influência da gestação nas doenças cutâneas€¦ · pustulosa grave, o impetigo herpetiforme,...

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artigo ESPECiaL 318 Brasília Med 2013;50(4):318-323 Lucas Souza Carmo Nogueira – médico, dermatologista, especialista pela Sociedade Brasileira de Dermatologia Patrícia Shu Kurizky – médica, dermatologista, Hospital das Forças Armadas, Brasília, Distrito Federal, Brasil Lícia Maria Henrique da Mota – médica, reumatologista, doutora, profes- sora orientadora do Programa de Pós-Graduação em Ciências Médicas, Universidade de Brasília. Coordenadora do Ambulatório de Artrite Reumatoide Inicial do Hospital Universitário de Brasília, Brasília, Distrito Federal, Brasil Correspondência: Patrícia Shu Kurizky. SHLS, quadra 716, con- junto B, bloco C, térreo, Centro Médico de Brasília, CEP 70390- 904, Brasília-DF. Telefone: 61 32453310. Internet: [email protected] Recebido em 7-10-3013. Aceito em 30-11-2013. Conflito de interesses: os autores declaram não haver conflito de interesses. Influência da gestação nas doenças cutâneas Lucas Souza Carmo Nogueira, Patrícia Shu Kurizky e Lícia Maria Henrique da Mota DOI: xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx RESUMO Objetivo. Discutir a influência da gestação em der- matoses preexistentes e no aparecimento de doen- ças cutâneas. Método. Levantamento das principais dermatoses associadas à gestação. Resultados. A gestação pode levar ao aparecimen- to de dermatoses próprias da gestante como penfi- goide gestacional, erupção polimórfica da gravidez, foliculite pruriginosa, impetigo herpetiforme, pru- rido gravídico e prurigo da gravidez. Além disso, ela tende a influenciar o curso de doenças imuno- mediadas, levar à melhora da maior parte dos ca- sos de doenças como a psoríase e à piora de outras, como lúpus eritematoso e pênfigos. Conclusão. Várias modificações cutâneas ocorrem por alterações no metabolismo da gestante. Palavras-chave. Gravidez; dermatoses; diagnósti- co; tratamento ABSTRACT Influence of pregnancy on cutaneous diseases Objective. To discuss the influence of pregnancy on pre-existing dermatosis and on the development of new skin diseases. Method. A survey of the main skin diseases associated with pregnancy was conducted. Results. Pregnancy can lead to the development of specific skin conditions such as pemphigoid of pregnancy, polymorphic eruption of pregnancy, pruritic folliculitis, impetigo herpetiformis, and prurigo gravidarum. Moreover, it tends to influence the course of immune-mediated diseases, leading to improvement in most cases of diseases such as psoriasis, and aggravation of others like lupus erythematosus and pemphigus. Conclusion. Many skin conditions develop due to changes in the metabolism of pregnant women. Key words. Pregnancy; dermatosis; diagnosis; treatment INTRODUÇÃO Durante a gestação, numerosas alterações ocorrem na pele, desde aquelas consideradas fisiológicas, próprias da gravidez e que não serão abordadas aqui, até aquelas que representam agravamento ou regressão de outras dermatoses preexistentes. 1-6 Não é incomum que o período gestacional condicio- ne o comportamento de muitas doenças imunitárias.

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Page 1: Influência da gestação nas doenças cutâneas€¦ · pustulosa grave, o impetigo herpetiforme, é caracte - rístico da gestação. O eritema nodoso e o pioderma gangrenoso podem

artigo ESPECiaL

318 • Brasília Med 2013;50(4):318-323

Lucas Souza Carmo Nogueira – médico, dermatologista, especialista pela Sociedade Brasileira de Dermatologia

Patrícia Shu Kurizky – médica, dermatologista, Hospital das Forças Armadas, Brasília, Distrito Federal, Brasil

Lícia Maria Henrique da Mota – médica, reumatologista, doutora, profes-sora orientadora do Programa de Pós-Graduação em Ciências Médicas, Universidade de Brasília. Coordenadora do Ambulatório de Artrite Reumatoide Inicial do Hospital Universitário de Brasília, Brasília, Distrito Federal, Brasil

Correspondência: Patrícia Shu Kurizky. SHLS, quadra 716, con-junto B, bloco C, térreo, Centro Médico de Brasília, CEP 70390-904, Brasília-DF. Telefone: 61 32453310.

Internet: [email protected]

Recebido em 7-10-3013. Aceito em 30-11-2013.

Conflito de interesses: os autores declaram não haver conflito de interesses.

Influência da gestação nas doenças cutâneasLucas Souza Carmo Nogueira, Patrícia Shu Kurizky e Lícia Maria Henrique da MotaDOI: xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

RESUMO

Objetivo. Discutir a influência da gestação em der-matoses preexistentes e no aparecimento de doen-ças cutâneas.

Método. Levantamento das principais dermatoses associadas à gestação.

Resultados. A gestação pode levar ao aparecimen-to de dermatoses próprias da gestante como penfi-goide gestacional, erupção polimórfica da gravidez, foliculite pruriginosa, impetigo herpetiforme, pru-rido gravídico e prurigo da gravidez. Além disso, ela tende a influenciar o curso de doenças imuno-mediadas, levar à melhora da maior parte dos ca-sos de doenças como a psoríase e à piora de outras, como lúpus eritematoso e pênfigos.

Conclusão. Várias modificações cutâneas ocorrem por alterações no metabolismo da gestante.

Palavras-chave. Gravidez; dermatoses; diagnósti-co; tratamento

ABSTRACT

Influence of pregnancy on cutaneous diseases

Objective. To discuss the influence of pregnancy on pre-existing dermatosis and on the development of new skin diseases.

Method. A survey of the main skin diseases associated with pregnancy was conducted.

Results. Pregnancy can lead to the development of specific skin conditions such as pemphigoid of pregnancy, polymorphic eruption of pregnancy, pruritic folliculitis, impetigo herpetiformis, and prurigo gravidarum. Moreover, it tends to influence the course of

immune-mediated diseases, leading to improvement in most cases of diseases such as psoriasis, and aggravation of others like lupus erythematosus and pemphigus.

Conclusion. Many skin conditions develop due to changes in the metabolism of pregnant women.

Key words. Pregnancy; dermatosis; diagnosis; treatment

INTRODUÇÃO

Durante a gestação, numerosas alterações ocorrem na pele, desde aquelas consideradas fisiológicas, próprias da gravidez e que não serão abordadas aqui, até aquelas que representam agravamento ou regressão de outras dermatoses preexistentes.1-6

Não é incomum que o período gestacional condicio-ne o comportamento de muitas doenças imunitárias.

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As autoimunes, como o lúpus eritematoso sistêmico, a esclerodermia, a dermatopolimiosite e os pênfi-gos, apresentam na literatura relatos de evoluções benignas ou malignas. A psoríase em placas pode se atenuar, entretanto uma modalidade de psoríase pustulosa grave, o impetigo herpetiforme, é caracte-rístico da gestação. O eritema nodoso e o pioderma gangrenoso podem surgir nesse período, sendo mais comum a apresentação do pioderma de maneira atí-pica, como o pioderma bolhoso.1,7-9

As modificações cutâneas fisiológicas decorrem em geral da maior produção dos hormônios progeste-rona e estrogênio. O pico desses hormônios varia de acordo com o período gestacional e reflete-se nas manifestações cutâneas. Não se pode também negligenciar o papel do feto como aloenxerto que apresenta modificações significativas da resposta imunitária materna.

DERMaTOSES PRóPRIaS Da gRavIDEz

Há divergências em relação ao número e à nomen-clatura. As mais características são o penfigoide gestacional ou herpes gestacional, a erupção po-limórfica da gravidez, a foliculite pruriginosa e o prurigo da gravidez. O impetigo herpetiforme é considerado por alguns autores como forma de psoríase pustulosa própria da gravidez. O prurido gravídico, em razão da colestase intra-hepática, também será considerado nesse grupo de dermato-ses. Atualmente o nome herpes gestacional vem cain-do em desuso, dando-se preferência por chamar a moléstia de penfigoide gestacional.10-15

PenfigOide gestaCiOnal

É uma doença autoimune rara, que ocorre princi-palmente em mulheres multíparas nas terceira e quarta décadas, da 28.a à 32.a semana da gestação ou no período pós-parto imediato. Ocasionalmente pode estar relacionada a tumores fibroblásticos co-mo a mola hidatiforme e o coriocarcinoma. Ocorre em uma para cada cinquenta mil gestantes.

O sintoma inicial é o prurido seguido por lesões eritêmato-máculo-papulosas anulares confluentes

com vesículas e bolhas predominantes no umbigo, mas que habitualmente comprometem também os antebraços, as coxas, o tronco, a região mamária e as nádegas (figura 1). Costumam regredir após o parto, num período variável de um a dezessete me-ses. Formas prolongadas da doença com duração superior a seis meses após o parto são considera-das crônicas e podem ter correlação com o uso de contracepção hormonal. Tais formas são vistas em mulheres mais velhas com história de penfigoide gestacional em gestações anteriores e apresentam envolvimento das mucosas. Nas gestações seguin-tes, pode haver recidiva em até 50% das pacientes.

À histopatologia, a bolha é subepidérmica, e a imu-nofluorescência direta mostra depósito linear de C3 na membrana basal. No sangue, encontra-se o fator HG, que é uma imunoglobulina IgG, detectada pela fixação do complemento.

O tratamento é feito com prednisona – 0,5 a 1 mg/kg/dia – ou dapsona na dose de 100 mg/dia. Casos extremos podem necessitar de plasmaférese. Muitas pacientes podem ser tratadas apenas com corticos-teroides tópicos e anti-histamínicos orais. Existe dis-cordância entre os autores quanto à mortalidade fe-tal, e até 10% dos recém-nascidos podem apresentar bolhas que cedem naturalmente após semanas.1,2,16-18

Pacientes com HLA DR3 e ou HLA DR4 parecem ser mais suscetíveis ao penfigoide gestacional.2

Figura 1. Penfigoide gestacional em mulher de 26 anos, primí-para, no segundo trimestre de gestação

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eRuPçãO POliMORfa da gRavidez

Este quadro foi anteriormente conhecido como pruritic urticarial papules and plaques of pregnancy (PUPPP). Ocorre, em geral, ao fim do terceiro tri-mestre e é quase exclusivo das primíparas. Não afeta o concepto. As lesões são polimórficas e há relatos de recidiva no puerpério (figura 2).

O diagnóstico é confirmado pela histopatologia, que mostra edema da derme com infiltrado linfo-histiocítico nas camadas dérmicas superior e mé-dia e número variável de eosinófilos; a epiderme é normal na maioria das vezes.

Têm sido feitas especulações sobre sua etiopato-genia. Um estudo realizado em 1984 mostrou di-minuição dos complexos imunitários circulantes durante a fase aguda da doença. Nesse estudo, os autores sugeriram que a ligação dos pequenos com-plexos imunitários aos vasos dilatados da derme superior poderia desempenhar papel relevante.1,2 Para alguns autores, gravidez múltipla, excesso de peso e hormônios poderiam influenciar positiva-mente o aparecimento da dermatose. Outros estu-dos têm considerado o microquimerismo – tráfico de células entre o feto e a mãe – como fator causal da erupção polimorfa da gravidez.1,2

O tratamento é feito com corticosteroide e anti-pruriginosos tópicos. Raramente há necessidade de medicação sistêmica.1,2,19-22

fOliCulite PRuRiginOsa de gRavidez

Inicia-se no segundo ou terceiro trimestre da gestação e acomete primíparas ou multíparas in-diferentemente, com regressão espontânea duas semanas após o parto. As lesões ocorrem predomi-nantemente no tronco, mas podem se espalhar pa-ra braços e pernas e se manifestam como pequenas pápulas eritematosas e pruriginosas. A histopatolo-gia mostra foliculite não específica. O prognóstico é favorável e o tratamento pode ser feito com cor-ticosteroides de baixa potência (tópicos) ou cremes de peróxido de benzoila.2,23

PRuRigO da gRavidez

Foi descrito originalmente por Besnier e colabo-radores em 1904. As lesões são eritêmato-papulo-sas, pruriginosas, predominantes no abdome, mas podem se estender para membros inferiores, pu-nhos e mãos e desaparecem no período pós-parto imediato. Não há recorrência. O prurigo surge no segundo ou no terceiro trimestre e raramente aco-mete primíparas.

A IgE sérica pode estar elevada e não é infrequen-te haver história pessoal ou familiar de atopia. Na histopatologia, observa-se infiltrado mononuclear perivascular sem eosinófilos ou vasculite. Acomete uma em cada trezentas gestações.2,23,24

iMPetigO heRPetifORMe

Impetigo herpetiforme é afecção rara de pele e é potencialmente fatal. Exacerba-se notadamente pelas alterações hormonais da gravidez, conquan-to tenham sido reportados casos em homens, mu-lheres no climatério, puérperas e em usuárias de contracepção hormonal.

A manifestação cutânea ocorre geralmente no iní-cio do terceiro trimestre da gravidez, inicia-se co-mo placas eritematosas que evoluem para lesões inflamatórias de contorno irregular e presença de pústulas sobrepostas. As lesões estendem-se para a região inguinal e para as extremidades dentro de sete a dez dias, tornam-se crostosas em seguida e, em geral, poupam face e áreas palmoplantares.1,3 Figura 2. Erupção polimorfa da gravidez

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As manifestações clínicas aparecem como astenia pronunciada, febre elevada, náusea, vômito, diar-reia, calafrio, taquicardia e artralgia.2

Estudos laboratoriais exibem leucocitose, aumento da velocidade de hemossedimentação e ocasional-mente hipocalcemia.2

A reposição intravenosa de fluido e eletrólitos, nota-damente cálcio, associada à corticoterapia, é o trata-mento de escolha. Ainda que as lesões sejam estéreis, a antibioticoterapia sistêmica pode ser associada, vez que a infecção secundária não é excepcional.3

O prognóstico materno-fetal é variável. Raras são as mortes maternas, embora insuficiência placen-tária e diminuição do fluxo interviloso placentário possam aumentar o risco de morte fetal.1-3

COlestase intRa-hePátiCa da gRavidez

Inicia-se no segundo ou terceiro trimestre, em cerca 0,02-2,4% das gestantes, e decorre da co-lestase intra-hepática, podendo ocorrer icterí-cia em 20% dos casos. Caracteriza-se por prurido intenso, principalmente abdominal, que piora à noite, mas que pode se generalizar e acometer palmas das mãos e plantas dos pés. A icterícia é de intensidade variável e as enzimas hepáti-cas estão alteradas na maior parte dos casos. O exame clínico mostra escoriações sem dermatose específica, e o prurido desaparece no pós-parto imediato. As pílulas anticoncepcionais e as ges-tações posteriores podem desencadear novo episódio. Pode haver riscos para o feto e para a gestante em algumas ocasiões mais graves. O tratamento é sintomático na maioria das vezes e eventualmente requer terapêutica sistêmica.2

INFLUÊNCIa Da gRavIDEz NaS DOENÇaS IMUNITÁRIaS

PsORíase e aRtRite PsORiásiCa

Aproximadamente 50% de pacientes com psoríase são do sexo feminino. Os picos da doença ocorrem na adolescência e da terceira à quarta décadas e

afetam portanto mulheres na idade fértil. Há, na maioria das vezes, melhora do quadro na evolução da doença durante a gestação, com exacerbação no período pós-parto. Por outro lado, a gravidez pode representar um estímulo para o comprome-timento articular.25,26

Raychaudhuri e colaboradores25 investigaram o curso clínico da psoríase durante a gravidez e entrevistaram 736 pacientes com psoríase. Dados obtidos de 91 gestações revelaram que a psoríase tornou-se mais branda em 51 (56%), piorou em 24 (26,4%) e permaneceu inalterada em 16 (17,6%). Notaram novas lesões no pós-parto imediato e que pacientes que melhoraram na primeira gra-videz, repetiram o mesmo comportamento nas gestações subsequentes.

O tratamento da psoríase e da artrite psoriásica na gestação representa um desafio. Os corticos-teroides tópicos são classificados como risco C na gestação (com alterações em animais, porém sem estudos em seres humanos), sendo seu uso dependente de riscos e benefícios. Os derivados da vitamina D somente apresentam anomalias no cálcio e fósforo em doses muito elevadas. Contudo, ainda se carece de estudos mais defi-nitivos para que seu uso em larga margem possa estar indicado nesses casos. A ciclosporina não é medicamento mutagênico nem teratogênico, to-davia há casos descritos de parto prematuro, re-tardo do crescimento fetal e hipertensão arterial materna, além de ser excretada no leite materno. Já o metotrexato é teratogênico, e a gravidez de-ve ser evitada até um ciclo menstrual completo após o uso do medicamento.

A fototerapia com psoraleno e raios ultravioleta A (PUVA) deve ser evitada em razão do uso de psoralênicos. Apesar de seu uso não ter mostrado ação teratogênica, há falta de estudos definitivos. Já a utilização de fototerapia com raios ultravio-leta B de banda estreita (nUVB) parece ser boa terapia na gravidez, visto como dispensa os pso-ralênicos e há um controle rigoroso da dosagem. Finalmente, retinoides sistêmicos são totalmente contraindicados, e os tópicos devem ser evitados como precaução.

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lúPus eRiteMatOsO

O lúpus eritematoso discoide não se altera na gravi-dez. Sessenta por cento das pacientes com a forma sistêmica sofrem de exacerbação cutânea durante a gravidez e há até 60% de chance de prematuri-dade (figuras 3 e 4), havendo duas a quatro vezes mais possibilidade de aborto quando a doença está ativa. A gravidez pode ser bem tolerada se o lúpus eritematoso sistêmico estiver em remissão por pe-lo menos três meses antes da concepção. O risco de lúpus neonatal, em que o recém-nascido pode ter eritema cutâneo transitório, está relacionado à transferência de anticorpos anti-Ro (SSA) e anti-La (SSB). Alguns autores relatam piora das vasculites e lesões articulares durante a gestação e recomen-dam a manutenção de tratamentos com corticoste-roides e agentes antimaláricos.2,26

Também não se pode deixar de mencionar a neces-sidade de pesquisar a síndrome do anticorpo anti-fosfolipídios nessas pacientes.

esCleROse sistêMiCa e deRMatOPOliMiOsite

Durante a gravidez, o fenômeno de Raynaud pode piorar de intensidade naqueles pacientes com escle-rodermia ou esclerose sistêmica, ainda que a doença não pareça se alterar de forma significativa.27

Em relação à dermatopolimiosite, há casos de iní-cio ou exacerbação da doença com intensificação das lesões de pele e da miopatia, outros de melhora do quadro durante a gravidez. Há ainda relatos de casos que se desenvolveram logo após o parto. A morbimortalidade perinatal é elevada.27-30

PênfigOs

Há várias formas de essa bulose aparecer ou se exa-cerbar durante a gestação. Usualmente surgem lo-go no primeiro trimestre e devem ser diferenciadas da dermatose penfigoide gestacional. É elevada a morbimortalidade fetal.2,30,31

eRiteMa nOdOsO

O eritema nodoso se caracteriza por nódulos erite-matosos, dolorosos, não supurativos, distribuídos principalmente na face extensora dos membros inferiores. Muitas vezes as lesões são associadas a sinais e sintomas inespecíficos como febre, ede-ma das pernas e artralgias. Cada nódulo tem du-ração média de sete a quinze dias e desaparece espontaneamente. Novas lesões aparecem antes que as anteriores estejam totalmente cicatrizadas. Farmacodermia, infecções, sarcoidose, doença in-flamatória intestinal são as causas mais comuns. Quando não se consegue estabelecer o fator desen-cadeante, são consideradas idiopáticas.2,31

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Figura 3. Piora das lesões cutâneas em paciente gestante com lúpus eritematoso sistêmico

Figura 4. Lúpus eritematoso sistêmico em gestante

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