john locke, george berkeley e david hartley

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John Locke (1632-1704) John Locke estudou em universidades em Londres e Oxford, onde permaneceu por vários anos ensinando grego, retórica e filosofia, passando a praticar medicina mais tarde. Em 1667, com seu interesse pela política aumentando, foi para Londres ser secretário do Conde de Shaftesbury. Em 1681, depois de se envolver indiretamente em uma conspiração contra o rei Carlos II, fugiu para a Holanda. Vários anos depois voltou à Inglaterra tornando-se Comissário de Apelações, escrevendo tratados sobre educação, religião e economia. Conseguiu fama e influência, sendo louvado em toda Europa como defensor do liberalismo no governo. Sua principal obra de importância para a psicologia é Ensaio Acerca do Entendimento Humano (1690). Este livro assinalou o início formal do empirismo britânico. Locke se interessava essencialmente pelo funcionamento cognitivo (modos pelos quais a mente adquire conhecimento). Negava a existência de ideias inatas, propostas por Descartes, alegando que os seres humanos não estão equipados ao nascer com qualquer tipo de conhecimento. Para Locke, o conhecimento é adquirido por meio da experiência. Todo conhecimento tem base empírica. Reconhecia dois tipos distintos de experiência, um derivado da sensação e outro da reflexão. As ideias que advêm da sensação são impressões sensoriais simples. No desenvolvimento do indivíduo, a sensação vem primeiro, ela é uma precursora necessária para a reflexão, onde a pessoa se recorda de impressões sensoriais passadas e as combina para formar abstrações e ideias. Locke também distinguia entre ideias simples (são elementares, e por isso não podem ser analisadas nem reduzidas a ideias menores, podendo advir da sensação ou da reflexão) e ideias complexas (são formadas a partir de ideias simples, podendo, por essa razão, ser analisadas e decompostas). Essa noção de combinação de ideias e sua análise marcam o começo da abordagem da química mental que caracteriza a teoria da associação. Em essência, Locke tratou a mente humana como se esta se comportasse com as leis do universo físico. Os elementos básicos da mente (ideias simples) são indivisíveis. Esse foi um passo significativo para vir-se a

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Page 1: John Locke, George Berkeley e David Hartley

John Locke (1632-1704)

John Locke estudou em universidades em Londres e Oxford, onde permaneceu por vários anos ensinando grego, retórica e filosofia, passando a praticar medicina mais tarde. Em 1667, com seu interesse pela política aumentando, foi para Londres ser secretário do Conde de Shaftesbury. Em 1681, depois de se envolver indiretamente em uma conspiração contra o rei Carlos II, fugiu para a Holanda. Vários anos depois voltou à Inglaterra tornando-se Comissário de Apelações, escrevendo tratados sobre educação, religião e economia. Conseguiu fama e influência, sendo louvado em toda Europa como defensor do liberalismo no governo.

Sua principal obra de importância para a psicologia é Ensaio Acerca do Entendimento Humano (1690). Este livro assinalou o início formal do empirismo britânico.

Locke se interessava essencialmente pelo funcionamento cognitivo (modos pelos quais a mente adquire conhecimento). Negava a existência de ideias inatas, propostas por Descartes, alegando que os seres humanos não estão equipados ao nascer com qualquer tipo de conhecimento. Para Locke, o conhecimento é adquirido por meio da experiência. Todo conhecimento tem base empírica. Reconhecia dois tipos distintos de experiência, um derivado da sensação e outro da reflexão. As ideias que advêm da sensação são impressões sensoriais simples. No desenvolvimento do indivíduo, a sensação vem primeiro, ela é uma precursora necessária para a reflexão, onde a pessoa se recorda de impressões sensoriais passadas e as combina para formar abstrações e ideias.

Locke também distinguia entre ideias simples (são elementares, e por isso não podem ser analisadas nem reduzidas a ideias menores, podendo advir da sensação ou da reflexão) e ideias complexas (são formadas a partir de ideias simples, podendo, por essa razão, ser analisadas e decompostas). Essa noção de combinação de ideias e sua análise marcam o começo da abordagem da química mental que caracteriza a teoria da associação. Em essência, Locke tratou a mente humana como se esta se comportasse com as leis do universo físico. Os elementos básicos da mente (ideias simples) são indivisíveis. Esse foi um passo significativo para vir-se a considerar a mente tal como já se considerava o corpo: uma máquina.

Outra doutrina proposta por Locke, relevante para a psicologia, é a noção de qualidades primárias (existe no objeto quer as percebamos ou não) e de qualidades secundárias (como a cor, o odor, o som; não existem no objeto, mas na percepção que a pessoa tem dele), aplicada a ideias sensoriais simples.

A visão mecanicista do universo sustentava que a matéria em movimento constituía a única realidade objetiva. Sendo a matéria o que existe de maneira objetiva, é lógico que a percepção seria subjetiva. Locke reconhecia o caráter subjetivo de quase todas as nossas percepções do mundo. Introduziu as qualidades secundárias para tentar explicar a falta de correspondência precisa entre o mundo físico e a nossa percepção dele.

George Berkeley viria a perguntar - e responder - se havia, afinal, alguma diferença real entre as duas qualidades analisadas por Locke.

Page 2: John Locke, George Berkeley e David Hartley

George Berkeley (1685-1753)

George Berkeley nasceu e foi criado na Irlanda. Era profundamente religioso, sendo ordenado diácono da Igreja Anglicana aos vinte e quatro anos. Publicou duas obras de importância para a psicologia: Ensaio para uma nova teoria de visão (1709) e Tratado Acerca dos Princípios do Conhecimento Humano (1710). Fez inúmeras viagens pela Europa, tornou-se professor em Dublin e conseguiu independência financeira ao receber uma doação de uma mulher que conhecera numa festa. Visitou os EUA e doou sua casa e biblioteca à Universidade de Yale. Nos últimos anos de vida, tornou-se bispo. Ao morrer, seu corpo foi deixado sobre a cama até que começasse a se decompor, conforme suas instruções, pois acreditava que a putrefação era o único indício real de morte.

Berkeley concordava com Locke que todo conhecimento do mundo exterior vem da experiência, mas discordava da distinção lockeana entre qualidades primárias e secundárias. Dizia que só existiam as denominadas qualidades secundárias. Todo conhecimento era uma função da pessoa que percebe ou passa pela experiência. Anos depois, sua posição ficaria conhecida como mentalismo.

Afirmava que a percepção é a única realidade de que podemos estar certos. Como está dentro de nós, sendo portanto subjetiva, a percepção não reflete o mundo externo. Sua tese era: como toda experiência ocorre dentro de nós e é relativa à nossa percepção, nunca podemos conhecer com certeza a natureza física dos objetos. Contamos apenas com a percepção que temos dele.Invocava a Deus para tentar explicar a existência de certo grau de estabilidade, independência e consistência nos objetos do mundo material. Deus funcionava com uma espécie de ‘’percebedor permanente’’ de todos os objetos do universo.

Berkeley aplicou a teoria da associação para explicar o nosso conhecimento dos objetos do mundo real e também para explicar a percepção em profundidade. A percepção de profundidade não é uma experiência sensorial simples, mas uma associação de ideias que devem ser aprendidas. Berkeley deu continuidade à crescente tendência associacionista no âmbito do empirismo. Sua explicação antecipava de modo preciso a moderna concepção da percepção da profundidade ao considerar as influências dos indícios fisiológicos de acomodação de convergência.

Page 3: John Locke, George Berkeley e David Hartley

David Hartley (1705-1757)

David Hartley preparava-se para uma vida eclesiástica, mas acabou voltando-se para a medicina por causa de dificuldades doutrinais. Em 1749 publicou sua obra mais importante, considerada por muitos a primeira exposição sistemática da associação: Observações sobre o homem, sua constituição, seu dever e suas expectativas.

Apesar do conceito de associação de ideias não ter surgido com Hartley, por vezes este é reconhecido como o fundador formal do associacionismo como doutrina.

A lei fundamental de associação de Hartley é a contigüidade, com a qual ele tentou explicar os processos da memória, do raciocínio, da emoção, bem como da ação voluntária e involuntária. As ideias ou sensações que ocorrem juntas se associam de tal maneira que a ocorrência de uma resulta na ocorrência de outra. Acreditava que a repetição era tão necessária quanto a contigüidade para a formação de associações. Concordava com Locke que todas as ideias e todo o conhecimento são derivados da experiência sensorial, que não há associações inatas nem conhecimentos presentes ao nascimento. Hartley foi o primeiro a aplicar a doutrina da associação para explicar todos os tipos de atividade mental.

Hartley considerava o mundo mental em termos mecanicistas. Explicou processos psicológicos em termos mecânicos e ainda tentou explicar processos fisiológicos a partir desse mesmo referencial. Hartley empregou o princípio de Newton de que os impulsos do mundo físico têm natureza vibratória para explicar a operação do cérebro e do sistema nervoso. As vibrações dos nervos transmitem impulsos de uma para outra parte do corpo. Essas vibrações produzem no cérebro vibrações menos intensas – ‘’ideias’’. Esta era mais uma tentativa de usar o conhecimento do universo mecânico para a compreensão da natureza humana.