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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
LEANDRO RODRIGUES GONZALEZ FERNANDEZ
IMIGRAÇÃO PORTUGUESA E HOSPITALIDADE:
CASA DE PORTUGAL DE SÃO PAULO E SEUS EVENTOS (1980-2010)
DOUTORADO EM HISTÓRIA SOCIAL
SÃO PAULO 2016
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
LEANDRO RODRIGUES GONZALEZ FERNANDEZ
IMIGRAÇÃO PORTUGUESA E HOSPITALIDADE:
CASA DE PORTUGAL DE SÃO PAULO E SEUS EVENTOS (1980-2010)
Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, como exigência
parcial para obtenção do título de Doutor em História
Social, sob a orientação da Profª. Dra. Maria Izilda
Santos de Matos.
SÃO PAULO 2016
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BANCA EXAMINADORA
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Dedico esta tese à memória de meus avós portugueses Antonio Rodrigues e Maria do Carmo Ferreira Nobre, que tanto me ensinaram!
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AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus pelo dom da vida e oportunidade de encontrar a Profa.
Dra. Maria Izilda Santos de Matos, responsável por me conduzir com tanta
paciência, competência, profissionalismo e dedicação durante todo o percurso da
pesquisa.
À PUC-SP - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e aos docentes
do Programa de História Social, que propiciaram os ensinamentos necessários ao
até então desconhecido campo da História.
À CAPES, que em conjunto com a PUC-SP custearam boa parte dos
estudos com a bolsa.
Ao Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo
(IFSP), que possibilitou o afastamento capacitação, essencial para a dedicação à
pesquisa nos últimos 18 meses.
Aos membros da banca de qualificação, Prof. Dr. Paulo César Gonçalves e
Profa. Dra. Sênia Regina Bastos, pelas dicas e contribuições. No caso da Professora
Sênia, foram constantes. Obrigado mais uma vez por tudo!
Aos depoentes que cederam tempo e um pouco de si e suas histórias,
contribuindo assim na elaboração desta pesquisa. A satisfação e emoção ao se
referirem à Casa de Portugal foram tocantes.
Agradeço ao convite do presidente da Casa de Portugal, Antonio dos
Ramos, para compor a diretoria executiva, me possibilitando estar mais próximo do
objeto de estudo e dando novo sentido à minha vida.
A todos os funcionários da Casa de Portugal, que, com muita atenção,
atenderam a todas as solicitações realizadas, principalmente Conceição de Lemos.
À bibliotecária Eliane Junqueira, pelo empenho em ajudar no encontro de
fontes e referências bibliográficas para a pesquisa. Muito obrigado!
Aos meus familiares, por tudo o que sempre representaram, incentivaram e
auxiliaram em minha trajetória: tia Dora, mãe, pai, sogros. Sem vocês jamais
conseguiria.
6
Agradeço especialmente à tia Dora, que, com amor de uma verdadeira
segunda mãe que tenho, cuidou de mim e segurou a pequena Ana Luiza o tempo
todo, para que pudéssemos estudar e participar dos encontros e demais atividades
programadas.
À Dra. Yara Laghi, por cuidar de mim.
Aos amigos de sempre que me acompanham, especialmente às queridas
Dra. Elis Regina Barbosa Angelo e Dra. Dolores Martin Rodríguez Corner, fontes de
inspiração.
Às minhas lindas e amadas princesas Maria Antonia e Ana Luiza, que me
incentivam e enchem de amor e alegria.
À Camila Collpy Gonzalez Fernandez, companheira, colega de estudos, de
profissão, minha vida!
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RESUMO
FERNANDEZ, Leandro Rodrigues Gonzalez. Imigração Portuguesa e
Hospitalidade: Casa de Portugal de São Paulo e seus eventos (1980-2010). Tese
(Doutorado em História Social), PUC-SP, São Paulo, 2016.
Esta investigação se dá no campo da história cultural e desvenda a história da Casa
de Portugal de São Paulo, abordada por meio de suas trajetórias identitárias. Para
tanto, o foco recai sobre os eventos mais realizados na associação, suas origens e
significados. A análise da programação cultural reconstrói a trajetória político-cultural
da associação e de Portugal, assim como a memória é resgatada e reconstruída no
contexto luso-brasileiro. O diferencial da pesquisa está na historicização da
hospitalidade dentro do processo e/imigratório, contextualizando as saídas de
Portugal e as entradas no estado de São Paulo, o receber à portuguesa, os sabores,
gostos e tradições rememorados na prática da comensalidade e o entretenimento
musical. As fontes e as entrevistas realizadas com os diretores e pessoas ligadas à
associação apontam para uma dualidade própria da identidade portuguesa entre
tradição e modernidade, além de indicarem que, politicamente, a Casa de Portugal
reflete as ações culturais portuguesas, desde a sua fundação pelo Secretariado de
Propaganda Nacional, apresentando por isso resquícios da herança cultural
salazarista.
Palavras-chave: imigração, Casa de Portugal, identidade, memória, hospitalidade.
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ABSTRACT
FERNANDEZ, Leandro Rodrigues Gonzalez. Portuguese Immigration and
Hospitality: São Paulo‟s House of Portugal and its events (1980-2010). Thesis (PhD
Degree in Social History), PUC-SP, São Paulo, 2016.
This investigation takes place in the field of cultural history and unveils the history of
São Paulo‟s House of Portugal, approached through its identity pathways. To this
end, the focus is on the most frequently held events in the association, their origin,
and their meanings. The cultural program analysis rebuilds the associations and
Portugal‟s political-cultural path, as well as memories are ransomed and
reconstructed in the Luso-Brazilian context. The research differential lies on
historicizing the hospitality within the e/immigration process, contextualizing the
departures from Portugal and arrivals in the state of São Paulo, welcoming in the
Portuguese way, the flavors, tastes, and traditions recollected in the practice of table-
sharing and musical entertainment. The sources and interviews held with the Board
and people linked to the association point to a duality featuring the Portuguese
identity between tradition and modernity, besides indicating that the House of
Portugal has politically reflected the Portuguese cultural actions since it was founded
by the National Program Secretariat, thus presenting remainders of the Salazarian
cultural heritage.
Keywords: immigration, House of Portugal, identity, memory, hospitality.
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SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO................................................................................................... 14
CAPÍTULO 1 – PONTES ATLÂNTICAS: PORTUGAL E SÃO PAULO................. 22
1.1 E/IMIGRAÇÃO PORTUGUESA: SAÍDAS E ENTRADAS.................................. 22
1.2 SOCIEDADE DE ACOLHIMENTO: SÃO PAULO.............................................. 48
1.3 CASA DE PORTUGAL: POLÍTICA SALAZARISTA E PRÁTICA
ASSOCIATIVA................................................................................................... 67
CAPÍTULO 2 – POLÍTICA E CULTURA: PROGRAMAÇÃO DA CASA DE
PORTUGAL (1980-2010)............................................................... 113
2.1 CELEBRAR E COMEMORAR........................................................................... 113
2.2 PROGRAMAÇÃO CULTURAL: AÇÕES E INFLUÊNCIAS................................ 142
2.3 HOMENAGENS E HONRARIAS: CONSTRUINDO MEMÓRIAS...................... 155
CAPÍTULO 3 – EVENTOS NA CASA DE PORTUGAL: MEMÓRIAS,
IDENTIDADES E HOSPITALIDADE.............................................. 187
3.1 EVENTOS LIGADOS À TERRA: PRESENÇA SALAZARISTA......................... 188
3.1.1 Vindima....................................................................................................... 199
3.1.2 O Magusto e a Desfolhada do Milho.......................................................... 212
3.1.3 Festa da Cereja.......................................................................................... 220
3.2 EVENTOS: SABORES, GOSTOS E TRADIÇÕES............................................ 225
3.3 EVENTOS: ANIVERSÁRIO DA CASA E CEIA DE NATAL............................... 253
CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................... 275
FONTES E BIBLIOGRAFIA.................................................................................... 280
ANEXOS.................................................................................................................. 303
APÊNDICES............................................................................................................ 306
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LISTA DE IMAGENS
Imagem 1 - Trilogia da Educação Nacional............................................................. 46
Imagem 2 - Vista parcial de quarto coletivo no primeiro pavimento........................ 52
Imagem 3 - Carta de chamada................................................................................ 58
Imagem 4 - Placa alusiva à visita de Craveiro Lopes à Casa de Portugal
em 15 de junho de 1957....................................................................... 91
Imagem 5 - Placa alusiva à visita de Marcello Caetano à Casa de Portugal
em 9 de julho de 1969........................................................................... 93
Imagem 6 - Fachada do edifício-sede da Casa de Portugal.................................... 97
Imagem 7 - Hall de elevadores................................................................................ 99
Imagem 8 - Galeria de Artes da Casa de Portugal.................................................. 101
Imagem 9 - Salão de festas..................................................................................... 102
Imagem 10 - Salão Nobre........................................................................................ 103
Imagem 11 - Salão Nobre decorado para evento.................................................... 104
Imagem 12 - Pátio interno da sala de reuniões....................................................... 104
Imagem 13 - Perspectiva do Auditório da biblioteca................................................ 106
Imagem 14 - Perspectiva da biblioteca.................................................................... 107
Imagem 15 - Informativo do Secretariado de Propaganda Nacional....................... 111
Imagem 16 - Ivan Lins e Carlos do Carmo no espetáculo “Um abraço
luso-brasileiro”..................................................................................... 122
Imagem 17 - Festa do Brasil e Portugal................................................................... 130
Imagem 18 - Pintura do Infante D. Henriques.......................................................... 157
Imagem 19 - Comenda “Ordem do Mérito do Infante D. Henrique”......................... 159
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Imagem 20 - Viagem oficial de FHC a Portugal....................................................... 175
Imagem 21 - Pisa das uvas...................................................................................... 205
Imagem 22 - Merenda.............................................................................................. 206
Imagem 23 - Cartaz de divulgação do Magusto na Casa de Portugal.................... 212
Imagem 24 - Encenação do modo de assar as castanhas...................................... 213
Imagem 25 - Modo tradicional de assar as castanhas............................................. 214
Imagem 26 - Salão onde é servido o Almoço das Quintas...................................... 232
Imagem 27 - Parte do salão do Almoço das Quintas onde é servido o couvert.... 234
Imagem 28 - Bacalhau d‟O Marquês....................................................................... 236
Imagem 29 - Bacalhau a Romeu............................................................................. 237
Imagem 30 - Sobremesas no Almoço das Quintas.................................................. 245
Imagem 31 - Encerramento do Almoço das Quintas............................................... 249
Imagem 32 - Cardápio d‟O Marquês........................................................................ 251
Imagem 33 - Apresentação de Roberto Leal na Ceia de Natal na Casa de
Portugal em 2010................................................................................ 260
Imagem 34 - O fado na bagagem............................................................................ 272
Imagem 35 - Apresentação do fadista Camané na Casa de Portugal.................... 273
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LISTA DE QUADROS
Quadro 1 - Ingresso quinquenal de imigrantes portugueses (1946-1980)............. 54
Quadro 2 - Relação de presidentes e vigência de seus mandatos na
Casa de Portugal................................................................................... 87
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LISTA DE SIGLAS
ANPOCS – Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências
Sociais
AICEP – Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal
C.A.D.C. – Centro Académico de Democracia Cristã
CDS – Partido do Centro Democrático Social
CEE – Comunidade Econômica Europeia
CEPESE – Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade
CNCDP – Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos
Portugueses
CPLP – Comunidade dos Países de Língua Portuguesa
C.P.O.R. – Centro de Preparação de Oficiais da Reserva
E.U.A. – Estados Unidos da América
EXPO98 – Exposição Mundial de 1998
FHC – Fernando Henrique Cardoso
GNF – Grande Noite do Fado
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
PALOP – Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa
PIDE – Polícia Internacional e de Defesa do Estado
PS – Partido Socialista
PSD – Partido Social Democrata
PSDB – Partido da Social Democracia Brasileira
PUC-SP – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
PPD – Partido Popular Democrático
RTP – Rádio e Televisão de Portugal
SBT – Sistema Brasileiro de Televisão
SPN – Secretariado de Propaganda Nacional
UNESCO – United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization
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APRESENTAÇÃO
Enquanto local propício ao encontro de pessoas que desejam sociabilizar-se
ao redor de questões culturais, a Casa de Portugal em São Paulo surgiu com a
finalidade de congregar seus patrícios, promovendo manifestações que resgatassem
o sentido de pertencimento vivenciado outrora em suas regiões de origem.
Os estudos históricos do associativismo e imigração atraíram maior
interesse da comunidade acadêmica quando esta se voltou a pensar nas relações
entre Portugal e Brasil em tempos mais recentes. Nesse sentido, trata-se de um
campo de estudos mais contemporâneo se comparado a outros que remetem ao
período colonial ou imperial.
De 1850 a 1930 se deu o período da dita grande imigração, deslocamento
em massa de imigrantes, que despertou a atenção enquanto temática de estudos
imigratórios. De 1930 a 1950 houve uma queda, com ligeira recuperação nas
décadas de 1950, 1960 e 1970.1 Essa periodização também incide sobre a diáspora
portuguesa, que em boa parte se dirigiu ao Brasil.
Enquanto objeto de pesquisa, a escolha da Casa de Portugal se justifica
pela carência de pesquisas históricas a seu respeito. Sobre a associação foi
identificado estudo no campo da Antropologia2 que abordou as eleições a
representantes para o Conselho das Comunidades Portuguesas em 1997 e as
comemorações dos 500 anos de “Descobrimento do Brasil” em 2000 na Casa de
Portugal como momentos propícios para desvendar o sentimento de pertença dos
imigrantes portugueses em relação ao Brasil. Se considerados os estudos acerca do
1 LOBO, Eulália Maria Lahmeyer. Imigração Portuguesa no Brasil. São Paulo: Hucitec, 2001.
2 SILVA, Eduardo Caetano da. Visões da Diáspora Portuguesa: dinâmicas identitárias e dilemas
políticos entre os portugueses e luso-descendentes de São Paulo. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social), UNICAMP, Campinas - SP, 2003.
15
associativismo3, mutualismo4 e outras associações portuguesas5, é possível
encontrar ainda pesquisas acerca do associativismo português em São Paulo6.
Esta tese visa contribuir com conhecimentos no âmbito da história cultural
acerca dos elementos identitários e que suscitam a memória na prática associativa
da Casa de Portugal em São Paulo. Para tanto, tem como foco a trajetória identitária
da associação, fundada em 1935, examinada com base no estudo das ações de
seus presidentes e suas políticas culturais. Assim, privilegiam-se suas conexões
políticas e fatores que influenciaram a definição das programações culturais.
Essas programações são abordadas no intuito de possibilitar o alcance dos
objetivos. Registros escritos desses acontecimentos estão presentes nas Atas das
Reuniões da Diretoria Executiva da Casa de Portugal. A periodicidade dessas
reuniões varia de acordo com a necessidade dos temas discutidos, sendo realizadas
quinzenal ou mensalmente. Foram disponibilizadas pela Casa de Portugal para
consulta todas as atas desde a data de fundação da associação, um significativo
corpus documental.
Em complemento às atas, na biblioteca da Casa de Portugal foi localizado
um clipping de notícias elaborado pela bibliotecária desde sua chegada à função, no
início da década de 1990. Esse clipping é composto basicamente por notícias
publicadas por três órgãos da imprensa cujo público-alvo são as diversas
3 Sobre o associativismo no Rio de Janeiro: FONSECA, Vitor Manoel Marques da. Imigração:
identidade e integração - 1903-1916. In: MATOS, Maria Izilda; SOUSA, Fernando de; HECKER, Alexandre (Orgs.). Deslocamentos e Histórias: os portugueses. Bauru-SP: Edusc, 2008. 4 Sobre o Rio de Janeiro temos: FONSECA, Vítor Manuel Marques da. No gozo dos direitos civis:
associativismo no Rio de Janeiro - 1903-1916. Rio de Janeiro: Faperj-Muiraquitã, 2008. ALMEIDA, Mateus Fernandes de Oliveira. Associativismo, proteção social e poder público no Segundo Reinado: mutuais e beneficentes na pluralização do espaço público da Corte (1860-1882). Tese (Doutorado em História), Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2014. Sobre São Paulo: LUCA, Tânia de. O Sonho do Futuro Assegurado. O Mutualismo em São Paulo. São Paulo: Contexto; Brasília, DF: CNPq, 1990. 5 A única tese mais recente na História que aborda uma prática associativa portuguesa na cidade de
São Paulo examina a Festa do Divino Espírito Santo como ressignificação cultural das tradições açorianas pela Casa dos Açores em São Paulo. ANGELO, Elis Regina Barbosa. Trajetórias dos Imigrantes Açorianos em São Paulo. Processos de Formação, Transformação e as Ressignificações Culturais. Jundiaí, SP: Paco Editorial, 2015. 6 E mesmo assim esses estudos abordam as associações de forma geral, em conjunto. LANG, Alice
Beatriz da Silva Gordo. Portugueses em São Paulo: memória e identidade. In: ROCHA-TRINDADE, Maria Beatriz; CAMPOS, Maria Christina Siqueira de Souza (Orgs.). Olhares Lusos e Brasileiros. São Paulo: Usina do Livro, 2003. CAMPOS, Maria Christina Siqueira de Souza. Comunidade Portuguesa de São Paulo: instituições e associações regionais. In: GATTAZ, André; FERNANDEZ, Vanessa Paola Rojas (Orgs.). Imigração e imigrantes: uma coletânea interdisciplinar. Salvador: Pontocom, 2015. Disponível em: <http://www.editorapontocom.com.br/livro/33/imigracao-e-imigrantes _33_554372b07df04.pdf>. Acesso em: 16/06/2015.
16
comunidades luso-brasileiras presentes na cidade de São Paulo e seus arredores: o
jornal O Mundo Lusíada, o jornal Portugal em Foco e a revista Naus’s.
Manuseando esses dois conjuntos de fontes escritas, logo foi possível
perceber que se tornariam complementares na análise, porque as atas, enquanto
registros administrativos, fornecem detalhes importantes acerca de ocorrência,
responsabilidade em termos de organização dos eventos, definição de programação,
indicação de homenageados (quem os indicou a receber a premiação) e outras
informações que raramente se publicam nos meios de comunicação. Estes, por sua
vez, trazem detalhes relacionados a nomes de artistas que se apresentaram, os
homenageados, às vezes descrições, destaque para a presença de autoridades e
outras personalidades, bem como registros fotográficos7.
Entre as publicações, Mundo Lusíada é a mais recente, estando em seu 16º
ano de edição, com redação situada em São Bernardo do Campo - SP.8 Já a
publicação Portugal em Foco existe há 54 anos (desde 1961), com sede na cidade
do Rio de Janeiro, embora conte com uma representação em São Paulo (com 34
anos). Foi encontrada na biblioteca da Casa de Portugal ainda uma revista que
possui o mesmo foco e público-alvo das fontes anteriormente citadas, a revista
"Naus‟s", editada em São Paulo desde 1994, cujos exemplares podem ser
pesquisados na íntegra na biblioteca. Esses três veículos de comunicação
encontram-se em circulação contemporaneamente, sendo que o Mundo Lusíada
possui edição quinzenal, Portugal em Foco, semanal e a revista Naus’s é editada
quase que mensalmente.9
Nos arquivos da biblioteca da Casa de Portugal verificou-se ainda a
disponibilidade para consulta da revista Raízes Lusíadas, com perfil semelhante ao
dos demais meios de comunicação citados, mas já fora de circulação, com edições
entre junho de 1984 e dezembro de 1995.
7 Nesse sentido, as revistas se destacam por oferecer registros fotográficos coloridos e de melhor
qualidade visual se comparadas aos jornais. 8
Mais informações disponíveis em: MUNDO LUSÍADA. Disponível em: <www.mundolusiada.com.br>. Acesso em: 18/09/2011. 9 Durante o levantamento foi possível notar que a revista inicialmente colocava na capa o ano em
ordinal, número da edição e mês e ano correspondentes; com o passar do tempo começou a estampar apenas o ano em ordinal e a edição, sem revelar a data (mês e ano). A partir desse momento, passou também a não registrar 12 edições anuais.
17
A sistematização de todas essas fontes ligadas aos eventos auxiliou a
elaboração do roteiro das entrevistas realizadas com uma parte dos diretores e
pessoas que de alguma forma acompanham os eventos e trabalho empreendido
pela associação. Embora houvesse nas entrevistas um roteiro a ser seguido, foram
conduzidas de maneira que se assemelhassem a uma conversa. À medida que
surgiam assuntos pertinentes, novos tópicos passavam a ser abordados nas
entrevistas seguintes.
O recorte temporal – décadas de 80 e 90 do século XX e primeira década do
século XXI – se deu em conformidade com as fontes, se somando os registros
administrativos (atas), as informações específicas sobre os acontecimentos
(registros da imprensa especializada) e a possibilidade de utilização da oralidade –
uma vez que os diretores entrevistados são em parte imigrantes portugueses que
chegaram ao Brasil na década de 1950 e se envolveram com a vida associativa. No
entanto, em alguns momentos esse recorte temporal foi ultrapassado, no intuito de
descobrir os períodos e momentos históricos em que os eventos começaram a
ocorrer na associação.
A primeira entrevistada foi Eliane Junqueira10, bibliotecária da Casa de
Portugal desde 1993. Brasileira, descendente de portugueses, afirmou que a família
Junqueira, à qual pertence, veio de Portugal ao Brasil há muitas gerações. Por
organizar os clippings de notícias e classificar por assuntos todo o acervo, tornou-se
conhecedora da história da associação e de Portugal, além de ter participado de
muitos eventos, principalmente os ocorridos dentro das dependências da entidade.
Odair Sene11 é o editor responsável pelo jornal Mundo Lusíada. Brasileiro,
descendente de espanhóis, mantém uma relação de natureza profissional com as
mais diversas associações luso-brasileiras na Grande São Paulo. Já foi a Portugal a
convite do governo português por sua atuação profissional. Faz a cobertura dos
eventos para as reportagens, o que o levou a construir um vínculo mais afetivo com
o país.
10
Entrevista concedida ao autor em 05/10/2012, nas dependências da biblioteca da Casa de Portugal, seu local de trabalho. 11
Entrevista concedida ao autor em 23/11/2012, na redação do jornal, em São Bernardo do Campo - SP.
18
Paulo Machado12 foi o primeiro dirigente da associação a ser entrevistado.
Brasileiro, filho de portugueses, frequentou a associação com os pais desde jovem,
casou-se com uma portuguesa e possui uma filha. Exerce na Casa de Portugal o
cargo de 1º Vice-Presidente. Foi durante muitos anos diretor da Turismo de Portugal,
órgão ligado à propaganda turística de Portugal no Brasil, vinculado à AICEP
(Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal) e integrado ao
Ministério da Economia. Atualmente trabalha como diretor executivo de uma
operadora turística no Brasil.
Antonio dos Ramos já havia sido presidente da associação de 1985 a 2007
e, na data da entrevista, assumia oficialmente mais um mandato.13 Português de
Chaves, cidade do distrito de Vila Real, região Norte14. Nasceu em 1942 e emigrou
ao Brasil aos 17 anos, em 14 de junho de 1959.
Foram entrevistados simultaneamente Ernesto de Lemos, na ocasião
ensaiador e responsável há muitos anos pela direção do Grupo Folclórico da Casa
de Portugal, e seu sobrinho Ernesto Augusto Ramalho, então diretor do
Departamento Jovem.15 Ernesto de Lemos nasceu em Sequeiros, Aguiar da Beira,
antiga Beira Alta, em 1947. Emigrou ao Brasil em 1961, aos 14 anos. Sempre
exerceu influência sobre o sobrinho, brasileiro, filho de portugueses, que o
acompanha desde criança nas atividades do Grupo Folclórico. Justifica-se a inclusão
dos dois na relação de entrevistados pelo fato de o Grupo Folclórico da Casa de
Portugal ter sido mencionado por todos os outros entrevistados como referência
para a Casa de Portugal e para os demais grupos folclóricos portugueses existentes
em São Paulo e no Brasil.
Maria dos Anjos16, que ocupa na atual gestão o cargo de 1ª Diretora do
Departamento Cultural, é portuguesa nascida em Nisa, Alto Alentejo17. Veio ao Brasil
12
Entrevista concedida ao autor em 02/04/2013, nas dependências da AICEP, junto ao Consulado Geral de Portugal em São Paulo. 13
Se afastou da presidência de 2007 a 2013, ano em que retornou ao cargo. Entrevista concedida ao autor em 03/04/2013. 14
Antiga província de Trás-os-Montes, região de divisa com a Galícia, Espanha. 15
Entrevista concedida ao autor em 04/07/2013, em um restaurante onde os dois trabalham, na região de Moema, em São Paulo. Na atual gestão, Ernesto de Lemos exerce o cargo de 2º Diretor do Departamento Social e Ernesto Augusto Ramalho, a função de Diretor de Folclore. 16
Entrevista concedida ao autor em 18/07/2013, no atelier dentro de sua residência. 17
Única alentejana com cargo de direção na Casa de Portugal, chegou aí por meio do marido, Herculano, que já exercera outros cargos na Casa e natural de Póvoa do Varzim, mais ao norte.
19
com a mãe e a irmã ao encontro do pai. Nasceu em 1951, tendo emigrado ao Brasil
em 1959. Foi a responsável pela curadoria da maioria das exposições realizadas na
Galeria de Artes da Casa de Portugal, motivo principal de ter sido entrevistada.
Vasco Frias Monteiro é português nascido na freguesia de Pinheiro, Beira
Alta, distrito da Guarda, região Norte de Portugal. Foi entrevistado18 por ser
considerado grande incentivador dos grupos folclóricos portugueses. Comendador e
empresário do ramo de seguros, criou o plano de saúde Trasmontano e fundou o
Grupo Folclórico Carvalho de Araújo, que compôs mais tarde o Grupo Folclórico da
Casa de Portugal. Participa de diversas associações, principalmente na cidade de
Santos - SP, onde vive.
O último entrevistado, Mauro José Patrício Fernandes Junior, sócio-
proprietário do bufê O Marquês, é brasileiro, filho de portugueses nascidos na aldeia
de Vale da Porca, Macedo de Cavaleiros, distrito de Bragança, região Norte. Foi
entrevistado19 por comandar os serviços de alimentação fornecidos para a Casa de
Portugal e ser considerado elemento importante para a memória dos frequentadores
dos eventos da Casa.
A forma de análise, à medida que carrega a trajetória acadêmica do autor,
se propõe de maneira diferenciada. Os estudos historiográficos abordam no
movimento imigratório o contexto de chegada e a adaptação ao novo país e utilizam
o termo acolhimento para historicizar esse processo de adaptação do estrangeiro à
nova realidade. O acolhimento é uma dimensão da Hospitalidade, relacionada à
recepção e ao relacionamento interpessoal.
O imigrante português, quando chegou ao Brasil, se não contou com sua
rede de imigração, sendo acolhido por amigos ou parentes, contou com a
hospitalidade do poder público, que dispunha da infraestrutura da Hospedaria dos
Imigrantes para encaminhá-lo às fronteiras agrícolas no interior do estado. Além
disso, a legislação privilegiou os portugueses em relação às demais nacionalidades.
Receber, entreter e alimentar são dimensões da hospitalidade, elementos
historicizados no terceiro capítulo. Destaca-se o receber ao se abordar como o
18
Entrevista concedida ao autor em 01/04/2014, nas dependências da Casa de Portugal. 19
Entrevista concedida ao autor em 01/08/2014, no escritório de atendimento a clientes que o bufê possui na Casa de Portugal.
20
público é levado a interagir com os membros do Grupo Folclórico durante os
denominados eventos de culto à terra (Vindima, Festa da Cereja, Magusto,
Desfolhada do Milho) – por meio da experiência de encenação há o resgate da
memória e do sentido de pertencimento vivenciado outrora nas festas aldeãs. A
comensalidade é abordada como fator de memória largamente explorado durante os
eventos da Casa de Portugal, em especial durante o Almoço das Quintas, e
representa a dimensão da alimentação presente na Hospitalidade.
Pela proximidade temática, pode-se afirmar que esta tese também trata da
história da hospitalidade aos portugueses na cidade de São Paulo e da história da
hospitalidade à portuguesa praticada na Casa de Portugal. Discussões
historiográficas serão elaboradas ao longo do estudo, que se encontra dividido em
três capítulos. No primeiro capítulo buscar-se-á traçar um panorama geral da
e/imigração portuguesa para o Brasil, com enfoque especial para o estado de São
Paulo, resgatando como a imigração para o Brasil tornou-se parte do imaginário
coletivo português e como os fluxos variaram em diferentes momentos históricos.
O capítulo tangenciará de forma intermitente o momento da emigração e o
da imigração. A emigração será examinada em suas fases, conjuntura social e
política portuguesa, a legislação, a política emigratória portuguesa e a influência
salazarista nesse contexto. Já na perspectiva da imigração, abordar-se-á como
ocorreu o acolhimento ao imigrante português em São Paulo, a legislação brasileira
a respeito das entradas de estrangeiros e, sobretudo, portugueses, especificando
sua participação em associações e o surgimento da Casa de Portugal.
O segundo capítulo dedicar-se-á à análise da programação cultural ocorrida
nas dependências da Casa de Portugal. Para tanto, encontra-se dividido em três
partes. Na primeira delas a proposta é relacionar as datas comemorativas festejadas
em Portugal, correlacionando-as com as mesmas realizadas na Casa de Portugal.
Na segunda parte as influências políticas que a associação recebeu serão
abordadas com base na análise de diversas fontes de pesquisa. No terceiro item
serão detalhados os sentidos das homenagens e honrarias prestadas pela Casa de
Portugal.
21
O terceiro e último capítulo verificará como a recepção, alimentação e
entretenimento foram utilizados no processo de resgate da memória e das
identidades portuguesas durante os eventos da Casa de Portugal. Com o intuito de
aprofundar essas questões, o capítulo encontra-se dividido em três partes. Na
primeira delas busca-se explicitar como resquícios das identidades portuguesas
reelaboradas durante o período salazarista ressurgiram enquanto memória na Casa
de Portugal, com base no histórico dos eventos. Na segunda parte será discutida a
comensalidade à portuguesa como elemento de tradição na Casa de Portugal e,
particularmente, num evento semanal denominado Almoço das Quintas. Já no
terceiro item o entretenimento musical será abordado como meio de resgate das
tradições em dois tipos de eventos frequentes no calendário anual da associação: o
aniversário da Casa e a ceia de Natal.
22
CAPÍTULO I – PONTES ATLÂNTICAS: PORTUGAL E SÃO PAULO
Este capítulo busca traçar um panorama geral da e/imigração portuguesa
para o Brasil, com enfoque especial para o estado de São Paulo. Busca-se resgatar
como a imigração para o Brasil tornou-se parte do imaginário coletivo português,
bem como os fluxos variaram em diferentes momentos históricos.
O capítulo tangencia de forma intermitente o momento da emigração e o da
imigração. A emigração é abordada em suas fases, conjuntura social e política
portuguesa, a legislação, a política emigratória portuguesa e a influência salazarista
nesse contexto. Já na perspectiva da imigração, analisa-se como ocorreu o
acolhimento ao imigrante português em São Paulo, a legislação brasileira a respeito
das entradas de estrangeiros e, sobretudo, portugueses, especificando sua
participação em associações e o surgimento da Casa de Portugal.
1.1 E/IMIGRAÇÃO PORTUGUESA: SAÍDAS E ENTRADAS
Os deslocamentos transoceânicos consistem em tema de destaque para a
história de Portugal, não só por sua ligação com a colonização e a conquista de
territórios na América, Ásia e África, mas também por influenciar em seu cotidiano,
na economia e situação demográfica.
Estima-se que Portugal tenha cerca de 12 milhões de habitantes. Destes,
apenas 10 milhões20, aproximadamente, vivem em território português, os outros
2 milhões encontram-se em diáspora21. É como se a quinta parte da população
portuguesa (ou 20%) vivesse espalhada pelo mundo.
20
De acordo com Censo realizado em 2011, o país possui exatamente 10.562.178 habitantes. Cf.: PORTUGAL. Instituto Nacional de Estatística - INE. Censos 2011. Disponível em: <http://censos.ine. pt/xportal/xmain?xpgid=censos2011_apresentacao&xpid=CENSOS>. Acesso em: 30/11/2015. 21
Conforme o Observatório da Emigração, Portugal é hoje o país da União Europeia com mais emigrantes, considerando a proporção em relação à população residente. PIRES, Rui Pena (Coord.). Emigração Portuguesa - Relatório Estatístico 2015. Lisboa: Observatório da Emigração e Rede Migra, CIES-IUL, ISCTE-IUL e DGACCP, jul./2015. Disponível em: <http://observatorioemigracao.pt/
23
Pretende-se aqui historicizar esses deslocamentos. Nesse cenário, não é
raro encontrar portugueses com parentes ou familiares vivendo fora de Portugal. O
Brasil foi um país privilegiado na recepção de parte desses fluxos emigratórios ao
longo do tempo, criando-se um imaginário22 dos deslocamentos para o Brasil.
O imaginário de que o Brasil se constituía em terra prometida e de sucesso
fácil era alimentado pelos ditos brasileiros de “torna viagem”. Depois de conquistar
estabilidade, os imigrantes poderiam investir em sua terra natal, com o sucesso
obtido na ex-colônia, ou enviar remessas a familiares. Não só investiam em obras de
reforma de serviços públicos (hospitais, igrejas, escolas etc.), como em propriedades
privadas de destaque perante as demais em meio às aldeias, freguesias e cidades
portuguesas.23
[...] Mencionem-se ainda, como motivações de carácter positivo, o exemplo da fortuna dos repatriados, bem como os dinheiros enviados para as terras de origem dos emigrantes, como pecúlio a amealhar ou como suporte e ajuda de familiares ali residentes.24
Tanto as remessas enviadas por parentes como as construções e
benfeitorias realizadas pelos “brasileiros”25 materializavam e alimentavam o sonho
americano de enriquecer.
np4/?newsId=4447&fileName=OEm_EmigracaoPortuguesa_RelatorioEstatis.pdf>. Acesso em: 30/11/ 2015. 22
Para entender as possibilidades de manifestação do imaginário, recomenda-se a leitura de MATOS, Maria Izilda Santos de; SOLLER, Maria Angélica (Orgs.). O Imaginário em Debate – Gênero, Música, Pintura, Boêmia. São Paulo: Olho d‟Água, 1998. 23
Análise sobre as casas de brasileiros, sobretudo na região Norte de Portugal e cidade do Porto, pode ser identificado no estudo realizado sob o enfoque da História da Arte: PEIXOTO, Maria Paula de Brito Torres. A Casa do “Brasileiro”: subsídios para o seu estudo. Dissertação (Mestrado em História da Arte), Universidade de Lisboa, Faculdade de Letras, Lisboa, 1992. Disponível em: <http://dited.bn.pt/29791/791/1199.pdf>. Acesso em: 24/09/2015. 24
ROCHA-TRINDADE, Maria Beatriz. Refluxos culturais da emigração portuguesa para o Brasil. Análise Social. Lisboa, vol. XXII, n. 90, 1986, p.142. Disponível em: <http://www.jstor.org/stable/ 41010516?seq=1#page_scan_tab_contents>. Acesso em: 24/09/2015. 25
Adotou-se aqui o termo entre aspas em concordância com a já citada obra de Maria Beatriz Rocha-Trindade, que se refere ao indivíduo nascido em Portugal que emigrou para o Brasil e retornou posteriormente.
24
O Brasil fixou-se no imaginário português desde o século XVIII como um lugar paradisíaco, de uma vastidão incomensurável, onde era possível rasgar os horizontes acanhados impostos pelo nascimento e onde a fortuna podia sorrir, desde que houvesse um misto de trabalho metódico e sorte. O sentimento emergente de burguês precisava de horizontes largos e ousados. Esse Brasil acenava à distância a quem tivesse a audácia e engenho. E se muitos por lá haviam ficado definitivamente, outros, ainda que poucos, haviam regressado ricos, honrados, casados ou solteiros, mas ascendendo ao estatuto burguês apetecido, comprando imóveis grandiosos, associando-se à nobreza decaída de outrora. E esses alimentavam constantemente o imaginário colectivo, usando botas largas, chapéu de abas fartas e cores claras, anéis de brilhantes, cordões de ouro. Eles fascinavam os empregados das câmaras municipais, os magistrados, os comerciantes, que tanto lhes cobiçavam o dinheiro, o prestígio. O povo vê neles uma espécie de vingança para sua condição e as mulheres casadoiras, disputam a sua atenção. Essas figuras emergem na Beira Litoral e no Entre-Douro e Minho com regularidade [...].26
Esses brasileiros foram mais comuns em certas regiões, destacadamente o
que corresponde ao noroeste de Portugal e, mais especificamente, Beira Litoral e
Entre-Douro-e-Minho27, regiões que compuseram grandes contingentes
emigratórios.
A construção do estereótipo do “brasileiro” está presente em obras literárias
para expressar o sentimento em relação a esse indivíduo que desperta ao mesmo
tempo certa curiosidade e repulsa, identificado como bem-sucedido, mas ao mesmo
tempo de modos grosseiros e de “mau gosto”. Reconhece, entretanto, seu papel no
repovoamento de determinadas aldeias e sua importância econômica.
O imaginário previa que um pouco de habilidade e sorte seriam suficientes
para enriquecer, ou ao menos para se estabelecer e sobreviver, incentivando a
emigração para o Brasil.
26
SANTOS, Eugénio dos. Os Brasileiros de Torna-Viagem no Noroeste de Portugal. Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 2014, p.18-19. Disponível em: <http://hdl.handle.net/10216/53996>. Acesso em: 29/09/2015. 27
Ibidem, p.18-19.
25
Pelo trabalho aturado, pela poupança desmedida e pelas óbvias oportunidades de negócios que se apresentavam naquelas urbes em acelerada expansão, não foi raro que aqueles imigrantes, a despeito de seu frequente analfabetismo e total ausência de recursos à data da chegada ao Brasil, acabassem por prosperar ou enriquecer.28
Mas esse imaginário não se restringiu apenas a Portugal Continental,
estendeu-se também às ilhas, sobretudo aos Açores.
As informações acerca do Brasil geravam nas famílias, além de curiosidade, muita esperança de uma vida melhor, com possibilidade de ter emprego, comprar uma casa, sair dos arrendamentos de terras dos Açores [...].29
Informações alheias que chegavam ocasionalmente e a esperança de obter
uma vida melhor junto aos filhos alimentavam o imaginário de que emigrar seria uma
saída plausível.
Uma antiga lenda, conservada na tradição portuguesa, conta que havia uma árvore na qual nasciam patacas que estavam à espera de quem as colhesse, permitindo assim o enriquecimento fácil e rápido. A repetição e circularidade dessa lenda reproduz e reforça a riqueza como um valor eternamente perseguido pelo homem e em busca “dessa terra em que toda a gente ganha fortunas” é que muitos homens e mulheres portugueses emigraram para o Brasil. [...]30
Mas não só sonhos e o gosto pela aventura justificavam a emigração
portuguesa para o Brasil. A historiografia aponta diversos fatores que colaboraram
para esse movimento, uns mais estruturais, outros mais conjunturais, como no caso
da divisão de propriedades nas áreas rurais.
28
CAEIRO, Domingos; ROCHA-TRINDADE, Maria Beatriz. Portugal-Brasil: Migrações e Migrantes -1850-1930. Lisboa: Edições Inapa, 2000, p.9. 29
ANGELO, Elis Regina Barbosa. Trajetórias dos Imigrantes Açorianos em São Paulo. Processos de Formação, Transformação e as Ressignificações Culturais. Jundiaí, SP: Paco Editorial, 2015, p.39. 30
MATOS, Maria Izilda Santos. Cotidiano e Cultura: História, Cidade e Trabalho. Bauru, SP: EDUSC, 2002, p.59.
26
A crise vinícola do norte de Portugal (1886-1888), a abolição da escravatura no Brasil e a nova política da república criavam uma conjuntura favorável à emigração portuguesa. Esta representava uma fuga à proletarização do país de origem, forçada pela crescente fragmentação e desaparecimento da pequena propriedade no norte. Trinta e cinco mil parcelas foram canceladas nos registros da propriedade fundiária, de 1888 a 1889. Manuel Villaverde Cabral lembra que existe uma divisão da pequena propriedade por causa da lei de sucessões que suprimiu o morgadio (privilégio da primogenitura) e, paralelamente, provocou uma recomposição. A família escolhia um de seus membros para ficar à frente do patrimônio do grupo, o qual devia resgatar a parte dos outros (tornas) e ainda pagar uma renda vitalícia aos pais. O escolhido para salvaguardar o patrimônio geralmente se endividava com usuários e devia casar dentro da aldeia com mulher que tivesse dote adequado. Os que recebiam as tornas podiam pagar a passagem, emigrar e, eventualmente, adquirir pequena propriedade com as remessas de poupanças.31
A fragmentação das pequenas propriedades rurais colaborou para a “fuga”
em massa de portugueses para o Brasil, tendo em vista as leis da ocasião que
suprimiram a Lei do Morgadio, que estabelecia que o herdeiro das terras seria o
primogênito. Tais leis provocaram uma recomposição, obrigando o eleito para
resguardo do patrimônio familiar a comprar a parte dos irmãos, o que favorecia a
emigração ao Brasil, facilitada pela obtenção de recursos advindos do pagamento
dessas parcelas de terras. Esse contexto ainda do final do século XIX permaneceu
determinante para um entrevistado que migrou na década 50 do século XX:
Nós tínhamos, éramos lavradores, tínhamos vida boa, claro, mas o futuro era sempre na lavoura. E a lavoura é uma coisa que depois as terras iam se dividindo, iam ficando cada vez mais pequenas, iam se dividindo por todos, não é uma coisa que desse assim muito futuro naquela época. E o melhor destino seria realmente a imigração ou ir para outras cidades como Lisboa, Porto. E meu caminho foi o Brasil, e vim pra cá.32
31
LOBO, Eulália Maria Lahmeyer. Imigração Portuguesa no Brasil. São Paulo: Hucitec, 2001, p.16. 32
Depoimento de Antonio dos Ramos, em entrevista concedida ao autor em dia 03 de abril de 2013, nas dependências da Casa de Portugal. O senhor Antonio dos Ramos foi presidente da Casa de 1985 a 2007, por 11 mandatos consecutivos, perdendo apenas em tempo de permanência para o Comendador Pedro Monteiro Pereira Queiroz, presidente por 14 mandatos consecutivos, de 1941 a 1969. Antonio dos Ramos voltou a presidir a Casa em 2013. Nascido em Chaves, cidade portuguesa do distrito de Vila Real, região norte.
27
Nota-se que, para o entrevistado, a falta de perspectiva futura foi
determinante para a saída de Portugal rumo ao Brasil. Conforme sua própria fala,
uma alternativa seria a migração, deslocamento dentro do país, mas para ele não se
apresentava outra opção a não ser sair do mundo rural que habitava. Outro aspecto
verificado na entrevista é que corrobora a ideia da divisão das terras entre os
familiares como fator determinante no projeto imigratório. Havia ainda as condições
socioeconômicas portuguesas como mais um fator de estímulo à emigração,
principalmente no que tange à ruralização e à baixa industrialização.
A emigração desempenhou um papel decisivo na diminuição da mão-de-obra camponesa semi-empregada, que o lento crescimento industrial não permitia absorver. Permitiu assim manter a reserva de força de trabalho a um nível equilibrado e evitar as consequências sociopolíticas do seu crescimento desproporcionado em relação às possibilidades da estrutura agrária e industrial.33
A emigração se mostrou para Portugal uma saída frente à crise como forma
de equilibrar a absorção interna de mão de obra. Ou seja, com o colapso do modelo
rural, as cidades deveriam dar conta de absorver os braços disponíveis e
necessários para um desenvolvimento industrial. Contudo, este chegou tardiamente
e de forma incipiente.
A falta de perspectiva da população levou à busca de novas oportunidades
no continente americano, sobretudo no Brasil, que, conforme mais se dinamizava o
fluxo, permanecia também alimentando o imaginário em relação à terra das
oportunidades.
[...] A política de imigração brasileira favoreceu essa orientação, facilitando o recrutamento dos imigrantes e contribuindo para a difusão da concepção do Brasil como uma terra de fortuna fácil, ideia que tinha raízes antigas no
33
PEREIRA, Miriam Halpern. A Política portuguesa de emigração. Bauru, SP: EDUSC; Portugal: Instituto Camões, 2002, p.11.
28
imaginário popular, desde as épocas do ouro e dos diamantes e das fazendas de açúcar, tabaco e outros produtos coloniais.34
Embora o Brasil tenha sido destino importante para a massa emigrante
portuguesa, não foi o único. Outros destinos também foram eleitos, o que leva a crer
que a mentalidade em relação à emigração como opção foi algo constante e
crescente.
Em toda a metade norte do País e nos arquipélagos atlânticos, a esperança do futuro residia na emigração para outras paragens, com o claro predomínio do destino brasileiro mas também para os Estados Unidos, para a Argentina, para Demerara (hoje Guiana) ou para as longínquas ilhas Sandwich, no Pacífico (actual estado americano do Havai).35
Considerando esse cenário, muitos portugueses cresceram em meio à
possibilidade de deixar o país, como no caso de Antonio dos Ramos:
Então é natural, por exemplo, desde menino, meus avós, naquele tempo era assim mesmo em Portugal, na Itália e em muitos países da Europa, em lugares mais remotos... Os mais velhos não sabiam ler, havia carência de escolas no início do século XX, no século XIX e eu tinha 8 ou 9 anos e já estava a ler as cartas que as minhas avós recebiam dos filhos aqui do Brasil, e também escrevia quando elas respondiam pra cá. Eu tinha contato com o Brasil através de carta permanente, tinha uma ligação muito grande. E pronto, quando fiquei mais adulto, o caminho meu era mesmo vir pro Brasil.36
Nota-se como para o depoente a emigração foi uma alternativa natural e
necessária. Destaca-se o fato de ter sido interlocutor das cartas trocadas entre seus
34
PEREIRA, Miriam Halpern. A Política portuguesa de emigração. Bauru, SP: EDUSC; Portugal: Instituto Camões, 2002, p.11. 35
CAEIRO, Domingos; ROCHA-TRINDADE, Maria Beatriz. Portugal-Brasil: Migrações e Migrantes - 1850-1930. Lisboa: Edições Inapa, 2000, p.11. 36
Depoimento de Antonio dos Ramos, em entrevista concedida ao autor em 03 de abril de 2013, na Casa de Portugal.
29
tios e suas avós, o que alimentou seu imaginário em relação ao deslocamento como
um caminho a seguir.
Esse depoente relatou ter emigrado ainda jovem. Em sua entrevista,
rememorou a data precisa de sua vinda: 14 de junho de 1959, quando ainda tinha 17
anos de idade. Embora não tenha relatado como motivação a fuga do serviço militar,
era uma prática comum, sobretudo no período da crise colonial portuguesa.
Na década de 1960, além da pressão internacional para o fim da
colonização, iniciaram-se em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau movimentos
anticolonialistas que, somados aos esforços de décadas para manter o sistema
colonial, acabaram por esgotar a capacidade das forças armadas portuguesas,
afetadas ainda pelas crises econômicas e pelo afastamento de relações comerciais
entre Portugal e África.37
Esses movimentos custaram 8.290 portugueses mortos, num corpo expedicionário que nunca ultrapassou duzentos mil homens por ano. Ao total, foram um milhão e trezentos mil portugueses que serviram as Forças Armadas nas colônias, o que representava 14,7% da população (Cervelló, 1993, p.132). [...] A desmoralização das Forças Armadas já tinha se iniciado quando, depois de insistentes avisos por vários anos, a Índia resolveu invadir o enclave português de Goa e expulsar os portugueses – Salazar foi intransigente e, ao final, responsabilizou os militares pela perda do território.38
O autor aponta que 14,7% dos portugueses serviram as Forças Armadas
nas colônias africanas, bem como destaca o número de mortes provocadas – 8.290.
Os números são expressivos, não se admira a emigração em massa de jovens do
sexo masculino antes de completar a idade para alistamento militar, ou seja, tendo
como motivação a fuga do serviço militar, ainda mais sob a insistência na política
colonialista impelida por Salazar mesmo que diante de tal quadro.
37
SECCO, Lincoln. A Revolução dos Cravos e a crise do império colonial português. São Paulo: Alameda, 2004. 38
Ibidem, p.102.
30
Entre os diretores da Casa de Portugal entrevistados emigrados na década
de 50, foram três os que relataram motivação relacionada a esse fato. Além de
Antonio dos Ramos, conforme já verificado anteriormente, destaca-se trecho do
depoimento do comendador Vasco de Frias Monteiro:
O motivo da vinda ao Brasil foi justamente o da maioria naquela época. Eu vim em 1958. Naquela época estava se programando as guerras na África: Angola e Moçambique, naqueles lugares lá... E, claro, eu vim praticamente com 18 anos, 17, 18 anos e praticamente pra me livrar da tropa pras Áfricas. E depois também pra conhecer, a intenção de conhecer o Brasil [...].39
Nota-se que Vasco de Frias Monteiro diz sem rodeios a motivação de sua
vinda, relacionada à fuga do serviço militar. Afirma ter se deslocado também para
conhecer o Brasil, mas aponta como fator determinante a questão da fuga do serviço
das tropas portuguesas. Também o ano de sua chegada, 1958, já o insere nesse
perfil de emigrados.
Esse é também o caso de Ernesto de Lemos:
O motivo da vinda, antigamente, na época eu vim em 61 e Portugal estava numa situação política muito fechada e as pessoas iam descobrir coisas e procurar melhorar. Esse talvez nem fosse o meu caso porque eu vim com 14 anos pra cá. Na época ainda tinha que mandar carta de chamada pra nós podermos vir. Eu, como menor de idade, tive uma pessoa responsável por mim. Como eu vim sozinho, teve uma pessoa que veio responsável por mim maior de idade na viagem.40
39
Depoimento de Vasco Frias Monteiro, em entrevista concedida ao autor em 1º de abril de 2014, nas dependências da Casa de Portugal. Vasco Frias Monteiro possuía 76 anos na ocasião. Português nascido no distrito da Guarda, conselho Aguiar da Beira, na freguesia de Pinheiro, ou seja, Pinheiro de Aguiar da Beira, como informado pelo depoente, situada entre as regiões centro e norte. 40
Depoimento de Ernesto de Lemos, em entrevista concedida ao autor em 04 de julho de 2013, fora das dependências da Casa de Portugal. Ernesto de Lemos é diretor do Grupo Folclórico da Casa de Portugal, português nascido na aldeia de Siqueiros, Beira Alta.
31
Ernesto de Lemos já inicia seu depoimento relacionando sua vinda às
condições políticas da época. Chegou em 1961 e, pessoalmente, se insere no perfil
de emigrante jovem – viajou com apenas 14 anos. Antes mesmo da fuga do
alistamento, menciona a falta de perspectiva futura como razão do deslocamento.
Destaca-se o fato de ter vindo só, sob tutela de um conhecido da família, para
encontrar parentes já residentes no Brasil.
Chama atenção aqui que os entrevistados emigraram por condições ligadas
a fatores políticos específicos do período salazarista. Embora apenas Ernesto de
Lemos tenha feito essa relação direta, tanto Antonio dos Ramos como Vasco Frias
Monteiro, que chegaram ao Brasil em idade imediatamente anterior à época de
alistamento militar (ambos com 17 anos de idade), o fizeram em reação à insistência
da política salazarista em manter o colonialismo na África.41
Antonio dos Ramos revelou em depoimento não ter vindo ao Brasil por
motivação política, mas rememorou uma situação vivenciada em 1958 e revelou seu
descontentamento em relação ao regime político da ocasião.
Cheguei ao Brasil em 1959 com 17 anos de idade, não vim por causa de política, apesar que em 1958 concorreu contra o Salazar o general Humberto Delgado e eu, com 17 anos, já me envolvi um pouco naquela campanha. Delgado perdeu, mas, segundo levantamentos, naquela época houve fraudes.42
Destaca-se nas memórias de Antonio dos Ramos uma passagem importante
ao longo da Ditadura Nacional empenhada por Salazar: a eleição de 1958, disputada
entre o general Humberto Delgado e o candidato da situação Américo Tomás.
Salazar ocupava o cargo de Presidente do Conselho, escolhido pelo presidente da
República. Por isso, embora tenha sido um período autoritário, a cada sete anos
41
Para Maria Beatriz Rocha-Trindade, essa seria também uma motivação política. “A emigração política agrega as causas predominantes deste foro [...] A evasão à participação num conflito armado, por parte de mancebos obrigados ao serviço militar; [...] podem constituir fortíssimos motivos de emigrar por razões que pode considerar-se como de ordem política.” ROCHA-TRINDADE, Maria Beatriz (Org.). Sociologia das Migrações. Lisboa: Universidade Aberta, 1995. 42
Depoimento de Antonio dos Ramos, em entrevista gravada em DVD intitulado “40 anos Revolução dos Cravos”, produzido em 2014, ocasião em que Carlos do Carmo sobiu ao palco com António Serrano e Ivan Lins, no Auditório Ibirapuera - SP. José Antonio da Costa Fernandes (Direção-Geral). 40 anos - Revolução dos Cravos. DVD. Plug Cultural, Kafka Consultoria e Projetos, 2014.
32
havia a oportunidade de novas eleições. Até então, quando chegava o último
momento da campanha, os candidatos acabavam por desistir da disputa, o que
Humberto Delgado não fez. General do exército, no início da carreira apoiou
Salazar, porém, depois de passar um período em Washington, nos Estados Unidos,
retornou a Portugal pensando de forma diferente. Com alguma dificuldade,
conseguiu se candidatar a líder da oposição. Destacou-se pelo estilo populista e
diferenciado de campanha, chegando a arrastar às ruas multidões em favor de seus
ideais, o que mais tarde levantaria a hipótese da ocorrência de fraude no resultado
das eleições, já que Américo Tomás obteve a vitória.43 Daí o depoimento de Antonio
dos Ramos relacionado a esse fato.
Antonio dos Ramos se identificou enquanto apoiador de Delgado, portanto,
opositor do regime vigente, o que apareceu em suas memórias não como fator
determinante para a emigração, mas como fator colaborativo. Conforme depoimento
prestado, tendo emigrado com 17 anos, não escapa ao perfil dos que fugiam do
alistamento militar, sendo possível inferir que seu deslocamento tenha se
configurado em razão da situação política que se passava no país, contradizendo
seu discurso.
Sobre as saídas de emigrantes portugueses no mesmo período, entre as
décadas de 50 e 60 do século XX, com a motivação de “fuga” do alistamento militar,
encontra-se evidência em estudo sobre a vinda de açorianos a São Paulo:
A maioria dos moradores da Vila Carrão havia nascido na Ilha de São Miguel e Terceira, e praticamente todos os entrevistados emigraram para fugir da “guerra” – alguns para salvar seus filhos, outros param se esquivarem da obrigatoriedade de servir ao exército. Buscavam junto a amigos
43
Para entender melhor as condições políticas que favoreceram a candidatura de Humberto Delgado, que acabou se exilando e perseguido e morto pela polícia política (PIDE) na Espanha, recomenda-se a leitura de: RABY, Davi L. O problema da unidade antifascista: o PCP e a candidatura do general Humberto Delgado em 1958. Análise Social. Lisboa, Terceira Série, vol. 18, n. 72/74, 1982, p.869-883. Disponível em: <http://www.jstor.org/stable/41010360>. Acesso em: 01/10/2015. DÓRDIO, Pedro. Humberto Delgado: Quem foi e como morreu o “general sem medo”. 12 de fevereiro de 2015. Disponível em: <http://observador.pt/explicadores/humberto-delgado-quem-foi-e-como-morreu-o-general-sem-medo/01-como-se-tornou-humberto-delgado-lider-da-oposicao-em-portugal/>. Acesso em: 01/10/2015.
33
e parentes trabalho, casa e melhores oportunidades. O “fazer a América” era um de seus sonhos.44
A “fuga” do alistamento militar figura entre vários motivos que pesaram aos
portugueses na decisão de emigrar, sobretudo no período da crise colonial africana.
No entanto, o aspecto econômico, presente na ambição de “fazer a América”45, pode
ser considerado uma constante durante todo o período migratório.
Fontes distintas foram abordadas em diferentes estudos a respeito do
movimento migratório português em direção ao Brasil46, sendo possível encontrar
períodos comuns em parte deles. Sendo assim, considera-se como o período da
grande imigração o abrangido entre os anos de 1850 a 193047, o período de declínio
da imigração portuguesa para o Brasil entre os anos de 1930 a 195048 e o período
de retomada entre as décadas de 1950, 1960 e as transformações da década de
1970.49
A imigração portuguesa para o Brasil constitui-se em processo contínuo,
composto por várias levas e proveniente de diversas regiões do continente e dos
territórios insulares.
Sob a perspectiva nacional, observa-se a concentração maior da entrada dos portugueses, em alguns momentos: inicialmente entre 1888-1898 (fase de final da escravidão e transição para trabalho livre); uma segunda leva de 1904-15 (confluência de fatores com retração de entrada de outros grupos, somadas à crise política, econômica e outras dificuldades em Portugal); um terceiro período localizado entre o final da Primeira Grande Guerra que se estende até os anos
44
ANGELO, Elis Regina Barbosa. Trajetórias dos Imigrantes Açorianos em São Paulo. Processos de Formação, Transformação e as Ressignificações Culturais. Jundiaí, SP: Paco Editorial, 2015, p.89-90. 45
FAUSTO, Boris (Org.). Fazer a América – a imigração em massa para a América Latina. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1999. 46
Como exemplo destoante do adotado aqui, menciona-se o estudo de: LEITE, Joaquim da Costa. O Brasil e a emigração portuguesa (1855-1914). In: FAUSTO, op. cit., p.177-200. 47
PEREIRA, Miriam Halpern. A política portuguesa de emigração. Bauru, SP: EDUSC; Portugal: Instituto Camões, 2002. Idem. A política de emigração portuguesa (1850-1930). In: TENGARRINHA, José (Coord.). A Historiografia Portuguesa, Hoje. São Paulo: Hucitec, 1999. LOBO, Eulália Maria Lahmeyer. Imigração Portuguesa no Brasil. São Paulo: Hucitec, 2001 (já abrange esse mesmo período entre 1888 e 1930). 48
LOBO, op. cit., 2001. 49
Ibidem.
34
1930 e uma retomada no pós Segunda Grande Guerra até o início dos anos 1960.50
No final década de 1850, as mudanças no meio rural português em
decorrência da mecanização da lavoura, sobretudo no Alentejo, ampliaram as
exportações agrícolas para a Inglaterra e, ao mesmo tempo, dificultaram a fixação
de pequenas propriedades nessas regiões, gerando assim um excedente de mão de
obra.
A expansão econômica assentava-se sobre o aumento rápido do setor primário exportador: vinho, cortiça, madeiras, gado e piritia, especialmente para a Inglaterra. A partir da década de 1870, os termos de troca entre Portugal e Inglaterra melhoraram em relação ao primeiro país. A acumulação de capital permitia ao governo empreender grandes obras públicas, como estradas e ferrovias, que contribuíram para a integração do mercado interno.51
A região norte de Portugal, mais pautada no assentamento de pequenas
propriedades familiares, via-se excluída dessas mudanças. Concomitantemente, as
famílias cresciam, ocasionando a fragmentação das terras em pequenas áreas.
Somam-se a esse cenário ainda a queda nas exportações para a Inglaterra na
década de 1890 e a política republicana.52
Portugal exportou pouco entre 1850 e 1913 devido à sua fraca dotação de
recursos naturais, deficiência de recursos humanos53 e reduzida dimensão do
mercado que a indústria portuguesa servia54.
50
MATOS, Maria Izilda Santos de. Portugueses: Deslocamentos, Experiências e Cotidiano - São Paulo Séculos XIX e XX. Bauru, SP: EDUSC, 2013, p.35. 51
LOBO, Eulália Maria Lahmeyer. Imigração Portuguesa no Brasil. São Paulo: Hucitec, 2001, p.15. 52
Ibidem. 53
“[...] Em 1911 os iletrados constituíam ainda 75% dos portugueses [...].” REIS, Jaime. Causas Históricas do Atraso Econômico Português. In: TENGARRINHA, José (Org.). História de Portugal. Bauru, SP: EDUSC; São Paulo, SP: UNESP; Portugal: Instituto Camões, 2000, p.246. 54
A população de Portugal era muito pequena para absorver a produção industrial de alta tecnologia. Ibidem.
35
[...] no caso de Portugal, dois fatores tinham sido igual e especialmente importantes em determinar o ritmo de crescimento atingido entre 1870 e 1913: a escolarização e a emigração. [...] a abertura ao comércio externo, o influxo de capitais estrangeiros e o progresso tecnológico apenas tinham tido um impacto residual. Segundo estes autores, o mecanismo causal era simples. A rarefação da mão-de-obra associada à emigração, assim como a elevação da razão trabalho/capital e trabalho/terra, teriam engendrado a elevação geral da produtividade e do nível salarial que caracterizaram o período e de que resultou sucessivamente a progressão do rendimento per capita dos portugueses [...].55
Nota-se que o resultado positivo na economia se devia menos a fatores
internos do que à emigração. O excedente populacional português não era
absorvido pelo mercado de trabalho interno e, tendo em vista as condições de vida,
enxergavam na emigração uma saída para seus anseios. Nesse período, os que
vinham ao Brasil dirigiam-se em maior número para o Rio de Janeiro e São Paulo.
Em 1920, dos trinta milhões de habitantes do Brasil, 1.565.961 eram estrangeiros, dos quais 433.567 portugueses distribuídos pelo Distrito Federal, 172.338; São Paulo, 64.687; Belém, 12.083; Niterói, 9.483; Manaus, 6.097; Recife, 4.172 e outras localidades em menor proporção.56
Uma parte do excedente populacional português emigrava para o Brasil.
Nota-se que o total de portugueses fixados em terras brasileiras correspondia em
1920 a pouco menos de um terço dos estrangeiros em situação regular no país, se
destacando o Rio de Janeiro e, em seguida, São Paulo, com quase metade dos
sujeitos dessa nacionalidade residentes no Brasil. Essa presença significativa
colaborou para a estabilidade econômica portuguesa, graças às remessas de
dinheiro emitidas pelos imigrantes. Embora colaborassem para o equilíbrio da
balança de pagamentos, aumentavam a dependência externa.
55
REIS, Jaime. Causas Históricas do Atraso Econômico Português. In: TENGARRINHA, José (Org.). História de Portugal. Bauru, SP: EDUSC; São Paulo, SP: UNESP; Portugal: Instituto Camões, 2000, p.249. 56
LOBO, Eulália Maria Lahmeyer. Imigração Portuguesa no Brasil. São Paulo: Hucitec, 2001, p.44.
36
[...] Este contexto histórico determina uma função da emigração nos países da Europa mediterrânica, diferente do papel desempenhado nos países industrializados. Em lugar de constituir fator equilibrador do crescimento industrial, é um dos vetores que contribuem para prolongar o subdesenvolvimento. Torna-se rapidamente ameaça para o próprio aumento populacional e agrava a dependência externa. De fato, a emigração destes países, predominantemente jovem e masculina, insere-se num projeto de regresso, que determina forte corrente de remessas de divisas. São as remessas dos emigrantes que permitem equilibrar a balança de pagamentos de outro modo deficitária e encobrem a subordinação externa, que contribuem assim para acentuar. Enquanto a emigração dos países industrializados representou a fase transitória de desajustamento, no caso dos países subdesenvolvidos trata-se de fenômeno persistente.57
Diferentemente de Portugal, em países mais industrializados famílias
completas se inseriam no movimento migratório, abandonando assim o mito do
retorno. No caso português, muitas vezes as famílias voltavam a se constituir, mas
houve um predomínio da emigração jovem e masculina.
[...] É entre 1880 e 1930 que se situa a grande vaga de emigração da Europa para o Brasil como para o resto da América. No caso português, tem lugar, então, uma alteração qualitativa do tipo de emigração. Com efeito é costume contrapor a emigração italiana de caráter familiar para o Brasil à emigração portuguesa fundamentalmente masculina. O convênio entre os governos italiano e brasileiro viabilizou a partida de grupos familiares com mais facilidade do que no caso de Portugal, que nunca assinou nenhum acordo com o Brasil nesta matéria. Isso porém não impossibilitou a reunião familiar posterior, em proporção que apenas pesquisas locais de ambos os lados do Atlântico poderão permitir quantificar.58
Estudo sobre o contingente imigrante português na cidade do Rio de Janeiro
corrobora a análise de uma maioria masculina, sem, no entanto, desprezar a
presença feminina e a composição familiar mediante casamentos envolvendo
diferentes nacionalidades.
57
PEREIRA, Miriam Halpern. A política portuguesa de emigração. Bauru, SP: EDUSC; Portugal: Instituto Camões, 2002, p.18-19. 58
Idem. A política de emigração portuguesa (1850-1930). In: TENGARRINHA, José (Coord.). A Historiografia Portuguesa, Hoje. São Paulo: Hucitec, 1999, p.188-189.
37
Em 1890, havia 106.461 portugueses na cidade do Rio de Janeiro, 77.954 homens e 28.507 mulheres. O predomínio de homens era maior entre os imigrantes do que na cidade como um todo. Já vimos que o perfil do imigrante português era de predomínio masculino, de adultos que partiam isoladamente. Apenas 18% dos portugueses adotaram a nacionalidade brasileira (14% homens e 4% mulheres). Ainda, segundo o censo de 1890, 120.983 habitantes da capital eram filhos de pai e mãe portugueses; 2.895 de pai brasileiro e mãe portuguesa e 37.325 de filhos de mãe brasileira e pai português. A presença portuguesa era, portanto, muito forte numericamente e, apesar dos conflitos interétnicos, o casamento entre portugueses e brasileiros era frequente e o retorno dos imigrantes à terra natal relativamente escasso.59
Esses dados chamam atenção ao fato de terem ocorrido composições
familiares de portugueses com brasileiros, mas permitem afirmar que a maioria dos
filhos nasceu de pais e mães portugueses. Essas famílias tanto podem ter sido
compostas aqui como também ser fruto da imigração familiar. De qualquer modo,
revelam a formação de laços familiares, que presumem o abandono da ideia de
retorno, o que não era interessante para Portugal, pois a separação familiar inicial
garantia as remessas de dinheiro que ajudavam na balança econômica.
Nesse sentido, as ações do governo português perante o movimento
emigratório pareciam ambíguas. Inicialmente, tentou brecar o movimento, mas,
diante da impossibilidade, limitou-se a buscar garantias de melhores condições para
o deslocamento.
[...] As autoridades portuguesas em face das contradições apontadas, que refletiam interesses contrários das forças econômicas e políticas do país, limitavam-se a propor a baixa dos preços das passagens, que seria possível se os navios que levavam emigrantes retornassem com carga, ganhando nos fretes; mais eficaz controle da higiene a bordo, dos contratos de trabalho e da emigração clandestina. Recusavam-se, também, a subsidiar a emigração.60
59
LOBO, Eulália Maria Lahmeyer. Imigração Portuguesa no Brasil. São Paulo: Hucitec, 2001, p.42. 60
Ibidem, p.20.
38
O contingente imigrante que se dirigiu para São Paulo não é diferente.
Inicialmente predominava a imigração masculina, mas aos poucos o percentual de
entrada feminina cresceu, delineando os contornos de recomposições familiares.
No caso de Portugal, a emigração foi a princípio prioritariamente masculina, mas a partir do final do século XIX o contingente feminino cresceu de forma sensível. Podemos verificar também um aumento no número de mulheres casadas, ampliando a emigração familiar de acordo com a política definida pelos cafeicultores paulistas. Entre 1910 e 1914, anos de aumento considerável da imigração lusitana, em particular para São Paulo, embora o número de homens tivesse subido, o de mulheres mais que duplicou. Na primeira década do século XX, a porcentagem de mulheres já alcançava mais de 25% do total de entradas e no início da segunda oscilou entre 35% e 40%. Assim, a imigração caracterizada até então como individual, masculina e temporária, tornava-se tendencialmente familiar e permanente.61
A “imigração em massa” se deu na segunda metade do século XIX, em
função da necessidade de substituição da mão de obra escrava para a expansão
cafeeira, aliada a um processo de crescimento urbano.
[...] A travessia massiva do Atlântico de mão-de-obra europeia está intimamente ligada ao desenvolvimento econômico de novos continentes. É um fenômeno que adquire características próprias no século XIX, quando a principal forma de mão-de-obra colonial até então disponível, o escravos africano, começa a escassear. Desde o início da expansão colonial europeia nos séculos XV-XVI e até meados do século XIX, a emigração europeia desempenhou essencialmente a função de enquadramento socioeconômico e administrativo da sociedade colonial, que se assentava no trabalho escravo. [...]62
Inicialmente essa substituição de mão de obra foi de difícil adaptação,
porque, de um lado, os europeus não estavam habituados a maus-tratos da classe
61
MATOS, Maria Izilda Santos de. Cotidiano e Cultura: História, Cidade e Trabalho. Bauru, SP: EDUSC, 2002, p.63-64. 62
PEREIRA, Miriam Halpern. A Política portuguesa de emigração. Bauru, SP: EDUSC; Portugal: Instituto Camões, 2002, p.16-17.
39
patronal, visto que saíam do meio rural, habituados a um contexto de pequenas
propriedades; por outro, os grandes proprietários de terras no Brasil não estavam
acostumados a lidar com mão de obra assalariada, imbuídos de uma mentalidade
escravocrata.
Tal tensão colaborou para o crescimento urbano da cidade de São Paulo,
visto que muitos imigrantes desistiam da ideia inicial de se transformar em
proprietário de terras e remigravam para as cidades.
A política desencadeada pela cafeicultura paulista, estimulando e promovendo intensamente a imigração, em proporções bem superiores às possibilidades de emprego no campo, favoreceu muito o crescimento da população urbana [...]. De acordo com o censo de 1872, quando a cidade já sofria as consequências do surto cafeeiro, a população de São Paulo totalizava 31.385 pessoas. No censo seguinte, o de 1890, elevou-se para 64.934 habitantes, já no início do século XX, em 1900, eram 239.820 moradores [...].63
Em parte o crescimento da metrópole paulista se dava também pela atração
de nacionais de outras regiões do país. No entanto, muitos imigrantes colaboraram
para esse aumento, e os portugueses que chegavam ao Brasil, apesar de
provenientes de diversas regiões de Portugal, eram em maior parte camponeses
“[...] das aldeias do norte, sobretudo das regiões de Aveiro, Braga, Porto, Coimbra,
Guarda, Viana do Castelo, Vila Real, Viseu (Minho, Douro, Beira Alta, Beira
Litoral)”64.
63
MATOS, Maria Izilda Santos de. Portugueses: Deslocamentos, Experiências e Cotidiano - São Paulo Séculos XIX e XX. Bauru, SP: EDUSC, 2013, p.41-42. 64
LOBO, Eulália Maria Lahmeyer. Imigração Portuguesa no Brasil. São Paulo: Hucitec, 2001, p.21. Estudo do CEPESE (Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade), fundado pela Universidade do Porto e que abriga uma equipe de investigadores que estuda os livros de registro de passaportes de distritos do norte de Portugal, aponta para essa mesma tendência. SOUSA, Fernando de. A emigração do Norte de Portugal para o Brasil: uma primeira abordagem (1834-1950). In: MATOS, M. Izilda S.; HECKER, F. A. M.; SOUSA, Fernando (Orgs.). Deslocamentos & Histórias: portugueses. Bauru, SP: EDUSC; Porto: CEPESE, 2008.
40
Segundo Herbert Klein, quase dois milhões de portugueses emigraram para o Brasil após a sua independência em 1822. Entre 1822 e 1950, estima-se que mais de 1.200.000 portugueses tivessem chegado àquele país. Destes, pensamos que 80%, ou seja, 960 mil, seriam oriundos do Norte de Portugal.65
Esses dados abarcam um tempo relativamente longo se considerados os
períodos imigratórios, pois abrangem o período da imigração em massa, de 1850 a
1930, e o segundo período, de declínio, entre 1930 e 1950. No segundo período o
declínio da imigração se deveu a diversos fatores conjunturais tanto do Brasil como
de Portugal.
Entre o fim do século XIX e início do XX, Portugal passou pela queda da
monarquia, com a conquista do poder pelos republicanos (1890-1910) e a primeira
república (1910-1926).66 Esse período foi marcado por muitas transformações que
enfraqueceram a monarquia, como o ultimatum inglês67, a crise econômico-
financeira de 1891-1892 e a revolta republicana do Porto (31/01/1891)68. Ainda
assim a monarquia resistiu, mas, por ordem de outras medidas impopulares, em abril
de 1909, o X Congresso Republicano, realizado em Setúbal, contou com apoio de
duas organizações secretas que estimularam ações armadas, Maçonaria e
Carbonária69, culminando assim na Revolução Lisboeta, responsável pela
implantação da Primeira República (1910-1926).
Os republicanos no poder não conseguiram resolver os problemas, mesmo
porque, aos poucos, foram incorporando antigas lideranças, num fenômeno
65
SOUSA, Fernando de. A emigração do Norte de Portugal para o Brasil: uma primeira abordagem (1834-1950). In: MATOS, M. Izilda S.; HECKER, F. A. M.; SOUSA, Fernando (Orgs.). Deslocamentos & Histórias: portugueses. Bauru, SP: EDUSC; Porto: CEPESE, 2008, p.30. 66
MEDINA, João. A Democracia Frágil: A Primeira República Portuguesa (1910-1926). In: TENGARRINHA, José (Org.). História de Portugal. Bauru, SP: EDUSC; São Paulo, SP: UNESP; Portugal: Instituto Camões, 2000. 67
Foi um ultimato realizado em 11 de janeiro de 1890 por representantes do exército britânico para retirada das tropas portuguesas de uma região da África que interligava Angola a Moçambique, reivindicação portuguesa antiga, denominada de mapa cor-de-rosa por representar as ambições de Portugal para a região. 68
A revolta republicana do Porto ocorreu a 31 de janeiro de 1890 em resposta ao inconformismo do aceite da realeza por parte do ultimato inglês. 69
ALHO, Albérico Afonso Costa. O X Congresso Republicano de 1909 sob o signo da revolução. In: ALHO, A.; SAMARA, M. A. O Congresso Republicano de Setúbal: o republicanismo entre a revolução e a ordem: actas do colóquio. Setúbal: IPS-GI.COM, 2009. Disponível em: <http://comum. rcaap.pt/bitstream/10400.26/4987/1/O_X_Congresso_Republicano_de_1909---.pdf>. Acesso em: 20/ 10/2015.
41
apelidado de “adesivagem”70. Mas o estopim para seu fim foi a oposição à instituição
católica.
A fragilidade da ordem pública, o desentendimento permanente dos principais líderes políticos do novo regime (A. Costa, B. Camacho e A. J. Almeida, dirigentes, respectivamente, dos Democráticos, Unionistas e Evolucionistas), a instabilidade política traduzida em governos efêmeros cuja duração não excederia os três meses, a geral incapacidade de preparar e executar reformas de fundo decepcionariam assim os que tinham esperado da república uma grande barrela, e agora, muitas vezes dolorosamente magoados (Basílio Teles, Machado Santos, Sampaio Bruno, Cunha e Costa, etc.), ora se abstinham de participar do novo estado de coisas, ora se afastavam enojados ou até mudavam de campo; as cizânias permanentes, a incapacidade de unir em torno de um núcleo central e fundamental de reformas os esforços de novos dirigentes e das novas forças partidárias, a constante instabilidade governamental, o agravar dos velhos problemas de sempre, no campo econômico e financeiro, as querelas da sociedade civil e, agora, novos conflitos que se aguçariam de modo exasperante – nomeadamente com a Igreja católica – fragilizaram a República, tornaram-na anêmica, incapaz, paralisada por indecisões, revoltas, bernardas castrenses, sobressaltos – era a “balbúrdia sanguinolenta” prevista uma vez por Eça de Queirós –, e erros funestos.71
Aos fracassos econômicos e à incapacidade de resolução de problemas
soma-se o desacordo à Igreja, instituição tradicional e arraigada em Portugal. Diante
de tantas insatisfações surgiram movimentos que pediam o retorno da monarquia e
outros com caráter mais ditatorial – o mais forte deles, o Integralismo Lusitano72,
exerceu influência para o fim da república.
70
“[...] os „aderentes‟ ou „adesivos‟ eram aqueles que, tendo servido à Monarquia em lugares de destaque ou mesmo em funções manifestadamente repressivas (guarda municipal, polícia, exército), se passavam para o novo regime, mudando de camisa, lábaro e convicções com uma fulminante rapidez, suscitando assim a indignação compreensível dos poucos monárquicos que se mantinham fiéis à bandeira azul e branca, assim como dos velhos republicanos “históricos”, que viam entrar de roldão nos arraiais da república aqueles mesmos que, ainda ontem, os perseguiam, descriminavam,, espadeiravam ou espingardeavam.” MEDINA, João. A Democracia Frágil: A Primeira República Portuguesa (1910-1926). In: TENGARRINHA, José (Org.). História de Portugal. Bauru, SP: EDUSC; São Paulo, SP: UNESP; Portugal: Instituto Camões, 2000, p.304. 71
Ibidem, p.305-306. 72
“O Integralismo Lusitano nunca se transformou em uma agremiação política totalmente organizada em uma concepção partidária ou regimental. O movimento, por ser um celeiro de intelectuais, agia principalmente no campo das ideias, tendo as letras como a principal arma de desenvolvimento político. O Integralismo Lusitano foi um movimento político que, acima de tudo, sempre se
42
Em 1926 os militares se empenharam em liquidar a república. Depois de
alguns insucessos, elegeram como Ministro das Finanças, em 1928, António de
Oliveira Salazar, personalidade com formação religiosa e, portanto, avesso ao
liberalismo e republicanismo. Foi nomeado Presidente do Conselho de Ministros –
em 1932, Primeiro-Ministro. Com a constituição de 1933 aprovada, se manteve no
poder desse ano até 1968, pouco antes de sua morte (1970), tendo Marcelo
Caetano como seu sucessor até o fim do Estado Novo, em 1974.
Paradoxalmente – ou, muito ao invés, com bastante lógica e, de algum modo, simbolicamente também –, a liderança resultante do golpe de espadas de 1926 acabaria por ser confinada a um civil aliás de cepa clerical, já que o Ministro das finanças finalmente chamado pelos militares em 1928, após alguns meses de catastrófica conduta da nau do Estado, Antônio de Oliveira Salazar (nascido em 1889, no mesmo ano em que Charlot, Heidegger e Hitler vieram ao mundo) – frequentara o seminário e recebera mesmo ordens menores, mas optara afinal pela carreira acadêmica, entrando em Coimbra pouco depois da revolução republicana ter eclodido. Em suma, as durindanas engendraram um ditador glacial vindo do campo católico, chamado como mero técnico financeiro, como se tratasse apenas de consertar uma cadeira estragada e não de fundar um novo tipo de trono para o poder, de governação – e de ditadura. Que um antigo dirigente das hostes católicas, reagrupadas depois da guerra sem quartel que a primeira república movera à Igreja portuguesa e comandadas por este estratego e teorizador formado no C.A.D.C. de Coimbra acabasse por ser o ditador esperado pela ditadura iniciada em 1926 era, ao fim e ao cabo, um “juste retour des choses”: o regime implantado em 1910 perseguira a Igreja e tentara esmaga-la, cabendo agora, muito naturalmente portanto, a um dos principais dirigentes católicos formados nesses anos de chumbo e humilhação assenhorear-se do estado, desterrar a democracia e governar com mão de ferro um país onde os militares degolada a república, tinham procurado quem fosse capaz de segurar o timão do governo, e mantê-lo fixo numa direção certa e ordeira. E este sabia o que
caracterizou por um grande elitismo social e cultural [...] A ausência de uma força organizativa do IL não tem ligações únicas com sua caracterização, mas também com o momento que o país vivia, uma vez que a organização republicana não criou um mecanismo democrático que propiciasse a incorporação de novos atores políticos.” GONÇALVES, Leandro Pereira. Entre Brasil e Portugal: Trajetória e Pensamento de Plínio Salgado e a Influência do Conservadorismo Português. Tese (Doutorado em História), Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2012, p.230.
43
queria e para onde ia, como o disse com sibilino laconismo num discurso de 1930 [...].73
Nota-se que a formação de Salazar se deu em momento próximo do
surgimento do integralismo lusitano74, sendo proveniente do mesmo ambiente, ou
seja, a Universidade de Coimbra75, embora o próprio Salazar não se identificasse
com o movimento76. Destaca-se como igualmente importante o estudo da trajetória
de Salazar77 no intuito de identificar sua conduta política. Seu regime se caracterizou
73
MEDINA, João. A Democracia Frágil: A Primeira República Portuguesa (1910-1926). In: TENGARRINHA, José (Org.). História de Portugal. Bauru, SP: EDUSC; São Paulo: UNESP; Portugal: Instituto Camões, 2000, p.309-310. 74
“Diversas vertentes historiográficas teceram análises e reflexões sobre o movimento lusitano e percebe-se a importância da utilização do termo geração para caracterizar com propriedade os integralistas lusitanos; pois, como foi afirmado, o movimento faz parte de um momento de emergência de uma juventude intelectualizada de Portugal, mais especificamente da Universidade de Coimbra que tinha como propósito criar uma nova organização dentro da república: „Nascidos nos anos 89-91 do século passado, é na Universidade de Coimbra que nos anos que medeiam 1907-11, irão adquirir o fundamental da sua personalidade intelectual.‟” GONÇALVES, Leandro Pereira. Entre Brasil e Portugal: Trajetória e Pensamento de Plínio Salgado e a Influência do Conservadorismo Português. Tese (Doutorado em História), Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2012, p.226-227. 75
Tal proximidade de caráter espacial e temporal não escapa a uma análise que identifique semelhanças entre o salazarismo e o integralismo. Sem a pretensão de se aprofundar nesta questão, destaca-se a breve semelhança de se fundamentarem na doutrina cristã (na Universidade de Coimbra funcionou no período o CADC, Centro Acadêmico de Democracia Cristã). 76
Abordando-se semelhanças de regimes, uma discussão presente e intensamente debatida na historiografia portuguesa é a relação do fascismo com o salazarismo. Para melhor entendimento dessa questão recomenda-se a leitura de: GONÇALVES, op. cit., p.481-482. Alguns historiadores afirmam que o salazarismo foi um fascismo português. Nesse sentido, Luís Reis Torgal representa o lado dos autores que afirmam que o salazarismo foi fascista. TORGAL, Luís Reis. Estados Novos, Estado Novo: ensaios de História Política e Cultural. Vols. 1 e 2. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2009. E outros contestam. Dentro dessa linha encontra-se: PINTO, António Costa. O salazarismo e o fascismo europeu: problemas de interpretação nas Ciências Sociais. Lisboa: Estampa, 1992, p.111. Adota-se como referência a noção de que a importância central desse debate encontra-se no fato de haver o reconhecimento de linhas interpretativas distintas posicionando-se “na perspectiva das relações entre o regime de Salazar e o fascismo europeu”. 77
“Muitos estudos sobre os regimes ditatoriais modernos, quer por perspectiva teórica; quer mesmo pelo carácter pragmático do ditador, ignoram o chefe. No caso do “Estado Novo” seria um erro. Salazar vinha de um meio político particular, mas bem definido, dispunha de uma visão de mundo e da sociedade, dirigiu todo o desenho institucional do regime e, uma vez chefe incontestado, pouca legislação, da mais importante à mais mesquinha, deve ter sido publicada sem o seu atento visto, até à sua decrepitude nos anos 1960. Salazar não participou no golpe de estado em 1926, nem o seu nome existia enquanto candidato a ditador nos anos finais do regime parlamentar. Nascido no seio de uma família rural pobre numa aldeia do centro do país, Oliveira Salazar foi educado num meio católico tradicionalista e faria o fundamental da sua formação intelectual e política antes da Primeira guerra Mundial. Frequentou um seminário, mas abandonou o seu caminho eclesiástico para ir estudar direito na Universidade de Coimbra, nas vésperas do derrube da monarquia. Estudante reservado e brilhante seria dirigente da mais conhecida associação estudantil católica de Coimbra, o CADC. [...]” PINTO, António Costa. O Estado Novo português e a vaga autoritária dos anos 1930. In: MARTINHO, Francisco C. P.; PINTO, António Costa (Orgs.). O Corporativismo em Português: Estado, Política e Sociedade no Salazarismo e no Varguismo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007, p.28.
44
por um sistemático anticomunismo, antiliberalismo e antidemocratismo78, pautado
num nacionalismo de matrizes históricas, ou seja, reforçando a imagem histórica de
Portugal.
O Estado Novo português possuía semelhanças com regimes autoritários
em voga no mesmo período na Europa (fascismo e nazismo), embora se
diferenciasse por sua relação com a Igreja.
Esse regime institucionalizado sob a direção de Salazar, a partir da ditadura militar, foi admirado por largas franjas da direita radical europeia, sobretudo pelas de origem maurrasiana e tradicionalista católica, pelo facto das novas instituições do salazarismo exprimirem uma origem cultural muito semelhante. Essa identidade transcendia o mero programa da “ordem” e não incluía, por outro lado, os aspectos totalitários e “pagões” que faziam cada vez mais confluir a Alemanha e a Itália. É nas origens ideológicas da direita radical e do tradicionalismo antiliberal, na importância do catolicismo antiliberal como cimento cultural, que encontram as origens ideológicas e políticas do regime de Salazar.79
A trilogia “Deus, Pátria, Família” foi considerada o lema do salazarismo80,
pois se leva em conta aí não apenas a influência religiosa, mas o reconhecimento da
importância do núcleo familiar como autoridade central, bem como o patriotismo
característico do nacionalismo.
Por ocasião das comemorações do aniversário de 10 anos no poder, Salazar
mandou confeccionar quadros didáticos que expusessem a ação do “Chefe” nas
escolas, influência minuciosamente pensada para modular o português do período
78
TORGAL, Luís Reis. O Estado Novo. Fascismo, Salazarismo e Europa. In: TENGARRINHA, José (Org.). História de Portugal. Bauru, SP: EDUSC; São Paulo: UNESP; Portugal: Instituto Camões, 2000. 79
PINTO, António Costa. O salazarismo e o fascismo europeu: problemas de interpretação nas Ciências Sociais. Lisboa: Estampa, 1992, p.25. 80
MEDINA, João. A Ditadura Portuguesa do “Estado Novo” (1926 a 1974): síntese de ideologia e mentalidade do regime Salazarista-Marcelista. In: TENGARRINHA, José (Coord.). A Historiografia Portuguesa, Hoje. São Paulo: Hucitec, 1999.
45
desde sua primeira formação. Foram sete painéis elaborados e distribuídos nas
escolas, denominados “A Lição de Salazar”81.
A imagem 1 reproduz o último quadro da série que sintetiza e explicita de
forma didática e direta o ideal de pensamento de Salazar.
[...] Martins Barata deu ao sétimo e último quadro da série de 1938 um conteúdo de rara felicidade quanto à síntese que nele realizou: há neste “Deus, Pátria, Família/ A Trilogia da Educação Nacional”, um autêntico milagre de síntese, pois neste quadro poderíamos ver uma espécie de “mise en abîme” da mundivisão salazarista, uma extraordinária sinopse plástica das idéias, do escopo socioeconômico e da mentalidade do próprio regime instituído desde 1928 e consagrado constitucionalmente cinco anos depois da entrada de Salazar para o Governo de Vicente de Freitas como “Ditador das Finanças”. [...] [...] Neste quadro encontraremos, com a pedagogia “ad óculos” que Martins barata nele tão eficazmente conseguiu levar a cabo, o essencial da filosofia política, do Paternalimso político, da noção cristã da chefia e da Obediência que anima o ideário da Ditadura salazarista, a par do seu ideal “utópico” – mais exatamente ucrônico, ou seja, fora do tempo, do seu tempo – virado para um mundo dourado impossível em pleno século XX, com a sua “aurea mediocritas” de humildade e pobreza, o ideal neotomista de uma “pax ruris” medieval, um mundo sem eletricidade nem revolução industrial a maculá-lo, com o “bom selvagem” salazarista condensado naquele campônio que regressa a casa, à pequenina casa portuguesa (que uma canção de sucesso, muito mais tarde, cantada por Amália Rodrigues, havia de celebrar com bucolismo nacionalista), depois de um dia de trabalho no amanho da terra, essa mãe-terra que miticamente o Chefe queria como fundamento, princípio e fim de toda a riqueza, sob um céu imóvel e sempre azul onde Deus velava pela tranquilidade universal e pelo bom andamento da sociedade portuguesa, tão fiel ao culto do Cristo sobre um altar caseiro, Chefe invisível do Universo, de que o Presidente do Conselho seria afinal o natural delegado terreno [...].82
81
“[...] entendida a palavra lição no seu duplo sentido, o de conteúdo propriamente didático (aquilo que se aprende) e, de um modo mais transcendente, tudo aquilo que constitui programa, o timbre, o propósito do regime salazarista, o seu ensino global na Pólis, a sua „politéia‟.” MEDINA, João. A Ditadura Portuguesa do “Estado Novo” (1926 a 1974): síntese de ideologia e mentalidade do regime Salazarista-Marcelista. In: TENGARRINHA, José (Coord.). A Historiografia Portuguesa, Hoje. São Paulo: Hucitec, 1999, p.212. 82
Ibidem, p.213-214.
46
Imagem 1 - Trilogia da Educação Nacional. 83
Nota-se que a ilustração retrata fielmente o universo bucólico e as origens
do mundo rural de Salazar, bem como o ideal de vida que colocava para a
população de maneira impositiva, guiada pelo chefe de família e sob proteção divina.
Daí entende-se sua profunda aversão à industrialização.
As ações postas em prática no Estado Novo levaram Portugal ao isolamento
em relação à Europa, sobretudo pela insistência em manter a política colonialista na
África. Funcionaram também como fator de expulsão para a população portuguesa,
visto que, frente ao crescimento demográfico do meio rural, os setores secundário e
terciário da economia não cresceram o suficiente para absorver a mão de obra
disponível no mercado.
83
NÓS E A HISTÓRIA. A Lição de Salazar. 12/12/2011. Disponível em: <https://noseahistoria. wordpress.com/2011/12/12/a-licao-de-salazar/>. Acesso em: 22/10/2015.
47
Não obstante esse cenário, a emigração para o Brasil de 1930 a 1950 foi
marcada por um decréscimo.
Apesar dos esforços do governo de Portugal e do Brasil para reaproximar os dois países, a média da imigração que era de 33.5519 indivíduos entre 1926 e 1930 caíra para 7.492 em 1931-1935, atingindo a média de 8.849 entre 1936-1940, para recair para 3.840 pessoas, nível mais baixo desde 1866, em decorrência da segunda guerra mundial, que também afetou negativamente o comércio luso-brasileiro.84
Entre 1946-1950 houve uma ligeira recuperação, justamente após o fim da
Segunda Guerra Mundial.85 Nas décadas de 1960 e 1970 ocorreu novamente
diminuição da chegada ao Brasil de portugueses, que passaram a procurar outros
destinos dentro da própria Europa (sobretudo França), além dos EUA.
Ressalta-se que o salazarismo se manteve como regime vigente em
Portugal até 1974. Embora Salazar tenha se afastado do poder em 1968 por motivos
de saúde (sua administração durou de 1928 a 1968), deixou como sucessor
Marcello Caetano (de 1968 a 1974), que, em virtude da continuidade política, não se
sustentou mais no poder, sucumbindo ao golpe militar de 1974, que restabeleceu a
democracia, movimento conhecido como Revolução dos Cravos.
Entre os fatores que levaram ao decréscimo da emigração portuguesa para
o Brasil entre as décadas de 1930 a 1950, levando-se em conta o estado de São
Paulo, se sobressai a Revolução Constitucionalista de 1932, em um momento de
agitação marcado também pelo início do Estado Novo, entre 1937 e 1945. O
contexto político e legislativo durante o governo de Getúlio Vargas no Brasil levou a
uma série de medidas que impactaram os fluxos imigratórios. Tais medidas se
refletem na forma como os imigrantes portugueses foram acolhidos, assunto
abordado no item que se segue.
84
LOBO, Eulália Maria Lahmeyer. Imigração Portuguesa no Brasil. São Paulo: Hucitec, 2001, p.180. 85
Em 1946 emigram para o Brasil 6.955 portugueses, 10.875 em 1947, com sucessivos aumentos até atingir o número de 41.518 portugueses no Brasil em 1952. Ibidem, p.278-279.
48
1.2 SOCIEDADE DE ACOLHIMENTO: SÃO PAULO
Dentro de uma perspectiva histórica, busca-se analisar o acolhimento dado
ao imigrante português na cidade de São Paulo. Para tanto, recorre-se a elementos
que possam materializar esse acolhimento, tais como a estrutura física das casas
que se dedicaram à recepção de estrangeiros na cidade, como as hospedarias de
imigrantes existentes; a legislação brasileira, que adotou diferentes posturas
conforme a conjuntura política e social; bem como as redes de imigração envolvidas
nessa acolhida.
Distingue-se conceitualmente o acolhimento ao estrangeiro da hospitalidade:
Se, com Lévinas, podemos assimilar acolhida e hospitalidade a ponto de torna-los sinônimos, numa perspectiva antropológica, a acolhida pode distinguir-se da hospitalidade, não somente do ponto de vista do tempo, mas dos códigos e dos sistemas de normas que regem por um lado o instante da acolhida e, por outro, as leis da hospitalidade. A hospitalidade implica a acolhida como momento inaugural do encontro; mas, se a hospitalidade pressupõe sempre a acolhida, uma resulta de uma lei superior da humanidade, um direito natural, um princípio ético inalienável e sagrado, a outra se traduz em modalidades práticas particulares segundo as formas jurídicas e políticas próprias a cada Estado. Essa tensão entre a lei universal da hospitalidade e as leis nacionais que regem a acolhida dos estrangeiros testemunha uma outra tensão: aquela entre o homem público e o homem privado.86
Nota-se que a acolhida se refere ao momento inaugural do encontro,
enquanto a hospitalidade de fato só se estabelece ao longo da permanência do
estrangeiro ou imigrante no país receptor, ou seja, já implica “dispositivos de
acolhimento no cotidiano”.
86
BINET-MONTANDON, Christiane. Acolhida: Uma Construção do Vínculo Social. In: MONTANDON, Alain (Org.). O Livro da Hospitalidade – Acolhida do Estrangeiro na História e nas Culturas. São Paulo: Editora Senac, 2011, p.1173.
49
As ações empreendidas pelo poder público para dar solução material ao problema da integração das populações imigrantes se estendem a todos os domínios da vida cotidiana: o emprego, a família, a escola, a moradia, a saúde. Isso nos remete às formas práticas da hospitalidade. Desde sempre, os deveres do anfitrião são o alojamento e o bem-estar de seus hóspedes.87
O Estado decide sobre o acolhimento ou a rejeição. Dessa decisão nasce a
tensão entre o direito de residência e o direito de visita. O Estado determina as
modalidades de entrada e saída de seu espaço nacional e, ao mesmo tempo,
preside as regras que regem a acolhida dos estrangeiros.88
Nesse sentido, na São Paulo dos finais do século XIX a hospitalidade
pública89 aparece como panaceia ao acolhimento de imigrantes, contexto em que a
política imigratória90, o fim da escravidão e a substituição dessa mão de obra por
imigrantes para o trabalho nas lavouras de café proporcionaram uma rápida
expansão urbana.
Hospedarias91 fizeram parte do projeto de e/imigração e várias foram
construídas em todo o mundo.
87
DUROUX, Rose. Imigração: França/Europa. In: MONTANDON, Alain (Org.). O Livro da Hospitalidade – Acolhida do Estrangeiro na História e nas Culturas. São Paulo: Editora Senac, 2011, p.1.060. 88
BINET-MONTANDON, Christiane. Acolhida: Uma Construção do Vínculo Social. In: MONTANDON, op. cit., 2011. 89
“É a hospitalidade que acontece em decorrência do direito de ir e vir e, em consequência, de ser atendido em suas expectativas de interação humana, podendo ser entendida tanto no cotidiano da vida urbana que privilegia os residentes como na dimensão turística e na dimensão política mais ampla – a problemática dos migrantes de países mais pobres em direção aos mais ricos.” CAMARGO, Luiz Octávio de Lima. Os Domínios da Hospitalidade. In: DENCKER, Ada de Freitas Maneti; BUENO, Marielys Siqueira (Orgs.). Hospitalidade: Cenários e Oportunidades. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2003. 90
Entende-se por política imigratória o conjunto de leis e diretrizes que regeram a promoção da entrada de estrangeiros, no caso aqui estudado dos portugueses, no país. MENDES, José Sacchetta Ramos. Laços de Sangue. Privilégios e Intolerância à Imigração Portuguesa no Brasil (1822-1945). São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo: Fapesp, 2011. 91
Para atender ao crescimento dos fluxos imigratórios foram construídas hospedarias em outros locais do país, a saber: Ilha das Flores e a dos Pinheiros no Rio de Janeiro, Pedra d´Água em Vitória (ES), Pensador em Manaus (AM), Oficial de Rio Branco (AC), Saco do Padre Inácio em Florianópolis (SC) e a Hospedaria de Belo Horizonte (MG). Já no contexto internacional, como principais hospedarias edificadas para recepção no continente americano destacam-se a Hospedaria de São Paulo (1888-1978), Ilha das Flores no Rio de Janeiro (1883-1966), Hospedaria de Buenos Aires na Argentina (1911-1953) e a Hospedaria da Ilha de Ellis em Nova Iorque (1892-1954). PAIVA, Odair da Cruz; MOURA, Soraya. Hospedaria de Imigrantes de São Paulo. São Paulo: Paz e Terra, 2008.
50
Na Alemanha, no Japão e na Itália, hospedarias de emigrantes foram erigidas no mesmo período. Em ambos os lados do processo migratório – saída (emigração) e chegada (imigração) –, elas foram os locais para a expedição ou aferição de documentos, o controle médico-sanitário, o registro e encaminhamento para o local de destino.92
A construção da Hospedaria dos Imigrantes em São Paulo foi um projeto
pensado e articulado politicamente com o intuito de acompanhar o crescimento da
metrópole e suprir a necessidade de mão de obra para a cafeicultura. Surgiu como
reflexo do aumento do fluxo de imigrantes, visto que foi a terceira. A primeira
funcionou no bairro de Santana, onde hoje há uma unidade do exército93, e a
segunda foi no bairro do Bom Retiro – ambas não responderam de forma satisfatória
ao tamanho da demanda.
O bairro do Brás foi estrategicamente escolhido para receber os imigrantes
provenientes tanto do porto da cidade do Rio de Janeiro como do porto de Santos,
em São Paulo. Fica ao lado da estação de trem homônima e entroncamento
ferroviário de dois ramais que muito colaboraram para a expansão urbana e
industrial de São Paulo: a antiga Central do Brasil (vinda do Rio de Janeiro) e a São
Paulo Railway (vinda de Santos).94
Em certos períodos, quando a falta de braços para a lavoura foi mais aguda, o governo paulista subsidiou, até mesmo, as passagens dos imigrantes desde os portos na Europa até o Porto de Santos. Esta prática não foi permanente durante o período da grande imigração (1880-1920), mas revelava a influência dos cafeicultores no contexto político da época, que ficou conhecido como a República do Café com Leite.95
O funcionamento da Hospedaria dos Imigrantes em São Paulo tinha como
fundamento para o acolhimento três grandes etapas: recepção, triagem e
92
PAIVA, Odair da Cruz; MOURA, Soraya. Hospedaria de Imigrantes de São Paulo. São Paulo: Paz e Terra, 2008, p.13. 93
O C.P.O.R. (Centro de Preparação de Oficiais da Reserva) é uma unidade militar do exército destinada à formação de oficiais equivalente ao ensino médio técnico. A edificação permanece no mesmo endereço na Rua Alfredo Pujol. 94
PAIVA, MOURA, op. cit., 2008. 95
Ibidem, p.25.
51
encaminhamento.96 Ao chegar, o imigrante passava por uma triagem médica e suas
roupas e pertences, por uma estufa esterilizadora. Era encaminhado também ao
setor de higienização. Tal cuidado se justificava pela longa jornada empreendida na
viagem, que não raro implicava contaminação. Para esses casos havia uma ala de
enfermaria com médico e enfermeiros de plantão. Em quadros de maior
complexidade, o doente era levado ao hospital.
Por outro lado, os sadios tinham os documentos inspecionados no setor
administrativo. Recebiam chaves de pequenos armários para guardar pertences
pessoais e vales que davam acesso aos refeitórios e permitiam alimentação.97
Aqueles que chegavam já com contrato certo eram identificados para seguir viagem,
os demais se dirigiam para a Agência Oficial de Colocação, que funcionava em
espaço anexo à edificação, onde diariamente chegavam propostas de trabalho.
O tempo de permanência variava de acordo com as necessidades de cada
indivíduo ou família, mas havia regras gerais de comportamento, expressas em
regulamento interno afixado em todas as dependências e impresso em seis idiomas.
O imigrante recém-chegado teria direito à permanência na hospedaria e a alimentação por período máximo de seis dias. Perderia esse direito se recusasse a colocação oferecida pelos agentes oficiais;
O prazo de permanência de seis dias poderia ser prorrogado por mais quatro dias por aqueles que, chegando com destino predeterminado, aguardavam providências para se dirigirem ao local de trabalho;
Era obrigatório ao imigrante que quisesse receber a ajuda a que tinha direito, por lei, que se recolhesse à Hospedaria de Imigrantes;
O imigrante poderia sair do alojamento somente após ajuste realizado por meio dos agentes oficias. Os que não se submetessem a esta condição perderiam o direito à passagem para o interior e ao despacho gratuito de sua bagagem.98
96
PAIVA, Odair da Cruz; MOURA, Soraya. Hospedaria de Imigrantes de São Paulo. São Paulo: Paz e Terra, 2008. 97
“As refeições eram servidas nos refeitórios que comportavam 80 mesas, cada uma com 10 lugares: café e pão às 7 horas da manhã; Almoços às 11horas da manhã; Jantar às 4 horas da tarde; café e pão às 7 horas a noite; Leite para as crianças fracas ou menores de 3 anos; pão e salame para a alimentação durante a viagem, na partida.” Ibidem, p.35. 98
Ibidem, p.32.
52
Na imagem 2, de 1936, observa-se parte das instalações, um dormitório
coletivo, disposto no primeiro pavimento da Hospedaria. Ainda hoje se conservam
exemplares das camas na reserva técnica do acervo, que ocasionalmente são
expostos ao público para apreciação durante visitação.
Hoje em dia a edificação da hospedaria abriga o Memorial do Imigrante,
fundado em 1998 a partir da implantação do Museu da Imigração, em 1993. Abriga
uma série de registros deixados pela documentação produzida pelo setor
administrativo, constituindo-se em acervo de valor ímpar para a memória da
imigração. Mantém uma biblioteca em que se encontram estudos sobre a temática,
arquivos e reserva técnica sobre o local.
Imagem 2 - Vista parcial de quarto coletivo no primeiro pavimento.99
99
MUSEU DA IMIGRAÇÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Banco de Imagens da Hospedaria dos Imigrantes. Disponível em: <http://museudaimigracao.org.br/acervodigital/upload/fotografias/MI_ICO_ AMP_002_003_010_001.jpg>. Acesso em: 28/10/2015.
53
Embora esse não tenha sido o único meio de entrada e registro de
imigrantes no estado de São Paulo, o acervo do Memorial do Imigrante colabora
para as pesquisas nesse sentido.100 “Em seus noventa anos, a Hospedaria de
Imigrantes recebeu 75 nacionalidades e etnias, além de brasileiros provenientes de
várias regiões do país.”101
Em estudo sobre parte desse banco de dados102 do Memorial do Imigrante,
em período restrito ao pós-Segunda Guerra, de 1947 a 1980, de um total de 97.058
imigrantes, apenas 192 registros foram identificados como sendo de portugueses103.
No que se refere aos portugueses, o caráter espontâneo desse fluxo resulta em dificuldades de análise de sua natureza, visto que o banco de dados não os contempla, fazendo-se necessário o acesso a outras fontes para seu estudo. Arroteia e Trindade são unânimes ao apontar a ligação afetiva e material que une a comunidade de origem e as colônias emigradas, laços e permanências no destino ainda não desvendados pelas pesquisas existentes.104
Nota-se que pouquíssimos portugueses passaram pela Hospedaria dos
Imigrantes nesse período, permitindo levantar a hipótese de terem ingressado de
100
O acervo do Memorial do Imigrante conta com listas de bordo de imigrantes que desembarcaram entre 1888 e 1965 no porto de Santos - SP, cartas de chamada, jornais de colônias de imigrantes no Brasil que circularam entre 1886 1987, arquivo cartográfico, dados do livro de registro de pessoas que passaram pela Hospedaria do Imigrante e outras documentações referentes à rotina administrativa da Hospedaria. MUSEU DA IMIGRAÇÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Sobre o Acervo Digital do Museu da Imigração do Estado de São Paulo. Disponível em: <http:// museudaimigracao.org.br/acervodigital/index.php>. Acesso em: 28/10/2015. 101
PAIVA, Odair da Cruz; MOURA, Soraya. Hospedaria de Imigrantes de São Paulo. São Paulo: Paz e Terra, 2008, p.83. 102
“No que se refere à documentação, cujas informações foram inseridas no banco de dados, destacam-se as fichas de identificação (40.035), os avisos de colocação e embarque/chegada (6.982), as fichas do candidato (3.433), as fichas de entrevista para colocação (3.606), os currículo vitae (1.148), processos administrativos (3.296), os pedidos de mão-de-obra qualificada estrangeira e os cancelamentos de mão-de-obra pré-colocada (76). Os dados são consolidados por imigrante, sem a sobreposição ou duplicação de informações e se distribuem em três tabelas. [...]” BASTOS, Sênia. Imigração Qualificada no Pós-Segunda Guerra Mundial: Portugueses e Italianos em São Paulo. In: SOUSA, Fernando de et al. (Coords.). Um Passaporte para a Terra Prometida. Porto: CEPESE - Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade, 2011, p.454. Disponível em: <http://www. cepesepublicacoes.pt/portal/pt/obras/emigracao-portuguesa-para-o-brasil/um-passaporte-para-a-terra-prometida>. Acesso em: 28/10/2015. 103
BASTOS, Sênia. Imigração Qualificada no Pós-Segunda Guerra Mundial: Portugueses e Italianos em São Paulo. In: SOUSA, op. cit., p.457. 104
Ibidem, p.466.
54
outra forma tanto no estado de São Paulo como no país de maneira geral. As
chamadas redes de imigração105 foram cruciais nesse caso.
Estudos do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) realizados
por meio de censos mostram discrepância em relação ao banco de dados
mencionado. Essa disparidade não se dá pelo fato de um conjunto de dados se
referir ao país todo e o outro, apenas a documentos de uma instituição no estado de
São Paulo. Mas sim pela diferença de proporção de imigrantes portugueses em
relação ao total de imigrantes comparando os dois casos.
Quadro 1 - Ingresso quinquenal de imigrantes portugueses (1946-1980). 106
Anos Nacionalidade Portuguesa Imigração total
1946-1950 33.191 99.657
1951-1955 156.607 358.400
1956-1960 78.652 233.285
1961-1965 48.628 118.419
1966-1970 14.169 45.548
1971-1975 9.497 39.154
1976-1980 23.046 38.683
Total 363.790 933.146
105
As redes de imigração são estabelecidas a partir das redes sociais: “A rede é o conjunto das pessoas em relação às quais a manutenção de relações interpessoais, de amizade ou de camaradagem, permite esperar confiança e fidelidade. Mais do que em relação aos que estão fora da rede, em todo caso. [...] Estabelecendo relações que são determinadas pelas obrigações que contraem ao se aliarem e dando uns aos outros, submetendo-se à lei dos símbolos que criam e fazem circular, os homens produzem simultaneamente sua individualidade, sua comunidade e o conjunto sócia no seio do qual se desenvolve a sua rivalidade.” CAILLÉ, Alain. Nem Holismo nem Individualismo Metodológicos. Marcel Mauss e o paradigma da dádiva. Revista Brasileira de Ciências Sociais. São Paulo, vol. 13, n. 38, p.14-16. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rbcsoc/ v13n38/38caille.pdf>. Acesso em: 31/10/2015. A partir desse conceito o autor Sidnei Marco Dornelas escreve sobre o papel que a família exerce enquanto rede no processo migratório, indicando a família como responsável, ou seja, atribuindo ao deslocamento como resultante de um projeto familiar. DORNELAS, Sidnei Marco. Redes Sociais na Migração. Questionamentos a partir da Pastoral. Travessia - Revista do migrante. São Paulo, Ano XIV, n. 40, maio-agosto 2001. 106
BASTOS, Sênia. Imigração Qualificada no Pós-Segunda Guerra Mundial: Portugueses e Italianos em São Paulo. In: SOUSA, Fernando de et al. (Coords.). Um Passaporte para a Terra Prometida. Porto: CEPESE - Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade, 2011, p.456. Disponível em: <http://www. cepesepublicacoes.pt/portal/pt/obras/emigracao-portuguesa-para-o-brasil/um-passaporte-para-a-terra-prometida>. Acesso em: 28/10/2015.
55
Esses dados, levantados com base em estudos censitários do IBGE,
permitem notar que o número de imigrantes portugueses que ingressaram no Brasil
entre 1947 e 1980 equivale a mais de um terço do total de imigrantes. Já se
considerados os portugueses que tiveram passagem pela Hospedaria, a proporção é
menor do que 0,002%.
A análise de diferentes fontes de dados acerca da imigração portuguesa,
apesar da falta de uniformidade entre elas, permite inferir que, se a imigração não se
concretizava pelo aparato estatal, se dava muitas vezes de maneira informal, ou
seja, por meio de relações pessoais. Nesse âmbito, destaca-se o papel da família e
amigos na constituição de redes.
[...] as redes de parentes e amigos estabelecidas nas localidades de origem atuam como pré-requisitos, entre migrantes, para a fixação na cidade, facilitando a busca de moradia e de ocupações para os que chegam, com base em compromissos morais sedimentados pela proximidade dos laços afetivos.107
A essa imigração que chega já com lugar específico para ficar se deu o
nome de “imigração espontânea”, ocorrida principalmente mediante algum
conhecido ou parente que mandava buscar em Portugal as pessoas por meio de
cartas de chamada.
[...] A imigração espontânea, por sua vez, era viabilizada pelo envio de “carta de chamada” de parentes e/ou de oferta de emprego cujo destinatário responsabilizava-se formalmente, em documento registrado em Cartório no Brasil, pela acomodação e alimentação do imigrante recém-chegado.108
107
COSTA, Maria Cristina Silva. Nós das Redes. Travessia - Revista do migrante. São Paulo, Ano XIV, n. 40, maio-agosto 2001, p.25. 108
BASTOS, Sênia. Imigração Qualificada no Pós-Segunda Guerra Mundial: Portugueses e Italianos em São Paulo. In: SOUSA, Fernando de et al. (Coords.). Um Passaporte para a Terra Prometida. Porto: CEPESE - Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade, 2011, p.457. Disponível em: <http://www.cepesepublicacoes.pt/portal/pt/obras/emigracao-portuguesa-para-o-brasil/um-passaporte-para-a-terra-prometida>. Acesso em: 28/10/2015.
56
As cartas de chamada eram um misto de comunicação entre familiares e
documentação burocrática, exigida inicialmente em Portugal para dificultar a vinda
dos emigrantes em larga escala.109
Em certos períodos, denominavam-se de “bilhetes de chamada” as cartas formalmente enviadas, que deviam ser retiradas no consulado do Brasil, tendo em anexo um atestado com as justificativas dos motivos da transferência, com a assinatura de duas testemunhas e visadas pelas autoridades brasileiras.110
Pela legislação portuguesa, as mulheres casadas111 não poderiam viajar
sozinhas com filhos pequenos sem a autorização dos maridos, fato que colaborou
para essas cartas figurarem ao mesmo tempo documentos oficiais e comunicação
de ordem pessoal.
Mais tarde, o Decreto nº. 7.427 (Portugal, 30/03/1921) extinguiu esse uso
das cartas, instituindo um formulário-padrão mais formal e objetivo.112
Uma pequena parte destas correspondências foi localizada nos acervos da Hospedaria dos Imigrantes. Quando os imigrantes entregavam as missivas para a Inspetoria de Imigração no porto, elas eram anexadas às listas de desembarque que foram arquivadas na Hospedaria. Este acervo está composto por aproximadamente 8 mil cartas, na sua maioria de italianos. Neste todo, foram identificadas cerca de 200 cartas de
109
Compreendida nos meios oficiais como medida de controle e freio à entrada desorganizada de imigrantes, a carta de chamada tornou-se um instrumento utilizado em maior escala por grupos estrangeiros que contavam com redes comunitárias mais bem estabelecidas no país, capazes de articular a vinda de seus conacionais [...] Entre os portugueses, as cartas de chamada foram largamente utilizadas [...].” MENDES, José Sacchetta Ramos. Laços de Sangue. Privilégios e Intolerância à Imigração Portuguesa no Brasil (1822-1945). São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo: Fapesp, 2011, p.254. 110
MATOS, Maria Izilda Santos de. Portugueses: Deslocamentos, Experiências e Cotidiano - São Paulo Séculos XIX e XX. Bauru, SP: EDUSC, 2013, p.243. 111
Às mulheres casadas acompanhadas do marido era concedido o visto, já para as mulheres desacompanhadas exigia-se para obtenção de visto um atestado de profissão lícita ou atestado de boa conduta e vida honesta, conforme Decreto nº 18.408 de 25 de setembro de 1928. MENDES, op. cit., p.253. 112
MATOS, op. cit., p.243.
57
portugueses; dessas, cerca de 80% podem ser consideradas cartas ou declarações de chamada.113
Convém acrescentar que essas mais de 8 mil cartas de chamada
disponíveis no acervo do Memorial do Imigrante foram classificadas levando em
conta quatro assuntos distintos: notícias da vida na nova localidade, retorno de
imigrante já estabelecido, união de família e simplesmente “não consta”.114
A imagem 3 apresenta uma carta de chamada do acervo do Memorial do
Imigrante utilizada como certificado no intuito de possibilitar o deslocamento de um
familiar – assunto “união de família”. Trata-se de um caso em que o irmão mais
velho, já estabelecido na cidade de Santos, se responsabilizava pelo mais novo, de
13 anos, que faria a travessia entre Portugal e Brasil e se estabeleceria nessa
cidade sob sua custódia. O texto atesta que não haveria nenhum impedimento ao
desembarque do referido garoto de 13 anos, José Joaquim Diniz Branco, pelo fato
de o remetente responsabilizar-se pela sua manutenção no Brasil, exigência legal.115
Tal certificado se dirigiu aos agentes que fiscalizaram o desembarque do menor.
Nota-se ainda que o autor da correspondência em questão negava que seu
irmão tivesse contaminação por algum problema de saúde, revelando que consistia
em fator impeditivo ao desembarque. Tal negativa, no entanto, se dava de maneira
difusa entre os imigrantes, pois tanto as condições da viagem como o trajeto criavam
por vezes ambientes insalubres116 – e os mais vulneráveis adoeciam por
contaminação na embarcação ou antes mesmo da viagem.
113
MATOS, Maria Izilda Santos de. Portugueses: Deslocamentos, Experiências e Cotidiano - São Paulo Séculos XIX e XX. Bauru, SP: EDUSC, 2013, p.246. 114
Essas cartas foram disponibilizadas em formato digital para consulta via internet e classificadas, além do que já mencionado, nos seguintes campos: tipologia (atestado, autorização, certificado, correspondência, declaração, não consta), origem (diversas cidades do estado e país) e ainda há campos de pesquisa para digitação de palavras-chaves e período. 115
“O elemento comprobatório que o imigrante deveria apresentar era a correspondência de chamada [...].” MATOS, op. cit., p.244. 116
CAEIRO, Domingos; ROCHA-TRINDADE, Maria Beatriz. Portugal-Brasil: Migrações e Migrantes - 1850-1930. Lisboa: Edições Inapa, 2000.
58
Uma questão a respeito das cartas de chamada que merece destaque é que
a maioria era escrita à mão, com erros que, em diversos casos, demonstravam a
autoria de semiletrados117, sendo o exemplar exposto a seguir uma exceção.
Imagem 3 - Carta de chamada.118
117
“Na análise das correspondências, não se pode separar o conteúdo da forma da escritura. Cabe observar que as missivas pesquisadas apresentam um português fonético, marcado pela oralidade, uso aleatório das maiúsculas e minúsculas, problemas ou falta de pontuação, separação e/ou articulação indevida de palavras, troca de consoantes (v pelo b), expressões em desuso, o que dificulta a leitura e demonstra as dificuldades destes sujeitos históricos em manter a prática da escritura. Quanto à caligrafia, em algumas poucas cartas se observa a letra bem desenhada e clara, sendo muito poucas as datilografadas; na maioria, devido ao baixo letramento, a letra é rústica e muito difícil de ser compreendida.” MATOS, Maria Izilda Santos de. Portugueses: Deslocamentos, Experiências e Cotidiano - São Paulo Séculos XIX e XX. Bauru, SP: EDUSC, 2013, p.239. 118
Para melhor compreensão transcreve-se aqui o conteúdo da carta: “Certifico que o menor José Joaquim Diniz Branco, de nacionalidade portuguesa, com 13 annos de edade, residente actualmente em Sedovim, província de Beira Alta, Portugal, que deseja viajar para o Brasil, é irmão do senhor Abilio Diniz Branco, negociante estabelecido com casa de cambio na cidade de Santos, Brasil, à Praça da Republica nº 33, em cuja companhia e a cujas expensas passará a viver o seu irmão acima referido quando vier para o Brasil, não havendo, por isso, nenhum impedimento para seu
59
Dois fatos não menos significativos em relação ao documento supracitado
dizem respeito à importância da cidade de Santos como polo de atração de
imigrantes no estado de São Paulo, sobretudo portugueses, e ao acolhimento dado
a esses imigrantes dentro das redes. A cidade de Santos acolhia parte dos
imigrantes lusos dispostos ao trabalho duro119, que ansiavam pela ascensão social
como ideal de vida para regressar a Portugal como vitoriosos (leia-se: como
“brasileiros”120). Isso ocorria pela presença do porto de Santos, onde abundavam
vagas para trabalhadores de baixa qualificação.121
E, rapidamente, os portugueses começam a descer a serra e voltar para a cidade que os havia recebido no seu desembarque, constituindo boa parte da classe trabalhadora da cidade. O recenseamento santista de 1871 mostra que a cidade tinha 9.191 habitantes, sendo 931 portugueses (Gitahy, 1992:31). Já o de 1913 mostra a cidade com 88.967 habitantes, sendo que 25% eram portugueses (Gitahy, 1992: 41-2). A presença de um operariado português era tão marcante que o relatório de 1927 do cônsul lusitano em Santos destaca justamente os trabalhadores da cidade (Consulado de Portugal em Santos, 1927:16). O interesse do cônsul não foi casual, pois boa parte de seus conterrâneos eram os braços que faziam a economia da cidade funcionar. No seu relatório foram detalhados os números de profissionais em vários setores do comércio e a situação de suas reivindicações.122
desembarque no porto de Santos, uma vez que não soffra de molestia contagiosa nem de defeito physico que o inabilite para o trabalho e exhiba o presente certificado às autoridades que comparecerem a bordo no acto de seu desembarque. Santos, 7 de janeiro de 1921.” MUSEU DA IMIGRAÇÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Tombo A0000846. Denominação: Carta de chamada. Assunto: União de família. Título: Certificado. Origem: Santos. Descrição: Certifica que o menor José Joaquim Diniz Branco imigra para o Brasil a fim de unir-se ao irmão Abílio Diniz Branco. Língua Portuguesa. Disponível em: <http://museudaimigracao.org.br/acervodigital/upload/cartas/MI_CC_ A0000846X.pdf>. Acesso em: 31/10/2015. 119
Atuavam no transporte, ensacamento do café e carregamento dos navios para a exportação do produto. Ver: MATOS, Maria Izilda Santos de. Portugueses: Deslocamentos, Experiências e Cotidiano - São Paulo Séculos XIX e XX. Bauru, SP: EDUSC, 2013, p.124-125. 120
CAEIRO, Domingos; ROCHA-TRINDADE, Maria Beatriz. Portugal-Brasil: Migrações e Migrantes - 1850-1930. Lisboa: Edições Inapa, 2000. 121
TAVARES, Rodrigo Rodrigues. Portugueses em Santos: história e identidade. In: VALENTE, Heloísa de A. Duarte (Org.). Canção d‟além-mar. O fado e a cidade de Santos. Santos, São Paulo: Realejo Livros e Edições, 2008. 122
Ibidem, p.19-20.
60
Tanto a cidade de Santos como a de São Paulo atraíam cada vez mais
imigrantes, devido ao crescimento urbano e à existência das redes de imigração.
Como visto anteriormente, as cartas de chamada foram utilizadas como documento
importante na garantia do acolhimento aos imigrantes durante seu período de
adaptação à nova terra. Os números de imigrantes portugueses que chegaram ao
estado de São Paulo apresentados anteriormente também contribuem para inferir a
respeito do acolhimento em redes.
Mais do que o poder público, foram as redes que ampliaram a possibilidade
de emigração e o número de portugueses em São Paulo, o que leva à necessidade
de destacar as relações e sensibilidades advindas desse acolhimento em âmbito
familiar e doméstico.123 Essas redes são constituídas por estratégias de
sobrevivência pautadas na confiança e reciprocidade.
Uma tal definição chama a atenção para o fato de que toda rede é constituída de pessoas concretas e de sua necessidade de criarem laços de confiança entre si, através das três obrigações básicas: dar, receber, retribuir. Através de uma série de trocas simbólicas (bens, presentes, favores, casamentos, filhos, etc.) o grupo se constitui, dá forma às suas práticas culturais e a seus princípios de honra e moral, cria as regras básicas de sua sobrevivência como grupo e de seu relacionamento com o mundo exterior. [...] Isso é um fato que se constata também entre os migrantes, não importando sua nacionalidade; é no âmbito da rede que o projeto migratório se enuncia, assim como também é aí que se mobilizam os recursos e as estratégias para a sua concretização. As redes são a mediação da relação do migrante com a sociedade de adoção.124
123
Receber um estrangeiro como hóspede em casa requer um desafio duplo, o de traduzir os costumes e códigos da sociedade de acolhimento, ao mesmo tempo que se devem administrar os limites envolvidos na relação anfitrião-hóspede (o receber doméstico implica ceder espaço, mas há limites). “O alojamento envolve um relacionamento mais íntimo e contínuo entre o anfitrião e a visita do que ocorre quando se proporciona hospitalidade na forma de refeições ou festas. A visita residente tem acesso à „região reservada‟ num grau que não se aplicaria aos convidados para jantar. Além disso, a natureza precisa de o que tanto anfitriões quanto convidados podem ou não fazer aos olhos dos outros torna-se mais complexa e difícil de administrar.” DARKE, Jane; GURNEY, Craig. Como alojar? Gênero, hospitalidade e performance. In: LASHLEY, Conrad; MORRISON, Alison. Em busca da Hospitalidade: perspectivas para um mundo globalizado. Barueri, SP: Manole, 2004. 124
DORNELAS, Sidnei Marco. Redes Sociais na Migração. Questionamentos a partir da Pastoral. Travessia - Revista do Migrante. São Paulo, Ano XIV, n. 40, maio-agosto 2001, p.6.
61
Pautada na confiança, essa rede acolhe o imigrante, se responsabilizando
em diversos casos por sua inserção no mercado de trabalho ou atividade
remunerada, ainda que informal. Nesse sentido, observam-se determinados
grupamentos de origem comum se engajando nas mesmas atividades laborais e até
mesmo se concentrando em determinadas regiões dentro da cidade.
A mesma rede que acolhe e abriga por tempo indeterminado seus membros
também se torna dura, exigente e exploradora. Os portugueses, por sua forte
presença na cidade de São Paulo, se destacaram em inúmeras atividades
profissionais, em especial nas comerciais125. Entre estas, se sobressai sua atuação
nas padarias, num contexto que envolvia paternalismo e exploração nas relações
entre patrões e empregados.
A maior parte dos trabalhadores das padarias (homens solteiros) morava no local de trabalho, uma espécie de alojamento fornecido pelo proprietário, que também provia as refeições, o que facilitava aos recém-chegados, pois os livrava das despesas com acomodações, transporte e alimentação. Contudo, os cômodos eram precários, sujos, mal arejados e a comida não podia ser considerada boa. Cabe observar que essas ações (fornecimento de moradia e alimentação) eram estratégias patronais de controle sobre o cotidiano e o horário de trabalho dos trabalhadores, garantia de assiduidade e pontualidade e possibilidade de extensão da jornada, buscando disciplina, criando dependência e outros vínculos.126
De núcleos familiares a setores produtivos, as redes se estendiam em
alguns casos ao território127 urbano da cidade, concentrando portugueses em alguns
bairros, sobretudo na zona norte da capital paulista.
125
Sobre esse aspecto recomenda-se a leitura de: MATOS, Maria Izilda Santos de. Portugueses em São Paulo: trajetórias. In: MATOS, Maria Izilda Santos de. Portugueses: Deslocamentos, Experiências e Cotidiano - São Paulo Séculos XIX e XX. Bauru, SP: EDUSC, 2013. 126
Ibidem, p.151. 127
A presença portuguesa em São Paulo não possui um território demarcado porque os portugueses se dispersaram não apenas pela cidade, mas por todo o estado e país, graças à facilidade de adaptação advinda da familiaridade com o idioma. Podem existir espaços dispersos pela cidade que tragam uma territorialidade portuguesa à tona, sobretudo pela memória que evocam. É o caso das associações que são abordadas com mais profundidade no próximo item deste capítulo.
62
Alguns bairros, em São Paulo, concentravam imigrantes portugueses, como Vila Maria, Freguesia do Ó, Vila Guilherme, Imirim, Santana, Vila Madalena, Pinheiros. Era nesses bairros, em geral, que os imigrantes se estabeleciam, buscando na proximidade da moradia de parentes e conterrâneos, um apoio nesta vida que se iniciava.128
Embora tenham se dispersado por toda a cidade de São Paulo, cabe
acrescentar como bairros com grande número de portugueses, além dos
supramencionados, Tucuruvi e Tremembé. “Os madeirenses convergiram
principalmente, na zona norte, para o Imirim e bairros próximos ao Horto Florestal e,
na zona sul, para Santo Amaro. Os açorianos concentraram-se na zona leste da
cidade, principalmente na Vila Carrão.”129
O depoente Antonio dos Ramos pode ser identificado enquanto imigrante
que veio de Portugal jovem por meio de rede familiar – muitos parentes já estavam
no Brasil.
É natural que eu viesse pro Brasil, porque nós tínhamos aqui [...] dois irmãos da minha mãe no Rio de Janeiro, portanto dois tios meus, uma irmã de meu pai no Rio de Janeiro, minha tia Sofia, que morreu ano passado com 102 anos, e aqui em São Paulo vivia também uma tia de meu pai, uma irmã de meu pai e um irmão do meu pai também, que era meu tio-padrinho. Meu irmão mais velho já tinha vindo pra cá, eu vim pra cá em 59, ele tinha vindo em 56 cá pra São Paulo.130
Não foi possível identificar se para sua vinda se utilizou o instrumento da
carta de chamada, mas sua inserção no mercado de trabalho contou com a ajuda da
rede familiar, no setor de vendas e distribuição de autopeças131: “Vim pra cá em 59
128
LANG, Alice Beatriz da Silva Gordo. Portugueses em São Paulo: memória e identidade. In: ROCHA-TRINDADE, Maria Beatriz; CAMPOS, Maria Christina Siqueira de Souza (Orgs.). Olhares Lusos e Brasileiros. São Paulo: Usina do Livro, 2003, p.111-112. 129
FREITAS, Sônia Maria de. Presença Portuguesa em São Paulo. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, Memorial do Imigrante, 2006, p.117. 130
Depoimento de Antonio dos Ramos, em entrevista concedida ao autor em 03 de abril de 2013, na Casa de Portugal. 131
Maria Izilda Santos de Matos chamou atenção para o fato de as redes proporcionarem trabalho entre parentes e culminarem na fundação de grandes empresas. Ver: MATOS, Maria Izilda Santos de. Portugueses: Deslocamentos, Experiências e Cotidiano - São Paulo Séculos XIX e XX. Bauru, SP: EDUSC, 2013, p.123-162. “O trabalho autônomo era a ambição deste português que, por vezes,
63
com 17 anos, fui trabalhar numa empresa distribuidora de autopeças, onde que
esses dois tios trabalhavam e meu irmão.”132
Em alguns momentos a legislação brasileira restringiu a entrada de
imigrantes, diante das condições socioeconômicas do país. Isso se verificou ao fim
do período da grande imigração (1850-1930), quando Getúlio Vargas assumiu o
poder. E, mesmo com restrições, os portugueses receberam abertura, foram
privilegiados.133
Nesse cenário, com a ascensão de Getúlio Vargas ao poder e suas medidas
nacionalistas, por meio do Decreto nº. 19.482 de 12 de dezembro de 1930, foi
suspensa por um ano a concessão de vistos para entrar no Brasil a passageiros
estrangeiros que pretendessem viajar na terceira classe (categoria a que recorria
quase a totalidade dos trabalhadores imigrantes).134 Nas considerações do referido
decreto afirma-se:
[...] que uma das causas do desemprego se encontra na entrada desordenada de estrangeiros, que nem sempre trazem o concurso útil de quaisquer capacidades, mas frequentemente contribuem para aumento da desordem econômica e da insegurança social.135
E, no artigo 3º, institui-se ainda a obrigatoriedade da contratação de dois
terços de funcionários brasileiros natos a indivíduos, empresas, associações,
companhias e firmas comerciais, que explorem ou não concessões do governo nos
três níveis da administração púbica, em quaisquer fornecimentos, serviços ou obras.
Foram desobrigadas a essa regra dos dois terços apenas empresas que atuassem
se associava a parentes ou conterrâneos [...].” LANG, Alice Beatriz da Silva Gordo. Portugueses em São Paulo: memória e identidade. In: ROCHA-TRINDADE, Maria Beatriz; CAMPOS, Maria Christina Siqueira de Souza (Orgs.). Olhares Lusos e Brasileiros. São Paulo: Usina do Livro, 2003, p.112. 132
Depoimento de Antonio dos Ramos, em entrevista concedida ao autor em 03 de abril de 2013, na Casa de Portugal. 133
Esses privilégios são minuciosamente detalhados em: MENDES, José Sacchetta Ramos. Laços de Sangue. Privilégios e Intolerância à Imigração Portuguesa no Brasil (1822-1945). São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, Fapesp, 2011. 134
Ibidem, p.247-248. 135
Cf.: BRASIL. Decreto 19.482 de 12 de dezembro de 1930. Rio de Janeiro, 1930. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1930-1939/decreto-19482-12-dezembro-1930-503018-republicacao-82423-pe.html>. Acesso em: 05/11/2015.
64
na lavoura, pecuária e indústria extrativa, e eram excluídos da contagem de
estrangeiros aqueles que comprovassem viver há mais de dez anos no país. A partir
do Decreto 19.482, a entrada de imigrantes de todas as nacionalidades caiu
consideravelmente136, exceto dos japoneses, que passaram a ser o grupamento de
maior entrada entre 1932 e 1934.
Por sua vez, a constituição de 1934 estabeleceu o sistema de cotas
limitando a entrada de imigrantes de cada nacionalidade a 2% do contingente já
existente no país.
A entrada de imigrantes no território nacional sofrerá as restrições necessárias à garantia da integração étnica e capacidade física e civil do imigrante, não podendo, porém, a corrente imigratória de cada país exceder, anualmente, o limite de 2% sobre o número total dos respectivos nacionais fixados no Brasil durante os últimos 50 anos.137
Efetivamente, o sistema de cotas não afetou diretamente a imigração
portuguesa, visto que sua intensidade nos 50 anos anteriores à promulgação da lei
havia sido numericamente expressiva. O mesmo já não se pode afirmar em relação
a ondas imigratórias como a japonesa.138 Atribui-se essa preferência aos
portugueses à sua fácil integração em consequência do idioma e até mesmo dos
costumes, diferentemente do que se verifica no caso dos orientais.
Diante da impossibilidade de cumprir a meta estabelecida pelo governo de
dois terços de trabalhadores brasileiros natos, mais uma vez os portugueses foram
privilegiados, considerados como “ideais à composição étnica do povo brasileiro”,
conforme artigo 40, parágrafo primeiro, do Decreto-Lei nº. 406 de 1938:
136
“[...] Todas as principais correntes nacionais diminuíram. A imigração portuguesa, a mais numerosa na década precedente, conheceu um drástico declínio: em 1929 aportaram cerca de 38 mil imigrantes lusos; em 1930, vieram 18 mil; em 1931, pouco mais de 8 mil.” MENDES, José Sacchetta Ramos. Laços de Sangue. Privilégios e Intolerância à Imigração Portuguesa no Brasil (1822-1945). São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, Fapesp, 2011, p.250. 137
Ibidem, p.260. 138
Sobre a intolerância à imigração japonesa e o discurso eugênico ver: OLIVEIRA, Adriana Capuano de; TARELOW, Gustavo Querodia. “O Perigo Amarelo”: Imigração Japonesa, Eugenia e os Discursos de A. C. Pacheco e Silva na Assembléia Constituinte (1933-1934). In: MOTA, André; MARINHO, Maria Gabriela S. M. C.; SILVEIRA, Cássio (Orgs.). Saúde e História de Migrantes e Imigrantes: Direitos, Instituições e Circularidades. São Paulo: USP, Faculdade de Medicina; UFABC, Universidade Federal do ABC; CD.G Casa de Soluções e Editora, 2014.
65
Em cada núcleo ou centro oficial ou particular, será mantido um mínimo de 30% de brasileiros e o máximo de 25% de cada nacionalidade estrangeira. Na falta de brasileiros, este mínimo, mediante autorização do Conselho de Imigração e colonização, poderá ser suprido por estrangeiros, de preferência portugueses.139
Nota-se que o grupo português recebeu um acolhimento diferenciado se
comparado a outras nacionalidades, pois, como visto, em sua maioria esses
imigrantes não passaram pela Hospedaria dos Imigrantes de São Paulo, foram
acolhidos por redes de imigração. Ou seja, contaram muito mais com uma
hospitalidade doméstica140, mas sem serem preteridos pela “hospitalidade
pública”141, representada pelas leis supracitadas. Tal acolhimento pode ser
justificado como especial142 pelo suposto parentesco estabelecido pelo país
colonizador, o que teria criado vínculos mais profundos, considerados até como
“laços de sangue”.143
Os “dispositivos de acolhimento no cotidiano”144 aos portugueses aqui
entendidos como hospitalidade pública não se deram apenas pelas leis imigratórias
ou pela Hospedaria dos Imigrantes (ainda que em pequena escala, como já
discutido), mas também pela prestação de serviços públicos. Com um discurso
139
Cf.: MENDES, José Sacchetta Ramos. Laços de Sangue. Privilégios e Intolerância à Imigração Portuguesa no Brasil (1822-1945). São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, Fapesp, 2011, p.271. 140
Essa hospitalidade não diminuiu as dificuldades de adaptação nem tornou a vida desses imigrantes mais leve. “Os primeiros tempos foram muito difíceis, especialmente para aqueles que vieram com poucos recursos. O auxílio dos parentes foi de grande importância, tanto para a questão da moradia, quanto do trabalho. Em geral, ficaram morando, nos primeiros tempos, na casa destes parentes. A solidariedade dos parentes existia e era esperada, muito embora atritos também ocorressem.” LANG, Alice Beatriz da Silva Gordo. Portugueses em São Paulo: memória e identidade. In: ROCHA-TRINDADE, Maria Beatriz; CAMPOS, Maria Christina Siqueira de Souza (Orgs.). Olhares Lusos e Brasileiros. São Paulo: Usina do Livro, 2003, p.111. 141
CAMARGO, Luiz Octávio de Lima. Os Domínios da Hospitalidade. In: DENCKER, Ada de Freitas Maneti; BUENO, Marielys Siqueira (Orgs.). Hospitalidade: Cenários e Oportunidades. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2003. 142
Embora tenha prevalecido o bem receber em relação aos portugueses, destaca-se que, quando considerados “indesejáveis”, não obtiveram nenhum privilégio. Para uma análise mais apurada dos indivíduos considerados subversivos, que agiam contra os interesses nacionais, e a evolução sobre a legislação dedicada à expulsão e à repressão na república velha e na era Vargas, recomenda-se a leitura de: LEITÃO, Alfredo Moura. Nem todos eram mansos: o imigrante português nas lutas operárias em São Paulo (1930-1940). Dissertação (Mestrado em História), Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2010. 143
MENDES, op. cit., 2011. 144
DUROUX, Rose. Imigração: França/Europa. In: MONTANDON, Alain (Org.). O Livro da Hospitalidade – Acolhida do Estrangeiro na História e nas Culturas. São Paulo: Editora Senac, 2011.
66
eugênico no sentido de melhor selecionar imigrantes para a raça brasileira em
formação, Antonio Carlos Pacheco e Silva (1898-1988), autoridade psiquiátrica da
cidade de São Paulo na década de 1930, se preocupava em não incorporar
elementos “inaptos”145 à população. E, mesmo que os portugueses tenham sido
privilegiados nesse contexto, muitos apresentaram problemas psiquiátricos.
Apesar dos lusos terem sido tratados como preferenciais em relação a outros estrangeiros, devido à sua contribuição para a formação racial do Brasil e sua facilidade de adaptação em terras tupiniquins, muitos deles, mesmo anos depois do desembarque ou logo após aportarem, encontraram a loucura e o internamento nos manicômios brasileiros ao invés da concretização do sonho de melhorar de vida. De “imigrantes preferenciais”, os loucos oriundos de Portugal tornavam-se “ameaçadores da ordem pública”, e “agentes degeneradores da raça”. O debate que ancorava tais frases tinha as tintas da interpretação do Brasil que se fortalecera nos primórdios da república afirmando urgência de se evitar tal degenerescência por meio de políticas eugenistas, o que incidia sobre as escolhas e norma para a imigração e, também, sobre a educação e saúde das populações pobres não brancas [...].146
Nesse sentido, foram fundados dois hospitais direcionados exclusivamente
ao tratamento desses pacientes: o Asilo de Alienados do Juquery (1898) e o
Sanatório Pinel, no bairro de Pirituba. Neste foram localizados 65 portugueses
internados no período entre 1930 e 1939.147
No próximo item discute-se como os portugueses foram acolhidos em
entidades associativas, no intuito de ampliar o conceito de redes de acolhimento do
âmbito público ou privado para grupamentos específicos.
145
NEMI, Ana Lúcia Lana; SILVA, Ewerton Luiz Figueiredo de Moura da. Imigração Portuguesa e Psiquiatria na Capital Paulista dos Anos 30: Modernidade e Nacionalismo no Atendimento à Saúde. In: MOTA, André; MARINHO, Maria Gabriela S. M. C.; SILVEIRA, Cássio (Orgs.). Saúde e História de Migrantes e Imigrantes: Direitos, Instituições e Circularidades. São Paulo: USP, Faculdade de Medicina; UFABC, Universidade Federal do ABC; CD.G Casa de Soluções e Editora, 2014. 146
Ibidem, p.45. 147
“[...] sendo 42 homens e 23 mulheres. A presença masculina era predominante, em primeiro lugar, pela própria característica da imigração portuguesa majoritariamente masculina. Em segundo lugar, devido aos casos de Paralisia Geral Progressiva (PGP) [...].” Ibidem, p.49.
67
1.3 CASA DE PORTUGAL: POLÍTICA SALAZARISTA E PRÁTICA ASSOCIATIVA
Pode-se estudar a Casa de Portugal enquanto território português. Para
tanto, faz-se necessário apreender o conceito de território. Volta-se então ao
conceito de espaço para evidenciar a dialética existente entre as atividades
humanas e o território: “[...] O espaço é formado por um conjunto indissociável,
solidário e também contraditório, de sistemas de objetos e sistemas de ações
[...].”148 Sistemas de objetos e sistemas de ações interagem entre si, dinamizando o
espaço geográfico.
“A configuração territorial, ou configuração geográfica tem, pois, uma
existência material própria, mas sua existência social, isto é, sua existência real,
somente lhe é dada pelo fato das relações sociais.”149 O vínculo existente entre
configuração territorial e relações sociais se evidencia. Ou seja, o que configura o
território são suas características materiais somadas às ações sociais nele
estabelecidas, por isso o conceito de território se diferencia da noção de espaço
geográfico, pois este, em sua porção física, muitas vezes é estudado em sua
dimensão estática.
Os sistemas de objetos e de ações se confundem e interagem, produzindo
novos objetos e novas práticas, influenciando-se mutuamente, gerando
transformações no espaço ocupado.
Sistemas de objetos e sistemas de ações interagem. De um lado os sistemas de objetos condicionam a forma como se dão as ações e, de outro lado, o sistema de ações leva à criação de objetos novos ou se realiza sobre objetos preexistentes. É assim que o espaço encontra a sua dinâmica e se transforma.150
148
SANTOS, Milton. A Natureza do Espaço. São Paulo: Edusp, 2002, p.63. 149
Ibidem, p.62. 150
Ibidem, p.63.
68
Assim, a Casa de Portugal de São Paulo pode ser caracterizada como
território português, visto que o objetivo de sua existência, conforme divulgado em
folheteria e em seu próprio sítio na internet, favorece a frequência dos luso-
brasileiros, ou seja, imigrantes portugueses que tenham se estabelecido pela cidade
e seus descendentes: “A Casa de Portugal de São Paulo dispõe de um patrimônio
de grandes proporções, ressaltando a tradição e a preservação dos valores
históricos e culturais dos portugueses em São Paulo.”151
No que diz respeito à categoria território, a configuração territorial depende
também das relações sociais. Desse modo, analisando como a Casa de Portugal é
apresentada, afirmando destinar-se à preservação de valores históricos e culturais
portugueses, pode-se considerar o termo “território português” como apropriado para
designar o local. Em outras palavras, a Casa de Portugal se afirma enquanto
território propício para as relações sociais entre portugueses e seus descendentes.
Se a identidade pode ser baseada na interação social, reconhece-se a
existência da essência interior, mas também que se forma na relação com outras
pessoas, em face das transformações sociais, e tendo em vista sua dependência em
relação à sociedade.
A identidade, nessa concepção sociológica, preenche o espaço entre o “interior” e o “exterior” – entre o mundo pessoal e o mundo público. O fato de que projetamos a “nós próprios” nessas identidades culturais, ao mesmo tempo que internalizamos seus significados e valores, tornando-os “parte de nós”, contribui para alinhar nossos sentimentos subjetivos com os lugares objetivos que ocupamos no mundo social e cultural. A identidade, então, costura (ou, para usar uma metáfora médica, “sutura”) o sujeito à estrutura. Estabiliza tanto os sujeitos quanto os mundos culturais que eles habitam, tornando ambos reciprocamente mais unificados e predizíveis.152
151
CASA DE PORTUGAL DE SÃO PAULO. Disponível em: http://<www.casadeportugalsp.com.br>. Acesso em: 01/11/2011. 152
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade.11ª ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2011, p.12.
69
Quanto ao aspecto de alinhar a subjetividade com a objetividade dos lugares
e à afirmação de que a identidade costura o sujeito à estrutura, remetem ao conceito
de configuração territorial153, levando-se em conta que as identidades também são
influenciadas e resultantes de relações sociais.
A partir da discussão aqui estabelecida, entendendo-se que o sujeito obtém
sua identidade a partir das relações com a sociedade e que essa mesma identidade
costura os sujeitos às estruturas, infere-se que a identidade é equivalente à
configuração territorial. Ou seja, o território imprime uma identidade ao espaço por
meio das relações sociais. Infere-se também que o objeto desta tese, a Casa de
Portugal de São Paulo, enquanto território português na cidade, pode ser estudado
por meio da expressão de sua identidade, isto é, por meio de seus eventos.
Compreendendo que o território resulta da interação das relações sociais
com os sistemas de objetos presentes no espaço, a territorialização seria um
derivativo que substancia essa interação. O indivíduo territorializado exerce suas
relações sociais, interagindo com o espaço. Quando o sujeito histórico se desloca
para um território estranho a seu cotidiano, a seus costumes e a suas identidades,
se desterritorializa. Assim, a “mobilidade humana e desterritorialização”154 se dá em
diferentes níveis. Trata-se o imigrante como uma figura sujeita a desterritorialização
relativa, passível de qualificação.
O migrante que se desloca antes de tudo por motivos econômicos, imerso nos processos de exclusão socioeconômica, pode vivenciar distintas situações de desterritorialização. Ele pode estar deixando um emprego mal remunerado para buscar outro com remuneração mais justa, pode estar querendo usufruir ganhos pela diferença de poder aquisitivo da moeda de um país em relação a outro, ou ainda, simplesmente, para aqueles numa condição muito mais privilegiada, pode estar buscando investir capital ou expandir negócios em terra estrangeira. Cada uma destas situações envolve níveis de desterritorialização distintos, ligados às diferentes possibilidades que o migrante carrega em relação ao
153
SANTOS, Milton. A Natureza do Espaço. São Paulo: Edusp, 2002. 154
Para o autor, a mobilidade humana pode se desterritorializar em graus distintos. Afirma que a mobilidade em si não é desterritorializadora, mas analisa casos em que ela se manifesta em diferentes níveis: “novos nômades”, “vagabundos”, viajantes, turistas, imigrantes, refugiados e exilados. HAESBAERT, Rogério. O Mito da Desterritorialização: Do “fim dos territórios” à multiterritorialidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004.
70
“controle" do seu espaço, ou seja, à sua reterritorialização – o que inclui também, é claro, o tipo de relação que ele continua mantendo com o espaço de partida.155
Ainda sobre a complexidade das condições sociais de cada migrante e o
grau de desterritorialização a que estão sujeitos, acrescentam-se como variáveis
questões ligadas:
a. às classes socioeconômicas e aos grupos culturais a que está referida; b. aos níveis de desvinculação com o território no sentido de: b1. presença de uma base física minimamente estável para a sobrevivência do grupo, o que inclui seu acesso a infraestrutura e serviços básicos; b2. acesso aos direitos fundamentais de cidadania, garantidos ainda hoje, sobretudo, a partir do território nacional em que o migrante está inserido; b3. manutenção de sua identidade sociocultural através de espaços específicos, seja para a reprodução de seus ritos, seja como referenciais simbólicos para a “reinvenção” identitária.156
Observa-se que, para o imigrante pobre, que migra em busca de melhores
condições de vida, que abandona sua zona de conforto para aventurar-se em busca
de melhores condições, porém incertas, o grau de desterritorialização é maior. No
entanto, infere-se que o imigrante português que, apesar de pobre, emigrou para o
Brasil por meio das redes de imigração encontrou um mínimo de infraestrutura de
suporte. Mesmo que sob condições que misturavam dependência e exploração, não
esteve tão desterritorializado quanto o imigrante português que passou pela
Hospedaria dos Imigrantes em busca de trabalho nas lavouras de café e rumo ao
interior do estado de São Paulo.
No caso de Antonio dos Ramos, imigrante português já mencionado, que
emigrou por meio de rede de imigração, foi acolhido em uma profissão também por
intermédio de sua rede previamente instituída, passando a atuar na comercialização
de autopeças. Contou ainda com uma reinserção identitária (reterritorialização),
155
HAESBAERT, Rogério. O Mito da Desterritorialização: Do “fim dos territórios” à multiterritorialidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004, p.246-247. 156
Ibidem, p.250.
71
podendo “manter” sua identidade sociocultural e a reprodução de seus ritos na
prática associativa da Casa de Portugal. Portanto, deduz-se que seu grau de
desterritorialização tenha sido relativamente menor do que o do imigrante que não
contou com tal apoio.
Eu cheguei aqui em 59, um tio que era sócio [da Casa de Portugal] nos colocou aqui de sócios, eu e meus irmãos, ali por 61. Depois eu viajei vendendo automóveis por vários estados do Brasil, mas já era sócio da Casa, não frequentei muito assiduamente porque estava aqui em São Paulo a cada 60 dias, mas frequentava os bailes, era a época dos bailes. E, depois que me fixei em São Paulo, passei a frequentar um pouco mais.157
A prática associativa no caso de Antonio dos Ramos se deu de forma rápida,
pouco depois da chegada ao Brasil, o que não se constituiu em regra, pois em
muitos casos a busca pela manutenção dos valores identitários veio numa fase
posterior, depois da superação de algumas etapas iniciais de adaptação.
Geralmente a procura pela prática associativa se dá quando o imigrante português já
está reterritorializado.
As associações têm o papel de amparar, reunir a comunidade e preservar as tradições. Contudo, pouca assistência receberam das associações os recém-chegados, que só depois de bastante tempo passam a frequentá-las. A primeira associação em que ingressam é um clube esportivo, a Portuguesa de Esportes, hoje chamada a Lusa. [...] [...] Observa-se então, que a comunidade portuguesa em São Paulo é marcada, de maneira ambígua, pela convergência e pela dispersão. Pela convergência que une a elite da comunidade e pela dispersão que refletida na comunidade “submersa”. Da elite fazem parte os comendadores, imigrantes que receberam a honraria do Governo Português.158
157
Depoimento de Antonio dos Ramos, em entrevista concedida ao autor em 03 de abril de 2013, na Casa de Portugal. 158
LANG, Alice Beatriz da Silva Gordo. Portugueses em São Paulo: memória e identidade. In: ROCHA-TRINDADE, Maria Beatriz; CAMPOS, Maria Christina Siqueira de Souza (Orgs.). Olhares Lusos e Brasileiros. São Paulo: Usina do Livro, 2003, p.115 e 123.
72
De maneira geral, a primeira associação procurada é a Portuguesa de
Desportos, agremiação esportiva que abarca o time de futebol dos luso-
descendentes, esporte mais popular no Brasil e que atraiu todo tipo de imigrante. As
demais associações são procuradas tempos depois da adaptação ao país de
acolhimento, em momento em que o imigrante já se encontra territorializado.
De preferência, os que alcançaram sucesso se associaram a várias delas,
buscando cargos de destaque, simbolizando prestígio social em meio à comunidade.
Alguns foram condecorados com honrarias pelo Governo Português, os chamados
comendadores, geralmente dirigentes de associações mais prestigiosas, como no
caso de Antonio dos Ramos, que presidiu (de 1985 a 2007) e atualmente preside a
Casa de Portugal (desde 2013).
Foi encontrado estudo que aponta uma derivação da territorialização e do
conceito de território, identificando a territorialidade como espaço vivido em
experiências individuais e coletivas e a existência de lugares que suscitam
lembranças, experiências e memórias.
Em seu processo de transformação, a cidade tanto pode ser registro como agente histórico. Neste sentido, destaca-se a noção de territorialidade, identificando o espaço enquanto experiência individual e coletiva, onde a rua, a praça, a praia, o bairro, os percursos estão plenos de lembranças, experiências e memórias. Lugares que, além de sua existência material, são codificados num sistema de representação que deve ser focalizado pelo pesquisador, num trabalho de investigação sobre os múltiplos processos de territorialização, desterritorialização e reterritorialização.159
O associativismo propicia ao imigrante a recuperação dessa territorialidade
perdida no processo imigratório. Nesses locais promovem-se encontros, discussões,
troca de informações, de notícias sobre a terra natal, bem como a reconstrução de
manifestações culturais com base na memória, que levam o sujeito histórico à
reterritorialização.
159
ROLNIK, Raquel. História Urbana: História da Cidade. In: FERNANDES, Ana; GOMES, Marco Aurélio (Orgs.). Cidade e História: modernização das cidades brasileiras nos séculos XIX e XX. Salvador: Faculdade de Arquitetura, 1992.
73
Claro que a identidade em seu sentido reterritorializador não constitui simplesmente um transplante da identidade de origem, mas um amálgama, um híbrido, onde a principal interferência pode ser aquela da leitura que o Outro faz do indivíduo migrante. [...]160
Antes de o associativismo se tornar espaço propício à reprodução ou
recriação de identidades e memórias, serviu como forma de unir esforços ao redor
de atividades previdenciárias em associações de auxílio mútuo.161 Trata-se de
associações de caráter diferenciado. As entidades de auxílio mútuo162 surgiram
como reação à necessidade dos trabalhadores de obter algum tipo de seguridade
social, não proporcionada pelas empresas em que atuavam nem pelo governo.
Destinados a assegurar a sobrevivência de pessoas em condições precárias de vida, o mutualismo e a beneficência em grande medida serviram como espaços de sociabilidade pautados em práticas horizontalizadas de solidariedade, num contexto de transformações econômicas, sociais e políticas que se propagou por todo o ocidente ao longo do século XIX [...].163
Ainda assim se atribui a elas a origem do associativismo, por dois motivos:
primeiro pelo fato de reunirem associados em torno de objetivos comuns, em alguns
casos a questão da nacionalidade164; segundo porque, para além das atividades
160
HAESBAERT, Rogério. O Mito da Desterritorialização: do "fim dos territórios à multiterritorialidade". Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004, p.249. 161
Cuidar da saúde dos sócios, garantir seu sustento quando impossibilitado de trabalhar, zelar pela família dos que faleciam, do funeral dos associados e ainda prestação de serviços jurídicos faziam parte dos socorros mútuos. LUCA, Tânia de. O Sonho do Futuro Assegurado. O Mutualismo em São Paulo. São Paulo: Contexto; Brasília: CNPq, 1990. ALMEIDA, Mateus Fernandes de Oliveira. Associativismo, proteção social e poder público no Segundo Reinado: mutuais e beneficentes na pluralização do espaço público da Corte (1860-1882). Tese (Doutorado em História), Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2014. 162
“Associação voluntária, ou seja, um grupo formado por pessoas que se associam com base em um interesse comum e cuja participação não é obrigatória nem determinada por nascimento, e que existe independentemente do Estado. Além disso, trata-se de uma entidade organizada de indivíduos coligados entre si por um conjunto de regras reconhecidas e repartidas, que definem os fins, os poderes e os procedimentos dos participantes, com base em determinados modelos de comportamento oficialmente aprovados.” FONSECA, Vitor Manoel Marques da. Imigração: Identidade e Integração,1903-1916. In: MATOS, Maria Izilda Santos de; HECKER, Alexandre; SOUSA, Fernando de (Orgs.). Deslocamentos & Histórias: Os Portugueses. Bauru, SP: Edusc, 2008, p.358. 163
ALMEIDA, op. cit, p.28. 164
Além das associações de socorros mútuos por nacionalidade, havia o mutualismo de empresas, de categorias profissionais, mutualismo nos órgãos públicos e mutualismo étnico. LUCA, Tânia de. O
74
principais, em várias delas se comemoravam datas importantes conforme as origens
dos associados, proporcionando atividades de lazer como festas e bailes.
Os serviços eram prestados mediante o pagamento de quantias mensais de
dinheiro e nem todas as associações prestavam todos os serviços, algumas
ofereciam especificamente um tipo de assistência. Determinadas mutuais chegaram
a construir hospitais ainda atuantes nas cidades de São Paulo e em Santos.
[...] o fato de algumas sociedades terem se proposto a construir hospitais (5,3%) deve ser tomado como indício de falta de leitos. Exceção feita às Sociedades Portuguesas de Beneficência de São Paulo e Santos, à Associação Hospital Alemão em São Paulo e à Sociedade Italiana de Beneficência para o Hospital Humbero I, as demais não foram capazes de levar adiante seus projetos.165
Grandes contingentes de imigrantes vindos ao Brasil se estabeleciam nas
lavouras de café, mas muitos também se dirigiram às cidades, sobretudo
portugueses que contavam com o apoio das redes de imigração. As cidades foram
crescendo com o nascimento de uma classe de artesãos que forneciam serviços nos
centros urbanos.166
[...] nesse período a cidade conheceu profundas transformações em sua estrutura demográfica e ocupacional. A constituição de um mercado interno de consumo abriu novas oportunidades tanto para os detentores dos capitais gerados pelo café, como para indivíduos dotados de habilidades artesanais. Porém, é certo que a grande maioria dos trabalhadores que se dirigiram para São Paulo, Santos e outras cidades tributárias do café, viu-se na contingência de submeter-se aos desígnios o capital. A cidade, enquanto espaço potencial de conflito, estimulava a solidariedade operária, que se manifestava em ligas de resistência, sociedades de socorros mútuos e uniões.167
Sonho do Futuro Assegurado. O Mutualismo em São Paulo. São Paulo: Contexto; Brasília: CNPq, 1990. 165
Ibidem, p.26. 166
Ibidem. 167
Ibidem, p.18.
75
Com o advento do Estado Novo brasileiro (1937-1945), diversas medidas
alinhadas com os direitos dos trabalhadores foram aos poucos sendo implantadas,
até a criação da Consolidação das Leis Trabalhistas (Decreto-Lei nº. 5.452, de 1º de
maio de 1943). Tais medidas do Estado foram paulatinamente “substituindo a
necessidade” de agremiação nas associações mutuais, colaborando para seu
declínio.
Satisfeitas por parte do governo as preocupações dos trabalhadores diante
da seguridade social, ainda restava a necessidade de suprir seu desejo associativo
em termos de sociabilidade e revalorização de suas origens identitárias. Nesse
sentido, ou talvez coincidentemente, diversas associações foram inauguradas na
cidade de São Paulo nas décadas iniciais do século XX.
[...] Até a década de 20 do século XX foram fundadas várias associações de socorros mútuos, com o fito de amparar os imigrantes em suas necessidades. A Câmara Portuguesa de Comércio teve início em 1912, Clube Português e a Associação Portuguesa de Desportos em 1920. Na década de 30, imigrantes provenientes de mesmas regiões criaram suas associações – o Centro Trasmontano (1932), A Casa do Minho (1933), o Centro Beirão (1933). A Casa de Portugal foi criada em 1935, com a finalidade de incorporar as associações, prestar assistência aos imigrantes portugueses e remover a defesa da cultura e do idioma (VERDASCA, 1983, p.83). Ainda na década de 30, outras associações surgiram, especialmente voltadas para o desenvolvimento de práticas esportivas. Durante as décadas de 40 e 50, apenas o Clube Elos teve início.168
Das associações de socorros mútuos relacionadas como de origem
portuguesa169, ainda encontram-se ativas a Associação Auxiliadora das Classes
Laboriosas (fundada em 30/05/1891), Associação Beneficente São Pedro do Pari
(fundada em 03/01/1917), Sociedade Portuguesa Beneficente Vasco da Gama
168
LANG, Alice Beatriz da Silva Gordo. Portugueses em São Paulo: memória e identidade. In: ROCHA-TRINDADE, Maria Beatriz; CAMPOS, Maria Christina Siqueira de Souza (Orgs.). Olhares Lusos e Brasileiros. São Paulo: Usina do Livro, 2003, p.115. 169
Foram identificados dois sítios na internet que relacionam as associações da comunidade portuguesa: CONSULADO GERAL DE PORTUGAL EM SÃO PAULO. Disponível em: <http:// consuladoportugalsp.org.br/associacoes-portuguesas-e-luso-brasileiras>. Acesso em: 12/11/2015. CONSELHO DA COMUNIDADE LUSO-BRASILEIRA DO ESTADO DE SÃO PAULO. Disponível em: <http://www.cclb.org.br/associacoes.htm>. Acesso em: 15/10/2011.
76
(fundada em 20/05/1898) e a Real e Benemérita Associação Portuguesa de
Beneficência (fundada em 02/10/1859). Destas apenas a Beneficência Portuguesa
se destaca como centro hospitalar de alta complexidade, as demais se tornaram
planos de saúde, realizando exames e atendimentos médicos.
O Centro Trasmontano, fundado em 1932, surgiu com finalidade beneficente
e recreativa. Com o passar dos anos, a parte recreativa foi sendo deixada de lado.
Tornou-se plano de saúde de referência, com muitos associados, e atualmente
segue no ramo de assistência médica. Seu grupo folclórico, denominado Carvalho
de Araújo, se dissipou e deu origem ao Grupo Folclórico da Casa de Portugal.
Não foram identificados registros da existência da Casa do Minho170 e do
Centro Beirão, fundados em 1933, conforme supracitado, na atualidade. Em São
Paulo consta na relação de associações portuguesas a Casa Cultural Império do
Minho, fundada em novembro de 2006, com sede no bairro da Casa Verde.
“No período posterior a 1963, quando o fluxo migratório diminuiu
drasticamente, várias associações foram criadas, o que indica a vitalidade da
comunidade.”171 Tanto que diversas associações de caráter regional foram fundadas
após esse período na cidade: a Casa Ilha da Madeira, em 15/06/1969172, Arouca
São Paulo Clube, em 08/03/1979173, Casa dos Açores , em 22/06/1980174,
Associação
170
A Casa do Minho no Rio de Janeiro foi fundada em 1924 e permanece atuante. CASA DO MINHO. A Casa. Disponível em: <http://www.minho.com.br/?s=data+de+funda%C3%A7%C3%A3o>. Acesso em: 09/10/2014. 171
LANG, Alice Beatriz da Silva Gordo. Portugueses em São Paulo: memória e identidade. In: ROCHA-TRINDADE, Maria Beatriz; CAMPOS, Maria Christina Siqueira de Souza (Orgs.). Olhares Lusos e Brasileiros. São Paulo: Usina do Livro, 2003, p.115. 172
Idealizada por um grupo de madeirenses que frequentava a Paróquia de Nossa Senhora de Fátima no Imirim, teve como sua primeira sede uma sala alugada na rua Voluntários da Pátria, em Santana, ocorrendo a compra do terreno da atual sede na Avenida Parada Pinto, no bairro do Horto Florestal, somente em 1972. CASA ILHA DA MADEIRA. Pequena História da casa da Ilha da Madeira. Disponível em: <http://www.casailhadamadeira.com.br/historia.html>. Acesso em: 12/11/ 2015. 173
Arouca é um concelho da área metropolitana do Porto com 16 freguesias. A associação possui uma área de 36.000 m² no bairro do Tremembé. AROUCA SÃO PAULO CLUBE. Disponível em: <http://www.aroucaclube.com.br>. Acesso em: 12/11/2015. 174
CASA DOS AÇORES DE SÃO PAULO. Disponível em: <http://www.casadosacores.com>. Acesso em: 12/11/2015.
77
Casa de Macau175, em 31/07/1989, Casa de Brunhosinho, em 1991176, Comunidade
Gebelinense de São Paulo, em 1992177, e Associação dos Poveiros de São Paulo
em 1991178.
Cabe destacar como associações importantes na cidade de São Paulo o
Centro Cultural 25 de Abril e o Lar da Provedoria da Comunidade Portuguesa179. O
Centro Cultural 25 de Abril180 foi fundado em 25/04/1982 por imigrantes intelectuais
politizados e mais à esquerda. Vários de seus fundadores fizeram parte do
movimento de resistência democrática de oposição a Salazar, inclusive criaram um
jornal denominado Portugal Democrático181. O Lar da Provedoria da Comunidade
Portuguesa182 é uma entidade sem fins lucrativos, criada por iniciativa do Consulado
Geral de Portugal de São Paulo, visando estender outras ações de assistência social
já desenvolvidas183 no intuito de acolher portugueses idosos em situação de
175
Emigraram de Macau (possessão portuguesa no sul da China) para o Brasil na década de 60 e década de 80, quando decidiram criar a associação. A sede se localiza no bairro de Interlagos, zona sul de São Paulo. CASA DE MACAU EM SÃO PAULO. Quem Somos. Disponível em: <http://www. casademacausaopaulo.com.br/quem-somos.php>. Acesso em: 12/11/2015. 176
Localizada na Vila Curuçá, zona leste de São Paulo, entre os bairros de São Miguel Paulista e Itaim Paulista. A aldeia de Brunhosinho fica na Serra do Mogadouro em Trás-Os-Montes. Apesar de a associação ter sido criada por originários da aldeia, estende-se a todos. CASA DE BRUNHOSINHO. Quem Somos. Histórico da Casa de Brunhosinho. Disponível em: <http://www.brunhosinho.com.br/ rancho/>. Acesso em: 12/11/2015. 177
A aldeia de Gebelim localiza-se no Concelho de Alfândega da Fé, Distrito de Bragança e Província de Trás-Os-Montes. A associação foi fundada em 13/12/1992. Sua sede fica em Mairiporã. COMUNIDADE GEBELINENSE DE SÃO PAULO. Histórico da Fundação. Disponível em: <http:// gebelinenses.blogspot.com.br>. Acesso em: 12/11/2015. 178
Póvoa de Varzim é uma cidade da planície litorânea da região norte de Portugal que pertence a Grande Porto. Seus emigrados ao Brasil possuem uma associação no Rio de Janeiro, a Casa dos Poveiros. A Associação dos Poveiros de São Paulo possui sede no bairro de Vila Maria na zona norte de São Paulo. 179
Nas duas principais fontes de informações referentes a elas, Conselho da Comunidade Luso-Brasileira do Estado de São Paulo e Consulado Geral de Portugal em São Paulo, encontram-se os registros de 60 diferentes associações espalhadas pelo estado de São Paulo de diversas finalidades: beneficentes (prestação de serviços médicos), esportivas, culturais, recreativas e de assuntos específicos como vinhos ou sindicatos. 180
Presidido por Ildefonso Octávio Severino Garcia, o Centro Cultural 25 de Abril possui sede no bairro do Butantã, em São Paulo, e abriga acervo de exemplares do jornal Portugal Democrático. “[...] associação que congrega parte significativa dos antigos exilados do regime e que, de certo modo, é uma extensão do extinto Centro Republicano Português (CRP) e do próprio jornal Portugal Democrático. [...]” SILVA, Douglas Mansur da. A oposição ao Estado Novo no exílio brasileiro 1956-1974. Lisboa: ICS - Imprensa de Ciências Sociais, 2006, p.28. 181
“O jornal foi criado em 1956 por um pequeno núcleo de emigrados portugueses „antifascistas‟ radicados em São Paulo. [...]” Ibidem, p.32. 182
Fundado a 12 de fevereiro de 1968, suas instalações físicas contam com 23.000 m² em terreno que lhes fora doado na Serra da Cantareira, zona norte de São Paulo, com capacidade para abrigar 50 idosos. Em 2004 passou por reforma, ampliando sua capacidade para atender 98 idosos. PROVEDORIA DA COMUNIDADE PORTUGUESA DE SÃO PAULO. Nossa História. Disponível em: <http://www.provedoria.org.br/historia.htm>. Acesso em: 12/11/2015. 183
O Consulado Geral de Portugal em São Paulo conta com diversos programas assistenciais, entre eles os voltados para os idosos consistem em Apoio Social a Idosos Carenciados (ASIC), Apoio
78
vulnerabilidade social. Está ligada ao Centro de Apoio a Portugueses Carenciados,
braço de assistência social mantido pelo Consulado, com escritório central na Casa
de Portugal.
Nota-se que com exceção da Casa dos Açores e Casa de Brunhosinho,
localizadas na zona leste da cidade de São Paulo, da Casa de Macau, na zona sul,
e do Centro Trasmontano, que ainda mantém sua sede no centro184, as demais
associações de caráter regional estão concentradas em diferentes bairros da zona
norte, região com maiores contingentes de portugueses e luso-brasileiros anônimos,
integrados aos brasileiros e outros povos.
A Casa de Portugal e o Clube Português são associações de caráter
nacionalista, ou seja, representam a nação portuguesa como um todo, sem levar em
conta sua multiplicidade e peculiaridades regionais (em comparação com os demais
centros regionais mencionados). A fundação remonta a 1920, no caso do Clube
Português, e 1935, para a Casa de Portugal185. Ambos possuem em comum em sua
origem o registro do incentivo de um intelectual atuante nas décadas de 1920 e 1930
denominado Ricardo Severo186.
Social a Emigrantes Carenciados (ASEC) e o Programa Portugal no Coração. Serviços de Apoio Social. CONSULADO GERAL DE PORTUGAL EM SÃO PAULO. Disponível em: <http:// consuladoportugalsp.org.br/associacoes-portuguesas-e-luso-brasileiras>. Acesso em: 12/11/2015. 184
À Rua Tabatinguera, próximo à região da Sé, encontra-se a sede. No entanto, possui outras filiais nos bairros de Santana, Bela Vista e Campo Belo, que consistem em clínicas de atendimento médico. Possui também centrais de atendimento em outros municípios da Grande São Paulo e da Baixada Santista. TRASMONTANO SAÚDE. Centros Médicos. Disponível em: <http://www.trasmontano.com. br/UnidadesMedicas.aspx>. Acesso em 12/11/2015. 185
As únicas casas regionais existentes antes da Casa de Portugal foram o Centro Trasmontano, em 1932, que, conforme visto, perdeu sua característica recreativa e cultural e permanece como plano de saúde até a atualidade, o Centro Beirão e a Casa do Minho, fundados em 1933, mas extintos. Sendo assim, levando-se em conta as datas de fundação das associações que permanecem em atividade, tanto a Casa de Portugal como o Clube Português, que são nacionalistas, são mais antigos que as casas regionais. 186
Ricardo Severo da Fonseca e Costa, nascido em Lisboa em 1869 e falecido em São Paulo em 1940, foi um engenheiro, arquiteto, arqueólogo e escritor que incentivou no Brasil o estilo neocolonial. Por ter se envolvido em um movimento republicano e contra a monarquia, foi obrigado a se exilar no Brasil a partir de 1891. Regressou a Portugal, mas voltou definitivamente ao Brasil em 1908. Em 1891 Ricardo Severo participou ativamente da Revolta Republicana do Porto, movimento de caráter antimonárquico que foi duramente reprimido, mas que expressava seus ideais políticos. Em temor a represálias teria emigrado ao Brasil. DIOGO, Ricardo Jorge Costa. Antigos estudantes ilustres da Universidade do Porto: Ricardo Severo. 2008. Disponível em: <https://sigarra.up.pt/up/pt/web_base. gera_pagina?P_pagina=1000789>. Acesso em: 16/11/2015.
79
Por sua desenvoltura intelectual e formação, logo se aproximou da elite
portuguesa e paulistana.187 “[...] Em 1893 casou com Francisca Santos Dumont, irmã
do inventor Alberto Santos Dumont (1873-1932) e filha do então rei do café,
Henrique Dumont.”188 Compunha um time de intelectuais contrários ao governo
português no Brasil.
[...] O Centro Republicano Português, fundado por Ricardo Severo em 1908, juntamente com o Centro Republicano Dr. Afonso Costa, do Rio de Janeiro, tornam-se os centros de uma oposição republicana liberal. No Rio de Janeiro publica-se o jornal Portugal Republicano; e em São Paulo, João Sarmento Pimentel e Ricardo Severo editam, entre 1930 e 1945, a Revista Portuguesa, com expressivo apoio e participação da intelectualidade paulistana. Entretanto, por motivos de ordem política, as publicações são encerradas e, na sequência, as associações. No espaço de pelo menos uma década (1945 a 1955, aproximadamente) são pouquíssimas as atividades de oposição ao Estado Novo na colónia portuguesa do Brasil.189
Observa-se claramente a oposição feita por Ricardo Severo ao governo
português (embora tenha voltado a Portugal casado, retornou novamente ao Brasil
em 1908) ao fundar a associação de caráter político Centro Republicano Português
em 1908. Editou em conjunto com Sarmento Pimentel190 revista de caráter
republicano e liberal. Tiveram tanto a revista como a associação encerradas.
187
Em 1892 escreveu no jornal Correio Paulistano um artigo analisando as condições do Museu Sertório, o que logo despertou atenção por sua estadia na cidade e pretensa circulação no meio cultural (nesse sentido, sua formação como engenheiro civil e pesquisador das ciências naturais ligadas a Arqueologia e Antropologia o ajudaram). Foi então apresentado a Francisco de Paula Ramos de Azevedo. Circulando pela elite paulistana, casou-se com uma irmã de Santos Dumont e regressou a Portugal. De volta ao Brasil, em 1908 iniciou sua carreira no Escritório Técnico Ramos de Azevedo. MELLO, Joana. Ricardo Severo: da arqueologia portuguesa à arquitetura brasileira. São Paulo: Annablume, Fapesp, 2007. 188
DIOGO, Ricardo Jorge Costa. Antigos estudantes ilustres da Universidade do Porto: Ricardo Severo. 2008. Disponível em: <https://sigarra.up.pt/up/pt/web_base.gera_pagina?P_pagina= 1000789>. Acesso em: 16/11/2015. 189
SILVA, Douglas Mansur da. A oposição ao Estado Novo no exílio brasileiro 1956-1974. Lisboa: ICS - Imprensa de Ciências Sociais, 2006, p.32. 190
Oficial do exército português, exilou-se no Brasil em 1927 por ser contrário à Ditadura Nacional e Estado Novo de Salazar. Foi o quinto presidente da Casa de Portugal, entre 1940 e 1941.
80
Nota-se que Ricardo Severo se envolveu com diversas associações
portuguesas: Centro Republicano, Clube Português191, Câmara de Comércio, Casa
de Portugal. Portanto, foi incentivador do associativismo português no Brasil.
Em suposto discurso de Ricardo Severo expressa-se inicialmente sua
relação com o regime republicano em Portugal. Afirma se sentir bem recebido no
Brasil, mas queixa-se da desconfiança para com suas ideias no que concerne à
reunião das associações portuguesas.
Esta orientação justifica-se e ainda hoje se demonstra: pelo exame do caráter individualista da emigração portuguesa, despegada da metrópole sem dela haver o mínimo amparo oficial de formação coletiva; pela sua natural dispersão em todos os meios sociais deste país, sob os mais variados climas geográficos, aos quais espontaneamente se adapta o labor intenso, útil e honesto d nosso emigrante; e pela conveniência política de estabelecer [...] núcleos de concentração de acento coletivo, como patronatos de colonização, em que se mantenha espírito originário da lusitanidade [...].192
Nesse sentido unificador, atribui-se também aos ideais de Ricardo Severo a
instituição de uma escola de cultura portuguesa, uma Câmara Portuguesa de
Comércio (a qual de fato ajudou a fundar em 1912) e uma Casa de Portugal como
centro agremiativo, para a unidade moral e cívica da colônia.193
Em outro discurso, Ricardo Severo reafirma seu ideal unificador perante as
associações:
191
“[...] Tendo prosperado no Brasil em investimentos os mais variados no comércio, na construção civil, no mercado financeiro e imobiliário, o engenheiro logo seria alçado à posição de defensor da identidade e dignidade do povo português além-mar. Direta ou indiretamente, Severo participa da fundação de várias entidades da colônia portuguesa em São Paulo, entre elas o Centro Republicano Português (1908), a Câmara Portuguesa de Comércio, Indústria e Arte (1912) e o Clube Português (1920).” MELLO, Joana. Ricardo Severo: da arqueologia portuguesa à arquitetura brasileira. São Paulo: Annablume, Fapesp, 2007, p.44-45. 192
VERDASCA, José. A Casa de Portugal e a Comunidade. São Paulo: 1500 Comunicação e Marketing, 1993, p.71. 193
Ibidem, p.71.
81
A Casa de Portugal será ainda mais: um templo dos portugueses como afirmação unitária da Colônia e, portanto, da nação Portuguesa, a solidez do seu organismo social impor-se-á neste meio e terá, para a defesa dos interesses econômicos e políticos, não só da Colônia como da metrópole, uma importância superior à das associações em que se subdividem os portugueses [...]. A sua fachada será em estilo português e terá, como motivo dominante, uma porta tão ampla, que por ela caibam quantos portugueses hajam na Colônia, quaisquer que sejam as suas crenças religiosas ou convicções políticas, pois que um único pavilhão tremulará no seu mastro de mesena, tendo o Símbolo Augusto da pátria, que é a única e sempre a mesma, independente da fórmula dos seus governos.194
Nota-se que na visão de Ricardo Severo a emigração portuguesa possui um
caráter solitário, sem amparo oficial. Sua estratégia consiste em criar uma
associação que corresponda aos interesses da colônia no intuito de fazê-la presente
e ao alcance de todos.195 Destaca-se no discurso o caráter apolítico, nacionalista e
acolhedor.
Ressalta-se também a defesa dos interesses econômicos e políticos da
metrópole, o que supostamente daria à Casa de Portugal uma importância superior
diante das demais associações que dividem os portugueses. Percebe-se o desejo
da presença política da metrópole e um status superior da associação, embora
tenha como proposta arregimentar os portugueses em São Paulo.
194
Cf.: VIDAL, Frederico Perry. Biografia de uma instituição luso-brasileira. 80 anos - Câmara Portuguesa de São Paulo (1912-1992). São Paulo, Boletim da Câmara Portugueza de Comércio, Indústria e Arte de São Paulo, 1992, p.76. 195
“A multiplicidade de instituições portuguesas na cidade, para Severo, reforçava a divisão interna da colônia e levava ao seu enfraquecimento, por isso, logo depois de se instalar definitivamente no Brasil, em 1908, o engenheiro, ao lado de outros compatriotas, lançou uma campanha de unificação dos organismos da comunidade portuguesa em São Paulo, em um lar de congregação dos imigrantes na cidade independentemente de suas convicções religiosas e políticas. A campanha se estenderia ao longo de toda sua vida, o programa da Casa Portuguesa esboçada por Severo em suas conferências sobre o tema sendo, há um só tempo, arquitetônico, político e cultural. Ao descrever seu projeto, Severo afirmava que esse novo lar da família portuguesa, símbolo da pátria, deveria ser „uma vasta casa, de aspecto tradicional, caracteristicamente portuguesa no seu plano geral, nas suas partes e na sua arquitetura‟, brigando desde atividades de recreação e ensino, até aquelas ligadas às atividades comerciais, beneficentes, diplomáticas e políticas, „não só da colônia como da metrópole‟. O caráter apartidário dessa entidade era destacado por Severo, de um lado, como exemplo de democracia „aplicada segundo os princípios superiores de liberdade, igualdade e fraternidade‟, e, de outro como afirmação da pátria portuguesa, „que é única e sempre a mesma, independente da forma política de seus governos‟ conforme os princípios elevados de tradição. Ocorrendo em paralelo à sua luta republicana, as convicções político-partidárias de Severo na defesa da Casa Portuguesa se imbricavam às preocupações relativas à afirmação da Pátria Portuguesa em terras brasileiras [...].” MELLO, Joana. Ricardo Severo: da arqueologia portuguesa à arquitetura brasileira. São Paulo: Annablume, Fapesp, 2007, p.45-46.
82
Esses ideais de Ricardo Severo são imputados ao momento do seu
nascimento e sua formação em Portugal. Nascido em 1869, cresceu em um mundo
português em ruínas, em consequência da perda da principal colônia portuguesa,
acusando-se a monarquia de falta de capacidade institucional, visando o
republicanismo como tábua de salvação.196 E não apenas se reclamava um regime
político, mas o resgate do período épico português, valorizando tudo o que era
patriótico, buscando a reconstrução da nação.197
Era esta vida original que a geração de 1890 – na qual se insere Ricardo Severo – procurava desvendar e recuperar para fortalecer e unificar a nação. O mesmo compromisso e a mesma vocação redentora que marcava o movimento republicano português podem ser identificados no trabalho de Severo ou no de seus contemporâneos, fosse tratando de arqueologia, história ou arquitetura, tanto em Portugal como no Brasil. Tratava-se de se voltar para as origens da nação e de seu povo, para suas tradições, para a partir delas projetar um futuro radiante e promissor.198
Embora tenha influenciado a idealização da Casa de Portugal, sua maior
contribuição se materializou na elaboração do projeto da sede da associação,
edificada em estilo neocolonial199. Ricardo Severo buscou, em meio a seus estudos,
criar uma arquitetura tradicional brasileira fundamentada na recuperação da
arquitetura colonial portuguesa. Defendia como base para sua arquitetura tradicional
determinações mesológicas e étnicas.200 Acreditava que, apesar das influências
tradicionais, cada local exercia pressões no meio e o modificava de acordo com
suas peculiaridades.
196
MELLO, Joana. Ricardo Severo: da arqueologia portuguesa à arquitetura brasileira. São Paulo: Annablume, Fapesp, 2007. 197
No ano em que se festejou o terceiro centenário da morte de Camões, o Partido Republicano Português recuperou o período Épico de Portugal para ressaltar a decadência da sociedade portuguesa e apresentar seu regime político como ideal. Reforçou os símbolos nacionalistas, instituições e personagens que ainda hoje dão identidade a Portugal. Ibidem. 198
Ibidem, p.29. 199
“De fato, no momento em que Severo lançava sua campanha estava em curso na América Latina, Caribe, Estados Unidos e mesmo na Europa movimentos artísticos de cunho nacionalista dos quais destacam-se o neocolonial, a arquitetura hispânica ou mission style, o liberty e o art noveau em países como a Escócia, a Bélgica, a Finlândia ou a Alemanha sem contar o da casa portuguesa liderado por Raul Lino.” Ibidem, p.167. 200
Ibidem.
83
A fundação contou com a adesão de cinco representantes de associações201
existentes na ocasião na cidade de São Paulo, em reunião no dia 9 de julho de
1935. Estes, por sua vez, perante a ideia, resolveram convocar para outra reunião
no dia 13 de julho representantes de todas as associações portuguesas.202
Compareceram à reunião 36 pessoas, que, nas dependências da sede do Centro do
Minho, à Rua São Bento, 13, fundaram a Casa de Portugal.
Da fundação até a compra do terreno, demolição da construção que havia
no local (Avenida da Liberdade, 602), aquisição de terreno anexo e edificação da
sede correram muitos anos e passaram presidentes pela associação. Foram
organizados cinco livros de ouro contando com diversos beneméritos, destacando-
se entre eles o Comendador Pedro Monteiro Pereira Queiroz203.
Pela passagem rápida de alguns presidentes – foram cinco em menos de
seis anos (da data da fundação em 1935 até 1940) – infere-se que as dificuldades
iniciais foram consideráveis. A partir de 1940, sob a liderança do Comendador Pedro
Monteiro Pereira Queiroz, houve maior estabilidade e a conquista da construção da
sede, inaugurada em 27 de dezembro de 1955.
Sobre os primeiros eventos oficiais da Casa de Portugal, na ocasião dos
festejos de sua inauguração, dispõe-se o registro:
201
Fernando Ribeiro Bacellar (União Transmontana), José Emílio P. Azevedo (Centro do Minho), António J. Fernandes (União Portuguesa), José Ignácio Alpendre (do Centro Beirão) e Arthur Costa (do Centro do Douro). VERDASCA, José. A Casa de Portugal e a Comunidade. São Paulo: 1500 Comunicação e Marketing, 1993, p.78. 202
“Na década de trinta, na nossa capital, existia cerca de uma dezena de associações luso-brasileiras, entre as quais os Centros do Minho, Centro transmontano, Centro Beirão, Centro do Douro, Centro Republicano, União Transmontana, Clube Português, Sociedades beneficentes Vasco da Gama, Gago Coutinho e Sacadura Cabral, Beneficência Portuguesa e a Associação Portuguesa de Desportos.” Ibidem, p.75. 203
Destacam-se também importantes personalidades beneméritas como o presidente do grupo Votorantim José Ermírio de Moraes e o Comendador Valentim dos Santos Diniz, do grupo Pão-de-Açúcar, que, embora não compusessem o quadro diretivo, colaboraram com significativas quantias. Outros diretores da Casa de Portugal também contribuíram mais do que uma vez com quantias em dinheiro. Todos os registros e valores são discriminados na obra do memorialista Verdasca. Ibidem.
84
DIA 27 DE DEZEMBRO ÀS 20 HORAS: a) - Benção por Sua Eminência o Senhor Cardeal de São Paulo; b) - Inauguração da Exposição Histórica, alusiva à restauração da Independência de Portugal, que permanecerá franqueada ao público de 28 de dezembro a 15 de janeiro de 1956: banquete – estas cerimônias serão presididas por sua excelência, o senhor embaixador de Portugal. DIA 28 DE DEZEMBRO ÀS 20,30 HORAS: Abertura do Ciclo de Palestras sobre a Restauração da Independência de Portugal. Este ciclo continuará nos dias 30 de dezembro, 2, 4 e 6 de janeiro de 1956. DIA 31 DE DEZEMBRO ÀS 22 HORAS: Baile de Ano Novo CICLO DAS PALESTRAS Dia 28 de dezembro, ás 20,30 horas - “O 1º de dezembro de 1640”, prof. Manuel Nunes Dias; dia 30, às 20,30 horas - “O Prior do Crato, precursor da Restauração”, prof. J. P. Leite Cordeiro; dia 2 de janeiro, às 20,30 horas - “A cultua portuguesa no século da Restauração”, prof. Soares Amora; dia 4, às 20,30 horas - “A Restauração e a Universidade de Coimbra”, dr. Divaldo Freitas; dia 6, às 20,30 horas - “A música portuguesa no século da Restauração”, prof. Rossini Tavares.204
Nota-se o caráter nacionalista da programação ao se privilegiar o tema
histórico da Restauração da Independência de Portugal de 1º de dezembro de 1640
como título de palestras de especialistas. A programação205 inclui ainda um baile e
um banquete. Essa diversidade de atrações marca as comemorações realizadas na
Casa de Portugal.
Um momento difícil para a Casa de Portugal enfrentado quando sua
fundação ainda era recente foi a implantação da política nacionalista de Getúlio
Vargas e a promulgação da Lei 383 de 18/04/1938, que controlava as atividades das
colônias estrangeiras no Brasil. “Devido a esse decreto, todas as associações
estrangeiras caíram na ilegalidade. O presidente Soares Brandão e a diretoria
204
MUNDO PORTUGUÊS. Lisboa, 25/12/1955, 2º caderno, p.3. Informações constantes também em: VERDASCA, José. A Casa de Portugal e a Comunidade. São Paulo: 1500 Comunicação e Marketing, 1993, p.141-142. 205
Em outras reportagens no mesmo jornal, data e edição anteriormente mencionada consta a relação de personalidades da época presentes à ocasião: cônsules de Portugal em São Paulo e Santos, diretores de associações do Rio de Janeiro, membros da Academia Brasileira de Letras etc.
85
executiva mal compareciam às reuniões, solicitando em 04/03/1940 sua demissão
[...].”206
Não se pode apontar exatamente a ilegalidade, mas o controle foi maior para
as entidades com finalidade política, essas sim foram fechadas. Já as entidades
assistenciais e culturais, embora fossem permitidas, foram fiscalizadas de maneira
rigorosa, o que talvez tenha colaborado para exercer pressão para o pedido de
demissão de Soares Brandão.
Art. 5º Das entidades a que se refere o art. 3º não podem no entanto fazer parte brasileiros, natos ou naturalizados, e ainda que filhos de estrangeiros. Os que infringirem o disposto neste artigo perderão, ipso facto, os cargos públicos que possuírem e ficarão inabilitados, pelo prazo de cinco anos, para exercer cargo dessa natureza, além de incorrerem nas penas constantes da primeira parte do art. 10. Art. 6º As entidades referidas nos arts. 3º e 4º não poderão funcionar sem licença especial e registo concedido pelo Ministério da Justiça e Negócios Interiores, na forma do decreto-lei n. 59, de 11 de dezembro de 1937, e do regulamento aprovado pelo decreto n. 2.229, de 30 de dezembro de 1937, cujas disposições lhes são aplicáveis.207
A lei se refere a associações para fins culturais, beneficentes ou de
assistência, clubes e escolas. Não devem possuir brasileiros208 e devem ser
fiscalizadas.
Em trecho de Boletim da Casa de Portugal de maio de 1938 nota-se o mal-
estar provocado pela referida lei, cercada de intrigas para agravar a situação.
206
FREITAS, Sônia Maria de. Presença Portuguesa em São Paulo. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2006, p.160. 207
BRASIL. Decreto-Lei nº 383, de 18 de abril 1938. Rio de Janeiro, 1938. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1930-1939/decreto-lei-383-18-abril-1938-350781-publicacaooriginal-1-pe.html>. Acesso em: 20/11/2015. 208
De fato a Casa de Portugal não possuía em seu quadro inicial de associados brasileiros. Vide primeiro artigo do primeiro estatuto da Casa de Portugal, que afirma: “A Casa de Portugal é uma Sociedade com sede em São Paulo, de caráter puramente „Cultural e de Assistência‟, constituída por número ilimitado de sócios, unicamente portugueses, de ambos os sexos.” VERDASCA, José. A Casa de Portugal e a Comunidade. São Paulo: 1500 Comunicação e Marketing, 1993, p.82.
86
Disse e afirmei, com o Estatuto na mão, que à Casa de Portugal não interessavam discussões de política partidária, porque eram prejudiciais, pois que, dividindo os homens, entre eles se criariam barreiras intransponíveis, com grave prejuízo do bom nome Nacional e dos interesses associativos [...]. Embora tenham sido esses os princípios defendidos e praticados dentro da Casa, vieram a campo com mangas arregaçadas e punhos cerrados, a dizer que a Casa de Portugal era dirigida pelos republicanos vermelhos e que lá se fazia política contra o governo atual.209
Ocorreu que essa política acirrou a fiscalização na Casa de Portugal. Por
conta da Lei 383 de 1938, as pressões foram grandes a ponto de as reuniões da
Casa começarem a se esvaziar. Os diretores que compareciam às reuniões ficavam
com receio de assinar as atas e se comprometer, temendo repressão. Isso resultou
em uma ausência de registros de atas entre 27 de junho de 1938 e 28 de maio de
1939.
Até a legalização da Casa de Portugal houve um período de quase
abandono da associação, mas a situação se reverteu aos poucos.
[O presidente Álvaro Soares Brandão] [...] expôs detalhadamente o que pela diretoria foi realizado para, em harmonia com o Dec. Lei 383 de 18 de abril de 1938, se conseguir a legalização da Casa de Portugal como associação estrangeira, até que, por despacho de 12 de abril de 1939, o Ministro da Justiça do Brasil deferiu o pedido, que foi publicado no Diário oficial de 15 de abril de 1939. Informou mais que, no período decorrido entre o pedido de legalização e o despacho ministerial (de abril de 1938 a abril de 1939) deferindo-o.210
Mesmo após a legalização da associação, as ações custaram a ser
restabelecidas. Álvaro Soares Brandão pediu demissão do cargo no dia 4 de março
de 1940. Novas eleições foram organizadas e a confiança foi recuperada com a
nova presidência, de Pedro Monteiro Pereira Queiroz.
209
CASA DE PORTUGAL DE SÃO PAULO. Boletim da Casa de Portugal. São Paulo, maio de 1938. Apud: VERDASCA, José. A Casa de Portugal e a Comunidade. São Paulo: 1500 Comunicação e Marketing, 1993, p.110-112. 210
Ibidem, p.112.
87
Quadro 2 - Relação de presidentes e vigência de seus mandatos
na Casa de Portugal.
Nome Período
Francisco da Luz Rebelo Gonçalves 16/08/1935 a 22/05/1936
Aurélio Arrôbas Martins 22/05/1936 a 19/06/1936
Fernando Ribeiro Bacellar 03/07/1936 a 10/03/1938
Álvaro Soares Brandão 10/03/1938 a 15/03/1940
João Maria Ferreira Sarmento Pimentel 15/03/1940 a 14/02/1941
Com. Pedro Monteiro Pereira Queiroz 14/02/1941 a 31/03/1969
Com. Frederico Maria Cabral de Sampaio 31/03/1969 a 29/03/1973
Com. Affonso Alberto Salgado 29/03/1973 a 24/03/1977
Com. Hermenegildo Lopes Antunes 24/03/1977 a 05/03/1985
Com. Antonio dos Ramos 05/03/1985 a 29/03/2007
Com. Antonio Júlio Machado Rodrigues 29/03/2007 a 14/03/2013
Com. Antonio dos Ramos 14/03/2013 (atual)
O projeto liberal e democrático, conforme os ideais iniciais, prevaleceu
durante bom tempo na associação. Como prova disso cita-se o quinto presidente,
João Maria Ferreira Sarmento Pimentel, que esteve à frente da associação entre os
anos de 1940 e 1941, conforme se observa no quadro apresentado. João Sarmento
Pimentel, republicano histórico, fazia oposição a Salazar, saiu de Portugal
justamente por participar da Revolução de Fevereiro de 1927211 e compôs parte da
equipe do jornal de oposição ao regime, o Portugal Democrático212: “Havia alguns
oposicionistas históricos, um deles, capitão João Sarmento Pimentel, chamado de
“Comandante”, que se tornou a principal liderança na oposição ao governo
211
Primeira tentativa de derrubar a Ditadura Nacional, foi uma rebelião militar realizada entre 3 e 9 de fevereiro de 1927 no Porto e em Lisboa. 212
SILVA, Douglas Mansur da. A oposição ao Estado Novo no exílio brasileiro - 1956-1974. Lisboa: ICS - Imprensa de Ciências Sociais, 2006.
88
português [...].”213 Todavia, não se atribui a João Sarmento Pimentel214 uma atuação
de esquerda, mesmo porque o jornal de oposição Portugal Democrático reunia
lideranças de diversas tendências políticas, apenas afirma-se sua oposição ao
regime salazarista.
Após a saída de João Sarmento Pimentel da presidência, ocorreu uma
mudança política na Casa de Portugal. Com a entrada de Pedro Monteiro Pereira
Queiroz215, foi inaugurada uma era de comendadores na presidência da Casa de
Portugal. Os presidentes anteriores a ele também receberam condecorações do
governo de Portugal, mas com título de comendador somente a partir de então. Isso
reflete uma aproximação sucessiva entre o governo de Portugal e a Casa de
Portugal em São Paulo.
Os únicos comendadores216 considerados como de tendência não
salazarista entre os presidentes eram Júlio Rodrigues217 e Antonio dos Ramos, pois
213
FREITAS, Sônia Maria de. Presença Portuguesa em São Paulo. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2006, p.133. 214
Após a revolução dos cravos, foi promovido a general pelo Conselho da revolução, por proposta do então conselheiro e jovem Capitão de abril, Antonio Alves Marques Júnior, hoje Vice-Presidente da Assembleia da República Portuguesa, e a pedido do autor, tendo sido o mesmo Capitão Marques Júnior, o portador das estrelas de General, a colocá-las pessoalmente nos seus ombros, na tarde do dia 25 de abril de 1982. VERDASCA, José. A Casa de Portugal e a Comunidade. São Paulo: 1500 Comunicação e Marketing, 1993, p.162. 215
A partir de 1941, com a presidência de Pedro Monteiro Pereira Queiroz, a Casa de Portugal passou a manter uma relação mais estreita com Salazar, contrariando o projeto liberal de Ricardo Severo. SILVA, Eduardo Caetano da. Visões da Diáspora Portuguesa: dinâmicas identitárias e dilemas políticos entre os portugueses e luso-descendentes de São Paulo. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social), UNICAMP, Campinas - SP, 2003. 216
Comendador consiste em um título de reconhecimento, uma homenagem emitida pelo governo português como estratégia para se aproximar do país por meio de cidadãos portugueses bem-sucedidos no processo migratório, cujo prestígio possa ser aproveitado de alguma forma. “[...] Em sua maioria imigrantes bem sucedidos financeiramente em sua „aventura migratória‟, eram portadores de „comendas‟ delegadas pelo governo português. Esse título, de carácter honorífico, destinava-se aos cidadãos que se destacavam na „colônia‟. Tratava-se, sobretudo, de uma honraria de cunho político, símbolo da ascensão social e do reconhecimento do regime às trajectórias ou iniciativas pessoais, o que muitas vezes também se traduziu na aquisição de um papel privilegiado como „representante‟, oficial e corporativo, dos emigrantes junto ao governo.” SILVA, Douglas Mansur da. A oposição ao Estado Novo no exílio brasileiro - 1956-1974. Lisboa: ICS - Imprensa de Ciências Sociais, 2006, p.68-69. 217
Antonio Júlio Machado Rodrigues (ou simplesmente Julio Rodrigues) é economista do setor bancário, português de nascimento. Veio ao Brasil com 5 anos de idade, em 1955, e, após sua presidência, mudou-se para Nova Iorque por questões profissionais. Por esse motivo não foi possível entrevistá-lo. Participando das reuniões de diretoria, seu nome foi apontado como futuro agraciado da Ordem do Mérito Infante D. Henrique, honraria da Casa de Portugal. Foi agraciado com a comenda Ordem do Mérito pelo presidente Aníbal Cavaco e Silva (presidente de Portugal no período da gestão de Julio Rodrigues na Casa de Portugal). MUNDO LUSÍADA. Dr. Julio Rodrigues, o homenageado em São Paulo e em Portugal. São Bernardo do Campo - SP, 15 de junho de 2011. Disponível em: <http://www.mundolusiada.com.br/acontece/dr-julio-rodrigues-o-homenageado-em-sao-paulo-e-em-portugal>. Acesso em: 19/11/2015.
89
receberam essa honraria em momento democrático da política portuguesa, isto é,
após 25 de abril de 1974. Ainda assim, Júlio Rodrigues manteve como característica
de seu mandato aspectos culturais pautados na herança salazarista, por esse
motivo Antonio dos Ramos afirma ter retornado à presidência da Casa de
Portugal.218
Destaca-se a visão de outros membros da comunidade portuguesa acerca
dos comendadores, em especial seus críticos mais severos, entre eles os exilados
políticos do jornal Portugal Democrático219, que publicaram o seguinte texto:
O sr. comendador Albino de Sousa Cruz, que se intitula ridiculamente chefe da colónia, sem que ninguém lhe tenha passado procuração, e o grupo de comendadores que o acompanhou a Lisboa podem, falando em seu próprio nome, admitir que Deus tem atenções especiais para com o seu ídolo. Mas não podem, sem ofender a dignidade de muitos milhares de patriotas, apresentar o pleito de fidelidade dos portugueses do Brasil ao sr. Salazar. Não é outro o motivo que nos leva a solicitar a v. exa. a publicação deste esclarecimento, indispensável para evitar que muita gente de boa-fé atribua qualquer significado à mensagem ridícula e inautêntica inventada por um punhado de comendadores que julgam que o seu dinheiro lhes confere todos os direitos, inclusive o de representar uma colónia digna, como a portuguesa, incapaz de se prosternar perante o homem que, há trinta e dois anos, priva Portugal das mais elementares liberdades. aa. Pelo Comitê dos Intelectuais Portugueses Pró-Liberdade de Expressão – Secção de São Paulo e Centro Republicano Português220
218
Em relação à política cultural de Julio Rodrigues, Antonio dos Ramos afirmou: “Antes já foi assim, é que retrocederam, eu tinha cortado essas festas todas e trouxeram-nas de volta. E não fizeram outra que eu fiz, muito pouco, nada, nada quase. Se não eu não voltava, se ela continuasse no nível que a deixei não voltava, voltava pra quê, não voltava.” Depoimento de Antonio dos Ramos, em entrevista concedida ao autor em 03 de abril de 2013, na Casa de Portugal. 219
Para melhor entender as ações de um grupo que fez oposição ao salazarismo, recomenda-se a leitura de artigo que cita entre seus membros personalidades que passaram pela Casa de Portugal, como Ricardo Severo, João Sarmento Pimentel, Sidônio Muralha e Fernando Muralha. MATOS, Maria Izilda Santos de; GONÇALVES, Leandro Pereira. Exílios e Resistências Antissalazaristas em São Paulo/Brasil - O Jornal Portugal Democrático: Questões e Debates (1958-1977). Projeto História. São Paulo, n. 50, Agosto 2014, p.224-246. Disponível em: <http://revistas.pucsp.br/index.php/revph/ article/view/24041/18028>. Acesso em: 09/12/2015. 220
Texto publicado no jornal Estado de São Paulo e republicado em agosto/setembro de 1958 no jornal Portugal Democrático, intitulado “Os Srs. Comendadores e os Portugueses do Brasil”. PORTUGAL DEMOCRÁTICO. São Paulo, n. 16, agosto/setembro de 1958, p.8. Apud: SILVA, Douglas Mansur da. A oposição ao Estado Novo no exílio brasileiro - 1956-1974. Lisboa: ICS - Imprensa de Ciências Sociais, 2006, p.70-71.
90
Atribui-se o início do conflito entre exilados e comendadores a uma recepção
realizada pelos comendadores por ocasião da visita de Craveiro Lopes221, em 1957.
As críticas iniciaram-se aí e culminaram com a publicação do texto supracitado, em
1958, ano da reabertura do jornal Portugal Democrático.
O jornal circulava em São Paulo e no Rio de Janeiro. O texto se referia a um
comendador da cidade do Rio de Janeiro222, mas a crítica também cabia ao então
presidente da Casa de Portugal em São Paulo, comendador Pedro Monteiro Pereira
Queiroz223, responsável pela recepção ao General Francisco Higino Craveiro Lopes.
Registro da ocasião foi estampado na parede do hall de entrada da Casa de
Portugal em placa de metal com os seguintes dizeres, conforme consta na imagem 4:
A Casa de Portugal como acontecimento do mais alto significado registra a presença de Sua Exa. o Presidente da República Portuguesa General Francisco Higino Craveiro Lopes por ocasião da sua visita ao Brasil a convite de Sua Exa. o Presidente da República Brasileira Dr. Juscelino Kubitschek de Oliveira – 15 de junho de 1957.
Constata-se que a Casa de Portugal era presidida por um comendador que,
se não apoiava o regime salazarista então vigente em Portugal, ao menos mantinha
boas relações com ele, se portando como representante extraoficial no Brasil do
governo português, conforme se pretendia a associação desde a sua fundação.
221
Francisco Higino Craveiro Lopes foi um político e militar português e presidente da República Portuguesa entre 1951 e 1958. Portanto, presidente do período do Estado Novo português. 222
O comendador nomeado na reportagem, Albino de Souza Cruz, foi fundador em 1903 das indústrias de cigarro Souza Cruz, no Rio de Janeiro. DIÁLOGO. Rio de Janeiro, Ano VIII, n. 68, 2013. Disponível em: <http://www.souzacruz.com.br/group/sites/sou_7uvf24.nsf/vwPagesWebLive/ DO7VAR9E/$FILE/medMD98KT2K.pdf?openelement>. Acesso em: 18/11/2015. 223
“Grande industrial e comerciante de tecidos, utilizou boa parte de sua enorme fortuna pessoal em doações benemerentes, não só à Beneficência Portuguesa e à Casa de Portugal, como ainda a muitas outras associações brasileiras e portuguesas com destaque para a sua terra natal, a Batalha, à qual ofereceu uma creche e ainda rendimentos para a sua manutenção, os quais ainda hoje custeiam.” VERDASCA, José. A Casa de Portugal e a Comunidade. São Paulo: 1500 Comunicação e Marketing, 1993, p.163.
91
Imagem 4 - Placa alusiva à visita de Craveiro Lopes à
Casa de Portugal em 15 de junho de 1957.224
Intriga o fato de o reconhecido e já mencionado opositor do regime
salazarista João Sarmento Pimentel, na ocasião da visita de Craveiro Lopes, na
condição de ex-presidente da Casa de Portugal, simultaneamente ocupar o cargo de
secretário-geral da gestão de Pereira Queiroz225 e compor o Comitê dos Intelectuais
Portugueses Pró-Liberdade de Expressão, Secção de São Paulo226, que assinou a
reportagem publicada no jornal Portugal Democrático criticando a recepção de
Craveiro Lopes. Tal ocorrência reflete uma postura ambígua ou no mínimo fazia
224
Acervo pessoal, 13/11/2015. Constitui-se na placa alusiva à visita de uma autoridade mais antiga. Compõe um conjunto de 10. A essa segue a imagem 5, alusiva à visita de Marcello Caetano, seguida por ordem cronológica: Presidente da República Gal. Antonio Ramalho Eanes - 24 de maio de 1978; Primeiro-Ministro Dr. Mario Alberto Nobre Soares - 29 de setembro de 1984; Presidente da República Dr. Mario Alberto Nobre Lopes Soares - 1º de abril de 1987; Primeiro-Ministro Dr. Anibal Cavaco Silva - 10 de junho de 1988; Primeiro-Ministro Eng. Antonio Guterres - 18 de abril de 1996; Presidente da República Dr. Jorge Sampaio - 09 de setembro de 1997; Primeiro-Ministro Eng. José Sócrates - 10 de agosto de 2006; e Primeiro-Ministro Dr. José Manuel Durão Barroso - 30 de julho de 2012. Além desses registros, encontra-se menção a mais uma visita de Mário Soares e de Aníbal Cavaco e Silva em: VERDASCA, José. A Casa de Portugal e a Comunidade. São Paulo: 1500 Comunicação e Marketing, 1993, p.146-147. 225
Conforme informado em: Ibidem, p.163. 226
SILVA, Douglas Mansur da. A oposição ao Estado Novo no exílio brasileiro - 1956-1974. Lisboa: ICS - Imprensa de Ciências Sociais, 2006, p.71.
92
parte de uma transição na gestão da Casa, pois foi a última vez que seu nome
figurou entre os membros da direção.
Outro indício da relação com o salazarismo foi a visita de Marcello
Caetano227 à Casa de Portugal em 9 de julho de 1969, momento igualmente
registrado em placa de metal posicionada em local visível no hall de entrada da
Casa de Portugal, conforme se verifica na próxima imagem. Na ocasião da visita de
Marcello Caetano, o presidente da Casa de Portugal era o comendador Frederico
Maria Cabral de Sampaio228, que já havia atuado como vice-presidente e presidente
interino durante as ausências de Pedro Monteiro Pereira Queiroz.
As atas das reuniões da diretoria da Casa de Portugal evidenciam relações
com Marcello Caetano pelo menos mais duas vezes. A primeira delas menciona
homenagem a Marcello Caetano por ocasião de seu 5º aniversário na Presidência
do Conselho de Ministros de Portugal.
5º Aniversário do Prof. Marcelo Caetano na Presidência do Conselho: Associando-se às alegrias da Nação pelo transcurso do quinto aniversário do Professor Marcelo Caetano na Presidência de Ministros de Portugal, o senhor Antônio Rodrigues propôs seja transmitido ao ilustre estadista as patrióticas felicitações desta Casa. Por sua vez, o senhor Comendador Gabriel Pinho da Cruz, louvando o espírito da homenagem ao grande homem público, encareceu, por sua vez, que a casa participe, ainda, da homenagem que lhe vai
227
Marcello Caetano foi exímio catedrático da Universidade de Lisboa, muito admirado por Salazar e já era considerado seu favorito à sucessão muito antes de ser nomeado por Américo Thomaz como Presidente do Conselho de Ministros, em 27 de setembro de 1968. Em estudo biográfico a seu respeito ressalta-se a ambivalência de sua memória enquanto acadêmico e dirigente frustrado que iludiu alguns, dando a entender ser de uma opinião mais liberal que não soube imprimir à sua gestão. Acabou por dar plena continuidade ao regime salazarista, que culminou com a Revolução dos Cravos, em 1974. “[...] O último presidente da ditadura do Estado Novo ficou, em larga medida e a despeito de sua vontade, preso à memória de um regime que, entre 1968 e 1974, fracassou em seus principais projetos: a incorporação dos quadros „liberais‟, ainda que sob o seu controle; a integração à Europa; a resolução do problema colonial; a „continuidade na mudança‟ [...].” MARTINHO, Francisco Carlos Palomanes. As elites políticas do Estado Novo e o 25 de abril: história e memória. In: MARTINHO, Francisco C. P.; PINTO, António Costa (Orgs.). O Corporativismo em Português: Estado, Política e Sociedade no Salazarismo e no Varguismo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007, p.155. 228
Nasceu em Vila Real de Trás-Os-Montes em 12 de janeiro de 1914, emigrou ao Brasil em 1923 com apenas 9 anos de idade. Sempre se dedicou ao setor têxtil. Depois do comendador Pedro Monteiro Pereira Queiroz foi o maior benemérito da edificação da sede da Casa de Portugal. VERDASCA, José. A Casa de Portugal e a Comunidade. São Paulo: 1500 Comunicação e Marketing, 1993, p.167-168.
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prestar a comunidade Portuguesa, isto é, a entrega de uma especial Salva de Prata.229
Imagem 5 - Placa alusiva à visita de Marcello Caetano à
Casa de Portugal em 9 de julho de 1969. 230
Conforme registrado, não bastou o envio de correspondência com
felicitações e mencionando “a alegria da Nação” na visão da diretoria executiva da
Casa pelo então presidente comendador Affonso Alberto Salgado231. Seria
229
CASA DE PORTUGAL DE SÃO PAULO. Ata de reunião da Directoria Central de 25 de setembro de 1973. In: Livro de Atas da Diretoria Central. São Paulo, 15-16/04/1972 a 28/09/1976, p.65. 230
Acervo pessoal, 13/11/2015. Transcrição dos dizeres da placa: “A Casa de Portugal registra com júbilo a presença do Presidente do Conselho de Ministros de Portugal Professor Doutor Marcello José das Neves Alves Caetano por ocasião da sua visita ao Brasil a convite do Presidente Marechal Artur da Costa e Silva, 9 de julho de 1969”. 231
“[...] nasceu em Meirinhos, concelho de Mogadouro, distrito de Bragança, Portugal, a 9 de março de 1900, e, uma vez chegado ao Brasil, iniciou a sua atividade profissional como office boy na firma de tecidos R. Monteiro, onde terminou sua carreira como sócio e diretor.” VERDASCA, José. A Casa de Portugal e a Comunidade. São Paulo: 1500 Comunicação e Marketing, 1993, p.169.
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necessário ainda oferecer uma Salva de Prata pela ocasião, manifestação de apreço
e aprovação política maior que se faz desnecessário discutir.
A segunda referência a Marcello Caetano que traz indícios de uma possível
aprovação da sua gestão se deu por ocasião de sua morte232, em reunião da
diretoria ocorrida em 28 de outubro de 1980, exatamente dois dias após o
falecimento.
Falecimento do Prof. Marcelo Caetano: O Sr. Presidente pediu e foi guardado um minuto de silêncio em memória do ex-estadista português. Foi acertado mandar rezar uma missa promovida pela Casa de Portugal. O Sr. Secretário Administrativo discorreu sobre o currículo daquela eminente figura. [...]233
Nota-se o apreço à figura pessoal de Marcello Caetano ao se solicitar um
minuto de silêncio e mandar rezar uma missa em memória do ex-estadista, além da
menção a seus feitos e realizações em Portugal, conforme constava em seu
currículo. O então presidente da Casa de Portugal, comendador Hermenegildo
Lopes Antunes234, reforça mais uma vez as relações com a política salazarista,
mesmo em 1980, período em que o regime democrático já estava em via de
alcançar estabilidade em Portugal.
Findada a presidência do comendador Hermenegildo Lopes Antunes em
1985, teve início o mandato de Antonio dos Ramos, em 05 de março de 1985, marco
do fim da era dos comendadores salazaristas e início de uma nova política na Casa
de Portugal. Antonio dos Ramos também é comendador, mas esse título lhe foi
232
“Marcello Caetano morreu em seu exílio brasileiro no dia 26 de outubro de 1980. Não deixa de ser curioso – para quem ocupou o cargo de Ministro das Colônias – que tenha vindo a falecer na única capital do Império português que algum dia esteve localizada no ultramar [...].” MARTINHO, Francisco Carlos Palomanes. As elites políticas do Estado Novo e o 25 de abril: história e memória. In: MARTINHO, Francisco C. P.; PINTO, António Costa (Orgs.). O Corporativismo em Português: Estado, Política e Sociedade no Salazarismo e no Varguismo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007, p.131. 233
CASA DE PORTUGAL DE SÃO PAULO. Ata de reunião da Directoria Central de 28 de outubro de 1980. In: Livro de Actas das Reuniões da Diretoria Central. São Paulo, 27/06/1978 a 29/12/1980, p.96. 234
“Nasceu o Comendador Hermenegildo em castanheira de Pera, aos 11 de janeiro de 1918, tendo chegado a São Paulo em 22 de dezembro de 1931, com apenas 13 anos de idade, sendo hoje um dos maiores empresários cinematográficos do Brasil.” VERDASCA, José. A Casa de Portugal e a Comunidade. São Paulo: 1500 Comunicação e Marketing, 1993, p.171.
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outorgado em 1987, por ocasião da visita de Mário Soares235 à Casa de Portugal. Já
se tratava do período pós-Revolução dos Cravos, em que houve a redemocratização
de Portugal, momento em que o país se voltou mais para a Europa.236 Aliás, logo
após o ingresso do país na Comunidade Econômica Europeia (CEE), em 1986.
Durante seu mandato destaca-se o aumento do número de diretores, que
passou de 20 para 32, com possibilidade de nomeação de diretores adjuntos, além
de amplas reformas estruturais no interior da Casa237 e modificações significativas
na programação cultural238 em alinhamento com o governo português239. Após um
período de afastamento da presidência da Casa de Portugal, Antonio dos Ramos
retornou ao cargo em 14 de março de 2013 e nele permanece até a atualidade.
A Casa de Portugal designa-se como Instituição Cultural e de Assistência,
mas em seu estatuto se identifica enquanto Associação Civil sem fins lucrativos, o
que na prática a define genericamente como uma organização não governamental.
Seus objetivos consistem em perpetuar e divulgar a cultura portuguesa e luso-
brasileira, além de congregar e irmanar a comunidade de países de língua
portuguesa de forma ampla e abrangente.
A Diretoria Executiva é formada por 27 membros240 e mais alguns outros
cargos que são instituídos conforme prerrogativa do presidente, que nomeou para a
235
Mario Alberto Nobre Lopes Soares foi eleito presidente da República Portuguesa por duas vezes consecutivas, exercendo o cargo de 1986 a 1996. Logo após a Revolução dos Cravos, voltou do exílio na França para Portugal. Exercendo sempre oposição política ao Estado Novo, foi fundador do Partido Socialista português (PS). Exerceu também o cargo de Primeiro-Ministro por duas vezes: de 1976 a 1978 e de 1983 a 1985. Visitou a Casa de Portugal em dois momentos: como Primeiro-Ministro em 29 de setembro de 1984 e, na segunda vez, como Presidente da República a 1º de abril de 1987, possuindo placas alusivas às ocasiões expostas no hall de entrada da Casa de Portugal. 236
SECCO, Lincoln. A Revolução dos Cravos e a crise do império colonial português. São Paulo: Alameda, 2004. 237
Redecoração dos halls de entrada e dos elevadores, restauração do salão principal, construção de instalações sanitárias e reformas necessárias à readequação de normas sanitárias e de segurança, construção de bar de apoio ao salão de festas principal, restauração e substituição de equipamentos da cozinha, abertura de novos salões, criação do salão da presidência e reforma para melhor acomodação do Consulado de Portugal no 4º andar. VERDASCA, José. A Casa de Portugal e a Comunidade. São Paulo: 1500 Comunicação e Marketing, 1993, p.174. 238
Ibidem. 239
A forma como se dá esse alinhamento é discutida no próximo capítulo desta tese. 240
Presidente; 1º Vice-Presidente; 2º Vice-Presidente; 3º Vice-Presidente; 4º Vice-Presidente; Secretário-Geral; 2º Secretário; Tesoureiro-Geral; 2º Tesoureiro; 1º Diretor do Departamento Cultural; 2º Diretor do Departamento Cultural; 1º Diretor do Departamento Social; 2º Diretor do Departamento Social; Diretor do Cerimonial; 1º Diretor do Departamento de Expansão Associativa; 2º Diretor do Departamento de Expansão Associativa; Diretor do Departamento de Promoção e Marketing; Diretor do Departamento de Imprensa e Comunicação; 1º Diretor do Departamento de Patrimônio e Obras; 2º Diretor do Departamento de Patrimônio e Obras; Diretor do Departamento de Assistência Médica,
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atual gestão, iniciada em março de 2015, exatamente 38 diretores. A Casa de
Portugal mantém em sua sede uma estrutura física da qual sobrevive
financeiramente. Além das “joias” e mensalidades241 pagas pelos associados, obtém
receitas com o aluguel de seus salões: salão de festas principal, Salão Nobre,
Auditório da Biblioteca, a Galeria de Artes e o espaço do subsolo, denominado Salão
Vip.
Os benefícios oferecidos aos associados são: entrada gratuita em eventos
culturais no decorrer do ano com coquetel de confraternização; desconto de 50%
nos ingressos de shows e outros eventos musicais com ou sem coquetel de
confraternização; desconto de 50% no aluguel de qualquer espaço para a realização
de eventos sociais ou corporativos promovidos pelo associado; desconto de 10% no
Almoço das Quintas, servido pelo bufê O Marquês242; e, mais recentemente, a
reativação de um antigo convênio com a Beneficência Portuguesa243.
O edifício-sede da Casa de Portugal possui cinco pavimentos (térreo e 4
andares) mais os subsolos e salões, utilizados para eventos próprios e locados para
eventos de terceiros. Tendo em vista a amplitude das instalações, as salas que não
são utilizadas são locadas para outras entidades que não possuam sede própria: o
bufê O Marquês, Lar da Provedoria da Comunidade Portuguesa e Centro de Apoio a
Portugueses Carenciados (escritório), Conselho da Comunidade Luso-Brasileira do
Estado de São Paulo e Câmara Portuguesa de Comércio.
Associativa e Beneficente; Diretor de Assistência Jurídica; Diretor do Departamento Jovem; Diretora do Departamento Feminino; Diretor de Folclore; Diretor do Departamento de Intercâmbio Cultural com os Países Lusófonos; Diretor de Intercâmbio com Associações Luso-Brasileiras e outras Comunidades. Todos esses cargos possuem suas respectivas atribuições previstas no estatuto da Casa de Portugal. 241
As joias estão previstas no estatuto da Casa e equivalem à aquisição de um título de clube recreativo. O valor é determinado pelo presidente, mas pode ser negociado de acordo com a situação e possibilidades do proponente. Durante o período de pagamento das joias, que pode ser facilitado, sendo dividido em parcelas mensais, não paga-se a taxa de manutenção. A taxa de manutenção mensal é de R$ 50,00 por título, que pode ser individual ou familiar. O estatuto prevê ainda outras categorias de associados, como de pessoas jurídicas (empresas) ou ainda associados beneméritos e grandes beneméritos (aqueles que na aquisição de seus títulos satisfaçam o valor fixado pela Diretoria e aprovado pelo Conselho Deliberativo para as respectivas categorias). (§ 5º - Estatuto de 2007) 242
CASA DE PORTUGAL DE SÃO PAULO. Benefícios para os Associados. Disponível em: <http:// www.casadeportugalsp.com.br/institucional/>. Acesso em: 19/11/2015. 243
Trata-se de um convênio com tabela específica para realização de exames, consultas e qualquer outro procedimento médico necessário dentro do complexo hospitalar.
97
A imagem seguinte mostra a fachada do edifício, dividida em cinco portas. A
porta central é mais estreita e, acima, leva a inscrição “Casa de Portugal”. A entrada
mais à direita do edifício dá acesso ao restaurante self-service “O Marquês”, de
propriedade do bufê homônimo, que é considerado um concessionário244 da Casa
de Portugal. A segunda porta da direita para a esquerda é utilizada apenas quando o
salão do subsolo, denominado restaurante Salão Vip245, é locado para eventos
particulares. Nesse mesmo local ocorre o serviço do Almoço das Quintas.
Normalmente os frequentadores do Almoço o acessam pelo hall de elevadores da
Casa de Portugal, que os leva até o salão no subsolo.
Imagem 6 - Fachada do edifício-sede da Casa de Portugal. 246
244
Mantém um acordo com a Casa de Portugal. Paga aluguel pelo espaço de seu escritório e pelo espaço do restaurante self-service. Divulga seus serviços e estimula a locação dos espaços de eventos da Casa. No Almoço das Quintas repassa à Casa de Portugal uma porcentagem dos lucros obtidos. Esta, por sua vez, se esforça para divulgar o Almoço das Quintas entre associados e a comunidade. Nos eventos com coquetel o fornecedor é sempre O Marquês e, quando ocorrem festas populares, o bufê é liberado para explorar o serviço de venda de alimentos e bebidas. 245
Esse local tem projeto inspirado nas casas de fado de Lisboa. Possui área de bar, salão com área de 125 m² com capacidade para até 80 pessoas sentadas. Para visualizar o espaço vide imagens 26 e 27. CASA DE PORTUGAL DE SÃO PAULO. Locação de Espaços. Disponível em: <http://www. casadeportugalsp.com.br/locacao-de-espacos/>. Acesso em: 19/11/2015. 246
Acervo pessoal, 05/04/2012.
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Como elementos presentes na edificação pertencentes à arquitetura
tradicional evocada por Ricardo Severo destacam-se as numerosas portas e
janelas247 com detalhes decorativos. Conforme afirmado pelo próprio arquiteto em
discurso, “uma porta tão ampla que nela caibam todos os portugueses da colônia”
caracteriza a entrada principal do edifício.
Destacam-se também nos projetos neocoloniais realizados por Severo248
varandas alpendradas249. Todavia, na impossibilidade de implantá-las nesse prédio,
optou pela utilização decorativa de balcões como recurso estético das janelas. Sem
dúvida, o elemento que se destaca aí, e presente em todos os seus projetos,
residenciais ou não, é o uso do frontão250 com volutas laterais curvilíneas e
decorativas, além de ornamento central.
As duas entradas à direita da imagem são constituídas de escadas que
levam ao subsolo. Internamente, possuem acesso restrito para a cozinha,
devidamente equipada, e outras áreas liberadas apenas aos funcionários do bufê.
As duas entradas da lateral esquerda ficam sempre fechadas, para ampliar o espaço
de circulação do hall de entrada da Casa de Portugal.
O hall de entrada da Casa, no pavimento térreo, possui um lance de escada
para baixo251, com dois acessos ao salão principal, palco dos eventos da
associação. No pavimento térreo estão localizados os escritórios administrativos do
bufê O Marquês e do Conselho da Comunidade Luso-Brasileira do Estado de São
Paulo. Ao fundo e ao centro há um lance de escada que dá acesso a um piso
247
MELLO, Joana. Ricardo Severo: da arqueologia portuguesa à arquitetura brasileira. São Paulo: Annablume, Fapesp, 2007. 248
Foram várias obras confiadas ao arquiteto em São Paulo, fora aquelas em que atuou como auxiliar em conjunto com Ramos de Azevedo: Beneficência Portuguesa de Campinas (1926), Beneficência Portuguesa de Santos (1926), Casa José Moreira (1926), no Rio de Janeiro o Pavilhão das Indústrias de Portugal da Exposição Internacional das Comemorações do Centenário da Independência (1922-23). Ainda em São Paulo, entre os edifícios residenciais, projetou a Casa da rua do Conde, Casa Numa de Oliveira (de família de banqueiros abastados, situada na Avenida Paulista), Casa Lusa, Casa Praiana (Guarujá) e Casa Rui Nogueira. Ver: Ibidem. 249
Ibidem. 250
Ibidem, p.187. 251
Tal configuração espacial da edificação só é possível pela característica íngreme do terreno. Aliás, conforme se avança no terreno, a parte detrás dá acesso à Avenida 23 de Maio, situada em nível inferior em relação à Avenida da Liberdade. “[...] era crucial para o engenheiro português não apenas retomar o fio da tradição, mas também modernizá-la. É nesse sentido que os princípios urbanísticos e estéticos das cidades jardins, que recomendavam a desdensificação, a arborização, o parcelamento generoso do solo, a adaptação ás curvas e relevos dos terrenos, eram tomados como uma possibilidade de atualizar o velho traçado colonial.” Ibidem, p.178.
99
intermediário (o que seria o primeiro andar – vide imagem 7), onde é possível
acessar a secretaria da Casa de Portugal, o escritório do Lar da Provedoria da
Comunidade Portuguesa, o hall de elevadores e o mezanino do salão de festas
principal, espaço denominado Galeria de Artes252, onde ocorrem as exposições
artísticas da Casa de Portugal (imagem 8).
Imagem 7 - Hall de elevadores. 253
Nota-se que o lance de escada que leva ao hall dos elevadores possui ao
alto de seu arco a inscrição “Bem Servir”, denotando o acolhimento a todos os
membros da comunidade luso-brasileira, conforme discurso de Ricardo Severo a
respeito da idealização do projeto. Nas laterais do arco encontram-se as placas
252
Área de 138 m² reservada para exposições (pintura, fotografias, etc.) com iluminação apropriada e que pode também ser utilizada para coquetéis e inaugurações. CASA DE PORTUGAL DE SÃO PAULO. Locação de Espaços. Disponível em: <http://www.casadeportugalsp.com.br/locacao-de-espacos>. Acesso em: 19/11/2015. 253
Acervo pessoal, 15/09/2012.
100
alusivas às visitas das autoridades portuguesas já mencionadas, sendo que duas
delas foram retratadas mais de perto nas imagens 4 e 5.
Além das placas relativas às visitas oficiais já descritas, somam-se: à
esquerda do arco, a visita do Presidente Gal. Antonio Ramalho Eanes em 24 de
maio de 1978, Primeiro-Ministro Dr. Mário Alberto Nobre Soares em 29 de setembro
de 1984, Presidente da República Dr. Mário Aberto Nobre Lopes Soares a 1º de abril
de 1987 e Primeiro-Ministro Dr. Anibal Cavaco Silva em 10 de junho de 1988; à
direita do arco estão registradas as visitas do Primeiro-Ministro Eng. Antonio
Guterres em 18 de abril de 1996, do Presidente da República Portuguesa Dr. Jorge
Sampaio em 09 de setembro de 1997 e do Primeiro-Ministro Eng. José Sócrates em
10 de agosto de 2006.
Os detalhes fazem diferença, e alguns observados na imagem 7 evidenciam
símbolos ligados à nacionalidade portuguesa, como a pedra portuguesa utilizada na
escadaria, o brasão esculpido no alto do arco e ainda as pinturas de D. Afonso
Henriques (imagem 18) e Padre Manoel da Nóbrega dispostas nas paredes laterais
do hall de entrada. Aliás, na parede lateral do hall, mais à esquerda e não visível na
imagem 7, encontra-se pintura semelhante em tamanho e disposição à retratada na
imagem 18 representando o jesuíta e com a seguinte inscrição: “Padre Manoel da
Nóbrega – Fundador de São Paulo”.
Simbolicamente, com essas imagens se faz reverência ao mito fundador da
nacionalidade portuguesa na figura de D. Afonso Henriques, lembrando que consiste
em local destinado ao culto da nacionalidade portuguesa, mas sem deixar de
lembrar a fundação da cidade de São Paulo por um padre jesuíta português,
representado pelo Padre Manoel da Nóbrega. Trata-se de uma aproximação entre a
nacionalidade portuguesa e a fundação de São Paulo, demarcando a importância da
presença portuguesa para a cidade e o estado homônimo.
101
Imagem 8 - Galeria de Artes da Casa de Portugal. 254
A imagem deixa claro que se trata de um espaço em formato de mezanino.
Esse mezanino não possui comunicação direta com o salão de festas, no entanto, a
partir da balaustrada, é possível avistá-lo – a visão que se tem é a verificada na
imagem 9. Esse salão possui 690 m², sendo 30 m de comprimento e 23 m de
largura, com pé-direito de 7 m. Ao fundo há um palco de 96 m² para apresentações
musicais. Possui ainda dispositivos que permitem a instalação de diversos
equipamentos de som e luz, além de dois telões em suas laterais.255
254
Acervo pessoal, 13/11/2015. 255
CASA DE PORTUGAL DE SÃO PAULO. Locação de Espaços. Disponível em: <http://www. casadeportugalsp.com.br/locacao-de-espacos/>. Acesso em: 21/11/2015.
102
Imagem 9 - Salão de festas. 256
Passou por reformas mais de uma vez, possui um acesso à cozinha da Casa
pela lateral do lado direito – não visível na imagem. Atrás dos telões há escadas que
levam a um compartimento em mais um subsolo, onde se encontram os banheiros
masculino (esquerda) e feminino (direita), além do acesso para um camarim.
O assoalho é todo constituído em tacos de madeira dispostos de modo a
compor desenhos. A parede lateral esquerda é decorada em motivos que remetem
ao Descobrimento do Brasil, como caravelas, cruzes da Ordem de Cristo (ou Cruz
de Portugal), que eram usadas para ornamentar as velas das caravelas, além de
astrolábios e outros elementos alusivos às grandes navegações.
Destaca-se nessa parede um elemento decorativo circular grande entre
outros três em formato quadrado. Nele há uma inscrição que se subdivide nas partes
superior e inferior: “E se mais mundo houvera lá chegara”. Ao observador mais
cauteloso é possível inferir que tal inscrição, além de se referir aos portugueses
descobridores, pode ao mesmo tempo aludir à diáspora do povo português, que se
256
Acervo pessoal, 15/09/2012.
103
espalhou por várias partes do planeta em movimento migratório em busca de
melhores condições de vida. Faz referência igualmente ao heroísmo desses
imigrantes.
No segundo andar257, a parte detrás do edifício é locada pela Câmara
Portuguesa de Comércio do Brasil, enquanto a parte da frente abriga o Salão Nobre
(imagens 10 e 11), onde ocorrem apresentações musicais com atração reduzida de
público.
Imagem 10 - Salão Nobre. 258
A seguir, o Salão Nobre preparado para receber evento, com decoração
realizada pelo bufê O Marquês.
257
Se considerado o número oficial de pavimentos da edificação, seria o primeiro andar, mas, como há um mezanino, acessado por um lance de escada, que desemboca na secretaria, no escritório do Lar da Provedoria, na Galeria de Artes e no hall dos elevadores, nomeou-se como segundo andar. 258
Acervo pessoal, 13/11/2015. Salão com 253 m² com capacidade para 300 pessoas em pé, 200 em formato auditório e 150 com mesas, conforme a imagem 11. CASA DE PORTUGAL DE SÃO PAULO. Locação de Espaços. Disponível em: <http://www.casadeportugalsp.com.br/locacao-de-espacos/>. Acesso em: 21/11/2015.
104
Imagem 11 - Salão Nobre decorado para evento. 259
No terceiro andar havia, até o dia 10 de novembro de 2015, na parte da
edificação com vista para a Avenida Liberdade, uma suntuosa sala de reuniões,
utilizada para os encontros mensais da Diretoria Executiva, um pátio interno
(imagem 12) e um espaço alternativo para eventos denominado Sala Camões.
Imagem 12 - Pátio interno da sala de reuniões. 260
259
CASA DE PORTUGAL DE SÃO PAULO. Locação de Espaços. Disponível em: <http://www. casadeportugalsp.com.br/locacao-de-espacos/>. Acesso em: 19/11/2015. 260
BARES-SP. Casa de Portugal. Disponível em : <http://www.baressp.com.br/casas-de-show/casa-de-portugal>. Acesso em: 19/11/2015.
105
No dia 11 de novembro de 2015 teve início uma reforma e esses espaços
tiveram as paredes demolidas e os móveis, desmontados, para ampliação do
espaço da biblioteca que funciona no mesmo andar, do outro lado do saguão dos
elevadores, na parte detrás do prédio. Essa reforma se dá pelo fato de a Casa de
Portugal ter recebido como doação o acervo particular do Professor Doutor Massaud
Moisés, professor titular da área de Letras da Universidade de São Paulo de 1973 a
1995, atualmente com saúde debilitada e idade já avançada. Foi lida em reunião de
diretoria do dia 13 de outubro de 2015 carta emitida por sua esposa explicando a
situação e ressaltando o manifesto pedido do professor para doar seu acervo à
biblioteca da Casa de Portugal.261
A reforma foi concluída e a nova ala da biblioteca, inaugurada em 4 de
dezembro de 2015, integrada à sala de reuniões da Diretoria Executiva. Os móveis
observados na imagem 12 foram reposicionados no 3º andar do edifício da Casa de
Portugal, agora dividido nas duas áreas da biblioteca, com cinco armários com
medidas diferenciadas, sete escrivaninhas acompanhadas de suas respectivas
cadeiras, duas vitrines, seis mesas com medidas diferenciadas e seis cadeiras
avulsas.262
De acordo com informações concedidas pelos funcionários da Casa de
Portugal, parte desses móveis foi doada por famílias abastadas e outra parte, pelo
Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo263. O conjunto remete ao mobiliário português
do século XVII.264
A biblioteca é integrada a um auditório (imagens 13 e 14), ideal para
realização de eventos científicos, debates, palestras e pequenas apresentações.
Esse ambiente possui 112 m² de área (14 m de comprimento, 8 m de largura e pé-
direito de 3,20 m). O espaço dispõe de palco de 12 m² e 120 cadeiras estofadas.265
261
Além da carta, foi lido em reunião da Diretoria Executiva o currículo do professor Massaud Moisés. 262
Informações disponibilizadas pela Secretaria da Casa de Portugal e disponíveis na relação patrimonial da Instituição. 263
Instituição em que o idealizador da Casa de Portugal, Ricardo Severo, chegou a trabalhar por vários anos. 264
A mesa retratada em frente à janela na imagem 12 remete ao design de móveis manuelinos, que possuem os pés trabalhados em formato retorcido, feito com madeira maciça. Nem todo o mobiliário da Casa segue essa linha. 265
CASA DE PORTUGAL DE SÃO PAULO. Locação de Espaços. Disponível em: <http://www. casadeportugalsp.com.br/locacao-de-espacos>. Acesso em: 21/11/2015.
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Imagem 13 - Perspectiva do Auditório da biblioteca. 266
A biblioteca conta com uma bibliotecária para atendimento ao público e
funciona de segunda a sexta-feira, das 9h às 12h e das 13h às 17h30. Nota-se ao
fundo da imagem 14 o espaço que abriga a maior parte do acervo267, que dispõe
ainda de mesa para a bibliotecária com ramal telefônico, computador e outros itens
de escritório, além de mesa em madeira com dez assentos para acomodação dos
visitantes.
266
Acervo pessoal, 10/03/2012. 267
Inaugurada em 1957, a biblioteca conta com acervo de 12.900 volumes que permanece em constante atualização. O acervo é variado, mas a maior parte se concentra em Literatura e História de Portugal e outros países de Língua Portuguesa. Possui também arquivo documental de revistas e clippings de jornais e revistas. Alguns exemplares são bem antigos e raros e datam de 1898. Parte do acervo encontra-se cadastrada com nome e títulos online. CASA DE PORTUGAL DE SÃO PAULO. Biblioteca. Disponível em: <http://www.casadeportugalsp.com.br/cultura>. Acesso em: 21/11/2015.
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Imagem 14 - Perspectiva da biblioteca. 268
No quarto e último andar da edificação encontram-se as antigas instalações
do Consulado Geral de Portugal em São Paulo, que funcionou no local de 1955269
até o ano de 2005. Atualmente encontram-se também em reforma.
Com essa estrutura física e de associados, a Casa de Portugal se tornou
espaço privilegiado na divulgação de ideais portugueses, se colocando a serviço da
comunicação entre os governos de Portugal e a comunidade de imigrantes e
descendentes em São Paulo. No período salazarista não foi diferente.
O culto ao chefe do regime, Oliveira Salazar, que velava sua imagem de
homem de origem simples e rural que chegou ao poder, encontrava adeptos entre
os emigrantes.
268
CASA DE PORTUGAL DE SÃO PAULO. Locação de Espaços. Disponível em: <http://www. casadeportugalsp.com.br/locacao-de-espacos>. Acesso em: 21/11/2015. 269
“Ainda antes mesmo da inauguração assistiu-se, com grande satisfação e orgulho mal contido, à instalação, nas suas dependências do primeiro andar, de todos os serviços do Consulado Geral de Portugal em São Paulo, desde a chancelaria ao salão e gabinetes do cônsul geral, vice-cônsul e secretárias, os quais, transferidos posteriormente ara o 4º andar, lá permanecem até hoje, em amplas e belas acomodações.” VERDASCA, José. A Casa de Portugal e a Comunidade. São Paulo: 1500 Comunicação e Marketing, 1993, p.141.
108
[...] a memória da aldeia mantida pelo emigrante, idealizada sem os incómodos de uma vida rural, acrescida da necessidade permanente de afirmação da sua identidade e dos seus vínculos com Portugal, tornam-se elementos fundamentais para a difusão de uma imagem positiva do salazarismo. Todas as características do discurso ideológico do regime que sublimam o ideal aldeão encontram um paralelo no discurso do emigrante sobre a sua terra natal. [...] Homem simples, oriundo de um meio aldeão, que “venceu”, ou luta para isto, o “patrício”, por outro lado, encontra na figura de Salazar, um seu igual, alargando os laços de empatia com o Estado Novo. Cidadão sem cidadania, já que politicamente limitado, devido à sua condição de emigrante, o português do Brasil adopta, sem maiores dificuldades, a postura de conservador e legalista, assumindo, na sua condição de a-político, uma argumentação contestatária do debate político democrático, próxima do autoritarismo salazarista.270
A Casa de Portugal foi presidida sempre por emigrantes que “venceram” na
vida e que mantinham sua identidade e seus vínculos com Portugal. O culto à aldeia,
o culto à pátria e o desejo de fazer sentir sua ausência na terra natal compuseram
terreno fértil para a aproximação de Salazar com os emigrantes no Brasil.271
Tanto o culto à aldeia como o culto à pátria são vivenciados nas associações
mediante a permanência dos cultos cívicos e a reinvenção de tradições. O desejo de
se fazer presente em Portugal colaborava para que esses emigrantes realizassem
benfeitorias em suas aldeias, patrocinando a construção de escolas, reformas de
igrejas e outros serviços, além de investimentos pessoais, aumentando a aquisição
de propriedades de suas famílias.
A reprodução no Brasil do que era veiculado pela imprensa portuguesa, as
rádios voltadas para o saudoso público português, o cinema, o teatro e até as
mensagens passadas pelas letras musicais encontravam meio propício à sua
divulgação em associações272 como a Casa de Portugal.
270
PAULO, Heloísa. Aqui Também é Portugal: A Colónia Portuguesa do Brasil e o Salazarismo. Coimbra: Quarteto Editora, 2000, p.251-252. 271
Ibidem. 272
Ibidem.
109
A presença nos eventos realizados na Casa de Portugal por autoridades
consulares portuguesas reforçava o vínculo entre as associações e Portugal.
Quanto à propaganda do regime o Embaixador afirma que não precisava fazer nada, tudo o quanto era manifestação patriótica, era com a colónia. Na verdade, porém, a prática do contacto social permanente com a colónia promovida por este representante diplomático, a sua intervenção junto do governo português para o envio de personalidades e material que facilitassem a divulgação da imagem do regime promovida pelas associações da colónia, são pontos-chave para a manutenção da boa imagem do regime durante o período da sua estada no Brasil.273
Documentos comprovam a comunicação direta entre os cônsules e o
governo português sobre a situação das associações, como se nota no seguinte
telegrama emitido pelo Consulado Geral em São Paulo:
Foi tentado sem êxito impedir reeleição actual Presidente Clube português em São Paulo. Golpe Assembleia Geral não teve consequências. Comendador Santos Costa foi reeleito. Presidente da Casa de Portugal e Câmara Portuguesa de Comércio, Com. Pereira Queiroz e Afonso Salgado, foram pacificamente reeleitos. Eleições Centro Transmontano, agremiação com maior número associados, elementos da oposição, dirigidos comunista português Manuel Marujo, tentaram falsificar grosseiramente listas de votação para impedir reeleição actual Presidente Francisco Barreiro. Manobra descoberta a tempo e evitar pretendidas consequências. Ficam assim nos postos chaves Associações Portuguesas pessoas absoluta confiança. Bastos.274
273
PAULO, Heloísa. Aqui Também é Portugal: A Colónia Portuguesa do Brasil e o Salazarismo. Coimbra: Quarteto Editora, 2000, p.336. 274
Telegrama do Consulado de São Paulo, datado de 27 de fevereiro de 1961, em código, decifrado em 28 de fevereiro do mesmo ano. Apud: Ibidem, p.557.
110
Enviando informações a respeito das associações portuguesas em São
Paulo, o Consulado nada mais fez do que cumprir uma exigência legal instituída pelo
Decreto nº. 39.475 de 21 de dezembro de 1953, que regula o funcionamento das
Casas de Portugal no estrangeiro.
Art. 1.º As Casas de Portugal no estrangeiro constituem delegações do Secretariado Nacional da Informação, cultura Popular e Turismo, do qual diretamente dependem. [...] Art. 2.º As Casas de Portugal destinam-se a evidenciar e divulgar, em países estrangeiros, os valores nacionais de ordem espiritual e material, cultural e económica, e a fazer a propaganda dos produtos de origem portuguesa e das condições naturais e artísticas de Portugal que constituam motivo de atracção turística.275
O Decreto-Lei esclarece uma série de ações que caberiam às Casas de
Portugal, entre elas a propaganda nacional, promoção turística e propaganda
comercial, além de deixar claro que o seu contato com órgãos da representação
diplomática e consular de Portugal deve ser estreito e colaborativo. Chega até
mesmo a reconhecer que um diretor da Casa de Portugal pode e deve ser
considerado como adido comercial das embaixadas.
Sendo assim, não é de se estranhar o envio de boletins informativos
editados pelo Secretariado Nacional de Informação para as bibliotecas das
associações regionais, como o exemplar exposto na imagem 15, disponível para
consulta na biblioteca da Casa de Portugal em São Paulo. Na página após a capa
do boletim, segue a seguinte descrição:
É apenas o registro de algumas obras notáveis realizadas pela Ditadura Nacional. Ficam, ainda, por fixar, por falta de espaço, muitos aspectos da actividade portuguesa que bem mereciam ser registrados. Em futuras publicações o SECRETARIADO DA PROPAGANDA NACIONAL espera poder ir documentando o
275
DIÁRIO DO GOVERNO. Decreto-Lei n. 39.475. Lisboa, n. 282, 21 de dezembro de 1953. Disponível em: <https://dre.tretas.org/pdfs/1953/12/21/dre-16495.pdf>. Acesso em: 22/11/2015. Dispõe-se na íntegra o decreto no Anexo 1.
111
progresso dos serviços públicos e o esforço desenvolvido nos vários sectores da vida portuguesa.276
Destaca-se na imagem o que seria o registro da obra notável, as Casas de
Portugal no estrangeiro criadas em 1931: a Casa de Portugal de Paris, fundada por
decreto de 10 de fevereiro de 1931, e a Casa de Portugal em Londres, instituída por
decreto de 25 de julho de 1931.
Imagem 15 - Informativo do Secretariado de Propaganda Nacional.277
276
PORTUGAL. Secretariado da Propaganda Nacional. Lisboa, 1934. 277
Acervo pessoal, 13/11/2015. PORTUGAL. Secretariado da Propaganda Nacional. Lisboa, 1934.
112
Nos próximos capítulos busca-se questionar como aparecem nos eventos
realizados na Casa de Portugal em São Paulo os valores instituídos pela herança
cultural dos portugueses e como foram reapropriados nessa associação luso-
brasileira.
113
CAPÍTULO II – POLÍTICA E CULTURA: PROGRAMAÇÃO DA CASA
DE PORTUGAL (1980-2010)
Este capítulo dedica-se à análise da programação cultural ocorrida nas
dependências da Casa de Portugal. Para tanto, se divide em três partes: na primeira
a proposta é relacionar as datas comemorativas festejadas em Portugal,
correlacionando-as com as mesmas realizadas na Casa de Portugal; na segunda
parte as influências políticas que a associação recebeu são abordadas com base em
diversas fontes de pesquisa; e no terceiro item são detalhados os sentidos das
homenagens e honrarias prestadas pela Casa de Portugal.
2.1 CELEBRAR E COMEMORAR
Buscando-se questionar as datas celebradas na Casa de Portugal, observa-
se que são dois os grandes marcos na história de Portugal: o dia 22 de abril,
conhecido como “Dia do Descobrimento”, e o dia 10 de junho, tradicionalmente
comemorado como “Dia de Portugal, Camões e das Comunidades Luso-Brasileiras”.
Contudo, cabe destacar a importância dos eventos comemorativos dos 500 anos do
descobrimento do Brasil por Portugal, bem como dirigir os questionamentos também
aos festejos realizados na Casa de Portugal com essa temática.
Os propósitos das comemorações e, consequentemente, das datas
comemorativas se associam à memória, fazendo com que se construam sentidos de
continuidade entre passado e presente.
[...] “comemorar” significa afinal dar vida à morte ou, por outras palavras, ao recordar aquilo que sucedeu, a nível pessoal, local, nacional ou transnacional, deseja-se valorizar um acontecimento ou uma personalidade, procurando avivar a memória presente e fazer com que ela se prolongue no futuro. [...]278
278
ANDRADE, Luís Oliveira; TORGAL, Luís Reis. Feriados em Portugal: tempos de memória e de sociabilidade. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2012, p.19.
114
As comemorações possuem igualmente sentidos de memória, mas se
constituem como recurso para fortalecer uma “comunidade imaginária”279 e reforçar
o nacionalismo, buscando pertencimento e identidade. Nesse sentido, as datas
comemorativas são imbuídas de formas de pensar do próprio presente.
Nas comemorações, como xamãs da história, invocamos o passado. Qual passado? Não qualquer um! Mas um passado preciso, circunstanciado, necessariamente parcelar, recortado a partir das representações do presente, modelagem ideológica que o reduz às suas mínimas expressões apropriáveis, escoimadas as dimensões que poderiam comprometer a estabilidade do presente que, por esta via, estabelece as bases da aliança indissolúvel entre passado, presente e futuro.280
O próprio surgimento dessas datas comemorativas é marcado por sentidos
de poder, e não foi diferente no caso do dia 10 de junho em Portugal.
[...] se em Portugal, pelas próprias características da sua história milenária e do processo complexo da fundação da nacionalidade e da formação precoce de fronteiras, não existe propriamente um “dia da independência”, criou a República, na sua fase mais nacionalista, o dia de Portugal ou da “Raça”, 10 de Junho, que surgiu no âmbito das comemorações de Camões de 1924, para além de existir – desde o início do regime republicano, com antecedentes na Monarquia – um dia dedicado “à autonomia da pátria”, 1 de Dezembro.281
279
Reafirmação identitária comum em movimentos diaspóricos, muito ligada ao associativismo luso no ultramar, o que não é exclusivo apenas no Brasil, mas está presente na metrópole imperial e colônias africanas. A adoção do termo engloba também consenso quanto ao conceito de “comunidade imaginada”, com adesão à imagem de uma comunhão sociocultural por pessoas que nunca se conhecerão entre si e excluindo o vínculo soberanista. ANDERSON, Benedict. Imagined Communities. Reflections on the origin and spread of nationalism. London/ New York: Verso, 1993. Baseia-se também no conceito de “comunidade étnica”: “1. Um nome próprio comum; 2. Um mito de ancestralidade comum; 3. Memórias históricas partilhadas; 4. Um ou mais elementos diferenciadores próprios de uma cultura comum; 5. Uma associação com uma „terra natal‟ específica; 6. Um sentimento de solidariedade para setores significativos da população.” SMITH, Anthony D. National Identity. London: Penguin, 1991. 280
ARRUDA, José Jobson de Andrade. O trágico 5º centenário do descobrimento do Brasil: comemorar, celebrar, refletir. Bauru, SP: EDUSC, 1999, p.7. 281
ANDRADE, Luís Oliveira; TORGAL, Luís Reis. Feriados em Portugal: tempos de memória e de sociabilidade. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2012, p.45.
115
E a fase mais nacionalista da República correspondeu a um período de
crise, ocasião propícia à construção de mitos e heróis. Foi em 1925 que a data
passou a ser comemorada em nível nacional.
[...] Camões continuava, pois, como a expressão do génio português e fonte da garantia de uma regeneração. Daí que o seu culto cívico reafirmasse a identidade da “Raça” que nele tinha encontrado a plena manifestação. Estas comemorações decorreram, assim, sob o signo da “Festa da Raça”, designação cada vez mais utilizada para apreender colectivamente os valores de um povo (no sentido de “Nação”) ou mesmo os feitos épicos dos seus heróis. Embora a lei de 1925 não consagre a expressão – é a “Festa de Portugal”, já o referimos –, J. Fernando de Souza, nas páginas do seu jornal A Época, preconizou que o dia 10 de Junho, porque dedicado a Camões, passasse a ser considerado “Dia da Raça Portuguesa”, designação que se fixará e irá mesmo manter-se até ao fim do Estado Novo.282
Quanto aos feriados, o Estado Novo português (1933-1974) quis manter a
mesma postura laica da República, ora privilegiando alguns, ora outros. E com o dia
10 de junho não foi diferente, sendo utilizado como memória simbólica apenas em
determinados momentos. Serve para destacar as características nacionalistas do
regime, equiparando-as aos feitos patrióticos ressaltados na obra de Camões.
Quanto ao 10 de Junho, e apesar de ser considerado o “dia de Camões”, mas também o “dia de Portugal” ou o “dia da Raça”, não teve, até certa altura, uma importância muito significativa na memória do Estado Novo. [...] Introduzida no final da República, mas consolidada na Ditadura Militar, a noção de dia festivo, e depois feriado, estava afinal ligada a uma afirmação nacionalista de liberais, mas sobretudo de republicanos, não tanto o centenário do hipotético nascimento de Camões, 1924, mas sim no centenário de sua morte, 1880. No entanto, a sua estátua mais significativa, a do largo do Chiado, é anterior a esse centenário, pois foi lançada a sua primeira pedra em 1862 e inaugurada em 9 de Outubro de 1867.283
282
ANDRADE, Luís Oliveira; TORGAL, Luís Reis. Feriados em Portugal: tempos de memória e de sociabilidade. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2012, p.78-79. 283
Ibidem, p.108-109.
116
Após a Revolução dos Cravos (1974), 25 de abril passou a ser considerado
como o “Dia de Portugal” (1975), “retirando esta celebração ao 10 de Junho,
demasiado „comprometido‟, como vimos, com a política colonial do Estado Novo”284.
Em 1977, o dia 10 de junho passou a ser dedicado também às comunidades
portuguesas no estrangeiro. Um ano depois, em 1978, voltou a abrigar o significado
de Dia de Portugal, mas ainda se daria destaque especial para o 25 de abril como o
“Dia da Liberdade”:
Assim, pelo decreto-lei nº 39-A/78, considerando-se que esta data “histórica” representava “a libertação de Portugal e do povo português da feroz repressão de um regime totalitário e antidemocrático e o começo de um tempo novo, que restituiu aos Portugueses a liberdade e a democracia”, devia “ser anualmente comemorada com dignidade e relevo correspondente ao alto significado que assume para o Portugal renovado”. Nestes termos, pelo artigo 1º, “O Dia 25 de Abril passa a designar-se Dia da Liberdade, devendo ser comemorado em todo o País, ao nível das comunidades locais, por forma a dar a devida projecção à data histórica do 25 de Abril”. O decreto-lei nº 39B/78 começava por afirmar que o 10 de Junho “Dia de Camões e das Comunidades, melhor do que nenhum outro, reúne o simbolismo necessário à representação do Dia de Portugal”. Justificava depois: “Nele se aglutinam em harmoniosa síntese a Nação Portuguesa, as comunidades lusitanas espalhadas pelo Mundo e a emblemática figura do épico genial”. E concluía: “Daí que, de ora avante, o dia 10 de Junho passe a ser o Dia de Portugal”. Pelo artigo 1º, a sua celebração passava a ser dedicada “a Portugal, a Camões e às comunidades portuguesas no estrangeiro” e, pelo artigo 2º, a ser comemorado, quer em Portugal, quer junto destas.285
A mudança de nome do dia 25 de abril para “Dia da Liberdade”, conforme o
citado decreto-lei nº 39-A/78, correspondia a uma visão acerca da importância da
data enquanto símbolo da conquista da liberdade de expressão e democracia,
consolidada após a ditadura estabelecida durante o Estado Novo português. O
decreto atribuiu tamanha importância ao fato histórico que instituiu a comemoração
anual nas comunidades locais.
284
ANDRADE, Luís Oliveira; TORGAL, Luís Reis. Feriados em Portugal: tempos de memória e de sociabilidade. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2012, p.129. 285
Ibidem, p.132-133.
117
Já o decreto-lei nº 39B/78 designou o dia 10 de junho como o “Dia de
Portugal, Camões e Comunidades Portuguesas”, declarando ser o nome mais
apropriado à data. Instituiu também sua comemoração em território nacional e às
comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo. Daí a sua denominação no
Brasil e, mais especificamente, na Casa de Portugal, em São Paulo, como “Dia de
Portugal, Camões e das Comunidades Luso-Brasileiras”.
Analisando as comemorações realizadas na Casa, nota-se que os decretos
foram observados, pois se comemora o dia 10 de junho, mas pouca atenção é dada
ao dia 25 de abril, conforme estabelecido pelo decreto-lei nº 39-A/78, que
expressava que a data deveria ser comemorada em Portugal e nas comunidades
locais. Levando-se em conta apenas o número de notícias sobre as comemorações
de 25 de abril na Casa de Portugal, não se identifica inicialmente nenhuma diferença
significativa em relação às demais festividades.286 Mas, dispensando um olhar mais
atento, sobretudo ao conteúdo das reportagens, notam-se discrepâncias como o
local de realização do evento, o público presente e a programação.
A análise das reportagens287 a respeito dos acontecimentos com temática de
25 de abril na Casa de Portugal revela que se trata de eventos com formato
diferente dos demais288, a começar pelo local, o auditório da biblioteca da Casa,
lugar que favorece a realização de eventos científicos, portanto, informativos, como
palestras e mesas redondas com a presença de especialistas289. Apenas em uma
ocasião o dia 25 de abril foi comemorado no salão de festas principal da Casa de
Portugal290, aos moldes das demais comemorações, contando com a presença do
presidente do Centro Cultural 25 de Abril e também de personalidades consulares
de Cabo Verde – momento em que ocorreram apresentações artísticas de Varela
Leal291 e Abílio Herlander292, da Escola La Bayadére293 de bailados e um recital de
286
O levantamento de reportagens a respeito das comemorações do 25 de abril pode ser conferido no Apêndice A. 287
PORTUGAL EM FOCO. Rio de Janeiro, 04 de maio de 2005. MUNDO LUSÍADA. São Bernardo do Campo - SP, 1º de maio de 2006; 1º de maio de 2009; 1º de maio de 2010. 288
Essas diferenças são explicitadas neste item mais adiante, no momento em que os eventos das demais datas comemorativas são descritos e analisados. 289
Destacou-se a presença e participação em 2006, 2009 e 2010 do Dr. Lincoln Secco, Universidade de São Paulo (USP), professor de história contemporânea. 290
PORTUGAL EM FOCO. Rio de Janeiro, 6 a 12 de maio de 1993. 291
O radialista José Francisco Varela Leal atuou por mais de 40 anos no Programa Portugal Trilha Nova da Rádio ABC (570 AM), em Santo André, transmitido sempre aos domingos ao meio-dia. VALENTE, Heloísa de A.; NUNES, Mônica Rebecca Ferrari. Trago o Fado nos Sentidos - Canção,
118
poemas por Fernando Muralha294. As formas de comemoração dos dias 25 de abril e
10 de junho denotam uma proximidade grande entre Portugal e a Casa de Portugal,
em São Paulo, com a observância por parte de ambos dos decretos a respeito
desses eventos.
Nesse sentido, busca-se rastrear como as comemorações do dia 10 de
junho na Casa de Portugal, da década de 80 do século XX até a primeira década do
século XXI295, seguiram o decreto-lei de 1978296. Esse rastreamento é feito com
base em edições de duas revistas (entre os anos de 1994 e 2004). No levantamento
efetuado, nas duas foram encontradas reportagens sobre eventos do dia 10 de
junho que se complementam, abrangendo o período entre 1984 e 2010.297
O primeiro número da revista Raízes Lusíadas298 trouxe duas reportagens
abordando as comemorações de 10 de junho: uma sobre o evento de 1980 e outra
acerca da festividade ocorrida no ano da edição (1984). A reportagem sobre o ano
memória portuguesa na rádio paulista. Logos: Comunicação & Universidade. Rio de Janeiro, vol. 18, nº. 2, 2011, p.9. Disponível em: <http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/logos/article/view/ 2241>. Acesso em: 17/07/2015. 292
Radialista que assumia simultaneamente os papéis de radialista e fadista, reforçando os signos sonoros portugueses, marcados nas músicas selecionadas para a programação, composta pelo fado, seus intérprete e mediadores. Ibidem, p.8. 293
Escola de ballet portuguesa que realizou apresentação artística na ocasião. 294
Teatrólogo português que foi diretor cultural e da biblioteca na Casa de Portugal por 15 anos. Atuou no Brasil por mais de 20 anos, tendo dirigido a Cia Teatral Carroça de Ouro, além de ter trabalhado também na Europa e na África. NOGUEIRA, Roberto. A Carroça dos Sonhos e os Saltimbancos - Memória da Carroça de Ouro. São Paulo: Imprensa Oficial, 2010. 295
A biblioteca da Casa de Portugal disponibiliza um vasto acervo de revistas e jornais cujo público-alvo são portugueses radicados em São Paulo e seus descendentes. O acervo é composto por clippings de notícias feitos pela própria bibliotecária da instituição, mas também por acervos completos dessas revistas. Para o levantamento descrito a seguir foram realizadas análises de conteúdo das reportagens dos eventos que ocorreram na Casa de Portugal contidas em acervos de duas revistas: revista Raízes Lusíadas e revista Naus‟s. A revista Raízes Lusíadas foi extinta e circulou entre 1984 e 2004. No acervo da Casa de Portugal constam quase todos os números da publicação. Já a revista Naus‟s é editada em São Paulo desde 1994, e todos os seus exemplares podem ser pesquisados na biblioteca da Casa. Essa revista ainda se mantém ativa no mercado editorial. 296
No intuito de investigar se as comemorações do 10 de junho na Casa de Portugal se iniciaram por conta do referido decreto, visto que as revistas examinadas abordam essas festividades apenas a partir de 1980, buscaram-se informações a respeito desses eventos nas atas de reuniões de diretoria anteriores à década de 80. Verificou-se a realização nos anos de 1975, 1976, 1977 e 1978. Em 1978, ano do decreto, as comemorações foram planejadas em conjunto com o Consulado de Portugal, embora não se revelem maiores detalhes a respeito, nem mesmo em relação às programações. Como resultado da busca, infere-se que o decreto de 1978 não implantou na Casa de Portugal a prática de comemorar a ocasião, que já de fazia presente anteriormente. CASA DE PORTUGAL DE SÃO PAULO. Livro de Actas da Directoria Central. São Paulo, nº. 15, 16/04/1972 a 28/09/1976. 297
No quadro elaborado e disposto no Apêndice B, resultante da análise das reportagens, é possível distinguir as publicações, suas datas e dia da ocorrência do evento, bem como os títulos das notícias. 298
RAÍZES LUSÍADAS. São Paulo, Ano 1, nº. 1, junho 1984.
119
de 1980 noticiava a dissertação do Professor João de Scantemburgo299 a respeito
de “Camões e o amor”. Já a matéria sobre a festa mais recente relatava a realização
de uma sessão solene com a presença de diversas personalidades do cenário
político e social na Casa de Portugal:
Participou como orador o Dr. José Albino da Silva Peneda, presidente da Coordenação da Região Norte de Portugal, os Srs. Dr. Rui Assis e Santos, Cônsul de Portugal em exercício, Com. Hermenegildo Lopes Antunes, presidente da Casa de Portugal, Dr. Braga Dias, diretor do Instituto de Comércio Externo de Portugal, Vereador Antonio Carlos Fernandes e o Dr. Vieira Pereira, responsável pelo turismo oficial português do Brasil.300
Entre essas personalidades de relevo se nota a quantidade de
representantes, no Brasil, de órgãos de poder em Portugal, tais como o diretor do
Instituto de Comércio Externo de Portugal, o cônsul e o responsável pelo turismo
oficial português. Observa-se que o evento não só seguiu a programação da
comemoração oficial do Dia de Portugal, como ainda contou com a presença
prestigiosa de representantes de órgãos que serviam ao governo de Portugal. O
destaque do fato na reportagem reafirma o propósito da solenidade de servir
enquanto ato oficial português. Logo, pode-se inferir que os eventos (ou parte deles)
realizados na Casa de Portugal revelavam os interesses, imagens, identidades e
mensagens que o governo de Portugal intencionava representar no Brasil.
Em 1986 o Conselho da Comunidade Portuguesa do Estado de São Paulo301
ofereceu um banquete às autoridades representantes do governo português no
Brasil, realizado nas dependências da Casa de Portugal.302 Novamente foi
destacada a presença do cônsul-geral de Portugal no Brasil, além do casal “Sr. e
299
Brasileiro nascido em 31 de outubro de 1915, falecido em 22 de março de 2013. Foi jornalista, professor e escritor, integrante da Academia Brasileira de Letras e da Academia Paulista de Letras. Publicou mais de 30 livros. Trabalhou em diversos meios de comunicação e teve seu próprio jornal por seis anos, o Correio Paulistano. 300
RAÍZES LUSÍADAS. São Paulo, Ano 1, nº. 1, junho 1984, p.16-17. 301
Fundada em 17 de fevereiro de 1981, essa associação originou o atual Conselho da Comunidade Luso-Brasileira do Estado de São Paulo. 302
RAÍZES LUSÍADAS. São Paulo, Ano 3, nº. 9, junho/julho/agosto 1986 , p.21.
120
Sra. Com. Valentim dos Santos Diniz”303. Ressalta-se sempre o título de
comendador304, concedido pelo governo português como reconhecimento pelo
auxílio na divulgação das origens portuguesas em território brasileiro.
É possível observar na documentação que, além de ressaltar as
personalidades, destacava-se a presença da mídia televisiva brasileira e da
portuguesa, bem como conteúdos culturais representativos:
No dia 8 de junho, a Casa de Portugal de São Paulo realizou um magno evento com a participação do fadista português Carlos do Carmo, do cantor brasileiro Ivan Lins e do grupo Tuna Acadêmica do Porto, antecedidos pela apresentação do Grupo Folclórico da Casa de Portugal. O megaevento foi apresentado por Otávio Mesquita (Perfil, SBT), sendo transmitido pelo RTP (canal de televisão português) [...].305
Esses conteúdos culturais visavam representar a cultura portuguesa,
realçando várias facetas de suas identidades. O Grupo Folclórico da Casa de
Portugal trazia à tona a imagem do tradicional, enquanto a Tuna Acadêmica do
Porto306, apesar de cantar músicas consagradas entre o público, compôs um misto
de coro com instrumentos de corda, apresentando-se em trajes formais, trazendo
uma variação do popular ao erudito. Já o cantor português Carlos do Carmo307 se
303
Valentim dos Santos Diniz foi fundador do Grupo Pão de Açúcar, hoje denominado Companhia Brasileira de Distribuição, uma das maiores empresas varejistas do país. Nascido a 18 de agosto de 1913, em Pomares do Jarmelo (freguesia do concelho de Pinhel, distrito da Guarda, região Centro), emigrou para o Brasil em 1929 com 16 anos. Depois de trabalhar como caixeiro no armazém Real Barateiro, comprou uma pequena mercearia, que ampliou aos poucos. Ao longo do tempo, o negócio foi se expandindo, tornando-se o maior grupo varejista do Brasil (Grupo Pão de Açúcar). Faleceu em 16 de março de 2008 aos 94 anos, deixando a presidência do grupo a seu filho Abílio Diniz. CAMPOS, Maria Christina Siqueira de Souza. Comunidade Portuguesa de São Paulo: instituições e associações regionais. In: GATTAZ, André; FERNANDEZ, Vanessa Paola Rojas (Orgs.). Imigração e imigrantes: uma coletânea interdisciplinar. Salvador: Pontocom, 2015, p.276. Disponível em: <http://www.editorapontocom.com.br/livro/33/imigracao-e-imigrantes_33_554372b07df04.pdf>. Acesso em: 16/06/2015. 304
No item 2.3, ainda neste capítulo, será aprofundado o estudo sobre como a concessão de títulos e homenagens é realizada na Casa de Portugal. 305
RAÍZES LUSÍADAS. São Paulo, Ano 14, nº. 73, set./out. 1997, p.19. 306
Grupo musical orfeônico ligado à Universidade do Porto, composto somente por homens, existente desde o século XIX. 307
Fadista muito reconhecido em Portugal, ganhador de prêmios e homenagens por sua atuação na música portuguesa, nasceu a 21 de dezembro de 1939, em Lisboa. Filho de um empresário com a consagrada fadista Lucília do Carmo, conviveu com o gênero musical desde a infância. Estudou Hotelaria, tendo aprendido por conta disso diversos idiomas. Apresentou-se em países dos cinco continentes, inclusive na Casa de Portugal de São Paulo.
121
apresentou ao lado de Ivan Lins308, representando a junção de dois intérpretes
reconhecidos em seus respectivos países, bem como a união de Portugal e Brasil
pelo viés cultural.
Um recurso muito utilizado nas reportagens sobre os eventos ocorridos na
Casa de Portugal foi o uso de adjetivos para exaltar o acontecimento. Conforme se
observou na reportagem supracitada, a Casa de Portugal realizou “um magno
evento” e “O megaevento foi apresentado por Otávio Mesquita309”. Tal adjetivação
visava promover ainda mais a audiência e a frequência do público aos eventos, bem
como afamar os realizadores. A menção à presença da mídia televisiva portuguesa
e da brasileira310 na reportagem reforçava a importância do evento e consolidava o
lugar como palco oficial da cultura portuguesa no Brasil, marcado pelo status,
dignificando a presença portuguesa em São Paulo.
A revista Naus‟s divulgou que, em função das comemorações do Dia de
Portugal, organizou-se uma exposição de arte em faiança no Salão de Artes da
Casa de Portugal.311 Noticiou ainda mais uma apresentação que reuniu Carlos do
Carmo e Ivan Lins no espetáculo “Um abraço luso-brasileiro”. O nome dado ao
espetáculo se justificava ao ler a reportagem, que mencionava a amizade mantida
entre os artistas desde seu primeiro encontro, em 1977312, mas não deixava de
representar uma aproximação entre Portugal e Brasil, visto que não era o primeiro
show reunindo os dois artistas na Casa de Portugal.
308
Nasceu a 16 de junho de 1945, no Rio de Janeiro, identificado principalmente como intérprete de música popular brasileira (MPB), jazz e bossa-nova. Ganhou diversas edições da premiação do “Grammy Latino” (2000, 2002, 2005, 2006 e 2009). Seus principais elementos musicais são a voz e o piano. Consagrou-se também como compositor. 309
Apresentador de televisão que começou a carreira em 1986 na Bandeirantes, passando por diversas outras emissoras de televisão. Especializou-se em programas de variedades, sempre em contato com celebridades, divulgando lugares da moda, esportes de elite e destinos de viagem exclusivos e elitizados. 310
Essa presença visa resgatar a divulgação da cultura portuguesa, garantindo pequenas inserções na mídia de maior impacto atualmente. A difusão de conteúdos culturais portugueses, sobretudo a música representada pelo fado, teve grande audiência nas décadas de 60 e 70 em São Paulo. “Em 1964, estreava Caravela da Saudade, dirigido por Alberto Maria de Andrade e Wilson Bonifácio, apresentado por Júlio José de Freitas Andrade e transmitido pela TV Tupi de São Paulo. Estes programas tiveram longa permanência no ar, alcançando a década de 1970.” NUNES, Monica Rebecca Ferrari. Rádio e fado: biografias de sons e lembranças. ArtCultura. Uberlândia, vol. 14, n. 25, jul.-dez. 2012, p.173-183. Esse programa chegou a ser televisionado diretamente do Rio de Janeiro, do estádio do Maracanãzinho, com a presença de milhares de pessoas. A mesma autora cita também a crise que os programas radiofônicos dirigidos ao público de lusos e descendentes vêm enfrentando, mencionando inclusive a extinção de diversos deles. Um dos entrevistados comenta a questão da baixa difusão da música portuguesa, destacada ao longo da tese. 311
NAUS‟S. São Paulo, nº. 45, junho de 1999, p.8. 312
NAUS‟S. São Paulo, Ano 7, nº. 81, julho de 2002, p.8.
122
Nessa ocasião, os dois cantaram sucessos de público individualmente, mas
também apresentaram um arranjo em conjunto da canção Madalena, de Ivan Lins.
Imagem 16 - Ivan Lins e Carlos do Carmo no espetáculo
“Um abraço luso-brasileiro”.313
Seguindo a sugestão do título do show e o tom da reportagem, a imagem 16
denota proximidade entre os cantores português e brasileiro. Mesmo porque
apresentar um arranjo musical requer preparo e ensaio. Não por acaso essa
aproximação refletia-se também nos fluxos migratórios entre os países, que
variavam conforme ocasiões sociais, estimulando o tratamento entre portugueses e
brasileiros ora como “mesmos”, ora como “outros”.
313
NAUS‟S. São Paulo, Ano 7, nº. 81, julho de 2002, p.8.
123
[...] Após a dissolução do império e o redesenho da nação portuguesa em 1981, emigrantes que haviam retido a nacionalidade portuguesa, juntamente com seus descendentes, obtiveram direitos à dupla nacionalidade e dupla cidadania. Ao mesmo tempo, ao reconhecer que “os emigrantes mantém uma rede complexa de relações, o governo central procurou aumentar e intensificar a ativa participação da diáspora em cada setor da sociedade portuguesa” (Aguiar, 1986). Com esse objetivo, criou, ainda 1980, a Secretaria das Comunidades Portuguesas a fim de proporcionar apoio às populações portuguesas dispersas pelo mundo e reforçar seus vínculos com a terra natal. Concomitantemente, para além de estabelecer um sistema de apoio e benefícios para aqueles interessados em retornar a Portugal, o governo começou a divulgar informações com o intuito de atrair emigrantes a investirem seus recursos em Portugal. Também começou a encorajar cidadãos influentes e afluentes da diáspora a “representarem Portugal no mundo”.314
De acordo com a autora, já na década de 80 Portugal ensaiava uma
aproximação com as populações emigradas, culminando com a criação da
Secretaria das Comunidades Portuguesas315, órgão consultivo que passou a incluir
as populações em diáspora em decisões do governo português. Essa aproximação,
além de ampliar a emissão de dupla nacionalidade para descendentes, apoiava o
retorno de possíveis interessados em investir no país e encorajava cidadãos
influentes da diáspora a representar Portugal no mundo.
Tal encorajamento de cidadãos influentes em prol da representação de
Portugal no mundo ocorreu na Casa de Portugal. Nesse período se concedeu a
comenda ao então presidente da Casa, Antonio dos Ramos, que, embora atribua a
condecoração à reforma que empreendeu na edificação da Casa em apenas dois
anos de gestão, a relaciona também à decisão política de aproximação entre os dois
países.
314
FELDMAN-BIANCO, Bela. Brasileiros em Portugal, Portugueses no Brasil: construções do “Mesmo” e do “Outro”. Texto apresentado no Seminário Temático “Migrações Internacionais, Estado-Nação e Cidadania”, XXVIII Encontro Anual da ANPOCS. Caxambu - MG, 26 a 30 de outubro de 2004. 315
Para entender melhor o funcionamento desse dispositivo legal e o grau de envolvimento do movimento associativo com ele, recomenda-se a leitura de: AGUIAR, Manuela. O Conselho das Comunidades Portuguesas e a representação dos emigrantes. Migrações. Lisboa, vol. 5 - Migrações entre Portugal e América Latina, Observatório da Imigração, ACIDI, outubro 2009. Disponível em: <https://www.ces.uc.pt/myces/UserFiles/livros/346_Migr5.pdf>. Acesso em: 27/09/2014.
124
Na área cultural, e justamente a Casa de Portugal é uma entidade eminentemente cultural, nós fizemos aqui um trabalho bem feito e com apenas dois anos – eu entrei aqui como presidente em 1985, primeira fase. E veio aqui o Dr. Mário Soares, que é Presidente da República em 1987, dois anos depois. E achou que devia me nomear comendador pelo que eu havia feito aqui na área da cultura. E também pela reforma deste edifício, que estava carente por dentro. E o transformei num autêntico palácio em dois, três anos. E foi assim que eu virei comendador.316
A Casa de Portugal justifica sua atuação nessa aproximação como uma
associação extraoficial portuguesa no Brasil, composta por imigrantes ditos bem-
sucedidos. Essa homenagem ao presidente da Casa sugere que sua política
cultural, possivelmente, segue num caminho que agrada ao governo português317.
Esses sinais políticos denotam como os brasileiros eram vistos como
“mesmos”, o que se intensificou a partir da segunda metade da década de 1990,
momento em que Portugal se aproximou de suas ex-colônias por meio do incentivo
à união entre os países lusófonos.
Entrementes, autoridades portuguesas redefiniram suas relações com o Brasil e com suas antigas colônias portuguesas em África, os PALOP. A partir de 1996, o governo socialista investiu crescentemente na reconfiguração de seu antigo império, transmutado na era pós-colonial numa comunidade supranacional lusófona formada por países de língua oficial portuguesa. Com base na inclusão dos emigrantes portugueses na nação lusa, bem como na redefinição de suas relações com as ex-colônias, autoridades governamentais e intelectuais reinventaram a “vocação universal e Atlântica” e a cultura portuguesa como uma forma de reconstruir o antigo papel de Portugal como intermediário na economia global. No transcorrer dessa reconstituição imperial, o Brasil – a “maior criação” lusa – foi, mais uma vez, designado parceiro de Portugal.318
316
Depoimento de Antonio dos Ramos, em entrevista concedida ao autor em 03 de abril de 2013, na Casa de Portugal. 317
No próximo item deste capítulo explana-se como a política cultural de Antonio dos Ramos se aproxima da visão modernista de Portugal estimulada na ocasião. 318
FELDMAN-BIANCO, Bela. Brasileiros em Portugal, Portugueses no Brasil: construções do “Mesmo” e do “Outro”. Texto apresentado no Seminário Temático “Migrações Internacionais, Estado-Nação e Cidadania”, XXVIII Encontro Anual da ANPOCS. Caxambu - MG, 26 a 30 de outubro de 2004.
125
É possível inferir que essas aproximações políticas de fato influenciaram os
eventos promovidos na Casa de Portugal, que refletiam essa união, como no caso
do show nomeado “Um abraço luso-brasileiro” e retratado na imagem 16.
Ocorreu na Casa de Portugal uma solenidade em homenagem a todos os
professores de língua e literatura portuguesa, em “reverência a seu fundador,
Camões”319. Verifica-se a exaltação da figura de Camões, realizada de forma
heroica e mitológica, atribuindo-lhe a fundação da Língua Portuguesa. Foram
organizadas outras duas atividades em comemoração ao Dia de Portugal em 2007:
no dia 9 de junho apresentaram-se os Antigos Tunos da Universidade de
Coimbra320, e no dia 14 de junho se encerraram as comemorações com uma sessão
solene que contou com a execução dos hinos nacionais de Portugal e Brasil pela
orquestra Bachiana Jovem. Após diversos discursos, o evento321 terminou com a
execução de músicas clássicas da mesma orquestra sob a regência do maestro
João Carlos Martins.322
Se analisadas apenas as manchetes das reportagens sobre as
comemorações de 10 de junho ocorridas na Casa de Portugal, nota-se que a maior
parte delas possui ao menos uma referência direta à ocasião por uma de suas três
possibilidades de grafia – Dia de Camões, Dia de Portugal e Dia das
Comunidades –, sendo que na menor parte delas se evidencia mais o conteúdo
artístico do evento que a data comemorativa. Portanto, nos meios de comunicação
voltados ao público lusodescendente, se destaca mais a data comemorativa ou a
temática “Camões” do que o conteúdo cultural, exaltado nos textos sempre como
oportunidade proporcionada pela data comemorativa, remetendo primeiramente ao
patriotismo ou origens portuguesas.
No Brasil, oficialmente o dia 22 de abril é reconhecido como o Dia do
Descobrimento, em que os portugueses chegaram ao território que mais tarde se
319
NAUS‟S. São Paulo, nº. 116, julho de 2005. 320
Associação sem fins lucrativos composta por antigos e novos estudantes da Universidade de Coimbra, que se reúnem por espontânea vontade com o propósito de praticar a arte musical. O grupo compõe uma orquestra, um grupo de tango e um de variedades e fados. 321
NAUS‟S. São Paulo, nº. 135, 2007, p.14 e 18. 322
Pianista especializado como intérprete de Bach, ganhou fama e respeito internacional pela qualidade de seu trabalho. Passou por um drama pessoal que interrompeu sua carreira, retomada depois como maestro. Dirige atualmente a Filarmônica Bachiana Sesi-SP.
126
tornaria Brasil. Em Portugal, durante muitos anos a data atribuída a esse
acontecimento foi 3 de maio, embora já se tivesse conhecimento do 22 de abril.
Não se apresentam muito óbvias as razões que levaram à escolha deste acontecimento e, mesmo, da data que lhe era atribuída. Com efeito, como é sabido, a armada de Pedro Álvares Cabral avistou terra brasileira a 22 de abril de 1500. Parece, no entanto, que uma tradição de séculos tinha considerado a descoberta como tendo ocorrido naquela data e daí que, ainda em 1912, se continuasse a associar, em alguns sectores, a chegada ao Brasil ao dia 3 de Maio, embora, em termos historiográficos, a documentação disponível já não permitisse este erro de cronologia.323
Embora Portugal tivesse como um período áureo de sua história a época
das grandes navegações que culminaram com a descoberta do Brasil, essa data
não estava entre os momentos mais festejados na Casa de Portugal, em São Paulo.
Desde o supracitado decreto-lei nº 39B/78 – que instituiu que o dia 10 de junho
deveria ser comemorado nas comunidades portuguesas no estrangeiro –, a Casa de
Portugal seguia o parecer oficial. Como não existe uma data comemorativa
oficializada sobre o 22 de abril em Portugal, isso também se refletiu nessa
associação aqui em São Paulo.
Em análise à documentação levantada no que diz respeito às reportagens
sobre os eventos promovidos na Casa de Portugal, em São Paulo, no dia 22 de
abril324,, observa-se que as manchetes dos anos de 1992325, 1997326 e 1998327
fazem referência ao dia da Comunidade Luso-Brasileira, mesmo denominação
conferida oficialmente à data comemorativa de 10 de junho em Portugal. Infere-se
que, mesmo sendo de conhecimento coletivo que a data de 22 de abril é
nacionalmente atribuída à descoberta do país, utilizou-se a ocasião na Casa de
Portugal para comemorar o Dia de Portugal.
323
ANDRADE, Luís Oliveira; TORGAL, Luís Reis. Feriados em Portugal: tempos de memória e de sociabilidade. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2012, p.70-71. Sobre essa temática ver: TORGAL, Luís Reis; MENDES, José Maria Amado; CATROGA, Fernando. História da História em Portugal (séculos XIX-XX). Vol. II. Lisboa: Círculo de Leitores, 1996, p.330. 324
O quadro com a relação dos documentos levantados se encontra disposto no Apêndice C. 325
RAÍZES LUSÍADAS. São Paulo, Ano 9, nº. 41, maio/junho 1992, p.23. 326
RAÍZES LUSÍADAS. São Paulo, Ano 14, nº. 72, julho/agosto 1997, p.5. 327
NAUS‟S. São Paulo, nº. 32, maio 1998, p.8.
127
A reportagem de 1992, por exemplo, registrou o título “Semana da
Comunidade Luso-Brasileira”328 para se referir a eventos ocorridos nos dias 22 e 25
de abril. Trata-se de uma parte da revista que reunia pequenas notas de diversos
eventos, promovidos em locais diferentes. Pode-se deduzir que foi a forma que o
responsável editorial encontrou para registrar vários acontecimentos em espaço
reduzido. Coincidiu que dois desses eventos ocorreram na mesma semana na Casa
de Portugal. Justifica-se essa análise pelo fato de o dia 22 de abril não ser muito
comemorado, tampouco o dia 25 de abril329, que, apesar da importância obtida em
Portugal, não chama atenção entre os eventos da Casa de Portugal, em São Paulo.
O Sr. Antonio dos Ramos, que ocupou o cargo de presidente da Casa de
Portugal, referindo-se ao dia 25 de abril, destacou que essa não seria uma data
comemorativa para a Casa de Portugal:
Há quem festeja isso, nós nunca comemoramos, mas sempre apoiamos. Quem festeja isso é a tal Associação Cultural 25 de Abril. Que eles são? Essa associação de raiz comunista... Eu, pra mim, sou democrata, e a democracia se constrói com muitos partidos, a direita, a esquerda... Em Portugal há quatro. Há o OS, centro-esquerda, há o PSD, centro-direita, há o CDS, extrema direita, e o PC, partido comunista, extrema esquerda. E esse Centro Cultural 25 de Abril é uma associação aqui no Brasil feita pelos comunistas. E havia um cônsul, hoje embaixador, meu amigo, eles tinham aqui uma sala alugada na Rua Avanhandava. Ele ia lá no aniversário e me pedia pra eu ir junto com ele. “Você está dando trela pros comunistas, que porra é essa?”, eu brincava. Eu ia sempre junto com ele. Tinha o Álvaro Cunhal, que era sempre um grande político lá de Portugal... O presidente deles pediu-me aqui o salão, eu lhes dei o salão. Veio o pessoal da USP, portavam-se muito bem. E eles vão festejar este ano, já vieram pedir a relação de nossos conselheiros para os convidar, pediram se eu ia. Vou. Querem que eu fique lá na mesa, fico. Eles vão festejar na Câmara Municipal. Então como eles sempre festejaram, nós não festejamos, esse é o evento deles.330
328
RAÍZES LUSÍADAS. São Paulo, Ano 9, nº. 41, maio/junho 1992, p.23. 329
Menciona-se aqui como argumento o já supracitado decreto-lei nº 39-A/78, que prevê que o dia 25 de abril deve ser comemorado nas comunidades de todo o país, ou seja, nas comunidades locais. Considerando que a Casa de Portugal se trata de um representante do país em solo paulistano, não contrariaria o referido decreto. Se levado em conta então que a Casa seguiu por muitos anos a lógica estadista de Salazar, seria mais difícil ainda crer que exaltasse um dia que acabou justamente com o seu idealizador. As datas de 25 de abril comemoradas na Casa de Portugal estão dispostas no Apêndice A. 330
Depoimento de Antonio dos Ramos, em entrevista concedida ao autor em 03 de abril de 2013, na Casa de Portugal.
128
O depoente considera que a comemoração da data 25 de abril seria mais
apropriada à associação homônima, segundo ele, composta por comunistas, que,
contudo, são bem recebidos na Casa de Portugal, havendo um bom relacionamento
entre as associações. No entanto, uma vez que se declara democrata, em sua
opinião o evento seria mais adequado à outra associação.
Já Paulo Machado331 afirmou que a comemoração do dia 22 de abril não
seria propícia à Casa de Portugal, embora apoiasse o evento, assim como muitos
outros realizados por outras associações.
O dia 22 de abril é uma data que é organizada, comemorada pelo Conselho da Comunidade Luso-Brasileira, porque, além de ser o Dia do Descobrimento, é também o dia da Comunidade Luso-Brasileira.332
Ainda sobre os eventos de 22 de abril na Casa de Portugal, cabe destacar a
apresentação de dois pianistas portugueses333, recitais de música334, apresentação
de uma pianista luso-brasileira com homenagem a político português335 e até uma
331
Descendente de portugueses, brasileiro nato de 48 anos, frequenta com os pais a Casa de Portugal desde criança. Advogado, publicitário e membro da diretoria da associação. O Sr. Paulo Machado, além de ex-vice-presidente da Casa de Portugal, foi durante muitos anos, no Brasil, dirigente da Turismo de Portugal, órgão público ligado ao Ministério da Economia em Portugal, cuja missão é a promoção, sustentabilidade e valorização da atividade turística portuguesa. Possui um protocolo celebrado com a AICEP para incentivar os negócios turísticos. No entanto, a Turismo de Portugal mantém representantes nas dependências dessa agência em países considerados estratégicos: Alemanha (que coordena também estratégias na Suíça, Áustria e República Checa), Brasil, Escandinávia, Espanha, Estados Unidos, Canadá, França, Holanda (que abrange Bélgica e Luxemburgo), Irlanda, Itália, Polônia, Rússia e Reino Unido. 332
Depoimento de Paulo Machado, em entrevista concedida ao autor em 02 de abril de 2013, nas dependências do Consulado de Portugal, em São Paulo, na AICEP (Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal). 333
Apresentaram-se dois pianistas portugueses: Álvaro Teixeira Lopes, nascido no Porto, e Fausto Alves, natural da cidade de Espinho. RAÍZES LUSÍADAS. São Paulo, Ano 9, nº. 41, maio/junho 1992, p.23. 334
A reportagem de 1996 destacou a realização de dois recitais de música, um no dia 21 de abril e outro em 22 de abril, ambos com a participação de membros do Departamento de Música da ECA/ USP. Ressaltou ainda a presença de personagens ilustres na comunidade luso-brasileira, mas sem mencionar data comemorativa. RAÍZES LUSÍADAS. São Paulo, Ano 13, nº. 66, julho/agosto 1996, p.19. 335
A reportagem de 1997 é uma das que trouxeram no título alusão ao Dia da Comunidade. Seu conteúdo não cita nenhuma data comemorativa e relata a apresentação da pianista Marina Brandão, brasileira cujo repertório se baseia em composições de músicos brasileiros e portugueses. RAÍZES LUSÍADAS. São Paulo, Ano 14, nº. 72, julho/ago. 1997, p.5.
129
orquestra sinfônica336, bem como a homenagem durante um jantar a Dr. Marcelo
Rebelo de Sousa337. Sobre o homenageado em questão, sua escolha revela que a
Casa de Portugal possui igualmente uma orientação política de centro-direita, a
mesma designada pelo partido PSD (Partido Social Democrata) de Portugal e
autodeclarada por Antonio dos Ramos, embora diversos membros da Casa a
caracterizem como instituição apolítica.
A revista Raízes Lusíadas338 escolheu para o título da reportagem “Conselho
da Comunidade Luso-Brasileira no Estado promove solenidade”339 e publicou em
seu conteúdo a ocorrência do show de Ivan Lins com Paulo de Carvalho340. Já a
revista Naus‟s intitulou sua matéria sobre o mesmo evento de “A Festa do Brasil e
Portugal”341. A análise de seu conteúdo indica as intenções associadas às
comemorações, referindo-se ao Dia da Comunidade Luso-Brasileira, portanto, ao 10
de junho. Mencionou também como data comemorativa o dia 22 de abril, bem como
os 499 anos do Descobrimento do Brasil, informando sobre a realização do show de
Ivan Lins com Paulo de Carvalho.
A capa da revista estampava imagem do evento e trazia a inscrição “Brasil e
Portugal comemoram”, denotando o sentido de união entre os países, mas também
a junção de duas datas, 22 de abril e 10 de junho, em um mesmo evento: a alusão
ao descobrimento do Brasil como uma comemoração simultânea ao Dia da
Comunidade para portugueses em território brasileiro.
336
Em 1998, a reportagem da revista Naus‟s noticiou que, em 22 de abril, ocorrera uma sessão solene, seguida de apresentação da Orquestra da Câmara Filarmônica de São Paulo, com regência do maestro Keniichi Yamakawa. NAUS‟S. São Paulo, nº. 32, maio 1998, p.8. 337
Professor catedrático na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, político português que desde 1974 integrou o PSD (Partido Social Democrata), de orientação centro-direita. 338
RAÍZES LUSÍADAS. São Paulo, Ano 16, nº. 84, julho/ago. 1999. 339
Destaca-se que a documentação de 1999 consta em dois arquivos distintos que se referem a um mesmo evento. Ambos trazem diferentes elementos nos próprios títulos, indicando distintas formas de abordagem. 340
Manuel Paulo de Carvalho Costa é cantor, músico e compositor português, nascido em 15 de maio de 1947, em Lisboa. 341
NAUS‟S. São Paulo, nº. 43, abril 1999, p.13.
130
Imagem 17 - Festa do Brasil e Portugal.342
Mostrava, assim, convergência num contexto de aproximação entre Portugal
e Brasil, relação de fato pretendida no campo econômico-social por Portugal ao final
da década de 1990.
O historiador Luis Felipe Alencastro corretamente aponta para a necessidade de se analisar essas novas travessias no contexto do renascimento da geopolítica ibérica (Alencastro, 1999:21). O ICEP - Investimentos, Comércio e Turismo de Portugal (ligado ao Ministério da Economia) e o Instituto Camões (ligado ao Ministério dos Negócios Estrangeiros) tem desempenhado papéis chaves nos esforços dirigidos a realçar a modernidade de Portugal. Enquanto o Estado Novo criou na década de 1950 uma Comunidade Econômica Portuguesa para confrontar a então emergente Comunidade Econômica
342
NAUS‟S. São Paulo, Ano 4, nº. 43, abril de 1999.
131
Européia (Valentim, 1998) presentemente o Estado pós-colonial português, posicionado na União Européia, volta-se novamente aos antigos espaços coloniais e, especialmente, ao Brasil. Dessa localização, autoridades governamentais lusas estão investindo cada vez mais na lusofonia (e, portanto, no Atlantismo) e na promoção da cultura e língua portuguesa. Através da ação conjunta dos Ministérios de Cultura, de Economia e de Negócios Estrangeiros, o governo português está crescentemente investindo em novas tecnologias. Como corolário, está a se construir “uma sólida indústria de conteúdos” que relaciona a divulgação do patrimônio cultural português com as atuais políticas de expansão de mercados, turismo e investimentos. Nesse cenário, tornou-se relevante para o Estado português e empreendedores lusos acionar as similaridades da língua e cultura entre Brasil e Portugal e, por extensão, também com os demais países de expressão oficial portuguesa, em torno da consolidação de um bloco supranacional lusófono, agora sob a liderança de Portugal.343
O texto menciona que Portugal se aproxima do Brasil na segunda metade da
década de 90 como um parceiro estratégico buscando recuperar seu prestígio no
período “pós-colonial”, sob o pretexto de aproximar as nações lusófonas, lançando
mão para tal estratégia da presença justamente do Turismo de Portugal e do
Instituto Camões, divulgando a modernidade do país344 como resultado de seu
ingresso na União Europeia. Mais do que isso, afirma que Portugal se posiciona
como mediador entre a Europa e suas ex-colônias.
Mais uma vez, Ivan Lins se apresenta com outro cantor português em um
evento da Casa de Portugal, refletindo a aproximação pretendida por Portugal nos
campos econômico e social, conforme expresso claramente na imagem 17. Ao
mencionar os 499 anos do Descobrimento do Brasil345, subliminarmente a
publicação já prenunciava as celebrações do Quinto Centenário. A manchete
também produzia outro sentido: o de que a data inspiraria comemorações aos
343
FELDMAN-BIANCO, Bela. Brasileiros em Portugal, Portugueses no Brasil: construções do “Mesmo” e do “Outro”. Texto apresentado no Seminário Temático “Migrações Internacionais, Estado-Nação e Cidadania”, XXVIII Encontro Anual da ANPOCS. Caxambu - MG, 26 a 30 de outubro de 2004, p.31-32. 344
Os esforços da Casa de Portugal para divulgar essa imagem modernizadora por meio dos eventos são mais bem explorados no próximo item deste capítulo. 345
NAUS‟S. São Paulo, nº. 43, abril 1999, p.13.
132
brasileiros e ao Brasil por ser o marco fundador da nação. Trata-se, portanto, de
uma “visão oficial”346, não compartilhada com a crítica historiográfica.
Para Portugal, o momento histórico das grandes navegações tornou-se um
“símbolo mitológico”, visto que foi um período de protagonismo político na Europa
sem precedentes, cujas realizações culminaram na descoberta de novos territórios,
que foram alvo de disputas por outras nações. Esse mito foi eleito como marco
fundador na obra “Os Lusíadas”, de Luís de Camões, também considerada como
marco fundador da língua portuguesa. O próprio autor passou a ser considerado um
símbolo do nacionalismo português, possuindo data comemorativa em sua memória.
Ainda sobre a acepção crítica da utilização do termo descobrimento, já
consagrado na historiografia e incorporado coletivamente, cumpre notar que
apareceu também na comissão instituída em Portugal por ocasião dos preparativos
para a comemoração do quinto centenário do descobrimento do Brasil, denominada
Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses
(CNCDP).
[...] Em novembro de 1986, foi instalada a Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses (CNCDP), que desde o início de seus trabalhos se caracterizou pelo espírito crítico, ao reconhecer que a própria palavra “descobrimento comporta um evidente enviesamento do eurocentrismo”.347
O mesmo não se pode afirmar sobre a comissão correlata criada no Brasil
para a mesma ocasião, porém com cerca de dez anos de atraso em relação à
portuguesa – somente em 16 de junho de 1997 começaram os trabalhos no Brasil
para as comemorações. Ao contrário da comissão de Portugal, manteve em suas
diretrizes a utilização da palavra “descobrimento”, apesar das reservas relativas à
sua acepção. A comissão brasileira não viu problema no emprego do termo.
346
Ver: ARRUDA, José Jobson de Andrade. O trágico 5º centenário do descobrimento do Brasil: comemorar, celebrar, refletir. Bauru, SP: EDUSC, 1999. 347
MATOS, Maria Izilda Santos de. Comemorar, Celebrar, Refletir? Projeto História. São Paulo, nº. 20, abril 2000, p.329.
133
[...] A questão do “descobrimento”, onde se reconhece o possível corolário eurocêntrico que a expressão encerra, mas insiste que a “mera troca de nomes” não desmontará os mitos construídos, que preservar o termo descobrimento não significa aceitar o eurocentrismo e que a Comissão poderá apoiar projetos “que procurem ampliar o conhecimento daquela realidade e que poderão levar à própria superação do conceito do descobrimento”.348
Voltando ao caráter da CNCDP, Portugal buscou se despir definitivamente
da roupagem colonialista. Deixando de lado a exploração colonial realizada durante
muitos séculos, assumiu uma postura diante das ex-colônias de país parceiro e
interlocutor na União Europeia. Da existência dessa comissão, cujos mentores e sua
convivência intelectual levaram ao surgimento de muitos projetos, nasceu um plano
intitulado “Exposição Mundial de Lisboa de 1998”, com temática voltada para os
Oceanos.
O plano estratégico das comemorações parte, assim, de uma lista de efemérides que se desenvolvem entre 1991 e o ano 2000, propondo, para a data de 1998, três grandes projectos: a criação do Instituto de Estudos Atlânticos, Africanos e Orientais, a realização em Portugal da fase final do Campeonato Mundial de Futebol de 1998 e a construção em Lisboa de uma Exposição Internacional, reconhecida pelo Bureau International des Expositions.349
A ideia de preparar um evento do porte da Exposição Mundial se baseou
num projeto social, econômico e cultural maior com o objetivo de dar visibilidade a
Lisboa como cidade cosmopolita, moderna e capaz de abrigar um megaevento e, ao
mesmo tempo, se transformar urbanisticamente, inserindo-se no contexto de “cidade
global”. A Exposição Mundial de 1998 em Lisboa possuiu, portanto, um caráter
estratégico: deveria dar visibilidade ao local no cenário global. Possuiu um caráter
348
ARRUDA, José Jobson de Andrade. O trágico 5º centenário do descobrimento do Brasil: comemorar, celebrar, refletir. Bauru, SP: EDUSC, 1999, p.31. Cabe ressaltar que o “Descobrimento” não é um conceito em si, apenas um substantivo dado a um momento histórico imbuído da visão colonizadora. 349
PORTUGAL. Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses. Plano a médio prazo propõe etapas para as Comemorações. Oceanos. Lisboa, nº. 3, março 1990, p.6.
134
cultural e também urbanístico, já que caberia a ela transformar uma região
degradada da cidade em espaço permanente de lazer e cultura para a população.
A carta do Governo português, dando seguimento a um projecto apresentado pela Comissão Nacional para as Comemorações dos descobrimentos Portugueses, evoca o quinto centenário da viagem de Vasco da Gama como efeméride histórica que a EXPO98 se propõe comemorar. Por outro lado, sustenta que o diálogo entre o ocidente e o oriente, que se aprofundou nas últimas três décadas, serás chamado a desempenhar papel predominante no próximo século. [...] [...] A EXPO98 será, no entender do executivo da Comissão, um veículo privilegiado de divulgação a nível mundial do papel preponderante dos navegadores portugueses na abertura do diálogo entre a Europa e o Oriente. Mas não só: os responsáveis portugueses entendem que, pela sua dimensão, um empreendimento como a EXPO98 servirá também como desafio às capacidades de iniciativa, organização e gestão de Portugal, à beira do século XXI. As exposições internacionais constituem autênticos meios de divulgação cultural, tecnológica e artística à escala mundial, sendo por isso, fundamentalmente, obras de informação e educação. Simultaneamente, estas manifestações culturais são verdadeiras “operações de propaganda nacional”, devendo ser preparadas com grande rigor e coerência, dado que desde que é anunciada, a montagem de uma exposição é atentamente seguida pelo público: “um vasto esforço nacional, como é uma exposição, realizada para o público, e sob os seus olhos, sob o seu controlo permanente, deve ser impecável, do princípio ao fim de sua realização” (J. L. Breton).350
Foi buscando apagar a marca colonialista e de olho no futuro que a CNCDP
assumiu e, sutilmente, revalorizou o caráter desbravador do povo português,
conforme a historiografia oficial do Estado Novo tanto ressaltara.
[...] Revaloriza, nas entrelinhas, sem assumir explicitamente, a idéia de fomento, tão cara à historiografia do Estado Novo, pois o exercício do novo papel pressupõe enfatizar um certo paternalismo, que teria levado as colônias a se transformarem em nações independentes, aproximando o universalismo dos descobrimentos com o mundo da Globalização. Neste
350
PORTUGAL. Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses. Plano a médio prazo propõe etapas para as Comemorações. Oceanos. Lisboa, nº. 3, março 1990, p.31.
135
contexto, mais uma vez, torna-se indispensável nublar as rupturas traumáticas, muito especialmente as guerras coloniais tão recentes, aplicando nas feridas abertas o lenitivo das promessas inscritas no futuro, muito especialmente, no fortalecimento da comunidade que fala português, dispersa por cinco continentes, comunidade pensada como solidária, mas necessariamente diversa, com diferentes sensibilidades perante a história, mas que, através da Lusofonia351, poderá criar um futuro comum. Mais uma vez, foi necessário reforçar as apostas no presente, exorcizando os fantasmas do passado que continuam a rondar a mãe-pátria.352
Isso explica a escolha do tema Oceanos para a Exposição Mundial de 1998
e símbolo das comemorações, visto que sua dimensão ecológica revela uma aura
moderna e globalizada, mas sem deixar de lado o passado histórico das grandes
navegações, presente nas novas formas de se relacionar com suas ex-colônias.
Por sua vez, a Comissão Nacional do V Centenário do Descobrimento do
Brasil, criada para os preparativos das comemorações, não deixou de utilizar o
termo descobrimento, como ressaltado anteriormente, além de caracterizar a nação
“pela pluralidade étnica e pela diversidade cultural”, propondo ainda a reflexão sobre
a trajetória da nação no decurso dos 500 anos e as realizações do povo brasileiro.
[...] Presentes estão, nesta elaboração intelectual, os fundamentos ontológicos lastreados na mestiçagem solidária de Gilberto Freyre, na sexualidade extremada de Paulo Prado, na heroicidade sem caráter de Mário de Andrade, na malandragem tática de Roberto da Matta, na perene cordialidade de Sérgio Buarque de Holanda [...].353
Sobre as diferenças verificadas no cotidiano brasileiro, de maneira muitas
vezes ostensiva foram questionados os motivos das comemorações.
351
Termo utilizado para designar um conjunto de países, estados ou cidades cuja identidade é pautada principalmente pelo uso cotidiano da Língua Portuguesa, como Portugal, Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Macau, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste. Esses mesmos países lusófonos (exceto Macau) integram uma organização internacional denominada Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). Fundada em 1996, visa estimular a amizade e cooperação mútua entre seus membros. 352
ARRUDA, José Jobson de Andrade. O trágico 5º centenário do descobrimento do Brasil: comemorar, celebrar, refletir. Bauru, SP: EDUSC, 1999, p.28-29. 353
Ibidem, p.33-34.
136
Por conservar as marcas da sociedade colonial escravista, a sociedade brasileira é marcada pelas seguintes características: 1 – estruturada segundo o modelo do núcleo familiar senhorial, disso decorre, de um lado, a recusa tácita (e, às vezes explícita) para fazer operar o mero princípio liberal da igualdade formal e, de outro, a dificuldade para lutar pelo princípio socialista da igualdade real: as divisões sociais são naturalizadas em desigualdades postas como inferioridade natural [...]. Essa naturalização, que esvazia a gênese histórica da desigualdade e da diferença, permite a naturalização de todas as formas visíveis e invisíveis de violência, pois estas não são percebidas como tais; 2 – a indistinção entre o público e o privado não é uma falha ou um atraso que atrapalham o progresso, mas é, antes, a forma mesma de realização da sociedade e da política: não apenas os governantes e parlamentares se transformam em “donos do poder”, mantendo com os cidadãos relações pessoais de favor, clientela e tutela e praticam a corrupção sobre os fundos públicos [...]; 3 – por estar determinada, em sua gênese histórica, pela “cultura senhorial”, nossa sociedade tem o fascínio pelos signos de prestígio e de poder, como se depreende do uso de títulos honoríficos, sem qualquer relação com a possível pertinência de sua atribuição (o caso mais corrente sendo o uso de “doutor” quando, na relação social, o outro se sente ou é visto como superior e “doutor” é o substituto imaginário para antigos títulos de nobreza) ou da manutenção de criadagem doméstica cujo número indica aumento (ou diminuição) de prestígio e de status [...].354
A crítica intelectual tecida por ocasião da composição da Comissão Nacional
do V Centenário do Descobrimento do Brasil centrou-se na exclusão dos estudiosos
do tema, diferentemente do ocorrido na comissão portuguesa. O fato é que as
comemorações brasileiras se deram de várias formas, mas suas principais ações em
Santa Cruz Cabrália - BA, local onde aportou a esquadra de Pedro Álvares Cabral,
foram a criação de um parque histórico, com a construção de um monumento,
instalações para o comércio de artesanato indígena355 e a preparação de uma
infraestrutura para receber visitantes.
354
CHAUÍ, Marilena. Uma Sociedade Autoritária e Violenta. Projeto História. São Paulo, nº. 20, abril 2000. 355
A crítica ao redor desse projeto se centrou no fato de o evento ter sido organizado pensando mais na infraestrutura turística deixada enquanto legado para a região de Porto Seguro - BA do que na elucidação dos atos históricos. Os índios que viviam e ainda vivem na região foram trazidos de outras localidades do país, como forma de compensação ambiental, e inseridos num contexto teatralizado. Criou-se um museu e uma área para a venda de artesanatos aos turistas, o que trazia a sensação de que os habitantes da terra foram respeitados e incluídos no processo dos 500 anos de existência da nação.
137
Cabe destacar a atuação da Casa de Portugal de São Paulo nas
comemorações do V Centenário do Descobrimento do Brasil. A revista Naus‟s
focalizou as festividades em duas reportagens: uma sobre um evento ocorrido em
fevereiro de 2000 e outra acerca de festival realizado em março do mesmo ano,
incluindo a apresentação da cantora Né Ladeiras356 na Casa de Portugal357 e uma
exposição, intitulada “Casa de Portugal abre mostra Brasil 500”358, que reunia trajes
do século XVI e réplicas de porcelanas quinhentistas. A abertura da exposição
contou com a participação de figurantes da Companhia de Teatro Cenas e Letras,
de São Paulo, que se caracterizaram com os trajes359.
Observa-se que a exposição de trajes, promovida pelo Instituto Camões360,
órgão responsável pela divulgação da cultura oficial portuguesa pelo mundo,
carregava uma visão oficial e colonialista. Aliás, pouco foi realizado na Casa de
Portugal que aludisse à visão crítica da CNCDP. Ao contrário, a apresentação da
cantora Né Ladeiras perseguia a mesma imagem de um Portugal moderno, mais
cara à associação, concatenando-se assim com a visão mais conservadora da
CNCDP361. Como sempre, a Casa de Portugal em São Paulo mostra posição
alinhada com as diretrizes de Portugal, visto que se destina a representar o país em
território paulistano.
A respeito da atuação da Casa de Portugal na comemoração dos 500 anos,
Maria dos Anjos declara que não foram realizados esforços extras na ocasião.
356
Batizada Maria de Nazaré de Azevedo Sobral Ladeiras, nasceu em 10 de agosto de 1959, no Porto. Encontra-se em atividade artística desde 1974, quando compôs o grupo musical Brigada Victor Jara, que também se apresentou na Casa de Portugal em momento em que a cantora já estava estabelecida em sua carreira solo, no aniversário da Casa de Portugal em 1999 e na Ceia de Natal em 2001. RAÍZES LUSÍADAS. São Paulo, Ano 16, nº. 87, jan./fev. 2000, p.7. NAUS‟S. São Paulo, nº. 74, dez. 2001, p.16. 357
NAUS‟S. São Paulo, nº. 53, fevereiro 2000, p.9. 358
NAUS‟S. São Paulo, nº. 54, março 2000, p.9. 359
As indumentárias expostas são do Museu Nacional do Traje de Lisboa. A exposição durou de 16 de março a 22 de abril de 2000. 360
Instituto criado para a promoção da Língua Portuguesa, bem como da cultura portuguesa, no exterior. É uma empresa pública, ligada ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, criada para assegurar o planejamento, coordenação e execução da política cultural externa. Os centros culturais do Instituto Camões estão presentes em diversos países, principalmente nos que possuem como idioma oficial o português e são dotados de independência administrativa. 361
“Um Portugal que se quer desenvolvido, democrático e europeu, transparece no esforço em transmitir modernidade, de valorizar a dimensão científica dos descobrimentos, „a precursora aplicação de critérios de racionalização e de gestão planificada‟, que se traduziu na preparação meticulosa, na execução racional, na ação estratégica que revaloriza o significado de Sagres [...].” ARRUDA, José Jobson de Andrade. O trágico 5º centenário do descobrimento do Brasil: comemorar, celebrar, refletir. Bauru, SP: EDUSC, 1999, p.29-30.
138
É... poderia ter sido mais, mas acho que se fez alguma coisa, dentro das possibilidades do momento foram feitas algumas coisas, né? Eu mesma participei de um projeto grandioso, fiz um belíssimo catálogo, sempre voltado pras artes plásticas, com 50 artistas e que percorreu o Brasil, muitos locais. Foi uma mostra. Então essas datas realmente são importantes pra gente mostrar um pouco de coisas que às vezes ficam esquecidas, mas de coisas também atuais, mas basicamente cultura, né? A nossa cultura. Foi feito alguma coisa, poderia ter sido feito mais? Poderia sim. A Casa de Portugal se envolveu dentro das suas possibilidades. Mas sempre fica alguma coisa boa e o que não foi.362
Nesse mesmo sentido, nas atas das reuniões dos anos de 1999 e 2000
observa-se como a Casa de Portugal se preparou para as comemorações do
V Centenário do Descobrimento do Brasil. Na ata da reunião da diretoria realizada
em 10 de agosto de 1999, destacou-se uma atribuição diferenciada de funções entre
os diversos diretores, por conta da previsão de aumento do número de solicitações à
Casa363, seja para prestigiar eventos de outras entidades, para abrigar eventos em
suas dependências ou até mesmo a maior demanda pelo Grupo Folclórico da Casa
de Portugal em razão das comemorações ligadas aos 500 anos do Brasil.
Chamou a atenção o fato de constar em ata a menção a uma restauração
realizada na estátua de Pedro Álvares Cabral364, nas proximidades do Parque do
Ibirapuera, em São Paulo, financiada pelo presidente do Grupo Pão de Açúcar, Sr.
Valentim dos Santos Diniz, visto que tradicionalmente é feita uma solenidade em
frente ao monumento promovida principalmente pelo Conselho da Comunidade
Luso-Brasileira do Estado de São Paulo, em que a Casa de Portugal atua como
362
Depoimento de Maria dos Anjos, em entrevista concedida ao autor em 18 de julho de 2013, em seu ateliê. 363
Tal preocupação pode ser percebida no trecho reproduzido a seguir: “A necessidade de levar a cabo a programação vigente até ao final de 1999 e desde já a elaboração da programação das comemorações dos 500 Anos Brasil, deixa clara a urgência de se criar uma estrutura para coordenar a programação e a realização/ produção dos eventos culturais agendados e a agendar [...].” CASA DE PORTUGAL DE SÃO PAULO. Livro de Actas da Directoria Central. São Paulo, 10/10/1996 a 08/08/2000, p.75 (verso). 364
O monumento foi projetado pelo arquiteto Agostinho Vidal da Rocha, com execução de Luís Morrone (autor de diversos monumentos e estátuas presentes no espaço público da cidade de São Paulo) em bronze, em homenagem ao descobridor Pedro Álvares Cabral. A inauguração do monumento ocorreu no dia 10 de junho de 1988 (tradicional data comemorativa referente ao Dia de Portugal, Camões e das Comunidades Portuguesas) e representou o início das comemorações no Brasil dos “500 Anos do Descobrimento”.
139
convidada. O assunto ganhou maior atenção da Casa justamente pelas
comemorações do V Centenário do Descobrimento do Brasil.
Na declaração do editor do jornal Mundo Lusíada, as comemorações de 22
de abril se iniciaram no Ibirapuera em frente à estátua de Pedro Álvares Cabral, que,
por sua vez, foi inaugurada em 1988, representando o marco inicial das
comemorações dos “500 Anos do Descobrimento”.
Essa é uma data também que começou a ser promovida em São Paulo, no Ibirapuera e acabou virando uma tradição. Como a maioria dos eventos em que você começa a promover e você começa a promover todos os anos, aí não tem como deixar de promover. Esse dia 22 de abril é o dia que no Ibirapuera alguma personalidade ou da economia ou da política ou da área artística, alguém do Brasil vai estar com os portugueses no Ibirapuera pra participar do evento, que é do descobrimento. Então esse dia do descobrimento passou a ser um evento tradicionalmente importante do mês lá, tanto que tem representantes da Assembleia Legislativa de São Paulo, da Câmara Municipal de São Paulo que participam já desse evento.365
Nota-se que o 22 de abril enquanto data comemorativa trata-se de uma
tradição inventada, surgida a partir da edificação da estátua de Pedro Álvares
Cabral, situada entre o Parque do Ibirapuera e a Assembleia Legislativa do Estado
de São Paulo, no intuito de inaugurar as comemorações do V Centenário do
Descobrimento do Brasil, se repetindo anualmente desde então.
Por “tradição inventada” entende-se um conjunto de práticas, normalmente reguladas por regras tácita ou abertamente aceitas; tais práticas, de natureza ritual ou simbólica, visam inculcar certos valores e normas de comportamento através da repetição, o que implica automaticamente, uma continuidade em relação ao passado. Aliás, sempre que possível, tenta-se estabelecer continuidade com um passado histórico apropriado. [...] Contudo, na medida em que há referência a um
365
Depoimento de Odair Sene, em entrevista concedida ao autor em 23 de novembro de 2012, na redação do jornal Mundo Lusíada, em São Bernardo do Campo - SP. Odair Sene é jornalista e publicitário, editor do jornal Mundo Lusíada, voltado para as comunidades lusas e descendentes, publicado desde 1999.
140
passado histórico, as tradições “inventadas” caracterizam-se por estabelecer com ele uma continuidade bastante artificial.366
As comemorações do dia 22 de abril realizadas pelo Conselho da
Comunidade Luso-Brasileira do Estado de São Paulo podem ser identificadas como
“tradição inventada”, enquanto manifestações que expressam uma continuidade em
relação ao passado. Tal tradição foi aceita pelo fato de ser de conhecimento comum
a data de descoberta do país e instituir práticas inexistentes até a edificação da
estátua de Pedro Álvares Cabral – que só foi erguida como parte das
comemorações dos 500 anos do descobrimento do Brasil. Entre elas a homenagem
anual a uma figura de destaque na comunidade luso-brasileira na Assembleia
Legislativa, discursos em frente à estátua e a presença do Grupo Folclórico da Casa
de Portugal.
Levando em conta que “as tradições inventadas são reações a situações
novas que ou assumem a forma de referência a situações anteriores, ou
estabelecem seu próprio passado através da repetição quase que obrigatória”367,
cabe notar que a depoente Eliane Junqueira classifica o evento como tradição
importante do mês de abril:
Um monte de coisa: o dia do descobrimento, o dia da Comunidade. É mais uma homenagem que os portugueses prestam ao Brasil. Então vão lá na capa de Cabral, fazem aquele auê todo, danças típicas, pra relembrar que a Comunidade continua no Brasil, pra agradecer tudo que o Brasil fez pela Comunidade, por recebê-los de braços abertos, enfim... 368
366
HOBSBAWN, Eric. “Introdução: A Invenção das Tradições”. In: HOBSBAWN, Eric; RANGER, Terence (Orgs.). A Invenção das Tradições. São Paulo: Paz e Terra, 2008. 367
Ibidem. 368
Depoimento de Eliane Junqueira, em entrevista concedida ao autor em 05 de outubro de 2012, na biblioteca da Casa de Portugal. Eliane Junqueira é bibliotecária na Casa de Portugal desde o início da década de 90. Brasileira, possui ancestralidade portuguesa. Conforme seu depoimento, a família entrou no Brasil no século XIX.
141
Vale destacar que esse evento também foi mencionado em atas de
reuniões, visto que fazia parte da comemoração dos 500 anos do Brasil e
demandava apresentação do Grupo Folclórico da Casa de Portugal. Essa menção
se verifica na ata da reunião da diretoria do dia 18 de abril de 2000, quando foi
repassada a programação que seria realizada junto ao monumento, no dia 22 de
abril, como parte das comemorações do V Centenário do Descobrimento do Brasil,
denotando assim maior atenção com esse evento em virtude das festividades do
referido centenário.
As origens das datas comemorativas da Casa de Portugal em São Paulo
estão ligadas a datas comemorativas eleitas em Portugal, como o dia 10 de junho e
ocasião do V Centenário do Descobrimento do Brasil. Essas eleições têm sentido
político, haja vista que a associação segue as diretrizes culturais do governo
português. E sendo uma associação de imigrantes portugueses no Brasil, está assim
explicada a disposição de representar o país de origem.
Fez-se notório o fato de o dia 22 de abril também não ser comemorado na
Casa, assim como em Portugal, de forma que só começou a aparecer em solo
paulistano a partir da criação da CNCDP e das comemorações dos 500 anos de
descobrimento do Brasil. Ainda assim, a associação que passou a comemorar a
data do descobrimento foi o Conselho da Comunidade Luso-Brasileira do Estado de
São Paulo como tradição inventada, por ser de origem portuguesa, mas com foco na
luso-brasilidade. A única participação da Casa de Portugal nesse evento é com
relação à presença do Grupo Folclórico.
Credita-se também a comemoração dos 500 anos do descobrimento do
Brasil na Casa de Portugal à existência da CNCDP, ou seja, o fato de haver um
estímulo oficial português à comemoração do descobrimento teria incentivado
igualmente a Casa de Portugal a integrar-se nela. No entanto, notou-se que o dia 25
de abril, mesmo sendo uma data comemorativa oficial portuguesa, não foi tão
enfatizado na Casa de Portugal, o que se atribui a posições políticas pessoais do
presidente Antonio dos Ramos e da direção, conforme se verifica no item a seguir.
142
2.2 PROGRAMAÇÃO CULTURAL: AÇÕES E INFLUÊNCIAS
A partir da percepção da existência de uma política cultural personificada
pelos diretores da Casa, que, mesmo que afastados do governo português, foram
influenciados por órgãos ligados a ele, discute-se a interferência recebida de
diversos meios: a entidade Turismo de Portugal, no binômio tradição/
modernidade369 como mote para a programação cultural, a distribuição de
homenagens e honrarias concedidas pela Casa, sua relação com partidos políticos
brasileiros e os resquícios deixados pela passagem do Consulado Português e do
Instituto Camões no local.
A política cultural se depara com as ações culturais que, executadas de
maneira organizada, geralmente recebem maior atenção das políticas públicas por
sua visibilidade e expressão de sentidos.
[...] é uma produção elaborada com a intenção explícita de construir determinados sentidos e de alcançar algum tipo de público, através de meios específicos de expressão. Para que essa intenção se realize, ela depende de um conjunto de fatores que propiciem, ao indivíduo, condições de desenvolvimento e de aperfeiçoamento de seus talentos, da mesma forma que depende de canais que lhe permitam expressá-los. Em outras palavras, a dimensão sociológica da cultura refere-se a um conjunto diversificado de demandas profissionais, institucionais, políticas e econômicas, tendo, portanto, visibilidade em si própria. Ela compõe um universo que gere (ou interfere em) um circuito organizacional, cuja complexidade faz dela, geralmente, o foco de atenção das políticas culturais [...].370
369
Essa dualidade se relaciona com a construção identitária dos eventos que ocorrem na Casa, refletindo-se na programação cultural, que procura atingir dois tipos diferentes de público: uma geração mais antiga, proveniente do meio rural de Portugal e que busca exercitar a memória por meio dos eventos ligados à terra (Vindima, Magusto, Desfolhada do Milho, Festa da Cereja etc.), representando a tradição – eventos esses que serão mais bem explicitados no próximo capítulo da tese –; e uma nova geração de músicos portugueses que aderiram à modernização do fado enquanto inserção em uma sociedade europeia e moderna, tendo conquistado um público renovado. 370
BOTELHO, Isaura. As Dimensões da Cultura e o Lugar das Políticas Públicas. São Paulo em Perspectiva. São Paulo, vol. 15, nº. 2, abril-junho 2001. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo. php?pid=S0102-88392001000200011&script=sci_arttext&tlng=es>. Acesso em: 10/04/2014.
143
Embora essa concepção de política cultural se baseie em ações estratégicas
presentes em políticas públicas culturais, suas considerações se aproximam dos
propósitos da programação cultural da Casa de Portugal, visto que esta “é uma
produção elaborada com a intenção explícita de construir determinados sentidos e
de alcançar algum tipo de público, através de meios específicos de expressão”371,
conforme supracitado.
Boa parte da programação foi definida por Antonio dos Ramos, que,
enquanto presidente, se responsabilizou pelas ações da associação. No entanto,
mais pessoas trabalharam para que a grade se efetivasse.
Olha, hoje ainda será a primeira reunião da minha nova gestão, vai ser hoje, temos a programação pronta aí, agora por exemplo este 27 de abril, eu programo todos os meses, este 27 de abril vai ter aqui uma tarde de folclore internacional, o Grupo da Casa, que é o melhor do Brasil, mais um português que vai ser selecionado, um espanhol de Santos e outro não sei se vai ser russo ou alemão, não sei qual que vai ser o grupo. Então um espetáculo muito bonito porque é variado. Depois, dia 10 de junho é o Dia de Portugal, Dia de Portugal, Camões e Comunidade Portuguesa. Como cai numa segunda-feira, vamos festejá-lo aqui no dia 07, vai vir um dos maiores cantores portugueses de sempre, Rui Veloso. São 12 pessoas no palco. Ou ele ou Carminho, que é uma revelação fantástica. Depois, mês de julho, dia 13 é aniversário da Casa. Daí vem outro, ainda vou ver quem é que vem depois. Depois em agosto tem o aniversário do Grupo. Não, em agosto tem outra coisa... Não estou decorando agora. Depois temos aqui em setembro o Carlos do Carmo, que é o maior cantor português de todos os tempos. Depois, em outubro vem outro, outro artista português, ainda está pra definir. Depois em novembro tem o aniversário do Grupo, depois tem a Ceia de Natal no fim do ano. Agora depois desse calendário que a gente faz assim, vão entrando muitas coisas. Isso é o básico, mas depois vão entrando coisas na Galeria de Artes, exposições na biblioteca, shows e pequenos concertos, recitais de piano, vão entrando coisas no meio.372
371
BOTELHO, Isaura. As Dimensões da Cultura e o Lugar das Políticas Públicas. São Paulo em Perspectiva. São Paulo, vol. 15, nº. 2, abril-junho 2001. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo. php?pid=S0102-88392001000200011&script=sci_arttext&tlng=es>. Acesso em: 10/04/2014. 372
Depoimento de Antonio dos Ramos, em entrevista concedida ao autor em 03 de abril de 2013, na Casa de Portugal.
144
Quanto à intenção explícita de alcançar algum tipo de público, observa-se a
importância dada pelo depoente à presença de pessoas ilustres entre os
frequentadores dos eventos da Casa de Portugal. O termo utilizado foi “plateia de
top”, provavelmente uma elite.
Eu passei aqui durante 12 anos... Top! Tive de frequência aqui no salão o que havia de melhor em São Paulo. Se eu não tiver aqui um evento muito bom, eu não trago os meus amigos, não recomendo. Se não tiver evento muito bom, não convido o Cônsul. Eu não vou dar porcaria pras pessoas, prefiro não fazer. Nós tínhamos aqui plateia de top, depois entraram os outros, metade de nossa plateia aqui era brasileira, mas também top [...] [...] Quero aqui até o gato. Quero aqui tudo quanto é pessoas dignas. Vou colocar hoje aqui as metas. Está lá eventos adequados pra atraírem luso-descendentes e outros jovens brasileiros, os portugueses que acabaram de chegar recentemente e outros que vão continuar a chegar.373
Considera pessoas do “topo da sociedade” seus amigos e personalidades
consulares de Portugal em São Paulo e no Brasil, bem como jovens da comunidade
portuguesa e descendentes, brasileiros e até mesmo os novos imigrantes
portugueses com perfil diferenciado374.
Sobre este último grupo de imigrantes, se tornaram inegáveis as diferenças
nas motivações para os deslocamentos, que influem também nas condições de vida
dos emigrados. Outrora o deslocamento era fruto de uma população que fugia das
más condições de vida e falta de perspectivas375. Atualmente, apesar da dificuldade
373
Depoimento de Antonio dos Ramos, em entrevista concedida ao autor em 03 de abril de 2013, na Casa de Portugal. 374
Uma reportagem da revista Sãopaulo compara o número de autorizações de trabalho de estrangeiros no Brasil dos anos de 2008 (ano em que estourou a crise europeia) e 2011. Entre os portugueses, o maior grupo de estrangeiros, as autorizações aumentaram 135%. Entre as ocupações mais comuns desses pedidos encontram-se administradores, músicos, técnicos de planejamento de produção, diretores administrativos e analistas de sistemas. Os portugueses foram também campeões em 2011 no número de regularização de estrangeiros no país – foram 277.779 regularizações, quase um quinto do total de estrangeiros (18,4%) naquele ano, segundo dados do Ministério da Justiça. A maioria em ambos os casos tem como destino o Estado de São Paulo. BONI, Ana Paulo; GENESTRETI, Guilherme. Outros trópicos – portugueses, italianos, espanhóis e gregos contam por que escolheram São Paulo para fugir da crise econômica que aflige a Europa. Sãopaulo. Folha de São Paulo, 18 a 24 de março de 2012, p.24-32. 375
MATOS, Maria Izilda Santos de. Portugueses: Deslocamentos, Experiências e Cotidiano - São Paulo Século XIX e XX. Bauru, SP: Edusc, 2013.
145
econômica enfrentada pelos países europeus, a migração não é de pessoas sem
qualificação, assiste-se a uma migração de mão de obra qualificada. Justamente por
isso que o depoimento de Antonio dos Ramos incluiu esse perfil de imigrante como
desejável para a frequência dos eventos da Casa de Portugal. Nota-se ainda no
depoimento de Antonio dos Ramos a menção à necessidade de criar eventos para
atrair jovens luso-descendentes e até mesmo brasileiros, o que evidencia uma
preocupação com a continuidade associativa.
A política cultural é uma produção elaborada com a intenção de construir
sentidos.376 Estes apresentaram algumas divergências, reforçadas nas entrevistas
realizadas com os diretores, evidenciando ainda mais a personificação no exercício
da política cultural da Casa. No entanto, as discordâncias em relação ao peso da
programação cultural ancoraram-se no binômio tradição versus modernidade.
Paulo Machado justifica a existência desse binômio:
Na Casa de Portugal nós temos essa vertente que é a vertente cultural, mas também não abandonamos a vertente da cultura popular. Ainda esse ano vai se realizar a Vindima, que é um evento que acontece há muito tempo, é um evento popular. Porque nós entendemos que há ainda uma parcela da comunidade portuguesa que está muito ligada às tradições portuguesas e a seus costumes, seus hábitos, das festas regionais que aconteciam e ainda acontecem em Portugal. Então nós tentamos recriar esses eventos na Casa de Portugal ainda nos dias de hoje.377
Segundo ele, a Casa de Portugal e seus eventos mantêm duas vertentes
culturais: uma considerada mais moderna e outra mais tradicional. Observa-se que
os eventos ligados à terra, tais como a Vindima378, são relacionados à cultura
popular e a práticas tradicionais com raízes regionais que ainda ocorrem em
376
BOTELHO, Isaura. As Dimensões da Cultura e o Lugar das Políticas Públicas. São Paulo em Perspectiva. São Paulo, vol. 15, nº. 2, abril-junho 2001. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo. php?pid=S0102-88392001000200011&script=sci_arttext&tlng=es>. Acesso em: 10/04/2014. 377
Depoimento de Paulo Machado, em entrevista concedida ao autor em 02 de abril de 2013, na AICEP. 378
No próximo subitem deste capítulo será observado com mais detalhes o cerimonial desse evento que ocorre na Casa de Portugal.
146
Portugal, mas fazem parte das memórias de muitos portugueses que emigraram
para o Brasil, sobretudo das levas mais antigas.
Nota-se a dualidade entre tradição e modernidade no que se refere aos
eventos ocorridos na associação como representativos da imagem de Portugal.
Em alguns eventos sim, como eu disse, existe duas vertentes. Há eventos mais ligados à área cultural e há alguns eventos mais ligados à cultura popular. Em alguns eventos sim e a ideia da Casa de Portugal é justamente essa, é reforçar a imagem de Portugal como um país moderno, um país atualizado a partir do momento que o brasileiro reconhece que esse é um dos pontos fortes de Portugal. Obviamente sem esquecer que essa pesquisa de satisfação revelou que a hospitalidade, a gastronomia e a tradição, a arquitetura, a história, as ligações culturais entre os dois países são pontos fundamentais pra promoção de Portugal no Brasil. Então nós costumamos trabalhar com o binômio tradição e modernidade, trabalhar com essas duas vertentes para que o que é reconhecido enquanto tradicional na cabeça do consumidor brasileiro não seja desperdiçado, mas que Portugal apareça também como país que tem uma imagem de modernidade.379
Embora reconhecida a existência de eventos que remetem à modernidade e
também à tradição380, a intenção de ressaltar mais a modernidade se justifica como
forma de oposição à imagem de um Portugal arcaico consolidada no Brasil e
preterida pelo governo português.
Esse cenário permaneceu por muito tempo no ideário do emigrado. Os que
tiveram chances de retornar e rever o país, encontraram condições diferentes. Esses
imigrantes ainda hoje fazem parte da associação e gostam de celebrar suas
tradições, o que faz com que a Casa de Portugal mantenha eventos que atendam às
duas vertentes – tradicional e moderna.
Ainda sobre o aspecto da modernidade, no depoimento de Odair Sene
transpareceu a dualidade entre tradição e modernidade:
379
Depoimento de Paulo Machado, em entrevista concedida ao autor em 02 de abril de 2013, na AICEP. 380
HOBSBAWN, Eric. “Introdução: A Invenção das Tradições”. In: HOBSBAWN, Eric; RANGER, Terence (Orgs.). A Invenção das Tradições. São Paulo: Paz e Terra, 2008.
147
Ah, eu acho que é bem misturado o antigo com o novo. Olha, se você for ver, a Casa de Portugal representa o que Portugal é hoje. Porque Portugal hoje, se você vê a parte nova, a parte moderna de Portugal é uma coisa absurda assim que lembra algumas imagens de Estados Unidos e tal, muito bonito. E a parte mais antiga de Portugal, tipo aqueles morros de Mouraria, aquelas coisas, é o novo, é o moderno com o novo. E a Casa de Portugal é bem isso, é uma casa muito antiga e muito moderna. É curioso isso aí.381
Buscando explicitar neutralidade e se “isentar de sentimentalismos”
alegando não possuir laços consanguíneos com o país ou um passado no local, o
depoente revela sua percepção em relação a Portugal e reforça a ideia de “tradição
aliada a modernidade” enquanto imagem do país a ser divulgada na Casa de
Portugal. Sua opinião, pelo fato de conhecer o país e mesmo por atuar
profissionalmente cobrindo e noticiando eventos promovidos na Casa de Portugal e
nas demais associações portuguesas, torna-se um indicativo de que o binômio
tradição e modernidade é transmitido estrategicamente.
A percepção de modernidade salta aos olhos dos turistas brasileiros que
visitam Portugal, tendo sido mencionada em pesquisa realizada pelo órgão estatal
de turismo382, que justifica o afinco de defender essa imagem de modernidade na
Casa de Portugal. Mesmo porque a imagem de tradição já é transmitida por herança
cultural aos descendentes dos emigrados.
A pesquisa a que eu especificamente me referi é uma pesquisa que foi realizada ano passado em Portugal com turistas de todas as nacionalidades em que o nosso interesse era saber quais são nossos pontos fortes e pontos fracos na oferta turística portuguesa, saber qual a percepção de Portugal junto do consumidor de todas as nacionalidades e saber o grau de satisfação. Essa pesquisa nos revelou situações muito interessantes, que é justamente o que nos faz trabalhar o
381
Depoimento de Odair Sene, em entrevista concedida ao autor em 23 de novembro de 2012, na redação do jornal Mundo Lusíada, em São Bernardo do Campo - SP. Odair Sene é brasileiro e se sentiu acolhido pela comunidade portuguesa em São Paulo, mesmo sem ter vínculos consanguíneos com ela. Esteve em Portugal a convite do governo português e um de seus três filhos vive atualmente no país. 382
É possível conferir na íntegra os resultados obtidos com essa pesquisa em: PORTUGAL. Turismo de Portugal. Estudo de Satisfação de Turistas. Lisboa, ago. 2012. Disponível em: <http://www. turismodeportugal.pt/Portugu%C3%AAs/turismodeportugal/publicacoes/Documents/An%C3%A1lise_Satisfa%C3%A7%C3%A3o%20Turistas%202012.pdf>. Acesso em: 28/04/2014.
148
binômio tradição e modernidade. No mercado brasileiro a tradição e modernidade são os dois grandes motores pra induzir a demanda brasileira a visitar Portugal. Depois detectamos também que o brasileiro é o turista mais satisfeito em Portugal, tem um grau de satisfação de 87%. Então 87% dos brasileiros que visitaram estão plenamente satisfeitos com uma nota que, de zero a dez, vai de nove a dez. São turistas que pretendem visitar o país nos próximos 36 meses. Detectamos algo muito importante, que enquanto no resto do mundo a internet é a principal fonte de pesquisa ou a principal fonte de informação pra quem vai visitar Portugal, no caso do Brasil a fonte de pesquisa e o que auxilia ou determina a busca por Portugal como destino turístico é o boca a boca, a opinião de terceiros, os líderes de opinião, os apresentadores de televisão são opiniões extremamente importantes e são decisoras na hora da definição do destino da próxima viagem. Por isso nós continuamos apostando em levar a Portugal com muita incidência nos apresentadores de televisão, jornalistas, enfim, líderes de opinião que possam nos ajudar a passar essa imagem de um novo Portugal.383
O depoimento de Paulo Machado reforça a ideia de que a imagem de
Portugal divulgada nos eventos da Casa de Portugal, em São Paulo, foi articulada
com o órgão Turismo de Portugal384, pois, segundo ele, é necessário que as
pessoas entendam que Portugal é um país que se modernizou. Ainda de acordo
com o mesmo depoimento, a política cultural adotada pelos dirigentes da Casa de
Portugal, focada no binômio tradição e modernidade, com um reforço maior para a
modernidade, explica o papel dos apresentadores de televisão e repórteres
enquanto líderes de opinião capazes de influenciar a construção dessa imagem e
motivar visitas a Portugal, sendo por esse motivo convidados pela Casa para
receber homenagens.385
Não são somente as homenagens são utilizadas como forma de dar
visibilidade à Casa de Portugal, existe todo um trabalho de assessoria de imprensa
que visa não apenas atrair a mídia especializada no público português e luso-
383
Depoimento de Paulo Machado, em entrevista concedida ao autor em 02 de abril de 2013, na AICEP. 384
Embora já se tenha citado Feldman-Bianco no item anterior, relembra-se aqui que a autora chamou a atenção para a veiculação da imagem de Portugal moderno e integrado à União Europeia por parte desse mesmo órgão turístico. FELDMAN-BIANCO, Bela. Brasileiros em Portugal, Portugueses no Brasil: construções do “Mesmo” e do “Outro”. Texto apresentado no Seminário Temático “Migrações Internacionais, Estado-Nação e Cidadania”, XXVIII Encontro Anual da ANPOCS. Caxambu - MG, 26 a 30 de outubro de 2004. 385
No próximo item deste capítulo se faz uma análise somente das homenagens e honrarias prestadas pela Casa de Portugal.
149
descendente, mas garantir maior exposição à associação. Percebe-se a intenção
por parte de Paulo Machado de utilizar a Casa de Portugal como uma vitrine de
Portugal, ou um local dedicado à promoção turística.
No âmbito da promoção turística, nós entendemos que a comunidade luso-brasileira ou luso-francesa ou luso-americana são nichos de mercado. Nós trabalhamos a comunidade luso-brasileira como nicho de mercado na promoção turística. Nós sabemos que hoje a comunidade luso-brasileira é um consumidor exigente, os luso-descendentes são exigentes. Ainda há o interesse em visitar as suas reminiscências históricas, os lugares onde nasceram seus antepassados, mas nós entendemos que é um segmento de poder de consumo muito elevado e que merece toda a atenção.386
Como o depoente foi também vice-presidente da Casa de Portugal e
exerceu por muitos anos diferentes cargos de direção na associação, nas
entrelinhas mesclou, intencionalmente, as missões das duas instituições em que
atuou profissional e associativamente.
[...] é também uma entidade que visa agregar e chamar as lideranças políticas brasileiras, sejam elas municipais, estaduais ou federais, e também os líderes de opinião de todos os segmentos e principalmente da comunicação social. Como eu disse agora há pouco, Portugal tem hoje um upgrade da sua imagem. Até pouco tempo atrás era conhecido como um país muito tradicional, muito ligado ao seu passado, às suas tradições, à sua história. Sem dúvida nenhuma ainda continua assim, mas Portugal hoje é visto, principalmente pelos brasileiros que visitaram o país, como um país moderno, um país atualizado, e nós percebemos e uma pesquisa revelou isso, que essa questão da modernidade é o que alicia e o que desperta o interesse em nosso país. Então enquanto promoção turística de Portugal, nós insistimos e vincamos a imagem de que Portugal mudou sem sair do seu endereço. É um país novo, renovado, com infraestrutura, que tem tecnologia de futuro. Enfim, num país como o Brasil, que até pouco tempo atrás Portugal tinha uma defasagem de imagem, a nossa função e a nossa missão, não só enquanto associação Casa de Portugal, mas também enquanto Turismo de Portugal, é
386
Depoimento de Paulo Machado, em entrevista concedida ao autor em 02 de abril de 2013, na AICEP.
150
mostrar que o nosso país é um país que se modernizou e é um país de futuro.387
Tendo em vista essa mescla de missões institucionais entre a associação
Casa de Portugal e o órgão Turismo de Portugal, caberia questionar se a associação
Casa de Portugal seria mesmo uma entidade totalmente voltada para a questão
benemérita e cultural. Embora não mencionado, os depoentes afirmam que não
ganham nada com a militância na Casa. Embora não ganhem diretamente, a
utilizam para obter ganhos indiretamente em seus interesses profissionais.
Por um lado, demanda-se muito tempo e dedicação na prática associativa;
por outro, ganha-se em convivência e em visibilidade entre os membros da
comunidade portuguesa, ganha-se status e capital simbólico.388 Destaca-se que,
embora exista um projeto coletivo na Casa de Portugal pela representação da
comunidade portuguesa em São Paulo, esse projeto também serve para projeções
individuais, como apontam os depoimentos de Paulo Machado. Todavia, essas
projeções resultaram de sua atuação profissional como representante no Brasil do
órgão oficial português denominado Turismo de Portugal. Notou-se, por conseguinte,
uma convergência de interesses na promoção da imagem de Portugal moderno.
Essa percepção tem respaldo no depoimento do presidente Antonio dos
Ramos, mas não só. Possui harmonia com diretrizes portuguesas, pois, após a
Revolução dos Cravos, Portugal voltou-se definitivamente para a Europa e
abandonou seu projeto imperial e colonialista.
387
Depoimento de Paulo Machado, em entrevista concedida ao autor em 02 de abril de 2013, na AICEP. 388
“O poder simbólico, poder subordinado, é uma forma transformada, quer dizer, irreconhecível, transfigurada e legitimada, das outras formas de poder: só se pode passar para além da alternativa dos modelos energéticos que descrevem as relações sociais como relações de força e dos modelos cibernéticos que fazem delas relações de comunicação, na condição de se descreverem as leis de transformação que regem a transmutação das diferentes espécies de capital em capital simbólico e, em especial, o trabalho de dissimulação e de transfiguração (numa palavra, de eufemização) que garante uma verdadeira transubstanciação das relações de força fazendo ignorar-reconhecer a violência que elas encerram objectivamente e transformando-as assim em poder simbólico, capaz de produzir efeitos reais sem dispêndio aparente de energia.” BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003, p.15.
151
Mas em que isso mudou Portugal? Não era já o país uma quase colônia de ingleses e, um pouco menos, franceses, alemães? Apesar do império, já não tinha suas relações comerciais com o Brasil (como dantes), com a França e (muito) com a Inglaterra? E quase nada com a África? [...] Agora é a hora e vez da Europa “unida”. Mas com seus centros de decisão em Berlim, Paris... Não em Lisboa.389
Se de fato Portugal se voltou intencionalmente para a Europa, mas ainda
mantém relações com o Brasil, nada mais reflete essa postura do que transmitir no
país a imagem de Portugal moderno mediante a Casa de Portugal.
Sobre o fato de se dar um peso maior à modernidade dentro do binômio
tradição e modernidade expresso na política cultural e nos eventos da Casa de
Portugal390 durante as gestões de Antonio dos Ramos:
Isso não interessa nada, nós temos que ser... A Casa de Portugal, se não mostra para os brasileiros e pras outras pessoas, não mostra o que há de melhor em Portugal da cultura portuguesa e do Portugal moderno, quem é que vai mostrar?391
Ao afirmar “Isso não interessa nada [...]” sobre os eventos ligados a
tradições relacionadas com o passado rural, denota o privilégio dado às festividades
que trabalham a imagem de um Portugal moderno. Mais do que isso, revela certa
tensão sobre o que deve prevalecer na associação ao privilegiar um conteúdo em
relação a outro.
A alta-cultura, por exemplo... Quando eu entrei aqui havia uma coisa chamada Vindima, havia o Magusto, havia a Desfolhada do Milho. Eu cancelei tudo, só ficou a Festa da Cereja, que é mais bonita. Depois, mais tarde [...], também se cancelou. Só ficou a cultura de top, porque essa cultura popular, a Vindima,
389
SECCO, Lincoln. A Revolução dos Cravos e a crise do império colonial português: economias, espaços e tomadas de consciência. São Paulo: Alameda, 2004, p.202-203. 390
No terceiro item do próximo capítulo serão tratadas de forma mais aprofundada as questões identitárias expressas nos eventos culturais na Casa de Portugal. 391
Depoimento de Antonio dos Ramos, em entrevista concedida ao autor em 03 de abril de 2013, na Casa de Portugal.
152
o Magusto, o milho e não sei o que, temos muitas casas regionais que fazem e têm instalações mais apropriadas que as nossas pra fazer.392
Constata-se certo desprezo pelos eventos ligados à terra e ao passado rural
de Portugal, em face do que ele mesmo intitula de “cultura de top”, que se reflete na
programação cultural por meio dos eventos que representam a modernidade de
Portugal393. O termo utilizado “cultura de top”, ou seja, da elite, denota desprezo pela
cultura popular e ainda certa hierarquização da cultura.
[...] Não podemos simplesmente juntar em uma única categoria todas as coisas que “o povo” faz, sem observar que a verdadeira distinção analítica não surge da lista – uma categoria inerte de coisas ou atividades – mas da oposição chave: pertence/ não pertence ao povo. Em outras palavras, o princípio estruturador do “popular” neste sentido são as tensões e oposições entre aquilo que pertence ao domínio central da elite ou da cultura dominante, e à cultura da “periferia”. É essa oposição que constantemente estrutura o domínio na categoria do “popular” e do “não popular”. Mas essas oposições não podem ser construídas de forma puramente descritiva, pois, de tempos em tempos, os conteúdos de cada categoria mudam. O valor cultural das formas populares é promovido, sobe na escala cultural – e elas passam para o lado oposto. Outras coisas deixam de ter um alto valor cultural e são apropriadas pelo popular, sendo transformadas nesse processo. O princípio estruturador não consiste dos conteúdos de cada categoria – os quais, insisto, se alterarão de uma época a outra. Mas consistem das forças e relações que sustentam a distinção e a diferença; em linhas gerais, entre aquilo que, em qualquer época, conta como uma atividade ou forma cultural da elite e o que não conta. Essas categorias permanecem, embora os inventários variem. Além do mais, é necessário todo um conjunto de instituições e processos institucionais para sustentá-las – e para apontar continuamente a diferença entre elas. A escola e o sistema educacional são exemplos de instituições que distinguem a parte valorizada da cultura, a herança cultural, a história a ser transmitida, da parte “sem valor”. O aparato acadêmico e literário é outro que distingue certos tipos valorizados de conhecimento de outros. O que importa então não é o mero
392
Depoimento de Antonio dos Ramos, em entrevista concedida ao autor em 03 de abril de 2013, na Casa de Portugal. 393
Cabe esclarecer que esses eventos que divulgam Portugal como um país moderno geralmente consistem em exposições artísticas, promovidas na Galeria de Artes da Casa de Portugal, bem como apresentações de intérpretes portugueses da cena artística contemporânea.
153
inventário descritivo – que pode ter o efeito negativo de congelar a cultura popular em um molde descritivo atemporal, mas as relações de poder que constantemente pontuam e dividem o domínio da cultura em suas categorias preferenciais e residuais.394
Essa distinção apareceu na afirmação de que a cultura popular “não
interessa nada” se comparada aos shows de Portugal moderno que a instituição se
propõe a trazer. Ou até mesmo quando o depoente afirma que cancelou todas as
festas ligadas ao passado rural, com uma única exceção, a Festa da Cereja, por ser
mais bonita.
Destaca-se a seletividade de Antonio dos Ramos quanto à política cultural
adotada nos eventos. Em depoimento argumenta que existem muitas casas
regionais que fazem essas festas populares e com instalações mais apropriadas
para tal. Infere-se que a Casa de Portugal não deve se prestar a festas populares
regionais, e sim ao que julga ser a cultura elitizada395, principalmente para poder
trazer um público seleto a esses eventos. Por outro lado, apesar dessa resistência
aos eventos populares, simultaneamente se relata com orgulho a atuação do Grupo
Folclórico da Casa de Portugal, considerado por diversos depoentes396 como a de
maior destaque no Brasil. Nesse sentido, as produções culturais da Casa de
Portugal, ao se dirigirem à elite, visam instituir no local um centro hegemônico de
poder.
A tensão que envolve a dualidade do binômio modernidade versus tradição
na política cultural da Casa de Portugal pode também ser evidenciada na entrevista
de Vasco Frias Monteiro:
394
HALL, Stuart. Da Diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: UFMG, 2011, p.240-241. 395
Remete-se ao termo empregado pelo entrevistado, “cultura de top”. 396
Para ser exato, essa afirmação aparece nos depoimentos de Antonio dos Ramos, Eliane Junqueira, Maria dos Anjos, Odair Sene, Paulo Machado e Vasco Frias Monteiro.
154
Sim, sim, existe, existe. Mas é muito fácil de explicar. Eu por exemplo, é... o Comendador Ramos, quem o trouxe pra aqui fui eu. Ele ficou aqui 22 anos. Fez uma obra fantástica, mudou a Casa. Antes dele, eu já estava aqui, a coisa era bem mais difícil. Na época em que ele esteve aqui nos demos sempre toda a liberdade, e depois entrou o Julio... Mas o presidente Ramos, ele é mais virado à cultura, mais virado às coisas mais importantes. Ele não queria muito realmente essas festas populares, mas nós conseguimos dobrá-lo (risos). Ele é acessível, estava aqui na festa, ficou muito contente. Já agora, inclusive, pedi pra ele pra fazermos o Almoço das Mães, que vai sair agora em maio. E já nos assinou que sim, que podemos fazer o baile das mães. Já nos acenou que vamos fazer a Festa da Cereja. O magusto, não sei (risos). Eu vou ser realista, ele é um pouco mais duro nesse sentido, mas talvez a coisa não corresse, tínhamos mais liberdade com o Julio. Mas ele vai aceitar, é nosso amigo, é uma pessoa do campo como nós, das aldeias, agora gosta de cultura. E a Casa de Portugal tem que se prestar pra isso também. Também não podemos fazer coisa que desabone. E é isso que ele não quer. Gosta de fazer mesmo as festas populares com nível. Então é normal.397
Nota-se que a razão de restringir as festas populares estava mais no
aspecto da frequência e do tipo de público que atraíam do que no próprio conteúdo
cultural. As festas populares seriam permitidas desde que “com nível”. Ficou clara a
preocupação da frequência selecionada, evidenciando-se que a Casa de Portugal
era destinada a um púbico mais elitizado.
A frequência na Casa de Portugal de personalidades da mídia televisiva,
conforme mencionado anteriormente, além de ter se constituído como estratégia
para expressar o prestígio da entidade, acabava por atrair atenção de outras
pessoas que admiravam os famosos. O depoimento de Odair Sene permite inferir
que a Casa de Portugal confere status aos frequentadores por utilizar como
estratégia de atração de pessoas ligadas à mídia398 as homenagens e honrarias
prestadas. Por meio desse tipo de evento, pessoas com visibilidade passaram a
conviver no local e, por serem famosas, se destacam espontaneamente em meios
de comunicação, sendo retratadas naquele cenário.
397
Depoimento de Vasco Frias Monteiro, em entrevista concedida ao autor em 1º de abril de 2014, na Casa de Portugal. O trecho transcrito é significativo porque evidencia a tensão existente no fato de privilegiar o conteúdo cultural considerado mais adequado. 398
Nas palavras de Paulo Machado, os apresentadores de televisão, principalmente, se constituem em formadores de opinião capazes de influenciar o grande público a se definir por uma viagem a Portugal. O fato de convidá-los a serem homenageados pelo trabalho que realizaram na divulgação da imagem do país consolida a ideia de lugar influente e que representa Portugal no Brasil.
155
Acredito que sim. Não só para indivíduos da comunidade como para as pessoas de fora da comunidade, que por várias e várias vezes nós registramos lá, que têm sido homenageados pela Casa, gente ligada por exemplo a programas de televisão que no Brasil citam Portugal ou sua cultura, suas raízes. Às vezes a pessoa fala de Portugal até de uma maneira informal, mas depois a Casa acaba chamando essa pessoa e homenageando. Então esse tipo de situação acontece bastante. A pessoa é valorizada muitas vezes sem nunca ter pisado na Casa, aí a pessoa é convidada, acaba se integrando lá, entendeu? [...] a gente sinceramente, como jornal, a gente cobriu todos os eventos até hoje. E o que mais poderia chamar a atenção é alguma personalidade, aquele jornalista o Faccioli. Ele é um cara que passou a frequentar esse 22 de abril no Ibirapuera e de repente ele passou a frequentar a Casa de Portugal, a Portuguesa (de desportos), o Gebelinense, que é uma outra entidade, o Arouca, ele passou a se interar a partir desse evento. Acho que algum detalhe específico do evento não, mas as pessoas, personalidades que estiveram nesse evento e a partir dali passaram a frequentar a comunidade portuguesa. Eu acho que isso me chamou a atenção.399
2.3 HOMENAGENS E HONRARIAS: CONSTRUINDO MEMÓRIAS
Apesar de as homenagens e honrarias comporem o rol de atrações dos
eventos da Casa de Portugal utilizadas enquanto estratégias de atração de público e
de formadores de opinião, não se restringem apenas a essa função. Parte delas foi
realizada como forma de reconhecer atuações em prol da difusão da cultura
portuguesa.
399
Depoimento de Odair Sene, em entrevista concedida ao autor em 23 de novembro de 2012, na redação do jornal Mundo Lusíada, em São Bernardo do Campo - SP.
156
Na busca pelas suas origens, foram identificados dois tipos de homenagens
prestadas pela Casa: a comenda da Ordem do Infante Dom Henrique e a Medalha
de Mérito Pereira Queiroz.
Transcorrendo dia 4/3/1944 vindouro o 11º Cinquentenário do Nascimento do Infante D. Henrique, foi resolvido comemorar essa data com uma conferencia do Sr. Enzo da Silveira, membro do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo e a inauguração do retrato do Infante. Ainda no sentido de perpetuar a data de nascimento do Infante de Sagres como uma das mais notáveis nos fatos da vida histórica de Portugal, foi, também, deliberado criar a distinção “Ordem do Mérito Infante D. Henrique” que será conferida a portugueses e brasileiros que à obra do intercâmbio luso-brasileiro hajam desenvolvido ação eficiente. Complementarmente às resoluções acima, foi ainda deliberado autorizar a pintura do retrato do Infante, a confecção das medalhas que constam da “Ordem D. Henrique” sendo que determinado número delas, comemorativas do 11º Cinquentenário, serão em ponto maior para serem oferecidas a instituições culturais e científicas portuguesas e brasileiras, assim como a confecção da Bandeira representativa da Conquista, por haver sido o símbolo de D. Henrique.400
Nota-se na ata menção à importância do fato histórico para os portugueses,
atrelando a simbologia da data à criação da Ordem para homenagear pessoas que
tivessem se destacado em ações eficientes ao intercâmbio luso-brasileiro.
400
CASA DE PORTUGAL DE SÃO PAULO. Acta de reunião da Directoria Central de 28 de janeiro de 1944. In: Livro de Actas da Directoria Central. São Paulo, 17/08/1942 a 25/09/1945, p.51 (verso).
157
Imagem 18 - Pintura do Infante D. Henriques.401
Tanto a criação da Ordem do Mérito Infante Dom Henrique como a pintura
do infante no saguão principal de entrada da Casa de Portugal surgem como
resultado das comemorações do 11º Cinquentenário do Nascimento do Infante D.
Henrique. Esta pintura foi colocada estrategicamente ao lado do saguão que dá
acesso aos demais espaços da Casa, de forma que se torna muito difícil não notá-la.
401
Acervo pessoal, 11/05/2012.
158
Observa-se logo abaixo da pintura uma inscrição: “D. Afonso Henriques402 –
Fundador da Nacionalidade”, vinculando-se ao nacionalismo português presente na
Casa de Portugal, que estampa em suas paredes um símbolo mítico e heroico que
remete à grandeza de Portugal e de sua fundação enquanto estado nacional. O
regulamento da Ordem do Infante Dom Henrique considerou perpetuar a data como
das mais significativas entre os fatos da vida histórica de Portugal.
[...] visando estreitar os laços de amizade e cooperação mútua na obra de intercâmbio Luso-Brasileiro, com os esforços de elementos da colônia portuguesa e de intelectuais brasileiros, que se impõe dar pública demonstração de reconhecimento aos cidadãos, que no referido empreendimento hajam desenvolvido ação eficiente.403
A Diretoria da Ordem seria assim composta em 1944: presidente honorário,
Senhor Embaixador de Portugal no Brasil; vice-presidente honorário, Senhor Cônsul
de Portugal em São Paulo; presidente, Senhor Embaixador José Carlos de Macedo
Soares; vice-presidente, Comendador Manuel de Barros Loureio e Comendador
Antonio Pereira Inácio; secretários, Pedro Monteiro Pereira Queirós e Comendador
Abílio Brenha da Fontoura.
Os homenageados com a distinção “Ordem do Mérito Infante D. Henrique”
eram escolhidos por indicação da Diretoria Central da Casa de Portugal, reunindo-se
a “Ordem” duas vezes por ano para a escolha de seus membros. Todo membro
receberia uma medalha que reproduzia em miniatura a medalha comemorativa do
11º Cinquentenário do Nascimento do Infane D. Henrique.
402
Estadista/ impulsionador dos descobrimentos portugueses. Viveu de 1394 a 1460. 403
CASA DE PORTUGAL DE SÃO PAULO. Acta de reunião da Directoria Central de 18 de fevereiro de 1944. In: Livro de Actas da Directoria Central. São Paulo, 17/08/1942 a 25/09/1945, p.54 (verso) e 55.
159
Imagem 19 - Comenda “Ordem do Mérito do Infante D. Henrique”.404
Levando em conta que o regulamento é de 1944, e em razão de
distanciamento entre a Casa de Portugal e o Consulado Geral de Portugal no Brasil,
ocasionando o não cumprimento das normas, sua redação sofreu alterações. Uma
delas data de 1952 e pretendia agilizar as decisões sobre quem deveria ser
homenageado.
As principais alterações se referiram à composição do Conselho Diretor da
“Ordem”, que deveria ser formado por todos os membros da Diretoria Central da
Casa de Portugal e pelos membros mencionados no regulamento de 1944 ainda em
atividade. A duração do mandato desse conselho seria a mesma da diretoria da
Casa de Portugal. Foi estabelecido ainda que seriam Presidentes de Honra da
“Ordem do Mérito Infante D. Henrique” o Embaixador de Portugal no Brasil e o
Governador do Estado de São Paulo. Como Vice-Presidentes de Honra, o Cônsul de
404
Acervo pessoal, 09/10/2014. Em ata de reunião de 18 de fevereiro de 1944, explicam-se os elementos componentes da medalha ao mesmo tempo que se institui como deve ser confeccionada: “Anverso: A insígnia representa, como corpo principal, a cruz da Ordem de Nosso Senhor Jesus Cristo, à qual pertenceu o Infante, como seu governador. A âncora sobreposta sobre a cruz, representa as grandes navegações portuguesas. Num medalhão central o busto a ¾ do ilustre navegador a qual se presta a homenagem. A cruz deverá ser esmaltada a vermelho, para maior realce, tendo a âncora e o busto da cor bronzeada em relevo acentuado. Reverso: No meio do braço central da cruz, em linha horizontal, a legenda ADMERITO, e o restante completamente liso. Esta insígnia pende de fita gorgorão de seda achalamotáda com relativa espessura. Sua cor será inteiramente branca, lembrando o velame das caravelas. Os motivos da insígnia são absolutamente históricos.” CASA DE PORTUGAL DE SÃO PAULO. Acta de reunião da Directoria Central de 18 de fevereiro de 1944. In: Livro de Actas da Directoria Central. São Paulo, 17/08/1942 a 25/09/1945, p.54 (verso) e 55.
160
Portugal em São Paulo e os presidentes do Instituto Histórico e Geográfico de São
Paulo e da Academia Paulista de Letras.405
Todos os membros da Diretoria Central da Casa de Portugal tornaram-se
participantes da Ordem do Mérito do Infante Dom Henrique:
O senhor Secretário Geral, no uso da palavra, teceu largas considerações em torno da nossa “Ordem do Mérito Infante D. Henrique”, a qual, no seu entender, deverá ter vida de acordo com a sua categoria. Assim propôs o senhor Secretário Geral, tendo sido aprovado, que todos os actuais diretores que porventura não sejam membros natos da “Ordem”, nela devem ser incluídos, pela ajuda financeira que têm prestado à “Casa de Portugal”, bem como as demais pessoas que lhe tenham prestado benefícios, de uma só vez nunca inferior a vinte mil cruzeiros. [...] 406
A inclusão de todos os diretores da Casa de Portugal na “Ordem” se deveu
ao fato de prestarem ajuda financeira à associação. Também deveriam ser inseridas
as pessoas que lhe tivessem prestado benefícios nunca inferiores e de uma só vez
no valor de vinte mil cruzeiros.
Levando em conta que pertencer à “Ordem” significa também receber um
grau de distinção denominado “comenda”407, obter o grau de comendador está
associado a uma ajuda financeira, embora na redação do regulamento ela não
esteja tão explícita como aparece na ata. Ressalta-se que o regulamento menciona
apenas homenagear pessoas que tenham prestado serviços de intercâmbio cultural
entre Brasil e Portugal ou a Casa de Portugal.
405
A redação do novo regulamento encontra-se em: CASA DE PORTUGAL DE SÃO PAULO. Acta de reunião da Directoria Central de 10 de dezembro de 1952. In: Livro de Actas da Directoria Central. São Paulo, nº. 6, 21/02/1952 a 19/10/1955, p.35-37. 406
Ibidem, p.35 (verso). 407
Com base no levantamento de reportagens que noticiaram as homenagens realizadas na Casa de Portugal, pode-se afirmar que diversas vezes a Ordem do Mérito Infante Dom Henrique era precedida do título de comenda.
161
A “Ordem do Mérito Infante D. Henrique”, como razão fundamental da sua existência, concederá aos portugueses e brasileiros que, à obra do intercâmbio cultural luso-brasileiro e ao prestígio das iniciativas da “Casa de Portugal”, hajam prestado serviços assinalados, uma distinção, que será a reprodução, em miniatura, da medalha com que esta Instituição comemora o 11º Cinquentenário do Nascimento do Infante D. Henrique.408
Em períodos mais recentes, as homenagens foram assunto de reuniões da
diretoria da Casa de Portugal, passando a ser necessária a aprovação por todos os
diretores, por unanimidade, para se agraciar um homenageado.409 A informação não
contradiz o novo regulamento de 1952, mas exclui a aprovação dos mencionados
presidentes e vice-presidentes de honra.
Sobre a outra honraria existente na Casa, a Medalha de Mérito Pereira
Queiroz, criada em 21 de junho de 1983, constou em ata da reunião do dia de sua
criação a seguinte menção410: “Medalha/ Diploma: O Sr. 2º Secretário propôs e foi
aprovado que se estude a confecção de uma honraria para oferecer a quem nos
visite, como recordação da Casa de Portugal.”411 Pode-se inferir que a honraria seria
oferecida aos visitantes considerados mais ilustres. Em contato com a secretaria da
Casa de Portugal, foi revelado um documento distribuído como release a jornalistas
que solicitam informações a respeito.
Em 21 de junho de 1983 a Diretoria da Casa de Portugal de São Paulo, por unanimidade de votos, deliberou instituir a “Medalha de Mérito Comendador Pereira Queiroz” com a finalidade de homenagear figuras ilustres que visitam a Casa de Portugal e que tenham desempenhado papel significativo em prol da imagem de Portugal, da nossa Comunidade e esta Instituição, cuja proposta deverá ser formalmente apresentada e aprovada por maioria de votos em Reunião de Diretoria. A sugestão do nome da honraria deve-se ao importante trabalho desenvolvido pelo Comendador Pereira Queiroz, presidente da Casa de Portugal entre 1941 e 1969, que não
408
CASA DE PORTUGAL DE SÃO PAULO. Acta de reunião da Directoria Central de 10 de dezembro de 1952. In: Livro de Actas da Directoria Central. São Paulo, nº. 6, 21/02/1952 a 19/10/1955, p.37. 409
No entanto, não foi localizado nas pesquisas novo regulamento que comprove tal informação. 410
Nada foi encontrado em formato de regulamento nos arquivos disponibilizados para consulta nas atas. 411
CASA DE PORTUGAL DE SÃO PAULO. Ata de reunião da Diretoria de 21 de junho de 1983. In: Livro de Atas da Diretoria. São Paulo, 06/01/1981 a 25/10/1983, p.84.
162
poupou esforços inclusive pessoais, para guindar a Casa de Portugal entre as principais instituições associativas do Estado de São Paulo, sendo a mesma reconhecida de utilidade pública pelo Município – Decreto 1837/82 e Estadual pela Lei 883/50. Obrigatoriamente a outorga da medalha deverá ocorrer nas dependências da Casa de Portugal e na presença do próprio homenageado e do Presidente da diretoria ou do Presidente em exercício, em cerimônia agendada para esse fim, dando-se ciência com antecedência a todos os membros da diretoria e ao maior número possível de associados. Os nomes das figuras homenageadas deverão ser registrados em livro específico, constando também o nome do proponente, data da aprovação da proposta e a data da outorga da Medalha.412
Observa-se a necessidade de aprovação da homenagem por parte da
Diretoria Central da Casa de Portugal, que a concede a sujeitos com atuação
importante na divulgação da imagem de Portugal, da comunidade portuguesa e da
própria Casa. Deve ser outorgada pessoalmente pelo seu presidente nas
dependências da associação e na presença do maior número possível de
associados, bem como o ato deve ser registrado em livro específico.
Assim como a Ordem do Mérito do Infante Dom Henrique, a Medalha de
Mérito Comendador Pereira Queiroz foi idealizada como forma de homenagear
pessoas importantes para a comunidade portuguesa, mas o nome desta faz
referência ao presidente que por mais tempo liderou a Casa de Portugal.
Aparentemente, o que distingue uma homenagem da outra consta na descrição de
seus regulamentos: a Ordem do Mérito do Infante Dom Henrique se relaciona com a
ação eficiente para o intercâmbio luso-brasileiro, e a Medalha de Mérito
Comendador Pereira Queiroz privilegia quem divulga a imagem de Portugal, das
comunidades portuguesas e da Casa de Portugal.
412
CASA DE PORTUGAL DE SÃO PAULO. Documento cedido pela Secretária-chefe da Casa de Portugal, geralmente utilizado como release para jornalistas, a respeito das homenagens realizadas pela Associação. São Paulo, s/d.
163
Por se tratar de eventos que prestam homenagens, dizem muito sobre a
atuação e o papel da Casa de Portugal413. Em alguns momentos ocorreram
homenagens simultâneas associadas a outros eventos com maior repercussão,
como no caso de solenidades que precedem apresentações de músicos. As
homenagens dirigidas a personalidades midiáticas são as mais recorrentes nas
reportagens levantadas414. Uma delas abordava a homenagem outorgada à repórter
e entrevistadora Ana Maria Braga415 num cerimonial pomposo que incluiu jantar e
apresentação do Grupo Folclórico da Casa de Portugal.
O evento é resultado da série de reportagens em que a apresentadora e a equipe de reportagem do programa “Mais Você” realizaram em Portugal e pela difusão da mensagem de Nossa Senhora de Fátima. Em chegada no Salão Nobre foi recepcionada pelo Grupo Folclórico da Casa de Portugal. Em seguida, Antonio dos Ramos entregou a equipe de produção do Programa a Medalha de Mérito Pereira Queiroz da Casa de Portugal, depois condecorou Ana Maria Braga com as insígnias da Ordem do Mérito Infante Dom Henrique.416
Depois de toda a equipe do programa ser agraciada com a Medalha de
Mérito Comendador Pereira Queiroz, Ana Maria Braga recebeu a distinção maior da
Casa, a insígnia da Ordem do Mérito Infante Dom Henrique, por sua atuação como
propagadora da mensagem de Nossa Senhora de Fátima417.
413
Por esse motivo se procedeu ao levantamento do número de outorgas retratadas nos periódicos destinados aos portugueses e descendentes. Devido ao volume de homenagens, dividiu-se o levantamento em três grupos distintos: homenagens a personalidades ligadas à mídia; homenagens a personalidades ligadas à Casa, alguns professores, fadistas, outros músicos e jornalistas; e homenagens a personalidades políticas ou consulares, empresários e outros. 414
Para a organização dos dados levantados foram elaborados quadros, dispostos nos Apêndices D, E e F. 415
Nascida a 1º de abril de 1949 em São Joaquim da Barra - SP, veio a São Paulo para estudar Biologia. Arrumou emprego em uma rádio e acabou se destacando, o que a levou a fazer jornalismo posteriormente. Começou sua carreira na imprensa escrita, tendo passado a apresentar programas de televisão na extinta Rede Tupi. Atingiu a fama na Rede Record, passando a ser contratada da Rede Globo a partir de 1999 com o programa “Mais Você”. 416
NAUS‟S. São Paulo, nº. 79, maio de 2000, p.6. 417
Ana Maria Braga enfrentou um câncer entre os anos de 2001 e 2002. Passou pelo tratamento, a quimioterapia, sofrendo as consequências dele sem abandonar as gravações de seu programa. Em agradecimento pela cura, pagou promessa percorrendo de joelhos o caminho do santuário de Nossa Senhora de Fátima. Em outra ocasião, recebeu em seu programa a imagem de Nossa Senhora de Fátima peregrina; também participou da missa do encontro entre Nossa Senhora de Fátima e Nossa Senhora Aparecida no Santuário de Aparecida - SP.
164
No dia 13 de dezembro de 2002, em meio à tradicional Ceia de Natal418, a
atriz Arlete Salles419 e a diretora Denise Saraceni420 foram homenageadas com a
Medalha de Mérito Comendador Pereira Queiroz por trazerem a público, na novela
“Sabor da Paixão”, elementos da cultura portuguesa, além de imagens de Portugal
em diversos capítulos da trama. A respeito dessas homenagens, constam registros
em ata de reunião, que apresenta informações não publicadas na matéria
destacada. Nas palavras do então presidente em exercício, Sr. José de Oliveira
Magalhães421:
Tive a oportunidade de propor nesta ocasião duas homenagens que a seguir descrevo: A) Proposta de outorga da Comenda da Ordem do Mérito Infante D. Henrique da Casa de Portugal: - Considerando-se o sucesso da novela Sabor da Paixão da rede Globo de Televisão cuja trama é desenvolvida em Portugal; - Considerando-se o enquadramento que a autora vem fazendo de Portugal e da nossa gente; - Considerando-se a simpatia que a autora da novela nutre por Portugal e pelos portugueses, que tive a oportunidade de constatar pessoalmente; Proponho a atribuição da Comenda da Ordem do Mérito do Infante D. Henrique a autora Ana Maria Moretzsohn, como forma de gratidão e reconhecimento desta Entidade pelo seu trabalho. Simultâneamente seria atribuída a Medalha Pereira Queiroz à Diretora, ao Produtor e ao elenco. B) Proposta de outorga da Medalha de Mérito Comendador Pereira Queiroz: - Considerando-se a performance do ator português Nuno Lopes, o “José Manuel” da novela Esperança da Rede Globo de Televisão; - Considerando-se a repercussão da sua atuação e a boa repercussão do seu personagem junto ao público telespectador passando uma imagem de modernidade de Portugal e da nossa gente;
418
NAUS‟S. São Paulo, nº. 87, janeiro de 2003, p.7. 419
Arlete Sales Lopes, atriz, nascida em 17 de junho de 1942, natural de Paudalho - PE. Foi casada com o humorista e ator Lucio Mauro. Trabalhou na extinta TV Tupi e atuou em muitas novelas na Rede Globo. Interpretou a personagem Zenilda Paixão, portuguesa proprietária de uma vinícola, expondo assim, a trama, diversos aspectos da cultura portuguesa à beira do Rio Douro. 420
É uma diretora de televisão brasileira, tendo iniciado a carreira como tal em 1986 na extinta Rede Manchete. Em 1988 passou a integrar a equipe de direção de novela na rede Globo. Diretora-geral e de núcleo da novela “Sabor da Paixão”, exibida entre os anos de 2002 e 2003. 421
Pessoa de destaque na comunidade luso-brasileira, já integrou o quadro da diretoria de outras entidades, tais como o Clube Português e a Comunidade Gebelinense de São Paulo.
165
Proponho a atribuição da Medalha de Mérito Comendador Pereira Queiroz ao ator Nuno Lopes.422
A homenagem à autora da novela não foi noticiada na reportagem, mas
encontra-se expressa de forma clara na ata da reunião de 29 de outubro de 2002.
Tampouco foi identificada no levantamento das reportagens homenagem realizada
ao ator Nuno Lopes.423
No mesmo dia de um show com nomes da nova geração do fado, em 30 de
abril de 2003424, a cantora Fafá de Belém425 recebeu a comenda da Ordem do
Infante Dom Henrique. O texto da reportagem relatava que a cantora podia ser
considerada uma embaixadora, representando na ocasião o principal elo cultural
entre Brasil e Portugal. Pouco tempo depois, em 17 e 31 de julho de 2003426, foram
homenageadas com a Medalha de Mérito Comendador Pereira Queiroz, durante o
Almoço das Quintas, Simone Lopes427 e Nany People428 e, posteriormente, a cantora
Roberta Miranda429.
As homenagens raramente ocorrem isoladamente, tal como a solenidade
realizada para Ana Maria Braga. Muitas vezes se utiliza outro evento promovido
periodicamente na Casa de Portugal para homenagear várias pessoas. Não foi
diferente em 16 de outubro de 2003430, data em que, na ocasião de uma
apresentação musical em comemoração ao 68º aniversário da Casa, foi
422
CASA DE PORTUGAL DE SÃO PAULO. Ata de reunião da Diretoria de 29 de outubro de 2002. In: Livro de Atas da Diretoria. São Paulo, 22/08/2000 a 07/10/2005, p.50. 423
Ator português nascido em 6 de maio de 1978 em Lisboa, atuou em telenovelas em Portugal e no Brasil. 424
NAUS‟S. São Paulo, nº. 91, maio de 2003, p.11. 425
Maria de Fátima Palha de Figueiredo, nascida em Belém - PA, em 09 de agosto de 1956. Possui extensa discografia, incluindo quatro lançamentos em Portugal: um em 1992, dois em 1998 e um em 2003, ano da homenagem. Em 1992 lançou no Brasil o álbum “Meu Fado”, revelando sua relação com Portugal. 426
NAUS‟S. São Paulo, nº. 94, ago. 2003, p.13. 427
Entre os anos de 2002 a 2005, Simone Lopes foi a diretora do Programa da Hebe, apresentado por Hebe Camargo entre 1986 e 2010, no SBT (Sistema Brasileiro de Televisão). 428
Jorge Demétrio Cunha Santos nasceu em 1º de julho de 1966, em Machado - MG. É atriz, humorista, apresentadora e repórter. Entre 2001 e 2006 atuou no Programa da Hebe com inserções ao vivo e gravando matérias. Em junho de 2002 gravou uma série de cinco reportagens sobre Portugal, motivo da homenagem no Almoço das Quintas, na Casa de Portugal, em 17 de julho de 2003. 429
Nome artístico de Maria Albuquerque Miranda, nascida em 28 de setembro de 1956, em João Pessoa - PB. É cantora e compositora do gênero sertanejo. Muito reconhecida, foi uma das cantoras brasileiras com maior vendagem de discos. 430
NAUS‟S. São Paulo, nº. 97, nov. 2003, p.19.
166
homenageado o vice-presidente do Grupo Bandeirantes, Paulo Saad Jafet, em
reconhecimento ao seu trabalho na emissora, que, durante o período de 6 a 11 de
outubro de 2003, exibiu uma série especial sobre Portugal. Nota-se agilidade na
outorga da homenagem – a comenda da Ordem do Mérito Infante Dom Henrique foi
realizada em 16 de outubro e a exibição dos programas, entre 06 e 11 de outubro –,
o que sugere certo grau de proximidade entre a assessoria de imprensa da Casa de
Portugal e a TV Bandeirantes.
A Galeria de Artes da Casa inaugurou em 22 de janeiro de 2004431 a
exposição “São Paulo da Gente”, de autoria de Osmar Santos432, radialista esportivo
muito presente na comunidade portuguesa, que recebeu a Medalha de Mérito
Comendador Pereira Queiroz. Na Ceia de Natal do mesmo ano, ocorrida no dia 15
de dezembro433, foram homenageados com a comenda da Ordem do Mérito do
Infante Dom Henrique o sr. Joaquim Silva Felipe434, presidente da empresa
Bandeirante de Energia435, e o repórter Maurício Kubrusly436, que apresentou uma
série de programas sobre Portugal, intitulada “Me Leva Portugal”, no Fantástico.
A referida comenda foi outorgada pela segunda vez a um membro da Rede
Globo: primeiro Ana Maria Braga, depois Maurício Kubrusly. Ambos receberam a
mesma comenda em agradecimento pela elaboração de matérias que divulgaram
Portugal. Cabe ressaltar que a Rede Globo de Televisão se mantém há muitos anos
como líder absoluta de audiência em diversos horários, justificando assim sua
importância em termos de visibilidade para o país. O mesmo se pode afirmar a
431
NAUS‟S. São Paulo, nº. 100, fev. 2004, p.10. 432
Osmar Aparecido Santos, natural de Osvaldo Cruz - SP, é formado em Educação Física, Administração e Direito. Ex-radialista, trabalhou como locutor esportivo nas rádios Jovem Pan, Record e Globo. Trabalhou também nas televisões Rede Globo, Rede Record e Rede Manchete. A 22 de dezembro de 1994 sofreu grave acidente de automóvel, que deixou sequelas que comprometeram sua fala. Atua desde então como artista plástico, principalmente em pinturas sobre tela. 433
NAUS‟S. São Paulo, nº. 110, janeiro de 2005, p.18. 434
Embora seja empresário, foi mencionado no quadro das homenagens de personalidades midiáticas – portanto, sem relação com sua área de atuação –, pelo fato de ter ocorrido mais de uma homenagem na mesma noite/ evento. 435
A Bandeirante Energia é uma empresa brasileira do grupo Electricidade de Portugal (EDP), uma das grandes empresas de capital português no Brasil, de acordo com a Câmara Portuguesa de Comércio. 436
É um jornalista que atua nas Organizações Globo, em rádio e TV, nascido a 28 de agosto de 1945, no Rio de Janeiro. Em janeiro de 2000 estreou o quadro “Me Leva Brasil”, no Fantástico, mostrando costumes e características inusitadas dos locais. De novembro de 2003 a janeiro de 2004 o repórter fez uma série de reportagens intituladas “Me Leva Portugal” seguindo a mesma tendência, motivo da homenagem.
167
respeito da TV Bandeirantes, cujo vice-presidente recebeu a mesma comenda, no
dia 16 de outubro de 2003. A inserção em emissoras de televisão gera uma
divulgação espontânea para a Casa de Portugal, que vive em constante campanha
de ampliação de seu quadro social, além de compor uma estratégia de atração de
pessoas para dar mais visibilidade à entidade, conforme discutido anteriormente.
Já a outorga de comenda a uma liderança (Joaquim Silva Felipe) de
empresa de capital português no Brasil (Bandeirante de Energia) pode se relacionar
a uma suposta ajuda financeiramente à Casa de Portugal em algum momento.
Toma-se por base para essa afirmação a supracitada ata de assembleia realizada
para revisão do regulamento da Ordem do Mérito do Infante Dom Henrique, em 10
de dezembro de 1952.
Situação semelhante se repetiu no dia 20 de outubro de 2006437, noite de
comemoração do 71º aniversário da Casa de Portugal, ocasião em que foram
homenageados uma apresentadora de TV (Olga Bongiovanni438), um empresário
(João Botelho439) e um diretor da Casa de Portugal (Fernando Miguel dos Santos).
O periódico “O Mundo Lusíada” publicou a respeito do mesmo evento e sobre os dois últimos homenageados: O segundo homenageado da noite foi o Superintendente da Caixa Geral de Depósitos, um grande colaborador da entidade, segundo Julio Rodrigues. “O Dr. João Botelho tem sido muito amigo, sempre um suporte financeiro da Casa de Portugal, especialmente nos momentos difíceis”. Fernando Miguel também foi agraciado com a comenda Infante D. Henrique. “Um diretor de duas décadas, sempre amigo fiel, e que sempre defendeu a casa nos momentos difíceis,
grande colaborador”.440
437
NAUS‟S. São Paulo, nº. 128, out. 2006, p.20-21. 438
Jornalista, radialista e apresentadora de TV, nascida em 16 de agosto de 1954, em Capinzal - SC. Iniciou sua carreira no rádio em Curitibanos - SC, em 1975. Em 1982 começou seu trabalho em uma TV local. Tendo passado pela TV Bandeirantes, a partir de 29 de março de 2004 estreou no comando do programa “Bom Dia Mulher”, na Rede TV, época em que foi agraciada com a homenagem na Casa de Portugal. Viajou diversas vezes a Portugal produzindo algumas matérias a respeito do país. 439
Superintendente da Caixa Geral de Depósitos, instituição financeira portuguesa que atua no empréstimo em dólares no Brasil. 440
SENE, Odair. Casa de Portugal de São Paulo comemora 71 anos. 03/11/2006. Disponível em: <http://www.mundolusiada.com.br/comunidade/casa-de-portugal-de-sao-paulo-comemora-71-anos-2/>. Acesso em: 30/08/2014.
168
Destaca-se de forma mais explícita a relação existente entre a outorga da
comenda da “Ordem do Mérito do Infante Dom Henrique” e donativos financeiros, ao
menos no caso de João Botelho. Foi outra a motivação para outorga de comenda, a
aparição da Casa de Portugal na mídia, no caso da homenageada da noite Olga
Bongiovanni, a exemplo de outros que também a receberam, como Ana Maria Braga
e Maurício Kubrusly.
No dia 18 de dezembro de 2009441, foi gravada para o “Vídeo Show”, da
Rede Globo, nas dependências da Casa de Portugal, uma matéria a respeito dos
personagens na novela “Negócio da China” interpretados pelos atores portugueses
Maria Vieira442 e Joaquim Monchique443. Foram recepcionados pelo Grupo Folclórico
da Casa de Portugal e agraciados com a Medalha de Mérito Comendador Pereira
Queiroz. A ocasião gerou uma divulgação sobre o trabalho desenvolvido pela Casa
de Portugal.
Em 7 de outubro de 2010444 foi homenageado, na Casa de Portugal, o ex-
jogador de futebol Artur Antunes Coimbra (o Zico), que possui ligação com a
comunidade portuguesa enquanto filho de imigrantes, sendo também cidadão
português. O ex-atleta recebeu, durante um Almoço das Quintas, a Medalha de
Mérito Comendador Pereira Queiroz. Sua homenagem veio num momento em que a
presidência da Casa de Portugal, exercida por Júlio Rodrigues, inaugurava maior
aproximação com o futebol, característica marcante desse dirigente que acabou se
prolongando na Casa mesmo após sua atuação445, embora Zico tenha sido o único
esportista homenageado com a Medalha pela associação.
441
NAUS‟S. São Paulo, nº. 152, 2009, p.19. 442
Nascida a 2 de março de 1957. Estreou como atriz em 1981 e participou de diversas peças teatrais. No Brasil obteve participação especial em duas telenovelas: Aquele Beijo e Negócio da China, ambas de Miguel Falabella 443
Ator português nascido em Lisboa a 23 de agosto de 1968. Sua inserção profissional inclui projetos teatrais e televisão em Portugal, tendo recebido alguns prêmios, notadamente por sua veia humorística. Atuou no Brasil unicamente na telenovela Negócio da China, de Miguel Falabella. 444
NAUS‟S. São Paulo, nº. 168, 2010, p.18. 445
Foi a partir da gestão de Júlio Rodrigues que a Casa de Portugal adquiriu o hábito de transmitir em telão todas as partidas de futebol de destaque da seleção europeia, incluindo os jogos da Copa do Mundo de 2014, já após o encerramento de sua gestão. A iniciativa fez parte de uma estratégia para aproximar cada vez mais o público jovem da Casa.
169
Diversas homenagens a personalidades ligadas à própria Casa de Portugal,
fadistas e outros músicos, bem como professores e alguns jornalistas foram
realizadas446. Nos anos de 1998 e 1999447 foram homenageadas duas fadistas
portuguesas radicadas no Brasil: Terezinha Alves448 e Adélia Pedrosa449. Tanto
estas como o diretor do Orfeon Académico de Coimbra receberam a Medalha de
Mérito Comendador Pereira Queiroz.
Já o ano de 2002 também contou com uma série de homenagens a pessoas
vinculadas à divulgação da cultura portuguesa. Em 22 de outubro450 e em 10 de
novembro451 foram homenageados em um jantar variados músicos e radialistas.
Orlando Duarte452 foi agraciado com a comenda da Ordem do Infante Dom
Henrique453, por seu trabalho realizado por mais de 40 anos como jornalista
esportivo. Muito conhecido no meio esportivo, tendo trabalhado em diversas
emissoras de televisão, é o único desse meio agraciado com a comenda da Ordem
do Infante Dom Henrique. Observa-se ainda a outorga da Medalha de Mérito
Comendador Pereira Queiroz a dois professores e três pessoas ligadas à direção da
Casa de Portugal454: Sonia Maria de Freitas455, Aristides Fiamoncini Filho456, o
446
No Apêndice E é possível conferir súmula de toda a documentação levantada referente às homenagens prestadas a pessoas ligadas à Casa, professores, fadistas, músicos e jornalistas. 447
NAUS‟S. São Paulo, nº. 29, fev. 1998, p.8. RAÍZES LUSÍADAS. São Paulo, Ano 15, nº. 81, jan./ fev. 1999, p.9. 448
Nascida em Cabanelas, conselho de Vila Verde, distrito de Braga, na província do Minho, ao norte de Portugal, emigrou ao Brasil com 15 anos, começando a cantar aos 16. Atualmente vive em São Paulo e fundamentou sua carreira com apresentações em casas de shows, clubes e restaurantes de São Paulo e do Rio de Janeiro. 449
Nascida em Praia de Pedrógão, distrito de Leiria, emigrou ao Brasil aos 17 anos de idade. Retornou a Portugal a pedido do governo português, onde chegou a gravar três discos, mas retornou ao Brasil. 450
NAUS‟S. São Paulo, nº. 85, nov. 2002, p.7. 451
NAUS‟S. São Paulo, nº. 86, dez. 2002, p.13. 452
Jornalista esportivo nascido em Rancharia - SP, em 18 de fevereiro de 1932, atuou em diversos campeonatos de futebol (incluindo muitas Olimpíadas e Copas do Mundo) como narrador, tanto no rádio como na televisão. Atua também na imprensa escrita e publicou mais de 30 livros sobre esportes. 453
NAUS‟S. São Paulo, nº. 97, nov. 2003, p.8. 454
NAUS‟S. São Paulo, nº. 137, 2007, p.10; nº. 160, 2009, p.19; nº. 169, 2010, p.20. 455
Historiadora com mestrado e doutorado em História Social pela Universidade de São Paulo (USP). Atuou em instituições culturais como Museu da Imagem e do Som (MIS), Memorial do Imigrante e Secretaria de Estado da Cultura. Atualmente é Professora do Ensino Básico II e vinculada à Secretaria da Educação do Estado de São Paulo. É autora de diversos livros institucionais e de artigos de jornais de grande circulação. 456
Diretor jurídico da Casa de Portugal de São Paulo.
170
Presidente da Provedoria da Comunidade Portuguesa do Estado de São Paulo457,
Maria dos Anjos458 e Antonio Abreu Freire459.
Fica claro que a honraria da Medalha do Mérito Comendador Pereira
Queiroz se prestou exatamente a premiar quem atuou de forma a divulgar a imagem
da Casa de Portugal. Já para a divulgação da imagem de Portugal ou das
comunidades portuguesas, não pareceu haver clareza na distinção ou classificação
entre a medalha e a comenda. Infere-se isso com base na verificação de que
diversas comendas foram concedidas para pessoas que divulgaram a imagem de
Portugal, como Ana Maria Braga, mas outros o fizeram também e receberam a
medalha (como a diretora cultural Maria dos Anjos, que trouxe ao Brasil exposições
de artistas portugueses).
O último grupo de homenageados pela Casa de Portugal460 trata-se de
personalidades políticas ou consulares, empresários ou outros não enquadrados nas
divisões anteriores. Entre essas homenagens, a mais antiga a que se teve acesso
por meio da documentação levantada ocorreu no final do ano de 1996, sendo
contemplado o engenheiro José Lello461. Foi organizado um jantar como parte da
cerimônia.
O jantar contou com a presença também do embaixador de Portugal, Dr. Pedro Ribeiro Menezes, do Cônsul Geral de Portugal em São Paulo, Embaixador José Henrique Barbosa Ferreira, do Dr. Ives Gandra Martins, Dr. Fernando Leça, representando o governador paulista Mário Covas, Dr. Almeida
457
Entidade de fins filantrópicos, mantém um lar para assistência social de idosos carentes da comunidade portuguesa na Serra da Cantareira, cidade de São Paulo. Sua sede administrativa localiza-se nas dependências da Casa de Portugal. Sobrevive de doações e da realização de eventos beneficentes. 458
Diretora cultural da Casa de Portugal de São Paulo, responsável pela curadoria das exposições de artes realizadas na Galeria de Artes da Casa de Portugal. Formada em artes plásticas pela Escola Superior de Belas Artes. Proprietária da Anjos Art Gallery. 459
Nascido em Aveiro, doutor em Ciências Humanas pela Universidade de Paris e em Física pela Universidade Laval em Québec, Canadá. Realizou uma expedição marítima comemorativa dos 400 Anos do Padre António Vieira, refazendo os percursos do jesuíta português. O resultado dessa expedição até o presente momento foram cinco livros e uma exposição de painéis fotográficos sobre a trajetória de Vieira. 460
No Apêndice F encontra-se a súmula de toda a documentação levantada referente a essas homenagens. 461
Gestor e político português, nascido em 18 de maio de 1944, no Porto. É engenheiro e dirigente nacional do Partido Socialista. Foi nomeado Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas em 1995 e reeleito em 1999.
171
Porto, Dr. Rodrigo Leal Rodrigues, Com. José Teixeira de Carvalho, do Arouca Clube.462
Por se tratar de um político português que obteve um cargo de
representação em Portugal relativo às comunidades portuguesas espalhadas pelo
mundo, compreende-se a preocupação em recebê-lo, visto que a Casa de Portugal,
como mencionado, tem sido comparada a uma representação extraoficial do
governo português em São Paulo. E, entre as personalidades presentes no evento,
destaca-se Fernando Leça463 como representante do então Governador do Estado,
Geraldo Alckmin464.
Foi homenageado com um jantar o Dr. Marcelo Rebelo de Sousa465, ocasião
em que foram comemorados também o Dia da Comunidade Luso-Brasileira e o Dia
do Descobrimento, já que a data escolhida foi 22 de abril466. Em homenagens
prestadas nos anos de 2002 e 2008467, foram outorgadas honrarias a embaixadores
de Portugal no Brasil. Por se repetirem em ocasiões diferentes, reforçam mais uma
vez o papel que a Casa exerceu de forma extraoficial: a representação do governo
português.
Ainda no ano de 2002468 foi a vez de receber a Ordem do Mérito Infante
Dom Henrique o Governador Geraldo Alckmin, também recepcionado com um jantar.
462
RAÍZES LUSÍADAS. São Paulo, Ano 13, nº. 69, janeiro/fevereiro 1997, p.23. 463
Fernando Vasco Leça do Nascimento, brasileiro natural de Bragança Paulista - SP, nascido a 1º de agosto de 1940, é advogado e jornalista. Foi deputado estadual por duas vezes (1983/1987 e 1987/1991) pelo PMDB. Em 1988, foi um dos fundadores do PSDB, partido ao qual é filiado até os dias de hoje. Exerceu diversos cargos públicos, entre eles Secretário de Educação, Cultura e Esportes da Prefeitura Municipal de São Bernardo do Campo. Foi ainda secretário-chefe da Casa Civil do governo de São Paulo. Ocupou até pouco tempo atrás o cargo de diretor-presidente da Fundação Memorial da América Latina. Exerce cargos de direção na Casa de Portugal há muitos anos, sendo o principal elo entre a associação e o PSDB. 464
Mais adiante se colocam as relações próximas entre o partido do então governador, o PSDB, e a Casa de Portugal. 465
Nascido a 12 de dezembro de 1948, em Lisboa, professor na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, passou antes por outras universidades. Jurisconsulto e político português, aderiu ao Partido Social Democrata (PSD) após sua fundação, em 1974. Exerceu diferentes cargos políticos ao longo de sua carreira. Possui estreitamento familiar com Marcelo Caetano, último primeiro-ministro do Estado Novo português, padrinho de casamento de seus pais. O PSD português surgiu com o nome Partido Popular Democrático (PPD), mudando a sigla em 1976. Atualmente governa o país, sendo considerado de centro-direita. 466
RAÍZES LUSÍADAS. São Paulo, Ano 14, nº. 72, julho/ago. 1997. 467
RAÍZES LUSÍADAS. São Paulo, Ano 18, nº. 108, junho 2002, p.5. NAUS‟S. São Paulo, nº. 151, 2008, p.20. 468
RAÍZES LUSÍADAS. São Paulo, Ano 19, nº 112, outubro 2002, p.9.
172
Na Ceia de Natal do ano de 2003469 a homenagem se dirigiu a um casal de
beneméritos da comunidade portuguesa: o senhor e a senhora Santos Diniz, do
Grupo Pão de Açúcar. O casal Diniz é considerado como antigos colaboradores e
beneméritos da Casa de Portugal. Num estudo aprofundado das atas das reuniões
de diretoria, percebe-se que o sobrenome é citado diversas vezes.
Floripes dos Santos Diniz foi agraciada com a Ordem do Mérito Infante Dom
Henrique:
Dona Floripes dos Santos Diniz, senhora afável, muito respeitada e querida na comunidade luso-brasileira, esposa muito dedicada do Comendador Valentim dos Santos Diniz e que muito tem contribuído para o crescimento dos supermercados Pão de Açucar, foi agraciada no jantar natalino da Casa de Portugal de São Paulo, que, num preito de admiração e respeito, agraciou-a com a sua distinção máxima a Ordem de Mérito do Infante D. Henrique.470
Na mesma ocasião471 foi feito um busto, colocado na entrada da Casa de
Portugal, para homenagear o Sr. Comendador Valentim dos Santos Diniz. Ainda que
o referido casal colaborasse com a Casa de Portugal e as comunidades portuguesas
de forma geral, não frequentava assiduamente a entidade.
[...] 01 – Dois ofícios do Sr. Valentim Santos Diniz, cumprimentado o Presidente Ramos, elogiando as programações da casa, informando que o Monumento a Pedro Álvares Cabral estará reformando em Abril e reafirmando que não virá aos eventos por motivos particulares [...].472
Nota-se que o Sr. Valentim Santos Diniz, apesar de reafirmar sua
colaboração na restauração do monumento a Pedro Álvares Cabral, exigida para as
comemorações dos 500 anos do descobrimento do Brasil, e de enviar seus
469
NAUS‟S. São Paulo, nº. 99, jan. 2004, p.19. 470
RAÍZES LUSÍADAS. São Paulo, Ano 20, nº. 127, janeiro 2004, p.27. 471
NAUS‟S. São Paulo, nº. 99, jan. 2004, p.19. 472
CASA DE PORTUGAL DE SÃO PAULO. Ata de reunião da Diretoria de fevereiro de 2000. In: Livro de Atas da Diretoria. São Paulo, 10/10/1996 a 08/08/2000, p.86.
173
cumprimentos ao presidente da Casa elogiando a programação da entidade, não
compareceria nos eventos por motivos particulares. Outra ocasião em que o
empresário foi citado corrobora ainda mais a hipótese de que os homenageados
com a Ordem do Mérito do Infante Dom Henrique seriam beneméritos da Casa de
Portugal: “[...] Destacando do expediente recebido, carta do Com. Valentim dos
Santos Diniz, doando à casa a importância de R$ 5.000,00, pelo qual foi decidido
enviar carta agradecendo.”473
No entanto, o próprio comendador não aceitou a homenagem. Foi definida,
então, outra forma de honraria:
[...] O Sr. Presidente informou que em reunião do Conselho da Comunidade Luso-Brasileira do Estado de São Paulo foi analisada a hipótese de se homenagear o Sr. Com. Valentim Santos Dinis em face à sua relevante e permanente colaboração para com a nossa comunidade, fato que ao ser levado ao seu conhecimento, não aceitou ser homenageado, foi entretanto o assunto, levado ao Sr. Presidente Antônio dos Ramos, que se manifestou no sentido de que deveria mandar-se fazer um busto a ser oferecido pela Casa de Portugal. [...]474
Em fevereiro de 2009475 o prefeito de Lisboa, Antonio Costa, lançou em São
Paulo uma campanha de promoção turística da capital portuguesa chamada “Lisboa
Convida”, no intuito de atrair brasileiros à capital de Portugal. Antonio Costa foi
homenageado presencialmente pelo então Presidente da Casa de Portugal, Júlio
Rodrigues, com a Medalha de Mérito Comendador Pereira Queiroz (conforme
regulamenta tal honraria). O evento fortalecia o papel da Casa de Portugal como
porta-voz do governo português no Brasil e solidificava relações políticas com a ex-
metrópole. E, mais uma vez, permite constatar a caracterização da instituição como
vitrine para a comunidade luso-brasileira na propaganda turística.
473
CASA DE PORTUGAL DE SÃO PAULO. Ata de reunião da Diretoria de 18 de fevereiro de 2003. In: Livro de Atas da Diretoria. São Paulo, 22/08/2000 a 07/10/2005, p.57. 474
CASA DE PORTUGAL DE SÃO PAULO. Ata de reunião da Diretoria de 26 de agosto de 2003. In: Livro de Atas da Diretoria. São Paulo, 22/08/2000 a 07/10/2005, p.67 (verso). 475
NAUS‟S. São Paulo, nº. 153, 2009, p.8.
174
A utilização da Casa de Portugal como vitrine é uma via de mão dupla.
Políticos portugueses, ao passarem por São Paulo, são convidados pela associação
a receber homenagens, ganhando assim visibilidade suas trajetórias políticas
institucionais. Por outro lado, a Casa se beneficia em ser o único porta-voz
extraoficial do governo português em São Paulo. Essa extraoficialidade garante à
Casa o prestígio social de que necessita para se manter enquanto casa-mater da
comunidade portuguesa.
Com a finalidade de elucidar o cerimonial de outorga de uma honraria na
Casa de Portugal que chame a atenção do público, toma-se como exemplo o
realizado em 10 de junho de 2014, observado sob o olhar atento de pesquisador: a
homenagem a Fernando Henrique Cardoso476 (FHC).
Por ocasião das comemorações do 10 de Junho – Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades. A Casa de Portugal tem a honra de convidar para a cerimônia de Outorga da Comenda da Ordem do Mérito Infante D. Henrique a Fernando Henrique Cardoso e coquetel de abertura da exposição fotográfica “Viagens Oficiais de FHC”.477
Nenhum outro partido esteve tão presente na Casa de Portugal quanto o
Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB). A homenagem a FHC expressa
isso, mas essa relação de proximidade se justifica pelo fato de Fernando Leça, um
dos diretores da Casa de Portugal, ter sido também um dos fundadores do partido
político.
O público do evento foi direcionado ao auditório da biblioteca, localizado no
terceiro andar do edifício, que, aliás, ficou repleto. Se uma das preocupações do
corpo diretivo é com a continuidade da associação e possível falta de envolvimento
476
Essa homenagem ocorreu no dia 10 de junho de 2014, uma terça-feira. FHC, sigla que representa as iniciais de seu nome completo, como é conhecido, nasceu a 18 de junho de 1931, no Rio de Janeiro. Mudou-se com oito anos de idade com sua família para São Paulo. É sociólogo, cientista político, filósofo, professor universitário, escritor e político. Casou-se com sua colega de turma, a antropóloga Ruth Vilaça Correia Leite. Foi senador por São Paulo, exerceu cargos como ministro e foi o primeiro presidente do Brasil eleito duas vezes consecutivas ao cargo pelo povo (de 1995 a 1998 e de 1999 a 2002). Embora seja um sociólogo muito lido e respeitado, seu principal feito pelo país foi garantir a estabilidade econômica com o lançamento do Plano Real quando ainda era ministro. 477
Dizeres constantes no convite de divulgação do evento, realizado por e-mail.
175
do público, sobretudo o jovem, o volume e frequência de pessoas naquela noite
revelaram um acerto nesse sentido. Muitos ficaram em pé e alguns até mesmo
apinhados na entrada do local.
O Presidente da Casa de Portugal convocou o jurista Ives Gandra da Silva
Martins para apresentar o homenageado, que na sequência foi chamado e discursou
sobre sua relação com Portugal, efetuando ao final de sua fala agradecimentos pela
homenagem prestada. Muito aplaudido, FHC e o público foram convidados ao
coquetel de abertura da exposição “Viagens Oficiais de FHC” no Salão de Artes da
Casa de Portugal, situado em um mezanino com vista para o salão principal da
Casa. A exposição mostrava painéis com imagens revelando FHC ao lado dos
principais líderes políticos de países como Japão, China, Alemanha, África do Sul,
Inglaterra, Holanda, França, Estados Unidos da América, Coréia do Sul, Portugal,
Espanha, entre outros.
Entre as imagens eleitas para a exposição, chamou atenção a foto da visita
oficial de FHC a Portugal para a comemoração dos 500 anos do Descobrimento do
Brasil.
Imagem 20 - Viagem oficial de FHC a Portugal.478
478
Acervo pessoal, 10/06/2014.
176
Havia dizeres quase invisíveis no canto inferior esquerdo da imagem:
“Comemorações Oficiais 500 anos Descobrimento do Brasil - Torre de Belém -
Lisboa - Portugal - Abril 2000”. À esquerda aparece Jorge Sampaio479, ao lado de
Ruth Cardoso480, Fernando Henrique Cardoso e Maria José Ritta481. O retrato capta
momento de uma cerimônia com presença dos líderes políticos dos dois países, que
se reuniram para iniciar uma nova travessia entre Portugal e Brasil, instituída
simbolicamente para comemorar o feito de Pedro Álvares Cabral em 1500.
Embora Cabral tenha partido com sua armada em 09 de março de 1500, por
um pedido do chefe de estado brasileiro (FHC), a cerimônia ocorreu um dia antes,
em 08 de março de 2000, em decorrência de compromissos oficiais. O barco que
repetiu o trajeto de 1500 contou com experientes velejadores brasileiros e
portugueses, além da participação da marinha brasileira e da portuguesa. Partiu do
Rio Tejo, em frente à Torre de Belém, em cuja sacada se encontravam os líderes
políticos de ambas as nações.
Com a chegada dos participantes ao Brasil foi que tiveram início as
comemorações em Salvador - BA, Porto Seguro - BA e, depois, Rio de Janeiro - RJ,
conforme previsão da Comissão Nacional encarregada da organização das
celebrações. O discurso de Fernando Henrique Cardoso refletia o tom das
comemorações brasileiras, que se basearam na multietnicidade característica do
país, na exaltação da língua portuguesa, na inserção na Comunidade dos Países de
Língua Portuguesa (CPLP), bem como em questões políticas e econômicas, como
as possibilidades de integração comercial entre os blocos econômicos do Mercosul e
União Europeia, o volume dos investimentos portugueses realizados no Brasil, as
trocas culturais e relações bilaterais.482
479
Jorge Fernando Branco de Sampaio nasceu em Lisboa, em 18 de setembro de 1939. Formou-se em Direito na Universidade de Lisboa. Na qualidade de Presidente de Portugal, seu mandato foi de 9 de março de 1996 a 9 de março de 2006, pelo Partido Socialista. 480
Ruth Vilaça Correia Leite Cardoso nasceu em Araraquara - SP, a 19 de setembro de 1930. Antropóloga e professora universitária, atuou na Universidade de São Paulo como docente e em diversas outra universidades estrangeiras. Conheceu FHC ainda na universidade, em 1951, casando-se em 1953. De 1º de janeiro de 1995 a 1º de janeiro de 2003 foi a primeira-dama do Brasil. Faleceu a 24 de junho de 2008. 481
Maria José Rodrigues Ritta foi primeira-dama de Portugal entre 1996 e 2006, período do mandato presidencial de Jorge Sampaio. 482
BRASIL. Ministério das Relações Exteriores. Departamento de Comunicações e Documentação (DCD). Coordenação de Documentação Diplomática (CDO). Cerimônia Oficial de Chegada do Presidente a Portugal. Resenha de Política Exterior do Brasil. Brasília, nº. 86, Ano 27, 1º semestre
177
Por outro lado, o discurso realizado por Jorge Sampaio pontuou a
importância de rememorar o passado histórico de Portugal, sem renegá-lo nem
julgá-lo, apesar dos erros cometidos. Destacou a democracia como valor comum
entre as duas nações, o crescimento de Portugal desde a Revolução dos Cravos e o
marco de 25 de Abril de 1974, que permitiu a consolidação da democracia no país.
Ressaltou que os investimentos portugueses realizados no Brasil seriam reflexo da
confiança que o país inspirava, e citou os esforços da CPLP e seu papel na
reconstrução do Timor Leste. Finalizando o discurso, reforçou ainda mais a ideia da
modernidade de Portugal.
[...] A sociedade portuguesa mudou profundamente nos 25 anos que seguiram a Revolução dos Cravos: mudaram as estruturas, os comportamentos, as mentalidades. Portugal é hoje um país democrático, uma sociedade aberta, uma economia dinâmica. Pertencemos à União Europeia, uma união política e económica de Estados soberanos baseada no respeito pela democracia, pelos direitos do homem e pela solidariedade social. Não alcançámos certamente toda a liberdade e justiça que queremos e cada dia enfrentamos o peso das inércias, as dificuldades das mudanças, os constrangimentos que a economia globalizada de hoje impõe a todos nós. [...] [...] Represento aqui, com muito orgulho, a pátria de Pedro Álvares Cabral; mas represento sobretudo a nação que é feita todos os dias pelas portuguesas e pelos portugueses de hoje, um Estado democrático, um país cada vez mais integrado no projecto europeu e cada vez mais consciente da sua identidade nacional. Recebo-o aqui, Senhor Presidente Fernando Henrique Cardoso, em nome de um Portugal novo, de um Portugal moderno e criativo que soube transformar-se profundamente sem esquecer as suas tradições. Um país que acredita no futuro e se orgulha da sua história.483
O enfoque do discurso, a modernidade do país, mostrava consonância com
a política cultural adotada pela Casa de Portugal, em São Paulo, e podia ser
percebido também na programação cultural dos eventos ali realizados. Como já
de 2000, p.42-43. Disponível em: <http://www.itamaraty.gov.br/images/ed_biblioteca/resenhas_peb/ Resenha_N86_1Sem_2000.pdf>. Acesso em: 17/09/2014. 483
PORTUGAL. Presidência da República Portuguesa. Arquivo. Cerimónia com o Presidente da República Federativa do Brasil, na Torre de Belém. Torre de Belém, 08 de março de 2000. Disponível em: <http://jorgesampaio.arquivo.presidencia.pt/pt/noticias/noticias/discursos-8.html>. Acesso em: 17/09/2014.
178
pontuado, evidenciava ainda a aproximação entre a imagem veiculada oficialmente
por Portugal e a praticada na associação.
Não foram somente Fernando Henrique Cardoso e Geraldo Alckmin os
homenageados do PSDB na Casa de Portugal. Destacam-se a seguir outras
evidências encontradas na documentação pesquisada484 da presença desse partido
político. As relações entre a Casa de Portugal e o partido brasileiro PSDB remontam
a tempos anteriores, mas há registros na documentação disponível apenas desde
1996.
Como duas reportagens sugeriam, a Casa de Portugal procurava receber
muito bem os membros de seu partido político mais assíduo485. Uma delas noticiava
a realização de um jantar para homenagear um engenheiro486 com o então
governador do Estado, Mário Covas, na lista de convidados, representado na
solenidade por Fernando Leça. A outra reportagem destacava a presença do
embaixador de Portugal em São Paulo no Almoço das Quintas487, citando entre os
convidados o então governador, Geraldo Alckmin, que esteve no local como parte da
agenda de encontros do embaixador, que participava na ocasião de uma reunião
com membros da União Europeia.
Outro indício do apoio da Casa de Portugal ao PSDB data de setembro de
2000488, quando foi noticiado um cerimonial, acompanhado também de jantar, em
reportagem intitulada “Admiração e Identidade”, que seriam atributos relacionados
ao encontro. A nota do evento esclarecia se tratar de um jantar promovido na Casa
de Portugal pelo Conselho da Comunidade Luso-Brasileira do Estado de São Paulo
em apoio à candidatura de Geraldo Alckmin a reeleição para governador do Estado
484
Os dados que permitiram a análise e levantamento dessa documentação se encontram dispostos no Apêndice G. 485
Cabe ressaltar que a Casa recebe a todos, o próprio ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva já foi recebido por lá. Tanto que diversos funcionários e pessoas ligadas à direção da Casa adotam a postura de estarem sempre de braços abertos a todos e apartidários, havendo diferentes correntes políticas sobrevivendo em conjunto. 486
RAÍZES LUSÍADAS. São Paulo, Ano 13, nº. 69, jan./fev. 1997, p.23. 487
RAÍZES LUSÍADAS. São Paulo, Ano 18, nº. 108, jun. 2002, p.5. 488
NAUS‟S. São Paulo, nº. 83, set. 2000, p.16.
179
de São Paulo. Relatava também que Alckmin fizera discurso relacionando sua
identidade à dos “luso-brasileiros desbravadores”489.
Em 1º de outubro de 1999490, durante a comemoração dos 64 anos da Casa
de Portugal de São Paulo, se destacou a presença do então vice-governador do
estado de São Paulo, Geraldo Alckmin, representando o governador Mário Covas na
plateia do show do grupo musical português Brigada Victor Jara.
Sobre a proximidade com o PSDB, mas também a respeito da influência
política exercida pelo Instituto Camões, órgão cultural relacionado ao governo
português, acrescenta-se:
Pra você ter uma ideia, o Ano de Portugal no Brasil, o calendário foi lançado também aqui em São Paulo na própria Casa de Portugal, de São Paulo, com a presença do diretor geral do “Ano de Portugal no Brasil”, aliás, do comissário geral com a presença do Ministro dos Negócios Estrangeiros e que fez a apresentação na Casa de Portugal. A Casa de Portugal mantém todo um código de cooperação com o Instituto Camões. Aliás, o Instituto Camões já teve como sede a Casa de Portugal em São Paulo. Hoje sua sede é Brasília. E a Casa de Portugal está aberta a essa parceria com o Instituto Camões, que é o principal organismo de promoção cultural de Portugal no estrangeiro, e também com a Secretaria Municipal de Cultura e Secretaria Estadual de Cultura. Numa das vice-presidências da Casa de Portugal nós temos o Dr. Fernando Leça, que foi Secretário de Estado da Receita Federal, foi Secretário de Estado da Casa Civil, tem um relacionamento muito bom e estreito com o governo do Estado e também com a Prefeitura. E ele tem sido essa ponte de ligação entre a comunidade portuguesa e os poderes constituídos tanto no governo estadual, federal ou municipal. E a nossa ideia é continuar trabalhando dessa forma. Envolver as entidades ligadas a cultura tanto no Brasil quanto em Portugal pra somar. Que é mostrar o que é Brasil em Portugal, mas mostrar Portugal no Brasil.491
489
Recorrer à ideia de que os portugueses foram desbravadores e grandes descobridores desde o período de Pedro Álvares Cabral parece ser um recurso retórico importante e recorrente para identificação com parte do público da Casa de Portugal em São Paulo. 490
RAÍZES LUSÍADAS. São Paulo, Ano 16, nº. 87, jan./fev. 2000, p.7. 491
Depoimento de Paulo Machado, em entrevista concedida ao autor em 02 de abril de 2013, na AICEP.
180
Nota-se a identificação política da Casa de Portugal em território nacional
com o PSDB, mediada por Fernando Leça, que, além de filiado ao partido, é
membro do quadro diretivo da associação. Essa articulação foi feita principalmente
nos níveis estadual e municipal, embora o político já tenha também exercido cargos
na esfera federal. No entanto, em nível internacional, no que se refere à política
cultural, foi vinculada ao Instituto Camões.
O Instituto Camões veio pra cá em 2000. Ele ficou aqui cinco anos e foi também um período muito gratificante. Eu trabalhava como secretária do diretor do Instituto, além da biblioteca, então era um movimento incrível, o telefone tocava o dia inteiro, era gente pra lá e pra cá, então era muito bom. Ele atualizou o acervo, fez uma doação de 2000 livros, mas também saiu da Casa e atualmente está em Brasília junto à embaixada. O Consulado também saiu no mesmo período. Saiu junto com o Instituto em 2005 pra Rua Canadá. [...] Bem, na parte cultural, eu tive um diretor cultural fantástico, que lamentavelmente faleceu há alguns anos. Ele era português, mas já morava no Brasil há muitos anos. Ele tinha uma visão de cultura diferente porque adorava movimento, tinha muita poesia, muita música, teatro, ele era ator de teatro. Então era muito gostoso, a Casa tinha um movimento muito grande. Tinha o Leo Rodrigues, que também faleceu, que era fundador da Academia Lusíada de Letras. Então a Casa tinha um movimento enorme com relação a autores, escritores, pessoas que frequentavam que eram da Academia Paulista de Letras, Academia Brasileira de Letras, eles vinham muito aqui. Tinha muito lançamento de livro, muita coisa, então o movimento aqui era muito interessante. Tinha também o Consulado aqui que dava muito movimento. Depois que o Consulado saiu e eles morreram, a Casa ficou muito parada, parada demais pro meu gosto.492
Conforme Eliane Junqueira, o período da passagem do Instituto Camões e
do Consulado de Portugal em São Paulo pela Casa de Portugal foi de 2000 a 2005.
Posteriormente, o Consulado se estabeleceu na Rua Canadá, e atualmente o
Instituto Camões encontra-se sediado em Brasília, junto à embaixada portuguesa no
Brasil. Ainda de acordo com a depoente, o Instituto trazia movimento de pessoas à
Casa de Portugal. Essa afluência seria mais intensa pela baixa popularização da
internet, que garantia movimento à biblioteca. Conforme mencionado na entrevista, o
492
Depoimento de Eliane Junqueira, em entrevista concedida ao autor em 05 de outubro de 2012, na biblioteca da Casa de Portugal.
181
acervo da biblioteca da Casa de Portugal foi atualizado nessa época – chegavam
doações de livros diretamente de Portugal, única ajuda formal do governo português
recebida pela associação.493
Para Eliane Junqueira, os eventos realizados pelo Instituto possuíam um
caráter diferenciado, com muita poesia, literatura e lançamentos de livros.
Ressaltou-se a frequência de membros da Academia Paulista de Letras e da
Academia Brasileira de Letras, certamente fruto da convivência com a promoção da
Língua Portuguesa efetuada pelo Instituto Camões.
Sobre a diretriz político-cultural portuguesa – ou até mesmo brasileira – que
regeu ou rege as atividades da Casa de Portugal, percebe-se que a depoente
interpretou o termo “política cultural” na formulação da pergunta como relação com
partidos políticos. Nesse sentido, respondeu que as portas da Casa estão abertas a
todos os partidos políticos, recorrendo ao fundador, Ricardo Severo, para
fundamentar sua fala:
Não, a Casa é totalmente apolítica. Tanto é que em período de eleições ela recebe todos os candidatos. Mesmo na época de comícios do Lula. Vinha Lula, vinha Serra, vinha todo mundo aqui. Ela abre as portas pra qualquer coisa. Quanto a isso nunca teve. Aliás, foi essa a ideia de Ricardo Severo, que a Casa fosse apolítica.494
Não se coloca em dúvida o fato de todos serem bem recebidos na Casa de
Portugal, contudo, a associação não é apolítica. Tampouco se nega a presença do
Presidente da República Luís Inácio Lula da Silva, mas, com base nas informações
levantadas, pode-se afirmar que há uma relação mais estreita com o PSDB. Outro
fator que aproxima ainda mais a Casa de Portugal do referido partido político
493
Não foi possível identificar registro da atualização da biblioteca realizada pelo Instituto Camões no estudo realizado nas atas das reuniões de diretoria da década de 90. Verificou-se nessas atas o hábito de todas as doações serem registradas desde que feitas por intermédio dos diretores. Como o depoimento de Eliane Junqueira revela que as doações realizadas via Instituto Camões eram feitas por meio de malote diretamente de Portugal, provavelmente não passavam pelas reuniões de diretoria. 494
Depoimento de Eliane Junqueira, em entrevista concedida ao autor em 05 de outubro de 2012, na biblioteca da Casa de Portugal.
182
relaciona-se à frequência da associação, em sua maioria portugueses e luso-
brasileiros em destaque na sociedade paulistana495.
Sobre a passagem do Instituto Camões e do Consulado pela Casa, Antonio
dos Ramos relata:
Não, não. O governo português tinha aqui num primeiro momento o consulado a pagar aluguel quase de graça, de graça, porque o valor era o equivalente a 10 salários mínimos e era corrigido uma vez por ano. [...] Agora parece cá, segundo me dizem, parece que volta. Não sei se voltam, se voltarem eles vão ficar com o andar de cima, onde é que estavam, no quarto andar e talvez libere aqui a metade deste [terceiro andar, local da entrevista, mesmo da biblioteca]. E vão pagar 15.000 euros, se puderem, mas nunca nos ajudaram em nada. [...] Não existe nada por escrito, o governo português, nessa parte da cultura, aqui no Brasil tem uma lacuna total. Nós é que temos que a substituir, isso não devia ser assim. Por exemplo, uma das demandas, das finalidades que vai ter agora, vai ser muito muito difícil, mas vou lutar até as últimas consequências, introduzir a boa música portuguesa em alguns programas de rádio brasileiros. O Brasil é um país muito fechado, fechou-se muito de modo geral, na música também. Andam por aí o rock, bandas, jazz, mas hoje. Na década de 70, os brasileiros sabiam quais eram os principais cantores franceses, principais cantores italianos, principais portugueses, hoje ninguém sabe. Hoje ninguém sabe os cantores franceses, só sabem rock, as bandas de rock eles sabem. Eu queria fazer um trabalho pra gastar dinheiro, pagar, sei lá, arrumar patrocínio... Selecionar músicas mais ao gosto dos brasileiros e ver se consigo colocar a música portuguesa nos principais programas de rádio, sei lá, na Cultura, na USP, a Eldorado, Antena 1, enfim, esses tipos de rádios. Em Portugal toca-se mais música brasileira que portuguesa. Porra, tinha que haver a contrapartida. Nosso governo são uns coitados que não exigem nada, não procuram contrapartida nenhuma. Tivemos anos e anos que é um repeteco pra
495
Segundo reportagem da Folha de São Paulo, as preferências do eleitorado entre as diferentes classes sociais variam. Segundo pesquisa Datafolha, as intenções de voto em Aécio Neves, candidato do PSDB, aumentam conforme melhora a classe social. Conforme o grupamento social utilizado pelo Instituto de pesquisa citado, entre os 7% da população de classe mais alta, 33% revelam intenção de votar em Aécio Neves, enquanto apenas 10% dos excluídos declaram intenção de votar no candidato, classe que concentra 27% do total de eleitores. MENDONÇA, Ricardo. Disputa Dilma-Marina é bem mais dura na classe média intermediária. 21/09/2014. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/poder/2014/09/1519451-disputa-dilma-marina-e-bem-mais-dura-na-classe-media-intermediaria.shtml>. Acesso em: 23/09/2014. Ainda de acordo com a mesma notícia, “[...] No caminho oposto, o desgaste na economia e a tendência à direita tornam compreensível o bom desempenho da oposição, especialmente de Aécio Neves, nas classes mais altas”. Percebe-se na escrita do jornal a tendência do candidato do partido do PSDB à direita e sua predileção pelas classes sociais mais altas.
183
produção da Globo, as novelas todas, nunca exigiram a contrapartida de 5%, nunca negociaram, nunca existiu a contrapartida pra passar na televisão alguma coisa sobre Portugal. O Fantástico... para! Então, conclusão, temos que fazer isso, mas não fazem, uma negação. É de revoltar!496
Nota-se existir uma preocupação, sobretudo cultural, quando afirma a
inexistência de uma contrapartida à exposição de conteúdos brasileiros em Portugal,
declarando que o Brasil é mais conhecido em Portugal do que o contrário. Declara o
desejo de mudar esse cenário mais em tom de protesto, avalia-se, que de modo
concreto – parece um desabafo em relação à ausência de incentivos portugueses
nas questões culturais. No entanto, a crítica parece fundamentada ao dizer que na
década de 70 o público reconhecia músicas, cultura e manifestações artísticas de
diferentes nacionalidades, diferentemente do que se apresenta hoje.
Unanimemente os depoentes se queixaram da ausência de incentivo por
parte do governo português. Nas atas das reuniões da diretoria da associação, ao
menos uma vez contrapõe-se essa crítica:
[...] Em seguida o Presidente, destacando a ORDEM DO DIA da reunião, item “C” posição financeira, deu a palavra ao Diretor Tesoureiro Sr. José Ferreira Leitão, o qual apresentou um relatório de todas contas existentes nos vários bancos onde a casa mantém movimento, bem como, apresentou um resumo dos créditos existentes a serem recebidos. Destacou que no valor hoje existente em caixa de R$ 27.013,09 encontra-se incluídos a importância de R$ 22.464,00 referente a subsídios enviados pelo Governo português à favor da Casa. Durante a discussão deste item, foi sugerida a criação de um fundo de reserva para atender eventuais e urgentes necessidades, ficando o senhor tesoureiro incumbido de avaliar o assunto e, oportunamente, trazê-lo a reunião de Diretoria para aprovação do procedimento. Ficou estabelecido também, que o Sr. Tesoureiro deverá apresentar em toda primeira reunião de cada mês, um balancete pormenorizado de todas as contas da casa relativas ao mês anterior.497
496
Depoimento de Antonio dos Ramos, em entrevista concedida ao autor em 03 de abril de 2013, na Casa de Portugal. 497
CASA DE PORTUGAL DE SÃO PAULO. Ata de reunião da Diretoria de 10 de agosto de 1999. In: Livro de Atas da Diretoria. São Paulo, 10/10/1996 a 08/08/2000, p.74.
184
Uma quantia substanciosa do caixa da entidade, ao menos na ocasião,
provinha de uma doação efetuada pelo governo português. Como foi o único registro
encontrado em vários anos, pode ser que tenha sido pontual e, por isso, pouco
significativo frente aos gastos da Casa de Portugal, ainda mais se levada em conta a
quantidade de artistas portugueses que vêm ao Brasil e apresentam-se na entidade.
Ainda sobre a questão financeira e apoios advindos do governo português:
Nós tivemos durante vários anos, muitos anos, o Consulado era dentro da Casa de Portugal. Depois, há alguns anos, saiu, foi pra uma casa na Rua Canadá. A Casa de Portugal caminha por suas próprias mãos, ela sempre caminhou com suas próprias mãos, nós temos salas lindíssimas e incríveis que são alugadas pra outras festas pra poder manter o próprio edifício, não é? Em condições habitáveis e pra que suas fundações continuem intactas e fortes. [...] Não, de jeito nenhum. Alguns poucos empresários nos fazem gentilezas a nos ajudar em alguns eventos. Mas quando eu faço, por exemplo, projetos de um nível mais elevado, que eu ponho uma Lei Rouanet e tal, a gente tem que ir atrás de patrocinadores, de luso-brasileiros que aqui estão estabelecidos e com os quais temos alguns contatos pra viabilizar os nossos projetos tanto no Brasil como pra fora. Mas a Casa em si ela tem uma gama de admiradores que nas festivas eles colaboram com aquilo que acham que podem e que devem colaborar. Não tenho valores específicos, mas, assim, através do governo posso lhe dizer que não. O governo não manda nada pros eventos culturais e também as exposições de artes feitas na nossa galeria elas não têm custo e a Casa ainda cede, ainda dá o seu coquetel. Portanto, é por isso que temos que ver muito bem quem é que colocamos, com quem fazemos, porque não há custos.498
Apresenta-se mais uma vez o discurso da ausência de ajuda financeira ou
de qualquer natureza por parte do governo português. Fica mais claro como a Casa
de Portugal consegue se manter: com os eventos realizados, que fornecem receitas
pelo aluguel dos espaços da edificação, e em menor grau com a ajuda de
empresários luso-brasileiros.
498
Depoimento de Maria dos Anjos, em entrevista concedida ao autor em 18 de julho de 2013, em seu ateliê.
185
Já a respeito de contribuições não financeiras, o discurso é muito
semelhante:
O governo português não ajuda em nada. Aliás, já cheguei a mandar ofício pedindo trajes, no começo dava até algum trabalho pra nos passar músicas novas. Nunca fomos atendidos nesse ponto. Temos lá a Federação de Folclore Portuguesa, inclusive tiveram dois representantes aqui na Casa na biblioteca. Mas eles vieram divulgar as vilas deles, o comércio deles, folclore mesmo ali não mostraram. Pra mim, eles não mostraram nada. Tudo aquilo que eles mostraram eu já sabia há 30 anos atrás. É puxar a sardinha pro lado dele, mas não deixou de ser legal. Mais isso aí veio por quê? Inclusive estava aí o Ministro de Portugal. Porque ele falou antes e tal. Então ali também estava tendo alguma coisinha por causa da política portuguesa. Mas ajudar assim direto o folclore, eu nunca vi. Pra nós que não somos federados, nada. Agora o Arouca é federado, você pode se aprofundar sobre isso. O Arouca São Paulo Clube são federados, mas nós não somos. Até porque pra ser federado precisa ser só de uma região, dançar músicas daquela região. E a Casa de Portugal, como representa Portugal inteiro, dança músicas de norte a sul de Portugal. Mas eles, o que é que eles dão? Uma bandeira da federação e, pelo que eu sei, não ajudam em nada também.499
Observa-se a limitação inicial para se trabalhar com danças folclóricas.
Antes da existência e disseminação da internet, era grande a dificuldade para se
obter informação, imagens ou qualquer material didático. É provável que, em
momentos de dúvida, tenha entrado em contato com o governo português sem obter
êxito. Mencionou a Federação de Folclore, mas se queixou da atuação da entidade,
que atendia apenas a grupos focados em determinadas regiões, o que se contrapõe
à concepção da Casa de Portugal enquanto entidade associativa que busca ser a
casa-mater da comunidade portuguesa em São Paulo, ou seja, reunir todas as
casas regionais e representar a nação como um todo. Tal concepção repercute
inclusive no Grupo Folclórico da Casa, que se desdobra para coreografar variadas
danças existentes em diferentes regiões, bem como para manter os diferentes trajes
exigidos em cada apresentação.
499
Depoimento de Ernesto de Lemos, em entrevista concedida ao autor em 04 de julho de 2013, em seu restaurante.
186
A concepção regionalista de cultura popular foi arraigada no período do
Estado Novo português, momento em que encontrou apoio explícito na política
salazarista. E, embora a cultura popular da Casa de Portugal seja contrária ao
regionalismo, demonstra resquícios das identidades portuguesas reelaboradas
durante esse período em Portugal. Esse e outros aspectos ligados às identidades
portuguesas serão abordados a seguir por meio dos eventos ligados à terra, à
comensalidade e ao entretenimento musical.
187
CAPÍTULO III – EVENTOS NA CASA DE PORTUGAL:
MEMÓRIAS, IDENTIDADES E HOSPITALIDADE
Este capítulo examina como a hospitalidade500, no que concerne à recepção,
alimentação e entretenimento, foi utilizada no processo de resgate da memória e das
identidades portuguesas durante os eventos que ocorreram na Casa de Portugal.
A hospitalidade se manifesta em seus tempos e espaços, subdivididos em:
espaços doméstico, público, comercial e virtual; e tempos de recepcionar, hospedar,
alimentar e entreter.501 Essas práticas sociais inter-relacionam-se, abarcando a
manifestação da hospitalidade de forma ampla, que extrapola os objetivos desta
pesquisa em termos de complexidade e discussão. O que se propõe aqui é chamar
atenção para as práticas sociais da hospitalidade que se manifestam no objeto em
estudo, os eventos da Casa de Portugal, práticas essas vistas como elementos
importantes sob a ótica da história cultural, capazes de ativar as memórias e
identidades portuguesas.
A hospitalidade possui suas raízes na antropologia, ao se identificar com a
matriz maussiana502 da tríade dar-receber-retribuir503. Daí a utilização de algumas
práticas sociais da hospitalidade para dar conta do contexto e do processo histórico
dos eventos da Casa de Portugal, pois, por mais sofisticadas ou disfarçadas que
estruturas básicas estejam na modernidade, ainda a fundamentam.504
500
Adota-se aqui o conceito de hospitalidade que envolve seus tempos sociais humanos de receber, hospedar, alimentar e entreter. CAMARGO, Luiz Octavio de Lima. Hospitalidade. São Paulo: Aleph, 2004. 501
“Quais são as práticas sociais que se inserem dentro do processo de hospitalidade? Para responder a esta questão, fomos levados a criar dois eixos: O primeiro nos fala dos tempos sociais da hospitalidade humana: o receber/ acolher pessoas; hospedá-las, alimentá-las e entretê-las; O segundo nos fala dos espaços sociais nos quais o processo se desenrola: o doméstico, o público, o comercial e o virtual.” Ibidem, p.52. 502
Marcel Mauss foi um sociólogo e antropólogo francês, sobrinho de Émile Durkheim. Seus estudos se destacaram sobretudo na etnografia francesa. Sua obra “Essai sur le don: forme et raison de l´échange dans les sociétés archaïques” (1925) é considerada fundadora dos estudos da Hospitalidade e uma das bases teóricas para o movimento surgido na França em 1981 que o homenageia – M.A.U.S.S. (Movimento Anti-Utilitarista nas Ciências Sociais). 503
A hospitalidade se equipara à dádiva pela tríade dar-receber-retribuir, que fundamentou as leis da hospitalidade: a dádiva implica algum tipo de sacrifício por parte do doador; a dádiva traz implícita algum interesse; o dom deve ser aceito; receber implica aceitar uma dívida ou uma situação de inferioridade em relação ao doador; o donatário deverá retribuir. CAMARGO, op. cit., 2004. 504
“[...] Contudo, ao colocarmos a história social numa relação com a muito mais sofisticada disciplina da antropologia, então claramente nos deparamos com dificuldades teóricas ainda maiores. Supõe-se algumas vezes que a antropologia possa fazer descobertas não apenas acerca de sociedades
188
As práticas sociais da hospitalidade – como recepção, alimentação e
entretenimento – manifestadas nos eventos da Casa de Portugal se caracterizam
por dádivas para imigrantes e descendentes pelo fato de reativarem a memória e o
pertencimento. Essas experiências sustentam os vínculos associativos, podendo
perpetuar os relacionamentos por meio de dádivas e contradádivas.
A hospitalidade alimenta os vínculos, fortalecendo as relações sociais. Esses
vínculos dão base ao sentido de pertença a uma comunidade, que por sua vez
compõe as identidades. Estas são resgatadas nos tempos sociais da hospitalidade –
nos atos de recepção, entretenimento e alimentação proporcionados pelos eventos
da Casa de Portugal. E a historicização desses tempos sociais da hospitalidade nos
eventos constitui aspecto relevante para a história cultural.
Com o intuito de aprofundar essas questões, o capítulo se divide em três
partes. Busca-se na primeira delas explicitar como resquícios das identidades
portuguesas reelaboradas durante o período salazarista ressurgiram enquanto
memória na Casa de Portugal, com base no histórico dos eventos. Na segunda parte
será discutida a comensalidade à portuguesa utilizada enquanto elemento de
tradição na Casa de Portugal e, particularmente, num evento semanal denominado
Almoço das Quintas. Já no terceiro item o entretenimento musical será abordado
como meio de resgate das tradições em dois tipos de eventos frequentes no
calendário anual da associação: o aniversário da Casa e a ceia de Natal.
3.1 EVENTOS LIGADOS À TERRA: PRESENÇA SALAZARISTA
No capítulo anterior observou-se a diminuição dos eventos ligados à terra na
programação da Casa de Portugal. Tratou-se de uma extinção gradual realizada na
particulares, mas sobre as sociedades em geral, que funções ou estruturas básicas tenham sido reveladas e que, por mais sofisticadas ou disfarçadas que possam estar nas sociedades modernas, ainda fundamentem as formas modernas. Entretanto, a história é uma disciplina do contexto e do processo: todo significado é um significado-dentro-de-um-contexto e, enquanto as estruturas mudam, velhas formas podem expressar funções novas, e funções velhas podem achar sua expressão em novas formas.” THOMPSON, E. P. As Peculiaridades dos Ingleses e outros artigos. 3ª reimpressão. Campinas, SP: Unicamp, 2010, p. 243. Nesse trecho Thompson afirma que o historiador deve sempre contextualizar seu pensamento pressupondo conhecimentos da antropologia social.
189
gestão do presidente Antonio dos Ramos, iniciada em 1985, tendo permanecido por
mais anos somente a Festa da Cereja.
Entre 2007 e 2011, sob a presidência de Julio Rodrigues, esses eventos
ganharam novo enfoque. E, ao retornar à presidência da Casa de Portugal em 2011,
Antonio dos Ramos, apesar da sua visão mais modernizante em relação à cultura
portuguesa, continuou a realizar essas festas consideradas tradicionais, pois se
tornaram a prática cultural da associação que mais atrai jovens.
Eu avalio, uma das bandeiras mais importantes [o folclore português], porque a nossa faixa etária de idade, a faixa etária da comunidade portuguesa é já muito avançada. E se nós não contarmos com essa juventude, fica muito difícil, não sei o que será pra amanhã das entidades portuguesas. Acredito que nunca vão acabar, mas o folclore está trazendo uma juventude completamente diferente. Eu acredito que nós tenhamos hoje, aproximadamente, mais de mil pessoas, mil jovens, frequentando o folclore, e isso vai cada vez mais divulgando as coisas portuguesas. E essa juventude será o futuro do Brasil de amanhã e dos portugueses.505
Conforme o depoimento, observa-se que o “folclore” possui um papel
importante na perpetuação da memória da cultura e das tradições portuguesas,
sendo capaz de atrair muitos jovens e manter a cultura viva e dinâmica. Tal
constatação se reafirma ao perseverar enquanto estratégia de gestão da Casa de
Portugal, apesar do longo período em que a instituição foi presidida por Antonio dos
Ramos, que, embora discorde em associar a cultura popular à imagem de Portugal,
ainda a preserva pela capacidade de atração de um público diferenciado.
As memórias do período salazarista ainda se fazem presentes na Casa de
Portugal mediante diferentes referências residuais506, como os eventos relacionados
505
Depoimento de Vasco Frias Monteiro, em entrevista concedida ao autor em 1º de abril de 2014, na Casa de Portugal. 506
“[...] Por „residual‟ quero dizer que algumas experiências, significados e valores que não podem ser verificados ou não podem ser expressos nos termos da cultura dominante são, todavia, vividos e praticados como resíduos – de formações sociais anteriores [...] Uma cultura residual está geralmente a certa distância da cultura dominante efetiva, mas é preciso reconhecer que, em atividades culturais reais, a cultura residual pode ser incorporada à dominante. Isto porque alguma parte dela, alguma versão dela – sobretudo se o resíduo é proveniente de alguma área importante do passado – terá de ser, em muitos casos, incorporada se a cultura dominante quiser fazer sentido
190
ao culto à terra, tanto por identificar os regionalismos como por valorizar o passado
rural. Nesta investigação busca-se detalhar os cerimoniais507 desse tipo de evento: a
Festa da Vindima, o Magusto, a Desfolhada do Milho e a Festa da Cereja, que
materializam o passado do imigrante por meio de suas encenações. Nesse sentido,
o legado salazarista se mantém em muitos aspectos.
Num esforço pioneiro para compreender as ligações entre legados autoritários de direita e a “qualidade” da democracia consolidada Cesarini e Hite definem-nas como “todos os padrões comportamentais, regras, relações, situações sociais e políticas, normas, procedimentos e instituições, quer introduzidos quer claramente reforçados pelo regime autoritário imediatamente anterior”, que sobrevivem à mudança de regime, argumentando que as três variáveis-chave são: a estabilidade do anterior regime autoritário; a inovação institucional desse regime; e o modo de transição. [...]508
Nota-se que a noção de “legado autoritário” adotada pelo autor se aplica ao
caso de Salazar, por se tratar de situação de normas sociais que sobrevivem a
mudança de regime, sobretudo a questão identitária.
Em se tratando de política cultural, os padrões comportamentais
incentivados durante o salazarismo permaneceram, pois para gerir as questões
culturais Salazar criou institucionalmente o Secretariado de Propaganda Nacional
(SPN), inserindo em seu comando António Ferro509. Para Salazar, o SPN destinava-
se, fundamentalmente,
nessas áreas. Também porque, em certos aspectos, uma cultura dominante não pode permitir que muitas dessas práticas e experiências fiquem fora de seu domínio sem correr certo risco [...].” WILLIAMS, Raymond. Cultura e Materialismo. São Paulo: Unesp, 2011, p.56-57. 507
Como fonte, além das reportagens supramencionadas, acrescentaram-se os depoimentos do diretor do Grupo Folclórico e dos diretores culturais. 508
PINTO, Antonio Costa. O passado autoritário e as democracias da Europa do Sul: uma introdução. In: MARTINHO, Francisco C. P.; PINTO, António Costa (Orgs.). O passado que não passa: a sombra das ditaduras na Europa do Sul e na América Latina. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013, p.20. 509
António Ferro era jornalista e admirador do fascismo de Mussolini, com quem teve a oportunidade de estar. Por meio de seu trabalho no Diário de Notícias, chamou a atenção de Salazar, com quem também esteve em contato, ocorrendo assim o primeiro encontro, surgindo uma relação que serviria de interesse a ambos. Para entender mais a respeito da vida de António Ferro, recomenda-se a leitura de: ADINOLFI, Goffredo. António Ferro e Salazar: entre o poder e a revolução. In: MARTINHO, Francisco C. P.; PINTO, António Costa (Orgs.). O Corporativismo em Português: Estado, Política e Sociedade no Salazarismo e no Varguismo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.
191
1) Não a elevar artificialmente a estatura dos homens que ocupam as posições dominantes do Estado, embora não se vá certamente evitar, com mal entendido pudor, toda a referência pessoal elogiosa, toda a homenagem prestada aos que se afirmam pelo trabalho, pela dedicação, pelo desinteresse com que servem a causa pública. 2) A corrigir a ideia que cada um involuntariamente forme das realidades nacionais, filosofando a soleira da porta, com o que todos devem conhecer dos mesmos factos no conjunto da vida da Nação. 3) Colocar ao dispor dos que falam e escrevem sobre Portugal [...] elementos bastantes para que inconscientemente não deturpem a verdade e se não dê o caso de até a doce amabilidade com que os recebemos aparecer aos seus escritos como forma prova de inferioridade moral.510
No preâmbulo do decreto-lei de criação do Secretariado de Propaganda
Nacional, de setembro de 1933, é explicitado seu objetivo:
Considerando-se que todos os países novos ou renascentes têm sentido a necessidade de organizar e centralizar a propaganda interna e externa da sua atividade. O intuito do decreto-lei é de “integrar os portugueses no pensamento moral que deve dirigir a Nação”. A propaganda é importante, tão importante que “Por vezes se chega com eles a formar um ministério que lhes seja exclusivamente dedicado”.511
Entende-se que o intuito era educar o povo por meio da propaganda política,
chamando a atenção para o que verdadeiramente convinha a Salazar, tanto
internamente como externamente.512 Mas António Ferro, com sua obstinação,
imprimiu um caráter peculiar às artes no regime, o que chamou de “política do
espírito”. Ferro fez em 1948 uma exposição-defesa de sua política. O título, “Catorze
Anos de Política de Espírito”, enumerando quais foram as prioridades de suas
510
PORTELA, Artur. Salazarismo e Artes Plásticas. 2ª ed. Lisboa: Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, 1987, p.29-30. 511
Ibidem, p.124-125. 512
A respeito da propaganda salazarista no Brasil: PAULO, Heloísa. Aqui Também é Portugal: A Colónia Portuguesa do Brasil e o Salazarismo. Coimbra: Quarteto, 2000.
192
ações. O catálogo incluiu questões relativas a cultura popular, modernismo e criação
do bailado português513.
Fazer reviver as nossas tradições populares, o nosso folclore, como fonte de soberania espiritual e fonte inspiradora dos nossos artistas que podem ser modernos sem deixar de ser portugueses [...]; Defender audaciosamente, com irreverência oficial, a arte moderna, não porque deva ser privilegiada nem por falta de respeito ou admiração pelos mestres do Passado, mas porque o equilíbrio da maturidade é filho da audácia dos 20 anos, porque a arte viva se presta mais à divulgação das coisas [...]; Desenvolver as artes decorativas, as artes gráficas, a própria arte popular [...]; Levar ao povo das nossas aldeias, das nossas planícies e das nossas montanhas, através do teatro, do cinema e das bibliotecas ambulantes, algumas imagens do mundo e da sua própria terra [...]; Criar o bailado português como afirmação superior da alma nacional, convergência de todos nossos esforços a favor da elevação do nível, encontro de todas as artes que procurámos estimular [...].514
O governo salazarista valorizava as tradições regionais, mas possuía uma
faceta voltada ao futurismo e modernidade, conforme se nota pela posição de
António Ferro, que conseguiu reunir a classe artística, fortalecendo também as
questões regionais.
Foi o SPN que coordenou e alimentou a imprensa do regime, que dirigiu os serviços de censura, que organizou as encenações de massas que periodicamente eram transportadas para a capital, e que alimentou as festividades viradas para as classes populares em estreita associação com o aparelho corporativo. Como se não chegasse, assegurou ainda múltiplas atividades mais viradas para as elites e ainda dinamizou as relações culturais com o estrangeiro. Ferro
513
Termo utilizado genericamente para diferentes modalidades de danças inventadas durante o período salazarista. Uma companhia de dança existente entre 1940 e 1950 foi o Verde Gaio, organizada pelo Secretariado Nacional de Informação, sob liderança de Antonio Ferro. MUSEU NACIONAL DO TEATRO E DA DANÇA. Verde Faio: uma companhia portuguesa de bailado – 1940-1950. 15/09/2011. Disponível em: <http://www.museudoteatroedanca.pt/pt-PT/Exposicoes/Exp Passadas/ContentDetail.aspx?id=315>. Acesso em: 20/08/2015. 514
PORTELA, Artur. Salazarismo e Artes Plásticas. 2ª ed. Lisboa: Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, 1987, p.102-103.
193
recrutou com habilidade intelectuais e artistas, que sem essa mediação “modernista” dificilmente seriam atraídos pelo perfil do chefe de governo, alguns dos quais tinham militado nos grupos fascistas que se opuseram a Salazar. O projecto cultural do salazarismo procurou, como outros de regimes semelhantes, uma “restauração sistemática dos valores da Tradição”. A maior atenção foi dada a todo um movimento “etnográfico-folclórico” que passou por uma verdadeira revitalização (na maioria dos casos pura invenção) de grupos folclóricos locais, restauração dos símbolos da reconquista cristã e sua utilização social, por concursos como “a aldeia mais portuguesa de Portugal”, movimento que culminou, já no início da década de 1940, com a “Exposição do Mundo Português”, reproduzindo as formas tradicionais e os hábitos das populações de todo o “Império”. Outro revelador importante foi o da promoção do cinema português que, com uma clara vocação popular remete também a apologia dos sadios valores da honestidade cristã e da família pobre mas honrada.515
A valorização das tradições e da cultura popular dentro do projeto salazarista
possibilitou a promoção de eventos que resgatam o movimento etnográfico-
folclórico, convivendo com um viés modernizador incentivado por António Ferro.
Essas ações e práticas coadunam com a política cultural adotada na Casa de
Portugal, em São Paulo, que, conforme exposto no capítulo anterior, conviveu com a
dualidade entre o tradicional e o moderno.
Para tal comparação se deve levar em conta as diferentes temporalidades
envolvidas nas políticas culturais. Apesar dos contextos sociais diferentes, são
perceptíveis as semelhanças na proposta de adotar um viés mais voltado para o
popular e uma imagem mais moderna. Excluídas as diferenças, infere-se que a
política cultural da Casa de Portugal apresenta fortes indícios de continuidade e
permanências. Outra explicação para essa conformidade seria o fato de haver um
direcionamento atual do governo português para difundir uma imagem de
515
PINTO, António Costa. O Estado Novo português e a vaga autoritária dos anos 1930 do século XX. In: MARTINHO, Francisco C. P.; PINTO, António Costa (Orgs.). O Corporativismo em Português: Estado, Política e Sociedade no Salazarismo e no Varguismo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007, p.31-32.
194
modernidade, sem esquecer a essência das tradições carregadas por portugueses
que emigraram.516
A reinvenção dos eventos ligados à terra constitui-se, para o português
emigrado durante o período salazarista, uma referência de memória.
Além das outras coisas, fazemos também as festas típicas. Também é uma invenção minha, quer dizer, essa Festa da Vindima, o Magusto, a Desfolhada, a Festa da Cereja, isso são todas coisas feitas que eu iniciei. E graças a Deus hoje a maioria das casas aqui e em Santos fazem essas festas típicas, e pra nós é uma coisa que a gente revive um pouquinho a nossa infância vivida em Portugal. Tenho a convicção de que muitos portugueses que estão aqui, já com uma faixa etária avançada, que não tiveram a oportunidade de ir a Portugal, vêm aqui e às vezes choram vendo essas festas típicas portuguesas. Acho que isso vale a pena a gente continuar.517
Para ele, fazer esse tipo de festa seria como reviver sua infância em
Portugal. Percebe-se que o depoente foi grande incentivador do que chamou de
“festa típica”. Afirma se sentir muito bem por proporcionar àqueles que não
conseguem retornar a Portugal um momento de memória, emoção e alegria.
Rastros da memória oficial salazarista dos imigrantes ainda permanecem na
Casa de Portugal. Ela pode não aparecer explicitamente, mas o popular edificado
enquanto símbolo identitário se perpetua na reprodução dos eventos típicos
encenados teatralmente (reinventados).
O Grupo Folclórico da Casa de Portugal possui papel importante nessas
encenações, já que protagoniza todas. A esse respeito, ressalta-se a fala disposta
anteriormente, do depoente Vasco de Frias Monteiro, que assume a invenção
dessas encenações, não só na Casa de Portugal como em outras associações na
cidade de Santos e em São Paulo.
516
Ressalta-se que nem todos os imigrados compactuavam com essas tradições, caso dos exilados políticos que se opunham à política salazarista. 517
Depoimento de Vasco Frias Monteiro, em entrevista concedida ao autor em 1º de abril de 2014, na Casa de Portugal.
195
A fundação do Grupo Folclórico da Casa de Portugal data de 10 de outubro
de 1973518, advindo da formação de um grupo de dança anterior.
[...] Mas o folclore foi depois. Logo que eu cheguei, em 61, a Casa de Portugal não tinha folclore. Foi em 63, no Centro Trasmontano de São Paulo, foi fundado um Grupo Folclórico chamado Carvalho Araújo, e esse grupo folclórico, eu comecei a participar dele eu tinha 16 anos. Nos ensaios... E foi aí que eu comecei no folclore. Depois... claro, nessa época eu ainda era jovem, fiquei lá até mais ou menos o ano de 70. E depois esse grupo acabou e foi fundado o da Casa de Portugal, isso em 73.519
Nota-se que o ano de fundação indicado por Ernesto de Lemos confere com
a data levantada na reportagem.520 Informou também a respeito da formação do
Grupo Folclórico como continuação do Grupo Folclórico do Centro Trasmontano,
anteriormente denominado Carvalho Araújo.
Das atas de reunião da diretoria da Casa de Portugal é possível extrair
informações que confirmam essa transferência do grupo:
Sr. Mario Bastos Lemos propôs a vinda de um Grupo Folclórico para a Casa de Portugal, que seria organizado pelo Sr. Vasco F. Monteiro que apresentou um estudo que custaria aproximadamente 10 mil cruzeiros nos primeiros 3 meses. Foi aprovado por todos.521
518
PORTUGAL EM FOCO. Rio de Janeiro, 15 de dezembro de 2010. 519
Depoimento de Ernesto de Lemos, em entrevista concedida ao autor em 04 de julho de 2013, em seu restaurante. 520
O depoimento confirma o ano de transferência e fundação como Grupo Folclórico da Casa de Portugal, mas a data exata não foi possível encontrar nas atas de reunião. Notou-se que a iniciativa da transferência se deu em maio de 1973. Mas o primeiro registro de apresentação do Grupo na Casa de Portugal é de 15/09/1973 e, portanto, anterior à data de 10 de outubro, conforme explanado pela reportagem do jornal: “Será festejado, no dia quinze de setembro, próximo, o 38º aniversario da fundação da nossa „Casa‟. A fim de assinalar, festivamente, tão grata efeméride, o Sr. Mario Bastos Lemos, Diretor Social, submeteu à apresentação o seguinte programa: a) Baile; b) apresentação oficial do Grupo Folclórico; c) roda de samba. O programa foi aprovado, sendo, também, votada a quantia de três mile setecentos cruzeiros para as respectivas despesas. Quanto ao Grupo Folclórico o seu batismo será realizado na manhã do próprio dia quinze de setembro, devendo ter o competente padrinho [...].” CASA DE PORTUGAL DE SÃO PAULO. Ata de reunião da Diretoria Central de 30 de julho de 1973. In: Livro de Atas da Diretoria. São Paulo, nº. 15, 16/04/1972 a 28/09/1976. 521
CASA DE PORTUGAL DE SÃO PAULO. Ata de reunião da Diretoria Central de 16 de abril de 1973. In: Livro de Atas da Diretoria. São Paulo, nº. 15, 16/04/1972 a 28/09/1976, p.39 (verso).
196
Embora os registros não mencionem a associação de origem do Grupo
Folclórico, nota-se que a vinda do Grupo para a Casa de Portugal contou com a
aprovação do então diretor social com apoio de outro diretor, Vasco de Frias
Monteiro. Ele reafirma em meio às suas memórias a fundação do Grupo:
E também conheci minha esposa no Grupo Folclórico do Centro Trasmontano, que foi o primeiro grupo folclórico a se formar em São Paulo. Eu que formei aquele grupo que na altura se chamava Grupo Folclórico de Carvalho Araújo do Centro Trasmontano de São Paulo. E ela dançava lá. Eu era, sempre fui diretor e depois a conheci, nos casamos e fomos sempre muito felizes. [...] Eu fui o fundador do Grupo Folclórico da Casa de Portugal. Depois, logo a seguir veio o Ernesto, mas fui eu o fundador do Grupo Folclórico da Casa de Portugal, que fez agora 42 anos. Saí do Centro Trasmontano, vim pra São Paulo, aí nesse caso morava em Santos, fui pra Santos, não quis mais saber de Grupo Folclórico, mas depois o presidente da Casa de Portugal foi me buscar lá a Santos pra eu fundar o Grupo Folclórico da Casa de Portugal. E está aí até hoje, com muita felicidade. [...] [...] eu cheguei a ser presidente do Centro Trasmontano e do Rancho Folclórico da Casa de Portugal. Existe uma harmonia muito grande com a Casa de Portugal [...]. 522
De acordo com o depoente, o Grupo Folclórico Carvalho Araújo do Centro
Trasmontano de São Paulo organizou-se sob sua direção, foi trazido e refundado
por ele com o nome Grupo Folclórico da Casa de Portugal. Afirmou ainda que foi
presidente do Centro Trasmontano e simultaneamente do Grupo Folclórico da Casa
de Portugal.
Nota-se que a associação que originou o Grupo Folclórico foi uma
associação regional, com associados provenientes de Trás-Os-Montes523 e Alto
Douro, parte da região norte de Portugal, que possui fortes tradições ligadas à
cultura popular por ser região de vitivinicultura. Essa transição do Grupo Folclórico
de uma associação a outra explica em parte a influência da região norte na
522
Depoimento de Vasco Frias Monteiro, em entrevista concedida ao autor em 1º de abril de 2014, na Casa de Portugal. 523
A regionalização portuguesa não é muito simples de ser entendida, pois existiu uma classificação antiga que ainda é largamente utilizada pela população. Trás-Os-Montes e Alto Douro são regiões da classificação antiga que abrangem os atuais distritos de Vila Real e Bragança (que, por sua vez, dividem-se em conselhos e freguesias).
197
formação do grupo da Casa de Portugal. Conforme relatou Ernesto de Lemos, até os
trajes do Grupo Carvalho Araújo foram trazidos.
O Carvalho Araújo é praticamente a Casa de Portugal hoje, porque foi trazido até os trajes de lá. E a maior parte dos componentes vieram de lá para a Casa de Portugal. Não tem mais nada a ver com o Centro Transmontano, mas foi ali que terminou e começou na Casa de Portugal. E nessa época eu era só componente.524
Embora esses trajes tenham sido renovados ao longo do tempo, nota-se a
predominância de vestuários da região norte de Portugal no acervo do Grupo
Folclórico, assim como aqueles primeiros trajes trazidos do Centro Trasmontano,
conforme relatado por Ernesto de Lemos. O assunto é explicitado no sítio da internet
da Casa de Portugal:
[...] focado na autenticidade de seus trajes, possuindo um guarda-roupas com mais de 110 peças, o que demanda um árduo trabalho de manutenção e reposição, assegurado pelo próprio Grupo, na sua maioria peças de Viana do Castelo (Minho) considerada a capital do folclore em Portugal. [...] 32 Trajes femininos (Lavadeiras de Luxo), Minho - (Viana do Castelo) Norte de Portugal; 12 trajes de noivas do Minho - Norte de Portugal; 4 trajes de mordomas - trajes do século XVII, bordados manualmente com pedrarias - Minho, Norte de Portugal; 42 Trajes Variados - Minho (Viana do Castelo), Norte de Portugal; 35 Trajes Variados - Todas as regiões de Portugal incluindo Madeira e Açores.525
Constam no acervo de trajes cerca de 90 originários do Minho, região norte
de Portugal. Conforme o diretor do Grupo Folclórico, Sr. Ernesto de Lemos, são mais
utilizados por serem os mais bonitos, portanto, os que devem ser mostrados pela
Casa de Portugal, que leva às pessoas sempre o melhor de Portugal.
524
Depoimento de Ernesto de Lemos, em entrevista concedida ao autor em 04 de julho de 2013, em seu restaurante. 525
CASA DE PORTUGAL DE SÃO PAULO. Grupo Folclórico. s/d. Disponível em: <http://www. casadeportugalsp.com.br/cultura/>. Acesso em: 12/09/2015.
198
É o traje do Minho. Nós temos o traje do Minho em várias partes. Nós temos traje de noiva do Minho. Não sei se você já viu, mas é um traje comprido, todo de veludo, um traje muito caro. Nós nos apresentamos às vezes na Casa de Portugal. A última vez foi justamente na Ceia da Casa de Portugal há dois anos. Depois vem o traje de luxo do Minho, que é todo colorido: verde, vermelho, azul, roxo, preto, traje de luxo. E tem o traje de domingar, que é um traje mais leve e que também é muito bonito. É normalmente aquele que nos apresentamos na vindima, nos apresentamos na festa da castanha. Normalmente é o traje que mais nos apresentamos. Como é um traje mais leve e aqui é muito calor, usamos mais aquele traje que chama traje de domingar de Viana do Castelo, Alto Minho. O que é que eu digo, o traje do Minho, ele é muito mais representativo perante a comunidade portuguesa porque é um traje muito lindo.526
Nota-se que o depoente afirma existir mais de um tipo de traje no Minho,
cada qual apropriado para situações diferentes, conforme a dança, mas os mais
utilizados nas apresentações do Grupo Folclórico são os mais leves, por causa do
clima brasileiro mais quente. Ainda que o Grupo apresente diferentes danças,
portanto, de diferentes regiões, adota majoritariamente os trajes do Minho para
representá-las. Foram diversas as ocasiões em que se apresentou na Casa de
Portugal.
Entre as edições de 1992 e 2010 das revistas Raízes Lusíadas e Naus‟s,
identificou-se527 um total de 21 reportagens de eventos ocorridos na Casa de
Portugal, em São Paulo, com esse caráter. Na maioria das reportagens era relatada
apresentação do próprio Grupo Folclórico da Casa de Portugal na sede da
associação e/ou a presença de outro rancho folclórico de cidades do interior do
estado de São Paulo, do Rio de Janeiro ou até mesmo de Portugal – em
aniversários do Grupo Folclórico da Casa de Portugal.
Em 21 de novembro de 1992528 ocorreu a 1ª Festa da Eleição da Rainha do
Folclore Português de São Paulo, que contou com a participação de todas as
associações portuguesas do estado de São Paulo e dois ranchos folclóricos
526
Depoimento de Ernesto de Lemos, em entrevista concedida ao autor em 04 de julho de 2013, em seu restaurante. 527
Como evento típico foram considerados no levantamento os eventos ligados ao culto da terra ou etnográficos que tenham contado com a presença de algum grupo folclórico português. 528
RAÍZES LUSÍADAS. São Paulo, Ano 9, nº. 44, nov./dez. 1992, p.23.
199
cariocas. A ocorrência deste evento denota que, no mínimo, a popularidade dos
ranchos folclóricos na ocasião devia ser grande para envolver tantas associações
em torno da temática. Destacou-se a presença de César Soares, então
representante brasileiro do folclore português.
Outros eventos que envolvendo o culto à terra foram identificados: três
edições da Vindima, duas edições da Festa da Cereja e uma reportagem que
revelou a ocorrência da Desfolhada do Milho.
3.1.1 Vindima
A Festa da Vindima é realizada na Casa de Portugal há vários anos,
unanimemente considerada uma tradição. Foram encontrados registros mais
detalhados dessa festa desde 2008, ano em que passou a ser filmada e gravada em
DVD. No entanto, tem-se notícia da sua realização desde 1989.
Foi possível averiguar que, de 2008 a 2013, a Vindima realizou-se no salão
principal da Casa de Portugal, variando a data entre o fim de fevereiro, mês de
março e início de abril. A única exceção foi o ano de 2012, ocasião em que a festa
ocorreu no mês de setembro, equivalente ao período da vindima em algumas
regiões de Portugal. Em todas as edições a descrição do cerimonial ocorrido na
festa é semelhante: basicamente remete-se a um costume agrícola ligado à colheita
das uvas com a finalidade da produção artesanal do vinho.
Em Portugal a vindima ocorre tradicionalmente no mês de setembro,
conforme determinação do próprio calendário agrícola. Já a festa realizada na Casa
de Portugal de São Paulo pode variar de acordo com o calendário de festas
portuguesas estabelecidas pela direção. O principal intuito é relembrar aspectos da
vida dos imigrantes portugueses, em sua maioria saídos da região norte, local em
que ainda hoje se encontram aldeias com essa prática.
Experiências em relação às vindimas apareceram nas memórias de Vasco
de Frias Monteiro, revelando como elas se transformaram ao longo do tempo em
atrativo.
200
As vindimas é uma das coisas mais bonitas que se faz em Portugal e quem conhece Portugal sabe muito bem. O Douro, não há vinho só no Douro, no Algarve, no Alentejo, na Estremadura, há vinho em todo lugar. Mas as vinhas no Douro são declíveis, são montanhas e elas são feitas aos carreiros e aquilo é um problema muito sério para vindimar. Então há a poda das vindimas, depois há a cura, quando a uva começa a se criar, a cura da uva com sulfato, uma série de coisas... Precisa curar para não criar problemas.529
Observa-se que tanto a uva como a cultura do vinho e a vindima fazem parte
dos hábitos rurais de Portugal de norte a sul do país, mesmo com uma série de
diferenças relativas a microclima, terreno, forma de produção e colheita. Até a
quantidade produzida pode variar conforme a região. Por fazer parte dos hábitos
rurais, pequenas propriedades produzem seu próprio vinho.
O contexto de vindima referido por Vasco de Frias Monteiro diz respeito a
uma das maiores regiões viníferas de Portugal, o vale do Rio Douro530, onde as
vinhas são dispostas em curvas de nível por causa do relevo, o que torna o trabalho
mais duro.
E depois, quando a uva já estiver boa, em condições de vindimar, aí pessoas, dependendo do rancho até 30, 40, 100 pessoas, dependendo do tamanho da quinta, são pagas. Depois se pega aquilo, não sei se viu, aqueles cestos, antigamente não tinham tratores, aquilo tudo era carregado em carro de boi nas cestas pra trazerem e despejarem em recipientes pra depois virem pros lagares pra serem pisadas as uvas. Já vou falar a respeito da pisa das uvas... Então aquilo era muito difícil. Hoje, além de muito difícil, é uma coisa muito típica, existem excursões que vão pro Douro pra verem as vindimas. As pessoas querem vindimar. O que é que se faz? Passam uma tesoura ou um canivete e vão vindimar, e pagam pra vindimar. Aquilo é típico, é muito bonito. Depois disso tudo, vai pros caminhões. Antigamente era por carros de bois, hoje vai pros caminhões, já com recipientes de aço inoxidável, já é completamente diferente. E depois vão para as fábricas, onde antigamente se pisava no pé. Existiam lagares, lagar é como
529
Depoimento de Vasco Frias Monteiro, em entrevista concedida ao autor em 1º de abril de 2014, na Casa de Portugal. 530
Esse contexto de vindima pode ser visto também em: GONÇALVES, Henriqueta Maria. O Douro no discurso cronístico de João de Araújo Correia. Revista de Letras. Vola Real - Portugal, Série II, nº. 8, Universidade de Trás-Os-Montes e Alto Douro, dez/2009. Disponível em: <http://www.utad.pt/ vPT/Area2/investigar/CEL/RevistadeLetras/Documents/revista_8.2009_capa_FINAL.pdf#page=136>. Acesso em: 13/10/2015.
201
se fosse esse quadrado aqui todo dessa sala aqui, despejava isso tudo lá e ali entravam 40, 50 ou 70 pessoas ao mesmo tempo pisando a uva, pisando a uva... Depois de três dias, toda a impureza que cai, ela sobe. O vinho fica totalmente limpinho, limpinho, limpinho... Depois tira-se aquela grainha [semente da uva], que seca ao sol. E daquilo depois se faz a aguardente.531
Observam-se no depoimento diferenças no processo da colheita da uva e da
fabricação do vinho realizado no passado, no tempo da sua experiência em relação
à vindima, e de hoje em dia, com mais tecnologia, que alivia o esforço envolvido no
trabalho artesanal.
A dureza do trabalho braçal nas vindimas no vale do Douro foi retratada ao
largo de uma obra literária intitulada “Vindima”532.
Na tarde do dia seguinte chegaram os patrões. Desde o amanhecer, mal as perdizes começaram a cacarejar pelos socalcos, que toda a Cavadinha era uma dobadoira. As mulheres cortavam, as crianças despeavam as cesta cheias, os homens erguiam sobre as trouxas os vindimeiros, e o som cavo do bombo ia abafando pelas valeiras fora o repenicado do harmónio e o tlintlim dos ferrinhos. O sol erguera-se já congestionado, e mordia a pele como um sinapismo. Suava tudo. E quem não tinha as molas dos rins bem oleadas, ou se via pela primeira vez ajoujado com quatro arrobas às costas, vivia a eternidade num segundo, crucificante, dura e sem esperança. Mas o feitor gritava. E as raparigas dobravam-se de novo sobre os bardos e os rapazes desenvencilhavam as pernas como podiam - Aguentas Zé? Era o Jacinto a saber do filho, que se iniciava no calvário. A ele doía-lhe o sofrimento e a humilhação do rapaz, hesitante debaixo do carrego. Por isso perguntava em voz baixa, a preparar já um terreno íntimo à fraqueza da resposta. - Que remédio... Aquela amargura queimava pelo menos tanto como o sol. Infelizmente a vida era a vida, e a fila indiana continuou a
531
Depoimento de Vasco Frias Monteiro, em entrevista concedida ao autor em 1º de abril de 2014, na Casa de Portugal. 532
Já no prefácio do livro o autor afirma que, se escrevesse a obra hoje, a faria diferente. Afirma ter escrito o livro cingido ao calor do momento e reconhece as diferenças atuais no tratamento e condições dos trabalhadores.
202
descer degraus, a galgar paredes, a saltar valados, hipnotizada pela melodia que ia à frente, a guiar o esforço até ao lagar.533
Apesar de ressaltar a dureza da vida rural portuguesa no início do século
XX, nem só as dificuldades são retratadas na obra, bons momentos também foram
incluídos. Esses ganharam vez nas memórias de Vasco de Frias Monteiro:
A bagaceira. Aquilo depois vai pra um lugar ao sol e fica bem esturricado, depois coloca-se nos alambiques com fogo embaixo. O suor do fogo e do que está lá dentro do alambique, sai aos pinguinhos as aguardentes, a cachaça, a aguardente. Mas isso é realmente muito típico. Então a vindima é isso, é uma coisa muito típica, muito legal. E depois das vindimas ainda sobrava um tempo pro pessoal ao fim da faina ir dançar, no terreiro, no chão, no próprio local, às vezes até com realejo, com gaita de boca, outras vezes com concertina. Enfim, era assim que o pessoal se divertia.534
A respeito da festa típica da vindima realizada anualmente na Casa do
Minho, no Rio de Janeiro, o texto institucional destacado a seguir apresenta
resumidamente a divisão de gênero no trabalho da vindima535, que é encenado na
festa.
Os rapazes encostam as escadas nas ramadas, as moças sobem e vão cortando as uvas que depositam em pequenas cestas que depois são despejadas nos cestos maiores e estes, nos carros de bois ou nas costas dos rapazes, conforme o caminho permite ou não o carro, vão para o lagar. Nos diversos lagares são depositadas conforme a sua cor ou casta que darão os vários tipos de vinho. Esmagadas em máquinas ou pisadas com os pés (este processo antigo ainda é o que faz o
533
TORGA, Miguel. Vindima. Alfragide, Portugal: Edições Dom Quixote, 2000, p.17. Pseudónimo de Adolfo Correia da Rocha, nascido a 12 de agosto de 1907, Vila Real, Portugal, e falecido a 17 de janeiro de 1995, em Coimbra, foi médico, poeta e escritor. 534
Depoimento de Vasco Frias Monteiro, em entrevista concedida ao autor em 1º de abril de 2014, na Casa de Portugal. 535
Sobre a distinção de gêneros encontrada no trabalho das vindimas, ver: PARKHURST, Shawn. Identidade e contextos de identificação regional na zona do vinho do Porto. VIII Congresso Luso-Afro-Brasileiro de Ciências Sociais. Coimbra, 16, 17 e 18 de setembro de 2004. Disponível em: <http://www.ces.uc.pt/lab2004/inscricao/pdfs/painel43/Shawn_Parkhurst.pdf>. Acesso em: 13/10/ 2015.
203
mais gostoso vinho) as uvas se transformam num caldo licoroso que ficará em repouso por alguns dias fermentando. Ao final do dia, o encerramento de tanta labuta é mais um motivo para se dançar e cantar além da lauta merenda que não pode esquecer.536
Aliás, a merenda não podia ser esquecida. Apesar dos relatos de maus-
tratos, incluindo comida de má qualidade, a encenação da vindima constitui-se em
oportunidade de rememorar não só o trabalho, mas também aspectos de
sociabilidade e os quitutes portugueses mais apreciados. E, ainda de acordo com as
memórias de Vasco de Frias Monteiro, um elemento não podia faltar em uma
vindima:
O vinho já pronto! E outra coisa que não pode faltar é a merenda, a merenda. Muito normalmente quando a gente vai pra fazer essas vindimas lá em Portugal, vai o pessoal, vai vindimar direitinho, mas depois da vindima, ou numa hora de descanso, uma sesta, porque precisa descansar um pouquinho do sol, é uma época de muito sol. Vai a dona da quinta com uma cesta na cabeça, ou duas, ou três e levam o farnel. Nós chamamos lá é merenda, mas o farnel. Então vai uma linguiça, um salpicão, uma alheira, enfim, quitutes portugueses... Vai o pão de ló, enfim, diversas coisas que... E sem dúvida nenhuma não pode faltar o garrafão de vinho. Então chegam lá e estendem uma toalha na eira ou no chão, se estiver um pouquinho mais limpo, e o pessoal chega-se ali e come em pé ou sentado, não tem banco não tem nada, então isso é a merenda. Quer dizer, isso não pode faltar, isso não pode faltar pra alimentar o pessoal que está trabalhando o dia inteiro ali. E é de sol. Hoje não, hoje já tem o horário de 8 horas, mas antigamente era de sol a sol, onde eu me criei era de sol a sol. Nascia o sol se começava e só terminava com o pôr-do-sol.537
Utilizou o termo farnel porque é o mais usado para descrever o momento de
descanso na encenação da vindima, mas observa-se que no contexto local o termo
mais adotado era merenda.
536
CASA DO MINHO. Vindimas. s/d. Disponível em: <http://www.minho.com.br/index.php/festas-tipicas/vindimas/>. Acesso em: 17/11/2014. 537
Depoimento de Vasco Frias Monteiro, em entrevista concedida ao autor em 1º de abril de 2014, na Casa de Portugal.
204
O cerimonial da Festa da Vindima na Casa de Portugal realiza-se no salão
principal. O salão é arrumado de forma que mesas e cadeiras sejam compostas para
melhor acomodação de famílias e pequenos grupos. As mais bem localizadas são
reservadas para membros associados, diretores e para convidados especiais. Na
frente do palco é montada uma réplica de uma parreira, centralizada
estrategicamente com o intuito de ser vista de qualquer parte do salão.
Antes do início da apresentação, à medida que o público vai chegando,
todos são acomodados às mesas e servidos pelo serviço de bufê da Casa. No
cardápio destacam-se porções de alheira, bolinho de bacalhau, tremoço, entre
outras iguarias nacionais e portuguesas – e, sem dúvida, há a opção de acompanhá-
los com vinho português.538 Ao fundo do salão há uma mesa com a venda de doces
típicos portugueses: pastel de Belém, queijada portuguesa, travesseiro de Sintra,
pastéis de Santa Clara.
O mestre de cerimônias é sempre algum diretor da Casa ou membro do
Grupo Folclórico. Após as boas-vindas, anuncia uma série de recados,
agradecimentos e eventos que devem ocorrer em breve. Segue à apresentação o
Grupo Folclórico, que entra pela parte detrás do salão e passa por um corredor,
dirigindo-se ao palco.
Após a execução de parte da apresentação, integrantes do Grupo Folclórico
encostam numa escada de madeira junto à parreira e iniciam a colheita das uvas em
grandes cestos de vime. Em cima do palco, ao centro, na mesma direção da parreira
posicionada no salão, deixa-se uma dorna, onde as uvas são depositadas. Ao som
de “música folclórica”, alguns homens do grupo se colocam descalços, entram na
dorna e procedem à tradicional pisa das uvas, reproduzindo o fato como ocorria em
Portugal.
Observam-se vários integrantes da plateia interagindo com a apresentação.
O envolvimento do público torna-se uma possibilidade de rememorar um passado
vivido ou até mesmo vivenciar memórias deixadas por seus antepassados.
538
Também existe a opção de pedir batatas fritas e outras porções nacionais, bem como refrigerantes, água, sucos e cerveja.
205
Imagem 21 - Pisa das uvas.539
Algumas moças do Grupo estendem no chão do palco uma toalha. Chega o
momento do chamado farnel (conforme observa-se na imagem 22). Uma ceia é
montada em cima do palco com pães, linguiças, tremoço, azeitonas e vinho.540
539
Acervo pessoal, 15/09/2012. 540
Esses alimentos são utilizados na encenação da vindima por representarem a cultura alimentar portuguesa – muito abundantes e comuns em Portugal, acessíveis economicamente, passam a representar a própria nação na Casa de Portugal. Nas memórias dos entrevistados que vivenciaram a experiência da vindima antes da emigração apareceram menções a carnes de caça e ao próprio vinho. Já em pesquisas etnográficas revela-se a dureza do trato dos patrões, a fome, mas com alegria. “Estas entrevistas constituem, igualmente, importante manancial informativo sobre o tipo de alimentação facultado à época aos trabalhadores. Os entrevistados mencionam o caldo, a sardinha, as azeitonas, o arroz ou massa com feijão, a côdea de pão. Para beber, um copo de vinho, água-pé ou simplesmente água do rio. Em alguns casos existia a „relva‟, prática que consistia na distribuição rotativa pelos trabalhadores da comida que sobrasse a cada refeição. Sobre este tema, a Srª Dª Olívia afirma: „Coitadinhos de nós, a nossa merenda era pãozinho e uns figos, ou umas azeitonas!‟” CAMPOS, Ângela. Vozes do Douro: A importância da História Oral na recuperação de memórias. Douro: Estudos & Documentos. Porto, vol. 12, nº. 22, GEHVID, 2007, p.307. Disponível em: <http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/9784.pdf>. Acesso em: 25/06/2015.
206
Imagem 22 - Merenda.541
Nesses dois últimos momentos descritos os convidados participam
ativamente da encenação – sobem ao palco e servem-se do farnel, bem como se
aproximam das parreiras, tiram fotos, dançam e até pisam as uvas com o Grupo
Folclórico. Portanto, abandonam sua condição de expectador e passam a
protagonizar a vindima, rememorando seus hábitos antepassados. Esses momentos
em que se compartilha a encenação com o Grupo Folclórico simbolizam o resgate
da memória das relações aldeãs e de sociabilidade estabelecidas nas vindimas
originais, realizadas pelos imigrantes outrora. Passam a ser os pontos altos da
encenação.
Existe nos momentos de pisa da uva e compartilhamento da merenda uma
abertura ao “outro”, expressando solidariedade, hospitalidade e retribuição pela
ajuda prestada durante a vindima. E toda essa simbologia é resgatada na
encenação, como se pode observar nas imagens 6 e 7. Outra situação que remete a
acolhimento e hospitalidade é quando os integrantes do Grupo Folclórico distribuem
uvas a todos os presentes, simbolizando assim compartilhamento da colheita
efetuada, comemoração pelos resultados obtidos.
541
Acervo pessoal, 15/09/2012.
207
Embora a vindima seja um evento mais acessível em termos de custo aos
participantes542, o mesmo não se pode afirmar em relação a todos os eventos
realizados na Casa de Portugal. Por exemplo, a entidade promove apresentações de
artistas portugueses seguidas de coquetéis que são cobrados, restringindo a
participação a quem dispõe dessa possibilidade.
Claramente se percebe uma adaptação da vindima originalmente realizada,
tornando-se uma representação. Apesar disso, Vasco de Frias Monteiro considera
que ela reproduz todos os elementos da colheita da uva.
Adaptada sim, porque a parreira que nós fazemos aqui, lá também tem essas parreiras, a latada. Lá o lugar onde tem a parreira, é a latada, é do mesmo jeito, mas aqui é artificial. Mas a uva nasceu ali e ali é que é colhida, né? (risos) Quer dizer, temos que adaptar, né? O caso da pisa do vinho também, a dorna, o que nós chamamos a dorna lá ou lagar, também tivemos que adaptar aqui e pisar de um jeito que nós fazemos uma simulação, da melhor maneira possível, mas não deixa de ser uma simulação.543
As adaptações constituem-se em terreno fértil para a invenção de tradições,
sobretudo na cultura encenada, em que entram questões como a autenticidade e a
apropriação.
A vindima, por fazer parte da cultura agrícola portuguesa de maneira geral,
foi descrita em contextos diferentes por dois depoentes que incentivam os eventos
de culto à terra na Casa de Portugal. Um deles, o Sr. Vasco de Frias Monteiro, falou
a respeito da vindima em grandes propriedades. Já no caso de outro entrevistado, a
experiência com a vindima retrata uma região de pequenas propriedades.544 Sobre a
duração do tempo de colheita, observa:
542
Geralmente o que se cobra para entrada nas festas populares é um valor simbólico, mais pelo custo da distribuição das frutas. Somente o serviço de alimentação e bebidas é cobrado individualmente, a pedido do cliente, o chamado serviço à la carte. 543
Depoimento de Vasco Frias Monteiro, em entrevista concedida ao autor em 1º de abril de 2014, na Casa de Portugal. 544
Em sua entrevista revela o local de origem: “Sou da Beira Alta. Sou duma aldeiazinha que se chama Siqueiros, pertence a Guiar da Beira, já é vila e cidade mais próxima seria a Guarda.”
208
[...] Normalmente era um dia. Um dia pra você, outro dia pra ele. Às vezes, quando a família era menor, que tinha menos terras, menos colheita de uva, juntavam duas ou três, jogavam tudo no mesmo lagar e pela quantidade de uvas já sabiam quanto vinho ia pra cada um. Entendeu? Era assim...545
É perceptível a diferença de contexto e de experiência com a vindima, por se
tratarem de regiões distintas, mesmo em relação à quantidade de uvas vindimadas e
destinação do vinho produzido – que no caso do Douro sempre foi comercial. No
entanto, o que se tem em comum nos dois casos é a partilha do trabalho e a
sociabilidade nas comemorações pelos resultados da colheita, embaladas pelo som
da concertina e das músicas.
A Vindima representa, pra quem viveu na época... Eu vim pra aqui com 14 anos, mas eu me lembro. Pra você ter uma ideia, nas aldeias, quando você ia fazer a tua vindima, todas as pessoas que moravam na aldeia iam trabalhar pra você naquela vindima, trabalhar sem ganhar nada, como uma permuta, quando eu fizesse a minha, todas as pessoa vinham trabalhar pra mim. E a dele, a mesma coisa. E aquilo, se trabalhava muito.546
E um ajudava o outro.547
E era desde a manhã até o pôr-do-sol trabalhando direto, e aquilo era uma festa. Normalmente naquelas aldeias, normalmente, na época que eu estava lá ainda, eu me lembro, com 14 anos, o dono da vindima pegava os cachorros de caça, ia pra serra, que era época de caça, caçar coelho, perdiz, lebres, pra fazer o banquete à noite. Depois, à noite, se juntavam no lagar, todo mundo a pisar as uvas, os homens. Enquanto isso as mulheres iam preparar o banquete. No final, punha-se uma mesa grande com tudo, com vários sabores de comida. Você sabe que a comida portuguesa é muito farta, vinho à vontade... E, é claro, a concertina tocando, o pessoal trabalhando, mas sempre alegre.548
Cantando...549
545
Depoimento de Ernesto de Lemos, em entrevista concedida ao autor em 04 de julho de 2013, em seu restaurante. 546
Depoimento de Ernesto de Lemos em entrevista concedida em 04 de julho de 2013, em seu restaurante. 547
Depoimento de Ernesto Augusto Ramalho em entrevista concedida em 04 de julho de 2013, em seu restaurante. 548
Depoimento de Ernesto de Lemos em entrevista concedida em 04 de julho de 2013, em seu restaurante. 549
Depoimento de Ernesto Augusto Ramalho em entrevista concedida em 04 de julho de 2013, em seu restaurante. Este depoimento mistura dois entrevistados pelo fato de ter sido realizada em conjunto, no mesmo local e data.
209
Nota-se que o significado da vindima para o depoente se relaciona com a
sociabilidade proporcionada pelo trabalho na terra. Era um tipo de sociabilidade que
mesclava as necessidades profissionais com as relações afetivas, de solidariedade,
de vizinhança, pautadas na alimentação de vínculos interpessoais e, portanto, muito
ligadas à hospitalidade e à dádiva.550
A dádiva também apareceu como elemento que estabelecia vínculos entre
os aldeãos. Em regiões de pequenas propriedades, a época da colheita, devido à
quantidade de trabalho, era capaz de reunir a todos. Um dia se vindimava para um
vizinho e no dia seguinte, para outro. Simbolicamente, havia uma troca que
alimentava as relações de parentesco, vizinhança, amizade e solidariedade. Essa
reunião virava motivo de festa e o proprietário, em sinal de agradecimento, oferecia
o alimento ao fim da jornada, item indispensável na hospitalidade, mas também
necessário para nutrir os colaboradores. Destacou-se o papel da comida e a
preparação de diversos pratos, como carnes de caça, em verdadeiros banquetes
regados a vinho, dignos da característica fartura portuguesa.
Nota-se no depoimento diferenças entre os gêneros nos rituais da
festividade: os homens à noite se punham a pisar as uvas e a tocar a concertina,
enquanto as mulheres se ocupavam do preparo do banquete. Tudo isso revela que
as vindimas foram momentos especiais na vida dos depoentes, e sua encenação na
Casa de Portugal traz à tona a memória dessa sociabilidade, as festas ocasionais,
as trocas e as relações aldeãs.
Em alguns momentos, nas entrevistas, amenizaram-se as diferenças entre o
que foi vivido no passado e o revivido nas manifestações culturais.
550
A hospitalidade se equipara à dádiva pela tríade dar-receber-retribuir, que fundamentou as leis da hospitalidade: a dádiva implica algum tipo de sacrifício por parte do doador; a dádiva traz implícita algum interesse; o dom deve ser aceito; receber implica aceitar uma dívida ou uma situação de inferioridade em relação ao doador; o donatário deverá retribuir. Essa tríade alimenta as relações sociais, criando vínculos de amizade, solidariedade e fortalecendo-os ao longo do tempo. A retribuição em um relacionamento não precisa ser imediata, mas, se a dádiva for recusada, pode significar a rejeição da relação. Qualquer interrupção na tríade pode ocasionar o fim do relacionamento. CAMARGO, Luiz Octavio de. Hospitalidade. São Paulo: Aleph, 2004.
210
Mais ou menos que nem é ali a vindima, só que, lógico, não dá pra se fazer do jeito que se fazia lá, e que nem agora fazem mais, mas antigamente era daquele jeito e a concertina tocando, as pessoas cantando...551
A vindima na Casa de Portugal é uma representação que, por força das
estruturas do recinto, de sua localização e até mesmo da dinâmica urbana e
territorial do centro da cidade de São Paulo, passa por algumas modificações
intrínsecas às adaptações, mas sempre se realiza com o intuito de reviver o
passado. E, nesse sentido, pauta-se na memória, mas acaba se efetivando de forma
nostálgica.
[...] O retorno é naturalmente o desejo e o sonho de todos os imigrantes, é como recuperar a visão, a luz que falta ao cego, mas, como cego, eles sabem que esta é uma operação impossível. Só lhes resta, então, refugiarem-se numa intranqüila nostalgia ou saudade da terra.552
Rememorar a identidade do país de origem faz parte da estratégia de
inserção social compartilhada entre os membros do mesmo grupamento de
nacionais em solo estrangeiro. Essa memória ameniza a ruptura553 própria do ato de
emigrar. Mas apenas ameniza, pois o sonho do imigrante é sempre o retorno, mas
um retorno em que não basta rever a terra natal, pois a saudade envolve também as
pessoas que ficaram para trás e as experiências perdidas, algo impossível de se
reviver. Enquanto esteve fora, o tempo passou e tudo se transformou. Eis a busca
do impossível e origem da insatisfação e incompletude do imigrante.
Inicialmente, relação com o tempo, que é a noção do retorno tal como se configura no imaginário imigrante (e pelo imaginário do imigrante), o retorno é para o próprio imigrante, mas também para o seu grupo, um retorno a si, um retorno ao tempo anterior à emigração, uma retrospectiva; portanto, uma
551
Depoimento de Ernesto de Lemos, em entrevista concedida ao autor em 04 de julho de 2013, em seu restaurante. 552
SAYAD, Abdelmalek. O Retorno: elemento constitutivo da condição do imigrante. Travessia - Revista do Migrante. São Paulo, Ano XIII, número especial, CEM, jan. 2000, p.11. 553
Para Sayad, quando o emigrante sai, promove uma ausência entre os que ficaram. Essa ausência é sentida e se traduz na saudade, na nostalgia, mas nunca se completa porque ela envolve também o retorno temporal e não espacial. Ibidem.
211
temática da memória que não é somente uma temática da nostalgia no sentido primeiro do termo, a algia do nostos (a dor do retorno, a saudade da terra), um mal cujo remédio se chama o retorno (hostos). Ítaca sendo para Ulisses o nome desse remédio. Em verdade, a nostalgia não é o mal do retorno, pois, uma vez realizado, descobre-se que ele não é a solução: não existe verdadeiramente retorno (ao idêntico). Se de um lado, pode-se sempre voltar ao ponto de partida, o espaço se presta bem a esse ir e vir, de outro lado, não se pode voltar ao tempo da partida, tornar-se novamente aquele que se era nesse momento, nem reencontrar na mesma situação, os lugares e os homens que se deixou, tal qual se os deixou.554
Esse querer voltar no tempo, a nostalgia, alimenta a expressão da cultura de
origem nas diferentes associações presentes em território paulistano que promovem
as identidades portuguesas, cultuando a dor da saudade, rememorando os
costumes e tradições da terra natal.
E não era só na vindima que se fazia isso, era na ceifa, ceifa do centeio, também era a mesma coisa. Agora tem as máquinas, antigamente era tudo na mão, na foice. Então era a mesma coisa, todo mundo pra um, outro dia pra outro e no final era aquela festa. Não tinha a pisa da uva na ceifa do trigo, do centeio, mas no final chegavam já no terreiro, assim, e começavam a tocar, a dançar e era uma alegria total. Era trabalhar com alegria. Para participar era um dia pra mim, um dia pra ele e um dia pra você. Então ali a comunidade, em um mês, ou uma semana, era feito dessa maneira. Da época da colheita não podia passar, então era um dia pra você, outro dia pra mim, outro dia pra ele e era desse jeito. [...] Um dia pra você, outro dia pra ele. Às vezes, quando a família era menor, que tinha menos terras, menos colheita de uva, juntavam duas ou três, jogavam tudo no mesmo lagar e pela quantidade de uvas já sabiam quanto vinho ia pra cada um. Entendeu? Era assim...555
Nota-se que o mesmo processo relatado anteriormente se referindo à
vindima é mencionado quando rememoradas colheitas de outras culturas agrícolas,
o que melhor dimensão da nostalgia da comunidade rural, de um tempo que não
retorna mais, até porque a vida moderna – em São Paulo e em boa parte do mundo
– se concentra em áreas urbanas.
554
SAYAD, Abdelmalek. O Retorno: elemento constitutivo da condição do imigrante. Travessia - Revista do Migrante. São Paulo, Ano XIII, número especial, CEM, jan. 2000, p.12. 555
Depoimento de Ernesto de Lemos, em entrevista concedida ao autor em 04 de julho de 2013, em seu restaurante.
212
3.1.2 O Magusto e a Desfolhada do Milho
A Festa da Vindima não é a única experiência reinventada que rememora o
passado rural português ligado à terra. No dia 24 de novembro de 2012 ocorreu a
Festa do Magusto556, conforme cartaz de divulgação da ocasião exposto a seguir.
Imagem 23 - Cartaz de divulgação do Magusto na Casa de Portugal.557
556
Sabe-se que essa festa não está entre as mais realizadas na Casa de Portugal nos últimos tempos, no entanto encontrou-se menção à sua organização sobretudo na década de 80 do século XX. A festa foi mencionada nas atas da Diretoria Central de 21 de novembro de 1978, 25 de setembro de 1979, 25 de outubro de 1983, 03 de novembro de 1984 e 15 de outubro de 1985. Em 15 de outubro de 1986 foi mencionado o cancelamento da festa naquele ano, que passou a se repetir, após isso, com menor frequência. 557
CASA DE PORTUGAL DE SÃO PAULO. Disponível em: <www.casadeportugalsp.com.br>. Acesso em: nov./2012.
213
Nota-se que a festividade foi organizada em comemoração ao aniversário do
Grupo Folclórico da Casa de Portugal, que ganhou destaque no impresso –
representado pelo corpo de baile e por um membro da tocata manuseando a
concertina558. Tais imagens trazem elementos da cultura popular portuguesa e
reminiscências de um passado rural. Nos dizeres da divulgação informa-se a
presença do cantor popular português Quim Barreiros e sua banda, conhecido
popularmente pela execução de letras musicais maliciosas e que exploram o duplo
sentido das palavras.
Conforme já apontado, esse tipo de evento não é priorizado pela diretoria da
Casa de Portugal. E mesmo os eventos populares da Casa deveriam ter um “certo
nível”. A seleção desse “nível” fica por conta do valor da entrada de R$ 70,00, com
cobrança à parte de petiscos e bebidas, valor que não é tão acessível assim,
delimitando o perfil do público frequentador.
Assim como na vindima, ao final do evento é distribuída aos participantes
uma cesta com castanhas portuguesas assadas, simbolizando a divisão do
resultado da apanha das castanhas, conforme a tradição portuguesa. O cerimonial é
semelhante ao da Festa da Vindima, com a participação do Grupo Folclórico,
diferenciando-se apenas o cenário, montado conforme se observa a seguir.
Imagem 24 - Encenação do modo de assar as castanhas.559
558
Nome pelo qual é conhecido o acordeão diatónico. 559
Acervo pessoal, 24/11/2012.
214
A estrutura vista na imagem, montada no dia da festa, se constitui de um
carrinho de mão com carvão em brasa, simbolizando a fogueira em que
normalmente as castanhas são assadas. A fogueira é uma característica dos
magustos e aparece em sua própria definição.
Los diccionarios al uso de la lengua española nos presentan la palabra magosto en una doble acepción, aplicables ambas en parte a la comarca hurdana: “Hoguera para asar castañas al aire libre. 2. Castañas asadas en la hoguera”. 560
Imagem 25 - Modo tradicional de assar as castanhas.561
560
MORENO, José María Domínguez. El Magosto en la Comarca de Las Hurdes. Narria. Madrid, nº. 67-68, Universidad Autónoma de Madrid, Facultad de Filosofía y Letras, Museo de Artes y Tradiciones Populares, 1994, p.41. Disponível em: <https://repositorio.uam.es/xmlui/handle/10486/ 8417>. Acesso em: 14/11/2014. 561
Ibidem.
215
Uma forma tradicional de assar a castanha aparece na imagem exibida, em
que as castanhas são dispostas em uma frigideira de aço colocada sobre a brasa.
Na forma mais tradicional, a castanhas são dispostas na terra, por cima delas é que
se faz a fogueira.
A comparação dos modos de assar as castanhas permite notar como a
encenação realizada na Casa de Portugal é adaptada à condição de apresentação
teatralizada562, mesmo porque a própria legislação inibe a realização de fogueiras
em ambientes fechados.
As origens da palavra “magusto” e sua região de abrangência incluem o
oeste da península ibérica.
No hace falta estar muy avezado en el mundo de la cultura tradicional para darnos cuenta de que la costumbre hurdana a la que nos vamos a referir participa de unos mecanismos que, en líneas generales, resultan comunes a todo el área del oeste peninsular. Aunque no dudamos de que a lo largo de estas líneas salgan a relucir particulares connotaciones. Nos estamos refiriendo a la práctica de asar castañas el día de Todos los Santos. Incluso alguno de los nombres con los que la costumbre se designa en La Hurdes los topamos, por citar diferentes espacios geográficos, en Galícia, León, Zamora, Salamanca y una amplia zona de la cacereña Raya o zona limítrofe con Portugal. Así ocurre con magosto, voz a la que Constantino Cabal, parece que con escasa fortuna, componía a partir del latín “magnus ustus” y daba el significado de gran fuego. El actual vocablo lo aceptamos como derivado del portugués magusto.563
A região de Las Hurdes, enfocada no referido texto, situa-se ao norte da
comarca de Extremadura, na Espanha, região a sudoeste do país, fazendo fronteira
com as regiões central e leste de Portugal. Por isso o costume de fazer os magustos
no Dia de Todos os Santos (1º de novembro).
562
A imagem 24 retrata um carrinho de mão com carvão em brasa para simbolizar o ato de assar as castanhas. Quem nunca vivenciou o contexto original e desconhece a prática pode, muitas vezes, não compreender o significado da simbologia. 563
MORENO, José María Domínguez. El Magosto en la Comarca de Las Hurdes. Narria. Madrid, nº. 67-68, Universidad Autónoma de Madrid, Facultad de Filosofía y Letras, Museo de Artes y Tradiciones Populares, 1994, p.41. Disponível em: <https://repositorio.uam.es/xmlui/handle/10486/ 8417>. Acesso em: 14/11/2014.
216
Do Diário de Notícias, de 2 de Novembro de 1909, sob o título “Dia de Todos os Santos. O Dia dos Magustos”: “Este dia, que em Lisboa passa quase despercebido, não significando mais que qualquer outro dia santificado, tem, nas povoações rurais, especialmente nas províncias do norte, uma significação mais importante e definida. O dia de Todos os Santos, para essas povoações, é o dia dos magustos. Ora como este dia coincide com a época em que os castanheiros estão “pingando”, isto é, em que effectua a apanha das castanhas, homens, mulheres, raparigas e até creanças, vão na tarde do dia de hontem para o campo, apanham as castanhas acabadas de cair da arvore e assando-as com o auxílio de carqueja, agulhas de pinheiro, sargaços ou mesmo silvas, sentam-se em volta da fogueira e comem alegremente as castanhas que se vão assando, as quaes são regadas a meudo com fortes goladas de vinho palhete ou mesmo agua-pé, que conduziram em cabaças. Depois quando a noite começa a estender o seu manto escuro sobre os montes e serranias, toda aquella gente regressa ao povoado, ao tempo em que o sino do campanário começa a dobrar finados, para lembrar que é chegado o dia dos fieis defunctos e que se torna necessário orar por aquelles que partiram já para a eterna viagem. Este dobrar fúnebre dos sinos transforma, como por encanto toda a alegria em tristeza e as gargalhadas da tarde em preces rezadas a meia voz. [...]”564
A notícia data de 2 de novembro, dia de finados, e relata a prática do dia
anterior de efetuar os magustos. Sendo normalmente feriado, a véspera é recheada
de tradições.
Revela-se como tradição realizada no Dia de Todos os Santos, no magusto
hurdano, começar com pedidos de casa em casa, para mais tarde dividir as prensas
entre grupos de amigos. A prática é denominada “aguinaldo” (pedir la chiquitía).
[...] muchachos y muchachas de forma independiente acuden a las casas de los vecinos con “buen roce” y de familiares, sobre todo padrinos, abuelos y tíos, en la mañana de Todos los
Santos. A la pregunta de “Quién llama” que hacen los moradores de las casas al escuchar los tintineos de la puerta, la contestación del niño no se hace esperar. “Soy yo, que vengo a pedir la chiquitía”. A la mochila del pequeño van a parar los respectivo puñados de higos pasos, nueces y castañas, así como algunas frutas del tiempo (granadas,
564
VASCONCELOS, José Leite de. Etnografia Portuguesa. Vol. VIII. Lisboa: Imprensa Nacional, 1982, p.476.
217
membrillos…) […] Los familiares más rumbosos suelen entregan al muchacho una o varias monedas. Todo lo recaudado se lleva a casa, tomando luego una porción que va a parar a la cesta comunitaria de la pandilla de amigos. A ésta van a parar igualmente otros alimento y bebidas que se consumirán por la tarde, pagados “a escote” por todos: golosinas, conservas, naranjadas…565
Diante do hábito de pedir de porta em porta, relata-se a prática de pedirem a
“chiquitía” e de prometerem travessuras caso o pedido não fosse atendido.
Junto a la permisiva recolección se ha mantenido una practica más comunitaria de petición de aguinaldo. Los distintos grupos de amigo recorren la localidad, casa por casa, en solicitud de la chiquitía. Cualquier cosa es válida para meter en las alforjas de la pandilla. Cuando alguna persona le cierra el pestillo o hace oídos sordos a su requerimiento, el desairado grupo entona la cantinela de rigor, cual es ésta que se escucha en las alquerías que asoman a las márgenes del río Esperaban: “Tía, de dé la chiquitía, que si no, viene el gato rabón y le tira la puerta de un enpujón” o “Por esta calle me vengo, por la otra doy la vuelta; si no me dais el guinaldo me cago en la vuestra puerta”.566
O peditório também é comum em Portugal, conforme se explana a seguir:
13) Em Tolosa, neste dia, os amos dão bolos aos criados, e os padrinhos aos afilhados. São chamados “bolos dos santos”. Fazem-se bolos mais fonos chamados “bolos dormidos”, porque se fazem na véspera e ficam abafados, ao canto da lareira [ a dormir], até ao dia seguinte. 14) Também em Tolosa, rapazinhos, com séquitos na mão, fazem algazarra pelas ruas, chamando uns pelos outros, para irem a casa dos padrinhos e das madrinhas pedir-lhes a bênção e receber o bolo dos Santos. Se algum padrinho ou madrinha está fora de terra, pedem-lhe à volta. Quando os padrinhos não podem dar bolos, dão dinheiro. Este peditório faz-se de manhã. De tarde, os rapazes vão às casas
565
MORENO, José María Domínguez. El Magosto en la Comarca de Las Hurdes. Narria. Madrid, nº. 67-68, Universidad Autónoma de Madrid, Facultad de Filosofía y Letras, Museo de Artes y Tradiciones Populares, 1994, p.42. Disponível em: <https://repositorio.uam.es/xmlui/handle/10486/ 8417>. Acesso em: 14/11/2014. 566
Ibidem.
218
particulares, também com algazarra, e os donos dão-lhes, à porta ou da janela, guloseimas.567
O magusto marca a chegada do inverno e coincide com a colheita das
castanhas. As ocasiões das colheitas sempre se constituíram em momentos de festa
e oportunidades de encontro entre amigos, dança e aproximação entre homens e
mulheres. Enfim, um momento de alegria e celebração, por isso é rememorado com
tanto saudosismo pelos incentivadores das festas de culto à terra da Casa de
Portugal, que vivenciaram muitos desses fatos.
A aproximação entre homens e mulheres fica evidente na tradição da
colheita do milho e do milho-rei. Na Casa de Portugal a festa típica que rememora a
ocasião leva o nome de Desfolhada do Milho e ocorreu no dia 08 de novembro de
2009. O evento foi realizado em comemoração ao 36º aniversário do Grupo
Folclórico da Casa.568 Foi oferecido um almoço e, no encerramento, realizada a
desfolhada portuguesa pelos componentes do Grupo Folclórico, com a merenda e o
milho-rei.
A Casa do Minho do Rio de Janeiro também realiza o evento Desfolhada do
Milho, explicando sobre a prática agrícola e a tradição do milho-rei:
[...] Nos meses de agosto e setembro é cortado o milho e trazido para a casa do lavrador em carros de bois, ou cestos carregados por homens. Ai é despejado num recinto apropriado, ao ar livre, chamado eira e ai mesmo é feita a DESFOLHADA. A Dona da Casa, esposa do proprietário, que é quem geralmente supervisiona estes serviços, convida vizinhos e amigos para em data aprazada fazer a DESFOLHADA. Às vezes se reúnem mais de 50 pessoas, entre moças, moços, crianças e alguns velhos. Quem mais gosta deste trabalho são os moços. [...] [...] Durante a desfolhada o ponto culminante é o aparecimento do milho Rei. É uma espiga totalmente vermelha e o achador terá o direito de beijar e abraçar todas as moças e senhoras que se encontrem participando desse trabalho.
567
VASCONCELOS, José Leite de. Etnografia Portuguesa. Vol. VIII. Lisboa: Imprensa Nacional, 1982, p.477. 568
NAUS‟S. São Paulo, nº. 159, 2009, p.13.
219
[...] Sempre, após as malhadas ou desfolhadas, os donos da casa oferecem uma lauta merenda, geralmente constando pão de milho ou centeio, azeitonas, iscas de bacalhau ou sardinha assada, não faltando, é claro, o indispensável vinho verde servido em cabaça por onde todos vão bebendo. Durante essa merenda e prolongando-se por algum tempo mais, entre os presentes sempre tem alguém que toca, ou pelo menos “arranha” uma concertina (é assim que chamam aos acordeões menores) e o baile está formado. No Minho não se compreende que se possa executar qualquer faina agrícola sem ser acompanhada ou coroada por cantos e danças.569
Seguindo a tradição, a encenação do Grupo Folclórico na festa inclui a
desfolhada do milho, a preparação da merenda, compartilhada com os presentes,
como descrito anteriormente em relação à festa da vindima, e a brincadeira é
permitida ao aparecimento do milho-rei.
Conforme informações da associação Casa do Minho do Rio de Janeiro, no
Minho não se compreende que seja possível uma faina agrícola sem ser
acompanhada por cantos e danças. O contingente de imigrantes do norte português
coincide com o cultivo da terra, lhe restando a adaptação das tradições outrora
vivenciadas em festas típicas nas associações existentes no Brasil, sempre
associadas à formação de um grupo de dança.
A especialidade desses eventos de culto à terra é rememorar as tradições,
mas também proporcionar sociabilidade entre os imigrantes e descendentes em
terras brasileiras, caracterizada pela oportunidade de reencontrar amigos, fazer
negócios ou até mesmo estimular a convivência entre os próprios descendentes de
portugueses, cabendo lembrar que diversos casais foram formados frequentando
associações como a Casa de Portugal. Como testemunho, tem-se a revelação de
um dos entrevistados:
Nasci na cidade de São Paulo, embora tenha a nacionalidade portuguesa. Sou casado, a minha esposa é da região de Aveiro, tenho uma filha de 14 anos chamada Catarina. Tanto minha filha como minha mulher frequentam a Casa de Portugal, aliás foi na Casa de Portugal que eu conheci a minha
569
CASA DO MINHO. Desfolhada. s/d. Disponível em: <http://www.minho.com.br/index.php/festas-tipicas/desfolhada/>. Acesso em: 17/11/2014. (grifo nosso)
220
mulher. [...] Sim, frequento a Casa de Portugal desde muito pequeno, meus pais também frequentavam [...].570
3.1.3 Festa da Cereja
Diferentemente das Festas do Magusto e da Desfolhada do Milho, a Festa
da Cereja foi realizada diversas vezes na Casa de Portugal. Na revista Raízes
Lusíadas reportagens documentaram sua realização:
Foi realizada com sucesso a partir das 17 horas de 4 de julho. Houve apresentação do Rancho Folclórico Aldeias de Portugal, do Rancho Folclórico da Casa de Viseu do Rio de Janeiro e por último do Grupo Folclórico da Casa de Portugal. Dançaram e cantaram, sendo muito aplaudidos. Foram distribuídas cestinhas de cerejas, provenientes do Fundão (Portugal). Ao final do evento deu-se o sorteio de uma passagem aérea, de ida e volta a Portugal, uma cortesia de Coraltur Turismo.571
O ano dessa edição noticiada foi 1999. Sobre o cerimonial, semelhante ao já
revelado anteriormente em outras festas típicas: a participação do Grupo Folclórico
da Casa de Portugal, nesse caso contando com a presença de outros ranchos, e a
distribuição de cerejas aos presentes como resultado da colheita. Nota-se a origem
da produção das cerejas, o Fundão, cidade dividida em 23 freguesias, situada na
região Centro, no Distrito de Castelo Branco e sub-região da Cova da Beira. Uma
dessas freguesias, Alcongosta, se destaca como produtora de cerejas e tem
realizado a festa anualmente há cerca de dez anos, portanto, há menos tempo que a
Casa de Portugal.
No entanto, em Portugal outras localidades realizam tal festa. Foram
encontradas referências sobre essa festa em Alfândega da Fé, vila do Distrito de
Bragança, região Norte e sub-região Alto Trás-Os-Montes, que já realiza o evento há
570
Depoimento de Paulo Machado, em entrevista concedida ao autor em 02 de abril de 2013, na AICEP. 571
RAÍZES LUSÍADAS. São Paulo, Ano 16, nº. 85, set./out. 1999, p.7.
221
mais de 30 anos. Mais antiga só a festa da cereja promovida na freguesia de Jardim
da Serra, em Câmara de Lobos, tradicional região pesqueira da Ilha da Madeira,
desde 1954.
A festa foi muito citada nos depoimentos coletados, mas cabe questionar o
fato de uma festa que chama tanta atenção e classificada como tradicional572
aparecer em poucos registros jornalísticos573. A primeira edição ocorreu no ano de
1983; outras edições ocorreram no início do mês de julho ou final de junho574; e
foram encontrados registros de edições de 1983 a 2002. Diversas edições contaram
com problemas para a importação das cerejas para a realização da festa. Nos anos
de 1987 e 1997, justamente por problemas dessa natureza, o evento foi cancelado.
Olha, a Vindima, não faz muito tempo não, foi nos últimos anos... Porque talvez antigamente já, anterior à minha chegada aqui, talvez eles fizessem. Tinha a festa das cerejas que ocorria todos os anos e parou de ser realizada, porque na época, há uns anos atrás, houve problema com a importação das cerejas, ficava muito caro, então teve uma série de coisas que foram alterando. Então eles substituíram mais ou menos a festa da cereja pela vindima. É mais fácil ter uvas do que cerejas (risos). É eu acho que era mais ou menos isso que acontecia, a época da colheita da cereja era em abril, e elas eram servidas para as pessoas que vinham na festa em uma cestinha. É como hoje eles fazem com as uvas. Então era muito gostoso, por sinal as cerejas eram ótimas (risos).575
Talvez a Festa da Cereja tenha sido substituída pela da Vindima. Caso fosse
levado em conta apenas o cruzamento do levantamento das reportagens acerca das
572
O uso do termo tradicional foi empregado no título de uma reportagem: “A Tradicional Festa da Cereja”. RAÍZES LUSÍADAS. São Paulo, Ano 19, nº 110, ago. 2002, p.8. 573
Em consulta às atas de reuniões da diretoria da Casa de Portugal foi averiguada a tradição dessa festa, realizada ao longo de 20 anos consecutivos – com exceção de dois anos em que a festividade foi cancelada, devido a problemas com a importação ou com a colheita fora de época dos frutos em Portugal. 574
As edições da Festa da Cereja realizadas nas três regiões portuguesas variam entre os últimos dias de maio até no máximo o final da primeira quinzena de junho. O período de colheita do fruto em Portugal é de maio a julho. A Casa de Portugal em São Paulo, como sempre importou as cerejas para sua festa, necessariamente obedeceu ao calendário agrícola português, diferentemente do verificado no caso da vindima. 575
Depoimento de Eliane Junqueira, em entrevista concedida ao autor em 05 de outubro de 2012, na biblioteca da Casa de Portugal.
222
festas ligadas à terra publicadas em revistas dirigidas ao público luso e
descendentes com os registros de realização da festa nas atas de reuniões, poder-
se-ia concordar com essa assertiva. Tanto as cerejas como a vindima representam
diferentes regiões de Portugal, fazendo parte da vida dos portugueses de maneiras
distintas, embora caiba considerar que a cultura vinícola seja mais disseminada.
Acrescenta-se contra o argumento dessa substituição a identificação de
notas sobre as duas festas em atas de reuniões da diretoria da Casa de Portugal na
década de 1980. Essa consideração encontra consonância com o depoimento de
Vasco de Frias Monteiro, incentivador das festas ligadas à terra na Casa de Portugal
e responsável pela organização da Festa da Cereja em 1987, um dos anos em que
o evento teve de ser cancelado.
[...] nós tivemos aqui uma época, quando começamos a fazer essas festas típicas, que nós tínhamos que fechar as portas, que não cabia mais ninguém. E foi realmente uma outra época, 20, 40 anos atrás começaram essas festas, a Vindima, o Magusto, a Desfolhada, quer dizer, é o milho, a desfolhada é o milho, Festa da Cereja, nós mandávamos vir a cereja de Portugal. E a cereja é muito perecível, muito problemática, então às vezes chegavam aqui com dificuldade, chegavam em cima da hora, porque ela não podia ficar muito tempo fora do gelo. E a uva também, quando começamos a fazer a vindima, a uva também vinha de Portugal, que era na época de fazermos as vindimas, que era setembro ou outubro, que eram justamente nessa época que existiam as cerejas em Portugal. Em junho, maio, junho e julho é a cereja em Portugal, e a uva em setembro e outubro, que era a vindima. Agora não, nós fazemos com as uvas daqui que é muito mais prático. Até o transporte fica difícil, o desembaraço na alfândega também era complicado, às vezes a gente ficava sofrendo muito, chegava em cima da hora. Mas hoje fazemos tudo com a uva daqui. E este ano ainda vamos fazer a Festa da Cereja, lá para o fim do ano vamos fazer.576
Problemas com a importação das cerejas, o sucesso da festa e a dificuldade
em mantê-la se apresentaram ao longo de sua realização:
576
Depoimento de Vasco Frias Monteiro, em entrevista concedida ao autor em 1º de abril de 2014, na Casa de Portugal.
223
[...] a cereja quem me trazia era a Varig, de graça, agora a Varig nem existe mais. A coisa era meio complicada, a cereja vinha de noite, tinha que ser buscada no aeroporto e, a princípio, vinha lá cerca de 30 caixas, 40 caixas, depois vinham 100 caixas. O pedágio era já muito alto e dava muito trabalho. Então um dos principais vice-diretores, grande diretor já falecido, disse aqui numa reunião “Oh presidente, eu achava que devíamos cancelar a Festa da Cereja também, por isto, por isto, por isto...”. E por apreciação de outros diretores também, se cancelou.577
Embora o presidente não seja o maior incentivador da cultura popular,
tampouco proíbe essas festas, por entender que remetem a um período importante
para muitos emigrados. A Festa da Vindima, por sua vez, não veio para substituir a
da Cereja, pois se constitui em cultura bastante disseminada em Portugal, realizada
em grandes propriedades no Douro e Alentejo ou em pequenas propriedades.
A sociabilidade entre os aldeãos – resgatada de maneira encenada na Casa
de Portugal – proporcionada pelas colheitas, seja do milho, da uva, das castanhas
ou das cerejas, consiste em forma de relacionamento em extinção na
contemporaneidade, onde reina o individualismo e, por conseguinte, sobressai-se a
nostalgia.578
“Trabalhar com alegria”, trecho extraído de depoimento de Ernesto de
Lemos, ilustra o efeito nostalgia, pois, apesar da dureza do trabalho na terra, trazia
momentos de sociabilidade.
[...] Com a saudade, não recuperamos apenas o passado como paraíso, inventamo-lo. E quando se inventa o passado através das lembranças envoltas pelas vivências presentes, a decepção e o sentimento de auto-engano no momento do reencontro podem ser inevitáveis.579
577
Depoimento de Antonio dos Ramos, em entrevista concedida ao autor em 03 de abril de 2013, na Casa de Portugal. 578
BAUMAN, Zygmunt. Amor Líquido sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004. Idem. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. 579
RAMOS, Silvana Pirillo. Hospitalidade e Migrações Internacionais: o bem receber e o ser bem recebido. São Paulo: Aleph, 2003, p.140.
224
O resgate do passado alimenta a invenção pela própria distância temporal,
pela idealização do vivido outrora. E a vindima encenada na Casa de Portugal
alimenta as lembranças, envoltas em experiências atuais, cristalizando os bons
momentos, fazendo-se esquecer o lado duro, do trabalho pesado.
O deslocamento espacial proporciona o fenômeno da nostalgia, que promove a transformação das imagens porque tem um grande poder de transfiguração de tudo o que toca e, como o amor, efeitos de encantamento evidentemente, e mais ainda, efeitos de sacralização e santificação.580
Essa construção do passado ocasionada pelo distanciamento diversas
vezes se apoiou nas encenações promovidas nos eventos com a presença do Grupo
Folclórico da Casa de Portugal, que, aliado ao contexto mais contemporâneo,
consolidou a alegria como expressão idealizada do paraíso, visto que se trata de
encenações realizadas em um palco, movidas a danças e músicas, trajes
tradicionais e toda uma atmosfera hospitaleira581. Dessa forma, o Grupo Folclórico
da Casa de Portugal encontrou o ambiente propício para propagação, tornando-se
um símbolo entre os associados, sendo diretamente relacionado com esses
momentos de resgate da memória e expressão identitária.
Principalmente os brasileiros, porque queremos que eles conheçam nossa cultura. Os portugueses, sim, também, luso-descendentes, e não só, também espanhóis, italianos, franceses, alemães e toda a comunidade, a porta é aberta pra todo mundo, mas principalmente pra comunidade luso-brasileira, pra que eles conheçam um pouco da nossa cultura e como é que eles faziam lá antigamente.582
580
SAYAD, Abdelmalek. O Retorno: elemento constitutivo da condição do imigrante. Travessia - Revista do Migrante. São Paulo, Ano XIII, número especial, CEM, jan. 2000, p.12. Apud: RAMOS, Silvana Pirillo. Hospitalidade e Migrações Internacionais: o bem receber e o ser bem recebido. São Paulo: Aleph, 2003, p.174. 581
A utilização do termo “atmosfera hospitaleira” justifica-se pelo fato de a encenação da festa utilizar mais de um tempo social da hospitalidade simultaneamente: a música e dança como forma de entretenimento, a recepção em meio à encenação, permitindo a interação do público com o Grupo Folclórico, abertura à alteridade, que convida o expectador a compartilhar da experiência encenada, somando-se a isso os petiscos portugueses que são servidos pelo bufê. 582
Depoimento de Vasco Frias Monteiro, em entrevista concedida ao autor em 1º de abril de 2014, na Casa de Portugal.
225
Nota-se que a encenação (invenção) vira referência para representar a
cultura portuguesa e até mesmo rememorar sua história, buscando atingir diversos
públicos. A “porta aberta para todo mundo” denota a hospitalidade, o “seja bem-
vindo para conhecer um pouco da nossa cultura popular”.
A encenação apresentada ao público pelo Grupo Folclórico da Casa de
Portugal nessas festas visa rememorar uma situação culturalmente conectada com
as tradições portuguesas. No entanto, até mesmo a etnicidade folclórica foi
reforçada no período salazarista, promovendo invenção de tradições.
A Casa de Portugal propõe uma experiência de aproximação entre passado
e presente por meio da cultura popular, para perpetuar as tradições portuguesas
entre lusos e descendentes. Os tempos sociais da hospitalidade foram utilizados
como artifício na perpetuação das tradições na Casa de Portugal, bem como a
memória utilizada para reascender o sentimento de pertencimento e celebrar a
cultura portuguesa.
Os sentidos são aguçados nas experiências de memória e de hospitalidade
vivenciadas nos eventos realizados na Casa de Portugal. Os sons, os cheiros,
sabores, o visual presente na decoração tangibilizam as identidades e o
pertencimento.
3.2 EVENTOS: SABORES, GOSTOS E TRADIÇÕES
Os alimentos têm usos e consumo condicionados a códigos e regulamentos de caráter sociocultural, pois são estruturados pela cultura a que pertencem. Assim, existe uma base estabelecida pela origem e pela família na formação do gosto, definindo o hábito, que será mantido ou não, pois as experiências ocorrem e o hábito alimentar vai incorporando outros sabores. Mesmo porque a herança étnica pode ser semelhante ou idêntica em muitos casos, mas pode resultar diferente conforme a pessoa, ou seja, na maneira como se relacionam as pessoas entre si. “O habitus nacional de um povo não é biologicamente fixado, mas está intimamente vinculado ao processo particular de formação do Estado a que foi submetido”. Portanto, pode-se concluir que o habitus de
226
uma nação, à luz do estudo das mentalidades, é direcionado pelo estado ao qual está subordinado.583
A cozinha nasceu da necessidade humana de se alimentar. Por ser
recorrente no cotidiano dos sujeitos históricos, incorporou o habitus individual e
coletivo, condicionada a regulamentos socioculturais próprios de uma temporalidade
histórica e geográfica.
Este item trata das questões do gosto, da comensalidade e também da
forma como os alimentos servidos nos eventos realizados na Casa de Portugal
remetem à memória. Busca-se abordar em específico um evento gastronômico
semanal chamado Almoço das Quintas, além de caracterizar o que foi servido de
maneira geral nos demais eventos.
Enquanto prática associativa e considerada lugar de memória584 e de
hospitalidade585, a Casa de Portugal se preocupou com o que serviria em seus
eventos representativos da cultura portuguesa, visto que se constituíram em forma
eficaz de celebração cultural e manutenção de tradições.
583
CORNER, Dolores Martin Rodríguez. Da Fome à Gastronomia: os imigrantes galegos e andaluzes em São Paulo (1946-1960). Tese (Doutorado em História Social), Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), São Paulo, 2011, p.27. 584
“Os lugares de memória possuem sua existência vinculada ao momento particular histórico contemporâneo, pela inexistência de meios de memória. São lugares, com efeito nos três sentidos da palavra, material, simbólico e funcional, simultaneamente, somente em graus diversos [...] Os três aspectos coexistem sempre. Trata-se de um lugar de memória tão abstrato quanto a noção de geração? É material por seu conteúdo demográfico; funcional por hipótese, pois garante, ao mesmo tempo, a cristalização da lembrança e sua transmissão; mas simbólica por definição visto que caracteriza por um acontecimento ou uma experiência vividos por um pequeno número uma maioria que deles não participou.” NORA, Pierre. Entre Memória e História a problemática dos lugares. Projeto História. São Paulo, nº. 10, 1993, p.21-22. 585
“Falar de hospitalidade significa, justamente, ter em conta as múltiplas implicações presentes nessa dupla reação humana: a relação com o lugar e a relação com o outro. Os lugares de hospitalidade são lugares de pertença e de posse, são lugares de autoctonia e de afirmação identitária. [...] Por definição, os lugares de hospitalidade são lugares abertos ao outro. Mas quem são ou quem devem ser esses outros que nos dispomos a receber e acolher? Que regras e que rituais devem marcar essa recepção e esse acolhimento? O local de residência, a paisagem envolvente, as cores, os sons e os cheiros da rua ou do bairro, as narrativas da „nossa gente‟, as tradições e os hábitos da „nossa comunidade‟ funcionam como nutrientes preciosos do caldo de humanidade que fecunda a singularidade subjectiva e faz a identidade dos lugares. Estamos perante uma noção de “lugar” , em boa medida tributária do pensamento de Augé (1986) e associada à ideia de um espaço habitado. Os lugares precisam ser lugares de "alguém". Na consciência, porém, de que a humanização do espaço – a sua transformação em lugar – pressupõe o respeito pela hospitalidade do próprio mundo natural. Ele nos serve de solo de enraizamento temporal, de sustento e de fruição, mas, por isso mesmo, não pode continuar a ser visto como um recurso inesgotável. [...]” BAPTISTA, Isabel. Hospitalidade e eleição intersubjectiva: sobre o espírito que guarda os lugares. Revista Hospitalidade. São Paulo, vol. 5, nº. 2, Anhembi Morumbi, dez. 2008, p.14-15.
227
Sim, sim, isso é sempre assim, sempre petiscos portugueses. Pode até, sei lá, um churrasquinho, às vezes eles fazem, sempre tem uma criança que quer comer um churrasco, ou batata frita. Mas alheira, os bolinhos de bacalhau, o bacalhau, o vinho português, tem que ter. Porque senão não é festa portuguesa.586
Assim, uma festa só pode ser considerada portuguesa se alguns petiscos
característicos estiverem presentes. Por isso nomeou a alheira587, o bolinho de
bacalhau588, o próprio bacalhau e o vinho português como elementos marcantes da
culinária portuguesa.
Alimentar-se é um imperativo biológico que atende às necessidades de sobrevivência, mas não se come apenas para saciar a fome e se nutrir, também para saborear, por prazer, tradições e hábitos adquiridos, envolvendo construções simbólicas e heranças culturais recebidas.589
A formação do gosto590 é proporcionada por hábitos e tradições, a ponto de
se poder afirmar que as pessoas também comem suas lembranças591. Sendo o
último hábito abandonado pelo imigrante592, a cozinha da família se torna motivo
para celebrar a convivialidade em meio à prática associativa.
586
Depoimento de Eliane Junqueira, em entrevista concedida ao autor em 05 de outubro de 2012, na biblioteca da Casa de Portugal. 587
É um tipo de embutido português, produzido a partir de banha e carne de porco na ocasião da matança do porco. Possui formato de ferradura, cilíndrica, pode-se adicionar também carne de aves, pão, azeite e colorau. Tem em seu interior uma espécie de pasta formada por diversos tipos de carnes, pão e condimentos. Sua coloração é alaranjada e usa-se a tripa do porco ou bovina como invólucro. Em Portugal é servida inteira com acompanhamentos diversos, mas no Brasil em muitos bares é servida como aperitivo. Na Casa de Portugal é empanada e frita, servida em cubos. 588
Bacalhau dessalgado desfiado misturado com temperos e purê de batata. É frito antes de servir em formato de bolinhos. 589
MATOS, Maria Izilda Santos de. Cultura, tradição e invenção: temperados com lágrimas de saudades. In: PATRIOTA, Rosangela; RAMOS Alcides Freire (Orgs.). Escritas da História: ver, sentir, narrar. São Paulo: Hucitec, 2014, p.260-261. 590
“O sabor (o que se sente pelo paladar) diferencia-se do gosto, que é o resumo de várias experiências adquiridas e transmitidas, presentes nas experiências de deslocamentos dos portugueses [...].” Ibidem, p.261. 591
Cf.: CERTEAU, Michel de; GIARD, Luce; MAYOL, Pierre. A Invenção do Cotidiano. 2 - Morar, cozinhar. Petrópolis, RJ: Vozes, 1996. 592
“A alimentação se torna assim uma exposição de todo um passado, das origens, porque ele comunica, identifica, é memória, podendo-se parodiar o dito popular: „diga-me o que comes que eu te direi quem és‟. É uma manifestação cultural mais perceptível, pois a história da alimentação é a
228
A prática da convivência no seu sentido próprio, a própria imagem da vida em comum (cum vivere), fortalece, desde sempre, a ideia de que comer e beber com o outro favorece a empatia, a compreensão mútua, a comunhão de sentimentos. Aquilo que os homens têm em comum, considerando desde a mesa familiar até o banquete antigo que reúne uma cidade, são os costumes, as normas, os sinais identitários por meio dos comportamentos à mesa, mas também as crenças compartilhadas. Se a relação em torno da mesa cria um laço, com maior frequência ainda ela fortalece o laço já existente.593
Ao mencionar o laço social, refere-se às relações humanas e à hospitalidade
como forma de estabelecimento e manutenção de vínculos por meio da tríade dar-
receber-retribuir.
Podemos nos arriscar a dizer que uma das formas mais reconhecidas de hospitalidade, em qualquer época e em todas as culturas, é compartilhar sua mesa, ou então sua refeição com alguém. Comer juntos assume, então, um significado ritual e simbólico muito superior à simples satisfação de uma necessidade alimentar. Essa forma de partilha, de troca e de reconhecimento é chamada de comensalidade. Na acepção ordinária, o comensal assume, antes de tudo, a figura de hóspede. Ele se identifica, desse modo, sob o termo genérico de convidado (isotopia da recepção) ou, de maneira mais específica, de conviva (isotopia da refeição), porque a noção de comensalidade condensa os traços da hospitalidade e os da mesa. [...]594
O público dos eventos da Casa de Portugal, apesar de convidado, paga para
participar deles. Tal aspecto não anula o efeito do convite ou o fato de ser tratado
enquanto conviva (hóspede), pois o compartilhar a mesa abrange o significado de
própria história do homem, além de fator de diferenciação cultural. Em se tratando de imigração, é tido como o último hábito abandonado, tal é a sua importância em uma cultura. Em muitos casos, a comida pode ser um fator de resistência, de manutenção dos hábitos do lugar de origem, sobretudo quando o contexto cultural se mostra adverso no país de recepção.” CORNER, Dolores Martin Rodríguez. Da Fome à Gastronomia: os imigrantes galegos e andaluzes em São Paulo (1946-1960). Tese (Doutorado em História Social), Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), São Paulo, 2011, p.15. 593
BOUTAUD, Jean Jacques. Compartilhar a Mesa. In: MONTANDON, Alain (Org.). O Livro da Hospitalidade – Acolhida do Estrangeiro na História e nas Culturas. São Paulo: Editora Senac, 2011, p.1.215. 594
Ibidem, p.1.213.
229
acolhimento e recepção, acolher o outro de acordo com determinadas concepções
identitárias.
Apesar de todos os riscos ou, precisamente, junto com todos os riscos, o espaço comensal permanece um lugar central de expressão de identidade. Ele reúne em redor de atividade alimentar, une e reforça os vínculos entre os indivíduos. Celebra a mesa e aqueles que a partilham, a respeitam e a honram. Um quadro identitário estendido, desde sempre, a um horizonte místico, quando a função simbólica da refeição é reconhecida, e a um espaço mágico, quando o processo de incorporação dota os alimentos de poder simbólico.595
Quando o alimento compartilhado à mesa faz parte de um habitus étnico e
coletivo, estando ligado a uma expressão identitária, a comensalidade o subjetiva e
o converte em pertencimento, transfigurando o ato de acolhimento em poder
simbólico, pelo fato de se ofertar algo que faz parte de sua identidade. Não se trata
de um alimento qualquer, nem de uma manipulação da dádiva no sentido de obter
vantagens. Trata-se da própria dádiva, ainda que haja um valor empenhado pelo
convidado para participar do evento, pois o que está em jogo não é apenas o
aspecto da lucratividade ou uma relação comercial. Esta se faz necessária dentro do
mundo capitalista, a dádiva está na possibilidade de se vivenciar uma experiência
cultural diferente e o mais próximo possível do cotidiano português.
A comensalidade foi o mote do surgimento do evento semanal Almoço das
Quintas, que começou na Casa de Portugal há algumas décadas e acontece até os
dias atuais. Não foram encontrados registros oficiais a respeito da origem do Almoço
das Quintas na Casa de Portugal. Em reportagem do jornal Portugal em Foco596
afirma-se a existência do encontro há mais de 70 anos (o que supostamente
equivaleria ao ano de 1942). Outra reportagem do mesmo jornal597 atesta ser um
almoço com mais de 67 anos (caso em que a origem seria de 1947). Já em
reportagem de 10 de dezembro de 2014 afirma-se a existência há mais de 60 anos
595
Fischler, 1990. Apud: BOUTAUD, Jean Jacques. Compartilhar a Mesa. In: MONTANDON, Alain (Org.). O Livro da Hospitalidade – Acolhida do Estrangeiro na História e nas Culturas. São Paulo: Editora Senac, 2011, p.1.222. 596
PORTUGAL EM FOCO. “Dia Internacional da Mulher Comemorado no Almoço das Quintas”. Rio de Janeiro, 28 de março de 2012. 597
PORTUGAL EM FOCO. “O Renomado „Almoço das Quintas‟”. Rio de Janeiro, 17 de abril de 2013.
230
(supostamente antes de 1954)598. Finalmente, segundo reportagem do jornal Mundo
Lusíada599, seria promovido há quase 80 anos (por volta de 1943). No entanto, deve-
se levar em conta que a edificação da sede da Casa data de 1955.
Encarando o desafio proposto a respeito da descoberta da data de
surgimento do Almoço das Quintas, recorreu-se às atas de reunião da Diretoria
Central. Durante a década de 80 foram mencionadas diversas vezes nelas a
exploração do serviço de bar e restaurante dentro das instalações da Casa por uma
empresa, a ponto de ser item mencionado nos balancetes como contribuinte mensal.
No entanto, o termo “Almoço das Quintas” aparece pela primeira vez em 1989: “[...]
Deu alguns esclarecimentos sobre o Almoço das Quintas, entendendo que deverá
aumentar a sua frequência, que o serviço deve ser aprimorado e que os diretores
devem prestigiar o evento.”600
O “Almoço das Quintas”601 surgiu da necessidade de promover encontros
entre amigos, mas consolidou-se enquanto local propício à realização de negócios,
haja vista a presença do Consulado de Portugal e da Câmara Portuguesa de
Comércio na Casa de Portugal. Ao longo de sua existência, foi comandado por
diferentes empresas602, dependendo da que atuava em parceria com a instituição.
Já foi servido pelo bufê Dona Urraca, depois pelo Sabores de Portugal (até 2003).
Somente em 2005 o bufê O Marquês, de Marialva de Mauro Fernandes, assumiu o
comando do evento semanal, sob a liderança de quem esteja no momento com o
aval da direção e presidência da Casa.
Infelizmente eu não tive a sorte, eu que trouxe pra cá o Marquês, o Roberto Leal, que o Mauro é irmão do Roberto Leal e inicialmente eram sócios, eu que trouxe pra cá, eu que fiz o contrato, não tirei proveito, que foi no meu último ano. Eu tive aqui bufês bons, mas, coitadinhos, não tinham capital e não me
598
PORTUGAL EM FOCO. “„Almoço das Quintas‟ sempre em evidência”. Rio de Janeiro, 10 de dezembro de 2014. 599
MUNDO LUSÍADA. São Bernardo do Campo - SP, 1º de abril de 2013. 600
CASA DE PORTUGAL DE SÃO PAULO. Livro de Atas da Diretoria. São Paulo, 14/02/1989 a 10/09/1991, p.3 (verso). 601
Tem esse nome porque, além de realizado às quintas-feiras, busca homenagear as fazendas portuguesas, denominadas “quintas”. 602
Em conversas com funcionários da Casa foi levantado que todos os bufês que passaram por lá eram de propriedade de portugueses. Inclusive, o único de nome inglês, “Top Table”, teve de adotar o nome fantasia “Sabores de Portugal”, conforme determinação da direção da Casa.
231
deram proveito nenhum. O bufê que está aqui hoje, ele tem uma firma de eventos e já nos dá, mas vai nos dar muito dinheiro a alugar os espaços da Casa pra eventos. E a culinária, excelente. Se você vê aqui o Almoço das Quintas, diversidade e qualidade. Já esteve aqui?603
Nota-se que a parceria entre a Casa de Portugal e o bufê O Marquês passa
a ser lucrativa para a instituição a partir do momento em que a empresa atrai
interessados em alugar os salões, principal fonte de arrecadação da associação. A
qualidade do serviço no Almoço das Quintas adquire importância à medida que se
utiliza o espaço para encontros políticos e sociais. Nesses almoços foram
concedidas diversas homenagens e honrarias604.
No ano de 2007, durante a administração do presidente Julio Rodrigues, o
Almoço das Quintas passou a contar com o jornalista Martins de Araújo605 como
chefe de cerimonial. O Almoço das Quintas é servido em uma área do subsolo da
Casa de Portugal, local onde foi feita sua adega, projetada nos moldes daquelas
vistas nas tradicionais casas de fado de Lisboa, tendo um serviço diferenciado, o
que pode ser observado na imagem seguinte ao se notar a sequência de talheres e
taças à mesa.
À esquerda da imagem (não visível), reserva-se a mesa de honra, ocupada
pelo presidente da Casa de Portugal ou por algum diretor que o represente e seus
acompanhantes. Ao lado dessa mesa há um tripé com microfone, de onde o chefe
do cerimonial, Martins de Araújo, agradece a presença de ilustres personalidades e
também dos que vão pela primeira vez ao local.
603
Depoimento de Antonio dos Ramos, em entrevista concedida ao autor em 03 de abril de 2013, na Casa de Portugal. 604
Vide Apêndices D, E e F para identificar as homenagens prestadas durante o Almoço das Quintas. 605
Jornalista português, narra diariamente na Rádio Trianon AM 740, entre 17h00 e 18h00, o programa “Portugal Dentro de Nós”.
232
Imagem 26 - Salão onde é servido o Almoço das Quintas.606
É de praxe, como forma de entretenimento, haver sorteio de algum brinde ou
viagem, dependendo dos patrocinadores que anunciam na Casa de Portugal.
Quando realizada uma homenagem ou honraria em específico, lê-se um discurso a
respeito dos feitos do homenageado para a comunidade portuguesa, em seguida é
chamado a discursar e agradecer. Nessas ocasiões, os associados são avisados
com antecedência e a imprensa especializada é chamada para cobrir o evento.
Tem ali pra todos os gostos, é bom, é farto, de qualidade. E não está aberto. E foi feito pra isso, está no estatuto da Casa. Bar embaixo, Almoço das Quintas se entra por fora, e vai ser diferente essa papagaiada, estou acabando com ela, que parece um circo. Mesa de honra num almoço? Aquilo é ridículo pra... “Sr. Presidente”, a mim me chamam de eterno presidente. Ali, o que é que é isso? Só um agradecimento e olhe lá... Se quiser fazer uso do microfone, faça, o resto, lero-leros. Aquilo parece um circo. Então ele vai funcionar dentro de quatro meses e se tornar um dos melhores restaurantes portugueses de São Paulo. Foi pra isso que foi feita aquela beleza, pro Almoço das Quintas. Antigamente era feito aqui pra cima e vai voltar a ser aqui pra cima. Vai sair dali, pra não perturbar quem frequenta o restaurante.607
606
O MARQUÊS BUFFET. Salão Vip. Disponível em: <http://www.omarques.com.br/salaovip.html>. Acesso em: 25/03/2015. 607
Depoimento de Antonio dos Ramos, em entrevista concedida a autor em 03 de abril de 2013, na Casa de Portugal.
233
Observa-se a insatisfação com o excesso de cerimonial, dispensável, por
exemplo, quando não há homenagem ou honraria. Talvez a desaprovação se
apresente porque o início da atuação do chefe de cerimonial se deu em 2007,
ocasião do mandato de outro presidente.
Embora o cerimonial tenha sido simplificado, em visitas mais recentes notou-
se a mesma prática de apresentar ao microfone os recém-chegados. Uma
explicação pode estar no fato de o Almoço ter sido criado no intuito de servir como
ponto de encontro da comunidade portuguesa.
Hoje é um encontro semanal de bom convívio luso-brasileiro, para o qual podemos levar convidados de todos os segmentos. Lá se reúnem amigos, empresários, jogadores, jornalistas, dirigentes associativos, artistas de teatro e televisão para um papo descontraído, um bom aperitivo e, claro, saborear as delícias da culinária portuguesa.608
O texto mantém a característica da associação de supervalorizar os
frequentadores como detentores de sucesso na sociedade brasileira. Ressalta-se o
fato de o Almoço das Quintas não ser o único, os almoços das terças-feiras e os
jantares de sábado possuem como cenário o restaurante Cais do Porto609, que nas
noites de maior movimento aos finais de semana garante a apresentação de fados.
608
CASA DE PORTUGAL DE SÃO PAULO. Texto produzido pela bibliotecária da Casa de Portugal a respeito do Almoço das Quintas, utilizado como base para pesquisas escolares. São Paulo, s/d. 609
De propriedade da Senhora Tereza Morgado, figura assídua nos eventos da Casa de Portugal e membro da diretoria há muitos anos, situa-se no interior da maior associação de lazer portuguesa em São Paulo, a Sociedade Portuguesa de Desportos, à Rua Comendador Nestor Pereira, número 33, bairro do Canindé, em São Paulo.
234
O Almoço das Quintas inclui bebidas, um couvert servido em formato de
coquetel610 antes das entradas, pratos quentes e sobremesas à disposição dos
convivas em sistema self-service. O couvert, conforme pesquisa realizada nos
cardápios do Almoço das Quintas, é composto por: bolinho de bacalhau, presunto
cru, alheira, salpicão português, mix de queijos, carpaccio de mignon, berinjela com
passas, tomate seco, azeitonas portuguesas, torresmo, torradinhas, frios sortidos,
pãezinhos d‟O Marquês e pataniscas de bacalhau.
Observa-se na imagem apresentada que o serviço de coquetel estimula os
presentes a aproximarem-se ao redor da mesa, estrategicamente posicionada em
um ambiente separado do salão (local onde as mesas foram dispostas), favorecendo
assim a convivência e até mesmo a criação de vínculos entre os frequentadores.
Imagem 27 - Parte do salão do Almoço das Quintas onde é servido o couvert.611
610
Coquetel trata-se de um tipo de evento que normalmente é rápido. Os alimentos são posicionados estrategicamente em uma mesa central, as pessoas permanecem em pé, conversando entre si, e quem circula são apenas garçons, executando o serviço de bebidas. Assim que as entradas e pratos quentes são servidos, os convivas são direcionados às mesas para pegarem seus pratos e se servirem. Nota-se que esse tipo de couvert, em estilo coquetel, estimula a livre conversa entre os clientes do restaurante, promovendo mais uma vez a convivência, o estabelecimento de vínculos entre associados e interessados em saborear a gastronomia portuguesa, ato próprio da hospitalidade. 611
Acervo pessoal, 05/04/2012.
235
O único serviço realizado durante o Almoço das Quintas é o de bebidas,
efetuado por um ou dois garçons, dependendo do número de pessoas presentes.
Em análise dos cardápios do evento semanal, foi possível notar que o serviço inclui
água (com ou sem gás), refrigerante (normal ou light), whisky envelhecido oito anos,
cerveja e vinhos portugueses branco e tinto.
Foram examinados os cardápios servidos nesses almoços para se entender
o que se compreende como gastronomia portuguesa em São Paulo, mais
especificamente na Casa de Portugal no Almoço das Quintas, e as adaptações que
a cozinha sofreu, enfocando a reconstrução das tradições portuguesas na culinária.
Não surpreendeu o fato de o bacalhau aparecer como opção de prato quente todos
os dias, por se tratar de peixe muito utilizado na culinária portuguesa. A receita mais
recorrente foi com a denominação Bacalhau d‟O Marquês.
[...] o Bacalhau d’O Marques, que tem nomes diferentes em vários lugares, cada lugar se tem um nome, algumas vezes de lagareiro (bacalhau em posta, brócolis, batatas ao murro, cebola assada, alho laminado regado no azeite).612
612
Depoimento de Mauro José Patrício Fernandes Junior, em entrevista concedida de maneira informal no dia 1º de agosto de 2014 e complementada por e-mail em 07 de abril de 2015. É sócio-proprietário d‟O Marquês Buffett, em conjunto com seu pai e seu irmão, que sempre trabalharam no ramo de comércio alimentício. Seu pai trabalhou na Casa de Portugal entre 1997 e 1999, mas se instalaram como concessionários (terceirizados) no local de forma mais definitiva a partir do ano de 2005. O pai de Mauro é português natural da aldeia de Vale da Porca, uma freguesia do concelho de Macedo de Cavaleiros, distrito de Bragança, região norte de Portugal.
236
Imagem 28 - Bacalhau d‟O Marquês.613
Junto ao bacalhau é muito comum o uso de batata, cebola, alho, azeitona
portuguesa e brócolis ou couve, todos servidos com as postas do bacalhau ou na
elaboração de pratos variados com o ingrediente. “Entre os lusos imigrantes,
também era marcante o uso do azeite, cebolas, batatas, alho, favas, couves,
brócolos e do grão-de-bico. [...]”614
Outra versão citada nos cardápios foi o Bacalhau a Romeu 615, receita que
consiste em empanar em farinha e ovo tanto o bacalhau como as batatas, fritando-
os no azeite. Às batatas acrescenta-se também pão ralado antes de serem fritas. O
tempero tanto do bacalhau como das batatas é feito à base de colorau e pimenta.
Na imagem seguinte a receita aparece empratada, e não disposta em
travessas, como no serviço do Almoço das Quintas. Contudo, a imagem sugere a
atual tendência de valorização gastronômica de ingredientes que não possuíam a
mesma glamourização outrora, quando faziam parte da vida dos imigrantes em seus
países de origem. Havia diferentes tipos de bacalhau, consumidos conforme as
distinções sociais.
613
Acervo pessoal, 26/03/2015. 614
MATOS, Maria Izilda Santos de. Cultura, tradição e invenção: temperados com lágrimas de saudades. In: PATRIOTA, Rosangela; RAMOS Alcides Freire (Orgs.). Escritas da História: ver, sentir, narrar. São Paulo: Hucitec, 2014, p.268. 615
Entre os 22 cardápios analisados, a receita apareceu em quatro ocasiões distintas.
237
Imagem 29 - Bacalhau a Romeu.616
O bacalhau, aparece, como a sardinha, em orçamentos camponeses ou populares, referenciados em obras como A carestia de vida nos Campos de Basílio Teles (1903), ou o Inquérito Económico-Agrícola (LIMA BASTO; BARROS, 1934, 1936) em que, o bacalhau surge na alimentação de criados agrícolas do Norte. Bacalhau barato, pois o seu preço era metade do toucinho. Mas não é apresentado como elemento de consumo da população numa área montanhosa da beira, objeto de um Inquérito do Instituto de Antropologia do Porto, onde se afirma, aliás, que ¾ dos moradores não colhia milho suficiente para fazer o seu pão e que só um pouco mais de metade da população colheria suficientes batatas para o seu consumo anual. O peixe consumido aí é a sardinha; uma destas no pão e um caldo, já seriam para os habitantes rurais desta freguesia de Castro Daire uma fartura (CORREIA, 1951). Provavelmente, para citar novamente a afirmação de Salazar em 1918, o bacalhau raramente seria acessível às massas populares, que teriam de se contentar com a sardinha, sendo alimento mais de “remediados que de pobres” (GARRIDO, 2003, p.315). Mas havia tipos distintos de bacalhau para tipos distintos de consumidores. O mais pequeno destinar-se-ia aos mais pobres, como ainda pude observar em feiras locais quase nos nossos dias.617
616
O MUNDO DA CULINÁRIA. Bacalhau à Romeu. 11/02/2013. Disponível em: <http://chefecuco. blogspot.com.br/2013/02/bacalhau-romeu.html>. Acesso em: 15/04/2015. 617
SOBRAL, José Manuel. Alimentação, Comensalidade e Cultura: o Bacalhau e os Portugueses. XI Congresso Luso Afro Brasileiro de Ciências Sociais Diversidades e (Des)Igualdades. Salvador -
238
O bacalhau esteve presente na mesa de camadas mais populares em
regiões litorâneas portuguesas ou onde as carnes não chegavam ou eram mais
caras. Com a vinda desses emigrantes para o Brasil, a habilidade de lidar com esses
alimentos se manteve.
O bacalhau, como outros peixes, era considerado um alimento popular podendo ser adquirido por preços acessíveis no mercado, ainda mais facilitado pela conservação (salgamento). Contudo, o bacalhau dos populares era diferente do que fazia parte da mesa das elites, cabendo destacar que, com o tempo, ele se tornou um prato representativo da gastronomia lusitana. [...] A dificuldade de acesso à carne fez com que os pescados estivessem mais presentes na dieta ibérica, assim, no contexto da emigração se mantiveram as habilidades de preparo dos peixes, em particular, das sardinhas e do polvo.618
Quanto ao aspecto gastronômico, nota-se no Almoço das Quintas uma
peculiaridade presente na vida de muitos desses imigrantes: a valorização da boa
comida e da fartura, característica que carregam consigo. Isso se traduz no serviço
ali prestado – como é possível visualizar nas imagens –, que impressiona pela
quantidade e qualidade e por permitir o autosserviço. Característica ressaltada
também por Antonio dos Ramos: “Tem ali pra todos os gostos, é bom, é farto, de
qualidade.” Ou seja, embora se valorize na Casa de Portugal o cerimonial, o poder
simbólico, o requinte, não se dispensa a fartura619.
Ela fazia uma açorda, prato português, que era uma delícia. Pratos de bacalhau, suflês, carnes, coelhos, patos, pernis e doces portugueses, arroz-doce cremoso, bolos. Ela tinha o dom para fazer pratos, tanto salgados quanto doces, todos com perfeição. O arroz-doce era cremoso, feito com vários litros de leite, várias gemas, cravos, canela, era cremoso, com raspas de limão e era devorado em questão de minutos pelos
BA, Universidade Federal da Bahia (UFBA), 07 a 10 de agosto de 2011, p.1-2. Disponível em: <http://www.xiconlab.eventos.dype.com.br/resources/anais/3/1307570983_ARQUIVO_AlimentacaoXIConlabJMS.pdf>. Acesso em: 10/04/2015. 618
MATOS, Maria Izilda Santos de. Portugueses: Deslocamentos, Experiências e Cotidiano - São Paulo Séculos XIX e XX. Bauru, SP: Edusc, 2013, p.226-227. 619
Essa constitui uma característica marcante desses imigrantes, tanto que faz parte do imaginário coletivo afirmar-se que em poucos países do mundo se come tão bem quanto nos mediterrâneos Portugal, Espanha e Itália.
239
convidados. Era a sobremesa favorita do dia de reis, e outras festas. Nesse dia chamava os amigos, servia uma saborosa bacalhoada, com vinhos portugueses, e o célebre arroz-doce. Ela era uma pessoa muito festeira, adorava ter a casa repleta de amigos, comendo e bebendo bons vinhos e licores, ao término da refeição. Trata-se de um costume bem lusitano, que herdei e procuro passar aos meus filhos. Outro costume dela era o cálice de vinho do Porto, sempre servido às visitas.620
Nota-se que de fato a abundância caracteriza um dos aspectos do “receber
à portuguesa”, favorecendo os momentos compartilhados com amigos – em que não
faltam pratos tradicionais – e, portanto, propícios à manutenção de vínculos
sociais.621 A presença desses pratos na recepção tanto em âmbito privado como no
coletivo e comercial, caso do Almoço das Quintas na Casa de Portugal, tem sido
atrelada à valorização e ao resgate da memória, pois os aromas e sabores
experimentados desde a infância na constituição do habitus servem como
campainhas da memória622 quando reelaborados e saboreados em outros contextos.
A memória dos sabores da meninice se mantém presente por toda a vida, os aromas e sabores dos pratos da infância são inesquecíveis, “maravilhoso tesouro dos sabores da infância, sabores da felicidade perdida, doces sabores do passado”. Testemunho de um passado que apesar dos anos, não se perde, sobrevive e até resiste, que emerge como campainhas da memória, revivendo sabores marcantes, percepção dos ingredientes, dos aromas acentuados, como do cravo e da canela, que impregnam os corredores das reminiscências, constituindo-se em memórias afetivas que levam na busca de tempos perdidos, dos momentos de carinho, das demonstrações de afeição ou da espera ansiosa pela data festiva com suas guloseimas.623
620
Depoimento de Adriana Prestes Maia Fernandes, acervo do Memorial dos Imigrantes de São Paulo – entrevista realizada em 05/09/2005. Apud: MATOS, Maria Izilda Santos de. Cultura, tradição e invenção: temperados com lágrimas de saudades. In: PATRIOTA, Rosangela; RAMOS Alcides Freire (Orgs.). Escritas da História: ver, sentir, narrar. São Paulo: Hucitec, 2014, p.270-271. 621
Mesmo que o Almoço das Quintas seja pago, o simples fato de informar a uma pessoa sobre algo que deverá lhe agradar já é aceito como uma dádiva. “Convidar alguém para ir à sua casa, oferecer abrigo e comida a alguém em necessidade são dádivas expressas por gestos que se inserem dentro da dinâmica do dar-receber-retribuir. A dádiva desencadeia o processo de hospitalidade, seja ou não precedida de um convite ou de um pedido de ajuda, numa perspectiva de reforço do vínculo social.” CAMARGO, Luiz Octávio de Lima. Hospitalidade. São Paulo: Aleph, 2004, p.19. 622
MATOS, Maria Izilda Santos de. Portugueses: Deslocamentos, Experiências e Cotidiano - São Paulo Século XIX e XX. Bauru, SP: Edusc, 2013. 623
Ibidem, p.218.
240
No Almoço das Quintas, o bacalhau é ingrediente de diversos pratos do
cardápio, assim como tradicionalmente acontecia em Portugal. A identificação entre
o bacalhau e os portugueses é antiga e contou com um reforço especial no período
salazarista.
A importância do bacalhau como fonte de proteína para a população, e como fator importante do desequilíbrio da balança comercial e da de pagamentos, levou o Estado Novo a investir fortemente na criação de uma estrutura dedicada ao desenvolvimento da sua pesca. Esta esteve activa entre 1934, altura em que se instituiu uma política de proteccionismo, e 1967, momento em que começa o seu fim, com a liberalização das importações. Esta política reduziu o peso do peixe importado, embora nunca tenha conseguido a substituição de importações, o que não era, aliás, um dos seus objetivos. (GARRIDO, 2003, p.298) Fruto desta política, em 1958, Portugal foi o primeiro produtor mundial de bacalhau salgado e seco (GARRIDO, 2003, p.297), com 59.826 toneladas, mas ainda assim, houve necessidade de importar 25.370 (GARRIDO, 2003, p.299). O bacalhau era, em finais dos anos 20, a segunda importação em valor, a seguir aos cereais, fonte do alimento principal, o pão (GARRIDO, 2003, p.297). Salazar estava consciente da sua importância em Portugal, comparando-o a este respeito com o açúcar, e referindo ser este peixe menos acessível às “massas proletárias”, ao contrário da sardinha, mas dizendo que o mesmo era para uma percentagem elevada da população um género de primeira necessidade (GARRIDO, 2003, p.51).624
Conforme mencionado anteriormente, boa parte dos associados da Casa de
Portugal emigrou do centro ou do norte de Portugal, regiões das maiores levas
emigratórias a São Paulo. Faz sentido o bacalhau ter sido tão valorizado no Almoço
das Quintas e mesmo no imaginário do imigrante português e de seus
descendentes.
Sendo assim, o bacalhau acaba por assumir a função de recurso de
memória dos sabores, não isoladamente, mas em conjunto com o local da prática
associativa, o ambiente, os patrícios, a bebida e tudo o mais que tem proporcionado
624
SOBRAL, José Manuel. Alimentação, Comensalidade e Cultura: o Bacalhau e os Portugueses. XI Congresso Luso Afro Brasileiro de Ciências Sociais Diversidades e (Des)Igualdades. Salvador - BA, Universidade Federal da Bahia (UFBA), 07 a 10 de agosto de 2011, p.1-2. Disponível em: <http://www.xiconlab.eventos.dype.com.br/resources/anais/3/1307570983_ARQUIVO_AlimentacaoXIConlabJMS.pdf>. Acesso em: 10/04/2015.
241
o Almoço das Quintas. Além do Bacalhau d‟O Marquês e do Bacalhau a Romeu, em
menor frequência outras receitas de bacalhau foram servidas no Almoço das
Quintas: Bacalhau a Zé do Pipo625, Bacalhau com Todos626, Bacalhau a Gomes de
Sá627, Bacalhau com Natas628 e até Lasanha de Bacalhau. “Todos são pesquisados,
os nomes são conforme as pesquisas. Eu tenho um livro português com mais de
1.000 receitas de bacalhau.” 629
Com exceção da lasanha de bacalhau, todas as receitas que levam o
ingrediente foram inspiradas em receitas tradicionais portuguesas.
Foi feito por nós, assim como o pastel de bacalhau em Portugal é o bolinho. [...] Quando eu disse que tudo é português, tem algumas coisas que mudam. [...] O bacalhau é uma iguaria que já remete a Portugal. A culinária portuguesa é muito vasta e vai muito além deste. A lasanha de bacalhau tornou-se uma alternativa à bolonhesa, como a lasanha de berinjela, quatro queijos e outras. Em diversos sites especializados em receitas você pode encontrá-la.630
Nota-se aqui um exemplo de transformação da culinária portuguesa
praticada no Almoço das Quintas, mesmo inspirada nas tradicionais receitas lusas.
O processo de deslocamento dos imigrantes implica uma adaptação ou outra,
625
Tradicional receita portuguesa que, apesar de apresentar variações de temperos e acompanhamentos (algumas versões levam brócolis e salsinha, outras não), é composta basicamente por camadas de purê de batata intercaladas com camadas de cebola crua e postas ou lascas de bacalhau. Por cima adiciona-se maionese, e leva-se ao forno. Por último acrescenta-se parmesão ralado para gratinar. 626
Postas de bacalhau servidas com legumes e ovos cozidos e grão-de-bico. O tempero é baseado em alho, cebola, azeite e vinagre. 627
Essa receita utiliza o bacalhau em lascas. Serve-se com batatas, cebolas em rodelas com alho, sal e pimenta. Para enfeitar acrescentam-se ovos cozidos cortados em rodelas e salsinha. 628
Nessa receita o bacalhau é cozido no leite, leva cebola refogada e farinha. Coloca-se tudo em uma travessa, cobre-se com creme de leite e com queijo ralado polvilhado para gratinar. 629
Depoimento de Mauro José Patrício Fernandes Junior, em entrevista concedida ao autor em 1º de agosto de 2014. 630
Depoimento de Mauro José Patrício Fernandes Junior, em entrevista concedida ao autor em 1º de agosto de 2014.
242
muitas vezes condicionada à impossibilidade de encontrar determinados
ingredientes. É o que se pode denominar de “identidade recriada”631.
No contexto das migrações internacionais, foi afirmado que a identidade social dos grupos e comunidades imigradas em dado destino é inicialmente marcada pela cultura que consigo transportam, desde o seu país e terra de origem, passando depois a sofrer subtis influências que decorrem da convivência com os seus compatriotas que os precederam no percurso migratório e com a generalidade da sociedade receptora. A adopção suplementar de características culturais próprias desta última é diretamente proporcional, por um lado, ao tempo de permanência e, por outro, à eficácia e ao progresso verificado no processo de integração nessa sociedade [...].632
No caso da lasanha de bacalhau, nota-se mesmo um exemplo de hibridismo
cultural, com a junção de duas culturas que, em contato, geraram algo inusitado. A
lasanha é um prato composto basicamente por massa de macarrão em folhas com
camadas intercaladas de molho de tomate e queijos. Atribuiu-se sua origem e
entrada no Brasil à imigração italiana, marcante633 sobretudo em São Paulo. É
comum a lasanha possuir também uma camada de carne moída, composição
denominada lasanha à bolonhesa, originada da receita de molho à bolonhesa,
composta de molho de tomate com carne moída.
No caso da lasanha de bacalhau, além da substituição da proteína utilizada,
o molho adicionado foi o branco634. Atribui-se essa criação635 à conjunção do
costume enraizado em São Paulo de comer lasanha, prato advindo dos imigrantes
631
ROCHA-TRINDADE, Maria Beatriz. Recriação de identidades em contextos de migração. In: LUCENA, Célia Toledo; GUSMÃO, Neusa Maria Mendes de (Orgs.). Discutindo Identidades. São Paulo: Humanitas/ CERU, 2006. 632
Ibidem, p.89. 633
A difusão e hegemonia da gastronomia italiana em São Paulo pode ser explicada, em parte, pelos ingredientes utilizados. A cozinha italiana foi difundida como a da pasta, da massa. E os ingredientes usados em sua elaboração são mais populares, como a farinha de trigo, a batata, ovos, água etc. A gastronomia portuguesa, por sua vez, tem como elemento marcante o bacalhau, mais caro, ou seja, tende a se restringir também por uma questão econômica. 634
Molho branco, como é mais conhecido popularmente no Brasil, ou molho béchamel é produzido com margarina ou manteiga, farinha ou amido de milho e temperos como cebola e sal. Algumas versões, sobretudo nacionais, acrescentam creme de leite à receita. 635
No levantamento de cardápios do Almoço das Quintas, entre os 22 verificados, a lasanha de bacalhau constou em apenas um deles, entendendo-se que não se trata de uma constante, mas uma possibilidade.
243
italianos, com o hábito de comer bacalhau proveniente dos imigrantes portugueses.
E nesse sentido se fala em hibridismo ou tradução.
Pois há uma outra possibilidade: a da Tradução. Este conceito descreve aquelas formações de identidade que atravessam e intersectam as fronteiras naturais, compostas por pessoas que foram dispersadas para sempre de sua terra natal. Essas pessoas retêm fortes vínculos com seus lugares de origem e suas tradições, mas sem a ilusão de um retorno ao passado. Elas são obrigadas a negociar com as novas culturas em que vivem, sem simplesmente serem assimiladas por elas e sem perder completamente suas identidades. Elas carregam os traços das culturas, das tradições, das linguagens e das histórias particulares pelas quais foram marcadas. A diferença é que elas não são e nunca serão unificadas no velho sentido, porque elas são, irrevogavelmente, o produto de várias histórias e culturas interconectadas, pertencem a uma e, ao mesmo tempo, a várias “casas” (e não a uma “casa” particular). As pessoas pertencentes a essas culturas híbridas têm sido obrigadas a renunciar ao sonho ou à ambição de redescobrir qualquer tipo de pureza cultural “perdida” ou de absolutismo étnico. Elas estão irrevogavelmente traduzidas. A palavra “tradução”, observa Salman Rushdie, “vem, etimologicamente, do latim, significando „transferir‟, transportar entre fronteiras”. Escritores migrantes, como ele, que pertencem a dois mundos ao mesmo tempo, “tendo sido transportados através do mundo [...] são homens traduzidos” (Rushdie, 1991). Eles são os produtos das novas diásporas criadas pelas migrações pós-coloniais. Eles devem aprender a habitar, no mínimo, duas identidades, a falar duas linguagens culturais, a traduzir e a negociar entre elas. [...]636
Outro alimento utilizado nos cardápios do Almoço das Quintas que remete a
certo grau de hibridismo é o arroz branco, presente em todos eles. “O arroz branco
faz parte da cultura de muitos países, do Brasil à China. No Almoço das Quintas
procuramos agradar todos os paladares.”637 Embora o arroz seja adotado também
na culinária portuguesa, como prato quente aparece em algumas regiões
636
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2011, p.88-90. 637
Depoimento de Mauro José Patrício Fernandes Junior, em entrevista concedida ao autor em 1º de agosto de 2014.
244
acompanhado de outros ingredientes, mas dificilmente puro638. Como
acompanhamento de base, o mais utilizado como alimento em Portugal é a batata.
Não. Não se trabalha só com ela. A especialidade é a culinária portuguesa, mas não significa que estejamos limitados a ela. No Almoço das Quintas sim, mas nos outros eventos não necessariamente, não é obrigatório.639
Nota-se que o depoente revela limitar-se o Almoço das Quintas à culinária
portuguesa. Então a presença de elementos cotidianos da culinária brasileira – e de
outros países – atesta o hibridismo cultural. O próprio fato de tratar-se de um
restaurante de comida portuguesa em solo brasileiro já colabora para tal aspecto. Já
o caldo verde640, sempre disponível nos almoços e no restaurante, reforça a
afirmação extraída da entrevista, por se tratar de uma sopa quente criada em
Portugal. Por outro lado, averiguou-se a presença em três datas de outros pratos
pertencentes à culinária italiana: Conchiglione Quatro Queijos ao molho de tomates,
Ravioli de ricota ao molho de tomates frescos e manjericão e Penne ao molho
funghi.
A doçaria portuguesa constitui-se tão significativa em termos de variedade
quanto os pratos quentes aqui abordados. Em especial no Almoço das Quintas, na
Casa de Portugal, esse item da refeição não era divulgado nos cardápios
nomeadamente, mas apenas adotando-se o termo genérico “doçaria portuguesa” e
“frutas da época”641 como descrição das sobremesas.
638
Foi encontrado na análise dos cardápios o serviço de arroz com acompanhamentos. São exemplos o arroz de pato e o arroz de polvo. Outro acompanhamento que apareceu uma vez no cardápio que reflete a hibridização foi o purê de mandioquinha, tubérculo mais produzido e difundido no Brasil. 639
Depoimento de Mauro José Patrício Fernandes Junior, em entrevista concedida ao autor em 1º de agosto de 2014. 640
Tanto o caldo verde como saladas variadas compõem a descrição do item “entradas” do cardápio. As saladas são as mesmas consumidas cotidianamente no Brasil, mas também surgem saladas da culinária portuguesa, tais como salada de bacalhau e de grão-de-bico. 641
Na mesa de sobremesas do Almoço das Quintas foram dispostas variedades de frutas disponíveis cotidianamente na cidade de São Paulo. Como o próprio nome inserido no cardápio sugere – frutas da época –, variam conforme a produção agrícola. Na imagem acima aparecem uvas, melão, mamão, abacaxi, manga e morangos.
245
Imagem 30 - Sobremesas no Almoço das Quintas.642
A doçaria portuguesa consiste em um objeto de estudo à parte. Advinda da
doçaria conventual, sua origem está nas receitas mais tradicionais, com uso
frequente de ovos, açúcar e amêndoas.
Assim, não se esquece de que a arte da “doçaria era um modo de vincar a importância, o prestígio e a riqueza do mosteiro, através de ofertas que se tornaram frequentes”, “mimos” que “propiciavam a convivialidade”, numa simbologia de partilha, pois se julgava a instituição “pelo aparato das construções, pela estirpe da sua população conventual, pelas pessoas que a tinham protegido, tanto mais se fossem da família real e, em última análise, mas sem menor importância, pelos doces”. [...] [...] Acompanha esta arte a vida do mosteiro ao longo dos séculos – e o autor não se esquece de o assinalar: “Expoentes de hábitos alimentares refinados, regalo de paladares exigentes, os doces conventuais foram amáveis personagens de uma vida quieta e gentis embaixadores no século de um
642
Acervo pessoal, 26/03/2015.
246
ideal de vida que os novos tempos vieram pôr em causa”. E esses “novos tempos” são os que se seguem à extinção das Ordens Religiosas, em 1834. “De dádiva prestigiante passaram a humilde mercadoria”, de tal modo que o próprio Alexandre Herculano – e o autor refere-o mais do que uma vez – não resistiu e escreveu, revoltado, uma carta a António de Serpa Pimentel, redactor do jornal “A Nação”, “grito lancinante em que pede esmola para as monjas de Lorvão”.643
Nota-se que a doçaria portuguesa foi associada desde o século XIX à
convivialidade, à dádiva e, portanto, à hospitalidade e ao bem receber. Da sua
origem graciosa até virar mercadoria houve um salto histórico, mas que não cabe
aqui elucidar.
Na imagem 30 se encontram alguns exemplares da doçaria portuguesa. Da
esquerda para a direita, perto da parede vê-se o leite-creme, a aletria e o toucinho
do céu. Já no mesmo sentido e mais próximo da beira da mesa foram dispostos o
molotov ou pudim de claras, o pão de ló e o pudim de vinho do Porto.
O “leite-creme” é uma sobremesa feita à base de leite talhado com casca de
limão, misturado a um mingau de gemas, açúcar e maisena. Leva também creme de
leite com açúcar. Ao esfriar, polvilha-se açúcar e queima-se com um ferro em brasa
apropriado para tal efeito. Por sua vez, a aletria é uma massa de fios finos utilizada
para sopas, mas também para o doce. Entre os ingredientes, leite, casca de limão,
açúcar, margarina e gemas batidas. Serve-se em uma travessa, decorando a
superfície com canela polvilhada.
643
D‟ENCARNAÇÃO, José. Recensão a Doçaria Conventual de Lorvão, de Nelson Correia Borges. 06/03/2014. Disponível em: <https://estudogeral.sib.uc.pt/bitstream/10316/25306/1/Recensa %CC%83o%20a%20Do%C3%A7aria%20Conventual%20de%20Lorv%C3%A3o%2c%20de%20Nelson%20Correia%20Borges.pdf>. Acesso em: 16/04/2015. Trata-se de uma resenha do livro “Doçaria Conventual de Lorvão”, obra de Nelson Correia Borges. A resenha foi utilizada por não ter sido possível acessar o livro.
247
O toucinho do céu644, conforme o próprio nome já sugere, é um doce
conventual. O sufixo “do céu” e outros ligados à Igreja foram muito utilizados para
batizar as receitas doces do período. Trata-se de um bolo645 feito de açúcar, ovos
(inteiros), gemas, amêndoas moídas e um doce regional, o doce de gila ou chila.646
A respeito do pão de ló, pode ser encontrado em diversas regiões portuguesas,
variando de versões secas a mais umedecidas. Constitui-se basicamente de uma
massa preparada com ovos, açúcar, farinha e fermento, geralmente envolta em
papel, facilitando assim o desenformação e até o serviço.
Motolov é um pudim de claras branco, em sua versão mais tradicional,
conforme retratado na imagem, podendo ser decorado ou não com calda. Existem
diversas variações com sabores diferentes, mas todas com o prenome de
molotov647. Além das claras em neve separadas das gemas, a receita leva também
amido de milho, leite e açúcar. Por fim, o pudim de vinho do Porto assemelha-se em
sua aparência ao pudim de leite brasileiro. Seus ingredientes são açúcar, ovos, leite,
raspas de limão e vinho do Porto, sendo diferente da versão nacional também por
não levar leite condensado. Em outras ocasiões já foram servidos como sobremesa
ainda o arroz-doce, muito conhecido no Brasil, e doces portugueses em miniatura e
individualizados dispostos em bandejas648.
644
“O aforismo „cada terra com seu uso‟ cabe com propriedade na arte da doçaria entre nós, porque tôdas elas têm a sua especialidade que a distinguem [...] Guimarães o toucinho do ceu e disse das costinhas [...].” RIBEIRO, Emanuel. O Doce nunca amargou: doçaria portuguesa – História, Decoração, Receituário. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1928, p.48-54. 645
Receituário de 1928: “500 grs. de açúcar, 250 grs. de amêndoas bem raladas, 6 gemas, 3 claras, 50 grs. de farinha triga. Depois de o açúcar estar em ponto de espadana, deita-se a amêndoa, deixando-a ferver por espaço de 5 minutos. Tira-se do lume, deixa-se arrefecer, e juntam-se-lhe os ovos e a farinha, voltando ao lume a levantar fervura. Começando a engrossar, despeja-se na fôrma, bem barrada de manteiga, indo a cozer ao forno. Logo que saia do forno, cobre-se imediatamente com farinha triga.” Ibidem, p.90. 646
Espécie de compota, semelhante ao nacional doce de cidra, porém de coloração diferente. 647
Foram pesquisados diversos sítios portugueses de receitas, em todos eles apareceram o termo “molotov”, “molotof” ou ainda “molotoff”. Ao se pesquisar o termo “pudim de claras” como palavras-chaves de busca pela ferramenta “google search” na internet, apareceram somente sítios de receitas brasileiros. As receitas portuguesas foram localizadas com diversos sabores diferentes de caldas servidas como complemento: café, caramelo, maracujá, frutas vermelhas, chocolate etc. Em muitos casos o sabor da calda acompanhava o título da receita, assim foram obtidos resultados como molotov de café, molotof de chocolate, molotov com calda de laranja etc. 648
Pastéis de Belém, queijadas portuguesas, travesseiros de Sintra e pastéis de Santa Clara.
248
Além da relação da doçaria portuguesa com o cotidiano conventual, se
destaca o gênero feminino na manutenção dessa tradição.
Em Portugal, essa arte era desenvolvida domesticamente pelas mulheres, servindo de sustento a muitas famílias, mas havia também homens envolvidos no ofício, como informa a documentação portuguesa ao referir-se aos “conserveiros”, “confeiteiros” e “alfoeleyros” (fabricantes de alféloas, um doce de calda de açúcar ou de melado em ponto). Mas foi nos conventos e recolhimentos femininos que a arte da doçaria e conservaria se expandiu, notadamente em Portugal e em suas colônias, a partir do século XVII, cujas religiosas conquistaram a fama de exímias doceiras. Essa tradição doceira marcou a culinária portuguesa até os dias de hoje, conferindo identidade à doçaria regional lusitana, com as queijadas de Sintra, os ovos moles de Aveiro e tantos outros doces conventuais cujas receitas foram transmitidas através das gerações.649
O papel feminino merece destaque na formação do gosto650, que ocorre na
infância, incentivada pela mãe ou por quem prepara os alimentos, formando assim
uma memória dos sabores, “[...] constituindo-se em memórias afetivas que levam na
busca de tempos perdidos, dos momentos de carinho, das demonstrações de
afeição [...]”.651 Nesse sentido, pode-se considerar que o “receber à portuguesa”,
explorado pelo paladar nos ambientes doméstico e comercial, relaciona-se com a
hospitalidade feminina652. Embora a participação feminina tenha sido relevante na
doçaria e no ambiente doméstico, no Almoço das Quintas notou-se predominância
masculina entre os convivas, o que também pode ser observado na imagem 27.
649
ALGRANTI, Leila Mezan. Alimentação, saúde e sociabilidade: a arte de conservar e confeitar os frutos (séculos XV-XVIII). História - Questões & Debates. Curitiba, vol. 42, 2005. Disponível em: <http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs/index.php/historia/article/viewArticle/4642>. Acesso em: 05/06/2015. 650
O “gosto”, no sentido de sabor das coisas, define para um grupo social suas escolhas, impõe-se enquanto hábito às demais manifestações culturais. MATOS, Maria Izilda Santos de. Portugueses: Deslocamentos, Experiências e Cotidiano - São Paulo Século XIX e XX. Bauru, SP: Edusc, 2013, p.217. 651
Ibidem, p.218. 652
Para entender melhor como as características socioculturais do ser feminino na sociedade ocidental facilitam a integração da mulher no mercado profissional de hospitalidade, recomenda-se a leitura de: BENEDUCE, Carla Giannubilo. Hospitalidade: substantivo feminino? Dissertação (Mestrado em Hospitalidade), Universidade Anhembi Morumbi, São Paulo, 2007.
249
Para o encerramento do encontro, os cardápios analisados mostravam
sempre a possibilidade do serviço de café, bagaceira, vinho do Porto e areias653,
conforme a imagem 31.
Imagem 31 - Encerramento do Almoço das Quintas.654
Embora o Almoço das Quintas tenha se tornado um ícone gastronômico na
Casa de Portugal, não se pode deixar de mencionar a preocupação da instituição
com a celebração das tradições portuguesas por meio dos sabores nos demais
eventos.
A empresa concessionária que se ocupa do serviço de alimentação na Casa
de Portugal, O Marquês Buffett, possui um cardápio-base para os eventos, se
diferindo apenas no caso daqueles realizados em formato de coquetel. Os coquetéis 653
Biscoito caseiro simples confeccionado à base de açúcar, farinha e manteiga (ou gordura vegetal). Após assados, são passados pelo açúcar. 654
Acervo pessoal, 26/03/2015. Até abril de 2015 o preço do Almoço das Quintas manteve-se em R$ 100,00 por comensal. Para associados da Casa de Portugal se pratica um pequeno desconto, custando R$ 90,00 por pessoa. O simples fato de o custo por pessoa ser razoavelmente elevado já seleciona o público. Ainda que os variados pratos, o couvert, as bebidas servidas (incluídas no preço), entradas, pratos principais, sobremesas e mais o encerramento proporcionem uma experiência gastronômica de alta qualidade, o preço pode limitar a frequência de boa parte do público luso-descendente ou até mesmo brasileiros. Ainda assim não se nega a maneira do “receber à portuguesa”.
250
na Casa de Portugal têm servido como chamariz de público para as atrações
culturais divulgadas. São promovidos em ocasiões como apresentações de fadistas
luso-brasileiros, lançamentos de exposições, de livros, homenagens e honrarias e
até mesmo apresentações de cantores do cenário contemporâneo português.
Somente nos eventos que contam com a presença do Grupo Folclórico da Casa de
Portugal e de grupos de outras localidades (algumas vezes até mesmo grupos
internacionais – e principalmente nos eventos aqui denominados como “de culto à
terra”) é que o serviço de alimentação é explorado pel‟O Marquês.
Nota-se que, mesmo no item Bebidas do cardápio, verificado na imagem 32,
apesar da oferta de produtos normalmente encontrados em bares e restaurantes
(como água, refrigerantes, vodca, energético e whisky), foram incluídos alguns
genuinamente portugueses, especificamente a bagaceira e o vinho do Porto. Já no
item Vinho a exceção é o rótulo nacional “Salton Brut”, a origem do restante é
portuguesa655 – tinto, branco e até mesmo o vinho verde656.
O item Porções traz como opções de petiscos portugueses a azeitona
portuguesa, bolinho de bacalhau, alheira, linguiça portuguesa e o prego no pão com
vinagrete657. Nesse item se encontram também muitas iguarias comuns no Brasil,
como batata frita, provolone (temperado cru ou à milanesa) e frango a passarinho.
Devido à mescla de receitas e produtos nacionais e portugueses, é possível afirmar
que se trata de um cardápio híbrido: apresenta muitos elementos da culinária
portuguesa, mas sem abolir totalmente alguns hábitos já enraizados no país de
acolhimento.
655
O hábito de beber preferencialmente o vinho português já foi alertado como prática comum entre os imigrantes portugueses. “A fidelidade ao vinho e azeites importados pode expressar uma conotação simbólica de status e também de qualidade e gosto vinculado às raízes.” MATOS, Maria Izilda Santos de. Cultura, tradição e invenção: temperados com lágrimas de saudades. In: PATRIOTA, Rosangela; RAMOS Alcides Freire (Orgs.). Escritas da História: ver, sentir, narrar. São Paulo: Hucitec, 2014, p.269. 656
Espécie de vinho branco de baixos teores alcoólico e calórico, produzido na região noroeste de Portugal, a partir de uma variedade de castas viníferas (com destaque para a casta Alvarinho, portuguesa e da mesma região), é muito utilizado para acompanhar aperitivos e refeições leves. 657
Consiste num bife (assado ou grelhado) de corte bovino acompanhado de pão e salada vinagrete.
251
Algumas adaptações são feitas com ingredientes da culinária portuguesa. Nos coquetéis, por exemplo, uma das nossas criações é o folhado de linguiça portuguesa, muito apreciado, que nunca havia visto em lugar nenhum.658
Imagem 32 - Cardápio d‟O Marquês.659
658
Depoimento de Mauro José Patrício Fernandes Junior, em entrevista concedida ao autor em 1º de agosto de 2014. 659
Acervo pessoal, 14/03/2015.
252
No item Pratos também se verifica forte influência portuguesa, contendo as
opções de bacalhau, caldo verde e doces portugueses660.
Os coquetéis oferecidos são fruto de parceria realizada entre a Casa de
Portugal e O Marquês Buffet, empresa concessionária que opera na associação
desde 2005. Nesse caso, o cardápio varia conforme o evento, mas foi possível notar
recorrências, como no serviço de bebidas, incluindo água, refrigerantes, vinhos
branco e tinto de origem portuguesa, whisky oito anos e cerveja. Já o serviço de
alimentação não deixa de oferecer bolinho de bacalhau, alheira, canapés, coxinha,
às vezes camarão empanado, folhado de linguiça portuguesa e casquinha de siri ou
de camarão.
Registra-se como marco da convivialidade na Casa de Portugal o evento
anual denominado Ceia de Natal. Realizado em geral até o meio de dezembro, tem
marcado o calendário de encerramento dos eventos culturais na associação. Por ter
sido caracterizada como a casa mater da comunidade portuguesa em São Paulo,
reúne os dirigentes das diversas associações portuguesas em São Paulo, diretores
da Casa de Portugal e familiares e muitas vezes até o cônsul de Portugal em São
Paulo.
Esse evento é por adesão, aberto aos associados, mas planejado com o
objetivo de reunir seletos convidados661. Para abrir o cardápio da ocasião
examinada, foram servidos coquetel e duas entradas: caldo verde e porção de polvo
em cubos. Para o prato principal, uma generosa posta de bacalhau acompanhada
de legumes. Para sobremesa, cavacas e rabanadas. Na ocasião houve
apresentação do Coro da Catedral da Sé, coral com 30 vozes sob a regência da
maestrina Elizabeth Klump. Essa atração foi apenas uma das oferecidas na Casa de
Portugal, estudadas de forma mais detalhada a seguir.
660
Os doces portugueses servidos são: pastel de nata, queijada portuguesa, travesseiro de Sintra, toucinho do céu e pastel de Santa Clara. 661
A Ceia de Natal realizada em 06/12/2013 teve seus convites vendidos a R$ 180,00 por pessoa. Ou seja, se tratou de uma festa acessível a um público mais elitizado, com possibilidade de pagar tal preço. Conforme comentários de alguns convidados em tal jantar, ali se encontrou a nata da sociedade luso-brasileira.
253
3.3 EVENTOS: ANIVERSÁRIO DA CASA E CEIA DE NATAL
A música e a dança, resgatadas pela memória auditiva e gestual, também permitem o retorno ao passado no presente. Aqui são os sentimentos de alegria e de prazer que invadem o migrante. São os desejos que fluem fazendo com que ocorra o encontro dos amigos e dos afetos. A música e a dança, apesar de fugazes, permitem perceber que o que foi pode voltar. Na verdade, a música e a dança possibilitam o mesmo movimento de volta ao passado proporcionado pelo sabor e pelo aroma da comida.662
A música e a dança são capazes de estabelecer um resgate da memória.
Com base nessa possibilidade e na do entretenimento663 é que a investigação se
debruça sobre os tipos de músicas e as apresentações culturais mais executadas na
Casa de Portugal nas festividades em comemoração ao seu aniversário de fundação
e também nas ceias de natal, ambos os eventos anuais. Para tanto, busca-se
analisar as informações constantes em reportagens publicadas sobre os eventos
promovidos na Casa de Portugal, passando-se então a verificar o peso que o fado,
as apresentações de cultura popular e de outros artistas do cenário contemporâneo
português ou brasileiro tiveram na programação local.
Foram identificadas no total 82 reportagens noticiando eventos ocorridos nas
dependências da Casa de Portugal. O levantamento permitiu agrupar os eventos
mais noticiados em dez categorias: festas populares ligadas ao culto à terra;
exposições no Salão de Artes; homenagens e honrarias concedidas a
personalidades de interesse para a instituição; Ceia de Natal; Aniversário da Casa
de Portugal; Aniversário do Grupo Folclórico da Casa de Portugal; comemorações
relacionadas ao dia 10 de junho, considerado o Dia de Portugal, Dia de Camões e
Dia da Comunidade Luso-brasileira; eventos políticos; comemorações do Dia do
662
BERNARDO, Teresinha. Memória como Resistência – O Migrante. Travessia - Revista do Migrante. São Paulo, Ano XI, nº. 32, CEM, set./dez. 1998, p.45. 663
O entretenimento é considerado um campo de estudo para a hospitalidade, conforme Camargo, mas também uma possibilidade para momentos de lazer. CAMARGO, Luiz Octávio de Lima. Hospitalidade. São Paulo: Aleph, 2004. “A etimologia da palavra entretenimento, de origem latina, vem de inter (entre) e tenere (ter). Em inglês a evolução da palavra entertainment significa „aquilo que diverte com distração ou recreação‟ e „um espetáculo público ou mostra destinada a interessar e divertir‟.” TRIGO, Luiz G. G. Entretenimento - uma crítica aberta. 1ª. ed. São Paulo: Senac, 2003, p.32.
254
Descobrimento, geralmente em 22 de abril; e, por fim, os eventos relacionados a
jogos de futebol.
O número de notícias abordando cada evento evidencia o que foi mais
valorizado em termos de conteúdo cultural na Casa de Portugal, conforme se verifica
com a elucidação do quadro disposto no Apêndice H664. Nota-se que as
apresentações com música e dança foram destaque em eventos realizados no dia
10 de Junho, em eventos populares e folclóricos, em edições do Aniversário do
Grupo Folclórico, Aniversário da Casa e Ceia de Natal.
Sem restringir o estudo a uma análise quantitativa, e levando em conta que
a programação cultural da Casa de Portugal foi elaborada de forma personificada
pela sua direção, foram examinados registros dos presidentes em exercício no
intuito de se obter o histórico de todos eles e conhecer suas preferências
culturais665.
Entre 1935 e 1941 seis presidentes diferentes passaram pela Casa de
Portugal, um período em que a associação ainda não se encontrava estabelecida,
não tinha sede própria. A partir de então, com a administração do Comendador
Pedro Monteiro de Pereira Queiroz, que presidiu a instituição por 14 mandatos
consecutivos, sendo até hoje o presidente com maior permanência no cargo, a
situação mudou.
O Comendador Pereira Queiroz (presidente da Casa entre 1941 e 1969)
distanciou-se dos ideais que fundaram a Casa de Portugal.
A Casa de Portugal, fundada em 1935, surgiu como fruto da acirrada competição entre dois projetos, um liberal e um salazarista. O projeto liberal tinha como principal interesse congregar as diversas associações regionais de imigrantes espalhadas por São Paulo e unir forças em prol de atividades comunitárias, educacionais, culturais e assistenciais para os imigrantes. Foi proposto por Ricardo Severo, uma figura republicana chamada de patriarca da comunidade que havia migrado para o Brasil por motivos políticos e fundado o Centro Republicano de São Paulo, mantendo-se como opositor do
664
Considere-se o fato de este levantamento restringir-se ao período das décadas de 90 do século XX e primeira década do século XXI. 665
Vide informações do Apêndice I.
255
governo de Salazar à época da fundação da Casa de Portugal. O projeto salazarista já fundara Casas de Portugal em Paris e Londres e tinha por interesse promover o associativismo para fazer propaganda do governo entre os emigrantes. De início, pode-se dizer que o projeto prevalecente foi o de Ricardo Severo, que deu forma aos estatutos da associação; no entanto, a partir de 1941, com a presidência que se estendeu por 28 anos de Pedro Monteiro Pereira Queiroz, um imigrante industrial condecorado com diversas comendas e títulos pelo governo salazarista (Verdasca, 1993), a Casa de Portugal passou a manter uma maior intimidade com Salazar, alterando sensivelmente seu perfil.666
No entanto, Pereira Queiroz é lembrado como importante benemérito da
construção da atual sede da Casa de Portugal. Além de sua atuação, foram
sintetizadas informações a respeito de vários presidentes que dirigiram a associação
no Apêndice I, com base no estudo de um memorialista667.
O período em que Pereira Queiroz permaneceu como presidente da Casa de
Portugal é em grande parte equivalente ao governo de Salazar em Portugal668, o que
sugere de fato um estreitamento entre as partes, visto que havia um projeto do
político em relação à divulgação da imagem de Portugal669 no exterior por meio de
Casas de Portugal espalhadas pelo mundo. Além disso, as comendas eram
distribuídas diretamente pelo governo português aos colaboradores de suas ideias.
Dos seis presidentes da instituição destacados no Apêndice I, ao menos quatro
(Pedro Monteiro Pereira Queiroz, Frederico Maria Cabral de Sampaio, Hermenegildo
Lopes Antunes e Antonio dos Ramos) ganharam comendas de autoridades
portuguesas.
A divulgação de Portugal como um país ligado às tradições agrícolas fazia
parte da propaganda salazarista, que tinha como intuito estabelecer um elo entre
sua personalidade e a dos emigrados, que somavam contingentes significativos. 666
SILVA, Eduardo Caetano da. Visões da Diáspora Portuguesa: dinâmicas identitárias e dilemas políticos entre os portugueses e luso-descendentes de São Paulo. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social), UNICAMP, Campinas - SP, 2003, p.61-62. 667
VERDASCA, José. A Casa de Portugal e a Comunidade. São Paulo: 1500 Comunicação e Marketing, 1993. 668
O "Estado Novo", conhecido como Salazarismo, teve como fundador a figura de Antonio de Oliveira Salazar, conhecido como ditador das finanças. Vigorou em Portugal por 48 anos - Ditadura Nacional (1926-1933) e Estado Novo (1933-1974). 669
Para saber mais sobre as identidades portuguesas e a imagem do país como forma de propaganda política no exterior, recomenda-se a leitura de: PAULO, Heloísa. Aqui Também é Portugal: A Colónia Portuguesa do Brasil e o Salazarismo. Coimbra: Quarteto, 2000.
256
Nesse sentido, o culto à terra e os eventos com músicas e danças tradicionais
correspondiam a uma estratégia de comunicação de Salazar para atingir os
emigrados670.
No que diz respeito à política cultural e aos eventos realizados na Casa,
encontra-se menção apenas a partir do mandato do Comendador Hermenegildo
Lopes Antunes, entre 1977 e 1985, identificado como grande incentivador dos
eventos populares, tendo promovido edições da Vindima, Magusto e Festa da
Cereja. Entre 1985 e 2007, sob a presidência de Antonio dos Ramos, como já dito,
houve uma transformação na programação social, voltada antes para eventos de
cunho popular e partir de então para shows de músicos portugueses
contemporâneos.
Já de 2007 até abril de 2013, sob a liderança de Julio Rodrigues, foi dado
novo foco aos eventos populares. Foi justamente a realização desses eventos ditos
populares e seu quase abandono que se buscou evidenciar na análise da
distribuição de suas edições ao longo dos anos, mas também de outros eventos,
comparando a frequência de uns e outros entre 1990 e 2010671.
Levando em conta que, durante o período estudado, o senhor Antonio dos
Ramos passou 17 anos como presidente e o senhor Julio Rodrigues, apenas quatro,
não surpreende que os números de todos os eventos sejam maiores quando
observada a liderança de Antonio dos Ramos. Mesmo assim se faz importante
mencionar alguns dados. As exposições de arte registradas nas reportagens, por
exemplo, ocorreram todas durante a presidência de Antonio dos Ramos, o que
reforça sua intenção de privilegiar um conteúdo cultural ligado à imagem de Portugal
contemporâneo.
Os eventos populares e folclóricos aparecem nas duas gestões. No entanto,
de forma diferenciada: em três ocasiões por 17 anos de gestão de Antonio dos
Ramos, em contraposição a quatro edições durante quatro anos da gestão de Julio
Rodrigues. Antonio dos Ramos reconhece a cultura popular como parte importante
da cultura portuguesa, mas não a principal. Já para Julio Rodrigues esta seria a
670
ANGELO, Elis Regina Barbosa. Trajetórias dos Imigrantes Açorianos em São Paulo. Processos de Formação, Transformação e as Ressignificações Culturais. Jundiaí, SP: Paco Editorial, 2015. 671
Essa comparação pode ser feita ao se visualizar o Apêndice J.
257
principal vertente das características identitárias de Portugal. A predileção de Julio
Rodrigues pelos eventos populares pode ser percebida no jornal Portugal em Foco.
Caros amigos - Parece que os bons tempos vão voltar a Casa de Portugal. Segundo informações vamos ter em breve boas e grandes festas populares. Vem aí a festa da cereja, da uva, da castanha e muito mais.672
Corrobora essa análise o fato de o aniversário do Grupo Folclórico ter sido
comemorado duas vezes na gestão de Julio Rodrigues, em 2007 e em 2010,
ganhando destaque na programação cultural da Casa de Portugal. Não à toa sua
apresentação foi gravada em DVD durante sua gestão, em 2008, ano também em
que o grupo realizou uma turnê por Portugal para divulgação de seu trabalho673.
A partir da observação do Apêndice J se nota ainda a realização de eventos
ligados a partidas de futebol, todos creditados ao período de gestão de Julio
Rodrigues. Um desses eventos aconteceu no ano de 2006, com a Casa de Portugal
ainda sob a liderança de Antonio dos Ramos. No entanto, analisando-se o clipping
de notícias, foi possível apurar que o presidente se afastou do cargo no final de sua
gestão por questões pessoais. Julio Rodrigues, como seu auxiliar, o substituiu e
imprimiu já um aspecto bem pessoal na programação dos eventos.
Os jogos de futebol da seleção constituem-se em oportunidade de unir
pessoas ao redor de símbolos nacionalistas em momentos de celebração, o que
ajuda a apagar as diferenças regionais e reconhecer a unidade da Nação
Portuguesa. Uma partida de futebol transforma uma prática esportiva em momento
de culto à pátria e seus símbolos, que são exibidos com orgulho constantemente.
672
PORTUGAL EM FOCO. Rio de Janeiro, 27/06/2007. Essa data corresponde ao período da presidência de Julio Rodrigues, visto que as eleições são realizadas sempre em março, a cada dois anos. O jornal noticiou uma mudança de enfoque na programação cultural da Casa de Portugal, que, mais voltada ao cenário contemporâneo português na gestão de Antonio dos Ramos, novamente incluiria eventos mais populares, com culto à terra e participação do Grupo Folclórico da Casa. 673
Nas pastas de clipping da Casa de Portugal (pasta Grupo Folclórico) há notícias que revelam a disposição de Julio Rodrigues, então presidente de um banco de capital português, o BANIF, em colaborar para o patrocínio da viagem a Portugal realizada pelo Grupo Folclórico.
258
Nesse sentido, promove uma exaltação nacionalista e colabora para a identificação
da Casa de Portugal como um território português674.
Dois eventos que compõem o calendário fixo da instituição, ou seja, ocorrem
anualmente, são o Aniversário da Casa de Portugal e a Ceia de Natal. No intuito de
se aprofundar a análise acerca das diferentes propostas culturais dos dois
presidentes empossados no período estudado, sobretudo em relação à música, os
Apêndices K e L relacionam os artistas que se apresentaram no local, bem como
seu perfil musical.
Das cinco edições da Ceia de Natal na Casa de Portugal675 identificadas na
administração do presidente Antonio dos Ramos, em quatro delas houve exibição de
músicas clássicas, com a presença de coral executando músicas tradicionais
natalinas em três edições, sendo que uma delas, além da música clássica, contou
com um grupo de música para baile. Em apenas uma delas, no ano de 2000, houve
a apresentação de Carlos do Carmo, grande nome do fado português, em conjunto
com Ivan Lins, cantor admirado e respeitado no circuito da música popular brasileira.
Nota-se a predileção do presidente Antonio dos Ramos pela música clássica
e pela apresentação de corais durante as Ceias de Natal. Já levando em conta as
quatro edições realizadas sob a liderança do presidente Julio Rodrigues noticiadas
em reportagens, verifica-se que o grupo de música para baile aparece em três
ocasiões. Mas não como única atração, pois em 2009 apresentou-se também o
fadista português Carlos do Carmo e em 2010, o cantor popular português radicado
no Brasil Roberto Leal. Em 2008 a única atração musical foi o cantor Roberto
Leal676. Tais escolhas em relação aos gêneros musicais demonstram a preferência
674
Sobre a relação do futebol com o nacionalismo e a invenção de tradições ver: HOBSBAWM, Eric; RANGER, Terence (Orgs.). A invenção das Tradições. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997. 675
Vide Apêndice K. 676
Seu nome de batismo é António Joaquim Fernandes. Cantor, compositor e ator de origem portuguesa, emigrou com a família para o Brasil em 1962, natural de Vale da Porca, Macedo de Cavaleiros, Distrito de Bragança, região norte. Passou a fazer sucesso em 1970, depois de se apresentar no programa de televisão do Chacrinha, na TV Globo. A partir desse momento, se dedicaria a cantar ritmos e canções populares portuguesas no Brasil e em Portugal. Sua discografia é pautada em músicas autorais que misturam ritmos brasileiros e portugueses. Em entrevista a Jô Soares no Programa do Jô, na TV Globo, exibida em 27/07/2012, o cantor divulgou o lançamento de seu livro “Roberto Leal – As Minhas Montanhas (A Grande Viagem)”, revelando que sua montanha foi descobrir que sua carreira só deslanchou a partir do momento em que aceitou que o sucesso chegaria apenas com um repertório baseado em ritmos regionais portugueses. Citou também a contribuição do grupo musical “Mamonas Assassinas”, que lançou a canção “Vira-Vira”, sucesso na década de 1990, inspirada em sua música “Arrebita”. Confessa que o trabalho do grupo levou o ritmo
259
de Julio Rodrigues por um repertório mais popular, se comparado a Antonio dos
Ramos.
Ai cachopa, se tu queres ser bonita: Arrebita, arrebita, arrebita!... (2x)
Casei com uma Gabriela, por ela ter muita guita. Agora minha espinhela: Arrebita, arrebita, arrebita!
Ai cachopa, se tu queres ser bonita: Arrebita! Arrebita! Arrebita!... (2x)
A noite eu vou trabalhar. Na saída, faz sempre fita. Mas quando o dever chegar: Arrebita! Arrebita! Arrebita!
Ai cachopa, se tu queres ser bonita: Arrebita! Arrebita! Arrebita!... (2x)
Toda mulher ciumenta, no homem não acredita. Pois como ela se contenta: Arrebita! Arrebita! Arrebita!
Ai cachopa, se tu queres ser bonita: Arrebita! Arrebita! Arrebita!... (2x)
A mulher que tem pelos na venta, será sempre uma esquisita. É da nação barulhenta: Arrebita! Arrebita! Arrebita!
Ai cachopa, se tu queres ser bonita: Arrebita! Arrebita! Arrebita!... (4x)677
Essa música possui o ritmo denominado “vira”678, próprio da dança
tradicional portuguesa. Foi um dos ritmos executados em diversas apresentações do
Grupo Folclórico da Casa de Portugal.
vira a lugares antes inimagináveis por ele. Confira entrevista em: ROBERTO LEAL. Jô Soares entrevista Roberto Leal. Disponível em: <http://www.robertoleal.com.br/index.php/>. Acesso em: 23/04/2015. 677
Roberto Leal. “Arrebita”. Álbum “Arrebita”. RGE, 1973. Cf.: LETRAS. Arrebita - Roberto Leal. s/d. Disponível em: <http://letras.mus.br/roberto-leal/48695/>. Acesso em: 23/04/2015. Canção que projetou a carreira do cantor no Brasil. 678
“VIRAS – Observados em todo o país excepto na região da Madeira. Tal como os Malhões, assume a designação de MODA(S) na região Beirã. Aliás, todo o repertório coreográfico beirão é designado de MODAS, ainda que inclua, VIRA, MALHÃO, VERDE GAIO, SALTO EM BICO, PASSEIO, BAILARICO, BAILE, ETC. Os VIRAS também se designam, FANDANGOS MINHOTOS, GOTAS, ROSINHA (Minho), TIRANAS (Minho e Douro), SAIAS (Alentejo) e, simplesmente, VIRAS
260
Percebe-se pela letra que as músicas de Roberto Leal possuem um perfil
popular e se voltam para o cotidiano. Algumas letras de canções do artista abordam
assuntos muito comuns aos imigrantes, como a saudade da terra natal e a beleza do
cenário rural aldeão (Como é linda minha aldeia, O imigrante, Meu regresso). Outras
lembram produtos locais (Verde vinho, Vinho).
Tanto a trajetória do cantor como sua origem, o norte de Portugal, causam
identificação no público imigrante frequentador da Casa de Portugal. Somando a
isso as letras de música que expressam a saudade da terra natal e a valorização da
aldeia, pode-se afirmar que colaborou para a satisfação e o resgate da memória do
público da associação.
Imagem 33 - Apresentação de Roberto Leal na Ceia de Natal
na Casa de Portugal em 2010.679
em muitas outras danças destas e das restantes regiões de Portugal.” FERNANDES, Margarida da Conceição de Jesus Moura. Sistematização da dança tradicional portuguesa: classificação das variáveis coreográficas espaço, ritmo e gestos técnicos. Dissertação (Mestrado em Motricidade Humana - Dança), Universidade Técnica de Lisboa, Faculdade de Motricidade Humana, Lisboa, 2000. Disponível em: <http://dited.bn.pt/29166/200/968.pdf>. Acesso em: 23/04/2015. 679
NAUS‟S. São Paulo, Ano 15, nº. 171, 2011, p.14.
261
Por outro lado, o evento contou com a presença do grupo classificado como
de “música folclórica” Brigada Víctor Jara680 no ano de 2001, com a Casa de
Portugal sob a liderança de Antonio dos Ramos. Apesar da execução de músicas do
repertório popular, considera-se que a banda renovou a música tradicional
portuguesa. Nesse sentido, carregava681 a imagem de um Portugal que se renovou e
evoluiu. O mesmo se afirma sobre a apresentação no ano de 2000 de Carlos do
Carmo com Ivan Lins, que visavam projetar a imagem de um Portugal moderno.
Em entrevista realizada com um dos diretores da administração de Antonio
dos Ramos, é revelada essa intenção de trazer nomes da música contemporânea
portuguesa desconhecidos fora de Portugal:
Nós sabemos que Portugal não é só o tradicional fado, a tradicional guitarrada ou as músicas mais populares e também popularescas e também o folclore. Há hoje em Portugal uma nova massa de produtores e criadores musicais que o Brasil desconhece, que, aliás, o mundo desconhece, mas são profissionais de muito valor e são reconhecidos no mundo inteiro. E nós gostaríamos também que o brasileiro tivesse essa visão sobre a música portuguesa. Por isso eu acho que a Casa de Portugal tem muito essa missão de mostrar ao brasileiro a nova tendência da música portuguesa. Mostrar a nova vertente da música portuguesa.682
O vice-presidente da gestão de Antonio dos Ramos afirma que uma das
missões da Casa de Portugal seria a valorização da cultura portuguesa
contemporânea no Brasil. Se comparadas as execuções musicais das duas
administrações, a de Antonio dos Ramos e a de Julio Rodrigues, evidencia-se que
cada presidente tinha uma opinião diferenciada quanto à identidade portuguesa a
ser divulgada no Brasil.
680
Banda composta por nove músicos, em atividade desde 1975. Toca um repertório urbano inspirado na música tradicional portuguesa. Fez shows por diversos países europeus e apresentou-se na Casa de Portugal de São Paulo em 1999 e em 2001. 681
E ainda carrega, pois a banda completa 40 anos de carreira em 2015. 682
Depoimento de Paulo Machado, em entrevista concedida ao autor em 02 de abril de 2013, na AICEP.
262
Já as edições do Aniversário da Casa de Portugal sob a administração de
Julio Rodrigues foram registradas em reportagens nos anos de 2007, 2009 e
2010683. Na reportagem de 2007 não houve registros sobre apresentações culturais;
já nos anos de 2009 e 2010 foram eleitos para a programação musical intérpretes684
da música popular brasileira e um grupo de música para baile.
As bandas musicais para baile têm a função de animar as festas e, por mais
que possuam um repertório flexível, adaptando-se conforme o perfil do público, não
estão comprometidas com uma proposta de divulgação cultural. Desse modo, pode-
se inferir que a programação nos referidos anos estava mais comprometida com a
animação do que com o objetivo da associação de divulgar a cultura portuguesa.
Embora Julio Rodrigues tenha lançado mão desse tipo de apresentação musical
apenas uma vez no aniversário da Casa (Apêndice L), o fez por mais três vezes nas
Ceias de Natal, conforme demonstrado no Apêndice K.
Nota-se que, na modalidade de evento “Aniversário da Casa de Portugal”,
Julio Rodrigues não lançou mão de artistas portugueses nem de músicas da cultura
popular portuguesa. Portanto, no que diz respeito à programação cultural, suas
escolhas refletiram um perfil diferente do verificado na gestão de Antonio dos
Ramos. Este reafirmava seu compromisso com a divulgação da música portuguesa,
destacando-se em praticamente todas as edições do aniversário da Casa sob sua
liderança o fado como atração principal.
Enquanto gênero musical considerado genuinamente português, o fado foi
registrado como patrimônio cultural imaterial da humanidade pela UNESCO em
2011. Embora o processo de registro tenha sido formalizado recentemente, a
história do fado remonta à segunda metade do século XIX.
683
Vide relação de reportagens a respeito dos eventos no Apêndice L. 684
Cabe destacar que no ano de 2010 essa intérprete foi Fafá de Belém, única cantora popular brasileira considerada por alguns críticos como fadista, por revelar sua afeição em público às suas origens e influências portuguesas.
263
No âmbito da Antropologia social, o ponto de vista corrente face ao problema da origem do fado pode bem ser resumido através das palavras escritas por Joaquim Pais de Brito na Introdução da obra já clássica de Pinto de Carvalho (Tinop) – História do fado: “Saber se essa origem é árabe, africana, brasileira, provençal, popular, ou se reside no balanço cadenciado e murmurante do mar ou ainda numa qualquer especificidade da alma nacional, é de importância menos em relação àquilo que nos parece ser uma questão de fundo: a sua emergência em certos bairros da capital no segundo quartel do século XIX [...].”685
Há consenso na historiografia do fado sobre sua origem, a urbanidade de
Lisboa. Disseminou-se entre a população boêmia e caiu no gosto popular, contando
com a oralidade para estabelecer sua tradição.
Nas condições de audição do fado que se desenvolveram nos anos de 40 a 60, coloca-se uma questão que nos pode ajudar a perceber a permanência de algo que, de sortilégio, se pode instituir numa situação performativa. Prende-se ela com a temporalidade, não apenas dos fadistas, mas do próprio fado. De certo modo, ele existe hoje, mantém-se enquanto categoria que escapou ao tempo [...]. Uma “imortalidade” feita de estereótipos que poderemos designar por tradição inventada. Esta atemporalidade é reforçada pelo modo de produção nocturna do fado. A noite, sendo um tempo de ruptura, configurando a transgressão e a libertação em relação ao trabalho e a uma complexa e instituída rede de relações sociais que têm uma existência diurna, transporta consigo, pela ausência de qualquer rigidez de horários e pela própria inalterabilidade do envolvimento em penumbra, uma dissolução da consciência de tempo, uma perda de seu controle. Na casa de fados, a partir dos anos 30, espelham-se em simultâneo a evocação de um passado fundador, que constitui o fado em tradição – pela iluminação com velas, alguns elementos decorativos evocando as touradas ou aspectos dos bairros da cidade –, e um registro fora do tempo que o canto de alguma forma capturou nos módulos codificados da sua emissão.686
685
NUNES, Francisco Oneto. O fado na Tertúlia Festa Brava. In: BRITO, Joaquim Pais de (Org.). Fado: Vozes e Sombras. 2ª ed. Milão: Instituto Português de Museus e Electa, 1995, p.73. 686
BRITO, op. cit., p.34-35.
264
Mesmo recriado e difundido em cantos boêmios e nem tão nobres da cidade
de Lisboa, ganhou ar aristocrático devido ao seu sucesso.
No último quartel do século XIX, já o fado se desenvolvia e generalizava em dois planos distintos – a guitarra sobe de novo aos salões, agora para, exclusivamente, acompanhar o fado, esboçando-se uma linha de apropriação social deste por uma aristocracia que progressivamente se separa de formas de sociabilidade em território eminentemente popular. [...]687
A inserção do gênero musical no meio aristocrático se deve em parte à
política cultural portuguesa instituída durante o período salazarista688 por António
Ferro. Atribui-se o incentivo à ocorrência de um festival de fado denominado
Concurso da Primavera para a eleição da “Rainha do Fado” entre as cantadeiras689,
tendo como vencedora Márcia Condessa690 (supostamente Amália Rodrigues teria
participado do concurso, mas desistiu durante os ensaios). Esse evento foi parte
integrante do famoso concurso da “Aldeia mais portuguesa de Portugal”, promovido
pelo SNI.691
Entre a aristocracia e os populares, durante os anos 20 e 30 as casas de
fado “constroem uma imagem que as procura demarcar no universo marginal que
era o do fado num primeiro período”692. Nessa época se consolidou o que se chama
687
BRITO, Joaquim Pais de (Org.). Fado: Vozes e Sombras. 2ª ed. Milão: Instituto Português de Museus e Electa, 1995, p.24. 688
Discussão já estabelecida no item 4.1 da tese. 689
Optou-se pela utilização do termo “cantador” ou “cantadeira” para os artistas do fado pelo fato de constar assim nas referências historiográficas. Outro motivo é que se identificou nas apresentações ocorridas na Casa de Portugal que os próprios se denominam fadistas. Ou seja, tanto na historiografia como no vocabulário empírico o termo cantor não é utilizado. Uma explicação para isso estaria na denominação das letras das canções como poemas, sendo usual em algumas apresentações a utilização de poemas e poetas consagrados. 690
Nascida a 28 de setembro em Monção, Minho, migrou ainda jovem a Lisboa em busca de trabalho, dedicando-se a servir mesas no bairro da Bica, em Lisboa, local onde se envolveu com o fado. Foi inscrita como representante do bairro no Concurso da Primavera, ganhou o título de “Rainha do Fado” em 1938. Passou a dedicar-se a partir de então ao fado como atividade profissional. Abriu a casa “Márcia Condessa”, que virou referência para o circuito artístico do fado em Lisboa. Por tomar muito de seu tempo, decidiu se afastar da carreira artística definitivamente na década de 70. Faleceu a 1º. de julho de 2006. MUSEU DO FADO. Personalidades - Márcia Condessa. Lisboa, mar./2008. Disponível em: <http://www.museudofado.pt/personalidades/detalhes.php?id=250&sep=0>. Acesso em: 15/06/2015. 691
BRITO, Joaquim Pais de. Cronologia. In: BRITO, op. cit., p.146. 692
KLEIN, Alexandra Naia; ALVES, Vera Marques. Casas do Fado. In: BRITO, op. cit., p.37.
265
de “fado vadio”, que passa por uma revalorização no cenário do fado
contemporâneo.
No entanto, antes de o fado ressurgir no cenário contemporâneo, na década
de 60 se popularizaram tanto as casas de “fado vadio” como as casas de fado mais
voltadas para o turismo internacional, que contratavam temporariamente equipes de
instrumentistas e cantadores.
Hoje, todas as noites as casas típicas continuam a evocar o Portugal “tradicional” onde a canção urbana “como era antigamente” é associada à canção rural reinventada no folclore, tudo isto num ambiente que procura harmonizar o rústico e o cosmopolita.693
Essas casas de fado voltadas para o turista internacional misturam
apresentações de fado e de músicas populares dançadas por grupos em trajes
tradicionais. Se diferenciam das casas de “fado vadio” pelo fato de não haver
interação entre o público e os cantadores694. Já nas casas de “fado vadio” essa
interação se sobressai, trazendo uma nova dinamização ao fado enquanto
movimento musical.
O fado popularizou-se entre os anos de 40 e 60 em pleno regime salazarista.
Foi incentivado pela política do Estado, transformando-se em símbolo de
nacionalidade. Em 1953 surgiu um evento anual promovido pela Emissora Nacional
denominado Grande Noite do Fado, que se repetiu até a década de 80 no Coliseu
dos Recreios, em Lisboa.
[...] Ao “Concurso da Primavera”, com uma estrutura semelhante ao da que encontramos no do Coliseu, e que se organizava nos meados dos anos 30, concorriam cantadeiras dos diferentes bairros de Lisboa, através das colectividades que organizavam eliminatórias ou apresentações públicas das candidaturas, efusivamente anunciada neste jornal: “Grandiosos Sarau de cunho acentuadamente bairristas”;
693
KLEIN, Alexandra Naia; ALVES, Vera Marques. Casas do Fado. In: BRITO, Joaquim Pais de (Org.). Fado: Vozes e Sombras. 2ª ed. Milão: Instituto Português de Museus e Electa, 1995. 694
Ibidem.
266
“Todas candidatas serão apresentadas de uma forma evocativa”; etc. O alargamento destes primeiros concursos de fado relaciona-se com o surgir, entre nós, de uma “cultura de massas”, que a partir dos anos 20 assiste à tourada, ao circo do Coliseu e ao teatro de revista. Neste processo, a rádio desempenhou um papel preponderante na difusão e popularização deste tipo musical. Por outro lado, o advento e estabelecimento da rádio como meio de comunicação de massas, coincide com os anos de institucionalização do Estado Novo. No início da GNF695, a Emissora Nacional, que se assumiu como instrumento de propaganda do regime, da sua ideologia e valores dominantes (Reis, 1990:217), surgia a ocupar a primeira parte do espetáculo, transmitindo em directo para o programa “Ouvindo as Estrelas”. Assim, parece haver, desde o início, um grande apoio institucional a este evento.696
Nesse sentido, Amália Rodrigues, considerada a artista (cantora e atriz)
portuguesa mais consagrada internacionalmente, foi incentivada pela política cultural
no período do Estado Novo.
Se é líquido admitir que tanto o teatro como o cinema capitalizaram a seu favor o talento e a popularidade da jovem cantadeira, servindo-se da aceitação de que gozava junto do grande público para divulgar os valores salazaristas nas tendências temáticas da época, o inverso também colhe. Mais do que se afirmar como Amália-actriz, no palco ou na tela, a passagem por aqueles meios resultaria proveitosa para a sua carreira como fadista – para alguns, a única em que foi verdadeiramente grande. De facto, foi no teatro que conheceu Frederico Valério e se libertou de um repertório demasiadamente clássico, descobrindo possibilidades até então desconhecidas na sua voz, e seria também o teatro a leva-la a um público muito mais vasto e heterogêneo que o dos retiros fadistas e dos dancings elegantes a elevá-la ao estatuto de vedeta. O cinema, por seu turno, ampliou-lhe a fama. Em Portugal e no estrangeiro, sobretudo em França – e, daqui, para o mundo.697
Por esse ganho de projeção durante o regime, não foi poupada de críticas
logo após a Revolução dos Cravos.
695
Grande Noite do Fado. 696
COSTA, Catarina Alves da. A Grande Noite do Fado. In: BRITO, Joaquim Pais de (Org.). Fado: Vozes e Sombras. 2ª ed. Milão: Instituto Português de Museus e Electa, 1995, p.112-113. 697
FARIA, Cristina. Fotobiografias Século XX: Amália Rodrigues. Lisboa: Temas e Debates, 2008, p.33.
267
[...] O período revolucionário, na vertigem da libertação e da ruptura declarada com os símbolos herdados do regime anterior, projectou sobre ela, lídima representante e intérprete maior da “canção nacional”, todas as desconfianças e conjecturas que o fado sempre merecera por parte dos sectores intelectuais da oposição enquanto fenómeno musical reconhecido e amplamente tolerado e instrumentalizado por sectores do Estado Novo, pelo seu discurso “conformado e miserabilista, uma postura saudosista e derrotista perante a História, um universo de valores pré-modernos de anti-republicanismo, catolicismo ultramontano e marialvismo”. [...] Era o Fado de barba feita, quase elegante, sem nódoas de vinho na camisa, com os punhos desencardidos, o Fado-Bom-Tom, popularizando-se, conquistando novos espaços de sociabilidade, como os “retiros”, ou de divulgação, como o teatro e o cinema, saindo da esfera assumidamente popular e sendo catapultado para um fenómeno a breve trecho dito “nacional”.698
Os intelectuais revolucionários, após 1974, difundiram a ideia de que as
canções de Amália serviram de bandeira ao regime anterior, pelo fato de seus
versos expressarem muitos dos ideais salazaristas, como o conformismo, a
simplicidade da pobreza com alegria, o regionalismo e o catolicismo. Segundo eles,
os pilares do regime teriam sido “Fado, Futebol e Fátima”, a trilogia dos efes.
Somando-se a análise dos seus poemas à sua postura acolhedora para com
o chefe do Estado Novo quando esteve doente, Amália logo foi identificada como
incentivadora do fascismo.
Com o golpe dos capitães, Amália sente pela primeira vez na pele o ódio e a intriga. Antes da revolução, “era uma país cheio de gente que gostava de mim. De um momento para o outro salta-me um boato em cima e toda a gente o aceitou”. Pilar de um dos efes da trilogia divulgada pelos intelectuais oposicionistas em tom de crítica ao regime salazarista – “Fado, Futebol, Fátima” – a associação de Amália ao fascismo não tardou, ancorada na polêmica política em que se envolvera nos acontecimentos de 1958, nas actuações para as tropas em combate na Guerra Colonial e nas manifestações de apreço dispensadas à figura do presidente do Conselho em 1966, às quais se acrescentariam mais tarde os versos enviados a Salazar quando este se encontrava hospitalizado em virtude da queda da cadeira que o incapacitaria fisicamente (e que,
698
FARIA, Cristina. Fotobiografias Século XX: Amália Rodrigues. Lisboa: Temas e Debates, 2008, p.168.
268
acompanhados “com umas flores”, era assim: “Cultura é experiência/ Já ouvi a dizer a alguém/ É a viver a ciência/ Que eu tenho de lhe querer bem. / Gosto de si e das flores/ Num jeito igual de gostar/ Fui sentindo estes amores/ Sem precisar de os cortar/ Ponha-se-me bom depressa/ Meu querido presidente/ Depressa, que essa cabeça/ Não merece estar doente/ Tenho sabido notícias/ Por delegados doutores/ Que me fazem as carícias/ Dos resultados melhores/ Não sei do regulamento/ e se isto é má criação/ Perdoe o procedimento/ E aceite a intenção”).699
Sem polemizar fatos a favor ou contra o envolvimento de Amália Rodrigues
com o regime, reconhece-se que os versos de seus fados captavam exatamente a
imagem nacionalista que a política salazarista reinventou.
Numa casa portuguesa fica bem pão e vinho sobre a mesa. Quando à porta humildemente bate alguém, senta-se à mesa co‟a gente. Fica bem essa fraqueza, fica bem, que o povo nunca a desmente. A alegria da pobreza está nesta grande riqueza de dar, e ficar contente. Quatro paredes caiadas, um cheirinho á alecrim, um cacho de uvas doiradas, duas rosas num jardim, um São José de azulejo sob um sol de primavera, uma promessa de beijos dois braços à minha espera... É uma casa portuguesa, com certeza! É, com certeza, uma casa portuguesa! No conforto pobrezinho do meu lar, há fartura de carinho. A cortina da janela e o luar, mais o sol que gosta dela... Basta pouco, poucochinho p‟ra alegrar uma existência singela... É só amor, pão e vinho e um caldo verde, verdinho a fumegar na tigela.
699
FARIA, Cristina. Fotobiografias Século XX: Amália Rodrigues. Lisboa: Temas e Debates, 2008, p.168-169.
269
Quatro paredes caiadas, um cheirinho á alecrim, um cacho de uvas doiradas, duas rosas num jardim, um São José de azulejo sob um sol de primavera, uma promessa de beijos dois braços à minha espera... É uma casa portuguesa, com certeza! É, com certeza, uma casa portuguesa!700
“O poema de autoria de Reinaldo Ferreira701 foi composto em 1950, em
Moçambique, sendo interpretado pela cancioneira Sara Chaves. Posteriormente, os
versos foram musicados por Vasco Sequeira e Artur Fonseca.”702
O poema enfatiza as referências de um Portugal pequenino centrado em tradicionais padrões agrícolas, avesso à industrialização, considerada, pelo governo salazarista, a causa dos conflitos sociais. Recupera o lar humilde de paredes caiadas, cortinas na janela emoldurando o luar e o sol da primavera, a imagem singela é compensada pela alegria, franqueza, carinho e acolhimento. A hospitalidade de compartilhar o caldo verde, o pão, o vinho, as uvas douradas, fazendo alusão às tradições lusas, com as lembranças dos odores, “o cheirinho do alecrim” e das rosas no jardim.703
Essa música representa vários aspectos da cultura portuguesa,
transformando-se em campainha da memória. Destacam-se nela elementos
gastronômicos como o cheiro de tempero, frutas, pão, vinho, além do caldo verde.
700
Amália Rodrigues (Intérprete). Uma Casa Portuguesa. Composição de Artur Fonseca. Álbum “Uma Casa Portuguesa”. Columbia/VC, 1953. Cf.: LETRAS. Uma Casa Portuguesa - Amália Rodrigues. s/d. Disponível em: <http://letras.mus.br/amalia-rodrigues/230953/>. Acesso em: 28/10/2011. 701
Reinaldo Edgar de Azevedo e Silva Ferreira, poeta de nacionalidade portuguesa, natural de Barcelona, onde iniciou os estudos, fixou-se em Moçambique. Nasceu em 1922 e faleceu em 1959 em Lourenço Marques, Moçambique, aos 37 anos. ESCRITAS.ORG. Reinaldo Ferreira. s/d. Disponível em: <http://www.escritas.org/pt/reinaldo-ferreira>. Acesso em: 28/10/2011. 702
MATOS, Maria Izilda Santos de. Portugueses: Deslocamentos, Experiências e Cotidiano - São Paulo Século XIX e XX. Bauru, SP: Edusc, 2013, p.214. 703
Ibidem, p.215.
270
No trecho “A alegria da pobreza está nesta grande riqueza de dar, e ficar
contente”, nota-se o discurso “conformado e miserabilista, uma postura saudosista e
derrotista perante a História”. Percebe-se também a dádiva associada à
hospitalidade no sentido mais restrito quando, apesar da pobreza, existe felicidade
em doar-se por meio da refeição: “Quando à porta humildemente bate alguém,
senta-se à mesa co‟a gente”. Este último trecho lembra bem um depoimento já
citado: “[...] Dificilmente à casa do português se fica batendo e ela não abre, ao
primeiro toque ela se abre [...].”704 Ou seja, o “receber à portuguesa” passa
necessariamente pela hospitalidade e oferta de alimento.
Na estrofe “No conforto pobrezinho do meu lar, há fartura de carinho. [...]
Basta pouco, poucochinho p‟ra alegrar uma existência singela... É só amor, pão e
vinho e um caldo verde, verdinho a fumegar na tigela”, constata-se a associação da
oferta de alimento com carinho, dádiva. Já ao mencionar “São José de azulejo”,
remete a um elemento arquitetônico das casas portuguesas, que possuem como
marca a utilização de detalhes decorativos nas paredes com azulejos brancos e
azuis, e destaca também a religiosidade católica do povo português.
“Em 1953, a canção foi gravada por Amália Rodrigues e correu o mundo,
sendo muito veiculada na comunidade portuguesa dispersa”705, porque cantou a
alma do povo português. Embora tenham aparecido nos poemas das músicas de
Amália Rodrigues características referentes ao passado rural português e aspectos
da singeleza ligada à religiosidade, valorizando tradições e hábitos alimentares706,
ela continua sendo uma referência artística para o gênero musical.
704
Depoimento de Maria dos Anjos, em entrevista concedida ao autor em 18 de julho de 2013, em seu ateliê. 705
MATOS, Maria Izilda Santos de. Portugueses: Deslocamentos, Experiências e Cotidiano - São Paulo Século XIX e XX. Bauru, SP: Edusc, 2013, p.214. 706
Não por acaso esses símbolos identitários foram tão absorvidos pelo povo português que se constituem nas origens históricas do que aqui se denomina “receber à portuguesa” ou simplesmente “hospitalidade à portuguesa”.
271
Assim como Portugal se voltou para a Europa mantendo relações atlânticas,
pretendendo ser um interlocutor econômico para conservar seu colonialismo de
forma renovada, bem como estimular a manutenção das raízes históricas, mas sem
deixar de olhar para o futuro, isso se reflete também no fado e na Casa de Portugal.
Os fadistas contemporâneos, quando se apresentam na Casa de Portugal, em
muitas ocasiões, senão todas, cantam sucessos clássicos de Amália Rodrigues. Tal
constatação denota o fato de o país ter se modernizado sem perder suas raízes nas
tradições.
Portugal sempre esteve entre a Europa e o Atlântico em seu império, até
mesmo no período salazarista, em que havia um forte vínculo com as tradições, com
António Ferro representando o flerte com a modernidade. Assumiu de vez após a
Revolução dos Cravos sua faceta moderna, repercutindo tanto no fado como
culturalmente na Casa de Portugal.
O fado foi um aspecto da cultura utilizado por Salazar e António Ferro para
inventar a nação portuguesa e mantê-la coesa e sob controle. Pelo longo período
ditatorial sob sua influência, marcou a vida e a infância de muitos emigrantes. Muitos
deles se encontram na prática associativa da Casa de Portugal, em São Paulo, o
que explica o apego ao fado como gênero musical.
A música e os instrumentos musicais vieram na bagagem destes imigrantes, as referências regionais eram frequentes, com uma maior identificação com o fado, transformado num símbolo da nacionalidade [...].707
Com os imigrantes se deslocam também muitos aspectos da sua cultura,
entre eles instrumentos musicais, capazes de transmitir um pouco sobre a alma de
um povo, conforme se vê na imagem seguinte.
707
MATOS, Maria Izilda Santos de. Portugueses: Deslocamentos, Experiências e Cotidiano - São Paulo Século XIX e XX. Bauru, SP: Edusc, 2013, p.212.
272
Imagem 34 - O fado na bagagem.708
Por ter ganhado fama também na elite, o fado se aproxima do poder
simbólico que se pretende exercer dentro da Casa de Portugal, conforme colocado
por Antonio dos Ramos. Não como referência política ao salazarismo, mas como
resquício de ideologia cultural estabelecida ao longo do Estado Novo português.
O fado transformou-se, atualizou-se e permanece vivo no cotidiano de
Portugal. Nesse sentido, valorizá-lo enquanto movimento artístico moderno constitui-
se em estratégia de manutenção de vínculos com o país de origem. Por isso, nas
edições do aniversário da Casa de Portugal se apresentaram fadistas como Camané
(imagem 35), Ana Sofia Varela, António Chainho e Isabel Noronha.
708
CASTELO-BRANCO, Salwa El-Shawan. Vozes e Guitarra na Prática Interpretativa do Fado. In: BRITO, Joaquim Pais de (Org.). Fado: Vozes e Sombras. 2ª ed. Milão: Instituto Português de Museus e Electa, 1995.
273
Imagem 35 - Apresentação do fadista Camané na Casa de Portugal.709
A análise do perfil dos eventos culturais da Casa de Portugal teve por
objetivo questionar se a programação refletiu o entendimento e o gosto de cada
presidente em exercício, ora privilegiando o tradicional, ora o moderno. Heranças do
período salazarista se fizeram presentes nessa programação, mais como elementos
residuais710 de uma identidade criada e que influencia até hoje a todos, haja vista a
importância dada ao Grupo Folclórico da Casa de Portugal, do que como viés
político ou ideológico.
Levando em conta a diversidade de eventos identificada, não se pode
afirmar que a cultura popular tenha sido dominante em um ou outro mandato
presidencial. Apenas que foi valorizada com maior ou menor ênfase dependendo da
gestão. Pelo exposto, é possível atestar que a programação cultural da Casa de
Portugal refletiu os ideais identitários daquele país.
709
NAUS‟S. São Paulo, Ano 6, nº. 61, out. 2000. 710
WILLIAMS, Raymond. Cultura e Materialismo. São Paulo: Editora Unesp, 2011.
274
A cultura popular foi e é elemento presente e comum na Casa de Portugal. O
fado também é e foi muito difundido, sobretudo em sua versão contemporânea.
Artistas portugueses radicados no Brasil e luso-descendentes foram valorizados
como forma de reforçar as origens, a identidade, a memória e a presença
portuguesa em São Paulo.
A análise dos eventos culturais aqui realizada procura demonstrar que esse
tipo de investigação pode colaborar, sob a ótica da história cultural, para o estudo
das tradições portuguesas.
275
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho buscou trazer contribuições para os estudos acerca dos
imigrantes portugueses que fundaram, participaram e ainda participam da prática
associativa portuguesa, de forma específica, na Casa de Portugal em São Paulo.
Com esse intuito foram abordados vários temas, como o imaginário português sobre
a emigração para o Brasil, materializado na figura dos “brasileiros” retornados a
Portugal. Foi recuperado o contexto social e econômico português, as dificuldades,
crises, falta de perspectivas, inclusive de jovens que, antes mesmo de atingir idade
para o alistamento militar, emigravam diante das incertezas que lhes eram
apresentadas. Já outros portugueses saíram do país motivados pelas dificuldades
políticas, depois de sofrer perseguição por suas convicções e opiniões contrárias ao
regime, ou apenas em busca de novas possibilidades. Essas motivações ocorreram
simultaneamente e, juntas, impulsionaram o fluxo de saídas para o Brasil.
Quanto à sociedade de acolhimento, o tratamento dado aos imigrantes
portugueses pode ser observado levando em conta os registros da Hospedaria dos
Imigrantes, para onde se dirigiam aqueles que possuíam contrato de trabalho
vinculado à política de imigração do Estado. Essa “hospitalidade pública” não se
restringiu ao acolhimento via Hospedaria, contou também com legislação, que deu
preferência aos imigrantes portugueses, em detrimento dos grupos de outras
nacionalidades.
A maioria dos portugueses, no entanto, para emigrar recorreu a redes
familiares ou de patrícios, que proporcionavam uma “hospitalidade doméstica”. A
carta de chamada, enquanto instrumento legal, nesse caso, responsabilizava o autor
pela garantia de emprego, renda e cuidados de subsistência ao recém-chegado,
cabendo destacar que essa hospitalidade mesclava exploração e paternalismo.
Dado um panorama dos fluxos constantes de imigrantes e das práticas
associativas de portugueses em São Paulo, destacou-se a atuação de Ricardo
Severo, sujeito histórico que incentivou o associativismo português, idealizando uma
associação pautada em padrões liberais capaz de reunir todas as demais e
concentrar serviços de apoio ao imigrante português.
276
Com essa ideia foi fundada em 1935 a associação Casa de Portugal. No seu
início, passou por dificuldades: foram cinco presidentes em menos de seis anos.
Ressaltou-se Sarmento Pimentel, reconhecidamente republicano e antissalazarista.
Somente a partir de 1941, com a longa gestão do comendador Pedro Monteiro
Pereira Queiroz (28 anos), a instituição atingiu maior estabilidade. Foi nesse período
que ficou pronta sua sede, na Avenida da Liberdade. Essa gestão se caracterizou
pela maior proximidade com o governo salazarista, relação estampada nas paredes
da Casa em placa alusiva à recepção do Presidente da República Portuguesa
General Francisco Higino Craveiro Lopes (junho de 1957).
A observação da Casa de Portugal possibilitou o entendimento de que o
projeto arquitetônico de Ricardo Severo, com o resgate das tradições portuguesas,
resultou em um edifício neocolonial. Todavia, símbolos incorporados na decoração
interna durante as gestões posteriores revelam ícones do épico colonial e
nacionalista, influências de uma herança cultural reforçada durante o período
salazarista.
A análise das fontes buscou problematizar a política cultural de cada
presidente, tendo prevalecido o resgate da memória da sociabilidade aldeã durante
os eventos de culto à terra. Na presidência do comendador Antonio dos Ramos ( de
1985 a 2007), com uma visão mais progressista em relação à cultura, o rol de
eventos refletia o momento histórico que Portugal vivia, em um ambiente mais
moderno, pós-colonial, pós-Revolução dos Cravos e com a inserção do país na
Comunidade Econômica Europeia (CEE). A gestão de Antonio dos Ramos teve
como preocupação refletir a imagem de um Portugal moderno, mas manteve a
realização das festas de culto à terra, por entender sua importância em termos de
memória para os portugueses estabelecidos em São Paulo.
A análise dos eventos refletiu a dualidade modernidade versus tradição,
pendendo mais para a tradição durante a gestão de Julio Rodrigues (2007-2013).
Desse modo, pode-se inferir que a política cultural da associação é personalista e
varia de acordo com as concepções dos presidentes.
277
Enfocadas as relações políticas da associação, destacou-se a proximidade
com o órgão público Turismo de Portugal, dedicado à propaganda turística do país,
vinculado ao Ministério da Economia e personificado na figura de Paulo Machado,
ex-vice-presidente da Casa de Portugal. Machado confirmou a vocação dos eventos
de refletir a dualidade entre tradicional e moderno, tendo por base pesquisas de
mercado que ressaltaram o potencial de consumo brasileiro para o turismo
português.
Quanto a esse aspecto, infere-se que se trata de ação que confirma a
concepção das Casas de Portugal espalhadas pelo mundo com o intuito de realizar
propaganda do regime vigente, conforme Decreto nº 39.475 de 21 de dezembro de
1953, expedido pelo governo de Salazar e sob responsabilidade do Secretariado de
Propaganda Nacional. Não que o Turismo de Portugal e a Casa tenham feito
propaganda do regime salazarista, mas refletiram os ideais disseminados pelo
governo português em vigência. Por isso atribui-se à Casa de Portugal a finalidade
de divulgar “valores nacionais de ordem espiritual e material, cultural e económica, e
a fazer a propaganda dos produtos de origem portuguesa e das condições naturais e
artísticas de Portugal que constituam motivo de atracção turística”711. Atuou,
portanto, enquanto porta-voz extraoficial do governo português.
Foi também nesse intuito que se prestou a maioria das homenagens e
honrarias da Casa de Portugal, outorgadas a personalidades ligadas à mídia,
utilizadas como estratégia de divulgação da instituição. Conforme depoimento de
Paulo Machado, homenagear formadores de opinião seria uma estratégia para
alavancar a “propaganda boca a boca”, meio mais eficaz de exercer influência na
decisão do destino da viagem entre os brasileiros que visitaram Portugal, segundo
pesquisa do mercado turístico.
Houve também outras homenagens, como a pessoas ligadas à cultura
portuguesa, à divulgação do fado, personalidades consulares e até políticos
portugueses, buscando a valorização da identidade portuguesa. Em nível federal,
estadual e municipal, homenagens atestaram contatos frequentes com o partido
político do PSDB.
711
Conforme Art. 2 do Decreto nº 39.475 de 21 de dezembro de 1953.
278
A data mais celebrada na Casa de Portugal foi o Dia de Portugal, Camões e
Comunidades Portuguesas, ou seja, 10 de junho, em conformidade com o Decreto-
Lei nº 39B/78. O dia 25 de abril pouco foi comemorado, pois, de acordo com Antonio
dos Ramos, a realização desse evento caberia ao Centro Cultural 25 de Abril. Outra
data pouco comemorada foi o 22 de abril, reconhecido como Dia do Descobrimento.
Isso porque não consiste em data comemorativa em Portugal, apenas no Brasil.
Notou-se que as comemorações dos 500 anos do descobrimento levaram à criação
da Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses
(CNCDP). Desde então o Conselho da Comunidade Luso-Brasileira do Estado de
São Paulo inventou a tradição de comemorar a data anualmente, com apoio da
Casa de Portugal, que envia o Grupo Folclórico para se apresentar nessas ocasiões.
O estudo buscou questionar como o “receber à portuguesa” foi reproduzido
nos eventos de culto à terra promovidos pela Casa de Portugal, como a Vindima, o
Magusto, Festa da Cereja e Desfolhada do Milho. A memória do pertencimento
comum à sociabilidade aldeã vivida outrora em Portugal foi traduzida nesses
festejos. A alimentação servida nos eventos da Casa ou no Almoço das Quintas pelo
bufê O Marquês também remete à tradição portuguesa, sem excluir o hibridismo
cultural.
O entretenimento historicizado nos aniversários de fundação da Casa de
Portugal e nas Ceias de Natal variou de acordo com as concepções identitárias dos
presidentes em exercício. A gestão de Julio Rodrigues (2007-2013) transpareceu
uma preocupação maior com o entretenimento ao privilegiar bandas que cantam e
tocam músicas não autorais nas ceias de Natal e atrações mais populares e
tradicionais nos aniversários da Casa, enquanto Antonio dos Ramos tende a exaltar
a cultura portuguesa moderna, trazendo à associação músicos representantes do
atual movimento de renovação do fado.
Destacou-se na análise a propagação da Casa de Portugal como local de
status entre a comunidade luso-brasileira. Pelo fato de ter abrigado o Consulado
Geral de Portugal em São Paulo desde a sua fundação até 2005, o Instituto Camões
e a Câmara Portuguesa de Comércio, representa a união dos poderes de
representação política, econômica e cultural num único espaço.
279
Observou-se que existe uma preocupação latente em relação à continuidade
do associativismo português em São Paulo. Ao mesmo tempo que se identifica nos
grupos folclóricos uma tradição de antepassados, se visualiza um potencial de
atração de luso-descendentes e até mesmo brasileiros. Se aposta no movimento de
renovação artístico do fado e nas exposições da Galeria de Artes como imagem do
Portugal moderno.
Essa dualidade se expressa na associação, que reflete o reposicionamento
de Portugal junto à CEE como país tradicional e integrado ao mundo moderno, o que
permite afirmar que a Casa de Portugal em São Paulo serviu como reflexo dos
ideais culturais de Portugal, como uma vitrine de Portugal.
Esta pesquisa buscou abrir possibilidades para estudos referentes ao
público que frequenta a associação, principalmente os descendentes de
portugueses, verificando-se como se relacionam com as memórias de Portugal dos
seus antepassados. Por fim, destaca-se como diferencial desta pesquisa a utilização
dos fundamentos da hospitalidade para a história cultural, demonstrando como o
acolhimento, a recepção, o entretenimento e a alimentação se constituem em campo
profícuo para os estudos históricos.
280
FONTES E BIBLIOGRAFIA
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Paulo, nº. 6, 21/02/1952 a 19/10/1955.
CASA DE PORTUGAL DE SÃO PAULO. Livro de Actas da Directoria Central. São
Paulo, nº. 15, 16/04/1972 a 28/09/1976.
CASA DE PORTUGAL DE SÃO PAULO. Livro de Atas das Reuniões da Diretoria
Central. São Paulo, 27/06/1978 a 29/12/1980.
CASA DE PORTUGAL DE SÃO PAULO. Livro de Atas da Diretoria. São Paulo,
06/01/1981 a 25/10/1983.
CASA DE PORTUGAL DE SÃO PAULO. Livro de Atas da Diretoria. São Paulo,
14/02/1989 a 10/09/1991.
CASA DE PORTUGAL DE SÃO PAULO. Livro de Actas da Directoria Central. São
Paulo, 10/10/1996 a 08/08/2000.
300
CASA DE PORTUGAL DE SÃO PAULO. Livro de Atas da Diretoria. São Paulo,
22/08/2000 a 07/10/2005.
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CASA DE PORTUGAL DE SÃO PAULO. Documento cedido pela Secretária-chefe
da Casa de Portugal, geralmente utilizado como release para jornalistas, a respeito
das homenagens realizadas pela Associação. São Paulo, s/d.
Revistas e jornais
MUNDO LUSÍADA. São Bernardo do Campo - SP, maio de 2006.
MUNDO LUSÍADA. São Bernardo do Campo - SP, 1º de maio de 2009.
MUNDO LUSÍADA. São Bernardo do Campo - SP, 1º de maio de 2010.
MUNDO LUSÍADA. São Bernardo do Campo - SP, 1º de abril de 2013.
MUNDO PORTUGUÊS. Lisboa, 2º caderno, 25 de dezembro de 1955.
NAUS‟S. São Paulo, nº. 29, fevereiro 1998.
NAUS‟S. São Paulo, nº. 32, maio 1998.
NAUS‟S. São Paulo, nº. 43, abril 1999.
NAUS‟S. São Paulo, nº. 45, junho 1999.
NAUS‟S. São Paulo, nº. 53, fevereiro 2000.
NAUS‟S. São Paulo, nº. 54, março 2000.
NAUS‟S. São Paulo, nº. 79, maio 2000.
NAUS‟S. São Paulo, nº. 61, outubro 2000.
NAUS‟S. São Paulo, nº. 74, dezembro 2001.
NAUS‟S. São Paulo, nº. 81, julho 2002.
301
NAUS‟S. São Paulo, nº. 85, novembro 2002.
NAUS‟S. São Paulo, nº. 86, dezembro 2002.
NAUS‟S. São Paulo, nº. 87, janeiro 2003.
NAUS‟S. São Paulo, nº. 91, maio 2003.
NAUS‟S. São Paulo, nº. 94, agosto 2003.
NAUS‟S. São Paulo, nº. 97, novembro 2003.
NAUS‟S. São Paulo, nº. 99, janeiro 2004.
NAUS‟S. São Paulo, nº. 100, fevereiro 2004.
NAUS‟S. São Paulo, nº. 110, janeiro 2005.
NAUS‟S. São Paulo, nº. 116, julho 2005.
NAUS‟S. São Paulo, nº. 128, outubro 2006.
NAUS‟S. São Paulo, nº. 135, 2007.
NAUS‟S. São Paulo, nº. 137, 2007.
NAUS‟S. São Paulo, nº. 151, 2008.
NAUS‟S. São Paulo, nº. 152, 2009.
NAUS‟S. São Paulo, nº. 153, 2009.
NAUS‟S. São Paulo, nº. 159, 2009
NAUS‟S. São Paulo, nº. 160, 2009.
NAUS‟S. São Paulo, nº. 168, 2010.
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RAÍZES LUSÍADAS. São Paulo, Ano 9, nº. 44, novembro/ dezembro 1992.
RAÍZES LUSÍADAS. São Paulo, Ano 13, nº. 66, julho/ agosto 1996.
RAÍZES LUSÍADAS. São Paulo, Ano 13, nº. 69, janeiro/ fevereiro 1997.
RAÍZES LUSÍADAS. São Paulo, Ano 14, nº. 72, julho/ agosto 1997.
RAÍZES LUSÍADAS. São Paulo, Ano 14, nº. 73, setembro/ outubro 1997.
RAÍZES LUSÍADAS. São Paulo, Ano 15, nº. 81, janeiro/ fevereiro 1999.
RAÍZES LUSÍADAS. São Paulo, Ano 16, nº. 84, Julho/ Agosto 1999.
RAÍZES LUSÍADAS. São Paulo, Ano 16, nº. 85, setembro/ outubro 1999.
RAÍZES LUSÍADAS. São Paulo, Ano 16, nº. 87, janeiro/ fevereiro 2000.
RAÍZES LUSÍADAS. São Paulo, Ano 18, nº. 108, junho 2002.
RAÍZES LUSÍADAS. São Paulo, Ano 19, nº. 110, agosto 2002.
RAÍZES LUSÍADAS. São Paulo, Ano 19, nº. 112, outubro 2002.
RAÍZES LUSÍADAS. São Paulo, Ano 20, nº. 127, janeiro 2004.
303
ANEXOS
304
ANEXO 1 – DECRETO-LEI N. 39.475. LISBOA, 1953
305
Fonte: Diário do Governo, n.282, 21/12/1953.
306
APÊNDICES
307
APÊNDICE A – REPORTAGENS SOBRE O DIA 25 DE ABRIL
PUBLICAÇÃO DATA DO EVENTO
MANCHETE
Portugal em Foco, Rio de Janeiro, 6 a 12 de maio de 1993.
27/04/1993 “O 25 de abril em São Paulo”
Portugal em Foco, 04 de maio de 2005 - *25 DE ABRIL
Mundo Lusíada, maio de 2006.
“Centro Cultural 25 de Abril \ Revolução dos Cravos
32 anos de liberdade em Portugal comemorados em São Paulo”
Mundo Lusíada, 1 de maio de 2009 - “25 de Abril: Falta sensibilidade da comunidades, diz presidente”
Mundo Lusíada, 1 de maio de 2010 21/04/2010 “O 25 de Abril comemorado em São Paulo”
Fonte: Clipping de notícias elaborado a partir dos jornais Mundo Lusíada e Portugal em Foco, biblioteca da Casa de Portugal. Adaptado pelo autor.
308
APÊNDICE B – REPORTAGENS SOBRE O DIA 10 DE JUNHO
PUBLICAÇÃO DATA DO EVENTO
MANCHETE
Raízes Lusíadas, número 1, junho de 1984, p.11
10/06/1980 Camões e o Amor de Portugal
Raízes Lusíadas, número 1, junho de 1984, p.16-17
10/06/1984 Evocação de Camões
Raízes Lusíadas , Ano 3 - número 9 - Junho/ Julho/ Agosto – 1986 , p. 21
- Banquete do Dia da Comunidade Luso-Brasileira
Raízes Lusíadas, Ano 14 - número 73 – Setembro/ Outubro – 1997, p.19
08/06/1997 Dia de Portugal, Camões e das Comunidades Portuguesas
Revista Naus`s , número 45, junho de 1999, p.8
- Artistas Expõem
Revista Naus`s, número 81 – julho de 2002, p.8
21/06/2002 Ivan Lins e Carlos do Carmo se apresentam na Casa de Portugal
Revista Naus`s, número 116 – julho de 2005
- Casa de Portugal comemora o Dia de Camões
Revista Naus`s, número 135 – 2007, p.18 09/06/2007 Antigos Tunos de Coimbra na Casa de Portugal
Revista Naus`s, número 135 – 2007, p.14 14/06/2007 Sessão Solene encerra Dia de Portugal
Fonte: Acervo das revistas Naus`s e Raízes Lusíadas, biblioteca da Casa de Portugal. Adaptado pelo autor.
309
APÊNDICE C – REPORTAGENS SOBRE O DIA 22 DE ABRIL
PUBLICAÇÃO DATA DO EVENTO
MANCHETE
Raízes Lusíadas, Ano 9 - número 41- Maio/ Junho – 1992, p.23
22/04/1992 Semana da Comunidade Luso Brasileira
Raízes Lusíadas, Ano 13 - número 66 – Julho/ Agosto – 1996, p.19
21 e 22/04/1996
Casa de Portugal: recitais de música
Raízes Lusíadas, Ano 14 - número 72 – Julho/ Agosto – 1997, p.5
22/04/1997 Dia da Comunidade Luso-Brasileira
Revista Naus`s, número 32, maio\ 1998, p.8
22/04/1998 As Comemorações no Dia da Comunidade
Raízes Lusíadas, Ano 16 - número 84 – Julho/ Agosto - 1999
22/04/1999 Conselho da Comunidade Luso-Brasileira no Estado promove solenidade
Revista Naus`s, número 43 abril\99, p.13
22/04/1999 A Festa do Brasil e Portugal
Fonte: Acervo das revistas Naus‟s e Raízes Lusíadas, biblioteca da Casa de Portugal. Adaptado pelo autor.
310
APÊNDICE D – HOMENAGENS PRESTADAS A PERSONALIDADES
LIGADAS À MÍDIA
FONTE DATA MANCHETE HOMENAGEADO (S)
Revista Naus`s, número 79/ Maio de 2000, p. 6
24/04/2002
“Ana Maria Braga é homenageada na
Casa de Portugal em São Paulo”
Ana Maria Braga e a equipe de reportagem do programa “Mais Você”.
Revista Naus`s, número 87 / Janeiro de 2003, p.7
13/12/2002 “Ceia de Natal da
Casa de Portugal” –
Foram homenageados com medalhas a atriz Arlete Salles e a diretora Denise Saraceni da novela “Sabor da Paixão.
Revista Naus`s, número 91/ Maio de 2003, p.11
30/04/2003 “Show e homenagem na Casa de Portugal
de São Paulo”
Antes do show Antonio dos Ramos homenageou a cantora Fafá de Belém com a comenda Ordem do Infante Dom Henrique.
Revista Naus`s, número 94 / Agosto de 2003, p.13
17/07/2003 e 31/07/2003
“Homenagens no Almoço das Quintas”
Foi entregue a medalha Comendador Pereira Queiroz a Simone Lopes e a repórter Nany People e no ida 31 de julho a medalha foi entregue a Roberta Miranda.
Revista Naus`s, número 97/ Novembro de 2003, p.19
16/10/2003
“Casa de Portugal comemora 68 anos com show de Pedro
Barroso”
Recebeu a Comenda Ordem do Mérito Infante Dom Henrique ao vice-presidente do Grupo Bandeirantes Paulo Saad Jafet
Revista Naus`s,. Número 100/ Fevereiro de 2004, p.10
22/01/2004 “Osmar Santos expõe na Casa de Portugal”
a exposição “São Paulo da Gente” do locutor, jornalista e artista plástico Osmar Santos, que recebeu a medalha Comendador Pereira Queiroz.
Revista Naus`s,. . número 110 / Janeiro de 2005, p.18
15/12/2004 “Ceia de Natal na Casa de Portugal”
A Comenda Ordem do Mérito Infante Dom Henrique foi concedida a Joaquim Silva Felipe, presidente da empresa Bandeirante de Energia, e Maurício Kubrusly, da rede Globo.
Revista Naus`s, número 128 / Outubro de 2006, pp.20-21
20/10/2006 “Casa de Portugal
comemora 71 anos”
Distribuição de comendas a apresentadora da rede TV Olga Bongiovanni, João Botelho da Caixa Geral de Depósitos e o empresário Fernando Miguel dos Santos.
311
Revista Naus`s, número 152 / 2009, p.19
18/12/2009
“Vídeo Show” e “Negócio da China”
na Casa de Portugal
A produção do programa Video show da rede Globo esteve na CP gravando uma matéria especial com os atores Maria Vieira e Joaquim Monchique, atores da novela “Negócio da China”. Os atores receberam, de Julio Rodrigues, a Medalha de Mérito Comendador Pereira Queiróz.
Revista Naus`s, número 168/ 2010, p.18
07/10/2010 “Zico homenageado
na Casa de Portugal”.
Artur Antunes Coimbra (Zico) participou do tradicional “Almoço das Quintas” recebeu a Medalha Comendador Pereira Queiroz.). Zico é descendente de portugueses dos dois lados (pai e mãe) e possui cidadania portuguesa.
Fonte: Acervo das revistas Naus‟s e Raízes Lusíadas, biblioteca da Casa de Portugal. Adaptado pelo autor.
312
APÊNDICE E – HOMENAGENS PRESTADAS A PESSOAS LIGADAS À CASA,
PROFESSORES, FADISTAS, MÚSICOS E JORNALISTAS
FONTE DATA MANCHETE HOMENAGEADO (S)
Revista Naus`s, número 29 / Fevereiro de 1998, p. 8
12/02/1998 “Casa de Portugal
homenageia fadistas”
Homenageadas com medalha de honra da entidade as fadistas Terezinha Alves e Adélia Pedrosa
Raízes Lusíadas Ano 15 - nº 81 – Janeiro/ Fevereiro - 1999 , página 9
16/10/1998
Orfeon Acadêmico de Coimbra
Apresentou-se em São Paulo
Outorga ao diretor do Orfeon a Medalha Comendador Pereira Queiroz.
Revista Naus`s, número 85 / Novembro de 2002, p.7
22/10/2002 “Divulgadores são homenageados na Casa de Portugal”
Jantar e homenagens a: cantores e músicos, além de profissionais da imprensa.
Revista Naus`s, número 86/ Dezembro de 2002, p.13
10/11/2002
“Casa de Portugal homenageia jornalistas e
músicos”
Homenagens à fadistas , guitarristas, jornalistas e radialistas radicados na capital paulistana. Com jantar no Salão Nobre.
Revista Naus`s, número 97 / Novembro de 2003, p.8
16/10/2003 “Orlando Duarte é homenageado no
Almoço das Quintas”
O jornalista Orlando Duarte recebeu a comenda Ordem do Infante Dom Henrique na Casa de Portugal.
Revista Naus`s Ano 12, numero 137 /2007, p. 10
-
“Casa de Portugal Comemora
Aniversário em grande estilo”
Homenagens com a Medalha Pereira de Queiroz: a historiadora Sonia Maria de Freitas, o advogado Aristides Fiamoncini Filho e o Presidene da Provedoria da Comunidade Portuguesa do Estado de São Paulo.
Revista Naus`s, número 160/ 2009, p.19
11/12/2009 Ceia de Natal da
Casa de Portugal” Homenagem a Maria dos Anjos (Medalha Com. Pereira de Queiroz)
Revista Naus`s, número 169/ 2010, p.20
04/11/2010 “Homenagem da
Casa de Portugal”
O professor português Antonio Abreu Freire foi agraciado com a Medalha Comendador Pereira Queiroz
Fonte: Acervo das revistas Naus`s e Raízes Lusíadas, biblioteca da Casa de Portugal. Adaptado pelo autor.
313
APÊNDICE F – HOMENAGENS PRESTADAS A PERSONALIDADES POLÍTICAS
OU CONSULARES, EMPRESÁRIOS E OUTROS
FONTE DATA MANCHETE HOMENAGEADO (S)
Raízes Lusíadas Ano 13 - nº 69 – Janeiro/ Fevereiro – 1997, p. 23
No final do ano de 1996
Jantar de Homenagem ao Engenheiro José Lello
José Lello
Raízes Lusíadas Ano 14 - nº 72 – Julho/ Agosto - 1997
22/04/1997 Dia da Comunidade Luso
– Brasileira Homenageado o Dr. Marcelo Rebelo de Sousa
Raízes Lusíadas Ano 18 - nº 108- Junho – 2002, p.5
24 a 27 de abril
O Embaixador de Portugal no Almoço das Quintas-
Feiras
Foi homenageado num dos tradicionais almoço das quintas-feiras.
Raízes Lusíadas Ano 19 - nº 112 – Outubro – 2002, p.9
28 /08/2002
Governador Geraldo Alckmin Homenageado
pelo Conselho da Comunidade Luso –
Brasileira
Governador Geraldo Alckmin, agraciado com a Ordem de Mérito Infante D. Henrique,
Revista Naus`s, Numero 99. Janeiro de 2004, p.19
11/12/2003 “Ceia de Natal da Casa de
Portugal de São Paulo”
Antes da ceia houve homenagem ao Comendador Valentim dos Santos Diniz, foi feito um busto e colocado na entrada da Casa de Portugal
Raízes Lusíadas Ano 20- nº 127- Janeiro- 2004,p. 27
D. Floripes Agraciada com a Ordem de Mérito Infante
D. Henrique
Dona Floripes dos Santos Diniz, agraciada com a Ordem de Mérito do Infante D. Henrique
Revista Naus`s, número 151/ 2008, p.20
27/11/2008 “A despedida do
embaixador de Portugal em SP”
Ganhou a Ordem do Mérito Infante Dom Henrique (entregue por Julio Rodrigues).
Revista Naus`s, número 153 / 2009, p.8
- “Casa de Portugal
homenageia prefeito de Lisboa”
. Recebeu de Julio Rodrigues a homenagem “Medalha de Mérito Comendador Pereira Queiroz”
Fonte: Acervo das revistas Naus`s e Raízes Lusíadas, biblioteca da Casa de Portugal. Adaptado pelo autor.
314
APÊNDICE G – RELAÇÕES POLÍTICAS COM O PSDB
PUBLICAÇÃO DATA DO EVENTO
MANCHETE
Raízes Lusíadas Ano 13 - nº 69 – Janeiro/ Fevereiro – 1997, p. 23
Fim do ano de 1996
Jantar de Homenagem ao Engenheiro José Lello
Raízes Lusíadas Ano 16 - nº 87- Janeiro/ Fevereiro – 2000, p.7
01/10/1999 Casa de Portugal- 64 Anos Passados
Revista Naus. Nº83, Setembro 2000, p. 16
28/08/2000 Admiração e Identidade
Raízes Lusíadas Ano 18 - nº 108- Junho – 2002, p. 5
24 a 27/04/2002
O Embaixador de Portugal no Almoço das Quintas- Feiras
Raízes Lusíadas Ano 19 - nº 112 – Outubro – 2002, p.9
28 /08/2002 Governador Geraldo Alckmin Homenageado pelo Conselho da Comunidade Luso – Brasileira
Fonte: Acervo das revistas Naus`s e Raízes Lusíadas, biblioteca da Casa de Portugal. Adaptado pelo autor.
315
APÊNDICE H – EVENTOS REALIZADOS NAS DEPENDÊNCIAS DA
CASA DE PORTUGAL
EVENTO ANO DE OCORRÊNCIA E FREQUÊNCIA TOTAL
Eventos populares e folclóricos
1999 e 2000 GF* 2005 e 2008 GF de Portugal; 2007 e 2009 Vindima; 2009 Desfolhada do Milho
7
22 de Abril 1998 e 1999 2
10 de Junho 1999, 2002, 2005, 2007 (2) 5
Exposições de Artes 1995, 1999 (5), 2000 (2), 2003, 2004 (3), 2005 13
Homenagens e honrarias
1998, 2000, 2002 (2), 2003 (5), 2004 (2), 2005, 2006, 2007 (2), 2008, 2009 (3), 2010 (3)
22
Aniversário do Grupo Folclórico
2007 e 2010 2
Aniversário da Casa 1999, 2000,2001,2002,2003, 2005, 2006, 2007, 2009, 2010 10
Eventos políticos 2000, 2002, 2005, 2006 (2), 2008 e 2009(3) 9
Ceia de Natal 2000 a 2004, 2007 a 2010 9
Futebol 2006, 2008, 2010 3
Elaboração própria. *GF – Grupo Folclórico
316
APÊNDICE I – HISTÓRICO DOS PRESIDENTES E SUAS REALIZAÇÕES
NA CASA DE PORTUGAL
NOME PERÍODO REALIZAÇÕES
Com. Pedro Monteiro Pereira Queiroz
1941-1969
Estreitamento com Salazar conforme Silva (2003).
Com. Frederico Maria Cabral de Sampaio
1969-1973
Foi vice-presidente de Pedro Queiroz, a quem sempre auxiliou; benemérito da Casa.
Com. Affonso Alberto Salgado
1973-1977
Entre 74 e 75 ajudou portugueses refugiados da metrópole e alguns milhares de retornados portugueses e angolanos fugidos de Angola.
Com. Hermenegildo Lopes Antunes
1977-1985
Implanta um busto no Salão Nobre em homenagem a Pedro Monteiro P. Queiroz, grande incentivador dos eventos populares (Festa da Vindima, Festa da Cereja e Magusto).
Com. Antonio dos Ramos
1985-2007
Foi o responsável por diversas reformas e ampliações no espaço físico, além de transformar a programação social, voltada para eventos de cunho popular, para shows de grandes músicos portugueses contemporâneos.
Com. Júlio Rodrigues
2007-2013
Economista de trajetória bem sucedida, deu novo foco aos eventos populares.
Fonte: Verdasca (1993). Adaptado pelo autor.712
712
Com base nos estudos realizados nos documentos da pesquisa representados pelas atas de reuniões da diretoria da Casa de Portugal, identificou-se que o autor memorialista durante um breve período fez parte da direção da instituição. Nesse sentido, foi possível distinguir e destacar no conteúdo da referida obra o que poderia se constituir de certo exagero no intuito de hipervalorizar as ações de seus colegas do que realmente foi realizado e documentado nas atas.
317
APÊNDICE J – EVENTOS REALIZADOS EM RELAÇÃO
A MANDATOS PRESIDENCIAIS
EVENTO ANO DE OCORRÊNCIA TOTAL OCORRÊNCIA
EM A.R. OCORRÊNCIA
EM J.R.
Eventos populares e folclóricos
1999 e 2000 GF; 2005 e 2008 gf de Portugal; 2007 e 2009 Vindima; 2009 Desfolhada
7 3 4
22 de Abril 1998 e 1999 2 2 -
10 de Junho 1999, 2002, 2005, 2007 (2) 5 3 2
Exposições de Artes
1995, 1999 (5), 2000 (2), 2003, 2004 (3), 2005
13 13 -
Homenagens e honrarias
1998, 2000, 2002 (2), 2003 (5), 2004 (2), 2005, 2006, 2007 (2),
2008, 2009 (3), 2010 (3) 22 13 9
Aniversário do Grupo Folclórico
2007 e 2010 2 - 2
Aniversário da Casa
1999, 2000, 2001, 2002, 2003, 2005, 2006, 2007, 2009, 2010
10 7 3
Eventos políticos 2000, 2002, 2005, 2006 (2),
2008 e 2009(3) 9 5 4
Ceia de Natal 2000 a 2004; 2007 a 2010 9 5 4
Futebol 2006, 2008, 2010 3 - 3
Fonte: Revista Naus`s, biblioteca da Casa de Portugal. Organizado pelo autor.
318
APÊNDICE K – CARÁTER MUSICAL DAS APRESENTAÇÕES CULTURAIS NAS
CEIAS DE NATAL POR MANDATO PRESIDENCIAL
ANO APRESENTAÇÃO CULTURAL PRESIDENTE EM
EXERCÍCIO CARÁTER MUSICAL
2000 Carlos do Carmo com Ivan e Claudio Lins
A.R. Fadista e grande nome da
MPB
2001 Grupo musical português “Brigada Víctor Jara” composto por 9 músicos
A.R. Música folclórica
2002 Coral do Estado de São Paulo (maestro José Ferraz de Toledo Neto)
A.R. Música clássica e natalina
2003 Coro dos Antigos Orfeonistas da Universidade de Coimbra (40 componentes)
A.R. Música clássica e natalina
2004 Coral do Centro de Estudos Musicais Tom Jobim e Grupo Musical Garcia
A.R. Música clássica e natalina com grupo musical para
baile
2007 Banda Garcia J.R. Grupo musical para baile
2008 Roberto Leal J.R. Música popular
2009 Carlos do Carmo e Conjunto Garcia J.R. Fadista e grupo musical
para baile
2010 Roberto Leal e Conjunto Garcia J.R. Música popular e grupo
musical para baile
Fonte: Revista Naus`s, biblioteca da Casa de Portugal. Organizado pelo autor.
319
APÊNDICE L – CARÁTER MUSICAL DAS APRESENTAÇÕES CULTURAIS
NAS EDIÇÕES DE ANIVERSÁRIO DA CASA DE PORTUGAL
POR MANDATO PRESIDENCIAL
ANO APRESENTAÇÃO CULTURAL PRESIDENTE EM
EXERCÍCIO CARÁTER MUSICAL
1999 Brigada Víctor Jara A.R. Música folclórica
2000 Camané (fadista) A.R. Fado
2001 Ana Sofia Varela (fadista) A.R. Fado
2002 Rão Kyao (mescla de música portuguesa com oriental)
A.R. Fado contemporâneo
2003 Pedro Barroso (fadista) A.R. Fado
2005 Antonio Chainho, Rão Kyao e Isabel Noronha
A.R. Fado
2006 Vitorino A.R. Fado
2007 - J.R. -
2009 Banda Las Vegas, Vanusa e Aretha Marcos
J.R. Grupo musical para baile e música popular
2010 Fafá de Belém J.R. Fado e MPB
Fonte: Revista Naus‟s, biblioteca da Casa de Portugal. Organizado pelo autor.