impacto da prática desportiva na saúde da mulher atleta · se no passado, a condição da mulher,...
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Universidade do Porto
Faculdade de Desporto da Universidade do Porto
Impacto da prática desportiva na
saúde da mulher atleta
Estudo de revisão das componentes da tríade
Ana Filipa Vasquez Paulo Cunha
Porto, Setembro de 2006
Universidade do Porto
Faculdade de Desporto da Universidade do Porto
Impacto da prática desportiva na saúde da mulher atleta
Estudo de revisão das componentes da tríade
Tese monográfica realizada no âmbito da disciplina de seminário do 5º ano – Opção de Andebol
da Faculdade de Desporto
Realizado por: Ana Filipa Vasquez Paulo Cunha
Orientado por: Mestre Luísa Estriga
Porto, Setembro de 2006
i
Agradecimentos
A realização deste trabalho não seria possível sem o apoio de diversas
pessoas, tanto de dentro como de fora da faculdade. Pelo que, aproveito este
espaço para lhes deixar a minha sincera gratidão e reconhecimento por todo o
contributo prestado.
Aos professores do gabinete de Andebol, por todo o carinho e
disponibilidade com que me receberam e, de uma forma muito especial, ao
Professor Ireneu, por me ter encaminhado para o que eu mais gosto de fazer, e à
Professora Luísa Estriga, porque para além do olhar atento com que sempre me
orientou, demonstrou uma enorme paixão pelo seu trabalho que gostaria de
transpor para o meu futuro.
Aos meus companheiros de estágio, Pedro e Gabriella, por todas as
batalhas que me ajudaram a ultrapassar.
À Bárbara e à Diana, por darem o verdadeiro sentido à palavra amizade.
À minha equipa, Clube Jovem Almeida Garrett, por toda a compreensão
durante todo o processo.
Ao meu pai, por ser o meu exemplo.
À minha mãe, por todas as caras feias que suportou sem nunca esmorecer
a palavra de incentivo e entusiasmo para que eu continuasse.
À minha irmã, pelo seu sorriso nos momentos mais difíceis.
Ao Rui, por ter estado sempre ao meu lado.
ii
Resumo
São extensivos os benefícios da actividade física na saúde da mulher,
independentemente da idade, no entanto, quando as cargas são muito intensas
podem emergir três distintos, mas interrelacionados, problemas de saúde,
desordens alimentares, disfunções menstruais e osteoporose, que se denominam
de tríade da mulher atleta.
No âmbito deste trabalho, propomo-nos esclarecer o conceito de tríade da
mulher atleta, os problemas de saúde que lhe estão associados, assim como os
mecanismos que a articulam, com base numa revisão da literatura.
Concluímos que o mecanismo que desencadeia a tríade é suportado em
teorias distintas, por vezes contraditórias, e que carecem de suporte experimental
demonstrativo, apesar da componente desordens alimentares ser apontada como
o factor primeiro e indutor dos restantes. A procura de um corpo magro, tanto por
questões estéticas como de performance, promove a adopção de hábitos
alimentares inadequados que resultam num estado hipometabólico, que
consequentemente baixa os níveis de energia disponível para dar resposta
adequada as exigências da prática desportiva.
A amenorreia surge assim como resultado de um défice de energia
disponível que inibe a secreção da neuro-hormona GnRh e consequentemente a
concentração da hormona LH, por mecanismos e indicadores metabólicos ainda
não clarificados.
No que concerne à osteoporose, os estudos são maioritariamente
transversais não apurando o verdadeiro impacto deste problema, particularmente
a longo prazo. No entanto, este é o vértice da tríade da mulher atleta que se
apresenta como mais preocupante dado o seu carácter irreversível.
Com tudo isto, consideramos que todos os intervenientes da prática
desportiva devem ser sensibilizados para a existência deste problema, para que
se possa intervir atempadamente de forma a prevenir o impacto negativo destas
questões na saúde das atletas.
Palavras-chave: TRÍADE DA MULHER ATLETA, DESORDENS ALIMENTARES,
AMENORREIA, OSTEOPOROSE
Índice Agradecimentos i
Resumo ii
1. Introdução 1
2. Particularidades da mulher 5
2.1 Caracterização do ciclo menstrual 7
2.2 Estrogénios e progesterona 9
3. Tríade da mulher atleta 12
4. Desordens alimentares 18
5. Disfunções menstruais 22
5.1 Prevalência de disfunções menstruais 24
5.2 Mecanismos desencadeadores de amenorreia hipotalamica 28
6. Osteoporose e osteopenia 40
7. Conclusões 47
8. Referências bibliográficas 49
1
1. Introdução
O entendimento da condição da mulher atleta impõe a necessidade de
recuar no tempo e atender a um conjunto de factos que marcaram a sua vida.
A mulher foi, durante muito tempo, deixada na sombra da história (Duby e
Perrot, 1994). As perdas periódicas de sangue, os tempos de gravidez, a
necessidade de amamentar os filhos e de zelar constantemente por eles, assim
como a sua constituição física aparentemente frágil eram sinónimo de
incapacidade para participar nas actividades da sociedade do séc. XVII (Cramp-
Casbanet, 1994).
A sua presença era discreta e definida pelo que se entendia ser apropriado
à conduta feminina. Delimitavam-se os seus campos de actuação e reduzia-se a
mulher a um mero apêndice da raça humana (Hufton, 1994), a machos imperfeitos
ou úteros ambulantes (Grieco, 1994).
Só com a revolução industrial foi possível a emancipação da mulher e a
alteração da sua condição na sociedade.
Algumas zonas industriais, pela falta de trabalhadores, necessitaram de
atrair o trabalho feminino para os ofícios têxteis. Contudo, as mulheres que
trabalhavam continuaram a ser uma excepção. Mas, foi justamente essa excepção
que, timidamente, iniciou a prática desportiva (Botelho Gomes et al., 2000).
No entanto, nem todos os desportos estavam ao alcance das mulheres, e
mesmo assim surgiram severas críticas que argumentavam que a participação
feminina se apresentava como deselegante e ridícula, um espectáculo deplorável
(Hasse, 1991).
Desta forma, podemos afirmar que o desporto não é mais do que um
fenómeno social que faz transparecer as alterações que ocorrem na sociedade ao
longo dos anos.
A evolução de uma prática desportiva orientada para a ocupação dos
tempos livres para o “palco” da superação, na busca incansável de resultados
desportivos, emergiu de forma inevitável, quase que consequente. É impossível
dissociar o desporto, da sociedade capitalista. Nela assume-se o lucro como
2
principal sector de crescimento, o que se traduz numa obsessiva procura de
produtos rentáveis, destinados ao consumo e à acumulação de capital.
No desporto encontramos uma expressão clara destes princípios. É exigida
uma produtividade elevada que subordina os homens aos sistemas de competição
e à lógica da concorrência, que se materializa também no rendimento corporal.
O jogo tornou-se assim numa indústria dominada, não só pelos interesses
dos intervenientes directos, mas também dos dirigentes, agentes políticos e
empresas investidoras, o que pode, de certa forma, prejudicar os atletas.
No “palco” desportivo tudo se torna legitimo na busca do sucesso, as
exigências tornaram-se superiores em qualquer uma das modalidades, na
dependência da sua crescente popularidade e expressão económica, pelo que a
necessidade de levar o corpo até ao limite é determinante.
O processo gradual da “profissionalização” do próprio espectáculo
desportivo levou a uma maior preocupação com os espectadores
independentemente da condição dos atletas (Malcom e Sheard, 2002).
Se no passado, a condição da mulher, no sentido mais reprodutor, foi
motivo de restrição ao acesso à prática desportiva, nos dias de hoje, a obtenção
de resultados desportivos parece ter-se intensificado.
O aumento maciço da participação desportiva, as elevadas cargas de
treino, as exigências da competição e a constante pressão para a obtenção de
resultados estiveram na origem da preocupação crescente com problemas de
saúde das atletas associadas. De tal forma que, alguns países, no capítulo das
lesões, já consideraram a sua manifestação um problema de saúde pública
(Green et al., 2003).
A prevalência de determinadas lesões desportivas e as suas
consequências (imediatas e a longo prazo), justificaram uma crescente
preocupação e um estudo mais sistemático dos aspectos que, de alguma forma,
se pudessem relacionar com o problema.
Em convergência, surge a constatação de que muitas das mulheres
envolvidas na prática desportiva apresentavam três distintos mas
interrelacionados problemas de saúde. Disfunções menstruais, desordens
3
alimentares e osteoporose, questões médicas que, em 1992, são descritas como a
tríade da mulher atleta (Loucks e Nattiv, 2005).
Desde então, as páginas dos mais importantes jornais de investigação
científica têm vindo a publicar diversos estudos acerca da tríade da mulher atleta,
procurando uma melhor compreensão dos três vértices que a caracterizam.
Comparativamente, em Portugal, desconhecemos estudos centrados neste
problema. É também significativo notarmos que ao longo da nossa experiência
desportiva, nos papéis de atleta e treinadora, e no âmbito da nossa formação
inicial nunca nos foi, de forma intencional, disponibilizada qualquer informação
sobre esta problemática.
No âmbito deste trabalho (de revisão), propomo-nos a esclarecer o conceito
de tríade de mulher atleta, os problemas de saúde que lhe estão associados,
assim como os mecanismos que a articulam.
A opção de um trabalho de revisão da literatura, decorreu da complexidade
dos temas, associada à ausência de conhecimento base nosso e de dificuldades e
exigências metodológicas que os estudos experimentais sobre esta temática
impõem.
A revisão da literatura de suporte deste trabalho é baseada em sínteses
documentadas dos estudos significativos sobre o problema.
Para este fim, o trabalho está articulado em capítulos.
O primeiro capítulo é ocupado pela presente introdução onde se apresenta
o quadro de problematização do tema escolhido, os objectivos do trabalho, a
metodologia utilizada e a sua justificação e respectiva adequação.
O segundo capítulo é dedicado às particularidades da mulher, onde se
pretende descrever e analisar o processo que a individualiza, incidindo nas
características do ciclo menstrual.
No capítulo subsequente, pretende-se clarificar o conceito da tríade da
mulher atleta assim como o mecanismo que origina, a sua forma de
desenvolvimento, a sua prevalência e impacto na população atleta.
Com o quarto capítulo descrevem-se os diferentes tipos de desordens
alimentares, analisam-se os contextos desportivos que mais os propiciam e de
que forma podem contribuir para o desenvolvimento da tríade da mulher atleta.
4
O quinto capítulo remete-nos para os diferentes conceitos de disfunção
menstrual, para a sua prevalência e mecanismos que a desencadeiam.
Posteriormente, no capítulo sete, pretendemos compreender os fenómenos
fisiológicos associados à osteoporose e osteopenia, averiguar a sua relação com
as disfunções menstruais e actividades físicas com diferentes níveis de impacto,
assim como os efeitos do uso de contraceptivos orais na expressão dos seus
valores.
O trabalho é finalizado com a apresentação das conclusões mais
relevantes.
5
2. Particularidades da mulher
Das 10 triliões de células que fazem parte do corpo humano, apenas as que
constituem o sistema reprodutor e algumas pertencentes ao sistema ósseo
resultam em órgãos e estruturas diferenciadas entre o homem e a mulher, ao
contrário do que acontece em diversos animais, onde machos e fêmeas nem
parecem fazer parte da mesma espécie. Basicamente, a actuação hormonal
promove determinado género. Na espécie humana não é possível distinguir um
fígado, coração ou cérebro feminino do masculino quando colocados fora do
corpo. Talvez um órgão com grandes dimensões nos permita afirmar que é
masculino, mas mesmo assim não é uma prova inequívoca (Wells, 1985).
A mulher possui a cintura pélvica mais alargada, profunda e mais baixa
para que seja possível a passagem do feto no final da gestação. Esta
particularidade acentua a anteversão do fémur, a torção externa da tíbia e
aumenta o valgus do joelho (Wiggins e Wiggins, 1997). Por outro lado, possui, em
média, menos 10 cm de estatura que o homem (Shephard, 2000), o que se traduz
em ossos mais curtos, estruturas articulares mais pequenas, órgãos de menor
tamanho, cintura escapular mais estreita, membros inferiores de menor
comprimento e consequentemente num centro de gravidade mais baixo
(Holschen, 2004).
Contudo, todas estas diferenças só se tornam evidentes a partir da
puberdade com o desencadear de diversos mecanismos hormonais. Nesta fase do
crescimento humano a composição corporal de ambos os géneros inicia o seu
trajecto para a maturação, pela secreção diferenciada de determinadas hormonas
ao nível do complexo hipotálamo-hipofise.
No género masculino as gonadas produzem principalmente as hormonas
sexuais denominadas de androgénios, das quais a testosterona é a mais
relevante. O hipotálamo produz hormonas de libertação (GnRh) que estimulam a
hipófise para a produção de gonadotropinas (hormona folículo-estimulina, FSH e
hormona luteo-estimulina, LH). A hormona LH induz as células de Leydig à
produção de testosterona e juntamente com a hormona FSH actua sobre as
células dos tubos seminíferos, estimulando a espermatogénese (Wells, 1985).
6
Em todo este processo a produção de androgénios é mais evidente pelo
que, para o género masculino, a passagem pela puberdade traduz-se num
aumento da formação óssea que permite ao homem possuir ossos mais largos e
robustos, assim como na estimulação da síntese proteica que promove hipertrofia
muscular e garante ao homem um vantagem de cerca 20% na quantidade de
massa muscular (Holschen, 2004). Culminantemente, o homem possui maior
força, maior potência aeróbia, um maior número de fibras tipo II, maior
concentração de hemoglobina, maior valor de VO2 máx, maior volume sanguíneo,
maior débito cardíaco e menor percentagem de massa gorda (Robergs e Roberts,
1997).
Por outro lado, a regulação hormonal da mulher assume contornos muito
distintos, sendo bastante mais complexa. Enquanto que no homem a
espermatogénese ocorre de forma contínua a partir da puberdade, na mulher a
maturação de gâmetas ocorre em ciclos de aproximadamente 28 dias, desde a
puberdade até à menopausa (Wells, 1985).
De uma forma simplista, no homem, a produção de androgénios é mais
evidente, ao passo que na mulher existe uma maior síntese de estrogénios
(Ireland e Ott, 2004). Estes influenciam significativamente o crescimento corporal,
especialmente o aparecimento dos caracteres sexuais secundários, como o
alargamento da cintura pélvica e o crescimento da mama. Encontra-se ainda
associada à secreção deste tipo de hormonas, a deposição de massa gorda que
é, na mulher, em média, 10% superior à do homem, por uma maior activação da
enzima lipoprotein lipase (Wilmore e Costill, 1994).
Esta acumulação de gordura associada a uma menor estatura confere à
mulher alguma desvantagem na obtenção de resultados desportivos, na maioria
das modalidades, com a excepção das provas de longa distância na natação ou
nas provas onde o equilíbrio é requerido (Shephard, 2000).
No geral, os seus valores de força são menores, a sua potência e
capacidade anaeróbia são inferiores às do homem, atingindo o limiar anaeróbio
mais cedo, da mesma forma que a sua potência e capacidade aeróbia é também
inferior, com uma utilização tendencialmente lipídica durante esforços
prolongados. O tamanho mais reduzido dos seus pulmões e coração fazem ainda
7
com que os seus valores de VO2 máx sejam mais baixos, assim como o débito
cardíaco e volume sanguíneo (Robergs e Roberts, 1997).
Contudo, todas estas desvantagens surgem expressas em valores
absolutos que não consideram as menores dimensões da mulher e a sua
constituição física. Desta forma, quando os valores se apresentam relativizados às
dimensões corporais, as diferenças entre os géneros atenuam-se (Ireland e Ott,
2004). Valores que, ao considerar a composição corporal, estabelecendo uma
relação entre a capacidade avaliada e a massa magra, tornam-se ainda mais
semelhantes, o que aponta para uma similaridade na resposta fisiológica entre
homens e mulheres, nos diferentes tipo de esforço (Shephard, 2000).
No entanto, apesar desta constatação, é fundamental não esquecer que
existe uma regulação hormonal diferenciada entre os géneros e que implica
secreção de determinadas hormonas em quantidades distintas.
Uma mulher possui efectivamente menor massa muscular, tem claramente
menor estatura e possui uma maior quantidade de estrogénios em detrimento de
androgénios. A natureza destas diferenças justifica as evidentes diferenças ao
nível da performance desportiva entre homens e mulheres, diferenças
consubstanciadas fundamentalmente em aspectos quantitativas e raramente
técnicos, tácticos e estratégicos; a competência e a qualidade da prática
desportiva não parece ser influenciada quando relativizada às características
inerentes ao género.
2.1 Caracterização do ciclo menstrual
O sistema endócrino apresenta um grau de complexidade tão elevado que
no corpo humano apenas se equipara ao sistema nervoso que consegue assumir
uma complexidade ainda maior (Wells, 1985).
O funcionamento do sistema endócrino é garantido por glândulas
endócrinas que segregam substâncias químicas (hormonas) para a corrente
sanguínea, onde são conduzidas no plasma até aos órgãos alvo onde vão actuar.
Do ponto de vista da estrutura química podemos distinguir diferentes tipos
de hormonas, as proteicas (prolactina, insulina e paratormona), polipéptidos
(oxitocina, glucagina e adenocorticotropina), derivados de aminoácidos onde se
8
incluem as produzidas na medula supra-renal (adrenalina, noradrenalina) e na
tiróide (tiroxina e triiodotironina), glicoproteínas (folículo-estimulina e luteo-
estimulina) e esteróides, hormonas com estrutura semelhante ao colesterol
(estrogénios, progesterona, testosterona, aldosterona e cortisol)(Espanha et al.,
2001).
Contudo, aquelas que se apresentam como relevantes para o
funcionamento directo do ciclo menstrual da mulher são as compostas por uma ou
mais cadeias de polipéptidos e de moléculas de glícidos, as glicoproteínas, como
a FSH e LH, assim como os esteróides.
Relativamente às glândulas endócrinas, aquelas que normalmente
classificamos de fundamentais para o sistema reprodutor da mulher são o
complexo hipotálamo-hipófise e os ovários. A acção combinada destas duas
glândulas, com um útero intacto e os sinais hormonais correctos, permite um ciclo
menstrual normal que varia entre 23 a 35 dias (Lebrun e Rumball, 2002).
Durante este período de tempo existe uma divisão do ciclo em duas fases
(conforme Figura 1). Uma primeira denominada de fase folicular que se
caracteriza pela maturação do folículo, pela acção da hormona FSH, que resulta
em secreção de estrogénios pelos ovários. A duração desta fase contabiliza-se a
partir do primeiro dia da menstruação até ao dia da ovulação onde há libertação
de um oócito para as trompas de falópio, passados aproximadamente 14 dias
(num ciclo de 28 dias). O início da segunda fase do ciclo é marcado por um
acréscimo de 0,3º C na temperatura basal do corpo (Jonge, 2003), por um
aumento da concentração de uma outra hormona, a progesterona, resultado da
acção do corpo lúteo. Esta fase estende-se até ao final do ciclo e termina
passados aproximadamente 14 dias, a partir dos quais se verifica uma queda na
produção dos estrogénios e progesterona pela não ocorrência da fecundação
(Snow-Harter, 1994).
A secreção de cada uma das gonadotropinas referidas, FSH e LH, depende
da sincronização entre o complexo hipotálamo-hipófise e as células alvo, os
ovários. Desta forma, o hipotálamo, localizado no cérebro, segrega neuro-
hormonas (GnRh) de modo pulsátil (cerca de 60 a 90 minutos) que estimulam o
lobo anterior da hipófise, também ela localizada no cérebro, que produz FSH e LH
9
que actuam nos ovários para a produção de estrogénios e progesterona (Pfeifer e
Patrizio, 2002).
Figura 1 – Ciclo menstrual (adaptada de Silva et al., 2005)
2.3 Estrogénios e Progesterona
Para que possamos compreender as consequências das disfunções
menstruais é imprescindível atender às características das hormonas que
protagonizam o ciclo menstrual.
Os estrogénios são constituídos por um conjunto de 18 carbonos esteróides
segregados pelos ovários e que pelas diferentes formas de agrupamento dão
origem ao estradiol (E2), estrone (E1) e estriol (E3), dentro dos quais o estradiol
se assume como o mais potente (Lebrun, 1994).
Contudo, é a sua acção combinada que promove a típica deposição de
gordura na mulher, assim como a alteração dos valores de colesterol, com a
diminuição de Low density lipoprotein (LDL) e o aumento de High density
lipoprotein (HDL) o que protege o sistema cardiovascular contra a arteriosclerose
(Lebrun, 1994). Por outro lado, a sua presença faz aumentar a resistência das
paredes dos capilares sanguíneos (Lebrun, 1994) e encontra-se fortemente
10
relacionada com a inibição dos osteoclástos, responsáveis pela reabsorção do
cálcio dos ossos (Lebrun e Rumball, 2001). Estas características conferem a este
grupo de hormonas um grau de importância elevado no que concerne às questões
de saúde. Baixos níveis de estrogénios conduzem a densidades ósseas não
satisfatórias (Tharsh e Anderson, 2000) e aumentam o risco de desenvolvimento
de doenças cardiovasculares (Chen e Brzyski, 1999).
No entanto, a sua acção não se circunscreve à protecção do sistema
cardiovascular e ósseo, assumindo também responsabilidades ao nível da
mobilização dos substratos energéticos.
Os estrogénios são responsáveis pelo armazenamento de glicogénio no
fígado e músculo, pelo que fazem aumentar a síntese lipídica, orientando o
metabolismo para uma maior utilização de ácidos gordos e glicerol em detrimento
dos glícidos. Esta particularidade faz com que, teoricamente, a mulher, pelos seus
maiores níveis de estrogénios, possua valores de lactato mais baixos em resposta
ao exercício físico. Contudo, alguma controvérsia existe acerca do efeito da
oscilação hormonal ao longo do ciclo menstrual na performance desportiva,
existindo dificuldade em estabelecer uma relação entre as concentrações de
estrogénios e a mobilização de substratos energéticos (Ashley et al., 2000).
A progesterona é também uma hormona esteróide. A sua presença é mais
evidente durante a fase lútea e encontra-se associada a um aumento da
temperatura basal, a efeitos na termoregulação corporal, assim como a um
aumento da excreção de água e sódio pelos rins que promove um aumento das
concentrações de aldosterona e, consequentemente, a um aumento da hormona
antidiurética (ADH) que contribui para a retenção de fluidos (Lebrun, 1994).
A termoregulação corporal é alterada pela acção da progesterona no
aumento da temperatura basal do corpo, através da sua associação à promoção
de um maior fluxo sanguíneo na superfície cutânea, que propicia a vasodilatação e
induz o início da transpiração (Lebrun e Rumball, 2001). Isto aponta para as
conclusões decorrentes dos trabalhos de Jonge (2003) e March e Jenkins (2002)
que apesar de sugerirem a inexistência de uma relação entre as diferentes fases
do ciclo menstrual e a performance desportiva, sugerem que atletas envolvidas em
provas de fundo e maratona, que tenham lugar em ambientes muito quentes e
11
húmidos, possam experimentar efeitos negativos na sua performance com
correspondência à fase lútea, por uma diminuição do tempo a que se atinge a
exaustão, decorrente do “acelerar” do processo de transpiração causado por um
ponto de partida mais elevado na temperatura basal.
Desta forma, Jonge (2003) propõe que as atletas ajustem os seus
calendários competitivos às flutuações hormonais, características do ciclo
menstrual feminino, uma vez que estas parecem interferir na expressão da
performance, apesar de não provocarem alterações no VO2 máx ou nas
concentrações de lactato (March e Jenkins, 2002).
12
3. Tríade da mulher atleta
Na sequência de resultados de diversos estudos que demonstravam que
inúmeras atletas sofriam de disfunções menstruais, desordens alimentares e
reduzida massa óssea, The American College of Sports Medicine, em 1997,
assumiu a sua posição face ao conjunto das três referidas questões de saúde, a
tríade da mulher atleta (Otis et al., 1997).
A primeira manifestação da tríade encontra-se, na maior parte dos casos,
associada a hábitos alimentares inadequados que surgem com intuito de atingir
um peso corporal idealizado (Thrash e Anderson, 2000).
A atmosfera competitiva, a constante pressão para a obtenção de
resultados, a busca da perfeição e a crescente preocupação com a imagem
corporal, fazem com que as atletas possuam uma elevada probabilidade de
recorrer a comportamentos inapropriados para controlar o seu índice de massa
corporal (Drinkwater, 1996). Comportamentos esses que dão origem a reduzidos
níveis de energia disponível que comprometem o correcto funcionamento do
sistema reprodutor. A secreção de GnRh sofre alterações que perturbam o
funcionamento da hipófise na sua produção de FSH e LH (Zanker, 2006). A baixa
concentração destas hormonas faz com que o ciclo menstrual não decorra da
forma correcta, resultando em disfunções menstruais como a amenorreia1. Assim
sendo, a falta de energia disponível suprime a secreção de estrogénios, causando
um aumento na taxa de reabsorção óssea que conduz à progressiva diminuição
da densidade óssea (Loucks, 2006).
Desta forma, a tríade da mulher atleta descreve as desordens alimentares,
as disfunções menstruais e o surgimento de osteoporose2 prematura como três
distintos, mas possivelmente interrelacionados problemas de saúde.
Neste sentido, considera-se que, para a existência de consequências
negativas na saúde das atletas, não é necessário que todas as componentes da
tríade estejam presentes (Souza e Williams, 2004). Cada uma delas, por si só,
incorpora preocupações que nem sempre surgem associadas. No entanto, a sua
1 Conceito definido na página 23. 2 Conceito definido na página 40.
13
articulação é evidente e não deve ser esquecida. A presença de uma das
componentes pode facilmente desencadear o surgimento de outra ou
simplesmente acentuá-la (Ramos e Welch, 2004), dificultando a sua compreensão
de forma isolada.
Insuficiente ingestão calórica, relativamente ao dispêndio energético,
funciona como ponto de partida para o desenvolvimento de amenorreia e
consequentemente osteoporose (Warren et al., 2002).
No entanto, o risco de desenvolvimento da tríade da mulher atleta parece
não ser o mesmo nas diferentes modalidades. Atletas envolvidas em actividades
que enfatizam um corpo magro, tanto por razões estéticas como por optimização
da performance (ginástica, provas de fundo e maratona), assim como em
modalidades onde existem categorias competitivas de acordo com o peso das
atletas (remo e judo), apresentam-se como os principais grupos desportivos em
risco de desenvolver a tríade da mulher atleta (Lebrun e Rumball, 2002; Weimann,
2002; Bloomfield, 2006; Torstveit e Sundgot-Borgen, 2005a).
Nos referidos grupos, as questões sociais assumem-se manifestamente
relevantes no desenvolvimento da tríade. O reconhecimento de que um corpo
magro promove vantagens na obtenção de resultados desportivos, associado a
um certo isolamento social imposto pelo sistema de competição, que obriga a uma
dedicação quase exclusiva das atletas à sua modalidade, origina um conjunto de
crenças e valores que, de certa forma, reforçam a perda de peso como um
comportamento positivo. As atletas vêem assim os seus ganhos de peso como
merecedores de punições, o que muitas das vezes é ainda enfatizado por
treinadores, familiares e sociedade em geral (Nattiv et al., 1994). Esta associação
negativa predispõe as atletas para o desenvolvimento de patologias nos seus
hábitos alimentares que provocam sequelas ao nível hormonal e ósseo
(Fredericson e Kent, 2005).
Neste contexto, para que a interpretação desta problemática não seja
inadequada, nem origine conclusões desajustadas, parece-nos pertinente
questionar a prevalência destas questões no contexto desportivo e de que forma
cada uma delas se apresenta. Para isso, partimos inevitavelmente para uma
reflexão acerca de três artigos, dois publicados por Torstveit e Sundgot-Borgen
14
(2005a, 2005c) e um por Vardar et al. (2005), uma vez que, a maioria de todos os
outros consultados, de diversificados autores, atendem somente a uma ou duas
das componentes da tríade, ou utilizam amostras que podem não representar a
população desportiva, como é o caso do estudo de Lauder et al. (1999) onde são
utilizadas mulher militares.
Torstveit e Sundgot-Borgen (2005a) realizaram um estudo com atletas
norueguesas de elite. A sua amostra abrangia 66 diferentes desportos, que no
total perfaziam um número de 331 sujeitos divididos entre dois grupos, 186 atletas
e 145 mulheres sedentárias.
O estudo abrangeu três fases que se caracterizaram por diferentes
procedimentos.
Em primeiro lugar, todos os sujeitos preencheram um questionário
relativamente aos seus programas de treino, estatuto menstrual e hábitos
alimentares. Seguidamente, realizaram uma medição da densidade óssea em
diferentes pontos do esqueleto e no final participaram numa entrevista, estruturada
por um professor especialista em desordens alimentares. Estas três etapas
visaram a detecção da tríade da mulher atleta, para que se obtivessem dados
relevantes da sua prevalência que pudessem ser generalizados para toda a
população. A prevalência foi assim dividida em dois diferentes graus de
severidade, o primeiro correspondia ao grau de manifestações mais graves e o
segundo às mais moderadas.
Através da análise de todos os dados obtidos durante as três fases do
estudo, os autores concluíram que apenas 8 atletas demonstravam as três
componentes da tríade, 4 no grau I e as outras 4 no grau II.
Com duas das componentes da tríade surgiu uma prevalência entre os
5,4% e os 26,9%, dependendo de que componentes se encontravam associadas.
Dentro do grupo de controlo, 5 dos sujeitos demonstraram as três
componentes da tríade, enquanto que a manifestação de duas das componentes
variou entre 12,4% e 15,2%. O grau de severidade dos sujeitos com as três
componentes da tríade foi, em qualquer um dos casos, o mais severo.
15
Estes resultados vão de encontro aos encontrados por Vardar et al. (2005)
que apontam para uma prevalência de 2,7% em duas das componentes da tríade
enquanto que de apenas 1,36% nas três componentes.
Contudo, os resultados assumem outras proporções quando analisados de
acordo com o risco que cada grupo da amostra apresenta para o desenvolvimento
da tríade. Segundo Torstveit e Sundgot-Borgen (2005c) 69,4% dos sujeitos do
grupo de controlo apresentam-se em risco de desenvolver a tríade,
comparativamente com 60,4% dos atletas. Dentro desta percentagem, a grande
maioria, 70,1% pertence a modalidades que enfatizam um corpo magro como a
ginástica rítmica ou patinagem artística.
Estes resultados apontam para um risco semelhante no desenvolvimento
da tríade tanto em atletas como não atletas.
Tudo isto faz-nos questionar se a tríade é efectivamente uma questão de
saúde da mulher atleta ou da mulher na sua generalidade, visto que os dados
percentuais se apresentam muito próximos. Por outro lado, a constatação de que
apenas 4,3% e 1,36% das atletas apresentaram as três componentes da tríade
levanta-nos uma outra questão. De que forma esta é uma problemática com
expressão significativa no meio desportivo e não de forma comum na população
não desportiva.
Em jeito de resposta, consideramos que alguns aspectos devem ser
equacionados. A realização dos estudos apresentados por Torstveit e Sundgot-
Borgen (2005a, 2005c) e Vardar et al. (2005) resultam da aplicação de
questionários. Questionários esses que obrigam a um conjunto de auto-afirmações
que podem não corresponder à realidade, especialmente no que diz respeito ao
estatuto menstrual. Por outro lado, no estudo de Torstveit e Sundgot-Borgen
(2005c) qualquer sujeito que apresentasse uma resposta “não sei” acerca da
classificação ou não dos seus hábitos alimentares, como sendo uma desordem,
durante a entrevista, era classificado como estando em risco de desenvolver a
tríade. Para além de que, a auto-indicação de fracturas de stress, como indicador
de risco no desenvolvimento da tríade, pode sobrestimar a prevalência das
mesmas na população não atleta, uma vez que, à partida, esta não possui um
conhecimento tão profundo do que é ou não uma fractura de stress, ao passo que
16
atletas vivenciam mais de perto esta problemática, daí que tenham a possibilidade
de responder com mais exactidão a esta questão.
Existe ainda a possibilidade das disfunções menstruais se apresentarem
sub-referenciadas dentro do grupo das atletas, uma vez que, não existiu qualquer
análise hormonal que garantisse o verdadeiro estatuto menstrual. A aplicação do
questionário apenas levanta os casos mais evidentes como a amenorreia e
oligomenorreia (Loucks, 2006), deixando de parte disfunções como a fase lútea
encurtada e ciclos anovulatórios.
É obvio que esta limitação existe em ambos os grupos do estudo. Contudo,
os dados de Souza et al. (1998) apontam para a ocorrência de apenas 30 ciclos
ovulatórios em 60 estudados na população de atletas de recreação, o que sugere
uma maior possibilidade da existência de falsos negativos no grupo das atletas.
Todas estas considerações metodológicas obrigam-nos a analisar com
maior rigor os dados obtidos. Por um lado, é importante compreender que as
desordens alimentares não são um problema exclusivo da população atleta, mas
sim o resultado de uma sociedade que vive obcecada pela imagem corporal
(DiPietro e Stachenfeld, 2006) o que, inevitavelmente, aproxima os valores de
atletas e não atletas. Para além de que, não é necessariamente a desordem
alimentar, por si só, que conduz à amenorreia e à perda de massa óssea, mas sim
um balanço negativo de energia disponível resultado de elevados gastos
energéticos associados à prática desportiva (Loucks e Nattiv, 2005). Isto torna
possível que diversas atletas tenham sido avaliadas como falsos negativos por
não apresentarem desordens alimentares, uma vez que não foi controlada a
quantidade de energia ingerida e despendida.
A impossibilidade de monitorizar análises hormonais e de controlar os
níveis de energia disponíveis, a uma amostra tão vasta como a utilizada por
Torstveit e Sundgot-Borgen (2005a, 2005c), acaba por influenciar a validade dos
resultados obtidos.
Ainda dentro deste tópico, o trabalho de Khan et al. (2002) propõe uma
alteração do próprio conceito de tríade da mulher atleta, argumentando que este,
pela utilização dos valores referentes à osteoporose, acaba por representar
inadequadamente o que se passa na população atleta.
17
Os valores de osteoporose reportam-nos para uma severidade demasiado
elevada, de um problema que em níveis significativamente mais baixos, como os
que classificamos de osteopenia3, já representam complicações para a saúde e
para a prática desportiva (Khan et al., 2002).
Tendo em conta que a população atleta está sujeita a cargas de treino que
promovem uma maior actividade nos osteoblástos, que estão associados a uma
maior taxa de produção óssea, seria de esperar que este grupo apresentasse
valores de massa óssea superiores à população não atleta. No entanto, a não
constatação deste facto apresenta-se por si só como sendo um aspecto negativo,
especialmente se estivermos a falar de modalidades que envolvem forças
mecânicas 10 vezes superiores ao peso corporal, como o andebol ou a ginástica
(Burrows et al., 2003).
Por esta razão, consideramos que se muitos dos estudos tivessem em
conta esta situação e considerassem os valores de osteopenia e não de
osteoporose, os resultados seriam bem mais assustadores e melhor
representativos do que se passa na realidade desportiva.
3 Conceito definido na página 40.
18
4. Desordens alimentares
Existe um vasto leque de explicações para o surgimento de desordens
alimentares, tanto na população atleta como não atleta. Contudo, sem dúvida
alguma que esta questão se encontra relacionada com os princípios pelos quais a
sociedade dos nossos dias se rege. A constante procura de um corpo magro que
corresponda aos parâmetros de beleza vigentes na sociedade acaba por conduzir
atletas e não atletas a uma luta sistemática contra os ganhos de peso que, muitas
das vezes, é conseguida através de hábitos alimentares inadequados, como a
bulimia e anorexia (Garner e Rosen, 1991).
No entanto, esta temática assumiu uma relevância acrescida no meio
desportivo quando em 1983, Karen Carpenter, e em 1994, Christy Henrich, ambas
atletas olímpicas, não resistiram às desordens alimentares que as acompanhavam
e faleceram por múltiplas falhas no funcionamento dos seus órgãos (Brunet,
2005).
Decorrente da gravidade evidente destes acontecimentos, a comunidade
científica centrou-se na população atleta e constatou que algumas modalidades
desportivas apresentavam maiores valores de desordens alimentares,
relativamente a outras. Atletas envolvidas em modalidades onde se enfatiza um
corpo magro, pela sua associação a uma superior performance e à estética, assim
como aquelas onde as categorias competitivas são determinadas pelo peso
corporal, sofrem uma maior pressão para as questões relacionadas como o peso
(Committee on Sports Medicine and Fitness, 2000).
Num estudo longitudinal realizado por Nattiv et al. (1994), na modalidade
ginástica, notou-se uma evolução do peso das atletas americanas participantes
nos Jogos Olímpicos, no período compreendido entre 1960-1992, onde se registou
uma oscilação da média de 50,4Kg para 37,7Kg. Valores que, apesar de
acompanhados por uma diminuição da idade e estatura das atletas, se
apresentam como muito baixos.
Estes dados revelam exigências de peso, cada vez mais severas, que
quando impostas a atletas fortemente orientadas para o alcance dos seus
objectivos competitivos, com baixos níveis de auto-estima, traços de
19
personalidade que apontam para o perfeccionismo e um elevado sentido crítico
face aos seus próprios desempenhos desportivos (Joy et al., 1997), fazem com
que exista uma maior susceptibilidade para o desenvolvimento de desordens
alimentares.
Desordens essas que podem assumir diferentes formas de manifestação,
anorexia nervosa, bulimia e desordens alimentares não específicas.
Anorexia nervosa é a forma mais extrema de desordem alimentar na qual o
sujeito perde peso, por um induzido estado de fome. A atleta recusa-se a manter
85% do seu peso normal, por uma imagem destorcida do seu corpo e um
manifesto medo de ganhar peso (Putukian, 1998). Encontra-se muitas das vezes
associada ao vómito induzido e à utilização de laxantes e diuréticos. Caracteriza-
se pelo surgimento de amenorreia e encontra-se definida como uma desordem
mental (Lebrun e Rumball, 2002).
Bulimia é também uma desordem mental que se relaciona com o vómito
induzido e um desejo incontrolável de comer. É uma desordem de mais difícil
detecção, uma vez que a maioria das atletas afectadas pela doença possuem um
peso normal ou um pouco acima do requerido. Caracteriza-se por fases em que
há uma excessiva ingestão de alimentos que posteriormente são compensadas
com o uso de laxantes, diuréticos assim como exercício físico muito intenso para
que o peso corporal seja diminuído (Wiggings e Wiggings, 1997).
Outra das formas de desordem alimentar assume uma severidade menor,
mas suficiente para causar danos na saúde dos sujeitos que nela se enquadram.
Designa-se por desordem alimentar não específica por não se enquadrar
rigorosamente em nenhuma das categorias anteriormente descritas,
apresentando, no entanto, características de ambas (Williams et al., 2003).
Esta categoria engloba atletas que manifestam preocupações com a sua
imagem corporal, com o seu peso e demonstram sentimentos de culpa
relativamente à comida que, de alguma forma, se materializam numa incorrecta
ingestão de nutrientes.
Considerando cada uma destas categorias, que classificam as desordens
alimentares, e atendendo ao que já foi discutido no capítulo anterior, dedicado à
tríade da mulher atleta, é importante analisar que alterações metabólicas são
20
induzidas no sentido de compreender porque, numa grande maioria dos casos,
este é o ponto de partida para o desenvolvimento de disfunções menstruais e
osteoporose.
O funcionamento do sistema reprodutor é extremamente sensível e envolve
um gasto energético bem superior ao requerido pelo organismo masculino (The
ESHRE Capri Workshop Group, 2006) pelo que, modificações nos hábitos
alimentares, resultado ou não de uma desordem alimentar, podem facilmente
induzir estratégias adaptativas na função reprodutora, para que a energia
disponível seja conservada para as funções vitais do organismo (Manore, 2002).
Neste sentido, consideramos que não é necessariamente a presença de
uma desordem alimentar que provoca a tão debatida tríade da mulher atleta. Esta
pode, efectivamente, ser o resultado de um conjunto de hábitos alimentares
inadequados, mas também uma simples adaptação orgânica à falta de energia
disponível.
Enquanto que, em alguns casos, é possível observar uma restrição
energética significativa, noutros, as dietas seguidas não apontam para qualquer
patologia e não é evidente a falta de energia (Manore, 2002).
Contudo, tanto numa situação como noutra, existem alterações metabólicas
que podem, de alguma forma, ser justificativas para o aparecimento de disfunções
menstruais e osteoporose.
Durante um estado hipometabólico, que se caracteriza por níveis crónicos
de reduzida energia disponível, os valores basais de diversas hormonas e
substratos ficam alterados. Verifica-se um aumento da concentração da hormona
de crescimento (GH), cortisol (hormona segregada pelo córtex supra-renal que
promove a degradação de lípidos e a síntese de glícidos), prolactina (hormona
segregada pelo lóbulo anterior da hipófise que se encontra associada a uma
menor produção de gonadotropinas) e ghrelin (hormona estomacal que estimula o
apetite). Em contrapartida, verifica-se também a diminuição da hormona T3
(triidotironina, que funciona como um indicador metabólico da energia disponível),
leptina (proteína produzida pelos adipócitos que inibe o apetite e funciona como
um indicador da quantidade de gordura disponível), insulina (hormona que
promove a síntese proteica e a degradação de glícidos) e da concentração de
21
glucose no sangue (Arena et al., 1995; Souza e Williams, 2004; Souza et al.,
2003).
Qualquer uma destas alterações pode estar na origem da amenorreia que
se associa à prática desportiva, pelo que diversos autores se têm debruçado na
descoberta de qual o mecanismo que induz as disfunções menstruais para que se
possa progredir para a construção de programas de prevenção.
22
5. Disfunções menstruais
A actividade física promove benefícios na saúde de quem a pratica, pelo
que é recomendada a mulheres de todas as idades. No entanto, têm sido
descritos na literatura, desde 1970, diversos problemas de disfunções menstruais
(Harber, 2004) que afectam especialmente a população atleta.
As adaptações fisiológicas induzidas pelo treino, no conjunto de todas as
suas exigências, propiciam alterações no peso, composição corporal, hábitos
alimentares e funcionamento do sistema endócrino. Cada uma dessas alterações
associada à elevada sensibilidade do sistema hormonal e às características
genéticas e psicológicas de cada uma das mulheres envolvidas na actividade
física, fazem com que as disfunções menstruais ocorram entre 6 a 79% da
população atleta (Warren e Perlroth, 2001), sendo aceites como mais uma das
adaptações fisiológicas do organismo, entendida como sinónimo de um percurso
correcto de treino.
Contudo, desde a observação de que estas questões se encontravam
relacionadas com a desmineralização óssea, pela estreita relação dos estrogénios
com o metabolismo ósseo, surgiram preocupações mais sistemáticas dentro desta
área na procura dos mecanismos desencadeadores de cada disfunção menstrual
associada à prática desportiva (Loucks, 1990).
Por disfunção menstrual parece entender-se um conjunto de alterações
menstruais que variam de severidade, desde o encurtamento da fase lútea,
passando pela presença de ciclos anovulatórios e oligomenorreia, até ao alcance
dos diferentes tipos de amenorreia.
Encurtamento da fase lútea caracteriza-se por uma alteração na duração da
fase lútea do ciclo menstrual (≤ 10 dias), que resulta em níveis insatisfatórios de
progesterona, que propiciam uma inadequada maturação e desenvolvimento do
endométrio, não permitindo a nidificação de um óvulo fecundado (Soules, 1989). A
mulher não se apercebe das alterações que ocorrem, uma vez que a duração total
do ciclo é mantida por um alargamento da fase folicular e o encurtamento da fase
lútea. O sangramento mantém-se, pelo que só uma análise hormonal ou a
23
realização de uma biopsia pode determinar a ocorrência desta disfunção (Otis,
1992).
Anovulação é uma forma mais severa de disfunção menstrual onde a
produção de estrogénios na fase folicular é tão limitada que não permite a
ocorrência da ovulação. Os níveis de estrogénios e progesterona apresentam-se
ambos baixo, mas em concentração suficiente para estimular a proliferação do
endométrio permitindo o sangramento (Redman e Loucks, 2005).
De forma semelhante processa-se a oligomenorreia, disfunção onde a
mulher vivencia a menstruação de 45 a 90 dias (Chen e Brzyski, 1998). O ciclo
excessivamente longo, por vezes até anovulatório, surge da concentração
insuficiente das hormonas FSH e LH. A sua caracterização torna-se muito difícil
dada a sua natureza irregular (Souza e Williams, 2004).
A amenorreia surge como forma mais severa de disfunção menstrual que
se define pela ausência de sangramento durante o período menstrual. Esta
disfunção assume duas vertentes: uma primeira denominada de primeira
amenorreia, que se caracteriza pela ausência da menstruação até aos 16 anos; e
uma segunda, denominada de amenorreia secundária, que retrata a ausência de
menstruação durante um período consecutivo de 3 ou mais ciclos menstruais
(Otis, 1992).
Cada uma das referidas disfunções passa fundamentalmente por uma
disfunção no funcionamento do complexo hipotálamo-hipófise, mais
concretamente na secreção pulsátil de GnRh. A alteração da frequência e
amplitude da secreção destas hormonas limita a produção de FSH e LH, que por
sua vez reduzem a secreção de estrogénios e progesterona (Pfeifer e Patrizio,
2002). No entanto, os mecanismos que propiciam esta disfunção ainda não se
encontram completamente esclarecidos (Warren, 1996). Existem diversas
explicações para um mesmo fenómeno, mas o diagnóstico continua a ser um
diagnóstico por exclusão (Marshall, 1994), que obriga a uma completa observação
clínica que vai eliminando causas prováveis para o surgimento da amenorreia,
uma vez que esta pode não se encontrar associada à prática desportiva.
Em primeiro lugar, a possibilidade de gravidez deve ser excluída seguindo-
se uma análise anatómica que garanta a integridade do aparelho reprodutor.
24
Podem ainda existir problemas no funcionamento das gónadas por mutações
genéticas, alterações no funcionamento da hipófise, córtex adrenal ou nos
próprios ovários pela existência de tumores ou má formação (The Practice
Committee of the American Society for Reproductive Medicine, 2004).
Colocadas de parte todas estas possibilidades surge a hipótese da
presença de uma amenorreia hipotalamica associada ao processo de treino.
Processo esse que pode funcionar como elemento desencadeador de
stress, balanços energéticos negativos, desordens alimentares, baixos valores de
peso assim como de massa gorda (Manore, 2002). Diferentes aspectos que se
apresentam como formas distintas de explicar o aparecimento de amenorreia e
que têm sido discutidas ao longo das últimas décadas.
5.1 Prevalência de disfunções menstruais
Inicialmente a grande preocupação desta área depreendeu-se com o
levantamento de dados que permitissem a construção de uma ideia mais precisa
de qual a prevalência desta problemática na população atleta.
Estudos esses que nem sempre foram bem articulados, na medida em que
reuniram amostras onde se monitorizava apenas um ciclo menstrual. Período que
se apresenta como insuficiente para uma determinação correcta da prevalência da
disfunção, dado o seu carácter irregular (Redman e Loucks, 2005).
Por outro lado, o sistema endócrino envolve um complexo e diversificado
leque de funções regulatórias que só através de um controlo rigoroso das
variáveis que o constituem, é possível a obtenção de resultados válidos que
possam ser generalizados (Tremblay et al., 1995). Para isso, é necessário
recolher amostras de sangue em diferentes momentos do ciclo menstrual que
garantam a ocorrência da ovulação e diagnostiquem possíveis fases lúteas
encurtadas (Redman e Loucks, 2005).
Sem a consideração destes aspectos os resultados obtidos podem
subestimar ou sobrestimar a prevalência das diferentes formas de disfunção.
Segundo Brooks et al. (1990) a prevalência de disfunções menstruais
encontrada em atletas de recreação, que apresentam ciclos aparentemente
normais, foi de 41,2%, nos quais existiu um caso de fase lútea encurtada e 6 onde
25
a fase folicular se apresentou com níveis de estrogénios significativamente abaixo
do esperado.
Com estas conclusões, apesar da amostra utilizada ter sido muito reduzida
e as atletas recrutadas pertencerem a um grupo que não representa, à partida, as
exigências do desporto de competição, fica patente a necessidade de recorrer a
análises sanguíneas, no sentido de se aferir correctamente as características do
ciclo menstrual da atleta em análise. Coloca-se assim a possibilidade de que
vários estudos tenham negligenciado determinado tipo de disfunções menstruais,
particularmente pela inexistência de controlo hormonal [e.g., Dusek (2001),
Ramsay e Wolman (2001), Klentrou e Plyley (2003) e Cobb et al. (2003)]. Todos
eles utilizam uma metodologia, aplicação de questionários, que não lhes permite
detectar a presença deste tipo de disfunções.
Segundo Dusek (2001) a prevalência de amenorreia é 3 vezes superior na
população atleta relativamente a mulheres sedentárias. A sua amostra reuniu
diferentes modalidades, dentro das quais a prevalência também se mostrou
diferenciada.
Atletas envolvidas em modalidades colectivas, como voleibol e
basquetebol, apresentaram apenas 4 casos de amenorreia, não sendo nenhum
deles amenorreia primária.
A modalidade onde surgiram os valores mais elevados na incidência de
amenorreia foi, sem dúvida, o atletismo, especialmente nas atletas de fundo e
maratona, seguido do grupo de bailarinas, o que se assemelha aos dados
apresentados por Warren (1999) obtidos por Abraham et al. (1982), Brooks-Gunn
et al. (1987), Feicht et al. (1978), Glass et al. (1987), Shangold e Levine (1982) e
Sandorn et al. (1982), onde bailarinas e atletas de fundo e maratona surgem como
as mais afectadas por disfunções menstruais.
No entanto, outra questão merece ser considerada. Dusek (2001) detectou
que atletas que iniciaram a sua prática desportiva antes do surgimento da
menarca apresentavam uma idade superior para o seu aparecimento, o que
sugere a influência do treino no atraso da primeira menstruação. Também
Constantini e Warren (1995), assim como Klentrou e Plyley (2003), apresentaram
conclusões que apontam para esta possibilidade. Os seus resultados, oriundos de
26
atletas de natação e ginastas de rítmica, respectivamente, referem uma idade, em
média, superior para o aparecimento da menarca na população atleta
relativamente a mulheres sedentárias.
Estes dados remetem-nos para uma discussão antiga. Segundo Malina
(1983) a selecção de atletas para a prática desportiva não se realiza
aleatoriamente. Existem parâmetros que tem como base o nível de habilidade
motora e as características antropométricas dos sujeitos. Como tal, as mulheres
com predisposição genética para uma menarca mais tardia apresentam
características físicas, como as suas estruturas longilíneas, sem a proeminência
das ancas, e os menores valores de peso, que lhes conferem vantagens
competitivas sobre as maturacionalmente mais desenvolvidas, o que as faz
ingressar e permanecer no meio desportivo.
Contudo, a argumentação sociológica de Malina (1983), que aponta para a
desnecessidade de explicações fisiológicas para o constante aparecimento tardio
da menarca em atletas, relativamente à média da população, é contrariada por
diversos estudos como os de Stager et al. (1990) e Georgopoulos et al. (1999).
Stager et al. (1990) reuniram uma amostra de 30000 atletas de diversas
modalidades e verificaram a existência de dois grupos distintos na idade da
menarca. Enquanto que, em média, a idade de aparecimento da menarca se
situou nos 13,43 anos, quando se analisou a mesma no subgrupo de atletas que
iniciaram a sua prática desportiva antes do surgimento da menarca, a média
alterou-se para 13,91 anos, contrabalançando com os 11,69 anos do grupo de
atletas que iniciaram a sua prática desportiva depois do surgimento da menarca.
Considerando estas idades, coloca-se a possibilidade de que o efeito de selecção
possa não ser a única explicação para o aparecimento de diferenças tão
acentuadas na idade da menarca entre atletas e não atletas, visto que essas
mesmas diferenças são também evidentes dentro da própria população atleta
quando se estabelece uma relação entre a idade do início da prática desportiva e
o seu estatuto maturacional no momento.
Na mesma linha de pesquisa, Georgopoulos et al. (1999), analisou 255
atletas de ginástica rítmica e constatou que a idade para o aparecimento da
27
menarca na população atleta foi significativamente mais tardia, cerca de 1,3 anos,
que a nas suas mães e irmãs.
Considerando estes valores, os autores (op. cit.) apontam para que a
predisposição genética, reforçada por Malina (1983), seja alterada pelos
processos de treino o que conduz inevitavelmente a um atraso na menarca.
Ainda associado a este aspecto, Cobb et al. (2003), na sua amostra de 91
atletas de fundo e maratona, encontrou uma prevalência de 26% de
oligomenorreia, que se associou, em todos os casos a um surgimento tardio da
menarca, cerca de 1,2 anos depois da média.
Esta constatação sugere para que o atraso da menarca possa representar
um risco acrescido à ocorrência de disfunções menstruais em idades posteriores.
Segundo Pfeifer e Patrizio (2002), um passado marcado por disfunções
menstruais é um factor que predispõe as atletas para a ocorrência de amenorreia
secundária. Se considerarmos que cada atleta possui a sua predisposição
genética para a idade da menarca e que o processo de treino, como factor
exógeno, propicia uma alteração dessa mesma idade, podemos classificar o
atraso da menarca como uma forma de amenorreia primária, não tão severa, mas
que, de certo modo, já induz uma alteração no sistema endócrino da atleta.
Neste sentido, estabelecemos uma possível relação causal entre diferentes
variáveis.
Segundo Warren et al. (2002), bailarinas com ciclos menstruais regulares e
bailarinas amenorreicas podem distinguir-se pela idade da menarca. O primeiro
grupo apresenta uma idade de 14,3 anos enquanto que o segundo de 15,0 anos.
Estes dados corroboram, em alguma medida, a ideia de que atletas
envolvidas em práticas desportivas regulares, antes do surgimento da menarca,
vêm a sua primeira menstruação atrasada, o que as coloca numa posição mais
vulnerável para o aparecimento de amenorreia secundária.
No entanto, regressando às questões da prevalência das disfunções
menstruais na população atleta, apesar das diferentes limitações metodológicas
que diversos estudos demonstram, a prevalência de amenorreia parece variar
entre 1 e 44% (Souza e Metzger, 1991), dependendo do conceito utilizado e da
modalidade analisada.
28
Contudo, tendo em conta que a maioria dos estudos não apresentou
metodologias que lhes permitissem a obtenção de dados relativos à presença de
fases lúteas encurtadas, importa referir que estas foram encontradas em mulheres
com actividade física regular na ordem dos 43%, acompanhadas de 12% de ciclos
anovulatórios, o que se contrapõe a uma percentagem de 90% de ciclos
ovulatórios na população sedentária (Souza et al., 1998). Estas percentagens
foram obtidas através de um acompanhamento de 3 ciclos menstruais, o que
permitiu observar que em muitas das mulheres com disfunções o seu estatuto
menstrual não era consistente, alterando-se de um ciclo para o outro em 46% dos
casos.
Mais uma vez, é evidente a dificuldade metodológica na obtenção de dados
precisos da incidência de irregularidades menstruais na população atleta. O
número de variáveis é vasto, exigindo-se um forte controlo das mesmas por um
período de tempo relativamente longo.
No entanto, deixando de parte as questões metodológicas que se
encontram associadas à própria natureza dos estudos realizados, concluímos que,
de uma forma geral, as disfunções menstruais fazem parte do quotidiano da
população atleta, assumindo até um espaço privilegiado, chegando mesmo a se
apresentarem como a regra e não a excepção (Pfeifer e Patrizio, 2002).
Deste modo, surge a preocupação na forma como estas disfunções se
articulam, no sentido de descortinar quais os mecanismos desencadeadores das
mesmas.
5.2 Mecanismos desencadeadores de amenorreia hipotalamica
Bailarinas e atletas de fundo têm frequentemente baixos índices de massa
gorda e possuem um corpo magro. Estas características, quando relacionadas
com a elevada percentagem de disfunções menstruais, que acompanham as
atletas destas modalidades, levaram Frisch e Revelle (1974 cit por Nielson e
Fleck, 1985) a propor que seria necessária uma percentagem de 17% de massa
gorda para o surgimento da menarca e de 22% para que a sua ocorrência fosse
mantida.
29
Contudo, esta primeira explicação para o surgimento da amenorreia foi,
desde cedo, colocada em causa pela forma como se estabeleceu a relação entre
as variáveis. No monograma elaborado por Frisch e Revelle (1974 cit por Nielson
e Fleck, 1985) a percentagem de massa gorda é expressa, de forma simplista,
pela consideração do peso em função da altura da atleta, sem qualquer outra
apreciação da composição corporal.
Esta hipótese foi criticada e contrariada, por um lado, pela verificação de
que atletas com valores inferiores a 22%, possuíam ciclos menstruais regulares
(Souza et al., 1988; Warren, 1992) e por outro, pelo reconhecimento de que,
muitas das vezes, a ocorrência de alterações na massa gorda não se traduz em
modificações na massa corporal absoluta, mas sim numa mera substituição de
massa gorda por massa muscular (Creé, 1998).
Dada a falta de rigor expressa nesta hipótese, rapidamente, surgiram outras
formas explicativas que procuram isolar os factores que desencadeiam a
amenorreia.
Dentro delas encontramos uma associação entre amenorreia e stress físico
e emocional. Este pode ser considerado um agente perturbador do equilíbrio do
sistema reprodutor, pela inibição da secreção pulsátil da GnRh, que compromete
as concentrações de FSH e LH e consequentemente dos estrogénios e
progesterona. Este comprometimento parece ser tão pronunciado quanto mais
severo for o agente stressor (Ferin, 1999).
O mecanismo aponta para que o stress físico e emocional active o núcleo
paraventricular do hipotálamo que produz as neuro-hormonas corticotropina (CRH)
e antidiurética (ADH) que actuam ao nível da hipófise provocando a secreção de
adenocorticotropina (ACTH), hormona responsável pela estimulação do córtex
adrenal que conduz à produção de cortisol (Ferin, 1999).
Neste sentido, o complexo hipotálamo-hipófise e o córtex adrenal quando
activados por agentes stressores têm um efeito inibitório no complexo hipotálamo-
hipófise e nas gónadas (Chrousos et al., 1998) por uma produção de
progesterona. Esta produção pelo córtex adrenal, como resposta à estimulação de
ACTH, apesar de pequena, é suficiente para desencadear uma retroacção ao
nível do complexo hipotálamo-hipófise que reduz a produção de LH e acaba por
30
provocar um prolongamento da fase folicular e um encurtamento da fase lútea
(Ferin, 1999).
No entanto, não existem evidências de que o stress possa ser o
responsável para a presença de amenorreia, visto que a retroacção não se
processa a um nível suficientemente elevado que iniba a secreção de GnRh.
Segundo Dobson et al. (2003) a presença de agentes stressores estimula a
actividade de diversos neurónios o que reduz a disponibilidade daqueles que
estão associados à produção de GnRh, o que inevitavelmente resulta numa
diminuição da sua frequência de secreção, não existindo, no entanto, ao longo de
todo o estudo, qualquer referência a uma inibição completa de GnRh que possa
associar este mecanismo à amenorreia.
Por outro lado, Loucks e Redman (2004) também argumentam nesse
sentido. Os elementos stressores devem ser entendidos apenas como factores de
impacto no metabolismo e não de efeito inibitório na função reprodutora. A sua
intervenção no ciclo menstrual não vai para além da sua acção na energia
disponível.
A activação do complexo hipotálamo-hipófise e as glândulas supra-renais
resulta na produção de hormonas que acentuam o catabolismo glicolítico. Este
catabolismo não deve ser desprezado quando se estabelecem associações entre
o stress e as disfunções hormonais (Loucks e Redman, 2004), especialmente se
consideramos que, muitas das vezes, a ingestão calórica das atletas não
corresponde ao que seria necessário para o seu nível de actividade (Laughlin e
Yen, 1997; Tomten e Høstmark, 2006).
Neste sentido, qualquer factor que promova um acentuar do estado crónico
de deficiência energética, frequentemente presente nas atletas, pode conduzir a
disfunções menstruais.
O impacto do stress no sistema reprodutor não é negado, mas sim
colocado dentro de um processo ainda mais complexo, onde a falta de energia
disponível se assume como o elemento desencadeador dos processos fisiológicos
que podem suprimir a função reprodutora (Loucks e Redman, 2004).
A amenorreia apresenta-se assim como uma disfunção que, muito
provavelmente, resulta de um défice de energia disponível e não do impacto
31
negativo de agentes stressores ou da quantidade de massa gorda existente
(Loucks e Nattiv, 2005).
Esta hipótese propõe que a alteração da secreção pulsátil da GnRh seja
mediada por um sinal, ainda não identificado, que informa o hipotálamo de que a
energia existente é inadequada para as exigências do sistema reprodutor e
locomotor (Loucks et al., 1998). Esta situação poderá desencadear fenómenos de
protecção biológica que promovem um período transitório de infertilidade (Williams
et al., 1995).
Considerando que em diversos animais existem mecanismos semelhantes,
onde a actividade do sistema reprodutor é suspendida por falta de energia
disponível, é possível que o mesmo ocorra no organismo humano (Loucks et al.,
1994).
Como forma de verificar esta possibilidade, encontramos o estudo de
Loucks et al. (1994), que ao restringir a energia disponível, num grupo de
mulheres sedentárias, obteve uma menor concentração de LH pela redução na
sua frequência de secreção, 23%, e um aumento da amplitude de secreção, 40%,
o que não se verificou no grupo de controlo, onde mulheres sedentárias não foram
sujeitas a qualquer restrição calórica.
Estes resultados suportam a hipótese de que a secreção pulsátil de LH é
dependente da energia disponível no organismo, tal como se verifica no sistema
reprodutor de outros mamíferos (Loucks et al., 1994).
Como complemento do estudo apresentado, Loucks et al. (1998)
procuraram testar se o impacto da energia disponível na secreção de LH é o
mesmo mediante condições de exercício físico, entendido como agente stressor.
Para isso, reuniu mulheres sedentárias submetidas a exercício físico que se
dividiram por dois grupos, um deles sujeito a restrição calórica, enquanto que no
outro foi garantida uma ingestão calórica equilibrada.
Quando comparados os grupos existiu uma menor concentração de LH
pela diminuição em 10% na frequência de secreção e um aumento de 36% na sua
amplitude de secreção, no grupo de mulheres sujeitas a restrição calórica, o que
ainda foi acompanhado de uma redução de T3 e insulina e um aumento de cortisol
32
e GH. Contrariamente, no grupo de mulheres sujeitas apenas à actividade física,
não existiu qualquer alteração nos parâmetros de secreção da hormona LH.
Neste sentido, o exercício físico, por si só, não se apresenta como o factor
desencadeador de disfunções menstruais. O seu impacto encontra-se relacionado
com o seu custo energético e não com a sua acção stressora. A secreção de LH é
suprimida pela combinação do exercício físico com a restrição calórica. No
entanto, não é necessário que exista uma restrição calórica para verificarmos uma
supressão da secreção de LH. A energia despendida através do exercício físico
pode, isoladamente, conduzir a uma disfunção (Loucks et al., 1998) se o balanço
entre energia consumida e energia despendida não for o correspondente à energia
requerida (Loucks, 2003).
Ao comparar os resultados obtidos nos dois estudos, surge um outro dado
interessante. Podemos constatar que os baixos níveis de energia disponível,
quando causados pelo exercício físico, têm um impacto menor na secreção de LH
do que quando resultam de restrição calórica.
Esta verificação pode, numa primeira observação, parecer contraditória,
visto que seriam de esperar alterações similares em ambos os grupos, dado que
os níveis de energia disponível foram os mesmos. Contudo, coloca-se a hipótese
de que a energia disponível através de uma restrição calórica promova uma menor
disponibilidade de glucose no sangue do que a promovida pelo exercício físico.
Esta diferença na disponibilidade de glucose provém de um uso selectivo dos
substratos energéticos pelo músculo esquelético, que utiliza maior quantidade de
lípidos em detrimento de glucose, com o intuito de conservar energia para as
actividades cerebrais. Uma maior quantidade de energia disponível para o cérebro
possibilita que não seja necessário restringir, num grau tão severo, a secreção de
LH, como a verificada quando há restrição calórica (Loucks et al., 1998).
Tendo em conta que o cérebro só utiliza como substrato energético a
glucose e considerando que o músculo esquelético altera o substrato energético
que degrada durante o exercício, existe a possibilidade de que a secreção de LH
esteja dependente da glucose disponível e não da quantidade de energia
disponível, na sua totalidade (Loucks, 2004).
33
No entanto, não se encontra resolvida a questão de qual o factor mediador
que se associa a essa mesma dependência (Hilton e Loucks, 2000), continuando
os estudos em busca de qual o sinal periférico que conduz a informação do estado
metabólico do organismo ao cérebro (Loucks et al., 1998), e muitas tem sido as
substâncias propostas para resolver a questão.
A insulina é uma das possibilidades. Williams et al. (1996) depois do
reconhecimento de que várias hormonas metabólicas e substratos variavam as
suas concentrações de acordo com as de LH e progesterona, decidiram analisar
de que forma a insulina poderia estar envolvida na modelação da actividade neural
responsável pela produção de GnRh, visto que a sua presença acompanhava, na
mesma medida, a concentração das hormonas reprodutoras, tanto em situação de
jejum como de refeição. Por outro lado, a verificação de que existiam receptores
de insulina em áreas cerebrais, que contém neurónios de GnRh, colocou esta
hormona numa posição privilegiada para ser a chave metabólica que liga a
actividade de GnRh ao estado nutricional do organismo.
Para isso, Williams et al. (1996) utilizaram uma amostra de macacos e
procuraram constatar dois aspectos. Em primeiro lugar estabeleceu uma
correlação entre a concentração de insulina, induzida por uma refeição, e a
respectiva secreção de LH. Posteriormente ministrou um supressor de insulina
para observar o impacto da falta da hormona na secreção ou de LH.
Como resultado, não obteve correlação entre as concentrações de insulina,
após a refeição, e a secreção de LH, assim como a sua inibição não correspondeu
a um bloqueio na secreção da hormona. Resultados que argumentam contra a
hipótese de que a insulina seria o elemento mediador entre GnRh e o estado
metabólico do organismo.
No entanto, apesar de não terem sido encontrados dados que apoiassem a
hipótese formulada, os autores (op. cit.) verificaram que, durante a induzida
supressão de insulina, existiu uma conversão da hormona T4 em T3 o que é aceite
como sendo um sinal de que existe um balanço energético positivo. Desta forma,
a hormona T3 poderá ser o sinal metabólico que se procura visto que a sua
concentração aumentou com o aumento da energia disponível.
34
Loucks et al. (1992) procuraram encontrar informações acerca destas duas
hormonas, mas depararam-se com resultados inconclusivos no que concerne à
sua função como indicador metabólico fundamental.
Neste estudo (op. cit.) foi investigada a integridade do complexo
hipotálamo-hipófise e a glândula tiróide em dois grupos de atletas, um
caracterizado por mulheres com amenorreia e outro por mulheres com ciclos
menstruais regulares. O grupo de controlo foi constituído por mulheres
sedentárias, também elas com ciclos regulares.
Como resultado foram obtidos valores mais baixos das hormonas T4 e T3 no
grupo de atletas amenorreicas, comparativamente aos dois outros grupos em
estudo. No entanto, existiu uma diminuição da hormona T4 nas atletas com ciclos
menstruais regulares comparativamente com as mulheres sedentárias, ao passo
que os valores de T3 não apresentaram diferenças significativas entre estes dois
grupos. Com estes dados parece que a diminuição da hormona T4 é induzida pelo
exercício físico, enquanto que a hormona T3 pode efectivamente ser o indicador
metabólico procurado, dado que a sua concentração reduzida só foi encontrada
em atletas com amenorreia.
Contudo, a possibilidade de que a hormona T3 seja o indicador metabólico
que comunica o défice energético do organismo ao cérebro parece ser contrariada
com base nos resultados do estudo de Souza et al. (2003).
Estes autores (op. cit.) depararam-se com diferenças significativas na
concentração da hormona T3, em qualquer um dos grupos sujeitos ao exercício
físico, tenha ou não presente disfunção menstrual, relativamente ao grupo de
controlo, constituído por mulheres sedentárias com ciclos menstruais regulares.
Esta verificação, associada à investigação de Williams e Cameron (1996 cit por
Souza et al., 2003), monitorizada em ratos, onde a injecção de T3 não preveniu o
posterior decréscimo da hormona LH, induzido por jejum, sugerem que esta
hormona não seja a responsável directa pelo controlo do complexo hipotálamo-
hipófise e ovários. No entanto, como elemento de discussão os autores (op. cit.)
apontam a leptina como provável sinal químico associado a esse mesmo controlo.
O tecido adiposo é um dos possíveis propulsionadores do mecanismo que
articula o controlo da secreção de LH. A quantidade de leptina produzida pode
35
funcionar como indicador metabólico de que existe substrato disponível para
oxidação (Wade e Jones, 2003). Esta hormona, segregada pelo tecido adiposo,
pelo gene da obesidade, potencia uma possível ligação entre os adipócitos e os
factores hipotalamicos que regulam o apetite, e associa-se fortemente à
percentagem de massa gorda existente no organismo. Estas características
reunidas com a verificação da presença de receptores de leptina no hipotálamo e
ovários (Laughlin e Yen, 1997), sugerem que a hormona possa ser o sinal
periférico do estado metabólico do organismo, visto que a sua expressão está
dependente da oxidação de glucose. Para a produção de leptina é necessário a
existência de energia, assim como de tecido adiposo, como local da sua produção
(Zanker, 2006).
Esta hipótese é corroborada pelos dados obtidos por Thong et al. (2000),
onde os valores de leptina se demonstraram significativamente mais baixos em
atletas amenorreicas relativamente àquelas onde o ciclo menstrual se apresentou
regular. Por outro lado, Hilton e Loucks (2000) evidenciam que as concentrações
de leptina são influenciadas pela energia disponível e não pelo stress promovido
pela actividade física. Tal como no estudo de Loucks et al. (1998) o impacto de um
balanço energético negativo, nas concentrações de leptina, foi mais severo quanto
proveniente de uma restrição calórica do que quando induzido pelo aumento do
consumo energético pela actividade física. Contudo, Laughlin e Yen (1997)
apontam para que os baixos valores de leptina, verificados em atletas
amenorreicas, sejam apenas adaptações progressivas a um estado crónico de
deficiência energética. A correspondência entre os níveis de leptina e a
integridade do sistema reprodutor parece não se encontrar por si só, uma vez que
foram observados valores mais baixos desta hormona em atletas com ciclos
menstruais regulares relativamente a mulheres sedentárias, também elas com um
estatuto menstrual regular.
Mais uma vez, considerando que tem sido verificada uma incidência
superior de desordens alimentares em atletas amenorreicas, relativamente às que
possuem um ciclo menstrual regular (Laughlin et al., 1998; Warren et al., 1999;
Tomten e Høstmark, 2006), o estado de hipoleptinemia pode efectivamente ser
36
apenas um reflexo do consumo calórico inadequado, que frequentemente se
verifica nestas atletas (Miller et al., 1998).
Um outro possível indicador metabólico que estabelece a relação entre a
energia disponível no organismo e os neurónios responsáveis pela secreção de
GnRh, designa-se por ghrelin, uma hormona estomacal que estimula o apetite e
encontra uma maior concentração nos períodos de jejum e de perda de peso (The
ESHRE Capri Workshop Group, 2006). Esta hormona tem sido sugerida como
sendo o primeiro sinal metabólico periférico para a fome, ingestão de alimentos e
equilíbrio energético (Zigman e Elmquist, 2003). Conhecendo estas acções
metabólicas, assim como o seu possível papel na regulação do sistema reprodutor
através do hipotálamo, Souza et al. (2004) examinaram as concentrações de
ghrelin em mulheres fisicamente activas com diferentes estatutos menstruais,
ciclos regulares, ciclos com fases lúteas encurtadas ou anovulatórios e estado de
amenorreia.
Foram obtidas análises hormonais durante 3 ciclos menstruais consecutivos
em todas as mulheres participantes no estudo; No grupo de mulheres
amenorreicas observou-se um aumento de, aproximadamente, 100% na
concentração de ghrelin, enquanto que em nenhum dos outros grupos existiu
qualquer diferença. No entanto, esta hormona não se encontrou relacionada com
a concentração de leptina, peso corporal, índice de massa corporal, massa gorda
ou mesmo massa magra, mas sim com T3 e insulina, apesar das correlações
serem negativas e de efeito fraco a moderado.
A falta de associação entre os diferentes indicadores metabólicos aponta
para que a hormona estomacal seja a única a reflectir o estado crónico de défice
energético, que não é traduzido pela massa ou peso corporal mas que se
manifesta num forte sinal para que o organismo aumente a ingestão calórica, para
restabelecer o equilíbrio homeostático (Souza et al., 2004).
No entanto, é necessário obter mais informações acerca desta possível
associação controlando outras variáveis, como a energia disponível, quantidade
de massa gorda e peso corporal para estabelecer uma relação possível de que a
hormona actua no sentido de que o sujeito adquira a sua composição corporal
inicial. Esta possibilidade é suportada pelos dados que acompanharam o aumento
37
da concentração de ghrelin. Decréscimos na concentração de leptina, T3, glucose
e insulina assim como acréscimos nas hormonas GH e cortisol (Souza et al.,
2004), tudo indicações que se reconhecem num estado hipometabólico tanto em
mulheres com amenorreia como com anorexia (Laughlin et al., 1998).
Este indicador metabólico, ghrelin, com base nos estudos a que tivemos
acesso, parece ser a substância mais importante na comunicação do estado
energético do organismo aos neurónios, e que pode inibir a secreção de GnRh.
Considerando que grande maioria dos estudos são suportados na teoria de
que as disfunções menstruais são resultado da insuficiente energia disponível no
organismo, apesar das diferentes opiniões acerca de qual o indicador metabólico
subjacente ao mecanismo de comunicação do défice de energia aos neurónios, é
importante conhecer os valores a partir dos quais ocorre uma inibição da secreção
de LH.
Como forma de averiguar a restrição calórica necessária para a ocorrência
da referida inibição, Loucks e Thuma (2003) distribuíram as mulheres inseridas no
seu estudo em quatro grupos, submetidos a dietas distintas, onde se controlou a
energia ingerida e despendida, de forma a que a energia disponível fosse, no
momento inicial da experiência, de 45 Kcal/KgLBM.d para todos os grupos. Com o
desenrolar dos procedimentos, os diversos grupos foram sujeitos a restrições
calóricas diferenciadas. Um primeiro passou a possuir uma energia disponível de
30 Kcal/KgLBM.d, um segundo de 20 Kcal/KgLBM.d, um terceiro de 10
Kcal/KgLBM.d enquanto que o quarto manteve as 45 Kcal/KgLBM.d iniciais,
funcionando como grupo de controlo.
Após 5 dias de restrição calórica, precedidos de 3 com uma dieta
equilibrada, os sujeitos verificaram uma redução de 2 Kg, 1,1 Kg e 1,3 Kg no peso
corporal, respectivamente nos grupos de 10 Kcal/KgLBM.d, 20 Kcal/KgLBM.d e 30
Kcal/KgLBM.d. O grupo que manteve os seus níveis de energia disponível nas 45
Kcal/KgLBM.d, como seria de esperar, não apresentou qualquer alteração no peso
corporal.
Relativamente à secreção da hormona LH, as dietas com energia
disponível de 10 Kcal/KgLBM.d e 20 Kcal/KgLBM.d reduziram a frequência de
secreção e aumentaram a sua amplitude o que se traduz numa menor
38
concentração da hormona. No entanto, a dieta de 30 Kcal/KgLBM.d não propiciou
efeitos nos parâmetros de secreção.
Dentro da dieta de 20 Kcal/KgLBM.d a redução na frequência correspondeu
a 16%, enquanto que o aumento na amplitude foi de 21%. Já na dieta de 10
Kcal/KgLBM.d os efeitos foram mais severos, sendo a redução da frequência de
39% e o aumento da amplitude de 109%. Em qualquer um dos grupos
reconheceu-se variação individual, existindo casos onde a diminuição da
concentração de LH obteve uma expressão mais acentuada relativamente a
outros. Contudo, aqueles onde se apurou um efeito mais extremo da falta de
energia disponível foram nos sujeitos que apresentavam fase lútea encurtada.
Com tudo isto, podemos definir um limiar de energia disponível abaixo do
qual podem ocorrer disfunções na secreção pulsátil de LH. Esse limiar situa-se
nas 30 Kcal/KgLBM.d, mas não se apresenta como um valor invariável.
Este limiar é também, em alguma medida, observado por Thong et al.
(2000) durante a realização do seu estudo, onde atletas amenorreias possuíam,
habitualmente, 16 Kcal/KgLBM.d de energia disponível, enquanto que atletas com
ciclos menstruais regulares apresentavam valores bem mais elevados, na ordem
dos 30 Kcal/KgLBM.d.
Com todas as modificações verificadas nos parâmetros de secreção da
hormona LH podemos compreender que o sistema reprodutor é sensível a
alterações a curto prazo. Alterações essas que se associam à energia disponível e
que podem ocorrer em apenas 7 dias (Williams et al., 1995).
O exercício físico, como já referimos anteriormente, não é o agente que
promove as disfunções menstruais, mas sim um meio de dispêndio energético que
pode desequilibrar os níveis de energia disponível e inibir a secreção de LH
(Williams et al., 1995).
No entanto, a forma como esta inibição pode ocorrer foi testada em
macacos e aponta para que se processe de forma abrupta. Apenas três
particularidades foram verificadas no ciclo que precedeu à amenorreia. Uma maior
durabilidade da fase folicular e consequentemente do próprio ciclo, dado que não
ocorreu encurtamento da fase lútea, um aumento da concentração da hormona
FSH e uma menor produção de progesterona. A primeira constatação aponta para
39
que tenha sido necessário um maior período de tempo para que o folículo
atingisse a sua maturação, enquanto que a segunda pode estar relacionada por
uma menor operacionalidade da hormona GnRh que pelo exercício físico reduziu
a sua frequência (Williams et al., 2001a).
O mecanismo inverso foi também ele averiguado em macacos, numa
amostra de 4 animais. Partindo do pressuposto de que o estado de amenorreia é
induzido por um défice de energia disponível, o seu reverso será conseguido com
um acréscimo na energia disponível, sem a alteração da prática de exercício
físico. Esta possibilidade foi verificada através de um acréscimo em 163% e 181%
em dois dos animais e de 138% e 141% nos outros dois. Contudo, o período de
tempo que os animais demoraram a restabelecer as suas funções hormonais foi
de 12 e 16 dias no primeiro caso e de 50 e 57 dias no segundo (Williams et al.,
2001b).
Em contrapartida, na espécie humana, existem evidências de que a
recuperação das funções reprodutoras será mais lenta que a verificada em
qualquer um dos outros mamíferos estudados, dada a dependência do cérebro
humano pela presença de glucose. Neste sentido, o cérebro compete com todos
os outros órgãos e tecidos pela energia disponível (Loucks e Verdun, 1998).
No entanto, estes dados questionam a interpretação que deve ser feita
relativamente à presença de fases lúteas encurtadas. Tanto na situação de
restrição calórica, onde ocorre supressão do ciclo menstrual, como no seu
estabelecimento por maior ingestão calórica, não se verificaram fases lúteas
encurtadas que apontem para que estas sejam um estádio intermédio entre um
ciclo normal e a amenorreia.
A dúvida permanece instalada e balança entre uma possível aclimatização
ao processo de treino e uma disfunção menstrual num organismo mais robusto ao
impacto energético do exercício físico (Loucks, 1990).
40
6. Osteoporose e osteopenia
Actividades físicas de elevado impacto ósseo-articular são reconhecidas
como promotoras de benefícios na estrutura óssea (Stacey et al., 1998), no
entanto podem associar-se a disfunções menstruais que comprometem os níveis
de estrogénio no organismo (Lebrun e Rumball, 2002) e promovem uma
aceleração do processo de remodelação óssea (Miller e Klibanski, 1999) que se
pode traduzir no surgimento de osteoporose ou osteopenia. Problemas de saúde
que estão descritos como as principais repercussões negativas da amenorreia
(Cumming e Cumming, 2001), visto existirem evidências de que a função
reprodutora seja apenas afectada de uma forma reversível (Marshall, 1994).
Por osteoporose podemos entender uma perda de massa óssea que
conduz a uma degradação da sua estrutura arquitectónica que torna o osso mais
vulnerável a fracturas (Putukian, 1998). De uma forma mais rigorosa podemos
quantificar essa perda em 2,5 desvios standard abaixo da média (Khan et al.,
2002).
No entanto, esta problemática pode assumir uma expressão menos severa
designando-se por osteopenia, o que significa, do mesmo modo, uma perda de
massa óssea mas em valores mais reduzidos, entre 1 e 2,5 desvios standard
abaixo da média (Khan et al., 2002).
Tanto osteoporose como osteopenia são processos de perda de massa
óssea que resultam da relação negativa entre osteoblástos e osteoclástos.
O tecido ósseo é sujeito a um processo dinâmico e sequencial, designado
de remodelação, que envolve reabsorção e formação de tecido ósseo nas
cavidades microscópicas do esqueleto. Neste processo, os osteoclástos
reabsorvem as lamelas ósseas, formando cavidades, que posteriormente são
preenchidas por novas camadas ósseas, mais resistentes, através da acção dos
osteoblástos (Bennell et al., 1999a).
Quando existe uma actividade mais pronunciada dos osteoclástos,
responsáveis pela absorção das células ósseas, comparativamente com a dos
osteoblástos, imprescindíveis na formação óssea (Snow-Harter, 1994), propicia-se
um decréscimo na densidade da massa óssea que conduz ao surgimento de
41
osteoporose, que inevitavelmente se associa a um maior risco de fracturas de
stress (Bennell et al., 1999a).
Contudo, nem todas as zonas do esqueleto humano são afectadas na
mesma proporção pela presença de amenorreia. O osso cortical,
preferencialmente presente no esqueleto articular, constituído por discos
compactos (Snow-Harter, 1994) parece ser menos afectado comparativamente ao
osso trabecular, de estrutura porosa, predominante na coluna vertebral
(Drinkwater et al., 1984; Sned et al., 1992; Rutherford, 1993; Miller e Klibanski,
1999; Valentino et al., 2001; Gremion et al., 2001; Punpilai et al., 2005).
De qualquer forma, apesar da maior predisposição da coluna vertebral para
perdas de massa óssea, provavelmente por uma taxa de remodelação mais
acentuada nesta zona do corpo (Warren et al., 2005), os problemas de
osteoporose assumem-se como um todo, como a causa de inúmeras fracturas de
stress, extravasando a questão da terceira idade (Wiggins e Wiggins, 1997).
A aquisição do pico de massa óssea é um dos factores que protegem a
mulher contra as adversidades da osteoporose (Barnekow-Bergkvist et al., 2005).
Assim, a actividade física tem sido utilizada como forma de maximizar os ganhos
de massa óssea nesse mesmo pico, pelo seu papel positivo na inibição da
actuação dos osteoclástos.
Este efeito positivo da actividade física na densidade óssea foi observado
por Torstveit e Sundgot-Borgen (2005b) que encontraram valores mais elevados
de densidade óssea, entre 3 a 20%, na população atleta relativamente à
sedentária, assim como Creighton et al. (2001) que constataram uma densidade
óssea superior nas atletas envolvidas em modalidades de grande impacto4,
relativamente ao grupo de mulheres sedentárias.
Contudo, Creighton et al. (2001) não colocaram de parte a possibilidade
destes dados serem apenas o reflexo de um processo de selecção. Indivíduos
com maior densidade óssea tendem a envolver-se em modalidades de grande
impacto, enquanto aqueles que possuem valores mais baixos optam por participar
em actividades que lhes coloquem menos riscos.
4 Tradução da expressão inglesa – high impact.
42
No entanto, um caso evidente que contraria esta possibilidade pode ser
observado no andebol, onde as diferentes atletas apresentam valores superiores
de densidade óssea no seu braço dominante e membro inferior contra-lateral, o
que apenas pode ser explicado por uma mobilização mais constante dos referidos
sectores ósseos. A presença de uma maior massa muscular, pela solicitação
repetida, provoca forças superiores no osso onde o músculo se insere, o que
facilita a acumulação de massa óssea (Vicente-Rodriguez et al., 2004).
Nesta linha de ideias, é importante referir que o aumento da densidade
óssea está dependente do tipo de forças que se exercem no osso. Actividades
que envolvem um maior número de saltos, mudanças de direcção, arranques, e
paragens (Vicente-Rodriguez et al., 2004) onde as forças aplicadas superam 10
vezes o peso corporal, propiciam maiores ganhos de massa óssea (Burrows et al.,
2003), como verificaram Bemben et al. (2004) num estudo comparativo entre
ginastas e atletas de fundo. Com efeito, ginastas apresentaram valores mais
elevados de densidade óssea, independentemente do seu estatuto menstrual,
relativamente às atletas de fundo e população sedentária. Estes dados sugerem
que o tipo de cargas, às quais as ginastas estão sujeitas, poderão eventualmente
compensar o elevado índice de desordens menstruais que as acompanha, sendo
possível manter os benefícios da actividade física.
Contudo, existe a possibilidade de que os benefícios propiciados pela
actividade física não se articulem de uma forma linear, mas sim parabólica
(Winters et al., 1996). A relação negativa, encontrada entre os baixos valores de
massa óssea e a distância percorrida pelas atletas durante os treinos, sugere que
até a um certo limiar de exercício a formação óssea seja estimulada e que para
além desse limiar os benefícios na densidade óssea sejam perdidos (Lavienja et
al., 2003).
O impacto repetido de forças externas faz com que as micro-lesões ósseas
não sejam reparadas pelo processo de remodelação, gerando-se uma
acumulação das mesmas que pode conduzir a fracturas de stress (Bennell et al.,
1999a).
Por outro lado, o estatuto menstrual das atletas envolvidas na prática
desportiva, não pode ser esquecido. Os baixos níveis de estrogénio, em atletas
43
com disfunções menstruais, fazem com que a taxa de remodelação seja acelerada
(Miller e Klibanski, 1999). Uma vez que durante o processo de remodelação a
absorção ocorre antes da formação, o osso fica constantemente vulnerável a
fracturas (Bennell et al., 1999a).
Se considerarmos que metade do esqueleto do ser humano se constitui
durante a segunda década de vida e que a deposição de cálcio nos ossos triplica
na puberdade (Lehtonen-Veromaa et al., 2000), podemos afirmar que níveis
inadequados de estrogénio, nesta fase critica de desenvolvimento, comprometem
a aquisição do pico de massa óssea que dificilmente poderá ser compensado
posteriormente (Warren et al., 2005).
Stacey et al. (1998) sugerem que o atraso da menarca, frequentemente
observado em atletas que se envolvem nas práticas desportivas, não permite o
alcance do pico de massa óssea, sujeitando as atletas a um maior risco de
desenvolver osteoporose e consequentemente de fractura de stress. Risco esse
que apesar de ser diminuído com o surgimento da menstruação através de um
fenómeno de catch-up, não chega a atingir os valores médios para a idade
(Warren et al., 2002).
Para além do atraso da menarca, também a amenorreia secundária e a
oligomenorreia se associam a uma maior fragilidade óssea. Tomten et al. (1998) e
Cobb et al. (2003) apontam para um decréscimo de 9% e 3%, respectivamente, na
densidade óssea de mulheres oligomenoreicas e amenorreicas.
Contudo, na ginástica parece existir um efeito de protecção óssea, mesmo
em atletas amenorreicas, tanto na coluna vertebral como no esqueleto articular.
Os seus valores de densidade óssea são significativamente mais elevados nas
zonas onde existe um grande impacto, propiciado pelas cargas de treino (Helge e
Kanstrup, 2002). No entanto, desconhecemos se o mecanismo de protecção
observado na ginástica será semelhante ao que ocorre noutras modalidades, nas
quais as atletas estão, em teoria, sujeitas a cargas similares, como no andebol,
futebol ou triplo salto.
Por outro lado, em nenhum dos estudos já referidos foi considerada a
disfunção fase lútea encurtada, no que concerne ao seu possível impacto na
densidade óssea das atletas.
44
Apenas Souza et al. (1997) se debruçaram sobre esta questão,
comparando a densidade óssea de atletas com diferentes estatutos menstruais,
devidamente atribuídos por uma análise hormonal em três ciclos menstruais
consecutivos, não obtendo diferenças significativas entre nenhum dos três grupos
de mulheres analisados, sedentárias com ciclos ovulatórios, atletas com ciclos
ovulatórios e atletas com fase lútea encurtada.
Estes resultados parecem apontar para que as alterações nas
concentrações de progesterona não afectem a densidade óssea, nem qualquer
um dos indicadores bioquímicos que acompanham a remodelação óssea, desde
que a produção de estrogénios seja mantida na fase folicular (Souza et al., 1997).
Desta forma, atendendo que a amenorreia pode ser explicada por insuficiente
ingestão calórica relativamente ao exigido pela actividade física, é pertinente
associar a perda de massa óssea a mais uma das adaptações fisiológicas ao
estado crónico de baixa energia disponível.
No sentido de comprovar esta hipótese Ihle e Loucks (2004), à semelhança
de Loucks e Thuma (2003), dividiram a sua amostra em quatro grupos, cada um
deles sujeito a uma dieta distinta onde a energia disponível foi de 45, 30, 20 e 10
Kcal/KgLBM/day.
Como resultado foram obtidos valores alterados dos indicadores
bioquímicos intervenientes no processo de remodelação, que apontam para uma
maior actividade dos osteoclástos, que se traduz numa maior taxa de reabsorção
óssea. Esta alteração ocorreu entre os 30 e os 20 Kcal/KgLBM/day de energia
disponível.
Se atendermos que dentro da população atleta é frequente encontrarmos
desordens alimentares (Warren et al., 2002), mais uma vez se evidencia a relação
entre os três vértices do triângulo da tríade da mulher atleta.
E, com o intuito de minimizar o impacto de cada um dos vértices da tríade
na saúde das atletas, importa reforçar que o aspecto preponderante a atender se
relaciona com o aparecimento de osteoporose, uma vez que os valores de
densidade óssea que se lhe associam parecem ser parcialmente reversíveis (Ihle
e Loucks, 2004).
45
Neste sentido, voltamos a nossa atenção para a forma que geralmente
tem sido encontrada para evitar a amenorreia e suas consequências, a pílula
contraceptiva.
A pílula, sob a forma combinada de estrogénios e progesterona, actua no
sentido de manter os níveis hormonais constantes, ao longo de todo o ciclo, e
assume-se como o método mais recomendado pelos médicos para a resolução da
amenorreia na sociedade americana (Haberland, 1995 cit por Cumming e
Cumming, 2001). Este procedimento parece ser também extensivo à nossa
realidade, pelo menos a nossa experiência pessoal assim nos faz pensar.
O mecanismo da pílula é baseado na estabilização dos níveis de
estrogénios e progesterona ao longo do ciclo menstrual, eliminando as flutuações
hormonais, o que aparentemente pode compensar os baixos valores destas
hormonas em mulheres amenorreicas e oligomenorreicas, reduzindo o risco de
fracturas de stress, por um efeito no aumento da massa óssea.
Contudo, esta associação entre dosagens hormonais (externas) e aumento
da massa óssea não é tão linear quanto se esperava, até porque a constituição da
pílula tem vindo a sofrer alterações ao longo do tempo. Hoje em dia, as dosagens
de que falamos são significativamente reduzidas o que pode não induzir os
aumentos de massa óssea desejados.
Uns apontam claramente para um acréscimo de massa óssea na coluna
vertebral após a administração de contraceptivos (Warren et al., 2005), enquanto
outros alertam para que esse acréscimo não corresponda a uma normalização da
densidade óssea (Kaufman et al., 2002).
Fredericson e Kent (2005) reuniram informação acerca de uma corredora
de fundo e analisaram a sua evolução ao longo de vários anos. A sua ingressão
no meio desportivo foi aos 12 anos, antes do aparecimento da menarca. Aos 13
anos começou a restringir a sua dieta alimentar, reduzindo a ingestão de calorias,
o que levou a que se verificasse uma perda de peso e não um ganho como seria
de esperar em função da idade. Este comportamento manteve-se, assim como o
seu baixo peso corporal, que se associou à presença de amenorreia primária até
aos 23 anos. O seu médico prescreveu-lhe contraceptivos orais, mas a atleta
recusou com receio de que a sua performance fosse afectada; o seu peso era
46
então de 48,6Kg e a sua densidade óssea reduzida, com valores locais que
correspondiam a osteoporose, na zona lombar da coluna vertebral, e a osteopenia
na anca.
Mantidos estes valores a atleta acedeu em tomar contraceptivos orais que
lhe induziram a ocorrência de ciclos menstruais normais. A atleta continuou
envolvida na prática desportiva e os seus valores de massa óssea não sofreram
alterações. No entanto, a sua preocupação com os efeitos que poderiam provocar
a longo prazo, os seus baixos valores de massa óssea, fez com que resolvesse
ganhar peso e deixar a competição sem, no entanto, deixar a actividade física.
Passou de 50,4Kg para 55,7Kg e a sua densidade óssea subiu ligeiramente, mas
sem abandonar os valores de osteopenia na anca e osteoporose na coluna
vertebral. Nos 4 anos seguintes a atleta continuou a ganhar peso, deixou de tomar
contraceptivos e conseguiu, aos 30 anos, ganhos de massa óssea na ordem dos
25,5 % na coluna vertebral e de 19,5% na anca, sem nunca deixar de praticar uma
actividade física regular.
Os resultados deste estudo, de natureza longitudinal, contestam a prática
de administração de contraceptivos como forma de prevenir a osteoporose na
mulher atleta. Acresce que só um acompanhamento individual e estendido no
tempo se afigura como a melhor forma de analisar os potenciais efeitos do uso de
contraceptivos nas atletas em risco de desenvolverem osteoporose.
No entanto, mesmo evidenciando os dados que apontam para os efeitos
positivos da prescrição de contraceptivos, existe alguma oposição na sua
utilização pelos possíveis ganhos de peso que podem induzir. Tanto atletas como
treinadores demonstram receios que a performance seja afectada e rejeitam esta
forma de tratamento (The ESHRE Capri Workshop Group, 2006). Por outro lado,
existem ainda evidências de que a amenorreia não promove decréscimos na
performance (Souza et al., 1990), o que coloca atletas e treinadores numa posição
defensiva fase à possibilidade de impactos negativos na performance pelo uso de
contraceptivos orais. Esta situação é mais evidente nas modalidades onde se
enfatiza um corpo magro, tanto por questões estéticas como competitivas (Bennell
et al., 1999b).
47
7. Conclusões
O comprometimento com uma actividade física regular promove benefícios
de saúde em mulheres de todas as idades, porém, especialmente quando as
cargas envolvidas são muito intensas, podem ocorrer consequências negativas,
entre as quais a tríade da mulher atleta.
Problemática que essencialmente se reportada às exigências e
constrangimentos impostos pela prática desportiva competitiva, com maior
expressão em atletas envolvidas em modalidades onde se enfatiza um corpo
magro. No entanto, a sua prevalência não é reconhecidamente um problema
exclusivo da população atleta.
Acresce que o risco de contrair a tríade relativamente à natureza da prática
desportiva não é consensual, para o que as dificuldades e limitações
metodológicas evidenciadas pelos vários estudos consultados têm contribuído.
Também um evidente alargamento do conceito e inerentes sintomas tem
dificultado a realização de estudos prospectivos e experimentais, principalmente
quando se pretende estudar os três vértices da tríade de forma articulada.
Também não é claro e inequívoco o mecanismo que desencadeia a tríade,
apesar do vértice correspondente às desordens alimentares ser frequentemente
apontado como o factor indutor do síndrome.
A procura de um corpo magro que corresponda aos padrões vigentes no
meio desportivo, tanto por questões estéticas como de performance, é
frequentemente apontado como indutor de hábitos alimentares inadequados, que
resultam num estado hipometabólico, onde a energia disponível parece ser
insuficiente para dar resposta as exigências da prática desportiva.
Neste sentido, a amenorreia surge como resultado de um défice de energia
disponível que inibe a secreção da neuro-hormona GnRh e consequentemente a
concentração da hormona LH, por mecanismos e indicadores metabólicos ainda
por esclarecer.
No que concerne à osteoporose pouco se sabe acerca das consequências
a longo prazo, que advém das perdas de massa óssea que lhe estão associadas.
Os estudos são maioritariamente transversais, não apurando o verdadeiro impacto
48
deste problema. No entanto, este é o vértice da tríade da mulher atleta que se
apresenta como mais preocupante, dado o seu carácter irreversível. São também
insuficientes os dados experimentais que suportem a toma de contraceptivos orais
como método profiláctico de prevenção da osteoporose, em consequência de um
estado de amenorreia prolongado.
Independentemente do suporte teórico e experimental do problema da
tríade da mulher atleta ser ainda incipiente para o que o tema exige, é importante
referir que consideramos que todos os intervenientes (directos) da prática
desportiva deveriam ter conhecimentos base acerca desta problemática, no
sentido de tomarem medidas adequadas e atempadas em função do que cada
situação revelar necessitar.
49
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