introdução à história do brasil
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Introdução à História do Brasil
Instituto Cajamar1989
INTRODUÇÃO À HISTÓRIA DO BRASILInstituto Cajamar
Abril de 1989
ÍNDICE
APRESENTAÇÃO..................................................................................................................5
CAPÍTULO I - O PERÍODO ESCRAVISTA (1530/1888)........................................................6
A Descoberta do Brasil........................................................................................................6
A ocupação Portuguesa......................................................................................................7
O Trabalho Escravo............................................................................................................8
A Resistência do Escravo...................................................................................................9
O Quilombo de Palmares..................................................................................................10
As Formas de Exploração da Colônia pela Metrópole......................................................11
A Estrutura de Classes na Colônia...................................................................................12
A Idade do Ouro................................................................................................................14
A Crise do Sistema Colonial..............................................................................................15
O Renascimento Agrícola.................................................................................................16
As Lutas pela Independência............................................................................................17
A Inconfidência Mineira.....................................................................................................17
A Inconfidência Baiana - 1798..........................................................................................18
O Processo de Independência..........................................................................................19
A Política de Colonização.................................................................................................19
O Tratado de Comércio com a Inglaterra..........................................................................20
A Revolução do Porto.......................................................................................................20
A Revolução Pernambucana de 1817..............................................................................21
A Independência Política - 1822.......................................................................................22
A Deposição de D. Pedro..................................................................................................23
As Regências....................................................................................................................24
Cabanagem.......................................................................................................................25
Farroupilha........................................................................................................................25
A Revolta dos Malês.........................................................................................................25
Sabinada...........................................................................................................................26
Balaiada............................................................................................................................26
O Segundo Império...........................................................................................................26
O Café...............................................................................................................................27
O problema da mão-de-obra.............................................................................................27
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A Abolição do tráfico e o crescimento econômico.............................................................28
A crise do escravismo.......................................................................................................29
CAPÍTULO II - A REPÚBLICA VELHA (1889-1930)..........................................................31
A Proclamação da República............................................................................................31
Os Governos Militares.......................................................................................................32
O Domínio das Oligarquias...............................................................................................33
O Processo de Industrialização.........................................................................................35
A Luta Operária.................................................................................................................37
As Lutas Urbanas.............................................................................................................40
As Lutas no Campo...........................................................................................................41
O Tenentismo....................................................................................................................43
A Revolução de 1930........................................................................................................45
CAPÍTULO III - O PERÍODO V ARGAS (1930 / 1945)........................................................47
A Reação da Oligarquia Paulista......................................................................................47
A Aliança Nacional Libertadora.........................................................................................48
O Estado Novo (1937 - 1945)...........................................................................................50
Diretrizes Econômicas do Estado Novo............................................................................51
A Propaganda do Estado (DIP).........................................................................................52
Movimento Operário (1930 -1945)....................................................................................52
Os Sindicatos e o Estado Novo........................................................................................53
A Crise do Estado Novo....................................................................................................54
Os Novos Partidos............................................................................................................55
A Expansão Industrial nos Anos 3O.................................................................................56
CAPÍTULO IV - DA CRISE DO POPULISMO AO GOLPE MILITAR (1945/1964)..............58
O Governo Dutra (1946 - 1951)........................................................................................58
Os Trabalhadores e a Redemocratização.........................................................................58
O Governo Vargas (1951 - 1954)......................................................................................59
Estratégias para o Desenvolvimento do País...................................................................59
A Política Econômica de Vargas.......................................................................................60
A Crise do Governo Vargas..............................................................................................61
Expansão do Capitalismo e Lutas no Campo...................................................................63
Ligas Camponesas e Sindicatos Rurais............................................................................64
A Luta dos Trabalhadores Urbanos..................................................................................66
A repressão do governo Dutra ao movimento sindical......................................................66
O Populismo de Vargas e a Reação dos Trabalhadores..................................................67
A retomada do Nacionalismo com Juscelino....................................................................68
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As Greves Políticas...........................................................................................................68
O CGT e a Reação de Direita a partir de 63.....................................................................70
Principais Greves de 1963................................................................................................71
O Golpe de 1964 e o Fim do CGT....................................................................................72
O Populismo......................................................................................................................73
Nacionalismo: Campanha do Petróleo..............................................................................74
Da Renúncia de Jânio ao golpe de 1964..........................................................................76
Campanha pelas Reformas de Base................................................................................77
Campanha pelo Plebiscito................................................................................................78
O Plano Trienal e a Polarização Política...........................................................................79
Agravamento da Crise.......................................................................................................80
O Golpe Militar..................................................................................................................81
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APRESENTAÇÃO
Esta apostila é uma introdução ao estudo da História do Brasil.
Tendo em vista a importância do período da ditadura militar, deixamos seu tratamento para
uma segunda apostila, que deverá ser publicada durante o ano de 1989. Temos
consciência de que este texto possui diversas falhas, que pretendemos corrigir nas
próximas edições. Para isto contamos com as críticas e sugestões dos leitores. A primeira
versão deste texto - bem como a revisão final - é de autoria de Ivan Antonio de Almeida,
Hélio Costa e Paulo Fontes, membros da equipe de monitores do Instituto Cajamar.
Participaram da discussão do texto, bem como do trabalho de edição, Rui Falcão e Valter
Pomar.
Setor de Publicações do Instituto Cajamar
Abril de 1989.
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CAPÍTULO I - O PERÍODO ESCRAVISTA (1530/1888)
A Descoberta do Brasil
A Europa vivia por volta de 1500 importantes transformações. A intensificação do comércio
estimulava a produção artesanal e manufatureira, fazendo crescer as cidades e
provocando modificações no campo. O mundo medieval, dividido entre senhores feudais e
servos, se dilui.
Com a intensificação das atividades produtivas, comerciantes, artesãos, manufatureiros
(mais tarde industriais) e assalariados vão alterar as relações sociais.
Em Portugal e Espanha, as lutas para a expulsão dos Árabes da Península Ibérica facilitam
a união entre comerciantes e nobreza na formação de Estados Nacionais.
Comerciantes e Nobreza, associados, patrocinam a formação de companhias de comércio
marítimos. Partiram a procura de mercadorias que, vendida na Europa, possam lhes trazer
um alto lucro. Serão responsáveis pela descoberta da América (1492) e por um novo
caminho para as Índias, pela costa atlântica da África ( 1498).
Em 1494, Portugal e Espanha, com a aprovação do Papa, fizeram um acordo dividindo o
mundo a ser descoberto pelas potências européias em duas partes, através de uma linha
imaginária que passava a 370 léguas a leste de Cabo Verde. As terras que ficassem à
direita da linha seriam portuguesas; as da esquerda, espanholas. Dessa forma, as terras
descobertas pelos portugueses seriam cortadas à altura da atual cidade de Belém do Pará,
ao norte, e Santa Catarina, ao Sul. SÓ o conhecimento ou a suposição da existência de
terras explica a insistência dos portugueses neste tratado, que altera outro do ano anterior,
cuja linha divisória, 100 léguas a leste das ilhas de Cabo Verde, deixaria o futuro Brasil de
fora. Isto é uma das evidências de que o Brasil não foi descoberto casualmente, como
consta da versão oficial (carta de Pero Vaz de Caminha).
Por outro lado, os portugueses tinham estado, antes de 1500, nas costas americanas, ao
norte do Brasil, pelo menos uma vez (viagem de Duarte Pacheco em 1496).
Durante os trinta primeiros anos da descoberta, Portugal não se interessa pelo Brasil. Os
habitantes do Brasil vivem num estágio de comunismo primitivo no qual a produção
agrícola (quando há) é apenas para o consumo. A baixa densidade demográfica não exige
maior divisão do trabalho. Não havia qualquer mercadoria de grande valor que pudesse ser
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comercializada na Europa. Portugal prioriza o comércio com as Índias: as primeiras viagens
chegaram a dar lucro de 4000%. O governo português manda ao futuro Brasil apenas
algumas expedições de caráter explorador (havia expectativa de se encontrar ouro no
interior) e punitivo (para combater outros países europeus que por aqui andavam com a
mesma curiosidade).
Para pagar os custos da viagem fazia se o escambo, troca de produto por produto sem a
intermediação de dinheiro. Em troca do trabalho de derrubar o pau-brasil (cuja madeira
tervida resulta numa tinta vermelha usada para tingir panos) e embarcá-lo, os indígenas
recebiam bugigangas, espelhos, colares de contas, favas, tesouras, panos de baixo valor
etc.
A ocupação Portuguesa
A concorrência de outros países europeus (Holanda, França e Inglaterra) que seguiram os
portugueses na rota do comércio Com o Oriente, o custo de manutenção das feitorias
(depósitos fortificados de mercadorias) na África e nas Índias, e o temor de perder o
território, cada vez mais frequentado por outros europeus (franceses, principalmente)
fizeram com que Portugal decidisse ocupar o Brasil.
À falta de produtos que tornassem economicamente viável a ocupação, decidiu-se instalar
aqui uma unidade produtora de uma mercadoria, o açúcar, que, exportada, desse lucro na
Europa. A experiência nas ilhas atlânticas seria aproveitada e reproduzida em larga escala.
A ocupação iniciou-se com a expedição de Martim Afonso de Souza, em 1530. A costa
brasileira foi dividida em doze partes, as Capitanias Hereditárias, começadas a distribuir a
partir de 1534. Para recebê-las bastava fazer um requerimento e ter os meios para ocupá-
las. Recursos para o transporte de equipamentos técnicos, animais, escravos, enfim, tudo
aquilo que era necessário para a instalação de um engenho de açúcar.
O capitão donatário teria o direito de exercer a legislação civil e criminal sobre a Capitania.
Poderia ainda doar sesmarias para quem quisesse nelas se instalar. A maioria dos
donatários e beneficiários de sesmarias pertencia à pequena nobreza, geralmente
funcionários do Estado português. Para se instalarem, dependiam de créditos holandeses
ou de cristãos novos (judeus convertidos ao cristianismo para escaparem das
perseguições).
O latifúndio escravista se concentra na zona da mata no nordeste, região apropriada para a
produção açucareira, graças à qualidade de terra, ao clima e a maior proximidade da
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Europa. Este tipo de unidade de produção, baseada numa única mercadoria destinada à
exportação, na utilização do trabalho escravo e no aproveitamento de uma grande
extensão de terra, ficou conhecida como ''plantação’’.
A região de São Vicente (onde aportou a primeira expedição colonizadora em 1534) não
oferecia maiores condições para a instalação de engenhos devido a estreiteza da faixa
litorânea entre o mar e a serra. Não teria maior importância econômica até a expansão
cafeeira no século XIX. São Vicente, por sua atividade de exportador de indígena para o
Rio e o Nordeste, ficou conhecido durante muito tempo como "ponto dos escravos”.
A presença de "criminosos" como marca do início da ocupação do Brasil pelos portugueses
não têm a mínima importância. Tais degredados de fato existiram, mas, em número
reduzido. Adotaram os costumes indígenas, casando-se com diversas mulheres (para o
espanto e inveja dos europeus que por aqui passavam) e fizeram vasta descendência.
O caráter de "criminosos" também é muito discutível. A legislação portuguesa (Ordenações
Manuelinas) relacionava cerca de 200 infrações punidas com o degredo. Era uma forma
compulsória de encontrar homens que preenchessem as funções necessárias à expansão
marítima.
O Trabalho Escravo
Os motivos da utilização do trabalho escravo nas plantações vêm do isto de que nenhum
homem livre iria querer trabalhar para outro com as possibilidades de acesso à terra que o
Brasil possibilitava.
As tribos indígenas, além de não ocuparem densamente o território, tinham o ''direito', de
serem exploradas exclusivamente pela Igreja. A Igreja, que aprovava a escravidão do
africano, conseguira a proibição da escravização dos povos americanos por parte do
Estado português e espanhol. Ainda assim, em caso de ''guerra justa'' (isto é, se tomassem
a iniciativa do conflito) poderiam ser escravizados. No Brasil, há notícias de "guerras justas”
até 1835. Até 1630, a maioria dos escravos dos engenhos eram indígenas.
A Igreja procurava destribuibalizá-los, através da cristianização e de sua concentração em
''reduções'' ou "missões" . Ali os índios eram organizados para o trabalho. Estas missões,
organizadas a partir do século XVII exclusivamente pelos jesuítas, distribuibuíam-se por
toda a América Latina e constituíam importantes unidades, isoladas do contato com as
áreas de plantação. Na Amazônia, por exemplo, exportavam as "drogas do sertão'', cravo,
canela, anil, guaraná, cacau, urucum etc. No sul, criavam gado.
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Treze dessas missões, situadas ao longo do rio Paranapanema (atual Estado do Paraná),
reuniam em 1628 mais de 100 mil índios.
Em época de crise de abastecimento de mão-de-obra africana, Como durante a ocupação
das costas da África pelos holandeses (em 1641 por exemplo, ocuparam São Paulo de
Luanda, Angola e São Tomé), o preço dos escravos subia a ponto de tornar lucrativo o
negócio de apresamento de índios, particularmente os aldeados pelos padres. A
concentração de índios facilitava a sua captura. Entre 1614 e 1639 estimavam-se em 300
mil os índios escravizados.
Nestas incursões, os bandeirantes não deixariam de sofrer uma grave derrota, em Bororé,
quando os jesuítas resolveram armar os indíge e contrata instru militaem 1641.
O contato dos índios com os europeus, a princípio pacífico (marcado pelo escambo),
altera-se quando estes passam a se instalar no território, expropriando as terras dos índios
e tentando utilizá-los como mão-de-obra escrava ou semi-escrava. A resistência chega,
algumas vezes, à formação de grandes confederações indígenas (pouco conhecidas ou
divulgadas, assim como todos os conflitos na história do Brasil, já que prejudica a versão
oficial de uma história, “pacífica e ordeira"), como a chamada Guerra dos Bárbaros, quando
índios do Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco resistem organizadamente durante
41 anos (1683 a 1724), nos sertões do Nordeste.
Mas era mesmo de origem africana a massa dos escravos que constituiu a base do
trabalho no Brasil durante quatro séculos.
A valorização do escravo como principal mercadoria para os europeus, estimulou a luta
entre os reinos africanos que, para sobreviverem, necessitavam de armas e munições,
conseguidas em troca de escravos.
Capturados no interior da África, os escravos eram "estocados" nas feitorias, à espera dos
barcos dos traficantes. Os traficantes, a princípio portugueses, dividiram com os
comerciantes ingleses (até o século XVIII) o rendoso negócio. Nestas feitorias era feito o
controle do pagamento dos 10% de impostos para a Coroa e de 5% para a Igreja. Havia
portanto interesses concretos para que o escravo africano fosse preferido.
A Resistência do Escravo
Começava já na África a tentativa de impedir (ou pelo menos dificultar) a revolta dos
escravos negros. Cristianizados, ou melhor, batizados (para não chegarem pagãos à nova
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terra), recebiam nomes portugueses, numa tentativa de tirar-lhes a identidade. Aqui, ao
venderem a “mercadoria", procurava-se separar as famílias e misturar as etnias para que,
falando línguas diferentes (só os da nação bantu falavam 182 dialetos) tivessem
dificuldades de se comunicar. Ou ainda reunir nos diferentes ''lotes'' vendidos escravos de
tribos inimigas.
Mas a resistência à escravidão também começava na África. Uma vez capturados,
tentavam a fuga ou buscavam se libertar através do suicídio. Os navios negreiros eram
verdadeiras tumbas, devido ao alto índice de mortalidade de negros durante as viagens.
Do século XVI ao século XIX, estes índices oscilaram entre 20 a 10%. Os ''tumbeiros''
ingleses registram centenas de motins.
No Brasil, a resistência ia desde o assassinato do senhor, ou de feitores, até fugas e
rebeliões. Desde os primeiros anos da escravidão até 1888, há notícias de formação de
quilombos (concentração de escravos fugidos), o mais conhecido pela sua duração e
resistência foi o de Palmares.
O Quilombo de Palmares
No início do século XVII escravos fugidos dos engenhos já procuravam refúgio na serra da
Barriga (atual Estado de Alagoas). Em 1671, diversas aldeias (mocambos) reuniam cerca
de 30 mil habitantes. Produziam cana, milho, banana, dedicavam-se à caça e pesca, ao
artesanato e criavam pequenos animais. Entre eles também viviam mestiços e indígenas.
Chegaram a estabelecer relações comerciais com brancos vizinhos, dos quais obtinham sal
e algumas armas e ferramentas. Sua organização política seguia o modelo dos Estados
africanos do século XVII, sendo os chefes eleitos. Além da massa de homens livres, havia
escravos negros raptados aos brancos. Estes quilombos representavam séria ameaça à
ordem escravocrata, não porque pudessem (ou quisessem) destruí-la, mas pelo exemplo
da possibilidade de um outro modo de vida, pela alternativa de liberdade aos negros da
região. Por isso, desde o início os escravocratas tentaram destruí-los. Os holandeses (que
ocuparam o Nordeste de 1630 a 1654) organizaram duas expedições, em 1644 e 1645,
sem sucesso (os palmarinos se retiraram sem oferecer combate, tática que usariam com
frequência). Em 1667, outra expedição é organizada com o mesmo resultado. Entre 1671 e
1678 foram organizadas 25 expedições! Em 1675, Fernão Carrilho impõe pesadas baixas
aos palmarinos, aprisionando dois filhos do rei Ganga Zumba e lhes oferece uma trégua
em troca da deposição das armas. Nem todos a aceitam. Com a morte do Ganga Zumba
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(envenenado), Zumbi, chefe do macambo de Cacau e desde o início contra a trégua,
assume a liderança total dos palmarinos.
Diante das dificuldades em submeter Palmares às autoridades, contrataram um
bandeirante paulista, Domingos Jorge Velho, especialista no massacre e submissão de
grupos indígenas. O caráter do bandeirante, responsável pelo assassinato não só de
índios como de brancos, pode ser ilustrado por uma de suas proezas. Mandou degolar 200
índios pelo simples fato de se recusarem a acompanhá-lo na luta contra Palmares. Seu
prêmio seria a venda dos negros capturados, sesmarias na região conquistada e o perdão
pelos seus crimes.
A primeira expedição, de cerca de 1000 homens (800 dos quais índios), foi destroçada no
ataque ao mocambo do Macaco. No ano seguinte, 1693, nova tentativa, também
fracassada. Em 1694, nova expedição, desta vez com 9 mil homens e artilharia (4
canhões). Foi o maior exército do período colonial. Para se ter uma idéia do que
significava, os holandeses conquistaram o Nordeste com7 mil homens. Foram necessários
vários ataques e um cerco de 22 dias para quebrar a resistência palmarina. No dia 16 de
fevereiro de 1695, o principal reduto, o dos Macacos, está destruído. Poucos foram os
prisioneiros. Os homens foram degolados. Muitas mulheres preferiram morrer pela fome e
matar seus filhos a serem reduzidas a escravidão. Zumbi, no entanto, conseguira escapar.
Emboscado, será morto a 20 de novembro de 1695.
As Formas de Exploração da Colônia pela Metrópole
Portugal ocupou o Brasil através da implantação de uma unidade produtora de uma
mercadoria que dava lucro na Europa, para enriquecer a metrópole, enriquecer Portugal.
A transferência da riqueza não se dava apenas através dos impostos. Toda relação entre
colônia e metrópole exigia que a colônia comercializasse apenas com sua metrópole. Os
latifundiários escravistas podiam vender suas mercadorias apenas para Portugal. Como
único comprador, Portugal poderia impor um preço baixo. As colônias eram proibidas de
produzir manufaturas (a não ser pano grosso para os escravos). As classes dominantes da
colônia tinham assim que gastar o que ganhavam com exportação, importando
manufaturados (panos e ferramentas) e escravos. Pagavam altos preços, pois só tinham
um vendedor, os comerciantes da metrópole.
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Este monopólio do comércio associado à proibição da produção dos manufaturados é o
pacto colonial que garante a transferência para a metrópole da riqueza aqui produzida
pelos escravos.
Até o século XVII, Portugal era um simples intermediário da Holanda, que financiava,
refinava e distribuía o açúcar pela Europa. Mais tarde, da Inglaterra, que, em troca de suas
manufaturas, recebe de Portugal ouro, algodão e outras mercadorias.
A riqueza que vai parar nos países europeus produtores de manufaturados, principalmente
a Inglaterra, contribuiu para o acúmulo de capital que resultará na Revolução Industrial
inglesa nos fins do século XVIII.
Apesar de pioneiros na constituição do Estado Nacional e nas navegações, sua condição
de intermediários explica o atraso do desenvolvimento do capitalismo em Portugal e
Espanha.
A Estrutura de Classes na Colônia
Nos dois primeiros séculos da colônia temos já esboçada a estrutura de classe que vai
marcar a história do Brasil até a Abolição.
Da Bahia a Pernambuco concentraram-se os engenhos. Os senhores de escravos de
maiores posses os instalam nas melhores terras da costa. Os demais, sem recursos para a
instalação de engenhos, mas proprietários de escravos, utilizam os engenhos em troca de
parte do açúcar produzido.
Agregada ao latifúndio, uma classe de homens livres pobres produz bens de consumo,
permitindo aos escravos se concentrarem na atividade mercantil. Ela vai se tornando cada
vez mais numerosa e vai substituindo o escravo com a decadência da produção canavieira.
Apesar de uma certa hostilidade aos proprietários escravistas, pela exploração a que são
submetidos, é entre estes agregados que os latifundiários vão recrutar os elementos
encarregados de reprimir os escravos ou para servir de jagunços nos conflitos entre
setores da classe dominante.
O sertão nordestino, imprestável para a produção açucareira, vai ser refúgio de escravos,
mestiços e homens livres pobres. Alguns chegam a tornar-se proprietários de enormes
latifúndios de criação extensiva de gado. Outros tornam-se vaqueiros. A maioria
transforma-se em sitiantes produtores de bens de consumo, farinha, milho, fava, feijão,
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contribuindo com os agregados da Zona da Mata para o abastecimento de gêneros
alimentícios do engenho.
Até então, as relações entre moradores e proprietários não passavam pelo assalariamento.
Eram relações pré-capitalistas. A existência de certas relações como o cambão
(pagamento da renda da terra em dias de trabalho), por exemplo, levou alguns
historiadores a confundi-las com relações feudais.
Quando surgem as usinas (fábricas rurais movidas por máquinas a vapor que vão substituir
o engenho no fabrico do açúcar) depois de 1880, os proprietários estendem seus canaviais
pelos antigos sítios de moradores, tirando-lhes as terras para produzir. Começa a se impor
o trabalho assalariado.
No sertão, ainda hoje, a pequena propriedade camponesa constitui-se em importante
fornecedora de mão-de-obra assalariada para as cidades. As relações capitalistas custam
a penetrar nesta região. As cidades, pequenas e litorâneas até o século XVIIl (quando a
exploração aurífera estende a urbanização para o interior), surgem em torno das atividades
de importação e exportação e como centros administrativos. O comércio externo e interno
é dominado por comerciantes portugueses.
Mesmo nas cidades, os escravos são a base do trabalho. O trabalho, aviltado pela
escravidão, é mal visto pelo homem livre. O número de escravos continua a medir a
riqueza do seu proprietário. O dinamismo da vida urbana, no entanto, cria uma ampla
camada intermediária constituída por funcionários da Coroa, militares, artesãos (escravos,
ex-escravos e homens livres) e uma massa de homens livres pobres.
Em 1580, Portugal, por um problema na sucessão do trono (o parente mais próximo do
soberano falecido era espanhol) e com a conivência da nobreza portuguesa, passa para o
domínio espanhol (até 1640). A Holanda, em luta com a Espanha, viu ameaçados seus
interesses nos negócios do açúcar brasileiro. Tratados de paz adiaram o conflito inevitável.
A partir de 1630, o comércio, a finança, a manufatura e a aristocracia holandesa
associados, através da Companhia das Índias Ocidentais, iniciam a ocupação das fontes
produtoras de açúcar no Brasil e dos territórios fornecedores de escravos na África. A
região ocupada, de Sergipe ao Rio Grande do Norte, respondia por metade da produção
da colônia.
Após curta resistência, a presença holandesa no Nordeste brasileiro (1630-1654) foi aceita
pelos latifundiários escravistas, até que deixou de atender as suas necessidades: um bom
preço pelo açúcar, financiamento para a importação de manufaturados e escravos. O
processo de expulsão dos holandeses, em dificuldades na Europa (onde estavam em
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guerra com a lnglaterra), começou quando eles resolveram executar as dívidas contraídas
pelos latifundiários (o que significava perderem as propriedades).
Terminada a guerra, a economia da região entrou em crise. Muitos engenhos estavam
destruídos. Centenas ou milhares de escravos tinham aproveitado para fugir (Palmares
cresce neste período).
Os holandeses, agora instalados nas Antilhas (região próxima do Golfo do México), vão
fazer concorrência ao açúcar nordestino.
A Idade do Ouro
As expedições organizadas pelos paulistas para o interior da colônia visavam, além da
captura de índios, a descoberta de minas de ouro e pedras preciosas (obsessão
perseguida desde a descoberta). Só serão bem sucedidos por volta de 1693 ou 1695. É
neste final do século XVII que se inicia uma corrida para a região das minas.
A descoberta de ouro na região das Minas Gerais, Mato Grosso e Goiás altera a geografia
da colônia. A ocupação se dera até então apenas no litoral.
Nos primeiros anos do século XVIII, esta corrida do ouro provoca crises de fome na região.
Uma galinha chega a valer, em 1710, 3 ou 4 oitavas de ouro (uma oitava de ouro equivalia
a 3,586 gramas); cinco quilos de açúcar custavam mais de uma oitava de ouro.
A circulação de ouro ampliou o mercado consumidor. A região, além de ter os escravos
ocupados na produção aurífera, não contava com boas terras.
Rotas terrestres serão abertas para abastecer a região das minas. Tropas de burros e
mulas chegam do Rio Grande do Sul para facilitar o transporte. Sorocaba será um
importante entroncamento deste comércio. Outros caminhos trazem mercadorias e
aventureiros do litoral da Bahia e do Rio de Janeiro.
Mudanças administrativas seguem-se a essas alterações econômicas. A capital, Salvador,
escolhida devido a sua posição central em relação a litoral, vai ser transferida para o Rio de
Janeiro (1763), mais bem situada para fiscalizar a saída do ouro de Minas Gerais.
As necessidades da produção aurífera (e de diamantes) provocam um aumento de preços
do escravo, que chegam aos milhares da África e mesmo do Nordeste, onde a crise
estimula os latifundiários a vendê-los. O século XVIII vai ser o apogeu do tráfico de
escravos.
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Forma-se no interior da colônia uma sociedade urbana. Enquanto cidades como Salvador
não passavam de 20 mil habitantes no século XVIII, Vila Rica, em Minas, alcança mais de
30 mil na mesma época.
A urbanização promove a instalação de inúmeros serviços urbanos, lojas, bodegas,
armazéns, hospedarias, depósitos etc. Em numerosas oficinas trabalham artesãos de todo
tipo, a maioria negros e mulatos, escravos e libertos.
As características da produção aurífera levam alguns senhores de escravos a permitir que
estes acumulassem alguns recursos (além da coerção, prêmios podiam estimular o escravo
a achar mais ouro), para comprar a própria liberdade. Em 1735, negros e mulatos forros
representam 1,4% da população; em 1786, 35%.
A Crise do Sistema Colonial
O esgotamento das minas, em fins do século XVIII, coincide com importantes modificações
na conjuntura mundial. Na Inglaterra ocorre o apogeu da produção manufatureira e o início
da Revolução Industrial. Resulta de um longo processo de "acumulação primitiva" do
capital (acumulação que não tem origem na exploração da mais valia do assalariado), para
a qual contribuíam os povos americanos como vítimas do saque ou da espoliação através
do Pacto Colonial.
A produção em larga escala coloca em primeiro plano a necessidade da venda das
mercadorias produzidas.
A Inglaterra, que fora grande traficante de escravos, a riqueza de Manchester , uma das
primeiras cidades inglesas a se industrializar, provém justamente do tráfico), passa a liderar
a luta contra o tráfico e pela abolição da escravidão. É que os capitais gastos com a
compra de escravos por parte dos proprietários poderiam ser transferidos para a compra de
mercadorias inglesas. O fim do trabalho escravo exigiria a importação de força de trabalho
européia, contribuindo para atenuar o problema social na Europa (onde o avanço do
capitalismo proletarizava milhares de camponeses e artesãos) e para ampliar, através
desses trabalhadores assalariados, o mercado consumidor na América, em particular no
Brasil, o maior mercado para os produtos ingleses na América.
O comércio indireto (ou através do contrabando) com as colônias alheias já não era
suficiente. É preciso quebrar o Pacto Colonial. A Inglaterra é pioneira na pregação do ''livre
comércio'', que preconizava a abolição de todas as práticas comerciais protecionistas.
Estas idéias serviam à indústria inglesa que, graças a sua maior produtividade, competia
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em vantagem com outros países. Nesse mesmo período, na França, as idéias iluministas -
que negam os privilégios da nobreza e afirmam a legitimidade popular das leis e
instituições - se constróem na luta contra o Estado absolutista feudal e preparam a
Revolução Francesa (1789).
Apesar das proibições, as notícias sobre as transformações mundiais e as “subversivas
idéias francesas” penetram na América Latina e encontram receptividade nas camadas
médias e mesmo em setores da classe dominante (muitas das classes dominantes latino-
americanas vão estudar na Europa e se entusiasmam com as mudanças provocadas pela
Revolução Industrial na Inglaterra e pelas idéias iluministas). Os proprietários de terras e
gado (e de escravos, no caso brasileiro) estavam insatisfeitos com O Pacto Colonial,
especialmente agora quando o livre comércio lhes abria possibilidades de comprarem
manufaturados a preços mais baixos e de conseguirem melhores condições para a venda
de seus produtos. As metrópoles, através de políticas fiscais mais opressivas e de reformas
administrativas que excluíam a classe dominante nativa da participação da administração
colonial, tentaram aumentar a arrecadação, contribuindo para criar as bases materiais da
receptividade às novas idéias.
Para as camadas médias (homens livres pobres das cidades), a crise econômica era uma
limitação a suas possibilidades de ascensão. Já as mudanças poderiam representar uma
melhoria na sua condição. O sucesso da Revolução Norte-americana (que se inicia em
1776) reforça o ânimo dos simpatizantes de mudanças. Era a primeira vez que uma colônia
se tornava independente.
Foi dentro deste contexto que ocorreram as lutas de independência na América Latina.
O Renascimento Agrícola
As necessidades da Revolução Industrial mais o corte no fornecimento do algodão norte-
americano (com a guerra de Independência) e a crise da produção açucareira no Haiti e
São Domingos (a produção chegou ao colapso total com a luta de independência em 1792)
fizeram aumentar o preço dessas mercadorias, estimulando a intensificação de sua
produção no Brasil. Assim, à exceção da região de Minas Gerais (e da produção dela
dependente), a produção está em pleno crescimento no Brasil quando da crise do sistema
colonial. O açúcar se desenvolve na região de Campos (e o Rio chega a produzir em 1807
um terço do açúcar exportado). Em São Paulo, esta produção se firma no interior (região
de Itu, por exemplo), criando uma nova elite agrária e comercial. A partir de 1760, o
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algodão se expande. Com ele, intensifica-se o uso do trabalho do escravo africano (até
então praticamente inexistente na região). Por volta de 1830, a maioria da população do
Maranhão é formada de escravos. É neste período de “renascimento agrícola'' que se
introduz o café.
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As Lutas pela Independência
A Inconfidência Mineira
Nas Minas Gerais, a decadência econômica, com o esgotamento da produção e os
impostos extorsivos, cria um clima de revolta entre os homens livres e empurra os senhores
de escravos para posições radicais. A Inconfidência Mineira (1789) é o retrat desta
situação.
A maioria dos conspiradores pertencem às "boas famílias". Proprietários de escravos
ligados à extração mineral, à produção agrícola ou à administração colonial e à milícia.
Também os clérigos envolvidos são proprietários.
O penúltimo governador antes da tentativa de insurreição, Cunha Menezes, conseguira
desagradar a todos. Indispôs-se com a classe dominante local ao afastá-la da
administração, ao extorquir-lhe dinheiro e ao lançar mão da violência contra ela. As
camadas médias sentem especialmente o rigor com que é imposto o cumprimento do
Alvará de 1785 (que proíbe as manufaturas). Além da repressão à população, esta é
forçada a comprar manufaturados importados da metrópole, bem mais caros que os que já
eram produzidos no local (tecidos, sapatos etc).
A política de ''arrocho colonial" não admitia que a queda na arrecadação de impostos fosse
decorrente do esgotamento da minas. Desde 1763 instituíra um sistema que impunha a
contribuição forçada de todos os habitantes para cobrir a diferença entre o arrecadado e a
taxa cobrada pela metrópole: 1500 quilos anuais de ouro. Essa cobrança forçada era a
''derrama''. Em 1788, chega o novo governador com a missão de realizá-la. O déficit
acumulado já chegava à 5760 quilos.
Os conspiradores aproveitaram a "derrama" para fazê-la coincidir com a data da revolta.
Seu projeto era tornar o Brasil independente de Portugal, com um regime republicano.
Joaquim José da Silva Xavier, alferes do Regimento dos Dragões, chamado "Tiradentes'', é
um dos mais ativos propagandistas da causa. Filho de pequeno proprietário rural,
alfabetizado, era o único que tinha penetração nas camadas médias da população (o povo
da época, se descartarmos a classe dominante e os escravos). Tentou a mineração, foi
tropeiro, dentista (daí o apelido) e finalmente tentou a carreira militar. Dizem que andava
com a constituição norte-americana no bolso. É o único abolicionista. Descoberta a
conspiração através da delação, 34 são condenados num processo que dura dois anos.
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Apenas Tiradentes será condenado à morte, enforcado e esquartejado no Rio de Janeiro,
em 21 de abril de 1792.
A Inconfidência Baiana - 1798
Em 1798, em Salvador, é sufocada a primeira revolução social brasileira. Formada por
escravos, ex-escravos, artesãos (a maioria alfaiates), padres, soldados e até alguns
oficiais, tinha como objetivo, não só a independência, mas mudanças de caráter social:
igualdade de raça e de cor, o fim da escravidão, a abolição de todos os privilégios. Foi
chamada de ''Conjuração dos Alfaiates'' ou ''Inconfidência Baiana”.
O renascimento agrícola, o crescimento das lavouras de cana, no Rio de Janeiro e São
Paulo e mesmo na Bahia e do algodão no Maranhão, no início do século XlX, beneficiou os
grandes proprietários e os comerciantes de Salvador, mas ao expandir as áreas de cultura
de cana sobre a produção destinada ao consumo interno agrava o crônico problema da
escassez de alimentos para a população pobre (já que o consumo dos senhores de
escravos era todo importado).
Eram frequentes os saques de carne e farinha por parte de negros e mulatos nos anos que
antecederam a revolta. Essa agitação facilitou a difusão das idéias revolucionárias
francesas entre esta camada, particularmente aqueles aspectos referentes à igualdade de
direitos, e ao fim da escravidão.
A difusão de panfletos levou à prisão de suspeitos, o que precipitou o levante. Os seis
condenados à morte (além das dezenas de mortos e feridos durante a repressão) atestam
o caráter popular da luta. Ao condicionar a solução da questão nacional (a independência)
à questão social (o fim da escravidão e a igualdade jurídica entre os homens e o fim dos
privilégios), a Inconfidência Baiana é a primeira experiência revolucionária da história
brasileira.
Esta participação popular de caráter democrático e igualitário, que caracterizou a
Inconfidência Baiana, estará presente em diversos momentos do processo de
Independência (1808 a 1831) e da regência (1831 - 1845) e será violentamente reprimido
pela aliança entre as classes dominantes nativas e os antigos representantes do poder
colonial português no Brasil, grandes comerciantes, burocracia e militares portugueses.
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O Processo de Independência
As lutas que se sucedem à Revolução Francesa (1789 - 1798) na Europa, envolvendo a
burguesia francesa de um lado e a burguesia inglesa aliada à aristocracia européia de
outro, facilitam a luta de independência das colônias latino-americanas.
Tradicionalmente ligada à Inglaterra, Portugal tenta ficar neutro no conflito europeu e
termina invadido pela França. Escoltada pela Marinha inglesa, a família real portuguesa
foge para o Brasil. Entre as exigências feitas pela Inglaterra em troca do seu apoio está a
abertura dos portos “para todas as nações amigas” (que no momento se reduzem à própria
Inglaterra). Isto significa a quebra do Pacto Colonial (daí 1808 ser considerado a
independência econômica do Brasil). A quebra do Pacto Colonial (a proibição da instalação
de manufaturas também é revogada) satisfaz temporariamente a oligarquia escravista
nativa. Aquilo que na América Espanhola vai ser conquistado através de um longo e
sangrento conflito, no Brasil vai ser uma espécie de “transição pelo alto”. A partir daí o
Brasil deixa de ser colônia, mas também não é nação independente.
A Política de Colonização
A transferência para o Brasil das instituições do estado Português inaugurou um período
de modernização da economia e da vida cultural, especialmente no Rio de Janeiro. A
cidade viu crescer sua população de 50 mil para 110 mil habitantes em apenas 10 anos.
Os senhores de engenho da Baixada Fluminense procuram se instalar na Corte e imitar
seus hábitos. Os impostos se elevam para manter o aparelho de Estado que consome dois
terços da arrecadação. Os problemas de abastecimento se agravam. Só a Corte consumia,
em dias normais, 620 aves em apenas duas refeições diárias.
O início da política de imigração de europeus para o Brasil (possível a partir de um decreto
de 1808 que permite o acesso de estrangeiros à propriedade fundiária) está ligado à
questão do abastecimento interno. A idéia é trazer imigrantes europeus que, ao se tixarem
em pequenas propriedades familiares e sem concorrerem com o latifúndio escravista,
abasteçam o Rio de Janeiro e criem uma camada intermediária entre escravos e senhores
(além de contribuir para o “branqueamento da raça"). Com esta intenção foram trazidos
imigrantes suíços para Nova Friburgo (RJ) em 1818.
Os interesses expansionistas da Coroa no Brasil levaram-na a invadir a Guiana Francesa
(1809) e a Banda Oriental do Uruguai (incorporada ao império em 1820 como Província
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Cisplatina). No Sul, os conflitos com as colônias espanholas já eram tradicionais. Com a
intenção de assegurar o comércio terrestre de muares e gado, de manter aberta a rota de
tropas (para garantir as fronteiras com as colônias espanholas) e de desalojar os índios
que habitavam aquela região, o governo português iniciara desde 1747 a fixação de
famílias portuguesas nos Açores, no Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Em 1824,
imigrantes alemães, dando continuidade a esta política, fundam São Leopoldo no Rio
Grande do Sul. É um marco na formação da pequena propriedade no sul do país. Até a
década de 1840, a política imigracionista desta região estará voltada para a ocupação
estratégica de áreas montanhosas, que não concorrem com as fazendas de criação de
gado.
O Tratado de Comércio com a Inglaterra
Em 1810 a Corte no Brasil consagra, através de dois tratados de "Comércio e Amizade'', a
hegemonia econômica da Inglaterra sobre o Brasil. Entre outras concessões e privilégios,
as mercadorias vindas de Portugal passam a ser taxadas com impostos superiores às
mercadorias vindas da Inglaterra, 16% e 15%, respectivamente. As demais serão taxadas
em 24%. Nestes tratados registra-se o compromisso da Coroa portuguesa de abolir o
tráfico de escravos da África para o Brasil, atendendo aos interesses da revolução
Industrial inglesa. Os tratados serão renovados após a Independência e, como condição
para reconhecê-la, em 1827, fica estabelecido que o tráfico será abolido até 1830.
A Revolução do Porto
Depois de um período de ocupação francesa e inglesa, Portugal readiquire em 1820 a
soberania através de uma revolução liderada pelos comerciantes portugueses ligados ao
antigo monopólio comercial. No princípio, ela tem o apoio dos ''brasileiros'', à exceção dos
escravos, para os quais pouco importavam mudanças políticas que excluíssem a liberdade.
Favorável a uma monarquia constitucional, a Revolução convoca uma Constituinte, da qual
participam deputados brasileiros - 70 numa assembléia de 200. O voto é censitário, ou
seja, limitado aos proprietários de uma certa renda.
Ao exigirem a volta do rei, porém, os revolucionários portugueses deixam claro seu
interesse de recolonizar o Brasil. A massa de homens livres pobres, nas cidades
brasileiras, agita-se ao perceber o caráter da Revolução do Porto. O anti-lusitanismo passa
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a ser a palavra de ordem e as idéias de independência são vistas como perspectivas de
mudanças.
A Revolução Pernambucana de 1817
No Nordeste, essa mesma massa, associada ao latifúndio, já tentara a independência em
1817. Mas a manutenção do trabalho escravo limitaria esta iniciativa também em 1824
e1848.
As taxações impostas pela Corte no Rio sobre as exportações nordestinas de açúcar e de
algodão (agora principal produto de exportação) atingiam especialmente Pernambuco, que
sofrera uma seca intensa em 1816 e 1817. A queda dos preços destes produtos nas
bolsas de Londres e Amsterdã deixara os proprietários escravistas em situação delicada.
Dependente de empréstimos dos comerciantes por portugueses (que apesar do fim do
monopólio comercial mantinham a exclusividade do comércio internacional), a classe
dominante pernambucana tem suas dívidas insuportavelmente majoradas. Nestas
circunstâncias, não foi difícil a associação de interesses dos senhores de escravos locais
aos poucos comerciantes brasileiros que concorriam com os lusitanos. É também ao clero
(o Seminário de Olinda era conhecido pela sua receptividade às idéias liberais) que, sendo
proprietário de engenhos e plantações, também sofria o efeito do monopólio português e
da política extorsiva da Corte. Finalmente, havia a massa de homens livres não
proprietários, cujas oportunidades de sobrevivência ou ascensão viam-se ainda mais
restritas na crise.
No Recife, os conflitos entre "patriotas" e portugueses são freqüentes. Os brasileiros estão
unidos pela ''lusofobia'' (ódio a tudo que fosse português). As reuniões e encontros
secretos não passam despercebidos ao governador português. As lideranças mais
conhecidas são presas. Militares brasileiros envolvidos na conspiração reagem à ordem de
prisão e precipitam a revolução. A 7 de março de 1817 forma-se o primeiro governo
nacional brasileiro. Uma república escravista. Seu programa: liberdade de consciência, de
imprensa e de religião (embora o catolicismo apostólico romano continue sendo a religião
oficial do Estado). Previa-se a eleição de uma Constituinte. As divergências políticas entre
os revolucionários iriam comprometer a resistência às tropas enviadas do Rio.
Enquanto alguns elementos ligados às camadas médias (como os comerciantes
brasileiros) eram abolicionistas e favoráveis à utilização dos escravos na defesa, os
proprietários rurais eram radicalmente contra. A vioIenta repressão (mais de 20
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enforcamentos ou fuzilamentos e cerca de 117 condenações à prisão) tal como em 1789
ou em 1798 não abateria o ânimo dos revolucionários, que voItariam à Iuta em 1824 e
1848.
Embora Iimitado, o posicionamento da cIasse dominante nordestina de 1817 pró-
repubIicano é favoráveI ao rompimento do domínio português, representava sua tendência
mais revolucionária. A outra tendência era aquela que temia qualquer revolução como uma
ameaça ao seu domínio escravista (tendência majoritária no Rio). Prefere as “transições
pelo alto", os acordos a nível do Estado. Durante todo o processo de independência (1808
a 1831) e durante as regências (até 1840), estas duas tendências disputarão a hegemonia.
A primeira, compondo com setores médios urbanos, pequenos comerciantes, funcionários,
artesãos, e homens livres pobres. O segundo grupo se compõe dos representantes do
grande comércio e finanças (formado por portugueses) e funcionários do aparelho
burocrático do Estado. Na Iuta das Regências, representarão a tendência centralizadora e
a tendência de maior autonomia para as províncias. Os dois grupos têm em comum o
interesse na manutenção da escravidão e da estrutura de propriedade de terra, o que lhes
possibilita depois de Iongo período de conflitos chegarem a uma conciliação que dará
estabilidade política ao Segundo Império (1848 - 1889). Na monarquia parlamentar irão se
revezar nos ministérios, ora representados peIo Partido Liberal ora pelo Partido
Conservador. A diferença entre os dois foi bem expressa por um contemporâneo: “nada
mais parecido a um conservador que um liberal no poder''.
A Independência Política - 1822
. A RevoIução do Porto criara uma certa expectativa positiva, Iogo desfeita ao reveIar sua
intenção de fazer voItar o monopólio comercial. No Nordeste, inclusive. a formação de
juntas governativas (que reúnem num primeiro momento brasileiros e portugueses no
juramento de fidelidade à Revolução Constitucionalista, substituindo os governadores
portugueses) foi responsável pela libertação dos revoIucionários de 1817.
As agitações urbanas já tinham chegado na Bahia à guerra aberta. Em fevereiro de 1822,
a junta governativa que reunia brasileiros e portugueses se desfaz e a população ur bana
inicia a luta contra as tropas portuguesas estacionadas em Salvador.
Diante das pressões recoIonizadoras das Cortes portuguesas e antes que a guerra se
generalizasse (gerando lideranças populares e forçando as partes em conflito a libertarem
os escravos (condição para seu apoio) ou forçando a oligarquia escravista a concessões
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para os setores mais radicais), as classes dominantes nacionais e os interesses
portugueses no Brasil fizeram um acordo. Os latifundiários escravocratas (que formariam o
“partido brasileiro”) aceitaram incorporar a burocracia portuguesa no Brasil e as forças
militares fiéis ao príncipe D. Pedro e não mexer com os comerciantes portugueses (o
“partido português"), unidos pelo interesse na exclusão dos escravos e da massa de
homens livres urbanos não proprietários (cujo setor mais radical era inclusive republicano).
A preservação da monarquia, através do príncipe português (que continuava herdeiro da
Coroa Portuguesa), viabilizou esta “transição pelo alto". Resolvia-se o problema nacional
sem tocar nas relações sociais.
Os “patriotas'', que não participaram do acordo, foram excluídos do novo governo ou
afastados, pela prisão, exílio ou mesmo morte. É o caso do Pará, onde as forças que
tinham se adiantado na expulsão das tropas portuguesas, mas que não eram de confiança
do governo do Rio, foram presas pelo mercenário ingIês GrenfeIl (a serviço do governo
imperial) e assassinados (cerca de 300 encarcerados no porão de um navio foram mortos
jogan do-se cal sobre eIes).
Na América espanhoIa, as lutas de independência se proIongam por mais de dez anos (de
1810 à década de vinte). A Iuta força os exércitos em conflito a concederem liberdade aos
escravos em troca do seu apoio. Consolidada a independência, a escravidão sobrevive
apenas no Brasil e EUA, onde a abolição só virá peIa Guerra da Secessão, de 186O/1865.
Tais atitudes ampliam as cisões na classe dominante, sempre temerosa do exemplo do
Haiti (onde em 1791 negros e pardos fizeram a independência com a abolição da
escravidão e a eliminação dos brancos).
O papel dos ingleses foi novamente significativo na repressão. Lord Cochrane, que já
participara da expulsão das tropas portuguesas da Bahia, faz o bloqueio naval de Recife.
Convinha aos ingleses preservar a unidade do Império, economicamente subordinado a
seus interesses.
A Deposição de D. Pedro
Com a vitória sobre o movimento republicano do Nordeste consolida-se a hegemonia do
“partido português". O restante do Primeiro Império será marcado pelo distanciamento
progressivo entre este grupo e o "partido brasileiro", mesmo os seus setores mais
moderados.
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Contribuíram para o afastamento a crise econômica mundial, a concorrência estrangeira
aos principais produtos de exportação (açúcar, charque, arroz, algodão) que baixam os
preços destes produtos; e a crise financeira, causada pelos contínuos déficits na balança
comercial e pelos gastos com a tentativa do governo imperial de manter o domínio sobre a
Província Cisplatina (que conquistara a independência em 1828).
A gota d'água é o envolvimento do imperador com a sucessão do trono português, a partir
de 1826, e o assassinato de um jornalista de oposição, Líbero Badaró. Os conflitos que se
sucedem resultam na deposição do imperador pelo "partido brasileiro", moderados e
radicais novamente unidos.
No dia 7 de abril de 1831 o imperador renuncia em nome de seu filho de 5 anos.
Mais uma "transição pelo alto" articulada pela classe dominante escravista e em nome da
exclusão dos escravos e da massa de homens livres não proprietários.
As Regências
Consolidado o domínio das oligarquias agrárias escravistas, pela liquidação dos setores
radicais, cada uma delas vai tentar afirmar sua autonomia. O período regencial será
marcado por estas lutas. Da Amazônia ao Rio Grande do Sul, os homens livres pobres,
brancos, mestiços, pardos, negros forros (ocupados nas mais diversas atividades urbanas),
camponeses agregados ou independentes vão participar ao lado dos grupos oligárquicos
que se apressam em oferecer-lhes possibilidades de mudança. A liberdade de imprensa, a
descentralização, a República, o antilusitanismo são as idéias que os unem.
Em dois momentos destas lutas, na Cabanagem e na Balaiada, estas camadas médias
rompem sua subordinação às oligarquias e ameaçam os pilares da ordem social: o
latifúndio e a escravidão. A heterogeneidade e a posição dentro da estrutura de classes
(marcada pela dicotomia senhor versus escravo) impedem, no entanto, que estas massas
tenham um claro programa de lutas e reivindicações. Destas lutas cabe destacar a Revolta
dos Malês, ocorrida em Salvador em 1835. Formada por escravos e negros forros, é uma
luta sem relação com as camadas médias pobres.
A notícia da deposição de D . Pedro trouxe novo ânimo aos pernambucanos que, apesar
da intensa repressão ao movimento de 1824, mantinham o espírito de luta. Esta
insatisfação se expressa em dois levantes, rapidamente sufocados, de caráter antilusitano
e liberal: a Setembrizada e a Novembrada, ambas em 1831. Em setembro de 1832, os
''restauradores" desencadeiam um movimento, chamado de Abrilada, para trazer de volta o
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imperador. Derrotados em Recife, conseguem mobilizar camponeses do vale do Jacuípe
numa guerra messiânica: a Guerra dos Cabanos (nada a ver com a Cabanagem do Pará)
que se prolonga por três anos.
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Cabanagem
No Pará, de 1835 a 1840, a massa pobre da população, índios destribalizados, negros
escravos, ou livres caboclos, assume a direção de um processo que se iniciou na disputa
entre as elites locais (proprietários e comerciantes) pelo controle do governo da Província.
Os "cabanos" (por morarem em cabanas às margens dos rios) formam o primeiro governo
popular e revolucionário da História do Brasil. Impossibilitados de permanecerem em Belém
(a capital), durante anos vão sofrer o massacre das tropas imperiais. Em alguns distritos, o
ódio aos exploradores leva-os a não deixarem vivo sequer um branco (identificados como
proprietários ou comerciantes). O caráter popular da luta transforma todo o povo em objeto
de repressão. Em cinco anos são mortas quase 40 mil pessoas numa população que não
chegava a l00 mil.
Farroupilha
Característica diversa teve a Farroupilha, uma revolta que durou dez anos (1835 - 1845) e
envolveu duas províncias: Rio Grande do Sul e Santa Catarina.
A política do governo central de não proteger o charque gaúcho (principal riqueza dos
estancieiros do sul desde o período da mineração) da concorrência do charque produzido
no estuário do Prata, aliada à falta de autonomia para a oligarquia local nomear seus
próprios governadores, provoca o rompimento da província do Rio Grande do Sul com o
Império. A rebelião nunca saiu das mãos da classe dominante, a despeito da participação
dos seus escravos, peões e agregados. Tratava-se de um conflito entre iguais. As
condições da ''pacificação'' refletiram este fato. Foi a mais bem sucedida das revoltas. O
comandante das tropas imperiais, o Barão de Caxias, usou a tática de associar a repressão
à anistia para dividir os revoltosos. A invasão das fronteiras pelas tropas uruguaias facilitou
o acordo. Os farroupilhas foram anistiados, seus líderes, integrados no exército imperial
com a mesma patente, e os escravos que participaram da revolta foram libertos (única vez
que isto aconteceu).
A Revolta dos Malês
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Em 1835 uma revolta de escravos e libertos ameaça a propriedade escravista em
Salvador. Liderados pela etnia dos Haussás (ou malês) e pelos nagôs, eles formavam uma
sociedade secreta de cerca de 1500 revoltosos com o projeto de voltarem à África. Sua
organização não contava com brancos ou mulatos (considerados traidores pela sua
integração na sociedade escravista). Marcada para o dia 25 de janeiro, foi denunciada na
tarde do dia 24. Os revoltosos conseguiram resistir e as escaramuças se generalizaram por
todo o Recôncavo baiano. Cerca de 300 revoltosos morreram nos combates. O levante,
chamado de Revolta dos Malês, foi a mais ampla de uma série de revoltas de escravos que
vinha ocorrendo em Salvador desde 1807 (também em 1814 e 1826). Foram talvez as
únicas insurreições urbanas de escravos na América.
Sabinada
Liderada pelo jornalista Francisco Sabino, em1837, a Sabinada envolve uma camada
média radicalizada, sem maior ligação popular e ainda assustada com a Revolta dos
Malês. Seu projeto de uma República Baiense até a maioridade de D. Pedro, é logo
sufocado por tropas do Rio e milícias da aristocracia rural baiana.
Balaiada
Entre 1839 e 1841, época da Balaiada (dos balaios que um de seus participantes fabricava
e vendia), o Maranhão tinha quase 200 mil habitantes, metade dos quais eram escravos. A
maior parte dos homens livres era ligada à pequena lavoura ou à pecuária. A rebeldia
destes grupos já se expressara na época da Independência e tal como na Cabanagem, um
conflito entre a classe dominante local lhes possibilita tomar a dianteira do movimento que
se alastra pelo Ceará e Piauí. O antilusitanismo, antiabsolutismo e um sentimento de
justiça os levarão a se oporem aos exploradores, grandes proprietários e comerciantes.
A falta de um projeto mais claro, entretanto, mantém divididos os homens livres e os
escravos rebelados (o preto Cosme que se levantara à frente de 3 mil escravos rebelados
é um dos últimos a ser capturado), facilitando sua derrota.
O Segundo Império
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Com o Segundo Império inicia-se uma acomodação entre as classes dominantes expressa
pelo revezamento nos ministérios do Partido Conservador e Partido Liberal, que
representam fundamentalmente os interesses dos homens de negócio ligados ao comércio
exterior ou dos fazendeiros do café e açúcar. Os setores ''radicais'' e populares, quase
todos antigos combatentes da Independência, padres, militares, intelectuais, jornalistas,
anônimos homens do povo, foram mortos, estão na prisão ou isolados politicamente.
As classes populares, estarão presentes na história mas sua participação (à exceção de
1848) só voltará a ser mais intensa no final do século com a Campanha da Abolição.
O Café
A partir de 1830 o café assume a ponta das exportações brasileiras, com uma participação
de 43,8% no valor total, seguido pelo açúcar, com 24% e pelo algodão, com 10,8%.
Beneficiando-se do avanço da industrialização na Europa e EUA, que cria grandes centros
urbanos consumidores do produto, a lavoura de café vai se expandir pelo Vale do Paraíba
e, a partir de 1840, avança pelo sul de Minas, Espírito Santo e para o oeste de São Paulo.
O problema da mão-de-obra
Com a proibição, em 1850, do tráfico de escravos, imposto pelos ingleses, as oligarquias
de São Paulo, Rio e Minas vão recorrer ao tráfico interno. As regiões decadentes do
Nordeste e de antiga mineração vão exportar seus escravos para a área cafeeira, que em
1872 concentra 66% dos escravos brasileiros.
Para complementar o trabalho escravo, tenta-se usar o trabalho do imigrante europeu. Mas
o trabalho do homem livre ao lado do trabalho do escravo mostrar-se-á inviável. Das 29
colônias registradas em São Paulo em 1860, restam apenas 13 em 1870. A resistência
destes colonos (através de fugas, não pagamento de dívidas e greves) devia-se às
péssimas condições de trabalho (precárias condições de moradia, taxas e multas ausentes
dos contratos, altos preços das mercadorias que eram obrigados a comprar no barracão da
fazenda etc). Na Europa, a denúncia desses maus tratos faz com que Suíça, Prússia e
ltália proibam temporariamente a imigração para o Brasil.
Quanto à população livre e pobre, já ampla maioria, não estava disposta a vender sua
força de trabalho. lsso porque as condições não eram atrativas, e porque era possível viver
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de maneira autônoma sem ter de se submeter, ao lado do negro, a um trabalho braçal
(considerado "coisa de negro").
Congressos de proprietários (em 1878 se realizaram um em São Paulo e outro no
Nordeste) chegaram a recomendar uma "boa lei de locação de serviços" que obrigasse o
trabalhador nacional "indolente" e "perdido por essas matas" ou aos "vadios" das cidades a
trabalharem nas plantações. Em fins de 1878 foi aprovada uma lei em que são
disciplinados os contratos com trabalhadores nacionais, libertos e estrangeiros. 0 contrato
teria vigência mínima de 6 anos para os nacionais e de 5 para os estrangeiros. É a primeira
lei que acolhe disposições antigrevistas.
Feita sobretudo para o trabalhador nacional, esta lei entretanto não chegou a ser aplicada.
É que devido ao afluxo crescente de trabalhadores imigrantes, ela tornou-se não só
desnecessária como prejudicial. 0 sistema de colonato mostrou-se bem mais adequado
para este tipo de trabalhador. A importação de trabalhadores chineses também foi
cogitada. Reconhecia-se que a abolição do trabalho escravo era inevitável. 0 problema era
a indenização exigida pela perda da ''propriedade''.
A política adotada era de uma abolição "lenta, gradual e permanente'', da qual faziam parte
a Lei do Ventre Livre (1871) e a Lei dos Sexagenários (1885). A Lei de Terras, de 1850,
também está ligada aos interesses da oligarquia cafeeira. Ao proibir a aquisição de terras
públicas através de qualquer outro meio que não a compra, pretendia impedir o acesso dos
trabalhadores livres pobres à terra. Com a venda de terras públicas, o Estado buscava
arrecadar fundos para financiar a imigração.
A Abolição do tráfico e o crescimento econômico
A proibição do tráfico, que em 1850 ainda representava um terço do valor das importações,
libera um imenso capital, que vai ser investido na expansão da produção cafeeira e na
fundação de dezenas de empresas, geralmente ligadas ao escoamento da produção
cafeeira.
De 1856 a 1861 é construída uma rodovia entre Juiz de Fora e Petrópolis, cidade que era
ligada por ferrovia ao porto do Rio de Janeiro. A Estrada de Ferro D. Pedro II é inaugurada
em 1875, partindo do Rio de Janeiro e se bifurcando na serra para Minas e São Paulo. Em
São Paulo, a primeira ferrovia é inaugurada em 1867. É a Santos-Jundiaí, que mais tarde
se estende até Campinas. Em 1870 nasce a Companhia Mogiana. Estas iniciativas, assim
como a iluminação a gás do Rio de Janeiro (1851), as Companhias de Navegação e de
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transportes urbanos associavam capitais ingleses (detentores da tecnologia e exportadores
de equipamentos) a capitais de fazendeiros de café.
Ao ligar as diversas regiões, encurtar as distâncias, dinamizar a circulação de riquezas e
acelerar o processo de urbanização, o sistema de transportes criará condições para uma
futura industrialização. O crescimento econômico é estimulado pela Guerra do Paraguai
(1865 - 1870), que amplia o mercado consumidor, aumenta o dinheiro em circulação e
força o aumento das taxas alfandegárias, estimulando em consequência a produção
nacional de manufaturados.
Este esboço de industrialização (algumas indústrias têxteis e a Fundição da Ponta da
Areia, de propriedade de Irineu Evangelista de Souza, futuro Visconde de Mauá) é
dificultado pela propriedade escravocrata. A escravidão impedia o desenvolvimento de um
mercado interno capaz de absorver uma produção industrial em larga escala. A escassez
de mão-de-obra força a utilização de escravos na indústria, aumentando os custos da
produção e dificultando a concorrência com as mercadorias estrangeiras (Mauá, embora
abolicionista, várias vezes utilizou mão-de-obra escrava, por exemplo na construção do
canal do Mangue, no Rio, onde oitenta escravos trabalhavam ao lado de 320 operários
livres).
A crise do escravismo
A partir da década de 1870 a abolição, planejada para ser lenta e gradual, se precipita com
a fuga organizada de escravos. O movimento abolicionista já conquistara a opinião pública
das cidades. Simultaneamente à luta parlamentar, atuavam na clandestinidade
organizações (como a dos Caifazes em São Paulo) que sabotavam a produção
promovendo a fuga de escravos para quilombos ou para grandes cidades onde dificilmente
seriam localizados. Sendo insuficiente a repressão policial e diante da recusa do Exército
intervir (abolicionista e republicano, além de ter incorporado na Guerra do Paraguai grande
número de escravos, libertos na condição de "voluntários da pátria''), não restava ao
Império senão reconhecer uma situação de fato, de que "estava abolida a escravidão no
Brasil" (13 de maio de 1888).
Perdendo a base escravista que o sustenta o Império cai através do golpe militar de 15 de
novembro de 1889 (mais uma "transição pelo alto''). Está aberto o espaço para o domínio
das oligarquias do café de São Paulo e Minas.
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Agora livre, mas sem terras para produzir, o escravo deve escolher entre continuar sendo
explorado como morador de engenhos e fazendas ou disputar os empregos urbanos com
os imigrantes, que chegavam em massa a partir de 1888. Nas regiões de baixa densidade
demográfica (como Maranhão, Piauí e oeste da Bahia), graças à possibilidade da
ocupação das terras, a Abolição despovoou engenhos e fazendas. Os ex-escravos
estabeleceram-se nas matas vivendo de uma economia de subsistência e contribuindo
para a formação do campesinato.
A entrada em massa de imigrantes (financiada pelo Estado), na condição de colonos,
garantia aos fazendeiros uma mão-de-obra abundante e barata. Esta mão-de-obra será
suficiente para formar um vasto proletariado urbano, necessário para o processo de
industrialização. Em 1881, havia pouco mais de duzentos estabelecimentos industriais
reunindo aproximadamente 3 mil trabalhadores. Oito anos depois, o país já contava com
639 estabelecimentos industriais que ocupavam cerca de 54 mil operários.
Os colonos constituíam um semi-proletariado rural, que recebia uma certa importância em
dinheiro pelo trato dos cafezais e podia cultivar alguns produtos de subsistência garantia
aos fazendeiros uma mão-de-obra abundante e barata.
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CAPÍTULO II - A REPÚBLICA VELHA (1889-1930)
A Proclamação da República
As mudanças sócio-econômicas ocorridas no Brasil a partir da segunda metade do século
XIX, especialmente a Abolição em 1888, tornam o Império anacrônico. A República surge,
então, como um ajuste das instituições político-administrativas às mudanças sociais e
econômicas, entre as quais se destacam: aumento da população; crescimento urbano;
declínio da agricultura tradicional escravista do Nordeste e Vale do Paraíba; fortalecimento
econômico dos fazendeiros de café do oeste paulista; crescimento, ainda que incipiente, do
mercado interno; ampliação do sistema de transporte (principalmente as ferrovias); e a
Abolição, que permite o incremento do trabalho livre e da imigração.
Durante a década de 1880, as idéias republicanas ganham ressonância em setores
expressivos da população. Em São Paulo, os fazendeiros de café constituíam o setor mais
expressivo do movimento republicano. No Rio e em outras províncias, as camadas urbanas
cumpriam esse papel.
Os fazendeiros de café viam no programa republicano (que prometia maior autonomia às
províncias) a possibilidade concreta de assumir o controle político do país. As camadas
médias e pobres urbanas idealizavam a República como um regime capaz de resolver as
contradições que as afligiam.
O descontentamento e o desprestígio do lmpério se ampliam na década de 80. As
manifestações, os comícios abolicionistas e republicanos são comuns. Em 1880, a
''Revolta do Vintém'', manifestação popular violenta contra o aumento dos impostos e das
tarifas dos bondes, revela o grande descontentamento da população do Rio de Janeiro. A
imprensa antimonárquica cresce, com jornais como "O Paíz'', "A República", e revistas
como "Revista Ilustrada'' e ''Zigue-Zague''. Desprestigiado, o Império tinha os dias
contados.
O Exército teve um papel fundamental na queda da monarquia. Com o fim da Guerra do
Paraguai, em 1870, o Exército, embora vitorioso, aumenta suas contradições com o
regime, que remunera mal os militares e os coloca em segundo plano nas questões
nacionais. Desprezados pelo lmpério, os militares, principalmente a jovem oficialidade,
influenciados pelas idéias positivistas, sentem-se no dever de "salvar a pátria". Propondo-
se a resolver os problemas nacionais, eles pretendiam sanear o país de políticos ''corruptos
e sem patriotismo'', ironicamente chamados de "casacas".
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Após a Abolição, acentuam-se as contradições entre as classes sociais e o Império.
Os fazendeiros escravistas do Nordeste e do Vale do Paraíba, última base de sustentação
do Império, desagregam-se. As articulações entre os republicanos e os militares
intensificam-se no segundo semestre de 1889. No dia 15 de Novembro, o movimento
militar liderado pelo marechal Deodoro da Fonseca derruba o imperador e proclama a
República no Brasil.
Os Governos Militares
Os governos iniciais do período republicano, chefiados pelos marechais Deodoro da
Fonseca e Floriano Peixoto, são govemos de transição, nos quais as forças sociais que
derrubaram a monarquia disputam o controle do aparelho do Estado, ou seja, do governo e
de suas instituições político-administrativas.
O govemo do marechal Deodoro caracteriza-se, portanto, pela disputa entre a oligarquia
paulista cafeeira e uma facção militar associada à antiga burocracia imperial, que adere à
República. A essa disputa soma-se uma crise econômica provocada pelo “Encilhamento''
nos primeiros meses do novo regime.
Colocado em prática por Rui Barbosa, ministro da Fazenda de Deodoro, o “Encilhamento”
foi uma reforma financeira que permitiu grandes emissões de moeda. O aumento dos
meios de pagamento daí decorrente serviu para remunerar os novos assalariados surgidos
com a abolição da escravidão e liberou recursos para um incipiente desenvolvimento
industrial. O "Encilhamento" acabou gerando uma grave crise econômica, já que provocou
alta da inflação e desordenada especulação financeira. Surgiram inúmeras empresas
“fantasmas" e multiplicaram-se as falências e concordatas.
No entanto, é na Assembléia Nacional Constituinte, convocada em 1890, que se ampliam
os enfrentamentos entre os apoiadores de Deodoro e a oligarquia do café, que consegue
aprovar uma série de medidas - especialmente o federalismo - que criava as condições
legais necessárias para sua hegemonia política.
Promulgada em fevereiro de 1891, a Constituição previa que o primeiro presidente seria
eleito indiretamente. Graças às fortes pressões militares e ameaças concretas de golpe,
Deodoro é eleito presidente. No entanto, a oposição sistemática da oligarquia cafeeira
acaba minando as bases de apoio do marechal presidente. Perdendo parte da sustentação
militar para o vice Floriano Peixoto, Deodoro acaba renunciando em novembro de 1891.
document.doc - 34 -
Ao assumir, Floriano enfrentou várias crises políticas. À frente de um governo centralizado
e autoritário, Floriano consolida a República, ganhando o apoio de diversos setores
urbanos e propiciando a ascensão da oligarquia cafeeira ao poder.
Além de contar com o apoio tático das oligarquias cafeeiras, Floriano teve como base as
camadas médias urbanas e expressivos setores militares. Esse setor radicalizado,
chamado de ''jacobino'', em analogia aos jacobinos da Revolução Francesa, pretendia a
instalação de um governo "ditatorial" de nítido caráter pequeno-burguês. Graças a medidas
de cunho popular, como a redução dos aluguéis, a intervenção no mercado de carne para
baixar os preços, Floriano reforça o esquema de sustentação do regime e o consolida.
No entanto, ele ainda encontra forte oposição, tanto no setor militar como em setores
monarquistas restauradores. A Revolução Federalista (1892 - 1895) no Rio Grande do Sul
e a Revolta da Armada no Rio de Janeiro (1893) são combatidas por Floriano, que enfrenta
assim uma grave crise governamental.
Todas essas crises e revoltas obrigam Floriano Peixoto a aproximar-se das oligarquias,
impedindo assim que os setores militares e os jacobinos façam o seu sucessor. A
oligarquia paulista, bem organizada, acaba impondo Prudente de Moraes como candidato,
contra a vontade de Floriano. No dia 1º de março de 1894, Prudente de Moraes é eleito,
por voto direto, presidente do Brasil, consolidando a hegemonia política da oligarquia
cafeeira.
O Domínio das Oligarquias
Derrotando os setores pequeno-burgueses radicalizados (os ''Jacobinos''), a oligarquia
cafeeira inicia no govemo de Prudente de Moraes e consolida no governo seguinte,
chefiado por Campos Salles, a montagem de um aparato político que lhe assegura a
hegemonia política no Brasil até 1930.
Baseadas no federalismo, consagrado na Constituição de 1891 e que permitia aos Estados
arrecadar os impostos de exportação e solicitar empréstimos extemos, as oligarquias
estaduais garantiam sua independência financeira perante o govemo federal. A "Política
dos Govemadores" iniciada com Campos Salles assegurava essa autonomia dos Estados.
Em troca do irrestrito apoio político das diversas oligarquias, o poder central comprometia-
se a não interferir nos problemas e questões locais.
As eleições eram outro ponto importante no esquema de dominação. O sistema eleitoral da
Constituição de 1891, que dava direito de voto apenas para os homens maiores de 21
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anos e alfabetizados, limitava o colégio eleitoral a cerca de 6% da população. Além disso,
a política do ''café-com-leite'', permitia o predomínio de São Paulo e Minas, os Estados
mais ricos, revezando na Presidência da República representantes das oligarquias paulista
e mineira.
O federalismo impunha a existência de partidos regionais, que representavam os
interesses dominantes locais. O PRP (Partido Republicano Paulista) e o PRM (Partido
Republicano Mineiro) foram os mais importantes durante a República Velha. Localmente, a
hegemonia oligárquica era conseguida através do "coronelismo", pelo qual grandes
fazendeiros exerciam o domínio sobre a massa da população valendo-se de relações de
caráter pessoal: clientelismo político, compadrio e troca de favores. Assim o ''coronel''
(grande fazendeiro) garantia o controle político de seu ''curral eleitoral", ou seja, dos votos
da população de sua região. Quando necessário, o controle era exercido através da
violência e da fraude eleitoral. Nas cidades, o domínio dos “coronéis" era bem menor,
constituindo-se os centros urbanos nos maiores focos de oposição às oligarquias.
A política econômica dos governos oligárquicos integrava o Brasil na divisão internacional
do trabalho: um modelo agro-exportador, baseado na monocultura do café e na total
dependência do capitalismo internacional (principalmente da Inglaterra, em menor escala
da Alemanha, e de forma crescente dos EUA).
O café, sobretudo após as crises de superprodução do início do século XX, passa a contar
com uma política de valorização permanente. O Convênio de Taubaté (1906) comprometia
os governos dos principais Estados produtores (São Paulo, Minas e Rio), apoiados por
bancos ingleses e norte-americanos, a comprarem todo o excedente do café não
exportado. Foram tomadas medidas de restrição das área plantada para evitar a
superpodução, que faria cair o preço do café nos mercados internacionais. Estas
providências na verdade beneficiavam apenas as oligarquias cafeeiras, representando uma
''socializaão das perdas'' para os outros setores da sociedade brasileira.
Apesar do predomínio do café, outros produtos primários e extrativos também tiveram ou
continuaram a ter importância durante a República Velha. Na Amazônia, a extração de
borracha atraiu milhares de migrantes nordestinos e chegou a representar 25% das
exportações totais do país. No nordeste, o açúcar, embora decadente, ainda tinha
importância. O cacau, no sul da Bahia; a pecuária, no sertão do Nordeste e no Rio Grande
do Sul; e o mate, no Paraná e Mato Grosso, são outros produtos significativos. Além disso,
é importante notar a existência de uma agricultura de subsistência que absorvia grande
parte da população em todo país.
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O Processo de Industrialização
A expansão das relações capitalistas de produção nas últimas décadas do século XIX
favorece o desenvolvimento de um processo lento, porém contínuo, de industrialização no
Brasil.
A Abolição e o incremento da imigração possibilitam a ampliação das relações salariais e o
consequente crescimento do mercado interno. Esses fatores, associados à urbanização,
ao desenvolvimento dos transportes e às emissões monetárias geradas pelo
“Encilhamento'', geraram condições favoráveis ao desenvolvimento industrial. No entanto,
foi o dinamismo da economia cafeeira que criou os capitais necessários para a
industrialição. O capital industrial originou-se do capital agrícola.
A transferência para a indústria do capital gerado pelo café não se dava diretamente, mas,
principalmente, por meio do sistema bancário e comercial. Os bancos e as casas de
exportação de café, pertencentes às oligarquias agrárias ou ao capital estrangeiro
associado à monocultura cafeeira, preferiam reaplicar os excedentes gerados pela
cafeicultura na expansão da própria cafeicultura. Mas, devido às crises de superprodução e
à proibição das expansão dos cafezais, os excedentes líquidos são desviados pelos
bancos e casas comerciais para o financiamento das indústrias.
Vale ressaltar a presença do capital estrangeiro (preponderantemente o inglês, e em menor
escala, porém em ascensão, o norte-americano) nos setores básicos da economia.
Associados às oligarquias cafeeiras, os capitalistas estrangeiros controlavam, entre outros
setores, os transportes (estradas de ferro e portos), as firmas de exportação e importação e
de energia elétrica (como a Light paulista e carioca).
A indústria leve de bens de consumo não duráveis, particularmente têxteis e alimentos,
puxa o crescimento industrial. Em 1907, a indústria têxtil e de alimentos representam
43,7% do produto industrial nacional; em 1920, esta taxa sobe para 50,1% (Gorender,
Jacob - "A burguesia brasileira", Ed. Brasiliense, São Paulo, p. 29). A indústria de bens de
capital quase inexiste: em 1920 apenas 4,7% das indústrias são metalúrgicas e mecânicas
(Mendes Jr., A. e Maranhão, R. - "Brasil História'', vol. 3, Brasiliense, São Paulo, p.212). A
indústria brasileira era totalmente dependente da tecnologia industrial externa.
O dinamismo da economia cafeeira e a presença de um mercado regional considerável
provocaram uma concentração industrial nas áreas metropolitanas de São Paulo e do Rio
de Janeiro. Em 1907, 30,3% do valor da produção industrial nacional estavam
concentrados na então Capital Federal; São Paulo possuía 15,9% da produção brasileira.
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Em 1920, São Paulo passa a ser o maior pólo industrial, com 33,1% da produção nacional.
O Rio vinha a seguir, com 22,4% (Gorender, Jacob, obra citada, pág. 35 e 36).
Durante a República Velha, a industrialição brasileira avança principalmente nos períodos
de crise econômica mundial. Na Primeira Guerra Mundial (1914 -1918) ocorreu o maior
surto industrial, graças ao declínio da importação de manufaturados dos países em guerra.
Em 1889, o Brasil tinha 626 estabelecimentos industriais; em 1907, já eram 3120. No
primeiro ano da guerra (1914), sobem para 7430; e, com o crescimento provocado pelo
conflito, elevam-se para 13336 estabelecimentos industriais em 1920 (Carone, Edgar "A
República Velha", S. Paulo, Difel, pág. 74).
A indústria brasileira na República Velha nasceu e se desenvolveu subordinada à
economia cafeeira voltada para a exportação. Assim, apesar de sua expansão, as
indústrias eram frágeis, devido à sua dependência interna e externa. Incapazes de
competir em qualidade e preço com os produtos importados, as indústrias dependiam de
uma política aduaneira e cambial protecionista, raramente adotada porque contrariava os
interesses das oligarquias cafeeiras associadas ao capital externo.
A burguesia industrial que surge desse processo não é antagônica ao latifúndio agro-
exportador dominante. Nasce, convive, cresce subordinada e complementa as atividades
agrícolas. Não há uma ruptura entre o setor industrial e o setor agrícola exportador.
Composto basicamente por imigrantes que já vieram do exterior com algum capital, por
cafeicultores e comerciantes, o empresariado industrial nascente identificou-se como uma
das "classes conservadoras''. O processo de industrialização e de formação da burguesia
industrial no Brasil não a colocava em confronto com as classes latifundiárias. Muitos
industriais, inclusive, adquiriram terras, tornando-se também latifundiários. A especulação
de terrenos urbanos também é um ramo lucrativo aproveitado pelo empresariado.
Em São Paulo, até 1928, quando é fundado o Centro de Indústrias do Estado de São
Paulo, os industriais filiavam-se à Associação Comercial. A convivência de industriais e
comerciantes nas mesmas associações comprovam uma certa identificação entre esses
setores durante a República Velha. Matarazzo, Klabin, Pereira Ignácio e Villares foram
empresários que acumularam, durante certo tempo, a função de industriais com a de
comerciantes importadores (Gorender, Jacob, obra citada, pág. 29).
As reivindicações dos industriais durante a República Velha centravam-se nas questões
alfandegárias e cambiais. Procurando defender-se da competição com os produtos
estrangeiros, a burguesia industrial solicita tarifas protecionistas e controle de câmbio. No
entanto, somente com a criação do Centro de Indústrias de São Paulo é que se
consolidará a organização do empresariado industrial.
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A Luta Operária
Com a industrialização, temos o surgimento e o desenvolvimento da classe operária no
Brasil. O crescimento industrial acelera a formação da classe operária. Em 1889 havia
54.169 operários; em 1907, eles são 136.250, passando a 293.673 em 1920. Esta rápida
progressão altera marginalmente a estrutura de classes, visto que o desenvolvimento
capitalista se mantém subordinado à produção agrícola para exportação. A classe operária,
apesar de combativa, é numericamente pouco expressiva. Em 1925, por exemplo, o
proletariado industrial representa 12% da mão-de-obra global, cabendo ao setor agrícola
68% da população economicamente ativa do país.
A maioria do nascente operariado industrial brasileiro é representada por imigrantes.
No Rio, espanhóis e portugueses; em São Paulo, italianos. Com a Abolição, a imigração
européia intensificou-se. O governo republicano estimula a vinda de europeus para a
lavoura do café. A urbanização e a industrialização, bem como as dificuldades encontradas
na lavoura, atraíram grande parte desses imigrantes para as cidades, onde acabaram
constituindo a maior parte do operariado.
Embora decresça com o passar do tempo, o número de operários estrangeiros é
significativo durante toda a República Velha. Em 1901, 90% dos operários industriais na
cidade de São Paulo são estrangeiros; essa taxa cai para 52% em 1920.
A partir de 1930, a imigração européia diminui sensivelmente. A crise econômica mundial
desencadeada em 1929, a conjuntura européia do período (ver apostila de HMOI) e as
limitações à imigração impostas pelo governo brasileiro, devido às crises de superprodução
do café, são fatores que explicam o declínio imigratório. O Estado de São Paulo, por
exemplo, já a partir de 1928 não subvencionava mais o transporte de imigrantes para o
Brasil.
As condições de vida e trabalho dos trabalhadores industriais eram muito difíceis. Os
salários eram muito baixos; a jornada de trabalho chegava a 14 horas diárias ou mais; as
condições de higiene e segurança nas fábricas praticamente inexistiam e o trabalho
feminino e infantil era utilizado indiscriminadamente, não regulamentado e superexplorado
(há notícias de crianças de 5 anos trabalhando nas fábricas).
As leis trabaIhistas não existiam, não havia descanso semanal nem férias remuneradas.
Tampouco seguros contra acidentes ou previdência social. Ao longo de sua história, a
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classe operária teve de lutar e conquistar esses direitos para impor limites à taxa de
exploração capitalista.
Simultaneamente ao seu surgimento, a classe operária começa a se organizar. Surgem as
corporações, caixas beneficentes, sociedades de socorro mútuo e, posteriormente, os
primeiros sindicatos. Os sindicatos eram totalmente organizados e administrados pelos
operários, sem qualquer vínculo com o Estado. As principais reivindicações dos sindicatos
nesse período estão ligadas à melhoria das condições de trabalho (redução das jornadas,
principalmente) .
Vindo da Europa, juntamente com os imigrantes, o anarco-sindicalismo constituía-se na
principal tendência política do operariado: anticlericais, contra qualquer tipo de ação
parlamentar ou partidária, os anarco-sindicalistas pregavam a dissolução do Estado. A
ação direta através das greves era a principal arma do anarco-sindicalismo, que via no
sindicato o agente fundamental para a organização da luta operária e o núcleo da futura
sociedade.
Com violência verbal e discurso marcadamente anticapitalista, os anarco-sindicalistas
organizaram, nas duas primeiras décadas do século, uma importante imprensa operária,
mantendo jornais como "A Terra Livre", "A Plebe'', entre outros. A vida cultural da classe
operária era fortemente estimulada pelos sindicatos anarquistas, que organizavam eventos
teatrais, musicais, recitais de poesia, piqueniques e bailes culturais.
O Congresso Operário Brasileiro, realizado no Rio em 1906, representou a vitória das teses
anarco-sindicalistas. Outras tendências políticas do período eram os socialistas (ligados à
2ª lnternacional) e tendências católicas (que defendiam uma comunhão entre patrões e
trabalhadores).
Em 1908, sob controle anarco-sindicalista, organizava-se a Confederação Operária
Brasileira (COB), que reunia cerca de 30 associações operárias. Sua publicação oficial era
o jornal "A Voz do Trabalhador". Em sua primeira fase a COB duraria somente até
dezembro de 1909.
O patronato reagia à organização dos trabalhadores. A repressão policial era. intensa (“a
qúestão social é uma qúestão de polícia”. alertava o oligarca Washington Luís). As greves
eram fortemente reprimidas. Elaboravam-se ''Listas negras” de operários. Em 1907 é
aprovada a Lei Adolfo Gordo, que garantia a expulsão do país de líderes operários
estrangeiros. Os líderes brasileiros eram confinados na Amazônia.
Além da repressão, o assistencialismo também era útilizado contra a mobilização operária.
Construíam-se vilas operárias. Organizavam-se atividades filantrópicas em favor dos
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operários. O patronato e o governo também esboçavam tentativas de cooptação dos
trabalhadores. Em 1912, o governo organiza um Congresso Trabalhista. Entretanto, os
setores combativos do operariado reagem. Em 1913, um novo Congresso Operário, com a
participação de mais de 100 delegados e representantes de associações, reorganiza a
COB.
Com a 1ª Guerra Mundial, a partir de 1914, as condições de vida dos trabalhadores se
deterioram. O cústo de vida aumenta rapidamente, os salários são achatados e há falta de
alimentos. A classe operária se agita. Entre 1917 e 1919 ocorrem diversas greves e
manifestações em todo o país. Em junho de 1917, em São Paulo, uma greve iniciada no
Cotonifício Crespi alastra-se pela cidade. Um Comitê de Defesa do Proletariado organiza e
dirige a greve. As principais reivindicações dos trabalhadores eram: jornada de trabalho de
8 horas; redução dos aluguéis; direito de organização: normalização do trabalho feminino e
infantil; e aumento de 35% para salários inferiores a 5 mil réis e de 25% para os demais. A
norte do grevista Antonio Martinez, em um confronto com a polícia, faz crescer a greve. O
enterro de Martinez transformou-se numa das maiores manifestações de protesto da
história da cidade. O número de trabalhadores em greve chegou ao espantoso (para a
época) número de 75 mil pessoas. Os patrões foram forçados a recuar e acabaram
negociando um acordo qúe previa aumento de 2O% dos salários, não punição dos
grevistas, regulamentação do trabalho feminino e intantil e redução da jornada de trabalho
para 8 horas diárias. Alguns meses depois, no entanto, o acordo seria desrespeitado pela
maior parte dos empresários.
Em algumas cidades, grandes greves também ocorreram em 1917. Em julho, 50 mil
trabalhadores pararam o Rio de Janeiro. Em Recife, também ocorre uma greve de grandes
proporções.
Apesar de não intluir diretamente nas greves e manifestações de 1917, a Revolução Russa
teve repercussão no Brasil, como de resto em todo o mundo. Em várias cidades, em que
pese a falta de informações e as confusões sobre o caráter da revolução, ocorreram
manifestações de apoio aos bolcheviques e à Revolução.
Em 1919, ocorrem greves importantes no Rio, São Paulo, Recife, Salvador e Porto Alegre.
Em novembro, no Rio de Janeiro, os anarco-sindicalistas tentam uma rebelião armada
proletária, que é facilmente descoberta e dominada pela polícia. O anarco-sindicalismo
nostrava-se incapaz de elaborar propostas globais. Encontrava dificuldades em analisar a
realidade do Brasil, país de operariado minoritário em relação à mão-de-obra rural. Muitas
vezes, reproduziam mecanicamente análises do novimento operário europeu.
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Esses fatores, além da forte repressão policial, fizeram o movimento operário refluir a partir
de 1920. Vários anarquistas, influenciados pela Revolução Soviética e pelos impasses do
movimento operário no Brasil, começam a fazer autocrítica e a questionar o anarco-
sindicalismo. Em março de 1922 é fundado o Partido Comunista do Brasil (PCB), que tem
entre seus fundadores diversos ex-anarquistas, como Astrogildo Pereira, Joaquim Barbosa
e Hermogêneo Silva.
Em 1924 o PCB filia-se à 3ª Internacional, fundada em Moscou em 1919 (ver apostila
HMOI). Os comunistas consideravam-se à frente das concepções anarquistas, tidas como
sectárias e pequeno-burguesas, e achavam fundamental a unidade sindical para o êxito da
luta política. O marxismo, porém, era pouco estudado, sendo poucas, malfeitas e
deturpadas as traduções dos clássicos marxistas.
Durante a década de 20 e até meados da década de 30, os comunistas disputam com os
anarco-sindicalistas o comando do movimento operário no Brasil.
As Lutas Urbanas
O predomínio durante a República Velha da economia agro-exportadora e da população
rural (em 1920, 70% da população está no campo) não consegue barrar o processo de
urbanização, gerado pela própria economia cafeeira e pela industrialização. Tanto assim
que o Rio, que em 1890 tinha 522.651 habitantes, passou a abrigar 1.157.000 em 1920. E
São Paulo cresceu quase dez vezes em trinta anos: de uma população de 64.934 pessoas
em 1890, passou a 579.000 em 1920. (Basbaum, Leôncio - "História Sincera da República"
, Alfa-Ômega, São Paulo, 1976, 4ª. ed., 2º vol. - pag. 141).
A maior parte da população urbana era integrada por operários industriais, pequenos
funcionários públicos e do comércio, além de um setor pobre não diretamente vinculado à
produção. Composto por ex-escravos e por um grande contingente de marginalizados, este
setor vivia de ''biscates'', pequenos negócios e, muitas vezes, da criminalidade.
Esse quadro social era particularmente presente no Rio de Janeiro, capital e principal
cidade do país. O Rio, durante esse período, foi palco de várias revoltas e manifestações
populares. O altíssimo custo de vida, a falta de alimentos, as dificuldades de transporte e
moradia geram uma tensão constante. Protestos públicos, comícios populares, queima de
bondes e saques são comuns e mostram a insatisfação das camadas populares, apesar de
sua pouca organização. Durante a República Velha, as greves operárias, com
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reivindicações amplas contra o custo de vida, preço de aluguéis e transportes, contam com
um grande apoio das outras camadas populares urbanas.
No início do século, Pereira Passos, prefeito do Rio, inicia um processo de reforma urbana
e arquitetônica. As classes dominantes procuravam assim afastar do centro as camadas
populares, jogando-as para a periferia e os morros da cidade. A população reage, os
conflitos aumentam. Em 1904, a situação agrava-se com o lançamento de uma campanha
de saneamento público e vacinação. A campanha de vacinação obrigatória, comandada
pelo médico sanitarista Oswaldo Cruz, foi o estopim de uma série de manifestações
populares violentas que ficaram conhecidas como "Revolta da Vacina''.
Durante uma semana do mês de novembro de 1904, distúrbios, barricadas, "quebra-
quebras" e confronto com a polícia marcaram o cotidiano da população carioca. Mais do
que um protesto contra a vacinação obrigatória, a revolta dirigia-se contra a situação de
miséria e exploração a que estava submetida a maior parte da população. A intervenção
policial é violenta. Centenas de pessoas são feridas e mortas. A desorganização e
espontaneidade do movimento fazem com que grupos oposicionistas, principalmente os
''Jacobinos'' e os monarquistas, tentem capitalizar e comandar a revolta. O govemo, então,
intensifica a repressão, conseguindo dominar a situação após alguns dias.
Outro episódio que merece destaque é a "Revolta da Chibata''. Em 1910, os marinheiros
da esquadra brasileira rebelam-se contra os castigos corporais que lhes eram impostos
pela oficialidade desde os tempos do Império. Os marinheiros, geralmente recrutados à
força nas camadas populares, tomam os principais navios de guerra e ameaçam
bombardear o Rio de Janeiro, caso suas reivindicações contra os castigos não fossem
atendidas. Liderados por João Cândido (o "Almirante Negro''), os marinheiros surpreendem
os oficiais e as classes dominantes graças a sua organização e destreza no comando dos
navios.
Apoiados por grande parte da população carioca, os marinheiros são vitoriosos em um
primeiro momento. O governo cede e promete não punir aos revoltosos. Em seguida,
porém, decreta o estado de sítio, prende os marinheiros rebelados e os líderes
oposicionistas, pondo fim à revolta.
As Lutas no Campo
A penetração de relações capitalistas e a Proclamação da República não alteram a
estrutura fundiária. O latifúndio continuava dominante. No início do século, de 650 mil
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propriedades rurais existentes no Brasil, apenas 4% eram latifúndios de mais de 1.000
hectares; no entanto, estes latifúndios representavam 60% de todas as terras.
Os trabalhadores no campo representavam dois terços da população brasileira. Em sua
maior parte, eram colonos, meeiros e parceiros sem propriedades, vivendo miseravelmente
e sob a dominação dos grandes fazendeiros.
Por isso mesmo, a República Velha foi palco de inúmeras revoltas e manifestações contra
a ordem social vigente e os poderes constituídos. Muitas vezes de forma inconsciente, com
forte conotação religiosa e messiânica, essas revoltas contudo, expressavam uma real
contestação ao poder oligárquico e à estrutura fundiária baseada no latifúndio. Daí a
necessidade das classes dominantes de reprimi-las tão violentamente. Canudos (1893-97),
na Bahia, e Contestado (1912-16), em Santa Catarina, são os principais exempIos dessas
revoltas populares.
No Nordeste, à miséria e à fome dos trabalhadores rurais somavam-se a decadência
econômica da região e as secas, fatores que aumentavam as migrações para a Amazônia
e para o Sudeste do país, despovoando diversas regiões. Nesse cenário, começam a
surgir, em fins do século XIX, diversos ''beatos'' e ''messias'' que, arregimentando
seguidores entre a população miserável da região, percorriam o sertão, prometendo uma
vida melhor e a salvação divina. Antônio Conselheiro foi o mais conhecido e mais radical
desses ''beatos''.
Vagando durante vários anos pelo sertão nordestino, Antonio Conselheiro, aliás, Antônio
Mendes Maciel, seu verdadeiro nome, reuniu inúmeros seguidores. Apesar do caráter
místico de suas pregações, Conselheiro era um contestador da ordem. Abolicionista (após
a abolição em 1888, diversos ex-escravos seguem Conselheiro); influenciado pela leitura
da "Utopia", de Thomas Morus, que imagina uma sociedade igualitária, Conselheiro negava
as autoridades constituídas, chegando mesmo a mandar queimar editais de cobrança de
impostos contra a população.
Em 1893, funda no sertão baiano, na região conhecida como Canudos, a cidade de Belo
Monte. Ali cria uma sociedade onde a produção era dividida entre todos. Sertanejos
fugindo da opressão da oligarquia acorrem de todos os lugares para a "Cidade Santa".
Belo Monte chega a reunir uma população superior a 30 mil pessoas.
Canudos contestava na prática a dominação oligárquica, as autoridades constituídas, o
latifúndio e a Igreja. Não era suportado pelas classes dominantes, para quem Conselheiro
e seus seguidores não passavam de um bando de fanáticos perigosos que precisavam ser
destruídos. Contra eles são enviadas três expedições militares. Esta, porém, são uma a
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uma derrotadas pelos sertanejos de Conselheiro, que, utilizando a tática de guerrilhas,
mostravam-se muito eficientes e humilhavam o orgulhoso Exército.
A quarta expedição, reforçada com o armamento mais moderno das forças militares
brasileiras na época, derrota e dizima Canudos em 5 de outubro de 1897. 0 fim de
Canudos é relatado dramaticamente em "0s Sertões", magistral trabalho de Euclides da
Cunha para o jornal "0 Estado de São Paulo":
"Canudos não se rendeu. Exemplo único em toda a história, resistiu até o esgotamento
completo. Expugnado palmo a palmo, na precisão integral do termo, caiu no dia 5, ao
anoitecer, quando caíram seus últimos defensores, mortos. Eram quatro apenas, um velho,
dois homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam raivosamente cinco mil
soldados".
A região do Contestado, localizada ao sul do Paraná e ao norte de Santa Catarina, era
disputada pelos dois Estados, daí o seu nome. Palco de violências desde a Guerra dos
Farrapos e passando pela Revolução Federalista, a região do Contestado teve suas
contradições sociais acentuadas nos primeiros anos do século XX. A chegada de
empresas colonizadoras de terras e a construção, em 1908, da ferrovia que ligava União
da Vitória a Marcelino Ramos expulsa diversos camponeses de suas terras, gerando uma
situação tensa e explosiva.
Vários desses trabalhadores rurais começam a seguir o monge José Maria, que pregava a
construção de uma sociedade mais justa, com terras para todos e baseada nos valores
cristãos. Tais idéias entravam diretamente em choque com os interesses dos fazendeiros
da região, das companhias colonizadoras e da ferrovia. Durante anos, e mesmo após a
morte do monge em 1913, os trabalhadores rurais formaram "vilas santas" e foram
perseguidos e combatidos pelas tropas governamentais. As "vilas santas" chegam a reunir
50 mil pessoas.
Em 1915, o Exército e a polícia lançam uma ofensiva final contra os revoltosos. Utiliza-se
pela primeira vez no Brasil a aviação de guerra e bombardeios aéreos. No início de 1916 a
rebelião é liquidada, com milhares de camponeses mortos.
O Tenentismo
O crescimento das principais cidades, sobretudo após a 1ª Guerra Mundial, promoveu a
ampliação do número de pequenos comerciantes e pequenos industriais, da burocracia
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estatal, de intelectuais e profissionais liberais, os chamados setores médios urbanos, cujos
interesses e origens eram bastante heterogêneos.
A partir da década de 20, porém, a insatisfação contra o regime oligárquico acentua-se. A
não participação dos setores médios no aparelho governamental e a crise econômica a
partir de 1920 explicam essa insatisfação.
Intelectuais e artistas passam a contestar a arte dominante, moldada em padrões europeus
do século XIX, bem como o servilismo de parte da intelectualidade às oligarquias. O ponto
alto deste movimento foi a Semana de Arte Moderna, em 1922, em São Paulo.
Artistas plásticos (como Anita Malfatti, Tarsila do Amaral e Di Cavalcanti) ; escritores (como
Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Manuel Bandeira) e músicos (como Villa-Lobos),
entre outros, buscam novas manifestações culturais que na prática contestavam o Brasil
agrário e dominado pelas oligarquias.
Foi o tenentismo, porém, a forma mais radical de contestação ao poder oligárquico por
parte das camadas médias e setores do Exército durante a década de 20. Insatisfeitos, os
setores médios encontram no tenentismo pontos de contato e um canal para suas
reivindicações.
O programa político dos jovens oficiais do Exército e da Marinha, (''os Tenentes''), embora
vago e pouco coeso, era apoiado pelos setores médios. Suas principais reivindicações:
voto secreto, reformas administrativas, independência do Poder Judiciário, e mudanças no
sistema educacional. Moralistas, os "tenentes" acreditavam que a simples substituição dos
govemantes imorais e corruptos por homens íntegros e patriotas salvaria o país.
Opositores ferrenhos do govemo autoritário de Artur Bernardes, que governou entre 1922 e
1926, os "tenentes", promoveram inúmeras rebeliões nesse período: a revolta do Forte de
Copacabana (1922) no Rio; revoltas em São Paulo, Amazonas, Pará, Sergipe, Rio Grande
do Sul, e Mato Grosso em 1924, e, principalmente, a Coluna Prestes-Miguel Costa que
percorre cerca de 25 mil quilômetros entre abril de 1925 e fevereiro de 1927, lutando contra
o governo de Artur Bernardes.
O tenentismo pode ser explicado como a insatisfação dos setores médios (origem social da
maior parte dos "tenentes") aliada à marginalização do Exército do aparato governamental
oligárquico. As oligarquias estaduais preferiam modernizar e apoiar as Forças Públicas
Estaduais, criadas após a proclamação da República como aparelhos militares
suplementares. Assim, diversos setores do Exército, especialmente a jovem oficialidade,
sentiam-se excluídos (e efetivamente o eram) do poder. Tal sentimento, aliado à
insatisfação dos setores médios, originou o "Tenentismo".
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Marginalizados do poder e afetados pela crise, os tenentes, entretanto, descartavam
qualquer aliança com as classes populares, por considerá-las ignorantes e atrasadas.
Temiam, ainda, o risco de uma rebelião popular, incontrolável e de consequências
imprevisíveis. O caráter elitista e antipopular do tenentismo levou-o à derrota e à cooptação
de seus participantes por setores oligárquicos dissidentes.
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A Revolução de 1930
Na década de 20, o aparato de dominação política montado pelas oligarquias começa a
desagregar-se. Oligarquias de estados menores como a do Rio Grande do Sul, reclamam
maior participação no poder político. Surgem oposições oligárquicas até em estados
dominantes, como São Paulo, onde é fundado o Partido Democrático, rival do poderoso
PRP.
A crise de hegemonia acentua-se no final do governo do presidente Washington Luís,
representante da oligarquia paulista que governou entre 1926 e 1930. Washington Luís
preocupou-se com o equilíbrio do balanço de pagamentos e com o estabelecimento de
uma reforma financeira. Prevendo graves problemas para a economia brasileira com a
quebra da Bolsa de Nova York, que jogaria o mundo numa crise sem precedentes (ver
apostila de HMOI), Washington Luís e a oligarquia paulista indicam Júlio Prestes como
candidato.
A oligarquia mineira não aceita o rompimento da política do ''café-com-leite'', que a
indicação de Júlio Prestes formalizava. Articulando-se com a oligarquia gaúcha e
paraibana, os mineiros formam a Aliança Liberal, que lança o chefe de governo do Rio
Grande do Sul, Getúlio Vargas, à Presidência da República.
O programa político da Aliança Liberal contemplava reformas liberais, como a instituição do
voto secreto e o voto das mulheres; criação de uma justiça eleitoral; moralização da vida
pública; e algumas reformas sociais, como a regulamentação do trabalho, para atender às
pressões do movimento operário.
A Aliança Liberal consegue o apoio dos setores médios urbanos e de parte dos "tenentes'' .
Uma ala mais à esquerda do tenentismo, ligada a Luís Carlos Prestes, recusa-se a apoiar a
Aliança Liberal, segundo eles uma farsa oligárquica.
Nas eleições, realizadas em março de 1930, a máquina eleitoral da oligarquia paulista e
das oligarquias estaduais dominantes vence a Aliança Liberal. Júlio Prestes bate Getúlio
por 1.097 mil a744 mil votos.
Setores da Aliança Liberal, no entanto, recusam o resultado das eleições e repelem
qualquer tentativa de conciliação com os vencedores. Setores militares e oligárquicos
oposicionistas tramam contra o governo. O assassinato do candidato a vice-presidente da
Aliança Liberal, João Pessoa, serve de pretexto para desencadear o golpe. Tropas
militares movimentam-se no Rio Grande do Sul, no Nordeste e em Minas. No Rio de
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Janeiro, uma Junta Militar depõe Washington Luís, e, a 3 de novembro, passa o poder para
Getúlio Vargas. Era o fim da República Velha.
A oligarquia cafeeira havia sido politicamente derrotada e subia ao poder um bloco
bastante heterogêneo, formado por oligarquias dissidentes, "tenentes" e setores médios. A
chamada Revolução de 30 não passava de mais uma "transição pelo alto", com a exclusão
dos setores populares do processo político. Dessa vez, contudo, a classe operária, por seu
desenvolvimento e por sua expressão numérica, tinha de ser levada em conta pelo novo
bloco dominante. A "questão social" passaria a ser uma das principais preocupações do
novo governo.
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CAPÍTULO III - O PERÍODO V ARGAS (1930 / 1945)
A Reação da Oligarquia Paulista
Chegando ao poder, Getúlio Vargas instaura um Governo Provisório que duraria até a
elaboração de uma nova Constituição. A inexistência de partidos ou correntes ideológicas
fortes, bem como a heterogeneidade do bloco que chegou ao poder em 1930, levou
Vargas a se apoiar em dois grupos principais: as lideranças políticas tradicionais dos
principais Estados revoltosos (especialmente Minas Gerais e Rio Grande do Sul), e os
tenentes, que integram o primeiro Ministério do governo provisório.
As primeiras medidas de Getúlio Vargas agradam aos tenentes, já que implicavam uma
centralização maior do poder e fortalecimento do Estado, atingindo assim as oligarquias
regionais. O governo federal fecha o Congresso Nacional, os Legislativos estaduais e
nomeia interventores, em sua maioria tenentes, para o governo dos Estados.
Os tenentes procuram se organizar. Em maio de 1931, fundam o Clube 3 de outubro.
A maioria deles acha que Vargas não deve convocar eleições para a Assembléia
Constituinte, mas sim instalar um governo mais forte que promova uma série de reformas
políticas e econômicas. Além da moralização das eleições, os tenentes reivindicam maior
intervenção do Estado na economia; ação estatal para harmonizar as relações capital-
trabalho; representação por categorias profissionais (idéia corporativista inspirada no
fascismo italiano) e maior centralização política. Vargas é simpático à maior parte dessas
idéias, combatidas pelos setores oligárquicos.
É em São Paulo que o governo provisório encontra maior resistência. Vargas nomeia João
Alberto, um dos expoentes do tenentismo, como interventor. Ele logo entra em choque com
os setores oligárquicos locais. O Partido Democrático, que fizera parte da Aliança Liberal,
rompe com Getúlio e aproxima-se do Partido Republicano Paulista, formando a Frente
Única Paulista, de oposição ao governo provisório e favorável à nomeação de um
interventor "civil e paulista'' e à convocação urgente de uma Assembléia Nacional
Constituinte. Além disso, os oligarcas paulistas opunham-se à crescente centralização
política e à intervenção do Estado na economia. Com a formação da Frente Única,
esperam criar as condições para voltar ao poder político.
No início de 1932, Getúlio cede às pressões paulistas. Nomeia Pedro de Toledo, paulista e
civil, interventor em São Paulo e fixa a data de 3 de maio de 1933 para as eleições da
Assembléia Constituinte. No entanto, os fatos se precipitam. Em São Paulo, um protesto
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estudantil contra a presença de Oswaldo Aranha, ministro de Vargas, é duramente
reprimido. Quatro estudantes Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo morrem nos confrontos
com a polícia.
Estoura a revolta em São Paulo. Com as iniciais dos estudantes mortos (MMDC), forma-se
uma organização de resistência armada, que reúne as milícias estaduais civis. A revolta,
que ficou conhecida com o nome de Revolução Constitucionalista, começa em 9 de julho
de 1932. Liderados pelos generais Bertoldo Klinger, Isidoro Dias Lopes e pelo coronel
Euclides Figueiredo, os paulistas partem para a ofensiva, exigindo a deposição do governo
provisório e a imediata reconstitucionalização do país. Na realidade, a revolução
constitucionalista era uma tentativa, por via armada, da oligarquia paulista recuperar o
poder político perdido em 1930. Vargas, habilmente, consegue isolar política e militarmente
a revolta, que não obteve o apoio de nenhum estado importante. Três meses após seu
início o conflito termina com a derrota paulista e com saldo de 15 mil vítimas, entre mortos
e feridos.
Vitorioso e fortalecido, Getúlio procura pacificar São Paulo. Concede ao Estado vantagens
financeiras (principalmente em relação ao preço do café); nomeia Armando de Salles
Oliveira, membro do PD, como interventor, e confirma a data de 3 de maio para as eleições
constitucionais.
As eleições ocorrem na data marcada e representam uma vitória para os políticos
oligárquicos tradicionais. Apesar de a legislação eleitoral permitir o voto secreto, o voto
feminino e a representação por classe (40 representantes de sindicatos de patrões e
empregados participam da Constituinte), as máquinas estaduais prevalecem, formando
uma maioria ligada às oligarquias.
O tenentismo se enfraquece. Dispersos, boa parte dos tenentes adere aos políticos
tradicionais nos estados onde as oligarquias pregavam algum reformismo. Muitos tenentes
voltam ao corpo regular do Exército e passam a defender os princípios da ''hierarquia'' e do
''profissionalismo''.
A Constituição é promulgada em 15 de julho de 1934. Liberal e federalista, a nova carta, no
geral, representava uma vitória das oligarquias. Vargas, embora descontente com o texto,
é eleito presidente pela Constituinte, para um mandato de quatro anos.
A Aliança Nacional Libertadora
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Após a promulgação da Constituinte de 1934, o quadro político do país rapidamente se
radicaliza. Influenciado pela situação mundial de polarização ideológica, o Brasil vê surgir
fortes movimentos de direita e de esquerda. Vargas aproveita a radicalização ideológica e,
pragmático, apresenta-se como única alternativa contra os ''extremismos'', consolida e
reforça o seu poder, preparando terreno para a implantação de uma ditadura.
Desde a década de 1920 que as idéias fascistas, inspiradas principalmente no governo de
Mussolini na Itália, penetravam e eram difundidas no Brasil. No entanto, somente em 1932
é fundada a Ação Integralista Brasileira (AIB), diretamente influenciada pelos ideais
fascistas. Tendo como líder o escritor Plínio Salgado, a AIB lutará pela formação de um
"Estado Integral", ou seja, um Estado forte e autoritário, baseado em ideais nacionalistas e
anticomunistas. Seu lema, "Deus, Pátria e Família'', resume bem seus princípios
conservadores.
Aglutinando as parcelas mais reacionárias dos setores médios, a AIB organiza células
municipais por todo o país, constituindo-se assim, na primeira organização política de
caráter verdadeiramente nacional.
Em seu apogeu, em 1936, a AIB chegou a contar com 200 mil membros espalhados em
quatro mil células locais. À semelhança do nazifascismo, a AIB criou grupos páramilitares e
todo um ritual, que incluía saudações (Anauê!) e uniformes (camisas verdes).
Contra a AIB e a propagação das idéias fascistas, surge em março de 1935 a Aliança
Nacional Libertadora (ANL). Inspirada nas frentes populares antifascistas da Europa (ver
apostila de HMOI), a ANL reúne comunistas, socialistas, líderes sindicais, militares,
tenentes de esquerda e liberais fora do esquema de poder dominante. O presidente de
honra da ANL era Luís Carlos Prestes, ex-tenente que aderira ao comunismo e entrara no
PCB. O ingresso de Prestes no PCB ampliou o raio de ação do Partido, possibilitando a
formação de uma frente política como a ANL.
Com um programa democrático e reformista que incluía a suspensão do pagamento da
dívida externa, a nacionalização das empresas imperialistas, a reforma agrária e a
instauração de um governo verdadeiramente popular, a ANL conquistou maciça adesão
popular. Em seus dois primeiros meses reuniu, apenas no Distrito Federal, 50 mil membros
e formou em todo o país 1.600 núcleos, dos quais faziam parte setores do proletariado
urbano, dos meios intelectuais, estudantis e militares de esquerda.
O caráter antiintegralista, antiimperialista e de oposição da ANL provocou reações por
parte do governo Vargas e das classes dominantes. Em abril de 1935 é aprovada uma Lei
de Segurança Nacional. Em julho, utilizando como pretexto um violento discurso de Prestes
contra o governo, Getúlio dissolve a ANL por 6 meses.
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A ANL, capitaneada pelos comunistas, planeja então um movimento insurrecional contra o
governo Vargas. A 23 de novembro, em Natal, soldados, cabos, sargentos e alguns oficiais
do 21º batalhão de Caçadores do Exército, apoiados por operários e funcionários públicos,
deflagram um levante armado e assumem o poder durante quatro dias. No dia seguinte,
rebeliões militares em Recife e Olinda são rapidamente sufocadas. Finalmente, no dia 27
de novembro, a rebelião é desencadeada no Rio de Janeiro, sendo, porém, derrotada
pelas forças governistas. A falta de maior organização e preparação, a presença de
elementos infiltrados e a avaliação equivocada do apoio popular foram fatais para os
revoltosos.
O fracasso da insurreição da ANL permitiu ao governo desencadear intensa repressão às
forças populares. É decretado o estado de sítio, milhares de militantes e simpatizantes da
ANL são presos, inclusive Luís Carlos Prestes e sua mulher, Olga Benário (posteriormente
deportada para a Alemanha nazista, onde foi assassinada em um campo de
concentração). No meio trabalhista, a repressão é utilizada para liquidar o restante de au
tonomia sindical ainda existente.
Os meses subsequentes à insurreição marcam o apogeu do integralismo. O anticomunismo
é propagandeado pelo governo de forma intensa. Em janeiro de 1936 é criada a Comissão
Nacional de Repressão ao Comunismo centralizando ainda mais o poder e reforçando o
aparato policial, Vargas preparava o terreno para um regime ditatorial.
O Estado Novo (1937 - 1945)
Com o golpe de 10 de novembro de 1937, desfechado por Getúlio Vargas, com o apoio de
militares, de integralistas e com a conivência da maioria dos governadores, consolidam-se
no govemo os diversos grupos que haviam assumido o poder com a revolução de 1930, à
exceção do tenentismo. Seu objetivo era a defesa de um Estado forte e centralizado,
capaz de promover a modernização (industrialização) do país, sem tocar nos fundamentos
da estrutura agrária.
Vargas usou, como pretexto para desfechar o golpe, a existência de um plano denominado
"Plano Cohen'' (de fato elaborado pelos integralistas) cujo objetivo seria a tomada do poder
pelos comunistas.
A nova Constituição, elaborada por Francisco Campos, inspirava-se nas constituições da
Polônia, Alemanha, Itália e Portugal e concentrava todos os poderes no chefe de Estado,
cujo mandato fora ampliado para seis anos. Uma série de agências e organismos
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burocráticos estatais centralizavam o Poder Executivo, substituindo o papel anteriormente
desempenhado por outras instituições políticas. Eram estes os principais órgãos
burocráticos criados pela ditadura estadonovista:
a) Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP), tinha como objetivo preparar e
executar o orçamento do govemo dentro das linhas traçadas pelo chefe do Executivo. Na
prática, funcionava como um superministério que controlava toda a iniciativa do sistema
administrativo ;
b) Interventorias: interligação entre as oligarquias estaduais, os ministérios e a Presidência
da República. Eram nomeadas pelo presidente da República;
c) Institutos, autarquias e grupos técnicos: Órgãos criados pelo govemo para controlar
atividades econômicas, ligadas ao setor agrícola, industrial, serviços básicos de
infraestrutura etc. Por exemplo, o Instituto do Açúcar e do Álcool, Conselho Nacional do
Café, Conselho Nacional do Petróleo etc.
Deve-se mencionar o processo de consolidação nacional das Forças Armadas, que, ao
sobrepujarem os efetivos e o poder de fogo das milícias estaduais, passaram a ser
importante fator da centralização do poder.
A criação dessa complexa máquina burocrática, que fugiu ao controle dos órgãos da
sociedade civil, deu-se às custas da cooptação dos agrupamentos dos diversos setores da
elite. Até mesmo os chamados liberais-democratas viam na ditadura a alternativa ideal para
promover a modernização do país, sem que fosse necessário ampliar as bases sociais do
poder.
Diretrizes Econômicas do Estado Novo
O mesmo princípio intervencionista, que norteou a política do Estado Novo no plano
administrativo e social, foi adotado no plano econômico. Os princípios do liberalismo (livre
concorrência, iniciativa privada) eram considerados superados ou inadequados à realidade
brasileira, e, por conseguinte, a noção do "Estado Democrático", que limitava seu papel a
regulamentar as relações econômicas e a intervir apenas como mediador, foi substituída
pelo "Estado Forte". Intervencionista, ele se afirmava em tomo do nacionalismo, único
agente capaz de superar o caos econômico e social reinante na sociedade, ao chamar
para si a responsabilidade das iniciativas em todos os setores, especialmente o econômico
e o sindical.
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Getúlio Vargas adotou uma política que visava a assegurar ao Estado o controle dos
elementos fundamentais ao processo de industrialização: transportes, minérios, fontes de
energia etc. Além disso, o Estado interveio nos setores comercial e financeiro.
O exemplo mais concreto da atuação do Estado Novo na economia foi a instalação da
Companhia Siderúrgica Nacional, em Volta Redonda, para fornecer aço à indústria de
base, imprescindível ao processo de industrialização.
A Propaganda do Estado (DIP)
O governo preocupa-se em montar um esquema centralizado de propaganda. Em 1931, foi
criado o Departamento Oficial de Propaganda (DOP), reorganizado em 1934 como
Departamento Nacional de Propaganda e Difusão Cultural. Ainda, neste ano, instituiu-se no
rádio o programa Hora do Brasil (que, remodelado, existe até hoje com o nome de A Voz
do Brasil). Esses eram os primeiros indícios da política de Vargas no sentido de controlar
os meios de comunicação. Mas somente no Estado Novo é que se definiu esta política. Em
1939, o governo criou o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP).
O DIP era ligado diretamente à Presidência da República e exercia as funções de
centralizar, coordenar e orientar a propaganda nacional. Além disso, fazia a censura da
imprensa, teatro, cinema, das diversões públicas e atividades desportivas. Competia-lhe
ainda promover e patrocinar manifestações cívicas.
Movimento Operário (1930 -1945)
Após a Revolução de 1930, a questão social deixou de ser vista pela classe dominante
como um "caso de polícia". Ela recorre ao Estado, como árbitro entre o capital e o trabalho,
para evitar momentos de radicalização do movimento operário.
Durante o governo provisório, Getúlio Vargas criou o Ministério do Trabalho, Indústria e
Comércio (em 26.11.193O), inaugurando-se a partir de então a intervenção direta e
sistemática do Estado nas questões trabalhistas. Logo depois, segue-se a Lei de
Nacionalização do Trabalho, segundo a qual a empresa deveria contar com dois terços de
empregados brasileiros. Em 1931, o Decreto 19.700, conhecido como Lei de
Sindicalização, regulamenta a existência de sindicatos patronais e operários. Em 1932
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regulamenta-se o trabalho da mulher e do menor, assim como fixa-se o limite de oito horas
para a jornada de trabalho.
O Decreto 19.700 obrigava os Sindicatos a enviarem ao Ministério do Trabalho a ata das
reuniões, a relação dos sócios, a cópia dos estatutos, e um mínimo de 30 associados com
mais de 18 anos. A propaganda ideológica ou política era expresssamente proibida. Os
sindicatos deveriam preocupar-se apenas com a elaboração do contrato de trabalho,
serviços assistenciais e a manutenção das cooperativas. O decreto impunha ainda a
unicidade sindical e a formação de sindicatos por ramo de indústria e não por empresas.
Em 1934, o Decreto 24.694, ao adequar a legislação sindical aos dispositivos da
Constituição de 1934, estabeleceu a pluralidade sindical, embora as exigências para o
reconhecimento dos sindicatos fossem mantidas.
Através do Centro Industrial do Brasil (CIB) e da Federação das Indústrias do Estado de
São Paulo (Fiesp) o patronato opôs-se à maior parte da legislação aprovada, procurando
impedir sua aplicação. Um exemplo concreto é o da lei de férias. Os industriais
conseguiram retardar sua regulamentação por mais de três anos.
Os Sindicatos e o Estado Novo
O golpe de 1937 eliminou o que existia de democracia representativa no país. Os partidos
foram abolidos, o Congresso Nacional foi fechado e toda oposição ao governo foi
reprimida. A partir de 1937, o controle governamental sobre a organização sindical se
tornou mais severo. A nova Constituição, no artigo 139, proibe a greve. Somente os
sindicatos reconhecidos pelo Estado teriam o direito de representar legalmente os
assalariados. A instauração do dissídio coletivo dependia da prévia autorização do
Ministério do Trabalho. A unicidade sindical foi restabelecida, não sendo reconhecido mais
de um sindicato por profissão. Em 1940, criou-se o imposto sindical (regulamentado em
1943), que obrigava todo trabalhador a contribuir com um dia de trabalho em benefício do
sindicato mesmo que o trabalhador não fosse sindicalizado.
A consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que sintetizava toda a política trabalhista de
Vargas, passou a reger o funcionamento interno dos sindicatos e da relação entre o Estado
e as associações operárias. A greve foi proibida e o Ministério do Trabalho tinha
competência e o direito de intervir nos sindicatos.
A maioria dos trabalhos que tratam da história do movimento operário no período pós 30
até 1945 caracteriza a classe operária como submissa, cooptada pelas concessões do
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Estado. Isso se devia ao caráter autoritário do Estado, à repressão desencadeada contra
as associações operárias, à entrada maciça de trabalhadores de origem rural no setor
industrial e à própria heterogeneidade da classe operária.
Alguns estudos mais recentes, porém, discordam desta avaliação e procuram resgatar uma
série de lutas que se travam neste período no interior das fábricas, inclusive para
implementação da legislação trabalhista cuja aplicação era recusada pelos empresários.
Segundo estes autores, as manifestações da luta de classes não devem ser buscadas
somente nas atividades partidárias ou sindicais da classe operária (embora sejam canais
fundamentais para sua expressão). Em períodos de forte repressão - como foi o caso do
Estado Novo - a classe operária tende a procurar outros espaços ou outras formas de luta
para expressar sua resistência à exploração capitalista, como por exemplo a prática de
sabotagens da produção, a organização de comissões de fábricas e outras manifestações.
A Crise do Estado Novo
A partir de 1942, o Estado Novo começou a se deparar com o crescimento do movimento
de massa, que repudiava tanto o fascismo europeu como a ditadura estadonovista.
Intelectuais, militantes do Partido Comunista e alguns sindicalistas fundaram no início de
1943 a Sociedade dos Amigos da América, com o objetivo de combater os remanescentes
do movimento integralista e o autoritarismo de Vargas.
Diversas greves começam a pipocar em alguns lugares do país a partir de 1944
(metalúrgicos em Santo André, ferroviários no Rio Grande do Sul, mineiros em Santa
Catarina). Estas manifestações desafiavam as tentativas de cooptação e cerceamento da
atividade sindical (através da CLT em 1943) imposta pela ditadura de Vargas. Em 1945, a
mobilização operária se torna muito mais intensa, contando com a participação mais aberta
dos militantes comunistas.
Além dos operários, outros setores da sociedade se mobilizaram. Em março de 1945, no
Recife, foi realizado um comício pró-anistia. Dissolvido a bala, resultou na morte de
Demócrito de Souza Filho, presidente da União dos Estudantes de Pernambuco, e do
operário Manoel Elias.
Com os acontecimentos do Recife, a campanha pela Anistia ganhou mais força, tendo à
frente a União Nacional dos Estudantes (UNE), a Associação Brasileira de Imprensa (ABI)
e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Pressionado, Vargas concede em 18 de abril
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de 1945 anistia aos presos políticos, entre eles Luís Carlos Prestes. No mês seguinte, um
decreto convoca eleições presidenciais para 2 de dezembro.
Neste quadro de intensa oposição à ditadura, setores ligados a Getúlio organizam com o
apoio do PCB, o Movimento Queremista "queremos Getúlio'', cuja finalidade era adiar as
eleições presidenciais e instalar a Constituinte com Getúlio.
Uma semana após uma grande manifestação ''queremista'' realizada em outubro
(aniversário da Revolução de 1930) em frente ao Palácio Guanabara, Getúlio baixou um
decreto antecipando as eleições municipais e estaduais. A oposição teme uma ação
golpista do ditador. Ainda em outubro, o presidente demite João Alberto (chefe de polícia
do Distrito Federal) por ter proibido um comício "queremista", o que indispôs Vargas com a
maioria dos oficiais do Exército.
A 29 de outubro, o ministro da Guerra, general Góes Monteiro (um dos colaboradores de
Vargas no golpe de 1937), cerca o palácio e depõe o presidente.
Assumiu o governo o ministro do Supremo Tribunal Federal, José Linhares, afinado com a
política udenista, e que deveria passar o poder ao candidato vitorioso nas eleições
presidenciais de 2 de dezembro de 1945.
Os Novos Partidos
As duas principais forças políticas que disputaram as eleições foram a União Democrática
Nacional (UDN), fundada em 7 de abril de 1945, e o Partido Social Democrático (PSD),
fundado no dia seguinte.
A UDN tem suas origens na oposição antigetulista e antipopulista. Integravam-na altos
dirigentes financeiros, a oligarquia agrária, bacharéis e profissionais liberais, proprietários
de importantes jornais (como Diários Associados, O Globo, O Estado de S.Paulo, Correio
da Manhã). No seu início compunham também a UDN setores da esquerda democrática
(em 1946, a maioria se transferirá para o Partido Socialista Brasileiro).O PSD surge como
uma aglutinação de forças remanescentes do Estado Novo, que, sob a orientação de
Vargas, procura se adaptar às novas circunstâncias políticas advindas da
redemocratização. Agruparam-se em torno do PSD políticos e burocratas favorecidos pelo
governo Vargas, industriais e proprietários de terras (principalmente os ligados ao café).
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Dois outros partidos disputavam a preferência popular, principalmente os trabalhadores
que vinham em grande ascensão: o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e o Partido
Comunista Brasileiro (PCB).
O PTB, assim como o PSD, nasceu também sob a tutela dos antigos colaboradores de
Vargas. Mas se estruturou no âmbito do Ministério do Trabalho, que exercia grande
controle sobre os sindicatos. Do ponto de vista doutrinário, o PTB centrará sua imagem na
figura de Vargas, pregando a harmonia entre capital e trabalho, e atribuindo ao ex-ditador
as conquistas da classe operária (''mito da outorga"). Minimizava, assim, a luta dos
trabalhadores e tentava cooptá-los.
O PTB responde à necessidade do governo de ampliar suas bases junto a um eleitorado
urbano emergente que o PSD, pela sua própria composição e origem, era incapaz de
atrair. Ao mesmo tempo, o PTB tentava contrapor-se à crescente influência do PCB no
movimento operário.
O PCB, ao contrário, foi fundado em 1922, e sempre se caracterizou como adversário do
Estado Novo. Conseguiu uma rápida acolhida junto às massas populares, liderou
sindicatos de importantes categorias (como marítimos, ferroviários, metalúrgicos), e Luís
Carlos Prestes, seu principal líder, desfrutava do grande prestígio nacional, só comparável
ao de Getúlio Vargas.
A estratégia do PCB, sintonizada com a política da Internacional Comunista, preconizava
alianças entre o PCB e as forças progressistas (incluindo-se aí a burguesia), contra o nazi-
fascismo. Seguindo essa orientação, o PCB adota a política de "apertar os cintos" e
desaconselha greves. Segundo sua concepção, as reivindicações econômicas da classe
trabalhadora deveriam, nesse momento, ser colocadas em segundo plano, para não
ameaçar a consolidação da democracia no país.
A Expansão Industrial nos Anos 3O
A crise econômica mundial iniciada com a quebra da Bolsa de Valores de Nova York em
1929 (ver apostila de HMOl) afeta fortemente a economia brasileira. A agricultura para
exportação, base principal da dependente economia nacional, sofre duros revezes. Caem
assustadoramente os preços do café, do açúcar, do cacau, do algodão e de outros
produtos primários. Há uma queda acentuada das exportações, acarretando sensível
redução das reservas monetárias e provocando, também, o declínio das importações. A
importação média anual no quinquênio 1926 -1930 fora de 5.460 mil toneladas; no
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quinquênio seguinte cai para 3.830 mil toneladas (Prado Jr., Caio "História Econômica do
Brasil", Ed. Brasiliense, S. Paulo, 13ª ed., p.292).
O café, principal produto brasileiro, não encontra colocação no mercado internacional e
seus preços precisam ser mantidos artificialmente com subsídios do governo, que compra
milhões de sacas do produto. Grande parte desse café é queimado, para regularizar o
mercado e reduzir o custo da estocagem. Calcula-se que, durante a década de 30, foram
queimadas cerca de 80 milhões de sacas de café (Prado Jr., obra citada, p. 294). Apesar
disso, os preços de café continuaram baixos, gerando o aumento de falências e vendas de
terras, bem como o enfraquecimento político e econômico das oligarquias cafeeiras.
A política econômica de Vargas, no entanto, impediu que os efeitos do declínio do café se
espalhassem para o conjunto da economia. Em 1933, a economia brasileira já dava sinais
de recuperação, apoiada principalmente na produção agrícola e industrial voltada para o
mercado interno. A crise econômica e a consequente queda das importações causaram um
baque no consumo, o que estimulou a produção voltada para o mercado interno. Na
agricultura, a produção de açúcar e algodão volta-se para o mercado interno. Amplia-se a
produção e o consumo nacional de derivados de animais, cereais e frutas. Entre 1930 e
1939, a produção agrícola para o mercado interno aumentou a uma taxa anual média de
3,3%, enquanto que a taxa correspondente dos produtos primários de exportação foi de
2,2% (Gorender, Jacob "A burguesia brasileira'', Ed. Brasiliense. SP, 6ª ed., p. 05).
É o setor industrial, entretanto, que mais cresce nesse período. já em 1933, a produção
industrial recupera os níveis de 1929 e cresce 50% até 1937. Na década de 30, foram
criados 12.232 estabelecimentos industriais, contra 4.697 nos anos 20. 0 censo de 1940
registrou 49.418 estabelecimentos industriais, onde trabalhavam 781.185 operários (''Do
tear ao computador", ed. especial do jornal Retratos do Brasil, 19/11/1987 a 02/12/1987).
Com a transferência de capitais da agricultura exportadora para o setor industrial, há o
crescimento do setor de produção de bens intermediários. Amplia-se a produção de
cimento. Surgem fábricas de pneus e câmaras de ar. O setor de bens de produção também
cresce. A metalurgia, entre 1933 e 1939, cresce a taxas de 21% ao ano (Gorender, Jacob
Obra citada, p. 65).
A burguesia industrial passa a ter um peso fundamental na sociedade. Ideologicamente,
ela procura vincular industrialização com interesse nacional. O governo Vargas acaba
encampando essa bandeira e o Estado passa a intervir diretamente na economia. O
financiamento da industrialiação passa a ser feito pelo Estado através da Carteira de
Crédito Agrícola e Industrial do Banco do Brasil, criada em 1937. Mas é na criação de
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indústrias de base (ferro, aço, produtos químicos e petróleo) e de infra-estrutura econômica
(eletricidade, transportes), que o Estado terá uma política de intervenção direta.
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CAPÍTULO IV - DA CRISE DO POPULISMO AO GOLPE MILITAR (1945/1964)
O Governo Dutra (1946 - 1951)
O grande vitorioso nas eleições de dezembro de 1945 foi o general Eurico Gaspar Dutra,
apoiado pela coligação PSD/PTB, que obteve 55% dos votos, seguido pelo brigadeiro
Eduardo Gomes, apoiado pela UDN, com 35% dos votos. Em terceiro lugar ficou o
candidato do PCB, Yedo Fiúza, que alcançou 10% dos votos.
Dutra adota uma política de abrir o país para a implantação de bens manufaturados,
valendo-se das divisas acumuladas durante a guerra. O govemo esperava, com as
importações, conter o processo inflacionário em curso. Talvez por isso, não se adotaram
medidas efetivas para expandir a capacidade industrial interna. O resultado foi que, em
menos de dois anos, as reservas cambiais se exauriram. A partir da segunda metade de
1947, o governo é obrigado a controlar o câmbio e a restringir as importações a produtos
essenciais (combustíveis, equipamentos e maquinário). 0 governo também fornece crédito
à indústria como meio para estimular a industrialização.
Os Trabalhadores e a Redemocratização
O tratamento que o govemo Dutra dispensou aos trabalhadores foi extremamente re
pressivo, intervindo em mais de 400 sindicatos, prendendo e espancando trabalhadores
em greve e cassando o registro do PCB em maio de 1947. A Constituição de 1946, que,
embora reconhecesse o direito de greve, na prática mantém a legislação de Vargas que
proibia greves.
Além disso, os sindicatos são definidos como "órgãos colaboradores do Estado", devendo
sua constituição ser regulamentada por lei, assim como a sua “representação legal nas
convenções coletivas de trabalho e o exercício das funções delegadas pelo bem público''.
No tocante à questão da propriedade, fica evidente a despreocupação dos constituintes em
relação aos desequilíbrios sociais. A Constituição declara que "a afirmação da liberdade de
cada homem não pode por em jogo a maneira como a riqueza está distribuída na
sociedade".
Os limites da participação política ficam evidentes quando a Constituição exclui
analfabetos, soldados e cabos de participarem das eleições.
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O Governo Vargas (1951 - 1954)
Vargas retoma o poder graças a sua hábil articulação entre o PSD e o PTB. Através do
primeiro, manteve a lealdade dos tradicionais caciques políticos do interior; graças ao
segundo, consegue obter força eleitoral nas cidades. Um outro aliado fundamental para a
vitória de Vargas foi o Partido Social Progressista (PSP) de Adhemar de Barros, que
controlava a máquina eleitoral de São Paulo.
Getúlio sai como candidato oficial da coligação PTB/PSP, pois o PSD, por pressão de
Dutra, não apóia oficialmente Getúlio e lança Cristiano Machado como seu candidato.
Vargas, porém, contava com o firme apoio de dissidências do PSD.
A UDN lançou novamente o brigadeiro Eduardo Gomes como seu candidato à Presidência.
Vargas sai vitorioso no pleito de 3 de outubro de 1950, obtendo 49% dos votos.
Eduardo Gomes faz 30% e Cristiano Machado não passa de 21% dos votos.
Estratégias para o Desenvolvimento do País
Ao iniciar o govemo, Vargas se depara com uma série de problemas na economia.
Conjunturalmente, enfrenta um rápido crescimento da inflação. No Rio de Janeiro, por
exemplo, o custo de vida em 1950 subiu 11%, enquanto que o aumento em qualquer dos
anos anteriores registrava uma taxa máxima de 6%. Aumentou mais de 11% em 1951 e
pulou para 21% em 1952.
Outra grave questão a ser resolvida era o déficit no balanço de pagamentos, que acabava
por limitar a capacidade de importação do país, o que ocasionava, por sua vez, limites à
ampliação da indústria, que dependia da capacidade do país de importar equipamentos
básicos.
Além desses fatores, Vargas enfrentava vários entraves de ordem estrutural que exigiam
uma rápida solução, como a superação da precariedade da rede de transportes,
insuficiência de energia elétrica, falta de fontes internas de combustível, atraso na química
e de siderurgia.
Qual a melhor estratégia econômica para o país superar, num prazo curto, esses graves
problemas e promover o desenvolvimento econômico? Esta questão reanimou o governo
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Vargas. Os diversos setores da sociedade se dividiram em três alternativas principais: o
liberalismo ortodoxo, o desenvolvimentismo nacionalista e o nacionalismo radical.
A fórmula liberal ortodoxa supunha que o mecanismo de preços deveria ser respeita do
como principal regulador da economia. Os orçamentos governamentais deveriam ser
equilibrados e as emissões, severamente controladas. O capital estrangeiro precisava ser
bem recebido e estimulado, sendo indispensável para suprir a deficiência de capitais. Do
mesmo modo, deveriam ser reduzidas ao mínimo as limitações impostas ao movimento
internacional do capital, do dinheiro e dos bens. O principal porta-voz deste modelo era o
economista Eugênio Gudin. As principais redes de jornais que apoiavam este ponto de
vista eram O Globo e os Diários Associados. Identificavam-se com o liberalismo ortodoxo a
maior parte dos políticos e tecnocratas ligados à UDN.
O desenvolvimentismo nacionalista acreditava que o livre funcionamento do mercado (que
estimulara a industrialização nos países europeus e nos Estados Unidos) causaria mais
empecilhos do que estímulos à industrialização no Brasil. A estratégia correta seria uma
economia mista, procurando romper os pontos de estrangulamento da economia
(transportes, energia, siderurgia). O capital estrangeiro poderia atuar no país, porém
deveria sofrer um rigoroso controle por parte das autoridades. Essas formulações tiveram
grande impulso e divulgação através da Comissão Econômica para América Latina (Cepal).
Entre seus adeptos se encontrava a maioria dos integrantes do PTB e do PSD, mais
ligados à área urbana.
O nacionalismo radical pregava o controle total do Estado sobre os empreendimentos
econômicos e apontava o imperialismo como principal responsável pela espoliação da
riqueza nacional. O capital estrangeiro era visto como o maior entrave ao desenvolvimento
industrial do país. Entre os defensores desta posição encontravam-se a maioria dos
membros do PCB e os setores à esquerda do PTB.
A Política Econômica de Vargas
Vargas, como é próprio de seu estilo, adota uma política mista, ora voltando-se para a
ortodoxia liberal, ora para o desenvolvimentismo nacionalista. Essa oscilação, na verdade,
reflete o complicado jogo de forças políticas que constantemente entravam em choque,
sobretudo setores da UDN que Getúlio procura cooptar no início de seu govemo.
No combate à inflação e ao déficit do balanço de pagamentos, o govemo adota uma
política mais ortodoxa, sujeitando-se às normas impostas pelo Fundo Monetário
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Internacional (FMI) através do acordo que criou a Comissão Mista Brasil-Estados Unidos
para o Desenvolvimento Econômico, em dezembro de 1950. Em 1951, Vargas envia
mensagem ao Congresso afirmando que o governo iria ''facilitar o investimento de capitais
privados estrangeiros, sobretudo em associação com os nacionais, uma vez que não firam
interesses políticos fundamentais do nosso país".
Um dos primeiros resultados da Comissão Mista foi a criação, em 1952, do Banco Nacional
de Desenvolvimento Econômico (BNDE), que se ”destinava a anular ou reduzir as
deficiências estruturais que impedem o regular desenvolvimento da economia brasileira”. A
Comissão estabelecia também objetivos e linhas mestras para grandes programas de
investimentos nas áreas de transporte e energia. Os projetos da Comissão foram
submetidos à aprovação técnica das instituições financeiras, tais como o Export-Import
Bank (Eximbank) e o Bank for Intemational Reconstruction and Development (BIRD).
Por outro lado, Vargas não abandonava o discurso nacionalista que sempre o identificara.
Ele defende a criação de empresas públicas, como instrumento básico da política de
desenvolvimento. Neste sentido, envia ao Congresso, em dezembro de 1951, projeto de lei
para a criação de uma empresa petrolífera de capital misto, a Petrobrás, com maioria das
ações em mãos do Govemo.
Em fins de 1951, o governo nomeou uma comissão de técnicos em finanças para estudar a
elevada taxa de remessa de lucros das empresas estrangeiras para o exterior. Baseando-
se no relatório que lhe foi apresentado, Vargas procura impor novos controles sobre a
remessa de lucros, baixando em janeiro de 1952 um decreto que impunha o limite de 10%
para as remessas de lucros. No entanto, o projeto permaneceu letra morta, já que as
autoridades financeiras do país acharam melhor aplicá-lo somente em casos excepcionais.
Também foi iniciado o projeto para a criação da Eletrobrás, empresa estatal que visaria
complementar as empresas estrangeiras no suprimento de energia elétrica.
A Crise do Governo Vargas
Nem mesmo tomou posse e Vargas já encontrou uma oposição decidida. A UDN tentou
impedir sua posse, alegando que a Constituição exigia maioria absoluta (Getúlio foi eleito
com 49% dos votos). Os setores mais radicais da UDN, cujo porta-voz principal era Carlos
Lacerda, chegavam a sugerir a intervenção direta dos militares. Lacerda publicava em seu
jornal: "O sr. Getúlio Vargas, senador, não deve ser eleito. Eleito, não deve tomar posse.
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Empossado, devemos recorrer à revolução para impedi-lo de governar." (Carlos Lacerda -
Tribuna da Imprensa, 1/6/1950).
Para neutralizar a forte oposição da direita udenista, Vargas tenta empreender uma política
de aproximação com seus inimigos, através de acordos de cúpula, que resultaram na
nomeação de um membro da UDN, João Cleofas, para o Ministério da Agricultura.
Procurou também evitar o acesso ao governo de setores nacionalistas, tanto do PTB como
do PSD.
Ao mesmo tempo, Vargas continuava com sua velha política populista. Em seu discurso,
na comemoração do 1º de Maio, no Estádio do Vasco da Gama, Vargas apela aos
trabalhadores para que se organizem em seus sindicatos e em defesa de seus próprios
interesses:
"Preciso de vós, trabalhadores do Brasil, meus amigos, meus companheiros de uma longa
jornada; preciso de vós, tanto quanto precisais de mim. Preciso de vossa união, preciso
que vos organizeis sobriamente em sindicatos; preciso que formeis um bloco forte e coeso
ao lado do governo, para que este possa dispor de toda força que necessita para resolver
seus próprios problemas". (Getúlio Vargas - O Governo Trabalhista do Brasil - Rio de
Janeiro - José Olympio, 1952).
No mesmo 1º de Maio, Vargas anuncia a extinção do "atestado de ideologia", exigido dos
candidatos em eleições sindicais, procurando assim, apagar a imagem de antigo ditador, e,
ao mesmo tempo, consolidar uma nova imagem de político democrático. No entanto, evita
assumir qualquer compromisso com a classe operária - o que só seria buscado ao final do
seu governo, em meio a uma forte crise política.
A tentativa de Vargas de implementar uma política populista e, ao mesmo tempo, constituir
um governo conservador, já não obtinha o mesmo sucesso da época da ditadura.
A UDN recusa-se a qualquer aliança com o governo e caminha para o golpe de Esta do.
Acusa Getúlio Vargas de pregar a luta de classes e de adotar uma política econômica
vacilante. A situação se agrava quando Vargas nomeia João Goulart para o Ministério do
Trabalho.
No meio operário, o prestígio de Vargas parecia declinar. A vitória de Jânio Quadros, no
início de 1953, com uma massiva votação no meio operário, era indício de grande
desgaste político, proporcionando a eclosão de importantes greves: a dos têxteis, em São
Paulo, ocorrida em março do mesmo ano, e que durou cerca de trinta dias; e dos cem mil
marítimos, em julho. Além disso, havia a firme oposição do PCB, que acusava Vargas de
entreguista devido à criação da Comissão Mista Brasil-EUA para Asuntos Econômicos.
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Vargas sabia que precisava avançar o sinal, definindo de forma mais precisa as relações
do governo com o rnovimento operário. Porém, é neste ponto que reside o limite e a
franqueza do populismo. Como empreender uma política de aproximação e mobilização da
classe operária, e das massas em geral, sem provocar a reação dos setores antigetulistas
e da direita das classes dominantes?
Exemplo desta situação foi o projeto de 100% de aumento do salário mínimo enviado ao
presidente pelo então ministro do Trabalho, João Goulart, após um período de intensa
agitação grevista no Rio e em São Paulo. Goulart é acusado de incentivar a criação de
uma república sindicalista e de conspirar contra a política de estabilização inflacionária
empreendida pelo ministro da Fazenda. O aumento, afinal, foi aprovado e Vargas anunciou
o novo salário mínimo nas comemorações do 1º de maio de 1953, bem ao seu estilo, em
inflamado discurso dirigido aos trabalhadores.
Toda a imprensa, à exceção do jornal ''Última Hora" fazia oposição a Getúlio. Setores das
Forças Armadas, próximos à UDN, também manifestavam suas críticas abertamente ao
governo, conforme ocorreu com a publicação do "Manifesto dos Coronéis'', em fevereiro de
1954, redigido pelo então coronel Golbery do Couto e Silva.
O estopim da campanha contra Vargas foi um atentado na rua Toneleros, em 5 de agosto,
quando um pistoleiro acabou matando um major da Aeronáutica, Rubens Florentino Vaz ,
que estava na companhia de Carlos Lacerda, atingido no pé pelos disparos. Gregório
Fortunato, chefe da guarda pessoal de Getúlio, foi apontado como mentor do atentado,
com o que se procurou incriminar o próprio presidente da República. A onda anti-Vargas
atingiu um nível sem precedentes. Quase todos os grandes jornais pedem, em editorial, a
renúncia de Vargas, alegando a falta de autoridade moral do presidente para permanecer
no cargo. Aumenta a inquietação no interior das Forças Armadas. Manifestam-se oficiais
da Aeronáutica, da Marinha e do Exército. O manifesto dos generais, exigindo a renúncia
do presidente, é publicado no dia 23 de agosto.
Os setores legalistas do Exército, fiéis ao presidente, já não conseguiam conter a
tendência golpista dentro das Forças Armadas. A deposição de Vargas passa a ser uma
questão de dias. Getúlio prefere o suicídio. Seu gesto desesperado, a 24 de agosto de
1954, neutraliza a oposição e o populismo consegue sobrevida. Primeiro porque seus
oponentes foram incapazes de controlar a situação diante das manifestações populares.
Segundo porque o PCB, até então na oposição a Vargas, tenta se colocar à frente das
massas como grande defensor da memória do ex-presidente.
Expansão do Capitalismo e Lutas no Campo
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No Brasil, o capitalismo expandiu-se no campo de duas maneiras. A primeira, nas áreas de
monocultura (sobretudo canavieira), estimulada pela elevação dos preços do açúcar no
mercado internacional deu-se através de intensa política de expropriação dos camponeses,
na tentativa de transformá-los em assalariados.
As usinas, que se reequipavam com financiamentos do Instituto do Açúcar e do Álcool
(IAA), procuravam expandir a área produtora de cana-de-açúcar oferecendo, aos
proprietários de engenhos e às fazendas aforadas, uma renda mais elevada que a do
arrendamento de terras. Devido à pressão, os foreiros se retiravam ou destruíam suas
lavouras.
A segunda ocorreu nas áreas menos povoadas. A aquisição de terras a preços baixos ou o
apossamento puro e simples de áreas valorizadas, favorecida pela abertura de rodovias
efetuada por grandes proprietários ou empresários, provocaram a expulsão dos posseiros
dessas terras. Empurrados para áreas ainda mais distantes, eles iam abrindo novas roças
ou, quando não conseguiam resistir à expropriação, se transformavam em assalariados
temporários dos novos senhores.
"Nas zonas onde predominava a pecuária se deu o mesmo processo de expulsão dos
camponeses que trabalhavam em sistema de parceria e arrendamento. Com a valorização
da terra e da carne, acompanhada da introdução de novas gramíneas, resistentes à seca,
além dos benefícios da política governamental, os fazendeiros ampliaram as áreas a serem
ocupadas pelo gado e expulsaram os agricultores sem terra que cultivavam milho, feijão,
algodão etc, em áreas delimitadas nas fazendas, em troca do pagamento em dinheiro ou
espécie (arrendamento), ou de parte da produção (parceria)''. (''Lutas Camponesas no
Nordeste”, Manuel Correia de Andrade).
A política de estímulo à industrialização adotada por Vargas e, principalmente, o acelerado
processo de implantação das indústrias de base no governo Juscelino, deixarão mais
claros os conflitos já existentes no setor agrário, onde a concentração da terra e riqueza
nas mãos de uma pequena minoria sempre foi uma constante.
Os conflitos gerados pela posse da terra acirraram-se, também, devido à implantação de
indústrias ligadas ao setor agrícola, à expansão da rede de transportes, à construção de
hidrelétricas, provocando assim a valorização da terra e tornando-a mais acessível ao
mercado de matérias-primas e ao mercado consumidor em geral.
Ligas Camponesas e Sindicatos Rurais
document.doc - 68 -
Em resposta à espoliação sofrida, crescem as lutas dos trabalhadores no campo.
Em 1933, o Sindicato de Trabalhadores Rurais de Campos, no Estado do Rio, é o primeiro
a obter seu reconhecimento. Quase vinte anos depois, em 1955, havia apenas cinco
sindicatos rurais reconhecidos no Brasil. Isso se deve à própria dificuldade dos
trabalhadores de se organizarm dentro da estrutura corporativista dos sindicatos, que os
subordinava ao Ministério do Trabalho, e à repressão exercida pelos proprietários de terra,
com a conivência das autoridades.
Para contornar a situação, os camponeses começaram a organizar associações
registradas em cartórios, nos termos do Código Civil, denominadas Ligas Camponesas,
nas áreas periféricas do Recife e em alguns municípios do interior, aglutinando plantadores
de legumes que se viam ameaçados de expulsão das terras arrendadas que cultivavam.
"A mais famosa Liga Camponesa, foi fundada no Engenho Galiléia, com o nome de
Sociedade Agrícola de Plantadores e Pecuaristas de Pernambuco (SAPP), quando o
proprietário do engenho quis expulsar os feridos que ali trabalhavam há vários anos.
Inicialmente, era uma sociedade beneficente, com fins assistencialistas. Com a repressão,
ela foi radicalizando e contratou como advogado, Francisco Julião, parlamentar eleito pelo
PSB. Ele as organizou como sociedades civis, e deu-lhes dimensão estadual, criando um
conselho diretor interpartidário e levando o problema da terra para a Assembléia Legislativa
Estadual (Manuel Correira de Andrade, obra citada).
Ao mesmo tempo, foram promovidas reuniões como o Congresso de Trabalhadores Rurais
de Limoeiro, em agosto de 1954, reprimido pela polícia, no ano seguinte, em setembro de
1955, houve o Congresso de Camponeses no Recife, encerrado com uma passeata. Ao
mesmo tempo que aumentava a influência das Ligas Camponesas, nas áreas de
posseiros, parceiros, foreiros e pequenos proprietários, também crescia, nas zonas onde
predominavam os trabalhadores rurais assalariados, o movimento de sindicalizaçao rural
patrocinado pela União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil (ULTAB)
criada em 1954, em São Paulo, sob influência do PCB.
A linha política adotada pelo PCB não o impediu que atuasse junto às Ligas Camponesas,
nem que apoiasse Francisco Julião para a presidência das Ligas em 1954. Mas, à medida
em que as Ligas vão adotando uma postura mais radical, indo além das reivindicações
legais, o PCB começa a se distanciar e a explicitar suas divergências. Julião, influenciado
pelas revoluções cubana e chinesa apontava o campesinato como a classe capaz de dirigir
uma revolução de caráter socialista no Brasil. Para o PCB era a classe operária que
deveria conduzir o processo revolucionário.
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Na visão do PCB, a revolução socialista deveria ser precedida pela revolução democrático-
burguesa, através da aliança do operariado com a burguesia progressista. Isso implicava a
adoção de uma política sindical menos agressiva, que explicitasse a luta de classes. Da
mesma forma que essa orientação gerou problemas a partir do governo Juscelino/Goulart,
se intensificarão as divergências entre as Ligas Camponesas e o PCB, que, preocupado
em evitar confrontos com o governo federal - sobretudo com a linha populista do vice-
presidente - defendia a luta pela aplicação da CLT, como principal bandeira dos
assalariados rurais. Devido ao caráter reacionário e ao despotismo dos proprietários rurais,
o PCB aproveita-se do populismo de Juscelino e, principalmente do de Goulart, para
organizar sindicatos de grande combatividade, como o de Palmares, em Pernambuco, que
contou com a participação do militante comunista Gregório Bezerra.
O início da década de 60 será marcado pela intensificação das lutas dos trabalhadores
rurais, que combatiam pela posse e uso da terra em vários Estados: Paraíba, Ceará,
Pernambuco, Bahia, Goiás, e Rio Grande do Sul. Tais reivindicações sempre
desembocavam na reforma agrária, que se tornará uma das questões mais polêmicas do
governo Goulart. Setores moderados e direitistas se unirão em torno da manutenção da
estrutura agrária. Não por acaso, os congressistas, na sua maioria ligados ao latifúndio,
apegaram-se ao artigo 147, parágrafo 16 da Constituição de 1946, que exigia indenização
prévia e em dinheiro de terras desapropriadas.
A Luta dos Trabalhadores Urbanos
A repressão do governo Dutra ao movimento sindical
O presidente Dutra toma posse enfrentando intensa mobilização dos trabalhadores.
Os meses de janeiro, fevereiro e março, são recordistas em ações grevistas. O mais
importante movimento deste período foi a greve nacional dos bancários, que mobilizou a
categoria em todo o país durante 21 dias ( a greve teve início no dia 24 de janeiro de
1946). A greve contou com a solidariedade de várias categorias, além do apoio da
população em geral. Os bancários saíram vitoriosos nas suas demandas econômicas, além
de conseguirem a não demissão dos funcionários grevistas, legitimando, na prática o
direito de greve num período em que vigorava ainda a proibição da Carta de 1937.
Destaca-se nos surtos grevistas, do governo Dutra, a importância da atuação das
comissões de fábrica, ora de forma autônoma, ora pressionando os sindicatos para
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mediarem as negociações com os patrões. Primeiro, porque muitos dos sindicatos ainda
estavam nas mãos dos pelegos e, depois, porque os sindicatos controlados pelos
comunistas, cumprindo as determinações da cúpula do partido, adota uma prática
sintonizada com a política da Internacional Comunista, que preconizava alianças do PCB
com as forças progressistas (incluindo a burguesia) contra o nazi-fascismo. De acordo com
esta linha, os trabalhadores deveriam ''apertar os cintos" e evitar as greves ou confrontos
com o governo e o patronato, para consolidação da democracia do país. Idêntica atitude
era adotada pelo Movimento de Unificação dos Trabalhadores (MUT), fundado por
militantes do PC em abril de 1945. Apesar desta orientação, a pressão das bases obrigou
muitos dirigentes sindicais comunistas a adotarem uma postura mais combativa.
Além dos bancários, várias categorias tiveram presença marcante: ferroviários, no Rio
Grande do Sul; metalúrgicos e têxteis em São Paulo e no Rio de Janeiro. As reivindicações
principais giravam em torno do aumento de salário e do abono de Natal (13º salário).
0 movimento operário entra em refluxo a partir de maio de 1947, devido à intensificação da
repressão promovida pelo governo Dutra que culmina com a cassação em mais de 400
sindicatos, além da extinção da Confederação Geral dos Trabalhadores do Brasil (CGTB).
Embora em menor número, as greves continuam a acontecer nos anos seguintes. Em
fevereiro e março de 1948, eclode em diversos pontos do país uma intensa mobilização
grevista envolvendo cerca de 60 mil ferroviários, impulsionada por Comissões de
Trabalhadores.
0s trabalhadores têxteis também se mobilizam intensamente contando com a participação
decisiva das comissões de fábrica na organização do movimento.
O Populismo de Vargas e a Reação dos Trabalhadores
No segundo governo de Vargas, os trabalhadores encontram melhores condições para
exercer seus direitos políticos, realizando greves, passeatas e outras manifestações de
protesto contra o congelamento dos salários (de 1947 a 1951) e as elevações frequentes
do custo de vida que atingiu seu auge em 1953.
Nos primeiros meses de 1952, tecelões de diversas empresas na capital e no interior de
São Paulo paralisam suas atividades exigindo 25% de aumento e o fim da cláusula de
assiduidade, que impunha descontos salariais aos empregados que se atrasavam na
chegada ao trabalho. Em Pernambuco e na Paraíba, 40 mil têxteis cruzam os braços em
outubro do mesmo ano conquistando 30% de aumento e o pagamento dos dias parados.
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0 ano de 1953 foi um dos mais movimentados para a classe operária. Em janeiro, no Rio, é
a greve de quase 50 mil têxteis, de 6 mil portuários que permaneceram 52 dias parados, e
dos 10 mil operários da construção naval.
A retomada do Nacionalismo com Juscelino
As lutas operárias chegam a mobilizar 800 mil trabalhadores nos anos 1956 e 1957. A
maioria das reivindicações dos grevistas concentrava-se no aumento salarial e no
congelamento dos gêneros de primeira necessidade, como bem ilustra a greve dos 400 mil
em São Paulo, em outubro de 1957, que envolveu 6 categorias durante 10 dias.
Outro aspecto marcante das greves nesse período e que irá se acentuar nos anos
posteriores é o forte conteúdo nacionalista imprimido, lado a lado com as reivindicações
econômicas. Começam a fazer parte da pauta de reivindicações dos sindicatos a defesa do
crédito para a indústria nacional, o tabelamento dos juros, facilidades para importação de
máquinas e equipamentos. A encampação de bandeiras da burguesia nacional por
comunistas e petebistas trará consequências profundas para a história do movimento
operário.
As teses nacionalistas contagiam as lideranças sindicais nos congressos de diversas
categorias realizados em 1959. 0 mesmo irá acontecer no 3º Congresso Sindical Nacional
realizado, no Rio, em agosto de 1960, onde foi dado impulso decisivo para criação do
Comando Geral dos Trabalhadores (CGT). As principais deliberações do Congresso, que
culminou com a vitória dos ''nacionalistas'' (PCB/PTB) sobre os ''amarelos'' estavam na sua
maioria relacionadas à defesa da indústria nacional: luta contra os trustes internacionais,
nacionalização das empresa estrangeiras de energia elétrica, limitação das remessas de
lucros ao exterior, política de crédito dos bancos oficiais para a indústria nacional e para
importação de máquinas e equipamentos etc.
Em novembro de 1960 ocorre um importante movimento grevista de trabalhadores
ferroviários, marítimos e portuários, que além da vitória econômica resultou na criação do
Pacto de Unidade e Ação (PUA) - organização sindical horizontal com forte influência dos
comunistas.
As Greves Políticas
document.doc - 72 -
Os primeiros anos da década de 60 caracterizam-se por uma participação intensa das
entidades e lideranças sindicais na crise política e institucional que se abre no país com a
renúncia do presidente Jânio Quadros e com as ameaças constantes de golpe contra o
governo de João Goulart, o vice de Jânio.
Os meses de agosto e setembro, por exemplo, são marcados por uma instensa
mobilização dos trabalhadores, principalmente no Rio de Janeiro, em São Paulo e no Rio
Grande do Sul, em defesa da posse de João Goulart. Cruzaram os braços os
trabalhadores da Leopoldina, além da greve geral dos marítimos, têxteis, bancários e
petroleiros.
A paralisação mais importante deste ano, porém, foi a greve dos 300 mil em São Paulo, em
março e abril, envolvendo várias categorias. A greve se prolongou por 30 dias, tendo os
grevistas conquistado um reajuste de 32% além da libertação dos colegas presos e de sua
readmissão nas empresas.
Esta greve marcou um momento decisivo na organização do movimento operário, pois a
comissão intersindical formada por militantes que na sua maioria pertenciam às comissões
de fábricas criou condições para que, terminado o movimento, se constituísse um comitê
intersindical, que logo resultou no Pacto de Unidade Intersindical (PUI), do qual nasceria o
Pacto de Unidade e Ação (PUA), embrião da futura CGT.
O PCB teve uma atuação destacada na greve, participando ativamente das comissões de
fábrica e do comitê intersindical, no qual vários comunistas se destacaram, inclusive o
principal dirigente, o tecelão Antonio Chamorro.
O Pacto de Unidade Intersindical (PUI) organiza em setembro do ano seguinte, em São
Paulo, uma greve geral de 24 horas contra a carestia e exigindo o congelamento dos
preços dos gêneros de primeira necessidade. Estes movimentos tiveram grande
importância não só pelo fato de unificarem várias categorias em torno de um único objetivo
como também pelo fato de redundar na criação do Comando Geral de Greve (CGG), que
na Prática foi o primeiro ensaio para a criação da CGT no ano seguinte.
Das mais de 120 greves que se realizaram em 1962, destacou-se a greve de julho contra a
aprovação do nome de Auro de Moura Andrade pelo Congresso Nacional para o cargo de
primeiro ministro, em substituição a Tancredo Neves que renunciara. Auro de Moura
Andrade era considerado um político conservador pelos sindicalistas.
A grande mobilização levada a cabo pelas direções sindicais das principais federações de
trabalhadores, agora na sua maioria nas mãos do PCB e da esquerda do PTB, provocou a
renúncia do primeiro-ministro, antes mesmo da eclosão da greve. O Congresso Nacional,
document.doc - 73 -
por sua vez, aprovou a formação de um conselho de ministros mais favorável às reformas
de base. Além disso, o ministro foi escolhido por intervenção direta das lideranças
sindicais. Foi assinado também pelo presidente da República a lei do 13º salário, dando
mais prestígio aos líderes sindicais nacionalistas.
Outro acontecimento de grande importância foi o 4º Encontro Sindical Nacional, realizado
em São Paulo de 17 a 19 de agosto de 1962. Compareceram 574 entidades sindicais e
2.566 delegados credenciados de todos os Estados. Foi nesse encontro que os
sindicalistas transformaram o Comando Geral de Greve (CGG), criado na greve de julho,
em Comando Geral dos Trabalhadores (CGT).Em setembro de 1962 os trabalhadores
voltam a agitar o país com outra greve geral decretada pelo CGT, devido à rejeição por
parte do Congresso do projeto apresentado pelo primeiro-ministro Brochado da Rocha, que
previa a antecipação do plebiscito pela volta do presidencialismo para 7 de outubro. O
movimento eclodiu na data prevista (15 de setembro) e durou 24 horas.
A greve teve um desfecho favorável para os trabalhadores, pois, no mesmo dia, o
Congresso aprovou a lei Capanema-Valadares, convocando o plebiscito para 7 de janeiro
de 1963. Os grevistas presos também foram soltos por exigência do CGT.
O CGT e a Reação de Direita a partir de 63
A capacidade de mobilização demonstrada pelo CGT, nas mobilizações de julho e
setembro, em greves com caráter predominantemente político, bem como sua aproximação
crescente do governo Goulart, acirrará a oposição de setores mais conservadores dos
militares.
O comício marcado pelo CGT para 10 de abril de 1963 na Guanabara, em apoio ao
presidente João Goulart, depois de violentos pronunciamentos feitos pelo líder da UDN,
Carlos Lacerda, dirigidos ao presidente da República, explicitou publicamente o
descontentamento da cúpula militar com as constantes mobilizações dos trabalhadores.
O CGT, depois de muitas discussões, decide pelo adiamento do comício e lança, a 10 de
abril, um manifesto à Nação denunciando a conspiração, um golpe de direita, tipo ''gorilas”
da Argentina, com o objetivo de liquidar com todas as liberdades democráticas e os direitos
sindicais. "O comando Geral dos Trabalhadores está permanentemente à frente da luta
contra a consumação do golpe que os ''gorilas'' tramaram contra a emancipação
econômica, política e social da nossa Pátria. Por tudo isso, o Comando dirige-se a todos os
document.doc - 74 -
trabalhadores para, unidos e organizados, responderem com uma greve geral se qualquer
tentativa de golpe se consumar'' (O Estado de S. Paulo 11.04.63).
Outro episódio que marcou definitivamente a oposição entre o CGT e a cúpula do Exército
foi a campanha pelo aumento de 70% da remuneração dos servidores civis e militares,
repelida pelos oficiais das três Armas.
O conflito se agravou por ocasião da rebelião dos 650 sargentos da Marinha e Aeronáutica,
em Brasília, a 12 de setembro de 1963.
A polarização do CGT com as forças direitistas também aconteceu no interior do
movimento sindical. Em julho de 1963, a corrente sindical direitista, adversária histórica da
aliança de esquerda ente PTB e PCB, apoiada pelos governadores da Guanabara e São
Paulo, organiza uma nova entidade de cúpula, tendo como objetivo principal o combate à
''infiltração comunista no movimento sindical". A nova entidade foi denominada UST (União
Sindical dos Trabalhadores).
Entre os demais setores de direita também são constantes os ataques ao CGT, que se
tomou o alvo privilegiado dos políticos da UDN e de instituições como IPES e IBAD, ao
intensificarem suas críticas ao governo Goulart em clara oposição à implementação das
reformas de base. Ilustrativo, foi a declaração do presidente da UDN, deputado Bilac Pinto,
que acusou os sindicatos de estarem guardando armas em suas sedes, o que foi
prontamente desmentido por Clodsmidt Riani, presidente do CGT e da CNTI. (Diário de
Minas 04.02.64).
Principais Greves de 1963
Dentre as 149 greves registradas em 1963, duas delas se destacaram: a greve geral de
Santos, em setembro, e a greve dos 700 mil, em São Paulo, ocorrida em outubro.
A Baixada santista foi uma das regiões de maior mobilização da classe operária nos anos
60. Lá se realizaram 58 greves de diversas categorias em 1962, e, no ano seguinte, 53,
sendo 19 greves só no porto de Santos.
O ponto mais alto do movimento operário em Santos foi a greve geral de 2 de setembro,
que durou 3 dias. A greve foi convocada pelo Fórum Sindical de Debates (FSD) que atuava
como órgão de cúpula do CGT na Baixada santista , em solidariedade aos enfermeiros da
Santa Casa de Santos, que se recusou a conceder um reajuste de 100% nos salários
reivindicado pelos enfermeiros em greve.
document.doc - 75 -
A greve dos 700 mil em São Paulo, teve como origem o impasse gerado entre os
representantes dos trabalhadores e dos patrões quanto à forma de negociação dos
sálarios. Em outubro, a CNTl tenta participar das negociações salariais em nome de 700
mil trabalhadores de 14 categorias profissionais, mas a Federação das Indústrias do
Estado de São Paulo (FIESP), não aceita.
Diante da irredutibilidade dos empregadores, no dia 29 de outubro cerca de 700 mil
trabalhadores entram em greve, paralisando as atividades das indústrias da capital e de
cerca de 40 municípios do Interior. São atingidas indústrias dos setores metalúrgico,
químico, têxtil, calçados, curtumes, laticínios e moinhos.
Finalmente, destacaram-se ainda no ano de 1963 a greve nacional dos aeroviários,
portuários, ferroviários, marítimos e operadores navais, realizada de 30 de maio até 3 de
junho, e a greve nacional dos bancários, que se estendeu de 18 de setembro a 12 de
outubro.
O Golpe de 1964 e o Fim do CGT
As tensões entre os setores direitistas civis e militares provocadas pelas mobilizações
populares, em especial aquelas organizadas pelo CGT, se acentuaram nos primeiros
meses de 1964.
Isto fica evidente na troca de declarações na grande imprensa, nos documentos internos
do Exército, nos comunicados das organizações sindicais, nas ações paramilitares da
extrema direita, como foi a tentativa de se atear fogo no palanque montado para o comício
da sexta-feira 13 de março, organizado pelo CGT.
Os discursos pronunciados pelo presidente João Goulart e por Leonel Brizola, no comício
do dia 13, geraram uma forte reação da direita civil e militar que já articulava o golpe de
Estado. A anistia concedida pelo presidente João Goulart aos marinheiros que participaram
do levante do dia 26 de março, teve como consequência o reforço das articulações
golpistas.
O movimento sindical aparentemente não desconhecia isto. Em uma nota oficial, expedida
a propósito da ”Marcha da Família com Deus pela Liberdade”, o CGT concita os sindicatos
a “manterem-se preparados para desfechar a greve geral em todo o território nacional na
defesa da liberdade democrática e sindical, usando todas as formas de luta que o
movimento comportar, além da greve geral”.
document.doc - 76 -
No entanto, toda mobilização visando resistir ao possível golpe de estado, redundou em
total fracasso quando este veio a ocorrer de fato. Logo de imediato, 20 líderes do CGT
foram presos. A greve geral chegou a ser tentada pelos líderes que ainda se conservavam
em liberdade, mas só se conseguiu algum êxito entre os ferroviários, têxteis, portuários,
metalúrgicos e bancários no Rio de Janeiro.
Em São Paulo, a greve só atingiu os portuários de Santos. Em vários pontos do país se
esboçaram reações de setores localizados, mas a repressão violenta do Exército e dos
governadores golpistas conseguiu conter e esmagar os focos grevistas. Já no dia 2 de abril
a maior parte dos dirigentes do CGT se encontrava presa. Somente os ferroviários
resistiram até o dia 4 de abril.
Os golpistas desarticularam toda a engrenagem sindical coodernada pelo CGT, intervindo
nos sindicatos e federações a ele ligados. A CNTI passou a ser controlada novamente
pelos pelegos oficiais através de eleição realizada em maio de 1964, na qual votaram 22
federações já com interventos nomeados pela Junta Militar.
O Populismo
A revolução de 1930 opera um rearranjo das elites dominantes na estrutura do poder
existente até então, caracterizado pelo domínio exclusivo das oligarquias ligadas ao setor
agro-exportador. A partir daí, assumem o poder as oposições oligárquicas mais voltadas
para o mercado interno (com exceção de Minas Gerais) apoiadas por setores
intermediários representados na figura dos tenentes e pelos industriais que num primeiro
momento apoiaram a candidatura situacionista de Júlio Prestes. Mesmo os setores ligados
ao café, desalojados do poder, serão incorporados às classes dirigentes após a revolução
constituicionalista de 1932 ocorrida em São Paulo. É importante mencionar a crise de
1929, com a quebra da Bolsa de Valores de Nova Iorque e seus reflexos na economia
nacional, afetando principalmente o setor exportador ligado ao café, que fará acirrar as
divergências entre as oligarquias ligadas ao mercado interno e externo.
Nenhum desses novos grupos que participam do poder em 1930 terá autonomia suficiente,
no âmbito político e econômico, para assumir o controle do Estado de forma exclusiva. Por
exemplo, os tenentes, que representavam de um modo geral as aspirações das classes
médias, embora tenham a importante função de dar legitimidade aos novos dirigentes, não
possuem nem uma estrutura política consolidada (máquina partidária), tampouco força
econômica suficiente para se impor. As oposições oligárquicas, ligadas ao mercado interno
document.doc - 77 -
mesmo usufruindo do poder, continuam a depender economicamente dos setores ligados
ao café (principal fonte de divisas para o país, mesmo com as dificuldades advindas da
crise econômica internacional). Estes últimos, por sua vez se encontram excluídos do
poder político.
Em resumo, podemos dizer que 1930 caracteriza a passagem de um domínio exclusivo do
aparato estatal por parte das oligarquias ligadas ao setor agro-exportador de São Paulo e
Minas Gerais para um arranjo das classes dominantes (feito pelo alto, sem a participação
popular). Apesar de divergirem entre si, as oligarquias e os demais grupos se manterão no
poder, através de acordos políticos, denominados nos trabalhos acadêmicos de "estado de
compromisso", que tem como sustentação duas questões fundamentais: primeiro, evitar
que as massas populares, em especial os trabalhadores urbanos tenham um papel mais
ativo no processo político, nas fábricas, nos sindicatos, nos partidos etc; um segundo fator,
associado ao primeiro é a idéia que passa a ser difundida sobre a necessidade de um
Estado forte, que ao mesmo tempo mantenha a ordem e promova a modernização do país
em curto espaço de tempo (industrialização acelerada). O golpe de Estado desfechado por
Getúlio Vargas em novembro de 1937 será a coroação desse projeto.
A necessidade de um Estado forte e centralizado não elimina a necessidade das camadas
dirigentes buscarem legitimidade diante das massas populares para se consolidarem no
poder. Com esse propósito, procura difundir a imagem de um Estado como uma entidade
neutra, que paira sobre as classes, personificado na figura de Getúlio Vargas que assume
para si a responsabilidade de atender às demandas dos trabalhadores em geral. Essa
operação, que procura veicular a imagem do líder carismático que personifica a imagem do
Estado e que aparece como ''protetor dos pobres", é fenômeno que comumente se
denomina de populismo, que tem seus momentos mais exemplares no governo de Getúlio
Vargas e de João Goulart onde o populismo aparece muito vinculado à ideologia do
nacionlismo.
As concessões feitas por Getúlio Vargas aos trabalhadores (regulamentação da jornada de
8 horas, lei de férias etc.) conforme veremos a seguir, têm como objetivo cristalizar essa
imagem de protetor dos pobres e, ao mesmo temmo, apagar da memória dos
trabalhadores todo o passado de luta desde os primeiros anos deste século em defesa
dessas reivindicações como já vimos anteriormente.
A crise do segundo governo de Vargas em 1954, e do governo Goulart em 1963/64, foram
o ápice desse processo ambíguo da política brasileira que se instaura a partir de 1930 e
ganha nova dimensão em 1945, quando as massas populares foram incorporadas à
estrutura política através das associações e do sufrágio universal.
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Nacionalismo: Campanha do Petróleo
O nacionalismo econômico prestou um grande serviço à política populista, que o utilizou
em larga escala como instrumento forjador da noção de harmonia social e de consenso
popular. “O nacionalismo era um sentimento que podia unir brasileiros de diversas classes
e setores, dar-lhes um senso de comunidade. A identificação com a Nação em um esforço
comum poderia ajudar a superar as tensões de classe produzidas por uma sociedade em
desenvolvimento" (Thomas Skidmore "De Getúlio e Castelo", pag. 153).
Mas, durante todo o período populista a única luta nacionalista que realmente obteve êxito
foi a campanha do petróleo, culminado com a criação da Petrobrás em outubro de 1953.
A polêmica em torno da questão do monopólio estatal do petróleo, iniciou-se em 1947,
quando o Clube Militar promoveu uma série de confêrencias em torno do assunto. O tema
do petróleo estava na ordem do dia pois o presidente Dutra acabara de nomear uma
comissão para elaborar um anteprojeto de lei (o Estatuto do Petróleo), a ser enviado ao
Congresso, afim de regular as atividades de produção, refino e distribuição de petróleo no
país.
As opiniões ficaram polarizadas em torno de dois personagens: de um lado o general
Juarez Távora, que ao atacar a política estatizante, em função da falta de recursos
técnicos e econômicos do país, via na participação do capital estrangeiro a fórmula mais
rápida e vantajosa para atender às necessidades do país; do outro lado, o general Horta
Barbosa, ardoroso defensor do monopólio estatal, admitia a presença do capital privado
nacional, desde que controlado pelo Estado.
Os militares que apoiavam as teses de Juarez Távora, eram na sua maioria ligados à
Escola Superior de Guerra (ESG), e os veteranos da FEB, justamente os que mais se
identificaram com o pensamento militar norte-americano de colaboração hemisférica contra
o bloco comunista. A maioria dos oficiais, porém, preferia as teses de Horta Barbosa, por
razões de segurança nacional.
Os debates no Clube Militar ganham as ruas através dos jornais e mobilizam intelectuais e
estudantes. Em março de 1948, vários grupos nacionalistas começam a se articular para
fundar o Centro de Estudos e Defesa do Petróleo e Economia Nacional (CEDPEN) que
visava coordenar a luta de diversos setores da sociedade contra o estatuto do petróleo
(que permitia a participação do capital estrangeiro juntamente com capital estatal) e pelo
document.doc - 79 -
monopólio estatal. A partir do Rio de Janeiro, o Centro rapidamente se espalha por todo o
Brasil, chegando até a se organizarem empresas.
A incorporação das classes médias e dos trabalhadores urbanos em geral deu um novo
entusiasmo à campanha e possibilitou uma pressão sobre o Congresso além do esperado,
conseguindo bloquear até o final do governo Dutra a possibilidade de participação do
capital estrangeiro nas atividades de exploração e refino.
Os comunistas tiveram uma participação ativa na campanha do petróleo, procurando
radicalizá-la, contra o imperialismo norte-americano.
A euforia em torno da questão do Petróleo renasce em dezembro de 1951 quando Getúlio
Vargas envia ao Congresso um projeto de lei sobre a criação de uma empresa estatal de
petróleo. O projeto do governo previa a criação de uma empresa mista, que admitia
capitais privados, porém sob o controle do Estado. A empresa (Petrobrás) articularia as
atividades de subsidiária e associadas que operariam nas diversas fases da indústria
petrolífera. No refino e distribuição seriam mantidas as concessões às empresas que já
estivessem em atividade.
A agitação política promovida pelo CEDPEN em junho de 1952 logo produziu seus efeitos.
O governo aceitou excluir a possibilidade de participação do capital estrangeiro, mas
definiu o monopólio da Petrobrás como empresa de caráter misto (capital estatal e
privado). Desse modo, o projeto foi aprovado na Câmara, em setembro de 1952, e no
Senado em junho de 1953.
O Partido Comunista teve uma participação importante, principalmente na mobilização dos
trabalhadores nas empresas e nos sindicatos.
Da Renúncia de Jânio ao golpe de 1964
Jânio Quadros surpreendeu a Nação com seu ato de renúncia, antes mesmo de completar
sete meses de mandato, no dia 25 de agosto de 1961. Sua carta-renúncia, apresentada ao
Congresso, é curta e ambígua, nela não aparecendo qualquer motivo que esclareça ou
justifique, de forma convincente, seu ato de renúncia. Parece que isto justifica as
interpretações que atribuem ao gesto uma tentativa de golpe, apoiado por alguns setores
militares com o objetivo de reforçar seu poder pessoal em relação ao Congresso.
O presidente demissionário esperava retornar ao poder pelas mãos dos militares.
document.doc - 80 -
Porém, o grupo de oficiais que pretendia promover a volta de Jânio, não conseguiu se
impor diante de outras forças militares e civis, que optaram por outra solução. Jânio
Quadros imaginava obter massivo apoio popular para sua volta, mas suas esperanças logo
se desfizeram. As massas saíram às ruas para defender a posse de João Goulart (vetada
pelos ministros militares com o apoio da UDN).
Por ocasião da renúncia de Jânio, Goulart encontra-se em visita oficial à China. O
Congresso Nacional, reunido extraordinariamente, no dia 25 de agosto de 1961, autorizou
a posse de Ranieri Mazzili, presidente da Câmara dos Deputados, como ocupante da
Presidência da República.
Os rumores sobre um possível golpe são confirmados em 28 de agosto quando os três
ministros militares, através do presidente interino, tentam impor ao Congresso Nacional o
veto à posse de João Goulart. Após a recusa do Congresso em aprovar o veto, os
ministros militares lançam o manifesto à Nação, a 30 de agosto, explicitando as razões do
veto ao vice-presidente.
Mas os militares se encontravam divididos neste momento. O general Henrique Lott,
principal porta-voz dos militares legalistas, também redige um manifesto lido na Câmara
pelo deputado Eloy Dutra, do PTB. Mesmo tendo sido preso por ter redigido o manifesto, a
atitude do general Lott repercute favoravelmente entre uma parte da oficialidade.
Crescem também entre a população as manifestações antigolpistas. Desde as articulações
no Congresso Nacional até a organização de passeatas, comícios, pichações, além das
inúmeras greves.
Vários governos estaduais se posicionam favoravelmente à posse de Goulart (Carvalho
Pinto, em São Paulo; Ney Braga, no Paraná; Mauro Borges, em Goiás; e Leonel Brizola, no
Rio Grande do Sul). A tendência ao fortalecimento dos legalistas é cada vez maior. Mais
uma vez , o golpe terá que ser adiado pelos setores direitistas.
As classes dominantes conseguem encontrar uma forma de excluir as massas populares
do processo decisório. A solução encontrada foi o chamado "acordo de compromisso",
articulado pelo PSD e pela UDN, que estabelecia o regime parlamentarista no Brasil.
João Goulart é empossado no dia 7 de setembro de 1961, sob a égide de um novo sistema
de governo que, aparentemente, parecia resolver os impasses criados pela renúncia de
Jânio Quadros. Mas os acontecimentos vieram a demonstrar que a crise política estava
longe de chegar ao fim.
Campanha pelas Reformas de Base
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Presidido por Tancredo Neves, o primeiro Gabinete, denominado de União Nacional devido
à sua composição, evidenciou que o grande derrotado foi o movimento popular.
Realmente, o Gabinete Tancredo Neves não se empenhou em qualquer tipo de reforma
social que tocasse na questão salarial, na reforma agrária ou na regulamentação da
remessa de lucros para o exterior.
Contudo, o país atravessava uma conjuntura econômica muito difícil, que exigia rápidas
soluções diante da pressão popular. O aumento da dívida externa herdada de Juscelino; a
urbanização desordenada que gerava problemas de oferta de alimentos nas cidades; o fim
do subsídio ao trigo e ao petróleo contribuíram para a desvalorização do salário e,
consequentemente, para o aumento do custo de vida.
Pressionado por setores nacionalistas e esquerdistas, Goulart inicia sua pregação em
defesa das reformas de base. Em pronunciamento por ocasião da comemoração do 1º de
Maio de 1962 em Volta Redonda, o presidente critica indiretamente a forma como o
''Gabinete de conciliação” encaminhava o debate da reforma agrária e defende a
revogação do parágrafo 16 do artigo 141 da Constituição, que obrigava a indenização
prévia e em dinheiro das terras desapropriadas pelo governo. Propõe também a reforma do
sistema bancário, do sistema eleitoral, regulamentação da remessa de lucros para o
exterior e a reforma tributária.
Diante da falta de apoio do presidente, o Gabinete de Tancredo renuncia. Novamente
Goulart se encontra diante de um impasse para a escolha de um novo Gabinete. O nome
de San Thiago Dantas é recusado no Congresso. Visando conseguir apoio do PSD, Jango
apresenta o nome de Auro Soares de Moura Andrade, presidente do Senado. Porém,
desta feita, são as lideranças sindicais, favoráveis às reformas de base, que recusam o
segundo nome proposto e convocam, através do CGT, uma greve geral para o dia 5 de
julho, como forma de pressionar o presidente e o Congresso. O futuro ministro, que já
havia sido apro vado pelo Congresso, renuncia antes mesmo da eclosão da greve geral.
Campanha pelo Plebiscito
A emenda constitucional de setembro de 1961, que institui o parlamentarismo, previa a
realização de um plebiscito para princípios de 1965 para confirmação ou não dessa forma
de governo.
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O novo primeiro-ministro, Brochado da Rocha, empossado em 13 de Julho de 1962, envia
projeto de lei visando à antecipação do plebiscito para 7 de outubro, data da eleição do
Congresso.
A rejeição do projeto levou o Comando Geral dos Trabalhadores a marcar uma greve geral
para o dia 15 de setembro. O movimento grevista eclodiu na data marcada e durou 24
horas. O congresso aprova, então, um projeto conciliador que previa a realização do
plebiscito em janeiro de 1963. O Gabinete de Brochado da Rocha demite-se ao ter
recusada pelo Congresso sua mensagem, que o autorizava a legislar, através de decretos,
sobre as reformas de base.
O terceiro Gabinete, presidido por Hermes Lima, ex-ministro do trabalho, é empossado em
setembro de 1962, já sob intensa agitação em torno da campanha do plebiscito. No dia 6
de janeiro de 1963, depois de uma dispendiosa campanha político-publicitária contra o
regime parlamentarista, compareceram às umas quase 13 milhões de eleitores: 9.497.488
votaram pelo retorno ao presidencialismo; 2.073.582 pela manutenção do parlamentarismo;
935.072 nulos e 307.158 brancos. Assim, o presidente Goulart obteve plenos poderes e
neles foi investido a 23 de janeiro de 1963.
O Plano Trienal e a Polarização Política
Jango, como bom discípulo de Getúlio, nomeia um Ministério moderado, e procura
implementar uma política econômica que agrade às mais amplas parcelas da sociedade.
Assim, é elaborado por Celso Furtado o Plano Trienal, que contou com a colaboração de
San Thiago Dantas. O plano consistia numa política de combate à inflação e promoção do
desenvolvimento econômico através do refinanciamento da dívida externa, entrada de
recursos externos e redução do déficit público entendido como principal causador da
inflação.
O governo, em sua política de "salvação nacional", pedia aos empresários que
moderassem sua ganância por lucros e, ao mesmo tempo apelava aos trabalhadores
pedindo colaboração, paciência e patriotismo, adiando assim as greves e as reivindicações
por melhores salários.
Os trabalhadores, ao contrário dos empresários, fazem duras críticas ao governo através
do CGT, PUA, PUI e outras entidades. As críticas da esquerda e dos nacionalistas se
intensificam quando San Thiago Dantas, ministro da Fazenda, inicia as conversações com
os EUA para acertar o refinanciamento da dívida externa e da assistência econômica norte-
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americana. O Plano Trienal é apresentado como prova de que o Brasil passava a se
enquadrar dentro do receituário prescrito pelo governo dos EUA e pelo FMI.
A sociedade se encontra polarizada politicamente. A mobilização de setores nacionalistas e
esquerdistas não impede a onda de mobilização da direita. Em janeiro de 1963, a direita
ataca as sedes da União Nacional dos Estudantes (UNE) e do jornal Última Hora, pró-
governo.
No início de 1962 há uma dinamização do Instituto Brasileiro de Ação Democrática (Ibad) e
do Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (Ipes). O primeiro agia em sintonia com grupos
paramiltares e anticomunistas em diversos pontos do país. O segundo, fundado por
empresários ligados ao capital multinacional, se definia como uma entidade voltada para a
pesquisa, a fim de criar alternativas para os problemas sociais e econômicos do país e
colocava como questão fundamental a defesa da livre iniciativa e da economia de
mercado. O Ipes atuava entre as Forças Armadas, na Igreja, no movimento de
camponeses, no Congresso Nacional e nas mais variadas associações , desenvolvendo
uma política de combate ao comunismo e ao populismo. Esse trabalho era efetuado
através da grande imprensa, edição de livros, jornais, revistas, panfletos, conferências,
seminários, programas de rádio e TV, produção de filmes etc. A importância desses órgãos
nas articulações golpistas de 1964 deve ser atribuída em grande parte ao seu profundo
entrosamento com os militares da Escola Superior de Guerra.
Agravamento da Crise
Com o fracasso do Plano Trienal, fracassa também a tentativa de Jango de formar um
governo de conciliação que pudesse estabelecer uma trégua entre os diversos grupos em
conflito na sociedade. O presidente volta, então, a acenar com o plano das reformas de
base.
A questão da reforma agrária polariza as atenções novamente. Na convenção da UDN, em
abril de 1963, líderes do partido defendem a intervenção das Forças Armadas e dos EUA,
para aniquilar o "comunismo legal" de Goulart.
O PSD e a UDN se unem para derrotar a emenda constitucional apresentada pelo PTB,
que pretendia tornar viável financeiramente a reforma agrária, alterando o parágrafo 16 do
Artigo 141 da Carta de 1946.
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Os setores nacionalistas movem intensa campanha, através de comícios, passeatas,
manifestos em defesa das reformas de base e criticam Goulart pela vacilação em adotar
medidas concretas de caráter nacionalista e popular.
Em fins de 1963, Jango encontra-se em meio à ofensiva da direita e dos nacionalistas.
Diante da impossibilidade de qualquer acordo com os setores conservadores, o presidente
apela às massas e ''radicaliza'' em defesa das reformas de base. Em meados de janeiro,
Goulart regulamenta a lei de remessa de lucros, que esperava pela aprovação há mais de
16 meses. Também emite decreto para a revisão de todas as concessões governamentais
na área de mineração.
San Thiago Dantas tenta, pelo lado do governo, organizar uma frente ampla, unificando
progressistas oriundos do PSD ao PCB. O comício de 13 de março, organizado pelo CGT e
pela assessoria de Jango, foi o ponto alto desse esforço de mobilização em defesa das
reformas de base. O presidente encerra o comício anunciando o decreto de nacionalização
das refinarias particulares de petróleo e a desapropriação de propriedades com mais de
100 hectares que ladeavam as rodovias e ferrovias federais. Promete, ainda, tabelar os
aluguéis e controlar os preços, ataca a "democracia dos monopólios nacionais e
internacionais'', as associações de classe conservadoras etc.
O que assustava a direita, na verdade, não era tanto as consequências econômicas do
pronunciamento de Jango, mas sim a possibilidade de fortalecimento da esquerda e o
“fantasma da mobilização popular" que tendia cada vez mais a ser o ponto de apoio do
presidente, caso ele decidisse levar adiante as reformas de base.
Os esforços de moderação de San Thiago Dantas tiveram pouco êxito. A esquerda radical
queria a saída imediata do governo dos representantes do PSD. No dia 15 de março,
Goulart envia ao Congresso mensagem propondo uma consulta nacional a respeito das
reformas de base. No dia 20, dirigentes do CGT, da Frente de Mobilização Popular, da
UNE, da UBES e de outras entidades, reunidos na sede da CNTI, reivindicam a
encampação das empresas concessionárias de serviços públícos.
O Golpe Militar
As manifestações nacionalistas estimulam a ofensiva golpista. Em 19 de março ocorre em
São Paulo a "Marcha da Família com Deus pela Liberdade" reunindo cerca de quinhentas
mil pessoas. A manifestação, com um forte tom anticomunista, visava confrontar forças
com a esquerda e os nacionalistas.
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As articulações militares e civis em favor do golpe cresciam em vários Estados, quando
eclode a revolta dos marinheiros em 26 de março. Contrariando ordens superiores,
membros da Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil reuniram-se no
Sindicato dos Metalúrgicos. Um contingente de fuzileiros navais, enviado para prender os
marinheiros, adere aos revoltosos.
Enquanto o CGT se solídarizava com os revoltosos, a oficialidade exigia a sua imediata
punição. Chegou-se a um acordo pelo qual os marinheiros e fuzileiros abandonariam o
prédio, sendo conduzidos para o quartel do Batalhão de Guardas do I Exército. Libertados
poucas horas depois, saíram em passeata.
Desprestigiado, o almirante Sílvio Mota demite-se do Ministério da Marinha. O Clube Naval
emite nota afirmando que o Exército e a Aeronáutica não poderiam ficar indiferentes ao ato
de indisciplina milítar acobertado pela autoridade constituída. Era o estopim da crise com
os militares. O golpe militar estava programado para o dia 2 de abril, data marcada para
uma passeata-monstro de oposição ao governo, no Estado da Guanabara.
Na noite do dia 30 de março, o presidente é homenageado pela Associação dos Sargentos
e Suboficiais da Polícia Militar, e em discurso improvisado, afirma que "a crise que se
manifesta foi provocada pela minoria de privilegiados que vive de olhos voltados para o
passado e teme enfrentar o luminoso futuro que se abrirá à democracia pela integração de
milhões de patrícios nossos na vida econômica, social e política da Nação, líbertando-se da
penúria e da ignorância".
Poucas horas depois, em Minas, os generais Mourão Filho e Carlos Luís Guedes
movimentam suas tropas em direção ao Rio de Janeiro. Embora pego de surpresa, o
general Castello Branco, líder da facção anti-Goulart no Estado Maior das Forças Armadas,
se mobiliza no Rio para apoiar os rebeldes. O I Exército, sediado no Rio, sob comando do
general Moraes Âncora, fiel a Goulart, ordenou o envio de tropas para enfrentar os
golpistas, mas, no Vale do Paraíba, onde as duas tropas se encontraram, os militares
aderiram ao golpe. O comandante do II Exército, general Amaury Kruel, fiel ao governo,
decide apoiar o golpe em marcha, depois de Goulart ter recusado a exigência feita pelo
general de se afastar dos comunistas do CGT.
O único foco de resistência militar se encontra na cidade de Porto Alegre, para onde o
presidente se dirige no dia 2 de abril. Brizola tenta convencer o presidente a resistir ao
golpe e convoca a população, através da Rádio Farroupilha, a engrossar as forças
legalistas. Porém, a grande dispersão de militares para o lado golpista faz com que Goulart
prefira aguardar os acontecimentos. Enquanto isso, o Congresso Nacional aprova a
declaração de vacância da Presidência da República. Na madrugada de 2 de abril, o
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presidente da Câmara, Ranieri Mazzili, é empossado como presidente da Repúblíca. No
dia 4 de abril, João Goulart ruma para o exílio definitivo, no Uruguai.
A forma como ocorreram os acontecimentos, com a desarticulação total dos focos de
resistência, além da própria decisão do presidente de não resistir, dispensaram uma
eventual intervenção direta dos Estados Unidos no golpe. Havia todo um dispositivo militar
que tinha por objetivo fornecer cobertura aos golpistas em caso de uma resistência
prolongada ao golpe. Essa manobra militar foi denominada "Operação Brother Sam".
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