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ILANA DA SILVA REBELLO VIEGAS CONTEÚDOS DE INTERPRETAR - A LEITURA COMO PASSAPORTE PARA A INTERAÇÃO COM O MUNDO Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para obtenção do título de Doutor em Língua Portuguesa. Área de Concentração: Estudos de Linguagem. Orientadora: Profª Drª Rosane Santos Mauro Monnerat Niterói 2009

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ILANA DA SILVA REBELLO VIEGAS

CONTEÚDOS DE INTERPRETAR -

A LEITURA COMO PASSAPORTE PARA A INTERAÇÃO COM O MUNDO

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para obtenção do título de Doutor em Língua Portuguesa. Área de Concentração: Estudos de Linguagem.

Orientadora: Profª Drª Rosane Santos Mauro Monnerat

Niterói 2009

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ILANA DA SILVA REBELLO VIEGAS

CONTEÚDOS DE INTERPRETAR -

A LEITURA COMO PASSAPORTE PARA A INTERAÇÃO COM O MUNDO

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para obtenção do título de Doutor em Língua Portuguesa. Área de Concentração: Estudos de Linguagem.

Aprovada em 06 de outubro de 2009.

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________________________________________ Profª Drª Rosane Santos Mauro Monnerat – Universidade Federal Fluminense

- Orientadora –

_________________________________________________________________________

Prof. Drª Maria Aparecida Lino Pauliukonis – Universidade Federal do Rio de Janeiro

_________________________________________________________________________

Prof. Drª Leonor Werneck dos Santos – Universidade Federal do Rio de Janeiro

_________________________________________________________________________

Prof. Drª Norimar Pasini Mesquita Júdice – Universidade Federal Fluminense

_________________________________________________________________________

Prof. Drª Beatriz dos Santos Feres – Universidade Federal Fluminense

_________________________________________________________________________

Suplente: Prof. Dr. Ronaldo Amorim – Faculdade Cenecista de Itaboraí

_________________________________________________________________________

Suplente: Prof. Drª Lygia Maria Gonçalves Trouche – Universidade Federal Fluminense

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A todos que procuram superar o medo e instaurar a

esperança nas aulas de língua portuguesa.

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Agradeço a DEUS, por sua constante presença;

à minha FAMÍLIA, pelo incentivo;

ao meu esposo LUIZ JÚNIOR, por me fazer feliz e por compreender a minha ausência em

alguns momentos;

à ROSANE MONNERAT, pela orientação dedicada e competente;

aos professores da BANCA, pela leitura crítica deste trabalho;

aos PROFESSORES da UFF, pelo conhecimento adquirido;

ao INSTITUTO de Letras da UFF, por me acolher tão bem;

aos meus ALUNOS, por me mostrarem que o ensino de leitura e interpretação precisa ser

reformulado,

à FABIANA, pela colaboração no resumo em inglês e

ao meu irmão IBER, pela ajuda na arte desses agradecimentos.

A todos o meu MUITO OBRIGADO!

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“Ensinar é um exercício de imortalidade. De alguma

forma continuamos a viver naqueles cujos olhos aprenderam

a ver o mundo pela magia da nossa palavra. O professor,

assim, não morre jamais...”

Rubem Alves

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SINOPSE

Análise de atividades de compreensão e interpretação de

textos, realizadas por alunos de escolas públicas, de níveis

diversos, e de entrevistas com professores sobre quais

conteúdos são por eles trabalhados em interpretação textual,

com base na Teoria Semiolinguística de Análise do Discurso

e nos pressupostos teóricos da Linguística do Texto.

Proposição de atividades com “conteúdos de interpretar”, a

partir de sequências didáticas, envolvendo diferentes modos,

tipos e gêneros textuais.

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1: Fatores pragmáticos da textualidade (Beaugrande & Dressler: 1983) --------- 32

Gráfico 2: Fatores responsáveis pela coerência (Koch & Travaglia: 2000) ---------------- 34

Gráfico 3: Coesão gramatical e lexical (Val: 1999) ------------------------------------------- 35

Gráfico 4: Coesão gramatical e lexical (Duarte: 2003) ---------------------------------------- 36

Gráfico 5: Etapas do ato de ler (Silva: 2005b) ------------------------------------------------- 48

Gráfico 6: Pistas contextuais empregadas para a interpretação de enunciados (Dascal &

Weizman: 1987 apud Marcuschi: 2008) -------------------------------------------

50

Gráfico 7: Diagrama do modelo de produção de textos (Meurer: 1997) ------------------- 52

Gráfico 8: Teoria da cebola semântica (Marcuschi: 2008) ----------------------------------- 55

Gráfico 9: Horizontes de compreensão textual (Marcuschi: 2008) -------------------------- 56

Gráfico 10: Processo de semiotização do mundo (Charaudeau: 1995b) --------------------- 68

Gráfico 11: Mise en scène do ato de linguagem (Charaudeau: 2001b) ---------------------- 74

Gráfico 12: O processo de produção e o de interpretação no momento do ato de

linguagem (Charaudeau: 1983) ------------------------------------------------------

74

Gráfico 13: O processo de semiotização do mundo atrelado aos processos de

compreensão e interpretação (Charaudeau: 2006a) -------------------------------

83

Gráfico 14: Compreensão, interpretação e intercompreensão (Charaudeau: 1995a, 1999) 85

Gráfico 15: Semiotização do mundo x níveis de estruturação da linguagem (Carvalho:

2004) ------------------------------------------------------------------------------------

89

Gráfico 16: Construção do sentido (Charaudeau: 1996) ---------------------------------------- 90

Gráfico 17: Tipos de inferências (Marcuschi: 2008) -------------------------------------------- 96

Gráfico 18: Esquema da sequência didática (Dolz & Schneuwly: 2004) -------------------- 125

Gráfico 19: Incidência dos dois níveis de questões (compreensão e interpretação) no

total analisado --------------------------------------------------------------------------

136

Gráfico 20: Quantidade de questões de compreensão ------------------------------------------ 137

Gráfico 21: Quantidade de questões de interpretação ------------------------------------------- 140

Gráfico 22: Percentual de respostas adequadas e não-adequadas às questões de

compreensão ---------------------------------------------------------------------------

148

Gráfico 23: Com que frequência os alunos leem livros ----------------------------------------- 149

Gráfico 24: Tipos de livros preferidos pelos alunos --------------------------------------------- 149

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8

Gráfico 25: Com que frequência os alunos leem jornais --------------------------------------- 149

Gráfico 26: Com que frequência os alunos leem revistas -------------------------------------- 149

Gráfico 27: Respostas adequadas e não-adequadas às questões de investigação

linguística -------------------------------------------------------------------------------

150

Gráfico 28: Respostas adequadas e não-adequadas às questões de relação ------------------ 150

Gráfico 29: Respostas adequadas e não adequadas às questões de interpretação ----------- 151

Gráfico 30: Respostas adequadas e não adequadas às questões de conhecimento de

mundo -----------------------------------------------------------------------------------

151

Gráfico 31: Respostas adequadas e não adequadas às questões de grandes inferências --- 151

Gráfico 32: Respostas adequadas e não adequadas às questões de pequenas inferências -- 152

Gráfico 33: Respostas adequadas e não adequadas às questões de conhecimento da

estrutura do texto ----------------------------------------------------------------------

152

Gráfico 34: Metodologia adotada por alguns professores no trabalho com textos ---------- 154

Gráfico 35: Esquema da sequência didática da nossa proposta de trabalho ----------------- 163

Gráfico 36: Organização de cada módulo da nossa proposta de trabalho -------------------- 164

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1: Formação acadêmica dos professores entrevistados ------------------------------ 24

Tabela 2: Estratégias cognitivas (Van Dijk: 1992; Koch: 2007) ---------------------------- 59

Tabela 3: Estratégias textuais (Koch: 2007) ---------------------------------------------------- 60

Tabela 4: Componentes da competência situacional (Charaudeau: 2007) ----------------- 69

Tabela 5: Estratégias de ordem enunciativa e de ordem enunciatória (Charaudeau:

2007) -------------------------------------------------------------------------------------

70

Tabela 6: Conhecimentos compartilhados (Charaudeau: 2006a) ---------------------------- 72

Tabela 7: Conceito de texto e os níveis de competência para a produção do texto

(Charaudeau: 2001a) ------------------------------------------------------------------

72

Tabela 8: Modos de organização do discurso (Charaudeau: 1992) ------------------------- 79

Tabela 9: Níveis de estruturação da linguagem (Coseriu: 1980) ---------------------------- 87

Tabela 10: Sentido literal x sentido não-literal (Mira Ariel: 2002 apud Marcuschi: 2008) 92

Tabela 11: Sentido literal/sentido de língua x sentido não-literal/sentido de discurso

(Coseriu: 1980; Mira Ariel: 2002 apud Marcuschi: 2008; Charaudeau:

1995a, 1999) ----------------------------------------------------------------------------

93

Tabela 12: Raciocínios utilizados em cada tipo de inferência (Marcuschi: 2008) ---------- 97

Tabela 13: Níveis de alfabetismo (INAF) -------------------------------------------------------- 105

Tabela 14: Evolução do indicador para o Total Brasil no período de 2001 a 2007

(INAF) -----------------------------------------------------------------------------------

106

Tabela 15: Nível de escolaridade x nível de habilidades (INAF) ----------------------------- 107

Tabela 16: Quadro comparativo das terminologias de Charaudeau e Carneiro

(Charaudeau: 1992; Carneiro: 2005) ------------------------------------------------

119

Tabela 17: Quadro comparativo das terminologias de Charaudeau, Marcuschi e Oliveira

(Oliveira: 2004) ------------------------------------------------------------------------

121

Tabela 18: Agrupamento de gêneros com finalidades educacionais (Dolz & Schneuwly:

2004) -------------------------------------------------------------------------------------

124

Tabela 19: Gêneros para o 1º Ciclo do Ensino Fundamental (PCN: 1997) ------------------ 129

Tabela 20: Gêneros para o 2º Ciclo do Ensino Fundamental (PCN: 1997) ------------------ 130

Tabela 21: Gêneros para o 3º e 4º Ciclos do Ensino Fundamental (PCN: 1998) ----------- 131

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Tabela 22: Gêneros para o Ensino Médio (Reorientação curricular para o Ensino Médio:

2006) -------------------------------------------------------------------------------------

132

Tabela 23: Exemplo de questão aplicada de investigação linguística ------------------------ 138

Tabela 24: Exemplo de questão aplicada que mostra a combinação das palavras ---------- 139

Tabela 25: Exemplo de questão aplicada que exige conhecimento de mundo -------------- 142

Tabela 26: Exemplo de questão aplicada que exige grande inferência ----------------------- 144

Tabela 27: Exemplo de questão aplicada pequena inferência --------------------------------- 145

Tabela 28: Exemplo de questão aplicada que exige conhecimento da estrutura do texto - 146

Tabela 29: Respostas adequadas e não-adequadas às questões de compreensão e

interpretação ----------------------------------------------------------------------------

147

Tabela 30: Nossa proposta (Charaudeau: 1992; Carneiro: 2005) ----------------------------- 158

Tabela 31: Gêneros de acordo com o modo de organização do discurso predominante --- 159

Tabela 32: Conteúdos de interpretar para cada modo de organização do discurso --------- 161

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Texto publicitário da CVC ---------------------------------------------------------- 50

Figura 2: Tira “Os pescoçudos” de Caco Galhardo -------------------------------------------- 193

Figura 3: Foto dos cartazes e livros expostos na Feira Literária ----------------------------- 195

Figura 4: Foto dos cartazes e livros expostos na Feira Literária ----------------------------- 195

Figura 5: Foto do cartaz sobre o que são fábulas ---------------------------------------------- 195

Figura 6: Foto do cartaz que apresenta alguns provérbios e ditados populares ------------ 196

Figura 7: Foto do cartaz sobre La Fontaine ----------------------------------------------------- 196

Figura 8: Foto do cartaz sobre Esopo ------------------------------------------------------------ 196

Figura 9: Foto do cartaz sobre Leonardo da Vinci --------------------------------------------- 196

Figura 10: Foto do cartaz sobre Millôr Fernandes ---------------------------------------------- 197

Figura 11: Foto do cartaz sobre Monteiro Lobato ----------------------------------------------- 197

Figura 12: Foto de alguns livros de fábula produzidos pelos alunos -------------------------- 197

Figura 13: Foto de alguns livros de fábula produzidos pelos alunos -------------------------- 197

Figura 14: Foto de alguns livros de fábula produzidos pelos alunos -------------------------- 198

Figura 15: Foto de página interna de livro produzido pelos alunos --------------------------- 198

Figura 16: Foto de página interna de livro produzido pelos alunos --------------------------- 198

Figura 17: Foto de página interna de livro produzido pelos alunos --------------------------- 198

Figura 18: Foto de página interna de livro produzido pelos alunos --------------------------- 199

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SUMÁRIO

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS ------------------------------------------------------

14

2. O PROBLEMA E O CAMINHO TRAÇADO -----------------------------------

19

3. PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

3.1. Leitura, texto, sentido e o papel da memória --------------------------------

3.1.1. A leitura como experiência social ----------------------------------------

3.1.2. Texto: lugar de produção de sentidos ------------------------------------

3.1.3. Fatores pragmáticos da textualidade -------------------------------------

3.1.3.1. Coesão: facilitadora da compreensão textual -----------------

3.1.3.2. Coerência: princípio de interpretabilidade do texto ----------

3.1.3.3. Exemplificando ---------------------------------------------------

3.1.4. Autor e leitor: “estrategistas” na produção de sentidos ---------------

3.1.5. O papel da memória na produção e processamento da linguagem --

26

26

28

31

35

38

44

46

62

3.2. A contribuição da Teoria Semiolinguística para o ensino de língua

materna -----------------------------------------------------------------------------

3.2.1. O que é a Teoria Semiolinguística? ---------------------------------------

3.2.2. O processo de semiotização de mundo: transformação e transação---

3.2.3. A mise en scène do contrato de comunicação---------------------------

3.2.4. Os componentes do “jogo” da comunicação ----------------------------

3.2.5. Sentido de língua/compreensão x sentido de discurso/interpretação -

65

65

67

73

76

81

3.3. Articulação de Teorias: a Semiolinguística e a Linguística ---------------

3.3.1. Compreender e interpretar: o texto como processo de decodificação

e interpretação da realidade ------------------------------------------------

3.3.2. O texto e suas múltiplas possibilidades de leitura: pressupostos e

inferências --------------------------------------------------------------------

86

86

91

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3.4. O papel social da leitura e da escrita: o que é ser letrado? ---------------

3.4.1. Qual a origem da palavra letramento? ------------------------------------

3.4.2. É alfabetizado ou letrado? Letrar é mais que alfabetizar? -------------

3.4.3. O INAF – Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional ------------

3.4.4. O papel do educador na formação de indivíduos letrados -------------

100

101

102

104

109

3.5. Os gêneros textuais ---------------------------------------------------------------

3.5.1. Um retorno às origens... ---------------------------------------------------

3.5.2. Modos de organização do discurso, tipos e gêneros textuais...: o

estado atual ------------------------------------------------------------------

3.5.3. Os gêneros textuais e o ensino de língua materna ----------------------

3.5.3.1. A proposta de Dolz e Schneuwly para o trabalho com

gêneros textuais ----------------------------------------------------

3.5.3.2. Os PCNs e o trabalho com gêneros textuais -------------------

113

114

116

122

123

126

4. ATIVIDADES E ENTREVISTAS EM ANÁLISE: O INÍCIO ---------------

4.1. Atividades realizadas por alunos -----------------------------------------------

4.2. Pesquisa realizada com professores -------------------------------------------

134

135

153

5. NOSSA PROPOSTA ------------------------------------------------------------------

5.1. Um trabalho de interpretação em sequências didáticas -------------------

5.2. Testagem da nossa proposta ----------------------------------------------------

156

156

163

6. AS SEQUÊNCIAS DIDÁTICAS A SERVIÇO DA LEITURA E DA

INTERPRETAÇÃO: UMA PROPOSTA DE ENSINO ------------------------

201

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS --------------------------------------------------------

222

8. REFERÊNCIAS ------------------------------------------------------------------------

227

RESUMO

ABSTRACT

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1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

(...) ou se educa para a emancipação (conscientização, politização) ou se educa para a submissão (enquadramento, adaptação). (...)

(Silva, 2005a: 82)

Por se tratar de um capítulo que reflete um pouco a minha trajetória como estudante

e educadora e que também justifica o início dessa pesquisa, peço licença a você, leitor,

para expor alguns parágrafos do meu diário pessoal.

Em dezembro de 1997, concluí o Curso Normal e já, no ano seguinte, comecei a

lecionar em turmas do 1º Segmento do Ensino Fundamental. Não imaginava quantos

problemas enfrentaria a fim de levar o aluno a adquirir a proficiência no processo da leitura

e da escrita. Profissionalmente, não foi um ano de grandes avanços, pois os conhecimentos

que havia adquirido ainda me faziam reproduzir conceitos e exercícios em sala de aula,

sem muita significação para os alunos.

Foi também em 1998, que ingressei no Curso de Letras da Universidade Federal

Fluminense. O estranhamento inicial, aos poucos, foi-se tornando encantamento diante do

novo.

Em 2001 e 2002, fui bolsista de Iniciação Científica e desenvolvi dois trabalhos

voltados para a análise de textos publicitários escritos.

Ao final da Graduação, em 2003, iniciei o Curso de Especialização em Língua

Portuguesa e continuei os estudos no Curso de Mestrado (2004/2005). Tanto na

Especialização como no Mestrado, trabalhei com o texto publicitário escrito. O estudo

desse gênero textual mostra-se revelador de valores, aspectos culturais de um povo e

modos de expressão de uma época.

Em 2006, após várias pesquisas e elaboração de atividades de leitura, interpretação

e produção textual com propagandas escritas, deparei-me com um problema: muitos alunos

não conseguiam apreender o sentido do texto. Não conseguiam entender o que estava por

trás do código linguístico. Tal fato era perceptível não apenas com textos de publicidade

escrita, mas também com outros gêneros textuais, como piadas, provérbios, fábulas etc.

Onde estava o problema?

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Estudo realizado por Marcuschi (2001: 47) sobre o tratamento dado à compreensão

de textos nos livros didáticos de Língua Portuguesa revela que

a língua é tomada como um instrumento de comunicação não problemático e capaz de funcionar com transparência e homogeneidade. (...) (...) O vocabulário, por exemplo, é quase sempre proposto numa definição ou explicação por sinonímia (ou antonímia), esquecendo-se outros aspectos de funcionamento, tais como o metafórico, o figurado e, em especial a significação situada. A realidade fonológica da língua é suplantada com naturalidade já nas 2ª e 3ª séries do ensino fundamental. As estruturas e funções sintáticas são identificadas linearmente e com segurança, sobretudo na perspectiva de uma metalinguagem, pouco se tratando o caso tão complexo da variação, seja dialetal ou social. A produção textual, quando exercitada, não é explicitada sequer para o professor, quanto menos para o aluno.

Essa realidade descrita por Marcuschi (ibidem) mostra que a maioria dos livros

didáticos de Língua Portuguesa não leva o aluno a

analisar, interpretar e aplicar os recursos expressivos das linguagens, relacionando textos com seus contextos, mediante a natureza, função, organização das manifestações, de acordo com as condições de produção e recepção. (PCN, 1999: 127)

O livro didático de Língua Portuguesa, sendo uma das ferramentas e, talvez, a mais

utilizada pelos professores, acaba não contribuindo muito na formação de leitores críticos,

capazes de interpretarem o que leem. Remetendo novamente a Silva (2005a: 82), ou se

educa para a emancipação ou para a submissão. Se o aluno não consegue perceber o que

está por trás do código linguístico em um texto e se o professor não se esforça para levá- lo

a realizar tal operação, está educando para a submissão. Onde não há

compreensão/interpretação, não há crítica.

Porém, a dificuldade em se trabalhar com conteúdos de interpretar nem sempre

revela falta de interesse do professor, pois

se, para as atividades gramaticais , o professor dispõe de uma descrição precisa dos conteúdos que os alunos devem adquirir a cada série, para as atividades de expressão escrita e oral, nas quais os saberes a se construir são infinitamente mais complexos, ele tem tido de se contentar com indicações muito sumárias. Tudo se passa como se a capacidade de produzir textos fosse um saber que a escola deve encorajar, para facilitar a aprendizagem, mas que nasce e se

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desenvolve fundamentalmente de maneira espontânea, sem que pudéssemos ensiná-la sistematicamente. (Dolz & Schneuwly, 2004: 50)

O trabalho escolar, no domínio da interpretação e produção de linguagem, faz-se

sobre os gêneros. Eles constituem o instrumento de mediação de toda estratégia de ensino e

o material de trabalho, necessário e inesgotável, para o ensino da textualidade. O problema

está em como os professores trabalham esses variados gêneros textuais. Infelizmente, a

prática tem-nos mostrado que, em muitas salas de aula, o texto tem sido um pretexto para o

ensino de gramática e não é explorado em suas múltiplas possibilidades de sentido.

Tal problema é detectado por muitos educadores e pesquisadores, como Kleiman

(2004: 56), levando-a a afirmar que

se o aluno é capaz de decodificar o texto escrito, se ele é capaz de utilizar a informação sintática do texto na leitura, e se, ademais, ele já completou a aquisição da língua materna, as dificuldades que ele revela na compreensão do texto escrito são decorrentes de estratégias inadequadas de leitura. A prática mencionada, a utilização do texto como pretexto da aula de gramática, certamente contribui para a formação de estratégias de leitura inadequadas, pela ênfase que coloca nos aspectos seqüenciais 1 e distribucionais dos elementos lingüísticos do texto, justamente aqueles elementos que não são constitutivos do texto enquanto unidade de significação.

Assim, com o intuito de reformular toda a Educação Nacional, o Ministério da

Educação, em colaboração com as demais Secretarias, publicou os PCNs (Parâmetros

Curriculares Nacionais). Nesse documento, foi dada maior atenção à finalidade de

qualquer ato de linguagem: “a produção de sentido”. (PCN, 1999: 125). De acordo com os

PCNs,

(...) Na e com a linguagem, o homem reproduz e transforma espaços produtivos. A linguagem verbal é um sementeiro infinito de possibilidades de seleção e confrontos entre os agentes sociais coletivos. A linguagem verbal é um dos meios que o homem possui para representar, organizar e transmitir de forma específica o pensamento. (PCN, 1999: 125-6)

Nesse contexto, o professor de língua portuguesa tem a tarefa de motivar os alunos

para a produção e a leitura de diferentes textos. Nos dias de hoje, saber ler e escrever

1 Mantivemos a ortografia original das citações.

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tem-se revelado condição insuficiente para responder adequadamente às demandas

contemporâneas. É preciso ser capaz de não apenas decodificar sons e letras, mas também

de entender os significados e usos das palavras em diferentes contextos.

Segundo Vargas (2000: 7-8), a estrutura educacional brasileira tem formado mais

ledores que leitores. Para a autora, a diferença entre uns e outros está

na qualidade da decodificação, no modo de sentir e de perceber o que está escrito. O leitor, diferentemente do ledor, compreende o texto na sua relação dialética com o contexto, na sua relação de interação com a forma. O leitor adquire através da observação mais detida, da compreensão mais eficaz, uma percepção mais crítica do que é lido, isto é, chega à política do texto. A compreensão social da leitura dá-se na medida dessa percepção. Pois bem, na medida em que ajudo meu leitor, meu aluno, a perceber que a leitura é fonte de conhecimento e de domínio do real, ajudo-o a perceber o prazer que existe na decodificação aprofundada do texto.

Diante disso, como formar leitores? Se a “educação é transformação do homem e

do mundo” (Silva, 2005b: 77), como fazer com que o aluno perceba as sutilezas em um

texto? Como levá- lo a ultrapassar a compreensão (“sentido de língua”2) e chegar a

interpretação (“sentido de discurso”)? Existem conteúdos de interpretar? Como tornar o

ensino de leitura/compreensão/interpretação em produção de sentidos? Esse é o problema

sobre o qual nos debruçamos na tentativa de encontrar possíveis soluções para resolvê- lo.

Assim, a fim de tentarmos responder algumas dessas perguntas, no próximo

capítulo, levantamos nossa hipótese – com base no que pudemos observar nas atividades

de interpretação e em entrevistas realizadas nas escolas.

Ainda no segundo capítulo, tratamos tanto dos objetivos a serem atingidos ao se

trabalhar com conteúdos de interpretar a partir dos modos de organização do discurso e de

vários gêneros textuais, quanto dos procedimentos metodológicos.

A partir do terceiro capítulo, apresentamos o arcabouço teórico-metodológico no

qual nos apoiamos para desenvolver esse estudo. Tomamos por base não só a Teoria

2 Para Charaudeau (1995a, 1999: 29), “sentido de língua” trabalha apenas com um signo linguístico capaz de associar o significante a um significado pleno nas suas relações sintagmáticas e paradigmáticas. Já no “sentido de discurso”, o signo remete a algum significado, mas este não pode ser visto a partir de um valor absoluto e autônomo, mas apenas como portador de um sentido potencial que precisa ser articulado com outros signos e com a prática social.

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Semiolinguística de Análise do Discurso, como também os pressupostos da Linguística do

Texto, focalizando, em particular, o texto e a produção de sentidos.

O capítulo da fundamentação teórica faz relação com a prática e nos ajuda a

entender melhor o que acontece no processo de leitura/compreensão/interpretação de

textos.

No quarto capítulo, são analisadas as atividades de compreensão e de interpretação

e as entrevistas com professores que deram início a todo esse trabalho. A dificuldade

apresentada por alunos de diferentes níveis de ensino em ler e interpretar um texto foi o

que nos motivou a tentar relacionar uma lista de conteúdos, que trabalhados de forma

sistemática em sala de aula, pudessem preparar melhor os alunos para entenderem o que

leem.

No quinto capítulo, apresentamos a nossa proposta de trabalho baseada em alguns

aspectos nas sequências didáticas de Dolz e Schneuwly (2004). Ainda no quinto capítulo, a

fim de verificar a funcionalidade da nossa proposta, fizemos a testagem de um módulo

sobre o gênero fábula - módulo este que é parte da sequência didática que aborda a

narração - com alunos do 1º Ano do Ensino Médio.

No sexto capítulo, organizamos um exemplo de sequência didática. Mais que uma

proposta, é uma tentativa de ajudar nossos alunos a entenderem melhor o mundo que os

rodeia.

Enfim, após o sexto capítulo, apresentamos nossas considerações finais a respeito

desse estudo, acreditando que, certamente, estaremos contribuindo, de alguma forma, para

a ampliação da visão quanto às formas de ensino da língua materna, tão desgastado nas

escolas, pelo modo tradicional e superficial como tem sido desenvolvido.

Estamos de acordo com Silva (2005b: 97) quando afirma que

(...) as crianças nunca chegam à escola num estado de ignorância, mas podem chegar analfabetas. Elas talvez não saiam analfabetas, mas podem sair ignorantes...

Diante dessa realidade, a nossa proposta é que o exercício de

leitura/compreensão/interpretação seja significativo, a fim de que os educandos não

deixem a escola analfabetos e, muito menos, ignorantes.

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2. O PROBLEMA E O CAMINHO TRAÇADO

Ninguém gosta de fazer aquilo que é difícil demais, nem aquilo do qual não consegue extrair sentido. Essa é uma boa caracterização da tarefa de ler em sala de aula: para uma grande maioria dos alunos ela é difícil demais, justamente porque ela não faz sentido.

(Kleiman, 2007: 16)

Os alunos, de modo geral, têm dificuldades para entender e interpretar o que leem,

independentemente do grau de escolarização.

A hipótese levantada é a de que existem “conteúdos” de interpretação que não são

trabalhados de forma sistemática nas escolas, o que leva os alunos, de modo geral, a ter

dificuldades para interpretarem o que leem.

Diante dessa realidade, a nossa proposta de trabalho tem como ponto central propor

“conteúdos de interpretar” e apresentar sugestões de atividades, em sequências didáticas,

envolvendo conteúdos voltados para a interpretação, a partir dos modos de organização do

discurso, configurados em diferentes gêneros.

Para tanto, o professor precisa desenvolver trabalhos em sala de aula com diversos

gêneros textuais, o que não só estimula o aluno à prática social da leitura, como também o

leva a integrar-se ao meio social em que vive e à realidade, de modo a tornar-se um

cidadão consciente e participante, uma vez que, ao perceber o que está nas entrelinhas de

cada texto, estará tomando consciência do contexto histórico, social, econômico e cultural

em que vive.

Além disso, ao trabalhar com uma variedade de textos, o professor poderá mostrar

que, dependendo dos objetivos visados, um texto pode ser estruturado de formas diversas.

Atividades, a partir da interação com o texto, possibilitam o desenvolvimento de

habilidades de reflexão, interpretação, análise, síntese e avaliação. Ao interagir com o

texto, o aluno terá a possibilidade de articular seus conhecimentos de mundo com as

informações presentes no texto; estabelecer relações não só entre as partes desse texto,

como também estabelecer relações com outros textos; identificar relações linguísticas e

extralinguísticas entre fatos e ideias; interpretar comparações, metáforas, ironias etc.;

realizar inferências, relacionando-as ao seu conhecimento de mundo e/ou partilhado; em

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suma, reconhecer fatores fundamentais da textualidade e as marcas linguísticas que a

estabelecem.

Se o aluno for habituado à prática da leitura, estará não só desenvolvendo a

habilidade de apreensão do(s) sentido(s) dos textos, assim como percebendo que podemos

nos expressar de várias formas e, com isso, obtermos efeitos de sentido diferentes.

Assim, para desenvolvermos esta pesquisa, partimos da análise de

(a) atividades de compreensão e de interpretação de variados textos realizadas por alunos

de níveis de ensino diversos, em 2006, 2007, 2008 e 2009 e

(b) de entrevistas com professores em 2006 e 2007 sobre quais conteúdos são trabalhados

por eles em interpretação textual, para ao final, propormos atividades com “conteúdos de

interpretar”, a partir de sequências didáticas, envolvendo diferentes tipos e gêneros

textuais.

Em relação às atividades propostas aos alunos, elaboramos 43 atividades com

gêneros textuais diferentes: piada, provérbio, charge, propaganda escrita, bula de remédio,

receita culinária, fábula, conto, reportagem de jornal e poema. Ao todo, foram elaboradas

120 questões, pois cada atividade podia apresentar uma, duas, três ou quatro questões.

A fim de facilitar a análise dos dados, no capítulo 4, as questões propostas foram

organizadas em dois grandes grupos: questões relativas à camada linear do texto (questões

de coesão que levam à compreensão) e questões relativas à camada reticulada do texto

(questões de coerência que levam à interpretação)3.

Tal classificação leva em consideração os conceitos sentido de língua/compreensão

e sentido de discurso/interpretação. (Cf. Charaudeau: 1995a; 1999: 29).

As atividades com os alunos foram desenvolvidas em quatro escolas, aqui

chamadas de A, B, C e D. Todas essas quatro escolas são públicas. Em cada escola, foram

escolhidos, de forma aleatória, trinta alunos para realizarem as atividades. Nas escolas A,

B e C, as atividades aplicadas foram divididas entre as duas séries avaliadas do Ensino

Fundamental (quinze alunos de cada série). Na escola D, por se tratar de Ensino Médio, as

3 Feres (2003) faz essa distinção entre camada linear, correspondendo ao sentido de língua/compreensão e camada reticulada, correspondendo ao sentido de discurso/interpretação.

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trinta atividades foram divididas entre o 1º, 2º e 3º Anos (dez em cada ano). Ao todo,

foram avaliados 120 alunos, cujo perfil consta em anexo.

Um mesmo aluno realizou mais de uma atividade. Assim, o número de respostas

analisadas ultrapassou o número de questões elaboradas, como veremos no capítulo 4. Em

anexo, consta apenas uma amostragem do corpus, tendo em vista o grande número de

atividades realizadas.

A seguir, apresentamos alguns dados de cada escola onde realizamos as atividades.

? Escola A: Municipal, em Niterói.

Turnos: 1º e 2º (1º Segmento do Ensino Fundamental)

Total de alunos da escola: aproximadamente 800.

Séries avaliadas: 4º e 5º anos (3ª e 4ª séries) do Ensino Fundamental

Regular.

Ano de realização das atividades: 2007.

Na escola A, as atividades foram realizadas apenas com alunos do 4º e 5º Anos,

tendo em vista que são alunos que já estão concluindo o 1º Segmento do Ensino

Fundamental e, sendo assim, espera-se que tenham mais facilidade na leitura e na escrita.

? Escola B: Municipal, em São Gonçalo.

Turnos: 1º (1º Segmento do Ensino Fundamental)

2º (2º Segmento do Ensino Fundamental)

3º (1º e 2º Segmentos do Ensino Fundamental na modalidade EJA –

Educação de Jovens e Adultos).

Total de alunos da escola: aproximadamente 1400.

Séries avaliadas: Grupo III – Fases 1 e 2 (3ª e 4ª séries) da EJA.

Ano de realização das atividades: 2006 e 2007.

Nessa escola, desenvolvemos atividades apenas com os alunos do Grupo III – Fases

1 e 2. Mesmo sendo alunos mais velhos, tendo em vista que a idade mínima é de 15 anos, a

dificuldade para realizar as atividades é a mesma apresentada pelos alunos do Ensino

Fundamental Regular.

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Os alunos da escola A, em sua maioria, são crianças e menores de 15 anos. Já na

escola B, a idade mínima é de 15 anos. Assim, nessa última escola, trabalhamos com

adolescentes, adultos e idosos.

? Escola C: Municipal, em São Gonçalo.

Turnos: 1º (1º e 2º Segmentos do Ensino Fundamental)

2º (1º e 2º Segmentos do Ensino Fundamental)

3º (1º e 2º Segmentos do Ensino Fundamental na modalidade EJA –

Educação de Jovens e Adultos).

Total de alunos da escola: aproximadamente 3500.

Séries avaliadas: 8º e 9º Anos (7ª e 8ª séries) do Ensino Fundamental

Regular.

Ano de realização das atividades: 2008.

Na escola C, fizemos a pesquisa com duas turmas do 1º turno (8º e 9º Anos) do

Ensino Fundamental. A escolha das turmas foi feita aleatoriamente.

? Escola D: Estadual, em São Gonçalo.

Turnos: 1º (1º e 2º Segmentos do Ensino Fundamental e Ensino Médio –

Formação Geral)

2º (Ensino Médio – Formação Geral e Curso Normal)

3º (2º Segmento do Ensino Fundamental e Ensino Médio –

Formação Geral).

Total de alunos da escola: aproximadamente 3600.

Séries avaliadas: 1º, 2º e 3º Anos do Ensino Médio Regular.

Ano de realização das atividades: 2007 e 2009.

Na escola D, fizemos a pesquisa com os alunos do 2º turno, tanto do Curso Normal,

quanto do Curso de Formação Geral. As turmas foram escolhidas aleatoriamente.

As atividades desenvolvidas nas escolas nem sempre foram iguais para todos os

alunos. Não tivemos o objetivo de comparar rendimento de turmas e séries. Procuramos

diversificar, a fim de termos mais clareza sobre que conteúdos faltam ao aluno para que ele

possa interpretar corretamente textos variados.

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Os textos escolhidos foram piadas, provérbios, charge, propagandas escritas, bula

de remédio, receita culinária e outros. Procuramos trabalhar com textos diversificados. Um

mesmo texto serviu, também, de atividade para diferentes níveis. Tivemos apenas o

cuidado de não aplicar uma atividade cujo conteúdo não fosse compatível com a série.

Em 2009, nos meses de maio, junho e julho, com o intuito de verificar a validade

deste trabalho, aplicamos uma atividade de leitura e interpretação com o gênero fábula (1ª

atividade), com 35 alunos do 1º Ano do Ensino Médio. Essa atividade foi realizada sem

que os alunos tivessem qualquer explicação prévia a respeito do modo de organização do

discurso e do gênero selecionado. A fábula escolhida foi “O gato e o galo” de Esopo.

Foram elaboradas quatro questões de compreensão e nove questões de interpretação. As

questões de interpretação são em número maior, tendo em vista que este é o foco do nosso

trabalho. Além do exercício, os alunos deveriam escrever uma fábula.

Nas aulas subsequentes à aplicação dessa primeira atividade, desenvolvemos um

trabalho com o modo de organização narrativo e com o gênero fábula, a fim de que os

alunos percebessem melhor as respectivas características e objetivos. Trabalhamos com as

características principais de uma narrativa (2ª atividade), em seguida, realizamos a leitura e

a interpretação de outra fábula – “O cavalo e o burro”, de Monteiro Lobato (3ª atividade) e

fizemos a leitura e discussão de outras fábulas (4ª atividade).

Após esse trabalho, aplicamos uma outra atividade semelhante à primeira com os

mesmos alunos, com o mesmo modo de organização do discurso e gênero textual, trocando

apenas o texto (5ª atividade). A fábula escolhida foi “O lobo e o cordeiro”, versão de

Monteiro Lobato. Foram elaboradas também quatro questões de compreensão e nove

questões de interpretação. Após o exercício, os alunos deveriam escrever uma fábula. Os

alunos realizaram a tarefa sem ajuda do professor.

E, por fim, aplicamos uma última atividade (6ª atividade) a fim de sanar algumas

dificuldades apresentadas na atividade anterior. Os alunos deveriam identificar, dentre

quatro textos, os que eram fábulas; identificar o tema que normalmente é abordado em

uma fábula; diferenciar autor, de narrador; identificar o foco narrativo e o tempo em um

texto narrativo. Além dessas questões, também foi revisado e fixado o que são

pressupostos.

Essa testagem teve por objetivo verificar até que ponto um trabalho sistemático

com “conteúdos de interpretar” ajuda o aluno a ler e entender melhor.

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Os resultados dessa testagem são apresentados no capítulo 5 e as atividades e os

gráficos dos resultados constam em anexo.

Em relação à pesquisa realizada com os professores, responderam à entrevista

proposta (em anexo) quinze professores que atuam no 1º Segmento do Ensino

Fundamental (com graduação ou não, e inclusive, em Língua Portuguesa) e no 2º

Segmento do Ensino Fundamental e Ensino Médio (com graduação em Língua

Portuguesa).

Em 2006 e 2007, dos professores entrevistados, três concluíram apenas o Curso

Normal (Formação de Professores na modalidade Ensino Médio) e doze têm Nível

Superior em alguma área. Desse grupo de professores, sete têm formação em Letras, cinco

são Especialistas, sendo três na área de Letras, três Mestres e um Doutor em Letras

Clássicas, como veremos na tabela a seguir.

Apenas cinco professores atuam no 2º Segmento do Ensino Fundamental (do 6º ao

9º Anos de Escolaridade) e Ensino Médio, na disciplina Língua Portuguesa. Os demais

(dez) atuam no 1º Segmento do Ensino Fundamental (do 1º ao 5º Anos de Escolaridade).

Número de professores Cursos Concluídos

3 Curso Normal

12 Graduação: Letras: 7 professores Arquivologia: 1 Pedagogia: 3 Psicologia: 1

5 Especialização: Linguística: 1 Língua Portuguesa: 2 Psicopedagogia: 3 Supervisão Escolar: 1 Obs.: Uma professora já fez três cursos de Especialização.

3 Mestrado: Letras Clássicas: 1 Literatura Brasileira e Teorias da Literatura: 1 Literatura Portuguesa: 1

1 Doutorado: Letras Clássicas: 1

Tabela 1 - Formação acadêmica dos professores entrevistados.

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Os professores entrevistados, em sua maioria, têm entre 25 e 50 anos de idade e já

lecionam há mais de cinco anos. Todos atuam apenas no ensino público, seja municipal

e/ou estadual.

A partir dos dados levantados nos exercícios realizados pelos alunos e nas

entrevistas com professores, listaremos conteúdos que são necessários para a leitura e

interpretação de textos. As sequências didáticas são não só um elemento de análise, como

também a nossa proposta pedagógica para um trabalho efetivo de leitura e interpretação em

sala de aula.

Neste trabalho, a título de exemplo, organizaremos apenas uma sequência didática

(capítulo 6). O modo de organização do discurso escolhido foi o narrativo, tendo em vista

que, normalmente, é o mais trabalhado nas escolas.

Esperamos, assim, contribuir para a ampliação do número de leitores nas escolas, já

que

o compromisso primeiro do professor de língua materna é auxiliar o aluno a tornar-se um leitor autônomo e um produtor competente de textos. (Fiorin, 1996: 9)

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3. PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

3.1. Leitura, texto, sentido e o papel da memória

(...) o leitor pré-existe à descoberta do significado das palavras escritas; foi-se configurando no decorrer das experiências de vida, desde as mais elementares e individuais às oriundas do intercâmbio social e cultural circundante.

(Martins, 1994: 17)

Desde o momento em que os homens passaram a viver em sociedade, a

comunicação tornou-se imperativa. Somente através da comunicação os homens

conseguem trocar ideias e experiências.

3.1.1. A leitura como experiência social

Todas as sociedades têm uma prática discursiva que não se volta, necessariamente,

para uma prática objetiva imediata. Os discursos da sociedade fazem parte de uma

tradição, dando identidade a essa sociedade.

A escrita não foi o primeiro dos mecanismos de fixação cultural utilizado pela

humanidade. A transmissão oral da tradição, o uso de rituais e da dança, o apelo às artes

visuais precederam a escrita.

Hoje, sabemos que a leitura pode ser fonte de prazer, quando se consegue penetrar

no sentido por meio da percepção mais aprofundada do jogo das palavras que constroem o

texto. A verdadeira leitura ultrapassa os significantes e chega aos possíveis significados

permitidos pelo texto.

Nesse contexto, a leitura não é aceitação passiva, mas é construção ativa. Cada

leitura é uma nova escrita de um texto. O ato de criação não está somente na escrita, mas

na leitura. Autor e leitor são produtores do texto. Um mesmo texto multiplica-se em

infinitos textos, tantos textos quantas leituras houver. Cada leitura constituirá um novo

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texto, produto de determinações múltiplas. Com isso, a leitura passa a ser entendida como

um ato social entre leitor e autor, que participam de um processo interativo. O leitor

constrói, e não recebe um significado pronto para o texto. Como afirma Martins (1994),

(...) a retomada do texto significa também uma nova postura diante dele; outras, o fato de termos interrompido a leitura não nos impede de mergulharmos novamente nela, como se narcotizados, mesmo havendo então emoções diferenciadas. (p. 61) (...) há tantas leituras quantos são os leitores, há também uma nova leitura a cada aproximação do leitor com um mesmo texto, ainda quando mínimas as suas variações. (...) (p. 79) A releitura (...) pode apontar novas direções de modo a esclarecer dúvidas, evidenciar aspectos antes despercebidos ou subestimados, apurar a consciência crítica acerca do texto, propiciar novos elementos de comparação. (p. 85)

Assim, baseando-se numa concepção dialógica da língua, a leitura é vista como

uma troca de sentidos entre os sujeitos. Esses sujeitos são vistos como estrategistas,

construtores sociais, sujeitos ativos que dialogam, se constroem e são construídos no texto.

O sentido não é algo dado, pronto, mas é construído na interação texto-sujeitos,

considerando-se, para tanto, as “sinalizações” textuais dadas pelo sujeito comunicante e os

conhecimentos do sujeito interpretante.

Pelo exposto, pode-se dizer que a leitura não é comparáve l a nenhum outro meio de

aprendizagem e de comunicação, porque ela tem um ritmo que é governado pela vontade

do leitor; abre espaços de interrogação, de meditação e de exame crítico, isto é, de

liberdade; é uma correspondência não só com o livro, mas também com o nosso mundo

interior, através do mundo que o texto nos abre.

A leitura crítica nos possibilita sair da alienação, obrigando-nos a pensar, a

questionar. Lemos um texto a partir dos valores que a sociedade nos transmite. O homem

lê como em geral vive, num processo permanente de interação entre sensações, emoções e

pensamentos. Aprendemos a partir do momento em que somos capazes de reformular

valores e opiniões, amadurecendo a cada nova leitura.

Segundo Jean-Paul Sartre (1989: 21),

(...) o escritor (...) desvenda o mundo e especialmente o homem para outros homens, a fim de que estes assumam em face do objeto, assim posto a nu, a sua inteira responsabilidade. (...) a função do escritor é fazer com que ninguém

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possa ignorar o mundo e considerar-se inocente diante dele. E uma vez engajado no universo da linguagem, não pode nunca mais fingir que não sabe (...).

Com isso, ao lermos um texto somos obrigados a tomar consciência de um fato. O

homem faz a história, mas a história não lhe é transparente. Ler, então, não é mera

decodificação de um aglomerado de palavras. Numa perspectiva ideal, aprende-se a ler

para ler criticamente o mundo que nos cerca. Ler, portanto, é um ato político somente

realizado pelo homem e exige uma constante capacidade de interação com o cotidiano do

mundo que está a nossa volta.

Assim, a leitura é um dos aspectos mais importantes para o homem como ponto de

partida para a aquisição de conhecimento, meio de comunicação e socialização. Ela abre as

portas para a criatividade e para a fantasia, indica caminhos.

O escritor traça uma imagem mais próxima do real e não a verdade sobre o real. O

real é filtrado pelos seus valores e princípios. Não existe uma única leitura de um texto.

Cabe ao leitor desvendar a ideologia que está implícita no texto, a fim de poder agir, fazer-

se sujeito. A história da leitura é, então, a história de cada um dos leitores.

3.1.2. Texto: lugar de produção de sentidos

Leitura, texto e sentido fazem parte do processo de interpretação. Se não existe

texto, seja ele verbal ou não-verbal, não há leitura e muito menos produção de sentidos.

A primeira dificuldade que o professor enfrenta ao tentar trabalhar com os alunos

estratégias de leitura que os levem a uma interpretação crítica é despertar neles o gosto

pela leitura. A primeira barreira parece ser o próprio texto. Porém, “formar leitores,

desenvolver competências em leitura e escrita é uma tarefa que a escola tem que priorizar e

não pode sequer protelar.” (Antunes, 2009: 201).

Diante dessa tarefa, o que fazer quando os alunos não manifestam interesse em ler?

“Os meus alunos não gostam de ler e escrever” é, sem dúvida, a reclamação mais comum

ouvida entre professores. Por que essa realidade? Por que a leitura ocupa um lugar cada

vez menor no cotidiano das pessoas?

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Ninguém gosta de fazer algo que acredita ser difícil demais, nem aquilo de que não

consegue extrair sentido. É dessa forma que, geralmente, a tarefa de ler e escrever é vista e

vivida em sala de aula: difícil demais, porque não faz sentido.

Segundo Antunes (2009: 201),

Não se nasce com o gosto pela leitura, do mesmo modo que não se nasce com o gosto por coisa nenhuma. O ato de ler não é, pois, uma habilidade inata. (...) o gosto por ler literatura é aprendido por um estado de sedução, de fascínio, de encantamento. Um estado que precisa ser estimulado, exercitado e vivido.

Dessa forma, conversando com alunos de níveis de ensino diferentes, percebemos

que os mesmos não gostam de ler, porque sabem que, ao final da leitura, terão que

responder uma lista de questões que não fazem sentido para eles. Em alguns casos,

realmente, as perguntas não fazem sentido4; porém, na maioria das vezes, falta algum

conhecimento por parte dos educandos para que possam chegar aos implícitos do texto.

No discurso popular, circula a seguinte frase: “Só se aprende a fazer, fazendo”.

Assim, de nada adianta estudarmos teorias sobre textos, se não as praticarmos. Em sala de

aula, como desenvolver nos alunos competências de leitura e escrita, se eles não têm o

mínimo interesse em ler? Como fazer com que eles sintam prazer em ler e entender o que

leem? Que o texto exige do leitor? Que se entende por texto? Que significa ler?

Magda Soares apud Dell’Isola (2001: 8) afirma que

(...) a leitura não é uma atividade de mera decodificação, em que o leitor aprende, compreende e interpreta a “mensagem” do autor, mas é processo constitutivo do texto: é na interação autor/leitor que o texto é construído, é produzido. Ou seja: o texto não preexiste à sua leitura, pois esta é construção ativa de um leitor que, de certa forma, “reescreve o texto”, determinado por seu repertório de experiências individuais, sociais e culturais.

Dessa forma, em se tratando de leitura e interpretação, tem-se por objeto de estudo

o texto. Mas, o que se entende por texto? Qual a diferença entre texto e discurso?

4 Remeto o leitor a dois trabalhos que fazem uma análise crítica das perguntas de exercícios de interpretação: Marcuschi (2001, 1996) e Feres (2003).

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Marcuschi (2008: 81-86) defende a ideia de que não se deve distinguir rigidamente

texto e discurso, pois segundo o autor, a tendência atual é ver um contínuo entre ambos

como uma espécie de condicionamento mútuo.

A idéia da visão complementar é importante e tem como conseqüência o fato de não frisar apenas um dos lados do funcionamento da língua no seu aspecto genérico. (...) Adam (1999: 40) considera que “a separação do textual e do discursivo é essenc ialmente metodológica”. Assim, de certo modo, a distinção tende a anular-se e a se tornar menos significativa. (Marcuschi, 2008: 83).

Apesar da ideia de complementariedade defendida por Marcuschi, outros autores

preferem estabelecer alguma diferença, mesmo que apenas metodológica, entre texto e

discurso.

Meurer (1997: 16), baseando-se em Foucault (1972), Kress (1989) e Fairclough

(1992), define discurso como o conjunto de afirmações que, articuladas através da

linguagem, expressam os valores e significados das diferentes instituições e texto, como a

realização lingüística na qual se manifesta o discurso. Ainda segundo o autor (ibidem),

texto é uma entidade física, a produção lingüística de um ou mais indivíduos e discurso,

conjunto de valores, princípios e significados “por trás” do texto.

Segundo Feres (2003: 17), a origem da palavra texto ou tecido pressupõe

entrelaçamento de fios, superposições de camadas, enredamento de uma trama. Parte desse

tecido é construído pelo autor/produtor do texto e a outra parte, passível de mudança a cada

nova leitura, é produzida pelo leitor.

Como afirma Koch (2007: 30),

um texto se constitui enquanto tal no momento em que os parceiros de uma atividade comunicativa global, diante de uma manifestação lingüística, pela atuação conjunta de uma complexa rede de fatores de ordem situacional, cognitiva, sociocultural e interacional são capazes de construir, para ela, determinado sentido.

De acordo com essa concepção de texto, o sentido não está no texto, mas é

construído a partir dele, no curso de uma interação. Nesse contexto, os sujeitos são vistos

como entidades psicossociais, ativos e que (re)produzem o social na medida em que

participam ativamente da definição da situação na qual se acham engajados, e são atores

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na atualização das imagens e das representações sem as quais a comunicação não poderia

existir. Como assinala Meurer (1997: 17),

(...) sempre que alguém escreve há uma expectativa de que o texto produzido seja o reflexo de determinados discursos e que, portanto, espelhe as maneiras de falar ou escrever das diferentes instituições que regulam a comunidade onde o indivíduo está inserido.

Assim, na concepção interacional (dialógica) da língua, os sujeitos são vistos como

atores/construtores sociais, e o texto é o próprio lugar da interação. Nele, os sujeitos

dialogam, constroem-se e são construídos. Dessa forma, no texto, há lugar para toda uma

gama de implícitos, cabendo ao leitor decifrá- los.

Azeredo (2004: 39) ao definir texto, também defende que o sentido faz parte de

uma produção em parceria:

(...) o texto é um produto da atividade discursiva. Em um texto circulam, interagem e se integram formações várias, explícitas ou implícitas, evidentes por si mesmas ou dependentes de interpretação. Por isso, um texto é necessariamente fruto de uma construção de sentido em que cooperam quem o enuncia e quem o recebe (...)

A partir das conceituações apresentadas, percebemos que o texto é considerado uma

unidade significativa (tanto para quem o produz, como para quem o recebe). Porém, para

que um texto seja considerado como tal e não como um amontoado aleatório de frases ou

palavras, é preciso que tenha textualidade ou textura, como veremos a seguir. Os fatores

responsáveis pela textualidade em um texto, como a coesão e a coerência, contribuem

também no processo de compreensão e interpretação, ou seja, na produção de sentidos.

3.1.3. Fatores pragmáticos da textualidade

Vários fatores são responsáveis pela textualidade, assim definida por Koch &

Travaglia (2000: 26):

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textualidade ou textura é o que faz de uma seqüência lingüística um texto e não um amontoado aleatório de frases ou palavras.

Beaugrande e Dressler (1983) apontam sete fatores responsáveis pela textualidade:

a coerência, a coesão e a informatividade (centrados no texto), a intencionalidade e a

aceitabilidade (centrados nos interlocutores) e a situacionalidade e a intertextualidade

(centrados no contexto).

Gráfico 1 – Fatores pragmáticos da textualidade Fonte: Beaugrande e Dressler (1983)

Todos esses fatores contribuem para a produção e compreensão do texto, que se

constitui, assim, de um conjunto de pistas destinadas a orientar o leitor na construção do

sentido e, mais ainda, para realizar essa construção, o leitor terá de preencher lacunas,

formular hipóteses, testá- las, tudo isso por meio de inferências que exigem a mobilização

não só de seus conhecimentos pressupostos, como dos partilhados, do conhecimento da

situação comunicativa, do gênero textual etc. Verifica-se, assim, que a

produção/compreensão não se dá de forma linear e sequencial.

Dentre os sete fatores responsáveis pela textualidade (Cf. Beaugrande & Dressler,

1983), a coesão ajuda na compreensão do texto, tendo em vista seu caráter linear. Na

Coerência

Coesão

Informatividade

Intencionalidade

Aceitabilidade

Situacionalidade

Intertextualidade

TEXTO

INTERLOCUTORES

CONTEXTO

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coesão, interessa o significado das palavras e suas regras de combinação analisadas na

estruturação mesma do texto.

Já a coerência é tida como um princípio de interpretabilidade do texto (Cf. Koch &

Travaglia, 2000: 47), num processo cooperativo entre produtor e receptor. Ela depende da

capacidade de cálculo do usuário, que aciona seu conhecimento linguístico, seus modelos

cognitivos, seu conhecimento de mundo, seu conhecimento partilhado e faz relações

semânticas e contextuais sempre esperando que exista sentido em determinado enunciado.

Os outros cinco fatores pragmáticos da textualidade - intencionalidade,

aceitabilidade, situacionalidade, intertextualidade e a informatividade - serão estudados

no grupo dos fatores que possibilitam a coerência (Cf. Koch & Travaglia, 2000),

juntamente com o conhecimento linguístico, o conhecimento de mundo, o conhecimento

partilhado, as inferências, os fatores pragmáticos5, a focalização e a relevância.

A seguir, reproduzimos um gráfico de Koch& Travaglia (2000: 103), que mostra a

coerência articulada a todos esses fatores mencionados.

5 Em Koch & Travaglia (2000), fatores pragmáticos que levam à coerência de um texto são: tipos de atos de fala, contexto de situação, interação e interlocução, força ilocucionária, intenção comunicativa, características e crenças do produtor e recebedor do texto etc. (p. 74)

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Gráfico 2 – Fatores responsáveis pela coerência Fonte: Koch & Travaglia (2000: 103)

Passemos, agora, a analisar a coesão e a coerência, com suas respectivas

classificações.

Conhecimento linguístico

Conhecimento de mundo

Conhecimento partilhado

Inferências

Fatores pragmáticos

Situacionalidade

Intencionalidade

Aceitabilidade

Informatividade

Focalização

Intertextualidade

Relevância

Produtor

Texto

Receptor

Coerência

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3.1.3.1. Coesão: facilitadora da compreensão textual

A coesão responde pela conectividade textual, constituindo, então, fator importante

da textualidade. É realizada por meio de marcas linguísticas, índices formais na estrutura

da sequência linguística e superfície do texto, sendo, portanto, de caráter linear, já que se

manifesta na organização sequencial do texto.

Val (1999: 6), ao definir os mecanismos linguísticos da coesão textual, classifica-os

em dois grupos: o gramatical e o lexical. A coesão gramatical é estabelecida por meio de

pronomes anafóricos, de artigos, da elipse, da concordância, da correlação entre os tempos

verbais e das conjunções. Esses recursos estabelecem a coesão não apenas no interior de

uma frase, mas também entre frases e sequências de frases dentro de um texto.

A coesão lexical é feita, segundo a autora, pela reiteração, pela substituição e pela

associação. A reiteração é realizada pela simples repetição de um item lexical e também

pelo processo da nominalização. A substituição ocorre quando um termo é substituído por

seu sinônimo, ou antônimo, ou hipônimo, ou ainda, hiperônimo.

E, por último, a associação ocorre quando se relacionam itens de um vocabulário

pertinente a um mesmo esquema cognitivo (por exemplo, quando se fala em festa, pode-se

em seguida, mencionar bolo, presentes, música, esses termos sendo interpretados como

alusivos ao mesmo evento). A associação é um tipo de coesão que utiliza os

conhecimentos de mundo armazenados em forma de frames (Cf. tópico 3.1.5.).

COESÃO

GRAMATICAL

pronomes anafóricos

artigos

elipse

concordância

correlação entre os tempos verbais

conjunções etc.

LEXICAL

reiteração

substituição

associação

Gráfico 3 – Coesão gramatical e lexical segundo Val (1999). Fonte: Val (1999: 6)

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Duarte (2003: 87-123) separa também a coesão em dois grupos: coesão gramatical

e coesão lexical, porém com subdivisões diferentes das propostas por Val (1999).

COESÃO

GRAMATICAL

Coesão frásica

Coesão interfrásica (junção)

Coesão temporal

Paralelismo estrutural

Coesão referencial

Exofórica

Endofórica Anáfora

Catáfora

Elipse

LEXICAL

Reiteração

Substituição

Sinonímia

Antonímia

Hiperonímia

Hiponímia

Holonímia

Meronímia

Gráfico 4 – Coesão gramatical e lexical segundo Duarte (2003) Fonte: Duarte (2003: 87-123)

Conceituaremos cada tipo de coesão, de acordo com a classificação de Duarte

(ibidem). Começaremos pelos tipos de coesão gramatical: (a) coesão frásica, (b) coesão

interfrásica, (c) coesão temporal, (d) paralelismo estrutural e (e) coesão referencial.

a) A coesão frásica engloba os processos de ordenação linear que estabelecem

ligações significativas entre os elementos linguísticos em nível sintagmático e oracional.

b) A coesão interfrásica indica os processos de sequencialização que exprimem

vários tipos de interdependência semântica das frases que ocorrem na superfície textual.

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c) A coesão temporal designa a ordenação sequencial dos enunciados de acordo

com as condições conceptuais sobre localização temporal e ordenação relativa que

sabemos serem características dos estados de coisas.

d) O paralelismo estrutural caracteriza-se pela ocorrência, em trechos de textos

vizinhos, de traços gramaticais comuns (como tempo e aspecto, por exemplo), da mesma

ordem de palavras ou da mesma estrutura frásica.

e) A coesão referencial assinala, por meio de formas linguísticas apropriadas, se os

itens citados no texto estão aparecendo pela primeira vez, se estão sendo retomados ou se

fazem parte do espaço físico exterior ao texto, entre outras relações. A coesão referencial

pode ser exofórica (referencial) ou endofórica (co-referência).

Por meio da coesão exofórica o sujeito comunicante apresenta um dado objeto ao

sujeito interpretante. Esse objeto só tem uma identidade no contexto situacional e

discursivo.

Já a coesão endofórica consiste na identificação entre fragmentos textuais do ponto

de vista referencial. Tais fragmentos são considerados co-referentes e constituem uma

“cadeia anafórica”. Esse tipo de coesão, a endofórica, pode ser estabelecida por meio da

anáfora, da catáfora ou da elipse.

Se o antecedente vier antes dos termos anafóricos, tem-se a anáfora. Se o

fragmento textual que estabelece o referente da cadeia ana fórica ocorrer no discurso

subsequente àquele em que surgem os termos anafóricos, tem-se a catáfora. E, por fim, a

elipse consiste em assinalar a anáfora por meio de uma categoria vazia.

Além da coesão gramatical, Duarte (2003) cita a coesão lexical, que pode ser

estabelecida por meio da (a) reiteração ou da (b) substituição.

a) A reiteração consiste na repetição de expressões linguísticas, o que lhes confere

identidade.

b) A substituição consiste na construção da coesão por meio do emprego de

expressões linguísticas com boa parte dos traços semânticos idênticos – na sinonímia – ou

opostos – na antonímia; ou ainda, o emprego de itens que tenham entre si uma relação de

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classe-elemento – a hiperonímia – ou de elemento-classe – a hiponímia; por fim, a

primeira expressão pode manter com a segunda uma relação todo-parte – a holonímia, ou

uma relação parte-todo – a meronímia.

A coesão promove, então, a inter-relação semântica entre elementos do discurso.

3.1.3.2. Coerência: princípio de interpretabilidade do texto

A coerência estabelece o nexo entre os conceitos e não deve ser buscada

simplesmente na sucessão linear dos enunciados. A interpretação de um texto exige situá-

lo em seu contexto de ocorrência, ou seja, é preciso situá-lo num tempo e num espaço. A

coerência é estabelecida na interação, na interlocução, numa situação comunicativa entre

dois ou mais usuários.

Assim, o estabelecimento da coerência depende de elementos linguísticos

(conhecimento e uso), do conhecimento de mundo, conhecimento partilhado pelo(s)

produtor(es) e receptor(es) do texto e fatores pragmáticos e interacionais (inferências,

contexto situacional, grau de informatividade, intertextualidade, intencionalidade e

aceitabilidade).

Cada um desses fatores se relaciona com outros fatores. O conhecimento

linguístico oferece marcas que possibilitam o cálculo de sentidos do texto. Diz respeito ao

conhecimento e uso das marcas linguísticas e à organização dos elementos em um

enunciado.

Koch & Travaglia (2000: 59) citam vários elementos de natureza linguística

importantes para a construção do sentido. Dentre eles estão a anáfora, as descrições

definidas, o uso dos artigos, as conjunções, os conectores interfrásticos, as marcas de

temporalidade, os tempos verbais, a repetição, a elipse, a subordinação e coordenação, a

substituição sinonímica, a ocorrência de signos do mesmo campo lexical, a ordem de

palavras, os marcadores conversacionais, o componente lexical e os conceitos e mundos

que se deflagram no texto, os fenômenos de recuperação pressuposicional, os fenômenos

de tematização etc.

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Assim, para Koch & Travaglia (ibidem : 23) a coesão contribui para estabelecer a

coerência, pois para o sujeito interpretante chegar ao sentido global do texto – sentido de

discurso – precisa ter um certo conhecimento das marcas linguísticas - sentido de língua -

que compõem um determinado enunciado.

Dessa forma, o conhecimento linguístico que possibilita a interpretação tem por

objetivo o sentido de discurso. A origem das marcas linguísticas na coerência é a mesma

da coesão, porém, o enfoque é outro. Na coesão, as marcas linguísticas são vistas em seu

significado próprio, literal – sentido de língua. Na coerência, essas marcas linguísticas

adquirem um sentido de discurso, plural, resultado da relação com todo o processo

enunciativo.

Outro fator que possibilita a coerência é o conhecimento de mundo. Diz respeito ao

conhecimento que se encontra armazenado na memória de cada indivíduo, quer se trate de

conhecimento do tipo declarativo (conhecimento sobre fatos do mundo), quer do tipo

episódico (conhecimento socioculturalmente determinado e adquirido por meio da

experiência).

O conhecimento de mundo auxilia a interpretação, a construção do mundo textual e

sua adequação aos modelos de mundo do produtor e do receptor do texto. A construção do

mundo textual vai depender das inferências que o receptor faz ou pode fazer. O

conhecimento de mundo, também no nível semântico, proporcionará a

unidade/continuidade de sentido para o texto e o grau de informatividade, ou seja, a

previsibilidade/imprevisibilidade da informação dentro do mundo textual.

Além do conhecimento de língua e de mundo, o leitor se vale do seu conhecimento

partilhado, ou seja, aquele conhecimento de mundo operado pelo emissor e pelo receptor

com certo grau de similaridade que ajudará na interpretação do texto.

Por inferência (estudaremos mais detalhadamente no tópico 3.3.2. deste capítulo)

entende-se aquilo que se usa para estabelecer uma relação, não explícita no texto, entre

dois elementos desse texto. Charolles (1987a) apud Koch & Travaglia (2000: 70-1) diz que

o processo de interpretação e reinterpretação é comandado pelo princípio da coerência, que leva aquele que interpreta o texto a construir relações que não estão expressas nos dados do texto: estas relações são as inferências que podem ser ou não lingüisticamente fundadas.

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Outros elementos responsáveis pela coerência são os fatores pragmáticos, que não

se confundem com os fatores pragmáticos da textualidade citados por Beaugrande e

Dressler (1983). Koch & Travaglia (2000) incluem, entre os elementos responsáveis pela

coerência de um texto, tipos de atos de fala, contexto da situação, interação e interlocução,

força ilocucionária, intenção comunicativa, características e crenças do produtor e

recebedor do texto etc., denominando todos esses elementos de fatores pragmáticos.

Vários desses elementos servem de pistas para o leitor reconhecer os objetivos, ou

propósitos que um falante, em dada situação de interação, pretende atingir, como o título, o

início do texto, o estilo de época, a corrente científica, filosófica, religiosa a que pertence,

a indicação de local, data etc.

A situacionalidade diz respeito aos elementos responsáveis pela pertinência e

relevância do texto quanto ao contexto em que ocorre a situação sociocomunicativa. Há

convenções que regem o funcionamento da linguagem na interação social e que

determinam, especificamente, qual tipo particular de texto é adequado a cada ato

comunicativo. Por exemplo, numa conferência, espera-se um texto de caráter dissertativo

ou argumentativo, com uma linguagem científica, diferentemente do texto esperado entre

namorados, ou ainda, em uma caixa de remédios. Cada situação comunicativa exige que se

escreva de acordo com um determinado gênero textual.

O contexto situacional está relacionado tanto com o nível semântico e o

conhecimento de mundo, quanto com a identificação de referentes e com o nível

pragmático. Dessa forma, a coerência depende do sujeito interpretante, que recebe o texto

e busca interpretá- lo, usando seus conhecimentos linguísticos, de mundo etc.

A intencionalidade e a aceitabilidade também fazem parte do grupo de fatores

responsáveis pela coerência de um texto. São centrados nos interlocutores.

A intencionalidade diz respeito ao trabalho do produtor em construir um texto

coerente, coeso, capaz de satisfazer os objetivos que tem em mente numa determinada

situação comunicativa. O sujeito comunicante constrói o seu texto de modo a dar pistas ao

sujeito interpretante que lhe permitam construir o sentido desejado. O objetivo pode ser

informar, ou impressionar, ou alarmar, ou convencer, ou pedir, ou ofender etc. Assim, a

intencionalidade, em outras palavras, diz respeito ao valor ilocutório do texto.

Já a aceitabilidade constitui a contraparte da intencionalidade. Diz respeito à

expectativa do sujeito interpretante de que o conjunto de ocorrências com que se defronta

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seja um texto coerente, coeso, útil e relevante, capaz de levá-lo a adquirir conhecimentos

ou a cooperar com os objetivos do produtor.

Princípios conversacionais, como os de Grice (1982), podem afetar a

produção/interpretação textual. Grice estabelece, como postulado básico que rege a

comunicação humana, o Princípio da Cooperação ("Faça com que sua contribuição

conversacional seja tal como é requerida no momento em que ocorre pelo propósito ou

direção do intercâmbio em que está engajado.") do qual decorrem quatro máximas:

Máxima da Quantidade ("Faça que sua contribuição seja tão informativa quanto for

requerido para o propósito corrente da conversação; não a faça mais informativa do que o

requerido."); Máxima da Qualidade ("Não diga o que acredita ser falso; não diga senão

aquilo para o que você possa fornecer evidência adequada."); Máxima da Relação ("Seja

relevante", pertinente) e Máxima do Modo ("Seja claro").

Se uma dessas máximas for infringida, o cálculo do sentido pode ser prejudicado.

Entretanto, o locutor pode infringi- la intencionalmente, com o objetivo de comunicar um

sentido de maneira implícita e, consequentemente, provocar um cálculo mais complexo por

parte do interlocutor. Essa "infração" seria, então, considerada uma implicatura

conversacional. O receptor prefere supor que a infração aos princípios conversacionais é

intencional e significativa a simplesmente aceitar que seu interlocutor possa produzir um

discurso sem sentido.

Dessa forma, segundo o Princípio Cooperativo de Grice (1982), o postulado básico

que rege a comunicação humana é o da cooperação, isto é, quando duas ou mais pessoas

interagem por meio da linguagem, elas se esforçam em fazer-se compreender e procuram

calcular o sentido do texto do sujeito comunicante, ativando seu conhecimento de mundo,

da situação etc. e partindo das pistas oferecidas pelo próprio texto.

Assim, os usuários, numa situação comunicativa, sempre se assumem mutuamente

como cooperativos. O produtor do texto pressupõe, da parte do leitor, conhecimentos

textuais, situacionais e enciclopédicos e, orientando-se pela Máxima da Quantidade, não

diz coisas óbvias, informações consideradas redundantes. Com base na Máxima da

Relação, o sujeito comunicante verbaliza somente as unidades referenciais e as

representações necessárias à compreensão.

Na disputa pela palavra, é necessário ainda, ser sincero (Máxima da Qualidade) e

claro no que se enuncia (Máxima de Modo). “Comunicar é conquistar o direito à palavra”

(Charaudeau: 1994).

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Mesmo que um texto não se apresente, à primeira vista, como perfeitamente

coerente e não tenha explícitos os elementos de coesão, o sujeito interpretante vai tentar

estabelecer a sua coerência, dando-lhe a interpretação que lhe pareça cabível, tendo em

vista os demais elementos responsáveis pela organização do sentido de língua e de

discurso de um texto.

A informatividade, centrada no texto, é avaliada em relação ao grau de novidade e

previsibilidade do texto. Quanto mais previsível, menos informativo será o texto para

determinado usuário, porque acrescentará pouco às informações que o recebedor já tinha

antes de processá-lo. O grau de informatividade de um texto varia de um indivíduo para

outro. Por exemplo, um manual de Física pode ser altamente informativo para um aluno do

Ensino Médio e absolutamente simples para um cientista.

A informatividade está relacionada ao equilíbrio entre a informação dada e a nova.

Também está relacionada à noção de leitor virtual (Orlandi, 2000: 10) e de leitor-modelo

(Maingueneau, 2001: 49-50). Para os autores, o leitor virtual ou leitor-modelo (TU

destinatário, para Charaudeau) é aquele inscrito no texto, constituído no próprio ato de

escrita. E o leitor real (TU interpretante, para Charaudeau) é aquele que efetivamente

entrará em contato com o texto, que pode coincidir, ou não, com o leitor virtual.

Um professor de Matemática, quando escreve um texto, idealiza, como seu leitor,

uma pessoa também da área de Ciências Exatas e que tenha um conhecimento sobre o

assunto tratado; um professor de Português, ao se deparar com um texto de Medicina,

certamente pouco, ou nada, entenderá, tendo em vista que ele não é o leitor-modelo para

esse texto. Nesse caso, o grau de informatividade é muito alto. Assim, o autor de um texto

atribui aptidões a uma imagem de leitor, ou seja, constrói a imagem de um leitor-modelo.

Ainda outro exemplo: um professor que esteja trabalhando com a noção de

"discurso" em duas turmas distintas - a primeira turma formada por iniciantes e a segunda,

por pessoas que já fizeram outros cursos sobre o assunto em questão - terá que trabalhar

com textos de níveis diferentes nessas turmas. O leitor virtual, ou seja, o leitor-modelo não

poderá ser o mesmo. Caso o professor se baseie apenas num leitor-modelo, correrá o risco

de não ser entendido, ou mal interpretado, já que seu público é formado por um leitor real,

que não conhece nada sobre o assunto e por um outro leitor real, que já leu ou estudou

sobre o tema. Assim, da mesma forma que esse professor não poderá usar o texto da

segunda turma para os iniciantes, porque correrá o risco de não ser compreendido, também

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não poderá usar o texto feito para iniciantes na segunda turma, porque será considerado

cansativo, irrelevante.

O conhecimento de mundo, portanto, varia de um indivíduo para outro, o que faz

com que um texto seja altamente informativo para um e pouco, para o outro.

A focalização é tida como outro elemento facilitador da coerência. Trata-se da

atenção especial que o sujeito comunicante ou interpretante prestam a um dado ponto do

texto, tornando-o central naquela interação verbal. A perspectiva adotada em relação a um

determinado assunto, por exemplo, afeta, sem dúvida, a leitura por parte do interlocutor.

Este conseguirá se ausentar dessa influência se for capaz de inferir e perceber os objetivos

do produtor do texto.

A intertextualidade é também importante para a interpretação do sentido global do

texto. Como diz Maingueneau (1976: 39) apud Val (1999: 15), "um discurso não vem ao

mundo numa inocente solitude, mas constrói-se através de um já-dito em relação ao qual

ele toma posição".

Qualquer assunto pode, em princípio, propiciar um processo de relações entre

textos lidos. As leituras prévias funcionam como condicionadores de cada nova leitura. O

mesmo texto lido, em épocas diferentes, torna-se outro, pois, nesse intervalo de tempo, o

repertório do leitor se alterou. É necessário atentar para o fato de que a constituição desse

repertório não decorre apenas da vontade do leitor, mas também daquilo que lhe é

oferecido no processo de produção, circulação e consumo dos bens culturais.

Nesse sentido, não existe texto completamente original, porque toda escrita se apoia

em leituras prévias. Mesmo que não aconteça de forma explícita, é da observação de outros

fatos que criamos novas hipóteses.

E, por último, a relevância discursiva mostra que um texto é coerente quando o

conjunto de enunciados que o compõem pode ser interpretado como tratando de um

mesmo tópico discursivo, ou seja, um conjunto de enunciados será realmente relevante em

um enunciado se eles forem interpretáveis como atribuindo algo sobre um mesmo tema.

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3.1.3.3. Exemplificando

Para exemplificar os fatores da textualidade, citamos um enunciado extraído de

Koch (2007: 55) - "Pedro não foi classificado no concurso. O novo namorado de minha

irmã não anda realmente com muita sorte.", o leitor precisa utilizar os fatores mencionados

anteriormente para chegar ao sentido total do texto. O que o locutor faz é anunciar ao leitor

que Pedro é agora namorado da irmã, ou, então, que ela mudou de namorado. Além disso,

pode-se inferir que Pedro tem feito concursos e que não está conseguindo a classificação.

A palavra "sorte" pode, também, não estar sendo relacionada apenas à situação de

concurso, mas à outra.

Em um enunciado aparentemente simples, vários fatores facilitam a compreensão.

Quem não souber o que é um concurso e, ainda, que a pessoa pode ser aprovada, mas não

classificada, não entenderá o sentido global do texto.

No exemplo citado, pelo mecanismo da coesão, o nome "Pedro" é retomado por "o

novo namorado de minha irmã". A retomada por uma expressão definida implica sempre

uma escolha dentre as propriedades ou qualidades que caracterizam o referente. Além

disso, essa escolha é feita de acordo com as propriedades que, em dada situação de

interação, em função dos propósitos a serem atingidos, o produtor do texto tem interesse

em ressaltar, ou mesmo tornar conhecidas do seu leitor (interlocutor).

Embora coesão e coerência constituam fenômenos diferentes, opera-se, muitas

vezes, uma ligação entre eles por ocasião da organização textual.

Para Charolles (1978), um texto coerente e coeso satisfaz a quatro requisitos, ou

como chama o autor, metarregras: a repetição, a progressão, a não-contradição e a

relação. Val (1999: 21) atribui outro nome à primeira e à última metarregras, a saber

continuidade, progressão, não-contradição e articulação.

A primeira metarregra chamada de repetição diz que um texto é coerente quando

tem, no seu desenvolvimento linear, elementos de recorrência estrita. A repetição (a

reiteração de palavras e expressões) e a paráfrase (a retomada de ideias, formuladas de

maneira diferente), por exemplo, na construção de textos, têm um papel fundamental para

manter o tema, deixar mais claro aquilo de que se fala em cada passagem e tornar mais

inteligível para os interlocutores alguma ideia representando-a em outros termos.

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A segunda metarregra diz respeito à progressão. Para que um texto seja coerente é

preciso que haja, no seu desenvolvimento, uma contribuição semântica constantemente

renovada. Não basta que um texto mantenha a coerência temática, é preciso, também,

mostrar que tem algo a dizer, desenvolvendo-se e apresentando novas ideias. É preciso

haver um equilíbrio entre a informação velha (o dado) e a informação nova (o novo).

Segundo Koch (2007: 38), a informação dada - aquela que se encontra na

consciência dos interlocutores - tem por função estabelecer os pontos de ancoragem para

receber a informação nova. Com ancoragem na informação dada, opera-se a progressão

textual, por meio da introdução de informação nova, estabelecendo-se, assim, relações de

sentido.

A terceira metarregra de Charolles (1978) é a não-contradição. Não deve ser

introduzido, num texto, nenhum elemento semântico que contradiga um conteúdo posto ou

pressuposto por uma ocorrência anterior, ou deduzível desta por inferência. Essa

metarregra diz respeito à lógica interna do texto. Um texto não pode negar o que afirmou,

ou afirmar o que negou.

A metarregra da não-contradição também diz respeito à relação entre o "mundo

textual" e o conhecimento de mundo do interlocutor. O interlocutor tende a considerar

coerente o texto que lhe parece verossímil, verdadeiro, fidedigno, sustentável, de

argumentação consistente.

Para Charolles (1978), a não-contradição se manifesta, no plano da coesão, por

meio de marcas linguísticas que estabelecem o regime enunciativo do texto, situando o que

foi dito no tempo, no espaço em relação às pessoas do discurso e, ainda, definindo

modalidades. Sinaliza-se a não-contradição pelo uso de dêiticos, pronomes, advérbios,

tempos e modos verbais, modalizadores e operadores argumentativos, que indicam a

posição do enunciador quanto àquilo que enuncia.

A quarta e última metarregra é chamada de relação. Segundo essa metarregra,

uma sequência de um texto é coerente quando os fatos que denotam no mundo

representado estão diretamente relacionados. No plano microestrutural, essa metarregra é

realizada por meio de conectivos e articuladores que sinalizam as relações semânticas entre

orações e entre partes do texto e indicam ao interlocutor a ordenação e organização

concebidas pelo locutor.

As quatro metarregras apontadas por Charolles (1978) permitem aos professores

operarem com o "conteúdo" do texto e com a manifestação verbal desse conteúdo guiados

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por parâmetros consistentes, mas não inflexíveis, e que podem ser facilmente

compreendidos e aceitos pelos alunos. Para Val (2000: 46),

as meta-regras se mostram úteis em sala de aula porque "destrinçam" de que se constitui a coerência, possibilitando ao professor orientações e avaliações mais objetivas, menos dependentes de gosto ou crença pessoal, no trabalho com textos. (...) O trabalho de Charolles enfatiza também essa necessária relativização das meta-regras e não perde de vista que a coerência não é uma questão que se resolva no âmbito do texto enquanto produto, mas, antes, é um processo que se desenvolve na relação de interlocução.

Enfim, um texto se apresenta como uma rede. Todos os fatores pragmáticos da

textualidade devem estar muito bem articulados, a fim de que a cooperação aconteça e,

com isso, o interlocutor de uma situação comunicativa possa compreender e chegar ao(s)

seus sentido(s).

3.1.4. Autor e leitor: “estrategistas” na produção de sentidos

Produtor e interpretador do texto são estrategistas, tendo em vista que mobilizam

uma série de conhecimentos de ordem sociocognitiva, interacional e textual, com vistas à

produção do sentido.

Segundo Koch & Elias (2006: 19), fazem parte do jogo da produção de sentido

1. o produtor/planejador, que procura viabilizar o seu “projeto de dizer”, recorrendo a uma série de estratégias de organização textual e orientando o interlocutor, por meio de sinalizações textuais (indícios, marcas, pistas) para a construção dos (possíveis) sentidos;

2. o texto, organizado estrategicamente de dada forma, em decorrência das escolhas feitas pelo produtor entre as diversas possibilidades de formulação que a língua lhe oferece, de tal sorte que ele estabelece limites quanto às leituras possíveis;

3. o leitor/ouvinte, que, a partir do modo como o texto se encontra lingüisticamente construído, das sinalizações que lhe oferece, bem como pela mobilização do contexto relevante à interpretação, vai proceder à construção dos sentidos.

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Assim, autor e leitor são estrategistas sociais do texto. Isto porque, todo texto

constitui uma proposta de sentidos múltiplos e não de um único sentido. A leitura é

produzida à medida que o leitor interage com o texto. Como afirma Dell’Isola (2001: 28),

(...) Nenhum texto apresenta um sentido único, instalado, imutável, depositado em algum lugar. Texto quer dizer “tecido”, não um produto, mas uma produção. De igual maneira, a leitura não é um produto, antes, uma produção. A leitura é produzida à medida que o leitor interage com o texto.

Ler um texto não é decodificar a mensagem. Para Marcuschi6 (2008: 239), só se

pode falar em leitura quando há compreensão.

Ler e compreender são equivalentes. (...) ler equivale a ler compreensivamente. (...)

A compreensão de texto é um processo cognitivo. (...) (...) compreender é partir dos conhecimentos (informações) trazidos pelo

texto e dos conhecimentos pessoais (chamados de conhecimentos enciclopédicos) para produzir (inferir) um sentido como produto de nossa leitura. (...)

Os conhecimentos prévios exercem uma influência muito grande ao compreendermos um texto. (...)

Compreender um texto não equivale a decodificar mensagens.(...)

O gráfico a seguir, procura retratar a natureza da leitura, o que ocorre quando um

sujeito estabelece um projeto de ler um texto e a resultante desse projeto. Identificar a

intenção do produtor do texto permite que o leitor construa, a partir de pistas fornecidas

pelo texto, possíveis significados. Além disso, pelo gráfico, fica evidente que, quando o

leitor consegue atribuir significados, ele é capaz de ver os horizontes do texto, ou seja,

ampliar a sua leitura, entendendo as experiências trazidas pelo texto.

6 O autor não faz distinção entre compreender e interpretar.

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ATO DE LER

MUNDO

PERCEPÇÃO EXISTÊNCIA

DO SER

DOCUMENTOS LEITOR

Gráfico 5 – Etapas do ato de ler Fonte: Silva (2005b: 92)

Explicando o paradigma acima, Silva (2005b: 95) afirma que

o ato de ler inicia-se quando um sujeito, através da sua percepção, toma consciência de documentos escritos existentes no mundo. Ao buscar a intencionalidade, o sujeito abre-se para possibilidades de significação, para as proposições de mundo que os signos do documento evocam ou sugerem.

Ao buscar a compreensão do texto, a partir das referências sugeridas pelos signos impressos que compõem o documento, o sujeito executa as atividades de constatação, cotejo e transformação. Na constatação, o sujeito situa-se nos horizontes da mensagem, destacando e enumerando as possibilidades de significação; no cotejo, o sujeito interpreta os significados atribuídos; na transformação, o sujeito responde aos horizontes evidenciados, re-elaborando-os em termos de novas possibilidades.

A leitura se manifesta, então, como a experiência resultante do trajeto seguido pela consciência do sujeito em seu projeto de desvelamento do texto. É essa mesma experiência (ou vivência dos horizontes desvelados através do texto) que vai permitir a emergência do ser leitor. Por sua vez, os novos significados apreendidos na experiência do leitor fazem com que este se posicione em relação

CONSCIÊNCIA DO DOCUMENTO

INTENCIONALIDADE

CONSTATAÇÃO COTEJO

TRANSFORMAÇÃO ATRIBUIÇÃO DE

SIGNIFICADO

EXPERIÊNCIA DOS HORIZONTES

DO TEXTO

POSICIONAMENTO DO SER NO MUNDO

COMO LEITOR

ABERTURA DA CONSCIÊNCIA PARA O TEXTO

POSSIBILIDADES DE MODIFICAÇÕES DO DOCUMENTO OU CRIAÇÃO DE NOVAS DERIVAÇÕES

LEITURA COMPREENSÃO

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ao documento lido, o que pode gerar possibilidades de modificação do texto evidenciado através do documento, ou seja, a incrementação dos seus significados.

Pelo exposto, o ato de ler, como afirma Silva (2005b: 96),

sempre envolve apreensão, apropriação e transformação de significados, a partir de um documento escrito. Leitura sem compreensão e sem recriação do significado é pseudoleitura, (...).

E, o autor ainda expõe algumas dúvidas sobre o trabalho que é desenvolvido com o

texto nas escolas:

(...) Será que as escolas propõem leituras que levam à compreensão e re-criação? (...) (...) Será que as escolas possibilitam a reflexão e a tomada de posição, despertadas pelo ato de ler? (p. 96)

A leitura, sendo compromisso de todas as áreas (Cf. Neves et alli (Orgs.): 2007)

deve permitir que o sujeito interpretante não aprenda a repetir palavras, mas a dizer a sua

palavra. Como afirma Citelli (1994: 50) apud Seffner (2007: 113),

É necessário ter claro que desenvolver uma competência para a leitura (da palavra) implica contribuir no sentido da formação de um cidadão mais pleno, que possa, criticamente, se assenhorar de um mecanismo tradicionalmente utilizado pela classe dominante. Tomar posse da palavra não para refazer o circuito da discriminação, mas para forçar espaços de libertação.

Assim, para que isso ocorra, é necessário que o professor leve o aluno a reconhecer

e utilizar-se de estratégias ou pistas, como as citadas por Marcuschi (2008), a seguir, que o

auxiliem na busca do(s) sentido(s) de um texto.

Marcuschi (2008: 245) reproduz um gráfico proposto por Dascal & Weizman

(1987: 37), em que são explicitadas as pistas contextuais empregadas para a interpretação

de enunciados. Nesse gráfico, são citadas as seguintes pistas contextuais:

(A1) contexto extralinguístico específico: traços específicos da situação referida no texto.

(B1) contexto metalinguístico específico: traços específicos das circunstâncias linguísticas

relevantes para o enunciado em questão.

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(A2) contexto extralinguístico “superficial”: suposições gerais sobre os traços de um dado

conjunto de situações.

(B2) contexto metalinguístico “superficial”: suposições gerais sobre a estrutura

convencional de um texto montado para determinado objetivo; suposições sobre

convenções dependentes de um certo registro.

(A3) conhecimento extralinguístico de fundo: conhecimentos de mundo gerais.

(B3) conhecimentos metalinguísticos de fundo: conhecimentos gerais sobre o

funcionamento da comunicação verbal.

Para Dascal e Weizman (1987) apud Marcuschi (2008: 247), todos os textos são,

em alguma medida, “opacos” e como tal requerem o contexto para sua interpretação.

A. PISTAS EXTRALINGUÍSTICAS B. PISTAS METALINGUÍSTICAS

específica (1) - _______ _ _ _ _ _ _ - (1) específica

superficial (2) - ____________ _ _ _ _ _ _ _ _ - (2) superficial

de fundo (3) - _______________ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ - (3) de fundo

Interpretação

Gráfico 6 - Pistas contextuais empregadas para a interpretação de enunciados Fonte: Marcuschi (2008: 245)

Vejamos um exemplo:

Significado do enunciado

Co-texto sequencial

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“Blue Dream. O navio mais moderno na costa brasileira. 92% das cabines são externas, 72% delas com varanda.”

CVC Um estilo de navegar Isto É: 05/11/03

Figura 1 – Texto publicitário da CVC Fonte: Revista Isto É (05/11/03)

As pistas contextuais podem ser acionadas da seguinte forma na leitura e

interpretação do texto publicitário da CVC:

(A1) contexto extralinguístico específico: leva-nos a inferir que uma pessoa que compra

um Cruzeiro como o anunciado pela CVC tem um padrão de vida alto, gasta muito com

viagens, tem muito dinheiro etc.

(B1) contexto metalinguístico específico: ênfase nas adjetivações e nas vantagens do

Cruzeiro Blue Dream, a fim de levar o leitor a se identificar com o produto anunciado.

(A2) contexto extralinguístico “superficial”: no caso do Cruzeiro, pode-se imaginar as

pessoas que lá comparecem, seus modos, seus trajes etc., algo como os “frames” ou

“scripts”.

(B2) contexto metalinguístico “superficial”: estratégias linguísticas utilizadas pelo texto

publicitário a fim de levar o leitor a compra.

(A3) conhecimento extralinguístico de fundo: conhecimentos do tipo – as pessoas se

vestem, as pessoas comem para sobreviver, as pessoas trabalham para ganhar dinheiro, as

pessoas se divertem etc..

(B3) conhecimentos metalinguísticos de fundo: conhecimentos gerais sobre a língua, tanto

para falar como para entender; conhecimento de regras gerais de interação etc..

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Assim, o destinatário (sujeito interpretante) de um texto guia-se por dois tipos de

pistas contextuais: extralinguísticas (conhecimentos de mundo) e metalinguísticas

(conhecimentos de convenções e estruturas linguísticas). Em cada tipo de pistas, são

postulados níveis que vão desde o específico (conhecimento imediato) até o mais distante

(propriedades convencionais, fatos, crenças).

Como leitura e produção textual são atividades paralelas, reproduziremos um

gráfico proposto por Meurer (1997: 25), em que o autor aborda traços linguísticos e

sociocognitivos do ato de escrever.

Gráfico 7 – Diagrama do modelo de produção de textos Fonte: Meurer (1997: 25)

Fatos/Realidade

B - Texto

MO N I T O R

História Discursiva Individual Discursos institucionais

Práticas Sociais

Parâmetros de Textualização

A - Representação mental de fatos/realidade por parte do escritor

Focos de atenção

E - Sumário, esquema etc.

D - Macroestrutura

C - Representação mental do texto produzido até então

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Para Meurer (ibidem), a produção textual (Módulos A e B) se inicia a partir de uma

motivação espontânea (história discursiva individual) ou imposta (discursos institucionais;

práticas sociais).

A partir da motivação, o escritor inicia o percurso da produção textual, formando

uma representação mental dos fatos/realidade a que quer se referir (Módulo A).

A representação mental criada pelo escritor é controlada por um monitor (um

aparato mental complexo que planeja e executa o processo de escrever), cujo

funcionamento depende dos parâmetros de textualização (objetivo do texto, identidade do

escritor e do leitor, tipo de gênero textual...) (Cf. Meurer, 1997).

Assim, após ter produzido uma primeira parte ou uma primeira versão do texto que

pretende escrever (Módulos A e B), o escritor assume a função específica de leitor do seu

próprio texto (Módulos C, D e E). Na função de leitor, segundo Meurer (ibidem : 25-26),

o escritor experiente lê o seu texto, tentando trazer para o ato de leitura um aparato mental monitorador enriquecido pela consciência de parâmetros de textualização aprovados e pela consciência das práticas sociais e dos discursos institucionais relevantes para a situação de produção e de consumo de cada texto específico.

Dessa forma, a leitura faz parte do próprio ato de escrever. Escrevemos e, ao

mesmo tempo, monitoramos, por meio da leitura, o que produzimos, assumindo, portanto,

o papel de um sujeito interpretante, que busca apreender o que está por trás das palavras.

Como afirma Silva (2005b: 63),

(...) o próprio autor, ao acabar de escrever seu texto morre como autor e transforma-se, ele próprio, num leitor. (...)

Texto e leitor são o ponto de partida para a compreensão; esta só se dá quando

ambos entram em contato. O texto torna-se unidade de sentido na interação com o leitor. A

leitura possibilita que o leitor se posicione diante do texto, perceba as intenções do

produtor, faça cálculos de sentidos possíveis e ultrapasse a simples compreensão. Quando

o leitor é capaz de identificar os sentidos possíveis que estão escondidos sob significantes e

consegue vislumbrar a intencionalidade do autor, relacionar o texto com o mundo,

podemos dizer que chegou ao nível da interpretação.

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Em Dell’Isola (2001), encontramos várias definições do que é leitura. Todos os

autores citados afirmam que a leitura é produção. Citaremos algumas definições.

Leitura é um processo psicolingüístico pelo qual o leitor – um usuário da língua – reconstrói, o melhor que pode, uma mensagem que foi codificada pelo escritor como uma exibição gráfica. (...) (Goodman (1973) apud Dell’Isola (2001: 29))

Leitura é um processo de seleção que se dá como um jogo, com avanço para predições, recuos para correções, não se faz linearmente, progride em pequenos blocos ou fatias e não produz compreensões definitivas. (Marcuschi (1985: 3) apud Dell’Isola (2001: 30)).

O texto não preexiste a sua leitura, e leitura não é aceitação passiva, mas é

construção ativa: é no processo de interação desencadeado pela leitura que o texto se constitui. (Soares (1988: 1) apud Dell’Isola (2001: 34)).

A leitura é o momento crítico da constituição do texto, é o momento privilegiado da interação, aquele em que os interlocutores se identificam como interlocutores e, ao se constituírem como tais, desencadeiam o processo de significação do texto. (Orlandi (1983: 173) apud Dell’Isola (2001: 35)).

Metaforicamente, a leitura pode ser entendida como um passaporte para a interação

com o mundo. No termo passaporte subentende-se “permissão legítima”, o que nos leva a

ver a leitura - não apenas da palavra, mas do mundo - como um meio ou, talvez, o meio de

interação legítima do leitor com o mundo. A falta de leitura pode imobilizar o homem no

sentido de que ele terá mais dificuldade para entender o mundo e tomar a sua palavra.

Assim, percebemos nas definições citadas por Dell’Isola (2001) palavras-chave

como reconstrução de mensagem, jogo, construção, interação, mostrando que ler é uma

atividade muito mais complexa do que se imagina. Isso porque, na leitura de um texto, nem

todas as informações se encontram explícitas.

Koch (2007: 30) defende a ideia de que o sentido não está no texto, mas se constrói

a partir dele, no curso de uma interação. E para ilustrar tal ideia, recorre à metáfora do

iceberg: como este, todo texto possui apenas uma superfície exposta e uma imensa área

imersa subjacente. Para se chegar às profundezas do implícito e dele extrair um sentido,

faz-se necessário o recurso a vários sistemas de conhecimento e a ativação de processos e

estratégias cognitivas e interacionais.

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Enquanto Koch (2007) se utiliza da metáfora do iceberg para ilustrar a construção

de sentido em um texto, Marcuschi (2008: 257) utiliza-se da "teoria da cebola semântica",

desenvolvida por Dascal. De acordo com essa teoria, o sentido de um texto é construído

por várias camadas superpostas. As camadas centrais (núcleo) são formadas pelas

informações objetivas, como dados factuais, nomes, lugares etc.; as camadas

intermediárias, pelos fatores que propiciam as implicaturas conversacionais, as intenções,

os subentendidos e as suposições e as camadas mais periféricas (as mais longe do núcleo),

por fatores como crenças individuais, conhecimentos de mundo, forças ilocutórias e outros.

As camadas que ficam mais afastadas do núcleo são as mais complexas e estão

sujeitas a muitos equívocos, já que é o domínio das crenças e valores individuais. São

camadas vulneráveis, pois estão no domínio das extrapolações. São nessas camadas que

costuma surgir o equívoco mais evidente nas interpretações textuais.

etc.

Gráfico 8 - Teoria da cebola semântica Fonte: Marcuschi (2008: 257)

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Assim, para que o sujeito interpretante consiga atingir a camada central do texto,

ou seja, o seu conteúdo proposicional – “sentido de discurso” - precisa penetrar nas

sutilezas dos enunciados, ativando o contexto da situação de comunicação.

Por exemplo, o contexto cultural ajuda a compreender os textos de cada cultura,

fornecendo o conhecimento necessário para a produção de inferências exigidas para a

interpretação. O contexto verbal (co-texto) é importante, porque as partes de um texto

estão intimamente relacionadas, por meio da referência pronominal, dos marcadores de

tópico, dos conectores etc.

Além do contexto cultural e verbal, o contexto pessoal, como conhecimentos,

atitudes, metas e fatores emocionais dos interlocutores, as forças ilocutórias (informar,

impressionar, alarmar, convencer, pedir, ofender etc.) e as implicaturas conversacionais

também influenciam na interpretação de um texto.

Para entender melhor como se dá a compreensão, Marcuschi (2008: 258) traduz a

imagem da cebola semântica desenvolvida por Dascal num gráfico intitulado de

“Horizontes de compreensão textual”.

TEXTO ORIGINAL

Gráfico 9 - Horizontes de compreensão textual Fonte: Marcuschi (2008: 258)

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De acordo com esse gráfico, o texto original é aquele que recebemos para leitura.

Podemos ler esse texto de várias maneiras. Essas diferentes maneiras são horizontes ou

perspectivas diversas.

Marcuschi (2008: 258) define cada horizonte:

1. Falta de horizonte: leitura reduzida à repetição das informações objetivas inscritas

de modo transparente no texto; cópia.

2. Horizonte mínimo: leitura parafrástica; identificação de informações objetivas que

podem ser ditas com outras palavras.

3. Horizonte máximo: leitura a partir de inferências; leitura do que vai nas entrelinhas;

não se limita à paráfrase nem fica reduzida à repetição.

4. Horizonte problemático: leitura que vai além das informações do próprio texto e se

situa no limite da interpretabilidade. Trata-se do âmbito da extrapolação. Leitura de

caráter pessoal.

5. Horizonte indevido: leitura indevida, errada.

Assim, para o processamento do texto, ou seja, para chegar ao sentido do texto e

evitar o “horizonte indevido”, ou ficar sempre na “falta de horizonte”, o leitor precisa

utilizar algumas estratégias.

Cabe à escola, trabalhar com os alunos estratégias de leitura de modo que sejam

capazes de sair da “falta de horizonte” e “horizonte mínimo” e alcançar o “horizonte

máximo”. Incentivar o “horizonte problemático” não é uma boa estratégia de leitura. O

aluno precisa perceber que “um texto permite muitas leituras, mas não infinitas. (...)

compreender é produzir modelos cognitivos compatíveis preservando o valor-verdade”.

(Marcuschi, 2008: 257) (Grifo nosso).

Segundo Dell’Isola (2001: 107), há processos decisivos que compõem o

mecanismo da leitura. São eles:

(a) decodificação;

(b) compreensão;

(c) inferenciação;

(d) avaliação e

(e) retenção na memória.

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Dessa forma, num primeiro momento, o leitor decodifica o texto (a) , para

posteriormente compreender (b) a informação explícita. Em seguida, seleciona o que

considera mais significativo, de acordo com a sua visão de mundo, direcionando a sua

leitura a uma determinada compreensão específica.

O segundo momento consiste em ler as “entrelinhas” (c) e integrar os dados do

texto à própria experiência ou conhecimento do mundo. O leitor infere de acordo com seu

conhecimento de mundo, que está enraizado em uma sociedade e em uma cultura. É nesse

momento que ele consegue sair do nível da compreensão para ir mais além na leitura, ou

seja, interpretar o que lê.

Após as inferências, o leitor é levado a se posicionar emocional e afetivamente

diante do texto e a avaliar (d) os fatos que lhe forem apresentados. E, por último, aquilo

que for significativo para o leitor fica retido na memória (e), podendo ser ativado em

outros momentos, para o entendimento de situações comunicativas diversas.

Na acepção de Van Dijk (1992: 23), o processamento cognitivo de um texto

consiste também no uso de diferentes estratégias processuais. Para o autor,

As estratégias são parte de nosso conhecimento geral; elas representam o conhecimento procedural que possuímos sobre compreensão de discurso. Elas se constituem em um conjunto aberto. Necessitam ser aprendidas e reaprendidas antes de se tornarem automatizadas. Novos tipos de discurso e formas de comunicação podem requerer o desenvolvimento de novas estratégias. (...)

Van Dijk cita diferentes tipos de estratégias para a compreensão de um texto, ou

seja, para que a leitura seja significativa : proposicionais, de coerência local,

macroestratégias, esquemáticas, de produção e ainda, sob o rótulo de outras estratégias, o

autor cita as estratégias estilísticas, retóricas, de conversação e não-verbais.

Koch (2007: 34) agrupa as estratégias citadas pelo autor em um único bloco –

estratégias cognitivas e cita mais dois tipos de estratégias – textuais e sociointeracionais.

As estratégias cognitivas consistem em estratégias de uso do conhecimento, ou

seja, consistem na execução de algum “cálculo mental” por parte dos interlocutores.

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ESTRATÉGIAS COGNITIVAS

Proposicionais Permitem uma rápida análise de estruturas de superfície em uma configuração semântica relativamente fixa e simples.

De coerência local

Permitem o estabelecimento de conexões significativas entre as sucessivas sentenças em um discurso.

Macroestratégias Permitem a identificação do que chamamos de enredo, trama ou tópico de um texto. O usuário de uma língua não necessita esperar pelo final de um parágrafo, capítulo ou discurso para inferir do que trata o texto ou fragmento de texto.

Esquemáticas Permitem que o leitor e/ou produtor perceba que muitos textos exibem uma estrutura esquemática convencional e, consequentemente, variável de acordo com a cultura.

De produção Permitem que o leitor escolha entre as informações explícitas e implícitas, a fim de estabelecer e sinalizar a coerência local e, finalmente, formular estruturas de superfície com os diversos dados semânticos, pragmáticos e contextuais, enquanto “inputs” controladores.

Estilísticas Permitem que o leitor e/ou produtor faça opções linguísticas entre maneiras alternativas de expressar mais ou menos o mesmo significado ou denotar o mesmo referente sob a área de ação do tipo de texto e das informações contextuais (tipo de situação, grau de formalidade, categorias dos participantes da conversação e objetivos gerais).

Retóricas Permitem perceber, da melhor maneira possível, os objetivos da interação verbal, tais como compreensão, aceitação do discurso e sucesso do ato de fala. São usadas para aumentar a eficácia do discurso e a interação comunicativa.

De conversação Incluem as funções sociais e interacionais das unidades discursivas, tais como atos de fala e proposições.

Não-verbais Envolvem informações não-verbais, como direção do olhar, gestos, pausas ou ações concomitantes dos participantes, além do contexto específico (quem tem o direito – e o poder – de manter ou tomar a palavra?).

Tabela 2 – Estratégias cognitivas Fonte: Van Dijk (1992); Koch (2007)

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Já as estratégias sociointeracionais são estratégias socioculturalmente

determinadas que visam estabelecer, manter e levar a bom termo uma interação verbal.

Ente elas, podemos citar as estratégias de preservação das faces e/ou representação positiva

do “self” (Goffman, 1980), que envolvem o uso de formas de atenuação, as estratégias de

polidez, de negociação, de atribuição de causas aos mal-entendidos, entre outras.

E por último, as estratégias textuais dizem respeito às escolhas textuais que os

interlocutores realizam, desempenhando diferentes funções e tendo em vista a produção de

determinados sentidos. Koch (2007: 38-43) cita as seguintes estratégias textuais: de

organização da informação, de formulação, de referenciação e de “balanceamento”

(“calibragem”) entre explícito e implícito.

ESTRATÉGIAS TEXTUAIS

De organização da informação Dizem respeito à distribuição do material linguístico na

superfície textual, ou seja, ao balanceamento entre a

informação dada e a informação nova e às estratégias

de articulação de tema-rema.

De formulação Têm funções de ordem cognitiva- interacional. Entre

tais estratégias, podemos citar os vários tipos de

inserção e de reformulação.

De referenciação Têm a função de reativar referentes no texto,

formando-se, dessa maneira, cadeias coesivas mais ou

menos longas.

De “balanceamento” entre

explícito e implícito

Têm a função de fazer a dosagem entre informações

textualmente expressas e conhecimentos prévios,

pressupostos como partilhados.

Tabela 3 – Estratégias textuais Fonte: Koch (2007)

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Assim, de acordo com Marcuschi (1991: 52), compreender7 um texto não significa

memorizá- lo, muito menos, apreender os seus significados literais. Na verdade, para

compreender um texto, o leitor precisa fazer uma série de inferências, que são comandadas

por um conjunto de fatores que fazem com que um texto seja um texto, e não apenas uma

sequência de frases. Compreender é, ao mesmo tempo, buscar novos significados,

enriquecer-se e apreender as várias possibilidades sociais indicadas no texto. Barthes

(1980: 11-3) apud Dell’Isola (2001: 38) pressupõe que

Interpretar um texto não é dar-lhe um sentido (mais ou menos fundamentado, mais ou menos livre), é, pelo contrário, apreciar o plural de que ele é feito. Suponhamos a imagem de um plural triunfante, que não empobreceria nenhuma obrigatoriedade de representação (de imitação). Nesse texto ideal, as redes são múltiplas e jogam entre si sem que nenhuma delas possa encobrir as outras; esse texto é uma galáxia de significantes e não uma estrutura de significados; não há um começo: ele é reversível; acedemos ao texto por várias entradas sem que nenhuma delas seja considerada principal; os códigos que ele mobiliza perfilam-se “a perder de vista”, são indecidíveis (o sentido nunca é aí submetido a um princípio de decisão, a não ser por uma jogada de sorte); os sistemas de sentido podem apoderar-se desse texto inteiramente plural, mas o seu número nunca é fechado, tendo por medida o infinito da linguagem.

Nessa perspectiva, interpretar um texto não é apenas dar um sentido a ele, mas

perceber a sua plurissignificação. E, para chegar ao núcleo, ou seja, a um dos possíveis

sentidos indicados pelo texto, o ouvinte/leitor deverá utilizar vários sistemas de

conhecimento e ativar processos e estratégias cognitivas e interacionais.

Portanto, como afirma Kerbrat-Orecchioni (1986: 299)8, para interpretar um texto é

preciso combinar as informações extraídas do enunciado (competência linguística) e certas

informações que fazem parte do repertório cultural do sujeito interpretante (competência

enciclopédica), de tal modo que a interpretação esteja de acordo com as leis do discurso

(competência retórico-pragmática) e com os princípios da lógica natural (competência

7 Nesse parágrafo, compreender está sendo utilizado como sinônimo de interpretar. Mantivemos o termo compreender, respeitando as ideias do autor. Neste trabalho, entendemos que é no nível da interpretação que o leitor busca novos significados. 8 Original em francês: “D’une manière générale, le travail interprétatif consiste, en combinant les informations extraites de l’énoncé (compétence linguistique) et certaines informations dont on dispose ‘préalablement’ (compétence encyclopédique), et de telle sorte que le résultat se conforme aux lois de discours (compétence rhétorico-pragmatique) et aux príncipes de la logique naturelle (compétence logique), à construire de l’énoncé une représentation sémantico-pragmatique cohérente et vraisemblable: (...)”. (p. 298).

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lógica), para construir do enunciado uma representação semântico-pragmática coerente e

provável.

3.1.5. O papel da memória na produção de sentidos

Nos tópicos anteriores, mencionamos que nem todas as informações aparecem

explícitas em um texto. O leitor precisa recuperar na memória algumas informações, por

meio de processos cognitivos (como os frames), pela lógica (por meio de processos

dedutivos, com base no conhecimento de mundo) ou por inferências.

Isso acontece porque o homem representa, no interior de sua mente, o mundo que o

cerca e, nas estruturas da mente, desenrolam-se determinados processos de tratamento, que

possibilitam atividades cognitivas bastante complexas. O conhecimento não consiste

apenas em conteúdos de experiência, mas também em habilidades para operar sobre tais

conteúdos e utilizá- los na interação social.

Nesse contexto, de acordo com a Ciência Cognitiva, Koch & Elias (2006: 37)

destacam que a memória opera em três fases do processamento da informação, a fim de

produzir compreensão9 e ação. A primeira fase é a estocagem, em que as informações

perceptivas são transformadas em representações mentais, associadas a outras. A segunda

fase é a retenção, em que se dá o armazenamento das representações e, por último, a fase

da reativação, em que se opera, entre outras coisas, o reconhecimento, a reprodução, o

processamento textual.

Nem todas as informações ficam retidas de forma permanente na memória. Existe

uma memória de curtíssimo termo ou memória de percepção, em que os estímulos são

retidos por cerca de 250 milésimos de segundo; uma memória de curto termo (MCT), em

que as informações são mantidas durante um curto tempo e uma memória de longo termo

(MLT), em que os conhecimentos representados permanecem. Há um contínuo ir-e-vir

entre as MCT e MLT.

Segundo Koch & Elias (2006: 38),

9 Normalmente os autores não fazem distinção entre compreensão e interpretação.

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(...) hoje em dia, a maior parte dos autores considera a MCT como uma espécie de recorte da MLT, que, em momento determinado, entra em estado de ativação.

Isso significa dizer que, paralelamente ao sistema da MCT, que tem por função

armazenar informações facilmente evocáveis em tempo determinado e, na maioria das

vezes, limitadas, opera a MLT, que seria responsável pelo gerenciamento da MCT, com o

intuito de organizar as informações para utilização posterior.

As informações armazenadas na memória podem ser de natureza semântica

(conhecimento geral sobre o mundo e as proposições acerca deste) e de natureza episódica

ou experiencial (informações sobre vivências pessoais).

Baseando-se em Beaugrande (1983), Koch & Travaglia (2000: 64-5) e Bentes

(2001: 265-7) afirmam que o nosso conhecimento de mundo pode ser armazenado em

nossa memória em forma de frames, esquemas, planos ou scripts.

Frame diz respeito ao conjunto dos conhecimentos armazenados em nossa memória

sobre um tema central, seus componentes sendo trazidos à memória sem ordenação. Por

exemplo, “música” pode ativar pagode, funk, samba, dança, festa etc.; “festa” pode ativar

música, bebidas, doces, salgados, pessoas, dança, conversa, animação etc.

Esquema, por sua vez, diz respeito ao conjunto de conhecimentos armazenados

numa progressão, ou seja, numa sequência temporal ou causal. Por exemplo, quando

vamos fazer um doce, temos que seguir uma "receita", ou seja, uma ordem para misturar os

ingredientes; quando vamos ao supermercado, primeiro escolhemos os produtos para,

depois, pagá- los.

Já o plano é o conjunto de conhecimentos que nos permitem agir em uma

determinada situação para atingir um objetivo. Esses conhecimentos, além de levarem a

agir numa ordem previsível, levam-nos a um fim planejado. Por exemplo, um texto de

instruções para montagem de um aparelho, as etapas de uma partida de xadrez, ou da

confecção de uma roupa etc.

E, por último, script é o conjunto de conhecimentos estereotipados sobre como

devemos agir em uma determinada cultura. Os scripts, na verdade, especificam os papéis

dos participantes e as ações deles esperadas em uma dada situação. Por exemplo, como

devemos agir num casamento, numa sessão de júri, numa missa, num batizado etc.

O falante, numa situação comunicativa, leva em conta não só as informações sobre

o contexto social em questão - o tema específico, o frame do contexto, as propriedades das

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posições sociais, funções e indivíduos que as preenchem – mas também as convenções que

determinam as ações socialmente possíveis dos membros envolvidos.

Exercitar a memória é de fundamental importância quando se sabe que o

conhecimento nada mais é que estruturas estabilizadas na memória de longo termo, que são

utilizados para o reconhecimento, a compreensão de situações – e de textos -, a ação e a

interação social.

Assim, quando constatamos que nossos alunos apresentam dificuldades de

interpretar o que leem, percebemos que há uma espécie de “vazio” na memória de longo

termo, o que dificulta a reativação de informações pertinentes ao texto.

Dessa forma, quanto mais situações o nosso aluno vivenciar, mais conhecimento

terá armazenado em sua memória, o que o ajudará no momento da leitura. Só assim se

pode falar de aquisição e construção de conhecimentos.

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3.2. A contribuição da Teoria Semiolinguística para o ensino de língua materna

(...) na Semiolingüística, o discurso é visto como "jogo comunicativo", ou seja, o jogo que se estabelece entre a sociedade e suas produções linguageiras.

(Machado, 2001: 46)

Nos tópicos anteriores, aproveitamos algumas contribuições da Linguística do

Texto, focalizando, em particular, o texto e a produção de sentidos.

A Linguística, antes preocupada com a língua enquanto sistema de signos, amplia

seu horizonte de pesquisa por meio da Linguística do Texto e da Análise do Discurso. No

presente trabalho, tomamos por base orientações da Semiolinguística (vertente da Análise

do Discurso), fundada por Patrick Charaudeau.

A teoria Semiolinguística nos ajuda a compreender melhor, por exemplo, como

acontece a produção de sentidos atrelada às competênc ias múltiplas dos sujeitos; quem são

os sujeitos do contrato de comunicação; quais são os componentes do ato de comunicação

e a distinção entre sentido de língua e sentido de discurso/compreensão e interpretação.

3.2.1. O que é a Teoria Semiolinguística?

A Semiolinguística é uma teoria da Análise do Discurso, criada pelo pesquisador

da Universidade Paris XIII, Patrick Charaudeau. Segundo Oliveira (2003: 23),

a proposta de Charaudeau, em meio à trama de teorias que surgiram ao

longo do século XX preocupadas com o conhecimento dos mecanismos da linguagem, situa-se a meio caminho entre as abordagens lingüísticas stricto sensu (limitadas ao estudo da fonologia, da morfossintaxe e, quando muito, de uma semântica da langue) e as excessivamente abertas ao extralingüístico, como a de Pêcheux, por exemplo, que se acabam confundindo com as próprias ciências humanas e pouco têm de estudo da linguagem.

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A teoria de Charaudeau, portanto, trabalha com a linguagem como veículo social de

comunicação, ou seja, leva em conta o lado psicossocial e o lado linguageiro dos sujeitos

comunicantes nos diversos Atos de Linguagem.

Em Semiolinguística, sémio-, vem de sémiosis – a construção do sentido e sua

configuração se fazem por meio de uma relação forma-sentido; já o termo –linguística

lembra que a forma de ação pretendida pelo sujeito-comunicante é sobretudo constituída

por um material linguageiro oriundo das línguas naturais. (Charaudeau, 1995b: 98)

Charaudeau (1983:14) afirma que uma análise semiolinguística do discurso é

semiótica porque o objeto de que se ocupa só existe dentro de uma intertextualidade

dependente dos sujeitos da linguagem, em que se procura identificar possíveis

significantes, e é linguística porque o instrumento por meio do qual questiona esse objeto

se constrói após um trabalho de conceptualização estrutural dos fatos discursivos. Os

sujeitos da comunicação, para interpretarem o que leem, ou ouvem recorrem não só ao

signo verbal (morfemas, palavras, frases etc.), o que interessa à linguística, mas também ao

não verbal, o que interessa à semiótica. Além disso, a Semiolinguística é do discurso,

porque o texto deve ser analisado em seu contexto discursivo, do qual fazem parte outros

textos pré-existentes a ele, que circulam na sociedade em geral, ou num dado grupo social.

Assim, a Semiolinguística em Análise do Discurso aponta para a impossibilidade de

se pensar a experiência da linguagem distante dos sujeitos históricos. Nessa perspectiva, o

discurso não é construído apenas em torno do binômio estrutura/enunc iado, tendo em vista

que todo discurso apresenta características individuais e sociais, ou seja, características de

língua e de fala.

Segundo Machado (2001: 46),

O homem é um ser social (sentido amplo da palavra), criado, condicionado pela sociedade/cultura do lugar onde vive. Logo, enquanto sujeito-falante, ele “repete” a voz do social, mas o lado psicossocial-situacional lhe garante também uma individualidade.(...)

Dessa forma, a Análise do Discurso deve ultrapassar o meramente linguístico a fim

de sinalizar a importância da linguagem no processo social. Se as práticas de linguagem

são historicamente determinadas, é preciso que o seu processo de produção já esteja antes

comprometido com o histórico.

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A Análise do Discurso não busca apenas entender certos fatos da estrutura de uma

língua ou certas propriedades da natureza da linguagem, mas também procura entender

como os falantes interagem quando estão produzindo um discurso, quando agem em

função dele, quando o usam para informar ou para desinformar, quando o acionam para

reproduzir convenções ou para manifestar intenções, quando dele fazem uso para

comunicar ou para mandar calar.

Nesse contexto, no trabalho da Análise do Discurso, são levados em conta quatro

processos: o enunciativo (heterogeneidade constitutiva dos discursos, polifonia,

procedimentos e operadores argumentativos...), o histórico (social, ideológico, cultural...),

o interativo (estratégias de persuasão e sedução, de preservação dos espaços de

interlocução...) e o linguístico (anáforas, estrutura sintático-semântica...). O discurso,

assim, é constituído de um material linguístico estruturado de acordo com a intenção do

sujeito produtor que, por sua vez, é influenciado por fatos históricos.

Como diz Machado (2001:60),

o interessante da teoria Semiolinguística, enfim, é que ela, com sua diversificação de sujeitos, acaba por abranger tanto idéias como as de Ducrot e Austin - que enfatizam o poder das palavras, em um mundo a elas interno - quanto as idéias de Bourdieu (1982), que preconizam a legitimidade situacional e/ou institucional dos sujeitos comunicantes.

3.2.2. O processo de semiotização de mundo: transformação e transação

Para Charaudeau (1995b: 101), a comunicação parte de um processo de

semiotização de mundo, elaborado por meio de um processo de transformação entre o

mundo a ser significado e o mundo significado, e um processo de transação (base da

construção do contrato de comunicação) entre o sujeito comunicante e o sujeito

interpretante-destinatário.

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mundo a significar < sujeito comunicante > mundo significado < sujeito interpretante processo de transformação processo de transação

Gráfico 10 – Processo de semiotização do mundo Fonte: Charaudeau (1995b: 101)

Enquanto o processo de transformação compreende as operações de identificação

(identidades nominais), qualificação (identidades descritivas), ação (identidades

narrativas) e causação (os seres agem em razão de certos motivos), o processo de

transação realiza-se segundo quatro princípios: de alteridade, de pertinência, de influência

e de regulação.

Assim, no primeiro processo, o de transformação, para significar o mundo em

direção ao outro, o sujeito comunicante deve intervir em dois espaços de organização do

sentido: o da tematização (que engloba a identificação, a qualificação, a representação dos

fatos e das ações e a explicação de sua razão de ser e de fazer) e o da relação (finalidade

do ato de comunicação e identidade dos protagonistas da transação).

No segundo processo de semiotização de mundo - o de transação - o sujeito

interpretante se encontra diante do problema de ter que reconhecer, para certos fins, um

mundo já significado por um outro, decodificando-o (forma-sentido), por meio de um ato

de interpretação.

Além disso, o processo de transação é a base do contrato de comunicação, em que

os sujeitos da comunicação fazem, cada um, apelo aos seus respectivos imaginários

culturais ou a saberes supostamente partilhados entre eles. Diante disso, conclui-se que

todo processo de comunicação se constrói por meio de uma interação real ou suposta entre

dois parceiros (princípio da alteridade), em que cada um desses parceiros procura

modificar, ou seja, influenciar os comportamentos ou pensamentos do outro (princípio da

influência). Nesse processo de comunicação, cada um dos parceiros deve administrar a

troca de maneira a torná- la possível (princípio da regulação), tornar o processo válido e ter

um saber em comum (princípio da pertinência).

Para exemplificar o processo de transformação e o processo de transação,

transcrevemos um exemplo dado por Machado (2001: 48):

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(...) Imaginemos que, no decorrer de uma aula, o professor construa um processo de transformação centrado em um “Et voilà”, inserido no final de um enunciado em português, enunciado este que carrega em si uma intenção explicativa sobre determinada questão. Quem garante que os interlocutores deste professor – ou seja, os alunos – saberão “decifrar” o sentido final do enunciado em pauta? Isso acontecerá, mas só se eles cumprirem duas condições. Para começar, terão que saber francês, ou possuir alguns rudimentos desta língua, para classificar mentalmente o “Et voilà” como um sintagma or iundo da língua francesa; em seguida, precisam também saber o conteúdo implícito que um “Et voilà”, colocado no final de um enunciado carrega, ou seja: “A explicação está concluída”, “É tudo que quero/posso dizer sobre o assunto no momento”. Se as duas condições forem preenchidas, estará então se realizando o processo de transação, processo que depende da intercompreensão entre os parceiros da linguagem. (...)

O processo de semiotização de mundo desenvolve-se, então, em função das

competências dos sujeitos envolvidos no contrato comunicativo. A construção do sentido,

mediante qualquer ato de linguagem, procede de um sujeito que se dirige a outro sujeito,

dentro de uma situação de intercâmbio específica, que sobredetermina parcialmente a

escolha dos recursos disponíveis. De acordo com Charaudeau (2007), cada sujeito tem uma

múltipla competência que precisa ser ativada nas trocas linguageiras. Essa competência

múltipla diz respeito à:

a) competência situacional: exige que todo sujeito comunicante construa seu discurso de

acordo com a identidade dos protagonistas do intercâmbio, com a finalidade e, ainda,

com o propósito e com as circunstâncias materiais.

IDENTIDADE

Quem fala a quem?

• Status,

• papel social e

• localização.

FINALIDADE

Estou aqui para dizer o quê?

• Fins discursivos (prescrever, solicitar, informar, incitar,

instruir, demonstrar...).

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PROPÓSITO

Qual o propósito da minha fala?

• Princípio de pertinência,

• Tematização e

• a maneira como se estrutura “sobre o que se fala”.

CIRCUNSTÂNCIAS

MATERIAIS

• Troca/não-troca O contrato admite uma troca interlocutiva (como

nas conversas e diálogos quotidianos), ou, ao contrário, não admite

a troca (como em uma conferência, pelo menos na parte "expositiva

do conferencista"). Geralmente, o contrato de troca ocasiona uma

situação de comunicação interlocutiva e o contrato de não-troca,

uma situação monolocutiva.

Tabela 4 – Componentes da competência situacional Fonte: Charaudeau (2007)

b) competência discursiva: exige de cada sujeito que se comunica e interpreta

capacidade para manipular (EU) - reconhecer (TU) as estratégias postas em cena. Leva

em conta os Modos de Organização do Discurso.

ESTRATÉGIAS

ESTRATÉGIAS

DE

ORDEM

ENUNCIATIVA

Dizem respeito às atitudes enunciativas que o sujeito falante constrói em

função

• dos elementos de identificação,

• da situação de comunicação e

• da imagem que o falante quer transmitir de si mesmo ao outro.

O sujeito falante utiliza-se do jogo da modalização e dos atos locutivos. A

modalização pode ser:

• lógica: consiste em uma avaliação de alguns elementos do

conteúdo temático, apoiada em critérios (ou conhecimentos)

elaborados e organizados a partir do mundo objetivo. Os fatos são

apresentados do ponto de vista de suas condições de verdade, como

fatos atestados (ou certos), possíveis, prováveis, eventuais,

necessários etc.

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• deôntica: consiste em uma avaliação de alguns elementos do

conteúdo temático, apoiada nos valores, nas opiniões e nas regras

constitutivas do mundo social.

• apreciativa: diz respeito às avaliações subjetivas de aspectos do

conteúdo temático.

• pragmática: introduz um julgamento sobre algum aspecto da

responsabilidade de um personagem, grupo, instituição etc. em

relação às ações de que é agente.

Os atos locutivos podem ser:

• elocutivo: revela o ponto de vista do locutor (relação do locutor

com o dito),

• alocutivo: estabelece uma relação de influência entre locutor e

interlocutor (relação do locutor com o interlocutor) e

• delocutivo: testemunha a fala da terceira pessoa (relação do locutor

com a terceira pessoa).

ESTRATÉGIAS

DE

ORDEM

ENUNCIATÓRIA

Dizem respeito aos modos de organização do discurso:

• o modo descritivo ( corresponde à ação de nomear e qualificar os

elementos do mundo),

• o modo narrativo (corresponde à ação de descrever as ações que

ocorrem no mundo),

• o modo argumentativo (corresponde à ação de organizar as

sequências causais que explicam os acontecimentos) e

• o modo enunciativo (corresponde à ação de utilizar os processos de

modalização do narrador e comanda os outros três modos).

Tabela 5 – Estratégias de ordem enunciativa e de ordem enunciatória Fonte: Charaudeau (2007)

c) competência semântica: remete aos conhecimentos compartilhados. Diz respeito aos

critérios para estruturar não só o propósito (assunto), como também a tematização

(falar de quê?).

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CONHECIMENTOS

COMPARTILHADOS

• Saberes de conhecimentos: são aqueles que procedem de uma

representação racionalizada da existência dos seres e dos

fenômenos sensíveis do mundo. O sujeito constrói o

conhecimento através das práticas da experiência e dos dados

científ icos e técnicos. Esses conhecimentos dão conta do

mundo de maneira mais objetiva possível.

• Saberes de crenças: são os saberes que resultam da atividade

humana quando esta se aplica a comentar o mundo, isto é, a

fazer com que o mundo não mais exista por si mesmo, mas

sim, através do olhar subjetivo que o sujeito lança sobre ele.

São sistemas de valores, mais ou menos normatizados, que

existem dentro de um mesmo grupo social, ou seja, as

opiniões coletivas.

(Charaudeau, 2006a)

Tabela 6 – Conhecimentos compartilhados Fonte: Charaudeau (2006a)

d) competência linguística: postula que todo sujeito que se comunica e interpreta pode

manipular - reconhecer a forma dos signos, suas regras combinatórias e seu sentido,

sabendo usar as formas para expressar uma intenção de comunicação, de acordo com

os elementos do contexto situacional e das exigências da organização do discurso. A

construção do sentido e sua configuração se fazem por meio de uma relação forma-

sentido. É nesse nível que se constrói o texto.

TEXTO: (...) o resultado de um ato

de linguagem produzido por um

sujeito dado dentro de uma situação

de intercâmbio social dada e

possuindo uma forma peculiar.

(Charaudeau: 2001a: 17)10

Níveis de competência para a produção do texto:

• Saber-fazer: composição do texto,

• Saber-fazer: construção gramatical e

• Saber-fazer: uso adequado das palavras e do

léxico segundo o valor social que transmitem.

Tabela 7 – Conceito de texto e os níveis de competência para a produção do texto Fonte: Charaudeau ( 2001a)

10 Original em espanhol: “(...) si entiende por texto el resultado de um acto de lenguaje producido por um sujeto dado dentro de una situación de intercambio social dada y poseyendo una forma peculiar. (...)”

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Assim, não existe ato de comunicação em si mesmo. Durante a construção do

sentido, os sujeitos estão em franco processo de interlocução, compartilham saberes e

desdobram-se em dois "eus" e dois "tus". Mesmo os enunciados produzidos por um único

sujeito – por exemplo, o discurso de um orador, o curso de um professor, o monólogo de

um ator – são monológicos apenas em sua forma exterior, mas, em sua estrutura interna

são essencialmente dialógicos.

A natureza dialógica da linguagem é um conceito que desempenha papel

fundamental no conjunto das obras de Mikhail Bakhtin. Já no início da década de 20 do

século passado, o autor defende a ideia de que toda enunciação é um diálogo; faz parte de

um processo de comunicação ininterrupto:

O dialogismo representa, para Bakhtin (2000), o espaço interacional entre o eu e o

tu ou entre o eu e o outro, no texto. Nenhuma palavra é de um único sujeito, mas traz em si

a perspectiva de outra voz. Dessa forma, o sujeito comunicante deixa de ser o centro da

interlocução, que passa a estar não mais no eu e nem no tu, mas no espaço criado entre

ambos, ou seja, no texto.

Desse modo, no ato de comunicação, a palavra não pertence unicamente ao sujeito

comunicante. É claro que ele tem sua participação, seus direitos inalienáveis em relação à

palavra, mas o sujeito interpretante também está presente de algum modo. Da mesma

forma, todas as vozes que antecederam o ato de comunicação ressoam na palavra do

sujeito comunicante.

3.2.3. A mise en scène do contrato de comunicação

A relação dialógica entre o eu e o tu, no texto, tem sido objeto de estudo de várias

disciplinas, dentre elas, a Análise do Discurso de linha francesa, do pesquisador Patrick

Charaudeau.

De acordo com Charaudeau (2001b: 31-2), todo ato de linguagem é uma encenação

que comporta quatro protagonistas, sendo dois situacionais, externos e dois discursivos,

internos. Os sujeitos “externos” são o EUc (eu-comunicante) e o TUi (tu-interpretante) e

os sujeitos “internos”, o EUe (eu-enunciador) e o TUd (tu-destinatário).

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No circuito externo, os seres são de ação, instituídos pela produção (EUc) e pela

interpretação (TUi) e guiados pelo FAZER da situação psicossocial. Já no circuito interno,

os seres são da fala, instituídos pelo DIZER (EUe e TUd ).

O quadro enunciativo da Semiolinguística mostra que todo ato de linguagem, seja

ele falado ou escrito, é uma representação comandada pelos sujeitos externos e internos.

Charaudeau chama essa representação de mise en scène, como se evidencia no quadro

seguinte:

Gráfico 11 - Mise en scène do ato de linguagem Fonte: Charaudeau (2001b: 31-2)

Nesse sentido, o ato de linguagem não pode ser visto como uma simples produção

de uma mensagem por um Emissor em direção a um Interlocutor, mas como um encontro

dialético. É esse encontro que determina os dois processos:

• o processo de Produção, produzido por um EU que se dirige a um TU-destinatário;

• o processo de Interpretação, produzido por um TU-interpretante que constrói uma

imagem do EU-emissor.

Fazer-Situacional

EUc TUi

? ? autor interlocutor

real

circuito externo - FAZER

Mundo psicossócio-cultural

Relação Contratual

circuito interno - DIZER

Mundo das palavras EUe ? -----------------------? TUd

? ? emissor interlocutor virtual

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Universo de discurso de EU

Zona de intercompreensão

suposta

Universo de discurso do TU

Gráfico 12 – O processo de produção e o de interpretação no momento do ato de linguagem Fonte: Charaudeau (1983: 39)

Assim, para a construção de sentidos, a colaboração entre parceiros é forçada pela

própria vida em sociedade. E, dessa forma, o texto é resultante de um processo de trocas de

sentido entre dois parceiros ligados, em parte, por uma mesma finalidade de ação. O

sujeito comunicante tem por função significar, para certos fins, um mundo endereçado a

um outro, configurando o sentido e a forma por meio de um ato de discurso. É um

produtor-diretor. Por outro lado, o sujeito interpretante precisa reconhecer, decodificar o

mundo já significado pelo sujeito comunicante, por meio de um ato de interpretação. É um

receptor-decodificador.

O sentido atribuído pelo sujeito comunicante ao texto pode ser entendido, ou não,

pelo sujeito interpretante, que pode ter uma interpretação diferente daquela pretendida pelo

sujeito comunicante. O texto, por ser “o produto de um ato de comunicação” – Charaudeau

(1992: 635) – não pode ser interpretado (nem analisado) fora da situação comunicativa.

Para comunicar há necessidade do outro. Comunicar é arriscar-se à incompreensão

ou à negação. A ameaça é o próprio ato de comunicação. O reconhecimento recíproco

deve ser construído socialmente pelos parceiros envolvidos no ato de comunicação. Deve-

se conquistar o direito à palavra.

O ato de comunicação é representado como um dispositivo, no centro do qual se

encontra o sujeito comunicante (o locutor, que fala ou escreve), em relação com um outro

parceiro (o sujeito interpretante). Assim, o sujeito comunicante, querendo comunicar, seja

pela fala, seja por escrito, seja por gestos, desenhos – usará os componentes do dispositivo

de comunicação, em função dos efeitos que visa provocar em seu interlocutor.

EU Processo de Produção TU

EU Processo de Interpretação TU

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Os componentes desse dispositivo são quatro: a) a situação de comunicação, b) os

modos de organização do discurso, c) a língua e o produto final, d) o texto. Abordaremos

cada um desses componentes do “jogo” da comunicação no próximo tópico (3.2.4.).

3.2.4. Os componentes do “jogo” da comunicação

O primeiro componente do “jogo” da comunicação é a situação de comunicação

(a). Esse componente, de ordem psicossocial, constitui o quadro físico e mental em que se

encontram os parceiros da troca linguageira. Tais parceiros são determinados por uma

identidade (PSICOLÓGICA e SOCIAL) e ligados por um contrato de comunicação. Para

Charaudeau (1983: 54),

o contrato de comunicação é um ritual sociodiscursivo constituído pelo conjunto das restrições e liberdades resultantes das condições de produção e interpretação do ato de linguagem, as quais codificam tais práticas, deixando ao eu-comunicante uma margem de manobra, dentro da qual este elabora seu projeto de comunicação.

Assim, todo sujeito comunicante se encontra no centro de uma situação de

comunicação que constitui um espaço de troca entre ele e o sujeito interpretante. Está

implícita em toda situação de comunicação uma “aposta”, um desafio, lançado ao outro.

Segundo Machado (2001:52),

(...) há um sujeito que cria seu texto a partir de dados extraídos de sua cultura, de suas convicções e de seu ethos, enfim, do universo discursivo que lhe é próprio, a ele, sujeito-individual único. Mas, essas convicções vão encontrar eco no sujeito coletivo e social, cujos gestos e palavras são determinados por uma ideologia de vida ou, se preferirem, por contratos sociais dominantes.

A situação comunicativa compõe-se dessa forma, de um espaço de restrições, ou

seja, de algumas condições que não podem ser infringidas pelos parceiros sob pena de não

haver a comunicação. Além disso, a comunicação também é um espaço de estratégias que

constituem os diferentes tipos de configurações discursivas de que o sujeito comunicante

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dispõe para satisfazer as condições do contrato e atingir seus objetivos comunicativos.

Nessa perspectiva, comunicar exige cooperação. É necessário que os parceiros se

reconheçam. O processamento textual, quer em termos de produção, quer de compreensão,

depende, assim, essencialmente, de uma interação entre produtor e interpretador.

A comunicação linguística precisa apoiar-se, a todo instante, no conhecimento de

uma infinidade de elementos não- linguísticos, ou seja, de informações gerais sobre o

mundo. E, nesse sentido, o sujeito interpretante precisa colocar em questão seu

conhecimento de mundo, localizar a parte desse conhecimento que é importante para a

compreensão do texto em questão e fazer as devidas ligações de sentido que amarram o

texto, tornando-o uma unidade.

De acordo com Charaudeau (1996: 35), as hipóteses definem o ato de linguagem

como nascendo de uma situação concreta de troca, que envolve a intencionalidade, o

espaço de limitações, o espaço de estratégias e a interdependência entre um espaço externo

e um espaço interno. Diante disso, o autor propõe um modelo de estruturação em três

níveis: o situacional, o comunicacional e o discursivo.

O nível situacional se ocupa dos dados do espaço externo e constitui, ao mesmo

tempo, o espaço de limitações do ato de linguagem. É o lugar onde são determinadas a

finalidade do ato de linguagem, a identidade dos parceiros, o domínio do saber veiculado

pelo objeto de intercâmbio e o dispositivo constituído das circunstâncias materiais do

intercâmbio.

O nível comunicacional determina a maneira de falar (escrever) em função dos

dados da situação. Nesse nível, o sujeito falante precisa ter em mente que “papéis

linguageiros” ele deve desempenhar que justifiquem seu “direito à palavra” (finalidade),

mostrem sua “identidade” e lhe permitam tratar de um certo tema (propósito) em certas

circunstâncias (dispositivo). Como afirma Charaudeau (1994), comunicar é conquistar o

direito à palavra tendo em conta as restrições do mercado social da linguagem para a

atualização do discurso.

E o nível discursivo constitui a intervenção do sujeito falante, que deve satisfazer as

condições já apontadas por Charaudeau (1996) de legitimidade, de credibilidade e de

captação, para realizar finalmente um texto.

A legitimidade (princípio de alteridade – todo processo de comunicação pressupõe

uma interação entre um eu que fala, um tu que escuta e um ele de quem se fala) depende

da posição que o sujeito ocupa nos domínios do Saber e do Poder. O domínio do Saber é o

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espaço dos discursos de verdade e de crenças dos grupos sociais, e o domínio do Poder

confere autoridade ao sujeito.

Já a credibilidade (princípio de pertinência – para que a mensagem seja entendida -

é necessário que os elementos envolvidos tenham um saber comum acerca do que se fala)

depende do Saber Fazer do sujeito falante nos quatro tipos de atividade da linguagem:

incitação, informação, persuasão e sedução. O sujeito falante precisa defender uma

imagem de si mesmo (um “ethos”).

O projeto de fala do sujeito falante é construído, então, em torno desses objetivos

comunicativos: factivo, ou seja, a incitação (é a atividade que consiste em Fazer Fazer, ou

seja, levar o outro a fazer algo favorável ao sujeito falante, sem que ele perceba isso como

uma ordem), informativo (consiste em Fazer Saber algo ainda desconhecido), persuasivo

(é Fazer Crer, ou seja, fazer com que o outro participe do mesmo pensamento, da mesma

opinião do sujeito falante) e sedutor (a sedução é Fazer Prazer ao outro, ou seja, transferir-

lhe um estado emocional eufórico).

Além desses objetivos comunicativos, o sujeito falante pode adotar diferentes

atitudes discursivas para adquirir a credibilidade: atitude de neutralidade (leva o sujeito a

apagar, em seu discurso, qualquer vestígio de julgamento ou avaliação pessoal), atitude de

distanciamento (leva o sujeito a adotar a atitude fria e controlada de um especialista) e a

atitude de engajamento (leva o sujeito a optar, de maneira mais ou menos consciente, por

uma tomada de posição na escolha de argumentos ou palavras, ou por uma modalização

avaliativa trazida a seu discurso). Assim, a comunicação é muito mais que uma simples

troca de informações. É condicionada pela exterioridade social, isto é, pelas regularidades

sócio-comunicativas.

E a última condição, a captação (princípio de influência – cada um dos elementos

ligados pelo ato de comunicação procura influenciar o comportamento do outro e princípio

de regulação – os elementos do ato de comunicação devem buscar um equilíbrio, uma

troca de informações) diz respeito à necessidade que o sujeito falante tem de buscar a

atenção do público.

Segundo Charaudeau (2006a: 91), a condição de captação está orientada para o

parceiro da troca. Esse parceiro não é natural (é necessário instituí- lo como destinatário de

uma mensagem), não é passivo (ele tem suas próprias faculdades de interpretação) e não é

conquistado antecipadamente (é necessário persuadi- lo, seduzi- lo).

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O segundo componente do “jogo” da comunicação são os modos de organização do

discurso (b), que são constituídos de princípios de organização da matéria linguística. Tais

princípios dependem da finalidade comunicativa do sujeito comunicante: ENUNCIAR,

DESCREVER, NARRAR e ARGUMENTAR. Esses princípios são reunidos em quatro

modos: o enunciativo, o descritivo, o narrativo e o argumentativo, cada um com uma

função de base e um princípio de organização.

A função de base diz respeito à finalidade discursiva do projeto de fala do sujeito

comunicante. Por exemplo, a função de base do modo enunciativo diz respeito não só à

relação de influência (EU ? TU), como também ao ponto de vista situacional (EU

? ELE) e ao testemunho sobre o mundo (ELE). No modo descritivo, a função de base é

identificar a sucessão dos seres do mundo de maneira objetiva/subjetiva; no modo

narrativo, construir a sucessão das ações de uma história no tempo, em torno de uma

busca, para colocar em narrativa, com seus atores e, por último, a função de base do modo

argumentativo é explicar uma verdade em uma visão racionalizante, para influenciar o

interlocutor.

O princípio de organização marca, no modo enunciativo, a posição do sujeito

comunicante em relação ao sujeito interpretante, ao dito e aos outros discursos e marca,

nos demais modos, não só a organização peculiar da construção descritiva (Nomear -

Localizar - Qualificar), da lógica narrativa (atores e desenvolvimento) e da lógica

argumentativa, como também os aspectos da encenação de cada um deles (efeitos e

procedimentos, no descritivo; identidades e status do narrador, no narrativo e

procedimentos semânticos e discursivos, na argumentação), que compõem o status próprio

de cada um desses modos.

Os quadros a seguir mostram a função de base e o princípio de organização de

cada modo de organização do discurso.

MODO DE ORGANIZAÇÃO FUNÇÃO DE BASE PRINCÍPIO DE ORGANIZAÇÃO

ENUNCIATIVO

Relação de influência

(EU ? TU)

Ponto de vista situacional

(EU ? ELE)

Testemunho sobre o mundo

(ELE)

• Posição em relação ao

interlocutor

• Posição em relação ao dito

• Posição em relação aos

outros discursos

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MODO DE ORGANIZAÇÃO FUNÇÃO DE BASE PRINCÍPIO DE ORGANIZAÇÃO

DESCRITIVO Identificar a sucessão

dos seres do mundo de maneira

objetiva/subjetiva

• Organização da construção

descritiva

(Nomear - Localizar - Qualificar)

• A colocação em descrição

(efeitos e procedimentos)

MODO DE ORGANIZAÇÃO FUNÇÃO DE BASE PRINCÍPIO DE ORGANIZAÇÃO

NARRATIVO

Construir a sucessão das ações

de uma história no tempo, em

torno de uma busca, para colocar

em narrativa, com seus atores.

• Organização da lógica

narrativa

(atores e desenvolvimento)

• A colocação em narração

(identidades e status do narrador)

MODO DE ORGANIZAÇÃO FUNÇÃO DE BASE PRINCÍPIO DE ORGANIZAÇÃO

ARGUMENTATIVO

Explicar uma verdade em uma

visão racionalizante para

influenciar o interlocutor

• Organização da lógica

argumentativa

• A colocação em

argumentaç ão

(procedimentos semânticos e

discursivos)

Tabela 8 – Modos de organização do discurso Fonte: Charaudeau (1992: 642; 2008)

O discurso ultrapassa os códigos de manifestação linguageira uma vez que é o lugar

da encenação da significação.

O terceiro dispositivo do “jogo” da comunicação é a língua.

A língua (c) constitui a matéria verbal estruturada em categorias linguísticas que

são ao mesmo tempo, de modo consubstancial, uma forma e um sentido.

No ato de comunicação, não importa se a modalidade de língua é oral ou escrita.

Mas é importante considerar se os parceiros estão em presença um do outro, se o canal de

transmissão é oral, ou gráfico, se a troca é permitida, ou não e, sobretudo, se a situação é

interlocutiva ou monolocutiva. Tais características que remontam à situação de

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comunicação possibilitam constatar as consequências das estratégias postas em prática pelo

sujeito comunicante para agir sobre o sujeito interpretante.

O quarto e último componente do “jogo” da comunicação é o texto.

O texto (d) é a manifestação material (verbal, gestual, icônica etc.) da mise en scène

de um ato de comunicação, em uma situação dada, para servir ao Projeto de fala de um

sujeito comunicante. Os textos dão testemunho das escolhas conscientes ou inconscientes

que o sujeito realiza dentro das categorias de língua e dos modos de organização do

discurso, tendo em vista as restrições impostas pelo quadro físico e mental da situação.

3.2.5. Sentido de língua/compreensão x sentido de discurso/interpretação

Os pressupostos teóricos da Teoria Semiolinguística mostram-se adequados ao

embasamento teórico de nossa pesquisa, que pretende buscar alternativas para o processo

de interpretação nas escolas. Distinguir sentido de língua de sentido de discurso

(terminologia proposta por Patrick Charaudeau: 1995a, 1999: 29) é de fundamental

importância tendo em vista que o nosso objetivo é propor estratégias que ajudem o aluno a

ultrapassar o sentido de língua/compreensão e chegar ao sentido de discurso/interpretação.

No ato de comunicação, o sujeito comunicante tem por objetivo significar o mundo,

a partir de seus propósitos, para um sujeito interpretante. Nessa troca, ou seja, nesse

processo de transação, para proceder a uma análise do texto, o sujeito interpretante precisa

não só mobilizar o sentido das palavras e suas regras de combinação (langue) como

também construir um sentido que corresponda a sua intencionalidade (parole). Nesse

ponto, passa-se do sentido de língua ao sentido de discurso, tendo em vista que o sujeito

interpretante não busca o significado das palavras ou sua combinação (sentido de língua),

mas seu sentido social (sentido de discurso).

Charaudeau (1995a, 1999: 29) estabelece uma distinção entre sentido de língua e

sentido de discurso, tendo como base a noção referencial da língua. Tal distinção é

importante porque mostra a diferença entre dois processos tomados comumente como

idênticos – a compreensão e a interpretação.

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O sentido de língua refere-se ao mundo de maneira transparente, construindo uma

imagem de um locutor-ouvinte- ideal, ou seja, uma visão simbolizada referencial do

mundo. O sentido linguístico trabalha apenas com um signo linguístico capaz de associar o

significante a um significado pleno nas suas relações sintagmáticas e paradigmáticas. O

movimento é centrípeto de estruturação de sentido, atribuindo às palavras traços

distintivos, pois age de acordo com uma sistematicidade intralinguística, baseada no

sistema.

Já o sentido discursivo caracteriza-se por sua opacidade em relação ao mundo, no

momento em que se refere ao próprio processo de enunciação e a um sujeito que se define

em relações múltiplas de intersubjetividade. Assim, o signo remete a algum significado,

mas este não pode ser visto a partir de um valor absoluto e autônomo, mas apenas como

portador de um sentido potencial que precisa ser articulado com outros signos e com a

prática social para que seja construído o sentido discursivo.

No sentido de discurso, o significante pode ter múltiplos sentidos, pois, para

Charaudeau (1995a, 1999), as palavras não valem por si, mas quando estão relacionadas a

um “ailleurs” (contexto). Nesse caso, o sujeito que interpreta um texto não busca o sentido

intrínseco das palavras (significado referencial), mas seu valor social e seu peso na troca

interativa.

De acordo com Charaudeau (1994), o signo é o resultado de uma tríplice

conceptualização: referencial (ele recorta a materialidade do mundo), contextual (ele

significa em relação com outros signos) e situacional (ele mostra os “enjeux” do discurso:

o que está em jogo). O signo, assim, é construído com a atualização simultânea dessas três

dimensões.

O sentido discursivo, ao contrário do sentido linguístico, é construído como

resultante da força centrífuga que relaciona as palavras e sequências portadoras de sentidos

de língua com outras palavras e sequências que se acham registradas na memória de

experiência do sujeito.

Dessa forma, o sentido de língua resulta de um processo semântico- linguístico de

ordem categorial e o sentido de discurso resulta de um processo semântico-discursivo de

ordem inferencial.

Ao mobilizar as regras de comunicação (langue), o sujeito comunicante constrói

um sentido literal ou explícito, ou seja, um sentido de língua que se mede segundo critérios

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de coesão. Por outro lado, há o sentido indireto ou implícito, ou seja, um sentido de

discurso, que se mede segundo critérios de coerência.

O processo de ordem categorial que termina no reconhecimento do sentido de

língua pode se chamar “compreensão”. E o processo duplo (discursivo e situacional) de

ordem inferencial, que leva ao reconhecimento – construção do sentido de discurso

problematizado e finalizado - pode ser chamado de “interpretação”.

Assim, o “mundo significado” construído pelo sujeito comunicante e que se

encontra contido num texto torna-se para vários sujeitos destinatários possíveis, de um

lado, um mundo comumente significado (atividade de compreensão) e, por outro lado, um

mundo diversamente significado (atividade de interpretação), em que cada sujeito

destinatário é um agente dessa diversificação.

Processo de transação

CONTRATO DE COMUNICAÇÃO

< > < >

Processo de transformação Processo de transformação COMPREENSÃO INTERPRETAÇÃO

Gráfico 13 – O processo de semiotização do mundo atrelado aos processos de compreensão e interpretação Fonte: Charaudeau (2006a: 42; 114) Para que o sujeito interpretante consiga chegar ao sentido de discurso, ou seja,

consiga perceber as intenções do sujeito comunicante, são necessários, pelo menos, dois

processos: primeiramente, por meio da seleção do material linguístico, ocorre a operação

de semiotização e, depois, na arrumação desse material, ocorre a organização dos

elementos discursivos, em modos específicos de organização da matéria discursiva.

O primeiro processo (seleção do material linguístico) abrange várias operações,

que consistem em dar conta de um modo de existência dos seres do mundo. Tais operações

são:

Mundo a significar

Texto bruto

Instância de produção

Sujeito comunicante

Mundo significado

Texto decodificado

Instância de recepção

Sujeito interpretante

Mundo significado

Texto interpretado

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a) operação de identificação: designar os seres, nomeando-os e classificando-os – uso

de substantivos;

b) operação de qualificação: mostrar as propriedades dos seres ou informações a seu

respeito - uso de adjetivos;

c) operação de processualização, ou representação dos fatos e das ações: sinalizar as

mudanças de estado dos seres - uso de verbos e advérbios;

d) operação de modalização ou explicação: explicitar a razão de ser e de fazer dos

seres, marcando o ponto de vista do locutor sobre alguns elementos discursivos -

uso de modalizadores.

e) operação de relação: especificar as regras de combinação e de hierarquização nos

níveis sintático e semântico – uso de operadores lógicos.

O segundo processo (modos de organização do discurso) corresponde à

organização dos elementos discursivos em textos. São eles: o modo enunciativo, o modo

descritivo, o modo narrativo e o modo argumentativo de que já tratamos no tópico 3.2.4..

O reconhecimento da seleção do material linguístico e dos modos de organização

do discurso permite compreender melhor as significações específicas de cada texto

particular. E, cabe ao sujeito interpretante perceber essas significações. Porém, às vezes,

mesmo com todas as pistas dadas pelo sujeito comunicante, o sujeito interpretante não

consegue chegar ao sentido de discurso pretendido pelo sujeito produtor do texto. Além

disso, um texto pode ter sentidos diferentes, dependendo do sujeito leitor. O sentido de

língua será o mesmo para qualquer leitor, mas o de discurso dependerá da bagagem

cultural de cada um.

Dessa forma, toda relação entre o sujeito comunicante e o sujeito interpretante está

relacionada com a compreensão, a interpretação e, ainda, com a intercompreensão.

O ato de compreensão se limita, então, a reconhecer o sentido de língua; o ato de

interpretação coloca esse sentido de língua em relação com as condições que presidem à

finalização prática do ato de comunicação e a intercompreensão consiste no grau de

recuperação entre o sentido do discurso projetado pelo sujeito comunicante e o construído

pelo sujeito interpretante.

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SENTIDO DE LÍNGUA

COMPREENSÃO

SENTIDO DE DISCURSO

INTERPRETAÇÃO

INTERCOMPREENSÃO

Gráfico 14 – Compreensão, interpretação e intercompreensão Fonte: Charaudeau (1995a, 1999) Criação nossa.

Sendo assim, uma linguística do discurso deve integrar, na sua análise, as condições

de produção do ato de linguagem, construindo um objeto multidimensional que opera entre

o mundo (como real construído), a linguagem (como forma-sentido) e um sujeito

intersubjetivo em situação de interação social.

Assim, para Charaudeau (1995a, 1999 ), entender os sentidos de um texto significa

ultrapassar o sentido de língua e chegar ao sentido de discurso. Penetrar nas entrelinhas de

um texto não é tarefa muito fácil, daí a necessidade de um trabalho sistemático com os

alunos.

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3.3. Articulação de Teorias: a Semiolinguística e a Linguística

(...) Uma vez que postulamos que o homem, ao se expressar através da língua, manifesta, explícita ou implicitamente, o seu ponto de vista, acreditamos na necessidade de a escola possibilitar ao educando o reconhecimento dos valores veiculados pelos discursos de outrem, bem como pelos seus próprios, levando-o a assumir efetivamente o seu papel de cidadão consciente, crítico e atuante.

Sendo assim, cabe ao professor, dentre outras atribuições, organizar ações que tornem os alunos aptos a desvelarem os implícitos nas práticas de linguagem – incluindo intenções, valores, preconceitos, explicitação de mecanismos de desqualificação de posições, entre outros itens. [Grifos das autoras].

(Gavazzi & Eduardo, 2005: 87)

Não basta que o leitor reconheça o sentido de língua, ou seja, o sentido linear das

palavras e frases para que perceba a mensagem pretendida pelo sujeito comunicante, mas

que penetre nas sutilizas do texto, isto é, chegue ao sentido de discurso, a fim de que

reconheça as ideias que estão implícitas no texto. Portanto, o leitor precisa ir além do

significado literal das palavras para interpretar o que lê.

3.3.1. Compreender e interpretar: o texto como processo de decodificação e interpretação

da realidade

Para entender melhor a diferença entre sentido de língua e sentido de discurso,

podemos nos valer dos três níve is da competência linguística estabelecidos por Coseriu

(1980: 93). Pode-se perceber que, embora sob ângulos de análise diferentes, os dois autores

– Charaudeau e Coseriu – abordam a questão do “compreender” e do “interpretar” como

sendo processos distintos, ainda que complementares.

Dessa forma, em contribuição aos estudos linguísticos, Coseriu (1980) identificou

três níveis da linguagem, como atividade universalmente humana – o nível universal, o

histórico e o individual.

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No nível universal, a linguagem, considerada como atividade, é o falar em geral,

não determinado historicamente. Corresponde ao saber elocucional que todos possuem.

Refere-se à realidade extralinguística, ou seja, ao designado. Para se comunicar, o leitor

precisa ter conhecimento dessa realidade extralinguística.

No nível histórico, a linguagem como atividade é a língua concreta, tal como se

manifesta no falar. É a língua como saber tradicional de uma comunidade, que recebe os

significados atribuídos pelos falantes dessa comunidade. Trata-se do saber idiomático, ou

seja, cada comunidade tem a sua própria língua.

Já no nível individual, a linguagem como atividade é o discurso, isto é, o ato

linguístico de um determinado indivíduo numa situação dada. Trata-se do saber

expressivo, próprio de cada pessoa. É ainda neste nível que se constrói o sentido, a

interpretação.

Sintetizando,

Pontos de vista

Níveis

atividade

saber

conteúdo

produto

UNIVERSAL falar em geral saber

elocucional

designação totalidade do

“falado”

HISTÓRICO

língua concreta saber idiomático significado língua abstrata

INDIVIDUAL

discurso saber expressivo sentido texto

Tabela 9 – Níveis de estruturação da linguagem Fonte: Coseriu (1980: 93) Adaptação nossa.

Assim, em todo ato de comunicação se realizam e manifestam esses três tipos de

saberes linguísticos, relativos aos três planos linguísticos, que, por sua vez, correspondem,

ainda, a três tipos diferentes de conteúdo linguístico:

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a) a designação (ou referência), que se refere à realidade extralinguística e corresponde

ao plano linguístico geral (universal) e ao saber elocucional;

b) o significado, que se refere ao conteúdo designado linguisticamente em uma

determinada língua, vinculado ao plano linguístico particular (histórico) e ao saber

idiomático e, ainda,

c) o sentido, que é o dito no texto, ou seja, o conteúdo linguístico expresso por meio da

designação e do significado; refere-se ao plano do discurso (individual) e ao saber

expressivo (à competência textual).

Estabelecendo uma relação entre o processo de semiotização do mundo da teoria

Semiolinguística de Patrick Charaudeau (1995a, 1999) e os níveis de estruturação da

linguagem de Coseriu (1980), teríamos o seguinte gráfico:

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Gráfico 15 – Semiotização do mundo x níveis de estruturação da linguagem Fonte : Carvalho (2004: 22). Adaptação nossa.

Sentido de

mundo

MOVIMENTO CENTRÍFUGO

Saber expressivo

Sentido

Processo de ordem inferencial

PAROLE

Sentido indireto ou implícito

Critérios de coerência

MOVIMENTO CENTRÍPETO

Saber idiomático

Significado

Processo de ordem categorial

LANGUE

Sentido direto ou explícito

Critérios de coesão

Compreensão

Sentido de língua

Interpretação

Sentido de discurso

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Para chegar ao “sentido de discurso”, o sujeito interpretante precisa, portanto,

realizar o processo interpretativo que consiste em determinar, no texto, as relações

significativas pretendidas pelo sujeito comunicante. O processo interpretativo, segundo

Carvalho (1973: 351-2) compreende três fases: identificação das identidades linguísticas de

que se compõe o texto, os respectivos valores significativos e a identificação da realidade

designada.

Assim, o sentido não é construído apenas por intermédio da relação língua / mundo,

mas pela relação que subordina a referência ao mundo (a proposicional) à

intersubjetividade dos interlocutores: eu e tu (a relacional).

MUNDO

(ELE)

EU ----------------------------------- TU

Gráfico 16 – Construção do sentido Fonte: Charaudeau (1996: 7)

A significação, por sua vez, é construída por meio de dois espaços de produção de

sentido (externo e interno) e de dois espaços enunciativos de produção (EU)/ interpretação

(TU) com a interposição de uma avaliação. A linguagem não se reduz à articulação de

alguns enunciados, mas é o resultado de uma ampla combinação textual que se articula

sobre dois planos, o do enunciado e o da enunciação.

Diante disso, podemos dizer que a comunicação é um jogo. Depende de uma

atividade estratégica (conjunto de estratégias discursivas) que considera as determinações

do quadro situacional. Além disso, o ato de linguagem é o produto da ação de seres

psicossociais que são testemunhas, mais ou menos conscientes, das práticas sociais e das

representações imaginárias da comunidade a que pertencem.

Segundo a teoria gerativa de Chomsky apud (Charaudeau: 2001b: 27), o ato de

linguagem se constitui a partir de um “locutor-ouvinte- ideal” e de um processo simétrico

entre aquele que o produz e aquele que o recebe e o decodifica. Isso significa dizer que o

sujeito comunicante não está sozinho; há sempre o outro que pode estar presente, ou não,

no ato da enunciação.

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Nesse contexto, os processos de “compreender” e “interpretar” são processos ativos

e criativos, porque aquele que compreende e interpreta participa do diálogo, continuando a

criação de seu interlocutor. A cada palavra do outro fazemos corresponder uma série de

palavras nossas, formando uma réplica. Como já vimos, para Bakhtin (2000), o sentido de

um enunciado não está na palavra nem na alma do sujeito que comunica, assim como

também não está na alma do sujeito que interpreta; o sentido de um enunciado é o efeito da

interação entre esses dois sujeitos.

E, para que a comunicação possa atingir a finalidade esperada pelo sujeito

comunicante, é imprescindível que os parceiros estejam ligados pelo que Charaudeau

chama de “contrato de comunicação” e que tenham um saber em comum; caso contrário,

a comunicação estará vazia de significados para o sujeito interpretante. Não basta falarem

a mesma língua, é preciso que se entendam culturalmente. O processo de comunicação é

uma co-construção de sentido, ou seja, não dispensa a participação de um dos sujeitos.

Cada um tem a sua função dentro do processo. O texto, como resultante é, portanto, uma

configuração de sentido.

3.3.2. O texto e suas múltiplas possibilidades de leitura: pressupostos e inferências

Para que os sujeitos falantes possam comunicar-se eficazmente, é preciso que

utilizem um mesmo código linguístico, um mesmo conjunto de significantes e significados.

E, mesmo assim, ainda é possível ocorrerem mal-entendidos, tendo em vista que, numa

língua qualquer, é comum que um plano da expressão (um significante) seja suporte para

mais de um plano de conteúdo (significado), ou seja, que um mesmo termo tenha vários

significados.

Trabalhar essa polissemia das palavras com os alunos é de fundamental importância

quando se fala em interpretação. Às vezes, a dificuldade de interpretar o que se lê, o que se

ouve ou o que se vê tem como um dos motivos o não conhecimento da plurissignificação

da linguagem. Por exemplo, é com essa polissemia que os textos humorísticos são

construídos. Para provocar o riso, alguns termos são usados com ambiguidade, dada a

possibilidade de polissemia; muitas informações ou se encontram pressupostas, ou se

encontram subentendidas, cabendo ao leitor desvendá- las.

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As palavras e enunciados de uma língua podem operar em dois eixos de

significação: o eixo denotativo e o eixo conotativo.

Uma palavra tem valor denotativo quando o sujeito comunicante a utiliza em seu

sentido literal, ou seja, aquele que corresponde à primeira significação atribuída às

palavras. Quando, por exemplo, contamos uma piada e o nosso interlocutor não a entende,

é porque apreendeu todas as palavras no eixo denotativo. Ele não conseguiu ultrapassar o

“sentido de língua”, de acordo com Charaudeau (1995a, 1999).

O “sentido de discurso” (Charaudeau (1995a, 1999)) está relacionado com o eixo

conotativo. Uma palavra ou enunciado tem valor conotativo quando seu sentido não é

tomado literalmente, mas é ampliado e modificado pelo sujeito comunicante, que usa a

linguagem, com o objetivo de obter um efeito particular, em um contexto específico de

interlocução. É o que acontece no contexto das piadas. O riso é provocado pelo s implícitos

dos enunciados.

Alguns autores, ao invés de utilizarem as terminologias “denotação” e “conotação”,

falam em “sentido literal” e “sentido não- literal ou figurado”.

Assim, o sentido literal é um sentido básico que entendemos quando usamos a

língua em situações naturais. Segundo Marcuschi (2008: 235), não se trata de sentido

dicionarizado, nem de uma oposição ao sentido figurado, e sim daquele sentido que é

construído como preferencial. Não se pode vincular o sentido literal de forma automática a

palavras, pois elas podem ter vários sentidos literais.

O sentido não-literal ou figurado pode ser visto como uma ampliação do sentido

literal ou denotativo e origina-se de alguma semelhança real ou pressuposta entre o

contexto de manifestação do sentido literal e o novo contexto em que esse sentido se

expande, para cobrir outras situações.

SENTIDO LITERAL SENTIDO NÃO-LITERAL

Automático Obrigatório

Normal Não-marcado Indispensável Não-figurativo

Não-automático Opcional Fortuito Marcado

Dispensável Figurativo Indireto

Tabela 10 – Sentido literal x sentido não-literal Fonte: Mira Ariel (2002: 363) apud Marcuschi (2008: 235)

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Estabelecendo uma associação com a teoria Semiolinguística de Charaudeau

(1995a, 1999) e com a classificação proposta por Coseriu (1980), temos a seguinte tabela :

SENTIDO LITERAL

SENTIDO DE LÍNGUA

transparente

sentido direto ou explícito

processo de ordem categorial

saber idiomático

significado

SENTIDO NÃO-LITERAL

SENTIDO DE DISCURSO

opaco

sentido indireto ou implícito

processo de ordem inferencial

saber expressivo

sentido

Tabela 11 - Sentido literal/sentido de língua X sentido não-literal/sentido de discurso Fonte: Mira Ariel (2002) apud Marcuschi (2008); Charaudeau (1995a, 1999); Coseriu (1980)

Assim, toda palavra tem um significado denotativo, já que em toda palavra se

pressupõem reciprocamente dois planos: o plano de conteúdo (significado) e o plano de

expressão (significante).

Sobreposto ao significado denotativo, implanta-se o significado conotativo, que

consiste num novo plano de conteúdo, investido no signo como um todo. O sentido

conotativo varia de cultura para cultura, de classe social para classe social, de época para

época. Saber depreender a força conotativa das palavras em cada tipo de cultura é

indispensável para usá- las bem.

Além do jogo denotação/conotação, outro importante aspecto no processo de

construção do sentido de um texto é o papel desempenhado pelas informações implícitas,

as quais serão divididas aqui, em pressupostos e subentendidos.

Segundo Kerbrat-Orecchioni (1986: 21- 22)11, os conteúdos implícitos

(pressupostos e subentendidos) têm em comum a propriedade de não constituir em

princípio o verdadeiro objeto do dizer, enquanto os conteúdos explícitos correspondem em

11 Original em francês: “(...) les contenus implicites (présupposés et sous-entendus) ont en commun la propriété de ne pas constituer en principe (...) le véritable objet du dire, tandis que les contenus explicites correspondent, en principe toujours, à l’objet essentiel du message à transmettre, ou encore sont dotés, (...) de la plus grande pertinence communicative.” (pp. 21-22).

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princípio sempre ao objeto essencial da mensagem a transmitir, ou ainda são dotados (…)

de maior pertinência comunicativa.

Vejamos a distinção entre pressupostos e subentendidos.

Segundo Ilari (2001: 85),

Diz-se que uma informação é pressuposta quando ela se mantém mesmo que neguemos a sentença que a veicula. (...) Sempre que um certo conteúdo está presente tanto na sentença como em sua negação, dizemos que a sentença pressupõe esse conteúdo.

Pressupostos, assim, são aquelas ideias não expressas de maneira explícita, mas que

o leitor pode perceber a partir de certas palavras ou expressões contidas na frase. Na frase

“Pedro deixou de beber” diz-se explicitamente que, no momento da fala, Pedro não bebe.

O verbo “deixar”, todavia, pressupõe que Pedro bebia antes.

Segundo Platão; Fiorin (1990), a informação pode ser questionada pelo ouvinte,

que pode, ou não, concordar com ela. Os pressupostos, no entanto, têm que ser verdadeiros

ou, pelo menos, admitidos como verdadeiros, porque é a partir deles que se constroem as

informações explícitas. Se o pressuposto é falso, a informação explícita não tem sentido.

No exemplo comentado anteriormente, se Pedro não fumava antes, não tem cabimento

dizer que ele deixou de fumar.

Em outras palavras, o pressuposto tem uma marca linguística: o posto. O posto

pode ser negado, mas o pressuposto, não. Por exemplo, em “João parou de bater na

mulher.”, temos o posto (João parou de bater na mulher.) e o pressuposto (João batia na

mulher.). Se negarmos o pressuposto, o posto torna-se incoerente.

Como afirma Kerbrat-Orecchioni (1986: 26; 29)12, os pressupostos são inscritos na

língua, e o contexto intervém apenas para levantar uma possível polissemia. Além disso, os

conteúdos veiculados em pressuposições correspondem, normalmente, a realidades já

conhecidas e admitidas pelo destinatário.

Dessa forma, os pressupostos fazem parte de muitos textos, tendo em vista que

explicitá- los significaria, muitas vezes, informar o óbvio, o esperado em um dado contexto.

12 Original em francês: “(...) les présupposés sont inscrits en langue, et le co(n)texte n’intervient que pour lever une éventuelle polysémie (...)” (p.26); “(...) les contenus formulés en présupposés sont censés correspondre à des réalités déjà connues ed admises par le destinataire – soit qu’ils relèvent de son savoir encyclopédique spécifique, soit qu’ils correspondent à des ‘évidences’ supposées partagées par l’ensemble de la communauté parlante: (...)” (p. 29, 30).

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Outro importante aspecto no processo de construção de sentidos é o subentendido,

também chamado de implícito e, na pragmática, considerado como implicatura

conversacional

Quando uma informação não é dita, mas tudo o que é dito nos leva a identificá- la,

estamos diante de algo subentendido ou inferível. Os diversos tipos de conhecimento de

mundo (ou modelos cognitivos, a saber, os frames, os esquemas, os planos, os scripts) que

precisamos partilhar com o produtor do texto estão implícitos e precisam ser inferidos por

nós. Nada é gratuito num texto, tudo tem sentido, é fruto de uma intenção consciente ou

inconsciente. Assim, para captar os implícitos, o leitor precisa inferir.

Podemos definir inferência como o processo de raciocínio segundo o qual se

conclui alguma coisa a partir de outra já conhecida.

De acordo com Koch & Travaglia (1990: 65),

Quase todos os textos que lemos ou ouvimos exigem que façamos uma série de inferências para podermos compreendê-los integralmente. Se assim não fosse, nossos textos teriam que ser excessivamente longos para poderem explicitar tudo o que queremos comunicar.

Marcuschi (2008: 254, 255) identifica uma série de inferências, separando-as em

três grupos principais: inferências de base textual, inferências de base contextual e

inferências sem base textual e contextual, como veremos no gráfico a seguir.

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lógicas

dedutivas

indutivas

abdutivas

condicionais

sintáticas

De base textual

semânticas

associativas

generalizadoras

correferenc iais

pragmáticas

intencionais

conversacionais

avaliativas

experienciais

De base contextual

cognitivas

esquemáticas

analógicas

composicionais

falseadoras

Sem base textual e

contextual

extrapoladoras

Gráfico 17 – Tipo de inferências Fonte: Marcuschi (2008: 254, 255)

Além desse gráfico, Marcuschi (2008: 255), estabelece um quadro de operações

que permite entender o que ocorre com cada tipo de inferência. Segundo o autor, embora

haja vários tipos de inferências, no nosso dia-a-dia, procedemos muito mais por raciocínios

práticos do que por raciocínios lógicos em sentido estrito.

O gráfico, a seguir, proposto por Marcuschi, é dividido em tipo de operação

inferencial, natureza da inferência e condições de realização. Um tipo de operação

inferencial pode ter uma única natureza, como a dedução e a indução, que são de natureza

lógica, mas também, pode apresentar, simultaneamente, naturezas distintas, como a

particularização, que é de natureza lexical, semântica e pragmática.

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Tipo de operação

inferencial

Natureza da

inferência

Condição de realização

1. dedução lógica Reunião de duas ou mais informações textuais que funcionam como

premissas para chegar a outra informação logicamente. A conclusão será

necessária se a operação for válida.

2. indução lógica Tomada de várias informações textuais para chegar a uma conclusão com

valor de probabilidade de acordo com o grau de verdade das premissas.

3. particularização lexical

semântica

pragmática

Tomada de um elemento geral de base lexical ou fundado em

experiências e conhecimentos pessoais individualizando ou

contextualizando num conteúdo particular com um lexema específico.

4. generalização lexical

pragmática

Saída de uma informação específica, por exemplo, um lexema, para

chegar à afirmação de outra mais geral.

5. sintetização lexical

semântica

pragmática

Condensação de várias informações tomando por base saliências lexicais

ou cognitivas por associação de ideias.

6. parafraseamento lexical

semântica

Alteração lexical para dizer a mesma informação sem alteração

fundamental de conteúdo proposicional.

7. associação lexical

semântica

pragmática

Afirmação de uma informação obtida através de saliências lexicais ou

cognitivas por associação de ideias.

8. avaliação ilocutória lexical

semântica

pragmática

Atividade de explicitação dos atos ilocutórios com expressões

performativas que os representam. Funciona como montagem de um

quadro para explicitação de intenções e avaliações mais globais.

9. reconstrução cognitiva

pragmática

experiencial

Reordenação ou reformulação de elementos textuais com quadros total ou

parcialmente novos. Diverge do acréscimo na medida que insere algo

novo situado no velho.

10. eliminação cognitiva

experiencial

lexical

Exclusão pura e simples de informações ou dados relevantes e

indispensáveis, impedindo até mesmo a compreensão dos dados que

permanecem.

11. acréscimo pragmática

experiencial

Introdução de elementos que não estão implícitos nem são de base

textual, sendo que muitas vezes podem levar até a contradições e

falseamentos.

12. falseamento cognitiva

experiencial

Atividade de introduzir um elemento e afirmar uma proposição falsa que

não condiz com as informações textuais ou não pode ser dali inferida.

Tabela 12 – Raciocínios utilizados em cada tipo de inferência Fonte: Marcuschi (2008: 255)

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Essa série de operações e suas respectivas condições de realização arroladas por

Marcuschi (2008) possibilitam que se avalie o que é feito em termos inferenciais quando

compreendemos um texto.

Assim, as inferências são as insinuações escondidas por trás de uma informação.

Alguns tipos de textos, como as piadas, exploram, com malícia, os implícitos. Vejamos o

exemplo a seguir:

A babá sentada no banco da praça, tomava conta da criança. Um velhinho sirigaita puxou assunto: - Eu posso me esconder onde quiser que meu cachorro me acha. A moça deu uma cheiradinha no ar e disse: - Já experimentou tomar um banho, antes?

(PINTO, Ziraldo Alves. Mais anedotinhas do bichinho da maçã. São Paulo: Melhoramentos, 1998, p. 43)

Nessa piada, a moça fez-se de desentendida e lançou mão de uma inferência a partir

de um dado contextual que o leitor não domina: o mau cheiro do velhinho. Assim, ela

rejeita a aproximação, acusando, implicitamente, o velhinho de “mau cheiroso”. A fala do

velhinho passa a ter outro sentido quando temos uma nova informação a respeito dele,

dada pela atitude e fala da moça. O cão consegue encontrá- lo em qualquer lugar em função

do mau cheiro.

Podemos fazer várias operações inferenciais para chegar ao implícito do texto. Por

meio da fala do narrador “A moça deu uma cheiradinha no ar e disse:” e da fala da

personagem – moça “- Já experimentou tomar um banho, antes?” (operação inferencial de

dedução) chegamos a uma outra informação lógica: o cão consegue encontrar o velhinho

em qualquer lugar em função do mau cheiro.

A partir dessa operação de dedução, podemos estabelecer outras associações:

Inferência 1: O velho tem mau cheiro.

Inferência 2: O velho não gosta de tomar banho.

Inferência 3: O cão consegue encontrar o velho pelo mau cheiro etc.

Nesse exemplo, também podemos dizer que o velhinho infringiu três máximas – a

da Quantidade, da Relação e de Modo. Ele iniciou uma conversa desnecessária para se

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aproximar da moça, dizendo coisas irrelevantes e não foi claro. Assim, permitiu que a babá

inferisse e chegasse à conclusão de que ele não toma banho.

O subentendido difere do pressuposto num aspecto importante: o pressuposto é um

dado posto como indiscutível para o falante e para o ouvinte, não é para ser contestado; o

subentendido é de responsabilidade do ouvinte, pois o falante, ao deixar a informação

implícita, pode esconder-se por trás do sentido literal ou polissêmico das palavras, ou

ainda, do contexto circunstancial e pode dizer que não estava querendo afirmar o que o

ouvinte depreendeu.

Quando observamos um fato ou ouvimos uma frase, tiramos certas conclusões a

partir de dados que se encontram implícitos, ou seja, contidos no fato ou na frase. Não é

necessário que todas as ideias sejam explicitadas para que possamos tirar nossas

conclusões, como na frase a seguir:

O carnaval foi menos violento este ano., podemos fazer várias generalizações:

Inferência 1 – houve campanhas de esclarecimento à população;

Inferência 2 – o maior policiamento nas ruas evitou a violência;

Inferência 3 – o governo se empenhou mais na proteção ao cidadão etc.

Podemos tirar essas conclusões, porque a frase apresenta indícios que serão

completados com nosso conhecimento da realidade brasileira, do contexto sócio-cultural-

econômico em que vivemos. Estamos, portanto, sempre complementando e interpretando o

que vemos e ouvimos com nosso repertório de informações. Nossos textos não precisam

ser prolixos e redundantes. O leitor pode complementar a leitura do texto com base em

seus dados de leitura da realidade.

Dessa forma, na leitura e interpretação de um texto, é muito importante detectar os

pressupostos e os subentendidos, pois se constituem como recursos argumentativos

utilizados com vistas a levar o ouvinte ou o leitor a aceitar o que está sendo comunicado.

Ao introduzir uma ideia sob a forma de pressuposto, por exemplo, o falante transforma o

ouvinte em cúmplice, uma vez que essa ideia não é posta em discussão e todos os

argumentos subsequentes só contribuem para confirmá-la.

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3.4. O papel social da leitura e da escrita: o que é ser letrado?

(...) A leitura de mundo precede a leitura da palavra, (...) a leitura da palavra não é apenas precedida pela leitura do mundo mas por uma certa forma de “escrevê-lo” ou de “reescrevê-lo”, quer dizer, de transformá-lo através de nossa prática consciente.

(Freire, 1989: 11-20)

Até aqui abordamos alguns conceitos fundamentais para o entendimento do processo

de interpretação. Por que é tão importante saber escrever, ler e interpretar? Por que a

dificuldade dos alunos em entenderem o que leem preocupa tantos educadores? Qual a

importância da leitura em nossa sociedade? Como está o nível de alfabetismo (leitura) dos

brasileiros? Será que a deficiência em interpretar o que lê é só de alguns grupos de alunos

ou é um problema nacional? Tentaremos nos aprofundar um pouco mais nessas questões.

Nos dias de hoje, saber ler e escrever de forma mecânica tem-se revelado condição

insuficiente para responder adequadamente às demandas da sociedade. Há alguns anos, não

muito distantes, bastava que a pessoa soubesse assinar o nome, porque dela, só interessava

o voto. Hoje, saber ler e escrever de forma mecânica não garante a uma pessoa interação

plena com os diferentes tipos de textos que circulam na sociedade. É preciso ser capaz de

não apenas decodificar sons e letras, mas entender os significados e usos das palavras em

diferentes contextos.

Afinal, o que falta a uma pessoa que sabe ler e escrever? Por que muitos terminam a

Educação Básica e não conseguem entender uma bula de remédio ou redigir uma simples

carta? Para Moacir Gadotti apud Vargas (2000: 14):

O ato de ler é incompleto sem o ato de escrever. Um não pode existir sem o outro. Ler e escrever não apenas palavras, mas ler e escrever a vida, a história. Numa sociedade de privilegiados, a leitura e a escrita são um privilégio. Ensinar o trabalhador apenas a escrever o nome ou assiná-lo na carteira profissional, ensiná-lo a ler alguns letreiros na fábrica como perigo, atenção, cuidado, para que ele não provoque algum acidente e ponha em risco o capital do patrão não é suficiente... Não basta ler a realidade. É preciso escrevê-la. [Grifo da autora].

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A preocupação com o analfabetismo funcional (terminologia que a Unesco

recomendara nos anos 70 e que o Brasil passou a usar somente a partir de 1990, segundo a

qual a pessoa apenas sabe ler e escrever, sem saber fazer uso da leitura e da escrita) levou

os pesquisadores ao conceito de “letramento” em lugar de “alfabetização”. O conceito de

alfabetização tornou-se insatisfatório. Segundo Soares (2000a: 1),

Se uma criança sabe ler, mas não é capaz de ler um livro, uma revista, um jornal, se sabe escrever palavras e frases, mas não é capaz de escrever uma carta, é alfabetizada, mas não é letrada.

Assim, nas sociedades letradas, decodificar sons e letras é insuficiente para

vivenciar plenamente a cultura escrita e responder às demandas da sociedade. Mas, o que é

letramento? Que é uma pessoa letrada? Quando se pode dizer que uma criança ou um

adulto estão letrados? É possível trabalhar a leitura e a escrita letrando?

Mesmo que não consigamos responder a todas essas questões, somos conscientes

de que é preciso um novo olhar, um jeito diferente de caminhar, a fim de conduzirmos o

processo ensino-aprendizagem da leitura e da escrita de modo significativo tanto para

crianças como para jovens e adultos. É preciso repensarmos o processo de interpretação

textual nas escolas, ou seja, com quais conteúdos trabalhar a fim de desenvolvermos nos

alunos a capacidade de inferir e chegar aos possíveis significados de um texto?

3.4.1. Qual a origem da palavra letramento?

Segundo Soares (2000a: 15), a palavra “letramento” surge no discurso dos

especialistas nas áreas de Educação e de Ciências da Linguagem na segunda metade dos

anos 80. Uma das primeiras ocorrências está no livro de Mary Kato, de 1986, em que a

autora afirma que

(...) a chamada norma-padrão, ou língua falada culta é conseqüência do letramento, motivo por que indiretamente, é função da escola desenvolver no aluno o domínio da linguagem falada institucionalmente aceita.

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É interessante observar que, mesmo Kato não tendo definido o que é letramento, ser

letrado não se trata apenas de saber ler e escrever. A missão do professor é a de orientar o

aluno na aquisição da flexibilidade linguística necessária ao desempenho adequado que lhe

será exigido em sociedade. Analisar diferentes textos, compará- los, pesquisar os porquês

das diferenças, construir regras sobre o uso da língua e, a partir das descobertas, reescrever

textos são práticas que produzem excelentes resultados na capacitação do aluno no uso da

língua. Nesse sentido, letrar é mais que ensinar a ler e a escrever.

Em 1988, dois anos depois da publicação de Mary Kato, Leda Verdiani Tfouni

publica um livro intitulado “Adultos não alfabetizados: o avesso do avesso”, em que no

capítulo introdutório distingue alfabetização, de letramento.

Desde então, a palavra “letramento” torna-se cada vez mais frequente no discurso

escrito e falado de especialistas, de tal forma que, em 1995, já figura em título de livro

organizado por Ângela Kleiman e em outro livro de Leda Verdiani Tfouni.

Afinal, de onde vem a palavra letramento?

Sabe-se que a palavra “letramento” é versão para o português da palavra da língua

inglesa “literacy”, que pode ser traduzida como a condição ou estado que assume aquele

que aprende a ler e escrever. Segundo Soares (2000a: 17), está implícita no conceito de

“literacy” a ideia de que a escrita traz consequências sociais, culturais, políticas,

econômicas, cognitivas, linguísticas, quer para o grupo social em que seja introduzida, quer

para o indivíduo que aprenda a usá- la. Um indivíduo letrado é capaz de envolver-se nas

práticas sociais de leitura e de escrita. Diante disso, qual a diferença entre letrado e

alfabetizado?

3.4.2. É alfabetizado ou letrado? Letrar é mais que alfabetizar?

Alfabetizado é aquele indivíduo que sabe ler e escrever. Já letrado é aquele que

sabe ler e produzir textos, dos mais variados gêneros e temas. Um escritor competente deve

saber selecionar o gênero apropriado a seus objetivos e à circunstância em que realizará

seu discurso.

Letrar é mais que alfabetizar. A alfabetização deve-se desenvolver em um contexto

de letramento como início da aprendizagem da escrita, como desenvolvimento de

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habilidades de uso da leitura e da escrita nas práticas sociais. Alfabetizar letrando é,

portanto, ensinar a ler e escrever o mundo, ou seja, no contexto das práticas sociais da

leitura e da escrita, tendo em vista que a linguagem é um fenômeno social.

O processo de ensino-aprendizagem de leitura e escrita na escola não pode ser

configurado como um mundo à parte. Deve ter a finalidade de preparar o sujeito para a

realidade na qual se insere. E, nesse contexto, cabe à escola propiciar ao aluno interação

plena com diferentes tipos de textos e trabalhar com ele conteúdos de interpretar. O texto

não pode servir apenas como pretexto para se trabalhar conteúdos gramaticais. Existem

conteúdos de interpretação textual.

É importante destacar que letramento não é um método. A discussão do letramento

surge sempre envolvida no conceito de alfabetização, o que tem levado a uma inadequada

e imprópria síntese dos dois conceitos, com prevalência do conceito de letramento sobre o

de alfabetização. Não podemos separar os dois processos, pois a princípio, a inserção do

aluno no universo da escrita e o desenvolvimento de habilidades da leitura e da escrita se

dá ao mesmo tempo, por meio desses dois processos: a alfabetização e o letramento.

O letramento inicia-se muito antes da alfabetização, ou seja, quando uma pessoa

começa a interagir socialmente com as práticas de letramento no seu mundo social. Como

afirma Freire (1989: 11-12),

(...) A leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não possa prescindir da continuidade da leitura daquele. Linguagem e realidade se prendem dinamicamente. A compreensão do texto a ser alcançada por sua leitura crítica implica a percepção das relações entre o texto e o contexto.

Nesse sentido, se a leitura de mundo precede a leitura da palavra, um indivíduo

pode ser letrado, mas não alfabetizado. Por exemplo, um adulto mesmo não sabendo ler e

escrever pode pedir a alguém que escreva por ele, dita uma carta, pede a alguém que leia

para ele a carta que recebeu, ou uma notícia de jornal, ou uma placa na rua, ou a indicação

do roteiro de um ônibus etc. Essa pessoa não sabe escrever e não sabe ler, mas já conhece

as funções da escrita e da leitura, lançando mão do alfabetizado. Segundo Soares (2000a:

47), essa pessoa é analfabeta, mas é, de certa forma, letrada, ou tem um certo nível de

letramento. O mesmo acontece com crianças ainda não alfabetizadas. Para a autora

(ibidem),

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uma criança que vive num contexto de letramento, que convive com livros, que ouve histórias lidas por adultos, que vê adultos lendo e escrevendo, cultiva e exerce práticas de leitura e de escrita: toma um livro e finge que está lendo (...), toma papel e lápis e “escreve” uma carta, uma história. Ainda não aprendeu a ler e escrever, mas é, de certa forma, letrada, tem já um certo nível de letramento.

Da mesma forma que é possível ter um certo nível de letramento e não ser

alfabetizado, um indivíduo pode ser alfabetizado mas não ter um bom nível de letramento.

É capaz de ler e escrever, porém, não possui habilidades para práticas que envolvem a

leitura e a escrita: não lê revistas, jornais, receitas de médico, bulas de remédio etc., ou

seja, apresenta grande dificuldade para interpretar textos lidos, como também, pode não ser

capaz de escrever uma carta ou bilhete.

Enfim, ser alfabetizado não é condição essencial para ser letrado. Na prática, vemos

alunos que chegam ao Ensino Médio e não entendem o que leem. É preciso que o processo

de leitura e escrita seja significativo, a fim de que o número de pessoas alfabetizadas e

letradas em nossa sociedade seja cada vez maior. Enquanto não atribuir à leitura o

verdadeiro valor que ela merece, a sociedade, de modo geral, continuará com a “mente

fechada” e incorrendo nos mesmos erros que sociedades passadas.

3.4.3. O INAF – Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional

A iniciativa de criar um Indicador de Alfabetismo Funcional no Brasil, medindo

diretamente as habilidades da população por meio de testes, foi tomada por duas

organizações não-governamentais, a Ação Educativa e o Instituto Paulo Montenegro.

Criado em 2001, o INAF/Brasil é baseado em entrevistas e testes cognitivos

aplicados a amostras nacionais de 2000 pessoas representativas dos brasileiros entre 15 e

64 anos de idade, residentes em zonas urbanas e rurais em todas as regiões do país.

O Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional – o INAF/Brasil – foi publicado

anualmente entre 2001 e 2005, focalizando habilidades de leitura/escrita (2001, 2003 e

2005) e habilidades matemáticas (2002 e 2004).

O objetivo desse indicador é gerar informações que ajudem não só a compreender o

alfabetismo funcional como também a orientar a formulação de políticas educacionais e

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propostas pedagógicas. Quais são as habilidades de leitura e escrita dos brasileiros?

Quantos anos de escolaridade e que tipo de ação educacional garantem níveis satisfatórios

de alfabetismo? Que outras condições favorecem o desenvolvimento de tais habilidades ao

longo da vida?

Com base nos resultados do teste de leitura, o INAF classifica a população estudada

em quatro níveis, como mostra a tabela a seguir :

Analfabeto – Não consegue realizar tarefas simples que envolvem decodificação de palavras e

frases.

Alfabetizado Nível Rudimentar – Consegue ler títulos ou frases, localizando uma informação

bem explícita.

Alfabetizado Nível Básico – Consegue ler um texto curto, localizando uma informação explícita

ou que exija uma pequena inferência.

Alfabetizado Nível Pleno – Consegue ler textos mais longos, localizar e relacionar mais de uma

informação, comparar vários textos, identificar fontes.

Tabela 13 – Níveis de alfabetismo Fonte: INAF (www.ipm.org.br)

Os resultados do INAF/Brasil ao longo do período 2001-2007 mostram que os

esforços em universalizar o acesso e estimular a permanência na escola têm produzido

resultados na melhoria das capacidades de alfabetismo da população brasileira. Porém,

mostram também que, além de ampliar o acesso, é preciso investir na qualidade, de modo a

que a escolarização garanta de fato as aprendizagens necessárias para que os cidadãos se

insiram de forma autônoma e responsável na sociedade moderna.

No Brasil, a aprovação automática, na grande maioria das escolas públicas, tem

propiciado o aumento do número de analfabetos funcionais. Os alunos concluem o Ensino

Fundamental, mas não demonstram competências no processo de leitura e escrita. A maior

preocupação política no Brasil é diminuir a evasão escolar, porque aluno na escola garante

verba, financiamentos. A qualidade no ensino vem em segundo plano.

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A tabela, a seguir, mostra a evolução do indicador para o Total Brasil no período de

2001 a 2007.

INAF/BRASIL Evolução do Indicador

2001-2002 2002-2003 2003-2004 2004-2005 2007

Analfabeto 12% 13% 12% 11% 7%

Rudimentar 27% 26% 26% 26% 25%

Básico 34% 36% 37% 38% 40%

Pleno 26% 25% 25% 26% 28%

Escore Médio 100 98 100 101 105

Tabela 14 - Evolução do indicador para o Total Brasil no período de 2001 a 2007. Fonte: INAF (www.ipm.org.br)

De acordo com esses dados,

• o número de brasileiros de 15 a 64 anos classificados pelo INAF como “analfabetos

absolutos” vem caindo ao longo dos anos, totalizando 7% no mais recente

levantamento. O mesmo vem ocorrendo com a parcela dos indivíduos classificados no

nível rudimentar de alfabetismo, de 27% em 2001 para 25% em 2007;

• em relação ao nível básico de alfabetismo, houve um aumento, passando de 33% em

2001 para 40% em 2007;

• o nível pleno tem oscilado por volta de ¼ do total de brasileiros: 26% em 2001 e 28%

em 2007. É um percentual ainda muito pequeno, tendo em vista que no nível

rudimentar e básico as competências de leitura e escrita são bastante elementares. Isso

significa que só 28% de 2000 pessoas entrevistadas apresentam boa capacidade de

leitura e escrita.

• a pontuação média ou escore (que equivale a uma “nota”) varia de 0 a 200, tendo seu

ponto médio ao redor de 100. Após oscilar ao redor da média nos primeiros 5 anos,

2007 mostra uma variação positiva: 105.

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Apesar de algumas melhorias nos níveis verificados, 65% da população brasileira

ainda se encontra no nível rudimentar e básico. Isso significa dizer que essas pessoas só

conseguem ler pequenos textos e extrair inferências simples.

Internacionalmente, as medidas de alfabetismo funcional tomam por base os anos

de estudo da população, considerando analfabetos funcionais as pessoas que não

completaram pelo menos a 4ª série do Ensino Fundamental (hoje, no Brasil, 5º Ano de

Escolaridade). Supostamente, ao completar esta série, os alunos já deveriam dominar

habilidades básicas de alfabetismo. Analogamente, espera-se que, ao concluir o Ensino

Fundamental (8ª série: equivalente ao 9º Ano de Escolaridade), tais habilidades atinjam um

desenvolvimento que permita ao aluno uma inserção mais plena na cultura letrada.

Sem dúvida, quanto maior o nível de escolaridade, maior a chance de atingir bons

níveis de alfabetismo. Porém, no Brasil, os dados do INAF do período de 2001 a 2007

mostram também que nem sempre o nível de escolaridade garante o nível de habilidades

que seria esperado.

% de 1ª a 4ª

série

% de 5ª a 8ª

série

% Ensino

Médio

% Ensino

Superior ou

mais

% Total Brasil

(Pessoas com

alguma

escolaridade)

% Total Brasil

( Pessoas com

ou sem

escolaridade)

Analfabeto 12 1 0 0 4 11

Rudimentar 52 26 8 2 26 26

Básico 31 53 45 24 41 37

Pleno 5 20 47 74 29 26

Analfabetos

Funcionais

(Analfabeto +

Rudimentar)

64 27 8 2 30 37

Funcionalmente

Alfabetizados

(Básico + Pleno)

36 73 92 98 70 63

Tabela 15 – Nível de escolaridade x nível de habilidades Fonte: INAF (www.ipm.org.br)

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Para classificar a população nos níveis, o INAF se baseia nas respostas obtidas nos

testes cognitivos aplicados. A pessoa não é classificada pela série escolar.

A análise dos níveis de alfabetismo por grau de escolaridade evidencia a realidade

da situação brasileira:

• a maioria (64%) dos brasileiros entre 15 e 64 anos, que estudaram até a 4ª série,

atinge, no máximo, o grau rudimentar de alfabetismo, ou seja, esses brasileiros possuem,

no máximo, a habilidade de localizar informações explícitas em textos curtos e não são

capazes de compreender textos mais longos e localizar informações que exijam alguma

inferência;

• 12% dos que estudaram até a 4ª série podem ser considerados analfabetos absolutos

em termos de habilidades de leitura/escrita, não conseguindo nem mesmo decodificar

palavras e frases, ainda que em textos simples. Tal percentual pode ser uma das

consequências da aprovação automática;

• dentre os que cursam ou cursaram da 5ª a 8ª série, apenas 20% pode ser

considerado plenamente alfabetizado, enquanto a maioria se enquadra no nível básico de

alfabetismo. Chama mais atenção o fato de que 26% dos que completaram entre 5 a 8

séries do Ensino Fundamental ainda permaneçam no nível rudimentar;

• 47% dos que cursaram ou estão cursando o Ensino Médio conseguiram atingir o

nível pleno de alfabetismo (esperado para 100% deste grupo), porém 45% ainda

permanecem no nível básico;

• somente entre os que chegam ou completaram o Ensino Superior é que prevalecem

(74%) os indivíduos com pleno domínio das habilidades de leitura/escrita, o que também

levaria a esperar que fossem 100%.

Tais resultados do INAF reforçam a hipótese inicial deste trabalho de que as

pessoas, de um modo geral, têm dificuldades para entender e interpretar o que leem,

independentemente do grau de escolarização.

Diante disso, qual o papel do professor na formação não só de alfabetizados, como

também de letrados? Como trabalhar a leitura e a escrita letrando? Se a educação é um

processo contínuo, que só termina com a morte do indivíduo, como então fazer com que

esse indivíduo sempre se interesse pelas práticas de leitura e de escrita? Como ajudá- lo a

viver numa sociedade grafocêntrica?

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3.4.4. O papel do educador na formação de indivíduos letrados

Numa sociedade letrada, o objetivo do ensino deve ser o de aprimorar a

competência e melhorar o desempenho linguístico do estudante, tendo em vista a

integração e a mobilidade sociais dos indivíduos.

O ensino da leitura e da escrita deve ser entendido como prática de um sujeito que

age sobre o mundo para transformá-lo e, para, por meio da sua ação, afirmar a sua

liberdade e fugir à alienação.

É através da prática que desenvolvemos nossa capacidade linguística. Conhecer

diferentes tipos de textos não é, pois, decorar regras gramaticais e listas de palavras. No rap

Estudo Errado, Gabriel, o Pensador, diz com propriedade:

Decorei, copiei, memorizei, mas não entendi. Decoreba: este é o método de ensino. Eles me tratam como ameba e assim eu num raciocino.

É lamentável que, no Brasil, a escola, lugar fundamental para a pessoa desenvolver

sua capacidade de linguagem, continue limitando-se, na maioria das vezes, a um ensino

mecânico. Na perspectiva do letramento, a leitura e a escrita são vistas como práticas

sociais.

O objetivo de se ensinar a ler e escrever deve estar centrado em propiciar ao

estudante a aquisição da língua portuguesa, de maneira que ele possa exprimir-se

corretamente, aconselhado pelo professor por meio de estímulos à leitura de variados

textos, nos quais serão verificadas as diferentes variações linguísticas, tornando-se um

“poliglota em sua língua” (Bechara: 1999), para que, ao dominar o maior número de

variantes, ele possa ser capaz de interferir socialmente nas diversas situações a que for

submetido.

A educação, sendo uma prática social, não pode restringir-se a ser puramente

livresca, teórica, sem compromisso com a realidade local e com o mundo em que vivemos.

Educar é também um ato político. É preciso resgatar o verdadeiro sentido da educação. De

acordo com Freire ( 1989: 58-9),

(...) o ato de estudar, enquanto ato curioso do sujeito diante do mundo, é expressão da forma de estar sendo dos seres humanos, como seres sociais,

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históricos, seres fazedores, transformadores, que não apenas sabem mas sabem que sabem.

Assim, quando os alunos são o sujeito da própria aprendizagem, "seres fazedores,

transformadores", no dizer de Paulo Freire, tomam consciência de que sabem e podem

transformar o já feito, construído. Deixam a passividade e a alienação para se constituírem

como seres políticos.

Como afirma Freire (1996: 42), o diálogo é fundamental em qualquer prática social.

O diálogo consiste no respeito aos educandos, não somente enquanto indivíduos, mas

também enquanto expressões de uma prática social.

(...) A grande tarefa do sujeito que pensa certo não é transferir, depositar, oferecer, doar ao outro, tomado como paciente de seu pensar, a inteligibilidade das coisas, dos fatos, dos conceitos. A tarefa coerente do educador que pensa certo é, exercendo como ser humano a irrecusável prática de inteligir, desafiar o educando com quem se comunica e a quem comunica, produzir sua compreensão do que vem sendo comunicado. Não há inteligibilidade que não seja comunicação e intercomunicação e que não se funde na dialogicidade. O pensar certo por isso é dialógico e não polêmico.

O professor precisa despertar no aluno a curiosidade, a vontade de aprender, pois

como afirma Safady apud Silva (2005b: 44),

(...) o leitor curioso e interessado é aquele que está em constante conflito com o texto, conflito representado por uma ânsia incontida de compreender, de concordar, de discordar - conflito, enfim, onde quem lê não somente capta o objeto da leitura, como transmite ao texto lido as cargas de sua experiência humana e intelectual.

Assim, a partir do momento em que o aluno percebe a riqueza de conhecimentos e

de prazer que pode encontrar na leitura, compreenderá que

(...) ler é (...) não só uma ponte para a tomada de consciência, mas também um modo de existir no qual o indivíduo compreende e interpreta a expressão registrada pela escrita e passa a compreender-se no mundo. (Silva, 2005b: 45).

Em uma educação significativa, o aluno não pode ser um simples objeto nas mãos

do professor. É o que Freire (ibidem) chama de “educação bancária”, isto é, o educando, ao

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receber passivamente os conhecimentos, torna-se um depósito do educador. “Ensinar não é

transferir conhecimentos, mas criar as possibilidades para sua produção ou a sua

construção”. (Freire, ibidem : 52). Como afirma Martins (1994: 34),

(...) aprender a ler significa também aprender a ler o mundo, dar sentido a ele e a nós próprios, o que, mal ou bem, fazemos mesmo sem ser ensinados. A função do educador não seria precisamente a de ensinar a ler, mas a de criar condições para o educando realizar a sua própria aprendizagem, conforme seus próprios interesses, necessidades, fantasias, segundo as dúvidas e exigências que a realidade lhe apresenta. Assim, criar condições de leitura não implica apenas alfabetizar ou propiciar acesso aos livros. Trata-se, antes, de dialogar com o leitor sobre a sua leitura, isto é, sobre o sentido que ele dá, repito, a algo escrito, um quadro, uma paisagem, a sons, imagens, coisas, idéias, situações reais ou imaginárias.

Nesse sentido, cabe ao professor mostrar aos alunos uma pluralidade de discursos.

Trabalhar com diferentes textos possibilita ao professor fazer uma abordagem mais

consciente das variadas formas de uso da língua. Assim, o professor pode transformar a

sua sala de aula num espaço de descobertas e construção de conhecimentos.

A tarefa de selecionar materiais de leitura para os alunos é uma das tarefas mais

difíceis. Nessa escolha, são postas em questão as diferentes concepções que tem cada

professor sobre a aprendizagem, os processos de leitura, a compreensão, as funções dos

textos e o universo do discurso. Além disso, coloca-se em jogo a representação que tem

cada docente não só do desenvolvimento cognitivo e sócio-afetivo dos sujeitos a quem vão

ser dirigidos os materiais, mas também dos interesses de leitura de tais destinatários. Dessa

forma, também intervém como variável significativa o valor que o docente atribui aos

materiais como recursos didáticos.

Trabalhar com gêneros textuais variados nos permite entender que a escolha de um

gênero leva em conta os objetivos visados, o lugar social e os papéis dos participantes. Daí

decorre a detecção do que é adequado ou inadequado em cada uma das práticas sociais.

Diante disso, na medida em que o educador tomar consciência de sua posição

política, articulando conteúdos significativos a uma prática também significativa,

desvinculando-se da função tradicional de mero transmissor de conteúdos e,

consequentemente, de mero repetidor de exercícios do livro didático, estará transformando

o ensino da leitura e da escrita. Um educador, como mediador, que parta da observação da

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realidade para, em seguida, propor respostas diante dela, estará contribuindo para a

formação de pessoas críticas e participativas na sociedade.

Assim, uma prática significativa depende do interesse do professor em planejar as

suas aulas com coerência, visando à construção de conhecimentos com os alunos.

É importante destacar que letrar não é apenas função de professor de Língua

Portuguesa. Em todas as áreas de conhecimento, em todas as disciplinas, os alunos

aprendem por meio de práticas de leitura e de escrita: em História, em Geografia, em

Ciências, mesmo em Matemática, enfim, em todas as disciplinas, os alunos aprendem

lendo, interpretando e escrevendo.

Letrar é função de todos os professores, mesmo porque, em cada área de

conhecimento, a escrita e a leitura têm peculiaridades, que só os professores que nela

atuam conhecem e dominam.

(...) nós, professores de todas as áreas, em vez de nos limitarmos a choramingar que nossos alunos não têm o hábito da leitura, devemos nos dedicar a proporcionar muitas e muitas oportunidades para que todos descubram que ler é uma atividade muito interessante, que a leitura nos proporciona prazer, diversão, conhecimento, liberdade, uma vida melhor, enfim. E essas oportunidades terão de ser tantas quantas forem necessárias para que o aluno passe a gostar de ler e, por isso, contraia a necessidade da leitura e que esta vire hábito. (...)

Isso é tarefa do professor de português? É. É tarefa do professor de história, de geografia, de ciências, de artes, de educação física, de matemática... É. É tarefa da escola: (...). (Guedes & Souza, 2007: 19)

O educador reeducando-se e transformando-se, deixará de vez suas tarefas e as

funções da educação sob a ótica das elites econômicas, culturais e políticas das classes

dominantes, em direção a uma prática libertadora. Assim, o ensino deixará de ser um

martírio, para se tornar num processo de construção permanente de conhecimentos. O

educador deve estimular no aluno o pensamento crítico, de modo que ele possa atuar na

sociedade como um indivíduo pensante, questionador.

Enfim, nos dias atuais, o conhecimento é uma das "ferramentas" para se conquistar

oportunidades de trabalho e renda. Assim, aos professores, cabe a responsabilidade de

fazer com que seus alunos se interessem pela leitura e pela escrita de diferentes textos e

que sejam capazes de interpretar o que leem.

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3.5. Os gêneros textuais

A existência de uma multiplicidade infinita de textos assim construídos fez com que logo se notassem suas semelhanças e diferenças e surgisse a necessidade de classificá-los a partir de algum critério reconhecidamente válido. Ocorreu, porém, no âmbito desse estudo uma enorme confusão terminológica e tal tipologia continua sendo motivo de disputas e desacordos entre estudiosos, pois as várias tentativas de construir tipologias e classificações têm acompanhado o desenvolvimento teórico do que se poderia designar, de forma simplista, Lingüística do Texto, o que fez surgir classificações bastante diferentes.

(Carneiro, 2005: 62)

Embora o nosso trabalho não tenha como tema central os gêneros textuais, faremos

uma abordagem a respeito do assunto, tendo em vista que, em nossa proposta pedagógica

com sequências, trabalharemos com tal conceito. Sabemos que existem várias abordagens

a respeito dos modos de organização do discurso, tipos de textos e gêneros textuais.

Apresentaremos algumas diferentes visões a respeito do assunto, com o intuito de

promovermos uma análise mais ampla do tema e justificarmos a nossa escolha.

Começaremos com uma distinção entre “gênero textual” e “gênero discursivo”.

A terminologia empregada pelos teóricos oscila entre “gêneros do discurso ou

discursivos” e “gêneros de texto ou textuais”, de acordo com a vertente da base teórica por

eles assumida.

Rojo (2005: 185), em estudo realizado, procura explicar a diferença terminológica

entre “gêneros do discurso” e “gêneros textuais”. Segundo a autora, ambas as posições

encontram-se enraizadas em diferentes releituras da herança bakhtiniana, sendo que a

primeira – teoria dos gêneros do discurso – centra-se sobretudo no estudo das situações de

produção dos enunciados ou textos e em seus aspectos sócio-históricos, e a segunda –

teoria dos gêneros de textos - na descrição da materialidade textual.

Para Rojo (ibidem), apesar de os teóricos adotarem vias metodológicas diferentes

para o tratamento dos gêneros – uns mais centrados na descrição das situações de

enunciação em seus aspectos sócio-históricos; outros, na descrição da composição e da

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materialidade linguística dos textos no gênero - todos acabam por fazer descrições de

“gêneros”, de enunciados ou de textos pertencentes ao gênero. (Cf. Rojo, 2005: 185-186).

Em nosso trabalho, adotaremos a terminologia “gênero textual”.

Apresentamos, a seguir, um breve retorno às origens das discussões a respeito de

gêneros textuais.

7.1. Um retorno às origens...

A expressão “gênero” esteve, na tradição ocidental, especialmente ligada aos

gêneros literários, cuja análise se inicia com Platão, para se firmar com Aristóteles,

passando por Horácio e Quintiliano, pela Idade Média, o Renascimento e a Modernidade,

até os primórdios do século XX. (Cf. Marcuschi, 2008: 147).

Atualmente, a noção de “gênero” já não mais se vincula apenas à literatura, mas a

uma prática social e a uma prática textual-discursiva.

É com Aristóteles que surge uma teoria mais sistemática sobre os gêneros e sobre a

natureza do discurso. No capítulo III de Retórica (1358a), Aristóteles apud Marcuschi

(2008: 147, 148) afirma que existem três gêneros da retórica: o deliberativo, o judiciário e

o demonstrativo, também chamado de epidítico.

O gênero deliberativo caracteriza-se por aconselhar ou desaconselhar sobre uma

questão de interesse público ou particular, gerando uma ação futura. O judiciário diz

respeito à acusação e à defesa, refletindo-se sobre o passado. E por último, o gênero

demonstrativo abrange o elogio e a censura, levando em conta o estado atual das coisas, ou

seja, o tempo presente.

Hoje, o estudo dos gêneros textuais tem uma perspectiva diferente da aristotélica. A

maior parte desses estudos se situa na vertente sócio-discursiva13. Bakhtin, cuja concepção

de linguagem serviu de herança em relação aos diversos conceitos de gêneros, é referência

comum entre os teóricos.

Já na metade do século XX, graças aos estudos de Mikhail Bakhtin, o interesse

pelos gêneros ultrapassou o âmbito dos estudos literários para abarcar a comunicação oral

13 Vertente de estudos que incorporam à própria reflexão aportes da análise do discurso, da teoria do texto e das teorias enunciativas.

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e escrita. Até então, o conceito de gêneros era associado aos estudos literários, tendo em

vista a grande influência de Aristóteles.

Em 197914, em sua obra original “Estetika Slovesnogo Tvortchestva”, Bakhtin já

abordava a noção de gênero textual. O autor discutia os caminhos para um estudo da

linguagem como atividade sociointeracional. Após várias traduções, em diferentes

idiomas, percebe-se que os estudos de Bakhtin influenciaram muito o que está atualmente

definido no campo de gêneros textuais.

Segundo Bakhtin (2000: 279),

cada esfera de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, sendo isso que denominamos gêneros do discurso.

Esses gêneros do discurso são caracterizados por três elementos: a) conteúdo

temático (o que é ou pode tornar-se dizível por meio do gênero), b) construção

composicional (estrutura particular dos textos pertencentes ao gênero) e c) estilo

(configurações específicas das unidades de linguagem derivadas, sobretudo, da posição

enunciativa do locutor).

Bakhtin realiza uma distinção fundamental entre gêneros primários ou simples e

secundários ou complexos.

Os gêneros primários se relacionam de forma direta com a realidade, constituindo-

se em circunstâncias de uma comunicação verbal espontânea. São exemplos de gêneros

primários: bilhetes, cartas, diálogos e relato familiar.

Já os gêneros secundários mostram uma comunicação cultural mais complexa,

realizada, sobretudo, pela escrita: artística, científica e sociopolítica, como o romance, o

teatro, o discurso científico etc.

Os gêneros secundários acabam, de certo modo, suplantando os gêneros primários,

tendo em vista que os primários fazem parte de uma troca verbal espontânea e os

secundários representam uma intervenção nessa espontaneidade, pois se apresentam de

modo mais complexo sendo, geralmente, escritos. Na verdade, os gêneros primários são

instrumentos de criação dos gêneros secundários.

Ao definir gêneros discursivos, Bakhtin (2000: 279-280) sublinha sua

heterogeneidade constitutiva.

14 Em nosso trabalho utilizamos a tradução de 2000.

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A riqueza e a variedade dos gêneros do discurso são infinitas, pois a variedade virtual da atividade humana é inesgotável, e cada esfera dessa atividade comporta um repertório de gêneros do discurso que vai diferenciando-se e ampliando-se à medida que a própria esfera se desenvolve e fica mais complexa. Cumpre salientar de um modo especial a heterogeneidade dos gêneros do discurso (orais e escritos), que incluem indiferentemente: a curta réplica do diálogo cotidiano (com a diversidade que este pode apresentar conforme os temas, as situações e a composição de seus protagonistas), o relato familiar, a carta (com suas variadas formas), a ordem militar padronizada, em sua forma lacônica e em sua forma de ordem circunstanciada, o repertório bastante diversificado dos documentos oficiais (em sua maioria padronizados), o universo das declarações públicas (num sentido amplo, as sociais, as políticas). E é também com os gêneros do discurso que relacionaremos as variadas formas de exposição científica e todos os modos literários (desde o ditado até o romance volumoso). (...)

Constata-se, portanto, que a dificuldade atual com as terminologias sobre gêneros

textuais e com a forma de agrupá- los é antiga. Nesse sentido, afirma Bakhtin (2000: 180):

(...) Ficaríamos tentados a pensar que a diversidade dos gêneros do discurso é tamanha que não há e não poderia haver um terreno comum para seu estudo: (...) A diversidade funcional parece tornar os traços comuns a todos os gêneros do discurso abstratos e inoperantes. (...)

Enfim, para Bakhtin, os gêneros não devem ser entendidos como uma camisa de

força na qual se retém cada forma do pensamento humano. Pelo contrário, os gêneros do

discurso são tipos relativamente estáveis, representantes de valores culturalmente

instituídos, sujeitos ao tempo e ao espaço no qual são originados.

3.5.2. Modos de organização do discurso, tipos e gêneros textuais...: o estado atual

Os estudos atuais sobre gêneros textuais partem não só de uma necessidade de

responder a perguntas que ainda surgem a respeito do assunto, mas também de dar conta da

evolução histórica a que os gêneros são invariavelmente submetidos.

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Abordaremos mais detalhadamente os conceitos sob a ótica de dois autores: Patrick

Charaudeau e Agostinho Dias Carneiro, tendo em vista que aproveitaremos contribuições

deles em nossa proposta pedagógica.

Todo ato de comunicação social pressupõe uma interação entre parceiros. Nesse

cenário, constrói-se o contrato de comunicação, responsável pela organização da matéria

linguística, nos vários modos de organização discursiva.

Os modos de organização do discurso são definidos por Charaudeau (1992: 635;

2008) como o conjunto de procedimentos de colocação em cena do ato de comunicação.

Tais procedimentos dependem da finalidade comunicativa do sujeito falante: enunciar,

descrever, narrar e argumentar.

Não se deve confundir os modos de organização da matéria discursiva com tipos

de textos. Um texto pode resultar da combinação de vários modos de organização do

discurso. Porém, tal fato não impede que, às vezes, um texto se caracterize pela

predominância de um dos modos.

Para Charaudeau (1992, 2008), são tipos de textos o literário, o publicitário, o

legislativo, o burocrático, o científico, o jornalístico etc. Quando se nomeia um certo texto

como “narrativo”, “descritivo” ou “argumentativo”, não se está nomeando o tipo textual e

sim, o predomínio de um modo de organização do discurso.

Os tipos textuais compõem-se de gêneros textuais. O tipo de texto jornalístico, por

exemplo, engloba os gêneros notícia, editorial, crônica esportiva etc.; o literário inclui os

gêneros poesia, ficção, teatro etc.; o tipo de texto publicitário reune os gêneros outdoor,

propaganda televisiva, propaganda escrita em revistas e assim por diante.

Charaudeau (2004), em seu texto: “Visadas discursivas, gêneros situacionais e

construção textual”, defende a ideia de que para classificar textos é necessário considerar

seus pontos comuns que podem ser encontrados em três níveis: nos componentes do

contrato situacional, nas restrições discursivas e nos diferentes aspectos da organização

formal do texto.

O primeiro nível, o contrato situacional, diz respeito à identidade dos sujeitos

comunicantes e ao lugar que eles ocupam na troca, à finalidade que os liga em termos de

objetivos, ao propósito e às circunstâncias materiais nas quais a troca se realiza.

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Segundo Charaudeau (2004), dentre os componentes do contrato situacional, a

finalidade é que determina a orientação discursiva. O autor cita seis finalidades (visadas).

São elas: prescrição, solicitação, incitação, informação, instrução e demonstração.

Charaudeau (ibidem : 24) chama a atenção do leitor para o fato de que essas visadas

(finalidades) não são “esquematizações abstratas de um texto”, não são “atos de fala”, não

correspondem às “funções da linguagem tais como definidas por Jakobson” e não podem

constituir um “princípio de tipologização dos textos.” As visadas ajudam a classificar os

textos, mas não são elas a própria classificação.

O segundo nível, a restrição discursiva, diz respeito ao lugar onde se instituem, sob

efeito das restrições da situação, as diferentes “maneiras de dizer” mais ou menos

codificadas.

E o terceiro e último nível, os diferentes aspectos da organização formal do texto,

diz respeito às recorrências formais nos seguintes domínios: na mise en scène textual

(disposição do paratexto), na composição textual interna, na fraseologia e na construção

gramatical.

Para ilustrar esses três níveis de classificação de um texto, Charaudeau (2004: 22-

23) cita como exemplo os títulos de imprensa. Para o autor, os títulos de imprensa

se inscrevem em uma situação de comunicação jornalística que se inscreve, ela própria, no domínio de comunicação midiática em nome de sua finalidade que seleciona uma visada de informação. Estes dados situacionais demandam uma restrição discursiva de anúncio das notícias que demanda, por sua vez, a restrição formal de titulação. Vemos, assim, que poderíamos falar de gêneros em cada um destes diferentes níveis: o gênero informação determinado pelo domínio midiático, o gênero jornalístico determinado pela situação, o gênero anúncio determinado pela restrição discursiva, o gênero título determinado pela restrição formal.

Enfim, esses são os três níveis que, segundo Charaudeau (2004) estruturam os

textos e que permitem agrupá- los de acordo com suas características comuns.

Carneiro (2005), partindo dos pressupostos teóricos da Semiolinguística do Prof.

Patrick Charaudeau, trabalha com os conceitos de modos de organização do discurso,

tipos textuais e gêneros. Porém, enquanto Charaudeau (1992, 2008) considera como modos

de organização da matéria discursiva – o enunciativo,o narrativo,o descritivo e o

argumentativo, Carneiro (ibidem: 62) não cita o modo enunciativo e acrescenta o

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conversacional (texto em que predomina o diálogo), substituindo o modo argumentativo

pelo dissertativo, que pode apresentar-se de forma expositiva ou argumentativa.

Sobre os tipos textuais, Carneiro (ibidem), tendo como base a função textual cita

nove tipos, a saber – normativos (regulamentar), fáticos (contatar), expressivos

(automanifestar-se), apelativos (convencer), didáticos (ensinar), instrucionais (instruir),

informativos (informar), preditivos (prever) e literários (função estética).

Segundo o autor, os oito tipos primeiros dizem respeito a sua finalidade na

interação social, enquanto os textos do tipo textual literário se prendem a uma função

prioritariamente estética, produtora de prazer.

Todos os tipos textuais citados por Carneiro (2005) podem realizar-se por gêneros

diferentes: por exemplo, um texto apelativo pode aparecer em forma de oração,

requerimento, cartaz publicitário etc.

Sintetizando os pontos de vista de Charaudeau (1992, 2008) e Carneiro (2005),

tem-se a seguinte tabela :

MODOS DE ORGANIZAÇÂO DO DISCURSO

Charaudeau (1992, 2008) Carneiro (2005)

enunciativo narrativo descritivo

argumentativo -----

----- narrativo descritivo

dissertativo conversacional

TIPOS E GÊNEROS TEXTUAIS

Charaudeau (1992, 2008) Carneiro (2005)

TIPOS GÊNEROS TIPOS GÊNEROS

literário publicitário legislativo burocrático

científico jornalístico etc.

notícia editorial

crônica esportiva poesia ficção teatro

outdoor propaganda televisiva propaganda escrita em

revistas...

normativos fáticos

expressivos apelativos didáticos

instrucionais informativos

preditivos literários

oração requerimento

cartaz publicitário...

Tabela 16 – Quadro comparativo das terminologias de Charaudeau e Carneiro Fonte: Charaudeau (1992, 2008); Carneiro (2005)

expositivo argumentativo

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A classificação proposta por Carneiro (2005) é interessante porque evita um

número muito grande, ou talvez, infinito de tipos textuais e permite que o professor, ao

trabalhar com gêneros textuais, mostre a função social de cada um, levando o aluno a

perceber em quais situações ele utilizaria um determinado gênero textual.

Outro autor que aborda esses conceitos é Marcuschi (2002), que se refere a tipo,

gênero e acrescenta mais uma nomenclatura – domínio discursivo.

Para Marcuschi (2002: 23), tipo textual designa uma espécie de construção teórica

definida pela natureza linguística de sua composição (aspectos lexicais, sintáticos, tempos

verbais, relações lógicas). São tipos textuais: narração, argumentação, exposição,

descrição e injunção.

Já o gênero textual corresponde ao texto materializado encontrado na vida diária e

que apresenta características sócio-comunicativas definidas por conteúdos, propriedades

funcionais, estilo e composição característica. São exemplos de gêneros textuais:

telefonema, sermão, carta, romance, bilhete, aula expositiva, reunião de condomínio,

horóscopo, receita culinária, bula de remédio, cardápio, piada, outdoor etc.

E o domínio discursivo designa uma esfera ou instância de produção discursiva ou

de atividade humana. São domínios discursivos: jurídico, jornalístico, religioso, midiático,

político, acadêmico etc. Esses domínios dão origem a vários gêneros.

Oliveira (2004), baseando-se em Charaudeau (1992) e em Marcuschi (2002), adota

os conceitos de modos de organização do texto (descritivo, narrativo, argumentativo,

expositivo, enunciativo e injuntivo), domínios discursivos (jornalístico, literário,

publicitário etc.) e gêneros textuais ( carta, romance, fábula etc.).

O autor defende a sua escolha afirmando que,

como a expressão “tipo de texto” tem sentidos diferentes nas duas nomenclaturas15, proporíamos abolir esse termo, adotando as denominações da terceira coluna do quadro a seguir:

15 Oliveira (2004) está se referindo à proposta de Charaudeau (1992) e à de Marcuschi (2002).

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CHARAUDEAU (1992)

adaptado por

OLIVEIRA (2003)

MARCUSCHI (2002)

OLIVEIRA (2004)

Modos de organização do

discurso: descritivo narrativo

argumentativo

enunciativo

Tipos de textos: descritivo

narrativo argumentativo

expositivo

injuntivo

Modos de organização do

texto: descritivo narrativo

argumentativo

expositivo enunciativo

injuntivo

Tipos de textos: jornalístico

literário publicitário etc.

Domínios discursivos: jornalístico

literário publicitário etc.

Domínios discursivos: jornalístico

literário publicitário etc.

Gêneros textuais: (Cada tipo tem seus gêneros)

Gêneros textuais: (Cada domínio discursivo tem

seus gêneros)

Gêneros textuais: (Cada domínio discursivo tem

seus gêneros)

Tabela 17 – Quadro comparativo das terminologias de Charaudeau, Marcuschi e Oliveira Fonte: Oliveira ( 2004: 188)

Oliveira (2004), então, em sua proposta, substitui o termo tipos de texto, de

Charaudeau por domínios discursivos (da terminologia de Marcuschi) e, em lugar dos tipos

de Marcuschi, cita os modos de Charaudeau, denominando-os modos de organização do

texto, já que se trata de uma classificação predominantemente intratextual. O autor ainda

acrescenta aos quatro modos de Charaudeau o modo expositivo e o modo injuntivo,

mantendo o enunciativo, que Marcuschi não menciona.

Pelo exposto, apesar de todas essas classificações, não é muito comum encontrar

um texto só narrativo, só descritivo etc. O que ocorre são misturas, articulações, de modo

que um discurso pode ter um funcionamento dominantemente argumentativo, ou tender

para a descrição. As categorizações facilitam apenas o estudo.

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3.5.3. Os gêneros textuais e o ensino de língua materna

Cada texto tem algo a dizer e é organizado de acordo com uma estrutura

determinada. A competência sociocomunicativa dos falantes/ouvintes leva-os a detectar o

que é mais adequado ou inadequado em cada uma das práticas sociais. Essa competência

permite, ainda, que o falante perceba se, em um texto, predominam sequências de caráter

narrativo, descritivo, argumentativo, expositivo e/ou injuntivo.

Assim, a leitura faz parte do próprio ato de escrever. O sujeito comunicante escreve

e ao mesmo tempo monitora, por meio da leitura, o que produz. Como leitura e produção

textual são atividades paralelas, a escolha do modo de organização do discurso deverá

levar em conta os objetivos visados, o lugar social e os papéis dos participantes. Além

disso, essa escolha normalmente é feita com base no tipo de texto que se quer construir.

Num discurso político, o sujeito comunicante utilizará predominantemente o modo

argumentativo; num guia turístico, o modo descritivo será o mais utilizado e assim por

diante. Como afirma Koch (2006: 53),

o contato com os textos da vida quotidiana, como anúncios, avisos de toda a ordem, artigos de jornais, catálogos, receitas médicas, prospectos, guias turísticos, literatura de apoio à manipulação de máquinas etc., exercita a nossa capacidade metatextual para a construção e intelecção de textos.

Nesse sentido, todos os nossos enunciados são construídos com base em um modo

de organização do discurso. Esses modos podem aparecer de forma exclusiva ou, ainda,

mesclada num texto. De acordo com os modos de organização do discurso podemos ter

diferentes tipos de textos que, por sua vez, comportam gêneros textuais variados.

Cabe à escola viabilizar o acesso do aluno ao universo dos textos que circulam

socialmente, ensinar a produzi- los e a interpretá- los. Como afirma Costa (2000: 68),

(...) ler textos – ser leitor – também é apropriar-se de um conjunto de capacidades lingüísticas e psicológicas (cognitivas e metacognitivas) que, além de relacionar símbolos escritos a unidades de som, é, principalmente, um processo de construir sentidos e relações ({inter}textualidade) e de interpretar textos diversos, dialogicamente, no sentido bakhtiniano, adentrando o dizer do outro.

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A seguir, explicitaremos a proposta de Dolz e Schneuwly para o trabalho com

gêneros textuais, com a qual trabalharemos, mas fazendo pequenas alterações.

Apresentaremos também a proposta dos PCNs que, normalmente, norteia a prática

pedagógica com textos nas escolas.

Após essas duas abordagens e com base em todo o levantamento teórico utilizado

no decorrer deste trabalho, analisaremos as atividades realizadas com os alunos e as

entrevistas feitas a professores, para em seguida, no capítulo 5, apresentarmos,

detalhadamente, a nossa proposta de trabalho.

3.5.3.1. A proposta de Dolz e Schneuwly para o trabalho com gêneros textuais

Dolz & Schneuwly (2004: 121) propõem um agrupamento de gêneros com

finalidades educacionais. Para os autores, os gêneros podem ser considerados um

megainstrumento, tendo em vista que podem funcionar como as unidades organizadoras do

ensino e da aprendizagem da língua, porque é por meio deles que as práticas de linguagem

se materializam. Assim, os autores propõem a seguinte organização para o trabalho com os

gêneros textuais:

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DOMÍNIOS SOCIAIS DE

COMUNICAÇÃO

CAPACIDADES DE LINGUAGEM

DOMINANTES

EXEMPLOS DE GÊNEROS

ORAIS E ESCRITOS

Cultura literária ficcional. NARRAR Mimeses da ação através da criação de intriga.

Conto maravilhoso Fábula Lenda Narrativa de aventura Narrativa de ficção científica Narrativa de enigma Novela fantástica Conto parodiado

Documentação e memorização de ações humanas.

RELATAR Representação pelo discurso de experiências vividas, situadas no tempo.

Relato de experiência vivida Relato de viagem Testemunho Curriculum vitae Notícia Reportagem Crônica esportiva Ensaio biográfico

Discussão de problemas sociais controversos.

ARGUMENTAR Sustentação, refutação e negociação de tomadas de posição.

Texto de opinião Diálogo argumentativo Carta do leitor Carta de reclamação Deliberação informal Debate regrado Discurso de defesa Discurso de acusação

Transmissão e construção de saberes.

EXPOR Apresentação textual de diferentes formas de saberes.

Seminário Conferência Artigo ou verbete de enciclopédia Entrevista de especialista Tomada de notas Resumo de textos “expositivos” ou explicativos Relatório científico Relato de experiência científica

Instruções e prescrições. DESCREVER AÇÕES Regulação mútua de comportamentos.

Instruções de montagem Receita Regulamento Regras de jogo Instruções de uso Instruções

Tabela 18 - Agrupamento de gêneros com finalidades educacionais. Fonte: Dolz & Schneuwly (2004: 121)

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Módulo Módulo Módulo

1 2 n

Para os autores, esses agrupamentos não são estanques uns em relação aos outros,

pois não é possível classificar um gênero de maneira absoluta em cada um deles. No

máximo, é possível determinar alguns gêneros que poderiam ser protótipos para cada

agrupamento e, assim, talvez particularmente indicados para um trabalho didático.

A partir desse esquema, Dolz e Schneuwly propõem um trabalho organizado em

sequências didáticas. Uma sequência didática é um conjunto de atividades de leitura,

produção e análise linguística em torno de algum gênero do discurso. Essas atividades

visam explorar aspectos da sócio-história do gênero em questão, suas condições de

produção, seu conteúdo temático, sua forma composicional e suas marcas linguísticas.

Gráfico 18 - Esquema da sequência didática Fonte: Dolz & Schneuwly (2004: 98)

O modelo de trabalho com base nas sequências didáticas proposto por Dolz e

Schneuwly envolve quatro fases:

Após uma apresentação da situação na qual é descrita de maneira detalhada a tarefa de expressão oral ou escrita que os alunos deverão realizar, estes elaboram um primeiro texto inicial, oral ou escrito, que corresponde ao gênero trabalhado; é a primeira produção. Essa etapa permite ao professor avaliar as capacidades já adquiridas e ajustar as atividades e os exercícios previstos na seqüência às possibilidades e dificuldades reais de uma turma. Além disso, ela define o significado de uma seqüência para o aluno, isto é, as capacidades que deve desenvolver para melhor dominar o gênero de texto em questão. Os módulos, constituídos por várias atividades ou exercícios, dão-lhe os instrumentos necessários para esse domínio, pois os problemas colocados pelo gênero são trabalhados de maneira sistemática e aprofundada. No momento da produção final, o aluno pode pôr em prática os conhecimentos adquiridos e, com o professor, medir os progressos alcançados. (...) (Dolz & Schneuwly, 2004: 98)

Apresentação

da situação

PRODUÇÃO INICIAL

PRODUÇÃO FINAL

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Vários são os objetivos ao se trabalhar com os gêneros em sequências didáticas,

dentre eles, os autores citam: uma progressão “em espiral” (o mesmo gênero é trabalhado

em níveis de ensino diferente, com atividades diversas, de acordo com os objetivos

visados), que permite o melhor domínio do mesmo gênero em diferentes níveis; a

possibilidade de os gêneros serem tratados de acordo com os ciclos/séries, além do fato de

o trabalho com os gêneros no início do Ensino Fundamental assegurar a aprendizagem ao

longo das séries e evitar a repetição, ao serem propostas atividades com diferentes níveis

de complexidade.

Essa não é a única possibilidade para agrupar gêneros, mas tal classificação tem a

vantagem de levar os alunos a (a) terem o domínio social da comunicação a que os gêneros

pertencem; (b) desenvolverem as capacidades de linguagem envolvidas na produção e

compreensão desses gêneros; e (c) reconhecerem a tipologia geral dos gêneros.

Uma outra proposta de classificação dos gêneros encontra-se nos PCNs. Os

Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa, por exemplo, indicam como

critério de agrupamento de gêneros a esfera de circulação social a que cada gênero se

vincula, propondo-se, então, a seguinte classificação: gêneros literários, de imprensa, de

divulgação científica e de publicidade a qual veremos a seguir.

3.5.3.2. OS PCNs e o trabalho com gêneros textuais

A importância de se trabalhar com gêneros textuais diversos em sala de aula é

também recomendada pelos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa

(PCNs). De acordo com esse documento, as aulas de língua materna devem ser pautadas

em diferentes gêneros textuais, que atendam a faixa etária dos alunos.

Os PCNs conceituam gênero de acordo com o que foi proposto por Bakhtin (2000):

Todo texto se organiza dentro de um determinado gênero. Os vários gêneros existentes, por sua vez, constituem formas relativamente estáveis de enunciados, disponíveis na cultura, caracterizados por três elementos: conteúdo temático, estilo e construção composicional. Pode-se ainda afirmar que a noção de gêneros refere-se a “famílias” de textos que compartilham algumas características comuns, embora heterogêneas, como visão geral da ação à qual o

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texto se articula, tipo de suporte comunicativo, extensão, grau de literariedade, por exemplo, existindo em número quase ilimitado. (PCN, 1997: 23)

Nos PCNs referentes ao terceiro e quarto ciclos, os elementos que caracterizam os

gêneros – conteúdo temático, construção gramatical e estilo – aparecem em um quadro,

com suas respectivas definições e explicações. Ao se definir estilo, os PCNs abordam o

conceito de sequências (Adam, 1992) em nota de pé de página. O conceito aparece como

foi proposto por Adam, apesar de os PCNs não fazerem nenhuma referência ao autor.

As seqüências são conjuntos de proposições hierarquicamente constituídas, compondo uma organização interna própria de relativa autonomia, que não funcionam da mesma maneira nos diversos gêneros e nem produzem os mesmos efeitos: assumem características específicas em seu interior. Podem se caracterizar como narrativa, descritiva, argumentativa, expositiva e conversacional. (PCN, 1998: 21)

Adam (1992) apud Bonini (2005: 218) propôs seis tipos de sequências: narrativa,

descritiva, argumentativa, explicativa e dialogal. Tais sequências são, na verdade, o que

denominamos de modos de organização do discurso.

Referindo-se aos gêneros e sequências, os elaboradores dos PCNs propõem vários

objetivos de trabalho. Citaremos alguns.

Expandir o uso da linguagem em instâncias privadas e utilizá-la com eficácia em instâncias públicas, sabendo assumir a palavra e produzir textos – tanto orais, como escritos – coerentes, coesos, adequados a seus destinatários, aos objetivos a que se propõem e aos assuntos tratados;

(PCN, 1997: 33 - Objetivos gerais de Língua Portuguesa para o Ensino Fundamental16.)

Ler textos dos gêneros previstos para o ciclo , combinando estratégias de decifração com estratégias de seleção, antecipação, inferência e verificação;

Produzir textos escritos coesos e coerentes, considerando o leitor e o objeto da mensagem, começando a identificar o gênero e o suporte que melhor atendem à intenção comunicativa;

(PCN, 1997: 68-69 – Objetivos de Língua Portuguesa para o 1º ciclo)

16 O Ensino Fundamental compreende nove anos de escolaridade - 1º ciclo ( alfa, 1ª e 2ª séries), 2º ciclo (3ª e 4ª séries), 3º ciclo (5ª e 6ª séries) e 4º ciclo (7ª e 8ª séries).

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Ler autonomamente diferentes textos dos gêneros previstos para o ciclo, sabendo identificar aqueles que respondem às suas necessidades imediatas e selecionar estratégias adequadas para abordá-los;

Produzir textos escritos, coesos e coerentes, dentro dos gêneros previstos para o ciclo, ajustados a objetivos e leitores determinados.

(PCN, 1997: 79-80 – Objetivos de Língua Portuguesa para o 2º ciclo)

Ler17 de maneira autônoma, textos de gêneros e temas com os quais tenha construído familiaridade: selecionando procedimentos de leitura adequados a diferentes objetivos e interesses e a características do gênero e suporte; (...)

(PCN, 1998: 50 – Objetivos de ensino).

Articular os enunciados estabelecendo a progressão temática, em função das características das seqüências predominantes (narrativa, descritiva, expositiva, argumentativa e conversacional) e de suas especificidades no interior do gênero.

(PCN, 1998: 56 – Objetivo da leitura de textos escritos).

Analisar, interpretar e aplicar os recursos expressivos das linguagens, relacionando textos com seus contextos, mediante a natureza, função, organização, estrutura das manifestações, de acordo com as condições de produção/recepção (intenção, época, local, interlocutores participantes da criação e propagação de idéias e escolhas, tecnologias disponíveis etc.).

(PCN, 1999: 29 – Competências e habilidades de Língua Portuguesa para o Ensino Médio).

Assim, de acordo com os objetivos propostos pelos PCNs, fica evidente que o

professor deve trabalhar com os alunos diferentes gêneros textuais, de modo que eles sejam

capazes de ler, compreender e interpretar esses textos, sabendo utilizá- los em situações

concretas.

O estudo dos gêneros discursivos e dos modos como se articulam proporciona uma visão ampla das possibilidades de usos da linguagem, (...) (PCN, 1999: 18)

Porém, como são muitos os gêneros, os PCNs recomendam que o professor priorize

os que caracterizam os usos públicos da linguagem, já que é compromisso da escola

17 No texto original consta “Leia...”. Substituímos por “Ler” para não quebrar o paralelismo. O mesmo acontece no objetivo seguinte: no lugar de “Articulação dos...”, optamos por “Articular os...”.

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assegurar ao aluno o exercício pleno da cidadania. (Cf. PCN, 1998: 24) e citam os

seguintes gêneros para o trabalho em sala de aula:

1º Ciclo do Ensino Fundamental

Gêneros adequados para o trabalho com a

linguagem oral

Gêneros adequados para o trabalho com a

linguagem escrita

• contos (de fadas, de assombração, etc.),

mitos e lendas populares;

• poemas, canções, quadrinhas, parlendas,

adivinhas, trava-línguas, piadas;

• saudações, instruções, relatos;

• entrevistas, notícias, anúncios (via rádio e

televisão);

• seminários, palestras.

• receitas, instruções de uso, listas;

• textos impressos em embalagens, rótulos,

calendários;

• cartas, bilhetes, postais, cartões (de

aniversário, de Natal, etc.), convites,

diários (pessoais, de classe, de viagem,

etc.);

• quadrinhos, textos de jornais, revistas e

suplementos infantis: títulos, lides18,

notícias, classificados, etc.;

• anúncios, slogans, cartazes, folhetos;

• parlendas, canções, poemas, quadrinhas,

adivinhas, trava-línguas, piadas;

• contos (de fadas, de assombração, etc.),

mitos e lendas populares, folhetos de

cordel, fábulas;

• textos teatrais;

• relatos históricos, textos de enciclopédia,

verbetes de dicionário, textos expositivos

de diferentes fontes (fascículos, revistas,

livros de consulta, didáticos, etc.).

Tabela 19 – Gêneros para o 1º Ciclo do Ensino Fundamental Fonte: PCN (1997: 72-73)

18 Mantivemos a grafia do texto original.

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2º Ciclo do Ensino Fundamental

Gêneros adequados para o trabalho com a

linguagem oral

Gêneros adequados para o trabalho com a

linguagem escrita

• contos (de fadas, de assombração, etc.),

mitos e lendas populares;

• poemas, canções, quadrinhas, parlendas,

adivinhas, trava-línguas, piadas,

provérbios;

• saudações, instruções, relatos;

• entrevistas, debates, notícias, anúncios (via

rádio e televisão);

• seminários, palestras.

• Cartas (formais e informais), bilhetes,

postais, cartões (de aniversário, de Natal,

etc.), convites, diários (pessoais, de classe,

de viagem, etc.), quadrinhos, textos de

jornais, revistas e suplementos infantis:

títulos, lides, notícias, resenhas,

classificados, etc.;

• anúncios, slogans, cartazes, folhetos;

• parlendas, canções, poemas, quadrinhas,

adivinhas, trava-línguas, piadas;

• contos (de fadas, de assombração, etc.),

mitos e lendas populares, folhetos de

cordel, fábulas;

• textos teatrais;

• relatos históricos, textos de enciclopédia,

verbetes de dicionário, textos expositivos

de diferentes fontes (fascículos, revistas,

livros de consulta, didáticos, etc.), textos

expositivos de outras áreas e textos

normativos, tais como estatutos,

declarações de direitos, etc.

Tabela 20 – Gêneros para o 2º Ciclo do Ensino Fundamental Fonte: PCN (1997: 82)

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3º e 4º Ciclos do Ensino Fundamental

Gêneros privilegiados para a prática de escuta e leitura de textos

Gêneros sugeridos para a prática de produção de textos orais e escritos

Linguagem oral Linguagem escrita Linguagem oral Linguagem escrita

LITERÁRIOS • cordel, causos e

similares • texto dramático • canção. DE IMPRENSA • comentário

radiofônico • entrevista • debate • depoimento DE DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA • exposição • seminário • debate • palestra PUBLICIDADE • propaganda

LITERÁRIOS • contos • novela • romance • crônica • poema • texto dramático DE IMPRENSA • notícia • editorial • artigo • reportagem • carta do leitor • entrevista • charge e tira DE DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA • verbete • enciclopédico

(nota/artigo) • relatório de

experiências • didático (textos,

enunciados de questões)

• artigo PUBLICIDADE • propaganda

LITERÁRIOS • canção • texto dramático DE IMPRENSA • notícia • entrevista • debate • depoimento DE DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA • exposição • seminário • debate

LITERÁRIOS • crônica • conto • poema DE IMPRENSA • notícia • artigo • carta do leitor • entrevista DE DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA • relatório de

experiências • esquema e

resumo de artigos ou verbetes de enciclopédia

Tabela 21 – Gêneros para o 3º e 4º Ciclos do Ensino Fundamental Fonte: PCN (1998: 54 - 57)

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Gêneros – Ensino Médio

1ª Série 2ª Série 3ª Série

• Conto

• Romance

• Crônica

• Poema

• Canção

• Texto de divulgação

científica

• Textos didáticos

• Notícia

• Entrevista

• Carta de leitor

• Editorial

• Artigo de opinião

• Tira

• HQ

• Charge

• Propaganda

• Regras

• Texto normativo

• Carta formal

• Texto oficial

• Conto

• Romance

• Crônica

• Poema

• Canção

• Notícia

• Entrevista

• Carta de leitor

• Editorial

• Artigo de opinião

• Tira

• HQ

• Charge

• Propaganda

• Regras

• Texto normativo

• Carta formal

• Texto oficial

• Conto

• Romance

• Crônica

• Poema

• Canção

• Notícia

• Entrevista

• Carta de leitor

• Editorial

• Artigo de opinião

• Tira

• HQ

• Charge

• Propaganda

• Regras

• Texto normativo

• Carta formal

• Texto oficial

Tabela 22 – Gêneros para o Ensino Médio Fonte: Reorientação curricular para o Ensino Médio (2006: 132-147)

Os PCNs sugerem, então, uma lista de gêneros com os quais os professores podem

trabalhar em cada ciclo e/ou série. A maior parte dos gêneros propostos se repete em todas

as séries; alguns são omitidos sem nenhuma explicação. Em alguns momentos, nos quadros

propostos pelos PCNs, há uma mistura de elementos que são partes da organização

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composicional de um gênero (títulos e lides), com gêneros propriamente ditos (notícias e

classificados). Às vezes, há também a mistura de suportes,19 com gêneros, como por

exemplo, embalagens, rótulos, textos de jornais, revistas e suplementos infantis, teatro,

enciclopédia (que podem conter uma variedade de gênero).

Em relação aos gêneros propostos para o Ensino Médio, percebemos que eles se

repetem nas três séries, com exceção de dois – textos de divulgação científica e textos

didáticos. Para cada série são propostos objetivos e atividades diferentes com cada gênero

textual, levando-se em conta o grau de complexidade do conteúdo a ser abordado e da

organização gramatical e discursiva, a fim de garantir melhor adequação à faixa etária do

aluno.

Enfim, essas indicações de gêneros textuais não esgotam todas as possibilidades de

organização das práticas educativas relativas ao uso da língua materna. Cabe aos

professores que atuam em um determinado nível escolar, ao definir coletivamente seu

projeto pedagógico, avaliar as listas de gêneros propostos, efetuando os acréscimos ou os

cortes que julgar necessários, sempre com o objetivo principal de desenvolver, em cada

aluno, a proficiência de leitura e a capacidade de compreender e interpretar criticamente

diferentes textos e, consequentemente, a realidade que o cerca.

O importante em uma classificação de gêneros, seja a proposta por Dolz e

Schneuwly , seja a dos PCNs, ou outra qualquer, é permitir que se possa efetivar uma

progressão curricular. Dessa forma, o interessante seria que, em todas as séries do Ensino

Fundamental e Médio, gêneros orais e escritos pertencentes a diferentes agrupamentos

fossem trabalhados mais aprofundadamente. Isso implicaria, por exemplo, trabalhar com

gêneros da ordem do argumentar desde as séries iniciais e não somente nas séries finais.

Pode-se, por exemplo, trabalhar com discussões e debates orais ou com discurso político

nas séries iniciais e trabalhar com editorial ou com resenha crítica nas últimas séries.

Assim, a diversificação de agrupamentos deve ser um dos critérios de escolha de gêneros.

19 Entendemos aqui como suporte de um gênero, tal como definido por Marcuschi (2008: 174), um lócus físico ou virtual com formato específico, que serve de base ou ambiente de fixação do gênero materializado como texto.

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4. ATIVIDADES E ENTREVISTAS EM ANÁLISE: O INÍCIO

(...) Compreender não é uma ação apenas lingüística ou cognitiva. É muito mais uma forma de inserção no mundo e um modo de agir sobre o mundo na relação com o outro dentro de uma cultura e uma sociedade. (...)

(Marcuschi, 2008: 230)

Por que os alunos não conseguem entender o que leem? Qual ponto deve ser

atacado?

Em 2005, aproveitamos várias sugestões de atividades com textos publicitários

para aplicar nas aulas de Língua Portuguesa. Independentemente da idade/série, os alunos

mostravam total alienação diante do que liam. Assim, começamos a trabalhar com

diferentes textos, a fim de perceber se a dificuldade apresentada era em função do gênero

textual – propaganda escrita – que estava sendo utilizado até então.

Depois dos resultados obtidos nessas atividades desenvolvidas com os alunos de

séries distintas, resolvemos encarar um novo desafio, com o intuito de tentar estabelecer

conteúdos que pudessem auxiliar os alunos na interpretação de textos.

Assim, começamos este trabalho. Como recomendam os PCNs, procuramos

desenvolver atividades com gêneros textuais diversos.

Neste capítulo, o nosso objetivo é mostrar o que nos motivou a começar este

trabalho, fazendo uma análise das respostas dadas por alunos nas tarefas indicadas, e

apontando o que esperávamos deles. A nossa proposta de trabalho em sequências didáticas

será mostrada no próximo capítulo.

Em anexo, consta apenas uma amostragem do corpus, tendo em vista o grande

número de atividades realizadas.

Dessa forma, analisaremos dois materiais. O primeiro é constituído de atividades

de interpretação de variados textos (item 4.1), realizadas por alunos de níveis de ensino

diversos, em 2006, 2007 e 2008.

As atividades com os alunos foram desenvolvidas em quatro escolas públicas, aqui

chamadas de A, B, C e D, como já explicitamos no capítulo 2 deste trabalho.

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O segundo material analisado, neste capítulo, são as entrevistas com professores

(item 4.2) sobre quais conteúdos são trabalhados por eles em interpretação textual.

Em 2006 e 2007, responderam à entrevista proposta professores que atuam no 1º

Segmento do Ensino Fundamental (com graduação ou não, e inclusive, em Língua

Portuguesa) e no 2º Segmento do Ensino Fundamental e Ensino Médio (com graduação em

Língua Portuguesa).

A partir dos dados analisados, no próximo capítulo, apresentaremos a nossa

proposta, para em seguida, no capítulo 6, apresentarmos atividades de leitura e

interpretação de textos baseadas nos conteúdos de interpretar e nas sequências didáticas.

4.1. Atividades realizadas por alunos

Em consonância com os pressupostos teóricos assinalados no decorrer deste

trabalho, analisaremos as respostas dadas pelos alunos.

As questões propostas foram organizadas em dois grandes grupos: questões

relativas à camada linear do texto (questões de coesão que levam à compreensão) e

questões relativas à camada reticulada do texto (questões de coerência que levam à

interpretação). Essa classificação leva em consideração os conceitos sentido de

língua/compreensão e sentido de discurso/interpretação. (Cf. Charaudeau: 1995a; 1999:

29).

A coesão ajuda na compreensão do texto, tendo em vista o seu caráter linear. O

trabalho de compreensão realizado pelo sujeito-interpretante consiste, em linhas gerais, na

identificação das marcas formais do texto a fim de construir o sentido de língua, literal,

transparente, explícito, numa visão simbolizada, mas referencial.

Assim, consideramos, portanto, pertencentes à camada linear (questões de coesão)

as atividades que abordam os seguintes itens:

a) o reconhecimento do sentido literal das palavras e expressões. Trata-se do

conhecimento linguístico, no que diz respeito ao sentido de língua.

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b) as regras de combinação das palavras por meio da análise da coesão textual

(lexical, frásica, interfrásica, temporal e referencial).

Já a coerência é tida como um princípio de interpretabilidade do texto, tendo em

vista que leva o sujeito-interpretante a acionar operações de caráter inferencial que

permitem a construção do sentido de discurso, indireto, implícito, caracterizado pela

opacidade face ao mundo por se referir ao próprio processo de enunciação.

Em relação à camada reticulada do texto (questões de coerência), consideramos as

questões que acionam operações de caráter inferencial relativas:

a) ao conhecimento de mundo;

b) ao conhecimento partilhado;

c) aos fatores pragmáticos;

d) à focalização;

e) à intencionalidade/aceitabilidade;

f) à situacionalidade;

g) à informatividade;

h) à intertextualidade e

i) à relevância.

O gráfico, a seguir, mostra a incidência dos dois níveis de questões no total

analisado.

Gráfico 19– Incidência dos dois níveis de questões (compreensão e interpretação) no total

analisado.

9; 8%

111; 92%

Camada linear

Camada reticulada

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Não foram aplicadas muitas questões relativas à camada linear do texto, pois o

nosso objetivo é levar o aluno a ultrapassar o sentido de língua e chegar ao sentido de

discurso.

Os resultados das questões que levam à compreensão do texto foram organizados

em dois grandes grupos:

a) questões de simples investigação linguística (sentido denotativo, identificação

de classes gramaticais, estrutura e formação de palavras etc.) e

b) questões de relação (coesão lexical, frásica, interfrásica, temporal e referencial).

Gráfico 20 - Quantidade de questões de compreensão

As questões de reconhecimento do sentido literal das palavras e expressões

(investigação linguística) exigem do sujeito- interpretante um conhecimento básico da

língua. Para que esse sujeito chegue ao sentido global do texto, precisa primeiramente,

identificar os sentidos literais de uma palavra ou expressão. Após esse primeiro

reconhecimento, ele terá mais possibilidades de perceber os outros possíveis sentidos

atribuídos às palavras e as implicações que tais sentidos trazem ao texto.

Por exemplo, no texto da marca de calçados Timberland a seguir, o publicitário

joga com a polissemia da expressão “pé frio”.

Numa primeira análise, após lermos o texto argumentativo, compreendemos que os

calçados da Timberland, feitos de couro hidrofugado – “couro com tratamento especial e

costura selada, que proporciona total impermeabilidade” – permitem que o leitor fique com

os pés aquecidos, mesmo em montanhas. Porém, a expressão “pé frio” é também utilizada

popularmente em relação às pessoas pessimistas, que não acreditam no sucesso, ou que

Investigação linguística Relação

2; 22%

7; 78%

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atraem azar. Assim, numa segunda leitura, escalar montanhas não é atividade para “pé

frio”, ou seja, para pessimistas.

Exemplo de questão aplicada Conhecimento(s)

exigido(s)

Camada(s)

textual(is)

1. Muitos textos publicitários “jogam” com a polissemia das palavras ou expressões, possibilitando várias

interpretações. Escreva o(s) sentido(s) denotativo(s)

(sentido de língua, dicionarizado) da palavra ou expressão em destaque e, quando houver, o(s)

sentido(s) conotativo(s) (sentido de discurso, figurado):

“Montanha não é lugar de pé frio.” Timberland

Veja: 04/06/03

Investigação

linguística

(sentido denotativo) 20

Grandes inferências

(sentido conotativo)

Linear

(compreensão)

Reticulada

(interpretação)

Tabela 23 – Exemplo de questão aplicada de investigação linguística

As questões que assinalam a combinação das palavras (relação) têm por objetivo

mostrar ao aluno os elementos que constroem a articulação entre as diversas partes de um

texto. Para que as ideias estejam bem relacionadas, também é preciso que estejam bem

interligadas, bem “unidas” por meio de vocábulos que têm a finalidade de ligar ou retomar

palavras, locuções, orações e períodos ou atribuir a marca da temporalidade.

20 Utilizamos, indistintamente, sentido de língua /denotação; sentido de discurso /conotação.

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Exemplo de questão aplicada Conhecimento(s)

exigido(s)

Camada(s)

textual(is)

1. Observe o texto publicitário a seguir e responda as

perguntas: “O casamento perfeito: ela, impossível de tirar os olhos; ele, discreto como deve ser. Duetto Philco tela plana e

DVD. Enfim juntos.” Philco

Veja: 08/06/05

a) Levando-se em consideração os produtos

anunciados, a que se referem os pronomes pessoais do caso reto?

Relação

(coesão referencial)

Linear

(compreensão)

Tabela 24 - Exemplo de questão aplicada que mostra a combinação das palavras

Na atividade com o texto publicitário da marca Philco, em uma das questões

propostas, o aluno deveria identificar o referente dos pronomes pessoais do caso reto: ela

(TV tela plana) e ele (DVD). É uma questão de coesão referencial, que leva o aluno à

simples identificação de elementos do texto.

As questões de interpretação, por pertencerem ao âmbito do discurso, exigem do

sujeito-interpretante uma ação mais efetiva durante o processo de construção e apreensão

do sentido global do texto. No nível da interpretação, não basta apenas conhecer o léxico

do texto, mas é preciso identificar os possíveis sentidos e suas implicações no texto. Como

afirma Marcuschi ( 1996: 14),

(...) compreender21 não é o mesmo que decodificar palavras e frases do

texto. Compreender é inferir, criar, representar e propor sentidos. (...)

21 Lembramos que o autor não faz distinção entre compreender e interpretar.

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(...) a compreensão é um processo criador, ativo e construtivo que vai além

da informação estritamente textual. (...)

Nesse sentido, no corpus de nosso trabalho, foram propostas 111 questões que

exigem do sujeito-interpretante uma leitura mais aprofundada, mais inferencial. O nosso

objetivo é perceber até que ponto nossos alunos conseguem ultrapassar o sentido de língua

em um texto.

Os resultados das questões que levam à interpretação do texto foram organizados

em quatro grupos. Aproveitamos os fatores de coerência assinalados por Beaugrande &

Dressler (1983) e Koch & Travaglia (2000), bem como sugestões obtidas no decorrer da

leitura dos textos que embasaram este trabalho:

a) conhecimento de mundo (conhecimento geral sobre as “coisas” e os seres do

mundo e intertextualidade);

b) conhecimento a partir de grandes inferências (sentido conotativo, subentendido,

efeitos de ironia ou humor, recursos expressivos e efeitos de sentido, tema, a

relação entre texto verbal e texto não-verbal, relações de causa-consequência e

contexto situacional).

c) conhecimento a partir de pequenas inferências e

d) conhecimento da estrutura do texto (características do gênero, função social, tipo

textual e características do modo de organização do discurso).

Gráfico 21– Quantidade de questões de interpretação

Assim, organizamos as questões de interpretação nesses quatro grupos por

acreditarmos que englobam, de forma mais didática, todos os fatores da textualidade.

13; 12% 14; 13%

31; 28%

53; 47%

Conhecimento de mundo

Grandes inferências

Conhecimento da estrutura do texto

Pequenas inferências

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Todas as questões do grupo da interpretação levam o leitor a uma análise mais

aprofundada do texto, mesmo as que exigem apenas um conhecimento da estrutura do

texto, pois a identificação do gênero textual nos permite uma interpretação mais

direcionada.

Para interpretar qualquer texto, obviamente, o leitor precisa recorrer ao seu

conhecimento de mundo, porém, classificamos como questões do grupo “conhecimento de

mundo” somente as que priorizam os conhecimentos pessoais que os indivíduos têm. Para

que a interpretação seja feita é preciso haver correspondência, ao menos parcial, entre os

conhecimentos ativados a partir do texto e o conhecimento de mundo do sujeito-

interpretante, armazenado em sua memória de longo termo. O conhecimento de mundo é

visto como uma espécie de dicionário enciclopédico do mundo e da cultura arquivado na

memória.

A partir do conhecimento de mundo e de outros textos é que o sujeito-interpretante

reconhece também uma relação de intertextualidade. Questões que envolvem esse fator da

textualidade requerem que o aluno assuma uma atitude crítica e reflexiva em relação às

diferentes ideias relativas ao mesmo tema encontradas em um mesmo ou em diferentes

textos, ou seja, ideias que se cruzam no interior dos textos lidos, ou aquelas encontradas

em textos diferentes. Essas questões podem envolver também a comparação de textos de

diversos gêneros. A partir daí, o aluno estará estabelecendo relações de intertextualidade

não apenas de conteúdo, mas de forma.

Na questão, a seguir, com auxílio do texto publicitário, o aluno deveria identificar a

intertextualidade presente no texto.

Não é uma atividade fácil, tendo em vista que muitos alunos, talvez a maioria, não

saibam o que significa intertextualidade. Tal defasagem não é culpa apenas dos alunos que

não mostram interesse pela leitura e por aprenderem mais, mas também dos professores,

que muitas vezes, em virtude de muitos motivos, não trabalham com seus alunos conteúdos

voltados para a leitura plena e interpretação de textos, limitando-se a reproduzir regras

gramaticais.

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Exemplo de questão aplicada Conhecimento(s)

exigido(s)

Camada(s)

textual(is)

Muitos textos publicitários dialogam com outros textos.

Identifique a intertextualidade utilizada nos textos a seguir: “Gigante pela própria natureza. Guia Quatro

Rodas Brasil.” Guia Quatro Rodas Veja Rio: 25/02/04

Conhecimento de

mundo

(intertextualidade)

Reticulada

(interpretação)

Tabela 25 - Exemplo de questão aplicada que exige conhecimento de mundo

Nessa atividade, esperava-se que o aluno percebesse que no texto “Gigante pela

própria natureza. Guia Quatro Rodas Brasil.”, há a retomada explícita de um fragmento

de um texto. O leitor que conhece o Hino Nacional do Brasil identifica a intertextualidade,

com facilidade.

As questões do grupo “conhecimento a partir de grandes inferências” exigem que o

leitor faça uma leitura mais aprofundada do texto. São questões que envolvem a

identificação do sentido conotativo das palavras e expressões, de subentendidos, dos

efeitos de ironia ou humor, dos recursos expressivos e efeitos de sentido, do tema, da

relação entre texto verbal e texto não-verbal, das relações de causa-consequência, do

contexto situacional, dentre outros.

Inferir significa realizar um raciocínio com base em informações já conhecidas, a

fim de se chegar a informações novas, que não estejam explicitamente marcadas no texto.

Essas atividades requerem do aluno um pensamento mais elaborado.

Nas questões de sentido conotativo, o aluno precisa reconhecer, por exemplo, que

sentido uma palavra ou expressão adquire em um determinado contexto.

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Além do jogo denotação/conotação, outro importante aspecto no processo de

construção do sentido de um texto é o papel desempenhado pelas informações implícitas.

(Cf. Cap. 3, tópico 3.3.2.).

No processo de leitura, muitas atividades exigem que o aluno perceba os implícitos.

Por exemplo, o tema de um texto é o eixo sobre o qual ele se estrutura. Para que o aluno

identifique o tema, é necessário que relacione as diferentes informações para construir o

sentido global do texto.

As atividades que relacionam texto verbal e texto não-verbal propiciam ao leitor

relacionar informações expressas verbalmente com as imagens, fotos, tirinhas, charges etc..

Essas atividades exigem que o leitor perceba os mínimos detalhes do texto visual para

relacioná-los com a imagem como um todo e, a partir daí, extrair sentidos.

O uso de recursos expressivos possibilita uma leitura para além dos elementos

superficiais do texto e auxilia o leitor na construção de novos significados.

Os sinais de pontuação, como reticências, exclamação, interrogação etc., e outros

mecanismos de notação, como o itálico, o negrito, a caixa alta e o tamanho da fonte podem

expressar sentidos variados. O ponto de exclamação, por exemplo, nem sempre expressa

surpresa. Faz-se necessário, portanto, que o leitor, ao explorar o texto, perceba como esses

elementos constroem a significação, na situação comunicativa em que se apresentam.

Em diferentes gêneros textuais, os recursos expressivos são largamente explorados.

Por exemplo, nas piadas, os implícitos provocam efeitos de ironia ou humor; nas

propagandas, para realçar um determinado produto, utilizam-se letras em negrito, bastante

adjetivação; nos poemas, os poetas usam e abusam das figuras de linguagem, das rimas e

por aí em diante.

As questões que abordam a relação causa-consequência levam o aluno a reconhecer

o motivo pelo qua l os fatos são apresentados no texto, ou seja, as relações expressas entre

os elementos que se organizam, de forma que um é resultado do outro.

Essas são apenas algumas habilidades que o aluno precisa demonstrar para a

resolução das questões desse grupo.

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Exemplo de questão aplicada Conhecimento(s)

exigido(s)

Camada(s)

textual(is)

Seu Manuel era um marido exemplar, carinhoso, incapaz de matar uma mosca. Um dia, Maria precisou ir ao mercado e pediu ao bom homem:

- Manuel, meu amor, não tire os olhos do Manuelzinho, enquanto vou ao mercado, certo.

- Oh, Maria, você sabe que eu não mato uma mosca. Acha que teria a coragem de tirar os olhos do meu próprio filho? a) O que esperava Maria quando fez a

recomendação ao marido? b) Como Manuel entendeu a recomendação da

mulher?

Grandes inferências

(sentido conotativo/

subentendido/ironia)

Reticulada

(interpretação)

Tabela 26 – Exemplo de questão aplicada que exige grande inferência

Na piada do Seu Manoel, o riso é provocado porque Manuel entendeu literalmente

a fala de Maria, sua esposa, ou então, fez-se de desentendido. Esta esperava que o marido

tomasse conta do Manuelzinho, com atenção. Assim, nessa piada temos:

• Sentido denotativo (literal): “não tirar os olhos” significa não “arrancar o órgão do

sentido”.

• Sentido conotativo (figurado): “não tirar os olhos” significa tomar conta, com

atenção.

Na piada, o personagem Manoel não demonstra ter sido capaz de fazer inferências e

perceber o subentendido na fala de Maria, ou seja, perceber o “sentido de discurso”.

Assim, as duas questões propostas exigem que o aluno perceba o que está implícito

e, consequentemente, o humor da piada que, até certo ponto, é preconceituoso, tendo em

vista a escolha do nome masculino Manuel – nome próprio bastante usado em Portugal,

impregnado do estigma de “pouco inteligente”, conforme crença disseminada socialmente

entre os brasileiros em relação ao povo português.

Já as atividades do grupo “pequenas inferências” exigem que o leitor localize uma

informação explícita ou que exija um grau de inferência mais simples. São questões cujas

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respostas não estão totalmente expostas a partir de uma leitura superficial, mas que

também não exigem grande raciocínio. O aluno precisa focalizar mais o que é solicitado no

texto, como na questão, a seguir, sobre a fábula “O caracol e a pitanga”.

Exemplo de questão aplicada Conhecimento(s) exigido(s)

Camada(s) textual(is)

O caracol e a pitanga (Millôr Fernandes) Há dois dias, o caracol galgava lentamente o tronco da pitangueira, subindo e parando, parando e subindo. Quarenta e oito horas de esforço tranquilo, de caminhar filosófico. De repente, enquanto ele fazia mais um movimento para avançar, desceu pelo tronco, apressadamente, no seu passo fustigado e ágil, uma formiga-maluca, dessas que vão e vêm mais rápidas que coelho de desenho animado. Parou um instantinho, olhou zombeteira o caracol e disse: _ Volta, volta, velho! Que é que você vai fazer lá em cima? Não é tempo de pitanga. _ Vou indo, vou indo - respondeu calmamente o caracol. _ Quando eu chegar lá em cima, vai ser tempo de pitanga. 1- A que parte da árvore o caracol se dirigia?

Pequena inferência

Reticulada

(interpretação)

Tabela 27 – Exemplo de questão aplicada que exige pequena inferência

A questão sobre o texto “O caracol e a pitanga” exige uma pequena inferência. O

aluno deveria perceber que, se o caracol queria comer pitanga, estava se dirigindo para a

copa da árvore.

E, por último, as atividades do grupo “conhecimento da estrutura do texto” levam o

aluno a reconhecer o gênero, o tipo textual, a função social e o modo de organização do

discurso predominante no texto, com suas características. Os alunos precisam familiariza-

se com a diversidade de textos existente na sociedade. Precisam reconhecer as várias

funções que a escrita pode ter (informar, entreter, convencer, definir, seduzir...) e os

diferentes suportes materiais onde pode aparecer (jornais, livros, cartazes etc.).

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Como sugere Marcuschi (1996: 15),

(...) A escola poderia oferecer mais oportunidade de contato com textos mais

complicados em que não aparecem personagens, tais como as bulas de remédio, as instruções de uso de aparelhos, os contratos de aluguel, as atas de

condomínio, as propagandas, as notícias de jornal. (...)

Exemplo de questão aplicada Conhecimento(s)

exigido(s)

Camada(s)

textual(is)

Receita Culinária: Empadinhas de queijo

A receita de empadinhas de queijo compreende as

seguintes etapas:

(A) ingredientes e modo de fazer. X

(B) substâncias e tipo de sabor.

(C) experiências e arrumação.

(D) utensílios e formato.

Conhecimento da

estrutura do texto

Reticulada

(interpretação)

Tabela 28 – Exemplo de questão aplicada que exige conhecimento da estrutura do texto

Inserimos nas atividades uma receita culinária, cujo objetivo é fornecer ao leitor a

descrição das etapas a serem seguidas para fazer uma determinada comida. A receita

culinária apresenta uma estrutura que se compõe de um texto em tópicos, sobre os

ingredientes e medidas a serem usados e, depois, um texto em prosa, sobre o modo de

fazer. As perguntas propostas não testavam informações óbvias, de reprodução fiel do

texto, mas levavam o leitor a identificar elementos da estrutura do texto.

Agora, analisaremos as respostas dadas pelos alunos, classificando-as como

adequadas ou não-adequadas à proposta de trabalho solicitada. Estamos de acordo com

Marcuschi (1996: 11), quando afirma que

(...) Compreender um texto não é uma atividade de vale tudo. Um texto

permite muitas leituras, mas não inúmeras e infinitas leituras. Não

podemos dizer quantas são as compreensões possíveis de um determinado texto, mas podemos dizer que algumas delas não são possíveis. Portanto, pode

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haver leituras erradas, incorretas, impossíveis e não-autorizadas pelo texto. (...)

[Grifo nosso].

Como sugestão da Banca do Exame de Qualificação, não expusemos as atividades e

sim, uma análise das respostas que obtivemos.

Questões que exigiam: Respostas

Adequadas

Respostas

Não-

adequadas

Investigação linguística 6 10 CAMADA LINEAR

COESÃO Relação 9 25

Conhecimento de mundo 27 30

Grandes inferências 157 253

Pequenas inferências 69 72

CAMADA

RETICULADA

COERÊNCIA

Conhecimento da estrutura do texto 37 50

Tabela 29 – Respostas adequadas e não-adequadas às questões de compreensão e interpretação.

De cada nível de ensino (1º Segmento de Ensino Fundamental, 2º Segmento do

Ensino Fundamental, 1º Segmento da Educação de Jovens e Adultos e Ensino Médio

Regular) responderam às questões apenas 30 alunos (total de 120 alunos). Porém, um

mesmo aluno realizou mais de uma atividade, o que justifica o número de respostas

analisadas.

Não mostraremos o percentual de respostas adequadas e não-adequadas de cada

nível de ensino separadamente, tendo em vista que o nosso objetivo não é comparar níveis

de ensino, mas analisar os dados como um todo.

Os resultados das atividades confirmam o problema inicial constatado de que os

alunos apresentam dificuldades em entender o enunciado de uma questão e, mais ainda, em

interpretar o que leem. Nem sempre conseguem relacionar texto e contexto, fazendo

inferências a fim de alcançarem o sentido global do texto.

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Nas questões que exigiam “grandes inferências”, obtivemos em todos os níveis de

ensino mais respostas não-adequadas do que adequadas. Isso mostra que os alunos estão

habituados a extrair mais informações explícitas em um texto e, quando precisam ler textos

mais longos, localizar e relacionar mais de uma informação, ficam “perdidos” e acabam

perdendo o interesse pela leitura. Identificar grandes inferências é estar no “Nível Pleno de

Leitura” para a série, de acordo com o INAF. (Cf. Cap. 3, tópico 3.4.3.).

A seguir, apresentamos os gráficos com o percentual de respostas adequadas e não-

adequadas.

Foram elaboradas, para este trabalho, apenas 9 questões de compreensão, sendo 7

de investigação linguística e 2 de relação (coesão).

Obtivemos 50 respostas do grupo da “compreensão”: apenas 15 (30%) respostas

adequadas à proposta de atividade contra 35 (70%) não-adequadas. Tais dados mostram

que o conhecimento linguístico dos alunos ainda é muito pequeno, o que pode ser

justificado pelo desinteresse pela leitura. Se os alunos lessem com mais frequência,

ampliariam o vocabulário e, consequentemente, entenderiam melhor o que leem.

Gráfico 22- Percentual de respostas adequadas e não-adequadas às questões de compreensão.

Pesquisa (Questionário sócio-cultural) realizada com os alunos que responderam às

questões mostra que os estudantes não têm o hábito de ler. A maior parte, de 120 alunos,

94 (78%) leem, às vezes. E os livros mais lidos são os didáticos (30%) e os religiosos

(25%). Isso revela que os alunos ainda se limitam a ler apenas no espaço escolar ou

religioso. Os livros literários ocupam o quarto lugar de preferência (19%).22

22 Os gráficos e dados de todo o Questionário sócio-cultural constam em anexo.

Questões de compreensão

15; 30%

35; 70%

Adequadas Não-adequadas

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Gráfico 23 - Com que frequência os alunos leem livros

Gráfico 24 – Tipos de livros preferidos pelos alunos

O mesmo acontece com jornais e revistas. Vejamos os gráficos a seguir.

Gráfico 25- Com que frequência os alunos leem jornais

Gráfico 26 - Com que frequência os alunos leem revistas

Com que frequência leem LIVROS

Nunca

Todos os dias

Às vezes

8% 14%

78%

Livros que leem

30%

25%

5% 19%

21%

didáticos

religiosos

infantis

literários

outros

Com que frequência leem JORNAIS

Nunca

Todos os dias

Às vezes

13% 27%

60%

Nunca

Todos os dias

Às vezes

66%

18% 16%

Com que frequência leem REVISTAS

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Além de lerem, às vezes, jornais e revistas, muitos alunos declararam que leem

apenas a capa dos jornais nas bancas. As revistas mais lidas são as que tratam de

futilidades e pouco ampliam o vocabulário, como “Minha Novela”, “Canal Extra”, “Fm O

Dia”, “Capricho”, entre outras.

No grupo de questões de investigação linguística (16 respostas obtidas), 10

respostas não atenderam à proposta.

Gráfico 27– Respostas adequadas e não-adequadas às questões de investigação linguística

O resultado das questões de relação mostra que exercícios de coesão não são muito

trabalhados em sala de aula. Só responderam a essas questões os alunos da 7ª e 8ª séries (8º

e 9º Anos do 2º Segmento do Ensino Fundamental) e os do Ensino Médio. Mesmo sendo

conteúdo específico desses níveis de ensino, das 34 respostas obtidas, 25 foram não-

adequadas.

Gráfico 28– Respostas adequadas e não-adequadas às questões de relação

No grupo da “interpretação”, foram elaboradas 111 questões, sendo que 14 exigiam

conhecimento de mundo; 53, grandes inferências; 31, pequenas inferências e 13,

conhecimento da estrutura do texto.

Obtivemos 695 respostas de interpretação, tendo em vista que esse é o foco do

nosso trabalho. No total, obtivemos 290 (42%) respostas adequadas contra 405 (58%) não-

adequadas. Ler e extrair sentidos, para muitos, não é tarefa das mais fáceis.

Questões de investigação linguística

6; 38%

10; 62%

Adequadas Não-adequadas

Questões de relação

Adequadas Não-adequadas

9; 26%

25; 74%

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Gráfico 29– Respostas adequadas e não-adequadas às questões de interpretação

Nas questões de “conhecimento de mundo” (57 respostas), obtivemos resultados

muito próximos: 27 (47%) respostas adequadas contra 30 (53%) não-adequadas. Desse

grupo, as questões que mais geraram dificuldades foram as que envolviam o conceito de

intertextualidade.

Gráfico 30– Respostas adequadas e não-adequadas às questões de conhecimento de mundo

Do grupo das “grandes inferências”, obtivemos 410 respostas, sendo 157 (38%)

adequadas contra 253 (62%) não-adequadas.

Gráfico 31– Respostas adequadas e não-adequadas às questões de grandes inferências

Questões de interpretação

290; 42%

405; 58%

Adequadas

Não-adequadas

Questões de conhecimento de mundo

Adequadas

Não-adequadas

27; 47%

30; 53%

Questões de grandes inferências

157; 38% 253; 62% Adequadas

Não-adequadas

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O aluno que consegue ext rair de um texto “grandes inferências” adquire o

conhecimento profundo sobre o processo de semiotização do mundo, ou seja, passa pela

superfície do texto, compreendendo as informações oferecidas pelo sentido de língua e

aprofunda-se no sentido de discurso, interpretando, extraindo sentidos.

Do grupo de questões que exigiam “pequenas inferências” (141 respostas obtidas),

69 (49%) foram adequadas contra 72 (51%) não-adequadas. Os resultados, no todo, estão

bem próximos. Essas questões exigiam que o aluno localizasse pequena inferência. Trata-

se do “Nível Básico de Leitura”, segundo o INAF (Cf. Cap. 3,tópico 3.4.3.).

Gráfico 32– Respostas adequadas e não-adequadas às questões de pequenas inferências

E, por último, obtivemos 87 respostas que exigiam conhecimento da estrutura do

texto: 37 (43%) adequadas contra 50 (57%) não-adequadas.

Gráfico 33– Respostas adequadas e não-adequadas às questões de conhecimento da estrutura do

texto

Nem sempre se trabalha com diferentes gêneros textuais na escola. Muitos

professores limitam-se a apresentar apenas alguns gêneros do tipo literário, como poemas,

fábulas e contos. Outros textos, como os do tipo apelativo (carta de leitor, texto de

Questões de pequenas inferências

72; 51%

69; 49%

Adequadas

Não-adequadas

Questões de conhecimento da estrutura do texto

37; 43%

50; 57%

Adequadas

Não-adequadas

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opinião...), informativos (notícia, reportagem, crônica...), instruciona is (receita culinária,

bula de remédio, regulamentos...) etc. não são muito trabalhados, e, quando se trabalha,

muitas vezes, são feitas perguntas óbvias que não levam o aluno a analisar a estrutura e a

finalidade do gênero textual.

Diante de tal realidade, como conduzir o trabalho de interpretação de forma

produtiva? É interessante observar que alunos de diferentes idades e séries tiveram

dificuldades em realizar uma mesma atividade.

O objetivo desta pesquisa, ao se analisarem algumas respostas, foi mostrar a

grande importância de se estabelecerem conteúdos de interpretar, a fim de que os alunos

sejam mais capacitados na tarefa de entenderem aquilo que leem.

Gostaríamos de ressaltar que muitos alunos também conseguiram realizar as

atividades propostas. Porém, chama-nos a atenção a quantidade de alunos que ainda se

encontram no nível rudimentar de leitura e interpretação. Os alunos que apresentaram mais

facilidade precisam ser trabalhados, a fim de enfrentarem novos desafios, e os que

demonstraram dificuldades precisam atingir, pelo menos, o nível de leitura esperado para a

série deles.

4.2. Pesquisa realizada com professores

Responderam à entrevista proposta quinze professores, entre 25 e 50 anos de idade.

Todos lecionam no sistema público de ensino há mais de cinco anos.

Não fizemos um número maior de entrevistas, tendo em vista que esse não é o foco

de nosso trabalho (é meramente ilustrativo) e também devido à falta de “boa vontade” de

muitos professores em participarem de uma atividade como essa. O professor,

normalmente, está sempre muito atarefado e, quando tem um tempo vago, não gosta de

ficar respondendo entrevistas. Assim, os professores que participaram, fizeram-no pela

amizade.

Obtivemos as seguintes respostas na pesquisa

Como você trabalha a interpretação de textos?

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Sobre essa pergunta, alguns (9) professores responderam, citando a metodologia

utilizada (interpretação oral e escrita, estudo dirigido, debates, desenhos); outros (5)

citaram alguns gêneros textuais (fábulas e contos de fada) e um (1) respondeu que trabalha

a interpretação atrelada ao conteúdo gramatical do momento.

Essa pergunta tinha por objetivo saber qual (is) estratégia (s) (metodologia(s)) é

(são) utilizada (s) pelos professores quando trabalham com o texto. De quinze professores,

cinco responderam que trabalham com alguns textos. Isso é óbvio, porque estamos tratando

de interpretação textual, seja de texto verbal ou não-verbal.

Gráfico 34– Metodologia adotada por alguns professores no trabalho com textos.

Outra pergunta feita foi:

Com quais conteúdos (pertinentes ao texto) você trabalha?

Obtivemos respostas variadas. Dos professores entrevistados (15), somente seis

citaram algum conteúdo voltado para a atividade de interpretação. Desses seis professores,

apenas quatro se detiveram em conteúdos de interpretação. O texto ainda é utilizado para a

análise simples de conteúdos gramaticais e ortográficos. Alguns conteúdos de interpretação

citados foram:

• modalidade textual;

• nível de linguagem;

• figuras de linguagem;

• elementos da narrativa;

• aspectos literários;

5% 35% 23%

5%

32%

Interpretação oral

Interpretação escrita

Desenhos

Com os gêneros textuais

Atrelada ao conteúdo gramatical

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• intertextualidade e

• contextualização temática.

Os professores não entraram em detalhes sobre quais aspectos literários são

trabalhados, quais elementos da narrativa são privilegiados etc. Como o nosso objetivo era

verificar se os professores citariam conteúdos de interpretação, não insistimos no

detalhamento das respostas.

Onze professores responderam que aproveitam o texto para explorar conteúdos

gramaticais, ortográficos, semânticos e para a produção textual.

Assim, normalmente, nas escolas, a atividade de interpretar é feita a partir de

questões soltas relativas ao texto, sem se ter como objetivo um conteúdo. Trabalha-se hoje

com um exercício de interpretação, e o próximo não tem nenhuma relação com o anterior e

daí por diante. A interpretação de um texto é feita como um trabalho estanque, sem

qualquer relação com outros conteúdos.

Não estaria aí a dificuldade apresentada pelos alunos de interpretarem o que leem?

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5. NOSSA PROPOSTA

Não sei se seria sonhar muito. Mas acredito que, se desde o início, for dada aos alunos a oportunidade da leitura plena (do livro e do mundo) – aquela que desvenda, que revela, que lhes possibilita uma visão crítica do mundo e de si mesmos – se lhes for dada a oportunidade da leitura plena, repito, uma nova ordem de cidadãos poderá surgir e, dela, uma nova configuração de sociedade.

(Antunes, 2009: 206)

5.1. Um trabalho de interpretação em sequências didáticas

Com base nos autores consultados, sugerimos, para fins didáticos, o trabalho com

sequências didáticas. Dolz & Schneuwly (2004: 97) definem

uma “seqüência didática” (como) um conjunto de atividades escolares organizadas, de maneira sistemática, em torno de um gênero textual oral ou escrito.

O trabalho com textos organizados em sequências didáticas tem por objetivo ajudar

o aluno a dominar melhor um gênero de texto, permitindo- lhe, assim, ultrapassar o sentido

de língua. Se o aluno for capaz de interpretar o que lê, terá, sem dúvida, mais facilidade

para se expressar e produzir diferentes textos de acordo com a situação de comunicação.

Normalmente, nas aulas de Língua Portuguesa, as atividades gramaticais ocupam a

maior parte do tempo. Um dos motivos está na ênfase que os manuais didáticos dão às

regras gramaticais, como se as atividades de leitura, interpretação e produção textual não

exigissem estudo e “conteúdos” a serem desenvolvidos. Como observam Dolz &

Schneuwly (2004: 50),

(...) Tudo se passa como se a capacidade de produzir textos fosse um saber que a escola deve encorajar, para facilitar a aprendizagem, mas que nasce e se desenvolve fundamentalmente de maneira espontânea, sem que pudéssemos ensiná-la sistematicamente.

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Carneiro (2002: 211), em sua tese de doutorado sobre interpretação de texto, faz a

seguinte observação

(...) [nas] aulas de conteúdo gramatical ou literário, as anotações (no diário) do que foi ensinado são bem claras, com informações precisas sobre os itens abordados; mas, quando se trata de interpretação de texto , os dados são bem poucos, no máximo o título e o autor do texto analisado. Mas, o que foi ensinado na atividade? As perguntas formuladas supõem algum conhecimento adquirido nas séries anteriores?

E, Carneiro (ibidem : 211) conclui que

Na verdade, falta aos professores um programa, que só poderá ser construído a partir de uma sistematização dos conhecimentos textuais. Como tal sistematização ainda não foi realizada de forma adequada, continuamos nós, os professores, a construir a tarefa de forma intuit iva.

Dessa forma, pesquisas realizadas com professores e atividades desenvolvidas com

alunos mostram que é necessário o estabelecimento de objetivos a serem cumpridos no

ensino e aprendizagem da interpretação textual. É preciso que o professor tenha

consciência do que seja texto e de seu funcionamento como estrutura produtora de sentido,

pois ensinar a ler e a interpretar é perceber os conteúdos e os conhecimentos que se tornam

dizíveis por meio dos textos; reconhecer os elementos das estruturas comunicativas e

semióticas partilhadas pelos textos reconhecidos como pertencentes ao gênero e, por fim,

identificar as configurações específicas de unidades de linguagem, traços, principalmente,

da posição enunciativa do enunciador e dos conjuntos particulares de sequências textuais e

de tipos discursivos que formam sua estrutura. (Cf. Dolz & Schneuwly: 2004: 75).

Cada gênero pode ser abordado em diferentes níveis de complexidade. A retomada

de objetivos já trabalhados, após um certo espaço de tempo e, numa nova perspectiva, é

indispensável para que a aprendizagem seja assegurada.

Dolz & Schneuwly (2004) propõem um trabalho com sequências didáticas, em

torno de um gênero textual. Aproveitamos a sugestão dos autores, porém organizaremos as

nossas sequências a partir dos modos de organização do discurso.

Assim, para fins didáticos, propomos um trabalho com sequências didáticas a partir

dos modos de organização do discurso apresentados por Charaudeau (1992, 2008), com

uma pequena alteração. Charaudeau cita como modo de organização o argumentativo.

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Preferimos denominá- lo de dissertativo, a fim de separar os textos, de acordo com a

função, em dois blocos: expositivo e argumentativo.

Optamos também pelas tipos de textos propostos por Carneiro (2005). O autor,

tomando como base a função textual cita nove tipos, a saber – normativos (regulamentar),

fáticos (contatar), expressivos (automanifestar-se), apelativos (convencer), didáticos

(ensinar), instrucionais (instruir), informativos (informar), preditivos (prever) e literários

(função estética).

O esquema seguinte resume nossa proposta:

Modos de

organização do

discurso:

Enunciativo, descritivo, narrativo e dissertativo (expositivo e

argumentativo).

Tipos de textos:

Normativos, fáticos, expressivos, apelativos, didáticos,

instrucionais, informativos, preditivos e literários.

Gêneros textuais:

(Cada tipo tem seus gêneros)

Oração, requerimento, cartaz publicitário etc.

Tabela 30 – Nossa proposta Fonte: Charaudeau (1992, 2008); Carneiro (2005)

O trabalho será dividido em quatro sequências didáticas, de acordo com um modo

de organização do discurso. Em cada sequência, constarão diferentes tipos de textos, tendo

em vista que serão explorados diversos gêneros textuais. As sequências serão divididas em

módulos, nos quais serão explorados os gêneros. O modo enunciativo não encabeçará uma

sequência, já que perpassa todos os outros. Esse modo tem por objetivo “organizar as

categorias da língua, ordenando-as de forma a que deem conta da posição que o sujeito

falante ocupa em relação ao interlocutor, em relação ao que ele diz e em relação ao que o

outro diz.” (Cf. Charaudeau, 2008: 82).

Listamos, a seguir, alguns gêneros de acordo com o modo de organização do

discurso predominante. Um texto pode ser predominantemente narrativo e conter várias

passagens descritivas, por exemplo, as fábulas.

Como afirma Charaudeau (2008: 109-110),

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(...) uma mesma categoria de língua pode estar presente em diferentes modos de organização de discurso: por exemplo, as categorias semânticas de Designação, Quantificação e Apresentação encontram-se tanto na organização descritiva quanto na organização narrativa ou argumentativa de um texto (...). Por outro lado, um mesmo Modo de discurso pode evocar diferentes categorias lingüísticas. Por exemplo , o descritivo também pode utilizar verbos de ação (marcas que se consideram, tradicionalmente, próprias ao narrativo), como nos textos de Receitas de cozinha (...). As categorias de língua são, enquanto tais, operatórias para determinar um modo de discurso. Pode-se dizer que as marcas que compõem um texto constituem, em combinação com as marcas de outras categorias, os traços de uma possível caracterização discursiva. [Grifos do autor].

MODOS DE ORGANIZAÇÃO

DO DISCURSO

TIPOS DE

TEXTOS

EXEMPLOS DE GÊNEROS

ORAIS E ESCRITOS

Narrativo Literários

Expressivo

Fático

Informativos

Conto maravilhoso Fábula

Lenda

Narrativa de aventura Narrativa de ficção científica

Narrativa de enigma

Novela fantástica Conto parodiado

Relato de viagem Testemunho

Ensaio biográfico

Correspondência

Notícia Reportagem

Crônica esportiva

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MODOS DE ORGANIZAÇÃO

DO DISCURSO TIPOS DE

TEXTOS

EXEMPLOS DE GÊNEROS

ORAIS E ESCRITOS

Descritivo Instrucionais

Apelativos

Preditivo

Receita de cozinha

Regulamento

Regras de jogo Instruções

Bula de remédio

Oferta de emprego

Catálogo de vendas

Publicidade

Horóscopos

Expositivo Didáticos

Informativos

Normativos

Seminário

Conferência Artigo ou verbete de enciclopédia

Entrevista de especialista Tomada de notas

Resumo de textos “expositivos” ou

explicativos Relatório científico

Relato de experiência científica

Leis

Portarias

Estatutos

Dissertativo

Argumentativo Apelativos Texto de opinião

Diálogo argumentativo Carta do leitor

Carta de reclamação

Deliberação informal Debate regrado

Discurso de defesa

Discurso de acusação Propaganda

Tabela 31 - Gêneros de acordo com o modo de organização do discurso predominante

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Diante disso, no trabalho de língua portuguesa, um mesmo gênero textual permite

que o professor explore, com seus alunos, diferentes categorias de língua e,

consequentemente, diferentes modos de organização do discurso.

Em termos didáticos, para cada modo de organização do discurso, citaremos alguns

conteúdos de interpretar. O modo enunciativo, mesmo sem encabeçar uma sequência

didática, tem conteúdos de interpretar que serão explorados nos outros modos.

Apresentamos, a seguir, um quadro com as sugestões dos “conteúdos de

interpretar” para cada modo de organização do discurso.

Conteúdos de interpretar para cada modo de organização do discurso

Enunciativo O emissor, o receptor e a mensagem na situação de comunicação;

A comunicação oral e escrita; Fatores que interferem na comunicação;

Atitudes enunciativas que o sujeito falante constrói em função

• dos elementos de identificação, • da situação de comunicação e

• da imagem que o falante quer transmitir de si mesmo ao outro.

Utilização do jogo da modalização e dos atos locutivos. Diferentes efeitos de saber, de realidade/ficção, de confidência e de gênero.

Maneiras de implicar o destinatário-leitor, nos modos de intervenção do

narrador, estatutos e pontos de vista do narrador. Procedimentos nos tipos de posição do sujeito que argumenta e nos tipos de

valores dos argumentos.

(...)

Narrativo Relação entre sentido e contexto;

Figuras de linguagem; Verificação de como se realiza a passagem de tempo no texto;

As marcas explícitas de sucessão cronológica;

As marcas implícitas da sucessão psicológica; Observação dos diferentes valores dos tempos verbais do passado;

Efeitos de distância, de proximidade e de atualidade;

As formas de designar os personagens na narrativa; Compreensão do sentido implícito e do discurso indireto livre;

Atos de fala;

Pontos de vista dos personagens e do narrador;

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Modelos de enredo;

Compreensão das noções de agente e de paciente;

O desenvolvimento: processos de intensificação e de suspense; O cenário narrativo e sua implicação nas ações narradas;

A verossimilhança narrativa e as marcas de realidade;

Figurativização/Tematização. (...)

Descritivo Ato de Nomear (identidades nominais); Ato de Qualificar (identidades descritivas: atributos);

Descrição objetiva e descrição subjetiva;

Apreensão do tema-núcleo; Meios de identificar/nomear, instruir, listar, localizar (no tempo e no

espaço) ou caracterizar o tema núcleo;

O observador. (...)

Dissertativo

expositivo

Expressão de fatos conectados por elementos lógicos;

Estrutura do texto expositivo;

Agentes animados e inanimados; Relações de condição e de hipótese;

Conectores;

A expressão dos fatos de forma impessoal, passiva e pronominal; Consideração do destinatário: a seleção linguística;

Perguntas retóricas;

Processos de condensação discursiva; Regras de apresentação.

(...)

Dissertativo

argumentativo

Os métodos argumentativos da sedução;

Intimidação;

Gratificação e competição; A figura do argumentador;

O tema e a tese;

Tipos de raciocínio. (...)

Tabela 32 – Conteúdos de interpretar para cada modo de organização do discurso

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A lista de conteúdos proposta é aberta. Em termos de um trabalho didático, listamos

apenas alguns. Cabe ao professor, selecionar os conteúdos pertinentes aos gêneros com os

quais deseja trabalhar, sempre levando em consideração que o trabalho com tais conteúdos

deve ser sistemático. O aluno precisa saber interpretar um número maior possível de

gêneros textuais.

5.2. Testagem da nossa proposta

Tendo em vista que a nossa proposta de pesquisa não se limita à análise de

atividades realizadas por alunos, mas objetiva apresentar estratégias de ensino, fizemos

uma testagem da nossa proposta.

No gráfico a seguir, é explicitada a nossa proposta de trabalho. Na testagem, não

trabalhamos com uma sequência didática inteira, mas apenas com um módulo.

Escolhemos a sequência que aborda a narração, tendo em vista que este é o modo de

organização do discurso mais comumente trabalhado nas salas de aula e que constitui

conteúdo específico do 1º Ano do Ensino Médio. O gênero textual escolhido foi a fábula.

Esquema da sequência didática

Gênero Gênero Gênero

1 2 n

Gráfico 35 - Esquema da sequência didática da nossa proposta de trabalho.

Apresentação do Modo de

Organização do Discurso

Módulo 1 Módulo 2 Módulo n Gênero 1 Gênero 2 Gênero n

PRODUÇÃO FINAL Conclusões finais sobre o modo de organização

do discurso predominante nos

gêneros trabalhados.

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Organização de cada módulo Gráfico 36 – Organização de cada módulo da nossa proposta de trabalho.

Ao se trabalhar com o gênero fábula, esperamos que os alunos percebam que esse

gênero textual procura espelhar, “imitar” a vida real. Nele, os autores criam personagens e

tramas para nos contar o que pensam sobre os homens, seu modo de vida, seus medos,

incertezas e desejos, e também como veem o mundo. Por isso, para compreender uma

fábula, é importante tentar perceber a intenção que existe por trás da história.

Sabemos que os animais não falam, não fazem festas, nem batalham na vida real,

mas nas fábulas, eles aparecem fazendo isso para representar algo que pode ser vivido

pelos homens. Nas fábulas, os animais ou objetos são personificados.

Segundo Fernandes (2001: 43), normalmente os fabulistas escolhem animais como

personagens

(...) devido a algumas características que servem para a comparação com as atitudes humanas. Sempre houve o costume de comparar as pessoas aos animais. Por exemplo, (...) “Você é rápido como uma lebre” ou “Você é esperto como uma raposa”. Essas comparações são bastante comuns, quase todo mundo as conhece.

Na verdade, quem dá essas características aos animais são os homens, porque não

existe animal bom ou ruim, eles apenas seguem seus instintos. Dessa forma, não é só a

característica do animal que determina a escolha de uma personagem para a fábula, mas

também a visão que os homens têm sobre os animais.

O modo indireto de atingir os ouvintes ou os leitores é uma das características

marcantes das fábulas. É um jeito de levá- los a pensar sobre certas atitudes humanas e até

Trabalho de pesquisa: Conclusões gerais sobre as características do gênero trabalhado e outros exemplos do gênero.

Compreensão/ Interpretação

Leitura

Apresentação do gênero

textual

Produção textual

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convencê- los de certas ideias. Quando o autor usa a comparação, os leitores são induzidos

a identificar a situação contada com certas situações da vida real.

Como já ficou explicitado no capítulo 2, a nossa testagem foi organizada em seis

atividades:

1ª atividade: Exercício de sondagem (leitura, interpretação e produção textual) com o

texto: “O gato e o galo” (Esopo).

2ª atividade: Teorização sobre uma narrativa (resumo das principais características).

3ª atividade: Exercício de fixação (leitura e interpretação) com o texto: “O cavalo e o

burro” (Monteiro Lobato).

4ª atividade: Leitura de fábulas: “A raposa e as uvas”, “A cigarra e a formiga” e “O corvo e

a raposa” (Esopo) e “O ratinho e o leão” (Pedro Bandeira).

5ª atividade: Exercício avaliativo (leitura, interpretação e produção textual) com o texto:

“O lobo e o cordeiro” (Monteiro Lobato).

6ª atividade: Exercício avaliativo (identificar fábulas e o tema que, normalmente, é

abordado nelas; diferenciar autor, de narrador; identificar o foco narrativo e o tempo em

um texto narrativo e, por fim, o que são pressupostos).

As atividades 1 e 5 foram organizadas da seguinte forma: quatro questões de

compreensão (2 de investigação linguística e 2 de relação: coesão) e nove questões de

interpretação (2 de conhecimento de mundo, 2 de pequenas inferências, 2 de grandes

inferências e 3 de conhecimento da estrutura do texto).

Na primeira testagem, escolhemos a fábula “O gato e o galo”, de Esopo.

O gato e o galo

Esopo. (Fonte: http://sitededicas.uol.com.br/fabula1a.htm)

Um gato capturou um galo, e ficou imaginando como achar uma desculpa, qualquer que fosse, para

que seu desejo de devorá-lo fosse justificado.

Acusou ele então de causar aborrecimentos aos homens, já que cantava à noite e não os deixava

dormir.

O galo se defendeu dizendo que fazia isso em benefício dos homens, e assim eles podiam acordar

cedo para irem ao trabalho.

O gato respondeu: “Apesar de você ter uma boa desculpa eu não posso ficar sem jantar.” E assim

comeu o galo.

Quem é mau caráter, sempre vai achar uma desculpa para legitimar suas ações.

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A primeira e a segunda questões versavam sobre investigação linguística. Na

primeira, os alunos deveriam escrever uma frase com a palavra “legitimar” extraída do

texto. Os alunos mostraram dificuldades: 15 (43%) respostas adequadas, 16 (46%) não-

adequadas e 4 (11%) em branco.

Apesar de termos obtido 43% de respostas adequadas, a maior parte das frases

construídas foram paráfrases do exemplo retirado do texto.

Texto: “Quem é mau caráter, sempre vai achar uma desculpa para legitimar suas ações.”

RESPOSTAS ADEQUADAS DOS ALUNOS23: “Uma pessoa sem conduta, consegue legitimar seus atos e pensamentos.” (A07)24

“Ele é expert em legitimar seus erros.” (A16)

“Ana legitimou sua opinião sobre o aborto.” (A22) “O aluno chegou atrasado à aula e usou uma falsa doença para legitima25 seu atraso.”(A26)

“O motorista que causou o acidente tentou legitimar sua ação com desculpas”. (A27)

Como os alunos não sabiam bem o que significava “legitimar”, fizeram pequenas

variações e perceberam, pelo exemplo, que o verbo em questão pede um complemento.

Assim, nas frases dos alunos, encontramos os seguintes complementos: “seus atos e

pensamentos”, “seus erros”, “sua opinião”, “seu atraso” e “sua ação”. Além disso, como na

fábula o verbo “legitimar” estava relacionado a uma ação negativa, na maior parte das

frases construídas pelos alunos foi mantida essa orientação.

Dentre as frases consideradas não-adequadas, citamos:

RESPOSTAS NÃO-ADEQUADAS DOS ALUNOS:

“Ele sempre achará sua legitimações.” (A09) “Carol quebrou o vaso e tua mãe a legitimou.”(A10)

“O menino legitimou seu desaparecimento.” (A32)

Essa última frase chega a ser absurda. Como uma pessoa vai legitimar o próprio

desaparecimento?!

23 Não citaremos sempre a mesma quantidade de respostas adequadas e não-adequadas em todas as questões, porque muitas respostas se repetem ou são muito parecidas. 24 Os alunos dessa testagem serão identificados pela letra maiúscula A (Aluno) e por um número de 01 a 35. 25 Mantivemos a ortografia dos alunos.

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Na segunda questão, os alunos deveriam identificar a forma de tratamento utilizada

entre o gato e o galo. Não obtivemos nem uma resposta sequer adequada. Tivemos 20

(57%) respostas não-adequadas e 15 (43%) em branco. Estava bem explícito, no texto, que

os dois animais personificados estavam-se tratando por você. Dentre as respostas não-

adequadas, obtivemos:

RESPOSTAS NÃO-ADEQUADAS DOS ALUNOS:

“Eles cuparam um ao outro.” (A03) “Em forma de culpa do galo.” (A05)

“Argumentos.” (A13)

“o gato uma forma de desculpas, o galo uma forma de benefício” (A15) “Uma forma calma, uma conversa em que cada um mostra o seu argumento.” (A22)

As questões 3 e 4 versavam sobre coesão referencial e interfrásica. Na questão 3, os

alunos deveriam identificar os referentes de alguns pronomes, no texto. Não demonstraram

dificuldades. Obtivemos 26 (74%) respostas adequadas em relação ao pronome oblíquo os

e 24 (68%), em relação ao pronome demonstrativo isso. Na passagem citada do texto, o

pronome oblíquo os refere-se aos homens e o pronome oblíquo isso refere-se ao fato de o

galo cantar à noite.

RESPOSTAS ADEQUADAS DOS ALUNOS: Pronome os :

“aos homens” (A02)

“se refere aos homens” (A11) “aos homens que não conseguiam dormir.” (A27)

Pronome isso: “acordar os homens cedo, cantando à noite.” (A02)

“Está se referindo ao canto do galo.” (A04)

“cantava a noite” (A06)

RESPOSTAS NÃO-ADEQUADAS DOS ALUNOS:

Pronome os : “aos galos” (A01)

“Se refere aos gatos.” (A04)

“deixava dormir” (A15)

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Pronome isso:

“Indicar algo.” (A03)

“galo” (A05) “em benefício aos homens” (A’5)

Tal dado nos deixou bastante aliviados, ao percebermos que a maior parte dos

alunos do Ensino Médio consegue identificar referentes de pronomes no texto. Em nossa

pesquisa preliminar (Cf. capítulo 4), das 34 respostas a um exercício de coesão, obtivemos

25 não-adequadas. Porém, a maior parte dessas respostas não-adequadas foram obtidas de

alunos do Ensino Fundamental.

Na quarta questão, obtivemos apenas uma resposta adequada. Os alunos deveriam

identificar o valor da locução conjuntiva “para que” em uma passagem do texto. Apesar de

esse conteúdo ser trabalhado nos 8º e 9º Anos de Escolaridade, normalmente os alunos

“decoram” para prova e não são levados a refletir, para extraírem o sentido pelo enunciado.

Assim, dos 35 alunos do 1º Ano do Ensino Médio que realizaram a atividade, apenas um

respondeu corretamente a questão.

RESPOSTAS ADEQUADAS DOS ALUNOS:

“finalidade, oração subordinada adverbial final” (A05)

RESPOSTAS NÃO-ADEQUADAS DOS ALUNOS:

“Uma justificação.” (A03) “Para justificar e complementar a frase.” (A07)

“É um conjunto de palavras que tem palavras que explicam a frase.” (A12)

“objetivo direto” (A26)

Nessa quarta questão, as respostas não-adequadas mostram que os alunos não

lembram de nada a respeito das conjunções. As respostas não denotam confusão com a

classificação de outras conjunções. E o mais problemático é saber que esse conteúdo,

normalmente, é trabalhado no 9º Ano de Escolaridade.

Pelo exposto, essas quatro questões propostas inicialmente se detiveram na camada

superficial do texto. São questões de compreensão. Nessa mesma atividade, foram

propostas nove questões de interpretação. A primeira e a segunda versavam sobre

conhecimento de mundo.

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Na primeira questão, os alunos deveriam relacionar o modo de agir dos animais da

fábula lida com o modo de agir dos seres humanos. Obtivemos 17 (48,5%) respostas

adequadas, contra 17 (48,5%) não-adequadas e 1 (3%) em branco. Os dados mostram que

os alunos não entenderam bem a questão. De acordo com o texto, uma pessoa que age

como o gato da fábula quer vencer o mais fraco pela força; é injusta com os mais fracos; é

violenta e inventa mentiras para dominar os outros. Consideramos como adequadas,

respostas como:

RESPOSTAS ADEQUADAS DOS ALUNOS:

“O modo de matar, roubar e arranja uma desculpa para fazer essas ações.” (A09)

“O homem faz alguma coisa de errado e depois inventa varias desculpas para não se dar mal.” (A11)

“O modo de egoísmo pois o gato viu que o galo tinha pouca força e o intimidou.” (A15)

“Muitos ‘homens’ passam por cima de outros, ou melhor, prejudicam outros, visando somente o seu bem estar.” (A16)

“que só pensamos no nosso imbigo.” (A35)

Das respostas não-adequadas, podemos citar:

RESPOSTAS NÃO-ADEQUADAS DOS ALUNOS:

“O modo do ser humano comer animais, carne vermelha e branca.” (A05)

“Por que os seres humanos e o gato estava aborrecido com galo que cantava a noite na hora de dormir.” (A17)

“Ter que matar uma pessoa para sua propia defesa.” (A29)

Se uma interpretação fosse totalmente aberta, uma espécie de “vale-tudo”, as

respostas acima poderiam ser aceitas. Porém, esperava-se que os alunos percebessem que,

na fábula, o gato demonstra egoísmo, soberba e força. Por ser mais forte, intimidou o galo

e o matou. É injusto com o mais fraco, violento e inventa mentiras para dominar os outros.

É claro que esta é a lei natural dos animais, mas não estamos tratando disso aqui. Se

estamos trabalhando com o gênero fábula, precisamos interpretar o texto de acordo com as

características desse gênero textual.

Na fábula, o gato não matou o galo para se defender e se fosse por uma

necessidade, não haveria necessidade de tantos argumentos. No mundo das fábulas,

precisamos ver os animais como tipos humanos.

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Na segunda questão relativa ao conhecimento de mundo, os alunos deveriam

explicar a moral da história: “Quem é mau caráter, sempre vai achar uma desculpa para

legitimar suas ações.” Obtivemos apenas 18 (51%) respostas adequadas, contra 15 (43%)

não-adequadas e 2 (6%) em branco.

RESPOSTAS ADEQUADAS DOS ALUNOS:

“Quem possui uma índole ruim, conseguirá sempre explicar seus atos, por mais tolos que estes

sejam; pois a vida do próximo para estes não tem a mínima importância.” (A16) “A moral é que tem sempre o ‘maú e o bem’, por isso o lado mais forte tenta se aproveitar e

arranjar uma desculpa, para não atingir ele.” (A25)

Muitos alunos parafrasearam a moral do texto, como:

“Quem é mau caráter sempre vai dar um jeito de sair livre de suas ações.” (A08) “A pessoa que é mau caráter procura sempre uma desculpa para justificar seus erros, suas

ações.”(A18)

“Que quem e mal caráter, sempre vai procurar uma desculpa para conseguir seu objetivo.” (A26)

RESPOSTAS NÃO-ADEQUADAS DOS ALUNOS: “Depois do ato de capturar o galo, o gato deu uma desculpa mais convincente, por isso se deu bem,

e devorou o galo.” (A11)

“Foi um gato que tinha uma enorme vomtade de devorar um galo, e o matou, e depois tentou colocar a culpa no galo, para que os homens não brigassem com ele.” (A14)

A terceira e a quarta questões de interpretação exigiam pequenas inferências. Os

alunos não demonstraram dificuldades. Na terceira questão, os alunos deveriam identificar

o argumento utilizado pelo gato para devorar o galo. O gato acusa o galo de causar

aborrecimentos aos homens, já que cantava à noite e não os deixava dormir. Obtivemos 29

(83%) respostas adequadas.

RESPOSTAS ADEQUADAS DOS ALUNOS:

“Causar aborrecimentos aos homens, já que cantava à noite e não os deixava dormir” (A01)

“Acusou ele então de causar aborrecimentos aos homens, já que cantava à noite e não os deixava dormir.” (A03)

“Ele fala que o galo não deixa os homens dormirem à noite por causa da sua cantoria e assim os

deixavam aborrecidos.” (A13)

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Na quarta questão, os alunos deveriam identificar o contra-argumento do galo. No

texto, o galo se defendeu dizendo que cantava em benefício dos homens, e assim eles

podiam acordar cedo para irem ao trabalho. Obtivemos 32 (91%) respostas adequadas.

RESPOSTAS ADEQUADAS DOS ALUNOS: “que fazia isso em benefício dos homens, e assim eles podiam acordar cedo para irem ao trabalho.”

(A01)

“Ele disse que cantava para ajudar os homens a acordar cedo.” (A10) “O galo afirmou que sempre canta para os homens acordarem cedo e irem para o trabalho.” (A27)

A quinta e a sexta questões exigiam um grau de inferência maior. Na quinta

questão, os alunos deveriam identificar a alteração na estado inicial da fábula que dá

sentido ao final da história. Apenas 9 (26%) respostas adequadas, contra 18 (51%) não-

adequadas e 8 (23%) em branco. Os alunos deveriam perceber que, para ser coerente com a

moral, na fábula, o gato come o galo, mostrando ter um mau caráter.

RESPOSTAS ADEQUADAS DOS ALUNOS:

“O gato come o galo.” (A11)

“Quando o gato diz que apesar do galo ter uma boa desculpa, ele não poderia ficar sem jantar. E comeu o galo. (A14)

“Que o gato devorou o galo, e com isso ele tentou se explicar.” (25)

RESPOSTAS NÃO-ADEQUADAS DOS ALUNOS:

“Um gato faminto captura um galo” (A08)

“Um gato capturou um galo”... e ... “e ficou imaginando como achar uma desculpa”... (A12) “A fábula já começa falando sobre o que se diz e o sentido da história.” (A28)

Na sexta questão, os alunos deveriam identificar a relação de causalidade narrativa,

ou seja, a motivação que levou a ação na fábula. A motivação foi um gato faminto capturar

um galo. Obviamente, a fome fez com que devorasse a presa. Nessa questão, apenas 8

(23%) das respostas estavam adequadas ao que foi pedido. Obtivemos, ainda, 19 (29%) de

respostas não-adequadas e 17 (48%) em branco.

RESPOSTAS ADEQUADAS DOS ALUNOS:

“por que o gato estava com fome.” (A09) “O gato estava com fome.” (A12)

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“Sua fome de comer” (A19)

RESPOSTAS NÃO-ADEQUADAS DOS ALUNOS: “O gato queria comer o galo” (A01)

“Um gato capturou um galo.” (A03)

“O gato acusa o galo, o galo da uma boa desculpa mesmo assim não adiantou” (A11)

As questões 7, 8 e 9 diziam respeito à estrutura do texto. Na sétima questão, os

alunos deveriam explicar o que é uma fábula. Apesar de ser um gênero textual conhecido e

muito trabalhado nas primeiras séries do Ensino Fundamental, não obtivemos nem uma

resposta sequer adequada. Alguns alunos até citaram determinados elementos ou

determinadas características de uma fábula, mas não conseguiram definir esse gênero

textual.

RESPOSTAS NÃO-ADEQUADAS DOS ALUNOS:

“Sim. Porque contém um ditado popular” (A01)

“Sim, pois é uma história engraçada.” (A03) “Sim, por que é um conto narrativo.” (A09)

“porque trata como se fosse uma história real” (A10)

“Por ela narra um conto” (A19) “Porque envolve apenas dois personagens, no caso é o gato e o galo.” (A20)

Na oitava questão, os alunos deveriam identificar o narrador, o foco narrativo, os

personagens, o lugar e o tempo da fábula. Desses itens, os alunos demonstraram ter

conhecimento apenas do que seja um personagem em um texto.

Assim, em relação ao narrador, obtivemos apenas 4 (11%) respostas adequadas; nos

itens foco narrativo, lugar e tempo não obtivemos respostas adequadas e, em relação aos

personagens, obtivemos 33 (94%) respostas adequadas. Normalmente, em atividades de

interpretação, há sempre alguma questão sobre personagens, mas nem sempre sobre a

diferença entre autor e narrador e sobre tempo e lugar na narrativa. Na fábula, não é citado

o lugar onde ocorrem os fatos e o tempo é cronológico, ou seja, o narrador apresenta os

fatos de acordo com a ordem dos acontecimentos.

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RESPOSTAS ADEQUADAS DOS ALUNOS:

Narrador:

“Esopo” (A04)

Personagens:

“O gato e o galo” (A01)

RESPOSTAS NÃO-ADEQUADAS DOS ALUNOS:

Narrador: “gato e galo” (A10)

“eu-lírico” (A11)

Foco narrativo:

“O gato comeu o galo” (A01)

“O gato” (A03) Personagens : “gato, galo e homens.” (A14)

Lugar:

“cidade” (A03) “galinheiro” (A04)

“fazenda” (A05)

“floresta” (A06) “no trabalho” (A09)

Tempo: “Passado” (A01)

“Presente” (A03)

“noite” (A04)

Na última questão, na nona, os alunos deveriam, relacionando duas colunas,

identificar as partes do enredo da fábula em questão: situação inicial, quebra da situação

inicial, estabelecimento de um conflito, desenvolvimento, clímax e conclusão. Obtivemos

13 (37%) respostas adequadas, contra 22 (63%) não adequadas.

Em relação à produção textual, das 35 redações, 14 (40%) apresentaram

características de fábula, 20 (57%) não se enquadraram no gênero solicitado e 1 (3%) dos

alunos deixou em branco.

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A seguir, apresentaremos duas redações adequadas e duas não-adequadas.

REDAÇÕES ADEQUADAS DOS ALUNOS:

(A06)

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(A16)

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REDAÇÕES NÃO-ADEQUADAS DOS ALUNOS:

(A09)

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(A28)

Essa primeira testagem mostrou que é necessário um trabalho sistemático com um

determinado gênero textual, enfocando suas características e o do modo de organização do

discurso predominante.

Após essa primeira testagem, realizamos um estudo sobre as características básicas

de uma narrativa, relacionando-as com o gênero fábula. Em seguida, foi feita a leitura e

interpretação de uma outra fábula: “O cavalo e o burro”, de Monteiro Lobato. Para que os

alunos percebessem melhor as características de uma fábula, foi feita a leitura e discussão

de outras, como “A raposa e as uvas”, “A cigarra e a formiga”, “O corvo e a raposa” e “O

ratinho e o leão”. Depois da realização dessas atividades, aplicamos uma segunda

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testagem, a fim de verificar se um trabalho sistemático com alguns conteúdos de interpretar

ajudaria o aluno a ler e a interpretar melhor.

Na segunda testagem, a fábula escolhida foi “O lobo e o cordeiro”, uma versão de

Monteiro Lobato. As questões seguiam a mesma estrutura e organização das questões da

primeira testagem.

O lobo e o cordeiro

(Monteiro Lobato)

Estava o cordeiro a beber num córrego, quando apareceu um lobo esfaimado, de horrendo aspecto.

- Que desaforo é esse de turvar a água que venho beber? - disse o monstro arreganhando os dentes. -

Espere, que vou castigar tamanha má-criação!...

O cordeirinho, trêmulo de medo, respondeu com inocência:

- Como posso turvar a água que o senhor vai beber se ela corre do senhor para mim?

Era verdade aquilo que o lobo atrapalhou-se com a resposta. Mas não deu o rabo a torcer.

- Além disso - inventou ele - sei que você andou falando mal de mim o ano passado.

- Como poderia falar mal do senhor o ano passado, se nasci este ano?

Novamente confundindo pela voz da inocência, o lobo insistiu:

- Se não foi você, foi seu irmão mais velho, o que dá no mesmo.

- Como poderia ser meu irmão mais velho, se sou filho único?

O lobo, furioso, vendo que com razões claras não vencia o pobrezinho, veio com uma razão de lobo

faminto:

- Pois se não foi seu irmão, foi seu pai ou seu avô!

- E - nhoque! - sangrou-o no pescoço.

Contra a força não há argumentos.

As duas primeiras questões versavam sobre investigação linguística. Na primeira

questão, os alunos deveriam explicar a expressão “não deu o rabo a torcer.” Na fábula, o

lobo não deu importância às respostas do cordeiro, ou seja, mesmo sabendo que o cordeiro

falava a verdade, continuou atacando-o. Das 35 respostas, 33 (94%) foram adequadas e

apenas 2 (6%) não-adequadas.

RESPOSTAS ADEQUADAS DOS ALUNOS: “que não ia desistir, para justificar sua ameaça ao cordeiro.” (A01)

“Ele não deixou de lado, continuou insistindo.” (A03)

“Que mesmo errado com seus argumentos o lobo não desistiu do que ele tinha em mente.” (A04) “Significa que mesmo o lobo sabendo que estava errado, não aceitou a justificativa do cordeiro.”

(A06)

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“Ele não deu mole para o cordeiro e continuou a inventar histórias.” (A09)

RESPOSTAS NÃO-ADEQUADAS DOS ALUNOS: “É que o lobo estava tentando degredir o caráter do cordeiro mas teve que dá o rabo a torcer pois se

atrapalhou com a resposta do cordeiro.” (A15)

“demorou a inventar uma resposta e não consiguiu, e nem por isso quis falar a verdade ele negou.” (A17)

Na segunda questão, como foi solicitado na primeira testagem, os alunos deveriam

identificar qual foi a forma de tratamento utilizada pelo cordeiro para se dirigir ao lobo. Na

fábula, o cordeiro trata o lobo de “senhor”, demonstrando mais do que respeito, medo.

Obtivemos apenas 3 (9%) respostas não-adequadas e 32 (91%) adequadas.

RESPOSTAS ADEQUADAS DOS ALUNOS: “Senhor.” (A01)

“A palavra senhor.” (A15)

“A palavra é senhor, que é um tratamento mostrando respeito.” (A22) “O cordeiro chamava o lobo de senhor.” (A24)

RESPOSTAS NÃO-ADEQUADAS DOS ALUNOS: “Como.” (A02)

“Como posso e como poderia.” (A25)

“Como poderia.” (A29)

A terceira e a quarta questões diziam respeito à coesão referencial e frásica. Na

terceira questão, os alunos deveriam identificar o referente de um pronome oblíquo no

texto. Na primeira testagem, nesse mesmo tipo de questão, obtivemos 74% e 68% de

respostas adequadas. Na segunda testagem, essa resultado já foi melhor, pois obtivemos 32

(91%) acertos. O pronome oblíquo -o do exercício solicitado referia-se ao cordeiro, no

texto.

RESPOSTAS ADEQUADAS DOS ALUNOS:

“ao cordeiro” (A01) “se refere ao cordeiro” (A02)

“sangrou ele o cordeirinho” (A23)

“se refere ao pescoço do cordeiro” (A27)

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RESPOSTAS NÃO-ADEQUADAS DOS ALUNOS:

“ao lobo” (A13)

“lobo” (A15) “aditiva” (A34)

O mesmo aconteceu na quarta questão, em que os alunos deveriam identificar o

valor da conjunção se, em uma passagem do texto. Obtivemos 18 (51%) respostas

adequadas contra 14 (40%) não-adequadas e 3 (9%) em branco.

Parece um resultado baixo, porém, se compararmos com os 3% de acertos na

primeira testagem, percebemos que houve uma melhora significativa.

RESPOSTAS ADEQUADAS DOS ALUNOS:

“se – condição ou hipótese.” (A02) “condição.” (A03)

“Tem o valor de hipotese ou condição” (A06)

“Conjunção condicional.” (07) “A conjunção se nas frases acima expressão condição ou possibilidade.” (A13)

RESPOSTAS NÃO-ADEQUADAS DOS ALUNOS: “comparação” (A08)

“de adverção, contradição.” (A18)

“como se fosse Bloqueando oque o lobo ta falando.” (A21) “consequência.” (22)

“De explicação. De consequência. De fato.” (A24)

Mostrar o valor semântico de uma conjunção deve ser um exercício sempre atrelado

ao texto, de modo que o aluno perceba a sua função discursiva e seu emprego. Se

queremos melhorar a proficiência dos nossos alunos na leitura e na escrita, precisamos

trabalhar sempre a gramática atrelada ao texto. Aspectos gramaticais ajudam muito

também no entendimento de um texto.

Na segunda parte do exercício, também foram propostas nove questões que

levavam à interpretação do texto. As questões um e dois exigiam do aluno conhecimento

de mundo. Na questão um, como também solicitado na primeira testagem, os alunos

deveriam relacionar o modo de agir dos seres humanos ao modo de agir do lobo e do

cordeiro na fábula. Uma pessoa que age como o lobo da fábula quer vencer o mais fraco

pela força; é injusta com os mais fracos; é violenta e inventa mentiras para dominar os

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outros. Já uma pessoa que age como o cordeiro da fábula tenta refutar respeitosamente as

acusações do mais forte; intimida-se diante do mais fraco e é dominada pelo mais forte.

Na primeira testagem, obtivemos apenas 48,5% de respostas adequadas. Já na

segunda testagem, esse número subiu para 94%, ou seja, obtivemos 33 respostas adequadas

contra 2 não-adequadas.

RESPOSTAS ADEQUADAS DOS ALUNOS:

“Quando uma pessoa tem a força (financeiramente, corporal) não querem nem saber os argumentos da pessoa que eles querem prejudicar.” (A02)

“Eles falam, são capazes de ter raciocínio, agem como seres humanos e pensam perfeitamente.”

(A07) “É que o lobo é mentiroso, ele fica inventando historias. E o cordeiro é bem educado.” (A09)

“A semelhança do lobo é que o ser humano faz de tudo para conseguir o que quer/ e a semelhança

do cordeiro é que sempre arranjamos argumentos para tentar nós livrar de algo ou nós defender também.” (A13)

“Que as pessoas mais fortes mesmo sendo erradas querem ganhar ou se aproveitar dos mais

fracos.” (A25)

RESPOSTAS NÃO-ADEQUADAS DOS ALUNOS:

“Que antes de tudo houve um diálogo e eles tentaram estabelecer um acordo.” (A24) “Lobo: não depende se você vai trata bem ou mal se tiver que fazer mal pra você irá fazer.

Cordeiro: nem tudo nessa vida nós temos que levar com inocência.” (A35)

Na segunda questão, os alunos deveriam explicar a moral da história: “Contra a

força não há argumentos.” Obtivemos 28 (80%) respostas adequadas contra 18 (51%) da

primeira testagem.

RESPOSTAS ADEQUADAS DOS ALUNOS: “Que nem sempre quem está certo ou fala a verdade fica na melhor.” (A02)

“Que quando se trata do seu eu não interessa quem vai se dar bem ou mau o importante para essas

pessoas que não sabe assumir que errou é sempre está certo.” (04) “Quando uma pessoa coloca uma coisa na cabeça, não existe o poder das palavras que faça mudar

de idéia.” (A07)

“Se o oponente é forte, argumentos não vão impedi-lo de fazer o que ele quer.” (A11)

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RESPOSTAS NÃO-ADEQUADAS DOS ALUNOS:

“Que mesmo o lobo tratando o carneiro com tal ignorância, o carneiro não deixou de tratá-lo como

devia, assim ele poderia ter conseguido muito mais.” (A03) “Ninguém pode inventar historias ou ameaçar para fazer mal para os outros.” (A09)

“Quer dizer que contra fatos não há argumentos o lobo sempre via as ações do cordeirinho que

eram boas.” (15) “O lobo queria bater no cordeiro.” (A17)

As questões três e quatro exigiam pequenas inferências. Também solicitavam que

os alunos identificassem argumentos e contra-argumentos, como na primeira testagem.

Assim, na questão três, os alunos deveriam identificar os três argumentos dados pelo lobo

para fazer mal ao cordeiro. Em relação ao primeiro argumento, obtivemos 28 (80%)

respostas adequadas, para o segundo argumento, também 28 (80%) respostas adequadas e

para o terceiro argumento, 25 (71%).

No texto, o lobo faz várias acusações ao cordeiro. As três primeiras são: o lobo

acusa o cordeiro de turvar a água do córrego, depois, acusa-o de falar mal dele no ano

anterior e, como o cordeiro diz que ainda não era nascido no ano anterior, o lobo acusa o

irmão mais velho do cordeiro de falar mal dele no ano anterior. Esses são os três

argumentos que os alunos deveriam identificar.

Nessa questão, muitos alunos erraram porque não prestaram atenção à ordem dos

argumentos.

RESPOSTAS ADEQUADAS DOS ALUNOS:

1º Argumento: “Que desaforo é esse de turvar a água que venho beber?” (A01)

“Turvou a água dele.” (A03)

“Acusou o cordeiro, dizendo que ele estava sujando a água que ele iria beber.” (A16)

2º Argumento:

“Além disso, sei que você andou falando mal de mim o ano passado.” (A01) “Falou mau dele.” (A03)

“Inventou que o cordeiro tinha falado mal dele no ano passado.” (A16)

3º Argumento:

“Se não foi você, foi seu irmão mais velho, o que dá no mesmo.” (A01)

“O lobo falou que seu irmão tinha falado mau dele também.” (A03)

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“Disse que se não foi o cordeiro quem havia falado mal dele, teria sido o irmão mais velho do

cordeiro.” (A16)

RESPOSTAS NÃO-ADEQUADAS DOS ALUNOS:

1º Argumento:

“Espere que vou castigar tamanha má-criação!...” (A7) “(...) Sei que você andou falando mal de mim ano passado.” (A13)

2º Argumento: “Se não foi você, foi seu irmão mais velho, o que dá no mesmo.” (A13)

“espere, que vou castigar tamanha má criação!” (A35)

3º Argumento:

“Pois se não foi seu irmão, foi seu pai ou seu avô!” (A5)

“Além disso inventou ele – sei que andou falando mal de min o ano passado.” (A35)

Na quarta questão, os alunos deveriam identificar um contra-argumento do

cordeiro. Obtivemos 32 (91%) respostas adequadas. Tanto na primeira testagem, como na

segunda, obtivemos resultados satisfatórios. No texto, o lobo acusou o irmão mais velho do

cordeiro de falar mal dele. E, o cordeiro contra-argumentou dizendo que era filho único.

RESPOSTAS ADEQUADAS DOS ALUNOS:

“Como poderia ser meu irmão mais velho, se sou filho único?” (A01) “Que ele era filho único.” (A12)

“Argumentou, dizendo, como poderia ter sido seu irmão mais velho se ele é filho único.” (A16)

RESPOSTAS NÃO-ADEQUADAS DOS ALUNOS:

“E foi a única argumentação que o cordeiro pode dizer, pois sem tempo, o lobo o devorou sem

deixa falar nada.” (A05) “Como poderia fala r mal do senhor o ano passado, se nasci este ano?” (A015)

As questões cinco e seis exigiam grandes inferências. Na questão cinco, os alunos

deveriam identificar a resposta do lobo para o terceiro contra-argumento do cordeiro. O

resultado foi satisfatório: 30 (86%) respostas adequadas. Porém, nessa mesma questão, o

aluno deveria identificar o que estava implícito na resposta do lobo. Obtivemos apenas 3

(9%) respostas adequadas, contra 18 (51%) não-adequadas e 14 (40%) em branco. Esse

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resultado nos levou a desenvolver uma outra atividade. Os resultados serão mostrados mais

adiante.

No texto, o cordeiro disse ao lobo que era filho único. Mas como o lobo queria

comer o cordeiro de qualquer jeito, respondeu ao cordeiro que se não foi o irmão mais

velho do cordeiro que havia falado mal dele, teria sido o pai ou o avô, o que dava no

mesmo. O subentendido (implícito) é que o cordeiro deveria pagar pelos atos daqueles com

quem convivia.

RESPOSTAS ADEQUADAS DOS ALUNOS:

Resposta do lobo:

“Pois se não foi seu irmão, foi seu pai ou seu avô!” (A01)

Subentendido:

“significa que mesmo que não tenha sido ele iria sofre as consequencias.” (A08) “Entende-se que poderia ser quem for, mais quem iria levar a pior seria o cordeirinho, que o lobo

iria abocanha-lo de qualquer jeito.” (A14)

“Que de qualquer jeito a culpa seria dele.” (A18)

RESPOSTAS NÃO-ADEQUADAS DOS ALUNOS:

Resposta do lobo: “’Nhoque’, devorou o cordeiro.” (A05)

“Se não foi você foi seu irmão mais velho, o que dá no mesmo.” (A09)

“novamente confundido pela voz da inocência, o lobo insistiu:” (A35)

Subentendido:

“Contra a força não há argumentos.” (A02) “De inventação.” (A09)

“O desejo de comelo com esse pretexto.” (A19)

“depois que seus argumentos (Lobo) não funcionou, a fome falou mais alto e o Lobo partiu para a ação e devorou o cordeiro.” (A20)

A questão seis, ainda de grandes inferências, pedia que o aluno identificasse a

finalidade com que cada personagem do texto se dirigiu ao córrego. Na fábula, o cordeiro

queria beber água, mas o lobo utilizou esse pretexto apenas como uma desculpa para

devorar o cordeiro. Obtivemos 23 (66%) respostas adequadas, contra 12 (34%) não-

adequadas. Na maior parte das respostas não-adequadas, os alunos responderam que os

dois personagens foram apenas beber água. Não ultrapassaram o simples conhecimento

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imediato, a fim de perceber que, na mise en scène da fábula, o lobo tinha outras intenções

que simplesmente beber água.

RESPOSTAS ADEQUADAS DOS ALUNOS:

“O cordeiro com a finalidade de beber água já o lobo para comer o cordeiro.” (A06)

“O cordeiro foi beber água e o lobo estava esfomiado.” (A09) “Sim, o cordeiro foi beber água e o lobo foi para comer o cordeiro.” (A10)

“O cordeiro só queria beber água e o lobo queria comer o cordeiro” (A11)

“O cordeiro para matar sua cede e o Lobo usou a mesma desculpa, mas com a finalidade de devorar o cordeiro.” (A20)

RESPOSTAS NÃO-ADEQUADAS DOS ALUNOS: “O cordeiro para beber água e o lobo também.” (A13)

“sim. Para saciar a sede em que eles estavam de beber água num córrego.” (A15)

“o cordeiro já estava lá, quando o lobo horrendo chega” (A25) “De beber água.” (A28)

As questões sete, oito e nove, como na primeira testagem, diziam respeito ao

conhecimento da estrutura do texto. Na sétima questão, os alunos deveriam definir o que é

fábula. Na primeira testagem, não obtivemos respostas adequadas. Já na segunda testagem,

obtivemos 23 (66%) respostas adequadas. A maior parte das respostas não-adequadas foi

considerada assim porque estava incompleta, trazia apenas uma característica da fábula.

RESPOSTAS ADEQUADAS DOS ALUNOS:

“Sim. Porque é uma narrativa curta, onde os personagens normalmente são animais e que traz uma lição de moral no final.” (A02)

“Sim, pois é uma narrativa de caráter pedagógico com estrutura simples e de curta duração. A

história apresentada tem por objetivo transmitir princípios de natureza moral e ética, muitas vezes utilizando-se de animais como personagens.” (A03)

“sim, porque se usa animais para retratar atitudes humanas, que ao final sempre tem uma lição de

moral.” (A06)

RESPOSTAS NÃO-ADEQUADAS DOS ALUNOS:

“Sim. Porque tem perguntas e respostas e animais como personagens.” (A12) “Sim. Por que em vida real, lobo e nem cordeiro fala só em contos.” (A17)

“Sim. Porque é um conto uma narrativa.” (A19)

“Sim. Porque fala sobre o diálogo de dois animais.” (A24) “Sim. Porque conta uma história fictícia.” (A25)

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Na questão oito, os alunos deveriam identificar o narrador, o foco narrativo, os

personagens, o lugar e o tempo. Em relação ao narrador, obtivemos 24 (68%) respostas

adequadas, contra 4 (11%) na primeira testagem. Em relação ao foco narrativo, obtivemos

17 (48%) respostas adequadas. Parece um número pequeno, porém, na primeira testagem

não obtivemos nem uma resposta sequer adequada. Assim, podemos afirmar que houve

uma melhora.

Em relação aos personagens, mais uma vez os alunos mostraram que tem esse

conhecimento. Obtivemos 34 ( 97%) acertos.

Em relação ao lugar, na primeira testagem, na fábula, não havia um lugar específico

e os alunos não perceberam isso. Nessa primeira testagem, não tivemos respostas

adequadas. Já na segunda testagem, como o lugar era mais evidente, obtivemos 100% de

acertos.

Em relação à distinção entre tempo cronológico e psicológico, na primeira

testagem, não tivemos respostas adequadas. Já na segunda testagem, houve uma melhora,

pois das 35 respostas, 19 (55%) foram adequadas.

RESPOSTAS ADEQUADAS DOS ALUNOS:

Narrador: “o próprio Monteiro Lobato” (A02)

“Monteiro Lobato” (A03)

“O próprio autor” (A09)

Foco Narrativo:

“3ª pessoa” (A02) “narrador de terceira pessoa” (A13)

“Narrador de terceira pessoa (onisciência narrativa)

Personagens:

“O lobo e o cordeiro” (A02)

“cordeiro, lobo” (A14)

Lugar:

“no córrego” (A02) “na fonte (num córrego).” (A07)

“na beira do córrego” (A11)

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Tempo:

“cronológico” (A02)

RESPOSTAS NÃO-ADEQUADAS DOS ALUNOS:

Narrador:

“eu-lírico” (A11) “lobo e o cordeiro” (A21)

Foco Narrativo: “O lobo e o cordeiro” (A03)

“Monteiro Lobato” (A04)

“a situação de conflito entre o lobo e o cordeiro” (A08) “primeira pessoa” (A19)

Personagens: “cavalo e burro” (A34)

Tempo: “psicológico” (A05)

“atual” (A20)

“A situação ocorreu quando o lobo e o cordeiro estavam num córrego.” (A28)

E a última questão solicitava que os alunos identificassem as partes do enredo. Na

primeira testagem, obtivemos 13 (37%) acertos e na segunda, 19 (54%). Houve uma

melhora. Nessa questão, só consideramos como adequadas aquelas completamente

corretas. Muitos alunos conseguiram identificar até mais de uma parte do enredo, mas

como erraram uma ou duas, as suas respostas foram consideradas não-adequadas.

E, por fim, das 35 redações, todas apresentavam características de fábula. Isso

mostra que houve construção de conhecimento, pois se não soubessem o que é uma fábula,

produziriam textos não coerentes com a proposta.

As duas redações apresentadas a seguir são de alunos que, na primeira testagem,

não redigiram o texto coerente com a proposta solicitada. (Cf. pp. 183 e 184). Portanto,

houve avanço.

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REDAÇÕES ADEQUADAS DOS ALUNOS:

(A09)

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(A28)

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Após essa segunda testagem, aplicamos uma última atividade (6ª atividade) a fim

de sanar algumas dificuldades apresentadas no exercício referente à fabula “O lobo e o

cordeiro”. A atividade era composta de sete questões e apenas 32 alunos a realizaram, pois

3 alunos que participaram das testagens anteriores faltaram (A07, A33 e A35).

A primeira questão dessa última testagem pedia que os alunos identificassem,

dentre quatro textos, qual(is) era(m) do gênero fábula. O primeiro e o terceiro textos eram

fábulas. O segundo era do gênero piada e o quarto, lenda. Obtivemos 29 (91%) respostas

adequadas, contra 3 (9%) não-adequadas. Isso mostra que, após um trabalho sistemático

com um determinado gênero, os alunos são capazes de identificá- lo, como também

produzir o próprio texto, como já vimos nas redações expostas aqui.

A segunda questão solicitava que os alunos assinalassem dentre três opções, a que

citava um tema que, normalmente, é abordado nas fábulas. Todos os alunos marcaram a

opção correta, ou seja, obtivemos 100% de acertos.

A terceira questão era subdivida em quatro perguntas. Todas essas perguntas eram

baseadas em um trecho do livro “Confissões de um vira-lata” de Orígenes Lessa. O trecho

era intitulado “O bicho homem”. Primeiro os alunos deveriam responder se era uma fábula

ou não. Obtivemos 31 (97%) acertos. A segunda pergunta era sobre o autor do texto. Dos

32 alunos, 31 identificaram corretamente o autor do texto em questão, ou seja, 97% de

acertos. A terceira pergunta era sobre o narrador. No texto de Orígenes Lessa, o narrador

era um cão vira- lata. Obtivemos 26 (81%) respostas adequadas. E a pergunta quatro da

questão 3 pedia que os alunos identificassem o foco narrativo do texto. Se o texto é uma

confissão de um cão vira- lata, logo é narrado em primeira pessoa. Obtivemos também 26

(81%) respostas adequadas.

A quarta questão retomava a diferença entre tempo cronológico e psicológico. Os

alunos deveriam identificar o tipo de tempo utilizado em duas narrativas. Obtivemos 21

(66%) respostas adequadas.

A sexta questão retomava o conteúdo de pressupostos, pois, na segunda testagem,

obtivemos apenas três respostas adequadas. Antes de aplicarmos essa última testagem,

explicamos o que era um pressuposto, a diferença entre posto e pressuposto e o que era um

marcador de pressuposição.

Assim, a sexta questão era subdividida em cinco letras. Cada letra apresentava uma

frase e os alunos deveriam identificar o posto, o pressuposto e o marcador de

pressuposição. Obtivemos para a letra (a) 27 (84%) respostas adequadas, para a (b) 29

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(91%), (c) 27 (84%), (d) 29 (91%) e (e) 20 (63%). Só consideramos adequadas aquelas

respostas em que os três itens estavam corretos: posto, pressuposto e marcador de

pressuposição. Os alunos não tiveram dificuldades para identificar o posto.

a) Os resultados da pesquisa ainda não chegaram até nós.

RESPOSTAS ADEQUADAS DOS ALUNOS:

Posto:

“Os resultados da pesquisa ainda não chegaram até nós.” (A01)

Pressuposto:

“Os resultados já deviam ter chegado.” (A01) “Os resultados já eram para ter chegado.” (A02)

Marcador de pressuposição: “ainda” (A01)

RESPOSTAS NÃO-ADEQUADAS DOS ALUNOS: Pressuposto:

“vai chegar até nós” (A32)

Marcador de pressuposição:

“verbo chegar” (A28)

b) O caso da corrupção tornou-se público.

RESPOSTAS ADEQUADAS DOS ALUNOS:

Posto: “O caso da corrupção tornou-se público.” (A04)

Pressuposto: “Antes não eram público o caso da corrupção.” (A04)

“O caso da corrupção era oculto” (A34)

Marcador de pressuposição:

“tornar” (A04)

RESPOSTAS NÃO-ADEQUADAS DOS ALUNOS:

Pressuposto:

“O caso não podia ser público” (A24)

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c) João conseguiu fechar a porta.

RESPOSTAS ADEQUADAS DOS ALUNOS:

Posto: “João conseguiu fechar a porta.” (A01)

Pressuposto: “João não conseguia fechar a porta.” (A01)

“João não conseguia fechar a porta antes.” (A31)

Marcador de pressuposição:

“conseguiu” (A01)

RESPOSTAS NÃO-ADEQUADAS DOS ALUNOS:

Pressuposto:

“João fechou a porta” (A18) “A porta não fechava.” (A02)

Marcador de pressuposição: “fechar” (24)

d) Ela adoeceu de novo.

RESPOSTAS ADEQUADAS DOS ALUNOS:

Posto:

“Ela adoeceu de novo” (A02)

Pressuposto:

“Ela já havia adoecido antes.” (A02) “ela adoeceu mais uma vez” (A03)

Marcador de pressuposição: “de novo.” (A02)

RESPOSTAS NÃO-ADEQUADAS DOS ALUNOS: Pressuposto:

“Ela adoeceu.” (A18)

Marcador de pressuposição:

“adoeceu” (31)

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e) João ficou gripado depois que apanhou muita chuva.

RESPOSTAS ADEQUADAS DOS ALUNOS:

Posto: “João ficou gripado depois que apanhou muita chuva.” (A01)

Pressuposto: “antes João estava bem.” (A02)

“João ficou doente porque panhou muita chuva” (A08)

Marcador de pressuposição:

“depois” (A02)

RESPOSTAS NÃO-ADEQUADAS DOS ALUNOS:

Pressuposto:

“João ficava gripado antes de apanha da chuva” (A01) “João ficou gripado” (A18)

Marcador de pressuposição: “ficou” (A01)

“apanhou” (A03)

E a sétima e última questão abordava os subentendidos da tira abaixo. Na letra (a),

os alunos deveriam explicitar o conteúdo subentendido sobre as mulheres e sobre o

casamento. O primeiro

subentendido, sobre as mulheres, é o

de que falam sem parar. O segundo,

sobre o casamento, é o de que a fala

incessante das mulheres

“enlouquece” os homens. Obtivemos

26 (82%) respostas adequadas, 1

(3%) não-adequada, 2 (6%) em

branco e 3 (9%) respostas

adequadas, mas incompletas.

Figura 2 - Tira “Os pescoçudos” de Caco Galhardo

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RESPOSTAS ADEQUADAS DOS ALUNOS:

“Para o autor a mulher fala muito. No casamento a mulher fala de mais e enlouquece o homem.” (11)

“Que a mulher é tagarela. É que o homem fica estressado quando a mulher fala de mais.” (A14)

“’As mulheres’ em geral não param de falar, no casamento, o fato das mulheres ficarem falando sem parar, deixa os homens irritados.” (A25)

“Mulher fala demais e o homem fica estressado.” (A34)

RESPOSTAS INCOMPLETAS DOS ALUNOS:

“Que as mulheres falam muito e no casamento mais ainda.” (A15)

“Que a mulher fala de mais.” (A31)

RESPOSTA NÃO-ADEQUADA DO ALUNO:

“Eles não ficavam em silêncio nem um minuto. Ele usou o apito para ela ficar em silêncio.” (A28)

Já a letra (b) dessa mesma questão mostra ao aluno que, pela análise do conteúdo

subentendido, é possível concluir que o autor da tira é homem. Diante disso, pede-se que o

aluno crie um conceito sobre os homens, caso o autor da tira fosse uma mulher.

Uma mulher provavelmente diria que o que cria problema para o casamento é a

incapacidade de “ouvir” e/ou “conversar” dos homens. Nessa questão, obtivemos apenas

10 (30%) respostas adequadas. Dos 32 alunos, 19 (60%) mostraram que entenderam a

questão, porém, responderam como o homem deveria ser com a mulher e não o que a

mulher pensa sobre o homem no casamento.

RESPOSTAS ADEQUADAS DOS ALUNOS:

“Os homens não gostam de ouvir as mulheres.” (05)

“Os homens não pensam, não se importam no que as mulheres querem falar.” (A09) “Não gostam de ouvir, ficam sem paciência.” (A11)

“Os homens não gostam de ouvir as mulheres, eles não tem paciência.” (25)

“Que os homens não prestam atenção no que as mulheres dizem.” (A32)

RESPOSTAS NÃO-ADEQUADAS DOS ALUNOS:

“Ela já estava doente.” (13) “Como usar as regras de dona de dona de casa para resolver pequenos problemas do casamento.”

(A28)

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“Que os homens fosse mais paciente, que saibam ouvir mais as mulheres em vez de ficar só se

estressando.” (A02)

“Que o homem seja mais paciente e que ele escute mais o que a mulher tem a dizer.” (A20) “Que ele escute mais a esposa e que ele tenha mais paciência com as mulheres.” (27)

Para o fechamento do módulo, cada aluno produziu um livro com a fábula criada.

Os livros foram expostos na Feira Literária da escola, juntamente com uma pesquisa

realizada sobre fábulas. Algumas redações e fotos da feira foram postadas em um blog na

internet. A seguir, algumas fotos da feira.

Figura 3 – Foto dos cartazes e livros

expostos na Feira Literária.

Figura 4 – Foto dos cartazes e livros

expostos. na Feira Literária.

Figura 5 – Foto do cartaz sobre o que

são fábulas.

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Figura 6 – Foto do cartaz que apresenta

alguns provérbios e ditados populares.

Figura 7 – Foto do cartaz sobre La

Fonta ine.

Figura 8 – Foto do cartaz sobre Esopo.

Figura 9 - Foto do cartaz sobre

Leonardo da Vinci.

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Figura 10 – Foto do cartaz sobre Millôr

Fernandes.

Figura 11 - Foto do cartaz sobre

Monteiro Lobato.

Figura 12 – Foto de alguns livros de

fábula produzidos pelos alunos.

Figura 13 – Foto de alguns livros de

fábula produzidos pelos alunos

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Figura 14 – Foto de alguns livros de

fábula produzidos pelos alunos

Figura 15 – Foto de página interna de

livro produzido pelos alunos

Figura 16 – Foto de página interna de

livro produzido pelos alunos

Figura 17 – Foto de página interna de

livro produzido pelos alunos

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Figura 18 – Foto de página interna de

livro produzido pelos alunos

A nossa proposta didática não tem por objetivo trabalhar apenas os gêneros

textuais. Pelo contrário, partimos dos modos de organização do discurso – narrativo,

descritivo, dissertativo expositivo e dissertativo argumentativo, para, em seguida, abordar

os gêneros. Assim, essa testagem diz respeito a apenas um módulo da sequência didática

que aborda a narração. Em cada sequência didática, o professor deve tratar de diferentes

gêneros textuais, focalizando as características do modo de organização do discurso

predominante e do gênero textual em cada texto. Ao final de cada sequência, o professor

deve propor um trabalho que retome as principais características dos textos e do modo de

organização do discurso trabalhados.

Alguns conteúdos de interpretar, como por exemplo, implícitos, intertextualidade,

aparecerão em todas as sequências, pois não constituem características específicas de um

modo de organização do discurso.

Esta é uma tese de doutoramento de preocupação didática, ou seja, a pesquisa tem

por objetivo otimizar o trabalho de língua portuguesa em turmas do Ensino Fundamental e

Médio. A partir de problemas constatados, procuramos propor conteúdos e atividades que,

se trabalhados de forma sistemática, poderão contribuir para melhorar a capacidade de

leitura e interpretação dos alunos.

Sem dúvida, a análise de um texto não depende apenas das características textuais,

mas também das características dos usuários da língua, tais como seus objetivos,

convicções e conhecimento de mundo, entretanto, o trabalho sistemático de alguns

conteúdos, como por exemplo, o dos modos de organização do discurso, de forças

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ilocutórias, de implicaturas conversacionais, pressuposição e subentendido, fatores

pragmáticos da textualidade, dentre outros, facilitaria a construção da interpretação de um

texto.

Como afirma Queirós (1999: 19-20),

As palavras são portas e janelas. Se debruçamos e reparamos, nos inscrevemos na paisagem. Se destrancarmos as portas, o enredo do universo nos visita. Ler é somar-se ao mundo, é iluminar-se com a claridade do já decifrado. Escrever é dividir-se.

Cada palavra descortina um horizonte, cada frase anuncia outra estação. E os olhos, tomando das rédeas, abrem caminhos, entre linhas, para as viagens do pensamento. O livro é passaporte, é bilhete de partida. A leitura guarda espaço para o leitor imaginar sua própria humanidade e apropriar-se de sua fragilidade, com seus sonhos, seus devaneios e sua experiência. A leitura acorda no sujeito dizeres insuspeitados enquanto redimensiona seus entendimentos. (...)

Acredito que ler é configurar uma terceira história, construída parceiramente a partir do impulso movedor contido na fragilidade humana, quando dela se toma posse. A fragilidade que funda o homem é a mesma que o inaugura, mas só a palavra anuncia. A iniciação à leitura transcende o ato simples de apresentar ao sujeito as letras que aí estão já escritas. É mais que preparar o leitor para a decifração das artimanhas de uma sociedade que pretende também consumi-lo. É mais do que a incorporação de um saber frio, astutamente construído. Fundamental, ao pretender ensinar a leitura, é convocar o homem para tomar a sua palavra. Ter a palavra é, antes de tudo, munir-se para fazer-se menos indecifrável. Ler é cuidar-se, rompendo com as grades do isolamento. Ler é evadir-se com o outro, sem, contudo, perder-se nas várias faces da palavra. Ler é encontrar-se com as diferenças.

Assim, refletindo sobre as palavras de Queirós (ibidem), se “o livro (leitura) é

passaporte, é bilhete de partida” para a interação com o mundo, é preciso que a escola

contribua na formação do leitor, dando- lhe conhecimentos necessários para que ele, a partir

do que leu, saiba questionar, criticar, produzir, ou seja, “tomar a sua palavra”.

A seguir, apresentaremos um exemplo de sequência didática, de acordo com a

nossa proposta de trabalho.

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6. AS SEQUÊNCIAS DIDÁTICAS A SERVIÇO DA LEITURA E DA

INTERPRETAÇÃO: UMA PROPOSTA DE ENSINO

Não tenho um caminho novo. O que eu tenho é um jeito novo de caminhar. (Poeta Thiago de Melo)

Não existem fórmulas mágicas para o ensino de qualquer disciplina. Se não temos

um caminho novo, precisamos encontrar um jeito novo de caminhar. O caminho pode ser o

mesmo, mas se as estratégias e objetivos forem repensados, é possível resultados bem mais

animadores do que os que mostramos nos dois capítulos anteriores. Acreditando em uma

mudança no nível de compreensão e interpretação de nossos alunos é que sugerimos o

trabalho a seguir.

Os autores Dolz e Schneuwly (2004) propõem um trabalho com sequências

didáticas, em torno de um gênero textual. Nesta pesquisa, aproveitamos a sugestão dos

autores, porém organizamos as nossas sequências a partir dos modos de organização do

discurso.

O trabalho será dividido em quatro sequências didáticas, de acordo com um modo

de organização do discurso. Em cada sequência, constarão diferentes tipos de textos, tendo

em vista que serão explorados diversos gêneros textuais. As sequências serão divididas

em módulos, nos quais serão explorados os gêneros.

Não organizamos as nossas sequências em torno dos gêneros, pois o professor

precisa mostrar ao aluno a variedade de textos existentes em nossa sociedade. O trabalho

com as sequências didáticas como proposto por Dolz e Schneuwly demanda um maior

tempo. Em um ano, o professor não pode e não deve trabalhar com apenas um ou dois

gêneros textuais.

A seguir, apresentaremos um exemplo da parte introdutória de uma sequência

didática e um módulo.

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Nesta unidade26, analisaremos textos em que predomina o modo de organização do

discurso narrativo. Por isso, antes de iniciarmos a leitura e interpretação dos textos,

faremos um breve estudo de alguns elementos básicos do texto NARRATIVO, a fim de

auxiliar você, aluno, nas atividades propostas em cada módulo.

Apresentação do Modo de Organização do Discurso:

Conto maravilhoso Fábula Lenda

Narrativa de aventura Narrativa de ficção científica Narrativa de enigma Novela fantástica Conto parodiado Relato de viagem

Testemunho Ensaio biográfico Correspondência

Notícia Reportagem

Crônica esportiva etc.

Características da narrativa

26 Esta sequência pode ser trabalhada no 9º Ano de Escolaridade do Ensino Fundamental (8ª Série) ou no Ensino Médio.

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1. Uma narrativa se apóia numa sucessão cronológica de ações.

Os fatos narrativos são identificados pelo uso do pretérito perfeito do indicativo (algumas

vezes, pelo presente do indicativo) ou gerúndio correspondente ao pretérito perfeito e pelo uso do

pretérito imperfeito. Em alguns casos a sucessão cronológica está explicitamente marcada por algumas

palavras e expressões: a seguir, depois, então, aí...

A estruturação cronológica da sequência de ações leva obrigatoriamente a um fim. Caso contrário, é uma simples descrição de ações.

Leia o texto a seguir:

O gato e o galo

Um gato capturou um galo, e ficou

imaginando como achar uma desculpa, qualquer

que fosse, para que seu desejo de devorá-lo fosse

justificado.

Acusou ele então de causar

aborrecimentos aos homens, já que cantava à noite

e não os deixava dormir.

O galo se defendeu dizendo que fazia isso em benefício dos homens, e assim eles podiam

acordar cedo para irem ao trabalho.

O gato respondeu: “Apesar de você ter uma boa desculpa eu não posso ficar sem jantar.” E

assim comeu o galo.

Quem é mau caráter, sempre vai achar uma desculpa para legitimar suas ações. Esopo. (Fonte: http://sitededicas.uol.com.br/fabula1a.htm)

O texto narrativo que você acabou de ler é uma fábula. Esse gênero textual

apresenta, normalmente, personagens animais humanizados, a fim de expor algum

ensinamento, alguma preocupação moralizante.

Identifique, no texto lido, as ações que se sucedem.

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Primeira ação Um gato capturou um galo.

Segunda ação Sugestão de resposta: O gato acusou o galo de causar aborrecimentos com o seu

canto, à noite.

Terceira ação Sugestão de resposta: O galo se defendeu.

Quarta ação Sugestão de resposta: O gato comeu o galo.

Qual tempo verbal predomina no texto?

Sugestão de resposta: Pretérito Perfeito do Modo Indicativo.

Além dos verbos, a sucessão cronológica no texto está explicitamente marcada por

algumas palavras e expressões. Copie-as.

Sugestão de resposta: “Acusou ele então de causar(...)”; “(...) e assim eles podiam acordar cedo (...)”; “(...) E

assim comeu o galo”.

Que efeito de sentido o uso do pretérito imperfeito do indicativo provoca em

algumas passagens do texto?

Sugestão de resposta: O pretérito imperfeito do indicativo dá ideia de continuidade da ação.

2. Toda narrativa implica uma diferença entre estados do mundo ou situações, ou seja, a

ocorrência de ações é verificada por meio de diferenças de estados.

No texto lido, a estruturação cronológica da sequência de ações leva

obrigatoriamente a um fim, que dá razão de ser a todas as ações narradas. Que alteração no

estado inicial dá sentido ao fim da história?

Sugestão de resposta: A morte do galo.

3. Toda narrativa apresenta uma causalidade narrativa da intriga.

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Identifique no texto “O gato e o galo” essa relação de causalidade narrativa, ou seja,

a motivação-ação?

Sugestão de resposta: Um gato faminto capturou um galo, levando-o a querer devorar a presa.

4. Toda narrativa deve apresentar personagens humanos ou humanizados.

Existe uma certa hierarquia entre os personagens (actantes), podendo-se reconhecer os actantes principais, o agente responsável pela ação e o paciente, que é afetado pela ação; os

actantes secundários, o aliado, que auxilia na realização da ação, e o oponente, que contraria a

realização da ação.

Quais são os personagens do texto? Com base nas atitudes (ações) é possível

atribuir características aos personagens? Quais?

Sugestão de resposta: Os personagens são o gato e o galo. Com base nas ações dos personagens do texto

é possível caracterizar o gato como um animal de mau caráter, falso e forte e o galo como um animal

indefeso.

Por que no início do texto é utilizado o artigo indefinido um para acompanhar os

nomes dos personagens? Por que nos parágrafos seguintes o artigo indefinido utilizado

para se referir aos animais é substituído pelo artigo definido o?

Sugestão de resposta: O artigo indefinido é utilizado quando é citado um nome pela primeira vez no texto. A

partir do 2º parágrafo o leitor já tem conhecimento do gato e do galo, o que justifica o uso do artigo definido.

5. Toda narrativa deve apresentar uma integração de ações.

Se excluirmos o 2º parágrafo do texto, o 3º e o 4º parágrafos continuam fazendo

sentido? Por quê?

Sugestão de resposta: Não, porque no 2º parágrafo o gato faz uma acusação ao galo. A defesa do galo só

faz sentido para o leitor se ele souber da acusação do gato. Se não há acusação, não tem porque haver

defesa.

O foco narrativo

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Toda narrativa tem um narrador, que não pode ser confundido com o autor do texto. O

autor é aquele que assina o texto, ou seja, aquele que escreve. O narrador é aquele que coloca a história em cena, que a organiza. Pode adquirir diversas identidades segundo relate uma história

real ou fictícia, podendo o próprio autor, sem disfarce, assumir a narração de uma história, ou

passar essa responsabilidade para um personagem. Os pontos de vista do narrador podem ser identificados por meio de uma série de meios

linguísticos: por meio dos verbos, da organização das frases e do uso do discurso direto ou

indireto. Ao ponto de vista externo correspondem os verbos de ação, as frases curtas e justapostas e o discurso direto. Já ao ponto de vista interno correspondem os verbos de

percepção, as frases complexas e o discurso indireto.

A tradição escolar fala do narrador de primeira pessoa, a que corresponde o papel de personagem e a não-onisciência narrativa, e do narrador de terceira pessoa, a que corresponde o

papel de observador e a onisciência narrativa.

Quem é o autor da fábula lida?

Sugestão de resposta: Nessa fábula, o autor é Esopo.

Na fábula que você leu, o narrador participa da história ou simplesmente conta a

história?

Sugestão de resposta: O narrador só conta a história. É o próprio Esopo.

Que efeitos de sentidos o foco narrativo em 3ª pessoa provoca no texto?

Sugestão de resposta: Um narrador em 3ª pessoa, onisciente, apresenta-nos uma visão mais distanciada da

narrativa. Ele oferece, também, uma série de informações para o leitor que o narrador em primeira pessoa,

por ser particularizado, não pode fornecer.

Tipos de discurso

Discurso é um termo que se refere às possibilidades de que o narrador dispõe para

apresentar a fala dos personagens. Quando a fala da personagem é apresentada de modo integral, sem a interferência do

narrador, diz-se tratar de um discurso direto. Para registrá-lo, o narrador pode fazer uso de um

verbo dito elocucional (falar, dizer, perguntar, retrucar etc.) seguido de dois pontos (:) e de travessão (- ) na linha seguinte. Também é comum a separação da fala das personagens por meio

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de aspas (“ ”) no lugar dos travessões.

No discurso indireto , em lugar de apresentar a fala das personagens tal como ocorre em

um diálogo, o narrador reconstrói por meio de sua linguagem o que as personagens teriam dito. E, por último, no discurso indireto livre há a combinação de diferentes pontos de vista.

O narrador insere “falas-pensamentos” das personagens no seu próprio discurso, dificultando a

identificação precisa de quem seria o responsável pelo que está sendo dito (narrador ou personagem).

Copie da fábula uma passagem que indica a “voz” (discurso direto) de algum

personagem. Sublinhe o verbo de elocução.

Sugestão de resposta: O gato respondeu: “Apesar de você ter uma boa desculpa eu não posso ficar

sem jantar.”

Copie da fábula um exemplo de discurso indireto.

Sugestão de resposta: “Acusou ele então de causar aborrecimentos aos homens, já que cantava à noite e

não os deixava dormir./O galo se defendeu dizendo que fazia isso em benefício dos homens, e assim eles

podiam acordar cedo para irem ao trabalho.”

O tempo na narrativa

O tempo em uma narrativa pode ser definido como a duração da ação. Pode ser

cronológico ou psicológico. O tempo cronológico é submetido a uma série de divisões, servindo como ponto de

referência nos intercâmbios comunicativos. Apresenta os fatos de acordo com a ordem dos

acontecimentos. Já o tempo psicológico é a maneira pela qual a passagem do tempo é vivenciada, ou seja, é o tempo que transcorre numa ordem determinada pelo desejo ou pela imaginação do

narrador ou dos seus personagens.

A sucessão cronológica pode apresentar marcas explícitas ou implícitas em um texto.

1. Marcas explícitas da sucessão cronológica

Algumas palavras e expressões têm essa função: a seguir, depois, então, aí, minutos

depois, só então...

2. Marcas implícitas da sucessão cronológica

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Relação de condição-ação.

Relação de motivação-ação. Relação de causa-consequência.

Princípio da expectativa.

Função de uma ordem cultural estabelecida. A presença de diálogo.

Marcas gráficas: divisão de capítulos, uma separação de seções por meio de espaços em branco

mais amplos...

No texto lido “O gato e o galo”, o tempo é cronológico ou psicológico? Por quê?

Sugestão de resposta: O tempo é cronológico porque os fatos narrados seguem uma ordem de

acontecimento.

No texto, as marcas que indicam a passagem do tempo cronológico são explícitas

e/ou implícitas? Explique.

Sugestão de resposta: No texto há marcas explícitas que indicam a passagem do tempo cronológico, como

“então” e “assim” e marcas implícitas, como a relação motivação-ação: a fome leva o gato a agir de má fé e

comer o galo.

Na fábula lida, o tempo não é indicado com precisão (algo como, por exemplo,

janeiro de 1930). Uma fábula procura trazer ensinamentos, conselhos, constatações, que

podem ser válidos por muito tempo.

Pensando nisso, o que você acha mais adequado: indicar com precisão o tempo em

que ocorrem os acontecimentos, não determinar o tempo ou estabelecer um tempo

impreciso, como nos contos de fadas, com “um dia”, “uma vez”, “era uma vez”?

Sugestão de resposta: Se a função primordial da fábula é trazer um ensinamento moral que perdure por

muito tempo, é valido não determinar com precisão o tempo em que os fatos ocorrem.

A localização espacial

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O espaço é o lugar em que a narrativa ocorre.

Há diversos tipos de espaço: único ou variado, apresentado de maneira vaga ou detalhada, referencial ou imaginário, protetor ou agressivo etc.

Em uma fábula não há necessidade de que o tempo e o lugar sejam muito

detalhados, pois nela o quando e o onde acontece a história não são tão importantes.

Porém, nem todos os textos narrativos são assim.

Outros textos, como as notícias já precisam indicar o tempo e o espaço com

precisão para dar mais credibilidade, valor de verdade ao enunciado.

Leia a notícia a seguir, extraída do jornal O Estado de S. Paulo on-line:

Onde e quando aconteceram os fatos narrados na notícia lida?

Gato recebe por sete meses benefício do Bolsa Família

AE – Agência Estado

CAMPO GRANDE – Billy, um gato com 4 anos de idade, foi cadastrado no Bolsa-Família como Billy da

Silva Rosa, e recebeu durante sete meses o benefício do governo, R$ 20 por mês. A descoberta ocorreu quando o agente de saúde Almiro dos Reis Pereira foi até a casa do bichano convocá-lo para a pesagem

no posto de saúde, conforme exige o programa no caso de crianças: “Mas o Billy é meu gato”, disse a

dona da casa ao agente.

Ela não sabia que o marido, Eurico Siqueira da Rosa, coordenador do programa no município de Antônio

João (MS), recebia o benefício do gato e de mais dois filhos que o casal não tem. Os filhos fantasmas faziam jus a R$ 62 cada, desde o início de 2008, quando Eurico assumiu o cargo.

O golpe foi identificado em setembro e o benefício foi suspenso. Eurico ainda tentou retirar Billy do cadastro e pôr o sobrinho Brendo Flores da Silva no lugar. Mas já era tarde. No início desta semana o

“pai” do gato Billy acabou exonerado a bem do serviço público e está sendo denunciado à Justiça. O

promotor Douglas Oldegardo Cavalheiro disse que o servidor terá de devolver o que recebeu ilegalmente. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

(estadao.com.br, 24/jan./2009)

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Sugestão de resposta: O fato aconteceu em Mato Grosso do Sul, no município de Antônio João, no ano de

2008. A descoberta da fraude se deu em setembro de 2008.

Quanto tempo passou entre a descoberta da fraude e a publicação da notícia?

Sugestão de resposta: A descoberta da fraude se deu em setembro de 2008 e a notícia foi publicada em

janeiro de 2009. Logo, se passaram cinco meses.

Como se organizam os enredos

Os enredos ora se organizam sob o ponto-de-vista dos personagens, ora sob o ponto-de-

vista das ações. Às vezes, não é dada uma solução para o problema apresentado. Os enredos podem ser desenvolvidos de várias formas:

1. Apresentação de um problema aos personagens;

A busca da solução para o problema; O encontro da solução.

2. Situação inicial, em que personagens e espaço são apresentados. Quebra da situação inicial, em que um acontecimento modifica a situação apresentada.

Estabelecimento de um conflito, em que surge uma situação a ser resolvida, que quebra a

estabilidade de personagens e acontecimentos. Desenvolvimento , em que se busca uma solução para o conflito. É o desenrolar da história.

Clímax, em que o ponto de maior tensão do relacionamento se verifica;

Conclusão, em que tudo se reorganiza segundo um novo equilíbrio.

Algumas histórias são interrompidas sem que todas as fases estejam presentes no

percurso. As fases também podem não ocorrer sempre nessa ordem.

Identifique na fábula, o clímax, ou seja, o ponto de maior tensão.

Sugestão de resposta: “E assim comeu o galo”.

Na notícia extraída do Estadão on-line, copie a passagem que indica a quebra da

situação inicial.

Sugestão de resposta: “A descoberta ocorreu quando o agente de saúde Almiro dos Reis Pereira foi até a

casa do bichano convocá-lo para a pesagem no posto de saúde, conforme exige o programa no caso de

crianças: “Mas o Billy é meu gato”, disse a dona da casa ao agente.”

Como se iniciam as narrativas

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Para que uma narrativa se torne possível, é indispensável selecionar o fragmento de

tempo que interessa ao narrador e, nesse processo seletivo, no que diz respeito ao momento inicial do relato, podem ocorrer duas estratégias básicas:

1. a história começa diretamente pe lo fato narrativo inicial, sem qualquer introdução textual que prepare o leitor para o mundo novo que se inicia. Nesse caso, as informações indispensáveis ao

entendimento do texto ora são dadas (ou inferidas) por partes, durante o correr do relato, ora são

dadas em bloco, por meio de um flash-back.

2. a história pode começar por um segmento preparatório da leitura e compreensão do relato – a

introdução. Os modelos mais comuns de introdução narrativa são: a) uma introdução resumitiva, que resume, no parágrafo inicial, os elementos básicos de uma

trama narrativa.

b) uma introdução documental, que procura criar verossimilhança ao que vai ser narrado. c) uma introdução dramática, de tipo teatral, em que o cenário e os personagens participantes da

trama são descritos como que congelados, antes de sua atuação.

d) uma introdução situacional, na qual são fornecidos dados de que vai necessitar o leitor para um perfeito entendimento do relato.

e) uma introdução descritiva, em que a situação espacial não apresenta relações de significação

com o restante do texto, parecendo atender a uma moda de valorização pictórica do discurso, ou a uma preocupação de verossimilhança.

Como são iniciadas as narrativas lidas: a fábula e a notícia?

Sugestão de resposta: A fábula é iniciada diretamente pelo fato narrativo inicial. Já a notícia é iniciada por

uma introdução resumitiva e situacional.

Nessa introdução do modo de organização do discurso NARRATIVO, você teve

acesso a apenas dois gêneros textuais: a fábula e a notícia de jornal. No decorrer dessa

sequência, nos módulos, você aprenderá sobre vários gêneros textuais em que predomina a

narração.27

GÊNERO TEXTUAL: Fábula

27 Essa redação constaria no manual para o aluno. Aqui, apresentaremos apenas um módulo.

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TIPO DE TEXTO: Literário

O texto que você vai ler é uma fábula. Esse gênero textual foi criado há mais de

2800 anos. Geralmente, as fábulas apresentam uma cena, vivida por animais, plantas ou

objetos que falam e agem como se fossem gente. Elas são contadas ou escritas para dar um

conselho, para alertar sobre algo que pode acontecer na vida real, para transmitir algum

ensinamento, para fazer alguma crítica, uma ironia etc. Por isso, muitas vezes, no final das

fábulas, isto é, quando a história acaba, aparece uma frase destacada, que costumamos

chamar de moral da história. A maioria dessas histórias trata de atitudes humanas, como a

disputa entre fortes e fracos, a esperteza de alguns, a ganância, a gratidão, o ser bondoso, o

não ser tolo etc. Esses são alguns dos temas das fábulas.

As fábulas são tão antigas quanto as conversas dos homens. Como foram passadas

de boca em boca pelo povo, não sabemos quem as criou. De qualquer forma, conhecemos

algumas fábulas que foram escritas no século VIII antes de Cristo, ou a.C. (800 anos antes

do ano número 1!). Sabemos também que fábulas muito antigas, do Oriente, foram

difundidas na Grécia no século VI a.C., há 2600 anos, por um escravo chamado Esopo.

Nos anos que se seguiram, elas continuaram a ser contadas e foram também escritas. Mais

tarde, nos anos de 1600 (século XVII), o escritor francês Jean de La Fontaine, um nome

muito importante no mundo das fábulas, reescreveu e adaptou as fábulas de Esopo, além de

criar novas histórias.

Muitos outros escritores escreveram fábulas no mundo inteiro. No Brasil, um dos

escritores mais importantes que reescreveu antigas fábulas e criou novas foi Monteiro

Lobato. Seus primeiros livros dirigidos às crianças foram publicados em 1921, portanto, no

século XX.

(FONTE: FERNANDES, Mônica Teresinha Ottoboni Sucar, 2001: 17-19)

LEITURA:

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Leia, a seguir, duas versões da fábula “O lobo e o cordeiro” de Jean de La Fontaine.

A primeira versão é um texto escrito em prosa, organizado em parágrafos. Já a segunda

versão, é um poema organizado em versos.

TEXTO 1: O lobo e o cordeiro

(Monteiro Lobato)

Estava o cordeiro a beber num córrego, quando apareceu um lobo esfaimado, de horrendo

aspecto.

- Que desaforo é esse de turvar a água que venho beber? - disse o monstro arreganhando

os dentes. - Espere, que vou castigar tamanha má-criação!...

O cordeirinho, trêmulo de medo, respondeu com inocência:

- Como posso turvar a água que o senhor vai beber se ela corre do senhor para mim?

Era verdade aquilo que o lobo atrapalhou-se com a resposta. Mas não deu o rabo a torcer.

- Além disso - inventou ele - sei que você andou falando mal de mim o ano passado.

- Como poderia falar mal do senhor o ano passado, se nasci este ano?

Novamente confundindo pela voz da inocência, o lobo insistiu:

- Se não foi você, foi seu irmão mais velho, o que dá no mesmo.

- Como poderia ser meu irmão mais velho, se sou filho único?

O lobo, furioso, vendo que com razões claras não vencia o pobrezinho, veio com uma razão

de lobo faminto:

- Pois se não foi seu irmão, foi seu pai ou seu avô!

- E - nhoque! - sangrou-o no pescoço.

Contra a força não há argumentos.

TEXTO 2: O lobo e o cordeiro

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(Jean de La Fontaine. Trad. De Luciano Vieira Machado)

A razão do mais forte vai sempre vencer

é o que diante vocês hão de ver.

Num límpido regato um dia

um cordeiro, sereno, bebia.

Eis que surge um lobo faminto:

- Como ousas sujar minha água?

diz o lobo com fingida mágoa:

- Logo vais receber o castigo

por assim desafiar o perigo.

- Senhor – o cordeiro responde -,

não te zangues: não vês que me encontro

vinte passos abaixo de ti

e, portanto, seria impossível

macular tua água daqui?

- Tu a sujas – diz o bicho feroz -,

além disso estou informado

que falaste de mim ano passado.

- Como poderia te ter ofendido

se não era nascido então,

e o leite materno inda bebo?

- Ora, ora, se não foste tu,

com certeza foi teu irmão.

- Não o tenho.

- Então foi algum dos teus:

pois que nunca me deixam em paz,

tu, teus pastores e cães;

necessária a vingança se faz.

E no fundo da floresta

com toda tranquilidade

o lobo devora o cordeiro

sem outra formalidade. O AUTOR JEAN DE LA FONTAINE

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Francês de origem burguesa, nascido na

região de Champagne, foi autor de contos, poemas,

máximas, mas com as fábulas ganhou notoriedade

mundial. Resgatando fábulas do grego Esopo (século

VI a. C.) e do romano Fedro (século I d. C.), os textos

de La Fontaine não apresentam grande originalidade

temática, mas recebem um tempero de fina ironia. O

autor francês não só tornou mais atuais as fábulas de

Esopo, como também criou suas próprias, dentre elas

"A cigarra e a formiga" e "A raposa e as uvas".

Contemporâneo de Charles Perrault, frequentava a corte do Rei Sol - Luís XIV, de

onde extraiu informações para sua crítica social. Integrou o chamado "Quarteto da Rue du

Vieux Colombier", composto também por Racine, Boileau e Molière. Participou da

Academia Francesa com ingresso em 1683, em que sucedeu o famoso político Colbert, a

quem se opunha ideologicamente.

Estreou no mundo literário em 1654 com uma comédia. A publicação da primeira

coletânea de fábulas data de 1668, sucedida de mais 11, lançadas até 1694. No prefácio

dessa primeira coletânea, deixa bem clara suas intenções na constituição dos textos:

"Sirvo-me de animais para instruir os homens."

Morre aos 73 anos sendo considerado o pai da fábula moderna. As narrativas de La

Fontaine estão permeadas de pensamentos filosóficos com forte moralidade didática e,

apesar de tão antigas, mantêm-se vivas até hoje. (Fonte: http://www.graudez.com.br/litinf/autores/lafontaine/lafontaine.htm. Acesso em fev./2009)

COMPREENSÃO E INTERPRETAÇÃO DO TEXTO:

1- Explique a expressão destacada do texto 1: “Era verdade aquilo e o lobo atrapalhou-se

com a resposta. Mas não deu o rabo a torcer”.

Sugestão de resposta: O lobo não deu importância à resposta do cordeiro, ou seja, mesmo sabendo que o

cordeiro falava a verdade, continuou atacando-o.

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2- Observando as respostas que o cordeiro deu ao lobo nas duas versões da fábula,

podemos perceber que ele tratou bem ao lobo. Que palavra aparece repetida nas respostas

do cordeiro, provando esse bom tratamento?

Sugestão de resposta: Senhor.

3- Releia os seguintes trechos retirados do texto 1:

“- Que desaforo é esse de turvar a água que venho beber? - disse o monstro

arreganhando os dentes. - Espere, que vou castigar tamanha má-criação!...” (2º parágrafo)

“- E - nhoque! - sangrou-o no pescoço.” (13º parágrafo)

A que se referem, no texto, os pronomes sublinhados?

a) esse – Sugestão de resposta: Refere-se à acusação feita pelo lobo ao cordeiro: “turvar a água do

córrego”.

b) o – Sugestão de resposta: Refere-se ao cordeiro.

4- No texto 1, em todas as respostas do cordeiro ao lobo aparece uma conjunção

subordinada adverbial. Qual é essa conjunção? Que valor essa conjunção expressa?

Sugestão de resposta: A conjunção subordinada adverbial é “se”. Expressa um valor de condição, hipótese.

5- Qual foi o primeiro argumento do lobo, para justificar sua ameaça ao cordeiro?

Sugestão de resposta: O cordeiro estava sujando a água que ele ia beber.

6- O texto 2 afirma que, ao apresentar o primeiro argumento, o lobo demonstrava fingida

mágoa. (verso 7). Com que objetivo ele finge que está magoado?

Sugestão de resposta: Com o objetivo de disfarçar a falsidade de seu argumento.

7- O lobo apresenta mais dois argumentos para justificar sua ameaça ao cordeiro.

Identifique os outros dois argumentos.

2º - Sugestão de resposta: Acusou o cordeiro de falar mal dele no ano anterior.

3º - Sugestão de resposta: Acusou o irmão mais velho do cordeiro de falar mal dele (do lobo) no ano

anterior.

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8- Qual foi o contra-argumento do cordeiro para o terceiro argumento do lobo?

Sugestão de resposta: “- Como poderia ser meu irm ão mais velho, se sou filho único?”

9- Qual foi a resposta do lobo para o 3º contra-argumento do cordeiro? O que está

implícito na resposta do lobo?

Sugestão de resposta: Já que o cordeiro era filho único, o lobo então diz: “- Pois se não foi seu irmão, foi

seu pai ou seu avô!” O implícito é que o cordeiro deveria pagar pelos atos daqueles com quem convivia.

10- O lobo e o cordeiro foram ao mesmo córrego. Com que finalidade cada um se dirigiu

para lá?

Sugestão de resposta: O cordeiro foi beber água e o lobo foi com a intenção de comer o cordeiro.

11- Recorde as palavras finais do lobo no poema: “necessária a vingança se faz.” Foi

mesmo por vingança que o lobo devorou o cordeiro? Justifique sua resposta.

Sugestão de resposta: Não, não havia razão para vingança, o cordeiro não tinha cometido nenhuma falta;

devorou o cordeiro porque estava faminto.

12- Que modo de agir dos seres humanos é semelhante ao modo de agir do lobo e do

cordeiro, na fábula?

Sugestão de resposta: Uma pessoa que age como o lobo, na fábula, quer vencer o mais fraco pela força; é

injusta com os mais fracos; é violenta e inventa mentiras para dominar os outros. Já uma pessoa que age

como o cordeiro da fábula tenta refutar respeitosamente as acusações do mais forte; intimida-se diante do

mais forte e é dominada pelo mais forte.

13- Explique, com suas palavras, a moral da história.

Sugestão de resposta: Nem sempre quem tem razão leva a melhor.

14- Identifique, na fábula, os seguintes elementos da narrativa:

Sugestão de resposta:

Narrador Monteiro Lobato.

Foco narrativo 3ª pessoa

Personagens O lobo e o cordeiro.

Lugar Num córrego.

Tempo Cronológico: os fatos narrados seguem uma ordem de acontecimento.

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15- O enredo de uma narrativa é o encadeamento dos fatos. Relacione as colunas,

identificando as partes do enredo:

(A) Situação inicial (C) As acusações feitas pelo lobo ao

cordeiro.

(B) Quebra da situação inicial (E) O momento em que o lobo sangra o cordeiro.

(C) Estabelecimento de um

conflito

(F) Nem sempre quem tem razão leva a

melhor.

(D) Desenvolvimento (B) A chegada de um lobo no córrego.

(E) Clímax (D) O diálogo entre o lobo e o cordeiro.

(F) Conclusão (A) O cordeiro vai beber água em um

córrego.

16- O texto que você leu é uma fábula. Por quê?

Sugestão de resposta: Porque é uma narrativa curta, cujos personagens são animais personificados e que

ilustra um preceito moral.

PRODUÇÃO TEXTUAL:

Agora você vai escrever uma fábula. Pense em alguma situação que envolve

personagens animais. No final dessa história deve ser possível apreender algum

ensinamento moral.

Atenção: Você não fará uma adaptação de alguma fábula já conhecida. Portanto, o

seu texto deverá ser inédito. Você poderá utilizar algum provérbio ou ditado popular como

a moral de sua história. Eis algumas sugestões:

• “De grão em grão a galinha enche o papo.”

• “Mais vale um pássaro na mão do que dois voando.”

• “Quem ama o feio, bonito lhe parece.”

• “Em terra de cegos, quem tem um olho é rei.”

etc.

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TRABALHO DE PESQUISA:

Observe a propaganda a seguir. Não se trata de um texto narrativo, porém faz

referência à fábula que você acabou de ler. As fábulas, por serem textos tão conhecidos,

muitas vezes, são utilizadas de forma intertextual.

Intertextualidade é a relação que se estabelece entre dois textos, quando um deles

faz referência a elementos existentes no outro. Esses elementos podem dizer respeito ao

conteúdo, à forma, ou mesmo à forma e ao conteúdo.

(IN: CEREJA, Willian Roberto; MAGALHÃES, Thereza Cochar. Português:

linguagens, 7ª Série.São Paulo: Atual, 1998, p. 175.

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O texto de propaganda acima, veiculado na revista Veja de 13/11/1996, faz

referência à fábula “O lobo e o cordeiro”. Pela relação intertextual, constrói-se uma

associação entre “lobo” e “governantes”, de modo geral e, do outro lado, “cordeiro” e

“servidores públicos”. Sendo assim, os servidores públicos seriam os inocentes e indefesos.

Observe agora o texto a seguir extraído da Folha de S. Paulo28:

As uvas estavam verdes “ ‘Quando saí do Brasil, o presidente [da CBF] disse que [a Copa das Confederações] não valia nada. Portanto seguimos no mesmo prisma.’ Emerson Leão, técnico da seleção brasileira ao

comentar o fracasso da equipe na Copa das Confederações, ontem na Folha.”

(Frases. Folha de S. Paulo, 11 de jun. 2001.)

Por que “as uvas estavam verdes”? É preciso conhecer a referência feita pelo jornal

para perceber que, mais que um título, essa chamada é um comentário que permite aos

leitores compreenderem como a fala de Leão deve ser interpretada. Sem a referência, o

título parece completamente absurdo.

Leia, agora, a fábula de Esopo que inspirou o “título-comentário” da Folha.

“Uma raposa faminta, ao ver alguns cachos de uvas pendente de uma certa parreira, tentou

apoderar-se deles, porém não o conseguiu. Afastando-se, então, dizia para si mesma: ‘Estão

verdes’. Assim também certos indivíduos, não sendo capazes, por sua própria fraqueza, de resolver

os seus problemas, acusam as circunstâncias.”

(ESOPO. A raposa e as uvas. In: As fábulas de Esopo. Trad.

De Manuel Aveleza. Rio de Janeiro: Thex, 1999)

Após a leitura da fábula, é fácil entender o sentido dado ao texto da Folha. Na

fábula, a raposa desdenha as uvas que queria comer e não conseguiu alcançar. Incapaz de

alcançá- las, prefere se convencer de que estavam verdes e, então, não serviam para o seu

consumo.

No texto da Folha, Leão, ao retornar para o país após a derrota da seleção brasileira

na Copa das Confederações, sugere que aquela era uma competição menor, sem

importância. O fato de a seleção brasileira não ter alcançado o título em disputa, portanto,

28 Exemplo extraído de ABAURRE, Maria Luiza; PONTARA, Marcela Nogueira; FADEL, Tatiana. Português: língua, literatura, produção de texto. Vol. 1. São Paulo: Moderna, 2005, pp.179-180.

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não deveria (na visão do treinador) ser encarado como um fracasso de maiores

consequências.

Agora, faça uma pesquisa sobre as características do gênero fábula trabalhado e

escreva outros exemplos desse gênero textual.

OBSERVAÇÕES PARA O PROFESSOR:

Neste módulo foram trabalhados os seguintes conteúdos:

TEXTO: fábula.

COMPREENSÃO/INTERPRETAÇÃO: Polissemia (Questão 1); posição enunciativa dos

sujeitos da narrativa (Questão 2); coesão referencial e frásica (Questões 3 e 4); o

desenvolvimento da narrativa: argumentos e contra-argumentos a serviço da intensificação

e do suspense (Questões 5, 6, 7, 8 e 9); reconhecimento de implícitos a partir de pistas

textuais (Questão 6 e 9); o cenário narrativo e suas implicações nas ações narradas

(Questão 10); verossimilhança narrativa e as marcas de realidade (Questões 11, 12 e 13);

elementos da narrativa: narrador, foco narrativo, personagens, lugar e tempo (Questão 14);

partes de um enredo (Questão 15); características do gênero textual fábula (16).

PRODUÇÃO TEXTUAL: Gênero fábula.

PESQUISA: A pesquisa proposta possibilitará ao professor não só trabalhar outras fábulas

com os alunos, interpretando e analisando as características, como também,

desenvolvendo o conceito de intertextualidade.

A proposta é que o professor trabalhe, nos próximos módulos dessa primeira

sequência, outros gêneros textuais em que predomine a narração. Dessa forma, o professor

estará, ao mesmo tempo, mostrando ao aluno a diversidade de gêneros textuais existentes

em nossa sociedade e fixando as características básicas de uma narrativa.

Ao final da sequência, o professor deve organizar com os alunos um quadro em que

constem as conclusões finais, ou seja, as características sobre o modo de organização do

discurso predominante nos gêneros trabalhados.

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7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para conquistar as coisas importantes, devemos não apenas agir, mas também sonhar; não apenas planejar, mas também acreditar.

(Anatole France)

Acreditando que para conquistar “coisas importantes” devemos não apenas agir e

planejar, mas também sonhar e acreditar, é que iniciamos este trabalho.

Em Educação, é comum ouvirmos reclamações de professores sobre os baixos

salários e as péssimas condições de trabalho e até mesmo sobre a falta de interesse dos

alunos. E o mais interessante é que, apesar de tanta desilusão, cansaço e medo, o professor

não desiste nunca e, prova disso, são as inúmeras pesquisas que têm sido desenvolvidas na

área. O professor procura sempre desenvolver o seu trabalho da melhor maneira possível,

mesmo que, às vezes, esse “possível” nem sempre traga bons resultados.

O professor sabe que “ensinar é um exercício de imortalidade” (Rubem Alves:

2004) e que é uma “peça chave” na formação de um estudante, pois “(...) ou se educa para

a emancipação (conscientização, politização) ou se educa para a submissão

(enquadramento, adaptação).” (Silva, 2005a: 82). E o que a escola tem feito? Será que tem

deixado acesa a chama da busca pelo conhecimento? “(...) Mudar é difícil, mas é possível”

(Freire, 1996: 88).

Reclamar que o ensino não caminha bem e continuar fazendo o mesmo só aumenta

o número de pessoas alienadas na sociedade, pois nesse caso, o professor estará

“educando” para o enquadramento do indivíduo na comunidade em que ele vive, sem levá-

lo a tomar consciência de seu papel enquanto sujeito, fazedor de sua história no mundo. É

preciso levar o aluno a “transformar a realidade, para nela intervir, recriando-a, (...)”

(Freire, 1996: 76).

Imagine se um médico continua insistindo em receitar o mesmo remédio que não

está dando resultado para um determinado paciente? Se o paciente não morrer, ao menos

não ficará curado. O mesmo podemos dizer em relação ao processo de ensino-

aprendizagem na escola. Se quisermos resultados positivos, precisamos acreditar e

procurar novas estratégias que despertem no aluno a busca pelo conhecimento.

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Assim, este trabalho partiu de um problema vivenciado nas salas de aulas por

muitos professores – os alunos, de modo geral, têm dificuldades para entender e interpretar

o que leem, independentemente do grau de escolarização. Tal fato não é constatado apenas

nas salas de aula, mas até mesmo, pessoas que já terminaram o Ensino Médio não

apresentam um domínio de leitura e escrita adequado para o nível de escolaridade

concluído.

Em 2006, 2007 e 2008, aplicamos algumas atividades de compreensão e

interpretação para estudantes do Ensino Fundamental e Médio. Obtivemos 695 respostas

do grupo de interpretação, porém, 405 foram respostas não-adequadas à proposta de

atividade. Tal dado mostra que é necessário um trabalho consciente com o texto nas

escolas.

Os resultados do INAF/Brasil (Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional)

mostram que os governantes do Brasil têm-se esforçado em universalizar o acesso e

estimular o maior tempo possível de permanência dos estudantes na escola. Tais esforços,

sem dúvida, têm produzido resultados na melhoria das capacidades de alfabetismo da

população brasileira. Porém, além de viabilizar o acesso, é preciso investir na qualidade, a

fim de que a escolarização garanta, de fato, as aprendizagens necessárias para que os

cidadãos se insiram de forma autônoma e responsável na sociedade moderna. De que

adianta um diploma sem o conhecimento adquirido?!

O professor reclama, mas nem sempre dá o “remédio” certo. Se o aluno não sabe

interpretar o que lê, precisamos ensiná- lo. Mas de que forma?

Pesquisa realizada com educadores mostra que “conteúdos de interpretar” são

desconhecidos por muitos. E, fazer do texto um pretexto para o ensino da gramática não é

um bom caminho. Dos professores entrevistados (15), somente seis citaram algum

conteúdo voltado para a atividade de interpretação.

Assim, “ensinar a ler não implica apenas alfabetizar ou propiciar o acesso aos

livros” (Martins, 1994: 34), mas “conduzir” o leitor aos implícitos do texto. Como diz

Antunes (2009: 206), “se desde o início, for dada aos alunos a oportunidade da leitura

plena (do livro e do mundo) – aquela que desvenda, que revela, que lhes possibilita uma

visão crítica do mundo e de si mesmos (...), uma nova ordem de cidadãos poderá surgir e,

dela, uma nova configuração de sociedade.”

O problema já é visível e os profissionais da Educação devem fazer por onde e

procurar estratégias de ensino que ponham fim no problema apresentado. Parece otimismo

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exacerbado, mas se não for possível erradicar o problema, pelo menos, é possível

amenizar, a fim de que a educação brasileira não caminhe a passos largos para a total

alienação dos estudantes.

Com base nos conceitos da teoria Semiolinguística de Análise do Discurso e nos

pressupostos da Linguística do Texto e, em particular, aproveitando alguns aspectos da

proposta de trabalho com sequências didáticas de Dolz & Schneuwly (2004), propomos

“conteúdos de interpretar” e apresentamos sugestões de atividades, em sequências

didáticas, envolvendo conteúdos para a interpretação, a partir dos modos de organização do

discurso, configurados em diferentes gêneros. Para o ensino de leitura e interpretação,

também é necessário o estabelecimento de objetivos a serem cumpridos. O professor

precisa levar o aluno a ter consciência do que seja um texto e de seu funcionamento como

estrutura produtora de sentido, pois ler e interpretar é perceber os conteúdos e os

conhecimentos que se tornam dizíveis por meio dos textos.

Em 2009, fizemos uma testagem da nossa proposta de trabalho em sequências

didáticas. Aplicamos duas atividades avaliativas, sendo que a primeira foi realizada sem

explicação prévia a respeito do gênero textual em questão - fábula. Ao final das questões

de compreensão e interpretação, foi solicitado que o aluno produzisse uma fábula. Na

primeira avaliação, dos 35 alunos, apenas 14 (40%) produzirem um texto de acordo com a

proposta. Já na segunda avaliação, todos os alunos produziram o texto adequado à

proposta.

Assim, os resultados dessa testagem revelam que se da mesma forma que existem

conteúdos gramaticais para serem trabalhados sistematicamente do 1º Ano de Escolaridade

do Ensino Fundamental ao 3º Ano de Escolaridade do Ensino Médio, houvesse um

trabalho sistemático com conteúdos de interpretar, teríamos uma população com um nível

de leitura e escrita muito melhor.

Os dados já mostrados neste trabalho revelam que é possível melhorar a capacidade

leitora dos nossos alunos. Alunos que não sabiam o que era uma fábula conseguiram, ao

final da testagem, produzir o próprio texto de acordo com as características do gênero

trabalhado. E o que dizer da Feira Literária? Isso sim é construção de conhecimentos!

Conteúdos como “pressupostos”, “subentendidos”, “foco narrativo”, “tempo

cronológico e psicológico”, por exemplo, totalmente desconhecidos para os alunos, após

serem apresentados, discutidos e trabalhados, passaram a fazer parte do conhecimento

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deles. Tais conteúdos são apenas alguns dentre tantos fundamentais na apreensão dos

sentidos do texto.

Mesmo que a atividade de interpretar não seja uma disciplina, como a Gramática e

a Literatura, mesmo que não haja uma metodologia precisa, ela não pode ser trabalhada

como algo intuitivo. Precisa de estratégias e, começar organizando objetivos e conteúdos,

já é uma possibilidade de caminho.

É importante também destacar que, às vezes, a dificuldade de interpretar o que lê se

deve ao fato de o aluno vivenciar conteúdos estanques em interpretação. Ou seja, ensina-se

hoje as características de uma narração e esse conteúdo não é retomado. Se os conteúdos

forem trabalhados em forma de “elos”, ou seja, sempre sendo retomados, fixados e

comparados com os novos conteúdos, permanecerão por muito mais tempo na memória

dos alunos.

A nossa proposta de conteúdos de interpretar trabalhados em sequências didáticas e

módulos possibilita que os modos, tipos e gêneros textuais sejam abordados em diferentes

níveis de complexidade. A retomada de conteúdos já trabalhados após um certo espaço de

tempo e, numa nova perspectiva, é indispensável para que a aprendizagem seja assegurada.

Precisamos ultrapassar o tradicional, a fim de perceber que é possível trabalhar com

todos os modos de organização do discurso, em todos os anos de escolaridade, em graus

diferentes de complexidade. Nessa perspectiva, acabamos com a ideia de que, por

exemplo, a argumentação é conteúdo do 9º Ano de Escolaridade e do 3º Ano do Ensino

Médio. Se o aluno tiver contato com textos em que predomine esse modo, desde as

primeiras séries, com certeza, ao chegar ao 3º Ano do Ensino Médio, terá mais facilidade

para interpretar e produzir textos argumentativos. E isso vale para todos os outros modos.

Além disso, se queremos que o aluno ultrapasse o “sentido de língua” e chegue ao

“sentido de discurso” (Charaudeau: 1995a, 1999), precisamos criar oportunidades para que

isso ocorra. Em outras palavras, se o professor insistir sempre no mesmo gênero textual,

com questões explícitas ou não reflexivas, pouco ou nada estará fazendo para estimular o

raciocínio do aluno. Este precisa ler textos que o instiguem a procurar pistas, indícios que o

levem a descobrir sentido(s).

Parafraseando o poeta Thiago Melo, o caminho não é novo. Novo deve ser o jeito

de caminhar. Isso significa dizer que temos todas as ferramentas em nossas mãos, mas

precisamos utilizá- las de forma responsável e coerente com os objetivos que pretendemos

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alcançar. E, não custa nada repetir que, o livro (a leitura) é passaporte, é bilhete de partida

para a interação com o mundo. Resta a cada um de nós, educadores, fazer a nossa parte.

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RESUMO

Este estudo parte da análise de atividades de compreensão e de interpretação de

textos, realizadas por alunos de escolas públicas, de níveis de ensino diversos, e de

entrevistas com professores sobre quais conteúdos são trabalhados por eles em

interpretação textual. Tal análise mostrou que os alunos, de modo geral, têm dificuldades

para entender e interpretar o que leem, independentemente do grau de escolarização e que

existem “conteúdos de interpretar” que não são trabalhados de forma sistemática nas

escolas. Diante dessa realidade, tendo como escopo a teoria Semiolinguística de Análise do

Discurso, os pressupostos da Linguística do Texto, focalizando em particular, o texto e a

produção de sentidos e a proposta de trabalho com sequências didáticas (Dolz &

Schneuwly: 2004), propomos “conteúdos de interpretar” e apresentamos sugestões de

atividades, em sequências didáticas, envolvendo conteúdos voltados para a interpretação, a

partir dos modos de organização do discurso, configurados em diferentes gêneros. Mais do

que uma proposta didática, é uma tentativa de aperfeiçoar o ensino - tão desgastado nas

escolas - da leitura de diferentes textos.

Palavras chaves: Semiolinguística, Linguística Textual, conteúdos de interpretar,

sequências didáticas.

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ABSTRACT

This study is based on a series of activities of comprehension and interpretation of

texts, performed by public school students, from different grade levels, as well as by

teachers who are responsible for teaching such contents. Such analysis showed that, in

general, students have difficulties to understand and interpret what they read,

independently of their grade level, and also that there are “interpretation contents” that are

not dealt with in a systematic way in schools. Thus, having as a scope the Semiolinguistic

Theory of Discourse Analysis, the presuppositions of Text Linguistics, focusing

particularly on the text, production of meanings, and the didactic sequences approach

(Dolz & Schneuwly: 2004), we propose “interpretation contents” and present suggestions

of activities in didactic sequences, involving content related to interpretation, departing

from organizational modes of discourse, configured in different genres. More than a

didactic proposal, it is an attempt to improve the teaching – so impoverished in school – of

reading of different texts.

Key words: Semiolinguistics, Text Linguistics, interpretation contents, didactic sequences.

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