joão augusto bastos [1901-1965]. o poeta de "a minha terra"

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  • 7/21/2019 Joo Augusto Bastos [1901-1965]. O poeta de "A Minha Terra"

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    Joo Augusto Bastos (1901-1965) foi, para alm de excelente

    prosador e p remiadssimo poeta, u m ho mem de grande carter.

    Oriundo da mais influente famlia povoense da primeira

    metade do sculo XX, nunca se serviu dessa condio para

    alcanar empregos ou cargos pblicos; lutou, antes, usando a

    arma que melhor manejava a sua caneta contra as elites

    locais, defendendo, sempre com dignidade e elevao, os valores

    da justia e da memria. No fim vida, os negcios em que,

    entretanto, se iniciara comearam a correr-lhe mal, mas ao

    contrrio daquilo que era ento (e ainda hoje) corrente,prime iro, preocup ou-se em pagar as suas dvidas... e s depois em

    receber o muito que os seus clientes lhe deviam. Morreu pobre,

    mas deixou de si a imagem de um homem honrado e uma obra

    poti ca e c ronst ica que merece ser record ada pelas

    geraes atuais.

    Jos Ablio Coelho doutorando em histria contempornea na Universi-dade do Minho e professor da Universidade Snior da Pvoa de Lanhoso. bol seiro da FCT - Fun dao para a Ci ncia e a Tecnologia e a utor demais de uma dezena de livros, captulos de publicaes e de um conjuntode artigos publicados em revistas cientficas em Portugal e no estrangeiro.

    A s ua rea de inv estiga o f oca-se sobretu do na histria social e po ltica dePortuga l (s culos XIX e XX ), nomeadam ente a hi stria da a ssist ncia e dabeneficncia, a histria da sade e a histria da emigrao para o Brasil.

    JOO AUGUSTO BASTOSO poeta de A Minha Terra

    Jos Ablio Coelho

    Universidade Snior de Rotary da Pvoa de LanhosoJos

    Ablio

    Coelho

    |

    Joo

    Augusto

    Bastoa:Op

    oeta

    de

    AMinhaT

    erra(1901-1965)

    [1901-1965]

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    Joo Augusto Bastos [ 1901-1965 ]O poeta de A Minha Terra

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    JOS ABLIO COELHO

    JooAugusto Bastos [ 1901-1965 ]O poeta de A Minha Terra

    Universidade Snior de Rotary da Pvoa de Lanhoso

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    | Autor |

    Jos Ablio Coelho

    | Ttulo |

    Joo Augusto Bastos [1901-1965]: O poeta de A Minha Terra

    | Edio |

    Universidade Snior de Rotary da Pvoa de Lanhoso

    | Data|

    2014

    | Grafismo |

    Tiago Barros Coelho

    | Impresso e acabamento |

    Graficamares, Lda.

    | Depsito Legal |

    374443/14

    | ISBN |

    978-989-20-4641

    | E-mail do autor |

    [email protected]

    | Apoio edio |

    Farmcia S. Jos

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    ndice geral

    | Agradecimentos | 7

    | Poema A Minha Terra | 11| [Introduo] |17

    | [Verdes anos]

    | Nascimento e batizado |37

    | A famlia |39

    | A infncia |42

    | No Brasil |48

    | Doena e regresso terra natal |55

    | [Vida adulta]

    | De regresso Pvoa de Lanhoso |63

    | A Pvoa no primeiro quartel do sculo XX |65

    | A experincia francesa | 68| A morte do Tio Lopes |73

    | O casamento |78

    | As pazes com o pai |84

    | De partida para Lisboa |89

    | O poeta e cronista corajoso |90| Charadismo e prmios |95

    | Os livros | 100

    | Morreu um poeta |102

    | Alguns prmios literrios e antologia breve | 108

    | Notas e bibliografia | 128

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    O poeta d A Minha Terra | 7

    Agradecimentos

    Uma biografia, por breve que seja, pode no ser s uma biografia. Para

    alm de dar a conhecer o biografado pode ser tambm a histria de uma

    famlia ou o desenho, ainda que simplesmente esboado, de uma cidade,

    vila ou aldeia. Pode descrever uma poca, as formas de viver, as razes

    de viajar. Ou at, o que no menos importante num tempo em que aimagem vai ganhando cada vez maior relevncia, um dar a conhecer ilus-

    traes de determinado perodo, atravs das quais se revivem as modas,

    os costumes, o traado das praas e das ruas, os meios de transporte ou a

    arquitetura dos edifcios. Uma biografia pode ser como que uma espcie de

    romance em que tudo verdade: enredo que, tendo numa s pessoa a figura

    central volta da qual se constri a histria mostra um ou vrios cen-rios e personagens, descobre ramificaes, interesses, segredos, conver-

    gncias e divergncias e, sobretudo, d a conhecer rostos, olhares, ges-

    tos, posicionamentos e formas de pensar e de estar na vida.

    No quisemos que esta breve biografia do poeta Joo Augusto Bastos

    fosse apenas uma biografia. Pretendemos que fosse, tambm, fotografiaa

    preto-e-branco de uma ter ra em determinado tempo, ainda que nem tudo,nela, fique dito, mas apenas esboado; e tentmos, sobretudo, alicer-la

    num conjunto de imagens, que dizem, cada uma por si, mais que muitas

    palavras: elas mostram-nos os recantos mais afastados e os locais mais no-

    bres, as pessoas que fizeram histria no tempo balizado de poucas dcadas

    numa terra pobre do interior minhoto, a forma como essas pessoas vestiam,

    como usavam o cabelo, como, porqu e para onde se deslocavam, como

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    procuravam viver ou conseguiam, muitas delas, apenas sobreviver, como serelacionavam entre si. Por isso esta breve biografia pretende constituir-se,

    mais que em histria de vida de um homem, em subsdio para a histria

    contempornea da Pvoa de Lanhoso a terra onde o poeta que aqui se

    retrata nasceu e cresceu e qual esteve sempre intimamente ligado.

    certo que fica muito por dizer. Mas quem se afirma capaz de contar,

    sem erro e na sua inteira plenitude, vidas que no viveu? Com o passardo tempo outra informao surgir para complementar a que aqui se trans-

    mite. Mas no isso um processo de construo lento e em permanente

    mudana a histria? Por isso este trajeto de um homem, de um poeta, e

    de tudo quanto o rodeou poder vir, no futuro, a ser alargado com outros

    dados, complementado com novas fontes. Mas tambm no , nunca foi,

    meu propsito, neste como noutros trabalhos, ser mais que candeia que vai frente... Outras podero acender-se para melhor alumiarem os caminhos.

    Mesmo assim, reunir todo o material que aqui se divulga no foi tarefa

    fcil. Termos atingido esse objetivo deve-se a um conjunto de amigos que, ao

    longo de vrios anos, nos foram emprestando ou oferecendo documentos:

    cartas, livros, cadernos, objetos pessoais, fotografias, diplomas... Por

    esse motivo deixo aqui o maior agradecimento a todas as pessoas que, deobjeto em objeto, de documento em documento, de imagem em imagem

    ajudaram a reunir o acervo que, no seu conjunto, resultou neste trabalho.

    Desde logo, quero agradecer a D. Anita Bastos Granja, filha do poeta,

    que ofereceu grande parte do material em que sustentei este trabalho.

    Sem o seu papel de guardi das memrias de Joo Augusto Bastos

    teria sido bem mais difcil chegar redao deste texto. Agradeo-lhe,ainda, ter procurado e encontrado os meios financeiros necessrios

    publicao deste livro pois, sem a sua perseverana, no teria sido poss-

    vel traz-lo luz. Ao seu irmo, coronel Joo Augusto Fernandes Bastos,

    agradeo algumas notas sobre o poeta. E Universidade Snior de Ro-

    tary da Pvoa de Lanhoso e sua diretora, Dr. Manuela Correia, o ter-se

    disponibilizado para o chancelar, divulgar e distribuir.

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    Agradeo tambm Dr. Lucinha Sanson pelas belssimas imagensda Pvoa de Lanhoso do incio do sculo XX que me deu a conhecer

    e cuja publicao autorizou, bem como ao Dr. Marcos Barbieux Lopes

    pelo emprstimo de um conjunto de cartas familiares que permitiram re-

    constituir a passagem de Joo Augusto por terras de Vera Cruz. Nascidos

    e residentes no Rio de Janeiro, Brasil, tiveram estes dois amigos o cuidado

    de preservar carinhosamente documentos sem os quais a histria da Pvoade Lanhoso seria bastante mais pobre. Merecem, ambos, esta palavra de

    especial agradecimento, pois papis idnticos foram sendo destrudos, ao

    longo de dcadas, na terra onde deviam ter sido guardados, e no foram.

    Uma palavra de agradecimento, ainda, aos amigos Antnio Celestino

    e D. Teresa Dias, ambos j uma saudade, Dr. Paulo Freitas, Joo Antunes

    Pardelho, Dr. Lcio Pinto e Pe. Manuel Magalhes dos Santos pelo em-prstimo de documentos, pela cedncia de informao e pela ddiva de con-

    selhos que, no seu conjunto, permitiram fazer algumas ligaes e reflexes

    interessantes.

    Aos funcionrios dos arquivos do municpio e do registo civil da Pvoa de

    Lanhoso, distrital de Braga e municipal do Porto, uma palavra de agrado

    pelo apoio eficiente e simptico com que nos brindaram durante a pesquisapara este trabalho.

    Por fim, agradeo aos meus familiares de todos os dias os sacrifcios que

    lhes peo para me poder dedicar inteiramente ao trabalho de investigao.

    Jos Ablio Coelho

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    O pequeno Joo Augusto (em primeiro plano) no Largo de Antnio Lopes

    e, atrs dele, o irmo Alfredo. No conseguimos identificar qualquer outra

    das pessoas presentes na fotografia, que pela certa seriam amigos da famlia

    Lopes. Vale a pena olhar cuidadosamente esta imagem como documento para

    a histria dos trajes

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    A minha terra1

    Por Joo Augusto Bastos

    [A meus pais e a meus irmos, Alfredo e Mariazinha

    e memria de Anita, Toneca e Lindoca].

    Na Pvoa2nasci,Na Pvoa casei,Na Pvoa fui pai.

    Em toda a provncia Provncia do MinhoNo h para mim,mais terno cantinho,mais belo canteiro, mais lindo jardim.

    Meu Pai da Vila,a me brasileira(Brasil-Portugal mesma lareira).

    Parti para longe, pra terras estranhas3.Vi terras bonitas, cidades tamanhas...

    que nem nos bons sonhos assim as sonhei,mas nada encontrei(nem campos, nem serras, nem altas montanhas,nem grandes cidades, nem vilas que sei?)que tanto gostasseque tanto eu amasse,assim como aos largos e praas e ruasda vila pequena

    aonde nasci.

    O corao da vila da Pvoa cerca

    de 1930

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    Que pena, que pena,que o tempo passasse,e a terra mudasse!

    Ai, Pvoa, de antanho, do velho Castelo4

    altivo, gigante, mirando o passado:Lanhoso da Histria (do livro mais belo

    escrito com sangue dum povo esforado).

    As hostes de Afonso que chegam de Ouriqueerguendo o pendodum povo que nasce.El-Rei Fundao,que lana a semente dum reino fecundo.Ai, velho Castelo, Senhor da Montanha,

    dos olhos que brilham, no cimo, a miraras terras de Espanhae as ondas do mar5,que so portuguesas, nos cantos do Mundo.

    Maria da Fonte6, na lenda do povo,levando na mo

    a foice afiada, levando na almao anseio daqueles, que querem mais poe um mundo mais justo, mais belo e mais novo.

    Ai, Pvoa saudosa dos tempos da infncia,de moo e menino, que lembro de cor:da escola primria,Senhor Guimares7, que bom professor!

    no houve melhor,em tempo nenhum.

    Eu quero subir de novo Portela(O bairro dos pobres). No alto da Beladeitar-me nas lajes e ouvir o batuquedos malhos nas eiras, malhando as espigas8.

    Eu quero os morangos da Quinta das Bouas9

    que o bom do meu Paiherdou de seu Pai;e quero as vindimas, e ver raparigastrepadas nas rvores, mostrando-me as pernas,rolias colunas dos templos da vida.

    Ai, Pvoa saudosa!

    Ai, Pvoa querida!Eu quero escutarMame a contaraquelas histrias que ouviu no Brasils negras negrinhas, e quero tambmouvir a mamefalar-me da Frana, de muitas naesaonde passou,

    at que chegouao bom Portugal10.

    Eu quero o Natal11

    com toda a famlia.Estamos em frias, fechou o colgio:Alfredo, Toneca, Joo mais Anita

    (Lindoca e Maria, vieram depois)12

    so quatro traquinas Parece infinitaaquela alegriae quem pensariaque tudo tem fim?Nenhum de ns quatro, parece-me a mim!

    Eu quero os formigos e mais rabanadas13,

    a luz da lareirae a luz da esperana.

    Quem dera tambmlevar da Mamealgumas palmadasdepois das tolices que fiz em criana.

    Eu quero o Natal

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    com suas novenas a Deus pequenino:no altar principal,um par de pastores, cantando ao Menino.A tuna no coro,os grandes da terra, que sabem tocar;as moas e moos fazendo namoro,enquanto as velhotas esto a rezar.

    Mas todos so simples, no h arreliasse todos respeitam a ideia de Deus

    No foi com palavras severas e friasque Nosso Senhorfalou a seus filhos nos reinos dos cus!Se rufa o tambor,se estronda o zabumba14, no cabo da noite,

    no h quem se enfade.Vai tudo a novena, pois h quem se afoiteser mais matutino, que o padre Sousinhas15

    mais outras vizinhasali do Amparo?

    Depois das novenas vo todos ao po,

    tostado e morenodaquele padeiro chamado Joo,Joo o Pequeno16.

    Que grandes saudades em tenho da Pscoa(da Pscoa de ento)no tempo em que a Pvoa,sem uma excepo

    abria as cancelas e as portas de casa,de braos abertos, ao Padre Francisco17,que vinha trazero abrao de amigo, sem medo e sem riscoque algum lhe negasse tambm um abrao.

    Em cada folar

    havia escondido, com f, com amor,

    pro Padre levar,a alma inteirinha de cada cristo,pra Nosso Senhor.

    Quem dera ir a Braga naquele lands18

    do velho Queiroga19

    e ver as madamas de grandes bands20

    e coisas da moda.

    Ouvir Catarroia cantar pela feira.Ouvir Joo Cego21, coitado, berrar:So doidos varridos e no h maneirade ir contra os garotos que querem reinar.Ouvir a corneta22

    da tal Fanfarroa que vende sardinhas

    e ouvir o Planeta23,jurar plas alminhas,que um velho cavalo, que tem pra vender,s tem ano e meioe h-de vencer,sem medo ou receio,a grande corrida l pr S. Jos24.

    Que grandes saudades daquele caf;(Caf do Macedo25)jogar a sueca, com vasas certeirase o Padre Jaquim26, com seu gabinardoao ver as asneiras,gritar furioso: seu grande Bernardo!

    Que grandes saudades Famlia Simesde S. Joo de Rei27.Do velho Solaraonde passeiuns dias ditosos que vou recordar:A Dona Idalina contava-me histriasque lindas histrias de contos de fadas

    de reis e soldados, batalhas, vitrias

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    e lindas princesas de faces rosadas,com lindos castelos de torres gigantes...Um mundo de sonhos que dias distantes!que a nvoa do tempo j quer apagar.O padre Z Carlos28que bom sacerdote(com padres assim

    parece-me a mim,seria catlico sem nada custar).Os manos doutores: so dois bacharisque sabem de leis29.Aurora, Virgnia e mais Dona Augusta,que boas senhoras, que grandes amigas;a casa vetustaque tanto eu amei,

    assim como toda a famlia Simes.Que grandes saudades dos grandes seres;das tardes de estio, atrs dos pardais;dos campos de milho, de loiras espigas,das minhas batalhas dos sonhos de infante.Ai, como vai longe, que tempo distante,que no volta mais!

    Na Pvoa nasci,Na Pvoa caseiNa Pvoa fui Pai.Em toda a provncia Provncia do Minho no h para mim,mais terno cantinho,mais belo canteiro

    mais lindo jardim.

    Cruzeiro, Arrifana, Simes, FontarArcada,do velho Mosteiro30,e Frades e Calvos, S. Gens de longada,de tulha bem cheias, de farto celeiroMonsul e Verim,Fidalgos do Cvado, do rio suave,

    S. Bento e Donim31

    ;Senhora do Porto, princesa do Ave32.Vilela d Po,Louredo laranjas, centeios e milhos.Galegos das bruxas, do velho Sanfoque pai de cem filhos.Covelas, Ferreiros,Gerz das cerejas e mais dos meles;Lanhoso das vinhas e campos e leiras,de quintas muradas com velhos brases;Tade e Quintela da feira dos quinze33;Friande das urzes, dos longos pinheiros;Cancela Vermelha34, pra l de Ferreirose Pena Provncia35que espreita o Casteloda velha Nao.

    Ai, Pvoa querida, do Minho to belo,que cabe inteirinha no meu corao.Quem l, do Pilaros sinos ouvirquem gua dos Fornos36um dia beber,no pode partir,no pode deixar

    Quem l, do Pilar | os sinos ouvirquem gua dos Fornos um dia beber,no pode partir, | no pode deixaras bandas da Pvoa | sem muitassaudades no peito levar

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    as bandas da Pvoasem muitas saudades no peito levar;no pode esquecer,cem anos que viva, por mundos estranhos,

    a Pvoa querida, de encantos tamanhos.

    Na Pvoa nasci,Na Pvoa casei,Na Pvoa fui Pai.

    Parti para longe, pra terras estranhas,

    vi terras bonitas, vaidades tamanhas,mas nada encontrei,nem campos, nem serras, nem altas montanhas,

    A Vila da Pvoa de Lanhoso nos incios do sculo XX

    nem grandes cidades, nem vilas que sei? que tanto eu gostasse,que tanto eu amasse,assim como os largos, as praas e ruas

    da vila pequenaaonde nasci.

    Que pena, que pena,Que o tempo passassee tudo mudasse...

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    Joo Augusto e o seu tempo

    Quando Joo Augusto Bastos, o mais premiado poeta povoense desempre, nasceu na pequena vila minhota da Pvoa de Lanhoso, estava

    o sculo XX a ensaiar os seus primeiros passos. Portugal era ainda

    uma Monarquia, embora fervilhasse j em muitas terras do pas, e

    principalmente na capital, uma intensa labuta de formiga em favor

    da Repblica, a qual viria a ser implantada menos de uma dcada

    volvida. Reinava pois, nesse ano de 1901 em que Joo Augusto veio

    ao mundo, el-rei D. Carlos I. E o regenerador Hintze Ribeiro era pri-

    meiro-ministro, ainda em tempo de desgastado rotativismo1.

    No ano do nascimento do nosso poeta, o ensino primrio passou

    a ser obrigatrio e gratuito durante trs anos, numa tentativa arrojada

    do governo para combater o enorme analfabetismo que os Censos

    de 1900 nos dizem atingir o elevado nmero de 74% da populao

    nacional, composta, ento, por cerca de cinco milhes e meio de in-

    divduos2. Dos restantes 26%, os considerados alfabetizados, grande

    parte pouco mais sabia que assinar o prprio nome. Ainda em 1901, o

    governo introduziu nova reforma nos servios de sade pblica, com

    interveno em campos como a preveno das epidemias, o combate

    s doenas infeciosas e a imposio de salubridade de habitaes e

    estabelecimentos de trabalho. Em termos econmicos a situao dopas era pssima. Ou seja: Portugal encontrava-se mergulhado num

    acentuado atraso estrutural, com uma populao profundamente

    iletrada e empobrecida, entregue em quase 80% da totalidade ex-

    plorao rudimentar da terra e a viver, especialmente fora dos

    meios urbanos, em condies muito prximas das que herdara do

    j distante sculo XVIII3.

    El-rei D. Carlos I e o

    primeiro-ministro Ernesto

    Hintze Ribeiro

    [Introduo]

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    Foi, pois, nesse Portugal interior, inculto e pobre, amarrado a

    dificuldades ancestrais que nos distanciavam enormemente da esma-

    gadora maioria dos restantes pases europeus, que

    Joo Augusto nasceu e cresceu.

    Nos anos iniciais da centria deu os primeiros

    passos, aprendeu os segredos mais bsicos da vida

    e abriu os olhos para o mundo que o rodeava, nu-

    ma airosa mas pequena vila do interior minhoto

    a Pvoa de Lanhoso terra de gente agreste

    dedicada maioritariamente ao trabalho agrcola,

    alguma ao comrcio e muito pouca aos servios.

    Indstria, tirando a tradicional moagem do milho

    e centeio para fazer o po, a manufatura anual de

    algumas centenas de mantas de farrapos e de grosseiras meias de

    l-de-ovelha ou a labuta de uns quantos pedreiros e filigraneiros pa-

    ra ganharem a vida talhando, pelos processos mais rudimentares,

    matrias-primas to distintas como o granito e o ouro, no existia.

    Contudo, essa Pvoa a quem D. Dinis havia atribudo Carta de

    Foral no j distante ano de 12924, era terra onde o eco dos grandesacontecimentos nacionais e internacionais chegava com alguma

    fluncia, quer atravs dos jornais5, quer fruto da movimentao de

    algumas pessoas, beneficiada j a regio pela melhoria das vias de

    comunicao, iniciada com oFontismo, e por novos meios de trans-

    porte, incluindo o automvel que comeava a marcar presena na

    dcada inaugural do sculo XX6. Mas essa informao, esses ecos de

    Joo Augusto nasceu e cresceu no seio de uma dessas

    famlias de brasileiros endinheirados e cultos. Criana

    ainda, pela mo dos pais, assistiu inaugurao, em1905, do Theatro Club, uma belssima sala de espetculos

    construda a expensas dos seus tios-avs, Elvira de

    Pontes Cmara e Antnio Ferreira Lopes

    Feira de gado na Pvoa

    de Lanhoso (1903). A

    agricultura ocupava cerca

    de 80% da populao

    rural portuguesa

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    longe, chegavam apenas a um pequeno grupo interessado em saber

    o que ia para alm do balco da mercearia; a uma elite letrada e

    razoavelmente instalada na vida, composta quase exclusivamente

    por padres, funcionrios pblicos, uns poucos comerciantes endi-

    nheirados e alguns grandes lavradores mais curiosos, porque, o

    povo mais humilde, os cerca de oitenta por cento de habitantes do

    concelho que se dedicavam agricultura e afins, continuava mais

    preocupado em saber das condies climatricas que lhe permitiriam

    ter melhor ou pior colheita pelo S. Miguel, que em conhecer o que de

    bom ou de mau se passava para alm das fronteiras das respetivas

    parquias. O tempo era de fome e, a quem dela padece, as notcias

    do mundo distante no enchem barriga.

    A prpria imprensa local, cujo primeiro hebdomadrio sara a

    pblico em janeiro de 1886 e que no incio do sculo XX contava jcom vrios ttulos em publicao, lutava contra a falta de leitores e

    com enormes problemas de subsistncia, o que levava a que alguns

    jornais abrissem e fechassem por tas aps a publicao de apenas

    umas poucas dzias de nmeros7.

    De todo este panorama ressaltava, por fim, um regular nmero de

    brasileirosricos, olhados em geral com grande admiraoe s vezes

    O Theatro Club,

    sala de espetculos

    com que o brasileiro

    Antnio Ferreira Lopes

    dotou a sua terra, em

    1904. Em primeiro

    plano, o carro da

    mala-posta que fazia

    a ligao de Braga

    a Cabeceiras de Basto

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    20 | Joo Augusto Bastos

    at com alguma inveja como modelos de cidados exemplares;pessoas que, endinheiradas e conhecedoras de outras realidades, de-

    ram incio, nesse dealbar do sculo XX, a importantes intervenes

    ao nvel da habitao e da vida social, da melhoria dos espaos

    pblicos e do apoio aos menos favorecidos, as quais levaram a um

    acentuado crescimento e embelezamento da terra, ao aparecimento

    de uma vida de recees e saraus nos quais participavam apenasuns tantos eleitos, bem como a um movimento ainda embrionrio

    de filantropia que permitiu a criao de algumas infraestruturas,

    especialmente edifcios escolares, vias de comunicao terrestre e

    apoio privado a famlias necessitadas e a doentes pobres8.

    Joo Augusto nasceu e cresceu no seio de uma dessas famlias de

    brasileirosendinheirados e cultos. Criana ainda, pela mo dos pais,assistiu inaugurao, em 1905, do Theatro Club, uma belssima sala

    de espetculos construda a expensas dos seus tios-avs, Elvira de

    Pontes Cmara e Antnio Ferreira Lopes e, pela mesma altura,

    criao de uma corporao de Bombeiros Voluntrios, patrocinada

    pelos mesmos benemritos e comandada pelo seu av materno,

    Emlio Antnio Lopes.Em 1907, j em idade madura e desde h muito acrrimo e as-

    sumido crtico da monarquia, o solicitador e jornalista Jos da Pai-

    xo Bastos (1870-1947), tio paterno de Joo Augusto, publicou a

    primeira monografia sobre a Pvoa de Lanhoso, intitulada No

    Corao do Minho: a Pvoa de Lanhoso histrica e ilustrada. Por

    ela sabemos que a populao concelhia povoense somava ento16.928 habitantes, distribudos pelos 4.300 fogos existentes nas

    28 freguesias do concelho sendo que, daqueles, 7.498 eram do

    sexo masculino e 9.430 do sexo feminino. Pela mesma publicao

    ficamos a saber que j havia escolas do ensino primrio em todas

    as freguesias, a maioria de fundao recentssima e instaladas em

    casas arrendadas pela cmara municipal, muito embora existissem

    Os jornalistas Jos da

    Paixo e Albino Bastos,

    tios paternos de Joo

    Augusto, eram dois

    dos mais destacados

    republicanos locais,

    desde finais da dcada

    de 1880

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    O poeta d A Minha Terra | 21

    ainda 4.902 homens e 8. 387 mulheres analfabetos. Sabiam ler 2.596cidados do sexo masculino e 1.043 do sexo feminino9.

    A partir de 1907, Joo Augusto, j a frequentar a escola primria,

    viu a sua vilazinha natal crescer, ser dotada de um conjunto de edi-

    fcios e de servios que tiveram por base, principalmente, os dinheiros

    que vinham do Brasil, crescimento e melhorias com os quais, alguns

    anos antes, poucos sonhavam, sequer.Entretanto, em Lisboa, suspenso o rotativismocom o ltimo governo

    de Hintze Ribeiro, que durara apenas dois meses, Joo Franco era

    nomeado, em maio de 1906, para lhe suceder na chefia do ministrio.

    Da governao inglesa Franco passar para a governao turcaou

    seja, mergulhar, com a cobertura do prprio rei, o pas numa poltica

    ditatorial que vir a causar grandes protestos. Mas nessa altura Joo

    Augusto tinha apenas seis anos de idade. Muito jovem, estava longe

    de se interessar pelos jogos da poltica que ensombravam a capital,

    tal como o era para se aperceber da disputa do 1 campeonato de

    futebol entre clubes de Lisboa e arredores, desporto que dava os

    passos iniciais no nosso pas e que haveria de o apaixonar anos

    mais tarde, levando-o a ser, no incio da dcada de 1930, presidente

    Praa do municpio, corao da vila da Pvoa, na primeira dcada do sculo XX

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    da direo do Sport Clube Maria da Fonte, a instituio desportivamais importante da sua terra10. Mais tarde, mantendo-se contudo

    um apreciador de futebol, vir a ter na pesca o seu hobydespor tivo.

    Da Monarquia para a Repblica

    Contava o nosso futuro poeta sete anos de idade quando em Lis-boa, no Terreiro do Pao, a 1 de fevereiro de 1908, o rei D. Carlos e

    o prncipe herdeiro D. Lus Filipe tombaram varados a tiro quando,

    nos bancos estofados de um carro de trao animal aberto, regres-

    savam capital, vindos de Vila Viosa11. Apesar da tenra idade, a

    notcia do regicdio no deve ter passado despercebida ao menino

    da provncia, pois por todo o reino se choraram os reais defuntos e

    se rezaram missas pelas suas almas.

    O mesmo ter acontecido, alis, pouco mais de dois anos volvidos,

    quando, no dia 5 de outubro de 1910, a Repblica12foi implantada

    em Lisboa e transmitida a todo o pas via telgrafo.

    A causa republicana era particularmente querida a muitos dos

    familiares paternos de Joo Augusto, os quais viriam a ter, em termos

    locais e num futuro prximo, papis de algum relevo, especialmenteo tio Jos da Paixo Bastos, que desde h vrias dcadas era um

    acirrado crtico da Monarquia13.

    Joo Albino de Carvalho Bastos, o pai do poeta, foi tambm,

    desde muito cedo, um simpatizante do regime republicano14. Em 1

    de fevereiro de 1917 encontrmo-lo scio, com o n 3.223, do Centro

    de Estudos e RecreioAntnio Jos de Almeida, futuro presidente daRepblica (1919-1923) e amigo pessoal do patriarca familiar Antnio

    Ferreira Lopes. Joo Albino viria a ser um dos poucos republicanos

    da terra que, todos os anos, no dia 5 de outubro, fazia hastear na

    varanda da sua casa a bandeira verde-rubra15.

    Sobre este acontecimento marcante da vida portuguesa, Joo

    Augusto no nos deixou qualquer apontamento ou memria nos

    Drio Bastos, primo

    do escritor, militante

    comunista, contista e

    poeta

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    seus escritos futuros, mas a sua experincia no deve ter andado

    longe daquela que se pode colher nas Palavras de Abertura de

    um livro de seu primo Drio16, trs anos mais novo e residente na

    mesma terra: Aos sete anos fui para a Escola (). Poucos diasdepois de l ter entrado, tomei parte numa manifestao patritica

    em plena rua. Havia sido proclamada a Repblica e um entusiasmo

    geral, indescritvel, apoderou-se de toda a gente. O professor mos-

    trou-nos os retratos dos principais paladinos do novo regime, e

    em palavras firmes e concisas, fez-nos uma preleco. Eu era

    muito criana, e no entendi bem o que nos disse, mas no entantofiquei a saber que as coisas tinham mudado para melhor, que se ia

    fazer justia (). Samos para a rua, e unidos percorremos a vila,

    empunhando a bandeira verde-rubroe entoando a Portuguesa. Foi

    um delrio! (). Os gritos espontneos, patriticos, de vivas Ptria

    e Repblica surgiam por todos os lados. Fomos envolvidos por

    uma massa compacta de povo e as casas ficaram sem ningum. 17

    Drio Bastos diz-nos nesta nota que havia entrado recentemente

    na escola. Sendo trs anos mais novo que o primo, quase certo

    que este ainda l andasse, tendo vivido, tambm ele, todo o ambi-

    ente de mudana descrito pelo autor de Rua.

    Contudo, se em Lisboa, o impacto das mudanas introduzidas

    pelo novo regime foi significativo, como se sabe, j localmente as

    mexidas, em termos prticos, quase no existiram. As palavras deDrio Bastos, que transcrevemos, talvez consubstanciem mais o

    ambiente vivido na escola que frequentava, ou que a sua memria

    de criana entusiasmada conseguiu reter, que a realidade a que o

    concelho assistiu.

    A notcia da implantao chegou terra apenas quatro dias de-

    pois dos acontecimentos ocorridos na capital do pas ou seja, a 9 de

    Busto da Repblica

    pertencente ao municpio

    da Pvoa de Lanhoso. O

    original, adquirido em1910, foi destrudo por

    militares que no edifcio

    da cmara estiveram

    acantonados durante a

    Monarquia do Norte, sendo

    este, no restabelecimento

    do regime, oferecido pela

    famlia do j ento falecido

    Jlio Celestino da Silva

    A notcia da implantao da Repblica chegou terra

    apenas quatro dias depois dos acontecimentos ocorridos

    na capital ou seja, a 9 de outubro

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    outubro18

    , atravs das pginas do hebdomadrio Maria da Fonteque, de uma pequena e ainda incerta nota de primeira pgina, sal-

    tava para uma pgina interior com toda a informao que acabara

    de lhe chegar e na qual condensava os pormenores das movimenta-

    es, as palavras de ordem dos lderes do novo regime e, at, a com-

    posio integral do novo governo presidido pelo Doutor Tefilo

    Braga. A encerrar a reportagem, escrevia o cronista local: Ontemde tarde tambm foi iada por um popular na cmara municipal

    deste concelho, a bandeira da Repblica, de maneira que todo o

    pas agora republicano19.

    Nas ruas, e flutuando j ao vento na frontaria dos velhos Paos

    do Concelho a bandeira da Repblica, realizaram-se, ensaiados

    pelas crianas da escola primria, os festejos descritos por Drio

    Bastos. Mas na prtica, tirando essas alegrias algo isoladas,

    muito pouca coisa mudou: tratou-se, na realidade, como que

    de um baralhar e voltar a dar, com as elites polticas da terra

    a aguentarem-se nos cargos ou, simplesmente, a rodarem de uns

    para outros, mantendo, contudo, poderes e privilgios.

    interessante observar-se, por exemplo, como parte dessas

    elites que escreviam nos jornais existentes na vila, mudaram es-trategicamente de opinio sobre Monarquia e Repblica em espao

    de semanas ou, em alguns casos, de dias, apenas. E surgiu at a

    caricata situao de, tendo o recm-escolhido governador civil de

    Braga, Dr. Manuel Monteiro, nomeado o mdico Ablio Antero

    Vilela Areias para administrador do concelho (escolha acertada,

    no dizer do peridico A Maria da Fonte, que acrescentava tersido este nosso preclaro amigo tambm encarregado de organizar

    uma comisso municipal que proclame aqui a Repblica e que

    fique a gerir os negcios do municpio at nova eleio), ter o

    chefe do distrito de substituir o nomeado no curto espao de umas

    poucas horas. que a escolha acertada no o fora assim tanto,

    visto o mesmo governador civil ter verificado, logo de seguida,

    Jornal Maria da Fonte

    que anuncia a revoluo que

    levou implantao

    da Repblica

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    O poeta d A Minha Terra | 25

    que essa nomeao era incompatvel com as funes de facultativodo partido municipal que o Dr. Areias exercia. Para o substituir,

    foi ento nomeado outro mdico, o Dr. Adriano Martins, o qual,

    no dia 11, era finalmente empossado. cerimnia assistiram

    vrios cavalheiros desta vila, tendo discursado, para enaltecer as

    qualidades do novo administrador, o velho escritor e jornalista

    Jos da Paixo Bastos, tio de Joo Augusto e de Drio Bastos.No obstante, a grande surpresa do ato de posse no foi o facto

    de Ablio Areias ter sido substitudo por Adriano Martins; nem

    sequer o de, como afirma o citado jornal, se notar pouco entu-

    siasmo no povo: a grande surpresa foi o facto de o discurso de

    afirmao do novo regime, do despontar de uma nova aurora,

    ter sido proferido pelo j ento ex-administrador do concelho, o

    monrquico padre Jlio Ferreira Sampaio que, solenemente, afir-

    maria aos presentes: Neste momento histrico preciso frisar bem

    que se ontem combatia com lealdade ao lado da monarquia, que

    baqueou, hoje, em face do novo regime, diante do qual me curvo

    respeitosamente, se ele procurar a integridade e bem-estar da

    ptria e no hostilizar a religio de que sou ministro, no ponho

    dvida em exclamar: bem-vindo seja esse regime, viva a repb-lica portuguesa!20

    Depois da posse e dos discursos, e quanto no exterior a banda dos

    bombeiros voluntrios tocava A Portuguesa perante o j referido

    pouco entusiasmo do povo, foram nomeados os restantes membros

    da comisso municipal, hasteada a bandeira vermelha e verde

    e proclamada a repblica. Integravam a comisso municipal ossenhores lvaro Ferreira Guimares, Incio Peixoto de Oliveira e

    Castro, Emlio Geraldo Alves Vieira Lisboa, Alberto Carlos Vieira

    Alves, Jlio Celestino da Silva e Joo Alberto de Faria Tinoco21.

    Para Joo Augusto, que vivia ali, a dez metros do edifcio dos

    paos do concelho, em pleno corao da vilazinha, a cerimnia deve

    ter sido uma festa. No pela queda de um regime e pela ascenso

    Pe. Jlio Sampaio,Dr. Ablio Areias e

    Dr. Adriano Martins, trs

    dos protagonistas da

    implantao da Repblica

    na Pvoa de Lanhoso

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    de outro, o que poca pouco lhe devia dizer, nem pelo simbolismodo ato, apesar da alegria sentida pelos seus familiares paternos;

    mas pelo alegre romper da banda dos voluntrios que entoava

    A Portuguesa e pelo bulcio que, apesar do pouco entusiasmo

    do povo, se deve ter gerado na Praa do Municpio, onde, poca,

    habitava com seus pais.

    Mas, regressemos, aps esta breve deambulao histrica, um

    pouco atrs, mais precisamente ao incio de 1910.

    A morte da santa me dos miserveis

    Joo Augusto no completara ainda 10 anos de idade quando, nos

    incios de fevereiro de 1910, assistiu ao choque provocado na terra

    pela notcia da morte, ocorrida no dia 11, em Lisboa, e chegada

    na madrugada do dia seguinte via telgrafo, de D. Elvira de Pontes

    Cmara Lopes. D. Elvira, sua tia-av, era destacadamente a pessoa

    mais considerada e amada na terra.

    Casada com Antnio Ferreira Lopes, com ele formava o casal

    benemrito que tanta coisa doara nas duas ltimas dcadas P-

    voa de Lanhoso. E com tamanha dedicao o fazia junto dos pobres edas crianas que era por todos chamada a santa me dos miserveis22.

    A sua morte levou a terra a vestir de pesado luto, encerrando por

    trs dias as portas do seu comrcio; e, nas semanas que se seguiram

    ao seu desaparecimento, encheram-se de fiis, que por ela queriam

    escutar missa ou rezar particulares oraes, as igrejas e capelas de

    todas as vinte e oito freguesias do concelho.Esta ocorrncia deve ter sido outro motivo que marcou a infncia

    de Joo Augusto, pois Elvira Cmara Lopes no era apenas a san-

    ta me de todos os miserveis: era tambm a grande protetora da

    famlia. E no podemos deixar de relembrar que os pais de Joo

    Augusto eram os sobrinhos preferidos da brasileiradas Casas Novas

    e do marido, Antnio Lopes.

    D. Elvira Cmara Lopes e

    seu marido Antnio Ferreira

    Lopes, brasileiros e tios avs

    de Joo Augusto

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    Em julho de 1910, Joo Augusto terminava na sua vila natal ainstruo primria. Preparadas as malas, partiu em meados de outubro

    para a vizinha cidade de Guimares, onde passou a frequentar o

    colgio de Nossa Senhora da Conceio e onde viria a criar laos

    de estreita amizade com o Padre Jos Carlos Veloso de Almeida,

    natural da freguesia povoense de S. Joo de Rei e ao tempo professor

    naquela escola. Sobre este professor e sacerdote, escreveria, anos maistarde, Joo Augusto: O Padre Z Carlos... Que bom sacerdote/ (com

    padres assim / parece-me a mim, / seria catlico sem nada custar)23.

    Era ainda no colgio de Guimares que se encontrava quando,

    em 1914, rebentou a I Grande Guerra, ali se mantendo quando Por-

    tugal, dois anos volvidos, foi levado a participar ativamente na frente

    de batalha, em Frana24

    . Aos fins de semana regressava terra paravisitar os seus pais e irmos, que habitavam, ora na casa dos avs

    q Praa municipal com

    o edifcio dos Paos do

    Concelho, ao centro. Na

    frontaria, hasteada, esta bandeira verde-rubra

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    maternos, na praa do Municpio, ora na ala norte do palacete das

    Casas Novas, para calcorrear os cantos de sua vila da Pvoa ou

    para refazer o ba de consumos semanais que, fruto da situao

    de guerra, eram mais caros e mais difceis de conseguir na cidade.

    Estudante, emigrante, poeta...

    Concludo o curso comercial, em 1917, e j com Portugaldiretamente envolvido nas batalhas em solo francs, batalhas essas

    que tantas vtimas viriam a causar no Corpo Expedicionrio Portugus,

    Joo Augusto regressou finalmente Pvoa de Lanhoso. A, viveu de

    perto a inaugurao da maior e mais importante de todas as doaes

    de Antnio Ferreira Lopes sua terra: um hospital, inaugurado a

    5 de setembro de 1917 e destinado ao acolhimento e tratamentode doentes pobres25. Seu pai foi o primeiro diretor deste hospital,

    construdo em tempo de guerra, de fome e de mortferas epidemias26.

    Mas o caminho do futuro poeta, o seu futuro mais prximo, no

    passaria por permanecer definitivamente na terra natal; no passaria

    por, semelhana do que acontecia com outros membros da famlia,

    que assim se habituaram a viver, se acomodar situao de filho,

    Projeto da escola

    primria da vila,

    mandada fazer no Largo

    do Amparo, em 1880,

    pela cmara municipal.

    Ao lado deste, existia

    um outro edifcio, alguns

    anos mais antigo, erigido

    com parte do legado doconde de Ferreira. Aqui

    concluiu Joo Augusto a

    sua escolaridade bsica

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    neto ou sobrinho-neto de capitalistas. O seu futuro prximo seria o

    tirocnio comercial na cidade do Porto, preparando-se para, pouco

    mais de dois anos volvidos, partir a atravessar o imenso Atlntico

    procura de uma vida diferente na chamada terra da promisso.

    A exemplo do que acontecera na centria de novecentos, o

    primeiro quartel do sculo XX foi tempo de partida de muitos

    milhares de jovens portugueses para o Brasil27.

    Procuravam benefcios idnticos aos que, a

    muitos outros patrcios, a chamada terra da

    promisso tinha proporcionado nos sculos

    anteriores, e a alguns continuava ainda a pro-porcionar, muito embora o nmero dos que

    ali enriqueceram fosse muito menor que o da-

    queles que nunca saram de uma misria igual,

    ou pior, que aquela que os levou a atravessar

    o mar oceano.

    Joo Augusto foi um desses muitos milharesde jovens portugueses que, no incio da dcada de 1920, partiu para o

    Brasil onde, apesar do apoio de muitos familiares ali residentes e da

    proteo que, a partir de Lisboa, recebia do tio-av Antnio Ferreira

    Lopes, ento comanditrio de uma das grandes casas comerciais

    do Rio de Janeiro a Castro, Silva & Companhia, sociedade que co-

    mercializava e exportava cafs, cereais e couros28

    a vida lhe nosorriu de todo. Sabe-se que o jovem tinha especial predileo pela

    cidade do Rio de Janeiro, onde sua me nascera e onde se encontrava

    emigrada grande parte da sua famlia materna. No obstante, uma

    doena poca muito em voga do outro lado do Atlnticoasfilis

    obrigou-o a voltar a Portugal e sua terra natal, como adiante

    veremos.

    Joo Augusto foi um dos muitos milhares de jovens

    portugueses que, no incio da dcada de 1920, partiu para

    o Brasil procura de riqueza

    q Colgio da Nossa Senhora

    da Conceio, em Guimares,

    onde Joo Augusto estudou e,

    ao fundo, o padre Jos Carlos

    Simes Veloso de Almeida,diretor do colgio e grande

    amigo do jovem poeta

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    30 | Joo Augusto Bastos

    A partir desse regresso, seguindo o exemplo de alguns tios eprimos que, anos antes, se haviam iniciado nas letras com a pub-

    licao de monografias histricas e trabalhos de carcter literrio,

    Joo Augusto encetou uma carreira similar. Nas dcadas de 1920,

    1930 e 1940, viria a produzir vasta colaborao para o semanrio

    local Maria da Fonte, publicando ainda prosa e poesia noutros

    jornais, portugueses e brasileiros. So brilhantes, na forma e no estilo,

    e de extrema coragem no contedo, quase todos os textos por si

    assinados que faz publicar em jornais da sua terra, assumindo opinio

    muito crtica no respeitante atuao das elites locais, mesmo aps

    a implantao do Estado Novo e da instituio da censura. Sendo

    Joo Augusto Lopes Bastos, pelo nascimento, parte integrante dessas

    elites locais, situao da qual jamais se serviu para colher benefcios

    de qualquer ordem, as suas posies pblicas valeram-lhe, no incio,

    alguns amargos de boca; e, mais tarde, fruto de desentendimentos

    de parte dos seus familiares com figuras emergentes do poder local,

    onde os cultores da figura de Antnio de Oliveira Salazar secaram

    tudo sua volta, ser votado a um completo ostracismo social. Os

    apoiantes locais do Estado Novo apelidavam-no de reviralhistae de

    comunista, simpatias que Joo Augusto nunca confirmou, mas quetambm jamais desmentiu.

    No dia 8 de outubro de 1925, o ento ainda jovem estudante uni-

    versitrio Jos Joaquim Teixeira Ribeiro, seu amigo e conterrneo

    que, mais tarde, viria a tornar-se professor catedrtico, reitor da Uni-

    versidade de Coimbra e a ocupar o cargo de vice-primeiro ministro

    de Portugal, enviou-lhe um singelo poema onde se l: () Desculpa,meu amigo... os versos dum poeta / So lgrimas de sangue e lrios

    de Titan! / As lgrimas que esfolham o vento da sarjeta / O lrio

    que afemina a aurora de amanh! O poema dedicado a Joo

    Augusto, poeta da Liberdade e da Revolta29.

    Cansado de viver num meio pequeno e pobre que lhe limitava os

    sonhos e lhe regateava qualidades, quis voar mais alto, tambm, ou

    Largo da Alegria (Pvoa

    de Lanhoso), nos incios

    do sculo e, em baixo,

    emigrantes portugueses

    chegam ao Brasil na

    dcada de 1920

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    O poeta d A Minha Terra | 31

    especialmente, no campo das letras, partiu para Lisboa nos primeirosanos da dcada de 1930. A se instalou, primeiro sozinho e mais

    tarde com a famlia, a desenvolveu atividades comerciais, a escreveu

    muitos dos seus poemas, a publicou os dois livros que daria estampa

    em vida, a conheceu e conviveu com grandes intelectuais da poca

    como Campos Lima, David Mouro-Ferreira, Campos Monteiro,

    Ferreira de Castro, Rocha Martins, Reinaldo Ferreira (o clebre

    Reprter X) ou Martha de Mesquita da Cmara. Apaixonado pelo

    charadismo, tornou-se figura de proa dos jornais A Charada e O

    Charadista, diretor de O Enigma e um dos principais animadores

    e dirigentes da Tertlia Edpica da Costa do Sol. Mas, mesmo

    geograficamente distante da sua terra natal, no deixou de manter

    colaborao regular no semanrio Maria da Fonte, defendendo

    sempre, mesmo contra o j ento afirmado Estado Novo, as suas

    simpatias democrticas, os seus ideais de liberdade.

    Sempre que podia, Joo Augusto regressava sua terra natal,

    onde inclusive chegou a possuir uma oficina de reparaes de au-

    tomveis e venda de acessrios e combustveis30, mas com a qual

    apenas conseguiu somar prejuzos. No fim da sua vida, j seriamente

    incomodado por problemas respiratrios e cardacos que haviam deo matar, Joo Augusto escreveu dezenas de cartas a outros tantos

    clientes da sua j desativada oficina de reparaes de automveis e

    fornecedora de combustveis, solicitando-lhes o pagamento de enor-

    mes somas que lhe eram devidas por servios efetuados e no pagos.

    Grande parte dessas contas, representando, em meados da dcada de

    1960, muitas centenas de contos de ris, nunca foi liquidada pelosdevedores. Alguns dos seus empregados e colaboradores tambm

    lhe no foram leais e, com o patro longe, faziam da Auto Servio

    Fontarcada coisa sua.

    Quando o poeta morreu, em dezembro de 1965, a sua viva ficou

    numa situao econmica complicada. Os ltimos anos da vida de

    Joo Augusto foram to difceis na relao com alguns clientes e

    Joo Augusto

    fotogrado no Rio de

    Janeiro com o seu

    palhinha

    Joo Albino de

    Carvalho Bastos, pai de

    Joo Augusto. A moda

    dos palhinha esteve

    to em voga nos anos de

    1920 a 1940 que, mesmo

    quem nunca esteve no

    Brasil, como Joo Albino,

    no deixavam de os usar

    q Joo Augusto ( direita), fotografado no Brasil com um amigo

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    sobretudo com um familiar e scio nos negcios da oficina, que ascartas por ele enviadas a cada um deles so, mais que uma inteno

    de cobrana, sentidos lamentos. Numa dessas missivas, datada de

    17 de maio de 1964 e dirigida a um familiar, depois de se queixar

    da falta de seriedade que este colocava nos negcios comuns, dizia:

    (...) s da Pvoa, e bonda! Eu tambm a nasci, mas foi por en-

    gano. Graas a Deus que no vivo a, nem quero, e tudo farei para

    que os meus ossos no sejam comidos por essa terra. Este homem,

    agora mirrado pela doena e amargurado pela injustia e pelo incum-

    primento alheio, era o mesmo que, menos de uma dcada antes,

    escrevia: Na Pvoa nasci, / na Pvoa casei, / na Pvoa fui pai.

    / Em toda a Provncia / Provncia do Minho / no h para mim,

    / mais terno cantinho / mais belo canteiro / mais lindo jardim31.

    So assim as relaes de amor-dio ou de simples desiluso?quando a terra que amamos nos maltrata.

    Contudo, apesar de um fim de vida de muita desiluso e sofri-

    mento, Joo Augusto amou muito a Pvoa de Lanhoso. E no po-

    demos esquecer que foi o seu poeta mais premiado.

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    O corao da vila da Pvoa nos finais da dcada de 1930

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    Nascimento e batizado

    Joo Augusto Lopes Bastos nasceu s duas horas da madrugada

    do dia 26 de agosto de 1901, uma segunda-feira, na metade da vila

    da Pvoa de Lanhoso ento pertencente freguesia de Fontarcada1,

    vindo a falecer na Parede, concelho de Cascais, a 8 de dezembro

    de 1965.

    Sua me, Elvira Maria Lopes Bastos, popularmente tratada pelo

    diminutivo Vivi, era a sobrinha predileta do riqussimo casal de

    brasileirosElvira de Pontes Cmara Lopes e AntnioFerreira Lopes, benemritos e figuras dominantes na

    terra. Vivi ficou na memria dos povoenses como

    grande atriz de teatro amador2. O pai, Joo Albino

    de Carvalho Bastos, que poucas semanas antes do

    nascimento deste primeiro filho abrira na vila um

    estabelecimento onde comercializava lanifcios,fazendas brancas, miudezas e quinquilharias, o qual

    batizara como Casa Central3era, tambm ele, um ho-

    mem dedicado s artes, especialmente msica, quer

    como instrumentista, quer como compositor. Criou

    mesmo uma pequena orquestra local, e devem-se-lhe alguns dos sa-

    raus musicais que, na primeira metade do sculo XX, alegraram astardes de domingo no Theatro Club, bem como a composio de

    um conjunto de hinos para algumas instituies da terra. So de sua

    autoria, entre muitas outras peas musicais, o hino do Clube Povoense

    e a marcha dos Inseparveis4.

    Habitava o jovem casal, ao tempo do nascimento do futuro poeta,

    no palacete das Casas Novas, residncia na terra dos tios brasileiros,

    Elvira Maria e Joo

    Albino Bastos, paisde Joo Augusto

    [Verdes anos]

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    que sempre protegeram e amaram esta sobrinha como se nela vissema filha que no tiveram. Elvira Maria e Joo Albino eram, alis, uma

    espcie de fiis guardies de toda a enorme residncia apalaada,

    construda a partir da dcada de 1890, j que os Elvira e Antnio

    Lopes residiam em Lisboa durante a maior parte do ano e s ali

    vinham passar dois ou trs meses, na altura das colheitas. Foi, pois,

    nesse belssimo palacete a que chamavam das Casas Novas, a maissumptuosa casa de habitao da vila e o principal local de convvio

    sociocultural da pequena localidade minhota, que Joo Augusto

    veio a este mundo.

    Era o primeiro dos seis filhos que o casal viria a ter.

    O seu batizado, no qual marcou presena a melhor sociedade po-

    voense da poca, realizou-se na igreja de Fontarcada a 22 de setem-bro do mesmo ano, em cerimnia presidida pelo padre Antnio Joa-

    quim Barbosa, sendo padrinho do nascituro o av materno, Emlio

    Antnio Lopes, e madrinha a av paterna, Joaquina Rosa Pereira.

    No final da cerimnia religiosa, que teve direito a reportagem na im-

    prensa local, foi aos convidados servido um jantar na casa do av

    e padrinho, e noite danou-se animadamente at altas horas5.

    Notcia do semanrio

    Maria da Fontesobre

    o nascimento de Joo

    Augusto e assento paroquial

    de batismo na igreja de

    Fontarcada

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    A famlia

    Elvira Maria Lopes, a me de Joo Augusto, era brasileira por nas-

    cimento. Filha de Emlio Antnio Lopes e de sua primeira esposa,

    a aoriana da Ilha de S. Miguel Maria Augusta de Moniz Lopes, nas-

    ceu na parquia de Nossa Senhora da Glria, na cidade do Rio de

    Janeiro, cidade onde seus pais se encontravam emigrados, no dia

    11 de junho de 18796.

    O pai, Joo Albino de Carvalho Bastos, nasceu na vila da P-

    voa de Lanhoso no dia 19 de Setembro de 18807, filho do comerciante

    Joo Antnio de Carvalho Bastos e de sua esposa, Joaquina Rosa

    Pereira.

    q O palacete das Casas

    Novas e, direita, a alanorte, onde Joo Augusto

    nasceu. Em primeiro plano

    nesta imagem v-se a me

    do futuro poeta e,

    na varanda, seu pai

    Ainda jovem, Elvira Maria regressou com a famlia Pvoa de

    Lanhoso, estava a ltima dcada do sculo XIX a meio. Seu pai ti-

    nha amealhado no Brasil significativo peclio, o qual lhe permitiu,ao regressar, levar uma vida bastante acima da mdia na pequena

    vila de ento, terra em cujo coraoadquiriu uma boa propriedade, a

    Casa do Eirado, e na qual, depois de grandes obras de remodelao

    passou a residir com os filhos e a esposa8.

    Ali instalado, Emlio Antnio, para alm de administrar os prprios

    bens9, desempenhava uma misso que lhe dava enorme visibilidade

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    e proveito: era o procurador do irmo mais velho, Antnio, opulen-

    to capitalista que, embora residindo em Lisboa a maior parte do

    ano, tinha na Pvoa de Lanhoso enorme interveno econmica e

    filantrpica.

    A Emlio Antnio cabia a responsabilidade de gerir as vrias quin-

    tas e quintais adquiridos pelo irmo Antnio, bem como a de nego-

    ciar outras propriedades e conduzir as muitas e grandes obras que

    o benemrito encetara na sua vila natal. nessa qualidade, espcie

    de lugar-tenente, que diversssimas vezes aparece identificado em

    escrituras notariais e nas atas da cmara municipal do primeiro quartel

    do sculo XX, solicitando licenas de obras, intermediando permutas

    e doaes de terrenos ao municpio, procedendo a pagamentos e,

    at, representando o irmo em questes jurdico-administrativas.

    Antnio Ferreira Lopes era, desde que regressara do Brasil, em1888, a figura tutelar da Pvoa de Lanhoso. A fortuna que trouxera

    do Rio de Janeiro permitira-lhe iniciar uma revoluo na terra,

    comprando terrenos e construindo prdios, rasgando ruas, alindando

    espaos pblicos, emprestando dinheiro, a juros ou sem eles, ajudando

    amigos em dificuldades, doando terrenos e significativas verbas ao

    municpio e praticando muitos outros atos de benemerncia. Partedas grandes festas pblicas que se realizavam na terra eram por si in-

    tegralmente pagas, chegando algumas dessas manifestaes festivas a

    contar com a atuao conjunta de quatro a seis bandas filarmnicas,

    que atuavam ao despique. Para alm disso, poucas obras de vulto se

    iniciavam sem que a cmara municipal o quisesse ouvir.

    Era por tudo isso reverenciado por polticos, magistrados, profis-sionais liberais, altos funcionrios das reparties do Estado e pelo

    clero. Quando se encontrava na sua casa da Pvoa de Lanhoso, o

    casal promovia requintadas recees e banquetes, e, se alguma figura

    de prestgio visitava a terra, fosse ministro ou bispo, era nas Casas

    Novasque pernoitava. Quando, pelo fim do vero, em geral depois

    de mais uma viagem de alguns meses pela Europa, regressava vila

    Joo Antnio e Joaquina

    Rosa, avs paternos de

    Joo Augusto

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    natal acompanhado pela esposa e muitas vezes por outros familiares

    e amigos, era o casal recebido com foguetes, iluminaes nas ruas e

    arraiais populares, enquanto a sua residncia se enchia das figuras

    mais importantes do meio que iam apresentar as boas-vindas, o mesmo

    acontecendo quando partia10. Mas no eram apenas os mais ricos

    que encontravam os portes das Casas Novasescancarados. Tambm

    ali acorriam, s vezes em magotes de dezenas, crianas de aspeto

    andrajoso e mes famintas que, quer da parte de Antnio Lopes,

    quer especialmente da de sua esposa D. Elvira, encontravam sempre

    a mo amiga que lhes aliviava a fome e o frio.

    Apesar de ser um homem bastante rico para os padres da terra,

    Emlio Antnio estava a muitos milhares de contos de reis de distn-

    cia do mano mais velho. Porm, residindo este em Lisboa durante a

    maior parte do ano, era a Emlio Antnio que cabia represent-lo,com a influncia que esse estatuto lhe garantia; estatuto que durante

    dcadas se estendeu a quase todos os membros da famlia Lopes e

    aparentados.

    Elvira Maria, a Vivi era, por tudo quanto atrs ficou dito, um

    dos melhores partidos da terra. Por tudo isso e pela sua enorme

    beleza. E ainda pela excecional formao que seus pais e tios lhetinham proporcionado: lia e falava fluentemente francs, tinha

    viajado diversas vezes pelo corao de Europa, tocava piano, tinha

    maravilhosas histrias para contar e, como se tanto fora ainda pouco,

    destacava- -se como a mais talentosa atriz amadora que a Pvoa de

    Lanhoso j vira em palco, sendo o teatro amador apreciadssimo na

    terra. Senhora muito culta, sensvel, profunda conhecedora da artede representar, a sua sensibilidade, a sua presena, a sua voz, as suas

    interpretaes magistrais deixaram marcas profundas e assinalaram

    toda a histria do teatro amador [povoense], escreveu, sobre ela, o

    historiador Jos Bento da Silva11.

    Joo Albino de Carvalho Bastos, seu futuro marido, habitava com

    os pais a cinquenta metros de distncia da casa do Eirado. Filho de

    Emlio Antnio e Maria

    Augusta Moniz, avs

    maternos do poeta

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    um dos mais fortes comerciantes da praa povoense de ento era,

    da mesma forma dado s artes, especialmente msica. E tinha

    tambm boa figura f sica. No difcil perceber, pois, que apesar dealgumas reaes negativas da famlia da moa apesar de tudo, o

    estatuto econmico que separava ambas as famlias era muito gran-

    de viriam a apaixonar-se, e a casar no dia 2 de dezembro 190012.

    Deste amor, digno de um romance de Camilo, nasceu, ao nono

    ms de casamento Joo Augusto Lopes Bastos, o primeiro dos seis

    filhos que o casal viria a ter: Anita, Alfredo, Antnio (Toneca),Arlindo (Lindoca) e Maria Elvira Lopes Bastos.

    A infncia

    Os primeiros anos de vida passou-os o pequeno Joo Augusto a brin-

    car nos bonitos jardins e quintais do palacete das Casas Novas, delici-

    A praa municipal antes

    de 1910. Emlio Lopes, av

    materno de Joo Augusto,

    habitava na primeira casa

    de cor escura, do lado

    esquerdo da imagem. Anos

    depois, mandaria cobrir as

    paredes de azulejos verdes,

    exatamente iguais aos do

    palacete do irmo Antnio

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    ando-se com a fruta do imenso pomar da propriedade,

    com o lago artificial que ali havia sido construdo, ou,

    ento, sentado aos ps da sua me brasileira num dos

    grandes sales decorados belle-poque, ouvindo as

    histrias que Vivi lhe contava, envolvendo negras

    negrinhas ou curiosos episdios vividos em muitas

    naes aonde passou, como o prprio recordaria no

    poema A Minha Terra13.

    Ao pai, escutava-o a interpretar ao violino ou ao

    piano algumas peas musicais de sua autoria ou a di-

    vagar sobre as grandes obras ou os no mais pequenos

    negcios nos quais o tio Lopes, aos poucos, o foi

    introduzindo em substituio do sogro.

    Pelos seis anos Joo Augusto Lopes Bastos iniciou,com o professor Freitas Guimares, a instruo prim-

    ria na escola da vila, algumas dcadas antes construda

    por doao do Conde de Ferreira. Ao cimo da vila fica-

    va a escola / (que j no existe, que j no se v) / aon-

    de, semana, de bibe e sacola / eu ia contente com

    meu abec14

    . Ter sido por essa mesma altura que, talcomo todo o rapazio da sua idade, aproveitou as muitas

    sadas rua para palmilhar os recantos da terra, do

    bairro pobre da Portela ao monte do Pilar, dos Fornos

    aoAlto da Bela, de Valdemil a S. Pedro ou aos Moinhos

    Novos, conhecendo e falando com as figuras populares

    e ouvindo contar aos mais velhos histrias antigas, quepovoaram a sua memria futura e serviram anos depois para redigir

    alguns dos seus mais belos textos literrios. O Castelo de Lanhoso,

    que da vila onde o pequeno morava se via recortado contra o cu

    azul no altssimo monlito grantico do Pilar, foi outra das suas

    fontes de inspirao: Um velho castelo, relho / de rendas negras de

    granito / e punhos de veludo muito velho () / da tua boca o brado

    O pequeno Joo Augusto

    de bibe e, na foto inferior,

    largo do Amparo na dcada

    de 1910. Nas duas pequenas

    casas brancas, direita,

    funcionava a escola da vila

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    O benemrito Antnio

    Lopes e os sobrinhos Vivi

    e Amrico Lopes. Sentados,

    Joo Augusto (ao centro) e

    seu irmo Alfredo ( direita

    na imagem).

    Anos mais tarde, seria

    Amrico Lopes o grande

    protetor de Joo Augusto e

    seus irmos, na passagem

    destes pelo Rio de Janeiroq Abaixo: postal de Joo

    Augusto me (s/ data),

    enviado para a Pvoa de

    Varzim

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    / que havia de ecoar no mundo inteiro. / Foi de l que partiram

    / as hostes de Afonso Henriques / os guerreiros que novas terras

    viram, / tomaram e venceram. /Castelo de Lanhoso, / famoso15.

    A consoada minhota, onde ningum quer faltar ceia / pois

    farta a boa mesa / No h vila nem aldeia / onde no haja franqueza

    / No faltam as rabanadas / mais loiras que um trigal / e o vinho

    verde, s canadas / das vinhas de Portugal / () / H mais fogo

    na lareira / e calor nos coraes / Cada aldeia uma fogueira / a

    queimar recordaes ()16 outra das mais fortes recordaes

    de infncia de Joo Augusto, a qual canta em dezenas de poemas

    escritos ao longo da vida.

    E, quando, na terra natal, no encontrou mais escola onde pu-

    desse alimentar a sua fome de saber, por ter concludo, em julho de

    1912, com a classificao de ptimo, o 1 grau do ensino17, partiupara a cidade vizinha de Guimares, onde ingressou no Colgio de

    Nossa Senhora da Conceio, primeiro, passando depois a frequentar

    o Liceu da cidade onde, em 1914, realizou com aproveitamento o

    exame de 2 grau18. Deslocou-se depois para o Porto onde, em 1916,

    concluiu no Colgio Universal o curso de comrcio, voltando de se-

    guida aos torres de origem19

    . A Europa encontrava-se envolvida naPrimeira Grande Guerra, na qual participava j o Corpo Expedicio-

    nrio Portugusque tantas baixas sofreu. Tambm da Pvoa de La-

    nhoso haviam partido soldados e regressado cadveres. Tambm

    a Pvoa de Lanhoso sentiu os horrores da febre espanhola que

    acompanhou o fim da Guerra e que tantas vidas ceifou20.

    Em tempo de espera para outras andanas, Joo Augusto foi uns

    meses para o Porto, praticar no escritrio de um amigo da famlia.

    Era ali, residindo na Rua do Correio, n 26, que se encontrava em

    janeiro de 1918, quando, da irm Anita, recebeu um postalzinho que

    dizia: Como tens passado? Recebeste o farnel? Que tal, gostaste?

    Espero que sim. Eu vou entrar para o Colgio. Tens passeado muito?

    Da tua irm muito amiga, Anita Bastos.

    Joaquim Jos de

    Oliveira Freitas Guimares,

    professor da escola da

    vila de finais de sculo XIX

    at segunda dcada do

    sculo XX. A ele se deve aorganizao dos prmios

    escolares patrocinados

    por Antnio Lopes. Na

    foto inferior, Arlindo, dito

    Lindoca, irmo de Joo

    Augusto

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    A me, Vivi, com os

    filhos Toneca, Mariazinha

    e Maria Beatriz (ao colo da

    me)

    Carta de Joo Augusto

    aos pais, datada do Porto

    (7 de maio de 1915). Entre

    finais de 1914 e meados

    de 1916, frequentou Joo

    Augusto o Colgio Universal

    portuense, onde concuiu o

    curso comercial

    Na pgina seguinte, um

    bilhete aos irmos Anita,

    Alfredo e Toneca

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    Os irmos Antnio

    Lopes Bastos, ditoToneca, em 1926, e

    Mariazinha, a mais nova

    de todos, ainda viva e

    atualmente com 92 anos

    de idade

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    em mos, Joo Augusto partiu da Pvoa de Lanhoso para Lisboa,

    obteve visto no consulado do Brasil a 27 de Maro de 1920, e me-

    nos de um ms depois, a 23 de Abril, abalava da capital portuguesa a

    bordo do paquete Hollandia. Com Joo Augusto, viajavam outros

    dois irmos, Alfredo e Toneca, e um tio, Armando Lopes, mais

    novo que ele, nascido do segundo casamento do av Emlio Antnio

    com D. Flora Campos Lopes21. A travessia ocenica demorou onze

    dias, tendo os rapazes sido acolhidos no porto do Rio de Janeiro a4 de Maio.

    Do outro lado do Atlntico havia familiares sua espera. Encon-

    trmos esses laos numa carta dirigida por um tio, Amrico Lopes,

    a sua irm Elvira Maria, me do jovem, datada de 11 de Maro de

    1920. Mana, para comear, toma l um milho de abraos! Mas

    distribui alguns pelo cunhado e sobrinhos, se bem que estes (com

    excepo de Anita e Lindoca, j se v), vamos em breve ter a alegria

    de v-los aqui entre ns, sendo esperados com muita ansiedade. Cal-

    culo como te vai custar a separao! Mas podes ficar tranquila que

    tudo faremos por eles, na medida das nossas foras22.

    Na mesma carta, Amrico Lopes vai sugerindo que a famlia trate

    de, em Portugal, promover o emprego de que os jovens precisavam:

    No poderiam arranjar a, com o Cndido Sotto Maior? Uma carta

    O paquete Hollandia e

    a bilhetada vacinao que,

    a bordo do navio,

    era ministrada aos

    passageiros

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    de apresentao para a firma Sotto Maior e C., conforme j lembrei?

    Seria timo, porque trata-se de uma casa de primeirssima ordem e

    talvez o Joo Augusto ali se empregasse, principalmente ele, tendo

    alguma prtica de escritrio; j aqui, quase impossvel coloc-lo

    na referida casa. Ainda pela mesma missiva, sabe-se que o prprio

    Antnio Lopes estava empenhado em ajudar os sobrinhos: O Sr.

    Heitor Ribeiro j me disse que ficava com um, atendendo de boa

    vontade ao pedido que o tio Lopes lhe fez por carta.A estada de Joo Augusto no Brasil (que, como se ver, foi bre-

    ve), pode seguir-se pelas cartas que, vindas do outro lado do Atlntico

    chegavam famlia, todas enviadas por Amrico Lopes. Noutra des-

    sas cartas, datada de 30 de Abril de 1920 e dirigida a Antnio Fer-

    reira Lopes, escrevia Amrico: Meia hora antes da entrega da sua

    carta, recebi o seu telegrama anunciando a partida do Armando,Joo Augusto e Alfredo (...). J lhes preparei, aqui na Castro Silva,

    um quarto, e oxal que se coloquem breve e ao agrado de todos...

    o que ser mais difcil23.

    Joo Augusto, como os irmos (como, alis, vrios milhares de

    outros jovens portugueses, residentes especialmente no norte de Por-

    tugal e que, naquela altura, partiram em grandes grupos para achamada terra da promisso) procuravam no Brasil uma situao

    econmica desafogada, a exemplo daquilo que no sculo anterior

    acontecera com alguns outros compatriotas, entre os quais tinham

    como exemplos vivos o av Emlio Antnio e, muito especialmente,

    o tio-av Antnio Ferreira Lopes. Mas no se pense que todos

    aqueles que partiram para essa aventura em terras brasileiras tiveram

    sucesso. Na verdade, por cada brasileiro que voltava rico terra

    natal, com os dedos carregados de anis de brilhantes e os cofres a

    abarrotar de dinheiro, com a caneta e os culos com aros de ouro

    de lei a ornamentar-lhes o bolso de peito do terno claro ou o Patek-

    -Philippepreso botoeira por grossa corrente, e que, regressados ou

    mandando de l dinheiro para o efeito a cargo de um familiar de

    Amrico Lopes (foto de

    1939), tio e protetor de Joo

    Augusto na sua passagem

    pelo Rio de Janeiro

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    confiana, compravam propriedades imensas e construam bonitos

    palacetes, eram centenas e centenas os que regressavam to pobres

    como partiram, e milhares os que nunca mais voltavam, por se no

    quererem apresentar famlia e aos vizinhos com pouco mais doque a roupa que traziam vestida24.

    Joo Augusto no foi um desses emigrantes que por l ficaram,

    pobres, quando no indigentes, vivendo e morrendo s escondidas

    dos patrcios, com o corao despedaado pela saudade da famlia

    e da paisagem natal. Mas tambm no fez parte do grupo dos que

    regressaram ricos ou sequer remediados. Instalado na cidade mara-vilhosa, e apesar da proteo familiar de que dispunha, no conseguiu

    singrar, mantendo-se como empregado de uma casa comercial que

    pagava mal e tardiamente. mais uma vez pela pena de Amrico

    Lopes que conseguimos saber da vida do futuro poeta, enquanto

    este ali permaneceu:

    Entreguei ao Joo Augusto e ao Alfredo as tuas cartas, achando-

    -se ambos colocados, o que j te mandaram dizer, por certo.

    O Alfredo25 apresentou-se logo ao Heitor Ribeiro, aonde ficou

    empregado. Acredito, porm, que faria mais facilmente carreira

    noutro ramo de negcio: fazendas, por exemplo. Dou-te, est claro,

    esta minha opinio sob reserva, esperando que me mandes dizer

    Rio de Janeiro, em 1920.

    Em baixo, largo e rua de

    S. Bento, onde a Castro, Silva

    & Cia tinha escritrios

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    o que pensas a respeito da carta do tio para o Heitor, isto , se foi

    para ele, Alfredo, se colocar mais depressa, embora provisoriamente,

    ou se o tio de parecer que o Alfredo ali se conserve. Depende do

    que me mandares dizer, arranjar-se outra colocao, o que talvez

    no seja difcil conseguir, dada a boa vontade que o Alexandre

    tem demonstrado em colocar teus filhos.

    E Amrico Lopes continua esta carta irm Vivi, referindo-seagora expressamente ao futuro do nosso biografado:

    Quanto ao Joo, como sabes, trouxe uma carta para o Sr. Oliveira,

    de Pinto e C, que j me havia prometido coloc-lo na firma Sotto

    Maior e C, escorado numa promessa que o chefe desta firma lhe

    fizera anteriormente. Infelizmente, nada se conseguiu, mau grado

    os esforos empregados, e quando jtnhamos outra colocao em vista,

    quase certa, arranjada por intermdio do

    Alexandre, os meus chefes chamaram-

    me para dizer que, uma vez que nada se

    tinha conseguido naquela importante

    firma, o Joo Augusto ficava aqui pelo

    escritrio provisoriamente, at que se

    lhe pudesse dar um lugar definitivo.

    vista disso, nada mais tinha a fazer.

    Eram ordens... Disseram-me mais: que

    parecia que o filho do Sr. Sousa, que

    trabalha na Exportao, ia com o pai para a Europa, indo ento o

    Joo Augusto para o seu lugar. Ambos, assim como o Armando,esto dormindo na Castro & Silva. Quanto diferena de

    gnios, notei logo! Mas o essencial que sejam cumpridores dos

    seus deveres, porque, quanto ao seu futuro, o xis do problema,

    restando-nos pedir a Deus que sejam felizes e vtimas, o menos

    possvel, das injustias dos homens! Eles tm jantado connosco

    aos domingos e ainda ontem jantamos todos na casa da sogra26.

    Rio de Janeiro, 24 de

    novembro de 1920: da esquerdapara a direita, Armando Lopes,

    Jos Lopes Fernandes, um jovem

    que no identificmos e Joo

    Augusto

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    Os meses passavam. Joo Augusto mantinha-se na Castro & Sil-

    va e, ao que se l na correspondncia de Amrico Lopes, se no

    estava completamente satisfeito com o emprego e com o ordenado,

    estava-o pelo menos com o ambiente do Rio de Janeiro, com a vi-da alegre e arejada que a belssima cidade lhe proporcionava. No

    podemos esquecer-nos que, para um jovem que nascera e crescera

    numa pequena e pacata vilazinha do interior minhoto, mesmo tendo

    conhecido de fugida duas das principais cidades do norte de Portugal,

    a grande metrpole em que se constitua a capital do Brasil, o seu

    clima quente, as suas praias paradisacas, toda a sua beleza natural e,

    porque no diz-lo, os bonitos rostos femininos com quem convivia,

    devia ser assombroso!

    Desde que chegou ao Rio de Janeiro, como se afere pelas cartas

    trocadas entre familiares, Joo Augusto nunca deixou de trabalhar

    na Castro & Silva, o emprio que anteriormente se intitulara Cmara

    & Gomes, que comercializava cafs, cereais e couros e fora fundada

    Famlia Bastos pouco

    antes de os filhos mais

    velhos partirem para o

    Brasil. Em p, Toneca,

    Alfredo e Joo Augusto.

    Sentados: Joo Albino

    Bastos e a esposa, Elvira

    Maria. No centro, os filhos

    mais novos, Arlindo e

    Mariazinha

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    pelo sogro do seu tio-av Antnio Ferreira Lopes, e na qual este

    era, agora, scio comanditrio, mesmo tendo fixado residncia em

    Portugal. Ali, Amrico Lopes, o tio que temos vindo a referir,

    era, no fundo, aquele que lhe garantia proteo. Empregado com

    pequeno interesse na casa comercial, funcionava como uma espcie

    de observador de Antnio Lopes e, nessa qualidade, embora com

    poderes reduzidos, sempre conseguia ir protegendo os sobrinhos27. Essa

    proteo encontra-se bem patente nas muitas cartas que continuoua enviar irm e ao cunhado, pais do nosso poeta: O Joo, como

    j sabes, ficou mesmo pela Castro & Silva, na seco de exportao.

    Acho que ele ali aproveita mais do que aqui no escritrio, quero

    dizer, se tiver boa vontade, acaba sabendo alguma coisa proveitosa.

    No como eu aqui entre os livros de contabilidade, em que se per-

    de inmeros anos e no se passa de correctista-correspondente e,quando muito, guarda-livros! Guarda-livros h-os por a at de mais!

    Um empregado de escritrio substitui-se com relativa facilidade,

    agora um vendedor de praa, um conhecedor enfim dum determi-

    nado artigo e que lida com a freguesia, esse sim, impe-se sempre,

    faz carreira e pode-se estabelecer-se dum dia para o outro, at sem

    capital prprio, o que no acontece comigo, por exemplo; saindodaqui no presto para mais nada! Fica-se at embrutecido! No

    precisamos ir mais longe: olha o Arlindo, o Alexandre28.

    No obstante as observaes feitas por Amrico Lopes nesta carta

    de 24 de agosto, Joo Augusto no ficaria muito tempo na seco

    de exportao. Em finais de setembro do mesmo ano de 1920 j

    o tio informava, desta vez a sua irm, me do jovem, que o filho

    de um tal Sousa, que havia sado, depois de experimentar outros

    empregos, foi readmitido na casa para ocupar o antigo posto. Joo

    Augusto voltou ao escritrio, s contas, aos balancetes, atividade

    de contabilista que o tio Amrico to amargamente criticava.

    Todas estas mudanas profissionais e uma vida algo desregrada,

    como numa carta que adiante se transcrever, se pode ler, parecem

    Joo Augusto e Alfredo,

    seu irmo, viajaram juntos

    para o Brasil. Aps o regresso

    do irmo, Alfredo ficou mais

    alguns anos no Rio de Janeiro

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    ter mexido com a sua sade, pois ainda Amrico quem informa

    a irm, em setembro de 1920, que o Joo Augusto tem andado s

    voltas com os intestinos29.

    Doena e regresso terra natal

    Na totalidade, Joo Augusto viria a permanecer no Rio de Janeiro

    pouco mais de um ano. Nos ltimos meses de permanncia deixou--se tomar pelo desnimo que, a dada altura, se transformou em

    doena: as saudades da sua terra

    mexiam-lhe com o intestino e,

    para piorar a situao, viu-se in-

    fetado por sfilis30.

    Na Castro & Silva o seu lu-gar no era fixo: trabalhou no es-

    critrio, semanas depois foi trans-

    ferido para a seco de expor-

    taes, at que, por arranjos dos

    patres, regressou ao escritrio.

    O pequeno ordenado mensal de150$00 fazia-o desejar emprego

    numa casa de fazendas, rea em

    que se empregaram seus irmos

    Alfredo e Toneca, os quais auferiam pela mesma altura, respetivamente,

    220$00 e 200$0031. Em janeiro de 1921, Joo Augusto continuava a

    ganhar 150$0032, bastante menos que o tio Armando, que partira de

    Portugal no mesmo barco e que ganhava j, mensalmente, 250$0033.

    Vista a situao, em agosto de 1920 Amrico Lopes volta a in-

    terceder pelos sobrinhos: Pelo cunhado Joo, o tio [Antnio Lo-

    pes] j deve estar informado de que o Joo Augusto ficou aqui na

    Casa e que o Alfredo ir para a Amoroso Costa & C, vista de sua

    aprovao. O Armando est numa casa de fazendas a Sequeira

    Avenida Rio Branco,

    no Rio de Janeiro, onde

    se situava a sede da firma

    Castro & Silva

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    d i t t j i

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    do nome importante que vem nos jornais,

    e bons capitais

    em libras sonantes.

    Depois voltaria, risonho e lampeiro,

    santa terrinha,

    aonde a pequena

    aquela morena

    e mai-la mezinha,esperam, saudosas, o tal brasileiro,

    que pode comprar

    um lindo chal,

    com rosas ao p

    e lrios a par.

    Na saca de chita carrega iluses,o pobre emigrante

    Na terra distante,

    so mudos e tristes os longos seres

    nos olhos da me

    h sis de renncia perdidos nas sombras

    que a noite retm

    no meio das nuvens, de fofas alfombras.

    e aquela morena de olhos castanhos,

    que l se ficara por terras do Minho,

    semeia saudades no campo e no ninho,

    lembrando quem pena por mundos estranhos.

    o campo no gera a semente do po,

    e as ervas daninhas pululam na terra,

    os cardos vicejam na encosta da serra,

    e nem os moinhos j moem o gro.

    O barco l singra, l vai pelo mar,

    vencendo a tormenta, bailando nas vagas,

    enquanto nas fragas,

    a espuma saltita tambm a bailar

    O belssimo palacete

    Villa Beatriz, em Santo

    Emilio, Pvoa de Lanhoso. Edificado, em 1904, pelo

    brasileiroFrancisco Antunes de Oliveira Guimares,

    constituia-se, nas primeiras dcadas do sculo

    XX, pela sua beleza e grandiosidade, modelo de

    habitao para aqueles que emigravam com o sonho

    de regressarem ricos s suas terras

    e o pobre emigrante

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    e o pobre emigrante,

    l vai navegando no mar da Verdade,remando com penas de amarga saudade,

    por quem se f icara na terra distante.

    E o barco chegou

    a porto seguro,

    quele pas chamado Futuro.

    E a vida mudou

    Trabalhos dobrados, brutais desenganos

    e nem a fortuna

    coisa nenhuma!

    E passam os anos.

    Um dia regressa, cansado, afinal,

    (aquele que fora outrora emigrante)

    terra distante,

    terra natal

    Mas tudo mudou.

    Nos campos e leiras de po e de vinho,

    na aldeia serena,

    j to velhinha, aquela morena,

    que l se quedou

    por terras do Minho...

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    De regresso Pvoa de Lanhoso

    Quando, em 1921, Joo Augusto regressou do Brasil, trazia a

    ideia de voltar ao Rio de Janeiro to logo se restabelecesse da doenaque o afligia. A este desejo no seria estranha a paixo que o jovem

    emigrante gerara pela beleza da cidade, pelo seu clima ameno, pela

    vida social que a grande metrpole lhe mostrara e proporcionara,

    como se depreende das cartas de Amrico Lopes. Mas o sonho de

    sucesso que nesses derradeiros anos do primeiro quartel do sculo

    XX o Brasil continuava a proporcionar a milhares e milhares de por-tugueses que ali se encontravam ou que, de terras lusas, continuavam

    a partir com regularidade, tambm no o devia animar a esquecer

    defitivamente o regresso. Mesmo por que, em Portugal, onde as

    doenas, especialmente as do foro pulmonar, matavam aos milhares,

    a grave crise poltica, econmica e social que se instalara finda a I

    grande guerra, no augurava grande futuro.

    No obstante, e apesar do sonho de rpido regresso a terras bra-

    sileiras, a bssola da vida acabou por traar ao jovem povoense outros

    caminhos, bem diferentes.

    Seus pais possuam agora um pequeno mas elegante chal, re-

    centemente construdo na avenida da Repblica, oferecido ao casal,

    alguns anos antes, pelo tio Lopes. Refira-se aqui que o rico bra-

    sileiro das Casas Novas no tinha por Joo Albino de Carvalho

    Bastos, pai de Joo Augusto, uma especial simpatia. Aceitara-o,

    contrariado, para marido da sobrinha mais querida, dando-lhe ainda

    um emprego de destaque na terra, ao nome-lo administrador do

    hospital que ali fundara. No obstante essa aceitao e o cargo pro-

    fissional que lhe distribura, teve sempre a ideia de que o sobrinho,

    O tio Lopes e, atrs

    dele, Joo Albino de

    Carvalho Bastos

    [Vida adulta]

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    e pelo sculo XX adentro, pelo casal Antnio Ferreira Lopes e sua

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    esposa, D. Elvira de Pontes Cmara Lopes6.Contudo, mesmo dado o progresso que a terra registou e o grande

    investimento na construo de novas casas e ruas, quantitativamen-

    te, aquele traduziu-se mais em melhorias que em nmero de fogos

    pois o concelho baixou de 4.300 residncias, em 1900, para 4.214,

    em 1920. Para isso ter contribudo a demolio de muitos pequenos

    casinhotos, como por exemplo os que existiram no largo Serpa Pin-to depois largo Antnio Lopes e a sua substituio por prdios

    maiores e mais modernos.

    J no respeitante a nmero de habitantes, registando-se um au-

    mento, este no foi por demais significativo: a populao total do

    concelho era em 1900 de 16.928 e, em 1920, de 17.760. Um cres-

    cimento de cerca de 830 habitantes. As freguesias de Lanhoso eFontarcada, que integravam a vila e eram as mais importantes das

    28 que compunham o concelho, tinham, no seu conjunto, 3.176 ha-

    bitantes (1.353 residentes em Lanhoso e 1.823 em Fontarcada).

    Em termos de casas comerciais, o desenvolvimento era bastante

    acentuado. O mesmo acontecendo com a oferta de reparties pbli-

    cas, que com as novas leis da Repblica se alargaram, empregando

    bastante mais gente na dcada de 1920 que no princpio do sculo.

    Tambm a imprensa local continuava a afirmar-se, mantendo-se

    em publicao no s o semanrio Maria da Fonte, mas vrios

    outros jornais que nasciam e morriam para darem lugar a outros

    ttulos, todos fazendo uso de uma violncia verbal que hoje custa a

    acreditar ter existido. Em termos polticos, vivia-se um perodo de

    semianarquia, com as cmaras e as comisses municipais a seremsubstitudas de poucos em poucos meses, fruto dos jogos e das con-

    sequentes mudanas ocorridas em Lisboa.

    Mas, se a instabilidade que reinava na capital apenas viria a co-

    nhecer outros protagonistas e novas e mais rgidas regras a partir de

    28 de maio de 1926, com a inst