei processual a processos pendentes data da sua entrada em vigor);

    O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL EM 2012

    19

    Acrdo n. 34/2012, de 24 de janeiro (sujeio a prova de deteo de lcool, direito de resistncia); Acrdo n. 109/2012, de 6 de maro (notificao de arguido por via postal); Acrdo n. 158/2012, de 28 de maro (violncia domstica); Acrdo n. 179/2012, de 4 de abril (enriquecimento ilcito); Acrdo n. 379/2012, de 12 de julho (falsas declaraes perante oficial pbli-co, tipicidade penal); Acrdo n. 397/2012, de 28 de agosto (droga, ilcito penal e ilcito de mera ordenao social); Acrdo n. 445/2012, de 26 de setembro (prescrio de procedimento crimi-nal).

    5. Sobre direitos dos reclusos: Acrdo n. 20/2012, de 12 de janeiro (impugnabilidade de deciso de manu-teno de recluso em regime de segurana).

    6. Sobre matrias familiares: Acrdo n. 108/2012, de 6 de maro (aes de investigao de paternidade, caso julgado); Acrdo n. 247/2012, de 22 de maio (investigao de paternidade, prazos).

    7. Sobre inviolabilidade de domiclio: Acrdo n. 216/2012, de 24 de abril (buscas domicilirias).

    8. Sobre liberdade de profisso: Acrdo n. 311/2012, de 20 de junho (idoneidade moral); Acrdo n. 377/2012, de 12 de julho (estatuto dos tcnicos oficiais de contas, liberdade de profisso).

    9. Sobre expropriaes: Acrdo n. 127/2012, de 7 de maro (direito de reverso em caso de expro-priao por utilidade pblica); Acrdo n. 381/2012, de 12 de julho (expropriao de terrenos aptos para construo, indemnizao).

    10. Sobre matrias tributrias: Acrdo n. 135/2012, de 7 de maro (retroatividade de lei fiscal).

    11. Sobre regies autnomas: Acrdo n. 187/2012, de 17 de abril (autonomia legislativa regional, farmcia de oficina nos Aores); Acrdo n. 412/2012, de 25 de setembro (sobretaxa extraordinria, disposio pelas regies autnomas das receitas fiscais nelas cobradas ou geradas);

  • JORGE MIRANDA 20

    Acrdo n. 568/2012, de 27 de novembro (receitas das regies autnomas e dos municpios).

    12. Sobre militares e Foras Armadas: Acrdo n. 229/2012, de 2 de maio (Regulamento de Disciplina Militar, cum-primento de pena de priso logo aps ser negado provimento ao recurso hierr-quico sem possibilidade de impugnao em tribunal em tempo til); Acrdo n. 404/2012, de 18 de setembro (acesso dos militares ao Provedor de Justia).

    13. Sobre eleies: Acrdos n. 403/2012, de 18 de setembro, n. 406/2012, de 19 de setembro, e n. 410/2012, de 25 de setembro (recursos eleitorais).

    14. Sobre partidos: Acrdo n. 136/2012, de 9 de maro (impugnao de deliberaes partidrias).

    15. Sobre referendos locais: Acrdo n. 96/2012, de 28 de fevereiro (arrendamento de baldios); Acrdos n.os 384/2012, de 16 de julho, 391/2012, de 9 de agosto, 398/2012, de 28 de agosto, 400/2012, de 4 de setembro, 405/2012, de 19 de setembro, 469/2012, de 10 de outubro, e 470/2012, de 16 de outubro, e 593/2012, de 6 de dezembro (reorganizao territorial das freguesias).

    III Direito identidade pessoal e ressalva de casos julgados na declarao de inconstitucionalidade

    1. Determinada pessoa propusera em 1982 uma ao de investigao de paternidade, a qual no procedera por caducidade, por ter sido excedido o prazo de dois anos ento constante do Cdigo Civil. Mas como, entretanto, o Tribunal Constitucional havia declarado, pelo Acrdo n. 23/2006, a inconstitucionalidade com fora obri-gatria geral da norma do artigo 1817, n. 1 daquele Cdigo, voltou a prop-la recentemente.

    A Autora ganhou na 1 instncia; no no Tribunal de Relao, em face da salva-guarda dos casos julgados pelo artigo 282, n 3, da Constituio e da exceo peren-tria do artigo 494, n 1, alnea i) do Cdigo de Processo Civil. E desta deciso interps recurso para o Tribunal Constitucional, considerando que tal ressalva dos casos julgados no podia sobrepor se ao direito fundamental identidade pessoal.

    O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL EM 2012

    21

    O Tribunal Constitucional, pelo Acrdo n. 108/2012, de 6 de maro, negou provi-mento ao recurso.1

    2. O fundamento do aresto o seguinte (n. 6):

    O Estado de direito , tambm, um Estado de segurana. Por isso, dificilmente se conceberia o ordenamento de um Estado como este que no garantisse a estabilidade das decises dos seus tribunais. Ao contrrio da funo legislativa, que, pela sua prpria natureza, tem como caracterstica essencial a autorrevisibilidade dos seus atos (nos limites da Constituio), a funo jurisdicional, que o artigo 202. da CRP define como sendo aquela que se destina a assegurar a defesa dos direitos e interes-ses legalmente protegidos dos cidados, a reprimir a violao da legalidade demo-crtica e a dirimir os conflitos de interesses pblicos e privados, no pode deixar de ter como principal caracterstica a tendencial estabilidade das suas decises, esteio da paz jurdica. Por esse motivo, o artigo 282. ressalvou, como derrogao regra da eficcia ex tunc das declaraes de inconstitucionalidade com fora obriga-tria geral, a intangibilidade do caso julgado, opondo assim ao valor negativo da inconstitucionalidade o valor positivo da questo j decidida pelo tribunal.

    Ao estabelecer esta oposio, fazendo nela prevalecer a fora vinculativa do caso julgado, o legislador constituinte revelou a forma como procedeu ponderao de dois bens ou valores: entre a garantia da normatividade da Constituio, e a conse-quente forte censura dos atos inconstitucionais, e a garantia da estabilidade das deci-ses judiciais, especialmente exigida pelo Estado de direito, a Constituio optou em princpio pela segunda, salvos os casos, impostos pelo princpio do favor rei, pre-vistos na segunda parte do n. 3 do artigo 282..

    A uma ponderao de bens feita pelo prprio legislador constituinte, e em cujo resultado se inscreve a prevalncia ntida de um dos bens ou valores em conflito, no pode o intrprete contrapor a sua prpria ponderao.

    3. O Tribunal tambm considerou o argumento levantado pela recorrente, segundo o qual o facto de a declarao de inconstitucionalidade obrigatria do prazo de dois anos para a propositura de aes de investigao de paternidade ter incidido sobre Direito ordinrio anterior entrada em vigor da Constituio seria razo acrescida para que a censura da inconstitucionalidade prevalecesse sobre o caso julgado. E tambm neste ponto rejeitou a argumentao:

    No h dvida de que pode ser qualificada como superveniente a inconstitucionali-dade declarada pelo Tribunal no seu Acrdo n. 23/2006. A redao constante do n 1 do artigo 1817. do Cdigo Civil, que ento se julgou, com fora erga omnes, ser

    1 Dirio da Repblica, 2 srie, de 11 de abril de 2012.

  • JORGE MIRANDA 20

    Acrdo n. 568/2012, de 27 de novembro (receitas das regies autnomas e dos municpios).

    12. Sobre militares e Foras Armadas: Acrdo n. 229/2012, de 2 de maio (Regulamento de Disciplina Militar, cum-primento de pena de priso logo aps ser negado provimento ao recurso hierr-quico sem possibilidade de impugnao em tribunal em tempo til); Acrdo n. 404/2012, de 18 de setembro (acesso dos militares ao Provedor de Justia).

    13. Sobre eleies: Acrdos n. 403/2012, de 18 de setembro, n. 406/2012, de 19 de setembro, e n. 410/2012, de 25 de setembro (recursos eleitorais).

    14. Sobre partidos: Acrdo n. 136/2012, de 9 de maro (impugnao de deliberaes partidrias).

    15. Sobre referendos locais: Acrdo n. 96/2012, de 28 de fevereiro (arrendamento de baldios); Acrdos n.os 384/2012, de 16 de julho, 391/2012, de 9 de agosto, 398/2012, de 28 de agosto, 400/2012, de 4 de setembro, 405/2012, de 19 de setembro, 469/2012, de 10 de outubro, e 470/2012, de 16 de outubro, e 593/2012, de 6 de dezembro (reorganizao territorial das freguesias).

    III Direito identidade pessoal e ressalva de casos julgados na declarao de inconstitucionalidade

    1. Determinada pessoa propusera em 1982 uma ao de investigao de paternidade, a qual no procedera por caducidade, por ter sido excedido o prazo de dois anos ento constante do Cdigo Civil. Mas como, entretanto, o Tribunal Constitucional havia declarado, pelo Acrdo n. 23/2006, a inconstitucionalidade com fora obri-gatria geral da norma do artigo 1817, n. 1 daquele Cdigo, voltou a prop-la recentemente.

    A Autora ganhou na 1 instncia; no no Tribunal de Relao, em face da salva-guarda dos casos julgados pelo artigo 282, n 3, da Constituio e da exceo peren-tria do artigo 494, n 1, alnea i) do Cdigo de Processo Civil. E desta deciso interps recurso para o Tribunal Constitucional, considerando que tal ressalva dos casos julgados no podia sobrepor se ao direito fundamental identidade pessoal.

    O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL EM 2012

    21

    O Tribunal Constitucional, pelo Acrdo n. 108/2012, de 6 de maro, negou provi-mento ao recurso.1

    2. O fundamento do aresto o seguinte (n. 6):

    O Estado de direito , tambm, um Estado de segurana. Por isso, dificilmente se conceberia o ordenamento de um Estado como este que no garantisse a estabilidade das decises dos seus tribunais. Ao contrrio da funo legislativa, que, pela sua prpria natureza, tem como caracterstica essencial a autorrevisibilidade dos seus atos (nos limites da Constituio), a funo jurisdicional, que o artigo 202. da CRP define como sendo aquela que se destina a assegurar a defesa dos direitos e interes-ses legalmente protegidos dos cidados, a reprimir a violao da legalidade demo-crtica e a dirimir os conflitos de interesses pblicos e privados, no pode deixar de ter como principal caracterstica a tendencial estabilidade das suas decises, esteio da paz jurdica. Por esse motivo, o artigo 282. ressalvou, como derrogao regra da eficcia ex tunc das declaraes de inconstitucionalidade com fora obriga-tria geral, a intangibilidade do caso julgado, opondo assim ao valor negativo da inconstitucionalidade o valor positivo da questo j decidida pelo tribunal.

    Ao estabelecer esta oposio, fazendo nela prevalecer a fora vinculativa do caso julgado, o legislador constituinte revelou a forma como procedeu ponderao de dois bens ou valores: entre a garantia da normatividade da Constituio, e a conse-quente forte censura dos atos inconstitucionais, e a garantia da estabilidade das deci-ses judiciais, especialmente exigida pelo Estado de direito, a Constituio optou em princpio pela segunda, salvos os casos, impostos pelo princpio do favor rei, pre-vistos na segunda parte do n. 3 do artigo 282..

    A uma ponderao de bens feita pelo prprio legislador constituinte, e em cujo resultado se inscreve a prevalncia ntida de um dos bens ou valores em conflito, no pode o intrprete contrapor a sua prpria ponderao.

    3. O Tribunal tambm considerou o argumento levantado pela recorrente, segundo o qual o facto de a declarao de inconstitucionalidade obrigatria do prazo de dois anos para a propositura de aes de investigao de paternidade ter incidido sobre Direito ordinrio anterior entrada em vigor da Constituio seria razo acrescida para que a censura da inconstitucionalidade prevalecesse sobre o caso julgado. E tambm neste ponto rejeitou a argumentao:

    No h dvida de que pode ser qualificada como superveniente a inconstitucionali-dade declarada pelo Tribunal no seu Acrdo n. 23/2006. A redao constante do n 1 do artigo 1817. do Cdigo Civil, que ento se julgou, com fora erga omnes, ser

    1 Dirio da Repblica, 2 srie, de 11 de abril de 2012.

  • JORGE MIRANDA 22

    contrria Constituio, constava da verso primitiva do Cdigo, datada de 1966. Nessa altura era outra a ordem constitucional portuguesa; os princpios prprios do novo ordenamento, iniciado em 76 (e, desde logo, o princpio da aplicabilidade ime-diata dos direitos, liberdades e garantias), luz dos quais foi declarada, em 2006, a inconstitucionalidade do prazo de caducidade para a interposio das aes de inves-tigao da paternidade, no eram, pois, vigentes no momento em que aquele prazo fora decidido pelo legislador ordinrio. Mas a verdade que o facto em nada altera os termos em que deve ser julgada a norma sub judicio, e isto por duas razes fun-damentais.

    () a ponderao, que feita, na Constituio, entre censura de inconstitucionali-dade e intangibilidade de caso julgado vale () e com ressalva da exceo expres-samente prevista na parte final do n. 3 do artigo 282. para a inconstitucionalidade em geral, sem aceo dos parmetros constitucionais que, em cada caso, tenham sido violados. Como a Constituio no procedeu aqui a nenhuma graduao de incons-titucionalidades, fixando a gravidade dos efeitos das declaraes com fora obri-gatria geral em funo da gravidade dos princpios ou valores que, em cada caso, tenham sido violados, tambm no pode o intrprete proceder a essa graduao. Assim sendo, nenhuma razo h para que se considere que a inconstitucionalidade superveniente merece tratamento mais gravoso do que aquele que por princpio reservado inconstitucionalidade originria.

    4. Por ns, no experimentamos tantas certezas quanto as que o Tribunal evidenciou acerca da total supremacia da salvaguarda dos casos julgados sobre o direito iden-tidade pessoal.

    Este direito est consignado como um dos direitos insuscetveis de suspenso, em nenhum caso, por declarao de estado de stio ou de estado de emergncia (artigo 19., n. 6). E temos entendido que os direitos assim mencionados se situam, por referncia a um critrio valorativo subjacente ideia de Direito da Constituio, no primeiro nvel de uma ordem valorativa (embora no necessariamente hierrquica) de direitos fundamentais,2

    a que h de corresponder um regime reforado.3

    Uma das manifestaes de tal regime reforado vem a ser a impossibilidade de o Tribunal Constitucional restringir os efeitos da inconstitucionalidade de normas legais violadores desses direitos (artigo 282., n. 4).4 Ora, se a segurana jurdica no pode justificar a restrio de efeitos, tambm o mesmo no poder valer para a ressalva dos casos julgados?

    2 Manual de Direito Constitucional, IV, 5 ed., Coimbra, 2012, pg. 238.

    3 Ibidem, pgs. 461 e 462.

    4 Ibidem, VI, 4 ed., Coimbra, 2013, pgs. 357-358.

    O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL EM 2012

    23

    Deixamos apenas a pergunta, sem esquecermos que o direito identidade pessoal ligada ao reconhecimento da paternidade ou da maternidade pode colidir com outros direitos ou interesses constitucionalmente atendveis como a estabilidade e a paz familiar.

    IV Crime de violncia domstica e garantias de processo penal

    1. Um arguido de crime de violncia domstica suscitou em reclamao para o Supremo Tribunal de Justia a inconstitucionalidade do artigo 28., n. 2 da Lei n. 112/2009, de 16 de setembro, que estabelece a natureza urgente dos processos cor-respondente a esse crime. Como o Vice Presidente tivesse indeferido a reclamao, interps recurso para o Tribunal Constitucional.

    O Tribunal Constitucional, pelo Acrdo n. 158/2012, de 28 de maro,5 no deu provimento ao recurso. E indiscutvel o acerto da deciso.

    2. Todo o raciocnio do Tribunal assenta na considerao de gravidade do fenmeno de violncia domstica e na necessidade de assegurar vtima uma proteo judicial clere e eficaz, dando assim resposta a uma forte preocupao na sociedade portu-guesa (assim como noutras sociedades). E a partir daqui que vai refutando os dife-rentes argumentos expostos pelo arguido:

    Est subjacente argumentao do recorrente a conceo de que o carter urgente dos processos com o consequente tratamento prioritrio por parte das instncias judicirias, a prtica dos atos processuais em frias judiciais e o estabelecimento de prazos mais curtos ou de regras especiais da sua contagem, de modo a tornar mais clere a marcha do processo soluo constitucionalmente reservada s situaes em que os arguidos estejam sujeitos a medidas privativas da liberdade. No sendo a urgncia ditada pelo interesse do arguido, seria violado o princpio da igualdade.

    Sem razo, () porque () no sendo constitucionalmente admissvel a limitao absoluta ou excessiva do exerccio do direito ao recurso em processo penal, o legis-lador ordinrio goza de uma ampla liberdade de conformao no estabelecimento e no modo de contagem dos prazos de interposio do recurso, podendo adapt-los face, no s situao dos arguidos mas tambm natureza do processo ou dos crimes que dele so objeto.

    Assim, o princpio da igualdade s poderia considerar-se violado se a opo por um regime mais apertado de prazos processuais se mostrasse arbitrria e desprovida de fundamento material bastante.

    5 Dirio da Repblica, 2 srie, de 11 de maio de 2012.

  • JORGE MIRANDA 22

    contrria Constituio, constava da verso primitiva do Cdigo, datada de 1966. Nessa altura era outra a ordem constitucional portuguesa; os princpios prprios do novo ordenamento, iniciado em 76 (e, desde logo, o princpio da aplicabilidade ime-diata dos direitos, liberdades e garantias), luz dos quais foi declarada, em 2006, a inconstitucionalidade do prazo de caducidade para a interposio das aes de inves-tigao da paternidade, no eram, pois, vigentes no momento em que aquele prazo fora decidido pelo legislador ordinrio. Mas a verdade que o facto em nada altera os termos em que deve ser julgada a norma sub judicio, e isto por duas razes fun-damentais.

    () a ponderao, que feita, na Constituio, entre censura de inconstitucionali-dade e intangibilidade de caso julgado vale () e com ressalva da exceo expres-samente prevista na parte final do n. 3 do artigo 282. para a inconstitucionalidade em geral, sem aceo dos parmetros constitucionais que, em cada caso, tenham sido violados. Como a Constituio no procedeu aqui a nenhuma graduao de incons-titucionalidades, fixando a gravidade dos efeitos das declaraes com fora obri-gatria geral em funo da gravidade dos princpios ou valores que, em cada caso, tenham sido violados, tambm no pode o intrprete proceder a essa graduao. Assim sendo, nenhuma razo h para que se considere que a inconstitucionalidade superveniente merece tratamento mais gravoso do que aquele que por princpio reservado inconstitucionalidade originria.

    4. Por ns, no experimentamos tantas certezas quanto as que o Tribunal evidenciou acerca da total supremacia da salvaguarda dos casos julgados sobre o direito iden-tidade pessoal.

    Este direito est consignado como um dos direitos insuscetveis de suspenso, em nenhum caso, por declarao de estado de stio ou de estado de emergncia (artigo 19., n. 6). E temos entendido que os direitos assim mencionados se situam, por referncia a um critrio valorativo subjacente ideia de Direito da Constituio, no primeiro nvel de uma ordem valorativa (embora no necessariamente hierrquica) de direitos fundamentais,2

    a que h de corresponder um regime reforado.3

    Uma das manifestaes de tal regime reforado vem a ser a impossibilidade de o Tribunal Constitucional restringir os efeitos da inconstitucionalidade de normas legais violadores desses direitos (artigo 282., n. 4).4 Ora, se a segurana jurdica no pode justificar a restrio de efeitos, tambm o mesmo no poder valer para a ressalva dos casos julgados?

    2 Manual de Direito Constitucional, IV, 5 ed., Coimbra, 2012, pg. 238.

    3 Ibidem, pgs. 461 e 462.

    4 Ibidem, VI, 4 ed., Coimbra, 2013, pgs. 357-358.

    O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL EM 2012

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    Deixamos apenas a pergunta, sem esquecermos que o direito identidade pessoal ligada ao reconhecimento da paternidade ou da maternidade pode colidir com outros direitos ou interesses constitucionalmente atendveis como a estabilidade e a paz familiar.

    IV Crime de violncia domstica e garantias de processo penal

    1. Um arguido de crime de violncia domstica suscitou em reclamao para o Supremo Tribunal de Justia a inconstitucionalidade do artigo 28., n. 2 da Lei n. 112/2009, de 16 de setembro, que estabelece a natureza urgente dos processos cor-respondente a esse crime. Como o Vice Presidente tivesse indeferido a reclamao, interps recurso para o Tribunal Constitucional.

    O Tribunal Constitucional, pelo Acrdo n. 158/2012, de 28 de maro,5 no deu provimento ao recurso. E indiscutvel o acerto da deciso.

    2. Todo o raciocnio do Tribunal assenta na considerao de gravidade do fenmeno de violncia domstica e na necessidade de assegurar vtima uma proteo judicial clere e eficaz, dando assim resposta a uma forte preocupao na sociedade portu-guesa (assim como noutras sociedades). E a partir daqui que vai refutando os dife-rentes argumentos expostos pelo arguido:

    Est subjacente argumentao do recorrente a conceo de que o carter urgente dos processos com o consequente tratamento prioritrio por parte das instncias judicirias, a prtica dos atos processuais em frias judiciais e o estabelecimento de prazos mais curtos ou de regras especiais da sua contagem, de modo a tornar mais clere a marcha do processo soluo constitucionalmente reservada s situaes em que os arguidos estejam sujeitos a medidas privativas da liberdade. No sendo a urgncia ditada pelo interesse do arguido, seria violado o princpio da igualdade.

    Sem razo, () porque () no sendo constitucionalmente admissvel a limitao absoluta ou excessiva do exerccio do direito ao recurso em processo penal, o legis-lador ordinrio goza de uma ampla liberdade de conformao no estabelecimento e no modo de contagem dos prazos de interposio do recurso, podendo adapt-los face, no s situao dos arguidos mas tambm natureza do processo ou dos crimes que dele so objeto.

    Assim, o princpio da igualdade s poderia considerar-se violado se a opo por um regime mais apertado de prazos processuais se mostrasse arbitrria e desprovida de fundamento material bastante.

    5 Dirio da Repblica, 2 srie, de 11 de maio de 2012.

  • JORGE MIRANDA 24

    ()

    Ora, () impor o regime de tramitao urgente aos processos por crime de violn-cia domstica, designadamente quanto aos prazos para interposio dos recursos ou prtica dos atos judiciais em frias, no se mostra soluo arbitrria, antes se har-moniza com a finalidade de proteo da vtima deste tipo de ilcito, que um obje-tivo constitucionalmente legtimo.

    ()

    Da perspetiva do arguido, o que poderia fazer algum sentido seria questionar se o encurtamento do prazo de tal ordem que pe em risco as garantias de defesa (artigo 32., n. 1, da Constituio). Mas tambm essa pergunta merece resposta negativa.

    ()

    () o facto de a contagem do prazo de recurso no se suspender no perodo de frias judiciais tem um efeito prtico ou indireto de encurtamento do tempo dispon-vel para o exerccio do direito, no sentido de que o termo do prazo vem a ocorrer em momento anterior quele em que se verificaria se a contagem beneficiasse da sus-penso em frias judiciais. Porm, no pode considerar-se este efeito violador das garantias de defesa. O interessado continua a dispor do perodo de tempo em geral considerado adequado para optar esclarecidamente por acatar ou impugnar a sen-tena e interpor e motivar o respetivo recurso. Apenas privado da possibilidade de no ter de praticar tais atos no perodo de frias judiciais, rectius, deixa de obter a neutralizao do perodo de frias judiciais mediante a suspenso da contagem do prazo nesse perodo. Esse efeito consequncia geral inerente ao facto de o perodo de frias judiciais no significar a paralisao total da atividade dos tribunais pode-r ter reflexos negativos na organizao do trabalho do advogado ou defensor do arguido (do mesmo modo que o ter no dos demais sujeitos processuais), mas no atinge, e muito menos restringe, o direito ao recurso, cujos pressupostos, mbito, formalidades e prazo para o exerccio dos poderes processuais competentes se man-tm intocados.

    V Enriquecimento ilcito

    1. O Parlamento aprovou um decreto que criou o crime de enriquecimento ilcito.

    Passaria a haver, no Cdigo Penal, um artigo 335. A, dizendo:

    O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL EM 2012

    25

    Enriquecimento ilcito 1. Quem por si ou por interposta pessoa, singular ou coletiva, adquirir, possuir ou detiver patrimnio, sem origem lcita determi-nada, incompatvel com os seus rendimentos e bens legtimos punido com pena de priso at trs anos, se pena mais grave no lhe couber por fora de outra disposio legal. 2. Para efeitos do disposto no nmero anterior, entende se por patrimnio todo o ativo patrimonial existente no pas ou no estran-geiro, incluindo o patrimnio imobilirio, de quotas, aes ou par-tes sociais do capital de sociedades civis ou comerciais, de direitos sobre barcos, aeronaves ou veculos automveis, carteiras de ttu-los, contas bancrias, aplicaes financeiras equivalentes e direitos de crdito, bem como as despesas realizadas com a aquisio de bens ou servios ou relativas a liberalidades efetuadas no pas ou no estrangeiro. 3. Para efeitos do disposto no n. 1, entende se por rendimentos e bens legtimos todos os rendimentos brutos constantes das declara-es apresentadas para efeitos fiscais, ou que delas devessem cons-tar, bem como outros rendimentos e bens com origem lcita deter-minada. 4. Se o valor da incompatibilidade referida no n. 1 no exceder 100 salrios mnimos mensais a conduta no punvel. 5. Se o valor da incompatibilidade referida no n. 1 exceder 350 salrios mnimos mensais o agente punido com pena de priso de um a cinco anos.

    Quanto aos funcionrios, por alterao ao artigo 386. do Cdigo Penal, e quanto aos titulares de cargos polticos ou de altos cargos pblicos, por aditamento de um artigo 27. A da Lei n. 34/87, de 16 de julho (lei de responsabilidade criminal dos titulares de cargos polticos e de altos cargos pblicos), o diploma disporia em termos seme-lhantes, mas com agravamento das penas.

    Segundo o artigo 10. do diploma, competiria ao Ministrio Pblico, nos termos do Cdigo de Processo Penal, fazer a prova de todos os elementos do crime.

    Entretanto, o Presidente da Repblica requereu a fiscalizao preventiva da constitu-cionalidade de diversas normas do decreto, para tanto invocando violao de vrias normas constitucionais: de presuno de inocncia dos arguidos e do seu corolrio, o direito ao silncio, da tipicidade e da no retroatividade da lei penal, da proporcio-nalidade e da proteo da confiana.

  • JORGE MIRANDA 24

    ()

    Ora, () impor o regime de tramitao urgente aos processos por crime de violn-cia domstica, designadamente quanto aos prazos para interposio dos recursos ou prtica dos atos judiciais em frias, no se mostra soluo arbitrria, antes se har-moniza com a finalidade de proteo da vtima deste tipo de ilcito, que um obje-tivo constitucionalmente legtimo.

    ()

    Da perspetiva do arguido, o que poderia fazer algum sentido seria questionar se o encurtamento do prazo de tal ordem que pe em risco as garantias de defesa (artigo 32., n. 1, da Constituio). Mas tambm essa pergunta merece resposta negativa.

    ()

    () o facto de a contagem do prazo de recurso no se suspender no perodo de frias judiciais tem um efeito prtico ou indireto de encurtamento do tempo dispon-vel para o exerccio do direito, no sentido de que o termo do prazo vem a ocorrer em momento anterior quele em que se verificaria se a contagem beneficiasse da sus-penso em frias judiciais. Porm, no pode considerar-se este efeito violador das garantias de defesa. O interessado continua a dispor do perodo de tempo em geral considerado adequado para optar esclarecidamente por acatar ou impugnar a sen-tena e interpor e motivar o respetivo recurso. Apenas privado da possibilidade de no ter de praticar tais atos no perodo de frias judiciais, rectius, deixa de obter a neutralizao do perodo de frias judiciais mediante a suspenso da contagem do prazo nesse perodo. Esse efeito consequncia geral inerente ao facto de o perodo de frias judiciais no significar a paralisao total da atividade dos tribunais pode-r ter reflexos negativos na organizao do trabalho do advogado ou defensor do arguido (do mesmo modo que o ter no dos demais sujeitos processuais), mas no atinge, e muito menos restringe, o direito ao recurso, cujos pressupostos, mbito, formalidades e prazo para o exerccio dos poderes processuais competentes se man-tm intocados.

    V Enriquecimento ilcito

    1. O Parlamento aprovou um decreto que criou o crime de enriquecimento ilcito.

    Passaria a haver, no Cdigo Penal, um artigo 335. A, dizendo:

    O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL EM 2012

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    Enriquecimento ilcito 1. Quem por si ou por interposta pessoa, singular ou coletiva, adquirir, possuir ou detiver patrimnio, sem origem lcita determi-nada, incompatvel com os seus rendimentos e bens legtimos punido com pena de priso at trs anos, se pena mais grave no lhe couber por fora de outra disposio legal. 2. Para efeitos do disposto no nmero anterior, entende se por patrimnio todo o ativo patrimonial existente no pas ou no estran-geiro, incluindo o patrimnio imobilirio, de quotas, aes ou par-tes sociais do capital de sociedades civis ou comerciais, de direitos sobre barcos, aeronaves ou veculos automveis, carteiras de ttu-los, contas bancrias, aplicaes financeiras equivalentes e direitos de crdito, bem como as despesas realizadas com a aquisio de bens ou servios ou relativas a liberalidades efetuadas no pas ou no estrangeiro. 3. Para efeitos do disposto no n. 1, entende se por rendimentos e bens legtimos todos os rendimentos brutos constantes das declara-es apresentadas para efeitos fiscais, ou que delas devessem cons-tar, bem como outros rendimentos e bens com origem lcita deter-minada. 4. Se o valor da incompatibilidade referida no n. 1 no exceder 100 salrios mnimos mensais a conduta no punvel. 5. Se o valor da incompatibilidade referida no n. 1 exceder 350 salrios mnimos mensais o agente punido com pena de priso de um a cinco anos.

    Quanto aos funcionrios, por alterao ao artigo 386. do Cdigo Penal, e quanto aos titulares de cargos polticos ou de altos cargos pblicos, por aditamento de um artigo 27. A da Lei n. 34/87, de 16 de julho (lei de responsabilidade criminal dos titulares de cargos polticos e de altos cargos pblicos), o diploma disporia em termos seme-lhantes, mas com agravamento das penas.

    Segundo o artigo 10. do diploma, competiria ao Ministrio Pblico, nos termos do Cdigo de Processo Penal, fazer a prova de todos os elementos do crime.

    Entretanto, o Presidente da Repblica requereu a fiscalizao preventiva da constitu-cionalidade de diversas normas do decreto, para tanto invocando violao de vrias normas constitucionais: de presuno de inocncia dos arguidos e do seu corolrio, o direito ao silncio, da tipicidade e da no retroatividade da lei penal, da proporcio-nalidade e da proteo da confiana.

  • JORGE MIRANDA 26

    O Tribunal Constitucional, pelo Acrdo n. 179/2012, de 4 de abril,6 pronunciar se ia pela inconstitucionalidade.

    2. No acrdo, aps um excurso de Direito internacional e de Direito comparado (n. 6), o Tribunal comeou por perspetivar, a ttulo prvio, se as normas sindicandas cumpriam o desiderato bsico de assegurar a tutela dos bens jurdicos e se, em caso de resposta positiva, ultrapassavam o teste especfico da necessidade (n. 7).

    () o que se pretende punir a incompatibilidade existente entre o patrimnio adquirido, detido ou possudo e os rendimentos e bens legtimos do agente, patrim-nio esse que, no tendo origem lcita determinada, indicia que o acrscimo patrimo-nial adveio da prtica anterior de crimes [8.1].

    ()

    Ora, se a finalidade punir, atravs da nova incriminao, crimes anteriormente praticados e no esclarecidos processualmente, geradores do enriquecimento ilcito, ento no h um bem jurdico claramente definido, o que acarreta necessariamente a inconstitucionalidade da norma. Pune-se para proteger um qualquer bem jurdico indefinido (v.g., a autonomia intencional do Estado, o patrimnio, a liberdade sexual, sade pblica) [8.2].

    ()

    Acresce que a construo do tipo no permite a identificao da aco ou omisso que proibida, com o que fica violada a exigncia de determinao tpica do artigo 29., n. 1 da Constituio, que do seguinte teor, na parte relevante: Ningum pode ser sentenciado criminalmente seno em virtude de lei anterior que declare punvel a aco ou omisso, [8.3].

    No poder olvidar-se, ainda, que o tipo legal de crime, tal como se encontra confi-gurado, no passa indemne ao princpio da presuno de inocncia.

    Na realidade, de acordo com o disposto no artigo 32., n. 2, da Constituio, todo o arguido se presume inocente at ao trnsito em julgado da sentena de condena-o, devendo ser julgado no mais curto prazo compatvel com as garantias de defe-sa.

    ()

    () esta constelao axiolgica que ilumina o estatuto jurdico-processual do argui- 6

    Dirio da Repblica, 1 srie, de 19 de abril de 2012.

    O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL EM 2012

    27

    do em processo penal, com base na qual aquele surge como um autntico sujeito processual, afasta assim deste horizonte as consequncias tpicas dos problemas de repartio do nus da prova decorrentes da afirmao de um princpio da autorres-ponsabilidade probatria das partes construdo de acordo com os cnones do pro-cesso civil, exigindo que uma deciso condenatria em matria penal assente na demonstrao positiva da culpa do arguido e seja obtida sem sacrifcio do trptico garantstico constitudo pela presuno de inocncia, pelo in dubio pro reo e pelo nemo tenetur se ipsum accusare e dos demais direitos que gravitam em torno do arguido.

    ()

    Tenha-se presente, alis, que sendo o elenco de causas lcitas aberto e potencial-mente inesgotvel, sempre se poderia entender que a exigncia de demonstrao positiva da sua ausncia afectaria quase irremediavelmente a operacionalidade do tipo. Assim lidas as normas incriminadoras, est-se a presumir a origem ilcita da incompatibilidade e a imputar ao agente um crime de enriquecimento ilcito, o que redunda em manifesta violao do princpio da presuno de inocncia, determinan-do, portanto, a inconstitucionalidade das normas em causa.

    3. O Juiz Vtor Gomes votou vencido quanto pronncia pela inconstitucionalidade da norma constante do artigo 2. do Decreto sujeito a apreciao, na parte em que aditava o artigo 27.-A Lei n. 34/87, de 16 de julho.

    Existiria um bem jurdico com evidente dignidade penal, inerente ao princpio do Estado de direito e com afloramentos expressos noutros lugares da Constituio (p. ex. artigo 266. da CRP), que a confiana ou credibilidade do Estado (lato sensu) perante a coletividade e a da decorrente capacidade de interveno para a realizao das finalidades que lhe esto cometidas (bem jurdico mediato da incriminao), que a ocultao da provenincia do patrimnio ou rendimentos dos titulares do poder pblico ou dos intervenientes na gesto de bens e servios pblicos pode pr em perigo e que legitima o legislador a impor a transparncia da situao patrimonial daqueles a quem incumba funcionalmente preparar, manifestar ou executar a vonta-de do Estado (bem jurdico imediato da incriminao).

    Tambm no concordou com a concluso no sentido de violao do n. 2 do artigo 32. da Constituio.

    O que estava em causa era a impossibilidade de determinar a origem lcita do enri-quecimento do agente no perodo abrangido pelo dever de declarar, e de declarar com verdade, o patrimnio e rendimentos. () A lei no presume a ilicitude ou a culpa do agente relativamente ao crime que se lhe imputa. O que existe uma infe-rncia de facto de ocultao da origem dos rendimentos face s declaraes prvias

  • JORGE MIRANDA 26

    O Tribunal Constitucional, pelo Acrdo n. 179/2012, de 4 de abril,6 pronunciar se ia pela inconstitucionalidade.

    2. No acrdo, aps um excurso de Direito internacional e de Direito comparado (n. 6), o Tribunal comeou por perspetivar, a ttulo prvio, se as normas sindicandas cumpriam o desiderato bsico de assegurar a tutela dos bens jurdicos e se, em caso de resposta positiva, ultrapassavam o teste especfico da necessidade (n. 7).

    () o que se pretende punir a incompatibilidade existente entre o patrimnio adquirido, detido ou possudo e os rendimentos e bens legtimos do agente, patrim-nio esse que, no tendo origem lcita determinada, indicia que o acrscimo patrimo-nial adveio da prtica anterior de crimes [8.1].

    ()

    Ora, se a finalidade punir, atravs da nova incriminao, crimes anteriormente praticados e no esclarecidos processualmente, geradores do enriquecimento ilcito, ento no h um bem jurdico claramente definido, o que acarreta necessariamente a inconstitucionalidade da norma. Pune-se para proteger um qualquer bem jurdico indefinido (v.g., a autonomia intencional do Estado, o patrimnio, a liberdade sexual, sade pblica) [8.2].

    ()

    Acresce que a construo do tipo no permite a identificao da aco ou omisso que proibida, com o que fica violada a exigncia de determinao tpica do artigo 29., n. 1 da Constituio, que do seguinte teor, na parte relevante: Ningum pode ser sentenciado criminalmente seno em virtude de lei anterior que declare punvel a aco ou omisso, [8.3].

    No poder olvidar-se, ainda, que o tipo legal de crime, tal como se encontra confi-gurado, no passa indemne ao princpio da presuno de inocncia.

    Na realidade, de acordo com o disposto no artigo 32., n. 2, da Constituio, todo o arguido se presume inocente at ao trnsito em julgado da sentena de condena-o, devendo ser julgado no mais curto prazo compatvel com as garantias de defe-sa.

    ()

    () esta constelao axiolgica que ilumina o estatuto jurdico-processual do argui- 6

    Dirio da Repblica, 1 srie, de 19 de abril de 2012.

    O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL EM 2012

    27

    do em processo penal, com base na qual aquele surge como um autntico sujeito processual, afasta assim deste horizonte as consequncias tpicas dos problemas de repartio do nus da prova decorrentes da afirmao de um princpio da autorres-ponsabilidade probatria das partes construdo de acordo com os cnones do pro-cesso civil, exigindo que uma deciso condenatria em matria penal assente na demonstrao positiva da culpa do arguido e seja obtida sem sacrifcio do trptico garantstico constitudo pela presuno de inocncia, pelo in dubio pro reo e pelo nemo tenetur se ipsum accusare e dos demais direitos que gravitam em torno do arguido.

    ()

    Tenha-se presente, alis, que sendo o elenco de causas lcitas aberto e potencial-mente inesgotvel, sempre se poderia entender que a exigncia de demonstrao positiva da sua ausncia afectaria quase irremediavelmente a operacionalidade do tipo. Assim lidas as normas incriminadoras, est-se a presumir a origem ilcita da incompatibilidade e a imputar ao agente um crime de enriquecimento ilcito, o que redunda em manifesta violao do princpio da presuno de inocncia, determinan-do, portanto, a inconstitucionalidade das normas em causa.

    3. O Juiz Vtor Gomes votou vencido quanto pronncia pela inconstitucionalidade da norma constante do artigo 2. do Decreto sujeito a apreciao, na parte em que aditava o artigo 27.-A Lei n. 34/87, de 16 de julho.

    Existiria um bem jurdico com evidente dignidade penal, inerente ao princpio do Estado de direito e com afloramentos expressos noutros lugares da Constituio (p. ex. artigo 266. da CRP), que a confiana ou credibilidade do Estado (lato sensu) perante a coletividade e a da decorrente capacidade de interveno para a realizao das finalidades que lhe esto cometidas (bem jurdico mediato da incriminao), que a ocultao da provenincia do patrimnio ou rendimentos dos titulares do poder pblico ou dos intervenientes na gesto de bens e servios pblicos pode pr em perigo e que legitima o legislador a impor a transparncia da situao patrimonial daqueles a quem incumba funcionalmente preparar, manifestar ou executar a vonta-de do Estado (bem jurdico imediato da incriminao).

    Tambm no concordou com a concluso no sentido de violao do n. 2 do artigo 32. da Constituio.

    O que estava em causa era a impossibilidade de determinar a origem lcita do enri-quecimento do agente no perodo abrangido pelo dever de declarar, e de declarar com verdade, o patrimnio e rendimentos. () A lei no presume a ilicitude ou a culpa do agente relativamente ao crime que se lhe imputa. O que existe uma infe-rncia de facto de ocultao da origem dos rendimentos face s declaraes prvias

  • JORGE MIRANDA 28

    obrigatoriamente apresentadas e incongruncia com a situao patrimonial revela-da por qualquer das aces tpicas (adquirir, possuir ou deter ) que, se for abalada em qualquer dos seus pressupostos, conduz absolvio do arguido quanto a este crime.

    De resto, j hoje impende sobre os agentes o dever de declarar em termos extrafis-cais o patrimnio e rendimentos, e que so aqueles a que corresponde o mbito sub-jetivo de aplicao do artigo 27.-A da Lei n. 34/87, de 16 de julho. () H um prvio dever de comunicar, com verdade, que obriga os sujeitos deste crime a decla-rar os seus bens e a fonte dos rendimentos e que pelas razes j aduzidas se destina a proteger as condies organizatrias indispensveis ao viver comunitrio. esse dever que a desproporo entre a riqueza ostentada e os rendimentos lcitos conheci-dos demonstra no ter sido cumprido e essa falta de transparncia que agora se pretende punir criminalmente deste modo. Elemento objetivo do tipo a aquisio, posse ou deteno de patrimnio sem origem lcita conhecida, o que objetivamente no implica () que o tipo presume constitutivamente a origem ilcita do patrimnio ou dos meios com que foi adquirido.

    4. Os Juzes Carlos Fernandes Cadilha e Rui Moura Ramos afastaram se, no todo ou em parte, da fundamentao do acrdo sem votarem contra.

    Para o primeiro, no seria possvel afirmar uma indeterminao ou sobreposio relativamente ao bem jurdico tutelado, porquanto o que estava em causa no era a proteo de bens ou valores que tivessem fundamentado j a criminalizao de outras condutas, mas a responsabilizao penal de situaes objetivas de enriqueci-mento desproporcionado em relao aos rendimentos lcitos conhecidos ou declara-dos, independentemente de determinao do facto ilcito pelo qual esses rendimentos chegaram posse do agente. O bem jurdico que parecia querer tutelar se era a transparncia da fonte de rendimento.

    To pouco se verificaria violao do princpio in dubio pro reo. A falta de origem lcita determinada no implicaria a existncia de dvida acerca da ilicitude ou licitu-de da provenincia do patrimnio; pressuporia unicamente que no tinha sido feito prova (na fase de investigao, para efeito de ser deduzida uma acusao, ou na fase do julgamento, para ser proferida uma deciso condenatria) de que o patrimnio tivesse origem lcita. E o juiz no poderia deixar de fundar a condenao num juzo de certeza sobre a invocada ausncia de provenincia lcita.

    Formularia, no entanto, o Juiz Carlos Fernandes Cadilha um juzo de inconstitucio-nalidade por violao dos direitos de defesa, por considerar que o tipo legal, tal como estava construdo, impunha ao arguido a iniciativa de alegao e prova em relao a factos que integravam os elementos constitutivos de crime, violando o direito ao silncio em termos que representavam uma inverso do nus da prova.

    O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL EM 2012

    29

    Por seu lado, para o Juiz Rui Moura Ramos a inconstitucionalidade no decorria da inexistncia de um bem jurdico claramente definido. Estar se ia perante um bem jurdico compsito, cuja legitimidade jurdico constitucional estaria assegurada pelos fundamentos que asseguravam a legitimidade das normas incriminadoras cuja direta violao conduziria ao enriquecimento que se pretendia sancionar.

    5. Por ns, tendemos a concordar com o Juiz Vtor Gomes acerca da incriminao do enriquecimento ilcito de titulares de cargos polticos ou de altos cargos pblicos. Julgamos muito pertinente a chamada de ateno para a credibilidade da atuao desses servidores do Estado do Estado enquanto comunidade mais do que enquan-to poder. Como ele escreve (n 2), a confiana dos cidados e nas instituies pblicas e, sobretudo, na capacidade do Estado de fazer cumprir as suas regras por parte dos que o servem, um fator crucial da existncia e coeso das sociedades democrticas.

    No por acaso, acrescentaramos, que a Constituio de 1976, na linha das anterio-res, prev especificamente crimes de responsabilidade (artigo 117.), nem que, em contrapartida, na falta do tipo de crime que se visava criar, to difcil tem sido o combate corrupo ou corrupozinha que se deteta em vrios nveis da Adminis-trao com o arrastamento sem fim de processos judiciais.

    J no o acompanharamos, quanto inverso do nus da prova. No entanto, menos convincente parecem nos as consideraes a aduzidas pelo Juiz Carlos Fernandes Cadilha acerca da violao dos direitos de defesa.

    Por certo, este importante acrdo, com as importantes declaraes de voto anexas, vir a ser comentado e esclarecido devidamente por especialistas de Direito e de processo penal.

    VI Direito dos reclusos tutela judicial

    1. A Administrao penitenciria decidiu manter determinado recluso no regime de segurana, no reingressando ao regime prisional comum.

    O recluso impugnou a deciso perante o Tribunal de Execuo das Penas, ao abrigo dos artigos 138., n.os

    1 e 4, alnea f), e 200. do Cdigo de Execuo das Penas e Medidas de Segurana, que indeferiu o pedido por entender que essa deciso no era diretamente impugnvel, por no ser um caso previsto no artigo 200..

    Deste tribunal o recluso interps recurso para o Tribunal da Relao, suscitando tambm a inconstitucionalidade da interpretao dada ao referido preceito legal e,

  • JORGE MIRANDA 28

    obrigatoriamente apresentadas e incongruncia com a situao patrimonial revela-da por qualquer das aces tpicas (adquirir, possuir ou deter ) que, se for abalada em qualquer dos seus pressupostos, conduz absolvio do arguido quanto a este crime.

    De resto, j hoje impende sobre os agentes o dever de declarar em termos extrafis-cais o patrimnio e rendimentos, e que so aqueles a que corresponde o mbito sub-jetivo de aplicao do artigo 27.-A da Lei n. 34/87, de 16 de julho. () H um prvio dever de comunicar, com verdade, que obriga os sujeitos deste crime a decla-rar os seus bens e a fonte dos rendimentos e que pelas razes j aduzidas se destina a proteger as condies organizatrias indispensveis ao viver comunitrio. esse dever que a desproporo entre a riqueza ostentada e os rendimentos lcitos conheci-dos demonstra no ter sido cumprido e essa falta de transparncia que agora se pretende punir criminalmente deste modo. Elemento objetivo do tipo a aquisio, posse ou deteno de patrimnio sem origem lcita conhecida, o que objetivamente no implica () que o tipo presume constitutivamente a origem ilcita do patrimnio ou dos meios com que foi adquirido.

    4. Os Juzes Carlos Fernandes Cadilha e Rui Moura Ramos afastaram se, no todo ou em parte, da fundamentao do acrdo sem votarem contra.

    Para o primeiro, no seria possvel afirmar uma indeterminao ou sobreposio relativamente ao bem jurdico tutelado, porquanto o que estava em causa no era a proteo de bens ou valores que tivessem fundamentado j a criminalizao de outras condutas, mas a responsabilizao penal de situaes objetivas de enriqueci-mento desproporcionado em relao aos rendimentos lcitos conhecidos ou declara-dos, independentemente de determinao do facto ilcito pelo qual esses rendimentos chegaram posse do agente. O bem jurdico que parecia querer tutelar se era a transparncia da fonte de rendimento.

    To pouco se verificaria violao do princpio in dubio pro reo. A falta de origem lcita determinada no implicaria a existncia de dvida acerca da ilicitude ou licitu-de da provenincia do patrimnio; pressuporia unicamente que no tinha sido feito prova (na fase de investigao, para efeito de ser deduzida uma acusao, ou na fase do julgamento, para ser proferida uma deciso condenatria) de que o patrimnio tivesse origem lcita. E o juiz no poderia deixar de fundar a condenao num juzo de certeza sobre a invocada ausncia de provenincia lcita.

    Formularia, no entanto, o Juiz Carlos Fernandes Cadilha um juzo de inconstitucio-nalidade por violao dos direitos de defesa, por considerar que o tipo legal, tal como estava construdo, impunha ao arguido a iniciativa de alegao e prova em relao a factos que integravam os elementos constitutivos de crime, violando o direito ao silncio em termos que representavam uma inverso do nus da prova.

    O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL EM 2012

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    Por seu lado, para o Juiz Rui Moura Ramos a inconstitucionalidade no decorria da inexistncia de um bem jurdico claramente definido. Estar se ia perante um bem jurdico compsito, cuja legitimidade jurdico constitucional estaria assegurada pelos fundamentos que asseguravam a legitimidade das normas incriminadoras cuja direta violao conduziria ao enriquecimento que se pretendia sancionar.

    5. Por ns, tendemos a concordar com o Juiz Vtor Gomes acerca da incriminao do enriquecimento ilcito de titulares de cargos polticos ou de altos cargos pblicos. Julgamos muito pertinente a chamada de ateno para a credibilidade da atuao desses servidores do Estado do Estado enquanto comunidade mais do que enquan-to poder. Como ele escreve (n 2), a confiana dos cidados e nas instituies pblicas e, sobretudo, na capacidade do Estado de fazer cumprir as suas regras por parte dos que o servem, um fator crucial da existncia e coeso das sociedades democrticas.

    No por acaso, acrescentaramos, que a Constituio de 1976, na linha das anterio-res, prev especificamente crimes de responsabilidade (artigo 117.), nem que, em contrapartida, na falta do tipo de crime que se visava criar, to difcil tem sido o combate corrupo ou corrupozinha que se deteta em vrios nveis da Adminis-trao com o arrastamento sem fim de processos judiciais.

    J no o acompanharamos, quanto inverso do nus da prova. No entanto, menos convincente parecem nos as consideraes a aduzidas pelo Juiz Carlos Fernandes Cadilha acerca da violao dos direitos de defesa.

    Por certo, este importante acrdo, com as importantes declaraes de voto anexas, vir a ser comentado e esclarecido devidamente por especialistas de Direito e de processo penal.

    VI Direito dos reclusos tutela judicial

    1. A Administrao penitenciria decidiu manter determinado recluso no regime de segurana, no reingressando ao regime prisional comum.

    O recluso impugnou a deciso perante o Tribunal de Execuo das Penas, ao abrigo dos artigos 138., n.os

    1 e 4, alnea f), e 200. do Cdigo de Execuo das Penas e Medidas de Segurana, que indeferiu o pedido por entender que essa deciso no era diretamente impugnvel, por no ser um caso previsto no artigo 200..

    Deste tribunal o recluso interps recurso para o Tribunal da Relao, suscitando tambm a inconstitucionalidade da interpretao dada ao referido preceito legal e,

  • JORGE MIRANDA 30

    como este Tribunal tivesse julgado improcedente o recurso, recorreu para o Tribunal Constitucional.

    Pelo Acrdo n. 20/2012, de 12 de janeiro,7 o Tribunal Constitucional, pelo contr-rio, concedeu provimento ao recurso e julgou inconstitucional, por violao dos artigos 20., n. 1, e 30., n. 5 da Constituio, o artigo 200. do Cdigo de Execuo das Penas quando interpretado no sentido da inimpugnabilidade da deciso de manu-teno de recluso em regime de segurana.

    2. Tratava se da primeira vez que esta questo de constitucionalidade saber se um recluso podia ou no recorrer para um tribunal de uma deciso da Administrao prisional e o Tribunal encarou a, como no podia deixar de ser, luz do artigo 30., n. 5 da Constituio, que diz: Os condenados a quem sejam aplicadas pena ou medida de segurana privativas da liberdade mantm a titularidade dos direitos fun-damentais, salvas as limitaes inerentes ao sentido da condenao e s exigncias prprias da respectiva execuo.

    Ou, na expresso de um Autor, Jorge de Figueiredo Dias, citado pelo Tribunal: a viso do recluso agora a de uma pessoa sujeita a um estatuto especial, que deixa prevalecer nele a titularidade de todos os direitos fundamentais, exceo daqueles que seja indispensvel sacrificar ou limitar (e s na medida em que o seja) para a realizao das finalidades em nome das quais a ordem jurdico constitucional cre-denciou o estatuto especial respectivo () mas no uma relao especial de pode-res.

    As restries, salienta o acrdo (n. 9) esto subordinadas a um princpio de legali-dade (exigem previso legal) e a um princpio de proporcionalidade (adequao e necessidade). Mas nem era isso que estava em causa no recurso. O que se questio-nava era a possibilidade, negada pelo acrdo recorrido, de o recluso impugnar judi-cialmente a deciso de aplicao (no caso, de manuteno) do regime de segurana.

    Ora, continua o acrdo (n. 10),

    () nem o dever de fundamentao (que, alis, sempre decorreria do dever geral de fundamentao dos atos administrativos e que aqui assume forma agravada, por se tratar de um ato restritivo de liberdades), nem a verificao da legalidade da deciso a cargo do Ministrio Pblico, com a inerente possibilidade de, por iniciativa exclusiva deste, o ato ser sindicado pelo tribunal, podia funcionar como garantias substitutivas do direito tutela judicial que assiste ao prprio recluso, em cuja esfera jurdica se vo produzir os efeitos potencialmente lesivos do ato.

    7 Dirio da Repblica, 2 srie, de 27 de fevereiro de 2012.

    O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL EM 2012

    31

    Pode dizer-se que o direito do recluso tutela judicial na vertente de garantia de impugnao judicial de quaisquer atos administrativos que o lesem decorre do artigo 268., n. 4, da Constituio, na medida em que o recluso, pelo simples facto de o ser, no perde a sua posio de administrado, mantendo-a, em princpio, com um mbito normativo idntico ao dos outros cidados.

    Pode tambm perspetivar-se a interveno do poder jurisdicional na execuo como decorrncia da garantia constitucional do direito de acesso ao direito e aos tribunais, estabelecido no artigo 20. da Constituio ().

    E, na verdade, o direito de acesso ao tribunal no mais do que a garantia adjetiva necessria efetivao dos direitos fundamentais do recluso e, por isso, necessa-riamente um dos direitos cuja titularidade o recluso mantm.

    3. Eis uma deciso importante, na linha de jurisprudncia do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. E uma deciso em que se extraem do artigo 30., n. 5 as devi-das consequncias artigo 30., n 5 esse corolrio do princpio do respeito da dig-nidade da pessoa humana (de todas as pessoas humanas), base da Repblica (artigo 1. da Constituio).

    VII Os cortes dos subsdios de frias e de Natal no sector pblico

    1. A Lei n. 64 B/2011, de 30 de dezembro (lei do oramento para 2012) veio, nos seus artigos 21. e 25., suspender o pagamento dos subsdios de frias e de Natal ou quaisquer prestaes correspondentes aos 13. e, ou, 14. meses a todos que auferis-sem remuneraes salariais de entidades pblicas, bem como a todos que recebes-sem penses de reforma ou de aposentao atravs do sistema pblico de segurana social, quando, num e noutro caso, de montante superior a 1.100 euros de base men-sal e estabelecer uma reduo das mesmas remuneraes e penses aos que auferis-sem entre 600 e 1.100 euros.

    Estas ablaes (para usar o termo usado pelo Tribunal Constitucional) eram cumula-das com as redues j impostas pela lei do oramento para 2011 e teriam a vigncia do Programa de Assistncia Econmica e Financeira prevista nos memorandos de entendimento entre Portugal, o Fundo Monetrio Internacional, a Unio Europeia e o Banco Central Europeu.

    O Governo, no relatrio da respetiva proposta de lei, justificou as como absoluta-mente necessrias para assegurar as metas muito exigentes a que Portugal se vincu-lara e para preservar a manuteno e sustentabilidade do Estado Social e para garan-tir o financiamento da economia portuguesa. A adoo destas medidas foi ainda modulada pela preocupao de prevenir uma onerosidade social excessiva. Para os

  • JORGE MIRANDA 30

    como este Tribunal tivesse julgado improcedente o recurso, recorreu para o Tribunal Constitucional.

    Pelo Acrdo n. 20/2012, de 12 de janeiro,7 o Tribunal Constitucional, pelo contr-rio, concedeu provimento ao recurso e julgou inconstitucional, por violao dos artigos 20., n. 1, e 30., n. 5 da Constituio, o artigo 200. do Cdigo de Execuo das Penas quando interpretado no sentido da inimpugnabilidade da deciso de manu-teno de recluso em regime de segurana.

    2. Tratava se da primeira vez que esta questo de constitucionalidade saber se um recluso podia ou no recorrer para um tribunal de uma deciso da Administrao prisional e o Tribunal encarou a, como no podia deixar de ser, luz do artigo 30., n. 5 da Constituio, que diz: Os condenados a quem sejam aplicadas pena ou medida de segurana privativas da liberdade mantm a titularidade dos direitos fun-damentais, salvas as limitaes inerentes ao sentido da condenao e s exigncias prprias da respectiva execuo.

    Ou, na expresso de um Autor, Jorge de Figueiredo Dias, citado pelo Tribunal: a viso do recluso agora a de uma pessoa sujeita a um estatuto especial, que deixa prevalecer nele a titularidade de todos os direitos fundamentais, exceo daqueles que seja indispensvel sacrificar ou limitar (e s na medida em que o seja) para a realizao das finalidades em nome das quais a ordem jurdico constitucional cre-denciou o estatuto especial respectivo () mas no uma relao especial de pode-res.

    As restries, salienta o acrdo (n. 9) esto subordinadas a um princpio de legali-dade (exigem previso legal) e a um princpio de proporcionalidade (adequao e necessidade). Mas nem era isso que estava em causa no recurso. O que se questio-nava era a possibilidade, negada pelo acrdo recorrido, de o recluso impugnar judi-cialmente a deciso de aplicao (no caso, de manuteno) do regime de segurana.

    Ora, continua o acrdo (n. 10),

    () nem o dever de fundamentao (que, alis, sempre decorreria do dever geral de fundamentao dos atos administrativos e que aqui assume forma agravada, por se tratar de um ato restritivo de liberdades), nem a verificao da legalidade da deciso a cargo do Ministrio Pblico, com a inerente possibilidade de, por iniciativa exclusiva deste, o ato ser sindicado pelo tribunal, podia funcionar como garantias substitutivas do direito tutela judicial que assiste ao prprio recluso, em cuja esfera jurdica se vo produzir os efeitos potencialmente lesivos do ato.

    7 Dirio da Repblica, 2 srie, de 27 de fevereiro de 2012.

    O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL EM 2012

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    Pode dizer-se que o direito do recluso tutela judicial na vertente de garantia de impugnao judicial de quaisquer atos administrativos que o lesem decorre do artigo 268., n. 4, da Constituio, na medida em que o recluso, pelo simples facto de o ser, no perde a sua posio de administrado, mantendo-a, em princpio, com um mbito normativo idntico ao dos outros cidados.

    Pode tambm perspetivar-se a interveno do poder jurisdicional na execuo como decorrncia da garantia constitucional do direito de acesso ao direito e aos tribunais, estabelecido no artigo 20. da Constituio ().

    E, na verdade, o direito de acesso ao tribunal no mais do que a garantia adjetiva necessria efetivao dos direitos fundamentais do recluso e, por isso, necessa-riamente um dos direitos cuja titularidade o recluso mantm.

    3. Eis uma deciso importante, na linha de jurisprudncia do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. E uma deciso em que se extraem do artigo 30., n. 5 as devi-das consequncias artigo 30., n 5 esse corolrio do princpio do respeito da dig-nidade da pessoa humana (de todas as pessoas humanas), base da Repblica (artigo 1. da Constituio).

    VII Os cortes dos subsdios de frias e de Natal no sector pblico

    1. A Lei n. 64 B/2011, de 30 de dezembro (lei do oramento para 2012) veio, nos seus artigos 21. e 25., suspender o pagamento dos subsdios de frias e de Natal ou quaisquer prestaes correspondentes aos 13. e, ou, 14. meses a todos que auferis-sem remuneraes salariais de entidades pblicas, bem como a todos que recebes-sem penses de reforma ou de aposentao atravs do sistema pblico de segurana social, quando, num e noutro caso, de montante superior a 1.100 euros de base men-sal e estabelecer uma reduo das mesmas remuneraes e penses aos que auferis-sem entre 600 e 1.100 euros.

    Estas ablaes (para usar o termo usado pelo Tribunal Constitucional) eram cumula-das com as redues j impostas pela lei do oramento para 2011 e teriam a vigncia do Programa de Assistncia Econmica e Financeira prevista nos memorandos de entendimento entre Portugal, o Fundo Monetrio Internacional, a Unio Europeia e o Banco Central Europeu.

    O Governo, no relatrio da respetiva proposta de lei, justificou as como absoluta-mente necessrias para assegurar as metas muito exigentes a que Portugal se vincu-lara e para preservar a manuteno e sustentabilidade do Estado Social e para garan-tir o financiamento da economia portuguesa. A adoo destas medidas foi ainda modulada pela preocupao de prevenir uma onerosidade social excessiva. Para os

  • JORGE MIRANDA 32

    oramentos familiares, alternativas de redues remuneratrias que implicassem uma diminuio dos montantes que, a cada ms, fazem face s despesas dos agrega-dos seriam certamente mais penalizadoras e de muito mais difcil gesto. Por isso, a suspenso dos subsdios de frias e de Natal era socialmente mais admissvel e menos onerosa, no afastando a mais-valia que a estabilidade remuneratria mensal proporcionava.

    Reconhecia se que se tratava de um peso que recaa diretamente sobre as pessoas com uma relao de emprego pblico, no tendo uma natureza universal. Mas no era igual a situao de quem tinha uma relao de emprego pblico e os outros tra-balhadores, nem no plano qualitativo dos direitos e garantias, que eram superiores, nem no plano quantitativo das remuneraes, subsistindo na sociedade portuguesa uma diferenciao mdia remuneratria, com alguma expresso, entre os sectores pblicos e o privado.

    Num contexto de emergncia nacional com elevado nvel de desemprego, a segu-rana no emprego constitui um valor inestimvel que, na ponderao dos bens tute-lados, se sobrepunha s expectativas de intocabilidade do quantum remuneratrio.

    2. Ao abrigo do artigo 281., n. 2, alnea f) da Constituio, um grupo de Deputados requereu a declarao de inconstitucionalidade dos referidos artigos 21. e 25. da lei oramental, por ofensa dos princpios do Estado de Direito democrtico, bem como os da proteo da confiana e da proporcionalidade, do princpio de igualdade e do direito segurana social.

    Os impugnantes comearam aludindo ao Acrdo n. 396/2011, de 21 de setembro, relativo ao oramento para 2011 que, apesar de admitir significativas e frustrado-ras das expectativas redues salariais dos funcionrios, as tinha declarado estarem no limite dos sacrifcios. Mas o forte agravamento previsto para 2012, a extenso at s remuneraes a partir de 600 euros mensais e a aplicao a todo o perodo do Programa de Assistncia Econmica e Financeira resultante dos memorandos cele-brados com o Fundo Monetrio Internacional, a Unio Europeia e o Banco Central Europeu ultrapassava em muito esses limites e deveria considerar se violadora do princpio da tutela da confiana.

    Tambm no podia admitir-se uma dualidade de tratamento, agora ntida, entre cida-dos a quem os sacrifcios eram exigidos pelo Estado essencialmente atravs dos impostos e outros cidados a quem os sacrifcios eram exigidos no s por essa via mas tambm, e cumulativamente, de forma continuada, em escalada de montante e extenso temporal, atravs da amputao definitiva de partes significativas e de direitos que integravam a sua retribuio.

    Haveria tambm violao do princpio da proporcionalidade, na vertente da necessi-

    O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL EM 2012

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    dade, uma vez que o legislador dispunha de meios ou solues alternativas global-mente menos drsticas. Em vez da medida escolhida que concentrava um certo sacri-fcio num nmero restrito, com a consequncia de algumas pessoas poderem sofrer um sacrifcio dos seus rendimentos que podia atingir uma percentagem prxima dos 25%, haveria medidas alternativas que poderiam alargar o universo abrangido, em termos de destinatrios, fontes de rendimentos, ou, em particular, outras provenin-cias, com relevo para as redues de despesa a obter, em termos passveis de especi-ficao quantificada no Oramento do Estado, por especficas reformas nas estrutu-ras do setor pblico e reengenharia do procedimento pblico.

    Quanto ao artigo 25., que atingia os aposentados e reformados, havia que atender necessidade de proteo reforada por eles j no terem possibilidade de adaptar os seus planos de vida a um novo comportamento do Estado e portanto s poderem esperar do Estado de um Estado de bem que este no alterasse o seu compor-tamento. Aqui o interesse pblico justificador da alterao do comportamento do Estado deveria ser especialmente qualificado, excessionalssimo, no antecipvel, no resolvel de outro modo. E isso no se verificaria.

    3. Atravs do Acrdo n. 353/2012, de 5 de julho,8 o Tribunal Constitucional, com trs votos de vencido diversos e em graus diversos de intensidade viria a declarar a inconstitucionalidade das normas impugnadas os artigos 21. e 25. da Lei n. 62 B/2011.

    Ao mesmo tempo determinaria, com base no artigo 282., n. 4 da Constituio, que os efeitos da declarao no se aplicassem suspenso dos pagamentos de subsdios de frias e de Natal, ou de quaisquer prestaes correspondentes aos 13. e, ou 14. meses, relativos a 2012 aqui com trs outras declaraes de voto em contrrio.

    4. No acrdo, a ttulo prvio, considera se a natureza jurdica dos memorandos de entendimento celebrados pelo Governo Portugus com o Conselho Executivo do Fundo Monetrio Internacional, com a Unio Europeia e com o Banco Central Euro-peu, dizendo se:

    Estes memorandos so vinculativos para o Estado Portugus, na medida em que se fundamentam em instrumentos jurdicos os Tratados institutivos das entidades internacionais que neles participaram, e de que Portugal parte de Direito Interna-cional e de Direito da Unio Europeia, os quais so reconhecidos pela Constituio, desde logo no artigo 8., n. 2. Assim, o memorando tcnico de entendimento e o memorando de polticas econmicas e financeiras baseia-se no artigo V, Seco 3, do Acordo do Fundo Monetrio Internacional, enquanto o memorando de entendi-mento relativo s condicionalidades especficas de poltica econmica se funda-

    8 Dirio da Repblica, 1 srie, de 20 de julho de 2012.

  • JORGE MIRANDA 32

    oramentos familiares, alternativas de redues remuneratrias que implicassem uma diminuio dos montantes que, a cada ms, fazem face s despesas dos agrega-dos seriam certamente mais penalizadoras e de muito mais difcil gesto. Por isso, a suspenso dos subsdios de frias e de Natal era socialmente mais admissvel e menos onerosa, no afastando a mais-valia que a estabilidade remuneratria mensal proporcionava.

    Reconhecia se que se tratava de um peso que recaa diretamente sobre as pessoas com uma relao de emprego pblico, no tendo uma natureza universal. Mas no era igual a situao de quem tinha uma relao de emprego pblico e os outros tra-balhadores, nem no plano qualitativo dos direitos e garantias, que eram superiores, nem no plano quantitativo das remuneraes, subsistindo na sociedade portuguesa uma diferenciao mdia remuneratria, com alguma expresso, entre os sectores pblicos e o privado.

    Num contexto de emergncia nacional com elevado nvel de desemprego, a segu-rana no emprego constitui um valor inestimvel que, na ponderao dos bens tute-lados, se sobrepunha s expectativas de intocabilidade do quantum remuneratrio.

    2. Ao abrigo do artigo 281., n. 2, alnea f) da Constituio, um grupo de Deputados requereu a declarao de inconstitucionalidade dos referidos artigos 21. e 25. da lei oramental, por ofensa dos princpios do Estado de Direito democrtico, bem como os da proteo da confiana e da proporcionalidade, do princpio de igualdade e do direito segurana social.

    Os impugnantes comearam aludindo ao Acrd