jenijunio dos santos - ppgedufpa.com.brppgedufpa.com.br/bv/arquivos/file/m14_jeni.pdf · santos,...
TRANSCRIPT
-
JENIJUNIO DOS SANTOS
POPULAES RIBEIRINHAS E EDUCAO DO CAMPO: Anlise das diretrizes
educacionais do municpio de Belm-PA, no perodo de 2005-2012.
BELM-PA
2014
-
SERVIO PBLICO FEDERAL
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PAR
INSTITUTO DE CINCIAS DA EDUCAO
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO
MESTRADO EM EDUCAO
JENIJUNIO DOS SANTOS
POPULAES RIBEIRINHAS E EDUCAO DO CAMPO: Anlise das diretrizes
educacionais do municpio de Belm-PA, no perodo de 2005-2012.
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-
graduao em Educao, da Universidade
Federal do Par Mestrado em Educao,
Linha Polticas Pblicas, do Instituto de
Cincias da Educao, como requisito para
obteno do ttulo de Mestre em Educao,
sob a orientao do Prof. Dr. Jos Bittencourt
da Silva.
BELM-PA
2014
-
Santos, Jenijunio dos, 1964- Populaes ribeirinhas e educao do campo:anlise das diretrizes educacionais domunicpio de Belm-PA, no perodo de 2005-2012./ Jenijunio dos Santos. - 2014.
Orientador: Jos Bittencourt da Silva. Dissertao (Mestrado) - Universidade Federaldo Par, Instituto de Cincias da Educao,Programa de Ps-Graduao em Educao, Belm,2014.
1. Educao e Estado - Participao docidado - Mosqueiro, Ilha do (PA). 2. Educaorural - Mosqueiro, Ilha do (PA). 3. Populaorural - Educao - Mosqueiro, Ilha do (PA). I.Ttulo.
CDD 22. ed. 379.0917348115
Dados Internacionais de Catalogao-na-Publicao (CIP)
-
JENIJUNIO DOS SANTOS
POPULAES RIBEIRINHAS E EDUCAO DO CAMPO: Anlise das diretrizes
educacionais do municpio de Belm-PA, no perodo de 2005-2012.
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-
Graduao do Instituto de Cincias da
Educao da Universidade Federal do Par,
como requisito para a obteno do Ttulo de
Mestre em Educao.
Data da Defesa 09/06/2014 Conceito: Excelente
Banca Examinadora:
______________________________________________________
Prof. Dr. Jos Bittencourt da Silva
PPGED/ICED/UFPA (Orientador)
______________________________________________________
Prof. Dr. Salomo Antnio Mufarrej Hage
PPGED/ICED/UFPA (Examinador)
______________________________________________________
Prof. Dr. Ivanilde Apoluceno de Oliveira
PPGE/UEPA (Examinadora)
-
Tia Neuza, Dona Zenaide e Dona Marcela, mulheres da floresta,
ribeirinhas, matriarcas nas comunidades do Castanhal do Mari (as
duas primeiras) e Caruaru, que me acolheram com o cuidado tpico
das mes e me ensinaram muitas coisas da vida nas Comunidades
Ribeirinhas.
s professoras, professores e todos os que trabalham nas escolas
ribeirinhas, que fazem de suas prticas pedaggicas uma luta contra a
correnteza da educao, que invisibiliza essa populao com
contedos e prticas que no levam em considerao seus saberes,
cultura, identidade e territrio.
Chiara Lubich (em memria), fundadora do Movimento dos
Focolares, que me nutriu com a Espiritualidade da Unidade,
mostrando o valor da unidade na diversidade para a construo de
uma Humanidade Nova, na qual a fraternidade categoria fundante
para os relacionamentos e as cincias.
-
AGRADECIMENTOS
Agradeo a Deus, pela Vida e por me sentir imensamente amado por Ele, pois sempre
se apresentou a mim como Deus Amor e Pastor defensor de todas as ciladas: O Senhor o
meu Pastor, nada me faltar, ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte, no temerei
(SL, 22).
Aos meus filhos Sanmarie Rigaud e Gustavo Rigaud, que sempre torceram por mim
e no deixaram eu me sentir s ao longo desse perodo. E estendo esse agradecimento
Maria do Carmo Rigaud, que sempre apostou nas minhas possibilidades acadmicas e me
deu foras na caminhada rumo ao Mestrado.
Aos membros do Movimento dos Focolares, que tantas vezes realizaram tarefas a mim
confiadas por entenderem que eu deveria ficar mais livre para os estudos. A esse grupo
menciono o Paulo Augusto da Silva e Margareth Farias, casal amigo, compadres e
solidrios na diviso das tarefas e na escuta das minhas dificuldades.
Ao meu orientador, Prof. Dr. Jos Bittencourt da Silva, que apostou nas minhas
possibilidades quanto pesquisador, me assumiu quanto orientando, me incluindo no grupo de
pesquisa por ele coordenado. Ao longo desse percurso entre uma orientao e outra, fomos
construindo uma relao despretensiosa, para alm da relao orientador orientando, que fez
mais tranquilo esse percurso. Ao fazer parte grupo de pesquisa GEPEDA (Grupo de Pesquisa
em Educao e Desenvolvimento da Amaznia) por ele coordenado, pude conhecer e ter
acesso aos seus textos sobre populaes tradicionais e sustentabilidade, entre outros que
ajudaram a fundamentar minha dissertao. Foi nesse grupo que conheci e passei a dividir o
cotidiano acadmico com a Professora Me. Leuzilda Rodrigues, que depois se tornou minha
vizinha e conselheira; a Walcicleia Cruz, com quem dividi as angstias e possibilidades, e a
caula do grupo, a Luciane Silva, que me desafiava a permanecer na sala de estudo.
Obrigado meninas!!
Prof. Dr. Ivanilde Apoluceno de Oliveira, que me encontrou academicamente
pela segunda vez, primeiro na graduao e agora na banca de defesa. A ela o meu respeito e
admirao, pela professora e cientista que , e que me deu subsdios para conhecer a categoria
Ribeirinha.
Ao Prof. Dr. Salomo Mufarreg Hage, com quem j dividi outros momentos na
Secretaria Municipal de Educao de Belm, em congressos do Movimento Humanidade
Nova, coordenado por mim e agora nos encontramos na minha banca de defesa. A esse
-
professor toda a minha admirao pelo trabalho frutuoso que desenvolve como pesquisador
comprometido com a Educao do Campo.
Professora Dr. Vera Lcia Jacob Chaves, quem me fez entender com a vida o
conceito de prxis e aos demais professores que compartilharam comigo seus
conhecimentos e seu compromisso quanto educadores e pesquisadores do PPGED - Programa
de Ps-Graduao em Educao/ UFPA.
Professora Me. Mrcia Mariana Bittencourt Brito, a quem constitui minha
Coorientadora, e que nunca hesitou em fazer uma correo ou deliberar seu ponto de vista
sobre o meu texto, seja durante nossas caminhadas s 6 h da manh na Av. Joo Paulo II, nos
intervalos das aulas de ingls, no almoo l no POEMA, quando do caf com tapioquinha no
Ver-o-pesinho da UFPA ou assistindo a jogo do nosso time do corao, o Paysandu.
Professora Dr. Ludetana Araujo, que ao orientar meu trabalho de concluso de
curso na Especializao, me aproximou com categorias importantes para o projeto de pesquisa
submetido seleo do Mestrado.
Marluce Fernandes e aos demais amigos e companheiros de trabalho da Escola
Maroja Neto na Ilha do Mosqueiro, que sempre estiveram comigo na luta por uma educao
pblica e de qualidade, como aquela que aps denncia dos gestores municipais ao Ministrio
Pblico, debates e fechamento de vias, culminou na construo do bonito e moderno prdio
da escola. E aqui no posso esquecer da Profesora Patrcia Soraya de oliveira, a quem
sucedi na direo dessa escola e que fez a minha aproximao com os ribeirinhos ao me
apresentar a Comunidade do Castanhal do Mari-Mari.
Aos Professores e demais funcionrios da UPs Castanhal do Mari-Mari e Maria
Clemildes dos Santos, em especial aos que concederam as entrevistas. Aos operacionais
Miraclia da Silva Lira e Fbiano Freitas que sempre estiveram comigo na execuo
construo dos projetos pedaggicos, que depois tornaram-se referncias para a Rede
Municipal de Educao e para o mundo como o caso da Canoagem pela Paz. Aqui no
posso deixar de agradecer ao barqueiro Jos Carlos (o Zezinho), que sempre se colocou a
minha disposio quando eu precisava ir a essas comunidades.
Ao Marcos Pantoja, Ana Telma e Elsom Silva, que sempre me atenderam com
disposio no fornecimento dos dados para minha pesquisa. Eles representam uma turma boa
que tem na SEMEC, sempre disposta a ajudar que busca informaes.
Por fim, a minha turma de Mestrado, com quem dividi tantos momentos de estudos,
tenses, lutas e alegrias. As alegrias eram mais divididas entre os que frequentavam a
extenso no GEPEC", nosso grupo para alm da UFPA. Trago aqui representando todas e
-
todos, os nomes de Joana Carmem, com toda sua fora vinda dos Orixs e ao Joniel Abreu,
com quem dividi momentos elucidativos. Com vocs foi mais fcil fazer o Mestrado.
Valeu!!!!
-
Tenho a cano dos ribeirinhos
Como a cor dos talisms
Nada que sai do verde rio
vida indo em vo
Com a noite vem o curumim
Na escurido da sua fome
Do seu viver, viver sofrido
E a cantiga de ninar
Piro boia que vai no rio
No rio que enche
A flor que mar
Mar de florestas
Grito guerreiro
(BETO PAIXO/ SAMUEL LIMA, 2007)
-
RESUMO
As populaes ribeirinhas apresentam especificidades sociais, econmicas, culturais e
ambientais. Qualquer poltica voltada s demandas educacionais dessas populaes precisa
partir da compreenso do seu modo de vida. Objetiva-se nesta dissertao analisar as
Diretrizes Educacionais para as populaes ribeirinhas de Belm, as quais foram propostas
pela Secretaria Municipal de Educao (SEMEC) no perodo de 2005-2012. A questo de
pesquisa buscou indagar se essas diretrizes educacionais constituram-se em uma poltica de
educao e qual a relao delas com a Poltica de Educao do Campo. Metodologicamente,
optou-se pela pesquisa de cunho qualitativo, com contribuies de elementos do mtodo
dialtico. Nesta perspectiva, foram realizadas entrevistas, observaes in loco e registros
fotogrficos com base em um caso especfico: a Unidade Pedaggica Maria Clemildes dos
Santos, localizada na comunidade ribeirinha do Caruaru na Ilha do Mosqueiro, em Belm do
Par. A pesquisa foi precedida de levantamento e anlise bibliogrfico-documental acerca do
tema e da realidade/objeto de discusso. Com base no emergente paradigma da Educao do
Campo constatou-se que as diretrizes analisadas no se traduziram em polticas pblicas para
a populao ribeirinha, mas se constituram em aes de governo pouco efetivas para a
realidade dessas populaes e estiveram merc da boa vontade dos governantes, uma vez
que faltou a participao popular na elaborao e gesto dessas aes, assim como a ausncia
de normatizao. Para romper com esse fato, necessrio que a SEMEC efetive uma Poltica
Pblica de Educao que seja capaz de pensar uma educao a partir da identidade e da
realidade ribeirinha em direo do que prope a Poltica de Educao do Campo. O que segue
so aprofundamentos acerca da temtica levantada no contexto da realidade selecionada para
estudo.
Palavras-chave: Diretrizes Educacionais. Populao Ribeirinha. Educao do Campo.
-
ABSTRACT
Riverside communities have social, economic, cultural and environmental specificities. Any
politic aimed at educational demands of these populations need from an understanding of their
way of life. The objective is to analyze in this dissertation Educational Guidelines for
riverside populations of Belem, which was proposed by the Municipal Education (SEMEC) in
the period 2005-2012. The research question searched to investigate how these educational
guidelines constituted in education politic and what their relation with the Rural Education
Politic. Methodologically, we opted for qualitative research, with contributions from elements
of the dialectical method. In this perspective, interviews, in loco observations and
photographic records based on a specific case were made: the Pedagogical Unit Clemildes
Maria dos Santos, in the riverside community in Caruaru Mosqueiro Island, Belem, Par. The
research was preceded by a survey and bibliographic-documentary analysis about the subject
and reality / subject of discussion. Based on the emerging paradigm of Rural Education may
be noted that the guidelines analyzed did not translate into public politics for the riverside
population, make up the government's actions ineffective for the reality of these populations
and were at the mercy of the goodwill of the rulers . To break this fact is necessary that the
SEMEC effective a Public Education Politic that is able to thinking of education from the
identity and direction of the riverside reality proposing the Politic Rural Education. What
follows are insights about the theme raised in the context selected for study reality.
Keywords: Educational Guidelines. Riverine Population. Rural Education.
-
LISTA DE TABELAS
Tabela 01 Quantidade de UPs e Escolas para populaes ribeirinhas nas Ilhas ...... 24
Tabela 02 Demonstrativos de dissertaes e teses sobre Educao do Campo ....... 29
Tabela 03 Demonstrativo em nmero e percentual das temticas abordadas nas
dissertaes sobre Educao do Campo (Brasil: 2005 2011) ...............
29
Tabela 04 Demonstrativo em nmero e percentual das temticas abordadas nas
Teses sobre Educao do Campo (Brasil: 2005 2011) .........................
30
Tabela 05 Nmero e percentual de dissertaes sobre Educao do Campo por
rea ou programa (Brasil: 2005 2011) ..................................................
31
Tabela 06 Nmero e percentual de produo de dissertaes e teses sobre
Educao do Campo por regies (Brasil: 2005 2011) ..........................
32
Tabela 07 Nmero e percentual de dissertaes e teses sobre Educao do Campo
por referencial terico- metodolgico (Brasil: 2005 2011) ..................
34
Tabela 08 rea de ocupao da Floresta Amaznica em Km por pas ................... 42
Tabela 09 Demonstrativo do conflito de terra no Brasil .......................................... 81
Tabela 10 Demonstrativo do conflito de terra no Par ............................................. 82
Tabela 11 Demonstrativo de conflito relacionado gua na Regio Norte ............. 83
Tabela 12 Acesso Educao Infantil e Ensino mdio ........................................... 98
Tabela 13 Demonstrativo do IDHM da regio metropolitana de Belm ................. 108
Tabela 14 Evoluo de renda, longevidade e educao do municpio de Belm em
dez anos ...................................................................................................
109
Tabela 15 Espaos de ensino da rede municipal de educao de Belm ................. 116
Tabela 16 Custo com formao de professores de 2007 a 2012 .............................. 120
Tabela 17 Matrcula na Educao Infantil da RME ................................................. 125
-
LISTA DE ILUSTRAES
Figura 01 Imagem do mapa da Regio Metropolitana de Belm com destaque para
o municpio de Belm e a localizao das UPs e Escola localizados nas
regies das Ilhas ........................................................................................
25
Figura 02 Imagem do mapa da Amrica do Sul com a Amaznia Continental ......... 41
Figura 03 Fotografia de balsa transportando madeira nos rios do Maraj ................. 44
Figura 04
e 05
Imagem do canteiro de obras da Usina Hidreltrica de Belo Monte:
Circuito de Gerao e Britador, respectivamente.....................................
45
Figuras 06 Imagem do Rio Xingu com protestos de indgenas e ribeirinhos contra a
construo da Usina Hidreltrica de Belo Monte...................................
46
Figura 07 Fotografia de casas em uma comunidade Ribeirinha na Ilha de Jutuba .... 53
Figura 08 Fotografia de casas na Orla de Belm. Vila da Barca ............................... 53
Figuras 09
e 10
Foto do centro da comunidade do Caruaru, com o campo de futebol e ao
lado a igreja, o barraco da comunidade, casas e a escola ........................
56
Figura 11 Fotografia do Tucupi armazenado em garrafas PET vendido no Mercado
Central do Mosqueiro ................................................................................
57
Figura 12 Fotografia de uma plantao de maniva na comunidade do Caruaru ........ 57
Figura 13 Fotografia de uma senhora ribeirinha apresentando as ervas medicinais
para as crianas ..........................................................................................
61
Figura 14 Fotografia de uma parteira da comunidade do Caruaru ............................ 61
Figura 15 Fotografia da construo de uma canoa ..................................................... 62
Figura 16 Fotografia de matapis em um porto ........................................................... 62
Figura 17 Imagem de um arqutipo do matapi construdo com garra PET ............... 63
Figuras 18,
19 e 20
Fotos de barcos levando a imagem da Santa, chegada na comunidade e
batizado de criana respectivamente ..........................................................
65
Figura 21 Imagem de um barco na Ilha do Cumbu e ao fundo a cidade de Belm ... 67
Figura 22 Ilustrao dos programas de Educao do Campo no Estado do Par ...... 92
Figura 23 Smbolo do Frum Paraense de Educao do Campo ............................... 93
Figura 24 Ilustrao da posio do municpio de Belm, estado do Par .................. 102
Figura 25 Chals em Mosqueiro na Praia do Murubira ............................................. 105
Figuras 26
e 27
Fbrica Bitar e Tapiocaria respectivamente
...................................................................................................................
107
-
Figura 28 Planta da Comunidade de Caruaru ........................................................... 112
Figuras 29,
30 e 31
Fotos da Fachada da UP, Salas de aula em forma de malocas ao fundo
do prdio principal e alunos em atividades em sala respectivamente .......
113
Figuras 32
e 33
Fotos do sistema de abastecimento de gua da UP e alunos em
atividades no laboratrio de informtica ..................................................
114
Figuras 34,
35 e 36
Fotos da Escola MEIEF Miltom Monte, ECOESCOLA Madalena
Travassos e UP Bacaberiras, respectivamente ...........................................
127
-
LISTA DE QUADROS
Quadro 01 Os documentos legais que sero analisados ............................................ 36
Quadro 02 Descrio dos sujeitos entrevistados ....................................................... 37
Quadro 03 Evoluo dos marcos histricos do Movimento Paraense Por Uma
Educao do Campo ................................................................................
94
Quadro 04 Barcos Escolares ...................................................................................... 115
Quadro 05 Ecoescolas ............................................................................................... 132
Quadro 06 Projetos desenvolvidos nas Unidades Pedaggicas ................................. 133
-
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ALFAMAT Alfabetizao matemtica, leitura e escrita
ARCAFAR Associao das Casas Familiares Rurais
BR Brasil
CAPE Casa- Escola da Pesca
CAPES Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior
CEBS Comunidades Eclesiais de Base
CEDES Conselho de Desenvolvimento Econmico e Social
CELPA Centrais Eltricas do Par
CGEC Coordenao Geral de Educao do Campo
CIMI Conselho Indigenista Missionrio
CNBB Conferncia Nacional dos Bispos do Brasil
CNE Conselho Nacional de Educao
CF Constituio Federal
CONAE Conferncia Nacional de Educao
COSANPA Companhia de Saneamento do Par
CPT Comisso Pastoral da Terra
DIED Diretoria de Educao
ECA Estatuto da Criana e do Adolescente
ENERA Encontro Nacional das Educadoras e Educadores da Reforma Agrria
FETAGRI Federao dos Trabalhadores na Agricultura
FETRAF Federao dos Trabalhadores na Agricultura Familiar
FMAE Fundao Municipal de Assistncia ao Estudante
FPEC Frum Paraense de Educao do Campo
FUNAI Fundao Nacional do ndio
GEPEDA Grupo de Estudo em Educao e Desenvolvimento Amaznico
GEPERUAZ Grupo de Estudo e Pesquisa em Educao no Campo e na Amaznia
ICED Instituto de Cincias da Educao
IDEB ndice de Desenvolvimento da Educao Bsica
IDHM ndice de Desenvolvimento Humano Municipal
INCRA Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria
IRSA Infraestrutura Regional Sul-Americana que envolve os pases da
Amrica do Sul
-
LDBEN Lei de Diretrizes da Educao Nacional
MAB Movimento dos Atingidos por Barragens
MORIVA Movimento dos Ribeirinhos e Vrzeas
MPA Movimento dos Pequenos Agricultores
MST Movimento dos Trabalhadores Sem Terra
MTE Ministrio do Trabalho e Emprego
NIED Ncleo de Informtica Educativa
OIT Organizao Internacional do Trabalho
ONG Organizao no governamental
PAC Programa de Acelerao do Crescimento
PET Politereftalato de Etileno
PMB Prefeitura Municipal de Belm
PNCF Programa Nacional de Crdito Fundirio
PNRA Plano Nacional da Reforma Agrria
PNUD Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento
PPGED Programa de Ps-Graduao em Educao
PROCAMPO Programa de Apoio Formao Superior em Licenciatura em
Educao do Campo
PRONAF Programa Nacional de Apoio a Agricultura Familiar
PRONERA Programa Nacional de Reforma Agrria
RMEB Rede Municipal de Educao do Municpio de Belm
SAEEB Servio Autnomo de gua e Esgoto de Belm
SEGEP Secretaria Municipal de Planejamento e Gesto
SEMEC Secretaria Municipal de Educao
SUDAM Superintendncia do Desenvolvimento da Amaznia
UFPA Universidade Federal do Par
UFRA Universidade Rural da Amaznia
UNB Universidade de Braslia
UNESCO Organizao das Naes Unidas para a educao, a cincia e a cultura
UNICEF Fundo das Naes Unidas para a Infncia
UHE Usina Hidreltrica
UEI Unidade de Educao Infantil
WWF World Wide Fund For Nature
-
SUMRIO
1 INTRODUO................................................................................................... 18
1.1 Caminhos e descaminhos no processo de construo do objeto da pesquisa..... 18
1.2 Escolha do tema e interesse de pesquisa.......................................................... 19
1.3 Objeto e problemtica de pesquisa.................................................................... 21
1.4 O percurso da abordagem terico-metodolgico................................................. 27
1.4.1 Pesquisa exploratria: conhecendo o campo da pesquisa............................... 27
1.4.2 A abordagem metodolgica e operacionalizao da pesquisa........................ 33
1.5 Organizao da dissertao.............................................................................
38
2 AS POPULAES RIBEIRINHAS NO CONTEXTO AMAZNICO....... 40
2.1 A condio ribeirinha: caracterizao e desafios atuais na Amaznia brasileira
e paraense..........................................................................................................
41
2.1.1 A ocupao da Amaznia e a formao da populao ribeirinha.................. 47
2.1.2 As relaes produtivas com a gua, floresta e a terra: elemento
constitutivo das populaes ribeirinhas............................................................
51
2.1.2.1 A Comunidade...................................................................................................... 54
2.1.2.2 Economia e Trabalho............................................................................................ 56
2.1.2.3 Saberes, mitos, religiosidade e lazer..................................................................... 59
2.1.3 As populaes ribeirinhas de Belm Pa......................................................... 66
2.2 As polticas pblicas como enquadramento da populao ribeirinha: uma nova
forma de invisibilidade?................................................................................
68
3 EDUCAO DO CAMPO: UMA POLTICA PBLICA DE
EDUCAO PARA OS POVOS DO CAMPO..............................................
73
3.1 Democracia e Movimentos Sociais: interface necessria construo de
polticas pblicas..........................................................................................
73
3.2 DA luta do MST por terra e educao Poltica Nacional de Educao do
Campo.........................................................................................................
79
3.2.1 Marcos histrico do Movimento Por Uma Educao do Campo.................. 84
3.2.2 Marcos histricos do Movimento Paraense Por Uma Educao do Campo 90
3.3 A Poltica de Educao do Campo como direito dos povos do campo...............
95
-
4 POLTICA MUNICIPAL DE EDUCAO E AS POPULAES
RIBEIRINHAS DE BELM (2005 -2012): PERCEPES A PARTIR
DA ILHA DO MOSQUEIRO.........................................................................
101
4.1 O municpio de Belm e a Ilha do Mosquiero: alguns recortes histricos,
econmicos e sociais.....................................................................................
101
4.2 A Unidade Pedaggica Maria Clemildes dos Santos no contexto da
comunidade do Caruaru na Ilha do Mosqueiro: conhecendo o locus da
pesquisa.......................................................................................................
111
4.3 As Diretrizes Educacionais para a regio das ilhas: o que revela as aes da
Secretaria Municipal e o que dizem os sujeitos da pesquisa................................
116
4.3.1 A formao continuada para os professores.................................................... 118
4.3.2 A ampliao de ofertas de vagas na educao infantil.................................... 124
4.3.3 O desenvolvimento scio ambiental sustentvel com nfase na dimenso
insular........................................................................................................
129
4.4 A Poltica de educao do municpio de Belm e as diretrizes educacionais
para a regio das ilhas....................................................................................
137
5 CONSIDERAES FINAIS............................................................................
140
REFERNCIAS................................................................................................................ 145
-
18
1 INTRODUO
1.1 CAMINHOS E DESCAMINHOS NO PROCESSO DE CONSTRUO DO OBJETO
DA PESQUISA
Onde quer que estejam estes, oprimidos, o ato de amor est em comprometer-se com
sua causa. A causa de sua libertao. (Paulo Freire, 2001)
A epgrafe aqui apresentada tem me acompanhado desde o dia em que eu visitei a
comunidade do Castanhal do Mari-Mari, na Ilha do Mosqueiro (Belm-PA), no ano de 2000 e
expressa a motivao que acompanhou o meu trabalho, ao longo de dez anos na funo de
Coordenador Pedaggico da Rede Municipal de Belm. Portanto, o trabalho de pesquisa aqui
apresentado fruto do encontro do pesquisador com as populaes ribeirinhas das ilhas de
Belm, alm da compreenso de que a poltica de Educao do Campo uma conquista de
todos os povos que vivem no campo (CALDART, 2012) e direito dos ribeirinhos.
Nessa pesquisa buscou-se problematizar a relao entre o objeto de pesquisa
investigado e o percurso dessa construo, uma vez que me encontro inserido nela como
profissional e nesse sentido entende-se que o objeto de pesquisa no deve ser percebido como
um dado em si, ou seja, o objeto de pesquisa cientfica exatamente do tamanho da
capacidade terica e epistemolgica do sujeito cognoscente (FREIRE 2001).
E mais, este sujeito est impregnado por vises sociais de mundo, dadas pela
materialidade de sua condio societria, a qual pode estar relacionada determinada classe
social, categoria profissional, ideologia poltica, grupos de aproximao ou at mesmo por
condicionantes religiosos. Segundo Pires (2010, p. 60), a noo de objeto construdo designa
[...] o procedimento metodolgico do pesquisador. Efetivamente, queira-se ou no, o
pesquisador seleciona fatos, escolhe ou define conceitos, interpreta seus resultados, etc.; em
suma, ele constri, de sua parte, seu objeto tecnicamente e teoricamente.
O caminho percorrido para a aproximao, compreenso, desvelamentos da realidade
na busca do objeto de pesquisa foi (e ainda est sendo) rduo, s vezes solitrio, porm
rodeado de solidariedades, compartilhamentos de saberes que enriquecem a minha trajetria
acadmica e pessoal, entendendo que o conhecimento do objeto da pesquisa no encerra nele
prprio, mas vai alm e Freire (2001, p. 125-126) afirma que o ato do sujeito cognoscente
sobre o objeto cognoscvel no se d numa relao assimtrica e nem o conhecimento do
sujeito se esgota no objeto, mas esse conhecimento vai se constituindo numa relao dialgica
-
19
entre sujeito e objeto, na qual objeto cognoscvel tambm se faz mediador do conhecimento
da realidade.
Foi pautado nessa perspectiva de entendimento, de como se d a relao sujeito
objeto sujeito, que o presente trabalho foi sendo pensado e construdo, dentro de um
contexto social, histrico e refletindo a concepo de mundo do pesquisador, o que faz dele
passvel de crticas, redefinies, no que concerne aos debates, reflexes apresentadas e s
concluses chegadas com possibilidades e alternativas de criao e recriao.
1.2 ESCOLHA DO TEMA E INTERESSE DE PESQUISA
O interesse por uma temtica tem vrias motivaes, sendo elas que iro nortear e dar
flego ao processo do trabalho. Em alguns casos, essas motivaes esto pautadas no
envolvimento poltico e social do pesquisador com o objeto da pesquisa que passa pela viso
que este tem do mundo, da concepo das relaes sociais estabelecidas, das instncias sociais
e no caso da pesquisa em educao, como este entende a prpria funo social da educao.
Dessa forma, a temtica educao para as populaes ribeirinhas despertou o meu
interesse quando da minha insero no cotidiano desse povo, a partir do ano de 2000, ao
ingressar (atravs de concurso pblico) na rede municipal de ensino da Secretaria Municipal
de Educao de Belm. Ao assumir o cargo de Administrador Escolar, fui lotado na Escola
Municipal de Educao Infantil e Ensino Fundamental Desembargador Maroja Neto, na Ilha
do Mosqueiro.
Cheguei nessa escola com algumas experincias acumuladas em movimentos
religiosos, no movimento sindical e na poltica partidria. Uma experincia que desde cedo
me levou a uma leitura de mundo, e fez entender que a sociedade capitalista gerou uma
massa de excludos de direitos fundamentais como os de acesso ao trabalho, a sade e
educao restando-lhes apenas o subemprego ou a mo de obra barata que ir ajudar na
acumulao do capital.
No primeiro ano de trabalho na Escola Municipal Maroja Neto, passei a acompanhar
pedagogicamente o anexo1 dessa escola, denominado de Anexo Castanhal do Mari-Mari, que
se situa na comunidade do mesmo nome localizada na regio sul da Ilha do Mosqueiro. Para
chegar a essa comunidade, o percurso feito de barco com durao de 1h15min, navegando
pelos rios, furos e baa, saindo do porto do Pel no bairro do Maracaj em Mosqueiro.
1 Anexo na Rede Municipal de Belm, eram espaos educativos subordinados a uma escola sede pelo processo
administrativo e pedaggico, como localizao prxima escola sede ou distante da mesma. Essa denominao
foi modificada para Unidades Pedaggicas durante o mandato do prefeito Duciomar Costa (2005-2012).
-
20
Aps um ano de trabalho, assumi a direo da Escola Maroja Neto atravs de um
processo de eleio direta e continuei acompanhando o processo pedaggico do anexo e
consequentemente me inseri na comunidade. Depois de quatro anos, retirei-me da direo da
Escola e fui convidado pela Secretaria de Educao para assumir a coordenao de dois
Anexos: Castanhal do Mari-Mari e o Anexo Maria Clemildes dos Santos (Anexo da Escola
Remgio Fernandez). A poltica educacional adotada pela Secretaria Municipal de Educao,
no ano de 2012, transformou todos os anexos existentes na rede de ensino em Unidades
Pedaggicas (UPs), que so espaos educativos formais, antes denominadas de Anexos, e que
apesar de continuarem com vnculo administrativo a uma escola sede, elas tm autonomia
pedaggica para implementar o prprio Projeto Poltico Pedaggico. Alm de ser lotado
nesses espaos um (a) coordenador (a) pedaggico que garante a organizao pedaggica e
administrativa, eles contam ainda com um assessoramento direto da Direo de Ensino ou da
Escola Bosque.
Portanto, entre o acompanhamento do Anexo Castanhal do Mari-Mari e a
Coordenao Pedaggica desses espaos transformados em UPs (Unidades pedaggicas),
foram dez anos (2000 a 2010) de contato com a realidade ribeirinha proporcionada por esse
trabalho, sendo que nos ltimos trs anos (2008, 2009 e 2010) o trabalho foi extensivo
Unidade Pedaggica Maria Clemildes dos Santos, o meu locus de pesquisa.
Durante esse perodo de trabalho pude vivenciar o cotidiano dessa populao, como
fazem para superar as dificuldades oriundas do descaso do poder pblico para com os direitos
sociais, especificamente os que lhe privam de sade e educao. Tambm pude vivenciar suas
alegrias, suas festas, sua religiosidade, e o grande desejo de ter uma escola que seja enraizada
nos seus saberes, na sua cultura, capaz de ser um espao de conhecimentos, de libertao.
Devido a ausncia de polticas sociais nas regies ribeirinhas, as escolas nessas
regies, para alm da funo de espaos de ensino e aprendizagem, lhes so atribudas pela
populao local a responsabilidade mediadora das resolues dos problemas da comunidade
junto ao poder pblico. Essa realidade foi constatada a partir das aes desenvolvidas no
espao escolar, como reunies da comunidade com a Agncia Distrital (Sub-sede da
Prefeitura de Belm) para resolver problemas de infraestrutura na localidade, apoio a
campanha de vacinao, facilitadora de projetos e aes de esclarecimento sobre a violncia
infantil e domstica, de cursos de capacitao para gerao de renda e outras demandas, tais
como a organizao de Mostras Culturais da comunidade e assessoria na organizao da
associao dos moradores.
-
21
Ao trmino dos trs anos na Coordenao Pedaggica nas Unidades Pedaggicas do
Castanhal do Mari-Mari e Maria Clemildes dos Santos, no fim de 2010 retornei Escola
Municipal Maroja Neto e passei a frequentar na Universidade Federal do Par (UFPA), o
Grupo de Estudo e Pesquisa em Educao e Desenvolvimento da Amaznia GEPEDA2,
onde pude fazer uma reflexo do trabalho que eu havia desenvolvido nessas comunidades3.
Os estudos e reflexes do grupo ajudaram-me na preparao para o ingresso no Mestrado do
Programa de Ps-Graduao em Educao (PPGED) da UFPA em 2012.
Aps o ingresso no mestrado com ajuda das disciplinas cursadas, entendi que o projeto
de pesquisa tinha uma interface com a Educao do Campo, pois as populaes ribeirinhas
estavam entre as populaes que a Poltica Nacional de Educao do Campo, classifica como
populaes do campo. Foi com esse entendimento que me aproximei do GEPERUAZ4, por
entender que nesse grupo eu encontraria subsdios tericos que iriam somar na qualificao da
minha pesquisa.
1.3 OBJETO E PROBLEMTICA DA PESQUISA
A partir da interao com esses dois grupos de estudos e pesquisas do Programa de
Ps-Graduao em Educao do Instituto (PPGED) de Educao da UFPA, verifiquei que
poderia contribuir com uma reflexo a respeito da educao escolar que proposta pela
Secretaria Municipal de Educao de Belm populao ribeirinha residente nas Ilhas de
Belm. O GEPEDA, ao discutir educao e desenvolvimento na Amaznia, coloca no centro
dessa discusso as populaes tradicionais, no que converge com o GEPERUAZ que pesquisa
a Educao do Campo na Amaznia, em que se inclui o estudo dos processos educativos das
populaes da Amaznia, entre elas a Populao Ribeirinha.
2 O Grupo de Estudo e Pesquisa em Educao e Desenvolvimento da Amaznia - GEPEDA, coordenado pelo
Prof. Dr. Jos da Silva Bittencourt, foi fundado em 2008 e tem pesquisado sobre degradaes ambientais,
concentrao de renda, esgaramento do tecido social. Atualmente, busca-se valorizar aspectos como
democracia, liberdade, participao, cidadania, empoderamento social e, principalmente, os saberes tradicionais
de um novo modelo de desenvolvimento, o qual deve ser socialmente justo e ecologicamente sustentvel. 3 O Artigo est publicado nos Paper do NAEA. Disponvel em:
. 4 O Grupo de Estudo e Pesquisa em Educao do Campo na Amaznia - GEPERUAZ pertence ao Instituto de
Cincias da Educao da Universidade Federal do Par e objetiva realizar estudos e produzir conhecimentos
sobre a realidade da Educao Bsica e Superior das populaes da Amaznia - ribeirinhas, assentadas,
indgenas, quilombolas, extrativistas e outras. formado por uma equipe de pesquisadores e estudantes que
desenvolvem atividades de Pesquisa, Extenso e Ensino numa perspectiva interdisciplinar e militante que se
prope aproximar a universidade dos movimentos sociais e do poder pblico (Redes de Ensino, Gestores
municipais e estaduais), fortalecendo experincias educativas que ocorrem em diferentes espaos sociais,
processos de formao de educadores e gestores que atuam nas escolas do campo, com destaque para os que
atuam em escolas multisseriadas; e de formao de Conselheiros Tutelares e dos direitos de crianas e
adolescentes; com vistas implementao de polticas pblicas e prticas educacionais inovadoras, na educao
do campo e na educao de Jovens e Adultos, inspiradas pelos princpios da educao popular e Freireana.
http://www2.ufpa.br/naea/pdf.php?id=455%E2%80%8E
-
22
Numa primeira aproximao com o conceito ribeirinho, busquei o do Ministrio do
Desenvolvimento Social, no Guia de Cadastramento de Populacionais Tradicionais e
Especficos (2012) que assim conceitua:
Ribeirinhos so indivduos, famlias e comunidades tradicionais agroextrativistas
que vivem em regies de vrzea, prximas a rio e que tm modo de organizao,
reproduo social, cultural e econmica fundamentados na constante interao com
o meio onde vivem e determinado pelo ciclo das guas (regime de cheias e vazantes)
e pelos recursos que o rio oferece.
Embora esse conceito traga alguns elementos que ajudam a entender quem so os
ribeirinhos, no caso das populaes ribeirinhas da Amaznia ele no se aplica a toda
populao. Em determinadas regies da Amaznia, algumas dessas populaes no vivem em
vrzeas e embora sua forte relao com o rio conforme o conceito, alguns dos componentes
dessa populao s vezes no moram necessariamente na beira do rio e tem sua produo
pautada tambm nos recursos da terra, da floresta e da agricultura, elementos que no seu
cotidiano so fundamentais para sua constituio social. Esta afirmativa ratificada em um
trabalho com comunidades ribeirinhas do municpio de So Domingo do Capim localizado no
nordeste paraense por Oliveira e Mota Neto (2008, p. 66), quando analisam a relao dessas
comunidades com o trabalho e a terra:
Os saberes, representaes e imaginrios em relao terra esto vinculados ao
trabalho e habitao. A terra compreendida como espao de trabalho, de
moradia, de sobrevivncia, e de comunidade, assim como de educao, ou seja,
como transmisso de saberes, atitudes e valores atravs das prticas cotidianas para
as futuras geraes, de suas tradies historicamente construdas. [...] O trabalho
com a terra na plantao da mandioca possibilita, assim, a sobrevivncia dessa
populao ribeirinha, bem como das futuras geraes, sendo mantida como tradio
pelo processo de ensinar-aprender cotidiano entre os adultos e os mais jovens.
Portanto, caracterizar ribeirinho da Amaznia brasileira s na perspectiva dos rios,
negar a grande diversidade geogrfica dessa regio. nessa perspectiva que ao longo desse
trabalho tentarei me aproximar desse eixo de anlise, numa perspectiva de apontar como essa
populao tem se constitudo na relao com o rio, com a floresta e a terra; assim como dentro
do processo da ocupao da Amaznia e as polticas de governos para a regio e as
consequncias dessas polticas na educao dessa populao.
No tocante educao, nas ltimas dcadas do sculo XX, emergiu da luta dos
trabalhadores do campo e suas organizaes, a concepo de Educao do Campo, que nasceu
dentro da luta dos trabalhadores sem terra contra os processos de excluso gerados pelo
capital. Na concepo de Souza e Beltrame (2010):
-
23
[...] a gnese da Educao do campo fruto da denncia de processos de excluso
da terra, da educao, da moradia, da cultura e da vida. fruto da prtica coletiva
que, ao denunciar, exercita a participao coletiva e efetiva, categorias que so
fundantes da poltica pblica orientada para a transformao social (SOUZA;
BELTRAME, 2010, p. 87).
Sendo uma educao que nasce das lutas dos movimentos sociais contra o poder
hegemnico e excludente, a Educao do Campo vai ancorar-se em princpios bem definidos,
tais como: respeito diversidade do campo, incentivo formulao de projetos pedaggicos
especficos, desenvolvimento de poltica de formao de profissionais da educao,
valorizao da identidade da escola do campo e controle social da qualidade da educao, os
quais se aportam legalmente no Artigo 2. do Decreto n 7.352/2010 que institui a Poltica
Nacional de Educao do Campo e o Programa Nacional de Reforma Agrria PRONERA.
Atravs dos princpios da Educao do Campo possvel pensar uma educao que
valorize o tempo e o espao dos sujeitos, numa perspectiva da valorizao da sua identidade,
dos seus saberes, construindo assim um novo paradigma de educao para os povos do campo
da Amaznia Brasileira, como preconiza Silva (2009, p. 48):
No que concerne construo e estruturao de novas mentalidades na Amaznia
brasileira, a Educao do Campo tem papel importante neste sentido. De fato, ela
poder ser um dos componentes fundamentais para a construo de um capital
social, visto como uma rede de confiana e de compromisso mtuo, capaz de
sedimentar vnculos de reciprocidade, cooperao, solidariedade e, acima de tudo de
sentimento de pertencimento imprescindveis no mbito das lutas por um
desenvolvimento peculiar condio do campo, ou seja, como uma Educao
construtora e (re) afirmadora da racionalidade especfica das pessoas que moram,
trabalham, produzem, brincam, estudam, etc. no campo.
Esse movimento foi reconhecido pelo Governo Federal, que normatizou a Educao
do Campo, seu conceito e sua finalidade, bem como o conceito de Escola do Campo. Essas
duas questes so definidas no Artigo 1. do Decreto n 7.352/2010:
1o Para os efeitos deste Decreto, entende-se por:
I - populaes do campo: os agricultores familiares, os extrativistas, os pescadores
artesanais, os ribeirinhos, os assentados e acampados da reforma agrria, os
trabalhadores assalariados rurais, os quilombolas, os caiaras, os povos da floresta,
os caboclos e outros que produzam suas condies materiais de existncia a partir do
trabalho no meio rural; e
II - escola do campo: aquela situada em rea rural, conforme definida pela Fundao
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica - IBGE, ou aquela situada em rea
urbana, desde que atenda predominantemente a populaes do campo.
Ao definir as populaes ribeirinhas como populao do campo, o referido decreto
reafirma o que Caldart (2012), no Dicionrio de Educao do Campo, define como um
fenmeno da realidade brasileira, considerando que a Educao do Campo um conceito em
construo protagonizada pelos trabalhadores do campo o que ratifica tambm meu desejo
-
24
como pesquisador de fundamentar nesses referencias a presente pesquisa, por entender que
para alm da questo geogrfica, tem-se uma questo de concepo poltica de educao, a
qual os povos ribeirinhos tm direito.
Estamos entendendo por escola do campo aquela que trabalha os interesses, a
poltica, a cultura e a economia dos diversos grupos de trabalhadores e trabalhadoras
do campo, nas suas diversas formas de trabalho e de organizao, na sua dimenso
de permanente processo, produzindo valores, conhecimentos e tecnologias na
perspectiva do desenvolvimento social e econmico igualitrio desta populao. A
identidade poltica e a insero geogrfica na prpria realidade cultural do campo
so condies fundamentais de sua implementao. (FERNANDES; CERIOLI;
CALDART, 2009, p. 53)
Diante do exposto e com a inteno de apresentar o objeto de estudo, apresento nessa
seo a Unidade Pedaggica da comunidade do Caruaru, locus da minha pesquisa, assim
como os demais quatorze espaos escolares existentes nas regies rurais das ilhas de Belm
no deveriam estar fora do contexto das escolas do campo justamente por enquadrarem-se aos
incisos I e II do pargrafo 1. do Decreto n 7.352/2010, que demarca os ribeirinhos como
populao do campo.
Esses 15 espaos educativos existentes nas regies ribeirinhas das Ilhas, esto
dispostas da seguinte maneira: uma escola e quatorze Unidades Pedaggicas (U.P), como
pode ser observada na tabela 1.
Tabela 01- Quantidade de UPs e Escolas para populaes ribeirinhas nas Ilhas
5
NOME DA ILHA
COORDENAO
N DE U.P
N DE ESCOLAS
TOTAL DE
ESPAOS
EDUCATIVOS
Ilha do Comb DIED/SEMEC 02 01 03
Ilha de Cotijuba Escola Bosque 03 03
Ilha Grande DIED/SEMEC 02 02
Ilha de Jutuba Escola Bosque 02 02
Ilha do Mosqueiro DIED/SEMEC 03 03
Ilha de Paquet Escola Bosque 01 01
Ilha da Vrzea DIED/SEMEC 01 01
Total 14 01 15
Fonte: SEMEC 2013.
Esses espaos educativos esto administrativamente divididos em dois grupos: o
primeiro grupo est sob a coordenao da Direo de Ensino (DIED)/SEMEC, composto de
5 A tabela apresenta as Unidades Pedaggicas e Escolas que esto nas regies rurais (assim consideradas pela
Secretaria de Educao) ficando de fora aquelas que esto nas regies urbanizadas, como o caso da maioria dos
espaos educativos existentes na Ilha do Mosqueiro e totalmente aquelas da Ilha de Caratateua.
-
25
09 Unidades, sendo 06 localizadas nas ilhas da regio sul e leste da capital (Ilhas de Combu,
Grande e Vrzea) e 03 na Ilha do Mosqueiro. No segundo grupo encontram-se 06 Unidades
Pedaggicas, localizadas nas ilhas da regio norte (Cotijuba, Paquet e Jutuba) sob a
coordenao da Fundao Escola Bosque (Ilhas de Cotijuba, Jutuba e Paquet) como
apresenta a Figura n 1.
Figura 01 Imagem do mapa da Regio Metropolitana de Belm com destaque para o municpio de Belm e a
localizao das UPs e Escola das regies das Ilhas6.
6 Na Ilha do Mosqueiro esto localizadas as seguintes Unidades Pedaggicas:1- UP. Maria Clemildes dos
Santos; 2- UP. Bacabeira e 3 - Castanhal do Mari-Mari. Na Ilha de Cotijuba: 4-UP. Seringal; 5-UP. Faveira e 6-
UP. Flexeira. Na Ilha de Jutuba: 7- U.P Jutuba I e 8- UP. Jutuba II; Na Ilha de Paquet: 9-U.P Jamaci; Na Ilha
de Vrzea: 10-UP. Nsa. Sra. Dos Navegantes; Na Ilha Grande: 11- UP.Nazar e 12- UP. So Jos; Na Ilha do
Combu: 13-UP. Santo Antnio; 14-UP. UP Combu e 15- Escola Milton Monte
-
26
No mapa possvel perceber que as Unidades Pedaggicas esto sob a coordenao da
Fundao Escola Bosque esto concentradas nas trs Ilhas da regio norte, j aquelas ligadas a
DIED/SEME esto mais dispersa. Tendo esses espaos escolares, como referencia para uma
educao voltada para as necessidades das populaes que vivem nessas ilhas que a
Secretaria Municipal de Educao de Belm, no perodo compreendido entre 2005-2012,
anunciou novas diretrizes para o atendimento educacional nas comunidades ribeirinhas:
[...] toma para si o desafio da implementao de uma proposta de educao nas ilhas
que de fato atenda as necessidades, minimize os problemas, diminua as dificuldades
e aumente as expectativas da populao em relao melhoria de sua qualidade de
vida (SEMEC, 2011, p. 11).
nessa perspectiva que segundo a Secretaria Municipal de Educao, foi
desenvolvida diretrizes educacionais para as populaes ribeirinhas baseada em trs
dimenses: 1. A formao continuada para os professores; 2. A expanso e ampliao de
oferta de vagas na educao infantil e o 3. Desenvolvimento socioambiental sustentvel com
nfase na dimenso insular (SEMEC, 2011, p. 11).
Essas trs diretrizes coadunam-se com trs dos quatro eixos orientadores da Poltica de
Educao do Plano Diretor de Belm, lei 8.655, de 30 de julho de 2008. No Ttulo III dessa
lei, captulo II, Seo I que dispe sobre a Poltica de Educao, encontra-se o Art. 11 que
versa sobre os eixos orientadores da Poltica Municipal de Educao:
I - expanso com qualidade da oferta da Educao Infantil;
II - requalificao do ensino pblico municipal, com investimentos na formao
continuada dos servidores e na informatizao do sistema;
III - promoo do desenvolvimento sustentvel com nfase nas reas insulares de
Belm;
IV - promoo e desenvolvimento da poltica da educao inclusiva (BELM, 2008)
Portanto, o Plano Diretor de Belm que ir balizar as diretrizes da SEMEC para a
atuao na regio insular e ainda no captulo II, mais dois artigos iro mencionar a educao
nessa regio:
Art. 12, inciso II: inserir, prioritariamente, as populaes residentes na periferia e
na rea insular nas oportunidades oferecidas;
Art. 14, inciso IV ofertar sistematicamente programas e projetos de Educao
Ambiental nas escolas e comunidade de seu entorno com vistas considerao das
necessidades ambientais da cidade em sua dimenso continental e insular, sob a
perspectiva da interdisciplinaridade. (BELM, 2008)
A partir dessas diretrizes, a Secretaria Municipal de Educao implementou algumas
aes: construo de prdios escolares e revitalizao de outros, construo de poos
artesianos, aquisio de laboratrio de informtica e acervos para sala de leitura, transporte
-
27
escolares com capacitao para os barqueiros, aquisio de equipamentos permanentes,
formao continuada dos professores, assessoramento pedaggico e mudana da denominao
dos espaos de anexos para UPs com um coordenador pedaggico em cada espao (SEMEC,
2011).
Essas aes foram acompanhadas de um discurso no qual o governo municipal afirma
que est desenvolvendo uma poltica de educao especfica para as regies das ilhas:
Para alm da retrica e das boas intenes, a atual administrao da Prefeitura
Municipal de Belm, atravs da Secretaria Municipal de Educao empenha-se,
desde 2005, em promover uma aproximao efetiva com as ilhas do entorno de
Belm, construindo uma poltica de educao que se desenvolve e aprofunda
impulsionada por uma ideia-fora. Trata-se de perceber e pensar a cidade ribeirinha
no sentido poltico, tico e de garantia de direitos (SEMEC, 2011, p. 07).
Tendo como parmetro a Poltica de Educao do Campo, que se apresenta como
direito dos povos do campo, entre eles os ribeirinhos, o discurso em pauta necessita de um
aprofundamento de estudo, pois numa primeira observao no parece claro qual a concepo
de educao que fundamenta as diretrizes educacionais para os ribeirinhos das ilhas de Belm,
realidade que faz surgir aos seguintes problemas:
1 As diretrizes educacionais para as populaes ribeirinhas constituem-se de fato
numa poltica de educao da Secretaria Municipal de Educao de Belm?
2 Qual a relao dessas diretrizes educacionais com a Poltica de Educao do
Campo?
Tentando responder a essas problematizaes chegou-se ao objeto da pesquisa que
ficou assim demarcado: as diretrizes educacionais do governo municipal de Belm no perodo
de 2005 a 2012 para as populaes ribeirinhas e sua implementao. Quanto aos objetivos,
anuncia-se que o objetivo geral ser analisar as diretrizes educacionais da Secretaria
Municipal de Educao de Belm para as populaes ribeirinhas e sua implementao.
Quanto aos objetivos especficos, eles so trs:
1 Identificar a concepo de educao para as populaes ribeirinhas presente
nos documentos da Secretaria Municipal, assim como nos discursos e nas aes
efetivadas.
2 Identificar os resultados da operacionalizao das diretrizes educacionais para a
regio insular de Belm junto s populaes ribeirinhas e sua relao com a
Poltica de Educao do Campo.
-
28
1.4 O PERCURSO DA ABORDAGEM TERICO-METODOLGICO
1.4.1 Pesquisa exploratria: conhecendo o campo da pesquisa
Querendo entender e me aproximar do campo terico que iria pautar minha pesquisa,
busquei conhecer a produo acadmica referente Educao do Campo, com o objetivo de
desvelar o que est sendo pesquisado dentro dessa temtica e em que a pesquisa em curso
poderia contribuir ao debate da Educao do Campo como Poltica Educacional para as
populaes ribeirinhas do Municpio de Belm. Nessa perspectiva, Fiori (2003, p. 16) afirma
que essa a contribuio que a teoria pode dar neste momento; localizando as origens,
identificando os obstculos e sinalizando as direes possveis dessa travessia.
O trabalho de pesquisa concentrou-se no site da CAPES (Coordenao de
Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior), no banco de teses e dissertaes. O assunto
buscado foi Educao do Campo nas duas etapas da pesquisa, tanto para a pesquisa das
dissertaes, quanto para a das teses. Sendo que a busca se deu tambm por ano de produo,
o que foi possvel tabular a produo de cada ano, desde 2005 at 2011.
Na pesquisa feita em nvel de dissertaes e o assunto Educao do Campo foi
retornada um total de 970 trabalhos. Como a maioria desses no correspondia exatamente
temtica buscada, foi necessria uma seleo mais rigorosa, em muito dos casos com a leitura
de resumos, sendo selecionados ao final, 72 trabalhos que correspondiam exatamente ao tema.
Com as teses foi feito o mesmo procedimentos de busca que havia sido realizada com as
dissertaes, pois assim como essas a maioria das 216 teses que retornaram, no
correspondiam ao tema, ficando para a anlise apenas 14 trabalhos.
Concluda a fase de levantamento das dissertaes e teses, chegou-se ao nmero total
de 86 pesquisas. Numa perspectiva quantitativa e qualitativa, buscou-se identificar nesses
trabalhos o ano da produo, as temticas tratadas, a metodologia e a Universidade de origem
do trabalho numa perspectiva de conhecer quais regies tem trabalhado mais com o tema.
O levantamento da produo de teses e dissertaes sobre a produo de pesquisas
com o tema Educao do Campo no banco da CAPES, relativo aos anos de 2005 a 2011,
possibilitou o levantamento de 86 trabalhos entre dissertaes e teses, sendo que o nmero de
dissertaes (72) maior que o de teses (14). Em uma anlise geral, houve um crescimento da
produo da pesquisa em Educao do Campo, sendo que esse crescimento no mbito das
dissertaes foi bem menor do que das teses, chegando inclusive a cair a produo em 50% no
-
29
ano de 2011. No entanto, o crescimento geral da produo aponta um interesse da academia
pela temtica Educao do Campo, podendo ser constatado com a tabela que segue.
Tabela 02. Demonstrativos de dissertaes e teses sobre Educao do Campo (Brasil: 2005 2011)
Ano 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 Total
Trabalhos
Dissertaes 07 06 09 05 16 12 17 72
Teses 01 02 __ 01 04 04 02 14
Total 08 08 09 06 20 16 19 86
Fonte: CAPES, janeiro de 2012.
Os anos que apresentaram um crescente nmero de pesquisas situaram-se no perodo
em que a Educao do Campo avanou na sua implementao e foi instituda a Poltica
Nacional de Educao do Campo atravs do Decreto n 7.352/2010, que elevou a Educao
do Campo categoria de poltica de Estado. Esse decreto torna-se um marco para a luta por
uma Educao do Campo, que comeou a ser debatida na I Conferncia Nacional por uma
Educao Bsica do Campo, realizada em 1998. Os anos da pesquisa indicado na tabela
reportam, portanto a um perodo de crescentes debates sobre o tema, da formulao de
conceitos e das prprias polticas de Educao do Campo.
No momento seguinte buscou-se conhecer as temticas abordadas na Educao do
Campo e o resultado est demostrado nas tabelas a seguir. Na tabela 2, foi feito o
levantamento do nmero e percentual das temticas abordadas nas dissertaes e na tabela 3,
buscou-se conhecer que temticas esto sendo pesquisadas nas teses.
Tabela 03. Demonstrativo em nmero e percentual das temticas abordadas nas dissertaes sobre Educao do
Campo (Brasil: 2005 - 2011)
TEMTICAS
N de
Dissertaes
%
Polticas de Educao 23 32
Prticas e Formao de Professores 21 30
Currculo e Saberes 07 10
Representaes e Identidade 06 09
Experincias e Histria de Vida 05 07
Educao e Desenvolvimento 04 06
Letramento e Oralidade 03 04
Ed. Ambiental e Ed. do Campo 01 01
Cultura digital 01 01
Total 72 100
Fonte: CAPES, janeiro de 2012.
-
30
Conforme a tabela 3, foram levantadas nove temticas abordadas nas dissertaes,
sendo as mais trabalhadas aquelas referentes Poltica de Educao (com 23 dissertaes) e
Prticas e Formao de Professores (com 21 trabalhos). Essas temticas so um ganho para
Educao do Campo, pois ajudam a problematizar e encontrar caminhos que possam
fortalecer a Poltica de Educao do Campo e a Formao dos Professores do Campo.
Quando analisamos a tabela 4, o nmero de temticas trabalhadas pelas teses
reduzido para quatro, sendo elas: a Poltica de Educao, Prtica e Formao de Professores,
Currculo e Saberes; e Representaes e Identidade.
Tabela 04. Demonstrativo em nmero e percentual das temticas abordadas nas Teses sobre Educao do
Campo (Brasil: 2005 2011) TEMTICAS N %
Polticas de Educao 07 50
Prticas e Formao de Professores 04 29
Currculo e Saberes 02 14
Representaes e Identidade 01 07
Total 14 100
Fonte: CAPES, janeiro de 2012.
As quatro temticas trabalhadas nas teses (tabela 4) coincidem com as quatro mais
pesquisadas nas dissertaes. Percebe-se que nas dissertaes e nas teses, as temticas em
mais evidncia so Poltica de Educao; Prtica e Formao de Professores. Nas
dissertaes, a Poltica de Educao representa 32% dos trabalhos e nas teses representam
50% dos trabalhos. A formao de professores vem em seguida representando 30% das
temticas pesquisadas nas dissertaes e 29% nas teses.
Constata-se ainda na tabela 3, a grande diversidade de temticas pesquisadas na
Educao do Campo, realidade que enriquece o debate com temticas que compe a
identidade e a luta da populao do campo e que no so menos importantes que a motivao
inicial da luta por uma Educao do Campo, como afirma Molina no prefcio do Caderno
Educao do Campo polticas e prticas educacionais no Par e no Brasil, vol. I (2012, p.
13):
O intenso crescimento de pesquisas sobre Educao do Campo nos ltimos anos fez-
se acompanhar tambm por ampla diversificao das escolas de pensamento que
podem ser instrumento de leitura da realidade. Esta diversificao fez-se afastando
das intencionalidades maiores que deram origem Educao do Campo: construir
estratgias que contribuam com o enfrentamento prtico e terico das consequncias
impostas ao modo de vida campons pela hegemonia do modelo agrcola estruturado
a partir do agronegcio.
-
31
Apesar desse intenso crescimento nas pesquisas como ressalta o texto acima, ainda h
temticas que precisam ser mais pesquisadas como Educao Ambiental e Educao do
Campo e Cultura Digital, que apresentaram a menor ocorrncia nas dissertaes, ambas com
1% respectivamente (conforme tabela 2).
Buscou-se tambm conhecer as reas ou programas que tem trabalhado o tema
Educao do Campo, das quatorze teses levantadas, demostraram que foram produzidas nos
programas de Educao, ou seja, 100%. O mesmo no ocorreu com as dissertaes que
apresentaram uma variao, conforme a tabela 5 a seguir.
Tabela 05. Nmero e percentual de dissertaes sobre Educao do Campo por rea ou programa (Brasil: 2005
2011)
rea ou Programa N %
Educao 56 78
Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente 06 09
Educao em Cincias e Matemtica 02 03
Geografia 02 03
Cincias Sociais 02 03
Educao Matemtica e Tecnologia 01 01
Cincia da Linguagem 01 01
Cincias Jurdicas 01 01
Polticas Pblicas 01 01
TOTAL 72 100
Fonte: CAPES, janeiro de 2012.
A tabela 05 desvela que no banco da CAPES, a rea ou programa de educao a que
mais concentra dissertaes com o tema Educao do Campo (78%), o que mostra o interesse
pelos pesquisadores em educao. A outra rea que mais pesquisa o tema a do
Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente (9%), que uma rea com muita afinidade com
a questo do campo, seguida por Educao em Cincias e Matemtica, Geografia e Cincias
Sociais, ambas com 3%.
No intuito de aprofundar o conhecimento em torno das produes referentes
temtica, buscou-se conhecer as regies onde esto sendo mais produzidos trabalhos de
dissertaes e teses sobre o tema Educao do Campo que esto no banco de Dissertaes e
Teses da CAPES. Com a tabela a seguir, tem-se uma viso dessa produo em todo o Brasil.
-
32
Tabela 6. Nmero e percentual de produo de dissertaes e teses sobre Educao do Campo por regies
(Brasil: 2005 2011)
Regies N %
D T D+T D T % D+T
Regio Norte 10 __ 10 14 __ 12
Regio Nordeste 23 07 30 32 50 35
Regio Centro-Oeste 13 02 15 18 14 17
Regio Sudeste 06 01 07 08 07 8
Regio Sul 20 04 24 28 29 28
TOTAL 72 14 86 100 100 100
Fonte: CAPES, janeiro de 2012.
Legenda: D- Dissertao; T- Teses.
A tabela est dividida em dois blocos, um que representa o nmero de dissertaes e
teses; o outro bloco que representa o percentual dos trabalhos. Do total da somatria entre
dissertaes e teses, as Regies Nordeste e Sul so aquelas que mais tm produzido trabalhos
sobre Educao do Campo. A Regio Nordeste representa 35% e a Regio Sul 28%
respectivamente, o que pode ser um indcio dos programas fortes de ps-graduao que essas
regies tm, inclusive com linha de pesquisas que abordam a Educao do Campo e os
Movimentos Sociais.
Tm-se ainda as Regies Centro-Oeste com 17%, a Norte com 12% e por ltimo a
Regio Sudeste com 8%. Nessa tabela o que chama a ateno o baixo nmero registrado no
banco da CAPES da produo da Regio Norte, sendo que no perodo em estudo no se
encontrou um registro de teses com o tema Educao do Campo, o que pode ser o reflexo do
baixo nmero de programas de ps-graduao que oferecem doutorado na regio, como
tambm pode ser o fato de que a alimentao do Banco de teses da CAPES obrigatria
somente a partir de 2008.
Concluiu-se com esse estado da arte que a Educao do Campo tem ganhado fora no
entendimento da sua concepo e prtica rumo conquista de polticas pblicas de educao
para o povo que vive no campo. Nesta perspectiva, uma grande conquista desse movimento
foi o Decreto n 7.352/2010, que institui a Poltica Nacional de Educao do Campo. Este
decreto torna-se importante para Educao do Campo por ser o marco da regulao para uma
poltica educacional que respeite a cultura, os saberes locais, diferente daquelas que tem sua
sustentao na lgica do capital, preocupada em formar mo de obra para suprir as
necessidades da produo do capital.
O trabalho em tela apresentou no seu final a produo das dissertaes e teses,
existentes no banco da CAPES no perodo de 2005 a 2011, com um nmero diversificado de
-
33
temticas que tem sido desenvolvido em todas as regies do Brasil, mostrando assim o quanto
esse tema tem despertado o interesse dos pesquisadores. Apesar da crescente produo de
dissertaes e teses sobre Educao do Campo, assim como a diversidade das temticas
abordadas, abaixo relacionamos algumas necessidades de avanos na produo, tais como:
- Estimular pesquisas em nvel de doutorado e assim aumentar o nmero de teses, pois
ainda pequeno em relao s dissertaes;
- Fortalecer programas de cultura digital que possam democratizar o acesso da
populao do campo a essa cultura;
- Os programas de ps-graduao da Regio Norte precisam ser mais incisivos ao
alimentar o banco da CAPES com suas produes de dissertaes e teses, pois ainda
muito pequeno o nmero de produes relacionadas Educao do Campo. No entanto, a
Regio Norte tem uma relevante participao na discusso dessa temtica, com produes
bibliogrficas, frum permanentes, realizao de seminrios e congressos, que contribuem na
formulao conceitual e no avano das Polticas de Educao do Campo.
Por fim, esse trabalho desvelou que a Educao do Campo continua em processo, pois
nasce das lutas dos povos do campo e de seus movimentos sociais, o que lhe garante uma
historicidade, uma dinamicidade contnua. Por mais que tenha crescido a produo acadmica
tendo como objeto esse tema, elas no daro conta de exaurir essa realidade sempre em
movimentao e em transformao, tendo assim muito que se fazer e pesquisar nesse campo.
1.4.2 A abordagem metodolgica e operacionalizao da pesquisa
A abordagem terico-metodolgica de uma investigao entende-se que fruto da
vivncia, da prtica e da viso de mundo que compe o percurso formativo do pesquisador.
Esses elementos iro demarcar a maneira como o pesquisador perceber o objeto de sua
pesquisa e o percurso metodolgico para apreender o mesmo. nessa perspectiva que
Frigotto (2010, p. 84) enfatiza de forma conclusiva que [...] a postura antecede ao mtodo.
Ou seja, a metodologia adotada pelo pesquisador, entre outras coisas, pode revela o seu
posicionamento terico e poltico.
Foi nessa perspectiva que ao fazer o estado da arte, j mencionado, se buscou conhecer
tambm a metodologia usada pelos pesquisadores que trabalharam a categoria Educao do
Campo, e assim foi construda a tabela 7 que apresenta o nmero e percentual de dissertaes
e teses por referencial terico-metodolgico.
-
34
Tabela 07. Nmero e percentual de dissertaes e teses sobre Educao do Campo por referencial terico-
metodolgico (Brasil: 2005 2011)
Referencial terico
metodolgico N %
D T D+T D T D+T
Pesquisa Qualitativa 11 01 12 15 47 15
Etnografia 04 02 06 06 14 07
Materialismo H.
dialtico
01 01 02 01 07 02
Abordagem dialtica 01 03 04 01 22 05
Estudo de caso 02 02 04 03 14 05
Fenomenologia ___ 01 01 ___ 07 01
Anlise do Contedo ___ 01 01 ___ 07 01
Citado apenas os
instrumentos de pesquisa
09 ___ 09 13 __ 10
No foi citado 44 03 47 61 22 54
Total 72 14 86 100 100 100
Legenda: D- Dissertao; T- Teses
Fonte: Capes, janeiro de 2012.
Os resumos das dissertaes e teses analisados e tabulados na tabela 7 apontam que
no h uma grande prtica em citar o referencial terico-metodolgico usado, o que levou
nesse levantamento ao percentual de 54% da totalidade da soma desses trabalhos, no consta
o referencial metodolgico usado. No entanto quando citado, a maior ocorrncia foi com a
pesquisa qualitativa com 15% do total da soma entre as ocorrncias das dissertaes e das
teses. Numa anlise particular, as teses trabalharam mais com a pesquisa qualitativa (47%) do
que as dissertaes que totalizaram 15% dos trabalhos desse grupo.
Por fim foram citados nos resumos outros referenciais com menor quantidade de
ocorrncias na totalidade da soma entre as dissertaes e teses: Etnografia (7%), Materialismo
histrico-dialtico (2%), Pesquisas com Abordagem Dialtica (5%), Estudo de Caso (5%),
Fenomenologia (1%), Anlise do Contedo (1%). Tendo ainda aquelas que no citaram o
referencial-metodolgico, citando apenas os instrumentos de pesquisa que representaram
10%.
Na tabela se percebe que a pesquisa qualitativa foi a mais adotada pelos pesquisadores
em seus trabalhos, o que pode ser um indcio do que anuncia Chizzotti (2003, p. 22):
Diferentes tradies de pesquisa invocam o ttulo qualitativo, partilhando o
pressuposto bsico de que a investigao dos fenmenos humanos, sempre saturados
de razo, liberdade e vontade, esto possudos de caractersticas especficas: criam e
atribuem significados s coisas e s pessoas nas interaes sociais e estas podem ser
descritas e analisadas, prescindindo de quantificaes estatsticas.
No entanto, a investigao e descrio de um fenmeno no esto isentas do
significado que o pesquisador lhes dar, e nem de uma relao ativa entre o sujeito observador
e o objeto. Para Chizzotti (2005, p. 79) O objeto no um dado inerte e neutro; est possudo
-
35
de significados e relaes que sujeitos concretos criam em suas aes. Nessa perspectiva, por
entendermos que o objeto a ser conhecido est aportado em um contexto social, o qual
permeado por significados que os sujeitos lhes impregnam e atribuem, que se fez a opo
pela pesquisa qualitativa a qual poder interpretar e descrever os significados patentes ou
ocultos do objeto de pesquisa (CHIZZOTTI, 2003, p. 221).
Nesse contexto, entende-se ainda que o objeto esteja inserido num tempo histrico,
numa realidade sempre em transformao, no cabe aqui somente descrev-lo, necessrio ir
alm da contemplao descritiva, e para tanto se buscou as contribuies de alguns elementos
da dialtica (totalidade, movimento, contradio e mediao), na perspectiva de contribuir
para chegar-se ao objetivo aqui proposto, ou seja, analisar a poltica educacional da Secretaria
Municipal de Educao de Belm para as populaes ribeirinhas, o que exige uma
compreenso do pesquisador de que essa poltica esteja contextualizada numa realidade local,
regional e global.
Do ponto de vista propriamente operacional da pesquisa, ela teve como locus da
investigao, a Unidade Pedaggica Maria Clemildes dos Santos, que oferece os ensinos de
educao infantil e os dois primeiros Ciclos de Formao7 do ensino fundamental na Ilha do
Mosqueiro, sendo que o recolhimento das informaes documentais se deram tambm na
Secretaria Municipal de Educao de Belm.
A opo pela Unidade Pedaggica Maria Clemildes dos Santos se deu pelo fato deste
espao escolar estar localizado em uma comunidade ribeirinha da Ilha do Mosqueiro, ilha esta
que se constitui no maior territrio insular do municpio de Belm, com visibilidade
internacional devido seu grande potencial turstico, o que faz com que ela esteja sempre nas
pautas dos governos municipais que se alternam no poder, constituindo-se assim como um
importante espao para analisar os rebatimentos das polticas municipais para as populaes
residentes nas ilhas de Belm.
O levantamento documental ocorreu por entender da importncia deste, para elucidar
algumas informaes necessrias que possibilitaram conhecer o objeto de pesquisa, pois:
A pesquisa documental parte integrante de qualquer pesquisa sistemtica e precede
ou acompanha os trabalhos de campo. Ela pode ser um aspecto dominante em
trabalhos que viso mostrar situao atual de um assunto determinado ou intentam
traar a evoluo histrica de um problema (CHIZOTTI, 2005, p. 18).
7 O Ciclo de Formao uma forma de organizar a Educao Bsica no Nvel Fundamental baseada na idade do
aluno. Este tipo de organizao est previsto na Lei de Diretrizes e Base da Educao Nacional (LDBEN) de
1996 no art. 23. A rede municipal de ensino de Belm adotou quatro ciclos de aprendizagem. O Ciclo I,
composto por trs anos e envolve crianas de 06 a 08 anos de idade, o Ciclo II com dois anos para crianas com
idade entre 09 e 10 anos; O Ciclo III e o IV ambos com dois anos composto por alunos nas faixas etrias de 11 a
14 anos, fechando assim o ciclo de ensino.
-
36
Nesse trabalho, a pesquisa documental no foi dominante, no entanto recorreu-se a ela
para elucidar algumas informaes necessrias durante a pesquisa de campo. Nesse sentido,
como elemento de suporte e contribuio aos processos investigativos da pesquisa, foram
recolhidas informaes documentais na Secretaria Municipal de Educao (leis, decretos,
resolues, cadernos pedaggicos, relatrios e outros) e no contexto da prpria escola (projeto
poltico pedaggico, relatrios anuais, as atas de reunies, etc.), uma vez que essas
informaes formalmente escritas poderiam expressar a materializao das diretrizes
municipais de educao para as populaes ribeirinhas. Quanto s leis analisadas foram
aquelas de instncias federais e municipais as quais esto listadas em um quadro a seguir.
Quadro 01: Os documentos legais que sero analisados
LEIS DISPOSIO
Constituio Federal de 1988 Dispe sobre os princpios polticos, e estabelece a estrutura,
procedimentos, poderes e direitos que rege o governo e os cidados
brasileiros bem como suas leis.
Lei n. 9.394 de 23 de dezembro de
1996
Dispe sobre as diretrizes e bases da educao nacional.
Resoluo CNE/CEB1, de 3 de abril de
2002
Institui Diretrizes Operacionais para a Educao Bsica nas
Escolas do Campo.
Projeto de lei 8.035/2010 Aprova o Plano Nacional de Educao para o decnio 2011-2020 e
d outras providncias.
Resoluo n. 2, de 28 de abril de 2008 Estabelece diretrizes complementares, normas e princpios
para o desenvolvimento de polticas pblicas de atendimento da
Educao Bsica do Campo.
Decreto n. 7.352, de 4 de novembro de
2010.
Dispe sobre a poltica de educao do campo e o Programa
Nacional de Educao na Reforma Agrria - PRONERA.
Portaria n. 86, de 1 de fevereiro de
2013
Institui o Programa Nacional de Educao do Campo -
PRONACAMPO, e define suas diretrizes gerais.
Lei Orgnica do Municpio de Belm,
de 30 de maro de 1990
Dispes sobre a forma de organizao do municpio de Belm.
Lei n. 8.655, de 30 de julho de 2008. Dispe sobre o Plano Diretor do Municpio de Belm, e d outras
providncias.
Lei n. 7.722 de 07/07/94 Dispe sobre o Sistema Municipal de Educao
Ainda em relao ao levantamento dos dados, foi usada a entrevista semi-
estruturada, que segundo Laville; Dione (1999, p. 188) consiste em uma Srie de perguntas
abertas, feitas verbalmente em uma ordem prevista, mas na qual o entrevistador pode acrescentar
perguntas de esclarecimento. Quanto ao instrumental tcnico de recolhimento das informaes
foi composto por roteiro das entrevistas, caderno de campo, gravador de voz MP4, mquina
fotogrfica digital e o prprio pesquisador, o qual ser visto tambm como instrumento de
pesquisa, pois suas experincias, vivncias e observaes em campo possuem valor cientfico
e podem compor o arcabouo emprico informativo da realidade vivida pelos sujeitos da
pesquisa que se deseja desvelar.
-
37
A realizao das entrevistas aconteceu com os sujeitos da pesquisa, a saber: os
dirigentes educacionais da Secretaria Municipal de Educao (Secretria de Educao,
Diretora de Educao, Coordenadora das Ilhas) e Coordenadores da Unidade. Essa entrevista
se estender tambm aos professores com o objetivo de perceber como vista a aplicao
dessas diretrizes por esses sujeitos, conforme se demonstra no quadro n 2, que descreve os
sujeitos entrevistados.
Quadro 02: Descrio dos sujeitos entrevistados.
O quadro mostra os sujeitos da pesquisa, os quais foram selecionados para a realizao
das entrevistas atravs do critrio de maior tempo frente do cargo. As mesmas aconteceram
em diferentes espaos onde esses sujeitos se encontravam. Alguns foram entrevistados na
prpria residncia por no exercer mais as funes que exerciam no perodo da pesquisa e no
fazerem mais parte do quadro de funcionrios da Secretaria Municipal de Educao.
Concluda a fase das entrevistas assim como a coleta de dados, teve incio as anlises
do material recolhido usando a tcnica de categorizao de anlise de contedo que aborda e
analisa as informaes colhidas em campo, sejam elas documental, oral, visual ou gestual,
[...] no importando qual a origem desse material desde produtos da mdia at dados de
entrevista (FLICK, 2004, p. 201). Foi escolhido esse mtodo por entender que coaduna com
os objetivos dessa dissertao, pois como afirma Chizzotti (2005, p. 98): O objetivo da
anlise de contedo compreender criticamente o sentido das comunicaes, seu contedo
manifesto ou latente, as significaes explcitas ou ocultas. Concluda essas anlises, passou-
se a sistematizao dos dados que deu suporte a quarta seo desse trabalho.
Quantidade Sujeitos entrevistados Descrio dos Sujeitos
01 Dirigente da Secretaria Municipal de
Educao
Secretria de Educao do Municpio de
Belm no perodo de 2005 a 2012
01 Coordenadora de Educao das Ilhas Responsvel pela Coordenao geral das
Unidades Pedaggicas das ilhas ligadas a
Diretoria de Ensino.
01 Coordenadora da unidade pedaggica Responsvel pela Coordenao da Unidade
pedaggica pesquisada.
02 Professores Professores efetivos e com maior tempo de
exerccio da profisso na Unidade
Pedaggica pesquisada
-
38
1.5 ORGANIZAO DA DISSERTAO
A dissertao est organizada em cinco sees. A primeira apresenta a introduo
que evidencia o caminho da construo da pesquisa: a busca pelo objeto, a problemtica, os
objetivos e a metodologia adotada; na segunda seo ser discutida a formao da populao
ribeirinha no processo de ocupao da Amaznia, sua relao produtiva no s com as guas,
mas tambm com a floresta e a terra. Outro ponto importante dessa seo ser a abordagem
das polticas pblicas como enquadramento das populaes ribeirinhas, o que exige dessas
populaes uma necessidade de ajustar-se numa categoria populacional apresentada pelo
governo para acessar os bens e servios que lhe so de direitos.
Na terceira seo buscou-se trabalhar a gnese da Educao do Campo, resgatando a
importncia da participao social para a construo de polticas pblicas, tendo como foco o
percurso feito pelo movimento por uma Educao Bsica do Campo at a conquista de uma
Poltica de Educao do Campo, com o Decreto Lei 7.352/2010, buscando entender quem so
os povos do campo e sua relao com os povos ribeirinhos.
Na quarta seo foi contextualizada a educao no municpio de Belm no perodo de
2005 a 2012, com um enfoque na operacionalizao das diretrizes educacionais para a regio
insular de Belm, tentando identificar convergncias e divergncias com a poltica nacional de
Educao do Campo. Buscou-se ainda fazer uma reflexo a partir do que revela as aes da
Secretaria Municipal e o que dizem os sujeitos da pesquisa sobre a educao nas ilhas
belenenses.
Por fim, na quinta seo, as consideraes finais do trabalho, nas quais so
apresentadas as reflexes e consideraes a partir da vivncia e envolvimento do pesquisador
com o objeto da pesquisa. No uma abordagem que tenda a dar uma resposta aos
questionamentos iniciais numa perspectiva conclusiva, mas so anotaes que nasceram da
perspectiva de somar com o debate em torno da temtica Educao do campo e populaes
ribeirinhas referenciadas pelo estudo aqui desenvolvido.
O trabalho aqui proposto ser de fundamental importncia para as populaes
ribeirinhas das ilhas de Belm, pois ir contribuir na sua visibilidade enquanto sujeito de
direito e na compreenso de que a poltica educacional para essa populao deve fortalecer a
cultura, os saberes locais, diferente daquelas que tem sua sustentao na lgica do capital,
preocupada em formar mo de obra para suprir as necessidades da produo capitalista, como
denuncia Mzaros (2008, p. 35):
-
39
A educao institucionalizada, especialmente nos ltimos 150 anos, serviu no seu
todo ao propsito de no s fornecer os conhecimentos e o pessoal necessrio
mquina produtiva em expanso dos sistemas do capital, como tambm gerar e
transmitir um quadro de valores que legitima os interesses dominantes, como se no
pudesse haver nenhuma alternativa gesto da sociedade [...].
No entanto, possvel quebrar com essa lgica que perpassa a educao
institucionalizada, e construir uma outra educao, que possa levar em considerao o
modo de vida e de sustentabilidade das comunidades ribeirinhas, as quais interagem
cotidianamente com o espao que ocupam, estabelecendo uma relao intrnseca entre ser
humano e natureza.
-
40
2 AS POPULAES RIBEIRINHAS NO CONTEXTO AMAZNICO
Esse rio minha rua, minha e tua murur, piso no peito da lua, deito no cho da
mar. (Paulo Andr e Ruy Barata)
Em seu devir histrico, a antropizao do espao territorial amaznico apresenta
especificidades, motivaes e intencionalidades variadas, as quais podem ser compreendidas
tomando como base os mltiplos estgios do processo de consolidao do territrio nacional
brasileiro. De fato, os diversos momentos que deram vida colonizao do Brasil e os
perodos subsequentes, como a formao do Estado Nacional Monrquico e a instituio do
Brasil Repblica, configuram-se como momentos histricos importantes para o entendimento
do modo prprio de ver e agir neste espao, fortemente marcado pelo extrativismo enquanto
fonte econmica, cultural, relao social e ambiental local (AUBERTIN, 2000; SILVA,
2007). Neste contexto, mltiplos sujeitos sociais fizeram e refizeram seus projetos que,
dependendo das relaes de poder e de dominao estabelecidos, materializaram modos
peculiares de conduta e impacto na realidade socioambiental amaznica.
Neste contexto antrpico amaznico, de se destacar a presena dos chamados
ribeirinhos, que so sujeitos sociais ligados fortemente hidrografia amaznica, que tiveram
(e ainda mantm) um importante papel no processo de ocupao desse espao territorial
brasileiro. Pode-se dizer que a hidrografia configura-se como um locus de vivncia e
convivncia de comunidades ribeirinhas, as quais se fazem e se refazem com base em
variadas relaes estabelecidas com rios, lagos, crregos, igaraps, canais etc. da Regio
Norte. Portanto, essa realidade hdrica faz parte de uma paisagem bem caracterstica da
Amaznia Brasileira, onde o rio rua (como anuncia a epgrafe dessa seo) e constitui-se
em elemento fundamental para a compreenso terico/conceitual da territorialidade ribeirinha
na regio.
Assim, falar de ribeirinhos na Amaznia brasileira e paraense discorrer sobre sua
grandiosidade territorial, cultural e socioambiental; falar de populao cabocla e do
campesinato amaznico (BRONDZIO, 2008; CRUZ, 2008; GUZMN, 2008; WITKSKI,
2007;), do cotidiano desse povo e sua relao com o trabalho (OLIVEIRA, 2008;
RANCIARO, 2004), dos novos posicionamentos polticos e enquadramentos institucionais
(NEVES, 2009; SILVA, 2013), os quais do novas denominaes para esse povo (como o
termo populao tradicional), enfim falar de vida que pulsa na imensa floresta amaznica.
Nesta seo ser discutida a formao conceitual da categoria ribeirinhos, tendo
como referncia a forma como vem se dando a ocupao da regio amaznica brasileira e, em
-
41
particular, a paraense, bem como os problemas atuais enfrentados na regio e os impactos
sobre essas pessoas e suas organizaes societrias. Em seguida ser apresentado como essa
populao tem se constitudo na sua relao produtiva com a gua, a floresta e a terra,
finalizando como ela tem sido enquadrada nas polticas atuais de governo.
2.1 A CONDIO RIBEIRINHA: CARACTERIZAO E DESAFIOS ATUAIS NA
AMAZNIA BRASILEIRA E PARAENSE
Na Regio Amaznica, em geral, tudo muito grande. Nela est a maior floresta
tropical do planeta, a maior bacia hidrogrfica do mundo e h uma complexa diversidade na
fauna e na flora, o que torna passivo o pesquisador recorrer em erros ao atribuir resultados de
particularidades estudadas totalidade da regio amaznica. Portanto, nunca demais
lembrar que a Amaznia continental (ou internacional), conforme a figura 2 , abrange cerca
de 7,8 milhes de Km em nove pases: Brasil, Guiana Francesa, Suriname, Guiana,
Venezuela, Colmbia, Peru, Bolvia e Equador, do qual resulta numa grande diversidade
antrpica, com variedades na produo e na cultura.
Figura 02 Mapa da Amrica do sul com a Amaznia Continental