imigrantes japoneses e mercado de trabalho … · ocupacional são analisadas através do uso de...
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Anais do XXI Encontro Estadual de História –ANPUH-SP - Campinas, setembro, 2012.
IMIGRANTES JAPONESES E MERCADO DE TRABALHO AGRÍCOLA EM SÃO
PAULO - 1908-1958
GUSTAVO TAKESHY TANIGUTI*
Este texto discute as formas de inserção dos imigrantes japoneses no mercado de
trabalho paulista em uma perspectiva histórica, circunscrevendo o fenômeno analisado
entre os anos de 1908 a 1958. O seu objetivo mais amplo é demonstrar como as
oportunidades sociais foram historicamente criadas para o caso desses imigrantes. Tais
oportunidades que podem ser expressas principalmente em mobilidade de status
ocupacional são analisadas através do uso de dados sobre o comportamento dessa
população no mercado de trabalho agrícola no período selecionado. Inicialmente
apresento uma revisão crítica dos trabalhos anteriores sobre esse tema na área das
ciências sociais, argumentando a favor da renovação do debate acadêmico a partir da
utilização de novos dados e do debate recente sobre imigração e mercados. Em seguida,
apresento novos dados que permitem criar um novo caminho de interpretação que, por
sua vez, demonstra as configurações dessas oportunidades para a população de
imigrantes japoneses no mercado de trabalho. O argumento central é que no período
analisado os imigrantes japoneses experimentaram formas de mobilidade de status
ocupacional caracterizadas por intensa mobilidade geográfica, pela mudança de
produção agrícola e pela organização produtiva em pequenas propriedades rurais
dedicadas à agricultura variada. A característica dessa mobilidade de status está
diretamente relacionada ao crescimento urbano da cidade de São Paulo e ao
desenvolvimento do cooperativismo agrícola.
Se, historicamente, no meio acadêmico o mercado de trabalho foi por muito
tempo um âmbito estudado mais pelos seus resultados do que pelos processos que ali
tinham lugar (Guimarães, 2009), atualmente é possível encontrar na literatura avanços
que têm contribuído para renovar o debate1, especialmente a partir do texto seminal de
* Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade de São Paulo (USP),
pesquisador do Laboratório de Estudos sobre Etnicidade, Racismo e Discriminação da USP (LEER). E-mail: [email protected] Agência financiadora: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) 1 Zelizer, Viviana A. “Beyond the Polemics on the Market: Establishing a Theoretical and Empirical Agenda”. Sociological Forum, Vol. 3, No. 4, 1988), pp. 614-634; Swedberg, R. “Markets as social structures”. In: Smelser e Swedberg, R. (eds). The handbook of economic sociology. Princeton: Princeton
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Granovetter (1985). Basicamente, autores têm sugerido uma abordagem sociológica dos
mercados que procura compreender a dinâmica de seus processos não apenas enquanto
premissas da ação econômica e da conduta racional dos agentes em condições ideais,
mas enquanto resultados concretos de interações sociais.
A isto se soma propostas de investigação acerca das experiências de imigrantes
em mercados locais de trabalho atentas para o fato de que, quando este último é
analisado somente em termos do momento da troca (ou seja, a conclusão da operação
entre oferta e demanda de trabalho), uma variedade de processos que o precedem e o
sucedem são deixados de lado. Questões sobre como imigrantes constroem
possibilidades de competir no mercado com grupos já estabelecidos, ou quais seriam as
estratégias e os arranjos institucionais formulados por eles para garantir melhores
posições na hierarquia ocupacional encontram possíveis respostas ao considerarmos que
as ações dos agentes no mercado são moldadas por estruturas de relações sociais
(Sassen, 1995). Considerando a experiência brasileira, como explicar então, os modos
de incorporação dos imigrantes japoneses em São Paulo no universo mercantil? Um
olhar retrospectivo sobre a literatura dedicada ao tema nos fornece um quadro mais
geral sobre as interpretações existentes.
Nessa literatura, é possível encontrar argumentos sobre como as oportunidades
sociais foram historicamente criadas para os imigrantes japoneses, principalmente no
estado de São Paulo, que sempre concentrou a maior parcela destes imigrantes. Em tais
argumentos, as mudanças de status ocupacional eram entendidas enquanto indicadores
de mobilidade social e caracterizavam o cenário que revestia a trajetória deste grupo
desde a sua chegada em solo nacional, ainda que nenhum desses estudos tivesse como
objetivo maior a realização de uma análise sobre estratificação social e mercados de
trabalho. A discussão estava centrada basicamente na tentativa de explicar a
“integração” desses imigrantes na sociedade brasileira. Para esses autores, a condição
inicial dos japoneses enquanto colonos trabalhadores agrícolas contratados para as
lavouras cafeeiras a partir da primeira metade do século XX assumiria uma posterior
mudança duas décadas mais tarde.
University Press, 1994, cap. 11, pp. 255- 82; Fligstein, N. “Markets as politics: a political cultural approach to market institutions”. American Sociological Review, vol. 61, pp. 656- 73, 1996; Smelser, N. e Swedberg, R. “The Sociological Perspective on the Economy”. In: N. Smelser e R. Swedberg (Ed.). The
Handbook of Economic Sociology. Princeton: Princeton University Press, 1994; Abramovay, R. “Entre Deus e o diabo: mercados e interação humana nas ciências sociais”. Tempo social, nov. 2004, v. 16, n. 2, pp. 35-64;
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Neste ponto, o argumento sobre a singular mobilidade social dos imigrantes
japoneses foi unânime na literatura da época. O que diferencia os autores diz respeito
aos fatores que explicariam tais mudanças e às configurações de tais mudanças na
estrutura ocupacional para a população de imigrantes japoneses através da utilização de
dados empíricos, bem como demonstrações de como as oportunidades sociais se
distribuíram no mercado de trabalho.
Com relação à primeira diferenciação, dado que a mobilidade social dos
japoneses era uma realidade a ser analisada, era então necessário explicar os motivos
pelos quais ela teria ocorrido. Neste ponto é possível identificar o local das
interpretações sociológicas e antropológicas fundamentadas em orientações teóricas e
metodológicas de cada autor. Os argumentos dominantes foram aqueles que
enfatizavam os aspectos culturais na construção de estratégias econômicas em um setor
específico: o do mercado de produtos agrícolas. Com relação à segunda diferenciação,
as fontes de dados utilizadas para sustentar pesquisas a respeito da população japonesa
eram distintas entre os autores e muitas delas não ofereciam riqueza necessária para
uma análise de alcance maior.
A carência de dados estatísticos relativos a esta população impediu, num
primeiro momento, até a primeira metade da década de 1960, a realização de análises
mais consistentes sobre a presença dos japoneses no mercado de trabalho brasileiro.
Posteriormente, após a realização de um primeiro survey de abrangência nacional sobre
esta população, em 1958, alguns autores iniciaram discussões de caráter mais amplo.
Considerando estas distinções acima apontadas na forma de uma breve
caracterização da literatura, é possível para fins didáticos apresentar aquilo o que
denomino três principais “linhas de argumentação”2 sobre a mobilidade social da
população japonesa em São Paulo: mobilidade possibilitada pela mudança no “mundo
mental” dos imigrantes e pela dispersão geográfica (Saito, 1961,1980; Saito &
2 A escolha desses autores para a realização de uma análise mais detida obedece a critérios certamente
particulares, mas que procuram considerar a centralidade das obras neste debate específico. A classificação acima em torno dessas linhas de argumentação não esgota o conteúdo das obras dos autores mencionados, de forma que é possível encontrar em muitos casos a conjunção delas no decorrer de seus escritos. Além disso, é necessário considerar que este conjunto de obras representa somente uma parcela das pesquisas nacionais e internacionais dedicadas à imigração japonesa no Brasil e são, dentro de um universo, aquelas que discutiram especificamente questões relativas a mercados de trabalho e mobilidade social. Cabe também ressaltar que a produção das ciências sociais brasileiras sobre a imigração japonesa é heterogênea e seus interlocutores devem ser localizados enquanto personagens de suas respectivas épocas. Neste sentido, não podemos perder de vista que as interpretações dos autores se localizam no tempo e na conjuntura de sua produção, de forma que a legitimidade do argumento científico é objeto de disputas no campo acadêmico, travadas em um complexo cenário de convergências e divergências entre os pensadores da realidade social.
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Maeyama, 1973); oportunidades criadas por meio da regulação governamental no setor
agrícola, especialmente no que diz respeito à aquisição de pequenas propriedades
(Nogueira, 1973, 1973b); estratégias criadas a partir de empreendimentos institucionais
fundamentados em bases culturais transplantadas do país de origem, a exemplo das
cooperativas agrícolas (Saito, 1964), e do papel da cultura associativa “étnica” japonesa
no processo de “integração” deste grupo à sociedade brasileira (Cardoso, 1972; Vieira,
1973);
Para bem introduzir as obras dos autores identificados nas linhas de
argumentação aqui formuladas, é possível inicialmente apresentar uma breve descrição
delas:
No caso da análise de Saito (1961) dedicada à mobilidade de status ocupacional
dos imigrantes japoneses, o autor teve como referência teórica a obra de Bendix e Lipset
(1953) e utilizou dados coletados num conjunto de pesquisas realizadas na década de
1950, assim como fez uso de dados oficiais do governo japonês. Aqui a variável
temporal, a mudança no “mundo mental” e a mobilidade geográfica são centrais para a
compreensão da trajetória desses imigrantes no mercado, de forma que o autor classifica
três períodos da imigração japonesa, diferentes entre si principalmente devido à
regulamentação e participação governamental na permissão de entrada de estrangeiros,
aos subsídios concedidos para a importação de mão-de-obra e às mudanças de ocupação
decorrentes da mobilidade geográfica. Apesar de considerar a variável temporal em sua
análise, o autor possui dificuldades em oferecer um panorama mais amplo sobre a
situação dos japoneses devido à falta de dados mais completos sobre esta população. O
objetivo principal da obra de Saito pode ser resumido na idéia, até então inédita, de
analisar o “processo integrativo” desses imigrantes na estrutura sócio-econômica do país
receptor, dando um passo além dos estudos anteriores marcados pela discussão sobre
processos de aculturação e assimilação de populações estrangeiras no Brasil.
O trabalho de Cardoso (1972) é o único em que podemos encontrar utilização
direta dos dados mais detalhados sobre a população japonesa no Brasil para a análise de
mobilidade ocupacional, extraídos do survey “The Japanese Immigrant in Brazil”.
Entretanto, é possível observar que a autora não considera a variável temporal, ou seja,
a relação entre os diferentes períodos de chegada dos imigrantes e outras variáveis como
a mudança de ocupação, as subclasses de ocupações do setor agrícola, as ocupações
não-agrícolas, as localidades geográficas e a natureza dos produtos agrícolas
produzidos. O objetivo principal de sua obra é explicar a “integração” dos japoneses na
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sociedade brasileira através de sua mobilidade no contexto de urbanização da época,
considerando a reconstrução parcial de certos aspectos da cultura do país de origem. Isto
teria sido possível devido à “cultura étnica” deste grupo.
Já no caso de Nogueira (1972), o objetivo central da autora não diz respeito
propriamente à discussão sobre mobilidade ocupacional, mas sim à analise de
documentos, depoimentos e vários outros registros referentes à contratação de mão-de-
obra japonesa entre 1908 e1922 nas lavouras cafeeiras paulistas. A investigação detida
sobre este período permitiu à autora discutir as políticas do governo paulista visando a
contratação de imigrantes japoneses, e também revelar, como havia sugerido
anteriormente Saito, a mobilidade geográfica dos imigrantes quando da passagem de sua
condição de colonos a pequenos proprietários de terras, mas com maior riqueza de
detalhes. Ainda que o objetivo da autora não seja o da análise da mobilidade
ocupacional, existe aqui uma carência de dados empíricos que sustentem o movimento
posterior ao período inicial da implantação da mão-de-obra japonesa nas lavouras de
café, ou a “busca consciente ou inconsciente de melhores condições de vida em outro
tipo de lavoura ou nas cidades” (p.231). Podemos ainda considerar enquanto textos
importantes para este debate o livro de Vieira (1973) sobre o caso dos japoneses em
Marília, e um conjunto de artigos voltados para a discussão de dados gerais do survey
“The Japanese Immigrant in Brazil”, a exemplo dos textos de Suzuki (1965, 1995), e
Sims (1975).
Em especial os estudos dedicados à experiência econômica dos japoneses em
São Paulo, produzidos nas décadas de 1960 e 1970, buscaram encontrar explicações
sobre o processo de mobilidade social deste grupo, mas de forma que isto se traduziu,
como vimos, na noção de “integração” à sociedade brasileira, ou seja, em termos de
contato entre grupos portadores de culturas distintas. Em partes, isto pode ser
considerado enquanto desdobramento de um tipo de produção acadêmica marcado por
posições políticas bem definidas, desenvolvido enquanto resposta a um intenso debate
sobre a inassimilabilidade dos japoneses que se iniciou na década de 1920 e fora
agravado no período da Segunda Guerra (Lesser, 2000). Os estudos de comunidade
sobre imigrantes no Brasil realizados no contexto da institucionalização das ciências
sociais em São Paulo, especialmente sobre os alemães e os japoneses, revelam
empreendimentos de autores como Donald Pierson, Emilio Willems, Herbert Baldus,
Egon Schaden e Hiroshi Saito em demonstrar que o relativo sucesso econômico desses
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grupos fornecia subsídios para provar a sua condição de assimilação, algo desacreditado
por muitos grupos sociais (Taniguti; Jesus, 2012).
A cultura foi então um âmbito estratégico a ser analisado, pois ali seria possível
encontrar exemplos de construção de uma “etnicidade” para propósitos políticos e
econômicos, considerando-se os fatores que tornam a sua manipulação uma questão
decisória estratégica. O exemplo mais ilustrativo disto seria o cooperativismo agrícola
(Saito,1954;1955a;1955b;1955c;1955d;1964). Este tipo de inflexão considerava as
restrições históricas, culturais e sócio-estruturais enfrentadas pelo grupo e as formas
encontradas pelos imigrantes para contorná-las.
Tanto Saito quanto Cardoso em suas teses de doutorado conferiram importância
central aos fatores não-econômicos e institucionais especialmente a solidariedade
grupal entre os japoneses como centrais para a explicação de seu processo de
mobilidade social e dos modos de incorporação econômica, antecipando de alguma
forma o que Granovetter (1995) sugeriu décadas mais tarde, ao propor uma sociologia
econômica dos empreendimentos de imigrantes. No texto deste autor, um tanto
desconhecido pelos estudiosos dos estudos migratórios, um dentre os vários exemplos
históricos que ilustram a inserção econômica de imigrantes na sociedade de destino
através de um nicho de mercado é justamente o caso dos japoneses na Califórnia, que se
concentraram no setor agrícola principalmente no período entre as duas Guerras
Mundiais.
Na obra de Saito, mercado e cultura se relacionam intimamente, mas estes são
concebidos a partir de esferas distintas da vida social. Já Cardoso considera a cultura um
âmbito da vida social que se sobrepõe aos demais. Em comum às duas interpretações é a
idéia de que mecanismos não-mercantis possuem centralidade, especialmente no caso
do cooperativismo agrícola, uma forma coletiva de coordenação de atividades
econômicas formatadas fortemente por estruturas de relações em que normas,
obrigações, “crença na afinidade de origem”3 e solidariedade possuem importância
fundamental. Como sugere Granovetter, a possibilidade de obter lucro não é condição
3 Weber a define da seguinte forma: “A crença na afinidade de origem – seja esta objetivamente fundada
ou não – pode ter conseqüências importantes particularmente para a formação de comunidades políticas.
Como não se trata de clãs, chamaremos grupos “étnicos” aqueles grupos humanos que, em virtude de
semelhanças no habitus externo ou nos costumes, ou em ambos, ou em virtude de lembranças de
colonização e migração, nutrem uma crença subjetiva na procedência comum, de tal modo que esta se
torna importante para a propagação de relações comunitárias, sendo indiferente se existe ou não uma
comunidade de sangue efetiva” (Weber, 2009, p. 270).
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suficiente para explicar a emergência das firmas, sendo necessário compreender a
estrutura social em que indivíduos e grupos se organizam (op. cit, p.131).
As recentes contribuições da sociologia econômica se assemelham, assim, às
análises iniciadas por Saito e Cardoso na tentativa de compreender a inserção de
imigrantes japoneses, de forma que as análises fundamentadas somente na gerência
mercantil parecem ser insuficientes para explicar o funcionamento o seu funcionamento
e a prática das atividades econômicas, sendo necessário introduzir as diversas formas de
comportamento social para sustentar a articulação entre atores e mercado. Considerar
que a ação econômica é influenciada pelas relações pessoais (e assim como o contrário
também é válido), evita esta separação entre dois universos opostos e conflitantes
(mercado e sociedade) já que, neste sentido, a racionalidade econômica não é concebida
enquanto autônoma da vida social, algo que Weber denominou “condicionamento
recíproco” entre a economia e as estruturas sociais4. A análise de autores como
Granovetter se volta então para as relações sociais e sua importância na construção de
estratégias orientadas para a institucionalização das relações entre membros de um
determinado grupo.
O que sugiro, portanto, é revisitar a literatura dedicada ao estudo da mobilidade
de japoneses em São Paulo sugerindo novas contribuições a partir dos recentes debates
acerca da construção social dos mercados. A revisão da literatura também será
complementada por dados contidos no survey “The Japanese Immigrant in Brazil”
(1964; 1969). Apesar de possuir possíveis problemas de consistência, relacionados à sua
execução e apresentação dos dados, este pode ainda ser considerado a mais completa
fonte de dados sobre a população de imigrantes japoneses no Brasil até o ano de 1962,
quando foi realizada a última coleta de informações. Organizado por Teiiti Suzuki5, o
4 “A afirmação de que existe uma conexão “funcional” entre e a economia e as estruturas sociais
constitui também um preconceito muitas vezes carente de fundamentos históricos, se tomarmos essa
conexão como um condicionamento recíproco e unívoco. Pois as formas estruturais da ação de
comunidade, como veremos, repetidamente, têm sua “legalidade intrínseca” e, mesmo prescindindo-se
desse fato, em cada caso concreto podem estar co-determinadas, em sua formação, por outras causas
extra-econômicas. Em algum ponto, no entanto, a situação da economia costuma ter importância causal
e freqüentemente decisiva para a estrutura de todas as comunidades, pelo menos para as da
“culturalmente significativas”. Por outro lado, a economia costuma também ser influenciada, de algum
modo, pela estrutura, condicionada pela legalidade intrínseca da ação social dentro da qual se realiza.
Nada de importante há para se dizer, em geral, sobre quando e como isso ocorre. Mas pode-se
estabelecer regras gerais sobre o grau de afinidade eletiva de determinadas formas estruturais concretas
da ação social com formas concretas da economia, isto é, sobre a freqüência e intensidade com que estas
se favorecem reciprocamente ou, ao contrário, se inibem, ou se excluem, sendo “adequadas ou
“inadequadas” uma em relação à outra”. (Weber, 2009, p.231). 5 Teiiti Suzuki (1911-1996) nasceu em Nishinomiya, próximo a Kobe. Chegou pela primeira vez ao
Brasil em 1927, aos 16 anos. Filho de uma família de comerciantes, foi aluno da primeira turma do curso
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survey foi um empreendimento idealizado em virtude da comemoração do
cinquentenário da imigração japonesa no Brasil.
Com exceção de Cardoso e de outros poucos autores, são escassos os estudos
que fizeram uso destes dados. A revisão da literatura revela, portanto, que as
informações produzidas pelo survey foram pouco utilizadas por pesquisadores que se
dedicaram ao estudo da imigração japonesa, tanto no Brasil quanto fora dele, ou seja, a
sua repercussão no meio acadêmico foi restrita.
Também procurarei apresentar dados que reforçam o argumento da importância
do cooperativismo agrícola de japoneses para compreender a sua inserção no universo
mercantil, de forma que este grupo, durante um período considerável, se concentrou no
setor agrícola de forma representativa.
REVISITANDO A LITERATURA A PARTIR DE NOVOS DADOS
A revisão da literatura no tópico anterior buscou trazer pontos específicos para
discussão. Espera-se que os argumentos de Saito e de Cardoso, bem como algumas das
possíveis formas de complementá-los tenham sido demonstrados de forma sintética.
Como foi apontado, especialmente a carência de dados mais abrangentes é uma das
principais limitações da obra de Saito e, no caso de Cardoso, a ausência da variável
temporal e de dados relativos ao cooperativismo impedem explorar de forma mais
consistente experiências deste tipo no processo de inserção dos japoneses em atividades
de filosofia (1934) e também aluno da segunda turma do curso de Ciências Sociais e Políticas (1935) da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo. Também se formou em Direito pela mesma universidade. No período de estudante universitário, Suzuki foi aluno dos professores Claude Lévi-Strauss, Pierre Monbeig, Affonso de Taunay e Paul Arbusse-Bastide, e colega de estudantes que mais tarde se tornaram intelectuais ilustres, como Caio Prado Jr, Mario Schenberg, João Cruz Costa, Egon Schaden, Gioconda Mussolini e Lucila Hermann. Suzuki foi um dos idealizadores e coordenador do survey “The japanese Immigrant in Brazil”, um dos fundadores do curso de língua e literatura japonesa da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas e também da Casa de Cultura Japonesa da Universidade de São Paulo. Durante grande parte de sua vida trabalhou como advogado na Tozan, uma das primeiras empresas japonesas que iniciaram suas atividades no Brasil. Após o término da II Guerra, Suzuki adotara uma posição política assumidamente derrotista, ou seja, que aceitava a derrota japonesa no conflito. A exemplo disto, em 1947 ajudou a criar uma comissão para desbloquear os bens dos imigrantes, além de traduzir os acordos diplomáticos entre o embaixador japonês no Brasil e Getúlio Vargas. Também foi um dos fundadores do Doyokai, grupo formado em 1946 em São Paulo e dedicado à discussão de questões relacionadas aos imigrantes e à população nipo-brasileira no contexto do pós-guerra. Entre seus membros, podemos citar: Tomoo Handa, Zenpati Ando, Senichi Hachiya, Hiroshi Saito, Katsunori Wakisaka, Susumu Miyao, entre outros. Posteriormente, o Doyokai deu origem ao atual Centro de Estudos Nipo-Brasileiros. Fontes: Entrevista com Katsunori Wakisaka (dezembro de 2011), Anuário 1934-1935 FFCL/FFLCH
USP, 2009 [1937], pp. 337-345.
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econômicas. Vejamos quais as possíveis contribuições que podem ser feitas a partir da
utilização de novos dados.
Com relação à mobilidade geográfica dos japoneses no estado de São Paulo,
vimos que Saito a considera um dos principais fatores para explicação da mobilidade
social deste grupo. Segundo o autor, entre 1915 e 1930 no caso dos colonos, que
constituíram a maioria da corrente migratória até 1941, é possível observar a formação
de núcleos de pequenos proprietários rurais, especialmente nas cercanias da cidade de
São Paulo, nas zonas Sorocabana, Paulista, Araraquara e Noroeste. Aqui o autor
observa a mudança da condição de trabalhador assalariado (colono) para formadores,
sendo que a diversificação da produção passava a ocorrer, passando do café para arroz e
algodão. É também neste período também que são criadas as primeiras cooperativas
agrícolas de japoneses.
Inicialmente, vejamos dados que apresentam numericamente a entrada de
japoneses no Brasil e sua distribuição pelos principais estados onde esta população se
concentrou. Cabe ressaltar que no survey, diferente do censo do IBGE, a população
japonesa se refere a indivíduos de nacionalidade japonesa e seus descendentes. Com
relação à origem, entre os anos de 1908 e 1962, 10,2% eram da província Kumamoto,
8,5% de Fukuoka e 8,3% de Okinawa.
TABELA 1 – Imigrantes japoneses que entraram no Brasil, por período
N %
Total de imigrantes 234636 100
1908-1923 31414 13,4
1924-1941 157572 67,1
1952-1963 45650 19,5
Fonte: The Japanese Immigrant in Brazil, v.2, 1969, p.16
TABELA 2 – Distribuição da população japonesa por estado
N %
Total 430135 100
São Paulo 325520 75,68
Paraná 78097 18,16
Mato Grosso 8886 2,06
Goiás 1793 0,42
Minas Gerais 2878 0,67
Rio de Janeiro - Guanabara 5803 1,35
Região Amazônica 5488 1,27
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Nordeste 202 0,05
Bahia e Espírito santo 308 0,07
Região Sul 994 0,23
Não relatado 166 0,04
Fonte: The Japanese Immigrant in Brazil, v.2, 1969, p.33
A tabela 3 a seguir apresenta a distribuição regional da população japonesa
entre 1908 e 1932 nos estados de São Paulo e Paraná. A partir de 1913 na Zona velha do
café passa a ocorrer um processo de desconcentração irreversível e, em tendência
contrária, principalmente as zonas Noroeste e Sorocabana passam a concentrar números
cada vez maiores de japoneses. O mapa 1 ilustra esse movimento de deslocamento,
tendo como referência as famílias. A região Noroeste, correspondente aos municípios de
Bauru e Araçatuba, merece destaque no que diz respeito à concentração de imigrantes.
Ela concentrava em média 6,3% dos japoneses entre 1908 e 1912 e, em 1927, esse
número chegou a 29,1% do total.
TABELA 3 - Distribuição percentual da população por região e período, para imigrantes do pré-Guerra chefes de família, com 15 anos ou mais de idade no
momento de chegada – 1908 a 1932
1908-12 1913-17 1918-22 1923-27 1928-32
N* 125 1081 2599 4390 10396
São Paulo 82,6 89,6 87,3 89,5 91
Município de São Paulo 21,1 10,6 5,4 6,2 5,4
Periferia de São Paulo 3,4 1,3 2,3 3,5 2,8
Litoral 11,6 6 13,5 12,1 8,6
Vale do Paraíba - 0,2 0,3 0,4 0,3
Vale da Mantiqueira 0,5 1,1 0,2 0,3 0,2
Pirassunga - Piracicaba 1,4 2,5 1,8 0,5 0,3
Zona velha do café 34,5 50,9 28,9 20,2 16,1
Barretos 0,6 2,6 2 1,2 1,3
Araraquara 1 4,1 7,6 7 3,4
Noroeste 6,3 8,5 20,5 29,1 35,3
Alta Paulista 0,3 0,4 0,8 2 7,5
Sorocabana 1,3 1,3 2,9 6,9 7,6
Sudeste de São Paulo 0,6 0,1 0,1 0,2 0,2
Paraná 0,2 1,1 2,7 3,3 2,8
Norte velho do Paraná 0,2 1 2,4 2,9 2,4
Norte novo do Paraná - - 0 0 0
Sul do Paraná - 0,1 0,3 0,4 0,4
Fonte: Elaboração a partir de The Japanese Immigrant in Brazil, 1969, v.2, p.200, tabela 210 * Média da população total em cada período
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MAPA 1 – Principais rotas de migração inter-regional para imigrantes do pré-Guerra, chefes de família, com 15 anos de idade ou mais no período de chegada – 1908 a 1927
Fonte: Elaboração a partir de The Japanese Immigrant in Brazil, 1969, v.2, p.208
No que diz respeito às mudanças na produção agrícola por tipo de produto, a
tabela 4 a seguir mostra que a cultura do algodão tem um aumento expressivo a partir de
1917, de forma que se iguala às mudanças para cultura do café entre 1922 e 1927. Em
termos regionais, a produção do algodão tem destaque em 1917 no Vale do Paraíba,
representando 25% do total das mudanças. Em 1922 a mudanças para este tipo de
cultura se destaca na região Sorocabana, representando 42,4% do total da região
(Suzuki, 1969, p.230). O mapa 2 apresenta os principais produtos cultivados por região,
bem como é possível visualizar a mudança.
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Tabela 4 – Mudanças de produto agrícola por períodos de 5 anos para imigrantes chefes de família – 1912 - 1932
1912-17 1917-22 1922-27 1927-32
N* 48 351 539 961
Mudança para
Café 4,2 12,3 32,1 20
Algodão 25 29,6 32,1 30,9
Arroz 31,2 25,4 6,5 10,1
Amendoim . . 0,2 0,3
Babana . 0,3 1,8 2,1
Policultura 10,4 9,7 3,7 5,9
Agricultura Suburbana 22,9 16,2 19 24,3
Policultura Mista . 1,1 1,1 1,7
Cultura poligonal . 0,3 0,4 1,6
Outros 6,3 5,1 3,1 3,1
Fonte: The Japanese Immigrant in Brazil, 1969, v.2, p.228, tabela 237 * Apenas aqueles que mudaram a sua produção
MAPA 2 – Tendências regionais de mudança de produto agrícola para imigrantes do pré-Guerra, chefes de família – 1912 a 1927
Fonte: Elaboração a partir de The Japanese Immigrant in Brazil, 1969, v.2, p.230
13
Anais do XXI Encontro Estadual de História –ANPUH-SP - Campinas, setembro, 2012.
Saito afirma que “foi no ano de 1919 que apareceram os primeiros casos de
contratistas (formadores de café). Essa forma de trabalho, como estágio intermediário
para passar de colono a proprietário, veio a completar, dentro da organização rural
paulista, o caminho da ascensão social dos imigrados” (Saito, 1961,p.135). A tabela 5 a
seguir, apesar de se referir a uma amostra relativamente pequena frente ao número de
recenseados, corrobora tal afirmação, de forma que o número de arrendatários e de
locatários cresce expressivamente a partir de 1917, e o número de colonos em 1922
reduz 37% em relação ao ano de 1912.
Tabela 5 – Ocupação agrícola para imigrantes pré-Guerra chefes de família desde a chegada, por período – 1912 a 1927
N Proprietários Locatários Arrendatários Colonos
1912 161 5,1 1,9 5,1 87,9
1917 1113 16,1 8,7 9,2 66
1922 2206 28,8 25,2 13,3 32,6
1927 4430 26,8 19,7 12,6 40,9
Fonte: The Japanese Immigrant in Brazil, 1969, v.2, p.241, tabela 255
Essa mudança foi mais expressiva na região Noroeste. Segundo Saito, esta zona
foi a primeira na história da colonização paulista em que se processou em grande escala
o sistema de loteamento de terras. Além disso, a construção da ferrovia em 1906
facilitou a ida de imigrantes. A tabela 6 a seguir demonstra o status da ocupação
agrícola para os chefes de família na região Noroeste. Nela é possível observar que a
partir de 1917 o número de proprietários em relação ao total dá um salto da ordem de 7
vezes e o número de colonos reduz quase pela metade.
Tabela 6 – Ocupação agrícola em períodos de 5 anos para imigrantes do pré-Guerra chefes de família - região Noroeste – 1912-1927
N Proprietários Locatários Arrendatários Colonos
1912 14 7,1 - 7,1 85,8
1917 179 42,4 3,3 9,5 44,7
1922 544 45 5,5 18 31,4
1927 1527 35,4 4,8 18,1 41,6
Fonte: The Japanese Immigrant in Brazil, 1964, v.1, p.716, tabulação própria
14
Anais do XXI Encontro Estadual de História –ANPUH-SP - Campinas, setembro, 2012.
É também no período entre 1917 e 1922 que podemos observar o crescimento de
outros tipos de cultivo entre a população japonesa, principalmente o algodão e o arroz,
de forma que isto acompanhou também mudanças de ocupação, de colono para
arrendatário de terras ou locatário, como mostra a tabela 7 a seguir.
Tabela 7 – Principais produtos por ocupação agrícola para imigrantes pré-Guerra chefes de família desde a chegada - 1912-1927
Café
Algodão
Arroz
Agricultura suburbana
N Proprietário Arrendatário Colono
Proprietário Locatário
Locatário
Proprietário Locatário Outros
1912 161 1,9 5 85,1
.
0,6
7,4
1917 1113 7,7 6,7 62,4
1,9 1,8
3,7
0,9 2,4 12,5
1922 2206 14,8 9,6 27,7
2,9 7,7
9,6
2,3 6 19,4
1927 4430 16,8 10,2 35,2
2,3 6,8
5,3
2,4 5,8 15,1
Fonte: The Japanese Immigrant in Brazil, 1964, v.2, p.241, tabela 256
No ano de 1919 no Triângulo Mineiro, foi criada a primeira cooperativa agrícola
japonesa, embora ela teve existência efêmera (Saito, Idem, p.133). Ainda assim, outra
experiência de cooperativa surgiu em Cotia em 1927, a partir da organização de três
grupos de imigrantes japoneses que formaram então um núcleo de pequenas
propriedades de cultivo de produtos variados. A Cooperativa Agrícola de Cotia (CAC),
como assim passou a ser denominada a partir de 1932, foi o maior e mais representativo
empreendimento deste tipo no Brasil. Para Seabra (1977) e Saito (1964), seu
crescimento só teria sido possível porque ela contava com uma estrutura organizacional
que garantia o controle sobre a produção e a própria reprodução dos trabalhadores.
Basicamente, a CAC contava com associações recreativas, escola primária, aquisição
coletiva de adubos, controle da entrada e saída de mão-de-obra, transporte, limitação
das épocas de plantio, associações de moços e pais de alunos. Este tipo de associação
foi objeto de estudo do mestrado de Ruth Cardoso no ano de 1959.
Entre 1930 e 1941 cerca de cem mil japoneses chegaram ao Brasil, mesmo que a
partir de 1938 a entrada de imigrantes desta origem tenha sido restringida por Decretos-
lei durante os primeiros anos do Estado Novo de Getúlio Vargas. Segundo Saito, a
diferença desta corrente migratória é que os imigrantes recém-chegados tiveram
destinos bastante diferentes dos períodos anteriores, por razões de restrição do plantio
de café. Devido a isso, muitos passaram a se deslocar para o Norte do Paraná, para a
Alta Paulista, Sorocabana e cercanias da cidade de São Paulo, como demonstra a tabela
15
Anais do XXI Encontro Estadual de História –ANPUH-SP - Campinas, setembro, 2012.
8 a seguir. Segundo dados do survey, entre 1928 e 1932, a maioria dos imigrantes que
realizaram migração inter-regional saiu da Zona Noroeste (40,1%) e a zona que recebeu
mais imigrantes vindos de outras áreas foi a Alta Paulista (23,2%). Já entre 1933 e 1937
a zona que mais emigrou japoneses regionalmente foi a Noroeste (31,3%), e a que mais
recebeu esse grupo foi a Alta Paulista (29,5%). Esta tendência se repete no cinco anos
seguintes, entre 1938 a 1942, respectivamente com 26,9% e 20%. O mapa 3 a seguir
ilustra esse movimento de deslocamento, tendo como referência as famílias.
Tabela 8 - Distribuição percentual da população por região e período, para imigrantes do pré-Guerra chefes de família, com 15 anos ou mais de idade no
momento de chegada – 1928-1942
1928-32 1933-37 1938-42
N* 10396 19899 24662
São Paulo
91 91,1 89,3
Município de São Paulo
5,4 5,7 7,7
Periferia de São Paulo
2,8 5,3 6,3
Litoral
8,6 6,3 5,1
Vale do Paraíba
0,3 0,6 0,8
Vale da Mantiqueira
0,2 0,1 0,2
Pirassunga - Piracicaba
0,3 0,3 0,4
Zona velha do café
16,1 13,1 8,2
Barretos
1,3 2,2 2,6
Araraquara
3,4 2,3 2,2
Noroeste
35,3 30,3 24,7
Alta Paulista
7,5 15,2 19
Sorocabana
7,6 9,2 11,1
Sudeste de São Paulo
0,2 0,5 1
Paraná
2,8 4,1 6,3
Norte velho do Paraná
2,4 3,6 5,4
Norte novo do Paraná
0 0,1 0,6
Sul do Paraná
0,4 0,4 0,3
Fonte: The Japanese Immigrant in Brazil, 1969, p.200, tabela 210 * Média da população total em cada período
16
Anais do XXI Encontro Estadual de História –ANPUH-SP - Campinas, setembro, 2012.
MAPA 3 – Principais rotas de migração inter-regional para imigrantes do pré-Guerra, chefes de família, com 15 anos de idade ou mais no período de chegada –
1928 a 1942
Fonte: Elaboração a partir de The Japanese Immigrant in Brazil, 1969, v.2, p.230
As mudanças na produção agrícola por tipo de produto demonstram que o
algodão passou a ser o principal produto cultivado pelos japoneses, seguido da
agricultura suburbana. Se os imigrantes chegavam em grande número ao estado de São
Paulo neste período, as suas atividades econômicas não eram mais aquelas realizadas
pela corrente migratória anterior, pois o que se observa é uma mudança na concentração
dos imigrantes e a diversificação da produção. Neste período a produção do algodão
ganha destaque, ultrapassando a do café, como demonstra a tabela 9 abaixo. Segundo
Seabra, entre 1932 e 1933 os japoneses eram responsáveis por 46,4% da produção de
algodão e por 14% da produção de batatas em relação ao total do estado de São Paulo
(Seabra, 1977, p.54). O mapa 4 permite visualizar esta nova configuração da ocupação
de terras e a produção dos japoneses.
17
Anais do XXI Encontro Estadual de História –ANPUH-SP - Campinas, setembro, 2012.
Tabela 9 – Mudanças de produto agrícola por períodos de 5 anos para imigrantes chefes de família – 1927-1942
1927-32 1932-37 1937-42
N* 961 3282 3360
Mudança para
Café 20 3,7 11,9
Algodão 30,9 58,4 32,5
Arroz 10,1 5,8 4,3
Amendoim 0,3 0,2 0,6
Babana 2,1 2 1,9
Policultura 5,9 9,1 9,4
Agricultura Suburbana 24,3 15,2 28,8
Policultura variada 1,7 1,8 2,5
Cultura poligonal 1,6 0,5 1
Outros 3,1 3,3 7,1
Fonte: The Japanese Immigrant in Brazil, 1969, v.2, p.228, tabela 237 * Apenas aqueles que mudaram a sua produção
MAPA 4 – Tendências regionais de mudança de produto agrícola para imigrantes do pré-Guerra, chefes de família – 1932 a 1942
Fonte: Elaboração a partir de The Japanese Immigrant in Brazil, 1969, v.2, p.230
18
Anais do XXI Encontro Estadual de História –ANPUH-SP - Campinas, setembro, 2012.
No período em questão houve a mudança definitiva da ocupação agrícola de
colono principalmente para proprietário de terras e locatários. Se em 1932 os japoneses
chefes de família em sua maioria eram colonos (37,1%), em 1942 esses eram apenas
9,7%, sendo que os proprietários de terras eram praticamente 45% do total, conforme
mostra a tabela 10 a seguir.
Tabela 10 – Ocupação agrícola para imigrantes do pré-Guerra, chefes de família desde a chegada, por período – 1932-1942
N Proprietários Locatários Arrendatários Colonos
1932 9574 27,7 19,9 15,3 37,1
1937 14929 35,5 33,1 11,9 19,5
1942 14943 44,9 35,8 9,6 9,7
Fonte: The Japanese Immigrant in Brazil, 1969, v.2, p.241, tabela 255
Entre 1932 e 1942 a zona Noroeste ainda concentrou a maior parte dos
japoneses, sendo que, proporcionalmente, a média da concentração na zona da Alta
Paulista dobrou entre 1928 e 1937. O norte do Paraná também recebeu um contingente
considerável, mas em números inferiores às das zonas Sorocabana, município e periferia
de São Paulo. Desta forma, estes dados divergem da afirmação de Saito, que assim
escreveu: “do período de 1930 até a II Guerra Mundial, a lavoura cafeeira do Norte do
Paraná absorveu importantes parcelas de imigrados japonêses que foram
encaminhados para a zona velha do Estado de São Paulo” (Saito, 1961, p. 139). O
cultivo do algodão, como já foi dito, foi a principal atividade no processo de mudança
da ocupação agrícola observada no período, e a agricultura suburbana, voltada para o
cultivo de produtos variados em pequenas propriedades, também cresceu
consideravelmente, como é possível observar na tabela 11 abaixo.
Tabela 11 – Principais produtos por ocupação agrícola para imigrantes pré-Guerra chefes de família desde a chegada - 1932-1942
Café
Algodão
Arroz
Agricultura suburbana
N Proprietário Arrendatário Colono
Proprietário Locatário
Locatário
Proprietário Locatário Outros
1932 9574 14,4 12,6 35,2
4,5 7,4
3,8
3,4 6,5 15,2
1937 14929 12,5 4,6 14,8
11,4 20,3
2,8
4,2 6,9 22,5
1942 14943 14,6 3,2 6,5
14,1 20
2,3
7 9,1 23,2
Fonte: The Japanese Immigrant in Brazil, 1964, v.2, p.241, tabela 256
19
Anais do XXI Encontro Estadual de História –ANPUH-SP - Campinas, setembro, 2012.
A década de 1930 é um momento importante para analisar a mudança de
ocupação dos japoneses. Especialmente aqueles que haviam chegado no período
anterior puderam adquirir, depois de alguns anos trabalhando como colonos, pequenas
propriedades e se dedicar a outros tipos de produtos. Argumento que o cooperativismo
agrícola teve aqui um papel decisivo no sentido de coordenar a produção e canalizá-la
para mercados das grandes cidades, como o município São Paulo. Esta forma de
organização coletiva apresenta algumas características importantes para discussão sobre
a relação entre imigrantes e o mercado: ela representa a principal estratégia
desenvolvida pelos japoneses para possibilitar a sua inserção em posições melhores
dentro da estrutura ocupacional, de forma que somente através do cooperativismo foi
possível construir um tipo de integração vertical de hierarquias e conexões interlocais
entre grupos de japoneses desde a produção à comercialização.
Isto não teria sido possível, evidentemente, sem uma regulação governamental
que permitisse o loteamento de terras em pequenas propriedades. Vimos que por meio
do Decreto nº 22.121 de 22 de novembro de 1932 o Governo Provisório procurou
restringir a aquisição de novas terras dedicadas ao plantio do café. A alternativa
encontrada por muitos dos japoneses que desejavam adquirir terras era então se dedicar
a outras culturas. Portanto, a possibilidade de aquisição de pequenas propriedades
contribuiu para a mudança de ocupação dos japoneses. Outro fator importante para a
disseminação da prática cooperativista foi a sua regulamentação legal, que entrou em
vigor a partir de 1932 no Brasil, durante o primeiro governo de Getúlio Vargas. Mas,
por mais que a “cultura associativa étnica” fosse um dos fatores de grande relevância
para a criação das cooperativas como enfatiza Cardoso (1972), a sua expansão na
década de 1930 não se sustentava somente nisto. É necessário destacar a sua atuação
voltada para o mercado, a exemplo do desenvolvimento técnico e logístico. No caso da
CAC, o fomento agropecuário passou a ser desenvolvido na seção de Orientação e
Controle, que segundo Seabra:
além de divulgar o cooperativismo e os serviços da cooperativa, de estudar a distribuição de tendências e estado da produção; o desenvolvimento do consumo; a capacidade econômica de trabalho dos cooperados, servindo pois, como órgão de assessoria da Direção, procurava “nortear” a administração da lavoura dos associados, racionalizando-a ou prestando-lhe assistência técnica. Um resumo de suas atividades durante a década de 40 serve para esclarecer os setores em que operava então o fomento: 1) Estudos dos processos de melhoria, renovação e preparação do solo;
20
Anais do XXI Encontro Estadual de História –ANPUH-SP - Campinas, setembro, 2012.
2) estudos sobre a agricultura peculiar a cada zona, com a condução dos lavradores à especializações;
3) prática e experimentação de culturas e exame de novos tipos de lavoura; 4) divulgação de conhecimentos sobre a utilização de adubos em geral,
particularmente dos produtos químicos destinados à lavoura; 5) obtenção de semesntes selecionadas em campos experimentais, mantidos
pela sociedade ou pelos próprios associado (Seabra, op cit., p. 159).
A tabela 12 mostra as cooperativas criadas por imigrantes japoneses no final da
década de 1930. Na grande maioria delas, os associados são japoneses ou descendentes.
É possível observar que já naquele período este tipo de atividade econômica passou a se
difundir e a Cooperativa Agrícola de Cotia era a maior delas, com 1.360 associados,
cerca de dez vezes mais o número de associados da segunda maior cooperativa, a Sul-
Brasil. A CAC também era a que possuía o maior número de brasileiros em seu quadro
associativo.
Tabela 12 – Cooperativas ligadas à coletividade de origem japonesa – associados
segundo origem – final da década de 1930
Cooperativas Associados Japoneses e desc. (%) Brasileiros (%) Outros
CAC 1360 90,3 7,7 2
CCA Sul-Brasil 125 99,2 0,8 -
CA Bandeirante 47 100 - -
CAM de Mogi das Cruzes 418 95,5 1,4 3,1
SCA de Bastos 700 100 - -
CA de Fda Tietê 567 100 - -
CP de Banana de Juquiá 279 100 - -
CAM de Cafelândia 269 94,8 4,1 1,1
SC do 2º Núcleo colonial de Utsuka 161 100 - -
CA Garça-Vera Cruz 157 100 - -
CAM de Pompéia 117 100 - -
SCA dos Agricultores de Registo 85 100 - -
CA de Getulina 83 98,8 1,2 -
CA de Marília 78 100 - -
CA de Monte Alto 71 100
CAM de Taquaritinga 71 100 - -
CA da Fazenda Aliança 70 100 - -
CA de Avaré 69 100 - -
CA de Paraguaçu 63 100 - -
CA da Araçatuba 57 100 - -
SCA Suburbana da Capital 45 100 - -
CA de Ourinhos 36 100 - -
CAM de Suzano 10 100 - -
Fonte: Seabra, 1977, p. 33
21
Anais do XXI Encontro Estadual de História –ANPUH-SP - Campinas, setembro, 2012.
Entre 1943 e 1958 a concentração de japoneses nas principais zonas agrícolas do
estado de São Paulo (a Noroeste, a Alta Paulista, a Sorocabana e a Zona velha do café)
passou a diminuir, sendo ao mesmo tempo visível o crescimento da concentração no
município de São Paulo e nos seus arredores, conforme demonstra a tabela 13 abaixo.
Segundo dados do survey, a zona que sofreu maior desconcentração em relação ao total
entre 1943 e 1947 foi a Noroeste (23,6%), e o local que mais recebeu imigrantes foi o
município de São Paulo. Esta tendência se mantém constante para o período entre 1948
e 1952, sendo que 24,9% deixaram a zona Noroeste e 26,5% se direcionaram à capital.
Entre 1953 e 1958 os números foram 21,5% e 38,6%, respectivamente. O mapa 5
permite visualizar o deslocamento das famílias de japoneses entre as regiões.
Tabela 13 - Distribuição percentual da população por região e período, para imigrantes do pré-Guerra chefes de família, com 15 anos ou mais de idade no
momento de chegada – 1943-1958
1943-47 1948-52 1953-58
N* 26578 27892 28833
São Paulo 87,6 83 78,8
Município de São Paulo 9,9 13,4 17,1
Periferia de São Paulo 7,8 9,9 11,9
Litoral 3,8 3,8 3,5
Vale do Paraíba 1,2 1,5 1,7
Vale da Mantiqueira 0,3 0,3 0,7
Pirassunga - Piracicaba 0,4 0,4 0,5
Zona velha do café 6,2 4,3 3,4
Barretos 2,4 2,4 2,2
Araraquara 1,9 1,7 1,9
Noroeste 21,5 16,5 12,2
Alta Paulista 19,3 17,3 14,2
Sorocabana 11,4 9,4 7,4
Sudeste de São Paulo 1,5 2,1 2,1
Paraná 8,2 12,4 16
Norte velho do Paraná 6,8 9,3 9,7
Norte novo do Paraná 1,1 2,7 5,4
Sul do Paraná 0,3 0,4 0,9
Fonte: The Japanese Immigrant in Brazil, 1969,v.2, p.200, tabela 210 * Média da população total em cada período
22
Anais do XXI Encontro Estadual de História –ANPUH-SP - Campinas, setembro, 2012.
MAPA 5 – Principais rotas de migração inter-regional para imigrantes do pré-Guerra, chefes de família, com 15 anos de idade ou mais no período de chegada –
1943-1958
Fonte: Elaboração a partir de The Japanese Immigrant in Brazil, 1969, v.2, p.230
As mudanças na produção agrícola por tipo de produto confirmam os argumentos de
Saito, pois os dados do survey demonstram que a grande maioria dos japoneses mudou a sua
produção para a agricultura suburbana, seguida do café. Entre 1943 e 1947, 23,8% mudaram a
produção do algodão para a agricultura suburbana, entre 1947 e 1952 20,3% mudaram a
produção do algodão para o café e entre 1952 e 1958 17,4% mudaram a produção do algodão
para a agricultura suburbana. Cabe ressaltar que para o período de 1953 a 1958 praticamente
metade dos que mudaram de produto passaram à agricultura suburbana. Outro aspecto que
chama a atenção é a ocupação em praticamente todas as regiões agrícolas.
23
Anais do XXI Encontro Estadual de História –ANPUH-SP - Campinas, setembro, 2012.
Tabela 14 – Mudanças de produto agrícola por períodos de 5 anos para imigrantes chefes de família
1942-47 1948-52 1953-58
N* 2730 2832 3082
Mudança para
Café 15,9 28,1 14,9
Algodão 13,6 9,6 3,5
Arroz 4,3 3,7 5,5
Amendoim 1,6 1,7 3,6
Babana 1,8 1,2 0,7
Policultura 6,1 6,2 4,9
Agricultura Suburbana 44,9 39,5 49,5
Policultura variada 2,6 2,9 1,6
Cultura poligonal 1,6 1,9 9,9
Outros 7,6 5,2 5,9
Fonte: The Japanese Immigrant in Brazil, 1969, p.228, v.2, tabela 237
* Apenas aqueles que mudaram a sua produção
MAPA 6 – Tendências regionais de mudança de produto agrícola para imigrantes do pré-Guerra, chefes de família – 1947 a 1952
Fonte: Elaboração a partir de The Japanese Immigrant in Brazil, 1969, v.2, p.230
24
Anais do XXI Encontro Estadual de História –ANPUH-SP - Campinas, setembro, 2012.
A tendência à mudança de ocupação agrícola se acentuou ainda mais no período
considerado, a porcentagem de empregados autônomos entre os chefes de família
recenseados esteve acima dos 80% (tabela 15), sendo que os proprietários de terras
foram mais do que a metade do total. Os colonos, trabalhadores contratados
principalmente nas fazendas de café, representavam somente 3% no ano de 1958 (tabela
16).
Tabela 15 – Empregados autônomos e empregados para os imigrantes chefes de família desde a chegada, por período
N Empregado autônomo Empregado
1912 239 13,8 86,2
1917 1278 26,1 73,9
1922 2493 52,9 47,1
1927 5043 47,2 52,8
1932 10947 48,4 51,6
1937 17522 66,7 33,3
1942 18290 78 22
1947 18225 82,6 17,4
1952 18115 85,3 14,7
1958 18006 86,4 13,6
Fonte: The Japanese Immigrant in Brazil, 1969, p.240, v.2, tabela 254
Tabela 16 – Ocupação agrícola para imigrantes pré-Guerra chefes de família desde a chegada, por período – 1947-1958
N Proprietários Locatários Arrendatários Colonos
1947 13878 51,2 33,9 8,4 6,6
1952 12377 58 29,6 8,3 4,1
1958 11186 64 24,8 8,3 2,9
Fonte: The Japanese Immigrant in Brazil, 1969, v.2, p.241, tabela 255
Entre 1947 e 1958 as propriedades dedicadas à agricultura suburbana
praticamente dobram e as propriedades alugadas para esta finalidade também
acompanham tal crescimento, porém num ritmo menor. A concentração de japoneses
dedicados ao cultivo de algodão diminui consideravelmente no período, seja para
proprietários e locatários, e os proprietários de café aumentam, representando quase um
quarto em relação ao total desta categoria.
25
Anais do XXI Encontro Estadual de História –ANPUH-SP - Campinas, setembro, 2012.
Tabela 17 – Principais produtos por ocupação agrícola para imigrantes pré-Guerra chefes de família desde a chegada - 1947-1952
Café
Algodão
Arroz
Agricultura suburbana
N Proprietário Arrendatário Colono
Proprietário Locatário
Locatário
Proprietário Locatário Outros
1947 13878 16,5 3,2 3,9
12,6 15,4
2
11 12 23,3
1952 12377 21,3 4 2,2
9 9,9
1,6
15,3 13,8 22,9
1958 11186 23,6 3,8 1
4,6 3,4
1,4
20,5 16 25,7
Fonte: The Japanese Immigrant in Brazil, 1964, v.2, p.241, tabela 256
Segundo Seabra (op cit.), no início da década de 1950 a participação das
cooperativas agrícolas na distribuição de produtos alimentícios no município de São
Paulo era alta, a exemplo do tomate (80%), alface (79%), cenoura (82%), batata (60%),
ovos (65%). Trata-se de um período de expansão das atividades cooperativistas e de sua
estrutura, o que acompanhou o próprio crescimento econômico do estado e da capital.
Tabela 18 – Pessoas empregadas com 10 anos de idade ou mais por grupo ocupacional e porcentagem de mulheres
N Empregados % de mulheres
Total 150271 100
Agricultores 84408 56,2 22,1
Profissionais e técnicos 5328 3,5 34,3
Administradores 1262 0,8 1,2
Auxiliares de escritório 5088 3,4 28,8
Comércio 23881 15,9 15,9
Pescadores 129 0,1 2,3
Mineiros 4 0 0
Transportadores 3272 2,2 0,2
Artesãos 18451 12,3 22
Manuais sem qualificação 464 0,3 12,7
Serviços 7984 5,3 34,4
Fonte: The Japanese Immigrant in Brazil, 1964, v.2, p.55, tabela 25
No ano de 1958 os japoneses e descendentes já se distribuíam em um número
variado de ocupações (ver tabela 18 acima), sendo que dos 150.271 entrevistados pelo
survey, 84.408 ou cerca de 56% eram trabalhadores agrícolas e 65.863 ou 44% estavam
distribuídos em ocupações não-agrícolas. As mulheres tiveram participação
considerável nas ocupações relacionadas a serviços (34,4%) e ocupações profissionais e
técnicas (34,3%).
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Sobre o desenvolvimento do cooperativismo agrícola, em 1957 a CAC já
possuía uma grande estrutura de funcionamento, com 5.503 associados, sendo 66,9%
deles japoneses e 30,1% brasileiros, 1.654 funcionários, 85 depósitos distribuídos nos
estados de São Paulo, Paraná, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Mato Grosso. Os postos
de vendas na capital eram 18 e a média de sua participação no mercado de produtos
agrícolas no município de São Paulo em relação às vendas foi de 55,5% no período
entre 1946 a 1956. Em 4 de abril de no bairro do Jaguaré foi criado pelo governo do
estado o Centro Estadual de Abastecimento S.A. (CEASA) no bairro do Jaguaré, sob
administração da Secretaria de Agricultura. Compondo o Conselho Consultivo do
CEASA estava o diretor superintendente da CAC, Fábio Yasuda (Idem; CAC, 1988).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A experiência da imigração japonesa no estado de São Paulo entre 1908 e 1958
se realizou em grande parte no setor agrícola. Acompanhando o crescente
desenvolvimento econômico do estado, os japoneses buscaram formas de inclusão em
melhores posições na estrutura ocupacional ao criar estratégias singulares voltadas para
a atividade econômica, e o grande fluxo de deslocamentos regionais desta população
demonstra a busca constante por alternativas diferenciadas e lucrativas de produção
agrícola. O desenvolvimento de tipos específicos de agricultura, bem como a
domesticação de segmentos do mercado de consumo agrícola não podem ser
compreendidos sem que se considere o contexto de expansão da economia paulista, a
regulação do setor agrícola e, sobretudo, as especificidades dos imigrantes que se
dedicaram à produção e à comercialização.
O caso dos japoneses em São Paulo possui particularidades que devem ser
trazidas à discussão quando o objetivo é contribuir para a realização de pesquisas
sociológicas sobre o tema, e o cooperativismo agrícola pode ser considerado o exemplo
mais ilustrativo da singular trajetória deste grupo. A expansão do número de
cooperativas e dos imigrantes a elas associados a partir da década de 1930 nos fornece
pistas para compreender a construção de estruturas de relações e instituições sociais
que, por sua vez, representaram instrumentos mais flexíveis e inclusivos voltados para o
mercado. Aqui, os objetivos econômicos convergem com fatores extra-econômicos,
mobilizados para permitir novas formas de atuação no universo mercantil, a exemplo da
cultura associativa, da existência de obrigações, sanções, solidariedade e afinidades por
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local de origem. Por um lado, isto revela a contribuição e a atualidade da literatura
produzida nas décadas de 1960 e 1970, especialmente das obras de Hiroshi Saito e Ruth
Cardoso e, por outro, permite compreender que as ações econômicas podem ser
analisadas enquanto imersas em estruturas de relações sociais.
A mobilidade social dos japoneses no estado de São Paulo nos primeiros
cinquenta anos desta imigração contribuiu também para desconstruir a intolerância que
afirmava a impossibilidade de convivência social deste grupo na sociedade brasileira.
Comparados a elementos não-humanos e “insolúvel” como o enxofre, como assim
acreditava Oliveira Vianna em Raça e Assimilação (1959 [1932]), os japoneses
buscaram no isolamento resultante da discriminação e repressão pública, especialmente
no contexto da II Guerra Mundial, as suas formas de inclusão, manifestadas em várias
instâncias da vida social, como o mercado. O reconhecimento advindo da sua
participação nas atividades econômicas a partir da década de 1930 indica também que
as idéias possuem lugar, elas estão enraizadas em conjunturas e assim revelam o seu
potencial de formatar visões de mundo a respeito dos fenômenos sociais e de serem
formatadas e, por isso, são dinâmicas. Desta forma, a “negociação da identidade
nacional” e o preconceito contra japoneses revelam o aspecto cultural da imigração em
sua relação com a economia. O tema vem recentemente ganhando contribuições
(Lesser, 2000; 2008; Hatanaka, 2002; Takeuchi, 2002) retomando os projetos pioneiros
de pesquisa iniciados por Emilio Willems, Herbert Baldus e Hiroshi Saito. Entretanto,
ainda são poucos os estudos dedicados à análise da trajetória sócio-econômica desses
imigrantes.
Em suma, este texto apresentou as interpretações dos principais estudiosos das
ciências sociais brasileira que se dedicaram ao tema da mobilidade social e inclusão dos
japoneses no universo mercantil. Procurei ressaltar nas obras de Hiroshi Saito e Ruth
Cardoso os argumentos que explicariam essa mobilidade e como é possível contribuir
para o seu desenvolvimento através da utilização de novos dados. Enfatizei a
experiência cooperativista agrícola, argumentando que esta possui centralidade nas
atividades econômicas do imigrantes.
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