inquÉrito nº 3.983/df...2015/12/18  · dje nº 193 de 28.09.2015, que o fixou como termo inicial...

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REGINALDO OSCAR DE CASTRO ADVOGADOS ASSOCIADOS EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL TEORI ZAVASCKI INQUÉRITO Nº 3.983/DF EDUARDO COSENTINO DA CUNHA, já qualificado nos autos do Inquérito em referência, vem respeitosamente à presença de Vossa Excelência, por seus advogados, tempestivamente 1 , com fundamento no artigo 4º da Lei nº 8.038/1990 e no artigo 233 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, apresentar sua RESPOSTA à denúncia que lhe foi oferecida pelo PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA, bem como ao aditamento à denúncia, mediante as razões de fato e de direito expostas a seguir. QUESTÕES PRELIMINARES 01. Antes apresentar as razões pelas quais a denúncia não deve ser recebida, o denunciado deduz a seguir questões preliminares cuja apreciação deve anteceder, necessariamente, ao exame do tema da viabilidade ou não da denúncia. É que a decisão que for adotada a respeito terá influência na própria legitimidade desse procedimento preliminar. 1 O requerente foi notificado para a apresentação da resposta em 26.08.2015 (quarta-feira). No entanto, por não constar dos autos diversos documentos produzidos durante a fase investigativa, o denunciado pleiteou que o transcurso do prazo tivesse início apenas após ser a ele franqueado o acesso. Além disso, em Questão de Ordem apreciada em 03.09.2015, o Plenário do Supremo Tribunal Federal deferiu pedido formulado pela defesa para que fosse aplicado o art. 191 do CPC à hipótese de apresentação de resposta prévia do art. 4º da Lei nº 8.038/1990. Dessa forma, o novo prazo de 30 dias teve início em 28.09.2015 (conforme despacho publicado no DJe nº 193 de 28.09.2015, que o fixou como termo inicial para o oferecimento da resposta) e teria como termo final o dia 27.10.2015. Ocorre que, antes do vencimento do prazo, houve a apresentação de um aditamento à denúncia e a nova notificação para apresentação de resposta verificou-se em 18.11.2015, de sorte que o termo final passou para 18.12.2015.

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Page 1: INQUÉRITO Nº 3.983/DF...2015/12/18  · DJe nº 193 de 28.09.2015, que o fixou como termo inicial para o oferecimento da resposta) e teria como termo final o dia 27.10.2015. Ocorre

 

REGINALDO OSCAR DE CASTRO

ADVOGADOS ASSOCIADOS

  

 

                                                           

EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL TEORI ZAVASCKI

INQUÉRITO Nº 3.983/DF

EDUARDO COSENTINO DA CUNHA, já qualificado nos autos do Inquérito em

referência, vem respeitosamente à presença de Vossa Excelência, por seus advogados,

tempestivamente1, com fundamento no artigo 4º da Lei nº 8.038/1990 e no artigo 233 do

Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, apresentar sua RESPOSTA à denúncia que

lhe foi oferecida pelo PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA, bem como ao aditamento à

denúncia, mediante as razões de fato e de direito expostas a seguir.

QUESTÕES PRELIMINARES

01. Antes apresentar as razões pelas quais a denúncia não deve ser recebida, o

denunciado deduz a seguir questões preliminares cuja apreciação deve anteceder,

necessariamente, ao exame do tema da viabilidade ou não da denúncia. É que a decisão que

for adotada a respeito terá influência na própria legitimidade desse procedimento preliminar.

 1 O requerente foi notificado para a apresentação da resposta em 26.08.2015 (quarta-feira). No entanto, por não

constar dos autos diversos documentos produzidos durante a fase investigativa, o denunciado pleiteou que o

transcurso do prazo tivesse início apenas após ser a ele franqueado o acesso. Além disso, em Questão de Ordem

apreciada em 03.09.2015, o Plenário do Supremo Tribunal Federal deferiu pedido formulado pela defesa para

que fosse aplicado o art. 191 do CPC à hipótese de apresentação de resposta prévia do art. 4º da Lei nº

8.038/1990. Dessa forma, o novo prazo de 30 dias teve início em 28.09.2015 (conforme despacho publicado no

DJe nº 193 de 28.09.2015, que o fixou como termo inicial para o oferecimento da resposta) e teria como termo

final o dia 27.10.2015. Ocorre que, antes do vencimento do prazo, houve a apresentação de um aditamento à

denúncia e a nova notificação para apresentação de resposta verificou-se em 18.11.2015, de sorte que o termo

final passou para 18.12.2015.

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DA NECESSIDADE DE SUSPENSÃO DO PROCESSO

02. O ora denunciado ocupa o cargo de Presidente da Câmara dos Deputados que,

por força do art. 80 da Constituição da República de 19882, o coloca como terceiro na linha

de sucessão presidencial, na hipótese de impedimento ou vacância dos cargos de Presidente e

Vice-Presidente da República.

03. Ocorre que o §4º do art. 86 da Carta de 19883 impede a responsabilização do

Presidente da República por atos estranhos ao exercício de suas funções, na vigência de seu

mandato. É dizer, na hipótese de infrações penais dissociadas do exercício do cargo,

eventualmente cometidas fora da vigência do mandato, o ocupante do cargo em questão não

pode ser demandado em juízo.

04. Na hipótese dos autos, caso os fatos imputados ao denunciado tivessem

ocorrido – o que se admite apenas para argumentar – estes não autorizariam o seu

processamento, nos termos do art. 86, §4º, da CF de 1988, aplicável por analogia ao

denunciado, na medida em que referentes a atos tanto anteriores como estranhos ao mandato

ora ocupado.

05. Por tal razão, o processo deve ser suspenso até o final do mandato de

Presidente da Câmara dos Deputados ocupado pelo ora denunciado.

 

2 Art. 80. Em caso de impedimento do Presidente e do Vice-Presidente, ou vacância dos respectivos cargos,

serão sucessivamente chamados ao exercício da Presidência o Presidente da Câmara dos Deputados, o do Senado

Federal e o do Supremo Tribunal Federal. 3 Art. 86. (...) § 4º O Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por

atos estranhos ao exercício de suas funções.

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INDEVIDA RESTRIÇÃO AO CONTRADITÓRIO E À AMPLA DEFESA.

AGRAVOS REGIMENTAIS PENDENTES DE JULGAMENTO

06. É dever do órgão de acusação, ao oferecer uma denúncia, apresentar todos os

elementos probatórios colhidos durante a investigação, e o seu descumprimento impede que a

peça acusatória seja regulamente processada, na medida em que cria obstáculo ao efetivo ao

contraditório e impossibilita o exercício amplo do direito de defesa, que são assegurados

constitucionalmente (art. 5º, inciso LV, da CF).

07. Em razão do referido dever não ter sido plenamente observado, o denunciado

ingressou com diversos requerimentos (petições nos 37497, de 06.08.2015; 43096/2015, de

31.08.2015; 46353/2015, de 11.09.2015 e petição nº 47259/2015, de 16.09.2015) pleiteando

providências a respeito. A primeira decisão, proferida em 23.09.2015 (DJe de 28.09.2015),

atendeu apenas em parte aos questionamentos apresentados, o que motivou pedido de

reconsideração que, não atendido, deveria ser recebido como agravo regimental (petição nº

49724/2015, de 29.09.2015) que ainda não foi submetido ao Plenário.

08. No referido agravo regimental (fls. 1982/1986), a cujas razões o ora

denunciado reporta-se integralmente, ficou demonstrado que não se pode limitar o acesso ao

denunciado àquilo que ao ver da acusação estaria a ele relacionado. Isso porque, por ser a

delação premiada meio de obtenção de provas no qual o delinquente é beneficiado – e, no

caso em exame, de forma pródiga – deve ser conferido ao acusado amplo conhecimento dos

fatos declarados para o fim de contraditá-los de modo abrangente e com segurança.

09. Além disso, no agravo em referência sustentou-se que é indiscutível a

possibilidade de, na sua resposta, o denunciado apresentar documentos que comprovem a sua

inocência, nos termos do art. 5º da Lei nº 8.038/1990. No entanto, esses documentos referidos

pela norma legal somente podem ser aqueles que não foram produzidos durante a fase

investigativa do caso penal. Isso porque, esses últimos já devem – ou deveriam, como se vê na

hipótese desses autos – estar juntados com o oferecimento da denúncia.

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10. É que não se pode impor ao acusado ônus que é do órgão de acusação, qual

seja, o referente ao dever de fazer juntar aos autos todos os elementos informativos por ele

oficialmente colhidos durante a fase investigativa ou posteriormente, como ocorreu no caso

dos autos.

11. Na petição nº 52475/2015, de 13.10.2015 (fls. 1989/1991), o ora denunciado

postulou o acesso a outro documento, agora especificamente ao conteúdo integral do

procedimento de delação de Fernando Soares. Tal pretensão foi negada no item 3 da decisão

de 27.10.2015 (fls. 2158/2169), por entender que “foram juntados aos autos e está garantido

o acesso aos depoimentos que se referem aos denunciados e que foram mencionados na

denúncia”, o que motivou a interposição de novo agravo regimental (petição nº 60889/2015,

de 23/11/2015 – fls. 2225/2228), ainda não julgado.

12. Neste novo agravo regimental, o ora denunciado teve oportunidade de expor as

razões pelas quais não concordava com a interpretação acolhida na decisão objeto do agravo a

propósito do direito de acesso ao procedimento de delação premiada. É que tal interpretação

restritiva limita, injustificadamente, a possibilidade do efetivo contraditório e inviabiliza a

ampla defesa, além de, no caso em exame, desconsiderar a situação fática em que foram

realizados os acordos de delação.

13. Não é preciso qualquer esforço para se constatar que o acordo de delação é

ajustado ao longo de um procedimento realizado por ente público dotado de poder

investigatório. Trata-se de um procedimento oficial. As diversas fases desse procedimento,

bem como a eventual divisão por assuntos a serem esclarecidos pelo interessado no

acordo, são inspiradas exclusivamente por razões de ordem prática, mas não possuem

idoneidade capaz de garantir plena autonomia a cada uma delas.

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14. Vale dizer, as informações colhidas do mesmo delator a respeito de

determinados fatos não serão sempre e necessariamente irrelevantes em relação aos

acontecimentos informados em outras fases de procedimento. Somente o conhecimento e o

exame do procedimento integral pela defesa é que permitirá a esta realizar o contraditório

efetivo, inclusive para aferir a consistência e credibilidade das informações, e assim permitir

que haja o exercício da ampla defesa.

15. Essa conclusão fica ainda mais evidente quando se conferem os registros

audiovisuais das declarações prestadas pelos delatores: longos trechos de informações por

eles prestadas não são transcritas, supostamente por não interessarem à investigação, mas

que são relevantes para o denunciado. Durante esta resposta serão indicados diversos trechos

de depoimentos não transcritos nos termos e que são extrema relevância para apuração da

verdade dos fatos e para a prolação de uma decisão justa.

16. Não se pode esquecer que o próprio Ministério Público Federal, a propósito da

apuração de ilícitos praticados no âmbito da PETROBRÁS, sustenta a existência de uma

conexão instrumental tão intensa que é capaz de justificar a competência universal de um

Juízo Federal Criminal da Seção Judiciária do Estado do Paraná para todas as ações penais

relacionadas com a referida empresa. As informações obtidas dos delatores se referem a um

conjunto amplo de fatos que, em maior ou menor medida, necessariamente se inter-

relacionam, circunstância que também justifica o conhecimento integral do procedimento de

delação pela defesa.

17. Por outro lado, a circunstância de o órgão da acusação, por razões de

conveniência, ter optado por fracionar a investigação ou persecução penal contra os supostos

envolvidos em diversos inquéritos ou ações penais, inclusive em instâncias diversas, não pode

ser aceita como elemento capaz de isolar episódios que substancialmente guardam unidade, ao

menos no plano instrumental.

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18. O que se deve ter como referência para se autorizar, ou não, que o

interessado tenha acesso integral a um determinado procedimento de delação premiada

é o fato de o interessado ser apontado pelo delator como autor de uma conduta

penalmente ilícita. O fracionamento do procedimento de delação não pode ser invocado

como fundamento para restrição ao direito do investigado ou denunciado.

19. É evidente que quem não foi alcançado em qualquer das fases do procedimento

de delação pelas informações prestadas pelo delator não tem interesse jurídico em conhecer o

seu conteúdo. Entretanto, quando é qualificado como delatado, este tem sim o interesse

jurídico em conhecer o conteúdo integral do procedimento. Esse é o elemento relevante

para a apreciação do pedido de acesso ao procedimento de delação, jamais a circunstância de

o órgão da acusação ter se referido a uma determinada fase ou a certa etapa do procedimento.

Não se pode esquecer que, no caso, os procedimentos de delação foram utilizados para

oferecimento de denúncia contra o ora denunciado.

20. Não é compatível com a garantia constitucional do contraditório e da ampla

defesa delegar ao órgão da acusação a atribuição de definir o que interessa e o que não

interessa para a defesa, pois a tanto equivale a afirmativa de que a defesa só deve ter acesso

àquilo que o Ministério Público referiu-se na denúncia, como consta da decisão agravada. O

procedimento de delação, relativamente a cada delator, constitui uma unidade e como tal a

defesa deve ter acesso a essa unidade procedimental, sem o que fica configurado gravame

tanto ao contraditório, como a ampla defesa.

21. É importante assinalar que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal

revela que não obstante a unilateralidade da investigação criminal, e ainda que procedida

sob o regime de sigilo, esta condição não pode ser erigida como óbice ao investigado para

dela ter conhecimento – circunstância essa que se mostra mais intensa após o oferecimento de

denúncia pelo Ministério Público –, na medida em que este não perde a condição sujeito

de direitos, limitando-se o seu conhecimento apenas aos atos de investigação em curso e não

introduzidos formalmente nos autos do inquérito. Por oportuno, confira-se excerto do voto

do Exmo. Ministro Celso de Mello no julgamento do HC nº 93.7674:

                                                            4 STF, HC nº 93.767, Rel. Ministro Celso de Mello, Segunda Turma, DJe 01.04.2014.

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“Impende destacar, de outro lado, precisamente em face da circunstância de

o indiciado (e, com maior razão, o réu em juízo criminal) ser, ele próprio,

sujeito de direitos, que o Advogado por ele regularmente constituído (como

sucede no caso) tem direito de acesso aos autos da investigação (ou do

processo) penal, não obstante em tramitação sob regime de sigilo,

considerada a essencialidade do direito de defesa, que há de ser

compreendido – enquanto prerrogativa indisponível assegurada pela

Constituição da República – em perspectiva global e abrangente.” (destaques

no original)

22. Em recente decisão liminar5, o Ministro MARCO AURÉLIO deferiu pedido de

acesso a todos os termos e registros audiovisuais de acordo de colaboração premiada que

não haviam sido juntados aos autos de ação penal. Pela relevância e semelhança da

questão debatida naquele e nesse caso, transcreve-se a fundamentação adotada:

“Faz-se presente a relevância da alegação. Nada, absolutamente nada, respalda ocultar do envolvido – como é o caso do reclamante – os dados contidos em autos de inquérito, processo administrativo ou criminal, bem assim, até mesmo, de procedimento de delação premiada. Daí o Supremo ter editado o Verbete Vinculante nº 14 da Súmula, com o seguinte teor:

É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa.

Verifica-se, a partir da análise das peças que acompanham a inicial, que o Órgão reclamado restringiu o acesso da defesa à integralidade dos elementos de convicção produzidos no curso do procedimento de delação premiada conduzido inicialmente pelo Ministério Público Federal e, em seguida, pelo do Distrito Federal e Territórios. O motivo mostrou-se único: reputou suficiente a juntada dos termos preliminar e definitivo, sem que tenha facultado ao envolvido o conhecimento do teor dos depoimentos, gravações e documentos apresentados pelo delator no curso dos referidos autos.

Consoante se depreende do Verbete transcrito, está-se diante de indevida limitação de acesso da defesa a elementos de informação documentados nos acordos de colaboração.”

                                                            5 STF, MC na Rcl 21.816/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, decisão de 10.09.2015.

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23. Por todas estas razões, a restrição imposta pela decisão já referida, com a

devida vênia, não encontra fundamento legal e, ademais, revela-se obstativa ao efetivo

contraditório e impeditiva do exercício da ampla defesa.

24. Portanto, antes do exame da denúncia e do seu aditamento, é indispensável que

sejam apreciados os agravos regimentais pelo Plenário de Supremo Tribunal Federal que,

certamente, dará provimento aos mesmos, invalidando os atos anteriores para que, depois de

juntados aos autos pelo órgão acusador todos os documentos ausentes6, seja iniciado

novamente o prazo para oferecimento de resposta.

NULIDADE DOS DEPOIMENTOS COMPLEMENTARES DE JÚLIO CAMARGO – A ILEGAL E

INCOMPATÍVEL CONDIÇÃO DE DELATOR/ACUSADO E TESTEMUNHA.

IMPOSSIBILIDADE DA ADMISSÃO DOS DEPOIMENTOS COMO ELEMENTO PROBATÓRIO

DESVINCULADO DO ACORDO DE DELAÇÃO.

25. A manifestação do Procurador-Geral da República na Petição nº 5671, autuada

como procedimento oculto – e que só recentemente foi disponibilizado o acesso ao seu

conteúdo (despacho de 14.10.2015 – fls. 1995), depois de inúmeras solicitações, visto que os

arquivos estavam criptografados – afirma que, em 22.10.2014, JÚLIO GERIN DE ALMEIDA

CAMARGO firmou acordo de colaboração premiada como o Ministério Público Federal em

primeiro grau, tendo sido homologado pelo Juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba.

26. Afirma, também, que após a referida homologação, mais precisamente em

19.03.2015, o mencionado delator prestou um depoimento complementar sobre os fatos

relacionados à contratação de navios-sonda pela Petrobrás, sem referir-se objetivamente a

participação no evento de detentores de prerrogativa de foro no STF, mas “deixando a

entender, porém, que talvez houvesse pagamento de propinas destinadas a políticos”.  

6 Consubstanciado no procedimento integral de delação premiada de Fernando Soares, inclusive os seus registros

audiovisuais.

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27. Acrescenta que, em 10.06.2015, o delator em referência resolveu

complementar as informações anteriores e “acabou reconhecendo que, na verdade, parte dos

valores ilícitos solicitados eram para entrega ao Deputado Federal Eduardo Cunha, que

estava empenhado direta e pessoalmente na cobrança das quantias do depoente”, segundo

ficou anotado em novo depoimento complementar cujos trechos foram parcialmente

transcritos na manifestação em exame.

28. Informa, ainda, o Procurador-Geral da República que, “indagado sobre as

razões de somente neste momento prestar estas declarações complementares”, o delator

reconheceu que estava com medo de retaliações, porque “estamos tratando da terceira pessoa

mais importante do país e de uma pessoa agressiva quando quer alcançar seus objetivos”.

29. Diante desses fatos, o Procurador-Geral da República considera que “a

situação presente não impõe que se realize ‘novo acordo’, complementação ou ratificação

do acordo perante o Supremo Tribunal Federal”. Antes de analisar criticamente e de

demonstrar a inconsistência jurídica da referida compreensão, considera o ora denunciado

oportuno, especialmente para guardar plena fidelidade aos argumentos desenvolvidos,

transcrever as considerações apresentadas na manifestação em referência:

“11 - Fundamentos.

Os depoimentos prestados por Júlio Camargo perante o Procurador-Geral da

República têm absoluta validade como qualquer outro elemento de prova. Foram

prestados de forma absolutamente espontânea e na presença de sua advogada

constituída, a mesma que assinou o acordo de colaboração em primeiro grau.

No momento em que prestadas as declarações em primeiro grau, as quais ensejaram a

homologação ulterior do acordo pelo juízo competente (13" Vara Federal de

Curitiba), não havia qualquer referência objetiva à participação de pessoas com

prerrogativa de foro no STF. Assim, não houve qualquer violação à competência do

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Supremo Tribunal Federal. O ato realizado é juridicamente perfeito e somente pode

ser (re)analisado, se for o caso, com eventuais consequências e penalidades, pelo

juízo que o homologou.

A revelação (com dados objetivos) de participação de pessoa detentora de

prerrogativa de foro no Supremo Tribunal Federal é ulterior a todos os atos

realizados, reiterando-se que não era de conhecimento do Ministério Público e do

Juízo esta circunstância naquele momento.

A situação presente não impõe que se realize "novo acordo", complementação ou

ratificação do acordo perante o Supremo Tribunal Federal. O acordo de colaboração

foi firmado perante o juízo competente diante do que revelado à época.

Há de se ter que os elementos ora trazidos são como quaisquer outros dados de prova

a serem analisados no bojo da competência do Supremo Tribunal Federal. O

compromisso existente é de o colaborador referir todos os fatos que conhece.

Sem invadir a atribuição exclusiva dos Procuradores da República com atuação

perante a 13ª Vara Federal, bem assim a competência do Juiz Federal para analisar

as eventuais consequências desta complementação, o Procurador-Geral da República,

no âmbito das suas atribuições, considera como justificáveis as razões declinadas por

Júlio Camargo. Tais premissas, contudo, repise-se, não interferem em nada na

eventual análise das consequências jurídicas e legais pelos membros do Ministério

Público Federal com atribuição em primeiro grau e pelo juízo monocrático

competente acerca dos depoimentos prestados com informações complementares às

anteriormente noticiadas.

Impende salientar, ainda, que os depoimentos do colaborador foram totalmente

espontâneos e voluntários, sem que ele tivesse sido instado para tanto em eventual

procedimento formal para questionamento acerca da integralidade e validade do seu

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compromisso assumido no acordo homologado, o que, se fosse o caso, nem seria

atribuição do Procurador-Geral da República.

A situação do caso é similar à do comportamento de qualquer testemunha que sempre

pode, espontânea e voluntariamente, complementar os termos de seu depoimento

prestado em juízo.

Não se olvide a consideração expressa de lei de que é dever do colaborador prestar

todas as informações que tenha sobre o que se comprometeu a falar, mesmo que

posteriormente às primeiras manifestações que ensejaram o acordo homologado pelo

juízo competente (art. 4º, § 9º, Lei 12.850).

Nesta linha, este depoimento é outro elemento de prova que detalha o que já estava

sendo autonomamente apurado (e comprovado) por outros meios produzidos: que o

Deputado Federal Eduardo Cunha estava utilizando de vários meios de coerção a

Júlio Camargo para que houvesse o pagamento das propinas anteriormente

ajustadas.”7

30. Antes de demonstrar a manifesta falta de fundamento da pretensão do

Procurador-Geral da República de que os depoimentos de JÚLIO CAMARGO sejam

considerados como “outro elemento de prova”, desvinculado do acordo de delação, o

denunciado quer apenas chamar a atenção para o fato de que em todos os termos de

declarações complementares está expressamente consignada a participação do depoente

na condição de delator, nos termos da Lei nº 12.850/2013 e do acordo celebrado8.

                                                            7 Fls. 08/10 da manifestação do Procurador-Geral da República na Pet nº 5.671. 8 Nesse sentido: fls. 815: “Aos dezenove dias do mês de março de 2015, (...) foi realizada a oitiva de JÚLIO

GERIN DE ALMEIDA CAMARGO (...), observando-se todas as cautelas de sigilo e prescrições da Lei

12.850/2013 (...)”; fl. 832: “Aos dez dias do mês de junho de 2015, (...) foi realizada nova oitiva de JÚLIO

GERIN DE ALMEIDA CAMARGO (...), observando-se todas as cautelas de sigilo e prescrições da Lei

12.850/2013 (...)”; fl. 852: “Aos vinte e um dias do mês de julho de 2015, (...) foi realizada nova oitiva de JÚLIO

GERIN DE ALMEIDA CAMARGO (...). O declarante, na presença de seus defensores, renunciou ao direito ao

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Ressalta-se, ainda, que da inquirição participaram membros do Ministério Público da

União por delegação do Procurador-Geral da República9, a indicar que desejavam obter

meios de prova para utilização perante o Supremo Tribunal Federal. Tais circunstâncias são

suficientes para apontar no sentido da impossibilidade de dar-se ao depoente a condição de

mera testemunha e os seus depoimentos ficarem dispensados da necessária homologação

perante essa Corte Suprema.

31. A argumentação do órgão acusador, com todo o respeito, é absolutamente

infundada e não resiste a uma avaliação crítica. Afaste-se, desde logo, qualquer relevância ao

disposto no §9º do art. 4º da Lei n.º 12.85010, como suporte à pretensão exposta. É que a

possibilidade de nova oitiva do acusado/colaborador, prevista na norma, por um lado

pressupõe, obviamente, que ela se realize pelo membro do Ministério Público ou pelo

delegado de Polícia com atribuições perante o juízo responsável pela homologação, para

esclarecer fatos objeto do acordo celebrado e, por outro lado, dela não se pode extrair

conclusão de que o delator pode, ao mesmo tempo, assumir duas posições jurídicas: uma de

acusado/colaborador e outra de mera testemunha.

                                                                                                                                                                                          silêncio, reafirmando o compromisso legal de dizer a verdade, nos termos do § 14 do art. 4º da Lei nº

12.850/2013; fl. 2010: “Aos treze dias do mês de outubro de 2015, (...), observando-se todas as cautelas de

sigilo e prescrições da Lei 12.850/2013 (...) a oitiva de JÚLIO GERIN DE ALMEIDA CAMARGO (...)”. 9 Em todos os termos complementares afirma-se que os procuradores que presidem o ato o fazem na condição de

integrantes do “Grupo de Trabalho instituído pelo Procurador-Geral da República através da Portaria PGR/MPU

nº 3, de 19/01/2015”. A citada portaria foi publicada no DOU de 21/01/2015, n. 14, seção 2, p. 50, e designou

diversos membros do Ministério Público da União para “auxiliar o Procurador-Geral da República na análise

dos desdobramentos relacionados às investigações levadas a efeito pela força-tarefa designada pelas Portarias

PGR/MPF nos 217, de 3 de abril de 2014, publicada no D.O.U., Seção 2, pág. 61, de 7 de abril de 2014, e 655,

de 2 de setembro de 2014 , publicada no D.O.U., Seção 2, pág. 57, de 4 de setembro de 2014, em trâmite no

Supremo Tribunal Federal.” 10 Art. 4º (...) § 9º: “Depois de homologado o acordo, o colaborador poderá, sempre acompanhado pelo seu

defensor, ser ouvido pelo membro do Ministério Público ou pelo delegado de polícia responsável pelas

investigações.”

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32. Por oportuno, confira-se excerto do voto do Ministro MARCO AURÉLIO no

julgamento da Reclamação nº 21419 AgR/PR11, em que se discutia a usurpação de

competência pelo Juízo da 13 ª Vara Federal de Curitiba, em que o delator JÚLIO CAMARGO –

corréu no processo que tramitou perante aquela Vara Federal – se referiu ao ora denunciado:

“Em segundo lugar, Presidente, houve, como ressaltado pelo Relator, o

desmembramento e determinou-se a remessa à Corte de origem, da ação penal

quanto àqueles que não gozam da prerrogativa de serem julgados pelo

Supremo. Ante o que está no enunciado da lista, e agora percebi o voto

minucioso de Sua Excelência, um corréu foi ouvido – e não acredito que

tenha sido ouvido como testemunha, porque ninguém, no processo-crime,

pode ser, ao mesmo tempo, acusado e testemunha, por contrariar a

organicidade do Direito Processual Penal. O certo é que foi ouvido e voltou,

nessa audição, a mencionar o nome de detentor da prerrogativa de foro.”

33. É irrelevante, no particular, a alegação de que o acordo de delação em primeiro

grau contou com a anuência expressa do Procurador-Geral da República. É que, tratando-se

de acordo de delação que dizia respeito a fatos relacionados apenas a pessoas sem

prerrogativa de foro, e é o que se sustenta na manifestação do PGR em questão, tal atribuição,

no caso, era exclusiva do Procurador da República. A tal anuência do Procurador-Geral da

República era juridicamente desnecessária e, portanto, foi indevida.

34. Enquanto não havia referência a qualquer pessoa com prerrogativa de foro,

evidentemente a homologação deveria dar-se, como ocorreu, perante o Juízo Federal

competente (13ª Vara Federal de Curitiba), não havendo porque se cogitar de violação à

competência do Supremo Tribunal Federal até então. Portanto, as considerações do

Procurador-Geral da República a tal respeito são irrelevantes.

                                                            11 Rcl 21419 AgR/PR, Tribunal Pleno, DJe 05.11.2015.

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35. Todavia, da constatação feita no item anterior, bem como da circunstância de

que a revelação de suposta participação de pessoas detentora de prerrogativa de foro no

Supremo Tribunal Federal foi posterior àquela homologação, não se pode extrair a

conclusão de que “a situação presente não impõe que se realize ‘novo acordo’,

complementação ou ratificação do acordo perante o Supremo Tribunal Federal”, nem

autoriza que se considerem os novos depoimentos “como quaisquer outros dados de prova

a serem analisados no bojo da competência do Supremo Tribunal Federal”, desconsiderando-

se a sua origem (declarações de acusado/delator).

36. A solução sugerida pelo Procurador-Geral da República (a) está em conflito

com o sistema legal da delação premiada, (b) almeja a admissão de um mecanismo capaz

de dificultar ou inviabilizar a responsabilização do colaborador mentiroso e, o que é

igualmente grave, (c) conduz o Supremo Tribunal Federal a se submeter ao Juízo da 13ª

Vara Federal de Curitiba no que se refere à validade do acordo de colaboração, com

manifesta inversão da hierarquia jurisdicional.

37. A pretensão exposta na manifestação agora questionada está em flagrante

conflito com o sistema legal da delação premiada e com o próprio acordo celebrado com

JÚLIO CAMARGO. Não há na Lei nº 12.850, de 02.08.2013 qualquer norma que autorize que o

agente-colaborador possa, a respeito dos mesmos eventos considerados como penalmente

ilícitos no acordo de delação, assumir simultaneamente uma dupla posição jurídica, de

acusado/delator e mera testemunha, simplesmente porque o órgão acusador resolveu

solicitar a cisão do procedimento de investigação e da ação penal, em razão da

prerrogativa de foro de um dos supostos agentes.

38. A propósito de todos os fatos definidos em momento próprio com o Ministério

Público Federal, incluído entre eles o da contratação de navios-sonda pela Petrobrás, o delator

JÚLIO CAMARGO tinha o compromisso de colaborar na identificação e comprovação das

infrações penais praticadas, inclusive, quanto a eventuais “agentes públicos que tenham

praticado ou participado de ilícitos” (termo de colaboração premiada, cláusula 6ª, letra “a”).

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39. JÚLIO CAMARGO, no termo de colaboração premiada, também se obrigou, “sem

malícia ou reservas mentais, a esclarecer cada um dos fatos ou esquemas criminosos

apontados nos diversos anexos deste termo de acordo...” (cláusula 6ª, § 1º). Ademais, no

mesmo ajuste, comprometeu-se a “falar a verdade, incondicionalmente e sob compromisso,

em todas as investigações – inclusive nos inquéritos policiais, inquéritos civis, ações civis e

processos administrativos disciplinares e tributários – e ações penais, em que doravante

venha a ser chamado a depor na condição de testemunha ou interrogado, nos limites deste

acordo” ( cláusula 9ª, letra a).

40. O delator JÚLIO CAMARGO, em troca destes e de outros compromissos, recebeu

generosos benefícios12, mas que poderia perdê-los caso o Ministério Público Federal

considerasse presente qualquer das hipóteses previstas na cláusula 17 do termo de

colaboração premiada. A generosidade dos benefícios concedidos contém apelo suficiente

para conduzir o delator a declarar qualquer evento, verdadeiro ou não, que interesse a

acusação, sempre que haja qualquer insinuação quanto a possibilidade de rescisão do

acordo. Tal fato não pode ser desconsiderado. Oportunamente o ora denunciado tratará

especificamente desta questão, visto que se revela irrelevante no aspecto agora questionado.

41. O delator tem a obrigação, sob pena de rescisão do acordo, de prestar todas as

informações a respeito dos fatos sobre os quais assumiu o compromisso de esclarecer, sem

reservas mentais e falando a verdade, independente do órgão judiciário eventualmente

competente para a ação penal. Não há na lei, nem no acordo celebrado pelo Ministério

Público Federal com JÚLIO CAMARGO, qualquer possibilidade de dar-se tratamento

diferenciado ao colaborador, ou seja, de tratá-lo como mera testemunha e, portanto, sem se

submeter à responsabilidade decorrente da sua posição de acusado/delator, porque certos fatos

– flagrantemente mentirosos – noticiados posteriormente referem-se a pessoa com

prerrogativa de foro.                                                             12 O Ministério Público Federal no Paraná ofertou a Júlio Camargo no acordo de colaboração firmado em

22.10.2014, dentre outros, os seguintes benefícios: a) substituição do regime de penas restritivas de liberdade,

por regime aberto; b) possibilidade de viagens nacionais sem necessidade de comunicação prévia ao juízo e até

mesmo viagens internacionais, com comunicação prévia de uma semana; c) a isenção total de responsabilidade

civil e por atos de improbidade de Júlio Camargo e suas empresas. Conferir a Cláusula 5ª, I, IV e §7º do

Termo de Colaboração Premiada. Ação Penal nº 5083838-59.2014.4.04.7000, Evento 19.

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42. Se as informações do delator se referem a fatos que somente podem ser

apreciados perante o Supremo Tribunal Federal, para que estas informações possam ser

validamente utilizadas perante essa Suprema Corte é necessário que o órgão acusador

submeta o ajuste ao Tribunal competente, como um novo acordo, ou mesmo como

complementação ou ratificação o acordo celebrado anteriormente.

43. A conduta adotada pelo Procurador-Geral da República, a rigor, cria uma

situação que, se admitida, pode gerar duas consequências ilegítimas: a) por um lado,

permite que o delator descumpra obrigações estabelecidas anteriormente pelo próprio

Ministério Público Federal, sem que seja responsabilizado por isso; e b) por outro lado,

subtrai do Supremo Tribunal Federal o exame da validade do acordo de delação, a

despeito do delator reportar-se a supostos fatos cujo conhecimento se inserem na sua

atribuição constitucional.

44. As observações do Procurador-Geral da República no sentido de que cabe aos

Procuradores da República com atuação perante a 13ª Vara Federal de Curitiba avaliar as

eventuais consequências das complementações realizadas por JÚLIO CAMARGO, bem como ao

Juiz Federal da referida Vara, e a afirmação de que ele (PGR) “considera como justificáveis

as razões declinadas por Júlio Camargo”, feitas em petição subscrita em 23.06.2015, não têm

o condão de realizar uma separação substancial na conduta de delator, de modo a permitir que

se considerem as complementações como desvinculadas do acordo de delação e tenham sua

validade e eficácia preservadas.

45. Essa pretendida separação entre o acordo de delação e as complementações

realizadas por JÚLIO CAMARGO só atende a um interesse: o de preservar os benefícios do

delator, não obstante este tenha descumprido escancaradamente as obrigações

assumidas. É bom que fique bem claro que, para o denunciado, o descumprimento reside na

apresentação de informações não espontâneas e falsas nos depoimentos complementares,

como será demonstrado oportunamente.

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46. O certo é que a argumentação desenvolvida na manifestação do Procurador-

Geral da República visava preservar o delator e tal objetivo foi alcançado, na medida em que

já decorridos nove meses, contados do primeiro depoimento complementar, nenhuma

providência foi adotada com o objetivo de rescindir o acordo com JÚLIO CAMARGO. Se o

órgão da acusação considera verdadeiras as informações prestadas nos depoimentos

complementares, obviamente, não pode deixar de reconhecer que JÚLIO CAMARGO

mentiu – ou no mínimo omitiu informações – nos depoimentos anteriores e, assim,

descumpriu uma das principais obrigações assumidas no acordo de delação.

47. Por outro lado, a pretensão externada pelo Procurador-Geral da República no

sentido de remeter aos Procuradores da República e ao Juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba

o exame das consequências da conduta do delator, objetivamente importa em subtrair desse

Supremo Tribunal a validade e a eficácia de acordo de delação que, a rigor, aqui deveria ter

sido homologado. A omissão do órgão acusador em submeter, como lhe competia, o acordo a

esse Supremo Tribunal Federal não pode gerar uma consequência desfavorável ao acusado.

48. De acordo com a argumentação desenvolvida pelo Procurador-Geral da

República, esse Supremo Tribunal Federal, na verdade, no que se refere ao acordo de delação

de JÚLIO CAMARGO, deve submeter-se ao que for deliberado pelo Juízo da 13ª Vara Federal de

Curitiba. Situação que se revela absurda e juridicamente despropositada.

49. Para que se possa avaliar adequadamente a conduta de JÚLIO CAMARGO, é

relevante lembrar que, depois de passados alguns meses do ajuste e de ter prestado diversos

depoimentos, órgãos de imprensa que costumeiramente noticiam providências que seriam

tomadas pela Procuradoria Geral da República passaram a divulgar que o acordo de delação

celebrado poderia ser rescindido porque o delator não se referia ao Deputado EDUARDO

CUNHA13, fato que foi imediatamente levado ao conhecimento de Vossa Excelência como

relator do inquérito.

                                                            13 Notícias transcritas no corpo da petição nº 25712/2015, de 25.05.2015, às fls. 530/531.

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50. As notícias veiculadas na imprensa a respeito da pressão exercida pela

acusação contra o delator JÚLIO CAMARGO acabaram por se confirmar quando o referido

delator, falsamente, referiu-se a fatos supostamente ocorridos em 2011 que, ao seu ver,

incriminariam o ora denunciado nos fatos ocorridos em 2006 e 2007. Na verdade, ao ver do

denunciado, em razão de vulnerabilidade em que se encontrava - e ainda se encontra - o

delator, e diante das circunstâncias postas, este se sentiu compelido a mentir para

continuar gozando os benefícios que lhe foram concedidos.

51. Perante a Procuradoria Geral da República14, JÚLIO CAMARGO ao ser

questionado “por qual motivo foram trazidos estes novos detalhes apenas nesta data, o

declarante respondeu que somente está trazendo agora tais detalhes por medo de retaliações

ao declarante, à sua família, e às suas empresas; QUE ‘estamos tratando da terceira pessoa

mais importante do país e de uma pessoa agressiva quando quer alcançar seus objetivos’”.

Porém, ao ser indagado pelo Juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba15, em 16.07.2015, sobre a

razão de não ter falado em depoimento anterior sobre aqueles “fatos”, mentirosamente

afirmou que “quando eu fui fazer o meu acordo no Ministério Público aqui em Curitiba me

foi alertado que casos que envolvessem políticos não deveriam ser feitos aqui em Curitiba.

Deveriam ser feitos em Brasília devido ao foro privilegiado”.

52. Além da complacência da acusação em aceitá-las, o que mais surpreende são as

desculpas inventadas por JÚLIO CAMARGO para justificar porque não falara antes: (i) tinha

medo porque o Deputado EDUARDO CUNHA era a terceira pessoa mais importante do país.

Ocorre que quando JÚLIO CAMARGO fez o acordo de delação (em 22.10.2014) o Deputado

EDUARDO CUNHA não era Presidente da Câmara dos Deputados e naquela oportunidade não

falou nada a respeito (e JÚLIO CAMARGO teve medo?), mas agora que o denunciado exerce o

cargo que ele reputa poderoso não teve medo de acusar. É realmente muito estranho. Por outro

lado, (ii) a alegação de que não poderia se referir a pessoas com prerrogativa de foro não é

verdadeira, pois ao ser questionado expressamente, por duas vezes, pelos investigadores

no Paraná, sobre a participação de políticos, o delator respondeu enfaticamente de

                                                            14 Termo de declarações complementares nº 02, de 10.06.2015, fls. 832/850. 15 AP nº 5083838-59, Evento 586 – TERMO – Aud 16-07, p. 77. Nesses autos, fl. 752.

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forma negativa, conforme se extrai do vídeo do depoimento relativo ao Termo de declaração

nº 716, trecho que surpreendentemente não foi transcrito no referido Termo17:

“Polícia Federal: Senhor Júlio, em complementação a todos os anexos, do seu

acordo de colaboração premiada, eu indago se em relação a esses fatos que o

senhor mencionou nos termos anteriores, se o senhor efetivou pagamentos

de propinas em favor de autoridades públicas, como deputados federais,

senadores ou qualquer outro agente político?

Júlio Camargo: Não. Nunca fiz nenhum ato ilícito com deputados ou

senadores ou qualquer tipo de político, os fatos que eu tinha que narrar já

foram narrados em meus depoimentos, não constando nenhum político

desses favorecimentos.

Polícia Federal: Então o senhor não efetivou o pagamento de propina dentro

desses contratos da Petrobrás dentro dos seus comissionamentos a nenhum

político?

Júlio Camargo: Não senhor.”

53. Como se vê, as desculpas não têm respaldo nas circunstâncias fáticas

expressamente documentadas, vale dizer, são mentirosas, mas a acusação aceitou-as sem

restrição.

54. Tudo leva a crer que o delator mudou a sua versão diante da possibilidade de

ver o seu acordo – que lhe garantia generosos benefícios18 – rescindido. Se JÚLIO CAMARGO

                                                            16 Apenso 5, Oculto HD, HD 26.989.7150023-18, Colaboração Augusto e Julio, Termos e

Vídeos_Colaboração_03.11.14_Julio, Termo 8, Arquivo: M2U00071. 17 No vídeo o policial que inquire o delator JÚLIO CAMARGO refere-se que os questionamentos são relativos ao

Termo de Declarações nº 7, porém essas declarações constam do Termo de Declarações nº 8, (Apenso 5,

Oculto HD, HD 26.989.7150023-18, Colaboração Augusto e Julio, Termos e

Vídeos_Colaboração_03.11.14_Julio, Termo 8, Arquivo: Termo de Colaboração 8_JULIO_3.11.14), que

estranhamente deixou de ser juntado nesses autos de forma espontânea pelo órgão acusador. 18 Segundo o jornal Folha de São Paulo, de 06.09.2015, JÚLIO CAMARGO, na condição de lobista, teria lucrado

em seus negócios com a Petrobrás, em valores nominais, mais de R$ 266.000.000,00 (duzentos e sessenta e

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tinha algum receio só pode ser esse, pois jamais o ora denunciado praticou qualquer ato

contra o delator, sua família ou seus interesses.

55. Acrescente-se, ainda, que a mudança de versão coincidiu com a mudança de

advogados de JÚLIO CAMARGO, pois este passou a ser assistido pelos defensores do delator

ALBERTO YOUSSEF, delator este que apresentava versão dos fatos inconciliável com a daquele,

como será explicitado adiante.

56. Diante de todas estas considerações, o ora denunciado entende que a pretensão

do Procurador-Geral da República, no sentido de ser desnecessária a homologação perante

essa Corte Suprema de novo acordo de delação ou complementação ou retificação do anterior,

deve ser indeferida, sendo reconhecida, desde logo, a nulidade dos depoimentos

complementares prestados por JÚLIO CAMARGO, que devem ser desentranhados dos

autos.

57. Ademais, também por outros motivos, os referidos depoimentos

complementares revelam-se imprestáveis para efeito probatório nestes autos, como será

demonstrado na sequência.

DEPOIMENTOS COMPLEMENTARES DE JÚLIO CAMARGO EM QUE É MANIFESTA A AUSÊNCIA

DE ESPONTANEIDADE E VOLUNTARIEDADE.

AUSÊNCIA DE REGISTRO DE PARTES SUBSTANCIAIS DOS RELATOS DE JÚLIO CAMARGO E

FERNANDO SOARES

58. No Termo de declarações complementar nº 02 de JÚLIO CAMARGO (Doc. 9 da

denúncia), em que aquele delator muda a sua versão anterior e passa a relatar a inverídica

participação do ora denunciado nos fatos, consta que “o declarante, espontaneamente,

                                                                                                                                                                                          seis milhões de reais), e, no acordo de colaboração premiada, lhe foi imposta multa de apenas R$

40.000.000,00 (quarenta milhões de reais), além dos outros benefícios já destacados. Informação extraída do

endereço eletrônico: http://www1.folha.uol.com.br/poder/2015/09/1678322-delator-lucrou-mais-que-o-sextuplo-

de-multa-em-negocios-com-a-petrobras.shtml, acesso em 21.09.2015.

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manifestou intenção de complementar seus depoimentos prestados no âmbito de acordo de

colaboração premiada celebrado no curso da chamada ‘Operação Lava Jato’” (fl. 832).

Ocorre que a mencionada espontaneidade é afastada diante das declarações do próprio

delator.

59. JÚLIO CAMARGO tornou pública a fantasiosa versão da participação do

denunciado nos fatos apurados nesse inquérito na audiência de 16.07.2015, realizada perante

o Juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba. Naquela oportunidade, ao responder questionamento

do Juízo sobre as razões de não ter revelado anteriormente fatos que supostamente

envolveriam o ora denunciado, JÚLIO CAMARGO – embora tenha mentindo a respeito de seus

motivos, como foi destacado em tópico anterior – deixou claro que os seus depoimentos

prestados em Brasília não foram marcados pela voluntariedade e espontaneidade. As

exatas palavras do delator foram as seguintes:

“Juiz Federal: Por que que o senhor não falou isso no seu primeiro

depoimento nesse processo?

Interrogado: Excelência, o seguinte, quando eu fui fazer o meu acordo no

Ministério Público aqui em Curitiba eu fui alertado que casos que

envolvessem políticos não deveriam ser feitos aqui em Curitiba, deveriam ser

feitos em Brasília devido ao Foro privilegiado. E aí realmente eu fiquei numa

situação incômoda porque houve o depoimento ao senhor, eu com o meu

compromisso de falar a verdade, não tendo, por força do Foro privilegiado

feito essa declaração ao Ministério Público aqui em Curitiba, porém já

estando sinalizado através da nossa advogada que seria chamado pelo

Ministério Público em Brasília, como fui chamado em duas vezes e a história

que ainda tem um pouco de prosseguimento, mas basicamente dentro disso

que eu falei ao senhor. Então foi esse o motivo que eu não falei a primeira

vez.”

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60. Do referido trecho se extrai que na verdade não foi JÚLIO CAMARGO que

procurou o Ministério Público em Brasília para, de forma espontânea, complementar suas

informações – como registrado no Termo de declarações complementar nº 02 de JÚLIO

CAMARGO –, mas sim que foi alertado por sua então advogada que o delator seria chamado

pelo Ministério Público, como efetivamente o foi, para o fazer. Ora, o fato de ser chamado

pelo órgão acusador para “complementar” as informações deixa claro que não houve

espontaneidade do delator em participar das referidas oitivas promovidas pela Procuradoria

Geral da República.

61. De outra parte, o denunciado não olvida que a intenção de pactuar acordo de

delação premiada não exige a espontaneidade do delator, mas apenas que a sua decisão seja

voluntária. Vale dizer, não há que se investigar se a intenção de colaborar com o órgão

acusador tenha origem no próprio delator, mas apenas que a sua decisão tenha sido tomada de

forma voluntária, livre.

62. Ocorre que além de não ter sido espontânea a decisão de JÚLIO CAMARGO de

prestar “informações complementares” à Procuradoria Geral da República, de igual forma

pode-se dizer que esta também não foi voluntária, na medida em que não foi tomada de

forma livre, isenta de pressões.

63. Não se pode perder de vista que o Plenário do Supremo Tribunal Federal no

julgamento do HC nº 127.483/PR – AgR19 assentou a impossibilidade de o sujeito apontado

como co-autor ou partícipe de crime impugnar o acordo de colaboração firmado pelo delator.

Vale dizer, ainda que o ora denunciado demonstre – como efetivamente demonstrará nessa

resposta – que o delator JÚLIO CAMARGO mentiu, ou ao menos omitiu informações, no âmbito

de seu acordo de delação premiada, a ensejar a sua rescisão, tal medida somente será passível

de concretização a partir da iniciativa do Ministério Público Federal.

64. Como afirmado em tópico anterior, é relevante ter em vista que a nova versão

dos fatos apresentada por JÚLIO CAMARGO, especialmente nos Termos de declaração

                                                            19Rel. Ministro Dias Toffoli, julgado em 27.08.2015, com acórdão pendente de publicação.

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complementar nos 02 e 03, somente foi revelada após a publicação de diversas notícias de

insatisfação da Procuradoria Geral da República com os depoimentos do delator, que por

não se referir ao ora denunciado, poderia levar ao rompimento do pródigo acordo de delação

que havia firmado20.

65. Ora, se havia algo a afetar a liberdade de decisão do delator de revelar ou não

informações inverídicas a respeito do denunciado, isso só poderia ser o receio de perder os

imensos benefícios auferidos no acordo de delação premiada, ainda mais quando instado pelo

próprio órgão legitimado a propor a rescisão do acordo. Acrescente-se a isso o fato já

abordado no tópico anterior de que o próprio Procurador-Geral da República pretende – de

forma ilegítima, como se demonstrou – afastar dessa Suprema Corte a análise sobre a

legalidade do acordo de delação premiada de JÚLIO CAMARGO, bem como que passados nove

meses do primeiro depoimento complementar de referido delator, não houve qualquer

providência por parte do Ministério Público Federal para rescindir o acordo celebrado.

66. Nesse contexto, não se pode qualificar como livre a decisão do delator de

revelar fatos sabidamente inverídicos perante a Procuradoria Geral da República, de sorte a

reconhecer-se a imprestabilidade de referidos depoimentos.

67. Além disso, a análise dos registros audiovisuais dos depoimentos de JÚLIO

CAMARGO e também dos de FERNANDO SOARES, e o seu cotejo com a redação dos termos de

declaração produzidos pelo órgão acusador revelam: (i) induções de respostas; (ii)

incessantes pressões para que os delatores assentissem com a hipótese imaginada pelos

procuradores; e (iii) a ausência de registros de partes substanciais dos relatos dos

delatores.

68. Apenas a título exemplificativo – uma vez que são inúmeras as oportunidades

em que são constatados os vícios enumerados no parágrafo anterior –, ao tratar dos

requerimentos de fiscalização apresentados perante a Comissão de Fiscalização e Controle da

                                                            20 Fatos imediatamente informados à Vossa Excelência, com a transcrição das notícias no corpo da petição nº

25712/2015, de 25.05.2015, às fls. 530/531.

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Câmara dos Deputados e sua suposta autoria, os procuradores relataram os fatos da seguinte

maneira no Termo de declarações complementar nº 01 de JÚLIO CAMARGO:

“O depoente não sabe o tempo que demora o trâmite destes requerimentos.

Indagado, o depoente descartou hipóteses de pressão, pois ele já havia

recomeçado os pagamentos. Não pode dizer quem poderia estar por trás deste

procedimento de esclarecimentos acerca dos contratos com a Mitsui. Não

descarta que Fernando possa ter feito pressão por intermédio de seus amigos

do PMDB, mas não tem como afirmar isso. A maior pressão que sofreu foi a

‘advertência’ de Fernando Baiano de que poderia ser prejudicado nos seus

demais negócios. Isso foi uma ‘ameaça real’ de uma força política que pode

vir contra você. Mas não tem como indicar quem especificamente estaria por

trás disso tudo.” (fls. 827/828).

69. No entanto, durante a oitiva os procuradores tentam, por diversas vezes, induzir

a reposta do delator, conforme se depreende da transcrição do registro audiovisual21:

“Júlio: Eu não acredito... ou então, veja bem...como eu não sei quanto tempo

demora, por exemplo, entre você fazer um requerimento desse e esse

requerimento vir à tona. Não sei como é que é o trâmite disso. Eu sei dizer

que não me parece lógico, no momento que eu reiniciei os pagamentos, que

eu tivesse recebido uma pressão dessa, porque poderia até ter um efeito

contrário. Eu poderia ter me aborrecido de uma vez, e ter parado.

Procurador: É que na realidade o senhor já estava parado não é? Porque

coincide justamente com uma lacuna desses pagamentos, então parado o

senhor já estava, então não se fala de parar, aqui o senhor já estava sem

pagar...

Júlio: Não, eu... o senhor me permite... na minha cabeça eu já não estava

mais parado. Eu estava parado em 2008. 2008 eu parei. Chamei e falei:

‘Olha, aconteceu esse problema, pá pá pá’. No momento que eu parti pra uma

 21 Relato constante do Arquivo depoimento_1, entre os instantes 2:42:37 e 2:56:36, do Apenso 06, Pen drive 01.

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solução, eu já parti dizendo ‘Eu não consigo pagar isso de uma vez’. Então foi

acertado um cronograma que é muito perto desse que aconteceu então não me

parece...não vou descartar como disse o doutor não vou descartar... ou então,

isso foi feito lá atrás, antes de ter acontecido esse pagamento de 2010 e aí

chegou isso somente em 2011... pode ser

Procurador: A Mitsui explicou para o senhor como é que ela tomou

conhecimento?

Júlio: Quem?

Procurador: A Mitsui.

Júlio: Foi notificado pelo...

Procurador: Mas antes então, ela não sabia?

Júlio: Não sabia.

Procurador: O senhor não foi a busca de pessoas que lhe eram próximas... a

motivação pelo requerimento por uma pessoa desconhecida.

Júlio: Eu fui impedido, doutor. Fui impedido.

Procurador: Mas mesmo impedido...é porque...só por curiosidade...porque

uma...

Júlio: Minha vontade, primeiro era procurar a deputada Solange né...dizer,

‘olha eu recebi isso aqui, qual é o motivo disso aqui? O que é que você está

querendo com isso?’ ‘isso aqui é uma denúncia? Isso aqui, o que que é?’

Procurador: O senhor foi proibido formalmente pela Mitsui, mas para as

pessoas que são chegadas, que eram chegadas ao senhor...como Paulo

Roberto, Cerveró... o senhor não comentou isso, não procurou eles pra...

porque aí não se trata mais de um ato formal, como seria procurar a

deputada Solange... nenhuma conversa... exigia muita frieza do senhor ficar

sabendo disso e realmente não falar nada com ninguém, nem com pessoas

de seu relacionamento...

Júlio: Doutor, o senhor tem razão no que o senhor está falando, mas eu vou

explicar uma coisa... é... trabalhar com o japonês é um negócio... seguinte...

ou você tem uma disciplina oriental, ou você não tem sucesso... o que é dizer

isso?... é o seguinte... quando você combina uma coisa com eles, não faça

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diferente porque da mesma maneira que eles são cumpridores de tudo aquilo

que eles combinam com você, eles cortam a sua cabeça com uma facilidade

impressionante... então, por exemplo, eu corri um grande risco... eu.... agora

eu não sei dizer se não comentei, pode ser que tenha comentado... agora, o que

eu decididamente não fiz é tomar nenhuma atitude formal...porque eu corria

um risco de a Mitsui cortar a minha cabeça... ‘não falei pra você, não se meta

aqui que é um assunto nosso’...

Procurador: Nessa altura, o que não se pode conceber é que o senhor não

tenha cogitado quem pudesse estar por trás desse requerimento [formulado]

por uma pessoa inexpressiva no segmento... enfim, né... eu acredito que o

senhor vai ter dificuldade de nos convencer do contrário

Procurador: É que se por um lado o senhor não tomou uma atitude formal, o

senhor mesmo já demonstrou que ficou inquieto em relação a isso...

Júlio: Mas lógico...

Procurador: Tanto é que começou a acompanhar o andamento desse

requerimento no site do senado...

Júlio: Sim...

Procurador: É... então isso inquietou o senhor, então o senhor fez...o senhor

ficou refletindo sobre isso... elucubrações.... possivelmente comentou com

alguma pessoa chegada, o senhor tá tentando lembrar aí... e nessas

elucubrações que... a quem o senhor poderia... chegou a cogitar ou atribuir...

que poderia ser esse expediente... porque da deputada Solange

definitivamente não faz o menor sentido.

Júlio: É... eu até hoje vou dizer pro senhor... eu nem sei se ela continua

deputada, eu não sei nem quem é... mas descartei qualquer tipo de, como diz

aí no depoimento do Youssef, de pressão, uma vez que na minha cabeça eu

já tinha re startado os meus compromissos... então, sinceramente... não tiro

essa possibilidade... agora, quem poderia ser... seria uma leviandade minha

falar qualquer coisa.

Procurador: Talvez, a visão que o senhor... o senhor não descartou essa

hipótese... agora se o senhor refletir sobre a visão que as pessoas que

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estavam de fora... talvez elas mais... porque o Youssef não tinha porque criar

isso né... talvez ele tenha ficado sabendo de uma história que o senhor, não

chegou ao conhecimento do senhor, porque o senhor estava dentro da

história, talvez na cabeça do senhor, o senhor estaria cumprindo, mas... é... o

senhor não descartou a hipótese da pressão, se fosse, como é que o senhor

acha que poderia...

Júlio: Olha doutor, o assunto do Youssef... de novo... eu absolutamente não

tenho nenhum interesse, até porque como convivemos juntos tantos anos e

não tenho aqui nenhum interesse de falar mal.... mas o que eu acho é que

foram tantos fatos que passaram pelo Youssef, dos quais eu elenquei ao

senhores alguns que não tem o menor sentido... que talvez, como eu disse ao

senhor, que o nome do Fernando Soares, é um nome ligado a esse pessoal do

PMDB...

Procurador: Mas passou pela sua cabeça que pudesse ser o Fernando, usando

esse poder que ele teria, das pessoas a quem ele é ligado... era uma forma de

passar um recado, ou dar um aviso...

Júlio: De novo, a não ser que, a não ser que ele tenha feito isso anterior...

porque quando eu re-startei ao... quando eu re-startei isso em 2010... o

ambiente voltou a ser um ambiente de cordialidade.

Procurador: Teve... eu reitero aqui, teve um intervalo considerável aí, o

senhor voltou a pagar no final de 2010, aí todo o primeiro semestre de 2011

não tem nenhum pagamento...

Júlio: Isso.

Procurador: Aí o senhor volta em setembro de 2011, pouco depois desse

requerimento... nesse primeiro semestre de 2011 não teve nenhuma cobrança?

Júlio: O senhor veja o seguinte... eu paguei de uma vez só 3 milhões de

dólares... de 10 eu paguei trinta por cento... como dizendo ‘olha, é uma

demonstração que eu vou pagar, agora você me dá um pouco de pulmão,

porque eu estou tirando do meu’... não é que eu estou recebendo e pagando...

o senhor entendeu?... quer dizer, eu deixei de pagar... deixei de receber e

continuei pagando... quer dizer, pode ser que o Fernando tenha feito uma

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pressão através, sei lá, dos amigos dele do PMDB? Sei lá, pode ser, pode

ser... mas eu vejo pela data que, ou ele fez esse requerimento muito antes e

demorou pra tramitar ou eu não vejo sentido...

Júlio: Eu tô entendendo doutor, que...eu tô entendendo que vocês estão

querendo lincar...

Procurador: Nós estamos tentando entender essas conexões, nós não estamos

apontando ninguém, nem queremos fazer isso (ininteligível)... nós estamos

tentando entender exatamente a sequência lógica das coisas e como nós lhe

dissemos antes, algumas questões que ao senhor podem parecer, com a sua

percepção, às vezes parece uma coisa, elas num contexto que talvez o senhor

não conheça elas possam significar outra...percepção é uma coisa muito

subjetiva...

Júlio: perfeito...

Procurador: Senhor Júlio, o que o meu colega está falando... eu só chamo a

atenção do senhor porque do mesmo modo que o senhor pode estar vendo

incoerências em algumas colocações do Youssef... é uma via de mão dupla,

ele também pode sustentar que as incoerências são do senhor, então por isso

que é importante considerar todas as hipóteses né... às vezes alguém tentou

fazer uma pressão no senhor, mas como na cabeça do senhor, o senhor já ia

pagar... intimamente o senhor não foi pressionado porque já estava

considerado o pagamento, mas alguém lá de fora acha que pressionou e

ainda acha que você... então a gente não pode descartar essa hipótese...

Júlio: não, tá certo... agora, a maior pressão pra mim que eu recebi, e essa

eu senti, e foi por isso que eu decidi reiniciar o pagamento, foi quando o

Fernando me falou ‘olha, cuidado porque você vai ser prejudicado nos seus

negócios’...

Procurador: É...então... isso até... a gente... isso tem muita coerência

justamente com essa hipótese que a gente está falando, porque o senhor

deixou bem claro aqui que essa ameaça, esse temor não era em relação ao

Fernando né...mas sem...

Júlio: não...eu tinha certeza que...

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Procurador: (inteligível) era um neófito na Petrobrás perto da experiência do

senhor... então o senhor sabe muito bem como é que são as regras do jogo,

talvez se fosse outra pessoa não levasse em consideração essa ameaça do

Fernando, mas o senhor experiente que é, conhecendo como o jogo é jogado...

é.... recebeu bem o recado, assimilou bem e viu que era uma ameaça real

né...então talvez... fez sentido para o senhor, funcionou a primeira ameaça e

talvez a segunda...

Júlio: A minha dificuldade é talvez dizer, como o Youssef falou, falou ‘ó,

quem tava por trás disso era o Eduardo Cunha’... isso é que eu não posso

dizer...

Procurador: E nem pode descartar... isso que eu tô querendo chegar

Júlio: Não posso descartar, como pode ter sido o nosso Renan Calheiros, por

que não?... Porque ele é do clube né doutor?!... quer dizer, isso eu não

consigo... aí eu corro um outro risco de entrar num...

Procurador: O senhor referiu (ininteligível) é importante isso dentro do

contexto que o senhor fala, da sinceridade que é importante na apuração dos

fatos, que o senhor não tem como indicar uma pessoa porque seria uma

leviandade, mas o senhor fez expressão que haveria um clube, havia um clube,

o senhor usou essa expressão...

Júlio: Não...o que eu me referi é o seguinte... quer dizer... quando o Fernando

vem e me diz ‘você vai ser prejudicado’ e quando você sabe dessas histórias

que circulam que ele é uma pessoa que pretensamente representava o PMDB e

como você tem a área de abastecimento, naquele momento sob o domínio do

PMDB, como você tem contratos importantes dentro da área de

abastecimento, ora aquilo era uma ameaça real... é... então fica o fantasma

dessa força política que pode vir contra você.”

70. Da leitura da transcrição fica evidente que os membros do Ministério Público

buscaram incessantemente induzir o delator em suas respostas e assumir hipóteses

levantadas pela acusação, de forma contrária ao que se espera do delator, que é

simplesmente relatar os fatos de que tem conhecimento. Além disso, deixaram de registrar

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parte essencial do relato do delator, em especial quando afirma que não poderia afirmar

que tais requerimentos teriam como autor o denunciado.

71. Especificamente a respeito do inverídico encontro entre JÚLIO CAMARGO,

FERNANDO SOARES e o ora denunciado, o Termo de declarações complementares nº 02 traz o

seguinte relato:

“QUE, no dia combinado, depois de melhor refletir, lembra-se que o motorista

do declarante buscou no aeroporto Santos Dumont; QUE o motorista do

declarante que o buscou e JOÃO LUIZ SOARES (vulgo JOCA); QUE ao

chegar ao local da reunião, ligou para FERNANDO SOARES, que ainda não

se encontrava no local; QUE FERNANDO SOARES pediu ao declarante para

aguardar alguns minutos, pois já estava chegando; QUE pouco depois, cerca

de 20 minutos depois, FERNANDO SOARES chegou conduzindo um veiculo

Toyota Hilux SW4, juntamente com o Deputado EDUARDO CUNHA no

edifício garagem, e deixou o carro na garagem; QUE então, os três entraram

juntos pela edifício garagem, pois a portaria estava fechada e se tratava de

prédio comercial; QUE FERNANDO SOARES tinha a chave do local; (...)” (fl.

844).

72. No entanto, o relato espontâneo de JÚLIO CAMARGO a respeito dos fatos é

complemente diverso – e tal relato não consta do termo – e, o que é mais espantoso,

ainda chega a pedir ajuda aos procuradores na descrição dos fatos, senão vejamos22:

“Júlio: O Fernando Soares então me apanhou no aeroporto Santos Dumont

e fomos juntos até esse endereço...

Procurador: Com que veículo que ele estava?

Júlio: Ele estava com uma Toyota... essa perua Toyota... como é que chama...

é

                                                            22 Relato entre 08:50 do Arquivo 00009 a 01:25 do Arquivo 00010 do Pendrive Julio 1-2 do Apenso 05_Oculto

HD.

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Procurador: Hilux...

Procurador 2: É caminhonete ou é perua?

Júlio: Perua.

(initeligível)

Procurador: Rav4.

Júlio: Não era a Rav4 não... não é aquela que tem a carroceria, é perua

mesmo...

Procurador: Toyota mesmo?

Júlio: É.

Advogada: SW4.

Procurador: Toyota SW4... é um jipe...

Júlio: É essa mesmo... é essa mesmo.

(após ver a foto do carro)

Procurador: o senhor acha que é essa aí?

Júlio: Não... é essa aí

Procurador 2: É essa aí então.

Procurador: A cor o senhor lembra?

Júlio: Não me lembro... na fazenda eu tenho uma dessa (ininteligível) que eu

me lembro que era essa aí...

Procurador 2: E aí vocês foram para o local...

Júlio: Fomos para o local... ahn...

Procurador 2: quem é que recebeu os senhores lá?

Júlio: entramos pelo edifício garagem, porque a portaria estava fechada...

Procurador: é um prédio comercial?

Júlio: Prédio comercial... e aí fomos para um andar que eu não me lembro

qual andar... mas um conjunto que deviam ter aproximadamente cinco seis

salas... nós ficamos numa sala, a maior delas, com uma mesa...

Procurador 2: mas como é que o senhor entrou lá?

Júlio: Junto com o Fernando Soares.

Procurador 2: Sim... mas ele tinha a chave?

Júlio: Sim, ele tinha a chave do local.

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Procurador 2: Não tinha ninguém no local quando o senhor chegou?

Júlio: Não tinha ninguém no local.

Procurador: O senhor chegou lá só o senhor e o...

Júlio: E o Fernando.

Júlio: Ficamos lá a postos e uns 15, 20 minutos depois chegou o deputado

Eduardo Cunha.

Procurador: Sozinho?

Júlio: Sozinho... O Fernando encaminhou... eu já estava na sala de reunião,

o Fernando encaminhou o deputado à sala onde eu estava e nossa reunião

foi...

Procurador: Ali naquele momento que o senhor conheceu então...

Júlio: Foi o momento que eu o conheci, e tivemos uma reunião muito

amistosa...

Procurador: O senhor... não tinha uma identificação na porta da sala...

Júlio: Pode até ter... eu não me recordo.

Procurador 2: O senhor estava sendo conduzido...

Júlio: Conduzido... e essas são uns detalhes que eu não...

Procurador 2: a gente pergunta porque às vezes...

Júlio: É lógico... seu eu soubesse eu...

Procurador: O que é importante é que nesse momento daqui em diante,

inclusive o senhor, bem passo a passo o senhor se recordasse, pra tentar

lembrar das circunstâncias, se colocar no mesmo contexto...

Júlio: Eu peço, por favor me ajudem, porque eu estou à disposição para

relatar mais detalhado possível...

Procurador 2: a espontaneidade do senhor em detalhar isso...

Júlio: Lógico...então... eu já estava na sala de reunião e o...”

73. Ou seja, o delator descreve, sem titubear, uma sequência de fatos com uma

enorme quantidade de detalhes e, de um instante para o outro, muda a sua versão e não

há o registro desse acontecimento no termo. Isso, consoante se demonstrará oportunamente,

somente se explica por uma razão: o delator estava inventando o suposto encontro com o ora

denunciado.

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74. No aditamento à denúncia, o Procurador-Geral da República faz juntar aos

autos um Termo Complementar de Colaboração de 13/10/2015 (fls. 2010/2013) prestado por

JÚLIO CAMARGO. Do registro audiovisual de tal oitiva constata-se que seus termos resultam de

uma simples confirmação de um Termo de declaração (fls. 2014/2016) formulado perante os

advogados daquele delator. É interessante notar que antes que o “depoimento” começasse, os

advogados repassam ao delator o que eles chamam de “suas [do delator] memórias”, “seus

[do delator] apontamentos” e um deles indica aonde estão os dados de “nome”, “datas” e

outros dados de uma planilha23. Ocorre que ao final da oitiva, enquanto os advogados do

delator conferiam a redação do termo de declarações, um deles solicita: “Dr. Júlio, o senhor

pode me passar as suas anotações, nas quais o senhor consta as datas...” , ao que o delator as

entrega falando: “Na verdade são as suas anotações”.24

75. De igual forma, relatos substanciais dos depoimentos de FERNANDO SOARES

não são traduzidos com fidelidade ou são omitidos na redução dos termos de declarações.

Apenas a título de exemplo, o denunciado mostrará algumas – poucas, porque são diversas as

passagens em que se verificam essas falhas – dessas omissões ou incorreções nos textos.

76. Durante o depoimento FERNANDO SOARES, seu advogado e os procuradores,

discutiam de que forma seria melhor dividirem os termos de declaração em relação a operação

de contratação de navios-sonda e, espontaneamente, o delator explica a suposta participação

do ora denunciado, nesses termos:

“Fernando Soares: Eu queria explicar. Explica com gravação mesmo?

Procurador: Pode ser. Isso não tem problema não, a gravação não tem

problema não.

Fernando Soares: Porque o importante é o seguinte: é se vocês forem me

perguntar a forma como a denúncia foi feita do Eduardo Cunha não reflete

o que realmente aconteceu. O Eduardo Cunha nunca foi o meu sócio oculto

                                                            23 Mídia de fls. 2025 (Volume 10), Arquivo PGR-MCU02_13Oct15_16.57, entre 05:06 a 05:26. 24 Mídia de fls. 2025 (Volume 10), Arquivo PGR-MCU02_13Oct15_16.57, entre 1:23:10 a

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nesse negócio das sondas. Na verdade, quando aconteceu o negócio das

sondas eu nem conhecia o Eduardo Cunha. Eu vim a conhecer o Eduardo

Cunha em 2009.

Procurador: Não, é, isso a gente vai por. É que, é o que a gente tinha na

época, na verdade.

Fernando Soares: Então na verdade o Eduardo Cunha entrou num momento

que eu já tava desde 2007 tentando receber do Júlio Camargo e o Júlio

Camargo não pagava. Ficava enrolando, enrolando, aquela história toda. Aí

eu vim conhecer Eduardo Cunha em 2009, em 2000 e..., final de 2010 começo

de 2011 a gente conversando sobre eleições, não sei o que, dizendo porra eu

to precisando arrumar dinheiro para a campanha, não sei o que, essa coisa

toda, aí eu disse, pô Eduardo, eu tenho um assunto que se você me ajudar a

resolver eu ajudo na campanha, inclusive é aí que eu digo aí foi exatamente

onde houve a primeira vez aonde saiu um dinheiro de meu bolso pra dar a

político, que eu nunca tinha feito isso, aí eu falei a ele da história do Júlio que

tava me devendo, que não me pagava, ficava enrolando, não sei o que, e aí ele

me disse, eu vou ver como a gente pode pressionar.”25

77. Não obstante a clareza do depoimento do delator e a afirmação de que isso

constaria do termo, esses fatos não foram transcritos com o mesmo grau de exatidão e ênfase

nos termos de declaração juntados aos autos. Aliás, verifica-se que os procuradores

resolveram repartir os fatos relacionados à contratação dos navios-sonda em diversos

depoimentos – aos quais o ora denunciado não teve acesso até o momento – impossibilitando

a concretização da garantia constitucional da ampla defesa e do contraditório pelo

denunciado.

78. Outra parte importante do depoimento de FERNANDO SOARES que não consta

nos termos disponibilizados ao denunciado está registrado no arquivo M2U00001 em que

                                                            25 Arquivo M2U00007, Fernando Soares 20150909_2, Pen Drive 02, Apenso 06, entre 03:18 e 04:54.

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o delator diz: “Inclusive essa parte política, como eu disse, eu nunca tive relação com

nenhum político do PMDB”26.

79. E em outra oportunidade Fernando reitera27:

“Fernando: Eu nunca tive realmente essa aproximação com agentes políticos

e procurei me distanciar mais, por isso que eu digo: é muito estranho quando

eu digo que é... se vocês forem ver todas as investigações, todos os

depoimentos, eu era o operador do PMDB, mas eu não repassava nenhum

dinheiro para ninguém do PMDB, porque...

Procurador: Só para as pessoas indicadas...

Fernando: Nem para as pessoas indicadas... que pessoas indicadas?

Procurador: O Altair por exemplo.

Fernando: Não, aí é que está... eu estou falando do caso específico do

Eduardo Cunha, não foi uma coisa que envolveu um negócio...

Procurador: Ah tá...generalizado para um partido político...

Fernando: Sim, e que não envolveu uma negociação como o Júlio fala, que o

Eduardo Cunha era meu sócio oculto, ele não participou do negócio das

sondas, ele participou de um negócio que foi me ajudar a cobrar...”

80. No entanto, novamente, essa explicação de que o ora denunciado não

participou de qualquer negociação de contratação de sondas pela Petrobrás não consta

dos termos de declaração.

81. No termo de declarações nº 03, constou a seguinte passagem a respeito dos

requerimentos de informações: “QUE questionado se sabe se EDUARDO CUNHA e EDISON

LOBÃO trataram do tema, disse que nunca perguntou isso a EDUARDO CUNHA, mas

acredita que sim, pois EDISON LOBÃO pediu que JÚLIO CAMARGO resolvesse a questão

com o depoente; QUE acredita que tenha sido EDUARDO CUNHA, ou alguém a seu mando,

                                                            26 Arquivo M2U00001, Fernando Soares 20150909_1, Pen Drive 02, Apenso 06, entre 48:54 e 49:01. 27 Arquivo M2U00017, Fernando Soares 20150910_2, Pen Drive 02, Apenso 06, entre 49:37 e 50:42.

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que tratou a questão com EDISON LOBÃO, pois ele era um senador do PMDB que estava

exercendo um cargo de Ministro;” (fls. 2055/2056). No entanto, a transcrição do registro

audiovisual revela que o depoimento teve o seguinte conteúdo28:

“Procurador: O senhor sabe se o Júlio... o Edison Lobão e o Eduardo Cunha

trataram desse tema?

Fernando: Eu acredito que sim, eu nunca perguntei isso ao Eduardo certo,

mas alguém tratou com o Lobão pra ele orientar o Júlio a me procurar,

alguém tratou com ele.

Procurador: No depoimento do Júlio ele fala que no primeiro contato que

teve com o Lobão ele já associou a situação ao Eduardo Cunha...

Fernando: Ah, então ele já poderia saber...

Procurador: Pois é... como é que ele saberia disso antes mesmo de um

contato do Júlio Camargo?

Fernando: Só se já tivesse alguma coisa acertada entre eles... esse detalhe eu

não tenho... eu nunca conversei com Eduardo como foi operacionalizado essa

história da Solange, essa história do Lobão, se o Lobão tinha participação se

o Lobão não tinha participação, o que foi relatado a mim, que no meu

entendimento da forma como o Júlio me relatou que o Lobão tinha

conhecimento de alguma coisa foi o fato do Lobão ter orientado ele a me

procurar, por que que o Lobão não fez... a partir do momento que ele soubesse

que a história era com Eduardo o Lobão não chamava o Eduardo e dissesse

‘Eduardo vamos fazer uma reunião aqui com o Júlio pra tentar resolver não

sei o que’ estranho né? É isso que... o que eu sei é isso: O Júlio me disse que...

e ele me falou como se fosse uma segunda conversa, que ele teve uma primeira

conversa com o – foi isso que eu entendi – que ele teve uma primeira conversa

com o ministro e em seguida o ministro – meu entendimento foi esse, posso

estar equivocado – que no segundo momento o ministro falou pra ele que ele

deveria me procurar porque ele tinha uma pendência comigo e ele precisava

resolver essa pendência.

 28 Arquivo M2U00013, Fernando Soares 20150910_1, Pen Drive 02, Apenso 06, entre 15:37 e 19:08.

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Procurador: Tá.

(Procurador lê a forma que redigiria o texto e pede a confirmação de

Fernando)

Fernando: Eu acho que você poderia até botar num segundo momento, porque

ele pode até ter estado lá naquele, nessa reunião que você (procurador)

relatou agora falou para o Lobão falando ‘ó, ele sabe que ele tem que resolver

isso com o Fernando Soares, procura ele, não sei o que’ e aí ele desligou o

telefone e falou pra ‘ó, procura o Fernando Soares que você tem uma

pendência com ele’, esses detalhes eu não tenho, eu estaria sendo leviano se

eu disse que sei que foi isso que foi aquilo, não posso afirmar...

Procurador: Você crê na possibilidade de que ele tenha se inteirado dos fatos

através de outra pessoa que não Eduardo Cunha?

Fernando: Quem o Lobão?

Procurador: Isso.

Fernando: Não acredito.

Procurador: Então você considera mais provável e mais plausível que tenha

sido com o próprio Eduardo Cunha?

Fernando: ou que Eduardo Cunha tenha mandado intermediário para

conversar com ele.”

82. Ou seja, do efetivo diálogo ocorrido, verifica-se que a hipótese que constou do

termo, qual seja, de que Eduardo Cunha, ou alguém a seu mando, tenha conversado com

Lobão sobre os requerimentos, somente veio à tona após a interferência do procurador

induzindo a resposta do delator, bem como o fato em si trata-se de pura e simples

especulação.

83. No mesmo termo de declarações nº 03, consta que FERNANDO SOARES teria se

referido à inverídica reunião entre ele, JÚLIO CAMARGO e o ora denunciado como ocorrida em

agosto. Apenas após ter sido alertado pelo procurador de que a denúncia formulada em

face do ora denunciado indicava que a reunião teria ocorrido em setembro é que o delator

aceita a sugestão do procurador. Ademais, ao justificar a mudança de data, o termo informa

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que “o depoente acredita que realmente possa ter se equivocado, pois em geral em julho o

depoente está viajando e se trata de recesso parlamentar” (fl. 2056). No entanto, do registro

audiovisual constata-se que quem afirma inicialmente se tratar de recesso parlamentar

era o procurador que redigia o termo e não o delator29.

84. Reitere-se, esses são apenas poucos exemplos de fatos que desacreditam os

termos de declaração dos delatores, porque na realidade são diversas as passagens em que se

verificam os vícios apontados acima. No entanto, como os relatos são absolutamente

inverídicos e, por tal razão, não encontram respaldo probatório – nem mesmo em caráter

indiciário – em outros elementos, deixa-se apenas registrado esses exemplos.

ILEGALIDADE DA JUSTIFICATIVA PELA AUSÊNCIA DE REGISTROS AUDIOVISUAIS DO TERMO

DE DECLARAÇÕES COMPLEMENTARES Nº 3 E DO TERMO DE ACAREAÇÃO, JÁ REFERIDOS.

85. Na petição nº 54268 (fls. 2120/2126) o Procurador-Geral da República informa

que nos atos investigatórios referentes ao depoimento de JÚLIO CAMARGO, documentado no

Termo Complementar de n. 3, e na acareação entre JÚLIO CAMARGO e PAULO ROBERTO

COSTA, “não houve gravação no dia, por impossibilidade de ordem técnica – o que não

impossibilitou a realização dos atos, conforme prevê o art. 4º, § 13, da lei n. 12.850/2013.”

Essa justificativa foi aceita na decisão de fls. 2158/2160, sem questionamentos.

86. Ao ver do denunciado, o comando do §13 do art. 4º da Lei nº 12.850/201330

não pode ser interpretado como se a providência prevista possa ser dispensada diante de

suposta dificuldade técnica momentânea. A expressão “sempre que possível” deve ser

entendida no sentido de que somente se pode dispensar a utilização dos recursos indicados na                                                             29 Arquivo M2U00014, Fernando Soares 20150910_1, Pen Drive 02, Apenso 06, entre 07:42 e 12:07. 30 “Sempre que possível, o registro dos atos de colaboração será feito pelos meios ou recursos de gravação

magnética, estenotipia, digital ou técnica similar, inclusive audiovisual, destinados a obter maior fidelidade das

informações.”

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norma, quando estiver presente uma causa que não possa ser superada, senão com prejuízo à

própria obtenção do depoimento. Vale dizer, em hipóteses tais em que o adiamento do ato,

para a superação do obstáculo, importe na impossibilidade de sua realização em outra

oportunidade. O que não é o caso dos autos.

87. A norma em questão não deixa na esfera discricionária dos órgãos de

investigação a decisão de adotar ou não os recursos nela indicados. É que o objetivo da regra

é garantir a “maior fidelidade das informações”. E a fidelidade das informações não é direito

que deve ser assegurado apenas aos órgãos de investigação, mas também, e na mesma

medida, aos investigados.

88. A verificação realizada pelo denunciado, em diversas hipóteses, tem constatado

importantes divergências entre o que consta dos registros audiovisuais e o que foi reduzido a

termo. E isso tem implicações significativas para garantia do contraditório e da ampla defesa,

na medida em que a acusação considera a redação dos termos de declarações como a

expressão definitiva da verdade.

89. Ademais, interpretação diversa inviabilizaria, na prática, a apuração de

eventuais condutas de descumprimento do §13 do artigo 4º da Lei nº 12.850/2013, pelos

órgãos de investigação.

90. No caso em exame, em que há fundadas suspeitas de que a nova versão dos

fatos informados pelo JÚLIO CAMARGO não foi espontânea, e os registros audiovisuais

revelam discrepâncias entre as afirmações feitas e a redação constante dos respectivos termos

de declarações, era de se exigir o máximo de cautela dos órgãos de investigação. Aliás, ao

que se sabe, foram realizados centenas de registros audiovisuais a indicar que o órgão

acusador dispõe de recursos técnicos adequados e suficientes para cumprir a exigência

legal.

91. A rigor, a preservação da validade de depoimento colhido sem registro

audiovisual não pode ficar assentada apenas na alegação de dificuldade técnica passageira

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feita pelo órgão da acusação. Há de se exigir uma comprovação efetiva de que havia uma

impossibilidade intransponível de atender ao comando legal. O que, certamente, não é a

hipótese dos autos, visto que depoimento posterior de JÚLIO CAMARGO foi devidamente

registrado.

92 Portanto, referidos termos de declarações complementar e de acareação são

nulos e imprestáveis como elementos informativos razão pela qual o denunciado requer

sejam desentranhados dos autos.

DA VIOLAÇÃO AO DEVIDO PROCESSO LEGAL

93. O denunciado já demonstrou, em agravo regimental interposto anteriormente,

que o pedido de abertura de inquérito fora feito sem que houvesse elementos probatórios que

o justificassem. A despeito disso, pouco tempo depois foi oferecida denúncia, igualmente órfã

de consistência probatória, circunstância que levou a acusação a prosseguir com as

investigações, especialmente a celebração de um acordo de delação premiada com FERNANDO

SOARES, cujas informações, embora inconsistentes, motivou um aditamento da denúncia.

94. Na presente resposta o denunciado está demonstrando que inexiste suporte

probatório mínimo capaz de autorizar o recebimento da denúncia. Tal circunstância é

confirmada pela iniciativa da acusação de solicitar e obter autorização a prática de atos

constritivos em busca de elementos probatórios, a três dias do final do prazo para a defesa

preliminar.

95. Como é do conhecimento público, no dia 15 do corrente mês foram realizadas

diligências de busca e apreensão nas residências e no escritório político do denunciado com o

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objetivo, pelo menos em parte31, de obter provas para serem utilizadas em relação às

imputações feitas nestes autos.

96. Ocorre que tal conduta heterodoxa do órgão da acusação – que, a despeito de

ter oferecido a denúncia e apresentado aditamento, prossegue realizando atos de investigação,

especialmente sobre os fatos imputados – não encontra respaldo no procedimento dos

artigos 4º, 5º e 6º da Lei nº 8038/90, de modo que viola a garantia do devido processo legal

(CF/88, art. 5º caput, II) em razão da ilicitude da prova colhida.

97. Em hipótese semelhante, na qual junto com o oferecimento da denúncia foram

requeridas medidas constritivas (quebra de sigilo e busca e apreensão), este Supremo Tribunal

Federal, no julgamento do HC 84.224-1-DF, originariamente relatado pelo Ministro Gilmar

Mendes e, depois, pelo Ministro Joaquim Barbosa, como relator para o acórdão, reconheceu

expressamente que não poderiam ser utilizados na respectiva ação penal os elementos

probatórios colhidos após o oferecimento de denúncia e notificação do acusado, sob pena

de violação ao devido processo legal, apesar de no caso concreto não ter deferido a ordem, na

medida em que as provas obtidas referiam-se a fatos não contidos na denúncia. Veja-se:

“Assim, resta analisar se a determinação de busca e apreensão e de quebra de

sigilo, neste momento anterior à resposta, violou ou não o devido processo

legal e o direito ao contraditório preambular.

E a resposta, clara, ao meu ver, é negativa. Isto porque a autorização da

quebra do sigilo e da realização de busca e apreensão nos endereços do

paciente não tem relação com os fatos a ele imputados, e dos quais deveria,

naquele momento, se defender. As medidas, embora pedidas no bojo da

denúncia, têm por fim a apuração de outros ilícitos, cujos indícios estariam

presentes nos diálogos transcritos pela acusação. (...)

(...)

                                                            31 Como o denunciado ainda não teve acesso a Ação Cautelar nº 4044, está se louvando em informações

divulgadas, com riqueza de detalhes, pelos meios de comunicação.

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Assim, não se pode falar em prejuízo ao direito de defesa em razão da

decretação das medidas, uma vez que tais medidas não têm relação com os

fatos de que o paciente deve se defender.

Reconheço que as provas eventualmente colhidas em decorrência das

medidas judiciais decretadas após o oferecimento da denúncia não poderão

constar do acervo probatório a respeito do qual deverá o paciente se

pronunciar em sua defesa. Sem dúvida isso violaria o devido processo legal.

Mas nada impede que esse novo acervo seja autuado em autos distintos e

venha eventualmente a instruir uma outra ação penal. (...).”32

98. A questão foi longamente debatida na Turma e a ilegalidade naquele caso

somente foi desprezada porque ficou estabelecida a integral desconsideração dos elementos

probatórios colhidos. O Ministro CEZAR PELUSO asseverou na oportunidade:

“Como o voto do Ministro Joaquim Barbosa está

desconsiderando todas as diligências para efeito da ação penal, não há

nenhuma repercussão no processo, porque o paciente teve os quinze dias para

se defender, e, desconsideradas as provas trazidas a pretexto das diligências

do Relator e retiradas dos autos.”

99. Portanto, o denunciado requer que qualquer material probatório que

eventualmente venha a ser arrecadado em razão das diligências realizadas recentemente

(15.12.2105) não seja entranhado nestes autos, nem em qualquer outro procedimento

que verse sobre os fatos descritos na denúncia oferecida nestes autos. Em caso de

entendimento contrário, requer seja reconhecida a nulidade dos atos investigatórios

praticados no curso do prazo para a sua defesa, por violação ao devido processo legal.

                                                            32 HC 84224/DF, Rel. p/ Acórdão Joaquim Barbosa, Segunda Turma, DJe 16.05.2008. Trecho do voto do

Ministro Joaquim Barbosa.

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CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE A INVESTIGAÇÃO E A DENÚNCIA

100. Para requerer a abertura do Inquérito nº 3.983/DF, o Procurador-Geral da

República havia se apoiado, exclusivamente, em depoimentos prestados pelo delator

ALBERTO YOUSSEF em 13.10.2014 (Termo n. 13 – fls. 14/17) e em 11.02.2015 (Termo n. 15 –

fls. 52/56), e no de JAYME ALVES DE OLIVEIRA FILHO.

101. Ante a manifesta inconsistência e inidoneidade dos referidos depoimentos, e

das ilações constantes do pedido de abertura do inquérito, todos incapazes de gerar

credibilidade e de ostentarem a qualidade de indícios, o denunciado interpôs agravo

regimental (fls. 243/258) contra a decisão que acolheu o requerimento do Procurador-Geral da

República, onde teve oportunidade de demonstrar a ausência de fundamento para a

investigação.

102. O agravo regimental não foi apreciado e, sem que houvesse a obtenção de

elementos probatórios pertinentes e consistentes, mas apenas um inusitado depoimento de

outro delator em primeira instância (JÚLIO CAMARGO), divergente de inúmeros outros

anteriores, o Procurador-Geral da República decidiu oferecer denúncia sem que existam

elementos mínimos que a justifiquem, conforme será demonstrado oportunamente.

103. A denúncia sustenta que o denunciado teria praticado condutas penalmente

ilícitas, que se qualificariam como corrupção passiva, crime previsto no art. 317, caput, e par.

1º c/c art. 327, parágrafos 1º e 2º, por 2 (duas) vezes, em concurso material (art. 69), na

forma do art. 29, todos do Código Penal, e lavagem de dinheiro, crime tipificado no art. 1º,

incisos V, VI e VII, da Lei nº 9.613, por 60 vezes, em concurso material (art. 69 do Código

Penal), tudo na forma do art. 29 do Código Penal.

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104. Abre-se agora oportunidade para o denunciado avaliar criticamente os

elementos apurados, e demonstrar, perante Judiciário, que as imputações feitas, além de

descritas de modo confuso, estão desprovidas de suporte probatório sério e idôneo33. Até

então o denunciado assistiu, na imprensa em geral, a um festival de notícias descompromissas

com a verdade. Ademais, tem a certeza de que esse Supremo Tribunal Federal apreciará a

viabilidade ou não da denúncia estritamente à luz dos elementos indicados pela acusação

nestes autos.

105. O denunciado também tem certeza que essa Corte Suprema examinará com a

necessária cautela, bem como com rigorosa atenção às garantias constitucionais asseguradas a

qualquer acusado, (i) a utilização da delação premiada como meio de obtenção de prova; (ii) a

necessidade de sua prévia homologação pelo Tribunal competente, sempre que se referir

a pessoa com prerrogativa de foro, definindo os requisitos de sua validade e eficácia, assim

como (iii) a credibilidade que se há de conferir às afirmações feitas pelos delatores,

mormente àquelas que variam ao sabor da conveniência e/ou são fruto manifesta indução

dos órgãos de investigação, bem como as desprovidas de qualquer espécie de comprovação

consistente.

106. Os instrumentos utilizados pelos órgãos de investigação devem ser manejados

com observância estrita aos princípios legais, e o uso indiscriminado deles não pode ser

validado ao custo de qualquer espécie de restrição às garantias conferidas ao acusado.

Algumas das questões já foram deduzidas nas preliminares e outras serão apresentadas

oportunamente.

107. Como a denúncia descreve – e tal situação não foi alterada no aditamento

superveniente – as supostas condutas criminosas sem que se verifique, como deveria

ocorrer, uma precisa definição temporal, é conveniente deixar bem claro, desde logo, que                                                             33 Esse Supremo Tribunal Federal já deliberou que: “A justa causa para a ação penal consiste na exigência de

suporte probatório mínimo a indicar a legitimidade da imputação e se traduz na existência, no inquérito policial

ou nas peças de informação que instruem a denúncia, de elementos sérios e idôneos que demonstrem a

materialidade do crime e indícios razoáveis de autoria. Precedentes.”(Inquérito 3719/DF, relator Ministro Dias

Toffoli, 1ª Turma, DJe 30.10.2014)

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se imputam ao denunciado: a) duas específicas condutas que se caracterizariam como

corrupção passiva e que teriam ocorrido nos anos de 2006 e 2007; e b) inúmeros

comportamentos que se tipificariam como lavagem de dinheiro, estes realizados após a

consumação dos crimes de corrupção passiva.

108. Tal esclarecimento prévio é indispensável porque, pela forma como os fatos

foram descritos, a peça acusatória de modo subliminar sugere que supostos fatos ocorridos no

ano de 2011 integrariam os também supostos crimes de corrupção passiva cometidos e

consumados em 2006 e 2007. Fica muito claro que a narrativa foi elaborada deliberadamente

de modo confuso, na medida em que não especifica quando, onde e de que modo se

realizaram, com a desejável precisão, as ações típicas, visando, assim, encobrir a manifesta

falta de elementos probatórios pertinentes a cada espécie de delito. Tal defeito será

analiticamente demonstrado no momento oportuno.

AS IMPUTAÇÕES FORMULADAS

109. Afirma-se na denúncia que: A) “no período compreendido entre 14 de junho de

2006 e outubro de 2012, com condutas praticadas ao menos no Rio de Janeiro/RJ e

Brasília/DF, o denunciado EDUARDO CUNHA solicitou para si e para outrem e aceitou

promessa de vantagem indevida no montante aproximado de US$ 15.000.000,00 (quinze

milhões de dólares) de JÚLIO GERIM DE ALMEIDA CAMARGO (“JÚLIO CAMARGO”),

em razão da contratação pela PETROBRÁS do navio-sonda PETROBRÁS 10000 com o

estaleiro SAMSUNG HEAVY INDUSTRIES CO., na Coreia do Sul,...; B) “ademais, no

período entre fevereiro de 2007 e outubro de 2012, com condutas praticadas ao menos no Rio

de Janeiro/RJ e Brasília/DF, o denunciado EDUARDO CUNHA solicitou e aceitou promessa

para si e para outrem, direta e indiretamente, vantagem indevida no montante aproximado de

US$ 25.000.000,00 (vinte e cinco milhões de dólares) de JÚLIO CAMARGO, a fim de que

fosse realizada a contratação do navio-sonda VITORIA 10000 com o estaleiro SAMSUNG

HEAVY INDUSTRIES CO., na Coreia,...; C) “por fim, uma vez já consumados os delitos de

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corrupção ativa34, o denunciado EDUARDO CUNHA ocultou e dissimulou a natureza,

origem, localização, disposição, movimentação e propriedade de valores provenientes direta

e indiretamente, do crime contra a Administração acima mencionado, mediante o

recebimento fracionado de valores no exterior, em contas de empresas offshore e por meio de

empresas de fachada, mediante simulação de contratos de prestação de serviços e, ainda,

pagamento de propina sob a falsa alegação de doações para Igreja”.

110. Sustenta também a peça acusatória que para o cometimento dos delitos

referidos nas alíneas A e B acima, o denunciado “contou com a participação de SOLANGE

ALMEIDA, então no exercício de mandato de Deputada Federal, de FERNANDO ANTÔNIO

FALCÃO SOARES (“FERNANDO SOARES”) e de NESTOR CUÑAT CERVERÓ (“NESTOR

CERVERÓ”), este último na qualidade de diretor da área internacional da Petróleo

Brasileiro S.A., na época e em razão desta função exercida todos agindo em concurso e

unidade de desígnios”. De outra parte, para o cometimento do crime de lavagem de dinheiro,

o denunciado “teve o concurso de FERNANDO ANTÔNIO FALCÃO SOARES, NESTOR

CUÑAT CERVERÓ, JÚLIO GERIN DE ALMEIDA CAMARGO (“JÚLIO CAMARGO”) e

ALBERTO YOUSSEF (“YOUSSEF”), todos agindo com unidade de desígnios”.

111. Portanto, a denúncia, e o aditamento posterior que não a alterou no particular

aspecto, atribui ao denunciado o cometimento, em co-autoria, de dois delitos de corrupção

passiva que teriam sido praticados em 2006 e 2007 e, após a consumação de tais delitos

como está destacado na peça inaugural (fls. 05 da denúncia), a prática de diversas outras ações

tipificadas como crimes de lavagem de dinheiro.

112. Na peça acusatória, o Procurador-Geral da República, depois de afirmar que

EDUARDO CUNHA “era ‘sócio oculto’ de FERNANDO SOARES”, torna explícito, que a

suposta atuação do denunciado nos delitos de corrupção passiva era “para garantir a

manutenção do esquema ilícito implantado no âmbito da PETROBRÁS, omitindo-se em

                                                            34 O Procurador-Geral da República certamente incorreu em engano, pois quer se referir ao delito de corrupção

passiva.

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interferir ou impedir a contratação do estaleiro SAMSUNG, assim como para manter os

indicados políticos em seus cargos na referida sociedade de economia mista”.

113. É importante assinalar que a descrição das supostas ações é fruto da pura

imaginação do órgão de acusação, visto que nem JÚLIO CAMARGO, nem FERNANDO SOARES,

nem mesmo qualquer outra pessoa, se referem a elas. Aliás, FERNANDO SOARES refuta

veementemente essa hipótese, como já demonstrado acima.

114. Noticia a denúncia que FERNANDO SOARES, NESTOR CERVERÓ, JÚLIO

CAMARGO e ALBERTO YOUSSEF já foram denunciados, e os três primeiros condenados, por

esses mesmos fatos nos autos n. 5083838-59.2014.404.7000, perante a 13ª Vara Federal de

Curitiba, em razão de desdobramento anteriormente solicitado. Já ALBERTO YOUSSEF foi

absolvido.

115. É relevante observar que a maior parte dos fatos afirmados na denúncia foram

noticiados ao Procurador-Geral da República por JÚLIO CAMARGO, supostamente como

delator35, segundo relevam os termos de declarações complementares nº 02, de 10.06.2015

(fls. 832/850) e nº 3, de 21.07.2015 (fls. 852/856), depoimentos estes prestados mais de oito

meses depois daqueles objeto dos termos nº 4 e nº 7 (doc. 1 que acompanha a denúncia).

Justamente nessa época, a imprensa noticiava que referido delator, sob pena de rompimento

do acordo anterior, estava sendo pressionado para falar sobre o ora denunciado. Outra parte

dos fatos reportam-se aos depoimentos dos delatores ALBERTO YOUSSEF e PAULO ROBERTO

COSTA. Finalmente, no aditamento à denúncia o órgão acusador refere-se a afirmações do

delator FERNANDO SOARES.

                                                            35 JÚLIO CAMARGO, de acordo com manifestação apresentada pelo órgão acusador na Pet. 5671, somente

celebrou acordo de colaboração perante a Justiça Federal em Curitiba, porque citado delator, na época, não teria

feito referência a pessoas com prerrogativa de foro. A invalidade dos termos de declarações de Júlio Camargo

foi demonstrada nas preliminares apresentadas na parte inicial da presente resposta.

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116. As circunstâncias que antecederam os últimos depoimentos de JÚLIO

CAMARGO, e diversos trechos extraídos dos registros audiovisuais dos depoimentos que não

constaram dos respectivos termos, comprovam que o referido delator, com medo de perder

as pródigas vantagens que recebeu no acordo de delação36, selecionou episódios e

acontecimentos que eventualmente vivenciou no seu longo histórico de atividades ilícitas

junto à PETROBRÁS e os aproveitou para tentar incluir o denunciado nos fatos supostamente

relacionados com as aquisições de navios-sonda junto a SAMSUNG, como será demonstrado no

decorrer dessa peça defensiva. O mesmo pode ser dito em relação às afirmações de

FERNANDO SOARES referidas no aditamento à denúncia.

117. A denúncia também se reporta a três episódios que revelariam condutas

supostamente praticadas pelo denunciado no ano de 2011, a partir das quais poder-se-ia

concluir que esteve envolvido nos delitos de corrupção passiva descritos na denúncia.

Também se refere a dois depósitos efetuados em favor da Igreja Evangélica Assembléia de

Deus que serviriam de indício de participação nos delitos de lavagem de dinheiro.

118. No aditamento à denúncia, o Procurador-Geral da República refere-se a

pagamentos em dinheiro e ao recebimento de valores em “horas de voo”, afirmações estas

extraídas de depoimentos de FERNANDO SOARES e JÚLIO CAMARGO.

119. O exame crítico que se fará, individualmente, a propósito de tais episódios e

documentos revelará que as ilações feitas pela acusação são falsas, inconsistentes e

irrelevantes como elementos indiciários.

                                                            36 O Ministério Público Federal no Paraná ofertou a Júlio Camargo no acordo de colaboração firmado em

22.10.2014, dentre outros, os seguintes benefícios: a) substituição do regime de penas restritivas de liberdade,

por regime aberto; b) possibilidade de viagens nacionais sem necessidade de comunicação prévia ao juízo e até

mesmo viagens internacionais, com comunicação prévia de uma semana; c) a isenção total de responsabilidade

civil e por atos de improbidade de Júlio Camargo e suas empresas. Conferir a Cláusula 5ª, I, IV e §7º do

Termo de Colaboração Premiada. Ação Penal nº 5083838-59.2014.4.04.7000, Evento 19.

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O ADITAMENTO À DENÚNCIA

120. Sem que estivessem (e ainda não estão) nos autos todos os elementos colhidos

pela acusação, como ficou demonstrado nas questões preliminares acima, circunstância que

impedia o exercício do direito de defesa e, em consequência, o início do curso do prazo de

resposta à acusação, o Procurador-Geral da República, apoiado em depoimentos do delator

FERNANDO SOARES e de um termo complementar de colaboração de JÚLIO GERIN DE

ALMEIDA CAMARGO, datado de 13.10.2015, formulou aditamento à denúncia (fls. 2001/2009)

anteriormente apresentada.

121. No referido aditamento o órgão acusador, em resumo, reafirma a imputação

feita na denúncia e insiste na suposta atuação do denunciado, no ano de 2011, no sentido de

pressionar JÚLIO CAMARGO para que este efetuasse o pagamento de suposto valor

remanescente devido a FERNANDO SOARES em razão dos contratos com a SAMSUNG a

respeito de navios-sonda celebrados com a Petrobras em 2006/2007. Afirmou, ademais,

louvado em informação do delator FERNANDO SOARES que este, posteriormente, teria

repassado valores em dinheiro ao ora denunciado, mediante a entrega do numerário no seu

escritório político localizado no Rio de Janeiro.

122. É importante assinalar que o delator FERNANDO SOARES, na maior parte dos

seus depoimentos, refere-se ao denunciado para dizer que, por sua própria inciativa,

utilizava-se do nome do deputado EDUARDO CUNHA junto a JÚLIO CAMARGO para dar força a

sua cobrança, mas sempre deixando claro que EDUARDO CUNHA não teve qualquer

participação quando da realização dos negócios em 2006 e 2007. Aliás, o próprio FERNANDO

SOARES reafirma em diversas oportunidades que somente conheceu EDUARDO CUNHA no

ano de 2009. Tal observação é importante porque muitas vezes nos termos de declarações

FERNANDO SOARES faz referência a EDUARDO CUNHA apenas com o propósito de enganar

JÚLIO CAMARGO, sem que o fato fosse verdadeiro.

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123. Consta ainda no aditamento que, além dos depósitos para a Igreja Evangélica

Assembléia de Deus, o denunciado teria recebido pagamento (R$ 122.245,00) em horas de

vôo quitadas por empresa de JÚLIO CAMARGO. Desta forma, para a acusação, o denunciado

teria recebido até setembro de 2014 valores decorrentes suposta propina relacionadas com a

contratação de navios-sonda pela Petrobras nos anos de 2006 e 2007.

124. O conteúdo da petição de aditamento, que se releva inconsistente, será

apreciado a seguir em conjunto com o exame denúncia originária.

AS DEFICIÊNCIAS DA DENÚNCIA E DO SEU ADITAMENTO

125. São diversas as razões que demonstram que a denúncia, bem como o

subsequente aditamento, não preenchem os requisitos do artigo 41 do Código de Processo

Penal, o que certamente levará a rejeição dos dois atos de imputação.

126. Para que se possa reconhecer a validade e a eficácia da denúncia esta precisa

obedecer a duas exigências básicas: a) conter uma adequada descrição do fato criminoso37;

e b) apresentar um suporte probatório mínimo38 ou justa causa.

 37 É o que ensinam, entre outros, Eugênio Pacelli e Douglas Fischer: “Veja-se, por exemplo, que a exposição

do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, tem por objetivo a satisfação do princípio da ampla defesa.

A preocupação é com a descrição completa do fato, com a inclusão de todas as elementares do tipo, bem como

de suas circunstâncias.” (in Comentários ao Código de Processo Penal e sua Jurisprudência, Editora Atlas, 4ª

edição Revista e Atualizada, 2012, p. 99). O Supremo Tribunal Federal já se manifestou a propósito: “No art.

41, a lei adjetiva penal indica um necessário conteúdo positivo para a denúncia. É dizer: ela, denúncia, deve

conter a exposição do fato normativamente descrito como criminoso, com suas circunstâncias, de parte com a

qualificação do acusado, a classificação do crime e o rol de testemunhas (quando necessário). Aporte factual,

esse, que viabiliza a plena defesa do acusado, incorporante da garantia processual do contraditório. Já o artigo

395 do mesmo diploma processual, esse impõe à peça acusatória uma conteúdo negativo. Se, pelo primeiro, há

uma obrigação de fazer por parte do Ministério Público, pelo art. 395, há uma obrigação de não fazer.” (in

Inquérito 2486-AC, rel. Min. Carlos Britto, 08/11/2009).

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127. A narrativa do fato deve permitir ao denunciado, por um lado, o adequado

exercício do direito de defesa, conforme estabelece o artigo 5º, inciso LV, da Constituição

Federal, e por outro revelar, por si só, que o acontecimento descrito e apreciado em face da

norma penal constitui crime.

128. Não basta que esteja descrita a suposta conduta do denunciado. A norma legal

exige que a descrição da conduta permita a perfeita compreensão com relação à adequação ao

tipo penal. E a denúncia em questão e o seu aditamento, ao ver do denunciado, não atendem a

tais exigências.

129. Além do aspecto formal já destacado, a denúncia também deve atender a um

requisito de ordem material: apresentar suporte probatório mínimo ou justa causa em

sentido estrito. Vale dizer, os fatos imputados precisam estar apoiados no acervo probatório,

ou seja, a denúncia deve ter adequado respaldo fático-probatório. O denunciado fará a

oportuna demonstração, no que se refere às imputações que lhe foram dirigidas, que tal

requisito também não foi atendido.

DESCRIÇÃO INADEQUADA DOS FATOS IMPUTADOS

130. O órgão de acusação imputa ao denunciado a prática dos crimes de corrupção

passiva e de lavagem de dinheiro, mas por não dispor de um acervo probatório com

idoneidade para justificar as imputações, acabou deliberadamente por criar uma descrição

tumultuária de fatos que permitisse, em alguma medida, sugerir a caracterização dos

referidos delitos.  

38 O Supremo Tribunal Federal já proclamou que: “A imputação penal não pode ser expressão arbitrária da

vontade pessoal do órgão acusador. A válida formulação da denúncia penal supõe a existência de base empírica

idônea, apoiada em prova lícita, sob pena de o exercício do poder de acusar – consideradas as graves

implicações de ordem ético-jurídica que dele decorrem – converter-se em abuso estatal. Precedentes.” (STF, 2ª

Turma, HC nº 80.542-6, relator Min. Celso de Mello, julgado em 15/05/2001, DJU de 29/06/2001, p. 34)

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131. Embora a denúncia, ao descrever as condutas que caracterizariam os delitos de

corrupção passiva, fixe o marco temporal do primeiro crime entre 14 de junho de 2006 e

outubro de 2012 e o do segundo, entre fevereiro de 2007 e outubro de 2012, há um

manifesto equívoco do órgão acusador. Isso porque o delito de corrupção passiva não é

permanente e, no caso, a consumação deles – caso tivessem sido praticados – teria ocorrido

em 2006 e 2007, respectivamente, com as supostas solicitações ou aceitação das promessas

de vantagens indevidas. Aliás, o próprio acusador afirma que os delitos de lavagem de

dinheiro teriam sido praticados “uma vez já consumados os delitos de corrupção”39.

132. As condutas tipificadas como corrupção passiva, consoante descritas na

denúncia, teriam sido praticadas, entre junho de 2005 (fl. 616) e março de 2007 (fl. 631), de

sorte que, na hipótese mais rigorosa, o segundo delito de corrupção passiva teria se

consumado em março de 2007. As supostas condutas caracterizadoras de lavagem de

dinheiro teriam se iniciado logo após a consumação de cada um dos delitos de corrupção

passiva40.

133. De acordo com a denúncia, no que se refere aos crimes de corrupção passiva, a

conduta atribuída ao denunciado seria “para garantir a manutenção do esquema ilícito

implantado no âmbito da PETROBRÁS, omitindo-se em interferir ou impedir a contratação

do estaleiro SAMSUNG, assim como para manter os indicados políticos em seus cargos na

referida sociedade de economia mista”.

134. Essas finalidades, obviamente, não poderiam ser atendidas por atos do

denunciado, pois não estão inseridas no âmbito de suas atribuições – como parlamentar – a de

interferir em atos negociais da PETROBRÁS. Da mesma forma, não lhe competia deliberar

sobre a nomeação de ocupantes de cargos daquela sociedade de economia mista. É dizer,

essas supostas condutas não guardam pertinência com a tipificação dos delitos de corrupção

passiva.

                                                            39 Denúncia, fl. 605. 40 A denúncia afirma que os supostos delitos de lavagem de dinheiro teriam sido praticados entre 16.09.2006 e

outubro de 2012 (p. 34 da denúncia), sendo que 34 deles no período entre 13.09.2006 e junho de 2008 (p. 35 da

denúncia).

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135. Ao descrever os fatos que, ao seu ver, constituiriam corrupção passiva, a

acusação não se reporta a um único episódio que se refira a uma ação praticada por

EDUARDO CUNHA. A denúncia, até porque está descrevendo fato sabidamente não verídico,

limita-se a apontar supostas condutas de FERNANDO SOARES, “sempre representando os

interesses do PMDB, mais especificamente do denunciado EDUARDO CUNHA e também de

NESTOR CERVERÓ...” (fls. 614/615).

136. Para tentar comprovar a suposta participação do denunciado nos dois crimes de

corrupção passiva que teriam sido praticados e consumados nos anos de 2006 e 2007, a

denúncia descreve como elementos indiciários supostos acontecimentos verificados em 2011,

ou seja, em momento que, quando muito, poderia ser qualificado como de exaurimento

daqueles supostos delitos.

137. Considerados os fatos resumidos acima – seja por descreverem

comportamentos penalmente irrelevantes, seja por se referirem, como elementos indiciários, a

fatos supostamente ocorridos após a consumação dos delitos –, não há dúvida de que as

descrições fáticas desatendem ao que determina o art. 41 do CPP. Ademais, a narrativa

acusatória também se revela contraditória.

138. O tipo do art. 317 do Código Penal admite três hipóteses de condutas, são elas:

(i) a conduta de solicitar, na qual o agente público tem uma atitude proativa em face de

terceiro, (ii) a conduta de receber, na qual a ação do agente público pressupõe o ato de

oferecimento praticado por terceiro e (iii) a conduta de aceitar promessa, na qual a ação do

agente público somente ocorre após o ato de promessa praticado por terceiro.

139. Essas possíveis dinâmicas delituosas impõem concluir, por razões de lógica

elementar, que (i) ou o agente público tem uma atitude proativa e efetivamente solicita a

vantagem indevida (ii) ou a sua conduta demanda um ato anterior de terceiro para então

aceitar promessa ou receber a vantagem indevida. É dizer, há incompatibilidade entre o ato

de solicitar e o ato de aceitar promessa, para fins de caracterização do delito de corrupção

passiva.

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140. No caso dos autos, a denúncia apresenta irremediável defeito ao descrever

ações delituosas de natureza incompatíveis, de sorte a revelar-se genérica. Isso porque, a

acusação afirma que foi praticado ato de corrupção passiva, no entanto não sabe de que forma

esse ato foi cometido – se por meio de solicitação ou de aceitação de promessa de vantagens

indevidas – em manifesta afronta ao artigo 41 do CPP e em prejuízo substancial à defesa.

141. A contradição somente se explica porque, como os fatos imputados não são

verdadeiros e não há nos autos um único elemento que apresente natureza probatória capaz

de indicar a realização de tais condutas por EDUARDO CUNHA, não passam de ilações feitas

pela acusação.

142. De outra parte, em relação ao delito de lavagem de dinheiro, apesar de a

denúncia afirmar que teria ocorrido “mediante o recebimento fracionado de valores no

exterior, em contas de empresas offshore e por meio de empresas de fachada, mediante

simulação de contratos de prestação de serviços e, ainda, pagamento de propina sob a falsa

alegação de doações para Igreja”, bem como por pagamentos em dinheiro ou recebimento de

valores em horas de voo, os elementos informativos produzidos durante a fase investigativa

não dão suporte mínimo à tese acusatória, consoante será demonstrado nessa peça defensiva.

CONSIDERAÇÕES SOBRE O VALOR PROBATÓRIO DOS INDÍCIOS

143. Antes de passarmos a demonstrar que nenhum dos elementos informativos

produzidos durante toda a fase investigativa ostenta a qualidade de indício do cometimento

dos supostos ilícitos descritos na denúncia, cumpre tecer algumas considerações sobre a

natureza e a força probatória dos indícios.

144. O art. 239 do CPP assevera que “considera-se indício a circunstância

conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a

existência de outra ou outras circunstâncias”. Dessa descrição legal pode-se afirmar que

indício é um meio de prova. No entanto, o seu valor probatório pressupõe a observância de

certas condições.

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145. Antes de tudo, o indício – que pode ser um ato, um fato, um documento, uma

declaração, ou até mesmo uma circunstância – deve ser conhecido e provado. Ou seja, o fato

indiciário deve estar materialmente demonstrado nos autos, não se tratando, portanto, de

suposições ou suspeitas.

146. Além disso, o fato indiciário deve possuir uma relação com o fato principal

que se quer demonstrar ter ocorrido a partir do conhecimento do primeiro. E mais, essa

relação deve ser qualificada no sentido de decorrer de um juízo lógico entre os fatos que

guardem relação de contemporaneidade. Ou seja, o fato indiciário deve ser idôneo e apto

para conduzir a um juízo de ocorrência do fato principal.

147. Quanto ao ponto, alertam Eugênio Pacelli e Douglas Fischer41 que:

“não é incomum encontrar-se em inúmeros inquéritos, e mesmo no curso de

ações penais, referências genéricas às provas indiciárias, dando-lhes, porém,

o sentido de suposições ou suspeitas lógicas, dependentes, sempre, da

produção de novos elementos de prova para a constatação do fato.

No entanto, não é essa a interpretação a ser feita no âmbito da prova no

processo penal.

Indício significa o juízo – lógico, sim – por meio do qual, a partir da

comprovação efetiva de um fato ou de uma circunstância, se deduz a

existência de outro(a) (fato ou circunstância). É dizer: a prova obtida pelo

indício é fruto unicamente de uma operação intelectual, cuja premissa,

necessária, é a existência de uma prova material sobre determinado fato ou

circunstância”.

                                                            41 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de; FISCHER, Douglas. Comentários ao Código de Processo Penal e sua

jurisprudência. 4ª ed. rev. e atual. até dezembro de 2011. São Paulo: Atlas, 2012, p. 451.

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148. Por sua vez, BARBOSA MOREIRA ensina que “o lugar e a função do indício

não se equiparam perfeitamente ao lugar e à função de um documento ou de uma declaração

de testemunha”, e afirma que indício “é, ao mesmo tempo, ponto de chegada e novo ponto de

partida: o órgão judicial vem a conhecê-lo com base no documento ou no testemunho, e vale-

se dele, num segundo passo, para formar a presunção”42.

149. No direito comparado, o valor probatório dos indícios também passa pela

constatação tanto de requisitos formais da decisão que os aprecia, quanto de requisitos

materiais relativos aos indícios propriamente ditos e ao raciocínio de dedução ou inferência.

No artigo Autonomia do crime de lavagem e prova indiciária43, o Juiz Federal SÉRGIO MORO

faz referência ao entendimento da jurisprudencial do Supremo Tribunal Espanhol sobre a

eficácia probatória dos indícios, revelando os seus requisitos. Para tanto cita o seguinte

excerto da STS 392/200644, traduzido livremente pela defesa:

 42 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Temas de direito processual. São Paulo: Saraiva, 1977, p. 58. 43 Artigo publicado na íntegra no site “Conjur” no endereço: http://www.conjur.com.br/2015-jul-17/sergio-moro-

expoe-opiniao-autonomia-crime-lavagem (acesso em 08.09.2015) 44 No original: “1. Es doctrina reiterada de esta Sala la eficacia probatoria de la prueba de indicios y la exigencia

de una serie de requisitos relativos a los indicios y a la inferencia.

La prueba indiciaria, circunstancial o indirecta, es suficiente para justificar la participación en el hecho punible,

siempre que reuna unos determinados requisitos, que esta Sala, recogiendo principios interpretativos del Tribunal

Constitucional, ha repetido hasta la saciedad. Tales exigencias se pueden concretar en las siguientes:

1) De carácter formal: a) que en la sentencia se expresen cuáles son los hechos base o indícios que se estimen

plenamente acreditados y que van a servir de fundamento a la deducción o inferencia; b) que la sentencia haya

explicitado el razonamiento a través del cual, partiendo de los indicios, se ha llegado a la convicción del

acaecimento del hecho punible y la participación en el mismo del acusado, explicitación que, aún cuando pueda

ser sucienta o escueta, se hace imprescindible en el caso de prueba indiciaria, precisamente para posibilitar el

control casacional de la racionalidad de la inferencia.

2) Desde el punto de vista material es preciso cumplir unos requisitos que se refieren tanto a los indicios en si

mismos, como a la deducción o inferencia. Respecto a los indicios es necesario: a) que estén plenamente

acreditados. b) de naturaleza inequívocamente acusatoria. c) que sean plurales o siendo único que posea uma

singular potencia acreditativa. d) que sean concomitantes al hecho que se trate de probar. e) que estén

interrelacionados, cuando sean varios, de modo que se refuerzen entre sí.

En cuanto a la deducción o inferencia es preciso: a) que sea razonable, es decir, que no solamente no sea

arbitraria, absurda e infundada, sino que responda plenamente a las reglas de la lógica y la experiencia. b) que de

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“1. É jurisprudência reiterada dessa Corte a eficácia probatória da prova dos

indícios e a exigência de uma série de requisitos relativos aos indícios e às

inferências.

A prova indiciária, circunstancial ou indireta, é suficiente para justificar a

participação no fato punível, sempre que reúna alguns determinados

requisitos, que esta Corte, reconhecendo princípios interpretativos do

Tribunal Constitucional, tem repetido à saciedade. Tais exigências se podem

especificar nas seguintes:

1) De caráter formal: a) que na decisão se expressem quais são os fatos base

ou indícios que se tenham por plenamente provados e que vão servir de

fundamento à dedução ou inferência; b) que a decisão tenha explicitado as

razões pelas quais, partindo dos indícios, chegar-se-ia a convicção do

cometimento do fato punível e da participação do acusado, fundamentação

que, ainda que possa ser sucinta ou breve, se mostra imprescindível no caso

da prova indiciária, exatamente para possibilitar o controle judicial da

racionalidade da inferência.

2) Do ponto de vista material é preciso cumprir alguns requisitos que se

referem tanto aos próprios indícios, como ao raciocínio de dedução ou

inferência.

A respeito dos indícios é necessário: a) que estejam plenamente provados; b)

sejam de natureza inequivocamente acusatória; c) que sejam plurais ou

sendo único que possua uma particular força probatória; d) que sejam

concomitantes ao fato que se pretenda provar; e) que sejam inter-

relacionados quando plurais, de modo que um fortaleça o outro.

Em relação à dedução ou inferência é necessário: a) que seja razoável, é

dizer, que não apenas não seja arbitrária, absurda e infundada, mas que

corresponda plenamente às regras da lógica e da experiência; b) que dos

                                                                                                                                                                                          los hechos base acreditados fluya, como conclusión natural, el dato precisado de acreditar, existiendo entre

ambos un ‘enlace preciso y directo según las reglas del criterio humano.’”

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fatos indiciários comprovados decorra, como conclusão natural, o fato a ser

demonstrado, existindo entre ambos um ‘vínculo necessário e direto segundo

as regras de critério humano’”

150. Portanto, a circunstância indiciária, para ostentar essa característica, deve (i)

estar plenamente provada, (ii) ter natureza eminentemente acusatória, (iii) consubstanciar em

mais de um fato, ou sendo única a circunstância, que possua uma singular força probatória,

(iv) ser concomitante ao fato que se pretende provar e (v) se forem mais de uma, que se

relacionem de forma a que uma fortaleça a outra.

151. Essa compreensão reflete-se também na jurisprudência do Supremo Tribunal

Federal. No julgamento do HC nº 97.781/PR, o Ministro LUIZ FUX ressaltou, com base nos

ensinamentos de GIOVANNI LEONI e NICOLA MALATESTA, a necessidade da existência de

uma relação de causalidade entre “um fato devidamente provado que não constitui elemento

do tipo penal” para “concluir pela ocorrência de circunstância relevante para a qualificação

penal da conduta”45.

152. No Superior Tribunal de Justiça, o Ministro LUIZ VICENTE CERNICCHIARO46,

no julgamento do HC nº 9.671/SP, já alertava para a necessária distinção entre indícios e

presunções. Disse, com precisão, Sua Excelência: “Indício é a relação que se extrai de fato

certo, a respeito de fato incerto. (...) Presunção, ao contrário, é o efeito que uma

circunstância ou antecedente produz, no julgador, a respeito de existência de um fato”.

Vale dizer, a relação indiciária demanda a comprovação de determinado fato e que deste fato

possa se extrair, de forma lógica – portanto, por razões que devem ser declinadas para que

seja aferida a validade do raciocínio –, a possível ocorrência de um outro fato. Já a presunção

é mero juízo subjetivo sobre a ocorrência de um fato a partir de outro.

                                                            45 STF, HC 97.781/PR, Rel. p/ Acórdão Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 17.03.2014. 46 STJ, HC 9.671/SP, Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, Sexta Turma, DJ 26.08.1999, p. 115.

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153. Feitos esses esclarecimentos iniciais, será demonstrado a seguir que os

elementos informativos produzidos durante a fase investigatória não conduzem nem mesmo a

um juízo indiciário da ocorrência dos fatos delituosos descritos na inicial. Dito de outra

forma: será demonstrado que não existe suporte probatório mínimo a justificar o juízo

positivo de admissibilidade da denúncia.

INEXISTÊNCIA DE SUPORTE PROBATÓRIO MÍNIMO

QUE JUSTIFIQUE A INSTAURAÇÃO DE AÇÃO PENAL

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

154. Uma apreciação criteriosa das imputações feitas na denúncia e no aditamento,

em face dos elementos informativos que constam dos autos, revela a manifesta ausência de

suporte probatório mínimo ou justa causa em sentido estrito.

155. Não é preciso qualquer esforço para se constatar que inexiste nos autos

qualquer elemento probatório (mesmo indiciário) que justifique a afirmação de que o

denunciado praticou qualquer ato – especialmente os de solicitar e de aceitar promessa de

vantagem indevida que foram graciosamente inseridos na denúncia – durante as tratativas que

resultaram nos contratos de aquisição dos navios-sonda da SAMSUNG pela PETROBRÁS.

156. O próprio JÚLIO CAMARGO, em cujo depoimento toda a tese acusatória está

apoiada, ainda que sob o risco de perder os benefícios do acordo de delação, não teve

coragem de fazer uma afirmação tão manifestamente falsa. O máximo que ousou afirmar foi,

em supostos episódios ocorridos em 2011, que serão referidos adiante, que FERNANDO

SOARES teria dito que tinha um compromisso com EDUARDO CUNHA em relação aos valores

que reclamava naquela época (ano de 2011).

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157. O delator JÚLIO CAMARGO, que obtivera benefícios extraordinários no acordo

de delação, não resistiu à pressão (ameaça de rescisão do acordo) que vinha sofrendo e criou

informações que pudessem supor uma participação ilícita do denunciado, mas, a despeito das

tentativas de induzi-lo a fazê-lo, não fez uma única afirmação que pudesse inseri-lo nos

fatos acontecidos nos anos de 2006 e 2007, onde teriam sido praticados e consumados os

crimes de corrupção passiva, nem naqueles relacionados com a lavagem de dinheiro.

158. O denunciado não deixará de abordar todas as questões ventiladas na denúncia

e no aditamento, mas deseja desde logo apresentar informações que tornam incontroversa a

sua não-participação nos fatos que lhe foram imputados.

IMPOSSIBILIDADE MATERIAL DO COMETIMENTO DOS CRIMES POR EDUARDO CUNHA

159. Antes de examinar a irrelevância dos elementos invocados pela acusação como

indícios de sua participação, o que fará logo adiante, o denunciado esclarece que é manifesta

a falsidade das imputações que lhe foram feitas, uma vez que há obstáculo de ordem

material que impede que seja considerado co-autor dos supostos delitos: EDUARDO CUNHA

não conhecia os demais supostos co-autores na época dos fatos.

160. Aliás, a ausência de qualquer diligência durante a investigação para

esclarecer essa questão elementar, mas que é fundamental para a higidez das

imputações (os co-autores se conheciam? ou EDUARDO CUNHA, na época dos fatos, pelo

menos conhecia FERNANDO SOARES?) e a omissão da denúncia a esse respeito são, por si

só, condutas reveladoras da inconsistência das imputações.

161. Por não dispor de qualquer elemento probatório, a acusação sem

preocupação com a verdade dos fatos e, certamente, por mera ilação, afirma na

denúncia que “EDUARDO CUNHA solicitou para si e para outrem e aceitou promessa de

vantagem indevida...” em duas oportunidades nos anos de 2006 e 2007 e o teria feito em

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concurso com “SOLANGE ALMEIDA, então no exercício de mandato de Deputada Federal,

de FERNANDO ANTÔNIO FALCÃO SOARES (“FERNANDO SOARES”) e de NESTOR

CUÑAT CERVERÓ (“NESTOR CERVERÓ”)” e, também afirmou que FERNANDO SOARES,

naquelas oportunidades teria praticado atos “representando os interesses de Eduardo

Cunha”.

162. Não são verdadeiros os fatos contidos nas referidas assertivas da acusação

pela simples circunstância do denunciado não conhecer, na época, FERNANDO SOARES,

JÚLIO CAMARGO e NESTOR CERVERÓ.

163. O denunciado, com absoluta certeza, não conhecia FERNANDO SOARES na

época em que foram praticados os supostos crimes de corrupção passiva. Aliás, a

despeito de referir-se a local diverso, o mencionado delator afirmou ao Ministério Público

Federal que “conheceu o Deputado Eduardo Cunha em 2009, em um café da manhã no

Hotel MARRIOT, no Rio de Janeiro”. Na verdade, o denunciado conheceu FERNANDO

SOARES realmente em 2009, no Restaurante Vilarinho, onde estava almoçando. FERNANDO

SOARES equivocou-se quanto ao local em que se encontraram. É incontroverso, contudo,

que somente conheceu FERNANDO SOARES em meados de 2009.

164. Alias, em trecho não degravado do seu procedimento de delação premiada,

quando estavam discutindo (Procuradores e delator) sobre o que deveria ser abordado no

próximo termo de declarações, FERNANDO SOARES afirma solene e espontaneamente:

“Fernando Soares: Eu queria explicar. Explica com gravação mesmo?

Procurador: Pode ser. Isso não tem problema não, a gravação não tem

problema não.

Fernando Soares: Porque o importante é o seguinte: é se vocês forem me

perguntar a forma como a denúncia foi feita do Eduardo Cunha não reflete

o que realmente aconteceu. O Eduardo Cunha nunca foi o meu sócio oculto

nesse negócio das sondas. Na verdade, quando aconteceu o negócio das

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sondas eu nem conhecia o Eduardo Cunha. Eu vim a conhecer o Eduardo

Cunha em 2009.

Procurador: Não, é, isso a gente vai por. É que, é o que a gente tinha na

época, na verdade.

Fernando Soares: Então na verdade o Eduardo Cunha entrou num momento

que eu já tava desde 2007 tentando receber do Júlio Camargo e o Júlio

Camargo não pagava. Ficava enrolando, enrolando, aquela história toda. Aí

eu vim conhecer Eduardo Cunha em 2009, em 2000 e..., final de 2010 começo

de 2011 a gente conversando sobre eleições, não sei o que, dizendo porra eu

to precisando arrumar dinheiro para a campanha, não sei o que, essa coisa

toda, aí eu disse, pô Eduardo, eu tenho um assunto que se você me ajudar a

resolver eu ajudo na campanha, inclusive é aí que eu digo aí foi exatamente

onde houve a primeira vez aonde saiu um dinheiro de meu bolso pra dar a

político, que eu nunca tinha feito isso, aí eu falei a ele da história do Júlio que

tava me devendo, que não me pagava, ficava enrolando, não sei o que, e aí ele

me disse, eu vou ver como a gente pode pressionar.”47

165. O próprio JÚLIO CAMARGO revela que se apresentou ao denunciado quando

este se encontrava fazendo uma refeição no restaurante do Hotel Copacabana Palace, no Rio

de Janeiro, em meados de 201348.

166. O ora denunciado foi apresentado a NESTOR CERVERÓ na solenidade de posse

do Presidente da BR Distribuidora, realizada em 20.08.2009.

167. SOLANGE ALMEIDA só é referida em fato que teria ocorrido em 2011 que,

evidentemente, não integra o contexto fático dos delitos de corrupção passiva consumados

em 2006/2007.

                                                            47 Arquivo M2U00007, Fernando Soares 20150909_2, Pen Drive 02, Apenso 06, entre 03:18 e 04:54. 48 Depoimento prestado nos autos do Inquérito nº 3.986 do Supremo Tribunal Federal. (Doc.01)

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168. Como sequer conhecia os supostos co-autores dos ilícitos penais, é evidente

que há uma impossibilidade material de ter praticado as condutas já mencionadas,

inclusive as referentes a lavagem de dinheiro, muito menos estar sendo representado por

qualquer deles naquelas ocasiões, de modo que as imputações são materialmente falsas e a

denúncia deve ser rejeitada.

169. A despeito da impossibilidade material de ter participado das ações penalmente

típicas, obstáculo que é intransponível e por si só impede recebimento da denúncia, em

atenção ao princípio da eventualidade, o denunciado vai demonstrar no curso dessa defesa que

são irrelevantes e falsos os elementos tidos como indiciários na denúncia.

A DELAÇÃO PREMIADA: OBSERVAÇÕES GERAIS E AS ESPECÍFICAS DO CASO

170. Para permitir, de modo mais consistente, a demonstração da ausência de

suporte probatório mínimo na denúncia, além das questões apresentadas nas preliminares

acima, o denunciado considera relevante fazer algumas outras considerações gerais sobre a

delação premiada, e outras específicas sobre aquelas realizadas nas investigações apelidadas

de Lava Jato, especialmente a realizada por JÚLIO CAMARGO, que não foi objeto de

homologação perante esse Supremo Tribunal Federal e, como já se demonstrou

anteriormente (alegação em preliminar), seus depoimentos complementares não podem ser

validamente utilizados contra o ora denunciado. É relevante observar que os acordos de

delação de ALBERTO YOUSSEF, de PAULO ROBERTO COSTA e de FERNANDO SOARES

foram homologados perante essa Corte Suprema.

171. É fato incontroverso que nas investigações relacionadas a ilícitos penais

praticados na Petrobrás, o Ministério Público Federal e a Polícia Federal firmaram um

elevado número de acordos de delação premiada, como meio para ajudar na apuração dos

delitos. A utilização desse meio de obtenção de prova tem previsão legal, mas as suas normas

regulamentares devem ser observadas com rigor, assim como não podem ser desprezadas as

garantias constitucionais asseguradas aos acusados.

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172. Na medida em que concede benefícios ao delator – que não deixa de ser um

delinquente –, o órgão da acusação tem o dever de exigir com rigor a observância dos

compromissos por ele assumidos. O descumprimento dos deveres de falar a verdade, não

omitir fatos, esclarecer plenamente os acontecimentos, apresentar os elementos probatórios de

que dispõe, entre outros, não pode ser minimizado e tolerado, mediante a aceitação de

justificativas manifestamente infundadas, sob pena de desprezo ao interesse público que

deve orientar os respectivos acordos e frontal desconsideração à parcela de interesse

público que foi sacrificada com a concessão de benefícios.

173. É importante assinalar que a realização seja pela Polícia, seja pelo Ministério

Público, de acareação entre delatores é providência, por um lado incompatível com o sistema

legal da delação premiada, em que se exige do delator que sempre fale a verdade, o que

conduz a nulidade daquelas que foram realizadas e, por outro lado, irrelevante visto que a

simples informação coincidente de dois ou mais delatores não constitui prova49.

174. As restrições ao direito do Estado de punir, de receber indenizações, de

responsabilizar infratores, normalmente previstas nos acordos de delação, devem guardar

uma relação de proporcionalidade com a importância da colaboração prometida e efetivada

pelo delator. A esse respeito, a avaliação do órgão de acusação pode até ser discricionária,

mas jamais poderá ser arbitrária.

175. Ninguém pode esquecer que quem celebra acordo de deleção premiada não

deixa de ser um delinquente que, sem qualquer preocupação com arrependimento, deseja

obter vantagens pessoais que são concedidas à custa de restrições a ações e/ou iniciativas

destinadas a atender o interesse público. Também é absolutamente inadmissível que o delator

passe a agir como integrante das instituições dotadas de poder investigatório, sugerindo

providências ou compartilhando o conhecimento de atos legalmente sigilosos.

 49 STF, HC 127483, relator Ministro Dias Toffoli, julgado em 26 e 27.08.2015: “Importante salientar que, para

fins de corroboração das “declarações heteroinculpatórias” do agente colaborador, não são suficientes,

por si sós, as declarações harmônicas e convergentes de outro colaborador.” No mesmo sentido é o

entendimento do Ministro Celso de Mello em despacho proferido na PET. 5700.

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176. Ademais, o denunciado, depois de ter conhecimento da manifestação do

Procurador-Geral da República na Petição nº 5671, tem certeza que são inválidos os atos de

colaboração de JÚLIO CAMARGO utilizados pela acusação, visto que o respectivo acordo

de delação não foi submetido à homologação perante esse Supremo Tribunal Federal

como foi demonstrado anteriormente.

177. Consideradas essas breves ponderações antecedentes, que obviamente não

compreendem todas as questões que podem ser levantadas sobre o tema, e colocadas em

confronto com condutas atribuídas aos órgãos de investigação e as de alguns delatores, é

necessário que se submeta a criteriosa aferição a credibilidade das informações obtidas em

algumas delações premiadas, especialmente aquelas utilizadas pela acusação nesses autos.

178. Para que se tenha uma ideia do contexto em que foram celebrados os acordos

de delação premiada invocados pelo órgão acusador, é importante lembrar que o delator

ALBERTO YOUSSEF, em mais de uma oportunidade, revelou comportamento próprio de quem é

tratado com inadmissível deferência pelos órgãos investigatórios e age como quem tem

atribuições para investigar. Os três episódios transcritos abaixo são reveladores desse

quadro:

1º EPISÓDIO:

“Procurador 1: Júlio Camargo tinha alguma relação com Edison Lobão? O senhor

sabe?

Alberto Youssef: Eu tô aqui como réu colaborador. Eu tô aqui pra dizer a verdade.

Não para omitir, nem para mentir. Eu li a colaboração na íntegra do Júlio Camargo.

Até onde eu vi, ele não relacionou nenhum político à colaboração dele. E eu creio que

isso tem algum equívoco, porque ele se relacionava com vários políticos. Ele omitiu

isso. Ao menos eu entendo que ele omitiu. Então...”50

                                                            50 PET 5245, Depoimento do dia 11.02.2015, Arquivo MPEG M2U00221. Momento no vídeo: 50:31 a 52:29.

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2º EPISÓDIO

“Alberto Youssef: Antes de fazer a correção, não quer ver aquelas discrepâncias

com os depoimentos do Paulo Roberto?

Procurador 1: É, a gente já foi perguntando mais ou menos, não é? Têm umas

discrepâncias assim que foram, por exemplo, o que dá uma diferença bastante grande

– é do Palocci, né? Aquelas pessoas que... Palocci, Lobão. Que ele fala que o senhor

que foi o responsável... Ele fala assim, ó: ‘Recebi essa notícia e passei pro...e passou

pro senhor... Pra o senhor fazer’.

[Neste momento, Youssef balança a cabeça em gesto de negação]

Então essas coisas a gente te perguntou, reperguntou e, depende, chega um ponto que

também não dá para a gente também, né? Senão a gente vai tá até pressionando o

senhor num tipo de coisa que não...

Alberto Youssef: Na verdade eu quero deixar claro que eu tô aqui pra colaborar não

adianta... eu não tô aqui pra omitir e encobrir ninguém... e nem pra agradar

vocês...então... o que aconteceu, aconteceu...agora o que não aconteceu... eu acho que

o Paulo se equivocou. E se os doutores acharem necessário da gente ter uma

conversa juntos, eu e ele e os doutores, eu estou à disposição.

Procurador 2: Esse é o tipo da coisa que quanto mais mexe, pior fica. Porque se

volta, se um muda, aí pronto, a questão toda...

Procurador 3: Com todo o respeito aí a Dra. Erika, é a característica da bosta seca,

né? Mexeu? Fede.

Procurador 2: Putz grila! Assim, do jeito que está, já está ruim. Do jeito que tá, já tá

ruim. Então, quer dizer, porque você tem dois colaboradores, um dizendo uma coisa e

outro dizendo outra. Então é...”51

3º EPISÓDIO

“O SR. DEPUTADO LUIZ SÉRGIO - Há outra contradição também, outra

divergência. Paulo Roberto Costa, nesse caso, o Alberto Youssef afirma que houve um

                                                            51 PET 5245, Depoimento do dia 12.02.2015, Arquivo MPEG M2U00236. Momento no vídeo: 33:20 a 35:08.

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pagamento de 20 milhões de reais para a campanha de reeleição de Eduardo

Campos, em 2010. Porém, há divergência sobre a origem do recurso. Paulo Roberto

Costa disse que os recursos teriam vindo do Consórcio Ipojuca Interligações, da IESA

e Queiroz Galvão, enquanto Alberto Youssef falou que os recursos seriam oriundos do

Consórcio CONEST, OAS e Odebrecht. Então, a pergunta que faço é: houve esse

repasse desses recursos? E, se houve, por quais empresas?

O SR. PAULO ROBERTO COSTA - Repasse houve. Agora, do meu conhecimento, o

que chegou ao meu conhecimento é que foi através do consórcio que eu falei. Agora, o

repasse houve. Eu acho que o importante nesse ponto aí é que houve o repasse. Pode

ser aprofundado se foi o consórcio A ou o consórcio B. No meu conhecimento, foi o

consórcio que eu falei. Agora, isso pode ser aprofundado. Repasse houve? Houve.

Então, o ponto importante dessa pergunta é: o repasse houve.

O SR. ALBERTO YOUSSEF - Olha, eu retifico os meus depoimentos —todos, dados

como réu colaborador. Ratifico, está certo? E vou dizer mais ainda: eu vou me

reservar ao silêncio com referência a esse assunto, porque existe uma investigação

nesse assunto do Palocci que logo vai ser revelada, e vai ser esclarecido o assunto.

Tem um outro réu colaborador que está falando. Eu não fiz esse repasse. E, assim

que essa colaboração for noticiada, vocês vão saber realmente quem foi que pediu o

recurso e quem repassou o recurso.

O SR. DEPUTADO LUIZ SÉRGIO - V.Sa. está se referindo à pergunta anterior?

O SR. ALBERTO YOUSSEF - Sim.”52

179. Os trechos acima transcritos revelam que ALBERTO YOUSSEF tinha

conhecimento integral de informações prestadas por outros delatores, bem como de

fatos sigilosos objeto de acordo de delação ainda em curso, situações que ao ver do

denunciado revelam-se totalmente divorciadas dos parâmetros legais e estão a merecer a

devida aferição e correção pelo Poder Judiciário.

                                                            52 Audiência Pública da CPI da Petrobrás em 25.08.2015. (Doc. 02. pg. 18/19)

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180. Quanto ao ponto, no artigo O uso de um criminoso como testemunha: um

problema especial53, traduzido pelo Juiz Federal SÉRGIO MORO, que trata dos potenciais

problemas no uso de criminosos como testemunhas da acusação no sistema processual penal

norte americano, o autor alerta que:

“a utilização sem cuidado, sem habilidade ou sem preparação, de criminosos

colaboradores como testemunhas, tem capacidade de gerar, de maneira tão

severa, o efeito contrário do pretendido; (...)

[Isso porque] um informante tem mente própria e, quase sempre, é uma mente

que não carrega os valores e os princípios que animam nossa lei e nossa

Constituição. (...) Mudará em um instante sempre que perceber que o seu

interesse será melhor atendido de outra maneira. (...) Ademais, mesmo

aparentemente engajado em colaborar com o caso, pode cometer perjúrio,

obstruir a justiça, produzir prova falsa e recrutar outras testemunhas para

corroborar suas histórias falsas.”54

181. E especificamente aos promotores, o autor faz a seguinte advertência:

“Você deve sempre estar no controle e não a testemunha! No momento em

que sentir que a testemunha está ditando termos e ganhando controle da

situação, você estará com problemas sérios e deverá reverter o ocorrido, pois

você é quem deve estar no controle e não seus informantes.”55

182. No caso específico de JÚLIO CAMARGO, além dos fatos já noticiados na

apresentação da questão preliminar, outro fato que chama a atenção: é que sua mudança de

versão foi acompanhada da mudança de seus advogados.

                                                            53 De autoria de Stephen S. Trott. Revista CEJ, Brasília, Ano XI, n. 37, p. 68-93, abr./jun. 2007. (Doc. 03) 54 Revista CEJ, Brasília, Ano XI, n. 37, abr./jun. 2007, p. 69. 55 Revista CEJ, Brasília, Ano XI, n. 37, abr./jun. 2007, p. 75.

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183. De início, importa registrar que ALBERTO YOUSSEF tem como advogados os

Drs. Antônio Augusto Figueiredo Basto, Luis Gustavo Rodrigues Flores, Adriano Sérgio

Nunes Bretas, Rodolfo Herald Martins e Tracy Joseph Reinaldet dos Santos.

184. Por sua vez, JÚLIO CAMARGO, esteve representado pela Dra. Beatriz Catta

Preta e pelo Dr. Luiz Henrique Vieira desde o acordo de colaboração premiada firmado

com o Ministério Público Federal no Paraná até o dia 17.07.2015, quando foi apresentada

petição de renúncia ao mandato por aqueles causídicos56 e juntada nova procuração

outorgando os poderes de representação para os Drs. Antônio Augusto Figueiredo Basto,

Luis Gustavo Rodrigues Flores, Adriano Sérgio Nunes Bretas, Rodolfo Herald Martins e

Tracy Joseph Reinaldet dos Santos57, justamente os mesmos advogados de ALBERTO

YOUSSEF, delator este que já tinha conhecimento de todos os depoimentos de JÚLIO

CAMARGO como mostramos acima. Embora essa mudança de advogado somente tenha sido

formalizada nos autos da ação penal nº 5083838-59 em 17.07.2015, ela já tinha ocorrido em

momento anterior como será revelado neste tópico da defesa.

185. Tais considerações são importantes na medida em que a “nova versão” dos

fatos apresentada por JÚLIO CAMARGO, coincide com o fato de passar a ser representado

pelos mesmos procuradores do delator que o havia delatado, e com o qual apresentava

versões inconciliáveis.

186. Aliás, é interessante notar que os atuais defensores de JÚLIO CAMARGO

imputavam supostos equívocos na denúncia oferecida perante a 13ª Vara Federal de Curitiba

ao citado delator, o qual teria omitido fatos e criado versões. Por oportuno, confira-se a

resposta à acusação apresentada pelos advogados de ALBERTO YOUSSEF nos autos da ação

penal nº 5083838-5958:

                                                            56 Evento 564 da Ação penal nº 5083838-59.2014.4.04.7000. 57 Evento 563 da Ação penal nº 5083838-59.2014.4.04.7000. 58 Ação penal nº 5083838-59.2014.4.04.7000, Evento 95, fl. 50 da petição.

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“B. SOBRE A PARTICIPAÇÃO DE YOUSSEF NOS FATOS NARRADOS NA

DENÚNCIA.

Diversos trechos da denúncia contém impropriedades que merecem ser

prontamente rechaçadas. De início, deve ser afastado o trecho abaixo

transcrito:

‘Restou ainda demonstrado que JULIO CAMARGO e ALBERTO YOUSSEF,

em conluio e com unidade de desígnios, por meio de três operações nos

valores de US$ 1.535.985,96, US$ 950.000,00 E US$ 588.422,91,

promoveram, sem autorização legal, a saída de moeda do país, sob a falsa

rubrica de investimento direto no exterior 'CBLP-INV.DIR.EXT.-

PARTICIPAÇÕES EM EMPRESAS'.

Em seguida, fizeram uma operação inversa, já que, dando como garantia estes

mesmos valores, contraíram empréstimo em favor da offshore DEVONSHIRE

GLOBAL FUND, empresa controlada por YOUSSEF, que por sua vez, por

meio de 4 operações de câmbio, também sob a falsa rubrica, aportou o valor

de US$ 3.135.875,20 na empresa GFD situada em território nacional,

induzindo e mantendo em erro as repartições públicas competentes, Banco

Central do Brasil e Receita Federal" (p. 03 da denúncia).’

Neste particular aspecto, a denúncia falta com a verdade, quiçá, induzida em

erro pela colaboração de JULIO CAMARGO, que além de lacônica, omitiu

fatos e criou versões. Não é verdade que a operação tenha envolvido a

empresa DEVONSHIRE! Em momento algum, a empresa DEVONSHIRE

participou da negociata.

O mesmo se diga com relação ao trecho contido na página 13 da denúncia,

que também contem impropriedades fáticas:

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‘Ato contínuo, YOUSSEF repassou esses valores a FERNANDO SOARES,

descontada a sua respectiva comissão, não tendo sido esclarecido ainda a

forma como esse repasse ocorreu’.

Novamente, a denúncia falta com a verdade. Está incorreto o trecho acima.

Não houve o aludido repasse da forma como consta da denúncia. Os trechos

destacados pela defesa são inverídicos! Ao final da instrução, restará

cabalmente demonstrado que os fatos imputados a ALBERTO YOUSSEF não

se passaram exatamente da forma como pretende a exordial acusatória. Não

se trata de negar que JULIO tenha aportado valores perante YOUSSEF.

Contudo, repita-se à exaustão, a empresa DEVONSHIRE, em nenhum

momento, foi utilizada em tal operação.

Criteriosamente, a formatação da denúncia fez uma mescla de alegações e

uniu vários fatos extraídos da investigação mas injustificadamente

desmembrados em várias ações penais, o que acarreta enorme prejuízo para

o acusado.”

187. Importa recordar que o pedido de abertura do presente inquérito foi baseado,

essencialmente, em depoimentos prestados por ALBERTO YOUSSEF, nos quais esse delator

fazia referência a fatos que teria ouvido de JÚLIO CAMARGO. No entanto, indagado sobre se

teria feito referências a ALBERTO YOUSSEF sobre aqueles fatos, JÚLIO CAMARGO sempre

negava. Nesse sentido, confira-se o Termo de Colaboração nº 04 de JÚLIO CAMARGO (tomado

em 31.10.2014, documento nº 1 da denúncia, fl. 695/696):

“QUE num determinado momento, então, FERNANDO SOARES cobrou o

declarante e disse que não poderia esperar mais, dizendo que tinha

compromissos dele e que eram inadiáveis, e que o declarante deveria cumprir

aquilo que havia combinado; QUE nesse momento, o declarante começou a

pensar em como iria pagar FERNANDO SOARES, uma vez que não tinha

liquidez no exterior; QUE diante do conhecimento que tinha a respeito da

atuação de ALBERTO YOUSSEF como operador de PAULO ROBERTO

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COSTA, relatou a YOUSSEF que precisaria pagar FERNANDO SOARES,

dizendo que tinha liquidez (recursos) no Brasil, mas que precisaria efetuar

pagamentos a SOARES;”

188. Embora usurpando a competência desse Supremo Tribunal Federal, o Juízo da

13ª Vara Federal, na audiência de instrução de 13.05.2015, questionou JÚLIO CAMARGO sobre

o que teria dito a ALBERTO YOUSSEF sobre a necessidade de pagamento a FERNANDO SOARES:

Juiz: “Quanto a estes requerimentos ele falou ou não falou na reunião? Que

o senhor falou para ele na reunião”

Julio Camargo: “Eu nunca entrei em detalhes com o senhor Alberto

Youssef. Então possivelmente eu diria para o senhor que eu não falei.”

189. De igual forma, a hipótese de pressão causada pelos requerimentos

formulados na Comissão de Fiscalização e Controle da Câmara dos Deputados era

expressamente rejeitada por JÚLIO CAMARGO. Tal afirmação decorre do depoimento

prestado na Procuradoria Geral da República em 19.03.2015 (Termo de Declarações

Complementar nº 01, documento nº 8 da denúncia, fls. 827/828):

“Indagado, o depoente descartou hipóteses de pressão, pois ele já havia

recomeçado os pagamentos. Não pode dizer quem poderia estar por trás desse

procedimento de esclarecimentos acerca dos contratos com a Mitsui. Não

descarta que Fernando possa ter feito pressão por intermédio de seus amigos

do PMDB, mas não tem como afirmar isso. A maior pressão que sofreu foi a

‘advertência’ de Fernando Baiano de que poderia ser prejudicado nos seus

demais negócios.”

190. Também na audiência de instrução realizada em 13.05.2015 perante a 13ª Vara

Federal de Curitiba JÚLIO CAMARGO refuta a tese ao responder a perguntas do advogado de

ALBERTO YOUSSEF – que posteriormente tornou-se seu advogado:

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“Juiz Federal: Outros Defensores têm indagações?

Defesa: Pela Defesa de Alberto Youssef. (...)

Defesa: (...) Só uma pergunta, ele mencionou se distribuiria esses valores?

Compartilharia esses valores com terceiras pessoas ou não?

Interrogado: O Fernando Soares?

Defesa: Isso.

Interrogado: Nunca me falou isso.

Defesa: Não? O senhor mencionou que quando da inadimplência desses

valores perante ele, o fruto, consequência da inadimplência da Samsung

perante o Senhor, ele teria pressionado o senhor mencionando: ‘Olha, eu terei

prejuízo quanto a isso, o senhor também terá prejuízo.”

Interrogado: Certo.

Defesa: Ele não mencionou que esse prejuízo era decorrente de algum

compromisso assumido dele perante terceiras pessoas? Não falou nada nesse

sentido?

Interrogado: Não Doutor, não falou, eu inclusive tentei até, falei: "Fernando

se eu puder até ajudar, você trouxer aqui, não sei se você tem compromisso

com alguém, que você quiser trazer aqui pra que eu possa manifestar a ele o

que eu to dizendo a você, eu to à sua disposição.” Ele falou: “Ah! Não tenho

ninguém pra trazer aqui.”

(...)

Defesa: Está certo. Por último, a última indagação, o senhor falou que o

requerimento feito perante a Comissão de Fiscalização e controle do

Congresso Nacional não teria sido utilizado por Fernando Soares perante o

senhor como uma forma de lhe cobrar...

Interrogado: De pressão.

Defesa: ...De pressionar, ou coisa do gênero. O senhor atribui esse

requerimento a alguma pessoa, alguma forma de pressão seja lá de quem

parta?

Interrogado: Não.

Defesa: Foi casuístico então? Foi aleatório, aconteceu assim sem nenhum...

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Interrogado: Doutor, o senhor está tentando saber uma dúvida que todos nós

temos. Eu não tenho, não posso, a mesma dúvida que o senhor tem eu tenho

também.

Defesa: Perfeito. Sem mais Excelência. Muito obrigado.”

191. Além desses fatos, os relatos de supostos encontros com EDISON LOBÃO e

EDUARDO CUNHA, na Base Aérea do Aeroporto Santos Dumont e em um escritório no Leblon,

respectivamente, serão definitivamente rechaçados em tópicos abaixo.

192. Todo o quadro fático até o dia 10.06.2015 pode ser resumido da seguinte

forma:

a) JÚLIO CAMARGO negava ter conversado com ALBERTO YOUSSEF sobre os

requerimentos de informação formulados na Comissão de Fiscalização e Controle da Câmara

dos Deputados;

b) JÚLIO CAMARGO negava que tais requerimentos o tivessem pressionado a

pagar as supostas propinas, pois, segundo ele, “já havia recomeçado os pagamentos”, bem

como dizia que a única pressão exercida teria sido de FERNANDO SOARES dizendo que “se

ele tivesse prejuízo, JÚLIO CAMARGO também teria”;

c) JÚLIO CAMARGO só teria se encontrado três vezes com EDISON LOBÃO,

sendo duas no Ministério das Minas e Energia e outra – embora não tenha revelado o lugar –

para tratar de assunto relacionado a interesse da empresa PRYSMIAN; e

d) JÚLIO CAMARGO revela que somente conheceu EDUARDO CUNHA em 2013, o

que afasta a hipótese de encontro com o denunciado em 2011, portanto, dois anos antes.

193. A “nova versão” apresentada por JÚLIO CAMARGO teve início no Termo de

Declarações Complementar nº 02 (Documento nº 09 da denúncia, fls. 832/850) prestado

perante a Procuradoria Geral da República em 10.06.2015. É certo que nesse ato

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investigativo, JÚLIO CAMARGO ainda era assistido pela Dra. Beatriz Catta Preta. Entretanto,

já era amplamente divulgada na imprensa nacional a suposta insatisfação da Procuradoria

Geral da República com as suas declarações em relação ao denunciado, o que poderia levá-lo

a perder os amplos benefícios do acordo que fora ajustado.

194. Essa questão da possível ameaça da Procuradoria Geral da República em

requerer a perda dos benefícios negociados com JÚLIO CAMARGO foi objeto de manifestação

nos autos, por meio da petição nº 25712/2015, em 25.05.2015. Ou seja, em momento

anterior ao surgimento da “nova versão”.

195. Como se sabe a “nova versão” veio a público na ilegal audiência de instrução

realizada em 16.07.2015 perante a 13ª Vara Federal de Curitiba, após o Juízo induzir o delator

para referir-se a um suposto envolvimento do denunciado nos fatos supostamente ilícitos

apurados naquela ação.

196. Deve-se registrar que nesse interregno entre as notícias de insatisfação do

Ministério Público Federal com as declarações de JÚLIO CAMARGO e a exposição pública de

sua “nova versão”, os membros do Ministério Público Federal designados pelo Procurador-

Geral da República procederam à realização de uma acareação entre JÚLIO CAMARGO e

PAULO ROBERTO COSTA, em 21.06.2015. O fato relevante desse ato é que JÚLIO CAMARGO

apresentou como seus advogados os Drs. Antônio Augusto Figueiredo Basto, Luis Gustavo

Rodrigues Flores e Tracy Joseph Reinaldet dos Santos (documento nº 18 da denúncia, fl.

1284) – os mesmos defensores de ALBERTO YOUSSEF, delator esse que apresentava uma

versão inconciliável com a sua!

197. Dessa forma, embora a mudança de defensores somente tenha sido formalizada

nos autos da ação penal nº 5083838-59 em 17.07.2015, é certo que desde pelo menos

21.06.2015 JÚLIO CAMARGO já era orientado pelos mesmos advogados de ALBERTO YOUSSEF.

Como foi abordado oportunamente, é de se questionar, no mínimo – para ficar apenas no

campo processual propriamente dito da controvérsia, portanto, sem indagar sobre questões de

ética profissional – a validade da delação premiada, bem como a sua força probatória,

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quando, dentro do mesmo contexto fático de imputação penal, delatores que relatam

fatos divergentes, ao passarem a ser assistidos por advogados em comum, modificam

suas versões para as tornarem compatíveis entre si.

198. Quanto ao ponto, não se pode deixar de registrar dois fatos ocorridos na

audiência de instrução realizada em 16.07.2015 perante a 13ª Vara Federal de Curitiba –

portanto, em oportunidade na qual JÚLIO CAMARGO já estava sendo orientado pelos

defensores de ALBERTO YOUSSEF, como visto acima.

199. O primeiro diz respeito a uma pergunta do juízo sobre se os requerimentos

formulados na Câmara dos Deputados teriam sido objeto de discussão com ALBERTO

YOUSSEF. Na resposta, o delator prontamente rejeita a hipótese de ter tratado do assunto

com ALBERTO YOUSSEF. Não obstante, na sequência, certamente ainda confuso pela

necessidade de mudar a sua versão, faz uma assertiva duvidosa que fez referência a pressões,

nas quais os requerimentos estariam incluídos. Por oportuno, confira-se a transcrição do

diálogo:

“Juiz Federal: (...). Esse é aquele processo dos navios-sonda da Samsung,

Mitsui com a Petrobras né.

Interrogado: Certo.

Juiz Federal: E foi feita uma referência pelo atual acusado Alberto Youssef

que o senhor teria procurado ele e afirmado que o senhor estava sendo

pressionado a realizar pagamento desses valores em relação aos quais o

senhor teria combinado com o senhor Fernando Soares e aí que o senhor

recorreu aos serviços do senhor Alberto Yousef para fazer parte do

pagamento. Isso é correto?

Interrogado: É correto.

Juiz Federal: E o senhor Alberto Youssef, eu lhe indaguei na ocasião, fez

referência na ocasião que ele teria dito ao senhor, o senhor teria dito a ele

sobre 2 requerimentos que teriam sido apresentados na comissão de

fiscalização e controle da câmara e a sua resposta na ocasião não ficou muito

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clara pra mim. Esses requerimentos foram objetos da discussão do senhor

com o senhor Alberto Youssef?

Interrogado: Não, eu, não foram objeto, simplesmente eu expliquei a ele que

eu estava precisando de fazer um montante de pagamentos porque a pressão

de cobrança havia chegado no limite e que eu entendia que esses

requerimentos faziam parte da pressão.”

200. O segundo fato diz respeito às perguntas formuladas pela defesa de ALBERTO

YOUSSEF a JÚLIO CAMARGO (na época, o mais recente cliente daquele advogado – embora

não oficializado ainda naqueles autos) por meio das quais se busca justificar a sua mudança

de versão e tornar compatíveis a nova versão das declarações de JÚLIO CAMARGO e as

declarações de seu cliente mais antigo, ALBERTO YOUSSEF. Senão vejamos:

“Defesa: Bom, partindo da linha de que o senhor hoje está fazendo, suprindo

o seu depoimento, ou seja, não há prejuízo então à investigação nem a ação

penal porque antes da sentença o senhor está suprindo o seu depoimento, a

pergunta que lhe faço é a seguinte, o senhor, a versão de hoje é a verdadeira,

é verídica?

Interrogado: Doutor, só quero fazer um, se o senhor me permitir.

Defesa: Claro, fique à vontade.

Interrogado: Excelência...

Defesa: O senhor é o interrogado.

Interrogado: Rapidamente. Eu quero dizer o seguinte, todos os meus

depoimentos, independente de eu ter a consciência que todos eles foram

verdadeiras, não obstante isso, a Força-Tarefa que conduz essa Operação

Lava Jato conversando com sua Excelência, com os procuradores públicos em

Curitiba, com os procuradores federais em Brasília, não basta só eu falar.

Tudo aquilo que eu falei foi checado e foi verificado e aquilo que por acaso

surgiu dúvidas foi re-chamado para esclarecer e essa convivência que a gente

tem, no entanto, graças a Deus, eu tenho um problema, eu tenho a

inexperiência de ser a primeira vez que estou fazendo uma delação. Posso ter

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errado no caráter da sequência dos fatos ou do procedimento, porém sempre

com a boa fé de colaboração.

(...)

Defesa: Quem lhe mostrou a primeira vez o requerimento?

Interrogado: Foi o, foi o diretor da Mitsui no Rio de Janeiro.

Defesa: Ou seja, o primeiro depoimento do senhor Alberto Youssef então

estava correto, realmente o senhor disse a ele, ou desabafou com ele...

Interrogado: Estava correto.

Defesa: Que estava sendo pressionado, coagido. Segundo, hoje o senhor se

sente à vontade para prestar esse depoimento, o senhor gostaria de ter alguma

segurança?

Interrogado: Não senhor, me sinto à vontade.

Defesa: Não se sente pressionado por ninguém, ninguém lhe pressionou?

Interrogado: Não.”

201. E a pretensão de compatibilizar as versões dos dois clientes/delatores não

parou por aí. No Termo de Declarações complementar nº 3 (documento nº 10 da denúncia, fls.

852/856), de 21.07.2015, JÚLIO CAMARGO já assistido pelos Drs. Antônio Augusto

Figueiredo Basto, Luis Gustavo Rodrigues Flores e Tracy Joseph Reinaldet dos Santos

muda parcialmente a sua versão a respeito da suposta forma de pagamento das propinas

relativas à aquisição dos navios-sonda para adequá-la aos pagamentos narrados por ALBERTO

YOUSSEF. E, além disso, justifica a parte não alterada da seguinte forma:

“QUE ALBERTO YOUSSEF afirma que as operações do declarante com a

DEVONSHIRE não têm relação com os contratos de afretamento de navios-

sonda porque, provavelmente, ele nem sequer tem conhecimento de que o

dinheiro obtido pelo declarante dessa forma, em parte, destinou-se ao

pagamento de FERNANDO SOARES;”

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202. De todo esse quadro, podemos comparar as “versões” apresentadas por JÚLIO

CAMARGO da seguinte forma:

Versão até 10.06.2015 Versão após 10.06.2015

JÚLIO CAMARGO negava ter conversado com

ALBERTO YOUSSEF sobre os requerimentos de

informação formulados na Comissão de

Fiscalização e Controle da Câmara dos

Deputados;

JÚLIO CAMARGO afirma que pode ter

conversado com ALBERTO YOUSSEF sobre os

requerimentos de informação formulados na

Comissão de Fiscalização e Controle da

Câmara dos Deputados;

JÚLIO CAMARGO negava que tais

requerimentos o tivessem pressionado a pagar

as supostas propinas, pois, segundo ele, “já

havia recomeçado os pagamentos”, bem

como dizia que a única pressão exercida

teria sido de FERNANDO SOARES dizendo que

“se ele tivesse prejuízo, JÚLIO CAMARGO

também teria”;

JÚLIO CAMARGO passa a afirmar que os

requerimentos de pedidos de informação

ostentaram um caráter de pressão;

JÚLIO CAMARGO só teria se encontrado três

vezes com EDISON LOBÃO, sendo duas no

Ministério das Minas e Energia e outra –

embora não tenha revelado o lugar – para

tratar de assunto relacionado a interesse da

empresa PRYSMIAN; e

JÚLIO CAMARGO “se recorda” de um

encontro com o então Ministro EDISON

LOBÃO, na Base Aérea do Aeroporto Santos

Dumont; e

JÚLIO CAMARGO revela que somente

conheceu EDUARDO CUNHA em 2013, o que

afasta a hipótese de encontro com o

denunciado em 2011, portanto, dois anos

antes.

JÚLIO CAMARGO passa a “se lembrar” de uma

reunião entre ele, Fernando Soares e

EDUARDO CUNHA em setembro de 2011.

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203. Fica muito claro que além da possível “ameaça” do órgão da acusação de lhe

retirar os amplos benefícios concedidos no acordo de colaboração premiada, a circunstância

de JÚLIO CAMARGO ter escolhido como novos advogados os mesmos de ALBERTO YOUSSEF –

que já tinha conhecimento de todos os seus depoimentos59 – contribuiu para o objetivo

pretendido pelo Procurador-Geral da República.

204. A validade e credibilidade dos depoimentos prestados pelo delator FERNANDO

SOARES, cujos depoimentos foram utilizados no aditamento à denúncia, condenado que

firmou acordo de colaboração depois de permanecer preso por quase um ano, e

apresentando-se essa via como a única capaz de que proporcionar a liberdade mais

rapidamente, também devem ser aferidas com rigor, para evitar a falsa incriminação como

meio para obter os generosos benefícios da colaboração.

205. Lamentavelmente, é dentro deste contexto que foram colhidas as informações –

totalmente irrelevantes e falsas – utilizadas na denúncia. É fundamental, na aferição do

suporte probatório utilizado na denúncia que sejam consideradas as circunstâncias acima

noticiadas e os depoimentos submetidos a criteriosa confrontação.

A ABSOLUTA DEPENDÊNCIA DA ACUSAÇÃO AO CONTEÚDO DAS “INFORMAÇÕES” DE JÚLIO

CAMARGO E DE FERNANDO SOARES

206. A abordagem feita em itens anteriores, que revela a impossibilidade material

de o denunciado tem participado dos delitos, explica porque a acusação foi incapaz de, ao

final da investigação, obter um suporte probatório sério e idôneo. Tal circunstância levou o

órgão acusador a elaborar uma descrição baseada em infundadas suposições. Sem uma única

informação que pudesse revelar qualquer conduta do denunciado nos atos de corrupção

                                                            59 PET 5245, Depoimento do dia 11.02.2015, Arquivo MPEG M2U00221. Momento no vídeo: 50:31 a 52:29.

Nesse depoimento, Alberto Youssef diz: “Eu li a colaboração na íntegra do Júlio Camargo. Até onde eu vi,

ele não relacionou nenhum político à colaboração dele. E eu creio que isso tem algum equívoco, porque ele se

relacionava com vários políticos. Ele omitiu isso. Ao menos eu entendo que ele omitiu. Então...”

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passiva, assim como nos de lavagem de dinheiro, a acusação ficou refém das versões –

obviamente falsas – criadas por JÚLIO CAMARGO e por FERNANDO SOARES.

207. JÚLIO CAMARGO, que em inúmeras declarações anteriores sempre negara

saber de eventual participação de EDUARDO CUNHA nos fatos60 e, todas foram solenemente

desprezadas pelo órgão da acusação, afirmara que “havia comentários de que FERNANDO

SOARES era representante do PMDB, principalmente de RENAN, EDUARDO CUNHA, MICHEL

TEMER. E que tinha contato com essas pessoas de ‘irmandade’”61. Mas a acusação não se

preocupou em esclarecer a origem e consistência de tais “comentários”, aliás, nem pediu

que o delator indicasse elementos que pudessem comprovar aquela afirmação.

208. Todavia, num passe de mágica62 a denúncia passa a apontar que “FERNANDO

SOARES – representando os interesses de EDUARDO CUNHA -...” (fl. 604). E,

absurdamente – porque desprovida de qualquer suporte fático –, tal representação se daria

junto a Diretoria Internacional da Petrobrás ocupada por NESTOR CERVERÓ, pessoa indicada

pelo Partido dos Trabalhadores, como a própria denúncia o afirma63 e é confirmado pelo

próprio NESTOR CERVERÓ, como será visto adiante.

209. Ademais, JÚLIO CAMARGO é mencionado em recente denúncia formulada pelo

Ministério Público Federal no Paraná64 como sócio de JOSÉ DIRCEU, influente membro do

PT, em uma aeronave.  

60 Apenso 5, Oculto HD, HD 26.989.7150023-18, Colaboração Augusto e Julio, Termos e

Vídeos_Colaboração_03.11.14_Julio, Termo 8, Arquivo: M2U00071. 61 Termo de declaração complementar nº 01, documento nº 8 da denúncia, fl. 823. 62 Vale lembrar que Fernando Soares afirma que somente conheceu Eduardo Cunha em 2009 (Termo de

Colaboração n. 3, de 10/09/2015), logo não poderia representa-lo em 2006/2007. 63 Diz a denúncia, às fls. 611: “A repartição política das diretorias da PETROBRÁS revelou-se mais evidente em

relação à Diretoria de Abastecimento, à Diretoria de Serviços e à Diretoria Internacional, envolvendo sobretudo

o Partido Progressista – PP, o Partido dos Trabalhadores – PT e o Partido do Movimento Democrático Brasileiro

– PMDB, da seguinte forma: (...) c) a Diretoria Internacional, ocupada por NESTOR CERVERÓ entre 2003 e

2008, e por JORGE ZELADA, de 2008 a 2012, que era de indicação inicialmente do PT e, posteriormente, do

PMDB.” 64 Trechos da denúncia oferecida nos autos 5005151-34.2015.4.04.7000, em trâmite na 13ª Vara Federal de

Curitiba: “Não obstante tenha constado do memorando de entendimentos que a JAMP adquiriria 50% das cotas

da aeronave, os próprios operadores envolvidos na ocultação e dissimulação do negócio, ou seja, JULIO

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210. A compreensão dada pelo órgão acusador às informações está em frontal

contraste com os elementos obtidos durante a investigação e, mais que isso, com a realidade

dos fatos: não se pode considerar minimamente razoável a afirmação de que o Deputado

EDUARDO CUNHA tinha influência perante uma Diretoria da Petrobrás ocupada por um

representante do PT, e muito menos que possuiria algum vínculo de representação com o

senhor FERNANDO SOARES, muito menos nos anos 2006 e 2007, quando sequer o conhecia.

211. Ademais, a denúncia, assim como o seu aditamento, desconsidera

integralmente todo o contexto fático referente às inúmeras participações anteriores de JÚLIO

CAMARGO em negócios com a PETROBRÁS, o seu antigo e intenso relacionamento com

funcionários da empresa, a sua amizade e sociedade com JOSÉ DIRCEU, bem como omite a

antiga relação de amizade entre FERNANDO SOARES e NESTOR CERVERÓ.

CONTEXTO DA ÉPOCA DOS FATOS (CONTRATAÇÕES OCORRIDAS EM 2006/2007)

DIRETORIA INTERNACIONAL DA PETROBRÁS ERA INDICAÇÃO DO PT E NÃO TINHA APOIO DO

PMDB – DA AMIZADE ENTRE NESTOR CERVERÓ E FERNANDO SOARES – DA ATUAÇÃO

COMO LOBISTAS DE JÚLIO CAMARGO E FERNANDO SOARES

212. De acordo com a inverídica narrativa acusatória, o denunciado teria obtido

vantagens indevidas pela intermediação na contratação pela PETROBRÁS – por meio de sua

Diretoria Internacional, encabeçada por NESTOR CERVERÓ – de navios-sonda da empresa

coreana Samsung. No entanto, é inconsistente a suposição de que o denunciado, que era

integrante do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) e não conhecia

qualquer das pessoas envolvidas nas negociações, pudesse ter qualquer influência em uma

diretoria da PETROBRÁS, dirigida por um indicado do Partido dos Trabalhadores (PT).

                                                                                                                                                                                          CAMARGO, MILTON e JOSÉ ADOLFO, depois de celebrarem acordo de colaboração com MPF,

esclareceram que o negócio visava a tornar JOSÉ DIRCEU sócio da parte ideal de apenas 1/3 (33%) da

aeronave, que correspondia, à época, ao valor de R$ 1.071.193,00. (...) Insta salientar, outrossim, que antes

mesmo de DIRCEU decidir tornar-se sócio oculto de JULIO CAMARGO no avião, ele já o utilizava, às

expensas desse operador, que compensava no custo da aeronave valores que DIRCEU tinha por receber de outras

empresas que praticavam delitos contra a PETROBRAS.”

Page 83: INQUÉRITO Nº 3.983/DF...2015/12/18  · DJe nº 193 de 28.09.2015, que o fixou como termo inicial para o oferecimento da resposta) e teria como termo final o dia 27.10.2015. Ocorre

 

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213. Ao tratar da “Contextualização da Operação Lava Jato” o próprio órgão

acusador afirma que a Diretoria Internacional da PETROBRÁS, “ocupada por NESTOR

CERVERÓ entre 2003 e 2008 (...) era de indicação incialmente do PT” (fl. 611). Além disso,

o próprio NESTOR CERVERÓ em depoimento prestado perante a Justiça Federal no Paraná65

nega expressamente que tenha sido apoiado pelo PMDB. E mais, diz que foi indicado pelo

então presidente LULA e pela então Ministra das Minas e Energia DILMA ROUSSEF, bem como

recebeu o apoio do PT. Por oportuno, confira-se o excerto do depoimento:

“Juiz Federal: Senhor Paulo Costa que foi ouvido no processo, ele mencionou

que ele assumiu a diretoria de abastecimento por uma indicação política do

Partido Progressista, afirmou também que o senhor Renato Duque seria uma

indicação política do Partido dos Trabalhadores e mencionou que o senhor

seria uma indicação política do PMDB.

Interrogado: Não, eu não sou indicação política do PMDB.

Juiz Federal: O senhor pode me esclarecer como é que o senhor chegou a

assumir esse cargo de diretor?

Interrogado: Eu assumi esse cargo de diretor atendendo um convite do

presidente Lula e da ministra Dilma de minas e energia.

(...)

Juiz Federal: Teve alguma influência política do partido do PMDB na sua

convocação para a diretoria?

Interrogado: Não, não. Nenhuma.

Juiz Federal: O senhor não teve nenhum padrinho política nesse sentido?

Interrogado: Do PMDB não, não.”

214. Além disso, a própria Procuradoria Geral da República revela que Delcídio do

Amaral (PT) movimentou-se politicamente para manter NESTOR CERVERÓ no comando da

Diretoria Internacional, contra o interesse do PMDB. Por oportuno, confira-se o excerto da

Pet nº 5260 na qual diz o Procurador-Geral da República66:

                                                            65 Audiência de instrução realizada em 05.05.2015, no processo nº 5007326-98.2015.4.04.7000, p. 5-6. Doc. 04 66 PET nº 5260, fl. 39 do requerimento do Procurador-Geral da República. (Doc 05)

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“A tentativa de retirar PAULO ROBERTO COSTA da diretoria de

Abastecimento, e a posterior manutenção deste no cargo com o apoio do

PMDB, foi destaque na imprensa na época dos fatos:

‘Partido Petrobras

A reunião de hoje no Conselho de Administração da Petrobras marca o

momento de maior politização da estatal nos cinco anos do governo Lula. O

PMDB esperava ver aprovada a indicação de Jorge Zelada para a Diretoria

Internacional da empresa, mas o senador Delcídio Amaral (PT) ainda se

movimentava no fim de semana para manter Nestor Cerveró no cargo.

Outro duelo se dá em torno das diretorias de Exploração e Abastecimento. Na

primeira, o PT tenta segurar Guilherme Estrella, mas o PMDB ‘adotou’ Paulo

Roberto Costa, o atual diretor de Abastecimento, historicamente vinculado ao

PP de José Janene (PR). Se Costa mudar de função, Alan Kardec pode ir para

seu lugar. Detalhe: os dois são inimigos’ VERA MAGALHÃES (interina)

(http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc2801200801.htm, acessado em 02

de março de 2015)”

215. O próprio FERNANDO SOARES afirma que teria comentado com o ora

denunciado que “não havia sido uma boa decisão retirar NESTOR CERVERÓ da Diretoria

Internacional, oportunidade em que EDUARDO CUNHA comentou com o depoente que se

tratava de uma decisão do PMDB de Minas Gerais e que EDUARDO CUNHA não tinha

tido nenhuma ingerência sobre referido assunto”67.

216. Ademais, recentemente o Procurador-Geral da República solicitou e

obteve a prisão preventiva do Senador DELCÍDIO DO AMARAL porque, supostamente,

estaria tentando ajudar NESTOR CERVERÓ.

                                                            67 Termo de Colaboração nº 03-A, fl. 2069.

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217. Diante desse quadro, é frágil qualquer ilação que aponte o denunciado, que,

insista-se, não conhecia JÚLIO CAMARGO, FERNANDO SOARES e NESTOR CERVERÓ, como

detentor de influência nos anos de 2006 e 2008 perante a Diretoria Internacional da

PETROBRÁS, uma vez que se alega até que o partido ao qual é filiado teria tentado destituir o

então diretor NESTOR CERVERÓ.

218. De outra parte, o próprio NESTOR CERVERÓ reconhece a existência de um

vínculo de amizade muito forte entre ele e FERNANDO SOARES, os quais se conheceram entre

1999 e 2000 e mantinham negócios muito antes do denunciado conhecer FERNANDO SOARES,

o que somente veio a ocorrer em 2009. Disse NESTOR CERVERÓ na referida audiência:

“Juiz Federal: O senhor pode me esclarecer o seu relacionamento com o

senhor Fernando Soares? Se o senhor tem algum ou não.

Interrogado: Sim, o Fernando Soares, exatamente eu conheci o Fernando

Soares na época que nós estávamos desenvolvendo todas as plantas de

geração térmica que a Petrobras, se o senhor lembra, na época do Fernando

Henrique, Fernando Henrique foi derrotado na eleição porque faltou energia

no país né, isso todo mundo, isso é histórico. Nós tivemos, vivemos um

racionamento de seis meses, e criou-se um grupo de energia no qual a

Petrobras aproveitou-se que nós já tínhamos um caminho andado muito

grande com as plantas de cogeração, não sei se o senhor sabe o que é

cogeração, mas é...

(...)

Interrogado: Não, isso que eu tô dizendo, ele veio trazendo esse pessoal

espanhol, mas que não fechou nenhum acordo. A partir daí eu conheci

Fernando, então eu não me lembro, eu não sei precisar se foi no final de 99,

2000, mas foi no meio dessa crise que o Fernando representava a empresa,

essa empresa que não fez negócio com a Petrobras. Daí em diante, Fernando

passou a frequentar e eu tornei-me amigo do Fernando e...”

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219. NESTOR CERVERÓ ainda acrescentou que teria sido FERNANDO SOARES quem

fez a aproximação com JÚLIO CAMARGO no caso dos navios-sonda, bem como essas pessoas

atuariam como lobistas de diversas empresas. Confira-se:

“Juiz Federal: Naquele caso da contratação de aluguel dos navios sondas, o

senhor Fernando Soares teve alguma participação nesse negócio,

intermediação de alguma forma, ou algum serviço técnico?

(...)

Interrogado: Não doutor, não, não. Não doutor, o caso das sondas o

Fernando Henrique, o Fernando Henrique, o Fernando Soares ele indicou,

porque havia um interesse, nós tínhamos um interesse muito grande, como

eu falei, nós que eu digo Petrobras, não era (ininteligível)...

Juiz Federal: Certo.

Interrogado: De adquirir, contratar, alugar sondas pra poder trabalhar nos

campos.

Juiz Federal: O que ele fez exatamente então?

Interrogado: Ele fez aproximação, ele fez aproximação do Júlio Camargo,

que o Júlio Camargo na realidade atuava, eles atuavam, nessa área, o Júlio

Camargo atuava de forma semelhante porque a empresa que veio, que

realmente trouxe a Samsung era sócia do que é a Mitsui, que nós fizemos a

sociedade justamente pra fazer isso, nós fizemos...

Juiz Federal: Mas o Fernando Soares era representante da Mitsui ou da

Samsung?

Interrogado: Não, não, não, não.

Juiz Federal: Não?

Interrogado: Não.

Juiz Federal: Ele era um lobista ou coisa assim?

Interrogado: Ele era um, essa figura que é chamada de lobista.

Juiz Federal: E o Júlio Camargo também?

Interrogado: Também.”68                                                             68 Audiência de instrução realizada em 05.05.2015, no processo nº 5007326-98.2015.4.04.7000. Documento

anexo.

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220. Tal relação de amizade é corroborada por FERNANDO SOARES, conforme o

seguinte trecho de um dos seus depoimentos prestados no acordo de delação:

“QUE, então, por indicação de DELCÍDIO, NESTOR CERVERÓ acabou se

tornando Diretor da Diretoria Internacional da PETROBRAS; QUE nesta

época o depoente era bastante amigo de CERVERÓ”69.

221. O próprio JÚLIO CAMARGO, no termo de declarações complementar nº 01, de

19.03.2015, prestado na Procuradoria Geral da República, se vangloria de seus “serviços”

prestados a diversas empresas junto a Petrobrás, e revela que “começou a trabalhar como

representante [lobista] na Petrobrás em 1983”70, bem como que “a primeira vez que ouviu

falar de Fernando Soares deve ter sido por volta de 2004”71. Vale dizer, JÚLIO CAMARGO e

FERNANDO SOARES tinham completo domínio sobre as suas supostas ações ilícitas envolvendo

contratos da PETROBRÁS, a afastar a hipótese de intervenção do denunciado – que então

sequer os conhecia – nos fatos narrados na denúncia.

222. Tal contexto fático não justifica a ilação de que FERNANDO SOARES

representava EDUARDO CUNHA na negociação da contratação dos navios-sonda pela

Petrobrás, em época em que sequer se conheciam.

223. Aliás, não há nenhum elemento informativo que justifique a afirmação de

que FERNANDO SOARES, nos fatos, representava EDUARDO CUNHA. Trata-se de afirmação

falsa, manifestamente contrária aos elementos probatórios. Vale insistir que o denunciado

veio a conhecer FERNANDO SOARES somente em 2009, como já se demonstrou anteriormente.

                                                            69 Termo de Colaboração nº 01, fls. 2130/2131. 70 Termo de declarações complementar nº 01, doc. 08 da denúncia, p. 824. 71 Termo de declarações complementar nº 01, doc. 08 da denúncia, p. 824.

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OS “ELEMENTOS DE PROVA” QUE SUPORTAM A ACUSAÇÃO

224. A leitura dos depoimentos de JÚLIO CAMARGO, que o ora denunciado teve

oportunidade de ter acesso – inclusive os complementares, cuja nulidade foi demonstrada

anteriormente e que são imprestáveis como elementos probatórios nestes autos – revela a

absoluta inconsistência dos fatos que narra. Em cada um deles os mesmos fatos são descritos

de modo diverso em aspectos substanciais. Por outro lado, fatos afirmados e reiterados de

modo uniforme foram desconsiderados na denúncia.

225. Apenas a título de exemplo, vale observar que JÚLIO CAMARGO afirma72 e

reafirma73 que o valor total da suposta participação de FERNANDO SOARES na propina foi de

35 milhões de dólares. Também FERNANDO SOARES refere-se ao valor de 35 milhões de

dólares74. Mas a denúncia sustenta que foi no valor de 40 milhões de dólares, certamente

para tentar compatibilizar com os valores que teriam sido objeto dos supostos crimes de

lavagem de dinheiro. O certo é que os depoimentos não suportam uma confrontação

individualizada de cada tópico. Mas essa providência, ao ver do denunciado, é desnecessária

para que se proclame a rejeição da denúncia.

 72 Termo de declarações complementares nº 01, prestado na Procuradoria Geral da República, documento nº 8

da denúncia, fls. 824: “O depoente negociou com Fernando Soares por 35 milhões de dólares a propina

para as duas sondas.” 73 Termo de declarações complementares nº 02, prestado na Procuradoria Geral da República, documento nº 9

da denúncia, fls. 835/836: “QUE conversou com a SAMSUNG, que aceitou o valor de US$ 20 milhões; QUE

deste valor US$ 15 milhões seria para FERNANDO SOARES; (...) QUE em razão destas facilidades para a

empresa, FERNANDO SOARES solicitou o valor de US$ 25 milhões de dólares por esta segunda sonda, como o

valor de seus ‘serviços’; (...) QUE neste meio tempo, procurou FERNANDO SOARES e o valor final da que

deveria ser repassado a FERNANDO SOARES em razão da segunda sonda foi fixado em US$ 20 milhões;

QUE conseguiu convencer a SAMSUNG ao pagamento de US$ 53 milhões ao declarante a título de comissões

de broker, em relação às duas sondas, sendo que, deste valor, US$ 35 milhões seriam para FERNANDO

SOARES; QUE este valor de US$ 35 milhões para FERNANDO SOARES englobaria tanto os serviços da

primeira quanto da segunda sonda;” 74 Nos seus depoimentos como delator Fernando Soares também se refere ao valor de US$ 35 milhões (Termo de

colaboração n. 3, de 10/09/2015).

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226. A acusação, ao que parece, considera que houve participação do denunciado

nos supostos fatos delituosos (dois crimes de corrupção passiva ocorridos em 2006 e

00.2007), a partir da aceitação como verdadeiros e relevantes – mas são falsos e irrelevantes –

de três “acontecimentos” referidos por JÚLIO CAMARGO, secundado em parte por FERNANDO

SOARES: a) dois pedidos de informações (Requerimento nº 114/2011 – CCFC e Requerimento

nº 115/2011 – CCFC) ambos de autoria da Deputada SOLANGE ALMEIDA, e também

subscritos pelo Deputado SÉRGIO BRITO, que o Procurador-Geral da República considera

que foram realizados para atender ao Deputado EDUARDO CUNHA; b) uma suposta reunião

entre JÚLIO CAMARGO e o Senador EDISON LOBÃO que ocupava o Ministério das Minas e

Energia supostamente relacionada ao referidos pedidos de informação, ocorrida em

31.08.2011; e c) uma suposta reunião entre JÚLIO CAMARGO e FERNANDO SOARES em

18.09.2011 no Rio de Janeiro que teria contado com a participação do ora denunciado.

227. Esses três acontecimentos, ainda que fossem relevantes ou verdadeiros – mas

não são nem uma coisa nem outra –, e fossem consistentes as ilações feitas pela acusação –

na verdade são falsas –, somente revelariam supostos fatos relacionados ao denunciado no

ano de 2011, enquanto a denúncia imputa-lhe a prática de supostos atos penalmente ilícitos

praticados e consumados nos anos de 2006 e 2007.

228. Ademais, a acusação sugere que a participação do ora denunciado nos crimes

de lavagem de dinheiro estaria revelada pela existência de dois depósitos em favor da Igreja

Evangélica Assembléia de Deus, situada em São Paulo – o denunciado é deputado federal

eleito pelo Rio de Janeiro – e de uma suposta utilização de “horas de voo” da Global Taxi

Aéreo Ltda.

229. É fato incontestável que a denúncia se baseia, para formular a acusação ao ora

denunciado, exclusivamente nos três episódios antes indicados que, ao ver do órgão

acusador, constituiriam elementos indiciários capazes de justificar as imputações

apresentadas.

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230. O denunciado demonstrará, a seguir, que os referidos eventos não comportam a

interpretação que lhes dá o Procurador-Geral da República e, ademais, ainda que fossem

verdadeiros e permitissem a compreensão apresentada na denúncia, seriam absolutamente

irrelevantes para suportar as imputações de co-autoria nos crimes de corrupção passiva que

teriam sido praticados e consumados nos anos de 2006 e 2007, e nos delitos de lavagem de

dinheiro, praticados a partir da consumação daqueles.

231. Todos os eventos em questão, cuja existência e natureza a acusação esforça-se,

sem sucesso para demonstrar, teriam ocorrido no ano de 2011, enquanto os supostos delitos de

corrupção passiva e a maior parte dos crimes de lavagem de dinheiro estavam consumados há

muito tempo.

232. Além disso, a leitura da denúncia revela que a acusação, apesar do esforço

hercúleo que realizou, não conseguiu angariar elementos probatórios sérios e consistentes

capazes de demonstrar a existência daqueles eventos e, muito menos, que os fatos tenham se

verificado como descrito na denúncia. A denúncia parte do pressuposto que obteve indícios

da existência daqueles acontecimentos, o que não é verdade, e pretende que os referidos

eventos revelados por supostos indícios sejam eles próprios também considerados indícios

das práticas dos crimes imputados ao denunciado. Trata-se de uma manobra que se pode

qualificar como juridicamente impossível.

233. Entre os requisitos necessários a que se reconheça eficácia probatória ao

indício, como já se demonstrou anteriormente, estão os de que deve ter vinculação lógica e

ser concomitante ao fato que se pretenda provar. Os três eventos em que se funda a denúncia

teriam ocorrido no ano de 2011, de sorte que são imprestáveis como elementos indiciários de

delitos consumados em 2006/2007, além de não guardarem relação lógica com estes.

234. Os acontecimentos referidos, ainda que fossem verdadeiros, mas não o são,

teriam se verificado num contexto de exaurimento dos crimes consumados em 2006 e 2007 e,

quanto a estes, o ora denunciado demonstrou estar materialmente impossibilitado de

praticá-los.

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235. Todavia, a despeito de tais eventos serem totalmente irrelevantes e, assim,

imprestáveis como elementos de prova dos crimes objeto da denúncia, o ora denunciado vai

demonstrar que não há qualquer elemento que comprove sua participação na formulação dos

requerimentos apresentados, em 11.07.2011, pelos Deputados SOLANGE ALMEIDA e SERGIO

BRITO; que igualmente não há comprovação de que tenha participado de suposta reunião, em

18.09.2011, com JÚLIO CAMARGO e FERNANDO SOARES e, finalmente, que inexiste elemento

probatório consistente que confirme o encontro de JÚLIO CAMARGO com o então Ministro

EDISON LOBÃO e, menos ainda, que tenha ocorrido o diálogo indicado na denúncia.

OS REQUERIMENTOS FORMULADOS PELA DEPUTADA SOLANGE ALMEIDA PERANTE A

COMISSÃO DE FISCALIZAÇÃO E CONTROLE DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

236. Para tentar incluir o denunciado na fantasiosa narrativa acusatória, a denúncia

faz referência ao Requerimento nº 114/2011 – CCFC e ao Requerimento nº 115/2011 –

CCFC, ambos de autoria da Deputada SOLANGE ALMEIDA, e também subscritos pelo

Deputado SÉRGIO BRITO, mas que para o órgão acusador “não há dúvidas de que o verdadeiro

autor, material e intelectual, dos requerimentos foi o denunciado EDUARDO CUNHA” (fl.

651) e – supostamente – teria sido utilizado como um instrumento de pressão contra JÚLIO

CAMARGO.

237. É evidente que pedidos de informações substancialmente não ostentam a

natureza de meios de pressão de quem quer que seja, diante da sua absoluta inidoneidade para

tanto. Além disso, o próprio JÚLIO CAMARGO negou ter se sentido pressionado em razão

dos requerimentos, em mais de uma oportunidade75. O que exclui a suposição de que os

requerimentos foram utilizados para fins de pressão.

 75 No termo de declarações complementares nº 01, doc. 08 da denúncia, fls. 827/828, disse: “O depoente não

sabe o tempo que demora o trâmite destes requerimentos. Indagado, o depoente descartou hipóteses de

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238. O denunciado, que não é o autor dos requerimentos em questão, para sua

atuação parlamentar nunca precisou e jamais se utilizou dos serviços de quem quer que

seja. Além disso, jamais solicitou ou recebeu qualquer vantagem indevida em razão de

seu cargo. O histórico de sua vida parlamentar revela com clareza que jamais se ocultou,

sempre agiu de maneira pessoal, firme e segura, ainda quando desagrada os poderosos do

momento.

239. A despeito de a Deputada SOLANGE ALMEIDA afirmar e reafirmar

expressamente que os requerimentos são de sua autoria e o Deputado SÉRGIO BRITO

confirmar que também o subscreveu, bem como a circunstância de ambos negarem

qualquer participação do ora denunciado nas iniciativas, e o fato de os dois Deputados

terem sustentado os pedidos junto à Comissão pertinente, a acusação insiste em atribuir a

autoria dos requerimentos a EDUARDO CUNHA a partir de ilações supostamente apoiadas em

dados técnicos que são inconsistentes.

240. Aliás, era comum na Câmara a existência de Deputados “logados” no sistema,

embora não estivessem em Brasília ou mesmo no Brasil. Basta uma simples pesquisa junto

aos sistemas de informática da Câmara para comprovar que não só o ora denunciado, como

outros deputados aparecem nessa situação diversas vezes. Portanto, o fato de constar o login e

mesmo a indicação de autoria do documento como sendo do denunciado, isso não quer dizer

que tenha sido o autor dos requerimentos.

                                                                                                                                                                                          pressão, pois ele já havia recomeçado os pagamentos. (...) A maior pressão que sofreu foi a ‘advertência’

de Fernando Baiano de que poderia ser prejudicado nos seus demais negócios.”

Também na audiência de instrução da ação penal nº 5083838-59.2014.4.04.7000, em 13.05.2015, JÚLIO

CAMARGO descartou a hipótese de pressão: “Defesa: Está certo. Por último, a última indagação, o senhor falou

que o requerimento feito perante a Comissão de Fiscalização e controle do Congresso Nacional não teria

sido utilizado por Fernando Soares perante o senhor como uma forma de lhe cobrar...

Interrogado: De pressão.

Defesa: ...De pressionar, ou coisa do gênero. O senhor atribui esse requerimento a alguma pessoa, alguma

forma de pressão seja lá de quem parta?

Interrogado: Não.”

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241. Surpreende que a acusação dê tanta importância ao fato de constar nos

metadados dos arquivos dos requerimentos em referência o nome do Deputado EDUARDO

CUNHA como autor deles e não dê a mesma importância para o reconhecimento da

autoria e o respectivo encaminhamento, que são induvidosamente da Deputada

SOLANGE ALMEIDA, com a adesão pessoal do Deputado SÉRGIO BRITO. A surpresa aumenta

na medida em que ninguém desconhece o quanto é comum, tanto nas empresas privadas

como no serviço público, a importação de documentos anteriores para servir de modelo

para outros, da mesma forma como acontece com as pessoas que dispõem de assessores

que se utilizam de textos editados por estes. E ao fazer isso, o autor constante dos

metadados do documento importado permanece o mesmo.

242. A acusação, por outro lado, parece desconhecer que a indicação de autoria nos

metadados de arquivos de documentos word pode ser objeto de edição (seja para excluir,

incluir ou promover qualquer modificação na indicação de autoria).

243. As considerações feitas pela acusação a propósito do perfil de atuação da

Deputada SOLANGE ALMEIDA para daí concluir que ela não poderia ser autora do

requerimento, são inconsistentes e desprovidas de seriedade. Qualquer parlamentar, no

exercício regular do mandato, pode praticar todos os atos contidos no plexo de atribuições

do cargo, não ficando sua atuação limitada às questões que terceiros possam considerá-

las dentro do seu “perfil”. Não pode haver dúvida de que, no caso, agiu no exercício regular

do seu mandato.

244. Mesmo que fossem incorretas as ponderações acima, que induvidosamente

revelam a inconsistência dos argumentos da acusação, ainda assim o acontecimento tão

longamente destacado pelo Procurador-Geral da República não teria qualquer relevância

como elemento indiciário a propósito das imputações feitas na denúncia.

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245. Se todas as ilações apresentadas pela acusação fossem verdadeiras, mas não o

são, qual o efeito probatório se alcançaria em relação à participação do denunciado nos

supostos crimes de corrupção passiva praticados em 2006/2007? Definitivamente nenhum

efeito. Esse suposto acontecimento verificado em 2011 e considerado indiciário na denúncia,

evidentemente não pode ser utilizado para comprovar uma suposta co-autoria em crimes de

corrupção consumados em 2006/2007, nem daqueles de lavagem de dinheiro que, também

supostamente, teriam sido cometidos em seguida, diante da manifesta ausência de

contemporaneidade e de vinculação lógica entre os eventos.

SUPOSTO ENCONTRO ENTRE JÚLIO CAMARGO E O ENTÃO MINISTRO EDISON LOBÃO

246. Na sequência da tentativa – frustrada, diga-se de passagem – de incluir o

denunciado, de alguma forma, nos supostos ilícitos cometidos na aquisição de navios-sonda

pela Petrobrás, o Procurador-Geral da República faz referência a um encontro entre JÚLIO

CAMARGO e o então Ministro das Minas e Energia EDISON LOBÃO, no qual este teria

supostamente deixado explícito que os requerimentos de informações apresentados na Câmara

Federal teriam partido do denunciado.

247. Segundo a denúncia, JÚLIO CAMARGO, após tomar conhecimento do suposto

envolvimento do denunciado na formulação dos requerimentos apresentados na Câmara dos

Deputados, teria procurado PAULO ROBERTO COSTA para que este o auxiliasse na marcação de

uma reunião com o então Ministro das Minas e Energia EDISON LOBÃO.

248. Quanto ao ponto é interessante observar que inicialmente questionado a

respeito da intermediação de encontro entre JÚLIO CAMARGO e o então Ministro EDISON

LOBÃO, PAULO ROBERTO COSTA afirma que não se recorda desse fato e acrescenta que

“JULIO CAMARGO era bem posicionado e acredita que ele não precisasse se valer deste

artifício” (fl. 1286).

Page 95: INQUÉRITO Nº 3.983/DF...2015/12/18  · DJe nº 193 de 28.09.2015, que o fixou como termo inicial para o oferecimento da resposta) e teria como termo final o dia 27.10.2015. Ocorre

 

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249. Inconformados com a divergência de declarações entre os “colaboradores” –

comprometidos por lei a dizer a “verdade”, o que, todavia, não os impede de mentir –, o

órgão acusador promoveu uma acareação – ato irrelevante e incompatível com o regime da

delação premiada, como foi demonstrado acima – entre JÚLIO CAMARGO e PAULO ROBERTO

COSTA (documento nº 18 da denúncia, fls. 1284/1288).

250. Neste ato, após confrontarem-se as declarações, PAULO ROBERTO COSTA

“recordou-se” de ter recebido JÚLIO CAMARGO e ter solicitado para ele uma audiência com o

Ministro EDISON LOBÃO. Não obstante a lembrança sobre o “acontecimento”, PAULO

ROBERTO COSTA diz não saber: (i) se foi ele ou sua secretária quem telefonou para EDISON

LOBÃO; (ii) se para realizar o contato telefônico usou o telefone fixo da Petrobrás ou se

utilizou o seu celular funcional e (iii) para qual telefone de EDISON LOBÃO teria ligado. Por

oportuno, confiram-se as palavras do delator:

“QUE, ao tomar conhecimento das declarações de JÚLIO CAMARGO, o

declarante se recorda de que efetivamente recebeu JÚLIO CAMARGO na

Petrobrás no ano de 2011, ocasião em que este solicitou que o declarante

conseguisse uma reunião com o então Ministro de Minas e Energia EDISON

LOBÃO; QUE o declarante pediu que sua secretária, de nome LUCIA

COSTA, telefonasse para o gabinete do Ministro em Brasília; QUE a

secretária do declarante, após contato telefônico com a secretária de EDISON

LOBÃO em Brasília, informou que o Ministro estava no Rio de Janeiro

naquela data; QUE o declarante então disse a JÚLIO CAMARGO que ele

estava com sorte, pois poderia encontrar com EDISON LOBÃO no próprio

Rio de Janeiro; QUE em seguida o declarante ou sua secretária telefonou

para o telefone celular usado por EDISON LOBÃO, o qual afirmou que

poderia encontrar com JULIO CAMARGO na Base Aérea do Aeroporto

Santos Dumont naquele mesmo dia; QUE não se lembra exatamente se o

próprio declarante ou a sua secretária telefonou para EDISON LOBÃO;

QUE não se lembra se a ligação foi feita de telefone fixo da Petrobrás ou de

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seu celular corporativo; QUE o declarante não se recorda do telefone celular

de EDISON LOBÃO para o qual a ligação foi feita; (...)” (fl. 1286)

251. Na vã tentativa de superar as inconsistências das declarações de JÚLIO

CAMARGO e PAULO ROBERTO COSTA a respeito do referido encontro com EDISON LOBÃO, o

órgão da acusação traz como elementos corroborativos o depoimento de Paulo Roberto

Cavalheiro da Rocha, motorista de JÚLIO CAMARGO, e cópia da agenda do Ministro EDISON

LOBÃO referente ao dia 31.08.2011. Ocorre que nem um dos dois elementos informativos tem

a aptidão (i) para conduzir a um juízo indiciário da ocorrência do encontro e, (ii) com muito

mais razão, a afirmação do conteúdo da suposta conversa.

252. Com efeito, o senhor Paulo Roberto Cavalheiro da Rocha apenas confirma

que teria levado JÚLIO CAMARGO à Base Aérea do Aeroporto Santos Dumont naquela data.

Entretanto, não menciona ter presenciado o suposto encontro entre seu patrão e o então

Ministro (documento nº 25 da denúncia, fls. 1423/1424). Ou seja, tal depoimento não autoriza

a afirmação, nem mesmo em caráter indiciário, que teria ocorrido um encontro entre JÚLIO

CAMARGO e EDISON LOBÃO.

253. Da mesma forma, dos registros da agenda de compromissos do Ministro

EDISON LOBÃO do dia 31.08.2011 somente constam o horário do vôo de Brasília para o Rio

de Janeiro e a Reunião no Palácio da Guanabara, a qual teria ocorrido entre 17 e 19 horas

(documento nº 44 da denúncia, fls. 1728/1730). É dizer, desses fatos não se pode concluir,

nem mesmo em caráter indiciário, que o então Ministro tenha ido à Base Aérea do Aeroporto

Santos Dumont após o seu compromisso no Rio de Janeiro e lá tenha encontrado JÚLIO

CAMARGO.

254. Some-se a isso o fato de que em depoimento prestado à Polícia Federal em

18.05.2015 EDISON LOBÃO afirmou não se recordar de ter encontrado JÚLIO CAMARGO fora

do gabinete no Ministério das Minas e Energia, mas acrescentou acreditar que não.76

                                                            76 Depoimento prestado no âmbito do Inquérito nº 3986. (Doc. 06)

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255. De acordo com a lógica acusatória, o encontro e o teor da conversa

supostamente mantida entre JÚLIO CAMARGO e EDISON LOBÃO teriam o condão de corroborar

a inverídica pressão exercida em JÚLIO CAMARGO para a retomada do pagamento das

vantagens indevidas, bem como que essa pressão teria partido do denunciado. Ocorre que

como demonstrado acima, não há qualquer elemento informativo apto a justificar – ainda que

de forma indiciária – a afirmação de que o encontro teria ocorrido e que nele foi travada a

conversa narrada na denúncia. Ou seja, não há suporte probatório mínimo que respalde a

narrativa acusatória.

256. Ainda que se pudesse desconsiderar todos esses fatos – o que se admite apenas

para argumentar – é revelador o depoimento prestado por JÚLIO CAMARGO nos autos do

Inquérito nº 3.986 deste Supremo Tribunal Federal77. Nele, o delator relata as oportunidades

em que se encontrou com EDISON LOBÃO. Por oportuno, confira-se:

“QUE acrescentando à lista acima, com relação ao parlamentar EDISON

LOBÃO, esclarece primeiramente que é representante da PRYSMIAN, (antiga

PIRELLI CABOS), e como tal buscou resolver um problema da sociedade

empresária no Porto do Canal de Vitória, Vila Velha; QUE a PRYSMIAN

necessitava ‘de uma espécie de servidão’ do porto público ao lado da fábrica,

oportunizando área específica para implantação completa do estabelecimento;

QUE para tanto o declarante esteve por diversas vezes na Agência Nacional

de Transportes Aquaviários – ANTAQ, porém não teve sucesso, sendo

aconselhado a procurar o Ministério de Minas e Energia; QUE foi ao

encontro, então, do Ministro à época, EDISON LOBÃO, e na conversa dele

obteve a sugestão de que deveria a PETROBRÁS atestar a prioridade na

implantação da fábrica; (...) QUE não teve contato com, por telefone com

                                                            77 Doc. 01

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EDISON LOBÃO ou assessores; (...) QUE se encontrou com EDISON

LOBÃO por três oportunidades, a primeira já relatada acima; QUE a

segunda reunião se deu em 2012 no Ministério de Minas e Energia, com a

presença do Ministro, do Secretário para Área de Óleo e Gás, prenome

MARCO ANTÔNIO, MÁRCIO ZIMMERMAN, o declarante, representando a

TOYO e o Presidente da OAS ÓLEO E GÁS, SÉRGIO PINHEIRO; (...) QUE

dois meses após, o terceiro encontro ocorreu, também no Ministério de

Minas e Energia, desta vez apenas com a participação do declarante, do

então Ministro e de MARCO ANTÔNIO; (...)”

257. Ou seja, em um momento JÚLIO CAMARGO – já submetido ao compromisso

legal de dizer a verdade por força do acordo de colaboração premiada – afirma somente ter

se encontrado com EDISON LOBÃO por três vezes, em duas no Ministério de Minas e Energia e

em outra – embora em local não declarado –, para tratar de assunto de interesse da empresa

PRYSMIAN, da qual também era lobista, enquanto em outro momento noticia esse suposto

encontro na Base Aérea do Aeroporto Santos Dumont. Destaque-se que essa contradição nas

versões do “colaborador” aparentemente não incomoda o órgão acusador, embora a “nova

versão” não encontre respaldo fático-probatório conforme acima demonstrado.

258. De modo igual como se disse em relação aos fatos relacionados com os

requerimentos analisados anteriormente, se esse episódio, com os contornos narrados na

denúncia, fosse verdadeiro, mas não é, qual o efeito probatório se alcançaria em relação à

participação do denunciado nos supostos crimes de corrupção passiva praticados em

2006/2007? Definitivamente nenhum efeito. Esse suposto acontecimento verificado em 2011

e considerado indiciário na denúncia, evidentemente não pode ser utilizado para comprovar

uma suposta co-autoria em crimes de corrupção passiva supostamente praticados e

consumados em 2006/2007, nem daqueles de lavagem de dinheiro que teriam sido cometidos

a partir de então, diante da manifesta ausência de contemporaneidade e de vinculação lógica

entre os eventos.

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REUNIÃO NO RIO DE JANEIRO EM 18.09.2011

259. Prosseguindo em sua narrativa fantasiosa, a denúncia (fls. 666/672) relata um

suposto encontro entre JÚLIO CAMARGO, FERNANDO SOARES e o denunciado, ocorrido em

18.09.2011, entre 19 e 21 horas78, no Rio de Janeiro, no qual o denunciado teria exigido a

continuidade do pagamento das propinas supostamente ajustadas em 2006 e 2007, porque

faria jus a um saldo de US$ 5.000.000,00 (cinco milhões de dólares). Para tanto, o

Procurador-Geral da República afirmou que (i) EDUARDO CUNHA e FERNANDO SOARES teriam

chegado ao local do encontro em um veículo da propriedade do último e (ii) teriam se reunido

em uma das salas da empresa SIDUS, a qual pertenceria ao advogado de FERNANDO SOARES.

260. No entanto, ao relatar o inverídico encontro para os procuradores, JÚLIO

CAMARGO afirma espontaneamente que FERNANDO SOARES o buscou no aeroporto,

subiram apenas os dois ao local da reunião e o denunciado somente teria chegado uns 15

a 20 minutos depois. Embora tenha sido um relato longo, com vários detalhes, esse

trecho do depoimento não foi reduzido a termo79.

“Júlio: O Fernando Soares então me apanhou no aeroporto Santos Dumont

e fomos juntos até esse endereço...

Procurador: Com que veículo que ele estava?

Júlio: Ele estava com uma Toyota... essa perua Toyota... como é que chama...

é

Procurador: Hilux...

(...)

Procurador 2: E aí vocês foram para o local...

                                                            78 O documento que supostamente comprovaria a presença do veículo de Fernando Soares nas proximidades do

local referido aponta que a entrada no estacionamento deu-se às 19:14 horas e a saída às 20:03 horas – fls. 1417. 79 Relato entre 08:50 do Arquivo 00009 a 01:25 do Arquivo 00010 do Pendrive Julio 1-2 do Apenso 05_Oculto

HD.

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Júlio: Fomos para o local... ahn...

Procurador 2: quem é que recebeu os senhores lá?

Júlio: entramos pelo edifício garagem, porque a portaria estava fechada...

Procurador: é um prédio comercial?

Júlio: Prédio comercial... e aí fomos para um andar que eu não me lembro

qual andar... mas um conjunto que deviam ter aproximadamente cinco seis

salas... nós ficamos numa sala, a maior delas, com uma mesa...

Procurador 2: mas como é que o senhor entrou lá?

Júlio: Junto com o Fernando Soares.

Procurador 2: Sim... mas ele tinha a chave?

Júlio: Sim, ele tinha a chave do local.

Procurador 2: Não tinha ninguém no local quando o senhor chegou?

Júlio: Não tinha ninguém no local.

Procurador: O senhor chegou lá só o senhor e o...

Júlio: E o Fernando.

Júlio: Ficamos lá a postos e uns 15, 20 minutos depois chegou o deputado

Eduardo Cunha.

Procurador: Sozinho?

Júlio: Sozinho... O Fernando encaminhou... eu já estava na sala de reunião,

o Fernando encaminhou o deputado à sala onde eu estava e nossa reunião

foi...”

261. Pretendendo demonstrar a presença do denunciado no referido encontro, o

órgão acusador apresentou como elementos de prova (i) informações prestadas pela empresa

que administra o estacionamento de prédio próximo ao local da reunião, das quais se extrai

que FERNANDO SOARES teria estacionado o seu veículo no horário da suposta reunião, (ii) a

utilização de aparelho telefônico de uma empresa vinculada a FERNANDO SOARES no mesmo

período e na região do edifício aonde teria ocorrido a reunião e (iii) depoimento do motorista

de JÚLIO CAMARGO afirmando ter levado e buscado o delator na região e horário do suposto

encontro.

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262. Como é óbvio as duas primeiras “provas”, no limite, só poderiam indicar a

presença de FERNANDO SOARES e JÚLIO CAMARGO naquele local e horário, jamais a

presença do denunciado. Com efeito, dos indícios de que FERNANDO SOARES e JÚLIO

CAMARGO estariam no mesmo local e no mesmo momento não se pode concluir, por

dedução lógica, nem mesmo em caráter indiciário, que EDUARDO CUNHA também estaria

presente.

263. Aliás, em depoimento prestado perante o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, o Sr.

João Luiz Cavalheiro, motorista de JÚLIO CAMARGO, afirmou sobre o episódio em questão

que “não se recorda de ter visto Julio Camargo em companhia de quem quer que fosse”

(Documento nº 24 da denúncia, fl. 1421).

264. Diante desse quadro, o que se extrai dos “elementos de prova” angariados pelo

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL é: (i) uma lista de carros que estacionaram próximos ao

edifício no qual teria ocorrido a reunião em que nenhum dos carros é de EDUARDO CUNHA;

(ii) o uso de um telefone celular vinculado a FERNANDO SOARES e não ao denunciado; e (iii)

uma “testemunha” que não viu ninguém em companhia de JÚLIO CAMARGO.

265. Vale dizer, a suposta reunião em que o denunciado teria pleiteado a retomada

do pagamento da propina referente aos contratos com a Samsung, não possui qualquer

indício de que tenha contado com a participação de EDUARDO CUNHA.

266. Ainda que se pudesse desconsiderar todos esses fatos – o que se admite apenas

para argumentar – é revelador o depoimento prestado por JÚLIO CAMARGO nos autos do

Inquérito nº 3.986 deste Supremo Tribunal Federal80. Nele, o delator relata as oportunidades

em que se encontrou com o denunciado e o conheceu. Por oportuno, confira-se:

“QUE com relação a EDUARDO CUNHA, encontrou-se com EDUARDO

CUNHA em 2 ocasiões: a primeira em São Paulo, no escritório localizado na

Rua Magalhães de Castro e a segunda em seu escritório no Rio de Janeiro,

 80 Doc. 01

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situado na Rua da Assembleia, ambas no início de 2013; (...); QUE

questionado sobre as circunstâncias em que o conheceu, afirma que em dada

oportunidade, entre fevereiro e outubro de 2013, esteve no HOTEL

COPACABANA PALACE apenas para tomar um drink, junto com seu irmão,

e lá se encontrou ocasionalmente com EDUARDO CUNHA, que estava em

companhia de outras pessoas, pelo declarante desconhecidas; QUE acredita

que EDUARDO CUNHA também não estava hospedado; QUE aproveitou a

oportunidade e foi ao encontro de EDUARDO CUNHA, apresentando-se

como representante da TOYO;”

267. Ressalte-se que esses fatos também constam do Termo de Declarações

Complementar nº 01 prestado por JÚLIO CAMARGO nestes autos (“Esteve duas vezes com

Eduardo Cunha. Uma vez no escritório dele no RJ, outra em São Paulo” – documento nº 8 da

denúncia, fl. 825).

268. Ou seja, em um momento JÚLIO CAMARGO – já submetido ao compromisso

legal de dizer a verdade por força do acordo de colaboração premiada – afirma somente ter

conhecido e se encontrado com EDUARDO CUNHA em 2013, enquanto em outro, relata um

suposto encontro no Rio de Janeiro que teria ocorrido em 2011, dois anos antes de o ter

conhecido. Destaque-se que essa contradição nas versões do “colaborador” aparentemente

não incomoda o órgão acusador, embora a “nova versão” não encontre respaldo fático-

probatório conforme acima demonstrado.

269. Reiterando o que se disse em relação aos dois eventos referidos anteriormente,

se esse episódio, com os contornos narrados na denúncia, fosse verdadeiro, mas não é, qual o

efeito probatório se alcançaria em relação à participação do denunciado nos supostos

crimes de corrupção passiva praticados em 2006/2007? Definitivamente nenhum efeito.

Esse suposto acontecimento verificado em 2011 e considerado indiciário na denúncia,

evidentemente não pode ser utilizado para comprovar uma suposta co-autoria em crimes de

corrupção passiva supostamente ocorridos em 2006/2007, nem daqueles de lavagem de

dinheiro que teriam sido cometidos logo em seguida, diante da manifesta ausência de

contemporaneidade e de vinculação lógica entre os eventos.

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DOS SUPOSTOS PAGAMENTOS DE PROPINA – DA COMPLETA AUSÊNCIA DE ELEMENTOS

INDICIÁRIOS QUE INDIQUEM QUE FORAM DESTINADOS VALORES AO DENUNCIADO

270. Além desses três acontecimentos acima, que como demonstrado, são

irrelevantes e não ostentam nem mesmo a qualidade de indícios da prática dos delitos

imputados ao denunciado, outro fator que retira qualquer credibilidade às informações de

JÚLIO CAMARGO e de FERNANDO SOARES e à própria denúncia é a ausência completa de

indícios de que os supostos pagamentos de propinas tenham sido direcionados ao Deputado

EDUARDO CUNHA, embora o órgão acusador não tenha tido dúvidas em afirmar que o

denunciado teria recebido os valores indevidos, consoante se extrai da seguinte passagem:

“As vantagens indevidas (“propinas”), no valor total de US$ 40.000.000,00,

foram estabelecidas após negociações entre FERNANDO SOARES –

representando os interesses de EDUARDO CUNHA – e JÚLIO CAMARGO,

sendo que tais vantagens indevidas foram oferecidas, prometidas e pagas por

JÚLIO CAMARGO a FERNANDO SOARES, NESTOR CERVERÓ e ao

denunciado EDUARDO CUNHA.

Nos dois navios-sonda, EDUARDO CUNHA era o “sócio oculto” de

FERNANDO SOARES e também foi o destinatário final da propina paga,

tendo efetivamente recebido ao menos cinco milhões de dólares – o

equivalente atualmente a R$ 17.345.000,00 reais.”

271. Nos itens “3.3 Dos pagamentos da propina” (fls. 634/672) e “3.4. Do

pagamento do valor residual da propina, mediante lavagem de dinheiro” (fls. 672/681) o

Ministério Público Federal não traz qualquer elemento indiciário que aponte ter sido o

denunciado destinatário de valores indevidos. Com efeito, apesar de referir diversas

transações de valores em nenhuma delas – insista-se: nenhuma – o órgão ministerial

conseguiu relacioná-las direta ou indiretamente ao denunciado.

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272. Todos os supostos pagamentos de propina, que teriam sido efetuados mediante

procedimentos de lavagem de dinheiro, referem-se exclusivamente a valores direcionados a

FERNANDO SOARES. Inexiste nestes autos qualquer documento ou indício que se reporte a

EDUARDO CUNHA. Aliás, a denúncia, a propósito dos supostos atos de lavagem de dinheiro,

somente se refere a FERNANDO SOARES. E não há nada de concreto que este último tenha

encaminhado valores a EDUARDO CUNHA, senão a falsa alegação de que entregou dinheiro

em espécie no escritório político, como se diz no aditamento à denúncia.

273. No que se refere a dois supostos pagamentos a EDUARDO CUNHA através da

Igreja Evangélica Assembleia de Deus diz a denúncia: “FERNANDO SOARES, por

orientação do Deputado Federal EDUARDO CUNHA, indicou a JÚLIO CAMARGO que

deveria realizar o pagamento desses valores à IGREJA EVANGÉLICA ASSEMBLEIA DE

DEUS” (fl. 679), situada em São Paulo. Ocorre que não há qualquer elemento do qual se

possa extrair a afirmação de que o denunciado teria orientado FERNANDO SOARES a

indicar que deveria ser realizado depósitos em favor de quem quer que seja.

274. Também não é preciso qualquer esforço para se constatar que o ora denunciado

não tem qualquer participação no episódio. Os documentos referem-se a duas doações

realizadas em favor da Igreja antes mencionada, valores que, certamente, se integraram ao seu

patrimônio. Sequer há na denúncia qualquer imputação no sentido de que tais depósitos

seriam uma etapa no procedimento de ocultação da origem e destino dos mencionados

valores.

275. A simples circunstância de o denunciado ser evangélico não autoriza a

interpretação de que valores supostamente depositados em favor daquela instituição religiosa

sediada em São Paulo teriam sido motivados por pedido seu e, muito menos, que seria etapa

intermediária do encaminhamento de valores a si destinados. Da mesma forma, a existência

desses depósitos, por si só, sequer justifica a afirmação de que seriam valores decorrentes de

crimes de corrupção passiva. A ausência de qualquer elemento indiciário nesse sentido é

flagrante.

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276. A suposta existência de dois depósitos efetuados por JÚLIO CAMARGO, em

agosto de 2012, em favor da referida Igreja, localizada em São Paulo, não pode ostentar a

qualidade de indício da participação do denunciado nos supostos crimes de corrupção

passiva e lavagem de dinheiro, na medida em que entre eles não há contemporaneidade e

vinculação lógica.

277. Igualmente irrelevante e inconsistente é a alegada utilização pelo denunciado

de horas de vôo em 2014, realizadas em empresa de Taxi Aéreo. Com efeito, das notas fiscais

e boletos apresentados por JÚLIO CAMARGO (fls. 2018/2023) não constam qualquer

informações sobre quem teria utilizado a aeronave cujo serviço de fretamento estava sendo

cobrado.

278. Além disso, a planilha fornecida pelo próprio delator à fl. 2017 não tem

qualquer idoneidade para comprovar que as pessoas ali mencionadas teriam efetivamente

realizado aqueles vôos. Com efeito, trata-se de uma planilha de excel apócrifa em que o seu

autor poderia lançar em seus campos o nome de quem quisesse. Note-se: embora JÚLIO

CAMARGO afirme ter levantado junto a empresa que administra a operação de sua aeronave a

relação de vôos e passageiros, o certo é que o documento aparentemente não foi elaborado

pela mencionada empresa e, ainda que tenha sido, não tem aptidão para comprovar os dados

ali lançados.

279. Dessa forma, é completamente inverídica a alegação de que o ora denunciado

teria recebido valores de JÚLIO CAMARGO em horas de voo. E ainda que o denunciado tivesse

realmente se utilizado da aeronave – o que se admite apenas para argumentar – tal fato não

autorizaria, nem mesmo de forma indiciária, a conclusão de que o denunciado teria

participado como suposto co-autor em crimes de corrupção passiva supostamente ocorridos

em 2006/2007, nem naqueles de lavagem de dinheiro que teriam sido cometidos logo em

seguida, diante da manifesta ausência de contemporaneidade e de vinculação lógica entre os

eventos.

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280. Diante de tudo o que foi afirmado e comprovado anteriormente, resta patente

que a denúncia não reúne condições de ser aceita.

REQUERIMENTOS

Por todo exposto, requer-se:

a) A suspensão do processo até o final do mandato de Presidente da Câmara

dos Deputados ocupado pelo denunciado.

b) A apreciação e provimento dos agravos regimentais referidos nas

preliminares, invalidando os atos anteriores até agora praticados para que, depois de juntados

aos autos pelo órgão acusador todos os documentos faltantes81, seja iniciado novamente o

prazo para oferecimento de resposta.

c) Seja a pretensão do Procurador-Geral da República, no sentido de ser

desnecessária a homologação perante essa Corte Suprema de novo acordo de delação ou

complementação ou retificação do anterior, indeferida e, desde logo, reconhecida a

nulidade dos depoimentos complementares prestados por JÚLIO CAMARGO, que devem

ser desentranhados dos autos.

d) Seja decretada a nulidade do termo de declarações complementar nº 03 de

JÚLIO CAMARGO, e do Termo de acareação entre JÚLIO CAMARGO e PAULO ROBERTO COSTA e

determinado que sejam desentranhados dos autos.

e) Que qualquer material probatório que eventualmente venha a ser arrecadado

em razão das diligências realizadas recentemente (15/12/2105) não seja entranhado nestes

autos, nem em qualquer outro procedimento que verse sobre os fatos descritos na

                                                            81 Consubstanciado no procedimento integral de delação premiada de Fernando Soares, inclusive aos seus

registros audiovisuais.

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denúncia oferecida nestes autos. Em caso de entendimento contrário, requer seja

reconhecida a nulidade dos atos investigatórios praticados no curso do prazo para a sua

defesa, por violação ao devido processo legal.

f) Seja reconhecida a inaptidão da denúncia e seu aditamento pelos vícios

apontados e, finalmente, seja rejeitada por absoluta falta de justa causa.

Termos em que pede deferimento.

Brasília, 18 de dezembro de 2015.