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  • A EDITORA FORENSE se responsabiliza pelos vcios do produto no que concerne suaedio(impressoeapresentaoafimdepossibilitaraoconsumidorbemmanuse-loel-lo).Nemaeditoranemoautorassumemqualquerresponsabilidadeporeventuaisdanosouperdasapessoaoubens,decorrentesdousodapresenteobra.Todososdireitosreservados.NostermosdaLeiqueresguardaosdireitosautorais,proibidaa reproduo total ou parcial de qualquer forma ou por qualquer meio, eletrnico oumecnico,inclusiveatravsdeprocessosxerogrficos,fotocpiaegravao,sempermissoporescritodoautoredoeditor.

    ImpressonoBrasilPrintedinBrazil

    DireitosexclusivosparaoBrasilnalnguaportuguesaCopyright2018byEDITORAFORENSELTDA.UmaeditoraintegrantedoGEN|GrupoEditorialNacionalTravessadoOuvidor,11Trreoe6andar20040-040RiodeJaneiroRJTel.:(0XX21)3543-0770Fax:(0XX21)[email protected]|www.grupogen.com.br

    O titular cuja obra seja fraudulentamente reproduzida, divulgada ou de qualquer formautilizada poder requerer a apreenso dos exemplares reproduzidos ou a suspenso dadivulgao,semprejuzodaindenizaocabvel(art.102daLein.9.610,de19.02.1998).Quemvender,expuservenda,ocultar,adquirir,distribuir, tiveremdepsitoouutilizarobraoufonogramareproduzidoscomfraude,comafinalidadedevender,obterganho,vantagem,proveito,lucrodiretoouindireto,parasiouparaoutrem,sersolidariamenteresponsvelcomo contrafator, nos termos dos artigos precedentes, respondendo como contrafatores oimportadoreodistribuidoremcasodereproduonoexterior(art.104daLein.9.610/98).

    Capa:DaniloOliveiraDaniloOliveira

    Produodigital:Ozone

    Fechamentodestaedio:01.03.2018

  • CIPBrasil.Catalogaonafonte.SindicatoNacionaldosEditoresdeLivros,RJ.

    B218c

    Barcellos,AnaPaulade

    Cursodedireitoconstitucional/AnaPauladeBarcellos.RiodeJaneiro:Forense,2018.Incluibibliografia

    ISBN978-85-309-8011-5

    1.Brasil.[Constituio(1988)].2.DireitoconstitucionalBrasil.I.Ttulo.

    18-47923 CDU:342(81)

    AntonioRochaFreireMilhomensBibliotecrioCRB-7/5917

  • AGRADECIMENTOS

    Poder agradecer , em si mesmo, uma beno divina: mais uma vez esempre. Este livro, diversamente de outros que j escrevi, corresponde a umprojetodesejadopormuitosanos,mascontinuamenteadiado.Por issomesmo,muitas pessoas, ao longo do tempo, contriburam para ele de alguma forma.Ainda que eu j no seja capaz de recuperar essas vrias contribuies, queroregistrarminhagratido.

    Em primeiro lugar, agradeo aos meus alunos das vrias turmas daFaculdade de Direito da UERJ que acompanhei at aqui: suas indagaes,curiosidades, perplexidades, questionamentos e entusiasmo foram e so ocombustvel que permitiu a elaborao deste curso. E no apenas isso, mastambm as muitas pesquisas realizadas por eles; especificamente, gostaria deagradecerameusmonitoresaolongodosanos,aLunaBarrosoeaJooGaldi,cuja ajuda foi particularmente importante para vrios pontos deste trabalho.Quero reservar tambm uma palavra de gratido especial a meus mestres eprofessoresnavida,eofaonapessoaqueridadoProfessor(hojeMinistro)LusRobertoBarroso. Este curso simplesmente no existiria se no fosse por tudoqueaprendicomeleequecontinuoaaprender.

    Agradeo tambm, e sempre, aosmeus pais, Jos e Alice, e aminha TiaMarcelina.ElessomeusuporteemintercessodiantedeDeus,juntocommeumarido, alm de acreditarem todo o tempo, com incrvel e assustadoratranquilidade,queeusereicapazdefazerpraticamentequalquercoisa.Aomeumarido Daniel, dirijo meu mais especial agradecimento do ponto de vistahumano:nohcompanheirocomovoce,seestamosjuntos, todaequalquercoisaficamelhor.comvocquesemprequeroestar:obrigadaportudo.

    Omeuagradecimentofinal,emaisimportante,aDeus.Emprimeirolugar,porElenosamaracadaumdensetermandadoJesusparacumprirapenadevida pelos nossos pecados e, assim, nos oferecer perdo, reconciliao comDeus e salvao eternas.EporEle esperar compacincia que cadaumaceiteessaoferta,emboraEleabsolutamentenoprecisedensparanada:Eleapenasnos ama.No temos categorias noDireito Constitucional para compreender amisericrdia e a graa de Deus. Em segundo lugar, sou grata a Deus porqueemboraarazojcitadafossemaisdoquesuficienteparaumavidadegratido,Ele temme cercadode bnos adicionais por todos os lados, por cima e porbaixo: tudovemdEleeaElesougrata.Nessecontexto,emterceiro lugar,sou

  • realmentegrataaDeuspelaoportunidadede ter escritoepublicadoeste livro.ComooapstoloPaulo,naPrimeiraCartaaosCorntios,Captulo10,verso31,meudesejoquetudooqueeufaoouvenhaafazerinclusiveescreverlivrosdeDireitoConstitucional!sejaparaaglriadeDeus.

    AnaPauladeBarcellos

  • SUMRIO

    Captulo1ConceitosPreliminares1.1Noesfundamentais

    1.1.1Normas,normajurdica,direitoedireitoconstitucional1.1.2Sistemasjurdicos:romano-germnico/civillawecommonlaw1.1.3Direitoedireitos

    1.2Constitucionalismo:umanota1.3Constituioeclassificaes1.4Direito,justiaeconstituio1.5Direito,constituioedemocracia1.6Enunciadonormativoenorma1.7Espciesnormativas:princpioseregras1.8Direitopblicoedireitoprivado1.9Normasjurdicasenormasconstitucionais:caractersticas1.10Eficciajurdicaeaplicabilidade

    1.10.1Modalidadesdeeficciajurdica1.10.1.1Modalidadedeeficciajurdica:simtricaoupositiva1.10.1.2Modalidadedeeficciajurdica:nulidade1.10.1.3Modalidadedeeficciajurdica:ineficcia1.10.1.4Modalidadedeeficciajurdica:anulabilidade1.10.1.5Modalidadedeeficciajurdica:negativa1.10.1.6Modalidadedeeficciajurdica:vedativadoretrocesso1.10.1.7Modalidadedeeficciajurdica:penalidade1.10.1.8Modalidadedeeficciajurdica:interpretativa

    1.10.2Eficciajurdica,aplicabilidadedasnormasconstitucionaisealgumasclassificaes

    1.11Efetividade1.12Interpretaoconstitucional

  • 1.13Direitoconstitucional

    Captulo2HistriaConstitucionalBrasileira2.1Oimprio2.2Constituiode19342.3Constituiode19372.4Constituiode19462.5Constituiode1967/692.6Aconstituintede1987/88,antecedentesdaconstituiode1988eoscincoprimeirosanos

    Captulo3PoderConstituinte3.1Poderconstituinteoriginrio3.2Poderconstituintederivadooureformador3.3Poderconstituintedecorrente

    Captulo4DireitoConstitucionalIntertemporal4.1Aconstituionovaeaconstituioanterior4.2Aconstituionovaeaordeminfraconstitucionalanterior4.3Aconstituionovaeasposiessubjetivasanteriores4.4Aconstituiode1988eadisciplinadodireitointertemporal4.5Asemendasconstitucionais,aconstituioealegislaoinfraconstitucionalanterior

    Captulo5PrincpiosConstitucionaiseseusCorolrios5.1Repblica(art.1,caput)5.2Democracia(art.1,caput)5.3Estadodemocrticodedireito(art.1,caput)5.4Dignidadehumana(art.1,III)5.5Bem-estarsocial(art.3,IV)5.6SoberaniaNacional(art.1,Ieart.170,I)5.7Livre-iniciativa(art.1,IV,eart.170,caput)5.8Valorizaodotrabalhohumano(art.1,IVeart.170,caput)5.9Solidariedade(art.3,I)5.10Legalidade(art.5,II)5.11Isonomia(art.5,caput,I)

  • 5.12DevidoProcessoLegaleseuscorolrios.Limitesaodireitosancionador(arts.5,LIIIALVIIEXLVAL)5.13RazoabilidadeeProporcionalidade(art.1,caputeart.5,LIV)5.14Segurana(art.5,caput,XXXVI,XL,art.142,art.144,art.150,III,a)

    Captulo6DireitosFundamentais:Umabreveintroduo6.1Centralidadedapessoahumanaedeseusdireitos6.2Destinatriosegarantiasdosdireitos6.3Interpretaoeeficciadosdireitosfundamentais.Restriesaosdireitosfundamentais6.4Direitosfundamentais:brevssimopanoramanaConstituiode1988

    6.4.1Direitosedeveresindividuaisecoletivos6.4.2Direitonacionalidade6.4.3Direitospolticos6.4.4Direitosdostrabalhadores6.4.5Direitossociais6.4.6Direitosdifusosecoletivos

    Captulo7OrganizaodoEstadoeaFederaobrasileira7.1Conceitospreliminares7.2Unio7.3Estados7.4DistritoFederal7.5Municpios7.6Territriosfederais7.7Distribuiodecompetncias

    7.7.1Critriosdedistribuiodecompetncias7.7.2Bens7.7.3Competnciaspoltico-administrativas7.7.4Competnciaslegislativas7.7.5Competnciastributrias

    7.8JudicirioeFederao7.9Ascompetnciaseminterao:algunsexemplos7.10ConflitosdecompetnciasnaFederaoecritriosdesoluo

  • 7.10.1Poderesimplcitos,competnciasgeraiseespecficasenacionaiselocais7.10.2ConflitopotencialentreEstadoeMunicpios:interesselocalxinteressecomum.Limitesdecadacompetncia.Regiesmetropolitanas

    7.11Intervenofederal7.12Umanotafinal:ainterpretaodascompetnciasfederativasecontrolesocial

    Captulo8SeparaoeOrganizaodePoderes8.1Separaodepoderes:breveevoluohistricaedopensamentopoltico8.2Sistemasdegoverno(presidencialismo,parlamentarismoesemipresidencialismo)econtroledopoderpoltico8.3Opresidencialismobrasileiro8.4Separaodepoderescomoclusulaptrea:umanota

    Captulo9OLegislativoBrasileiro9.1Poderlegislativo

    9.1.1CmaradosDeputados9.1.2SenadoFederal9.1.3LegislativosdosEstados,DistritoFederaleMunicpios9.1.4Regimejurdicodosparlamentares

    9.1.4.1Prerrogativas9.1.4.2Vedaes9.1.4.3Perdadomandato

    9.1.5PoderLegislativoesuascompetncias9.1.5.1Competnciasnormativas

    9.1.5.1.1CompetnciasnormativascomparticipaodoExecutivo9.1.5.1.2CompetnciasnormativassemparticipaodoExecutivo(arts.49,51e52)

    9.1.5.2Competnciasdecontroleefiscalizao9.1.5.3ComissesParlamentaresdeInqurito

    9.2TribunaisdeContas9.3Processolegislativo

    9.3.1Iniciativa

  • 9.3.2Discussoevotao9.3.3Sano/Veto,promulgaoepublicao9.3.4Ocontrolejudicialdoprocessolegislativo

    9.4Espcieslegislativas9.4.1Emendasconstitucionais9.4.2LeisComplementareseleisordinrias9.4.3Leisdelegadas9.4.4Medidasprovisrias9.4.5DecretosLegislativoseResolues

    Captulo10PoderExecutivo10.1Poderexecutivo:ingressoegarantias

    10.1.1Eleioesucesso10.1.2Garantias

    10.2Poderexecutivo:perdadomandato.Ocasodoimpeachment10.3Competncias

    10.3.1Introduoereservadeadministrao10.3.2Competnciasnormativas10.3.3Competnciaspoltico-administrativas

    Captulo11AdministraoPblica11.1Introduo:regimepblicoeprivadoesuasrecprocascomunicaes11.2Princpioseregrasgeraisdaadministraopblica

    11.2.1Princpiodalegalidadeadministrativa11.2.2Princpiodafinalidade11.2.3Princpiodamotivao11.2.4Princpiosdaseguranajurdicaedaboa-f11.2.5Autotutelaecontrolesinternos11.2.6Princpiodaimpessoalidade

    11.2.6.1Licitaes11.2.6.2Concursopblico

    11.2.7Princpiodaproporcionalidade11.2.8Princpiodamoralidade11.2.9PrincpiodaPublicidade11.2.10Princpiodaeficincia

  • 11.3Agentespblicos11.4Umanotasobreoregimejurdicodassociedadesdeeconomiamistaeempresaspblicasexploradorasdeatividadeseconmicas11.5Umanotasobrearesponsabilidadecivildoestado

    Captulo12PoderJudicirio12.1FunojurisdicionalePoderJudicirio:introduo12.2OrganizaodoPoderJudicirio

    12.2.1rgosdoPoderJudicirioedistribuioconstitucionaldecompetncias12.2.2JustiaEstadual12.2.3JustiasdaUnio12.2.4Justiaeleitoral12.2.5JustiadoTrabalho12.2.6JustiaMilitar12.2.7JustiaFederalcomum12.2.8SuperiorTribunaldeJustiaSTJ12.2.9SupremoTribunalFederalSTF

    12.3PrincpiosconstitucionaisdeorganizaodoPoderJudicirio12.4PrincpiosconstitucionaisdefuncionamentodoPoderJudicirio12.5FunesessenciaisJustia

    Captulo13OrdemEconmica,Tributao,OramentoeFinanasPblicas

    13.1Ordemeconmica13.1.1Introduo:direitoconstitucionaleordemeconmica13.1.2AordemeconmicanaConstituiode1988

    13.1.2.1Fundamentosdaordemeconmica13.1.2.2Princpiossetoriaisdaordemeconmica(art.170)

    13.1.3Agenteseconmicoseseuspapis13.1.3.1Agentesprivados13.1.3.2Agentesestrangeiros

    13.1.3.1.2Cooperativas13.1.3.1.3Terceirosetor

    13.1.4Estado

  • 13.1.4.1Modalidadesdeintervenoestatalnaordemeconmica13.1.4.2Disciplina/regulao

    13.1.4.2.1Apolticaurbana13.1.4.2.2Apolticarural13.1.4.2.3Osistemafinanceiro

    13.1.4.3Fomento13.1.4.4Atuaodireta

    13.2Tributao13.2.1Introduo:direitosfundamentais,limitesepossibilidadesdoEstadoeFederao13.2.2Limitaesaopoderdetributar

    13.2.2.1Limitaesaopoderdetributar:proteodocontribuinte13.2.2.2Limitaesaopoderdetributar:promoodefinsconstitucionalmenterelevantes13.2.2.3Limitaesaopoderdetributar:federao

    13.2.3Competnciaslegislativasemmatriatributria13.2.4Espciestributriaserepartiofederativa

    13.2.4.1Impostoserepartiodasreceitastributrias13.2.4.2Taxas13.2.4.3Contribuiesdemelhoria13.2.4.4Emprstimoscompulsrios13.2.4.5Contribuies

    13.3Oramentoefinanaspblicas13.3.1Introduo

    13.3.1.1Oramento,finanaspblicasedireitosfundamentaisdasgeraespresentesefuturas13.3.1.2Oramentoecontroledeconstitucionalidade

    13.3.2Sistemaconstitucionaloramentrio13.3.3Sistemaconstitucionaldasfinanaspblicas

    Captulo14ControledeConstitucionalidade14.1Controledeconstitucionalidade:introduoebrevehistrico14.2Inconstitucionalidade:algumasclassificaes

    14.2.1Inconstitucionalidadeformalematerial

  • 14.2.2Inconstitucionalidadeporaoeporomisso14.2.3Inconstitucionalidadeoriginria,supervenienteeprocessodeinconstitucionalizao/inconstitucionalizaoprogressiva14.2.4Inconstitucionalidadediretaeindireta/reflexa14.2.5Constitucionalidadeemtese/emabstratoeinconstitucionalidadeemconcreto

    14.3Modelosclssicosdecontrolejudicialouquase-judicialdeconstitucionalidadeesuascaractersticas14.4OsistemabrasileirodecontroledeconstitucionalidadepeloPoderJudicirio

    14.4.1Ocontroledifusoeincidental14.4.1.1Areservadeplenrio:art.97eaSm.Vinculanten10doSTF14.4.1.2OSTF,orecursoextraordinrioeasmulavinculante

    14.4.2Controledeconstitucionalidadeconcentrado14.5AesperanteoSTF

    14.5.1Aodiretadeinconstitucionalidade(ADI)14.5.2Aodeclaratriadeconstitucionalidade(ADC)14.5.3Arguiodedescumprimentodepreceitofundamental(ADPF)14.5.4Aodiretadeinconstitucionalidade(ADI)poromisso14.5.5Mandadodeinjuno(MI)14.5.6Representaointerventiva

    14.6ControleconcentradonombitodosTribunaisdeJustia14.7ControledeconstitucionalidadedeemendasConstituio14.8Controledeconstitucionalidade:classificaes(umesforodidtico)

    14.8.1Quantonaturezadorgodecontrole14.8.2Quantoaosrgosjudiciaiscompetentesparaocontrole14.8.3Quantoaomodocomoocontrolelevadoacabo14.8.4Quantoaomomentodocontrole14.8.5Quantoobrigatoriedadedehavercontrole14.8.6Quantoeficciadadecisodecontrole14.8.7Quantoaoobjetodasdecisesdecontroledeconstitucionalidade

  • 14.8.8Quantoaosefeitosobjetivosdadecisoquedeclaranormainconstitucional14.8.9Quantoaosefeitossubjetivosdadecisoquedeclaranormainconstitucional14.8.10Quantoaosefeitosnotempodadecisoquedeclaranormainconstitucional

    14.9Legitimidadedocontroledeconstitucionalidade14.10Controledeconstitucionalidadeeinterpretaoconstitucional

    Referncias

  • Captulo1CONCEITOSPRELIMINARES

    Sumrio: 1.1 Noes fundamentais: 1.1.1 Normas, norma jurdica, direito edireito constitucional; 1.1.2 Sistemas jurdicos: romano-germnico/civillawecommonlaw;1.1.3Direitoedireitos1.2Constitucionalismo:umanota1.3Constituioeclassificaes1.4Direito,justiaeconstituio1.5Direito,constituio e democracia 1.6 Enunciado normativo e norma 1.7 Espciesnormativas: princpios e regras 1.8 Direito pblico e direito privado 1.9Normasjurdicasenormasconstitucionais:caractersticas1.10Eficciajurdicaeaplicabilidade:1.10.1Modalidadesdeeficciajurdica;1.10.1.1Modalidadedeeficcia jurdica: simtrica ou positiva; 1.10.1.2Modalidade de eficcia jurdica:nulidade;1.10.1.3Modalidadedeeficciajurdica:ineficcia;1.10.1.4Modalidadede eficcia jurdica: anulabilidade; 1.10.1.5 Modalidade de eficcia jurdica:negativa; 1.10.1.6 Modalidade de eficcia jurdica: vedativa do retrocesso;1.10.1.7 Modalidade de eficcia jurdica: penalidade; 1.10.1.8 Modalidade deeficcia jurdica: interpretativa 1.10.2 Eficcia jurdica, aplicabilidade dasnormas constitucionais e algumas classificaes 1.11 Efetividade 1.12Interpretaoconstitucional1.13Direitoconstitucional.

    1.1NOESFUNDAMENTAIS

    Oestudododireitoconstitucionalpressupeacompreensodedeterminadasnoes fundamentais, que sero examinadas, de forma breve, na sequncia.Essasnoesenvolvemotemadasnormasemgeral,edasnormasjurdicasemparticular, das relaes entre Direito, Estado, Indivduo e Sociedade, e asconexesentreesseselementoseo fenmenoconstitucional.Cadaumadessasnoes se desdobra em mltiplas discusses: apenas algumas delas seroabordadasaqui,edeformapropositalmentesimplificada.Inicie-sepelanoodeDireito.

    1.1.1Normas,normajurdica,direitoedireitoconstitucional

    Odireito,nosvriossentidosqueaexpressopodeter,esobreosquaissetratar adiante, pode ser localizado como uma espcie inserida em um gneromaisamplodasnormassociais.Ditodeoutromodo,normas jurdicas (direito)

  • so uma espcie de norma social.Normas sociais, por sua vez, so comandosdeontolgicos,indicandoumdever-ser,padresdecondutaacumprirouevitar,padres de conduta de alguma forma adotados pelo grupo social e cujaobservnciaseespera1.

    Nem todas as condutas socialmente esperadas das pessoas so normasjurdicas, isto : nem todas as normas so direito. Cumprimentar amigos efamiliaresnodiadoaniversrioouemdatascomemorativas(nemquesejaviaFacebook) uma norma social, mas no uma norma jurdica. Seudescumprimento poder ter consequncias ressentimentos, retaliaes,rompimentosderelaesetc.,masessasnosoconsideradasconsequnciasjurdicas:ningumpoderiraoJudicirioexigircoisaalgumaporqueseumelhoramigoesqueceudoseuaniversrioouporqueosnetosesqueceramdeligarparaa av no Natal. Isso no significa que as consequncias que se seguem violao de tais normas no sejam relevantes: muitas vezes, elas sero maissignificativas para a vida do indivduo do que qualquer condenao que oJudiciriopossaimpor.

    Masoqueso,afinal,normasjurdicas?Porqueasnormasreferidasantesnosodireito?Oquedistinguenormasjurdicasdasdemaisnormassociais?Deformasimplificada,possveldizerqueseronormasjurdicasaquelassquaiso Estado confere especial importncia, associando ao seu descumprimentoalgumtipodeconsequncia(frequentemente,umasano)quepodeserimpostacoativamente por autoridades reconhecidas pelo Estado (em geral, pelo PoderJudicirio)2.

    As normas jurdicas podem ter diferentes origens quanto ao seu contedo.Por vezes, o Estado juridiciza ou torna jurdicas normas j existentes nasociedade,atribuindoaelasostatusdenormasjurdicas.Vriasdasnormasdedireitodefamlia,ouasqueregulamasobrigaesnombitodoscontratosmaissimples,ou, ainda,determinadasnormasdedireitopenal j eramconsideradasnormas sociaismuito antes de serem transformadas em normas jurdicas peloEstado.

    Em outras ocasies, porm, o Estado cria normas de forma original eautnoma, isto : sem relao com normas sociais anteriores. A criao doProgramaNacional deAcesso aoEnsinoTcnico eEmprego Pronatec, pelaLei n 12.513/11, por exemplo, no corresponde a uma norma social anterior,mas a um conjunto de normas originais, no sentido de normas criadasoriginalmentepeloEstado.

    Poisbem.Parte importantedasquestescentraisdoDireitoConstitucionalenvolve justamente aprofundamentos desse ponto bsico acerca das relaesentrenormasjurdicas,indivduoseEstado.Asperguntasnasequnciailustramalgumas dessas questes. H limites para a criao de normas jurdicas pelo

  • Estado?Seh,quaissoeles?Equem,nombitodoEstado,podecriarnormasjurdicas? No caso de um Estado federal como o Brasil, por exemplo, tantoUnioquantoEstadoseMunicpiospodemcriarnormasjurdicas?E,nombitode cada unidade de poder poltico, quem pode criar normas jurdicas? Jassumindo a tripartio de rgos estatais adotada por boa parte dos Estados,quem pode criar normas jurdicas: o Executivo?O Legislativo?O Judicirio?E como as normas jurdicas devem ser elaboradas? H limites para asconsequncias ou sanes previstas para a hiptese de descumprimento dasnormas?Quempodeaplicaressasconsequncias/sanesecomo?

    As respostas a estas perguntas so dadas, sobretudo, pelo direitoconstitucional,eboapartedestecursoserdedicadaaelas.Antesdisso,porm,existe uma conexo anterior entre o que se exps aqui acerca das normasjurdicas e o direito constitucional. que o direito constitucional se ocupa deuma espcie particular de norma jurdica as normas constitucionais e,portanto, formado por normas cujo descumprimento deve poder ser exigidocoativamente, via Poder Judicirio. A lgica das normas jurdicas descritaanteriormenteanormajurdicaumcomandodeontolgico(isto:umdever-ser)acujodescumprimentoestassociadaumaconsequnciaqueser impostacoativamente, senecessriopeloaparatoestatalaplica-se tambmsnormasconstitucionais.Duasobservaessorelevantesaqui.

    Em primeiro lugar, importante saber que a compreenso das normasconstitucionaiscomonormasjurdicasumfenmenorelativamenterecentenoBrasil.At aConstituio de 1988, as normas constitucionais a despeito denominalmente serem normas jurdicas eram consideradas, em sua grandemaioria, proclamaes puramente polticas, dirigidas ao Executivo e aoLegislativo,quedeveriam levaremconsideraoseucontedonoexercciodesuas competncias.No havia, nomais das vezes,meios ou possibilidades deexigir seu cumprimento. Esse quadro mudou substancialmente desde ento, ehoje, entende-se de forma bastante consolidada que as normas constitucionaisso normas jurdicas no sentido exposto anteriormente, isto : seudescumprimentodevegeraralgumtipodeconsequnciaquehaverdepoderserexigidade formacoativa,pormeiodoPoderJudicirio.Aopontose retornaradiante.

    Asegundaobservaoadeque,semprejuzodoqueseacabadeafirmaracercadaexigibilidadejudicialdasnormasconstitucionais,issonosignificaquesersimplesassociarconsequnciasacadaumadelas,consequnciasessasque possam ser exigidas perante o Judicirio. O ponto ser discutido adiante,inclusive com o exame de que espcies de consequncia podem e devem serassociadasataisnormas:umexemplo,entretanto,ajudaacompreenderopontodesdelogo.

  • A Constituio de 1988, art. 1, III, prev como um dos fundamentos doEstado brasileiro a dignidade da pessoa humana. Pois bem: que condutas essanorma jurdico-constitucional impe ou probe (ou permite)? Essa pergunta fundamental para que se saiba quando a norma est sendo descumprida. E,diante de eventual descumprimento, qual a consequncia associada? Essaperguntasedesdobraemoutras:qualocontedodessaconsequncia,aquemeladeve ser imposta, e quem pode exigi-la judicialmente? As respostas a essasperguntas sero discutidas adiante: neste momento, o que se quer apenasdestacarqueaquestonosingela.

    Descritasdeformainicialanoodedireitoealgumasdesuasrelaescomas normas constitucionais e com o direito constitucional, cabe aprofundar umpoucomaisaquesto.

    1.1.2Sistemasjurdicos:romano-germnico/civillawecommonlaw

    AnarrativadotpicoanteriorapresentouasnormasjurdicascomoaquelasjexistentesanteriormentenasociedadecomonormassociaisounosquaisoEstadoatribuiumstatusdiferenciado,associandoconsequnciasquepoderoserexigidascoativamente.Essadescrioassumecomopremissaqueseestejano mbito de um sistema jurdico romano-germnico,mas importante saberqueessenoonicosistemaexistente.

    O sistema jurdico brasileiro identificado com a tradio romano-germnica, na qual, de forma simples, a principal fonte do direito a lei,elaboradapela autoridadecompetente:nocontextodeumEstadoDemocrticodeDireito,porrgoseleitosdemocraticamente.Aoladodossistemasromano-germnicos, oriundos sobretudo daEuropa continental e incorporados por boapartedospaseslatino-americanos,desenvolveu-setambmemoutraspartesdomundo um sistema jurdico diverso, denominado common law, originrio datradioinglesa.

    Ainda que de forma esquemtica, possvel afirmar, acerca do sistemadacommonlaw,queneleodireitonopropriamentecriadoporumaautoridadecompetente,mastrazidotonaoureveladopelosTribunais,quesolucionamoscasosapartirdoqueseconsideracomoodireitopraticadopelacomunidade,achamadalawoftheland,enodeumaleipositivaeditadapeloLegislativo.Osistemadacommonlaw prev, adicionalmente, que uma vez que osTribunaisSuperiorestomemumadecisofinalsobredeterminadasituao,ateseporelasdefinidaconsideradaumprecedenteobrigatrioquedevesernecessariamenteobservadopelosdemaisrgosdoPoderJudicirio.

  • Aclassificaodospasesemfunodessesdoisgrandessistemascontinuatil,masalgumasobservaesdevemserfeitasparaquesetenhaumapercepomais atual da questo. Em primeiro lugar, assim como pases que adotamsistemas romano-germnicos exibem diferenas marcantes como Brasil,Alemanha e Frana, por exemplo , o mesmo se passa com pasestradicionalmentevinculadoscommonlaw,comoEstadosUnidos, Inglaterraefrica do Sul. Alm disso, j no existem sistemas puros. Pases de tradiodacommonlawutilizamcadavezmaisleiselaboradaspeloLegislativoouatosnormativosdoExecutivopararegulardeterminadasmatrias;aomesmotempo,aimportnciadajurisprudnciatemcrescidomuitssimonasltimasdcadasnossistemasromano-germnicos,inclusivecomaintroduodefigurassimilaresadosprecedentes,eoBrasilumexemplonotveldessefenmeno.

    Duas diferenas centrais entre esses dois sistemas jurdicos envolvem, emprimeirolugar,opapeldoPoderJudicirioe,emsegundo,osmecanismosquepromovemumadisciplinajurdicauniforme,capazdeassegurarquepessoasemsituaesequivalentes recebamomesmo tratamento jurdico,ouseja:queelassejam tratadasde forma isonmica.Nacommonlaw, as decises dos tribunaissuperiores de cada jurisdio definem o direito na forma de precedentes quevinculamosdemaisrgosjurisdicionais,eporessemeioadisciplinajurdicadedeterminadotemauniformizada.Essavinculaonosimplista:semprehapossibilidadedeoprecedente vir a ser superadono futuropela corte superior.Almdisso,mltiplas tcnicas so utilizadas pelas cortes para identificar qualseriaoprecedenteaplicvelaocasoaserdecidido,dentrevrioseventualmenteexistentes,emesmoparaconcluirquenohprecedentealgumsobreamatria,demodoqueojuizpoderdecidirlivremente.

    J nos sistemas romano-germnicos, a lei que, emprincpio, garante umtratamento isonmico a todas as pessoas, cabendo ao Judicirio interpretar eaplicar a lei. Em tese, diante de fatos similares, todos os rgos judiciriosinterpretariam e aplicariam a lei chegando a umamesma concluso, demodoque a uniformizao da disciplina decorreria naturalmente da lei. A verdade,porm,quea realidade, inclusivenormativa, tornou-semuitomais complexadoqueseimaginounopassado.

    Deumlado,asleissemultiplicaramenormementenasltimasdcadaseemmuitoscamposse tornarammenosespecficas,valendo-sedeprincpiosgerais.Deoutraparte,arealidadecadavezmaiscomplexaemultifacetada,demodoque questes talvez imprevistas pelo Legislador podem se apresentar nomomentodainterpretaoeaplicaodasnormas.Almdisso,associedades,edentro delas os juzes, so cada vez mais plurais, com diferentes vises demundo que, sem surpresa, consideram relevantes aspectos diferentes darealidade e atribuem sentidos diversos aos princpios gerais contidos nas

  • previses legislativas. No difcil imaginar que boa-f, funo social docontrato, dignidade humana e liberdade, por exemplo, no so noes quesignificamamesmacoisaparatodasaspessoasemumasociedadepluralcomoacontempornea3.

    A consequncia desse quadro que, cada vez com maior frequncia, osrgos judicirios nos sistemas romano-germnicos chegam a conclusesdiversas, apesar de estarem tratando de fatos similares e aplicando o mesmosistema legislativo. Essa variedade de decises, alm de no assegurartratamento isonmico s pessoas, pode tornar difcil saber qual , afinal, adisciplinajurdicadedeterminadotemanoPasantesdeostribunaissuperioressemanifestaremsobreaquesto.Comolidarcomesseproblema?

    Diantedaslimitaesdaleiemgarantirumtratamentoisonmicospessoasnas sociedades contemporneas, essa funo, mesmo nos sistemas romano-germnicos, acaba por ser complementada, ou desempenhada, pelajurisprudnciadosrgosdeltimainstnciadoPoderJudicirio.Soelesque,afinal,vodizeroquealegislaosignificanasdiferentescircunstncias.Todoestudantedodireitodescobrir rapidamenteque to importantequanto saberocontedodaConstituioedas leis serconhecera interpretaoque lhedajurisprudncia dos Tribunais Superiores do Pas: Supremo Tribunal Federal,SuperiorTribunaldeJustia,TribunalSuperiordoTrabalho,TribunalSuperiorEleitoraleSuperiorTribunalMilitar.

    Mais adiante se vai discutir quais os efeitos das decises dessesTribunaisSuperiores,sobretudodoSupremoTribunalFederal,sobreosdemaisrgosdoPoderJudiciriobrasileiro.Porenquanto,bastaregistrarquenosltimosanosseobserva uma crescente tendncia levada a cabo por meio de alteraes daprpriaConstituioepelaediode legislao tratandodo temadeatribuirefeitos vinculantes ou quase vinculantes a tais decises, particularmente, masno exclusivamente, quando proferidas pelo Supremo Tribunal Federal. Aaproximao progressiva com a figura do precedente originria dos sistemasdecommonlawevidente4.

    Feita a nota sobre os dois grandes sistemas jurdicos, suas distines eaproximaes, cabe prosseguir.Vale o registro de que os temas, a partir destemomento, sero novamente tratados sob a perspectiva do sistema jurdicobrasileiroque,comoseviu,continuaacaracterizar-secomoumsistemaromano-germnico, noqual, entretanto, a jurisprudncia tem se tornado cadavezmaisimportante.

    1.1.3Direitoedireitos

  • Aexpressodireitofoiutilizadanospargrafosanteriorescomosinnimodenormas jurdicas. A verdade, porm, que a palavra direito utilizada paradesignarfenmenosvariados,eimportante,aomenos,identific-los.Emumaprimeira grande diviso, a expressodireito pode ser utilizada em um sentidodescritivoouprescritivo/normativo.Autilizaonosentidodescritivodesignaasnormas jurdicas existentes sobre um assunto em determinado Estado. possvel, claro,queumassunto sejaobjetodenormas jurdicasespecficasemdeterminadoslugaresenoemoutros.Assim,porexemplo,oBrasildisciplinaodireito licena-maternidade (Constituio, art. 7, XVIII), ao passo que emoutrospasesafiguranoexiste.

    Aindanocampodautilizaodaexpressodireitoemumsentidodescritivo,humaoutradistinopossvel.Emrigor,osentidoeoalcancequeasnormasjurdicas previstas na Constituio e na legislao (mais especificamente, osenunciadosnormativoscontidosnessesdocumentos)realmentetmdependedesuainteraocomosfatossobreosquaiselasiroincidiredainterpretaoqueos intrpretes e aplicadores das normas lhes atribuam. Assim, comum adistino (especialmente em sistemas romano-germnicos) entre asexpresses direito positivo, designando, sobretudo, os textos legais escritos,edireitoobjetivo,queprocuradescreverosentidoeoalcancequeesses textostm na dinmica de sua aplicao. O conjunto de disposies que tratam dodireito de famlia, por exemplo, o direito positivo,mas omodo como ele realmente interpretado e aplicado pelos Tribunais descreve o direito objetivo.Umexemplopontualesclareceadistino.

    AConstituio de 1988 prev em seu art. 5,LXIII, que o preso deve serinformadoarespeitoseusdireitos,entreosquais,odepermanecercalado.Poisbem.NosanosqueseseguirampromulgaodaConstituiode1988,tornou-se frequentequeComissesParlamentaresde Inqurito (nombitodaCmarados Deputados, do Senado Federal e do Congresso Nacional) convocassempessoas para depor e determinassem sua priso por desacato na hiptese depreferiremnoresponderadeterminadapergunta.

    AquestofoivriasvezeslevadaaoSupremoTribunalFederal,queconcluiuque o art. 5, LXIII, da Constituio garantia tambm a esses indivduosconvocadospelasCPIsodireito ao silncio (embora,note-se, elesno fossempresos nem acusados tecnicamente)5. Nesse cenrio, no incomum que aprevisoconstantedotextoconstitucionalsejadescritacomoodireitoobjetivo,aopassoqueosentidoatribudoaelasejaidentificadocomoodireitoobjetivo.Essa distino tambm refletida pelo uso diferenciado dasexpressesenunciadonormativoenorma,comosevernotpicoseguinte.Mash,ainda,outrasutilizaesdaexpressodireitoquemerecemregistro.

    Na fronteira entre os planos descritivo e prescritivo, a expresso direito

  • utilizada,tambm,paraidentificaroutrafacedomesmofenmeno,comumentedenominadodireitosubjetivo: a pretenso de algum que, invocando o direitopositivoouobjetivo,sustentafazerjusaalgumtipodeproteooudireitoasertutelado pelo Estado. Trata-se, na realidade, do impacto, na esfera individual,daquilo que o direito positivo ou objetivo preveem: uma vez que o direitopositivoouobjetivoasseguremdeterminadodireitoeassociemviolaodeledeterminada consequncia, a incidncia dessa previso na vida real de umindivduo lhe atribui a possibilidade de exigir do aparato estatal que a talconsequnciaseja,afinal,observada.

    Assim,mantendo-seoexemploanterior, imagine-seaprimeiravezemqueumaCPIdeterminouaprisodealgumquehaviasidoconvocadoparadeporporhaverficadoemsilncio.Tudoquehaviaataquelemomentoeraodireitopositivo: o textodaConstituio.Nadaobstante, o indivduoquestionouo atoperanteoSTF,alegandoqueodispositivoconstitucionalreferidolheassegurariatambmodireitoaosilncioquenopoderiaserqualificadocomocrimepelaCPI,demodoquesuapriso,nocaso,era invlida.Tratava-se,comofcilperceber, de uma interpretao a partir do texto, que foi, afinal, acolhida peloSTF: a Corte reconheceu que de fato o indivduo era titular de um direitosubjetivoaosilncio,nocaso,edeterminouqueelefossesolto,jqueaprisodeterminadapelaCPIerainvlida.

    Note-se que o direito subjetivo se encontra, com alguma frequncia, nafronteira entre uma dimenso descritiva e outra prescritiva/normativa, comoantes referido.E isso porque, por vezes, a pretenso apresentada ao Judiciriocomoumdireitosubjetivonodecorredeformaimediatadaliteralidadedotextonormativo e nem est j consolidada na jurisprudncia, formando o direitopositivo. Eventualmente, ela poder ser rejeitada pelo Judicirio; em outrasoportunidades, porm, ela poder ser acolhida e atribuir um novo sentido aodireitoobjetivo,apartirdainterpretaododireitopositivo.Opontoquesequerdestacaraquique,paraalmdaelaboraoformaldasleiseatosnormativos,h um elemento dinmico na construo do direito objetivo e dos direitossubjetivosporcontadainterpretaoeaplicaodosenunciadosnormativossmais diferentes circunstncias que se apresentem. A esse ponto se voltaradiante.

    Um ltimo sentido no qual a expresso direito utilizada puramenteprescritivo ou normativo. At aqui, as referncias feitas a normas, sejam anormas jurdicas em particular ou ao direito de forma mais ampla, no seocuparam, em qualquer medida, de qual o contedo dessas normas. Nadaobstante, o debate acerca do contedo das normas jurdicas da maiorimportncia.Podeodireitoveicularqualquerespciedecontedo?E,seofizer,ainda assim ser considerado direito? Uma norma editada por quem se

  • considereautoridadecompetentequeconsagre a escravidodedeterminadosgruposhumanospoderaindaserdescritacomodireito?

    Comofcilperceber,aexpressodireitonocontextoapresentadopretendecomunicarmuitomaisdoqueapenasadescrio feitaatagora, a saber:umanormajurdica,assimcompreendidacomoasnormassquaisoEstadoassociaconsequnciasquepodemserexigidasdeformacoativasenecessrio,pormeiodo recurso ao aparato estatal. A expresso, agora, indicadeterminada qualidade do contedo das normas jurdicas, qualidade essavinculada s ideias de justia e de moralidade. Nesse sentido, para que sereconhea algo como direito, no basta esse conceito formal. Exigem-se,tambm, determinadas qualidades mnimas de justia e moralidade quanto aoseucontedo.Noocasodediscorreraquisobreotemadeformadetalhada,mas alguns registros, mesmo que breves, sero teis para a compreenso detemasextremamentecentraisparaodireitoconstitucionalcontemporneo.

    Esse sentido da expresso direito est subjacente s discusses milenaresacercadalegitimidadeedajustiadasnormasjurdicasemgeral6,deumlado,eda possibilidade de o indivduo resistir e/ou desobedecer lei (no sentido denormajurdicaoudireitoreconhecido)ilegtimaouinjusta7.Aprimeiraquestotratadadistinoentrelegalidadeelegitimidadeisto:nemtudoquelegal,porisso,justoedacomplexaquestofilosficaquedefinirqueparmetrosdevemseradotadosparaapuraroudefiniralegitimidadeeajustiadasnormas.Assim, por exemplo, ser legtima/justa toda e qualquer norma, uma vezobservado determinado procedimento para sua elaborao? Ou a legitimidadedecorrer de um exame do contedo da norma?Mas, nesse ltimo caso, quecritrios de avaliao do contedo das normas devem ser utilizados e,igualmente importante, quem pode defini-los? Como se ver, boa parte dosEstadoscontemporneostentoulidarcomessasquestespormeiodaadoodeConstituies que estabelecem limites elaborao das normas: limites essesqueenvolvemtantoseucontedoquantoseuprocessodeelaborao.

    O segundo aspecto da discusso envolve as possibilidades de reao dosindivduos diante da chamada lei injusta. Embora os Estados, em geral, noreconheam os direitos de resistncia e de desobedincia civil, o que parecenatural,otematradicionalmentediscutidonodireitointernacional,nafilosofiaenacinciapoltica.Comotambmsevaiobservarnasequncia,ocontroledeconstitucionalidadedas leis acaboupor absorver, nadinmicada relao entreEstadoeindivduo,essestemas,emmuitoslugaresdomundo:umavezqueasConstituies passaram a incorporar normas que exigem padres de justia erazoabilidadeda ao estatal comoum todo, o controle de constitucionalidadedos atos do Poder Pblico acaba por institucionalizar a possibilidade deresistnciaaodireitoinjusto.Masoque,afinal,umaConstituio?doquese

  • passaatrataragora.

    1.2CONSTITUCIONALISMO:UMANOTA

    No sculo XXI, comum que a expresso Constituio invoqueimediatamente a ideia de um documento escrito que se ocupa de prever egarantir direitos aos indivduos e organizar oEstado, elaborado pelo chamadopoderconstituinte, emmomentosextraordinriosdavidadeumasociedade.Anoodequeasnormasprevistasnessedocumentososuperioressdemais,hoje,amplamentecompartilhadaemvrioslugaresdomundo.

    Narealidade,apercepomoral,religiosaoufilosficadeformaampladequeexistemnormassuperioresaoutras,quedevemestabelecerlimitesaodos governantes essncia do contedo original do constitucionalismo antiga e remonta, nomnimo, aos registros bblicos doAntigoTestamento e Grciaantiga.Alegislaomosaicaeraconsideradasuperioraeventuaisnormasexpedidas pelos monarcas ou chefes tribais do momento, ainda que o nicomecanismo de controle disponvel fosse, em geral, as pregaes dos profetascontraacondutailcitadoslderes.

    TambmnaGrciaAntigajhaviaaideiadequedeterminadasnormaserammais importantes e superiores (em geral, por razes religiosas) do que asdecises contingentes dos lderes. A histria de Antgona ilustra o ponto:Antgona descumpre a ordem real que probe que seu irmo seja enterrado etenha as honras fnebres prprias para observar uma norma que considerasuperior e que impe o respeito aosmortos.A rigor, sculos depois, todas asrevolues liberais partiam da premissa de direitos inatos, naturais, seja porrazes religiosas ou por fundamentos racionais, anteriores ordem vigente esuperioresaela.

    Essa percepode que h normas que, por seu contedo, so superiores aoutras e, particularmente, vontade do governante est por trs da ideia deConstituioedoconstitucionalismoquevaisedesenvolverapartirdemeadosdaIdadeMdia,comosdocumentos(cartas,forais,pactos)celebradosentrereise grupos de nobres, estabelecendo limites atuaodosmonarcas, e culminarnasrevoluesliberaisdossculosseguintes,comaelaboraodeConstituiespropriamenteditas.

    AMagnaCarta,firmadaentreoReiJooebaresinglesesem1215,umexemplodessefenmeno.Provavelmente,aclusulamaisconhecidadaMagnaCarta a que dispe que Nenhum homem livre ser preso, aprisionado ouprivadodeumapropriedade,ou tornadoforada lei,ouexilado,oudemaneiraalgumadestrudo,nemagiremoscontraeleoumandaremosalgumcontraele,anoserporjulgamentolegaldosseuspares,oupelaleidaterra.Nadaobstante,

  • talvezmais importantepara a poca tenha sidooutrapreviso,queorganizavaum comit de 25 bares com poderes para reformar qualquer deciso real, achamada clusula de segurana (Clusula 61).Vale registrar que oRei Joorepudiou o documento logo que os bares deixaram Londres, desencadeandouma guerra civil no pas. Com a morte do Rei, porm, a Magna Carta foiconfirmadaporseufilhoereafirmadasucessivamenteem1217e1225.

    A Magna Carta no , naturalmente, o nico exemplo dessa espcie dedocumentoouacordo.Emmuitosmomentos,aolongodoperodo,negociaessimilarestiveramlugarnaEuropaentremonarcaseanobrezadaregio.Temasimportantes nessa disputa envolviam, alm de garantias de liberdade, anecessidadedeacordoemtornodedecisescomoaumentodetributoseguerras.

    interessante observar que, tradicionalmente, esses limites impostos monarquiaserelacionavamcomasuperioridadeontolgicadeseucontedo,porrazesmorais,religiosasoutradicionais:porexemplo,aexignciaderespeitoagarantias bsicas do devido processo legal para que algum fosse condenado.Simultaneamente, porm, apresenta-se tambm a necessidade de que o reisubmetesse determinadas decises deliberao prvia de um colegiado ou apossibilidade,comonaMagnaCarta,deumcolegiadoreformardecisesreais,que no mais das vezes contava, igualmente, com razes histricas. Assim,emboraocritriomaterialsejafundamentaldopontodevistahistrico,ouseja:determinadas normas sejam superiores por sua importncia e valor intrnseco,aospoucos,os critrios formais (a saber:quemdecideouquem temapalavrafinal em determinado assunto) vo tambm ganhando certa relevncia einfluenciandoopercursodoconstitucionalismo.

    Sem prejuzo desses antecedentes histricos, considera-se como onascimentodoconstitucionalismomodernooperododaschamadasrevoluesliberais,quetmseumarcoinicialcomaRevoluoGloriosainglesade1688,porforadaqualseimpuseramlimitespermanentesmonarquia,seconsolidouoparlamentarismonaInglaterraeseasseguraramgarantiasaosparlamentareseproteoadireitos individuaispormeiodaBillofRights.Na tradio inglesa,vale lembrar, o parlamento o principal agente de controle contra abusos damonarquiaeodefensordosdireitosindividuais,enooJudicirio.

    Arevoluonorte-americana,narealidadeummovimentodeindependncia,consolidou-sepelaelaboraodeumaConstituioem1787que,diferentementedoquesepassounaInglaterra,rejeitouamonarquia,criandoumarepblicaporfora da qual, como se sabe, os governantes so eleitos para mandatos porperodos determinados e, diferentemente da monarquia, tm responsabilidadepolticaporseusatos.Almdisso,noesforodelimitaropoderpolticoedar-lhemaiseficincia,adotou-seumaseparaorgidadepoderessobaformadopresidencialismo pela primeira vez. E, por fim, como se sabe, organizou-se

  • tambmdeformaoriginalumEstadofederal.Em1791 foramaprovadasasprimeirasdezemendasConstituionorte-

    americana, identificadas como Bill of Rights, prevendo uma srie de direitosindividuais clssicos. Tambm diferentemente do modelo ingls, a novaConstituioelaboradaseriadotadadesuperioridadehierrquicaeem1803,nocasoMarburyvs.Madison,aSupremaCorteafirmariaoPoderdoJudiciriodelevaracaboocontroledeconstitucionalidadedeleiseatosdoPoderPblico.

    Apesardaprecedncia inglesaenorte-americana,aRevoluoFrancesade1789acabousetransformandonosmbolomximodasrevoluesliberaisedoconstitucionalismo em seu esforo de extinguir o absolutismo e garantir,sobretudo, a primazia da legalidade e da igualdade formal (a despeito doconhecido lema incluir tambma fraternidade).Diferentementeda experincianorte-americana, a Frana, embora tenha tido um curto perodo republicano,adotouomodelodasmonarquiasconstitucionais,emversesdiversas,pormeiode vrias Constituies, isto :monarquias limitadas pela Constituio e peloparlamento.Naconcepofrancesa,ecomosediscutiunapartesobrecontrolede constitucionalidade, no cabia ao Judicirio um papel especfico nessecontrole, sendo vedada inclusive a possibilidade de juzes declararem ainvalidadedeleis.

    Documento fundamental da histria constitucional francesa e doconstitucionalismoemgeralaDeclaraodeDireitosdoHomemedoCidadode1789,consideradaathojeparteintegrantedoblocodeconstitucionalidadenaFrana.AlmdegarantirosdireitoseliberdadesclssicosemfacedoEstado,aDeclarao faz algumas assertivas que se tornaram tradicionais para oconstitucionalismo. O art. 3 prev O princpio de toda a soberania reside,essencialmente,nanao.Nenhumaoperao,nenhum indivduopodeexercerautoridadequedelanoemaneexpressamente.Arefernciaideiadopoderconstituinteoriginrioque,quelaaltura,foiidentificadocomanao.

    Emborao entendimentodemocrticohoje seja o dequeo titular dopoderconstituinte originrio o povo, e no uma ideia difusa de nao, a distinoentre poder constituinte e poder constitudo registrada de forma clara nessedispositivo. Essa noo complementada pelos arts. 12 e 15, que dispem,respectivamente:Agarantiadosdireitosdohomemedocidadonecessitadeumaforapblica.Estafora,pois,institudaparafruioportodos,enoparautilidadeparticulardaquelesaquemconfiadaeAsociedadetemodireitodepedircontasatodoagentepblicopelasuaadministrao.

    Tambmoart.16tornou-sebastantetradicionalaoprever:AsociedadeemquenoestejaasseguradaagarantiadosdireitosnemestabelecidaaseparaodospoderesnotemConstituio.Trata-sedaidentificaodoscontedosquese consideram materialmente constitucionais e dos propsitos centrais da

  • Constituio:organizarelimitaraaoestataltantopelaprevisodaseparaodosPoderesquantoporforadagarantiadedireitos.Aolongodotempo,outrospropsitos foram sendo agregados ao texto constitucional, sem,porm,queosprimeirostenhamperdidosuacentralidade.

    AolongodosculoXIX,novosmovimentosderevoluesliberaistiveramlugar na Europa, em geral agrupados, para fins didticos, em trs grandesmomentos:1820,1830e1848.EmPortugal,achamadaRevoluoLiberaldoPorto, em 1820, teve repercusses importantes para o Brasil. Em todos essesmovimentos,aadoodeConstituiesfoiumdosmecanismosutilizadosparapromoveralimitaodopoderdasmonarquiaseagarantiadedireitos.

    Osmovimentos socialistasecomunistasdo fimdosculoXIXe inciodosculoXX,apesardacrticaaodireitocomoelementodedominaointegrantedasuperestrutura,nodeixaram,porisso,devaler-sedeConstituies.apartirdessemomento,inclusive,quedireitostrabalhistasesociaissoincorporadosemdiversas Constituies como a Constituio Mexicana de 1917 e aConstituiodeWeimarde1919,assimcomodisposiessobrearegulaodaordemeconmicaedaordemsocial.MesmoosEstadosqueadotaramsistemasintegralmente socialistas ou comunistas editaram tambm suas Constituies,refletindonelas,emalgumamedida,essaopoideolgica.

    O constitucionalismo prosseguiu em suas experincias ao longo do sculoXX, particularmente no contexto dos movimentos de descolonizao noscontinentesafricanoeasitico:ospasesagoraindependentesprocuramelaborarConstituiespararefundaroEstadoquepretendemorganizar.Namesmalinha,ospasesdoLesteEuropeu,apsofimdaUnioSovitica,procuraramrecriarseus Estados por meio de Constituies. O mesmo foi feito por pases quedeixavampara trsperodosdeditadura,comoaconteceunaAmricaLatinaenaPennsulaIbrica.

    A adoo de Constituies tm sido, ao longo dos ltimos sculos, umaprticaamplamenteadotadaenaqualospovosdepositamgrandesesperanas.Feitoessebreve registro sobreoconstitucionalismo,cabeagoraexaminaressedocumento,afinal,eseussentidosepossibilidades:aConstituio.

    1.3CONSTITUIOECLASSIFICAES

    Oque,afinal,umaConstituio?Comoqualquerfenmeno,eaindamaishumano, possvel observ-la sob mltiplas perspectivas e seu conjunto. Ascrticas que lhe so mais comumente dirigidas fornecem uma melhorcompreensodoqueaConstituio.

    Uma primeira perspectiva, com a qual os operadores do Direito estonaturalmente familiarizados, a perspectiva jurdica pura. A Constituio ,

  • assim, uma norma jurdica e, para amaior parte dos sistemas, norma jurdicadotadadesuperioridadehierrquicaemrelaosdemais.ParaHansKelsen,aConstituio define quem elabora as normas e como elas vo ser elaboradas,constituindo,assim,opontodepartidaedevalidadedetodoosistemajurdico.Comoseveradiante,aolongodotempoosignificadodesernormajurdicaeas consequncias dessa premissa em relao Constituio variaramconsideravelmente.

    UmacrticaconcepojurdicadaConstituiosuanaturezapuramenteformal, sobretudo na concepo de Kelsen, muitas vezes identificada comopositivismojurdico.AoafirmarqueaConstituioanormasuperiorquecriaas normas e define como elas podem ser elaboradas do ponto de vistaprocedimentalporexemplo:asespcieslegislativasesuascompetncias,bemcomoo processo legislativo , o conceito nada diz acerca do contedo dessasnormas,nemlhesimpequalquerlimiteemparticular.Assim,porexemplo,umanormaelaboradapela autoridade competente ede acordocomoprocedimentoprevistoconstitucionalmentepoderia,arigor,terqualquercontedo,inclusiveosmaisbrbarospossveis,comoahistriacomprovou.

    O fim da SegundaGuerraMundial apresentou humanidade um prato dedifcil digesto: a banalidade e a proximidade domal8, cuja ingestoproduziuefeitos variados nas diferentes reas do conhecimento humano.No direito emgeral,enoconstitucionalemparticular,esseseventosrepresentaramopicedoprocessodesuperaodopositivismojurdico,quehaviasetornadodominantenasprimeirasdcadasdosculo,eoretornoideiadevalores9.OreflexomaisvisveldessesefeitosnasConstituies,novasoureformadas,foia introduo,nostextos,declusulasjuridicamenteobrigatriasparatodaequalquermaioriadeplanto, veiculandode forma expressa a decisopoltica do constituinte (i)por determinados valores fundamentais orientadores da organizao poltica e(ii),emmaioroumenorextenso,porcertoslimites,formaseobjetivosdirigidos atuaopoltica do novoEstado, coma finalidade de promover a realizaodessesvalores.

    Nocontextodacrticaaessaconcepopositivista,umasegundaperspectivaacerca da Constituio se apresenta, de natureza filosfica ou material, queidentificacomoConstituiodeterminadoscontedosespecficos,consideradosvaliosos.Isto:paraalmdocarterpuramenteformaldotextoconstitucional,essa concepo sustenta que, para que se possa falar de Constituio, indispensvelqueestejapresenteumcontedotico-moralmnimo.Nessecaso,fala-se de trs elementos mnimos constitucionais: direitos fundamentais,separao de Poderes e organizao/limitao do exerccio do poder poltico.Isto:sealgoquesedenominaConstituionotemessescontedos,seroutracoisa,masnoConstituio.

  • possvel cogitar uma crtica a esse conceito filosfico/material daConstituio considerando os contornos especficos de cada um desses trselementos,porexemplo,eadificuldadedeseestabelecerconsensoacercadeles,sobretudo em sociedades plurais como as contemporneas.Assim, afirmar emtese que a garantia de direitos fundamentais e a separao de Poderes socontedos constitucionais mnimos e obrigatrios pode no encontrar maioroposio no ocidente, por exemplo,mas nomomento de detalhar que direitosespecficos e que modelo de separao de Poderes sero definidos, asdivergnciasnaturalmentesurgiro.

    Outras perspectivas tero uma viso bastante crtica, tanto da concepojurdica, quanto da concepo filosfico/material da Constituio, a partir deuma perspectiva sociolgica e, portanto, descritiva. A primeira delas vaiponderar que a Constituio, documento escrito, , na realidade, apenas umafolhadepapel(aexpressodeFerdinandLassalle,umativistaetericoalemodo sculoXIX, em seu livroO que a Constituio?). As relaes de poderreaisexistentesnasociedadequedefinem,arigor,oquedefatoaconteceounoquedireitossogarantidosecomoopoderexercido,demodoqueaConstituio-documento,senoinformadaporessarealidadeounoareflete,ser apenas uma folha de papel semeficcia na prtica.Ou seja: haveria aquiuma distino entre uma espcie de Constituio real as relaes de poderexistentes que determinam o que efetivamente acontece e a Constituio-documento,folhadepapel.

    Alguns exemplos ilustram a distino que essa perspectiva traz tona.Vrias Constituies pelo mundo afora inclusive a brasileira de 1824 garantiamaigualdade,masconviviamcomaescravido;garantiamaliberdadedeexpresso,masa censura era rotineira; asseguravamuma sriedegarantiaspenaisede integridade fsica,aomesmo tempoemquea torturaerapraticadacomo rotina. A desconexo entre a Constituio real e o documento aparecebastante evidente nesses casos. Essa concepo sociolgica, independente daadesoaela,pontuaumacrtica importanteacercada idealizaoem tornodaConstituio,comoseelafosseuminstrumentoque,porsuasimplesexistncia,poderiatudoeseriacapazdetransformarmagicamenteasrelaesexistentesnasociedade.

    OutraperspectivaacercadaConstituio, tambmdenatureza sociolgica,podeseridentificadacomoumaconcepopredominantementepoltica.OautormaiscomumenteidentificadocomessavisoCarlSchmitt(1888-1985).Paraessaperspectiva,asubstnciadaConstituionosoasnormasconstantesdeumdocumento,masasdecisespolticas tomadaspelogovernodospasesemcadamomentohistrico.Nessesentido,aConstituioseriatambmumpedaodepapelque,casonofossecompatvelcomasaspiraesdopoderpolticoe

  • dogrupoquecontroleopoder,seriaalteradaporele.AConstituio,portanto,seriaumdadoessencialmentepoltico:quemest

    no poder que tomar as decises acerca do que a Constituio realmente.Nessesentido,aConstituionoaquiloqueestnopapel:elaumconjuntodas decises do poder poltico tomadas no presente, e no no passado.Vale oregistro de que Carl Schmitt enfatizava o papel do Poder Executivo nessecontextoenadecisodosconflitospolticosexistentes,emoposiovisodeHans Kelsen, que propunha que deveria caber a um outro rgo a CorteConstitucionalasoluodessastenses.

    Cadaumadessas concepesdeve ser compreendidanocontextohistricoemqueseusautoresadesenvolveram,pornatural,maselasdestacamaspectosda realidade que continuam importantes. Lassalle, como referido, viveu nafrustrao do ps-revolues liberais, perodo em que as grandes promessasrevolucionriassemostraramfrustradasparaboapartedapopulaoeascrticasmarxistasaodireitoproliferavam.AvisodeCarlSchmittseinserenoperodode certo caos social sob a Constituio de Weimar na Alemanha e decrescimento do nazismo. Ambos apontam, de todo modo, para os limites daConstituionasuacapacidadedetransformarasrealidadessociaiselidarcommomentosdecrisepoltica.

    Outra concepo da Constituio que vale mencionar, por fim, foi adefendidaporoutrojuristaalemo,KonradHesse,quefoi,de1975a1987,juizdo Tribunal Constitucional Alemo. Em famoso texto, cujo ttulo A foranormativa da Constituio, Hesse incorpora as crticas sociolgicas antesmencionadas e reconhece os limites da Constituio, destacando que, nadaobstante,ela temtambmpotencialidadesdepromover transformaes.Assim,embora de fato haja um condicionamento recproco entre a realidade e aConstituio,estatemalgumacapacidadedeproduzirefeitosealteraromundoreal. Trata-se, portanto, de uma concepo normativa, mas que incorpora acomplexidade das relaes nas quais a Constituio est inevitavelmenteinserida.

    Atporque,eesseumpontoimportante,umanormasempredescreveumdever ser, alm de atuar no campo da liberdade humana. Se jamais um serhumanohouvessematadooutro,provavelmenteanormaquevedaohomicdionoserianecessria.Namesmalinha,nohnecessidadedenormaparapreveraquilo que no pode ser diferente do que . A Constituio, portanto, nodescrevearealidadecomo,mascomoeladeveser.Averdade,porm,queosimples texto daConstituio no capaz, por si, de alterar a realidade: umasrie de outros atos e decises tero de ser tomados para esse fim. Por outrolado,existeumlimitemximoentreessedeversereoserque,seultrapassado,podetransformaraConstituioemumapeasemcapacidadedesecomunicar

  • com o mundo real. Algumas classificaes das Constituies, discutidas nasequncia,votentarcaptaressasdistines.

    As diferentes concepes acerca da Constituio mencionadasanteriormente, s vezes de forma um tanto radical e unilateral, procuram darnfase a um aspecto da realidade constitucional: cada autor olha o mundo edestacaoque,emsuaprpriaviso,maisimportante.Aconcepoquedestacaa fora normativa da Constituio tem sido amplamente adotada no ambientejurdico brasileiro nas ltimas dcadas, mas isso no significa que as outrasvisesnosejamteis,justamenteporenfatizaraspectosrelevantesdasrelaesque a Constituio trava, necessariamente, com mltiplos contextos que aenvolvemequenodevemserignorados.

    Apresentadas algumas das principais concepes acerca da Constituio,cabeagorasistematizarasclassificaesmaiscomumenteutilizadasacercadasConstituies.Cadaumadelasadotaparmetrosdiferentesdeclassificao,demodoque sero apresentadas emuma sequncia embora tenhamentre si certaautonomia.

    AprimeiraclassificaopropostaporKarlLowensteineprocuradescreverasConstituiesemfunodesuarelaonormativacomarealidade.Paraisso,o autor identifica trs grandes categorias: as Constituies normativas,semnticas ou nominais. Antes de expor essa classificao, porm, fundamentalaprofundaranoodeConstituiocomonorma,nalinhadoqueseanunciouanteriormente.

    Nos primeiros tpicos deste captulo discutiu-se brevemente a noo denormajurdicaesuavinculao,deformasimples,comaideiadesanooudealgum tipo de consequncia capaz de garantir o que seus comandos preveem,casoodestinatriododeverdescritonanormanooobservevoluntariamente.Ao longo dos sculos XVIII, XIX e de boa parte do sculo XX, porm, aafirmaodeque aConstituio eraumanorma jurdicano atraa a assertivaqueseacabadefazeracercadasnormasjurdicasemgeral.AConstituioatpoderia ser descrita comoumanorma,mas no funcionava comoumanorma:comrarasexceescomonocasodohabeascorpusquetutelavaaviolaoliberdadedeirevirnohaviaqualquermeiocapazdeimporaobservnciadasnormas constitucionais caso descumpridas por seus destinatrios, que eram,inicialmente,apenasoprprioEstado,emparticularoLegislativoeoExecutivo.

    Essaquestoserdiscutidacommaisdetalhesadiante,quandosetratardascaractersticasparticularesdasnormasconstitucionais,masvaledesdelogoesseregistro deque asConstituies elaboradas ao longodo sculoXIXeduranteboapartedosculoXXnoBrasil,at1988eramconsideradasdocumentosde contedo sobretudo poltico, cujos destinatrios eram o Executivo e oLegislativo basicamente, cabendo a esses rgos desenvolver (ou no) as

  • disposiesconstitucionaiscomolhesparecessemelhor.Ouseja:aConstituioeradescritacomonorma,massuasdisposiesno

    tinham contedo normativo no sentido tcnico da expresso; no serviam defundamentoparaoPoderJudiciriotomardeciseseimporcondutasaoEstado,ao menos no como regra geral. Interessantemente, com a incorporao dedireitos trabalhistas a muitas Constituies, esses dispositivos cujosdestinatrios eram empregadores, agentes privados portanto, e no o Estado passaramatercontedonormativoeaseremexigidosjudicialmente.Omesmo,porm,novaliaparaorestantedocontedoconstitucional.

    importantedestacarqueaquestodocontedonormativodaConstituiosemescla com duas outras damaior sensibilidade: o debate sobrequem fariaessaespciedecontroleeoestabelecimentodoslimitesdessecontroleluzdascompetncias do Executivo e do Legislativo de fazer escolhas, no mbito dopluralismopoltico, sobre temas acercadosquais aConstituio trata.Ditodeoutromodo,quemteriacompetnciaparaimporaoExecutivoeaoJudicirioocumprimento de normas constitucionais e a quem caberia definir o que aConstituioafinalexigeeoquecabeaoExecutivoeaoLegislativodecidir?

    Os Estados Unidos fizeram, ainda no incio do sculo XIX, a opo deatribuir esse Poder ao Judicirio, por meio do sistema difuso e incidental decontrole de constitucionalidade. Por razes histricas e polticas prprias, essano foi a opo da Europa continental, que apenas no incio do sculo XXdecidiucriarrgosespecficososTribunaisconstitucionaisparalidarcomocontroledeconstitucionalidadede leiseatosdoPoderPblico.Aquestoserexaminadanapartedecontroledeconstitucionalidade.

    Narealidadebrasileira,odebate tericoemtornodaefetivanormatividadedaConstituiosurgenofinaldadcadade1960einciodadcadade1970eencontradesenvolvimentoeaplicaoefetivacomaConstituiode1988.Atento, o centro do sistema jurdico brasileiro era, sobretudo, o Cdigo Civil.Hoje, adequado afirmar, noBrasil, que a Constituio norma jurdica noapenasdopontodevistaretrico,mascomnormatividadeprpria,almdeserdotada de superioridade hierrquica, repercutindo sobre a validade e ainterpretaodasdemaisnormasexistentesnosistema.

    Isso no significa, como se ver, que a construo da normatividade daConstituiosejasimples,ouqueoslimitesentreoqueconstitucionaleoquepolticoestejamsempreclaramentedefinidos,ouqueoPoderJudiciriotenhaacapacidaderealdeassegurarocumprimentodasnormasconstitucionaisnomundodosfatosporforaapenasdesuasdecises.Trata-sedeumaconstruoemandamento:aopontoseretornarvriasvezesaolongodestecurso.

    Feitoesse registro,cabeagoraexaminaraclassificaodasConstituiesproposta por Lowestein, que as organiza em trs categorias, como referido:

  • as Constituies normativas, semnticas e nominais. As ConstituiesnormativassoaquelasemqueexisteumaconexoentreoqueaConstituioprev e o que acontece realmente. No h 100% de cumprimento quedificilmenteseverifica,dequalquermodomashumacertacoernciaentreanormaeomundoreal.

    Um exemplo possvel na realidade brasileira envolve provavelmente aproteodaliberdadedeexpressoedeimprensa.AConstituioaassegurae,embora haja violaes, h um regime razovel de liberdade vigente. Essa aideia da constituio normativa: ela est sendo razoavelmente observada deformageral.Oautorusaametforadasroupasedoscorposqueelasvestem:aConstituionormativaaroupaquevesteonmerodocorpo.

    As Constituies nominais, por seu turno, so aquelas que estabelecemmetasmaisambiciosasdoqueaobservaodarealidade,pretendendo,comisso,conduzir a sociedade na realizao efetiva dessas metas. Na classificao deLowestein, uma Constituio ser considerada nominal se houver umcompromisso e um esforo real das autoridades em perseguir essas metas,mesmoqueelasestejamdistantes.Ametforaaquidaroupaqueumnmeromaior,masocorpoestemcrescimentoeespera-sequeumdia,nofuturo,eleseajusteaeladeformaadequada.

    Na realidade brasileira, as previses sobre a universalizao da educaobsica regular talvez possam ser descritas como um exemplo de Constituionominal. Houve, de fato, desde a edio da Constituio de 1988, umconsidervelesforopelauniversalizaodasmatrculas,oqueestprximodeseralcanado.Issonosignifica,verdade,queosresultadosesperadoscomoservioeducacionalpblicoestejamseproduzindocomodesejadonavidadosalunos,mas essa uma outra discusso a da qualidade da educao que,emboradamaiorrelevncia,nocabefazeraqui.Dopontodevistadoingressonaescola,porm,aexpansonosltimos25anosfoirealerelevante.

    Por fim, as Constituies chamadas semnticas so descritas pelo autorcomo disfarces, e no propriamente roupas: so mera retrica poltica semqualquer conexo com a realidade ou com o que se pretende que a realidadevenhaaser.ocaso,porexemplo,deConstituiesemEstadosditatoriaisqueassegurampluralismopolticoe liberdadedeexpresso,quandona realidadeaperseguio poltica, a censura e a vedao oposio so as prticasinstitucionais.Emvriospontos,asConstituiesbrasileirasde1937e1967/69seapresentavamcomoConstituiessemnticas.

    Uma segunda classificao damaior importncia a que classifica asConstituies em funode suaposiodehierrquica, dopontode vistatcnico-jurdico, em relao ao restante das normas. Trata-se de saber seumaConstituiorgidaouflexveleemquetermos.Explica-semelhor.

  • AsConstituiesflexveis,cadavezmaisraras,soaquelasquepodemseralteradas como qualquer lei ordinria do pas: sua relevncia e estabilidadedecorrem no da superioridade tcnico-jurdica, mas de elementos histricos,culturaisesociolgicosdeformamaisampla.AsConstituiesRgidas,porseuturno, so aquelas que demandam um procedimento mais complexo para suaalteraodoqueoprevistopelo sistema jurdicoparaaelaboraoealteraodasdemaisnormasdosistemajurdico.

    Nocasobrasileiro,nostermosdoart.60daConstituiode1988,almderegras diferenciadas acerca da iniciativa, emendas Constituio devem seraprovadaspormaioriadetrsquintosemquatrovotaes:duasnaCmaradosDeputadoseduasnoSenadoFederal.Almdisso,aConstituionopodeseremendadaemdeterminadosmomentosealgunstemasaschamadasclusulasptreas no podem sofrer alterao que tenda a aboli-las. Existem muitasoutras formasemodalidadesde rigidezconstitucionaladotadapelospases,demodoqueosistemabrasileiroatualapenasumexemplo.

    Lembre-se que umaConstituio rgida no precisa, para isso, contar comclusulasptreas.Oque caracteriza a rigidez constitucional a adoodeumprocedimento mais complexo do que o ordinrio para alterao de seu texto.Clusulasdeimutabilidade,comoasptreas,soumaopoadicionaldequeopoderconstituinteoriginriopodeeventualmentesevaler.Almdisso,possveleessefoiocasodaConstituiobrasileirade1824adotarumaConstituioem parte rgida e em outra parte flexvel. Isto : um procedimento maiscomplexoexigidoparaalteraoapenasdedeterminadosdispositivos,masnode outros. igualmente possvel que uma mesma Constituio adote nveisdiversos de rigidez, dependendo do assunto tratado. Enfim, as frmulas ecombinaespossveissomuitonumerosas.

    Note-se, por fim, que a rigidez constitucional um pressuposto lgico docontroledeconstitucionalidade,masnooimpeporsis.Assim,paraquehajacontroledeconstitucionalidade,necessrioqueaConstituiosejargida,masoutras decises polticas de cada pas precisaro ser tomadas para atribuir aoJudicirioacompetnciadedeclararinconstitucionaisatosdosoutrosPoderes.

    Constituies escritas e Constituies costumeiras. Embora o maiscomumsejaqueasConstituiessejamescritas,possvelidentificarexemplosde normas consideradas constitucionais que decorrem no de uma previsoescrita,masdocostumeoudatradio.NoBrasil,porexemplo,decorredeumcostumeconstitucionalenodequalquerprevisoexpressaanecessidadedaexpediodeumdecretopresidencialparapromulgarodecreto legislativoporfora do qual o Congresso Nacional aprova e internaliza determinado tratadointernacional. E, do mesmo modo, a prtica de o Vice-Presidente assumir aPresidncia em viagens do Presidente no conta com qualquer previso

  • constitucionalespecfica,sendofrutodeumatradionacional.DocumentosnicosouVriosdocumentos.ConsideradasasConstituies

    escritas,halgumasquesocompostasporapenasumdocumentocomoocaso da norte-americana ou por vrios documentos.Na histria inglesa, porexemplo,vriosdocumentos,editadosaolongodotempoeindependentesentresi, so considerados normas de natureza constitucionais (como, e.g., oBill ofRightseoBillofParliament).Omesmoaconteceemalgunspasesnrdicose,arigor,tambmhojenoBrasil.

    Com a EC n 45/04, tratados internacionais aprovados pelo mesmoprocedimento das emendas constitucionais passaram a ter o status de normaconstitucional.AConvenosobreosDireitosdasPessoascomDeficinciafoiinternalizadanoBrasilem2009deacordocomessanovaregra,demodoque,hoje, norma constitucional, mas no consta do mesmo documento que aConstituiode1988.

    Promulgadas ou Outorgadas. Afirma-se que as Constituies sopromulgadasquandoforamdiscutidaseelaboradasporumaassembleiaeleitadeformarazoavelmentedemocrtica,aopassoqueasConstituiesoutorgadassoaquelas elaboradas por uma autoridade, ou um comit por ela nomeado, eimposta sociedade. Ou seja: a expresso outorgada comunica certoautoritarismo na elaborao da Constituio, ao passo que aexpresso promulgada comunica que houve um processo de elaborao comparticipaopopularmaior.

    SintticasouConcisas eProlixasouAnalticas.Umaoutra classificaofrequentementeutilizadaprocuraordenarasConstituiesemsintticas/concisas como a norte-americana e prolixas ou analticas, como a brasileira e aindiana.Essadistinosepreocupacomotamanhodostextos,aquantidadeeodetalhamento de suas normas e temas que ela disciplina. natural queConstituiesprolixasouanalticassejammaisemendadasaolongodotempo,jquetratamdemaisassuntose,portanto,paramodific-lasprecisoalterarotextoconstitucional.

    Existem diferentes vises acerca das vantagens e desvantagens deConstituies concisas ou analticas, havendo prs e contras em ambos osmodelos. O exemplo clssico norte-americano de Constituio conciso revelasuacapacidadederesistiraotempo:poroutrolado,certoqueacabaporcaberaoJudiciriodefinirmuitodeseusentido.Assim,sobamesmaConstituio,osEstados Unidos tiveram vrios regimes diversos, por exemplo, em relao questoracial.Poroutrolado,umaConstituioextremamenteanaltica,comoabrasileira, acaba por tratar de temas da rotina poltica, que claramente no serelacionamcomdecisesfundamentaisdaestruturadoEstado.

    Ideolgicas e Compromissrias. Ainda uma classificao importante

  • distingueasConstituiesentreideolgicasecompromissrias,tendoemcontaa fidelidade e coerncia do texto a uma nica concepo ideolgica ou existncia de mltiplos compromissos ao longo do texto entre concepesdiversas.Asconstituiesideolgicassoaquelaselaboradasnumcontextoemque o rgo elaborador socialmente homogneo como era o caso dosprimeirosparlamentosnosquaisapenasaelitetinhaassento,porforadasregraseleitorais,ouideologicamentehomogneo,nocasoderegimesautoritriosoudepartidonico,comofoioexemplodospasessocialistasecomunistas.

    Por outro lado, as Constituies sero inevitavelmente compromissriasquandoelaboradasnombitodesociedadespluraisnasquaishajaliberdadedeexpresso e o rgo que as elabora reflita essa diversidade. Com efeito, emsociedades democrticas em que h pluralidade e nas quais esses diferentesgruposestorepresentadosnaassembleianacionalconstituintequevaielaboraressa Constituio, inevitvel que o texto seja resultado de mltiploscompromissos.ocasodaConstituiode1988edetantasoutraspelomundoafora.

    Assim,aoladodealgunsconsensosbsicos,aConstituioseroresultadoda acomodao e negociao entre mltiplas vises de mundo. Esse cartercompromissrio das Constituies contemporneas ter uma consequnciaimportante para a interpretao constitucional, como discutido na parteespecfica sobre o tema: trata-se da necessidade de o intrprete garantir aunidade da Constituio e a concordncia prtica entre suas vrias normas e,paraisso,eventualmente,serprecisoutilizaratcnicadaponderao.

    Apresentados alguns conceitos bsicos acerca do chamadoconstitucionalismo e da Constituio propriamente, cabe agora integrar essedebatenadiscussomaisamplasobreoDireitoesobreaJustia.

    1.4DIREITO,JUSTIAECONSTITUIO

    Comoreferidoanteriormente,umdossentidosemqueaexpressodireitoempregada como um adjetivo, para descrever uma qualidade de algo umacondutaou,noqueaqui interessamaisdiretamente,umanormacomo justa,corretaouadequada.Nessaadjetivaoreside,pornatural,umaavaliaomoralacercadocontedodanormaquesuscitaoupodesuscitaralgumasquestes.Emprimeiro lugar, e como se viu, a norma jurdica impe comportamentos quepodemserexigidospormeiodoaparatoestatale,portanto,nosoemgeraldeobservncia facultativa. Se o indivduo considera a norma injusta, estaria eleobrigadoaobedec-la?Oquetornaodireitolegtimo,afinal?Ou,ditodeoutraforma, por quais razes deveramos obedecer s normas jurdicas? Poderia oindivduo questionar a norma de algum modo e negar-se a obedec-la? Em

  • segundo lugar, o tema traz tona o problema, complexo, acerca de qual oparmetro a ser utilizado para aferir o que uma lei justa ou injusta, comoapontadoantes.Inicie-sepelaprimeiraquesto.

    A tensoentrea submissodo indivduoaumanorma injustaeditadapelaautoridadeeapossibilidadeounodeeleseinsurgircontraelaregistradaaomenosdesdea literatura judaicaegregaantiga.Nesteponto,o temadanormainjustaseaproximadaideiamedoconstitucionalismo,discutidaanteriormente,de normas consideradas superiores a outras. Como referido, os profetas noAntigo Testamento confrontam o desrespeito das decises dos monarcas emcontraste com a legislao mosaica, considerada o padro superior que elasdeveriamobservar.NomitodeAntgona,poroutro lado,apersonagemdecidedesobedecer norma da cidade (no caso, a ordem editada por Creonte), quedeterminava que o corpo de um de seus irmos no poderia ser enterrado,devendo ser deixado a esmo: Antgona decide desafiar a norma posta paraatenderacomandoqueconsiderasuperioreenterrarseuirmocomobservnciados ritos sagrados. Os dilogos em torno da morte de Scrates refletemdiscusso similar, salvo que naquele caso o filsofo teria consideradomelhorsubmeter-se norma da cidade (e no fugir, por exemplo), a despeito de suainjustiaintrnseca.

    Muitossculosdepois,asrevoluesliberaisfundamentaram-setambmnaexistncia de um conjunto de normas superior direitos como a garantia daigualdade e da liberdade individuais, por exemplo que estaria sendovioladopelas normas estatais: estas, portanto, no mereciam obedincia, e elas e oprprioEstadoqueaseditavaemantinhadeveriamsersubvertidos.Essamesmaideiacontinuasubjacenteaosdebatessobredireitoshumanos,sobretudoquando,noplanointernacional,seexamina,porexemplo,aadequaodedeterminadosordenamentos jurdicos nacionais s exigncias dos direitos humanosreconhecidosemdocumentosinternacionais.

    Defato,edopontodevistahistrico,omais frequentequeaautoridadeque emite a norma injusta dificilmente concordar, digamos, com adesobedinciaaessamesmanorma.Osquemanifestamsuadiscordnciaforame continuam a ser perseguidos porEstados autoritrios emgeral.A discusso,portanto,particularmenteemregimesautoritrios,nosednecessariamentenointeriordaordemjurdicadoEstadoondeseverificaaleiinjustapropriamente,masnoplanofilosficoepoltico.MasoquedizerdosEstadosdemocrticos?Aquesto da lei injusta estaria superada no contexto da democracia?A respostanotosingela.

    verdade que,mais recentemente, Estados democrticos tm incorporadoem suas Constituies princpios consagrando, por exemplo, a justia, aigualdade e a liberdade. Assim, se tais Constituies forem consideradas

  • hierarquicamente superiores s demais normas (rgidas), e se houver algummecanismode controle de constitucionalidadedas leis, comalguma facilidadeuma lei considerada gravemente injusta editada por esses Estados poder serdescrita como inconstitucionalporviolar algumdessescomandos: aoponto sevoltaradiante.

    Asegundaquesto,envolvendoqualouquaisosparmetrosafinaldefinemseumanormajustaouinjusta,corretaouincorreta,maiscomplexajquesecomunicaemalgumamedidacomametafsica.Eissoporqueotemapassapelarespostasperguntas:Oquecertoeoqueerrado?Oquejustoouinjusto?Eseaspessoasdiscordaremacercada respostaa talpergunta,quemadefine?Caberiamaioriadefiniroquecertooujusto?Masamaiorianopoderestarerrada? E, nesse caso, como sabemos que ela est errada?Qual o parmetro?Cadaumpodeterseuprprioconceitodoquejustoouinjustoelevaracabosuaprpriaavaliaodasnormasjurdicasparaofimdeobedec-lasouno?

    Durantemuitossculos,osparmetrosutilizadospelassociedadesparaessaavaliaotinhamorigemefundamentometafsico,isto,umaautoridademoralsuperior (a divindade) e sua vontade eramo parmetro para essa avaliao.Apredominnciadacomunidadesobreoindivduominimizavavozesdivergenteseamaiorhomogeneidadeculturaldosgrupossociaiscontribuaparaminimizarosconflitosacercadessaquesto.

    Esse quadro, porm, mudou significativamente nos ltimos sculos noocidente. A secularizao das sociedades ocidentais, associada progressivaproteodo indivduoe tambmrealidadedopluralismotornaramo temadalei justamaisdifcil.Ouseja: a religiodeixoude serumdadocompartilhadopelacomunidadeeumafontesocialdeautoridadenamatria.Simultaneamente,oindivduoassumiuacentralidadenoapenasdopontodevistaexistencial,mastambmdopontodevistafilosfico,alimentandoorelativismomoral.

    Assim,umavezquenohumparmetrosuperiorquepossadefinirojusto/injusto, certo/errado, cada indivduo constri suas prprias concepes namatria.Almdisso,osindivduoscadavezmaistmdiferentesvisespolticas,filosficas, religiosas, ideolgicas; eles esto emposies sociais, econmicas,tnicas, culturais diversas e tm interesses diferentes: os pluralismos em suasvariadasformas.Nosurpreendente,portanto,queasconcepesconstrudaspelosindivduosegruposacercadajustiapossamser,efrequentementesejam,diversas.

    Nessecontexto,adificuldadeacercadodebateemtornodaleiinjustajnemsecolocaemfacedoeventualdspotaoutiranoquepretendeimporumanormacontraaqualacomunidadeseinsurgemajoritariamenteporconsider-lainjusta.Aquestoprvia:comodefiniroqueounoumaleiinjusta?Pareceevidenteque no poder caber ao juzo de cada indivduo decidir que norma pretende

  • obedecerporconsider-lajusta,sobpenadeaconvivnciaemcomunidadeficar gravemente prejudicada. Basta imaginar (ou lembrar) que se coubesse acada motorista decidir se e quando parar no sinal vermelho, o trnsito seriapoucovivel.Poroutrolado,qualquernormapelosimplesfatodecontarcomorespaldoestatalseriaporissojusta?

    Algumas ideias foram desenvolvidas ao longo do tempo para tentar lidarcom essa dificuldade. Elas sero resumidas, de forma muitssimo singela, nasequncia. A concepo clssica acerca da matria envolvia e envolve, comoreferido, a confronto das leis com parmetros normativos consideradossuperioresparmetrosdejustia,correofrequentementeidentificadospelaexpresso geral de direito natural. At determinado momento histrico, essesparmetros estiveramvinculados principalmente realidademetafsica,mas, apartir do sculo XVII, sobretudo, desenvolveram-se tambm concepes noreligiosas do direito natural, que extraam/extraem seu fundamento, e.g., darazo humana e de valores compartilhados pela humanidade, substituindo ovnculocomadivindadeporesseselementosseculares.

    Essaconcepo,queapresentamltiplosdesenvolvimentosevariedadesqueno sero examinadas aqui, em geral denominada de jusnaturalismo, e suacaractersticaprincipal adefesada tesedequeexistemvaloresantecedentes,parmetrosde justia superiores quiloqueoshomens criama cadamomentocomo leis, e que essas leis devem obedecer a esses parmetros. Como fcilperceber, e j se mencionou anteriormente, a concepo jusnaturalista exigealguma espcie de acordo acerca do contedo desses valores e parmetros dejustia, e o debate acerca desses pontos se tornou especialmente difcil nosltimossculos.

    Uma segunda ideia que se desenvolveu no contexto do que se est aqui aexaminar comumente denominada de juspositivismo. De certa forma, ojuspositivismoserelacionacomademocratizaodassociedadesocidentaisaolongodosculoXIXecomaexpansocapitalista.Suatesecentraladequeodireito corresponde ao direito positivo, isto , quele conjunto de normaselaborado pelos homens em cada momento histrico, e no a parmetrosnormativosuniversaiseimutveisdeorigemmetafsicaoucomfundamentonarazohumana.Paraojuspositivismo,odireito,sobretudo,umfenmenoaserdescrito,noavaliadodopontodevistamoral,ecorrespondeaoprodutodaaohumana. O positivismo pretendia, assim, limitar a influncia da moralidade(religiosaoudequalqueroutrafonte)sobreodireito,segregandoosdoistemas:moralidadeedireito.

    Para muitos juspositivistas, a discusso acerca da lei justa ou injusta atpoderia ser relevante,mas no propriamente para o direito, e sim para outroscampos, comoa filosofia e apoltica.Aodireito, cabia estudar avalidadedas

  • normas a partir de parmetros formais isto : se ela foi elaborada pelasautoridades competentes e de acordo com os procedimentos exigidos para aelaboraodeumanormajurdicaporaquelesistemaenoemfunodeseucontedo.Moralidadeedireitoseriamreinosdistintosea investigaojurdicanoseenvolveriapropriamentecomocontedodasnormaseditadas.

    OfimdosculoXIXeasprimeirasdcadasdosculoXXexperimentaramogrande apogeu do juspositivismo, sendo sempre lembrada a figura de HansKelsen e de sua obra clssica A Teoria Pura do Direito. Mas as dcadasseguintes seriam de grande reviravolta na matria e imporiam uma reflexosobreaseparaoentredireitoemoralpropostapelojuspositivismo.Oshorroresda SegundaGuerraMundial e os julgamentos dos criminosos nazistas que seseguiramaelasuscitaramquestesdedifcilsoluo.

    Comolidar,porexemplo,comoargumentodevriosoficiaisnazistasdequeestavam apenas cumprindo as normas em vigor, quando o contedo dessasnormasdeterminavaaexecuoemmassademilhesdepessoas?Essaspessoaseramculpadasedeveriamserpunidasouno?Esedeviamserpunidas,combase em que normas prvias essa punio seria aplicvel? Do ponto de vistahistrico, como se sabe, o argumento no foi aceito para afastar aresponsabilidadedoscriminososnazistas.Mascomoadiscussosobreodireitoreagiriaaesseturbilhodeeventos?

    De fato, o ps-Segunda Guerra conduziu o debate por outros caminhos eapenas dois sero mencionados aqui. O primeiro deles envolveu areaproximao do direito com os valores e com a moral, a chamada viradakantiana, em uma referncia a Immanuel Kant. Essa reaproximao assumiumuitasformas,tantonoplanointernacionalquantonoplanointernodosEstados,e uma delas envolveu a incorporao desses valores em normas jurdicasconsideradassuperioresasConstituies,emgeralsobaformadeprincpios.Assim, asConstituies em diversos pases passaram a incluir em seus textosprincpios gerais como dignidade humana, igualdade, liberdade, justia social,solidariedade, razoabilidade etc., ao lado da consagrao da democracia comoregimedegoverno.

    Essesprincpios,aliadossuperioridadehierrquicadaConstituioemfacedas demais normas e possibilidade de controle de constitucionalidade,passaramafuncionarcomolimitesmateriaisaocontedodasleisemgeral.Nalinhadoquejsereferiu,umanormagravementeinjusta,nessecontexto,poderfacilmente ser descrita como norma inconstitucional. Ou seja: a questo dajustia ou injustia do direito acabou sendo transferida para dentro do prpriosistema jurdico, por meio das Constituies e do controle deconstitucionalidade10.

    No Brasil, e por conta de nossas circunstncias histricas, essa

  • reaproximao entre direito e valores mediada pela Constituio deu-se maistardenotempo,apartirdaConstituiode1988.Comosever,aConstituiode1988incorporoudeformabastanteabrangenteprincpioscomfortecontedovalorativo,nalinhadoquejseexps,tantoporcontadocontextomaisgeralderetorno aos valores quanto, particularmente, em reao ao perodo ditatorialanteriorvividopeloPas.

    Um segundo caminho que se passou a percorrer aps a Segunda GuerraMundial para examinar o problema da lei justa ou legtima parte de umaperspectivaprocedimentalista.Apremissadessaconcepoadeque,emumasociedade plural como a contempornea, a formao de consensos materiaisacercadoquejustonoseriavivele,portanto,nohaveriaparmetroexternodisponvel para avaliar o contedo das normas. De outro lado, porm, asexigncias formuladaspelopositivismopara reconheceravalidadedasnormasjurdicas seriam excessivamente formais e insuficientes. A propostaprocedimentalistaenvolveagarantiadequeaelaboraodasnormasobedeaaum procedimento democrtico adequado que assegure a igualdade e aparticipao de todos. Uma vez percorrido esse procedimento, a lei afinalelaborada seria consequentemente justa (ou, ao menos, no injusta), noexatamenteporcontadeseucontedo,maspelasubmissoaoprocedimento11.

    Aquesto central, claro, envolve saber emque consiste exatamente esseprocedimento adequado e o que o qualificaria como tal. Como em todas asdemaisconcepesjmencionadas,diversosautorestratamdoassuntocomseusprpriosdetalhamentos,masemgeraloprocedimentoconsideradoadequado,semprejuzodoatendimentoaoutras exigncias,umavezque se reconheaatodas as pessoas igualdade e liberdade, alm de um mnimo de condiesmateriais que as permitam ser participantes reais desse processo de discussoacercadasnormasaseremeditadasnombitodoEstadoondevivem12.

    Essaprimeiraexignciadoprocedimento,comoseobserva,jincorporaumconjuntoimportantedeopesvalorativas:deumlado,aopopelademocraciae,deoutro,ocompromissocomadignidadehumanaeumconjuntodedireitosfundamentais.Assim,emboraosprocedimentalismosquestionemapossibilidadedeconsensosmorais,algunsdessesconsensos transformaram-seemexignciasdoprprioprocedimento.

    Boapartedospasesocidentaisprocurouadotaremseussistemas jurdicosas duas solues expostas simultaneamente: (i) Constituies rgidas queincorporamelementosvalorativossobaformadenormajurdicaconstitucionalassociadoaalgumsistemadecontroledeconstitucionalidade;e(ii)umregimedemocrtico de governo (o que incluir a elaborao de normas) nos quais segarante emalgumamedidaparticipaopoltica, igualdade e liberdadepara aspessoasemgeral.Cadapas,naturalmente, faz suasprpriasopesacercado

  • contedodesuaConstituio,queelementosvaloresseroounoincludos,emquemedidasuasnormaspodemounoseralteradasaolongodotempo,comoseorganizarocontroledeconstitucionalidadeequaisseroseusefeitospossveis.Essasquestesseroexaminadasnoscaptulosqueseseguem.

    1.5DIREITO,CONSTITUIOEDEMOCRACIA

    Um dos temas fundamentais para o direito constitucional contemporneoenvolveasrelaesentredireito,constituioedemocracia,valendofazerbrevemeno sobre elas aqui. Embora constituio e democracia se integrem nosmodeloscontemporneosdeEstado,comoreferido,existeentreelasumatensopermanente e inevitvel. E isso porque asConstituies rgidas aquelas queexigemumprocedimentomaiscomplexoparasuaalteraodoqueonecessriopara a elaborao de normas ordinrias pretendem impor limites ao dospoderesestataisconstitudos:sejamessespoderesocupadoseexercidosemumcontextoautoritrio,sejamelesdemocrticos.Dentreasaespossveisdessespoderes est, por evidente, a elaborao de normas jurdicas, de modo que aConstituio funciona como um limite ao que possvel criar em termos denormasjurdicasnombitodoEstado,mesmoquandoessasnormassocriadasdeacordocomprocedimentosdemocrticos.

    Adicionalmente, se o sistema constitucional previr a possibilidade de oJudiciriocontrolaraconstitucionalidadedosatosdosoutrosPoderesestataiscomoaconteceemparteconsiderveldomundohoje,issosignificaquecaberao Judicirio, como regra, interpretar e aplicar esses limites. O resultado docontrole de constitucionalidade por parte do Judicirio pode variar, embora omaiscomumqueele impeaqueoatodooutroPoderproduzaefeitos13.Emresumo: as Constituies impem limites s maiorias; o sentido e o alcancedesseslimitesdefinidopeloJudicirio,umrgoqueemgeralnoeleito;eaodefiniresseslimites,oJudicirio,dealgumaforma,impedequeasdecisesdos demais Poderes que em uma democracia so, como regra, eleitos produzamefeitos.

    Dois exemplos ilustram o ponto. Imagine-se que, em determinada eleiofederal,umpartidoapresentacomoumdospontosdo seuprogramapolticoaproposta de alterar a legislao penal para restringir a aplicao da pena deprisoapenasacrimescomempregodeviolncia,devendotodososdemaisserpunidospormeiodemultas,restrioadireitos(quenoaliberdadedeirevir)ouprestaodeservioscomunitrios.Imagine-sequeessepartidorecebeamplavotao popular, forma maioria no Congresso Nacional, alm de eleger oPresidentedaRepblica,eumaleinessesentidoaprovada.

    Imagine, porm, que na sequncia h uma impugnao no sentido da

  • inconstitucionalidade da tal lei e o Judicirio a declara inconstitucional,suspendendo sua eficcia. Imagine-se agora o mesmo exemplo apenas com aalteraodocontedodapropostadopartidoquevemasereleito:aproposta,agora,nosentidodeampliaraspenasdeprisoealocarmaisrecursosparaaconstruodenovospresdios.Opartidoobtmvotaoexpressiva,anovaleiaprovada, mas vem a ser declarada inconstitucional pelo Judicirio.Independentementedaopiniopolticaquesetenhaacercadequalquerdasduaspropostas, no h dvida de que a deciso judicial em qualquer das hiptesesestemclaratensocomoqueamaioriadecidiunamatria,dandoorigemaoqueseidentificacomodificuldadecontramajoritria.

    Muitos elementos procuram conciliar essa tenso, valendo enunciar trsdeles desde logo. Em primeiro lugar, a circunstncia de que a Constituioestabelecelimitesaoqueasmaioriaspodemdecidirnosignifica,porevidente,quenohajaespaolegtimoparadiferentesdecisescomonaturalemumambiente de pluralismo poltico e que todas elas sejam constitucionais. AConstituio, a pretexto de estabelecer limites, no ocupa todo o espao dapoltica nem retira das maiorias o poder de se autodeterminarem em cadamomentohistrico.Issosignifica,portanto,quenemtudocomoquesediscordapoliticamente,porisso,inconstitucional.Dificilmentehaverunanimidadeemumademocracia,demodoqueapenasnaturalquedeterminadasvisessejamvitoriosaseoutrasno.

    De outra parte, em segundo lugar, tambm certo que o conceito dedemocracia hoje mais complexo do que apenas aquilo que as maioriasdecidem, embora a decisomajoritria seja sempre um contedo essencial doconceito.Oargumento,portanto,odequedeterminadoslimitesimpostospelaConstituio funcionam a favor da democracia, e no contra ela. Esses doiselementos,na realidade, se interligampara identificarqueasConstituiesemEstadosdemocrticosdevemterduasfunesprincipais.

    Assim, compete a ela veicular consensos mnimos, to essenciais para adignidade das pessoas e para o funcionamento do prprio regime democrticoquenopodemserafetadospormaioriaspolticasocasionais(ouexigem,paraisso,umprocedimentoespecialmentecomplexo).Essesconsensoselementares,emborapossamvariaremfunodascircunstnciaspolticas,sociaisehistricasde cada pas14, envolvem a garantia de direitos fundamentais, a separao e aorganizao dos poderes constitudos15 e a fixao de determinados fins denaturezapolticaouvalorativa.Comefeito, seasmaioriaspudessemalterarasregras do prprio funcionamento democrtico e alijar de direitos grupos dasociedade,aprpriademocraciaseriasubvertida.

    Alm disso, cabe Constituio garantir o espao prprio do pluralismopoltico,assegurandoofuncionamentoadequadodosmecanismosdemocrticos.

  • Aparticipaopopular, osmeiosde comunicao social, a opiniopblica, asdemandasdosgruposdepressoedosmovimentossociaisimprimempolticaelegislaoumadinmicaprpriaeexigemrepresentatividadeelegitimidadecorrentedopoder.Humconjuntodedecisesquenopodemsersubtradasdosrgos eleitos pelo povo a cadamomento histrico.AConstituio no pode,nodeve,nemtemapretensodesuprimiradeliberaolegislativamajoritria.

    corretodizerqueessesdoiselementos,paraalmdodebateterico,foramrefletidospelasopesdodireitoconstitucionalpositivobrasileiro.Defato,naConstituio de 1988, determinadas decises polticas fundamentais doconstituinte originrio so intangveis (art. 60, 4) e nela se estabeleceu umprocedimento legislativoespecialparaaaprovaodeemendasconstitucionais(art.60).Deoutraparte,otextofazexpressaopopeloprincpiodemocrticoemajoritrio(art.1,caputepargrafonico),definecomoprincpiofundamentalopluralismopoltico(art.1,V)edistribuicompetnciaspelosrgosdoPoder(Ttulo IV, art. 44 e segs.). H um claro esforo de equilbrio entreconstitucionalismoedemocracia.

    Por fim, um terceiro elemento que procura equilibrar Constituio edemocraciadecorredacircunstnciadequeaprpriaConstituioquedefineofuncionamento dos diferentes aspectos desse sistema, sendo certo que aConstituiodecorre,elamesma,deumadecisotomadademocraticamenteporuma maioria. Alm disso, observados os limites e requisitos previstos pelaConstituio, asmaioriaspodem tambmalterar oprprio texto constitucionalpormeiodeemendas.

    1.6ENUNCIADONORMATIVOENORMA

    Jsemencionouqueaexpressodireito,porvezes,utilizadaparadesignaro chamado direito positivo, que nos sistemas romano-germnicos pode serdescrito comoo conjunto de leis e atos normativos editados pelas autoridadescompetentes, e odireitoobjetivo, que identifica um fenmenomais complexoque, embora partindo do direito positivo, no se confunde com ele, j quecorresponde ao sentido que a interpretao e aplicao contnuas do direitopositivo lhe do efetivamente. Cabe agora aprofundar essa noo inicial,apresentando uma distino da maior importncia entre dois fenmenosdiversos,aindaqueinterligados:oenunciadonormativoeanorma.

    A distino que h entre enunciado normativo e norma no nova16,masrecentementetemsidosublinhadapeladoutrina17.Deformageral,oenunciadonormativocorrespondeaoconjuntodefrases,isto,aossignoslingusticosquecompem o dispositivo legal ou constitucional e descrevem uma formulaojurdica deontolgica, geral e abstrata, contida na Constituio ou na lei, ou

  • extradadosistema.Quandosetratededisposiesconstitucionaisoulegais,oenunciadonormativocorrespondeao texto,masperfeitamentepossvelhaverenunciadosimplcitosouquedecorramdosistemacomoumtodo18.

    A norma, diversamente, corresponde ao comando especfico que darsoluo a um caso concreto. De forma geral, ela encontra seu fundamentoprincipal em um ou mais de um enunciado normativo, ainda que sejaperfeitamente possvel haver normas extradas do sistema como um todo19.Retome-seomesmoe