jonal contrapontos

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Jornal de expressão livre e criativa, tem como temas dominantes a Arte, o Ambiente e a Cultura. Visa dar voz à sociedade civil sintrense e não só, através de textos, fotografias, desenhos, etc. Este projecto corresponde a um núcleo de trabalho da Associação 3pontos

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Page 1: Jonal contrapontos

ESTRADA DE S. MAMEDE, 1 — 2705-637 S. JOÃO DAS LAMPAS • PUBLICAÇÃO PERIÓDICA BIMENSAL • ANO I • MAIO DE 2006 • DISTRIBUIÇÃO GRATUITA

04E N T R E V I S T A

nas páginas centrais a PauloMira Coelho, autor de Palhaçode Mim Mesmo e algo mais...

EditorialAbril é o quarto mês do calendário gregoriano. Tem

30 dias. Do latim Aprilis, que significa abrir, numareferência à germinação das culturas. Uma hipótesediferente aponta para que Abril seja derivado de Aprus,o nome etrusco de Vénus, deusa do amor e da paixão.Por esta razão surgiu a crença de que os amores nasci-dos em Abril são para sempre.

A 3pontos espera neste mês ter percorrido caminhosque conduzam a uma comunhão de interesses entre apopulação e a Associação.

Foi o mês de abrir, no derivado latino, e de Aprusno etrusco.

Os senhores que se seguem são então os meses deMaio e Junho.

No passado sábado, dia 6 de Maio, contámos maisuma vez com a presença de inúmeros feirantes na nossafeira do 31, cujo sol acarinhou com o seu calor propor-cionando um dia bastante agradável com a presença depalhaços, fantoches, artistas... artesanato, legumes, frutae livros... no final, um grande 31!

No próximo dia 13 de Maio, sábado pelas 18 h naURDFG, tem início a exposição do 2.o concurso defotografia 3pontos «Entre o Sagrado e o Profano» (clas-sificações na última página), desde já agradecemos atodos os que participaram no evento.

No final do mesmo mês, duas colaboradoras 3pontosirão representar Portugal em Itália, para mais um inter-câmbio entre associações europeias cujo tema será«Youth Participation and The critical Consumption:Sharing Ideas for a Resposible Lyfe Style» espera-se

deste encontro uma troca de experiências entre países euma linha estratégica de conduta e de sensibilização aaplicar em cada região.

Propomos para o dia 24 de Junho, sábado, um pas-seio de burro! A Naturanima oferece a oportunidade ea 3pontos organiza, contaremos com a adesão de umanimado grupo de pessoas com vontade de passaremum dia que se adivinha bem divertido.

A próxima edição do Contrapontos, que sairá emJulho próximo, será especial.

O jornal da Associação 3pontos, anteriormentedesignado por Boletim Informativo faz 1 aninho.

Como podem reparar este jornal já tem 16 páginas.Este esforço representa uma maior colaboração porparte dos associados. Pretendemos manter-nos destetamanho e se possível maior. De forma a darmos con-tinuidade àquele que pensamos ser um dos instrumentosque dá voz à nossa geração, escrevam!

Personagem multifacetado. Homem da rádio (RádioRenascença, Emissora Nacional, Rádio ClubePortuguês, RDP e TSF) da televisão (autor deprogramas como «Juiz Decide», «Vidas Reais»,«Conversas Curtas com Carneiro Jacinto», «Prédiodo Vasco»), escritor e dramaturgo, Paulo Mira Coelhoapresenta-nos o seu percurso de vida e quais as suasmotivações. Vale a pena ler!!!Fo

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Page 2: Jonal contrapontos

Agenda

Estrada de S. Mamede, 1 — 2705-637 S. João das LampasTelef.: 96 805 79 85; e-mail: [email protected]; www.3pontos.com

Publicação periódica bimensal • Ano I • Maio de 2006 • N.o 4 • Distribuição gratuitaColaboram neste número: Ângela Antunes, Carlos Zoio, Fátima Leal, Fernando Cerqueira, InêsSimões, Jorge Falcão, Jorge Telles de Menezes, José Manuel Silva, Marco Cosme, Rafael Ale-xandre, Rita Bicho, Verónica Sousa, Verónica VieiraGrafismo: Luís BordaloComposição e paginação: Alfanumérico, Lda.Impressão e acabamento: Gráfica Manuel Barbosa & Filhos, Lda.Tiragem: 1000 exemplaresDepósito legal n.o 233 880/05

Contrapontos destina-se a dar eco das opiniões dos sócios e não sócios, da Associação 3pontos— ambiente, arte, cultura, sendo uma tribuna de livre opinião e um espaço aberto a todos. Osartigos publicados responsabilizam unicamente o seu autor.

29 de Maio às 16:00 h«ABC Um Tesouro para Você» — Com-panhia Hortelã PimentaLocal: Sociedade União Recreativa deFontanelas e Gouveia30 de Maio às 10:30 hPara crianças dos 6 aos 10 anos

MÚSICA

Babali beat SoudsystemTodas as 5.as feiras no S’pontâneo — Sintra

Kumpania Algazarra — Músicas do MundoCaldas da Rainha, dia 18 de MaioViseu — Landeiras, dia 27 de Maio

DANÇA

«Noite das Camélias»Local: Sociedade União SintrenseR. Maria Eugénia Reis Ferreira Navarro, 72710 SintraTel.: 21 923 21 9913 de Maio

MUSEUS

Dia 20 de Maio, entre as 21:00 h e as24:00 h, o Museu Arqueológico de SãoMiguel de Odrinhas abre as suas portas aopúblico, aderindo à iniciativa da Noite dosMuseus. A ideia de permitir um percursonocturno através dos espaços expositivos,extravasa largamente os objectivos de umavisita guiada convencional.

FEIRAS

Feira do 31 (organização 3pontos)Periodicidade: Todos os primeiros sábadosde cada mês de 31 dias, a partir das 9:00 hno Largo do Coreto — Fontanelas

Feira de S. Pedro de PenaferrimPeriodicidade: 2.o e 4.o domingos de cadamês, das 9:00 h às 18:00 h no LargoD. Fernando II — S. Pedro de Penaferrim

Feira de AlmoçagemePeriodicidade: 3.o domingo de cada mês noLargo Comendador Gomes da Silva, das8:00 h às 13:00 h

ALAGAMARES

II Oficina de Teatro, orientada pelo encena-dor Rui Mário, no Sport União Colarense.De 19 de Abril a 13 de Maio

Passeio esotérico no Parque da Pena, como escritor José Medeiros, presidente daSociedade Portuguesa de Saberes Antigos.

20 de Maio

Concerto comemorativo dos 100 anos donascimento de Fernando Lopes Graça.Grupo Coral de QueluzLocal: Sociedade União Mucifalense21 de Maio

EXPOSIÇÕES

Centro Cultural Olga CadavalPraça Dr. Francisco Sá Carneiro2710-720 SintraTel.: 21 910 71 10

World Press CartoonEncontro das melhores obras de humorgráfico que se publicam nos principais jor-nais de cada país. Ao todo serão 464 traba-lhos em exposição.De 21 de Abril a 20 de Maio

Galeria Municipal de SintraEdifício do TurismoPraça da República2710-616 SintraTel.: 21 923 87 28

Exposição de Pintura«As Guerreiras»De Norberto NunesAté 24 de Maio

Exposição de Pintura«Poemas Pintados»De Luís Vieira BaptistaDe 27 de Maio a 21 de Junho

Espaço Cultural Casal de S. DomingosR. Alfredo Costa, 392710-523 SintraTel.: 21 924 04 11

Instalação «A Casa Acordada»De Acácio Malhador, Ana Viana, BeatrizKatchi, Francisco Condessa, José Franco,Júlio Mira e Margarida GomesAté 27 de Maio

Galeria de ColaresR. Fria, 22705-197 ColaresTel.: 21 929 32 84Exposição de PinturaDe Jorge Nesbitt e Manuel CadeiraAté 21 de Maio

TEATRO

XVII Festival de Teatro Amador deSintra 2006

«Feminino Singular» — Grupo de Teatrodo Mem Martins Sport ClubeLocal: Mem Martins Sport Clube6 de Maio às 16:00 h

«A Sagrada Família e Outras Estórias» —Grupo de Teatro AbsurdoAssociação Cultural AbsurdoLocal: Escola Secundária de Mem-Martins20 de Maio às 16:00 h

«Gaspar e Mariana» — Além Sonho —Ginásio Clube de QueluzLocal: Salão Nobre dos Bombeiros Volun-tários de Queluz20 de Maio às 22h00

«Romeu e Julieta» — Grupo de Teatro deAnçosClube Recreativo Império de AnçosLocal: sala de Espectáculos do ClubeRecreativo Império de AnçosMontelavar21 de Maio às 16:00 h

«O Teatro de Sombras de Ofélia» —Pénalua — Associação Cultural para odesenvolvimento da CriançaLocal: Sociedade da União Desportiva eRecreativa de Fontanelas e Gouveia27 de Maio às 22:00 h

«Daqui Fala o Morto» — Grupo CénicoOs TeimososSociedade Filarmónica Boa União Monte-lavarenseLocal: Auditório da Sociedade FilarmónicaBoa União Montelavarense29 de Maio às 16:00 h

«Morra Agora e Pague Depois» — GrupoCénico Pérola da AdragaSociedade Recreativa e Musical de Almo-çagemeLocal: Cine Teatro José Gomes da SilvaAlmoçageme

Page 3: Jonal contrapontos

A organização da noite de sábado,15 de Abril, da festa da Páscoa, a cargo da3pontos foi amplamente positiva e portodos comentada agradavelmente. Empalco estiveram quatro bandas,Artgot, Lu Sole Allavate,Movements e osKumpania Alga-zarra. Coube a estesúltimos encerrarem anoite. A animação pro-longou-se por váriashoras e entrou pelamadrugada dentro.

Saídos de uma metemo--nos noutra.

Entre 20 e 27 de Abril,com o apoio do Centro deDocumentação 25 de Abril daUniversidade de Coimbra, orga-nizámos uma exposição comemo-rativa do 25 de Abril e um debate emtorno desta data e da revolução a ela asso-ciada. Estiveram presentes cerca de40 pessoas que ouviram interessadamentee discutiram entre si o significado do25 de Abril e o que trouxe de novo àsociedade portuguesa. Introduziram ostemas em discussão, Rui Gomes, ex-diri-gente estudantil e professor de Sociologiada Universidade de Coimbra e José PedroCastanheira, jornalista do Expresso comtrabalhos de investigação sobre figuras danossa História mais recente. No própriodia 25 de Abril decidimos ver em con-junto o filme Capitães de Abril, de Mariade Medeiros.

Quem passou por esta exposição teveoportunidade de recordar momentos danossa História mais recente.

ABRIL EVENTOS MIL

AGENDA 3PONTOS

Outros houve quecomeçaram a percorrerum caminho de maiorconhecimento sobre estadata e momentos subse-quentes.

Fechámos a exposi-ção a 27 e a 29 estáva-mos a apresentar aopúblico amante de teatroa peça Palhaço de MimMesmo, da autoria dePaulo Mira Coelho (verentrevista nas páginascentrais), com os autores

Ruy de Carvalho, O Gandalf do TeatroPortuguês, como diz alguém com carinho,e João de Carvalho.

Quem, no dia 29, esteve presente nosalão da Sociedade pôde constatar o êxitoque foi esta apresentação.Perante uma plateia esgo-tada Ruy de Carvalho eJoão de Carvalho tiveramoportunidade de actuar eencantar e, no final dasessão, dialogar com opúblico presente.

Podemos afirmar semreceio: Foi uma grandenoite.

Agora, em Maio, a 6,retomamos a Feira do 31.

Uma iniciativa que,cada vez mais, marca ocalendário do primeirosábado dos meses com31 dias.

O artesanato como vem sendo habitualganha posição de relevo na feira, sem, noentanto, deixarem de comparecer as bancasde livros em segunda mão, as ervas aromá-ticas, os produtos agrícolas a comida vege-tariana, os chás e os espectáculos de ruaentre outros.

Dias depois e já com uns dias de atrasosurge este contrapontos, o n.o 4. Desde já

pedimos desculpa, mas com todaesta sucessão de eventos

foi impossível,como todos

compreenderão,estarmos na rua na

primeira semana deMaio.

Mostrámos traba-lho, capacidade de ini-

ciativa e de organiza-ção, agora para que a

3pontos possa ter meiospara desenvolver mais e

melhor actividade necessita-mos de publicidade no Con-

trapontos.Este é o nosso apelo.

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Page 4: Jonal contrapontos

Sábado dia 24 de Junho de 2006

Inscrições para o número:96 805 79 [email protected] limite de inscrições dia 15 deJunho

N.o mínimo de participantes: 20N.o máximo de participantes: 60

Público alvo: ensino secundário auniversitário/turismo activo e cul-tural.

Preçário:15 euros (sócios 3pontos)17 euros (não sócios)

CHERNOBILFOI HÁ 20 ANOS

AMBIENTE

A Agência Internacional de EnergiaAtómica (AIEA) calcula que 4000 pessoasperderam a vida em virtude da explosão noreactor n.o 4 da central nuclear da cidadeucraniana de Chernobil, em 26 de Abril de1986. A explosão formou uma nuvem depó radioactivo que atingiu o Norte e oOeste da Europa, chegando até à costaLeste dos Estados Unidos.

«É espantoso que a AIEA menosprezeo impacto do acidente nuclear mais sérioda história da humanidade», afirmou IvanBlokov, membro do Greenpeace (organiza-ção não-governamental — ONG) envolvidoem campanhas contra a energia nuclear.

O relatório desta ONG, A catástrofe deChernobil. Consequências na saúdehumana, publicado no 20.o aniversário domaior acidente nuclear da história, combase em pesquisas da Academia Nacionalde Ciências da Bielorrússia, divulga quedos 2 bilhões de pessoas afectados pelodesastre, 270 mil desenvolveram algumtipo de cancro. Desses, 93 mil morreramem virtude da doença.

«Nos 20 anos decorridos desde a tragé-dia houve 200 000 vítimas mortais naRússia, Ucrânia e Bielorrússia (60 000 naRússia e 140 000 nos outros dois países).

A incidência de cancro na Rússia,Ucrânia e Bielorrússia aumentou. Nesteúltimo país, entre 1990 e 2000 foi regis-tado um aumento de 40% de todos os tiposde cancro, subindo esta percentagem aos52% na região altamente contaminada deGomel. Na Ucrânia o aumento foi de 12%e em áreas contaminadas da região deZhitomir, o número de adultos com cancroquase que triplicou entre 1986 e 1994.Também na região russa de Briansk, aincidência de cancro multiplicou-se 2,7vezes.

Na Bielorrúsia, um estudo recente reve-lou que o cancro da tiróide nas criançasaumentou 88,5 vezes, nos adolescentes12,9 e nos adultos 4,6, pelo que se prevêentre 14 000 e 31 400 casos de cancro nospróximos 70 anos. Na Ucrânia, haverá24 000 casos de cancro da tiróide, 2400mortais.

A seguir ao acidente, foi dito que sóhaveria um ligeiro aumento dos problemasde cancro. A realidade foi bem diferente!Estes tumores demostraram ser bastanteagressivos, com um período de latênciamuito curto e uma elevada tendência paraformar metástases em 50% dos pacientes.Os casos de leucemia também aumentaram

e calcula-se que a população bielorrussapoderá chegar a sofrer de 2800 casos amais de leucemia entre 1986 e 2056, dosquais 1880 mortais.

Mas não foi só o aumento do cancro.O acidente teve outros efeitos devastadoresna saúde dos sobreviventes: danos no sis-tema imunológico e endócrino, aceleraçãodo envelhecimento, transtornos cardiovas-culares e do aparelho circulatório, transtor-nos psicológicos, aberrações cromossómi-cas e aumento das deformações em fetos ecrianças.

«O acidente de Chernobil desorganizousociedades inteiras na Bielorrússia,Ucrânia e Rússia».

«Uma interacção complexa de factorestais como problemas de saúde, aumentodos gastos com a saúde pública, com orealojamento de pessoas, com a perda deterras aráveis e com a contaminação de ali-mentos, crises económicas, problemaspolíticos, uma força de trabalho enfraque-cida — tudo isso gerou uma crise genera-lizada», conclui o Greenpeace.

A AIEA não se manifestou sobre orelatório.

FÁTIMA LEAL

A 3pontos organizaPeninha-Finisterra em colaboraçãocom Naturanima e Reserva de Burros

P R O G R A M A

10:00 h Chegada ao Centro de

Educação Ambiental da

Peninha

10:15 h Apresentação introdutória

da Peninha no contexto do

PNSC

11:00 h Visita à Capela da N. Sr.a

da Conceição

11:30 h Aparelhamento dos burros

12:00 h Início do passeio

13:00 h Pic-nic (refeição não

incluída)

14:00 h Actividade outdoor de

carácter ambiental (a defi-

nir)

16:30 h Desaparelhar

17:00 h DespedidaFoto

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Page 5: Jonal contrapontos

No século XIX inicia-se a RevoluçãoIndustrial. O surgimento das primeirasmáquinas e o aparecimento das fábricaslevavam milhões de seres humanos a con-dições de trabalho desumanas. Era comumo trabalho de crianças, mulheres — mesmográvidas — e trabalhadores em jornadasque duravam até 18 horas sem interrupção!Nos anos 20, do século XIX, começam emInglaterra, os movimentos pela redução dohorário laboral que vão alastrando pelaEuropa. Posteriormente, chegam aos EUAe Austrália.

Em 1886, Chicago não era apenas ocentro da máfia e do crime organizado, eratambém o centro do anarquismo na Amé-rica do Norte, com importantes jornais ope-rários como o Arbeiter Zeitung dirigido porAugust Spies e o Alarm por Albert Parsons.

Os operários americanos que há muitoexigiam a redução do horário para 8 horasdiárias (48 horas semanais), iniciam no1.o de Maio de 1886 uma greve geral.

No primeiro dia, a repressão foi vio-lenta e não poupou ninguém. Centenas detrabalhadores foram espancados e presos.Nos dias seguintes, grandes manifestaçõesde trabalhadores com cartazes e faixas,enchem as ruas de Chicago.

A polícia reage ainda com mais violên-cia e, ao quarto dia, enquanto decorria umagrande assembleia na Praça Haymarket,uma bomba explode no meio da multidão,provocando a morte a dezenas de trabalha-dores e ferimentos em mais de 200 pes-soas, incluindo alguns polícias.

O pensamento do poder sobre a repres-são na Praça Haymarket, em Chicago, éexpresso nos comentários do New YorkTribune, «estes brutos [os operários] sócompreendem a força, uma força que pos-sam recordar durante várias gerações...», edo Chicago Times, «a prisão e os trabalhosforçados são a única solução adequadapara a questão social», dão-nos uma ideiado clima social da época.

Albert R. Parsons, tipógrafo (39 anos),August Spies, tipógrafo (32 anos), AdolphFischer, tipógrafo (31 anos), GeorgeEngel, tipógrafo (51 anos), Louis Lingg,carpinteiro (23 anos), Michael Schwab,encadernador (34 anos), Samuel Fielden,operário têxtil (39 anos) e Oscar Neeb (?)são presos e levados a julgamento acusa-dos de haver provocado o tumulto.

Todo o processo é rápido. A 21 deJunho começa o julgamento. A sentença élida a 9 de Outubro. Parsons, Spies, Engel,Fischer e Lingg são condenados à morte porenforcamento; Fieldem e Schwab, à prisãoperpétua; Neeb a quinze anos de prisão.

Antes do enforcamento, marcado para11 de Novembro, Louis Lingg suicida-se.

No dia 14 de Julho de 1889, centenárioda tomada da Bastilha, delegados operáriosde vários países reunem-se em Paris com opropósito de dar vida a uma nova Interna-cional. Ao votar as resoluções, o belgaRaymond Lavigne propõe a organizaçãode uma grande manifestação internacionalcom data fixa, em todas os países e cidadespela redução da jornada de trabalho para8 horas. Como nos Estados Unidos jáhavia sido marcada para o dia 1.o de Maiode 1890 uma manifestação semelhante,manteve-se a data para todos os países.

No II Congresso da II Internacional emBruxelas, entre 16 e 23de Setembro de 1891, foifeito um balanço domovimento de 1890 e nofinal desse encontro foi

AS ORIGENSDO 1.O DE MAIO

EFEMÉRIDE

Na base do monumento as últimas palavras de August Spies: «Virá o dia em queo nosso silêncio será mais poderoso que as vozes que vós estrangulais hoje.»

Monumento de homenagem aos mártires de Chicago

aprovada a resolução de «tornar o 1.o deMaio como um dia de festa dos trabalha-dores de todos os países, durante o qual ostrabalhadores devem manifestar os objecti-vos comuns das suas reivindicações, bemcomo a sua solidariedade.»

Nos EUA o Congresso aprova, em1890, a lei que estabelece a jornada de8 horas diárias e em 26 de Junho de 1893,a Justiça reconhece que todas as provasapresentadas, durante o julgamento,haviam sido forjadas e que havia sido apolícia a colocar a bomba para incriminaros manifestantes. A inocência dos conde-nados foi reconhecida, e os três operários,que ainda se encontravam na cadeia, foramlibertados.

FERNANDO CERQUEIRA

Cartaz da época com as fotos de Parsons, Neeb,Fischer, Spies, Engel, Fielden, Schwab e Lingg.

Page 6: Jonal contrapontos

Vivemos numa paisagem cultural, pro-tegida por autoridades regionais, nacionaise internacionais. Para alguns (que sãotodos demais), essa paisagem é uma fontede rendimento, para outros, uma fonte desuposto divertimento (mais lúgrube quealegre, na realidade), para outros, muitos,uma paisagem indiferente, ou de postal--fotográfico, como são para eles, afinal,todas as paisagens, incluindo as dos seusinteriores. Mas para uma infinita minoriade amantes da espiritualidade de Sintra, elaé uma fonte de criatividade. É essa minoriado passado, do presente e do futuro, ouseja de sempre, que fez de Sintra um localde eleição, uma essência da cultura portu-guesa, europeia e universal. Essa minoria éa guardiã excogitadora e criadora perma-nente de Sintra.

Sintra não precisa de visibilidade,Sintra já a possui como foco irradiador eindestrutível do espírito humano na sua

multiplicidade. As ideias técnicas de pro-gresso dão-se muito mal com Sintra, con-forme o rei romântico D. Fernando já comfina ironia sugerira, ao designar o «seu»Castelo da Pena como a sua «locomotiva».O progresso, entendido no banal sentidoburguês de acumulação de lucro comoúnico merecimento e critério de avaliaçãodo sucesso, esse sucedâneo superficial daindagação pela verdade, está nos antípodasda essência histórica e espiritual de Sintra.Sintra recusa visceralmente o paradigmatécnico-científico. Nada há de mais odiosoe feio em Sintra do que as manchas depenetração dessa modernidade mercanti-lista de fachada, e betónica de essência ecoração.

Veja-se a tristíssima figura que faz oHotel Tivoli no centro da Vila, ou a des-truição do carácter burguês oitocentista da

Estefânea pela feíssima arquitectura dasagências bancárias ali instaladas, além dealguns outros prédios que, um pouco portodo o lado, vão roendo com a sua almamecânica e fria o coração romântico deSintra, para não citar o que é boca cheia detodos os Sintrenses sensíveis, isto é que apavimentação e outras intervenções «urba-nizantes» nesse antigo bairro da Estefânea,são uma horrível afirmação do gosto«suburbanista», contra o carácter român-tico-burguês tradicional dessa área, comseus materiais industriais e absurdas solu-ções, como a pseudo obra de arte diante doCentro Cultural Olga de Cadaval, ou aincongruente rotunda com fonte no cruza-mento para a Várzea. Também se poderiafalar do triste espectáculo ainda permitidodas filas de automóveis aos domingos(parece que a buzineira dos casamentosabrandou!), de pessoas doentiamente sen-tadas a observarem nem sabem bem o quê,talvez o vazio das suas próprias existên-cias, e que vão deixando um rasto mortalna paisagem, um travo ácido atrás de si,destruidor das pessoas que aqui estãovivas, da natureza, dos edifícios, em suma,do espírito de um lugar. Definitivamente,Sintra repele esta modernidade tardia,pacoviamente satisfeita, intelectualmentemorta, culturalmente deserta.

A situação é gravíssima, pois é óbvioque estamos, no fundo, perante um con-flito civilizacional, entre, por um lado,uma ainda impante tardomodernidade, tãoconfundida com uma pós-modernidade, deraiz norte-americana e norte-europeia,inconscientemente assimilada como porta-estandarte da nossa tardo-modernização, eque leva a que uma região até aqui algo

REFLEXÕES SOBRE UMAESTRATÉGIA CULTURALPARA SINTRA*

* Estas reflexões só têm como objectivo congre-gar todos aqueles que pensam Sintra responsavelmentepara definirem uma verdadeira e duradoura estratégiapara este nosso concelho, porque somos daqueles quecrêem na força do pensamento esclarecido. Elas terãopela minha parte com certeza continuidade, e esperan-çadamente algum eco nos meus concidadãos.

CULTURA

Page 7: Jonal contrapontos

periférica para o paradigma do «desenvol-vimento» técnico dominante, mas a sofrerum processo de galopante metropoleniza-ção por Lisboa, tenha muita dificuldadeem esgrimir com argumentos espirituais eculturais, se do outro lado se encontra apujantíssima (e tantas vezes pouco escru-pulosa) indústria da construção civil e asua aliada, a banca, com uma administra-ção pública pelo meio, que anda ao sabordas corrrentes «personalizantes» e «fulani-zantes» do poder, e contando ainda com apior arma de todas: a ignorância, a incons-ciência e a insensibilidade generalizadas,enquanto do outro lado só encontramosargumentos espirituais, históricos, literá-rios, culturais, ambientalistas, cívicos, crí-ticos, independentes. Mas é justamenteessa desigualdade que nos desafia a sermosradicais nestas reflexões, querendo, obvia-mente radical dizer, que queremos ir até àraiz.

Em nome do espírito, dos valores cultu-rais, da memória, e sobretudo em nome dosnossos filhos, digo que não a todas as ten-tativas de betonizar mais o riquíssimo patri-mónio genético (cultural-ambiental) deSintra, que por lei, e por estatuto universaljá está protegido. Estou dispostos a recorrera todos os meios para o impedir. Lutareisem hesitações contra uma administraçãocompadria e corruptível que fecha os olhosaos mais indignos atentados contra a memó-ria de Sintra, (perpretados pelos portadoresde uma visão egoísta e primitiva da vida,ainda que muitas vezes engalanada comabundantes títulos de erudição bacoca efartíssimas contas bancárias de dinheiro,tantas vezes ganho com autênticos desfal-ques e jogatanas com o tesouro público).

Para o bem de Sintra tenho algumasmedidas imediatas a propor que somente

escandalizarão certas mentes egoístas epredadoras, que julgam que a vida e a exis-tência são um jogo de monopólio, em queganha o mais esperto (não o mais inteli-gente!), que a verdade é sinónimo de luxoostentatório, e que a beleza é um enquadra-mento para um olhar fosco entre duas pla-cas de betão. Quando digo «primitivas»,falo daquelas mentes que não conseguemencontrar um equilíbrio entre o proveitopróprio e o proveito comum. Primeiro,gostaria de salvaguardar que o nosso pen-samento é edificante; mesmo que tenha decombater um «inimigo» desprovido deespírito, não usarei as armas dele, para nãoficar amarrado ao lodo da sua materiali-zada consciência. Soarão as minhas pala-vras, porventura, como uma epifania, umacelebração, um idealismo desenraizado,uma estratégia utópica, que não toma em

conta as «reais» forças e alavancas de«desenvolvimento» contemporâneas. Tal-vez se pense ainda, que buscarei somenteum lugar para exercer as minhas reflexõesmetafísicas, mas que o pragmatismo do«progresso» e da «história» não se compa-dece de tais excessos «românticos» e«individualistas», numa era em que sãosempre as «maiorias» quem decide. Um«metafísico», ao fim, segundo a lógica dosistema dominante, deveria antes do maispoder comprar o seu próprio lugar excogi-tador.

Mas aquilo de que vos falo, na reali-dade, é bem do oposto, isto é, falo de umafruição colectiva de um espaço vocacio-nado para a especulação estética e refle-xiva, de uma construção colectiva metafí-sica da paisagem, da conservação de umrefúgio «sagrado» da cultura humana, da

defesa de uma «tradição» suficien-temente forte para desmascarartodas as tentativas de «moderniza-ção», cujo gato escondido com rabode fora se chama: lucro absoluto,irresponsável, anti-social, comoimpulsionador de uma pseudo-vida,num espaço, enfim, que é por natu-reza universal e já intemporal, e quepor isso a todos pertence e anenhum em particular. É possívelparar o pseudo-progresso que pre-tende arrancar Sintra da sua calmasagrada. Até o mais encarnecido«tardomodernista» gostará de pas-sear por atalhos da floresta sem darpontapés em embalagens de plás-tico.

JORGE TELLES DE MENEZES

Page 8: Jonal contrapontos

3pontos: Seja para rádio, televisão outeatro, a escrita parece ser o factor comumà sua diversificada actividade profissional.Escrever tem estado sempre presente nasua vida?

Paulo Mira Coelho: Sim. No final daadolescência, o que mais gostaria de fazerera escrever, mas acreditava que só o con-seguiria com alguma maturidade e expe-riência de vida. Por isso, estabeleci umaespécie de linha de aprendizagem e come-cei pela rádio, porque já lá trabalhava.Depois, pensei: A seguir, se puder, experi-mento jornalismo de imprensa e publici-dade, depois, televisão, cinema e termino aescrever livros. Marquei os cinquenta anoscomo a idade para começar a escrever e foiisso, de facto, que aconteceu. Curio-samente, nunca imaginei escrever parateatro.

3...: A peça «Palhaço de mim mesmo»foi a primeira da sua autoria?

PMC: Já tinha escrito outras, mas paraa gaveta. Sentia necessidade de perceber adiferença entre o diálogo filmado e orepresentado, porque não encontrei nin-guém que me explicasse qual era exacta-mente. Tinha muito receio dos diálogospara teatro e sempre me afastei desse tipode escrita. Preferi adquirir experiência emtelevisão, por ser um meio mais consu-mista onde tudo passa despercebido.

PMC: Penso que foi mais difícil para oRuy. A imagem que tenho dele é tãobonita e grande, que escrevi algo a tocar otecto. Exigi de mim uma qualidade à suaaltura e acho que acertei.

3...: Assim sendo, como lhe surgiu aideia de conceber esta peça?

PMC: Estava um dia em casa do meusogro, o actor Ruy de carvalho, quando mecomeçou a dizer que a sua carreira estavana fase final. Já sentia cansaço em decorargrandes textos, mas expressou o desejo emencontrar uma peça onde interpretasse umpalhaço, já que, apesar de adorar esta per-sonagem, nunca a representara. Naquelemomento, decidiu que seria eu a escrevê--la. Fiquei, como se pode imaginar, aflito.Disse que sim, na expectativa de que seesquecesse, mas tal não aconteceu. Come-cei a recolher elementos e levei algumtempo a chegar a conclusões mas, no final,o Ruy gostou muito. Apenas a achou umpouco densa, como tal, retirámos-lhe meiahora de duração.

3...: Por curiosidade, quanto tempodemorou a escrevê-la?

PMC: Talvez uma semana porque,quando a fluência me surge, escrevo porimpulso. Sento-me ao computador durantevários dias e noites, até cair para o lado. Separo, é como se tivesse de reescrever a peçae isso custa-me imenso. Preciso ter a noçãode ritmo do que escrevo e, sobretudo naescrita para teatro, isso é muito importante.

3...: Escrever para o sogro foi um pro-cesso fácil ou mais difícil?

ENTREVISTA

Em 1974, na madrugada de 24 para 25 de Abril, o som do poema e música «Grândola VilaMorena» ecoou em Portugal pela antena da Rádio Renascença, no programa Limite. Na altura,ninguém imaginava que o movimento assim despoletado fosse capaz de transformar a realidadepolítica, económica e social do país. Hoje, apesar de todos conhecerem os detalhes que fizerama revolução dos cravos, poucos sabem que foram as mãos do locutor Paulo Mira Coelho,e não as de Leite de Vasconcelos, que colocaram no ar a senha mais famosa da históriaportuguesa. As mesmas que escreveram a peça «Palhaço de Mim Mesmo», para os actores Ruye João de Carvalho, e muitos outros textos radiofónicos, televisivos, cinematográficos e literários.Na tarde de 24 de Abril, trinta e dois anos passados sobre a revolução, o Contrapontos sentou-seà mesa com este grande comunicador português. Aqui ficam as palavras de um homemcom uma sensibilidade e visão únicas.

«O PALHAÇO TRÁS FELICIDADEE PROVOCA O RISO AO GOZARCOM TUDO O QUE EXISTE»

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3...: No entanto, a ideia de palhaçopresente na peça não é a mais tradicional.Qual foi a mensagem que pretendeu trans-mitir?

PMC: Na peça, o Ruy e o filho, o actorJoão de Carvalho, representam a mesmapersonagem, mas em idades diferentes.O velho encontra-se com ele próprio emnovo e diz ao jovem para ser feliz agora,para que ele, em idoso, também o possaser. Só que, no passado, ele está cheio deproblemas relacionados com o que fez,provavelmente, noutras encarnações.O velho demonstra-lhe que a porta estáaberta para dar uma volta em si próprio eque merece ser feliz no momento. Apesarda resistência inicial, o jovem vai caindoem pequenas armadilhas afectivas e a peçatermina com ambos a proferirem o mesmotexto. A ideia de palhaço está relacionadacom o facto de todos termos algo deste serem nós e significa que, ao atingirmos a suadimensão, tocamos a eternidade. O palhaçotrás felicidade e provoca o riso ao gozarcom tudo o que existe (dentro e fora denós), como tal, a personagem da peça pro-põe que sejamos capazes de atingir essalimpeza e sorriso fácil, emotivo e degrande interioridade.

3...: No fundo, parece que está a abor-dar a noção de evolução da alma.

PMC: Exactamente. Acredito que osentido da vida está relacionado com um

objectivo inerente à própria vida, especí-fico a cada um de nós e que se reflecte nasdiferentes passagens ou encarnações. Emdados momentos, somos chamados a cum-prir uma parte dessa missão e é-nos per-mitido atingir degraus qualitativamentemelhores.

3...: A reencarnação não é propria-mente um tema fácil. Como tem sido areacção do público à peça?

PMC: Depois da ideia inicial de queseria demasiado profunda, fiquei surpreen-dido com o resultado, sobretudo nas cida-des do interior, onde as reacções foramincríveis. O público chorou, os debates,depois da actuação, prolongaram-se pormais de duas horas e ouvi elogios quejamais imaginei. Apesar de vivermos numasociedade católica, há coisas elementares,cuja grande lógica determina que a ver-dade talvez esteja ali e não faz mal abordá--las. A peça utiliza a guerra do Ultramarpara mostrar que todas as acções se reflec-tem no futuro e que, algumas delas, vêmna sequência de correntes de traumas dopassado. Sugere que ir a uma outra encar-nação pode, provavelmente, fazer um linkcom a actualidade e ajudar a perceber oaconteceu na época. Uma das hipóteses deraciocínio é que, talvez, tenham sido con-tas que ali ficaram saldadas. Tive reacçõesinesperadas, indicadoras de que a peça teráajudado algumas pessoas que viveram oUltramar a encaixar as suas vivências.

3...: Enquanto autor, como se sentiucom este sucesso?

PMC: Estou muito contente. Foi opontapé nas costas e é como se a porta quemais temia se tivesse aberto. Já escrevi

outra peça sobre o mito da Morgana, aestrear no Porto até ao final do ano, cominterpretações dos actores Ruy de Carvalhoe Mónica Garcês, respectivamente nospapéis de Merlin e Morgana. Actualmenteestou a terminar um monólogo, assimcomo uma comédia para o João de Carva-lho e um grupo de actores, em que todosos papéis serão femininos.

3...: Desde que encetou esta nova etapaprofissional, sente que é na escrita teatralque se realiza totalmente?

PMC: Não. Tenho escritas completa-mente diferentes e não perco a oportuni-dade de alinhavar uma ideia e de a escre-ver se me der prazer. É um exercíciodiário. No teatro, quando digo que umtexto está pronto, não faço a mínima con-cessão, porque me retrata e reflecte o quepenso. É algo profundo, onde coloco muitocarinho. Já a televisão é um meio de sobre-vivência e os livros os meus orgasmos.À escrita cinematográfica ainda não meliguei afectivamente, apesar de ser umgrande apreciador de cinema.

3...: A forma como se expressa, revelauma grande espiritualidade. Acredita emDeus?

PMC: Não tenho nenhuma religião,nem clubes desportivos ou políticos. Nesseaspecto, sou um outsider. Acredito numaordem dentro da própria vida, a que sechama Deus, Princípio ou Alá e sinto umprofundo respeito por todas as religiões.É através delas que, de uma forma simul-tânea, procuro esse tal princípio que existeem tudo, embora neste momento, de umaforma desarmonizada. Como, para mim, épossível a ideia de que a humanidade umdia vai assumir um estatuto de harmonia e

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perfeição, oriento conscientemente todasas minhas acções, palavras e gestos na lutacontra o desequilíbrio e, através da escrita,procuro um entendimento sobre a verdadesuprema e o sentido da vida. Apesar denem sempre ser bem sucedido, esta posturadeu-me um grande conhecimento, sereni-dade e, sobretudo, força interior para com-bater as adversidades com segurança.Posso dizer que o sítio onde estou hoje,comparado com o de há quinze anos, écomo o dia para a noite.

3...: À luz da sua forma de estar navida, como foi ter sido uma peça funda-mental na revolução do 25 de Abril?

PMC: Curiosamente, na altura, aminha atitude foi o mais inconsciente pos-sível. Tinha vinte e cinco anos e nemsequer era politizado. Fui eu quem colocouno ar o Grândola mas, realmente, semsaber do que se tratava. Nanoite de 24 de Abril de1974, era o locutor de ser-viço na estação (RádioRenascença) e estava aapresentar o programaLimite, quando me deramuma bobine com poesiapara passar à meia-noite evinte. Em rádio, este proce-dimento era normal e nãoestranhei. À meia-noite edezoito, enquanto estou aler publicidade, vejo-os nocorredor a fazer gestos, umdeles entra na cabine einsiste para que a tal bobinefosse para o ar à hora certa.Baixei a música e ouviu-se a voz do Leitede Vasconcelos a declamar o poema, commúsica em pano de fundo.

3...: Não estranhou a agitação dos seuscolegas?

PMC: Claro. Antes do final do pro-grama, vim ao corredor e perguntei-lhesque atitude era aquela. Pediram-me des-culpa e deram a entender tratar-se de umamensagem para alguma namorada ou fã, oque em rádio, naquela altura, também eraum procedimento normal.

3...: Quando é que descobriu ter sido oresponsável por colocar no ar a senha quedespoletou o movimento dos capitães?

PMC: Depois do programa terminar,continuei de serviço para dar os anúnciosda estação, de hora a hora, até às sete damanhã. Por volta das quatro, os EmissoresAssociados telefonaram-me e fiquei asaber que haviam tanques nas ruas. Sinto-

nizei, de imediato, o Rádio Clube e, aoouvir o som das marchas militares, ques-tionei-me sobre o que se estaria a passar.Só obtive uma resposta meia hora depois,quando me ligaram do SNI — a entidadecensora da rádio. Perante o meu desconhe-cimento dos acontecimentos, uma voz,meio pidesca, informou-me que estava adecorrer um golpe militar, na sequência deuma senha que tinha saído à meia-noite evinte na Rádio Renascença.

3...: Nessa altura, como é que se sen-tiu?

PMC: Fiquei para morrer, com o san-gue gelado e sem saber o que iria aconte-cer. Resolvi ficar na estação, com a cer-teza, de que, mais tarde ou mais cedo, aPIDE ia entrar por ali adentro. Felizmente,tal não aconteceu, porque o 25 de Abril foià frente.

3...: Depois do pânico inicial, de queforma viveu os acontecimentos no dia 25?

PMC: Saí de serviço às sete da manhãe fui captar som para os noticiários. Viam--se tanques na rua e, na zona da Câmara deLisboa, ainda assisti a uma cena de tiros.O Terreiro do Paço estava em grande alvo-roço, mas consegui ver o Adelino Gomesem cima de uma camioneta e fiz-lhe sinal.Ao ver o gravador, disse-me para subir eestendi-lhe o fio do microfone, porqueestava mais à frente. Fiquei a fazer o níveldo som da máquina, que ainda era manual.Passámos o dia todo do 25 de Abril a fazerreportagem. Mais tarde, foi editada numduplo albúm.

3...: Nunca chegou a confrontar os res-ponsáveis pela bobine?

PMC: Logo no dia seguinte. Eles eramtrês: o Leite de Vasconcelos, o ManuelTomás e o Carlos Albino. A atitude cor-recta teria sido trocarem comigo naquele

dia, ou então, explicarem-me qual era asituação, para poder assumir ou não a res-ponsabilidade. Disseram-me que, nestasalturas, há sempre alguém que pode sersacrificado. Nunca lhes faria o mesmo...Por volta de 1989, devo dizer que o CarlosAlbino se deslocou de propósito à RádioComercial para me pedir desculpa. Foibonito...

3...: Apesar de em tempos de revoluçãotudo acontecer muito rápido, o que mais omarcou nesta época?

PMC: Em termos de espontaneidade ecriatividade, o ano de 1974 jamais se repe-tirá em Portugal. Ainda hoje me comovocom o 25 de Abril e a alegria nas ruasnaquele dia... Inesquecível... As pessoasolhavam-se nos olhos de uma forma dife-rente. Acreditaram que iam ser felizes, quepodiam viver bem num país muito bonito,

onde nunca mais seriam per-seguidas todos eram amigos.Foi lindíssimo... algo quenunca mais encontrei na vidae que marcou profundamentea minha geração. O 25 deAbril foi, de facto, um movi-mento de espontaneidade, jáque, na sua génese, nunca setratou de uma revolução. Oscapitães movimentaram-seporque ganhavam mal e aguerra estava perdida.

3...: Como foi a experiên-cia de viver em liberdade pelaprimeira vez?

PMC: Tudo passou a serdiferente desde esse dia. Reparei imediata-mente que, dois dias depois, as bancas doRossio estavam cheias de revistas Playboye que, de seguida, estreou o «ÚltimoTango em Paris» (até vinham excursões deEspanha para ver o filme). De resto, foiestranho poder dizer o que nos apetecesse,sem que ninguém nos responsabilizasse.Fomos obrigados a aprender a expressar oque sentíamos, sem magoar os outros. Vol-támos a ser pequenos e descobrimos novasformas de escrever, comunicar, desenhar,falar ou estar em rádio. Aliás, a esponta-neidade com que passámos a aprender foiuma das grandes vitórias do 25 de Abril.

3...: Na sua opinião, a actual crise dopaís pode ainda estar, de algum modo,relacionada com o excesso de expectativasgeradas com o 25 de Abril?

PMC: É verdade que está. Este descré-dito é a impotência de um povo que, numdeterminado momento, acreditou que

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No último Contrapontos começámospor explicar algumas características espe-ciais do Vinho de Colares, bem comoalguns aspectos com importância históricae socio-económica associados à sua pre-sença na nossa região. Acontece que, ape-sar de se tratar duma tradição antiga dotadade características exclusivas e duma repu-tação de excelência em todo o mundo, oVinho de Colares encontra-se numa situa-ção delicada.

No presente artigo é nosso objectivoabordar este tema na perspectiva de que,mesmo tratando-se de uma realidade espe-cífica e circunscrita, pode ser encarado deuma forma interpretativa e transversal.Uma vez que facilmente lhe encontramosparticularidades de carácter natural, técni-co, económico, social ou cultural, parece-nos que qualquer tentativa de resoluçãodos problemas relativos à precariedade doseu estado actual necessitará de umaabordagem multidisciplinar, em que asdiversas instituições e áreas do conheci-mento envolvidas cooperem entre si, de

uma forma interes-sada e responsável.É também por issoque o vinho não podeser encarado comoum factor isolado,independente da realidade em que seinsere. Neste sentido, ao preocupar-mo-noscom o estado da Vinha e do Vinho esta-mos também a debruçar-nos sobre ques-tões ligadas à viabilidade social da zonaem questão.

A área de produção do Vinho de Cola-res tem diminuído abruptamente ao longodos últimos anos. Se noutros tempos avinha chegou a atingir cerca de 2000 hec-tares, hoje em dia a vinha de chão de areiasoma uns meros 10 hectares. Trata-se deum declínio comum às muitas culturasagrícolas da nossa região, mas que no casoda vinha assume particular importância portratar-se duma cultura demasiadamenteespecífica que corre o risco de se perder.Em nossa opinião, este risco prende-seessencialmente com a falta de investimento

a vários níveis no sector agrícola, pelofacto de a agricultura não ser encaradacomo uma actividade viável e vantajosa,numa época regrada pelo imediatismo emque tudo é fugaz e em que parece haverdificuldade de gerir planeamentos a longoprazo. Por outro lado, existe uma tendênciapara estereotipar quem pratica agriculturacomo pobre e inculto, o que de algummodo desencoraja a sua prática. Este tipode tipificação faz cada vez menos sentido,até porque, actualmente, quem dominao mercado no sector agrícola, domina oconhecimento e detém poder económico.Especificamente, este tipo de tendênciapara a estereotipificação «negativa» podeestar ligado ao facto de «os saloios» teremsido quem abasteceu a burguesia lisboetade alimentos durante séculos e ao facto de

O VINHOEM COLARES

ESTÓRIA DA HISTÓRIA

podia ser feliz. Hoje em dia, observamosum país profundamente corrupto nas suasinstituições políticas, religiosas e económi-cas, onde aqueles que acreditaram na trans-formação foram os mais marginalizados.Trinta e dois anos depois, Portugal tinhacondições para estar bastante mais à frente.Além da incompetência política e econó-mica, existe uma perversidade subjacente auma série de dirigentes que, aos poucos,cederam a necessidades de ordem interna-cional e têm permitido que o país perca asua própria identidade. Quando se olha àvolta e se constata as dificuldades em quevivem a generalidade das pessoas, torna-semuito relativo falar de democracia à bocacheia, como tanto se ouve actualmente.

3...: Trinta e dois anos passados, o quefaz falta a Portugal?

PMC: Uma grande camada de huma-nismo e honestidade, mas também, espe-rança em tudo o que se acredita, porque oportuguês está a perdê-la. Se pudesse, o

dom que pediria para este país é que osportugueses aprendessem a gostar de sipróprios.

3...: Qual é o seu grande sonho?PMC: Apesar de ser uma utopia quase

cinematográfica, gostava de um dia chegarao cume do monte, sentar-me e acontecer--me o mesmo que a Moisés: Ouvir queuma nova ordem vem aí...

PERFIL

A ligação de Paulo Mira Coelho àrádio começou cedo. Aos dezoito anos,inscreveu-se num concurso para locutoresda Rádio Universidade, fez o teste e foichamado a estagiar. Apesar de o coraçãoquase lhe sair pela boca, quando entroupela primeira vez numa cabine, o bichinhoda rádio moldou uma paixão que dura atéhoje. Para trás ficou o cursou de arquitec-tura. Desde então, trabalhou como jorna-lista e locutor de programas na Rádio

Renascença, Emissora Nacional, RádioClube Português, RDP e TSF. Vinte ecinco anos de carreira radiofónica que ter-minaram na Rádio Comercial, quando aestação foi vendida. A falta de identifica-ção com o novo projecto, determinou umaviragem no percurso profissional. Decidiuexperimentar a televisão. Aliou a imagina-ção à técnica de escrever para imagem —que aprendeu graças aos cursos de guio-nismo — e actualmente trabalha para aRTP, TVI e SIC, claro, sempre por detrásdo ecrã. É autor de programas como «JuizDecide», «Vidas Reais», «Conversas Cur-tas com Carneiro Jacinto», «Prédio doVasco» e foi produtor editorial de «Assaltoà Televisão» e «Casa dos Artistas».O cinema e o teatro surgiram recente-mente. São os novos universos criativosque Paulo Mira Coelho tem explorado comas suas palavras.

Entrevista conduzidapor ÂNGELA ANTUNES

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esta ser uma zona de minifúndio, em quenão se diferencia quem trabalha de quem édono da terra e onde, por uma questão dedimensão, foi difícil acompanhar o desen-volvimento tecnológico do sector.

No caso da Vinha e do Vinho, a faltade dimensão traz consequências a váriosníveis que se transformam num «estado decoisas» vicioso. O Vinho de Colaresencontra-se fortemente limitado no mer-cado devido à quantidade de produção —a produção média anual não ultrapassa os5 mil litros de Colares tinto e 2,5 mil litrosde Colares branco. Não sendo possívelgarantir dimensão suficiente de oferta, nãoé possível assumir compromissos comer-ciais que lhe permitiriam recuperar algumadimensão e magnitude, bem como darresposta ao mercado internacional —como já foi dito, o Colares é bastanteapreciado no estrangeiro, facto peloqual existe procura e não seria compli-cado fazer a sua reinserção nesses mer-cados. Além disso, perante uma situa-ção de escassez de uva para a produçãode novas reservas, ao longo dos últimosanos a Adega Regional de Colares temsido forçada a diminuir o envelheci-mento dos vinhos. Ainda assim, existeuma reserva com praticamente todos osanos de produção desde 1931.

A pequena dimensão e peso econó-mico da Vinha e do Vinho de Colarestraduz-se também em falta de investi-mento no desenvolvimento científico etecnológico. A carência em estudossobre a casta Ramisco e outras tradicio-nais (tal como a Molar), bem como afalta de plantas trabalhadas para plantar,não permite que potenciais investidores nonegócio da vinha se aproximem da região.Note-se ainda que o processo de instalaçãoe manutenção desta vinha é um dos maisdispendiosos a nível nacional, mesmoquando comparado com o trabalhoso pro-cesso de socalcos das vinhas do Douro.O surgimento de soluções tecnológicaspoderia minimizar o dispêndio necessárioe cativar, desta forma, novos investimen-tos. Como tem sido comum no nosso país,grande parte da inovação tecnológica passapela importação do que é desenvolvidonoutros países. Ora, sendo este tipo decultura vitícola exclusivamente nacional,teremos de ser nós responsáveis pela suainovação.

Apesar disso, a uva produzida em chãode areia é a mais bem paga no país, o quepode traduzir-se numa vantagem para osviticultores da nossa região — o seu preçoronda os 2,50 euros por kg. Por outro lado,o IFADAP, através da medida agro-

empresas de prestação de serviços (instala-ção e manutenção da vinha, formação,etc.), colmatando a falta de mão-de-obraespecializada e fomentando a actividadeeconómica.

No caso dos terrenos de uso exclusiva-mente agrícola é necessário que os proprie-tários se associem em prol de uma gestãoúnica, comum a um grupo de parcelas, demodo a aumentar a sua rentabilidade. Estacultura vitícola torna-se economicamenteviável acima dos 0,5 hectares; consequen-temente, quanto maior for a área cultivadamaior será a sua rentabilidade. Se, por umlado, numa atitude associativa, os benefí-cios são repartidos pelos vários proprietá-rios, por outro, a sua união permite a dimi-

nuição do investimento e a optimizaçãodos recursos (aquisição de maquinaria,manutenção de mão-de-obra especiali-zada, etc.).

No caso dos terrenos com capaci-dade para a instalação de vinha em chãode areia e em que o uso pode ser tam-bém habitacional ou turístico, é neces-sário que o poder administrativo tomemedidas que fomentem a interacçãoentre os sectores imobiliário e da cons-trução civil e o sector agrícola. Nestesentido, uma hipótese seria a criação deuma classe ou catalogação em ordena-mento municipal (classificação do usodos solos) que regulasse um compro-misso mútuo. Em resposta à necessi-dade de consumo de solo por parte dosector imobiliário seria imposta a condi-ção de instalação e exploração da vinhatradicional. Assim, quer o sector imobi-liário quer o da construção civil, apoia-

riam a revitalização da vinha e o sectoragrícola contribuiria para um crescimentopensado e regrado daqueles dois, acrescen-tando-lhe certamente uma mais-valia indi-recta: a instalação de vinha em terrenos decasas particulares pode funcionar comoespaço verde dessas habitações, con-ferindo-lhes prestígio e apurando umaestética paisagística muito procurada eapreciada. A par de tudo isto, a vinhaacrescenta em simultâneo o benefício daprodução de uva, gerando rendimento econciliando desta forma diferentes interes-ses que, à partida, poderiam ser tomadoscomo incompatíveis.

Por outro lado, seria necessário umaclarificação do valor real dos solos, umavez que no passado, antes do actual PlanoDirector Municipal entrar em vigor, defla-grou na nossa região um fenómeno deespeculação imobiliária que não soube dis-tinguir solo de uso agrícola do de usourbanizável. Hoje em dia, em relação ao

ambiental n.o 25 do programa Ruris, apoiaa manutenção da vinha tradicional daRegião de Colares, contribuindo com cercade 500 euros por hectare por ano. Apesarde parecer pouco, este apoio pode, porexemplo, contribuir para pagar a um traba-lhador o auxílio na manutenção anual dosaspectos tradicionais desta cultura. Paraalém desta medida, poderão eventualmenteexistir outras que ajudem financeiramenteas práticas vitivinícolas. Ainda assim, paraque esses financiamentos sejam efectivos éimportante uma boa gestão dos compro-missos assumidos.

É necessário fazer uma nova apostaneste sector. A grande maioria das vinhasde chão de areia que persistem foi plantada

nos anos 30 e 40 do século passado e o seuenvelhecimento pode levar à extinção dascastas da região. Uma vez que os terrenoscultivados, bem como os com potenciali-dade para o cultivo desta vinha, se encon-tram divididos em propriedades dispersas ede pequena dimensão (em média, nãoultrapassam os 0,3 hectares), é necessárioque os proprietários e os sectores envolvi-dos trabalhem em conjunto na gestão dosterrenos e da actividade.

Ainda nesta lógica, tanto é possível sero próprio proprietário a tratar e a responsa-bilizar-se pela gestão da vinha, como podedelegar essa tarefa a quem tenha compe-tência para tal — aqui poderá ser útil opapel da Adega Regional de Colares, umavez que se encontra disponível para apoiartecnicamente as pessoas interessadas. Setal acontecesse, seria também possível quepessoas com conhecimentos técnicosnecessários, em estreita ligação com aAdega Regional, formassem pequenas

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primeiro, persiste apenas o«efeito fantasma» dessaespeculação. Na verdade, osvalores pedidos no mercadosão demasiadamente eleva-dos e por isso os terrenosagrícolas acabam por ficarao abandono sem utilizaçãopossível. Uma politica terri-torial que não se comprome-ta com uma parametrizaçãodos preços do solo rústico,do solo urbanizado, e doespaço edificado para osdiversos usos, passa a ser,ela própria, o suporte detodas as práticas especulati-vas instaladas no sistema de mercado.

Pelo somatório de todos estes factores,a vitivinicultura é uma actividade a cair emdesuso na nossa região, pelo que é urgentee necessário que a sua realidade se adapteaos tempos actuais. Uma vez que os viti-cultores ainda activos são de uma faixaetária muito avançada e que existe um ele-vado desinteresse e falta de conhecimentopor parte dos mais jovens, seria necessáriotambém o rejuvenescimento do tecidoviticultor para dar continuidade aos conhe-cimentos ancestrais ligados à Vinha e aoVinho. Num passado recente, a adopção deum estilo de vida mais citadino e as conse-quentes alterações sociais geraram umaoferta de emprego diversificada e fizeramcom que os descendentes dos viticultoresda região optassem por novas profissões,tornando a vitivinicultura numa actividadesecundária. Ora, para defender esta activi-dade nos mercados contemporâneos seránecessário uma atitude inovadora, comempenho, com capacidade para recorrer àsnovas tecnologias e ao conhecimento e queaproveite o potencial dos jovens. Destemodo estaríamos também a contribuir pararesolver o problema actual do desempregona região, que em muito afecta as geraçõesem idade de entrar na vida activa e quemuitas vezes se vêem obrigadas a migrarpara as zonas suburbanas, à procura deemprego e de um mais baixo custo donível de vida.

É também necessário pensar no futuro.Se lutarmos por uma «mudança das menta-lidades», estaremos a preparar um futuromenos hostil às práticas agrícolas na nossaregião e mais dignificador das nossas tradi-ções sócio-culturais. Uma das vias possí-veis para atingir este objectivo seria a cria-ção de um Museu da Vinha e do Vinho deColares que servisse para divulgar e digni-ficar algo com contornos tão especiais.Seria bom que os jovens empreendessem a

recuperação desta cultura, apoiando-se nosaber dos mais velhos e cativando os maisnovos, ajudando-os a descobrir um valorque terão de ser eles a manter e a continuara desenvolver. Segundo o que apurámos, aAdega Regional de Colares dispõe já deum projecto para um museu a implantarnas suas instalações, desenvolvido com oapoio de especialistas e também de crian-ças das escolas da região. Para a sua con-cretização, falta apenas a materializaçãodos devidos apoios financeiros e jurídicos.

Existem indícios no discurso políticodo poder autárquico e do poder administra-tivo que apontam no sentido da existênciade uma vontade de recuperação do Vinhode Colares. Contudo, não se têm verificadoaplicações práticas dessa mesma vontade ea apatia parece ser a «ordem do dia». Aslinhas parecem estar traçadas nos váriosplanos de ordenamento e na vontade demuitos populares. Falta agora lançar mãosà obra.

Como vimos, embora numa situaçãodelicada, não é difícil reabilitar o Vinho deColares. Está a um passo de se perder e aum passo de se erguer.

Proteger a Vinha e o Vinho é tambémproteger uma tradição sócio-cultural quedesde há séculos optimiza recursos natu-rais e humanos. É evitar a degradação dasáreas agrícolas, evitar a degradação donosso parque natural, impor regras aoavanço da construção civil e combater ati-

tudes especulativas, evitar aperda de um saber-fazer e deum saber cultural específico,evitar o desenraizamento dapopulação local. No fundo,será lutar pela manutenção deuma identidade própria, peloreconhecimento de umaherança cultural que é nossa epor uma relação saudávelcom a Natureza, demons-trando uma visão conscienteque valoriza o bem-estarsocial, o conhecimento, aeducação e a cultura.

REFERÊNCIAS

CMS 1998. Relatório do Plano DirectorMunicipal de Sintra. Divisão de Orde-namento do Território e ProjectosEstratégicos — Departamento de Pla-neamento Estratégico.

CMS 2005. Plano de DesenvolvimentoEstratégico do Concelho de Sintra.Consultado em Maio de 2006: http://www.cm-sintra.pt/SintraIdeal2015_files/frame.htm

PAULO, J. A. V. 1992. Estudos científicosde base com vista à elaboração de umaestratégia de reconversão da RegiãoDemarcada de Colares. Universidadede Évora.

PNSC 2003. Relatório do Plano de Orde-namento do Parque Natural de Sintra--Cascais. ICN.

PARDAL, S. 2002. Planeamento do espaçorústico — As irracionalidades da RANe da REN. ADISA — Instituto Supe-rior de Agronomia e CESUR — Insti-tuto Superior Técnico. Lisboa

Agradecimentos: Queremos agradecer aosengenheiros José Paulo e Francisco Figuei-redo da Adega Regional de Colares pelosesclarecimentos prestados.

Fotografias dos autores.

MARCO COSME

JOSÉ MANUEL SILVA

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União Recreativa e DesportivaFontanelas e Gouveia

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A MAGIA DOS NOSSOS LUGARESPelo exterior salienta-se o chamado «Palá-cio», mandado construir por Augusto Car-valho Monteiro, o «Monteiro dos Milhões»(que também encomendaria a construçãodo seu palácio na Quinta da Regaleira),segundo projecto de Júlio Fonseca, de iní-cios do século XX em clave revivalista neo-manuelina/mudéjar, com a sua agregaçãode volumes paralelepipédicos, de pequenoporte, com uma varanda ao centro numcorpo mais saliente, desenhado com uma«serliana». Invariavelmente, o santuáriotem na sua origem uma lenda que relata aaparição de uma imagem da Virgem a uma«pastora». Uma família pobre que vivia aliperto, tinha uma filha muda. Num dia emque uma ovelha lhe foge, a criança encon-tra-a no lugar da Peninha, acompanhadapor um «anjo». Este manda a criançarecolher a ovelha e dar-lhe «pão». A meninamuda, fala então pela primeira vezdizendo-lhe que não tinha pão em casa.O anjo insiste e, de facto, ao regressar acasa, a criança e os pais encontram pãona arca. Regressados ao local, encontram aimagem da Virgem numa rocha e passam

a venerá-la na já então abandonada Capelade São Saturnino. Mas a imagem regressasozinha ao local primitivo. É aí que erguemuma capelinha muito singela e um altar empedra onde depõem a imagem.

Um dos «altos lugares» de Sintra, nosentido literal e figurado, acaba por consti-tuir mais uma consagração da Serra à Vir-gem, fazendo reviver o «eterno feminino»e assimilando o paganismo dos cultosDeusa-Mãe e da Lua, ou não fosse a icono-grafia de Nossa Senhora da Conceição— que se ergue sobre um crescentelunar — sinal desta permanência e trans-missão de símbolos e da mutação dos cul-tos saturninos em cultos lunares.

CAPELA DE SÃO SATURNINO

Capela fundada no século XII porD. Pêro Pais, um dos companheiros deD. Afonso Henriques, encontra-se hojeinfelizmente em ruínas, tendo perdido asua feição original após remodelações doséculo XVII e encontrando-se agora abando-nada. Por detrás da Capela de São

Saturnino, alcandorada no âmagodas pedras deste monte, encontra-se a Capela da Peninha. É certoque o local, de onde se avistatodo o arco da barra do Tejo,deveria ter sido precedido por umsantuário pré-histórico cujamemória se prepetuou nestahumilde capela. O invulgar oragoremete para cultos saturninos, emtudo semelhantes aos que sepodem encontrar nos cabos deSagres e de São Vicente, estesdedicados também a divindadessaturninas ou ligadas ao tempo,entendido como ciclo e sucessãovital face à disposição astral doscorpos celestes — neste caso osol poente (Baal, Hércules, Cro-nos, Saturno). Será pois umamanifestação típica dos cultosdas finisterras, neste caso a dopróprio Cabo da Roca, que dalise pode avistar.

Feita que está, de uma formageral, a apresentação do quepodemos encontrar na Peninha,não podia deixar de vos falar

ESTÓRIA DA HISTÓRIA

Situada na Serra de Sintra, entre osCapuchos e o Cabo da Roca, em plenoParque Natural de Sintra-Cascais, fica aPeninha.

Apesar dos fáceis acessos e da deslum-brante panorâmica que, nos dias bonitos desol, se pode desde este local presenciar,continuamos a viver um pouco alheios àbeleza que nos toca aqui tão perto.

Vou portanto falar-vos um pouco daPeninha, das duas capelas que lá vamosencontrar e da iniciativa da NaturAnima,que aqui proporciona aos interessados pas-sar um dia realmente diferente e divertido,passeios de burro em toda a área envol-vente.

CAPELA DE NOSSA SENHORA DA PENINHA

No monte de São Saturnino, sobre asfragas ergue-se o pequeno mas originalSantuário da Peninha. Trata-se de uma fun-dação do século XVII (cerca de 1690) quecomplementava a pequena capela deSão Saturnino, muito antiga e remontandopelo menos ao século XII, que se situava nosopé daquele afloramentosituado num dos picos da Serrade Sintra. Tal como esta capela,ou por causa dela, o que ali sefazia era a permanente santifica-ção do lugar e assegurava-se asua cristianização. A fundação éde finais do século XVII e deve-sea Frei Pedro da Conceição, con-tudo com o patrocínio real deD. Pedro II. Uma vez que o seucarácter era votivo, possui nasimediações casa para os romei-ros, sendo certas e regulares asperegrinações àquele ponto altoda serra, a quase 500 m de alti-tude.

No interior da capela, ascampanhas de decoração doséculo XVIII preencheram-na comtalha barroca no altar-mor, mastorna-se especialmente digno denota o conjunto de azulejos data-dos de 1711 e atríbuidos aManuel dos Santos, com todosos passos da vida da Virgem, aquem a capelinha é dedicada(Nossa Senhora da Conceição). Fo

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também da excelente iniciativa que aNaturAnima em parceria com a Reserva deBurros, aqui desenvolve.

Nas instalações contíguas à Capela deNossa Senhora da Peninha, foi criado oCentro de Educação Ambiental e aquipodem os visitantes participar em activida-des de educação ambiental, incluindo ate-

liers ambientais para escolas (sobre água,energia, reciclagem, florestas, etc.) eworkshops para adultos (plantas aromáti-cas e medicinais, o jardim à mesa, etc.).Também a partir daqui saiem os passeiosde burros que animam adultos e crianças eas visitas temáticas de carácter ambientalou histórico que se desenrolam pela áreade beleza ímpar que envolve a Peninha.Esta é sem dúvida uma excelente oportuni-dade que a NaturAnima oferece, a todos osque queiram conhecer melhor o que anossa terra tem para nos contar. Ao longodos vários percursos queaqui se fazem são abor-dadas questões ambien-tais, e esta é uma chanceúnica de ficar a conhecero extrordinário animalque é o burro. Animalsimpático e sociável,companheiro desde sem-pre dos Homens da terra,seja como instrumentode trabalho, meio de des-locação ou diversão, nasanimadas burricadas quefaziam as delícias dosnossos avós.

Infelizmente, hoje é uma espécie quecorre risco de entrar em vias de extinção,sendo por isso muito importante que estetipo de acções se realizem, e que nelasparticipemos.

Contactos: NaturAnima, L.da

Tel: 21 928 02 36Telm: 91 772 52 62e-mail: [email protected]

FALCÃO AO LUAR

que já não comem há séculos. A cadadia, cada um esquece o fundamental, oar necessário à vida. De que vale preo-cuparmo-nos com o exterior, quandoo interior mete dó? Dietas loucastornam o corpo torneado, enquantoa alma está cada vez mais malnutrida.

Qual de nós procura investir oorçamento mensal no que mais gosta defazer? Já não falo do futebol ou nas com-pras do shopping, porque aí os excessossão tremendos... Refiro-me a qualqueractividade que faça o coração acelerar deentusiasmo, seja um ballet, teatro,música, jogar futebol, correr, andar napraia de mão dada com o ser amado... bei-jar aquela boca doce. As possibilidadessão infinitas...

Alimentar o interior. Nutri-lo com osingredientes certos para uma maior satisfa-ção. Amor, sinceridade connosco próprios,maior profundidade, aceitação do que

O tema da moda. Fala-se de dietas, demagreza, de beleza, de deslumbramento.Escolhe-se a comida diet, de preferência setiver Ómega 3, recusa-se o belo prato defeijoada ou o de cozido, simplesmente,porque tem muitas calorias. Compra-seroupa apropriada à época, sempre namedida mais pequena, maquilhagem acondizer, acessórios «à maneira», sapatosbicudos, ou então, gravatas janotas, calçasvincadas que condizem com o blazer clás-sico, porque assim sempre foi.

Estica-se o orçamento para que o corpocaiba nas peças de pano caríssimo com atal etiqueta que todos reconhecem. Dis-farça-se a celulite, as banhas, as barrigas afazer lembrar as grávidas. Encolhem-se osdefeitos com cores berrantes ou naturais,padrões fantásticos e cortes de cabelo quelembram as passerelles.

A cada dia pergunto-me: «porquê?».Olho à volta e observo uma sociedade defamintos. Almas carenciadas, anorécticas,

A NUTRIÇÃO DO DIASAÚDE

somos e não estar sempre a tentar ser-seum outro qualquer só porque, aos nossosolhos, esse alguém é mais bonito ou cheiode estilo.

Realmente, concluo: A cada dia,devemo-nos preocupar com a nutrição.É importante oferecer uma dieta equili-brada ao nosso ser. Para que sentir nãopasse a ser apenas uma necessidade deconsumo qualquer. Para que o coração nãose esqueça de quem é e comece a confun-dir-se com a mais recente peça de roupa.

INÊS SIMÕES

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A noite 3pontosApós um ano de existência da 3pontos,

voltámos a participar nas tradicionais fes-tas da Páscoa, com o apoio da URDFG(Sociedade), que este ano nos deu a opor-tunidade de organizar a primeira noite deconcertos. Pudemos contar com a presençade duas bandas da casa, amigos e colabo-radores da 3pontos os Artgot que com-põem música a partir de poemas de algunspoetas portugueses e os Movements queapresentaram originais e alguns covers,tivemos também a honra de receber a visita

de amigos de uma associação italiana comquem costumamos colaborar.

O grupo musical Lu Sole Allavate ani-mou com a sua música tradicional do sulde Itália contagiando todos a cantar e adançar.

A última banda em palco foram os jáconhecidos Kumpania Algazarra que nosderam o privilégio de fechar a noite emgrande com praticamente duas horas demúsica, alegria, calor, boa disposição emuita energia, trazendo com eles umpúblico que já os seguem para todo o ladoMas acima de tudo a 3pontos orgulha-se

dos resultados desta noite por todoo trabalho desenvolvido pelos cola-boradores da associação, da socie-dade e das bandas, e principal-mente por esta noite ter agradado atodos.

Continuamos com motivação ecriação de projectos para o futurosempre abertos a novas ideias.

Esperamos para o ano estar cáoutra vez...

Kumpania Algazarra — Músicasdo MundoConcertos marcados para:Caldas da Rainha dia 18 de MaioViseu — Landeiras dia 27 de Maio

3pontos

Naquele dia, quando me sentei na mesapara jantar, senti um nervoso miudinho,que não tinha razão de existir, pois comotantas outras vezes, estava num restau-rante, acompanhado de amigos e de ami-gas, a beber um «vinhito», a falar, a rir ouseja tudo normal. Estavam inclusive duasfiguras públicas sentadas na mesma mesa...mas por acaso, isso para mim também jánão é novidade nenhuma, (he! he! he!),portanto também não era por aí...

Bem, o nervoso não passava. O jantartinha terminado, e era tempo de ir prepararas coisas para a peça Palhaço de MimMesmo que ia estar em cena no teatro deFontanelas.

Depois de ajudar a sentar as pessoasnos seus lugares, ocupei o meu lugar, epreparei-me para assistir...

Aquele começo... «vivemos rodeadosde medo» (...) «somos uns medrosos» fez--me voltar a sentir aquele aperto, queentretanto já tinha desaparecido, e foi aíque percebi que naquela mesa do jantarnão estava perante uma qualquer figurapública, estava sim perante o mestre Ruyde Carvalho.

E ali estava ele, em cima do palco, semqualquer medo, a tocar no fundo de todasas pessoas, a pôr o dedo na ferida, e amostrar como por vezes, somos pequeni-nos, nas palavras, nas acções e até nospróprios pensamentos...

Por esta altura, eu já não conseguiadespregar os olhos do palco, e foi entãoque comecei a reparar, no outro actor quecontacenava com o «mestre», era João deCarvalho o filho real do mestre...

A maneira como ele representava opapel da nossa sociedade decadente, cheiade valentia por fora, masque se revela fraca e receosapor dentro, foi qualquercoisa de espetacular...

A peça terminou, ecomo era óbvio a sala levan-tou-se para aplaudir de pé, odesempenho do mestre e doaprendiz.

Ao sair da sala, já nãoestava nervoso, a únicacoisa que me vinha àcabeça era que aquela peça,devido, à sua temática, ao

profissionalismo dos actores e devido àlição de vida que ela própria constituidevia ser obrigatória para toda a gente...Poderia ser que muita gente reflectisseacerca delas próprias, e consequentementetalvez as ajudasse a tornarem-se maishumanas...

À 3pontos resta-me agadecer o facto deterem trazido algo de tão magnífico, comofoi (para mim pelo menos), aquela peça...Um bem haja!!!!!

ZOIO

2.o Concurso de Fotografia

«Entre o Sagrado e o Profano»

A exposição do concurso estarápatente no salão da URDFG do dia13 de Maio ao dia 21 de MaioHorário: semanalmente das 18 hFins de Semana das 15 h às 22 h

Classificações

MELHOR FOTO SINGULAR

1.o Ana Marques — «Improviso»2.o Fernanda Botelho — «Entre

Cruzes3.o Sandra Bicho — «Sol Dou-

rado»4.o Ana Marques — «Conversas

Profanas»5.o José Manuel Silva — s/título

MELHOR PORTFÓLIO

1.o Rita Bento — s/título2.o Fernanda Botelho — s/título3.o Ângela Antunes — s/título

Serão expostas todas as fotografiaslevadas a concurso.