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IMAGENS CINEMA, DOCÊNCIAS E INVENÇÕES CURRICULARES:
CONVERSAS SOBRE OUTROS MODOS POSSÍVEIS DE APRENDER E
ENSINAR
Esse painel problematiza as experimentações de outros modos de aprender e ensinar
nos/com os currículos escolares, conjugando estudos voltados para a compreensão de
imagens do cinema e das escolas que contestam o dogmatismo do pensamento com
docentes e estudantes. Apresenta experiências que recusam o automatismo e a
reprodução mecânica, ao movimentar o pensamento na busca pela diferença. Toma
como referencial metodológico as redes de conversações (CARVALHO, 2009; 2012).
Articula pesquisas envolvidas em compreender os currículos desenvolvidos em escolas
da região metropolitana do Espírito Santo, a partir de imagens do cinema, das escolas e
das redes de conversações tecidas com os sujeitos que produzem esses espaçostempos.
Justifica-se pela aposta na desconstrução de imagens que reduzem e fixam os
pensamentos à recognição. Insere-se no campo de discussão proposto no Eixo 1,
“Didática e prática de ensino: desdobramentos em cenas na educação pública” e de
modo específico no subeixo 3 “Modos do ensinar e aprender em experiências”, uma vez
que utiliza pesquisas e produções do cotidiano da educação básica com alunos/as e
professores/as como lócus privilegiado de suas discussões. O primeiro texto dialoga
sobre o que devém nos encontros cotidianos entre professores e crianças de uma Escola
Municipal de Ensino Fundamental, pela intercessão entre as imagens cinema de “O
balão Vermelho” e das imagens escola. O segundo artigo trata dos movimentos de
invenções curriculares engendrados nos encontros das crianças e professoras de uma
escola de educação infantil agenciados pelas imagens cinematográficas de “Mogli”. O
terceiro texto destaca as imagens de existências e de espaçostempos de aprendizagens
possíveis na constituição dos currículos escolares, ao disparar as imagens fílmicas de
“Quem quer ser um milionário?”. Nas diferentes propostas das pesquisas que o
constituem, esse painel trata de modos de aprender e ensinar que forçam o pensamento a
se romper e a não se acomodar.
Palavras-Chave: Currículos, Imagens Cinema, Aprender e Ensinar
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
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MOVIMENTOS DE INVENÇÕES CURRICULARES NA EDUCAÇÃO
INFANTIL POTENCIALIZADOS PELAS IMAGENS-CINEMA: DO
NECESSÁRIO AO EXTRAORDINÁRIO
Sandra Kretli da Silva/Dtepe-Ufes
Tania Mara Zanotti Guerra Frizzera Delboni/ Dtepe-Ufes
Resumo
O artigo apresenta uma pesquisa que aposta nos “usos” (CERTEAU, 1994) das imagens
cinematográficas para o desalojar dos modos de pensar dogmáticos que impedem o
plano de imanência fluir. As imagens-cinema (DELEUZE, 2005) movimentam o
pensamento em busca de novos sentidos para a docência, para a infância,
potencializando os processos de aprender e de ensinar e a reinvenção da escola. Como
metodologia, este trabalho utiliza redes de conversações (CARVALHO, 2012). As
conversas são enredadas por meio das emoções, sensações e sentidos estabelecidos com
as imagens-cinema que nos possibilitam inquirir e criar outros/novos modos de pensar,
de aprender, de ensinar, de compor as invenções curriculares na educação infantil.
Nesse contexto, problematizamos a partir das imagens do filme Mogli: O que é
“necessário” e/ou “extraordinário” na educação infantil? O que estamos considerando
“necessário” e ou “extraordinário” nas infâncias? O que tem sido “necessário” e ou
“extraordinário” em nossas vidas? Por que o necessário não pode ser extraordinário e
vice-versa? Como romper com as dicotomias tão marcantes nos espaçostempos
escolares? Como tornar o “extraordinário” possível? Aponta a necessidade de ampliar
as conversas nos cotidianos escolares, a fim de fortalecer a “zona de comunidade”
(TEIXEIRA, apud CARVALHO, 2012) aumentando, assim, a nossa potência de ação.
O cotidiano escolar, como espaço micropolítico, engendra-se na macropolítica,
portanto, a cartografia das questões que envolvem os processos de subjetivação em sua
relação com o político, o social e o cultural, por meio dos quais se configuram a
realidade em seu movimento de criação coletiva, potencializa os movimentos de
invenções curriculares e os processos de aprender e de ensinar. A potência da vida
cotidiana está nas suas diferenças, multiplicidades, singularidades, nos seus devires,
fluxos, intensidades, acontecimentos, no extraordinário.
Palavras-chave: Invenções curriculares. Imagens cinematográficas. Redes de
conversações.
Entre fluxos, forças, intensidades e devires...
Porque uma história é, antes de mais nada,
aquilo que se busca e que se encontra para contar.
(Raymond Bellour)
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O artigo apresenta os movimentos de invenções curriculares engendrados nos
encontros das crianças e professoras de uma escola de educação infantil com as imagens
cinematográficas. Tais fluxos compõem a pesquisa intitulada Filmes e Conversas: por
uma estética dos encontros, que objetiva capturar as forças e potências que as imagens-
cinema (DELEUZE, 2005) provocam/afetam e possibilitam o movimento do
pensamento, produzindo diferentes modos de aprender e de ensinar e, assim,
potencializam novos sentidos para educação infantil.
Apostamos que os “usos” (CERTEAU, 1994) das imagens cinematográficas nos
cotidianos escolares promovem o desalojar, rompem com os modos de pensar
dogmáticos que impedem o plano de imanência fluir. Nesse contexto, vivenciamos uma
experiência com as imagens-cinema que nos levou a pensar, juntamente com as
professoras e as crianças, os movimentos de invenções curriculares e os processos de
aprender e de ensinar.
Inspiradas pela trilha sonora e pelas imagens dos filmes, as crianças traçam
linhas de linhas de vida ao procurar o lugar mais gostoso para se aconchegar, ao buscar
o colega para acolher, interagir e brincar. Deslizando entre um corpo e outro, tecem
afetos e afecções, que impulsionam as experiências e descobertas, inventando rotas e
linhas de fugas para compor outros/novos encontros. Encontros entre as pessoas, com
ideias, com aprendizagens, com novos modos de pensar, de se posicionar em diferentes
espaços e tempos, pois as crianças não hesitam em experimentar ou, quando se cansam
de uma experiência, alteram, modificam, inventam outra.
Como acompanhar esses devires, fluxos e forças? São tantas intensidades
imbricadas aos planos, aos desejos e aos movimentos dos corpos que vibram e pulsam
sem parar... No entanto, não há como escapar, pois as crianças puxam, laçam e nos
envolvem problematizando, propondo, reinventando e renovando sempre... Como
afirmam Deleuze e Parnet (1977, p.12): “[...] os devires são geografia, são orientações,
direcções, entradas e saídas”. São expressos e contidos em uma vida, em um estilo. E
prosseguem os autores: “[...] Um estilo é conseguir gaguejar na sua própria língua. É
traçar uma linha de fuga” (p.13). Devir não é, portanto, seguir modelos, parâmetros e/ou
referenciais curriculares. Não existem nos devires dicotomias, máquinas binárias, isto
ou aquilo, mas, sim, conversas, muitas conversas, que significam cartografias de um
devir.
Para Maturana (1997), conversar vem do latim cum – com e versare – dar voltas
com o outro. As nossas conversas com as crianças e as professoras vão sendo enredadas
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por meio das emoções, sensações e sentidos estabelecidos com as imagens-cinema que
nos possibilitam inquirir e criar novos modos de pensar, de aprender, de ensinar e de
compor as invenções curriculares na educação infantil. Acreditamos, como Carvalho
(2012, p. 206), que o currículo se enreda com uma cultura que “[...] é uma rede de
conversações que define um modo de viver, um modo de estar orientado no existir [...],
e envolve um modo de atuar, um modo de emocionar e um modo de crescer no atuar e
no emocionar [...]”.
O encontro com as crianças se deu a partir de uma proposta realizada com as
professoras. Iniciamos a pesquisa dialogando com elas e, em um dos encontros, surgiu a
ideia de ampliarmos as nossas conversas convidando as crianças para entrar na roda e
participar dos encontros com as imagens cinematográficas. Desse modo, com a
ampliação dos diálogos envolvendo as crianças, fortalecemos a “zona de comunidade”
(TEIXEIRA, apud CARVALHO, 2012) aumentando, assim, a nossa potência de ação.
Portanto, acreditamos que os movimentos de invenções curriculares e os
processos de aprender e de ensinar, que se estabelecem por meio dessas múltiplas
relações estabelecidas entre crianças, professoras e todos e tudo que envolvem os
processos de subjetivação em suas singularidades e diferenças, reinventam e
potencializam os cotidianos das escolas todos os dias.
O encontro com Mogli e Balu: uma conversa sobre o “necessário” e o
“extraordinário” nas infâncias
Eu uso o necessário
Somente o necessário
O extraordinário é demais
[...] Assim é que eu vivo
E melhor não há
Eu só quero ter
O que a vida me dá.
Uma lista de filmes foi selecionada para fazer parte dos nossos encontros com as
crianças. No dia em que assistimos ao filme Mogli, por várias vezes, cantamos e
dançamos o refrão acima citado: “[...] Eu uso o necessário, somente o necessário... O
extraordinário é demais!”. Nas redes de conversas com as crianças, perguntamos, por
exemplo, o que elas mais gostavam da/na escola. Uma fala categórica nos afeta
(SPINOZA, 2014) e possibilita uma rasura no pensamento: “[...] eu gosto mais é da
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comida, mas as cozinheiras estão em greve e nós não estamos jantando, só
lanchando!”. Outra criança complementa: “[...] às vezes, a mãe do Paulo traz comida
pra gente”. “[...] A professora também já fez bolo, cachorro-quente, salada de frutas”.
Nesse contexto, problematizamos: O que é “necessário” e/ou “extraordinário” na
educação infantil? O que estamos considerando “necessário” e ou “extraordinário” nas
infâncias? O que tem sido “necessário” e ou “extraordinário” em nossas vidas? Por que
o necessário não pode ser extraordinário e vice-versa? Como romper com as dicotomias
tão marcantes nos espaçostempos escolares?
Spinoza, ao tratar da natureza e virtude dos afetos e da potência da mente sobre
eles, considerou as ações e os apetites humanos como se fosse uma questão de linhas,
superfícies ou de corpos. Para esse autor, afetos são “[...] as afecções do corpo, pelas
quais sua potência de agir é aumentada ou diminuída, estimulada ou refreada e, ao
mesmo tempo, as ideias dessas afecções” (SPINOZA, 2014, p. 98).
A conversa com as crianças sobre a greve dos servidores e a disponibilidade da
mãe de uma delas em trazer eventualmente a comida abriram espaço para que muitos
outros assuntos entrassem na pauta de discussões, ampliando os movimentos de
invenções curriculares e os processos de aprender e de ensinar. Temas como: trabalho,
movimentos sociais, culinária, alimentação, amizade e muitos outros que não estavam
nas listas dos currículos prescritos pelas Secretarias de Educação foram dialogados,
problematizados e, assim, fomos compondo um currículo vivido, sentido e praticado.
É claro que, nas narrativas das crianças, além da comida, outros desejos
coletivos considerados “necessários” e ou “extraordinários” foram anexados à lista do
que gostam e do que fazem da/na escola: as brincadeiras de pátio, os passeios, os
amigos, as aprendizagens, as histórias, as professoras, as construções, o pula-pula, a
música, os jogos, a biblioteca, os conflitos, os empurrões, as mordidas, a presença das
famílias na escola, os dinossauros, as brincadeiras, o sonho de ter uma piscina e um
tobogã na escola, assistir a filmes, muitos desenhos e animação, enfim...
Foto 1 – Os movimentos de invenções curriculares e os processos de aprenderensinar por
meio das imagens-cinema
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Fonte: Fotos das autoras; imagem Mogli e Balu: http://www.vagalume.com.br/disney/mogli-somente-o-
necessario.html#ixzz41DATxZtK
Masschelein e Simons (2014), ao problematizarem sobre a história da escola,
apontam que não podemos visualizá-la apenas como uma história de reformas e
inovações, de progressos e modernização, mas, principalmente, como uma história de
repressão, com estratégias e táticas para dispersá-la, reprimi-la, coagi-la, neutralizá-la
ou controlá-la. Estamos cheios de estratégias para formatação de currículos, marcadas
por uma política crescente de avaliação padronizada em larga escala. A escola, nesse
sentido, “doma” os seus praticantes, fazendo-os acreditar que “o necessário” para a
escola é o que eles prescrevem nos descritores avaliativos ou nos referenciais
curriculares. E o “extraordinário”? E as invenções curriculares criadas pelos alunos e
professores? E os processos de aprender e ensinar vividos e sentidos pelos professores e
alunos nas mais diferentes realidades escolares e não escolares? E a reinvenção da
escola que é realizada todos os dias? É demais, como diz a música do filme Mogli?
A escola surge como o lugar para remediar os problemas sociais, culturais e
econômicos que são traduzidos como problemas de aprendizagens. Desse modo, uma
nova lista de competências é acrescentada aos currículos. Consequentemente, com toda
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a atenção focada na aquisição “obrigatória” e urgente de competências úteis, qualquer
possibilidade de renovação e de tempo livre é suspensa.
Masschelein e Simons (2014) apresentam, ainda, algumas variantes de “domar”
o professor que deverá estar sempre a serviço de algo ou alguém. A primeira variante
seria substituir a sabedoria da experiência do professor por especialização ou
competência, ou seja, supostos conhecimentos, habilidades e atitudes em nome das
exigências atuais do mercado, do consumo ideal e da empregabilidade. A segunda
variante para domar o professor seria torná-lo flexível. O professor flexível é aquele que
é arrebatado por tudo, na medida em que a demanda exija. Por fim, defendem a criação
de “tempo livre” e que os jovens possam dialogar em torno de bem comum, portanto,
ampliar a formação e o fornecimento de tempo livre para o estudo, a prática e o
pensamento.
Voltando a Spinoza (2014), o corpo humano pode ser afetado de muitas
maneiras pelas quais sua potência de agir pode aumentar, diminuir ou nada mudar. Nas
conversas e vivências com as professoras e com as crianças, procuramos capturar quais
afetos promovem o aumento das nossas potências de ação coletiva.
As imagens-cinema aparecem, então, como uma força que nos movimenta a
pensar o impensado, a apostar nos possíveis e no “extraordinário”, pois produzem
processos de subjetivações em sua relação com o político, o social e o cultural.
Propiciam encontros, experiências que nos possibilitam rir, chorar, surpreender, entrar
em choque, silenciar, gritar, questionar, pensar, movimentar, fazer fluir o pensar...
Permitem-nos viajar para outros/novos mundos e caminhos ainda não percorridos,
sentidos e vividos nos processos de aprender e de ensinar e na fabricação das invenções
curriculares, favorecendo, assim, a reinvenção da escola.
A questão que nos move nesses encontros com o cinema é ir para além dos
clichês que nos impedem de produzir novos modos de ser, estar, fazer e de viver nos
cotidianos escolares e não escolares. É capturar de que modo professores e alunos tecem
as rasuras nos movimentos curriculares. Segundo Carvalho (2014, p. 167), o conceito de
clichê, na definição de Deleuze (1990), é de uma espécie de imagem-lei “[...] de
imagem-moral, que age como um mecanismo padronizador e determinador de valor e
que no cinema aparece num jogo de criá-las desconstruí-las”.
As imagensnarrativas das imagens cinematográficas possibilitaram que as
crianças e as professoras pensassem e expressassem os acontecimentos e as experiências
que potencializam as suas invenções curriculares, bem como provocaram a
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problematização de ações que engessam os praticantes dos cotidianos escolares,
buscando novos sentidos aos processos educacionais cotidianos. Entendemos que, nas
experiências, o importante não é nem a posição (nossa maneira de pormos), nem a “o-
posição” (nossa maneira de opormos), nem a “im-posição” (nossa maneira de
impormos), nem a “proposição” (nossa maneira de propormos), mas a “ex-posição”,
nossa maneira de “ex-pormos” com tudo o que isso tem de vulnerabilidade e de risco.
Por isso é incapaz de experiência aquele que se põe, ou se opõe, ou se impõe, ou se
propõe, mas não se “ex-põe”. É incapaz de experiência a quem nada lhe passa, “[...]
nada lhe chega, nada lhe afeta, a quem nada o ameaça, a quem nada ocorre”
(LARROSA, 2002, p. 25). É nesse contexto que se insere a potência das redes de
conversações.
O cotidiano escolar em seus movimentos de criação coletiva
Entendemos o cotidiano escolar como espaço micropolítico que se engendra na
macropolítica. Apostamos, assim, que a cartografia das questões que envolvem os
processos de subjetivação em sua relação com o político, o social e o cultural, por meio
do qual se configuram a realidade em seu movimento de criação coletiva, potencializa
os espaçostempos de invenções curriculares. Nesse contexto, colocamo-nos em relação
às imagens, às crianças, às escolas em redes de conversações, de afetos e de afecções,
envolvendo-nos em agenciamentos de enunciação coletivos nas micropolíticas.
As pesquisas com os cotidianos apresentam uma multiplicidade de significações
e de sensações que, ao invés de aprisionar, fechar, limitar, restringir, abre a
possibilidade de se pensar numa metodologia da vida cotidiana que está atenta à
complexidade, à imprevisibilidade e às inúmeras possibilidades que o plano de
imanência apresenta. A potência da vida cotidiana está, justamente, em suas
multiplicidades de conexões, rasuras, aproximações, percepções e sensações.
Em conversa com as professoras, perguntamos: o que mais renova os cotidianos
escolares? O que mais aumenta ou diminui a nossa potência de ação nos processos de
aprenderensinar e nos movimentos de invenções curriculares?
[...] Penso que o que nos renova é trabalhar em um ambiente com
relações mais humanas, que tenha troca e espaço para compartilhar
experiências. Renova-nos também ver o desenvolvimento das
crianças, desenvolver propostas que elas gostem e curtem. Ver as
famílias elogiando e participando do processo.
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[...] O que diminui a nossa potência de vida é ver a precarização do
trabalho educativo. Não valorização da educação em si. Por exemplo,
quando se faz processo seletivo de voluntários para atuar na escola.
[...] O horário escolar e outras prescrições curriculares, tão
rigidamente hierarquizados no cotidiano escolar, necessitam ser
assim? Podemos pensar diferente? Como? Como destaquei, a
Proposta Curricular para Educação Infantil é bem ampla, com
objetivos nas diferentes linguagens e penso que podemos pensar
diferente buscando não listar conteúdos previamente, mas pensar a
partir dos interesses da turma, considerando os sujeitos alunos e
professores, seus conhecimentos e saberes.
As professoras clamam por mais diálogo, valorização e reconhecimento
profissional, parceria, trabalho coletivo, melhores condições de trabalho, gestão
democrática e apontam que compartilhar as experiências é o que movimenta os
processos de aprenderensinar, as invenções curriculares e a possibilidade de reinvenção
da escola:
[...] Nosso papel no coletivo seria de contribuir compartilhando
experiências... Buscar diálogo entre os contextos nos quais as
crianças estão inseridas, os sujeitos praticantes da escola (alunos e
professores) e as áreas. Penso também que precisamos romper com a
fragmentação entre o trabalho desenvolvido na sala de aula com o
professor regente e os demais profissionais que atuam com as
crianças”.
[...] Penso que as possibilidades de compor modos potentes seria a
partir de uma perspectiva dialógica e discursiva, considerar o
protagonismo das crianças, práticas que considerem os interesses das
crianças e valorizem os processos inventivos que se constituem nos
cotidianos [...].
Os movimentos de agenciamentos coletivos suscitados a partir do desejo de
habitar e produzir os espaçostempos das infâncias e da educação infantil compõem
multiplicidades e diferenciações em meio às complexidades cotidianas, mas com atitude
eticopoliticaartística que acolhe a vida em seus processos de invenção em um plano de
imanência.
Retomamos a música do filme Mogli na tentativa de não concluir nada, mas
deixar claro que queremos o contrário do que diz a música: queremos mais, sempre
mais, muito mais, pois apostamos na vida cotidiana que incessantemente se faz e refaz
com a luta diária de seus praticantes ordinários (CERTEAU, 1994): “[...] Assim é que
eu vivo e melhor não há, eu só quero ter o que a vida me dá”.
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A vida cotidiana, em sua complexidade, imprevisibilidade, não cabe em um
referencial único, em uma única teoria, em uma única verdade, em uma única prática
metodológica, nas quais são estruturadas categorias de análise. A potência da vida
cotidiana está nas suas diferenças, multiplicidades, singularidades, nos seus devires,
fluxos, intensidades, acontecimentos.
Os conhecimentos são tecidos em redes de linguagens, afetos, afecções com as
particularidades de cada um, portanto há necessidade de diálogos e muitas redes de
relações entre todos que praticam e habitam esses espaçostempos cotidianos. Os sujeitos
praticantes ordinários do cotidiano falam, atuam, inventam por si próprios atravessados
por todos os outros que os habitam e que os constituem. Não existe uma única autoria,
mas sim, rizomas, ecceidades.
A ecceidade aqui é entendida como coletividade molecular (GUATARRI, 1987),
em que não há possibilidade de se dizer onde passam as fronteiras de uns e as de outros,
e onde o que se individualiza não é uma pessoa, mas um acontecimento em sua
singularidade. Um acontecimento produz mudanças nos processos de subjetivações e,
assim, novas possibilidades de vida, de experimentações e de criações emergem.
Nesse contexto, o encontro com as imagens cinematográficas do Filme Mogli
nos possibilitou pensar a respeito do necessário e extraordinário nas infâncias. No
“necessário”, o que foge é a abertura às experiências, aos movimentos que nos sacodem.
“Que se passa?”, questionam as professoras, quando inseridas nas redes de linguagens,
de afetos e de afecções. “Que passa, que passa?”, repetem as crianças. E elas não podem
saber, não conseguem capturar. As experiências correm nas conversas e a música, tão
forte em seu refrão, fraqueja diante dessas vozes que pedem mais. E, aos poucos,
percebemos uma molécula do coletivo. Mogli, a criança “necessária”, é evocada nessa
nova voz, Mogli foi chamado à experiência!
Outra força das imagens cinematográficas irrompe para nos ajudar a pensar e
ampliar a nossa defesa da potência das imagens cinematográficas para desalojar o
pensamento. Revendo o filme Uma mente brilhante, recortamos o fragmento que mais
nos afeta, quando Alícia (interpretada pela atriz Jennifer Connely), esposa do
matemático John Nash (interpretado por Russell Crowe) desiste de enviá-lo a uma
clínica após mais uma de suas crises de alucinações. Ela, após dizer ao médico que não
precisaria levá-lo, explica para ao marido a sua decisão: “[...] Eu preciso acreditar que
aquilo que é extraordinário é possível”. E é essa a nossa aposta: devemos buscar o
extraordinário que se apresenta no plano da imanência, no plano da vida!
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Referências
CARVALHO, J. M. Cotidiano escolar como comunidade de afetos. Petrópolis, RJ:
DP et Alii; Brasília, DF: CNPq, 2009.
CARVALHO, J. M. A Problematização pelo uso de imagens-movimento e imagens-
tempo na pesquisa com o cotidiano escolar. In: GARCIA, A; OLIVEIRA, I.B.
Aventuras de conhecimento: utopias vivenciadas nas pesquisas em educação.
Petrópolis, RJ: De Petrus; Rio de Janeiro, RJ: Faperj, 2014.
CERTEAU, M. de. A invenção do cotidiano 1: artes de fazer. Tradução de Ephraim
Ferreira Alves. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994.
DELEUZE, G. Imagem-tempo. São Paulo: Brasiliense, 2005.
DELEUZE, G., PARNET, C. Diálogos. Tradução de José Gabriel Cunha. São Paulo:
Escuta, 1988.
GUATARRI, F. Revolução molecular: pulsações políticas do desejo. São Paulo:
Editora Brasiliense, 1987.
LARROSA, J. Linguagem e Educação depois de Babel. Tradução de Cynthia Farina.
Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2004.
MASSCHELEIN, J.; SIMONS, M. Em defesa da escola: uma questão pública.
Tradução de Cristina Antunes. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2014.
SPINOZA, B. de: Ética. Tradução de Tomaz Tadeu. Belo Horizonte: Autêntica Editora,
2014.
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ENCONTROS ENTRE IMAGENS CINEMA E O OUTRO DO
PENSAMENTO NAS REDES FORMATIVAS COM PROFESSORES
Larissa Ferreira Rodrigues/Criarte-Ufes
Janete Magalhães Carvalho/PPGE-Ufes
Resumo
O presente artigo é uma composição de imagens e conversações tecidas junto a um
grupo de professores de uma escola do município de Vitória-ES, em pesquisa concluída
no ano de 2015. Problematiza, a partir de conversas com docentes, pela intercessão
entre as imagens cinema e as imagens escola, o que devém nos encontros cotidianos
entre professores e crianças? Articula as conversas docentes com a maneira de Bergson
(2006) e de Deleuze (2007) pensar o mundo como um metacinema, com o devir-infantil
de Corazza (2008) e o cuidado de si e do outro (FISCHER, 2009), na problematização
da escola e dos processos constituintes da docência. Metodologicamente, articula a
cartografia e a pesquisa com os cotidianos (CARVALHO, 2008; 2009), seguindo as
linhas imanentes das práticas educativas e de pensamentos não dogmáticos para a
formação de professores, ao utilizar como disparador de conversas o filme “O balão
vermelho. Conclui que o que devém nos encontros cotidianos entre professores e
crianças é a capacidade de fabular imagens-sonho que criam linhas errantes, ao seguir
por caminhos desconhecidos e nômades, ao mostrar na superfície das relações, lógicas
mais sensíveis para os processos de criação e de devir-outro: devir-criança e devir-
balão. Como a câmera do cinema, os processos constituintes da docência fazem mexer o
caminho sobre o qual ela se desloca. Assim, nos encontros entre imagens cinema e
docências e infâncias também vão se compondo experiências de relações estilísticas
com o outro do pensamento, cunhando outros sentidos para os movimentos educativos,
cartografando suas experiências e mobilizando o pensamento para a criação de outras
imagens que impliquem os cuidados com o outro e consigo mesmo.
Palavras-chave: Cinema. Pensamento. Formação continuada de professores.
Nas dobras das imagens…
Ao discutir sobre as imagens cinema, Deleuze (2007) dizia que desde cedo se
procurava circuitos cada vez maiores que fossem capazes de unir uma imagem atual a
imagens-lembranças, imagens-sonho e imagens-mundo. Porém, a partir das teorizações
de Bergson, o autor indagava: Não seria preciso contrair, em vez de dilatar a imagem?
Procurar um menor circuito que fosse limite interior aos outros? Procurar um circuito
capaz de colar a imagem atual a um tipo de duplo correspondente?
Ao fazer a análise de diversos filmes, Deleuze (2007) destacava que em muitos,
ao evocarem os circuitos da lembrança, acabavam se remetendo e repousando em
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circuitos menores. Essas análises ajudaram-no a tecer teorizações, afirmando, assim
como Bergson, que a “[…] própria imagem atual tem uma imagem virtual que a ela
corresponde, como um duplo ou reflexo. […]. Há uma formação de uma imagem
bifacial, atual e virtual” (DELEUZE, 2007, pp. 87-88).
O circuito atual-virtual passa a ser vislumbrado como um espelho no qual as
imagens se proliferam, tornando-se umas nas outras ao mesmo tempo, fazendo o jorro
do tempo e da vida em sua diferenciação. A esse movimento coalescente e incessante,
Deleuze (2007) e Bergson (2006) consideraram como formação de cristais, quando uma
imagem atual, separada de seu „prolongamento motor‟ ou automatismo (DELEUZE,
2007), cristaliza com sua própria imagem virtual, constituindo uma imagem-cristal.
Esse circuito menor (atual-virtual), limite para acionar outros circuitos mais
complexos do pensamento e com grande importância para a percepção de um tempo que
se apresenta de forma direta e pura, inquieta-nos a problematizar ainda mais sobre o
movimento do pensamento dos docentes, a partir dos efeitos das imagens cinema nas
redes de conversações com professores em formação continuada.
Considerando que as imagens deslizam umas sobre as outras, refletindo em
todas as suas faces, havendo uma “[…] indiscernibilidade do real e do imaginário, ou do
presente e do passado, do atual e do virtual […]” (DELEUZE, 2007, p. 89), como um
duplo movimento de liberação e de captura, tornou-se necessário seguir as linhas que
desenhavam as imagens-cristal, os encontros que perfuravam o prolongamento motor
(automatismo/dogmatismo do pensamento) e nele entravam, saindo de si imagens ou
realidades. A cartografia e a pesquisa com o cotidiano (CARVALHO, 2008; 2009)
buscaram percorrer a superfície dos encontros estabelecidos entre as imagens cinema e
as imagens das redes de conversações com professores em formação continuada em
uma Escola Municipal de Ensino Fundamental de Vitória/ ES, abordados em pesquisa
concluída em 2015, para conhecer que vir-atualizações formativas são possíveis no
encontro com o “outro” do pensamento.
Em muitos dos momentos experienciados pela interseção entre cinema e
formação continuada na escola, os professores mobilizavam as imagens dos filmes,
tomavam-nas por uma relação especular ou relação de troca, na qual personagens-
professores se imbricavam numa indiscernibilidade entre imagens virtuais e atuais. A
esse respeito, Deleuze (2007, p. 89) ressalta que “[…] quando as imagens virtuais assim
proliferam, o seu conjunto absorve toda a atualidade da personagem, ao mesmo tempo
que a personagem já não passa de uma virtualidade entre outras”.
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Nesse sentido, foi possível perceber que nas dobras das imagens os professores
faziam denúncia e quebravam alguns clichês, como, também, eram capturados por
outras imagens-moral, já que o cinema, como gostava de dizer Deleuze, não apenas
apresenta imagens, mas as cerca com um mundo. E esse mundo aqui se mostra o da
docência e da escola.
Assim, a aposta aqui apresentada intencionou incomodar o pensamento dos
professores com imagens de um mundo que os cercam. Violentar o pensamento por
meio de imagens-movimento, com intuito de esgarçar o „arco sensório-motor‟
(DELEUZE, 2009) dos automatismos e dogmatismos, fazer denúncia e quebra de
clichês, assim como mover-se em meio às imagens-tempo do cinema para experimentar
o jorro da vida em vias de diferenciação.
Importava uma „cartografia do cotidiano‟ (CARVALHO, 2008) escolar que
fizesse „mostragem‟ (DELEUZE, 2007) dos movimentos do pensamento nas redes de
conversações com professores em formação continuada num jogo de dobras, fazendo
perceber a face límpida (visível) e a opaca (invisível) das imagens escola, provocadas
pelas imagens cinematográficas do filme de curta metragem Balão Vermelho.
Quando a imagem virtual se torna atual, então é visível e límpida, como um
espelho ou na solidez do cristal terminado. Mas a imagem atual também se
torna virtual, por seu lado, remetida a outra parte, invisível, opaca e
tenebrosa, como um cristal que mal foi retirado da terra. O par atual-virtual
se prolonga, pois, imediatamente em opaco-límpido, expressão de sua troca
(DELEUZE, 2007, p. 90).
A partir dessas concepções, as imagens do filme se entrelaçaram às redes de
conversações com professores, imbricadamente, formando imagens-cristal, as quais
seus espelhos tomavam a atualidade dos docentes e da escola que, consequentemente,
encontravam suas imagens virtuais correspondentes. Deste modo, o presente texto
objetivou compreender, por meio do encontro entre as imagens cinema com as imagens
escola, o que devém nos encontros cotidianos entre professores e crianças?
Encontros com o outro do pensamento: entre imagens e professores e crianças e
balão vermelho...
A escola apresenta seus modos de composição: professores, pensamentos,
famílias, imagens, crianças, conteúdos disciplinares. Está aberta aos acontecimentos,
aos duplos movimentos de busca por escavar a profundidade das coisas, a estrutura das
experiências, uma consciência já dada e a identidade das relações. Porém, o duplo abre
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o campo das experimentações para o deslizar pela superfície das relações educativas e
de suas afecções e sensações.
A escola, também devém ao permitir a tessitura de linhas nômades que
percorrem os desertos e que almejam o encontro de corpos e a composição de um plano
estilístico de vida, pois “[…] na superfície, primeiro se levantam estes duplos ou estas
Imagens aéreas; depois, no sobrevôo celeste do campo, estes Elementos puros e
liberados […] outrem desaparecido”. (DELEUZE, 2011, p. 325). É na superfície das
relações escolares que devém o encontro com o outro que estava desaparecido, apagado
ou excluído: o encontro com o outro do pensamento.
O devir é intempestivo, não estruturado. Não apresenta uma imagem-fixa.
Como, então, perceber o que devém do encontro com o outro do pensamento? Como
compreender as imagens recortadas do „plano-sequência‟ (DELEUZE, 2007) e os afetos
que se descolam das imagens-movimento, permitindo sentir os processos de criação que
se dão no encontro com o outro do pensamento?
O que se passa entre cinema e formação deixa algumas pistas. Convoca o olhar e
violenta o pensamento a se chocar contra o apagamento de outrem e chama a atenção
para a potência do devir. As imagens do filme “O balão vermelho”, uma produção de
1950, evocam a tessitura de conversas com os docentes.
O filme permite mover-se sobre a superfície de uma relação singular e
incorporal entre um garoto e um balão. Uma criança desliza pelas ruas da periferia
parisiense, cartografando os enquadramentos, até se encontrar com um balão vermelho
que estava em perigo, preso e solitário no alto de um prédio. Um afeto emerge: era
preciso ajudá-lo...
Imagem 1: Imagem do filme “O balão vermelho”
Fonte: <https://www.youtube.com/watch?v=_SaRIP44CQQ>. Acesso em: 18-05-2014.
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Ao liberar a passagem para o balão, a criança ganha sua lealdade, e o novo
amigo passa a segui-lo pelas ruas de Paris, por bondes, escolas, becos e avenidas... A
criança entra em relação com o balão. O balão vermelho a provoca, alegra,
As crianças realizam viagens histórico-mundiais sem saírem do Continente
da Infância e da Arte [...] abrem e fecham portas, telhados e planos,
enlouquecendo totalmente o pensamento do bom senso da Infância e do
senso comum da Arte. Em suma, em devir-infantil, as crianças, cartógrafas-
impessoais-artistas fazem até voar os morcegos que bicam suas janelas [e por
que não voar com os balões?] (CORAZZA, 2008, p. 240, grifo nosso).
No agenciamento do desejo de experimentar uma vida outra, fazem amizade
com balões que voam sozinhos rumo ao encontro da alegria e, assim, um acontecimento
emerge no cuidado de si e do outro, no cuidado de uma relação de amizade em devir-
criança e devir-balão.
E na escola, o que devém nos encontros cotidianos entre professores e crianças?
Entre as imagens cinemas e as imagens escolas, o encontro com as imagens das
crianças coloca o pensamento em movimento. Provoca outros sentidos cognitivos para a
docência e para as redes de aprendizagens infantis. As cenas do balão vermelho
entrelaçavam-se com as memórias dos docentes ao narrarem suas histórias de encontro
com as crianças... Outra estética da existência pode ser sentida. Torna-se possível pensar
a “[...] docência como um lugar privilegiado de experimentação, de transformação de si
[...]” (FISCHER, 2009, p. 94).
E uma personagem-escola dispara: “O balão vermelho para mim é a curiosidade
das crianças e o desejo que têm por aprender e, eu penso que ensinar está diretamente
relacionado com a forma como nós, professores, nutrimos esse desejo”.
Imagem 2: Imagem do filme “O balão vermelho” – curiosidade da criança
Fonte: <https://www.youtube.com/watch?v=_SaRIP44CQQ>. Acesso em: 18-05-2014.
Criança e balão conquistam-se. O desejo de experimentar dá passagem para
imagens-afecção e cria pontes para sua efetuação. O acontecimento da conquista abre
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um campo possível para a afirmação de uma vida bela que não se deixa aprisionar pela
dureza da sociedade moderna, pelos enquadramentos da infância, que não lhes
permitem o direito de entrar com seus sonhos em locais sérios demais, como o bonde e
a escola, punindo-as com a inércia de um mundo sem inventividade.
Professores, parentes e amigos tentam tirar o balão do garoto, mas ambos traçam
suas linhas de fuga, brincam de esconder, inventam planos para enganar os adultos.
Tecem uma relação sensível.
Imagem 3: “O balão vermelho” e as tentativa de enquadramento do devir-criança e do devir-
balão
Fonte: <https://www.youtube.com/watch?v=_SaRIP44CQQ>. Acesso em: 18-05-2014.
Assim,
[...] como mapeadoras intensivas dos movimentos das relações pedagógicas
de poder e dos deslocamentos dos saberes curriculares, as crianças
redistribuem os impasses e a abertura desse poder, limiares e clausuras desses
saberes, limites e superações dos seus modos de subjetivação, em busca do
Acontecimento [...] (CORAZZA, 2008, p.240).
As crianças sabem “profanar” a vida (AGAMBEN, 2007). E nós, professores,
não estaríamos demasiadamente endurecidos, de modo que não nos entregamos aos
acontecimentos e aos encantamentos das/nas salas de aulas? Não estaríamos sujeitados
pela ordem disciplinar de controle dos corpos e dos pensamentos, da afetividade que
não nos permite segurar o balão?
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Imagem 4:“O balão vermelho” – O professor que tenta apreender o devir-balão
Fonte: <https://www.youtube.com/watch?v=_SaRIP44CQQ>. Acesso em: 18-05-2014.
As narrativas do filme mostram como algumas imagens ortodoxas de
pensamento se fixam nas instituições, entre estas, a escola. O engessamento das relações
e do encontro com o outro do pensamento por essa imagem-moral tenta bloquear a
abertura do campo das experimentações para o que é colorido, para o desejo de encontro
da criança, mantendo em seu seio a lógica da disciplina, do enfileiramento dos corpos,
da punição dos que subvertem a ordem do estabelecido, tentando aprisionar o tempo da
infância a sua projeção futura e não a um tempo em que a criança possa experienciar sua
duração e o sentido dos acontecimentos, ou seja, a vida em sua diferenciação.
Nas conversas com os docentes, outras histórias de professores provocam o
pensamento a buscar o heterogêneo e o encontro com o “outro”: Fico pensando que, às
vezes, a criança chega toda empolgada na minha mesa para perguntar, ou até mesmo
para contar uma coisa que lhe aconteceu, e estou tão atarefada, com tanta coisa para
fazer, que nem dou a devida atenção ao que ela estava dizendo, nem noto se seus olhos
estavam brilhando. Eu sei que não faço isso porque não gosto da criança, mas tem uma
força maior que me obriga a cumprir com os conteúdos do livro, com o preenchimento
das pautas, com a correção dos cadernos. Mas vejo que tenho que fazer de outra forma,
porque, assim, acabo minando com o desejo de aprender da criança (Narrativa da
personagem-escola B).
A imagemnarrativa argumenta sobre a necessidade da constituição de uma ética
e de uma estética docente que coloca em questão a possibilidade de tecer um outro
estilo para as práticas pedagógicas. A transformação de si e a abertura para sentir e viver
os acontecimentos escolares perpassam por uma dobra na força que sujeita os
indivíduos ao engessamento e os distanciam do “outro”. É um convite estilístico de
desaprender a ser triste...
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As imagens cinematográficas de “O balão vermelho” potencializam as
imagensnarrativas docentes ao abrirem o campo da percepção para imagens-afecções
de um encontro estabelecido entre criança e balão em devir, permitindo a produção da
liberdade, o encantamento e experimentações (in)corporais, que só em devir-criança e
devir-balão são capazes de traçar um plano de fuga das durezas da sociedade “produtiva
demais”, competitiva, intolerante, impaciente e demasiadamente cruel.
O convite é para devir-criança. Infantilizar-se com a beleza das coisas, dos
pensamentos e das pessoas. Essa é a arte do encontro. Abrir-se à magia do inesperado e
provocar o olhar para a potência das relações tecidas nas salas de aula pela emergência
do acontecimento e de toda sua capacidade de ser inesgotável, “[...] porque é imaterial,
incorporal e virtual” (CORAZZA, 2008, p. 240).
Imagem 5: Imagem do filme “O balão vermelho” – A arte do encontro entre devires
Fonte: <https://www.youtube.com/watch?v=_SaRIP44CQQ>. Acesso em: 18-05-2014.
O cinema desliza sobre as imagens-mundo e faz mostragem dos dogmatismos,
ao expor o endurecimento das relações humanas que sobrecodificam também as crianças,
já que nem todas são capazes de se lançar aos encontros e ao campo do devir. O cinema
convida a desaprender a ser triste e a desaprender o que não nos serve.
O que fazemos na escola, em nossas salas de aula com as crianças vem me
fazendo pensar no que vale realmente a pena na educação. Quando eu comecei no
magistério, eu pensava que o mais importante era instruir bem meu aluno, mas hoje eu
penso que de nada adianta eu encher a cabeça das crianças com um monte de
conteúdos, com regras. Eu tento fazer o máximo para que a minha sala de aula seja um
lugar especial, lugar de brincadeira, de fantasia, e eu me divirto com isso, me canso
também, mas depois vejo que isso é que é legal na nossa profissão (Narrativa da
personagem-escola V).
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E, como um balão e uma criança que devêm e resistem às tentativas de
aniquilamento da imaginação e do desejo, a docência se reinventa como uma obra de
arte. Cria outros olhares mais sensíveis para as relações educativas.
O cinema convida a abrir-se à experiência do acontecimento e devir como
criança e como balão. O convite é para transformar-se, produzir a diferença pelo
cuidado ético de si e do outro, pois,
[...] a constituição para si de um estilo de vida teria a ver com a dinamização
de uma capacidade de provocar, de duvidar, de dedicar-se a si mesmo com
vigilância e esforço, com vigor, com entrega ao genuíno desejo de
desaprender o que já não nos serve [...] (FISCHER, 2009, p. 95).
As imagens de “O balão vermelho” colocam o pensamento docente em
movimento. Fazem mostragem das linhas molares que escavam relações de
profundidade, que visam à estruturação do outro e, assim, constituem alguns processos
de subjetivação que moldam o comportamento de meninos e meninas a agirem de
acordo como se pede, pela disputa do espaço e destruição do outro. O balão é
apedrejado, estouram imagens-sonho.
Imagem 6: Imagem do filme “O balão vermelho” – Luta pela existência de uma vida outra
Fonte: <https://www.youtube.com/watch?v=_SaRIP44CQQ>. Acesso em: 18-05-2014.
Entre imagens-sonho e Cinema e Educação: algumas considerações e encontros
possíveis
Estaria o menino sonhando com um encontro afetivo com um balão? Estariam as
imagens do filme a desencadear imagens-sonho de um encontro possível entre crianças
e professores e tantos outros do pensamento?
Deleuze (2007) convida a pensar nessas imagens não como imagens-lembranças
virtuais de um encontro, mas, a partir de Bergson, como um circuito que liga as
sensações do mundo exterior ao interior. Assim, as imagens de “O balão vermelho”
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mostram o movimento de dobras possível no encontro com o outro do pensamento, que
se faz nos processos de profundidade e de superfície da cartografia de uma vida.
Dormindo… a criança cartografa imagens-sonho como percursos nômades
criados por seu encontro com o balão e, também, traça outras linhas de existência por
entre ruas, escolas, avenidas… pois, “[…] as percepções da pessoa que dorme
subsistem, porém no estado difuso de uma nuvem de sensações atuais, exteriores e
interiores, que não são apreendidas por si mesmas, escapando à consciência”
(DELEUZE, 2007, P. 73).
As imagens-sonho desenhadas pelo filme apresentam imagens de encontros
possíveis, encontros que desencadeiam um devir… uma outra força, uma potência, uma
outra existência possível. A imagem virtual de crianças estourando o balão não prolonga
o vínculo sensório-motor, não remete logo à atualização do fim do encontro entre o
menino e o balão, mas atualiza outras imagens, outras composições com o outro do
pensamento.
Desse modo, a imagem-movimento é paralisada. Isso, porque a vida não se deixa
enquadrar e nem se entrega a um pensamento da representação. A maneira de perceber
o outro como afecção de si é o que permite que outras imagens de pensamento surjam e
quebrem os clichês que buscam fixar a reprodução das pessoas e de seus papéis sociais,
não aceitando mais os modelos de criança ou a „ideia de professoralidade‟ (CORAZZA,
2008), posta como a mais adequada para as escolas, para as ruas, para a existência da
humanidade.
Surgem imagens-sonho que também “[…] desempenham o papel de imagem
virtual atualizando-se numa terceira, ao infinito: o sonho não é uma metáfora, […] mas
um devir que pode, em direito, prosseguir ao infinito” (DELEUZE, 2007, p. 73).
[...] quando professores-e-artistas compõem, pintam, estudam, escrevem,
pesquisam, ensinam, eles têm apenas um único objetivo: desencadear devires.
Devires que não são sempre moleculares, já que devir não é imitar algo, nem
identificar-se com alguém, tão pouco promover relações formais entre
identidades. (CORAZZA, 2008, p. 243).
As imagensnarrativas da docência e as imagens cinema de “O balão vermelho”
apresentam um “sonho implicado”, que, como diz Deleuze (2007), ao separar a imagem
ótica e sonora de seu prolongamento motor, permite prolongá-las em movimento de
mundo.
Pelas imagens-sonho, a atualização de uma terceira imagem faz a ruptura do
vínculo sensório-motor e permite o surgimento do reflexo de outra imagem: a imagem-
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tempo. O jorro do tempo ao experimentar a duração do encontro entre menino e balão
deslizando pelo céu. A potência do devir-criança e do devir-balão na composição de
outras forças no campo do desejo educativo.
Assim como nas imagens do filme, nas imagensnarrativas tecidas pelos
professores, percebe-se que a “[…] câmera lenta libera o movimento de seu móvel para
fazer dele um deslizamento de mundo” (DELEUZE, 2007, p. 76). Ocorre a passagem de
uma suposta realidade (balão em fuga, balões em composição, professores a enunciarem
outros modos de existência) ao sonho (composições com o outro do pensamento). Os
movimentos da câmera, os movimentos da escola e os movimentos de conversações
entre os professores expressam esses movimentos de mundos, que se libertam no sonho
implicado.
A criança aterrorizada não pode fugir ante o perigo, mas o mundo se põe a
fugir por ela e a leva consigo, como sobre uma esteira móvel. As personagens
não se mexem, mas, como num filme de animação, a câmera faz mexer o
caminho sobre o qual elas se deslocam (DELEUZE, 2007, p. 76).
Imagem 7: Imagem do filme “O balão vermelho” – sonho implicado
Fonte: <https://www.youtube.com/watch?v=_SaRIP44CQQ>. Acesso em: 18-05-2014.
Assim, uma vida também ensina que é possível desterritorializar, embarcar com
o mundo em suas fugas. Torna-se possível perceber que o que devém nos encontros
cotidianos entre professores e crianças é a capacidade de fabular imagens-sonho que
criam linhas errantes, que seguem por caminhos desconhecidos, nômades, ao mostrar na
superfície das relações, lógicas mais sensíveis para os processos de criação e de devir-
outro: devir-criança e devir-balão. Como a câmera do cinema, os processos constituintes
da docência fazem mexer o caminho sobre o qual ela se desloca. E nos encontros entre
cinema e docências e infâncias também vão se compondo experiências de encontros
estilísticos com o outro do pensamento, cunhando outros sentidos para os movimentos
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educativos, cartografando suas experiências e mobilizando o pensamento para a criação
de outras imagens que impliquem os cuidados com o outro e consigo mesmo.
Referências
AGAMBEN, Giorgio. 1942- Profanações. Tradução e apresentação de Selvino José
Assmann. - São Paulo: Boitempo, 2007.
BERGSON, Henri. Matéria e memória: ensaio sobre a relação do corpo com o
espírito. Tradução Paulo Neves. 3ª ed., São Paulo: Martins Fontes, 2006.
CARVALHO, Janete Magalhães. O cotidiano escolar como comunidade de afetos.
Petrópolis, RJ: DP et Alii; Braísilia, DF: CNPq, 2009.
_______. Devir-docência potencializando a aprendizagem sem medo. XVI ENDIPE
- Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino. UNICAMP, Campinas, 2012.
_______. Cartografia e o cotidiano escolar. IN: Ferraço, C.E; Perez, C.L.V;
Oliveira,I.B. Aprendizagens cotidianas com a pesquisa: novas reflexões em pesquisa
nos/dos/com os cotidianos das escolas. Petrópolis: DP et Alii, 2008.
CORAZZA, Sandra Mara. Para artistar a filosofia-educação: sem ensaio não há
inspiração. Revista de Educação Pública. Cuiabá, v. 17, n.34, pp. 237-254, mai/ago,
2008.
DELEUZE, Gilles. Imagem-Tempo. 1985. Tradução de Eloisa de Araújo Ribeiro.
Brasiliense. 1ª ed., 2007.
FISCHER, Rosa Maria Bueno. Docência, cinema e televisão: questões sobre formação
ética e estética. Revista Brasileira de Educação, 2009, Vol.14(40).
O BALÃO VERMELHO. Direção: Albert Lamorisse. Paris, 1956.
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CINEMA E EDUCAÇÃO: (DES) DOBRAMENTOS DE EXPERIÊNCIAS COM
UM CURRÍCULO PARA “QUEM QUER SER MILIONÁRIO?
Rejane Gandini Fialho/ PMV- FABRA
Helder Januário Da Silva Gomes/ Ifes
Hiran Pinel/ PPGE-Ufes
Resumo
O presente artigo é oriundo de pesquisa com professores de diferentes instituições
públicas da região metropolitana do Espírito Santo que, em roda de conversas,
colocaram-se a problematizar as potencialidades do cinema para pensar a Educação,
mais especificamente, Currículo Escolar. Toma como disparador as imagens fílmicas de
Slumdog Millionaire (Quem quer ser um milionário?), pois desenham linhas de fuga
para as contraposições curriculares prescrito/vivido. Objetiva investigar as imagens de
existências e de espaçostempos de aprendizagens possíveis na constituição dos
currículos escolares. Toma como intercessores teóricos Gilles Deleuze (2006), Michel
de Certeau (1998) com o intuito de dialogar sobre currículos que atuam em redes,
fugindo do campo disciplinar e formando rizomas capazes de responder à pergunta do
policial que não consegue entender como Jamal (um jovem de 18 anos e assistente de
call center) pode chegar a disputar o prêmio máximo que nem professores, doutores e
intelectuais puderam vislumbrar: “O que um moleque favelado pode saber?”.
Metodologicamente, utiliza a potência das pesquisas com o cotidiano escolar,
mobilizando como instrumento de tecitura de redes de conversações com professores
(CARVALHO, 2009) por meio das imagens do cinema. O filme apresenta quatro
imagens como opções para o feito: trapaça, sorte, genialidade ou destino. Quão ligadas
estão essas alternativas às propostas de aprendizagem? Conclui que os docentes e as
imagens do filme vão indicando que as imagens de existências e os espaçostempos de
aprendizagens na constituição dos currículos escolares são complexos, diversos e
múltiplos, atravessando a produção das subjetividades pelos movimentos
teoricopráticos da escola e também de uma vida na produção de outros conhecimentos.
Jamal e tantos outros alunos sabem as respostas e, mais do que isso: tecem-nas em redes
de sentidos, caracterizando a potência de uma vida que escapa por meio da oralidade e
das experiências.
Palavras-chave: Currículo. Cinema. Aprendizagem.
Introduzindo algumas imagens e sabedorias
O conselho tecido na substância viva da existência tem um nome:
sabedoria. A arte de narrar está definhando porque a sabedoria – o
lado épico da verdade – está em extinção. Walter Benjamin. O narrador.
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O movimento de dobras proposto por Gilles Deleuze (1968) ajuda a pensar na
tecitura da existência e das experiências como algo incessante e que move-se pelas
relações de si com o mundo, permitindo problematizar com professores da rede pública
de escolas situadas em municípios que compõem a Região Metropolitana do Espírito
Santo (Vitória, Serra e Vila Velha), durante o ano de 2015, a constituição de
determinados territórios onde se experimentam e produzem movimentos curriculares.
Dobrando-se e desdobrando-se diante das cenas de uma vida, o cinema convida a pensar
a Educação. Uma vida marcada por experiências... Jamal sabia as respostas e, mais do
que isso: ele soube tecê-las na rede de sentidos caracterizando a potência da vida que
escapa por meio da oralidade. Essa tática, vista a partir do pensamento de Certeau
(1998), leva às discursividades que nos fazem compreender melhor um dos campos do
currículo pelas imagens do filme “Quem quer ser milionário?”.
A sabedoria, apresentada por Benjamin, pelo viés da narração, constitui-se como
um movimento de dobras inerentes à vida humana que produz saberes, fazeres e poderes
que ajudam a movimentar o pensamento, a buscar - em meio à „repetição cotidiana, a
diferença‟ (DELEUZE, 2006), possibilidades para a produção de outros sentidos
cognitivos, linguísticos e afetivos para os currículos escolares e para a vida. Assim, a
sabedoria da narração apresenta-se nesse texto como um movimento de dobras entre as
imagens do filme e as imagens do pensamento dos professores explicitadas por suas
redes de conversações.
Deste modo, o presente trabalho teve como objetivo investigar imagens de
existências e de espaçostempos de aprendizagens possíveis na constituição dos
currículos escolares. Tomou como principais intercessores teóricos Gilles Deleuze e
Michel de Certeau com o intuito de dialogar sobre currículos que atuam em redes,
fugindo do campo disciplinar e formando rizomas capazes de responder à pergunta do
policial que não consegue entender como Jamal (um jovem de 18 anos e assistente de
call center) pode chegar a disputar o prêmio máximo que nem professores, doutores e
intelectuais puderam vislumbrar: “O que um moleque favelado pode saber?”.
Metodologicamente, utiliza a potência das pesquisas com o cotidiano escolar,
mobilizando como instrumento de pesquisa a tecitura de redes de conversações com
professores (CARVALHO, 2009) como potência para agenciar as narrações disparadas
pelas imagens do cinema e entrevistas semiestruturadas realizadas em nove escolas,
abordando trinta professores.
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Imagens cinema e os espaçostempos que marcam a aprendizagem
Carregado de toda a realidade que uma fantasia é capaz de criar, o roteiro de
“Quem quer ser um milionário?” foi adaptado do best seller indiano Q & A, de Vikas
Swarup. A maioria dos espectadores do filme é capturada logo na primeira cena pela
fotografia atraente, pela música incidental misturada à sonoplastia indiana e pelo
questionamento: como um menino da favela conseguiu chegar ao topo de um jogo
televisivo por onde já passaram tantos outros sem sequer chegarem à pergunta final?
Órfão muçulmano, Jamal cresceu ao lado do irmão Salim e da pequena Latika,
por quem nutre uma paixão desde pequeno. É um roteiro sobre amor e destino, mas que
muito ajuda a conversar sobre Educação e Aprendizagem. Partindo do conceito de
Deleuze (1968) para a dobra, podemos inferir que Jamal exprime a invenção de
diferentes formas de relacionar-se consigo e com o mundo, ora dentro, ora fora do que a
vida lhe ofereceu como possibilidade.
Enquanto é torturado, o rapaz afirma ao policial: “Eu sei as respostas”. A certeza
é capaz de levar à dúvida o mais reticente dos homens. Desde que assistimos pela
primeira vez ao filme essa afirmação trouxe uma inquietação aos professores: por que
buscamos uma resposta para a certeza de tantos AlunosJamal que povoam as ruas
brasileiras, que passam por nossas escolas e potencializam respostas que não
conseguimos ainda tecer?
O movimento de dobras, em Jamal, expõe-se em um processo de organização do
conhecimento que o captura por meio de um sistema de códigos próprio do sistema
capitalista, uma subjetivação quando descortina diferentes formas de produção de
subjetividade em uma determinada formação social. Para Deleuze e Guatarri (1992), a
subjetivação constitui um modo intensivo e não um sujeito pessoal. Daí inferimos que o
processo de subjetivação vivenciado por Jamal traduz o modo singular pelo qual se
estabelece a flexão de certos tipos de relação de forças, seja na escola, na TV, no
trabalho, na constituição familiar...
Quantos “ProfessoresJamal”, parafraseando mais uma vez a unidade
indissociável de termos, proposta pelas professoras Regina Leite Garcia e Nilda Alves
(2000) sabiam a resposta, mas foram excluídos dos contextos de formação? Quantos
alunos são forçados a abandonar a complexidade dos cotidianos em nome de um saber
anteriormente sistematizado e programado? Escapando da contraposição
prescrito/vivido, o filme apresentou aos professores possibilidades de diálogos levando
a uma proposição de currículos que atuam em redes, fugindo do campo disciplinar e
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formando rizomas capazes de responder à pergunta do policial que não consegue
entender como Jamal (um jovem de 18 anos e assistente de call center) pode chegar a
disputar o prêmio máximo que nem professores, doutores e intelectuais puderam
vislumbrar: “O que um moleque favelado pode saber?”.
O filme é baseado na história real de um menino que perdeu a mãe em uma
guerra religiosa, estudou pouco e afirma saber ler com tamanha segurança que nos leva
a acreditar que ele gosta de ler muito mais do que sabe ler. Jamal foi morador de rua e
talvez por esse motivo chame tanto a atenção dos brasileiros: a pobreza apresentada nos
é muito familiar, com cores saturadas e uma câmera inquieta que faz da favela em
Mumbai (Índia) um espaçotempo muito próximo dos brasileiros. Em “O que é a
filosofia?” Deleuze e Guatarri (1992) explicam que a criação de todo conceito está
diretamente relacionada a um problema com o qual o filósofo se vê confrontado. Diante
dos problemas o personagem experimentava os conceitos (sistematizados pela escola ou
que emergiam pela vivência cotidiana em outros espaçostempos de aprendizagens) e
deles se apropriava para constituir sua existência. Essa similaridade social reportou
professores às intensidades do cotidiano e às tênues linhas de possibilidades de dobras
criadas e praticadas no plano de imanência, ou seja, no plano de uma vida em que as
imagens são capazes de aguçar.
O filme vai movimentando suas imagens, que se apresentam como opções para o
entendimento das respostas dadas pelo personagem: trapaça, sorte, genialidade ou
destino. Quão ligadas estão essas imagens às propostas de aprendizagens intensivas?
Essa pergunta movimenta o pensamento, capturado inicialmente pela linha poética do
filme e que segue aprofundando-se em um questionamento sobre a possibilidade de
produção de conhecimentos e de experimentação da aprendizagem em diversas
instâncias, espaços e temporalidades.
A narrativa fílmica apresenta ao pensamento a consideração de que a proposta
curricular para a “sabedoria” começa bem antes da entrada na escola, tecendo-se no
cotidiano de Jamal e de seu irmão Salim. As imagens da existência se teciam em meio
ao que Benjamin (1996) retratou como experiência: cada experiência, um aprendizado e
mais algumas rúpias no jogo. Ele havia investido com muita persistência para ter o
autógrafo do ator cujo nome foi solicitado na primeira pergunta do jogo e, mesmo o
papel assinado tendo sido vendido pelo irmão, Jamal jamais esqueceria o que aprendeu.
Assim conseguiu as primeiras mil rúpias no jogo e deu início a um caminho pautado na
complexidade das relações cotidianas.
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Neste contexto, os docentes entrelaçavam imagens do filme com as imagens de
suas práticas e ressaltavam em conversações: “Em sala de aula a gente faz o tempo todo
referências à vida cotidiana porque eles fazem a relação e aprendem. Se não for assim
fica parecendo que a escola está falando de algo que não existe” (Professor 18)”.
Na segunda pergunta o protagonista nos leva a um importante questionamento: o
que é importante saber? Quem deve saber o quê? A pergunta feita era considerada de
um nível bastante fácil, mas Jamal não sabia respondê-la e recorreu à plateia. O policial
diz a ele que qualquer criança de cinco anos saberia aquela resposta e o garoto, então,
retruca com questionamentos que refutam a afirmação: o senhor sabe quem roubou a
bicicleta em Juhu (bairro onde ele morava) na semana passada? A partir da negativa do
investigador, ele diz: qualquer criança de cinco anos por lá sabe quem foi. Assim, Jamal
mostra a necessidade de compreendermos os modos e as intensidades do que está sendo
estudado, tanto quanto suas formas e conteúdos.
O plano de imanência discutido por Deleuze (1968) rompe com uma imagem do
pensamento que remete o próprio pensamento a pressupostos implícitos que têm como
base a forma pessoal e individual de um sujeito empírico. Do mesmo modo, Jamal
rompe com o plano cartesiano proposto/ imposto ao pensar e desenvolve um movimento
que ultrapassa o recurso estabelecido das memorizações mecânicas, muitas vezes
sistematizadas pelos sistemas de ensinos.
Assumindo diálogos permanentes com o cotidiano, o menino da favela de
Mumbai chegou à terceira pergunta e os nossos professores, a mais um questionamento:
como produzir uma nova imagem do pensamento? Para Deleuze (1968), pensar não é o
exercício natural de uma faculdade: nós só pensamos raramente e sempre a partir do
encontro com algo que nos força a pensar. A questão posta a Jamal tratava de
conhecimento sobre um poeta indiano que escreveu uma das mais belas poesias
musicadas. Jamal havia aprendido com a mãe essa canção e foi levado a pensar que
poderia ganhar dinheiro cantando profissionalmente. Assim ele conheceu Surdas, autor
de Darshan do Ghanshyam. Pensar exige uma relação imediata com o “fora”, como
parte constituinte da dobra.
A escola continua priorizando a memorização, mesmo que alguns
profissionais tentem fazer diferente, a gente está sempre encontrando alunos
e professores que se voltam para o não refletir. Essa é a imagem que a gente
tem hoje da escola: decoreba, boas notas e aprovação (Professora 35).
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A cena em que resolve ser guia turístico no Taj Mahal nos coloca frente a frente
com as inúmeras possibilidades de significações que vão sendo embricadas no contexto
da formação. Jamal traz a história do templo para dias atuais, dá seus próprios sentidos,
mata a personagem em um acidente de trânsito com um engarrafamento enorme e,
enfim, escreve uma nova história para o Taj Mahal. Ele ouviu contar por um guia
turístico, confundiu datas que para ele não faziam o menor sentido, vestiu-se de
autoridade e contou uma nova história. Relacionou a história ao seu tempo, sem
qualquer mediação e seguiu tecendo suas “emissões de singularidade” (DELEUZE,
1968), fazendo do pensar imensa potência de invenção.
A próxima questão a ser respondida por Jamal é sobre quem está estampado na
nota de cem dólares. Ao responder corretamente que era Benjamin Franklin, o garoto
confunde mais uma vez o investigador, já que não sabia quem estava na nota de mil
rúpias, ou seja, Gandhi. Como poderia Jamal conhecer sobre uma cultura que não é a
dele? E na explicação o menino mais uma vez demonstra a confirmação da teoria na
prática. Um amigo cego o havia ensinado a partir de uma pergunta. Ao questionar quem
estava na nota fez com que Jamal a observasse e a aprendizagem se fez mais uma vez
repleta de sentido, compondo o que Deleuze (1968) chamou de campo transcendental,
povoado de singularidades-acontecimentos providos de uma “energia potencial”.
O rapaz indiano subverte as representações desde a infância e não aceita “as
máscaras da conformidade”, conforme abordado por Certeau em “A invenção do
Cotidiano” (1998). Jamal utiliza-se mais da „tática‟ do que da „estratégia‟ (CERTEAU,
1998) uma vez que esta última tem a identidade e o modo de operar já determinados.
Mas, ao contrário, foi capaz de se desestruturar e agrupar-se novamente com
naturalidade, uma resiliência necessária ao processo de tecitura que nos leva à
aprendizagem. Jamal não está atado à estratégia porque é flexível, não está amarrado a
uma localização espaçotemporal própria. Tal como o modelo tático de Certeau (1998),
Jamal é capaz de realizar um agrupamento de forma ágil para responder a uma
necessidade.
O autor afirma que uma tática infiltra, mas não tenta dominar e não se envolve
em sabotagem. Ciente de seu status de "fraca", a tática não faz nenhuma tentativa de
enfrentar a estratégia de frente. Jamal é um jogador e assim permanece até a
aprendizagem final, manifestando-se muito mais na metodologia do que na estrutura e
aí está parte significativa do poder da tática já que promove uma subversão difícil de ser
mapeada ou descrita. O apresentador dá ao rapaz uma resposta, mas ele faz outra
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opção. Por qual motivo optou por outro caminho? Quando subverteu a ordem de
confiança no apresentador, Jamal modificou o caminho da tática e, também os
professores, questionam sobre os caminhos que os alunos tomam entre táticas e
estratégias.
Às vezes a gente traz uma reflexão e os alunos vêm com respostas que
seguem outras lógicas. Nós poderíamos dizer que estão erradas essas
respostas, mas pensando no caminho que percorreram e no que viveram
aquilo faz muito sentido (Professora 22).
Buscando no filme pontos que nos aproximam de Michel de Certeau e Gilles
Deleuze, que se dedicaram a pensar sobre as invenções cotidianas como modos de
experimentar e de produzir conhecimentos para além da reprodução do mesmo, importa
também indagar: quais diálogos são possíveis com as perspectivas de formação de uma
sociedade cada vez mais instantânea, unida por uma diferença cada vez mais igual?
Onde estão as sinapses capazes de levar à ligação entre o que se sabe , o que se espera
que saibamos e o que somos capazes de compartilhar? Jamal aprendeu com o irmão sem
escrúpulos, com o algoz explorador de crianças, com a menina que amava, com a mãe,
com o insulto do professor. Tal como no filme, a rede cotidiana se constitui nos
processos de formação de professoresalunos dentrofora das escolas. Como essa rede se
constitui na sociedade atual e como se concretiza na formação das gerações marcadas
intensamente pela tecnologia é um desafio para todos nós que aos poucos fazemos
conexões capazes de estabelecer sentidos com grupos diversos, possibilitando a
desvinculação do homem de um mundo previamente programado.
As „redes de conversações e ações complexas‟ (CARAVALHO, 2009) tecidas
durante a pesquisa com os professores foram também apontando para a complexidade
de seus processos constituintes e das diversas imagens do pensamento que surgem ao se
falar da escola, do currículo e da aprendizagem, já que também se formam pelas
experiências produzidas dentrofora das escolas.
Ao dialogarem sobre as diferentes imagens presentes no filme, não preocupados
em classificá-las entre trapaça, sorte, genialidade ou destino para as respostas do
personagem, os docentes em suas narrativas compreendem que as redes de
conhecimentos, linguagens e afetos presentes nas escolas rompem com a possibilidade
de uma totalidade curricular estática, explicando-se a partir das produções discursivas
que vão dar sentido à materialidade. Apenas quando materializou-se, o conhecimento
fez sentido para Jamal e ainda assim permanecia sem o menor significado para alguns
grupos de telespectadores.
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As imagens fílmicas de “Quem quer ser um milionário?” vão deslizando entre a
dureza de uma sociedade totalitária, previamente fabricada, consumista e individual e
entre a composição de intensidades e de agenciamentos feitos em diferentes
espaçostempos de aprendizagem. Imbricada nesse movimento de dobras, a narrativa
fílmica vai possibilitando a desconstrução da ideia de identidade do muçulmano que
apresenta uma essência fixa. A cultura apresentada por Jamal produz um discurso sobre
o mundo e suas relações, algo potente trazido à tona para simplesmente seguir algum
curso na vida. Ele toma a palavra, estabelece conexões e cresce no jogo. Busca
parceiros todo o tempo (na plateia, na sorte, nas vivências, nas materialidades, no
amor...) e com a ajuda desses atravessamentos vai ressignificando, aproximando e
criando suas redes de aprendizagens.
Do cinema ao cotidiano as imagens se entrelaçam em pequenas apostas em outro
mundo de aprendizagens possíveis
Se para Agnes Heller (2004) o cotidiano é reprodução, marcado pela alienação;
para Certeau (1998) há nesse cotidiano a possibilidade da crítica, do escape e, para
Deleuze (2006), é nesse cotidiano ou plano de imanência que pode-se provar diante da
repetição cotidiana o surgimento potente da diferença. É nesse instante do escapar
potencializado que um rapaz indiano vai modificando não apenas a sua vida, mas a de
milhares de indianos que passam a acreditar na possibilidade de um fazer diferenciado
com temporalidades superpostas em um mesmo tempo histórico e, assim, a diferença se
apresenta como um possível.
O filme retrata ainda como Jamal aprendeu a lidar com as relações de poder que
se colocam no dia a dia como verdadeiras armadilhas do tempo. São representações que
coadunam com o tempo em que estão sendo vivenciadas e repensadas. A proximidade
com o que está sendo argumentado ao policial faz circular entre eles representações de
saberes que atuam como dispositivos de legitimidade. Encontrando o que havia de
comum em diferentes movimentos, o diretor nos apresenta uma sociedade de cegos, tal
como José Saramago nos mostra no romance “Ensaio sobre a cegueira” (1995): “A
sociedade hodierna é uma sociedade de cegos; cegos que veem”. Mas Jamal vê e
agencia outros olhares por meio de uma proposta de resistência, indignação, persistência
e reinvenções.
É um olhar a partir do cinema, mas que abarca toda a sociedade e suas
instituições, marcado pela intensidade. Conforme Deleuze (2006), é sempre pela
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intensidade que o pensamento nos advém, uma intensidade que se produz no encontro
com o que força a pensar.
Podemos afirmar que o roteiro de “Quem quer ser um milionário?” é actante,
coloca o pensamento em movimento... Revela invisibilidades que nos levam a aprender
e desaprender e aprender... complexidade latente no discurso de Jamal: uma história e
seus acontecimentos. Os docentes colocam em questão as invisibilidades que provocam
o pensamento e não deixam que adormeça sobre o paradigma da pura representação
mecânica:
“Os alunos criam conexões para chegarem ao aprendizado final e assim a gente
acaba chegando a um conteúdo que não estava estabelecido inicialmente nem por eles e
nem por mim. Acho isso maravilhoso, mas também assustador porque a gente sai muito
do que foi programado”.(Professor 18).
A vida foi para Jamal, assim como para vários alunos brasileiros, um
espaçotempo de infinitas aprendizagens, ressignificadas conforme se apresentavam os
questionamentos. Por outras vozes ele contou sua história e jogou. Diversas vezes o
filme mostra essas situações de aprendizagens fora da escola: vendendo batatas,
negociando sua música, acessando a internet, pesquisando... Rompendo com o estigma
de que só se aprende na escola, a partir de um currículo elaborado e organizado para
criar vencedores. Jamal mostra ao mundo como o conhecimento se tece em redes, com
espaçostempos diversos e complexos.
Assim, para os professores que participaram desta pesquisa, “Quem quer ser um
milionário?” esclarece que educar e educar-se é uma atividade realizada a partir da
coletividade, pautada na flexibilidade e não pressupõe a existência de um roteiro pré-
estabelecido, limitador tanto da forma quanto do conteúdo. O filme ajuda a entender
alguns processos de transformação pelos quais passam a escola e a sociedade. Apresenta
temáticas transversais latentes no cotidiano das aprendizagens significativas, tal como
nos ensina Alves (2000): “[...] fique claro ser a prática um lócus de produção de
conhecimentos que muitas vezes antecipa o que a teoria mais tarde afirma ser a verdade
científica”.
A discussão sobre a dicotomia entre teoria e prática evidenciada pela narrativa
do filme se apresenta atualmente por outro viés pelos olhares de muitos estudiosos do
currículo escolar. O que tem chamado atenção é uma aposta em movimentos de dobras
entre praticateoriapratica, de modo indissociável, destituindo os lugares demarcados de
poder de uma sobre a outra, assim como argumenta GARCIA (2003): “Há diferentes
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lógicas presentes na sala de aula e há caminhos diferentes de chegarmos ao mesmo
lugar”.
Para compreender o que dizia Jamal, o policial teve que despir-se de uma série
de pré-conceitos para investir na compreensão de uma lógica bastante diversa da que foi
experimentada por ele. As lógicas que constroem o sentido do saber são, para Jamal,
bastante diversas daquelas propostas pela escola. As conversações com os professores
também caminham nesta direção, indicando que as aprendizagens são múltiplas e que
não cabe à escola definir quais são validadas e quais são desprezíveis à vida.
Os docentes e as imagens do filme vão indicando que as imagens de existências
e os espaçostempos de aprendizagens na constituição dos currículos escolares são
complexos, diversos e múltiplos, atravessando a produção das subjetividades pelos
movimentos teoricopráticos da escola e também de uma vida na produção de outros
conhecimentos. Jamal e tantos outros alunos sabem as respostas e, mais do que isso:
tecem-nas em redes de sentidos, caracterizando a potência de uma vida que escapa por
meio da oralidade e das experiências.
Referências:
BENJAMIN, Walter. Experiência e pobreza. In: ______. Obras escolhidas: Magia e
técnica, arte e política. São Paulo: Editora Brasiliense, 1996. (Texto originalmente
publicado em de 1933).
CERTEAU, M. de. A invenção do cotidiano. Rio de Janeiro: Vozes, 1998.
DELEUZE, G. Différence ET répetition. Paris: PUF, 1968.
DELEUZE, G. e GUATARRI, F. O que é a filosofia?. São Paulo: Ed.34, 1992.
HELLER, Agnes. O Cotidiano e a História. Tradução de Carlos Nelson Coutinho e
Leandro Konder. São Paulo: Paz e Terra, 2004.
GARCIA, R. L.; MOREIRA, A. F. (ORG.). Currículo na Contemporaneidade. São
Paulo: Cortez, 2003
GARCIA, R. L.; ALVES, N. (ORG.). O sentido da escola. Rio de Janeiro: DP&A,
2000
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