“il tanto vantato cattolicismo del sul de minas” · agradecimentos a realização desta...

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Rafaela Ferreira da Silva Reforma Ultramontana e “il tanto vantato cattolicismo del Sul de Minas”: Os Carmelitas Descalços na Diocese de Pouso Alegre-MG (1911-1922) MESTRADO EM HISTÓRIA SOCIAL SÃO PAULO 2015

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Page 1: “il tanto vantato cattolicismo del Sul de Minas” · AGRADECIMENTOS A realização desta pesquisa tornou-se possível graças ao apoio recebido de diversas pessoas e instituições

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Rafaela Ferreira da Silva

Reforma Ultramontana e

“il tanto vantato cattolicismo del Sul de Minas”:

Os Carmelitas Descalços na Diocese de Pouso Alegre-MG

(1911-1922)

MESTRADO EM HISTÓRIA SOCIAL

SÃO PAULO

2015

Page 2: “il tanto vantato cattolicismo del Sul de Minas” · AGRADECIMENTOS A realização desta pesquisa tornou-se possível graças ao apoio recebido de diversas pessoas e instituições

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Rafaela Ferreira da Silva

Reforma Ultramontana e

“il tanto vantato cattolicismo del Sul de Minas”:

Os Carmelitas Descalços na Diocese de Pouso Alegre-MG

(1911-1922)

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-

SP), como exigência parcial para obtenção do título de

Mestre em História Social, sob orientação da Profa.

Dra. Yvone Dias Avelino.

SÃO PAULO

2015

Page 3: “il tanto vantato cattolicismo del Sul de Minas” · AGRADECIMENTOS A realização desta pesquisa tornou-se possível graças ao apoio recebido de diversas pessoas e instituições

BANCA EXAMINADORA

____________________________________________

____________________________________________

____________________________________________

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DEDICATÓRIA

À Maria Imaculada e

José Antônio Ferreira da Silva (in memoriam)

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AGRADECIMENTOS

A realização desta pesquisa tornou-se possível graças ao apoio recebido de diversas

pessoas e instituições que, ao longo dos últimos anos, me proporcionaram as justas condições

para poder cursar o Mestrado e desenvolver este estudo.

Agradeço primeiramente à minha orientadora, Profa. Dra. Yvone Dias Avelino que,

desde o curso de especialização “História, Sociedade e Cultura”, teve sensibilidade e carinho

em me orientar e conduzir em todas as etapas deste processo, até a conclusão da presente

pesquisa.

Registro também meu sincero agradecimento e reconhecimento ao corpo docente do

Programa de Estudos Pós-Graduados em História da Pontifícia Universidade Católica de São

Paulo (PUC-SP) pela atenção a mim concedida durante o curso de Mestrado. No mesmo

sentido, agradeço a Elisabete Neves Oliveira (Betinha) pela solicitude com que sempre me

auxiliou nos assuntos burocráticos do Programa.

Minha gratidão aos professores Doutores Ênio José da Costa Brito, Fernando Torres

Londoño, Edgar Silva Gomes e Maria Odila Leite da Silva Dias, pelas valiosas contribuições

dadas à pesquisa por ocasião do meu Exame de Qualificação e durante o curso.

Na Província São José dos Carmelitas Descalços (Sudeste do Brasil), manifesto meu

reconhecimento a todos os religiosos dos conventos de São Roque, São Paulo, Belo Horizonte

e Rio de Janeiro que, em ocasiões diversas, me receberam com fraternal acolhida, e me

proporcionaram o apoio e acesso necessários para pesquisar nesses arquivos. De modo

especial, agradeço aos Freis Patrício Sciadini, Rafael Gomes, Mariano Júnior, César Cardoso,

Leandro Alcides Pereira e Alzinir Debastiani.

Agradeço à Arquidiocese de Pouso Alegre pela atenção com que sempre me acolheu

em suas dependências e arquivo. Com destaque, agradeço ao chanceler e arquivista, Mons.

José Dimas de Lima e aos Padres Sebastião Márcio e Jésus Andrade Guimarães pela

cooperação na pesquisa. Agradeço ainda ao Padre Júlio Perlatto (in memoriam) a tradução

latina de alguns dos documentos utilizados nesse trabalho.

À Província Romana da Ordem dos Carmelitas Descalços, agradeço pelo suporte a

mim concedido, especialmente aos Freis Onorio di Ruzza e Pancrazio Recchia.

À Cúria Generalícia da Ordem dos Carmelitas Descalços, sou grata pelo grande

interesse nesta obra. Manifesto meus agradecimentos aos religiosos Frei Oscar Ahedo e Frei

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Julio Almansa que, desde o primeiro contato, demonstraram verdadeira amizade na busca de

documentos sobre a fundação de casas em Minas Gerais. Agradeço também a confiança

depositada em meu trabalho, o que me possibilitou em ocasiões privilegiadas e através desta

intermediação, estabelecer uma integração com membros das congregações europeias e sul-

americanas da Ordem.

A Carlos Danilo Oliveira Lopes, Arlindo Gomes, Luiza Maria de Faria, Maria

Aparecida Chiaradia Finamor, Guido Finamor e Silva, Elza Valladão, Márcio Martins

Finamor, Sandra Portuense, Gustavo Dell’Agnolo, Alcides Dell’Agnolo, Padre Nando Dormi,

Giuseppe Cassio, Elva Milardi, Paolo Pellegrini, Paloma Campanhola, Antônio Augusto de

Assis, Marcos Ayres Barboza, Adalberto Freire, Tânia Maria Moreno, Celeste Dias, Padre

Maurizio de Narni, Carlos Augusto Rezende, Gisele Maria Melo Resende, Hosana Ortiz e

Diego Almeida, agradeço pelo apoio e cooperação em diversas etapas desse trabalho.

Aos professores e amigos Dr. Silvano Giordano, ao Ms. Diego Omar da Silveira e

Dra. Mabel Salgado Pereira, agradeço o carinho, amizade e orientação sobre assuntos tratados

neste trabalho no decorrer dos últimos anos.

Registro ainda minha gratidão pelo apoio que recebi da Prefeitura Municipal de

Extrema através do Gabinete e das Gerências de Turismo e de Cultura, respectivamente nas

pessoas do Prefeito Municipal, Dr. Luiz Carlos Bergamin, do Vice-Prefeito, Sr. João Batista

da Silva, Ana Paula Odoni e Pablo Farina. Sem este apoio, cursar o Mestrado teria sido

impossível.

Agradeço a toda a minha família, da qual me sinto honrada de fazer parte. À minha

mãe, Maria Imaculada, agradeço pelo exemplo de amor e dedicação, pelo incentivo e pelo

suporte. A meu pai, José Antônio Ferreira da Silva (in memoriam), que não pôde ver a

conclusão desta pesquisa, deixo meu sentimento de admiração pela sua inteligência, que

norteou minha vida acadêmica. Aos meus avós, Ditinha e Onofre (in memoriam), e às minhas

tias Maria do Carmo, Maria Alzira, Maria José, Maria Benedita e Maria Lúcia agradeço pelos

momentos agradáveis em família, fonte de segurança, refúgio e bem estar. A Aparecido

Garcia da Silva, agradeço pelo apoio, solicitude e suporte em muitas das etapas do

desenvolvimento deste trabalho.

E, finalmente, agradeço a CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de

Nível Superior) que, por meio da Comissão de Bolsas do Programa de Estudos Pós-

Graduados em História da PUC-SP, me concedeu uma bolsa de pesquisa, sem a qual, a

realização do Mestrado teria sido muito difícil.

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Arpa d'or dei fatidici vati,

perché muta dal salice pendi?

Le memorie nel petto raccendi

ci favella del tempo che fu!

Nabucco. GIUSEPPE VERDI

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RESUMO

A presente pesquisa estuda o processo de Reforma Ultramontana do catolicismo brasileiro,

através da atuação da Ordem dos Carmelitas Descalços da Província Romana, nas paróquias

sul mineiras de Cambuí e do Senhor Bom Jesus do Córrego no período de 1911 até 1922. O

recorte temporal desta pesquisa inicia-se em 1911, quando são fundadas as casas de Córrego

do Bom Jesus e de Cambuí e se estende até 1922, quando a fundação de Cambuí é fechada e

os teresianos se retiram do sul de Minas Gerais. Nesse período de pouco mais de uma década,

diversas intervenções dos Carmelitas Descalços são percebidas nessas duas comunidades, e

estão relacionadas à tentativa de implantação das diretrizes da Reforma Ultramontana da

Igreja no Brasil, tendo por base o projeto reformador presente na então Diocese de Pouso

Alegre. Inseridos nesta nova configuração do catolicismo brasileiro, os teresianos dedicam-se

à tentativa de substituição gradual de uma prática religiosa pouco austera, festiva, social,

familiar e, em grande medida, leiga, pelo catolicismo romano e reformado. Propomo-nos a

estudar a presença dos teresianos nessas paróquias, refletindo como se elaboraram as relações

entre as formas impostas do catolicismo ultramontano e as identidades sempre reafirmadas

pelos leigos, presentes nos ritos e práticas da religiosidade local. As principais fontes

utilizadas nesse estudo foram o periódico ilustrado da Ordem dos Carmelitas Descalços, Il

Carmelo, o Livro do Tombo n° 1 de Córrego do Bom Jesus, o Livro do Tombo n° 3 de

Cambuí, o manuscrito intitulado Appunti Storici della nostra missione nel Brasile, o jornal

católico Tribuna Sul Mineira, as Pastorais Coletivas de 1911 e de 1915, as Actas y Decretos

del Concilio Plenario de la América Latina, além de documentos avulsos encontrados na

Cúria Metropolitana da Arquidiocese de Pouso Alegre, no Arquivo da Província São José dos

Carmelitas Descalços (em São Paulo), na Cúria Generalícia da Ordem dos Carmelitas

Descalços e no Arquivo da Província Romana dos Carmelitas Descalços, ambos em Roma.

Apontamos que este projeto reformador, iniciado muito antes da chegada da Ordem ao sul de

Minas Gerais, elaborou uma série de intervenções com o objetivo de controlar e disciplinar as

práticas culturais locais consideradas profanas, projeto, contudo, que ficou longe de conseguir

atingir a totalidade de seus objetivos.

Palavras-chave: Carmelitas Descalços, Reforma Ultramontana, Diocese de Pouso Alegre.

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ABSTRACT

The present dissertation studies the process of ultramontane reform of the Brazilian

Catholicism through the acting of the Discalced Carmelites of the Roman Province in the

South of Minas Gerais State, specifically in the parishes of Cambui and Córrego do Bom

Jesus, both belonging to the Diocese of Pouso Alegre, in the period from 1911 until 1922. The

cutout temporal adopted is justified by the foundation of this mission in Córrego do Bom

Jesus and Cambui in 1911 and goes until 1922 when the house of Cambuí is closed and the

teresianos left the south of the Minas Gerais State. In this period of more than a decade,

several interventions of the Discalced Carmelites are realized in these two communities and

they are associated with the attempt of introduction of the directives of the ultramontane

reform of the Church in Brazil, taking the present reformative project as a base in the new

Diocese of PousoAlegre. Inserted in this new configuration of the Brazilian Catholicism, the

teresianos will devote themselves the attempt of gradual substitution of a not much austere,

festive, social, familiar religious practice and in a large extent lay for the Roman and reformed

Catholicism which emphasis falls back on the sacraments. We intend to study the presence of

the teresianos in these parishes considering as the relations between the imposed forms of the

ultramontane Catholicism and the identities always reaffirmed by the present laymen in the

rites and experts of the local religiosity. The main used fountains were extracted of the

illustrated magazine of the Order of the Discalced Carmelites, Il Carmelo, of the book of

conservation of these parishes, of the manuscript Appunti Storici della nostra missione nel

Brasile, of the catholic newspaper Tribuna Sul Mineira, of the Collective Pastorals of 1911

and 1915, the book Actas y Decretos del Concilio Plenario de la América Latina and other

documents found in the Archdiocese of Pouso Alegre, in the archive of the Province São José

of the Discalced Carmelites (at São Paulo), in the Curia Generalizia of the Order and in the

archive of the Roman Province, both in Rome. We point that this reformative project begun

before the arrival of the Order, prepared series of interventions with the objective to control

and to discipline the local cultural practices considered profane that intensified in the period

comprised by the current inquiry, project that stayed far from achieving all its goals.

Key-words: Discalced Carmelites, Ultramontane Reform, Diocesis of Pouso Alegre.

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i

SUMÁRIO

LISTA DE FIGURAS .................................................................................................. iii

LISTA DE GRÁFICOS ............................................................................................... iv

LISTA DE QUADROS ................................................................................................. v

LISTA DE ABREVIATURAS ..................................................................................... vi

CAPÍTULO I - A DIOCESE DE POUSO ALEGRE E OS TERESIANOS: PERCURSOS E

DESCAMINHOS DE UMA REFORMA ....................................................................... 14

1.1 - Dom Assis e a Reforma Ultramontana .................................................... 14

1.2 - O Projeto da Província Romana ............................................................. 25

1.3 - O Construir-se de Povoados Devotos ...................................................... 40

CAPÍTULO II - DE OLHO NO “VANGLORIADO CATOLICISMO DESSES

BRASILEIROS DO SUL DE MINAS” .......................................................................... 56

2.1- A Visita Pastoral como Diagnóstico dos “abusos” e Prognóstico de

Estratégias: As Indulgências de Pio X à “caldaia d´inferno” .......................................... 62

2.2- Ainda as Associações ............................................................................ 74

2.3 - Devoções Pias e Reformadas ................................................................. 79

2.4- Por uma Reforma das Festas Religiosas Locais? ....................................... 87

2.5- Finalmente, o Mandamento Diocesano de 1913 ........................................ 96

2.6- As Táticas Festivas do Laicato .............................................................. 102

CAPÍTULO III- RUMO AO CATOLICISMO ULTRAMONTANO? ............................. 111

3.1- Entendendo a Missa Ideal e a “Missa relativamente litúrgica” .................. 113

3.2-Ao Lado da Missa: A Pregação e o Catecismo......................................... 128

3.3- Ações de Instrução e Ensino Religioso na “língua portuguesa repleta de

termos bastardos da ignorância popular (...) e da hereditariedade da língua indígena” .... 134

3.4- Santas Missões de 1912 ....................................................................... 141

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ii

3.5- Entre o Preceito e a Prática: a Ação Pelos Sacramentos ........................... 156

3.6- Por Um Balanço dos Sacramentos ......................................................... 163

3.7 - Os Religiosos e Sua Dinâmica em Minas e no Brasil .............................. 176

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................... 195

1- Fontes ................................................................................................... 195

2- Bibliografia Historiográfica .................................................................... 198

3- Teses .................................................................................................... 206

4- Dissertações .......................................................................................... 208

5- Artigos e artigos online........................................................................... 209

ANEXOS .................................................................................................................. 210

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iii

LISTA DE FIGURAS

Figura 1- Localização das paróquias de Córrego e Cambuí, no atual Estado de Minas Gerais.............17

Figura 2- Fundações dos mosteiros teresianos na Espanha no século XVI ..........................................31

Figura 3. Dom Antônio Augusto de Assis, segundo bispo de Pouso Alegre (sem data) ...................210

Figura 4 Dom Octávio Chagas de Miranda, terceiro bispo de Pouso Alegre (sem data) ....................210

Figura 5. Santuário do Senhor Bom Jesus do Córrego – década de 1910 ..........................................211

Figura 6. Imagem do Senhor Bom Jesus do Córrego – 1953 ...........................................................211

Figura 7. Santuário do Senhor Bom Jesus do Córrego 1911 .............................................................212

Figura 8. Santuário do Senhor Bom Jesus em 1911, depois da missa dominical. ..............................212

Figura 9. Santuário do Senhor Bom Jesus e Praça Matriz - década de 1920......................................213

Figura 10. Livro de Obrigações e Satisfações de Córrego ................................................................213

Figura 11 Frei Gerolamo e time de “football” Correguense - 1918 ...................................................214

Figura 12. Frei Gerolamo e time de “football” Correguense - 1918 ..................................................214

Figura 13. Vista posterior da antiga igreja paroquial de Cambuí - 1912 ...........................................215

Figura 14. Imagem de Nossa Senhora do Carmo – Igreja Matriz de Cambuí - 1911 ........................215

Figura 15. Partida dos Padres Redentoristas de Cambuí após a realização da Missão de 1912 ..........216

Figura 16. Colocação da primeira pedra fundamental da nova Matriz de Cambuí - 1912 .................216

Figura 17. Igreja Matriz de Cambuí em construção – 1 de junho de 1913........................................217

Figura 18. “Colonos brasileiros” 1911 .............................................................................................217

Figura 19. Grupo Escolar de Cambuí – 1912 (sem autoria) .............................................................218

Figura 20. Costumes brasileiros – Matador a céu aberto – 1911 .......................................................218

Figura 21. A despedida do Vigário Marcellino Dorelli e as meninas de Cambuí em 1913 ...............219

Figura 22. Vista de Cambu no início do século XX. (sem autoria e sem data) .................................219

Figura 23. Banda Musical Carlos Gomes (sem data) ........................................................................220

Figura 24. Banda Musical VII de Setembro – 1914..........................................................................220

Figura 25. Carmelitas Descalços ....................................................................................................221

Figura 26. Missionários em partida para o Brasil – Grupo de 1912 – Roma. ....................................221

Figura 27. Foto de religioso teresiano encontrado na Casa Paroquial de São Bento do Sapucaí – SP 222

Figura 28. Frei Mauro de São José ..................................................................................................222

Figura 29. Vista topográfica do antigo Estado Pontifício com os conventos dos Carmelitas Descalços.

.......................................................................................................................................................223

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iv

LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1- Batismos realizados na Paróquia de Córrego do Bom Jesus no período de 1911 até 1921 164

Gráfico 2- Óbitos e extremas-unções registrados na Paróquia de Córrego do Bom Jesus no período de

1913 até 1921 .................................................................................................................................166

Gráfico 3- Matrimônios realizados na Paróquia de Córrego do Bom Jesus no período de 1911 até 1921

.......................................................................................................................................................168

Gráfico 4- Crismas administradas na Paróquia de Córrego do Bom Jesus no período de 1911 até 1921

.......................................................................................................................................................170

Gráfico 5- Comunhões administradas na Paróquia de Córrego do Bom Jesus no período de 1911 até

1921 ...............................................................................................................................................171

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v

LISTA DE QUADROS

Quadro 1- Comunhões administradas na Paróquia de Córrego do Bom Jesus no período de 1911 até

1922 ...............................................................................................................................................125

Quadro 2- Registros sobre a instrução e ensino religioso em Córrego no período de 1913 até 1922 ..131

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vi

LISTA DE ABREVIATURAS

APCBJ – Arquivo Paroquial de Córrego do Bom Jesus

APC – Arquivo Paroquial de Cambuí

ACMPA – Arquivo da Cúria Metropolitana de Pouso Alegre

APSJOCD – Arquivo da Província São José da Ordem dos Carmelitas Descalços - São Paulo

CTE – Centro Teresiano de Espiritualidade - São Roque - São Paulo

APCO – Arquivo Paroquial de Costacciaro - Itália

APROCD – Arquivo da Província Romana da Ordem dos Carmelitas Descalços - Roma

ACGOCD – Arquivo da Cúria Generalícia da Ordem dos Carmelitas Descalços - Roma

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INTRODUÇÃO

A presente pesquisa estuda o processo de Reforma Ultramontana do catolicismo

brasileiro através de uma análise da atuação da Ordem dos Carmelitas Descalços da Província

Romana, nas paróquias sul mineiras de Cambuí e do Senhor Bom Jesus do Córrego, no

período de 1911 até 1922. Tal recorte temporal justifica-se pela fundação das primeiras

instalações dos teresianos no Santuário do Senhor Bom Jesus do Córrego e em Cambuí em

1911, e se estende até 1922, quando a casa de Cambuí é fechada e os membros da Ordem se

retiram do sul de Minas Gerais, sendo que em todo o período estudado essas são as duas

principais paróquias da Ordem em Minas Gerais.

Neste período de pouco mais de uma década, diversas intervenções dos Carmelitas

Descalços são percebidas nestas duas comunidades. Algumas de influência mais duradoura,

outras, de caráter mais pontual e efêmero. Em geral, as ações da Ordem estão relacionadas à

tentativa de implantação das diretrizes da Reforma Ultramontana da Igreja no Brasil, tendo

por base o projeto reformador presente na nova Diocese de Pouso Alegre. Inseridos nesta

nova configuração do catolicismo brasileiro, os teresianos dedicaram-se à tentativa de

substituição gradual de uma prática religiosa pouco austera, festiva e, como já apontou

Riolando Azzi, social, familiar e em grande medida leiga 1 , pelo catolicismo romano e

reformado, cuja ênfase recai sobre uma espiritualidade mais individualista, na frequência aos

sacramentos e na presença marcante do clero (regular e secular) como guia da comunidade2.

Propomo-nos, deste modo, a estudar a presença dos Carmelitas Descalços nestas

paróquias, refletindo como se elaboraram as relações entre as formas impostas do catolicismo

ultramontano e as identidades sempre reafirmadas pelos leigos presentes nos ritos e práticas

da religiosidade local3.

Ressaltamos neste ponto que, por Reforma Ultramontana, entendemos o movimento

reacionário que nasceu na Igreja na França após a Revolução Francesa, e que caracterizou-se

1 AZZI. R. Elementos para a História do Catolicismo Popular, In: Revista Eclesiástica Brasileira. Rio de

Janeiro: Vozes, vol. 36, fasc. 141, março 1976, p. 96. 2 OLIVEIRA, P. R. de. Catolicismo Popular e Romanização do Catolicismo Brasileiro, In: Revista Eclesiástica

Brasileira. Petrópolis: Vozes, vol. 36, fasc. 141, março 1976, p. 141. Ver também AZZI. R. Elementos para a

História do Catolicismo Popular, In: Revista Eclesiástica Brasileira. Rio de Janeiro: Vozes, vol. 36, fasc. 141,

março 1976, p. 103-107. 3 CHARTIER. R. Cultura Popular. Revisando um conceito historiográfico, In: Estudos Históricos. Rio de

Janeiro: UFRJ, vol. 8, n. 16, 1995, p.181.

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2

pelo combate ao processo de secularização das sociedades modernas 4 , cujas diretrizes

englobaram a promoção de uma forte centralização institucional sob o comando do sumo

pontífice, a busca pela recuperação do monopólio intelectual da Igreja e pela pretensão que

esta instituição tinha de obter autonomia frente aos estados modernos em assuntos de

jurisdição eclesiástica5.

Esta orientação expandiu-se mundialmente a partir do papado de Gregório XVI (1832-

1846), período no qual promulgou a encíclica Mirari Vos (1832), documento onde o pontífice

definiu e condenou os erros da modernidade6, discurso reafirmado em diversos outros

documentos emanados por Roma no decorrer dos próximos decênios, como a encíclica Qui

Pluribus (1846), na qual seu sucessor Pio IX (1846-1878) rejeitou a primazia da razão sobre a

fé; a encíclica Notis et Nobiscum (1849), onde o mesmo pontífice atribui aquilo que

considerava de “desvios” da sociedade ao protestantismo; a encíclica Quanta Cura (1864) e

seu catálogo Syllabus Errorum, que relacionou o que a hierarquia entendia pelos principais

erros dos tempos então correntes7.

A Reforma Ultramontana tornou-se ainda mais forte depois da promulgação do

Dogma da Imaculada Conceição de Maria (1854)8 e do anúncio da Infalibilidade Papal, ao

fim do Concílio Vaticano I, em 1870, que deu a Pio IX amplos poderes em jurisdição

eclesiástica9. Dando continuidade ao que haviam proposto os papas do século anterior, a

encíclica Pascendi Dominici Gregis, de Pio X (1907), sobre as doutrinas modernistas,

reafirmou os conteúdos da Mirari Vos e da encíclica Quanta Cura e a encíclica Spiritus

Paralictus de Bento XV (1920), a política antimoderna sustentada pela Igreja ao longo das

décadas anteriores10

.

Tal reforma desenvolveu-se, de acordo com Augustin Wernet, a partir de um plano de

ações marcado por uma “tendência a reconhecer no Papa da Igreja uma autoridade espiritual

total, e a reivindicação para a Igreja da independência a respeito do poder civil, e mesmo um

4 BENCOSTTA, M. L. A Igreja e Poder em São Paulo: D. João Batista Corrêa Nery e a romanização do

catolicismo brasileiro (1908-1920). Tese de Doutorado em História. São Paulo: Universidade de São Paulo,

Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, 1999, p. 14-15. 5 GAETA, M. A. J. V. Os Percursos do Ultramontanismo em São Paulo no Episcopado de D. Lino Deodato

Rodrigues de Carvalho (1873-1894). Tese de Doutorado em História. São Paulo: Universidade de São Paulo,

Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, 1991, p. 33. 6 BENCOSTTA, M. L. Op. Cit., p. 14-15. 7 Ibidem, p. 17-18. 8 MARCHI, E. A Igreja e a Questão Social: O discurso e práxis do catolicismo social no Brasil (1850-1915).

Tese de Doutorado em História. São Paulo: Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e

Ciências Humanas, 1989, p. 55. 9 WERNET, A. A Igreja Paulista no Século XIX: A reforma de D. Antônio Joaquim de Melo (1851-1861). São

Paulo: Ática, 1987, p. 180. 10 BENCOSTTA, M. L. Op. Cit., p. 15-18.

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3

certo poder ao menos indireto sobre o Estado”11

, e ganhou fôlego na Igreja no Brasil na

primeira metade do século XIX, quando parte do episcopado formada na Europa iniciava um

conjunto de ações visando consolidar as normas da Igreja romana no Império, enfrentando a

formação pouco ortodoxa do clero12, as celebrações do catolicismo leigo e as formas diversas

de celebrar a fé dos brasileiros13.

Fortalecido ao longo das décadas que sucederam à Questão Religiosa, esse processo

ganharia ainda mais força a partir da proclamação da República. Libertos do Regime do

Padroado Régio e das amarras que atrelavam as ações do episcopado aos diferentes órgãos do

Estado, os bispos, a partir de então, detém suficiente vigor para reafirmar este projeto eclesial,

no qual os novos objetivos traçados diziam respeito à consolidação do alinhamento do

episcopado brasileiro com a Sé Apostólica, à instrução religiosa da população e à formação de

uma cultura clerical sólida, uma vez que, na base do novo modelo de espiritualidade, estava a

consolidação dos seminários tridentinos que enfatizavam a ortodoxia, a obediência

hierárquica e o rigor intelectual e espiritual14

.

Nesta fase foi intensificada a vinda para o Brasil de diversas congregações masculinas

e femininas, que já experimentavam em seus lugares de origem a mentalidade eclesiástica

tridentina, vigente na Europa, em alguns casos desde o século XVI, com o Concílio de Trento

e reorganizada, com o acréscimo de novos elementos, durante o século XIX. A fixação de

tais institutos e congregações em solo brasileiro, assim, é associada às ações de cunho

reformador que muitos bispos no país estavam implementando, projeto para o qual contaram

com o auxílio de Ordens europeias que para o Novo Mundo disponibilizaram um contingente

qualificado de religiosos e religiosas, para atuar especialmente na educação, assistência social

e sobre as práticas da religiosidade então vigentes15

.

É neste contexto que se insere a atuação dos Carmelitas Descalços na Diocese de

Pouso Alegre, como uma tentativa de consolidar esse novo modelo ultramontano na nova

diocese criada no sul de Minas. Esse desejo aparece expresso, como pretendemos demonstrar,

na entrega por parte de Dom Assis, então bispo de Pouso Alegre, aos padres italianos, de duas

11 WERNET, A. Op. Cit., p. 178. 12 HAUCK, J.F. A Igreja Instituição, In: HAUCK, J. F. (et. al.) História da Igreja no Brasil: Ensaio de

interpretação a partir do povo. Segunda época: século XIX. 4º ed. Petrópolis: Vozes, 2008, p. 85-90. 13 HAUCK, J. F. A Manifestação Espiritual e Evangélica no Povo e nos Pobres, In: HAUCK, J. F. (et. al.). Op.

Cit., p. 112. 14 FRAGOSO, H. A Igreja-Instituição, In: HAUCK, J. F. (et. al.). Op. Cit., p. 185. 15 MARCHI, E. A Igreja e a Questão Social: O discurso e práxis do catolicismo social no Brasil (1850 -1915).

1989. Tese de Doutorado em História. São Paulo: Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e

Ciências Humanas, 1989, p. 141-143.

Page 19: “il tanto vantato cattolicismo del Sul de Minas” · AGRADECIMENTOS A realização desta pesquisa tornou-se possível graças ao apoio recebido de diversas pessoas e instituições

4

paróquias então estratégicas para o bispado: a paróquia de Cambuí e o Santuário do Senhor

Bom Jesus do Córrego.

Pertencentes até 1900 ao Bispado de São Paulo, as referidas paróquias passaram a

integrar a Diocese de Pouso Alegre, instituída pela Bula Papal Regio Latissime Patens16

, em

04 de Agosto desse mesmo ano, pelo papa Leão XIII. Ao longo da primeira metade do século

XX, três bispos conduziram o bispado de Pouso Alegre: Dom João Batista Nery (1901-1909),

Dom Antônio Augusto Assis (1909-1916) e Dom Otávio Chagas de Miranda (1916-1954). Os

dois últimos podem ser considerados, de forma geral, continuadores do processo reformador

implantado por Dom Nery.

A opção por analisar as duas paróquias simultaneamente se deu mediante a

constatação de que as mesmas apresentam características peculiares e de grande relevo para o

estudo da Reforma Ultramontana em uma região ainda pouco estudada. Cabe-nos esclarecer

que, Cambuí, em 1911, era um município com uma população estimada em torno de 16.000

habitantes, encerrados em uma área geográfica de cerca de 300 quilômetros quadrados, o que

faz dessa localidade um município de porte considerável em termos de área e população,

dentro da ainda nova Diocese de Pouso Alegre. Córrego, por sua vez, é um povoado com

cerca de “3.500 almas”, pertencente à Cambuí, de onde dista cerca de quinze quilômetros em

precárias estradas de terra. Esse local é tratado pelas autoridades diocesanas e pela imprensa

leiga e católica da época como sede do Santuário do Senhor Bom Jesus e centro regional de

peregrinações que, desde 1872, atrai grande quantidade de devotos, em especial durante a

Festa do Senhor Bom Jesus.

Portanto, a escolha dessas duas paróquias para o presente estudo representou uma

possibilidade de estudar um santuário popular e a sede administrativa de um município que

abriga autoridades civis e judiciárias, cujas ações são importantes para se compreender, do

ponto de vista social, religioso e político, a atuação dos teresianos e suas relações com o

movimento de Reforma Ultramontana ali operada. Essas localidades situam-se na região da

Mantiqueira, no extremo-sul do atual Estado de Minas Gerais, a uma distância de 420

quilômetros da capital Belo Horizonte e 150 da cidade de São Paulo. Trata-se de uma região

montanhosa, onde as altitudes variam entre 890 e 2.050 metros, e onde o clima tropical de

altitude predomina e proporciona temperaturas amenas.

Privilegiamos o âmbito paroquial para o estudo das relações entre catolicismo

ultramontano e a religiosidade local porque concordamos com José Manuel Sanz Del

16 PERLATTO, J. (org.). Pouso Alegre, Diocese Centenária: 1900 – 4 de agosto – 2000. Pouso Alegre:

Grafcenter, 2000, p. 07-09.

Page 20: “il tanto vantato cattolicismo del Sul de Minas” · AGRADECIMENTOS A realização desta pesquisa tornou-se possível graças ao apoio recebido de diversas pessoas e instituições

5

Castillo17

, quando este nos sugere que, durante o movimento de reforma da Igreja Católica na

segunda metade do século XIX, a paróquia assume importância central como um lugar

privilegiado para se observar as transformações complexas que são verificadas nas relações

religiosas e sociais entre a instituição paroquial e a comunidade. É na paróquia que se

verificou uma tentativa de se efetuar a adequação de muitas das tradições e práticas do

catolicismo brasileiro à ortodoxia romana18

, tomada agora como forma universal de se

vivenciar a fé cristã.

Com efeito, nada parece mais adequado para regrar a religiosidade da população local

do que a vinda de padres europeus, no caso por nós estudado, de Carmelitas Descalços

italianos. Nesse sentido, a presença dos teresianos na Diocese de Pouso Alegre constituiu-se,

no período de 1911 até 1922, pela vinda de quatro grupos de religiosos, chegados

respectivamente em 1911, 1912, 1914 e 1915.

Porém, o que pudemos observar é que a atuação dessa Ordem apresentou percursos

próprios, nem sempre correspondentes ao das outras ordens religiosas, e pontuados por

inúmeras dificuldades surgidas no contexto de atuação, em clivagens internas e em

inconstâncias no relacionamento com as autoridades diocesanas que passaram por esta

diocese no período aqui abarcado. Ainda assim, é clara uma tentativa de reforma, que foi de

encontro com a religiosidade local alicerçada, sobretudo, em tradições luso-brasileiras, em

que se destacam a devoção aos santos, a crença nos milagres e nas almas, as procissões, as

romarias e as festas religiosas, práticas amplamente experimentadas por diversos grupos

sociais (ainda que de modos diferentes) e que se mantiveram dinâmicas e abertas às inovações

do tempo e à influência de culturas diversas em um constante processo de significação e

renovação.

Por conseguinte, nesta análise não adotamos os categorias dicotômicas de catolicismo

popular e/ou catolicismo tradicional19

versus catolicismo ultramontano e/ou oficial e/ou

romanizado, amplamente utilizadas pela historiografia religiosa para pensar o catolicismo no

Brasil em tempos de Reforma Ultramontana. Não nos referimos somente à dificuldade de

estabelecer o que é “popular” e, em contrapartida, o que é “oficial” no catolicismo – questões

17CASTILLO, J. M. S. del. O Movimento da Reforma e a “Paroquialização” do Espaço Eclesial do Século XIX

ao XX, In: LONDOÑO. F. T. (Org.). Paróquia e Comunidade no Brasil: Perspectiva histórica. São Paulo:

Paulus, 1997, p. 91-92. 18CASTILLO, J. M. S. del., Op. Cit. p. 92. 19 CHARTIER, R.. A História Cultural: entre práticas e representações. 2º ed. Lisboa: Difel, 2002. p. 134.

Neste ponto destacamos especialmente a contribuição de Roger Chartier para o qual não podemos “pretender

estabelecer correspondências estreitas entre clivagens culturais e hierarquias sociais, relacionamentos simples

entre objetos ou formas culturais particulares e grupos sociais específicos. Pelo contrário, o que é necessário

reconhecer são as circulações fluidas, as práticas partilhadas que atravessam os horizontes culturais’’.

Page 21: “il tanto vantato cattolicismo del Sul de Minas” · AGRADECIMENTOS A realização desta pesquisa tornou-se possível graças ao apoio recebido de diversas pessoas e instituições

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sobre as quais existe ampla bibliografia –, mas também às dificuldades em aceitar que essas

categorias (popular x oficial) sejam válidas para a análise de um período em que na região

estudada se sobrepõem várias correntes de pensamento, várias tendências no interior da

Igreja, e quando se mesclam (embora com choques) a consciência dos fiéis e suas práticas

tradicionais e as novas tendências almejadas pela instituição.

Desse modo, utilizamos os termos “religiosidade local” e “catolicismo local” para nos

referirmos às especificidades das práticas religiosas verificadas nas paróquias sul mineiras de

Cambuí e de Córrego do Bom Jesus, no período de 1911 até 1922. Já “catolicismo

ultramontano” designa aqui as representações e práticas impostas por orientação da hierarquia

da Igreja e pelas mãos dos teresianos.

Com tais termos, porém, não tencionamos estabelecer uma unidade dentro de cada

uma destas categorias, o que não acreditamos ter existido devido a grande variedade de

sujeitos e grupos presentes nas sociedades locais e a grande diferenciação de posturas e

condutas adotadas pelos religiosos teresianos, pelo próprio clero, e pelas autoridades

diocesanas presentes na Diocese de Pouso Alegre.

O interesse pela problemática apresentada nesta dissertação teve como motivação

diversos fatores. Primeiramente, é preciso pontuarmos que este trabalho nasceu a partir das

insuficiências e também sobre as possibilidades abertas pela pesquisa de Iniciação Cientifica

intitulada “Catolicismo Popular e Romanização: a Festa do Senhor Bom Jesus como território

de disputas e poder em Córrego do Bom Jesus –MG (1911-1923)”, desenvolvida no curso de

Turismo da Universidade do Vale do Sapucaí (Pouso Alegre, Minas Gerais), entre 2007 e

2009. Nesta pesquisa, chamou nossa atenção uma forte intervenção do clero local,

identificado como pertencente à Ordem dos Carmelitas Descalços, sobre algumas das práticas

da religiosidade local, principalmente quando analisadas através da Festa do padroeiro,

Senhor Bom Jesus do Córrego.

A par das constatações dessa pesquisa, que nos permitiu entender como se construíram

as relações de poder dentro do festejo e dimensionar até que ponto os mecanismos de controle

– notadamente ultramontanos – contribuíram para ressignificar algumas práticas dentro da

Festa do Senhor Bom Jesus, foi também evidenciada a riqueza dos documentos existentes no

arquivo da paróquia e de textos de autoria dos padres dessa congregação, que revelavam

muito da vitalidade e diversidade do catolicismo local neste período, bem como da tentativa

dos teresianos de reformar muitas das práticas religiosas então vigentes.

Page 22: “il tanto vantato cattolicismo del Sul de Minas” · AGRADECIMENTOS A realização desta pesquisa tornou-se possível graças ao apoio recebido de diversas pessoas e instituições

7

Nascia ali um grande interesse em conhecer mais sobre os membros dessa Ordem, que

haviam produzido aqueles documentos e que, em 1921, deixaram a localidade sem enunciar

rastro de seu paradeiro. Com efeito, sua saída de Córrego deixara como legado no âmbito da

oralidade e, portanto, da memória20

, um boato ainda hoje evocado pelos habitantes mais

idosos do lugar, segundo os quais, no dia de sua partida, os frades teriam “rogado uma praga”

sobre o povoado, que encontraria a partir de então dificuldades com seus padres e que não

deveria prosperar nem crescer.

Movidos pelo desejo de conhecer mais sobre a presença e atuação dos teresianos em

Córrego do Bom Jesus e também sobre seu impacto sobre a vivência religiosa local ( que se

enunciava de modo matreiro em relatórios paroquiais e entre proibições, mandamentos

diocesanos e estatutos localizados junto ao Livro do Tombo dessa paróquia), iniciamos (ainda

no período em que frequentei o curso de Especialização “História, Sociedade e Cultura”, junto

à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), entre os anos de 2010 e 2012)

uma longa busca por informações sobre aqueles primeiros Carmelitas Descalços presentes no

sul de Minas.

Tais pesquisas, que visaram estabelecer contato com conventos da Ordem em diversas

regiões do Brasil a fim de obter informações sobre a comunidade de teresianos que se

estebeleceu em Córrego em 1911, revelaram-se totalmente infrutíferas até março de 2010,

quando foi localizada a publicação de uma nota21

da Província São José dos Carmelitas

Descalços22

na rede mundial de computadores, que tornava público um programa para a

celebração do centenário da chegada dos Carmelitas ao sudeste brasileiro. As comemorações

aconteceriam em Córrego do Bom Jesus, Minas Gerais, e na cidade de São Paulo, incluindo

também celebrações religiosas em várias paróquias do sudeste brasileiro, com atividades

itinerantes.

Juntamente com tal programação, figurava um breve histórico, de autoria do

memorialista Frei Mariano Júnior, construído a partir de pesquisas em livros e revistas da

Ordem. Esse texto nos possibilitou reconhecer alguns dos nomes dos religiosos que atuaram

em Córrego do Bom Jesus, e também nos apontou para o fato de que a ação teresiana no

20 NORA, P. Entre Memória e História: A problemática dos lugares. Tradução Yara Aun Khoury. In: Projeto

História: Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em História e do Departamento de História da PUC-

SP. São Paulo: Educ, 1993. 21 A existência dessa nota foi constatada pela Sra. Maria Aparecida Chiaradia Finamor e Silva, membro do

Conselho Municipal do Patrimônio Histórico e Cultural de Córrego do Bom Jesus, em março de 2010. 22 A Província Brasileira São José dos Carmelitas Descalços foi criada em 1978, a partir da reunião dos

conventos fundados na região sudeste do Brasil pelas Províncias Romana, Toscana e Holandesa. PROVINCIA

SÃO JOSÉ DOS CARMELITAS DESCALÇOS. Revista O Mensageiro de Santa Teresinha, ed. dez. 2010, p.

22.

Page 23: “il tanto vantato cattolicismo del Sul de Minas” · AGRADECIMENTOS A realização desta pesquisa tornou-se possível graças ao apoio recebido de diversas pessoas e instituições

8

início do século XX não se restringiu à paróquia de Córrego, mas foi observada nas paróquias

sul mineiras de Cambuí, Camanducaia, Consolação, na paróquia paulista de São Bento do

Sapucaí (Diocese de Taubaté) e, posteriormente, nas cidades do Rio de Janeiro e de São

Paulo.

Tínhamos a sensação de que após oitenta e nove anos, aquela era a primeira vez que

alguém da região obtinha informações sobre a Ordem, e nosso interesse sobre a mesma só

aumentou, na medida em que o texto citado nos afirmava que o campo de atuação dos

teresianos na então Diocese de Pouso Alegre e no sudeste brasileiro foi maior do que

havíamos suposto anteriormente.

Foi na função de Gestora Municipal de Turismo e Cultura de Córrego do Bom Jesus,

onde atuava desde 2006, que pude tomar parte nos preparativos para o encontro entre a

comunidade local e os religiosos da Ordem dos Carmelitas Descalços, que seria realizado no

dia 18 de julho de 2010, ocasião em que foi celebrada uma missa no Santuário do Senhor

Bom Jesus do Córrego, como parte integrante das atividades em comemoração ao centenário,

que se cumpriria em abril de 2011. Nesse período, tiveram lugar diversas atividades, como a

reinauguração da placa que dava nome à Rua dos Carmelitas Descalços, a realização de

visitas dos teresianos às casas de muitas famílias locais e, finalmente, uma celebração

religiosa. No conjunto, essas ocasiões configuraram-se como momentos privilegiados para

sondarmos mais sobre aquela Ordem e para estabelecer contato com membros de diversos

conventos no Brasil.

De fato, a grande quantidade de registros efetuados pelos frades sobre as práticas

religiosas em Córrego do Bom Jesus, vistas em documentos que reportam com minuciosidade

estratégias 23 da Reforma Ultramontana da Igreja Católica naquela localidade, muito nos

instigou a empreender uma pesquisa sobre tal temática. Havia, além disso, a persistência de

uma rua que levava o nome dos Carmelitas Descalços, a aproximação do ano de 2011, que

marcaria o centenário da chegada dos teresianos à região e o mistério que envolvia sua saída

do sul de Minas Gerais em 1922. Tudo isso nos chamou a atenção para a necessidade de que

aqueles elementos, enquanto “lugares de memória”, precisavam ser capturados pelas lentes da

História e não apenas pelo esforço (coletivo) de memória24, que também nesta localidade

havia envelhecido com as gerações e estava, agora, em fase de desaparecimento.

23 CERTEAU, M. de. A Invenção do Cotidiano. Petrópolis: Vozes, 1994, p. 99-100. 24 NORA, P. Entre Memória e História: A problemática dos lugares. Tradução: Yara Aun Khoury, In: Projeto

História: Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em História e do Departamento de História da PUC-

SP. São Paulo: Educ, 1993.

Page 24: “il tanto vantato cattolicismo del Sul de Minas” · AGRADECIMENTOS A realização desta pesquisa tornou-se possível graças ao apoio recebido de diversas pessoas e instituições

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Como um quebra-cabeça, cujas peças deveriam ser montadas, foi preciso inicialmente

visitarmos os arquivos da Paróquia de Santa Teresinha, em Higienópolis, São Paulo

(Província São José da Ordem dos Carmelitas Descalços), onde encontravam-se os

documentos da época da presença teresiana em Córrego do Bom Jesus e também revisitar o

Arquivo da Cúria Metropolitana da Arquidiocese de Pouso Alegre, e os arquivos de algumas

paróquias do sul de Minas, a fim de começar a reconstruir os passos dos Carmelitas Descalços

nesta região. Concomitantemente, decidimos estabelecer os primeiros contatos com arquivos

italianos, dentre os quais destacam-se a Cúria da Diocese de Terni, Narni e Amélia (na região

da Úmbria), o Arquivo da Cúria Generalícia da Ordem dos Carmelitas Descalços e o Arquivo

da Província Romana da Ordem dos Carmelitas Descalços, ambos em Roma. Nesses acervos

conseguimos localizar, no decorrer dos meses seguintes, uma vasta gama de documentações

sobre os religiosos que atuaram no Brasil, relatos sobre o projeto da Ordem e seu cotidiano no

sul de Minas Gerais, bem como o registro sobre aspectos do catolicismo local neste período.

Com efeito, a consulta aos arquivos da Cúria Generalícia dos Carmelitas Descalços e

das Províncias Romana (Região italiana do Lázio) e São José (Sudeste do Brasil) fizeram-nos

notar a ausência de uma pesquisa mais sistemática sobre a missão fundada pelos freis da

Província Romana no Brasil a partir de 1911, e o interesse que o tema desperta tanto entre os

estudiosos, quanto entre as comunidades religiosas que, muitas vezes, redigiram apenas

parcialmente suas histórias, através de registros memorialísticos.

Finalmente, o interesse pelo assunto deveu-se também à relevância desta temática para

a história regional e a ausência de pesquisas acadêmicas que retratam essa região nos estudos

sobre a Reforma Ultramontana no Brasil.

Ao tomar contato com a documentação e com textos historiográficos sobre o

catolicismo brasileiro a partir de meados do século XIX, foram se tornando mais claras

também as motivações dos teresianos nos trópicos, e as impressões que manifestavam sobre il

tanto vantato cattolicismo del Sul de Minas25

(o tão vangloriado catolicismo do sul de Minas),

uma clara expressão de estranhamento entre os modos de professar a fé dos brasileiros e as

formas religiosas e espirituais vigentes na Itália.

25

DORELLI, E. Noterelle Brasiliane. Il Carmelo, Milano, dez. 1911, pp. 80-85. A expressão que acima citamos foi retirada da crônica Noterelle Brasiliane, de autoria de Frei Enrico Dorelli, vigário de Cambuí no período de

abril de 1911 até junho de 1913, e que nesta crônica afirma que, depois de oito meses transcorridos de sua

chegada, ainda não conseguia compreender no que consiste o “vantato cattolicismo di questi Brasiliani del Sul

de Minas.”

Page 25: “il tanto vantato cattolicismo del Sul de Minas” · AGRADECIMENTOS A realização desta pesquisa tornou-se possível graças ao apoio recebido de diversas pessoas e instituições

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Pudemos compreender, assim, que, o que se vivia em Cambuí e em Córrego do Bom

Jesus nas primeiras décadas do século XX, era uma das faces da Reforma Ultramontana do

catolicismo brasileiro, levada a cabo nesses locais pela Província Romana da Ordem dos

Carmelitas Descalços.

A partir de então, pudemos delimitar melhor o tempo e o espaço onde aconteceram as

principais intervenções dos teresianos em Minas: as paróquias de Cambuí e de Córrego do

Bom Jesus, no período de 1911 até 1922.

Tendo em vista as questões acima apontadas, esta pesquisa enquadra-se como um

estudo sobre a História da Igreja Católica no Brasil em interlocução com a História Cultural, o

que ocorre pelo fato de vermos a Reforma Ultramontana como um movimento cujas

representações tentaram impor certo consenso acerca do mundo social ao urbi et orbi católico.

No caso dessa pesquisa, esse caráter universalizante pode ser visto especialmente a partir da

tentativa de adequação de muitas das práticas culturais locais à doutrina católica posterior ao

Concílio de Trento, e reafirmada no Concílio Vaticano I26

. Assim, a partir do que os agentes

da Igreja enunciam e registram, buscamos compreender como alguns dos discursos e das

estratégias do movimento reformador foram apropriados pelos leigos presentes nessas

comunidades durante o período estudado27

.

A metodologia aqui utilizada para compreender a Reforma Ultramontana da Igreja no

Brasil em interface com a religiosidade local através da atuação dos Carmelitas Descalços no

sul de Minas Gerais constituiu-se por um permanente diálogo entre bibliografia específica e as

fontes, que são, em grande parte, documentos inéditos por nós encontrados e coletados em

arquivos dispersos na Itália e no Brasil.

Deste modo, dialogamos com autores que nos ofereceram subsídio para empreender a

análise sobre a atuação dos teresianos em terras sul mineiras e o relacionamento entre o

catolicismo local e o catolicismo reformado, tais como Michel de Certeau (e suas leituras das

táticas e estratégicas), Jacques Ranciére (e sua abordagem dos processos de recepção) e Roger

Chartier (que nos forneceu os conceitos de representação, apropriação e práticas sociais para o

26 CHARTIER, R. A História Cultural: entre práticas e representações. 2º ed. Lisboa: Difel, 2002. p. 17.

Entendemos por representação as “classificações, divisões e delimitações que organizam a apreensão do mundo

social como categorias fundamentais de percepção e de apreciação do real. Variáveis consoantes às classes

sociais ou aos meios intelectuais, são produzidas pelas disposições estáveis e partilhadas, próprias do grupo. São

estes esquemas intelectuais incorporados que criam as figuras, graças às quais o presente pode adquirir sentido, o

outro tornar-se inteligível e o espaço ser decifrado”. 27 CHARTIER, R., Loc. Cit. “As representações do mundo social assim construídas, embora aspirem à

universalidade de um diagnóstico fundado na razão, são sempre determinadas pelos interesses de grupos que as

forjam. Daí, para cada caso, o necessário relacionamento dos discursos proferidos com a posição de quem os

utiliza”.

Page 26: “il tanto vantato cattolicismo del Sul de Minas” · AGRADECIMENTOS A realização desta pesquisa tornou-se possível graças ao apoio recebido de diversas pessoas e instituições

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estudo da cultura). No campo dos estudos sobre a Igreja Católica, nos embasamos em autores

engajados no projeto do CEHILA-Brasil (como Riolando Azzi, Hugo Fragoso, Oscar Beozzo,

Pedro Ribeiro de Oliveira), mas também em textos mais acadêmicos, que têm lançado desde a

década de 1980 novos olhares sobre a Igreja no Brasil, como Sérgio Miceli, Augustin Wernet,

Mabel Salgado Pereira, Hiansen Franco, entre outros. Procuramos ainda considerar artigos,

Dissertações de Mestrado e Teses de Doutorado, que abordaram nos últimos anos questões

ligadas à Reforma Ultramontana no Brasil, além de livros (em grande medida escritos por

memorialistas) sobre a história local e regional. São exemplos dessa produção os trabalhos de

Levindo Furquim Lambert e dos Freis Onorio di Ruzza e Edmondo Fusciardi.

Para compreender de maneira mais complexa o processo de Reforma operado nestas

duas paróquias por meio dos teresianos, foi necessário levantar diferentes fontes documentais.

O pensamento e ação dos membros da Ordem dos Carmelitas Descalços são analisados a

partir de relatórios anuais e dos livros de administração encontrados nas duas paróquias e na

Província São José dos Carmelitas Descalços, bem como crônicas contidas no periódico

ilustrado da Ordem dos Carmelitas Descalços, Il Carmelo.

Ainda no mesmo sentido, consultamos os Atti del Definitorio Provinciale della

Provincia Romana, do período de 1891 a 1924, que nos informam os assuntos do cotidiano

dos teresianos em Minas. Outras fontes importantes foram o Catalogus Fratum Nostrorum

Provincia Romanae a die 01 Ianuarii 1901 e o livro Hierarchia in N. Carmelit. Ordine A. D.

MCMXXIV Prov. Rom., que contém dados biográficos dos frades que aqui atuaram neste

período. Essas fontes foram encontradas nos arquivos da Província Romana dos Carmelitas

Descalços e da Cúria Generalícia dos Carmelitas Descalços, ambos com sede em Roma.

As relações dos teresianos e a hierarquia católica da Diocese de Pouso Alegre foram

apreendidas através de relatórios anuais, por meio de termos de visitas pastorais,

mandamentos diocesanos e outros registros. Outras fontes documentais ligadas à política

reformista da diocese podem ainda ser citadas, como ofícios e prescrições diversas.

Reconhecemos também a imprensa católica sul mineira como importante instrumento para se

compreender o direcionamento político do novo bispado e sua relação com os teresianos.

Assim, analisamos alguns exemplares do jornal Tribuna Sul Mineira, órgão das associações

católicas de Pouso Alegre. Esses impressos, além de conter instruções diocesanas sobre a

Reforma Ultramontana, ainda acolhem artigos de freis teresianos que retratam alguns aspectos

das referidas paróquias. Estes jornais encontram-se na Cúria Metropolitana de Pouso Alegre.

Analisamos também as Pastorais Coletivas de 1911 e de 1915 como fontes imprescindíveis

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para se compreender os projetos do episcopado e para se efetuar uma análise pontual do nível

de consonância/discordância das ações de cunho reformista implementadas nas duas

paróquias que agora analisamos, com relação ao que previam os documentos elaborados pelo

conjunto do episcopado nacional.

Igualmente importante nesse âmbito, são as Actas y Decretos del Concilio Plenario de

la América Latina, que contém as resoluções tiradas pela Igreja para a América Latina durante

o Concílio Plenário, realizado em Roma em 1899. Tal livro nos ajudou a entender muitas das

medidas adotadas pelos teresianos no sul de Minas Gerais. O original consultado encontra-se

no arquivo da Cúria Metropolitana de Pouso Alegre.

Visto que a documentação utilizada nesta pesquisa na sua grande maioria constitui-se

por documentos da Igreja Católica, cuja funcionalidade é atender a burocracia eclesiástica,

ressaltamos que se fez necessário, a fim de entendermos os movimentos da cultura local,

realizar uma leitura destas fontes a contrapelo28, buscando extrair de relatórios, mandamentos

e estatutos, as resistências e dificuldades, enfim, as táticas 29 usadas pela população para

resistir e se reinventar.

Para melhor exposição do tema abordado, esta pesquisa foi estruturada em três

capítulos, que visam apresentar ao leitor primeiramente os projetos para a fundação de casas

teresianas no sul de Minas Gerais, bem como mostrar a formação das duas comunidades. Isso

nos permitiu lançar luzes sobre as práticas da religiosidade presentes nestas duas

comunidades, para assim compreendermos o embate entre os sujeitos envolvidos, com a

finalidade de compreender como se dá o conflito-negociação-apropriação entre catolicismo

local e o catolicismo ultramontano.

No primeiro capítulo, abordamos as relações dos freis teresianos e as autoridades

diocesanas de Pouso Alegre, a fim de entender o projeto da Ordem dos Carmelitas Descalços

e o projeto de Dom Assis – segundo bispo de Pouso Alegre – para as fundações de casas

carmelitanas em Cambuí e Córrego. Criada a partir do movimento de reorganização da Igreja

Católica no Brasil, a nova Diocese de Pouso Alegre é um dos primeiros bispados erigidos

durante os primeiros anos da República e sua criação (em 4 de Agosto de 1900) já sinalizava a

implantação de um projeto ultramontano, o que pôde ser confirmado pela ação de seus

primeiros bispos. Finalmente, analisamos a formação das duas localidades estudadas (Cambuí

28 BENJAMIN, W. Sobre o Conceito de História, In: Magia e Técnica, Arte e Política: Ensaio sobre literatura e

história da cultura. Obras Escolhidas, v. 1. 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 1987. 29 CERTEAU, M. de. A Invenção do Cotidiano. Petrópolis: Vozes, 1994, p. 99-100.

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e Córrego do Bom Jesus), o que tem por objetivo possibilitar um melhor entendimento sobre

as práticas religiosas ali vivenciadas.

No segundo capítulo, analisamos como interagiram as expectativas da Ordem e da

autoridade diocesana durante a gestão teresiana dos paroquiatos acima mencionados. Por

conseguinte, construímos uma narrativa que permitiu compreender, a partir da documentação,

como se efetivou a atuação dos Carmelitas Descalços nestas paróquias frente às práticas

religiosas locais. Tratamos, assim, de como as populações destas paróquias receberam a

tentativa dos frades italianos de implantar novos modelos de associações religiosas, de

introduzir novas devoções e a tentativa de se proceder a uma reforma das festas religiosas

locais.

No terceiro capítulo, aprofundamos o estudo de algumas estratégias utilizadas pelos

carmelitas descalços para tentar implantar a reforma das práticas do catolicismo local em

Cambuí e no Santuário de Córrego. Estruturamos tal capítulo em quatro partes:

primeiramente, nos detemos na análise da missa, da instrução e ensino religioso; num

segundo momento, estudamos a realização das Santas Missões; posteriormente, a ação dos

teresianos para difundir a frequência aos sacramentos entre as populações locais; finalmente,

analisamos tal quadro à luz dos principais acontecimentos verificados durante esses anos de

presença da Ordem em Minas Gerais e no Brasil.

Nos anexos, organizamos algumas fotos deste período, a fim de possibilitar ao leitor

um reconhecimento das localidades onde se efetuou a ação dos teresianos no período de 1911

até1922.

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CAPÍTULO I - A DIOCESE DE POUSO ALEGRE E OS TERESIANOS:

PERCURSOS E DESCAMINHOS DE UMA REFORMA

1.1 - Dom Assis e a Reforma Ultramontana

Por portaria da Câmara Eclesiástica da Diocese de Pouso Alegre, datada de 01 de abril

de 1911, frei Arcangelo Bindi30, carmelita descalço, foi encarregado da administração da

paróquia do Senhor Bom Jesus do Córrego, um importante centro de peregrinação do bispado

sul mineiro. Este documento recomenda ao frei teresiano que nesta função “procure attender

as necessidades espirituaes dos fieis residentes n’aquella freguesia; pregando-lhes a Palavra

de Deus, administrando-lhes os sacramentos, providenciando sobre o ensino religioso das

crianças e fazendo o mais que lhe inspirar o seu zelo”31. Apresentando idêntico conteúdo,

encontra-se transcrita no Livro do Tombo da paróquia de Cambuí32 uma portaria que confia a

administração desta paróquia ao frei teresiano Marcellino Dorelli33.

As recomendações presentes nestes documentos dizem respeito a alguns dos pilares

mais importantes da Reforma Ultramontana, que se intensifica no Brasil no período de 1880

até 1920: a doutrinação da população34

por meio do ensino religioso e o incentivo à prática

dos sacramentos, com a finalidade última de adequar muitas práticas do catolicismo vigente

ao modelo ultramontano.

Não diferente do que acontecia em muitas outras dioceses brasileiras, também a

estratégia adotada pelo prelado ratificava um instrumento então amplamente utilizado pelo

episcopado: a entrega da gestão paroquial a uma ordem religiosa europeia 35. De fato, a

nomeação de freis teresianos para assumir o paroquiato de Cambuí e o Santuário do Senhor

Bom Jesus, em 1911, coroou com êxito a iniciativa de Dom Antônio Augusto de Assis,

30 Cf. Arquivo Paroquial de Córrego do Bom Jesus – Livro do Tombo da Paróquia. – Frei Arcangelo de São Pedro foi vigário da referida paróquia de 1911 até 1919. A partir deste ano até 1922, passou a ter residência fixa

em Cambuí, de onde exercia a função de encarregado de Córrego. p. 11-53v. 31 Ibidem, p. 08. 32 Cf. Arquivo Paroquial de Cambuí – Livro do Tombo da Paróquia, p. 54v. 33 Ibidem. Marcellino di Santa Teresa foi pároco de Cambuí de 1911 até 1913. p. 54v-64. 34 EPISCOPADO LATINO AMERICANO. Actas y Decretos del Concilio Plenario de la América Latina.

Roma: Tip. Vaticana, 1906. Nas atas e decretos do Concílio Plenário Latino Americano, diversas vezes

encontramos referência à importância da doutrinação da população por meio do ensino religioso e da prática dos

sacramentos. 35 Ibidem, p. 175.

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segundo bispo da Diocese de Pouso Alegre, de convidar a Província Romana dos Carmelitas

Descalços para atuar em sua diocese.

Após ter sido sagrado bispo pelo Cardeal Dom Joaquim Arcoverde, arcebispo do Rio

de Janeiro, em 1907, Dom Assis logo se dirigiu a Pouso Alegre, onde passou a atuar como

bispo auxiliar de Dom João Batista Corrêa Nery, em uma realidade não muito distante

daquela onde havia nascido. Antônio Augusto Assis nasceu em Lagoa Dourada, também em

Minas Gerais, em 05 de dezembro de 1863, filho de Pedro Augusto de Assis e de Maria

Francisca de Assis. Aos vinte anos de idade ingressou no Seminário de Mariana, onde recebeu

sua ordenação sacerdotal pelas mãos de Dom Silvério Gomes Pimenta em 1892. Antes de ser

chamado para atuar na Diocese de Pouso Alegre, foi pároco em Tiradentes, Borda da Mata,

Brasópolis e Pouso Alto, e coajuntor em Juiz de Fora. No Bispado de Pouso Alegre, atuou

como visitador diocesano, reitor do seminário, arcipreste e vigário geral. Com a nomeação de

Dom Nery para assumir a nova Diocese de Campinas em 1909, Dom Assis tornou-se bispo

diocesano de Pouso Alegre, onde permaneceu até 191636.

Em larga medida, suas ações no episcopado dão continuidade à política reformadora

implantada no novo bispado já pelo seu primeiro bispo, Dom João Batista Corrêa Nery,37 que

esteve à frente da diocese de 1901 a 1909, e que neste período foi o responsável pela

edificação do aparato burocrático característico das hierarquias reformadoras na nova

diocese38.

Instituída em 4 de agosto de 1900 pelo Papa Leão XIII, através do Decreto Regio

Latissime Patens da Sagrada Congregação Consistorial39, a Diocese de Pouso Alegre foi uma

das primeiras a ser criada após o fim do Padroado, e são vários os autores que dispensam

atenção a ela no estudo sobre o processo de expansão organizacional da Igreja na Primeira

República, e sobre a Reforma Ultramontana no Brasil.

36 ASSIS, P. F. de.; ASSIS, A. A. de. Os Assis de São Fidélis. Maringá: Mimeografado, 2003. 37 BRITO. E. M. A Romanização no Espírito Santo: D. João Nery. 1896-1901. 2007. Tese de Doutorado em

História. São Paulo: Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, 2007, p.

15-17. Dom Nery, cujo nome civil era João Batista Correa, nasceu em Campinas a 6 de outubro de 1863, filho de

Benedito Correa de Morais e Maria do Carmo Neves. Foi ordenado por Dom Lino Deodato Rodrigues Carvalho em 1886 e foi sagrado bispo em Roma em 1896. 38 São várias as Teses e Dissertações que estudam a ação reformadora do Bispo Dom Nery, como a Tese de

autoria de Marcus Levy Albino Bencostta, Igreja e Poder em São Paulo: D. João Batista Corrêa Nery e a

romanização do catolicismo brasileiro (1908-1920), concluída em 1999; a Tese de Eliane Maria Brito, A

Romanização no Espírito Santo: D. João Nery (1896-1901), concluída em 2007; e a Dissertação de Pedro

Rigolo Filho, A Romanização como Cultura Religiosa: As práticas sociais de D. João Batista Corrêa Nery,

Bispo de Campinas (1908-1920), concluída em 2006. 39 Decreto da Sagrada Congregação Consistorial de Desmembramento e ereção do novo Bispado de Pouso

Alegre, na República Brasileira, In: PERLATTO, J. (Org.). Pouso Alegre, Diocese Centenária: 1900 - 4 de

agosto – 2000. Pouso Alegre: Grafcenter, 2000.

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Sérgio Miceli, referindo-se à expansão organizacional da Igreja durante a República,

dispensa grande atenção ao sul de Minas. De acordo com este autor, nesse processo, o sul do

Estado destacou-se devido a diversos fatores que adquiriram importância na disputa com

outras regiões para sediar novos bispados, tais como população, poderio econômico e político,

a existência de boas rotas de transportes e, finalmente, o fato de ser o sul a região que mais

atraiu imigrantes italianos no Estado40.

Edgar da Silva Gomes, ao estudar a reorganização da Igreja Católica no Brasil no

período que se seguiu ao fim do Padroado, nos coloca que, no que diz respeito à criação da

Diocese de Pouso Alegre, o interesse da Igreja pela referida fundação vinculou-se ao

“progresso da região com a construção da estrada de ferro e uma fervorosa campanha da

cidade e da região’’, que foi vista através de debates travados na imprensa desta cidade41 e

que contou com o apoio do poder civil42.

A criação deste bispado e a nomeação de Dom João Batista Corrêa Nery, integrante da

alta hierarquia católica do país, para ocupar o sólio episcopal da nova diocese, inseriram a

região de Pouso Alegre em uma posição de destaque dentro do projeto de Reforma

Ultramontana no país. Em relação às ordens religiosas, quando em 1911 os teresianos

chegaram a Pouso Alegre, ali já encontraram membros de congregações europeias: as Irmãs

Dorotéias, que se estabeleceram na cidade para dirigir a Escola Normal; as Irmãs da

Visitação, que se encarregaram de um colégio para meninas, entre outros43.

A função dos teresianos distingue-se destas congregações, pois são destinados à

administração de dois paroquiatos distantes da sede do bispado, cerca de 55 quilômetros: a

paróquia de Nossa Senhora do Carmo de Cambuí, e o Santuário do Senhor Bom Jesus do

Córrego.

40 MICELI, S. A Elite Eclesiástica Brasileira (1980-1930). São Paulo: Cia das Letras, 2009, p. 65. 41 GOMES, E. da S. O Catolicismo nas Tramas do Poder: A estadualização diocesana na Primeira República

(1889-1930). Tese de Doutorado em História. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

Faculdade de Ciências Sociais, 2012. p. 102. 42 Ibidem, p. 150. 43 CARVALHO. A. J. de. Polianteia Centenário de nascimento de Dom Octavio Chagas de Miranda.

Terceiro Bispo Diocesano de Pouso Alegre. Pouso Alegre: Tipolitografia Escola Profissional, 1981, p. 81.

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Figura 1- Localização das paróquias de Córrego e Cambuí, no atual Estado de Minas Gerais

As tratativas de Dom Assis para que isso se efetivasse tiveram início em 1910, quando

então empreende uma viagem à Europa, cujo principal objetivo foi o de convidar ordens

religiosas para atuar na sua diocese44. No caso dos teresianos, Rafael Mejia Maya nos afirma

que, por ocasião da passagem de Dom Assis por Roma, este se dirigiu ao Cardeal Gaetano de

Loi45, a quem expressou seu desejo de ter padres regulares na sua diocese e a quem pediu a

intervenção do provincial dos teresianos, Rodrigo di San Francesco di Paola46, para que este

concedesse apoio à sua iniciativa.

A ata do Definitório Ordinário da Província Romana dos Carmelitas Descalços,

celebrado em Roma, no convento de Santa Maria della Vittoria em 23 de maio de 1910,

evidencia-nos que, nesta ocasião, esta província estudava três propostas de bispos brasileiros

44 CARVALHO. A. J., Loc. Cit. 45 MAYA, R. M. Los Carmelitas Teresianos en América Latina – Notícias Históricas. Bogotá: Editorial

Kimpress, 2003, p. 127. 46 De acordo com Onorio di Ruzza, Silvestro Santacroce foi um religioso que destacou-se no âmbito da Ordem.

Dentre as funções que exerceu na Província, evidenciamos as seguintes: Prior de Santa Maria della Vittoria em

1885, 1897 e em 1906; conselheiro provincial em 1894, 1915, 1919, 1924, 1927; superior provincial em 1909,

procurador geral da Ordem em 1901 e em 1907, e postulador geral para as causas dos Santos de 1906 até 1931.

Recebeu em 1893 a nomeação de consultor da Sagrada Congregação das Indulgências. Morreu em 1931 em

Roma. DI RUZZA, O. Quattro Secoli di Cultura – Profili Bio-Bibliografici degli scrittori e artisti dela

Provincia Romana dei Carmelitani Scalzi (1597-1997). Roma: 1996, p. 218.

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para a fundação de casas no Brasil: a primeira, do bispo Dom Assis de Pouso Alegre; a

segunda, do bispo de Mariana, Dom Silvério e; a última, do bispo de Campinas, Dom Nery47.

O convite por parte de bispos brasileiros às ordens e congregações religiosas

estrangeiras para atuarem em suas dioceses não era fato recente. Desde a atuação de Dom

Antônio Ferreira Viçoso, bispo de Mariana (1844-1875) e Dom Joaquim de Melo, bispo de

São Paulo (1852-1861), podemos observar esta tendência na Igreja no Brasil. Neste sentido,

diversos são os documentos do episcopado brasileiro do período da Reforma Ultramontana

onde encontramos esta orientação referenciada.

Um dos documentos mais importantes foi escrito por Dom Macedo Costa, líder do

episcopado brasileiro que, em 1890, redigiu uma carta denominada “Pontos para a Reforma

da Igreja”48. Considerado por Pedro Ribeiro de Oliveira como “a súmula do processo de

romanização” no Brasil, este documento, conforme retratado pelo mesmo autor, está

estruturado em nove capítulos, onde Dom Macedo trata das atividades a serem realizadas para

se proceder a uma reorganização da Igreja no país. Os pontos abordados neste documento

dizem respeito às ações relacionadas com a reforma do clero, à adoção de medidas visando

atingir uma crescente uniformidade entre os membros do episcopado, à criação e manutenção

de seminários tridentinos onde impere o rigor de ensino e ortodoxia, à realização de missões

ao “povo” e aos povos não cristãos, ao cuidado com os colonos imigrantes, ao trato com as

confrarias que, com frequência possuíam em seus quadros elementos maçons, à criação de

novas dioceses em território nacional e também ao incentivo à vinda de ordens religiosas

estrangeiras para atuar nas dioceses brasileiras.49

Mas foi a partir do Concílio Plenário Latino Americano50, convocado em 1898 por

Leão XIII para tratar de estabelecer as medidas para que “se mantenha incólume a unidade da

eclesiástica disciplina, resplandeça a moral católica e floresça publicamente a Igreja’’51, que

tal orientação de se utilizar a cooperação das ordens religiosas é sacramentada. Através das

Atas e Decretos do Concílio Plenário Latino Americano, podemos perceber que grande

47 Cf. Arquivo da Província Romana da Ordem dos Carmelitas Descalços. Acta Definitorii Provincialis

Provinciae Rom.ª a die 12 Junii 1911 ad diem 19 Aprilis 1923. Definitorium ordinarium celebratum Romae apud S. M. De Victoria.Sessio 1, 23 Maji 1910, p. 23. 48 OLIVEIRA, P. A. R. de. Religião e Dominação de classe: Gênese, estruturação e função do catolicismo

romanizado no Brasil. Petropólis: Vozes, 1985, p. 279-282. 49 Ibidem, p. 280-282. 50 EPISCOPADO LATINO AMERICANO. Actas y Decretos del Concilio Plenario de la América Latina.

Roma: Tip. Vaticana, 1906, p. XXI-XXII. O desejo de promover um Concílio para a América Latina era antigo.

Leão o remete ao quarto centenário de descoberta da América, quando a Santa Sé começou a meditar “no melhor

modo de olhar pelos interesses comuns da raça latina, a quem pertence mais da metade do Novo Mundo”. Para

isso, seria apropriado que se reunissem todos os bispos destas nações sob a autoridade da Santa Sé. 51 Ibidem, p. XXII .

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atenção é dispensada a esta estratégia dentro da política ultramontana. Ao referir-se à

cooperação de ordens religiosas para com os bispos das repúblicas latino americanas no

capítulo XIV, assim se expressa tal documento:

Ellas existen y nacen de la Iglesia como el árbol de la raíz, y son

como las tropas auxiliares, muy necesarias en nuestros días, cuya

actividad y trabajos, tanto en el desempeño de los ministerios sagrados,

como en las obras de caridad, deberán utilizar los Obispos.52

Outra importante medida advinda deste Concílio, conforme nos é apontado por F. B.

Pike, foi o incentivo à realização de concílios nacionais, sendo que a Venezuela foi o primeiro

país a realizar tal medida, em 190453. No Brasil, tendo em vista a impossibilidade imediata de

se realizar um concilio nacional, optou-se, de acordo com o que fora estabelecido no Concílio

Plenário Latino Americano e ordenado novamente por Leão XIII em 1900, por se realizarem

conferências episcopais trienais. De acordo com esta orientação da Santa Sé, “De três em três

annos ou mais frequentemente, segundo fôr necessário ou opportuno, se reúnam todos os

Bispos de cada Provincia Ecclesiastica para tratarem juntos dos negócios communs de suas

Dioceses”54.

Estas conferências episcopais foram promovidas nas províncias eclesiásticas

setentrional e meridional do Brasil. No caso do Estado de Minas Gerais, este pertence à

província meridional e nesta região, as conferências aconteceram em 1901, 1904, 1907, 1910

e 1915, e deram origem a alguns dos mais importantes documentos publicados pelo

episcopado brasileiro, fontes indispensáveis para entender a Reforma Ultramontana no Brasil:

as Pastorais Coletivas da Província Meridional, documentos resultantes da compilação das

resoluções adotadas pelo episcopado nas conferências episcopais e que tinham por objetivo

servir de orientação ao clero e população sobre os conteúdos e medidas ali discutidos e

adotados pela hierarquia católica. Estas pastorais eram posteriormente impressas e enviadas às

paróquias das dioceses, para que o clero e paroquianos tomassem conhecimento de suas

52 Ibidem, p. 175. “Elas existem e nascem da Igreja como a árvore da raiz, e são como tropas auxiliares, muito

necessárias em nossos dias, cuja atividade e trabalhos, tanto no desempenho dos ministérios sagrados, como

nas obras de caridade, deverão utilizar os Bispos.” (tradução nossa). 53 PIKE, F. B. O Catolicismo na América Latina de 1848 aos nossos dias, In: AUBERT, R. A Nova História da

Igreja: A Igreja na sociedade liberal e no mundo moderno II. (Tomo II). Petrópolis: Vozes, 1976, p. 144. 54 EPISCOPADO BRASILEIRO. Pastoral Collectiva dos Senhores Arcebispos e Bispos das Províncias

Ecclesiasticas de S. Sebastião do Rio de Janeiro, Marianna, S. Paulo, Cuyabá e Porto Alegre: Communicando ao clero a aos fieis o resultado das Conferências episcopais realizadas na cidade de S. Paulo de

25 de setembro a 10 de outubro de 1910. Rio de Janeiro: Typographia Leuzinger, 1911, p. IX-X.

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resoluções. No que se refere à Pastoral Coletiva de 1911, podemos observar o entendimento

que o episcopado tinha das conferências eclesiásticas e sua finalidade:

A ellas, principalmente, deve-se attribuir o movimento

restaurador da disciplina ecclesiastica e dos bons costumes no clero; a

frequência dos retiros espirituais ecclesiásticos e o desdobramento das

obras catholicas de zelo, propaganda, de ensino: o catecismo, as escholas

parochiaes, a imprensa, a obra das vocações eclesiásticas, os collegios, os

seminários; as associações de caridade, círculos catholicos etc.: tudo isso

tem recebido vida, estimulo, impulso, mediato ou imediato, destas

Conferências, que vimos celebrando desde 3 de Novembro de 1901 até a

presente data.55

A partir da realização da conferência episcopal da província meridional de 190156,

encontramos a orientação sobre as ordens religiosas presentes de modo constante nas

posteriores pastorais acima citadas. De modo especial, é importante lembramos que, por

ocasião da realização da conferência episcopal de 1910, realizada em São Paulo no período de

setembro a outubro do referido ano, Dom Antônio Augusto de Assis ali estava na condição de

bispo de Pouso Alegre. Assim, pôde tomar parte nas discussões correntes, entre as quais mais

uma vez encontramos a recomendação aos bispos para que se empenhassem em conseguir a

colaboração de ordens e congregações religiosas estrangeiras. A Pastoral Coletiva de 1911,

compilação da conferência realizada em 1910, assim se expressa sobre o assunto:

132- É de maximo proveito para o progresso espiritual das

dioceses, no clero e no povo, a existência de Ordens e Congregações

Religiosas, principalmente das que se dedicam às missões urbanas e

rurais; por conseguinte Nós procuraremos os meios praticos de ter em

Nossas dioceses residencias desses Religiosos, e lhes prestaremos todo o

auxilio moral de que hajam mister para bem se dedicarem ao santo

ministério. 57

55 Ibidem, p. XII. 56 EPISCOPADO BRASILEIRO. Pastoral Collectiva dos Senhores Bispos da Província Eclesiástica

Meridional do Brasil communicando ao clero secular e regular o resultado das Conferencias realisadas em

São Paulo de 3 a 12 de Novembro de 1901. Rio de Janeiro: Typographia Leuzinger, 1901, p. 70-71. 57 EPISCOPADO BRASILEIRO. Pastoral Collectiva dos Senhores Arcebispos e Bispos das Províncias

Ecclesiasticas de S. Sebastião do Rio de Janeiro, Marianna, S. Paulo, Cuyabá e Porto Alegre:

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A importância da Pastoral Coletiva de 1911 só foi ultrapassada pela Pastoral Coletiva

de 1915, que é considerada o resultado da revisão das resoluções adotadas em todas as

conferências anteriores, material também chamado de constituições eclesiásticas58. Através

desta pesquisa, constata-se que todos estes elementos, ou seja, a orientação vigente no

episcopado de então, a formação ultramontana de Dom Assis obtida junto ao Seminário de

Mariana e sua atuação junto a Dom Nery, contribuíram para a decisão de Dom Assis de trazer

religiosos teresianos para atuar na sua diocese.

Porém, é interessante notarmos que a leitura da ata do Definitório Provincial da

Província Romana dos Carmelitas Descalços de 23 de maio de 1910 nos mostra que a

primeira proposta de Dom Assis aos superiores teresianos dizia respeito à oferta da

“administração e possivelmente também o ensino do Colégio diocesano, perto do qual, os

religiosos poderiam instalar um convento; ou mesmo a mais grande paróquia chamada de

São Sebastião do Paraíso” 59 . Estas ideias, ao que tudo indica, foram abandonadas e,

finalmente, em ata de 9 de dezembro de 1910, na primeira sessão, o Definitório, depois de ter

validado a oferta do bispo de Pouso Alegre, aprovou por unanimidade a fundação de Cambuí,

autorizando as despesas necessárias para tal ato60.

Diante desse parecer afirmativo, Dom Assis pôde finalmente selar o acordo desejado.

Em uma carta endereçada a Rodrigo di San Francesco, Padre Geral dos teresianos, datada de

30 de novembro de 1910, assim se expressa o bispo brasileiro: “Il Vescovo di Pouso Alegre

accetta volentieri i buoni sacerdote di questa Congregazione nella sua Diocesi, per la

direzione spirituale e temporale del Santuario del Buon Gesù do Corrego e della Parrocchia

di Cambuhy”61.

É esta a primeira vez que o bispo utiliza o termo santuário para referir-se à paróquia de

Córrego e, após informar sua aceitação em receber os teresianos, o bispo brasileiro também

busca apresentar um pouco os ambientes da fundação e o apoio que será concedido a esses

Communicando ao clero a aos fieis o resultado das Conferências episcopais realisadasna cidade de S. Paulo de

25 de setembro a 10 de outubro de 1910. Rio de Janeiro: Typographia Leuzinger, 1911. p. 302. 58 OLIVEIRA, P. A. R. de. Religião e Dominação de classe: Gênese, estruturação e função do catolicismo

romanizado no Brasil. Petropólis: Vozes, 1985, p. 297. 59 Cf. Arquivo da Província Romana da Ordem dos Carmelitas Descalços. Acta Definitorii Provincialis

Provinciae Rom.ª a die 12 Junii 1911 ad diem 19 Aprilis 1923. Definitorium ordinarium celebratum Romae apud

S. M. De Victoria.Sessio 1, 23 Maji 1910, p. 23. 60 RECCHIA, P. Atti dei Definitori della Provincia Romana (1891-1924). Roma: Mimeografado, 2011. 61 Cf. Arquivo da Província São José dos Carmelitas Descalços. Livro Documenti che riguardano la fondazione

del Convento di Rio, 1919, p. 2. “O Bispo de Pouso Alegre aceita de boa vontade os bons sacerdotes desta

Congregação na sua Diocese, para a direção espiritual e temporal do Santuário do Bom Jesus do Córrego e da

Paróquia de Cambuí.” (tradução nossa)

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religiosos em sua diocese, o que nos evidencia alguns pontos de seu projeto para tal fundação.

Referindo-se inicialmente a Cambuí, assim se coloca:

Questa città conta circa quattordici o quindici mila anime, e il

Vescovo, conoscendo l´ambiente preferirebbe sacerdoti che

s´intendessero di oratori festivi e d´agricultura. Nel Santuario esiste una

casa parrocchiale e detti sacerdote potrebbero abitarla. Il suddetto è

luogo di pellegrinaggio e i suoi dipendenti, R. Padre, saranno ritenuti

come i parroci; anche nella Chiesa di Cambuhy e potranno usare delle

rendite parrocchiali.62

Cabe-nos esclarecer que Cambuí, neste período, contava com 23 bairros, distribuídos

em uma área de cerca de 300 quilômetros quadrados, o que faz deste um município com área

e população consideráveis dentro da nova diocese. Córrego, por sua vez, inseria-se no

território do município de Cambuí, de onde distava da sede cerca de 15 quilômetros. Trata-se

de uma área rural situada aos pés da Serra da Mantiqueira, na região extremo sul de Minas

Gerais, localizada a 420 quilômetros da capital Belo Horizonte e 150 da cidade de São Paulo.

No que se refere a Córrego, associamos o desejo de Dom Assis de prover esta

paróquia de religiosos regulares, com outra orientação presente na Pastoral Coletiva de 1911,

de acordo com a qual, a nomeação de religiosos regulares para atuar frente à administração

dos santuários brasileiros constituia-se em uma válida estratégia aos membros do episcopado

brasileiro que, com esta ação, poderiam tentar controlar e retificar “os abusos e excessos” que

se verificavam nesses locais, em especial, em ocasião da realização de peregrinações63.

De acordo com Pedro Ribeiro de Oliveira, a possibilidade de se instituir nos santuários

uma frente para lutar contra as ditas “superstições”, para atuar na instrução e ensino religioso

e, finalmente, para controlar o dinheiro deixado pelos paroquianos e visitantes na forma de

62 Loc. Cit. “Esta cidade conta com cerca de quatorze mil almas, e o Bispo, conhecendo o ambiente preferiria

sacerdotes que entendessem de oratórios festivos e de agricultura. No Santuário existe uma casa paroquial e os

ditos sacerdotes poderiam habitá-la. O mesmo é lugar de peregrinação e os seus dependentes, R. Padre, serão

tidos como os párocos: também na igreja de Cambuí e poderão usar as rendas paroquiais.” (tradução nossa) 63 EPISCOPADO BRASILEIRO. Pastoral Collectiva dos Senhores Arcebispos e Bispos das Províncias

Ecclesiasticas de S. Sebastião do Rio de Janeiro, Marianna, S. Paulo, Cuyabá e Porto Alegre:

Communicando ao clero a aos fieis o resultado das Conferências episcopais realisadasna cidade de S. Paulo de

25 de setembro a 10 de outubro de 1910. Rio de Janeiro: Typographia Leuzinger, 1911.p. 305.

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donativo e oferta, constituíram os motivos pelos quais os bispos desejavam assumir os

santuários e confiá-los a padres de ordens religiosas estrangeiras64.

Neste âmbito, Pedro Ribeiro de Oliveira, ao citar José Oscar Beozzo, apresenta-nos

uma importante consideração sobre o tema. De acordo com Beozzo, tal iniciativa do

episcopado não ensejava somente eliminar das práticas vigentes os considerados “abusos e

superstições” que, com frequência, eram vistos nos santuários brasileiros 65, mas também

conter e disciplinar as romarias organizadas a esses locais, medida que impôs como condição

para sua realização a obtenção de uma permissão por parte do clero66.

Na presente pesquisa, tal hipótese ganha relevo e se torna aplicável na medida em que

Córrego apresentava características que o situavam na condição de santuário popular. De fato,

desde fins do século XIX, a imprensa leiga e católica tratava esta localidade como Santuário

do Bom Jesus, centro de peregrinações regionais, que recebia em especial na data da

realização da festa de seu padroeiro, no dia 6 de agosto, milhares de pessoas.

Ainda com relação ao conteúdo da carta de Dom Assis, outro ponto nos chama a

atenção: a preferência do bispo por padres que entendessem de “oratori festivi”. Para

entendermos tal aspecto, é preciso nos remetermos novamente à Pastoral Coletiva de 1911

que, em seu título V, dedica atenção à educação católica. Neste item, podemos observar que

os oratórios festivos figuravam como um dos meios existentes e “corretos” para “auxiliar a

juventude catholica, e desenvolver a educação christã das creanças (...)”67. Por oratório

festivo, a referida Pastoral Coletiva define “salas de reuniões uteis aos meninos e moços,

para aprenderem a doutrina christã, exercerem quaisquer deveres de piedade, e também

recrearem honestamente o espirito.”68

Tal definição se aproxima muito do conceito que Riolando Azzi possui dos oratórios

festivos. De acordo com Azzi, o termo designa um local apropriado para reunir aos domingos

e dias festivos, “meninos pobres e abandonados (...), onde pudessem ocupar-se em jogos,

diversões honestas e em seguida aproveitar a oportunidade para ensinar os rudimentos da fé

cristã.”69

64 OLIVEIRA, P. A. R. de., Op. Cit., p. 288-289. 65 Ibidem, p. 289. 66 OLIVEIRA, P. A. R., Loc. Cit. 67

EPISCOPADO BRASILEIRO. Pastoral Collectiva dos Senhores Arcebispos e Bispos das

Províncias Ecclesiasticas de S. Sebastião do Rio de Janeiro, Marianna, S. Paulo, Cuyabá e Porto

Alegre: Communicando ao clero a aos fieis o resultado das Conferências episcopais realisadasna cidade de S. Paulo de 25 de setembro a 10 de outubro de 1910. Rio de Janeiro: Typographia

Leuzinger, 1911. p. 322. 68 Ibidem, p. 323. 69 AZZI, R. Os Salesianos no Brasil: À luz da história. São Paulo: Salesiana Dom Bosco, 1982, p. 78.

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Deste modo, a proposta de criação desses espaços em Córrego e Cambuí pode ser

vinculada ao desejo de possibilitar a oferta de instrução e ensino católico, ação na qual o

ultramontanismo depositava grandes esperanças, partindo da ideia de que o desconhecimento

de Deus era a causa de muitas das “desordens” que acometiam as sociedades modernas70.

A razão de dispensar tanta atenção a estas duas paróquias é fato novo. Isso não

equivale dizer que as paróquias acima citadas tenham entrado em contato com as reformas

tridentinas e ultramontana somente a partir de 1911 com a nomeação dos teresianos para sua

gestão. Ambas nascem como paróquia ainda sob a jurisdição do bispado de São Paulo (1745-

1900), o que já pode em si ser visto como uma ação da reforma visando aumentar o número

de paróquias no país: Cambuí em 1850 e Córrego em 1899 e, embora neste período não tenha

sido possível provê-las de párocos imbuídos do espírito reformador, podemos ainda assim

perceber que, desde o início do século XIX, a atenção dispensada pelos bispos paulistas às

capelas e paróquias do território sul mineiro, no qual se inserem tais paróquias, é crescente e

pode ser vista sobretudo no registro de várias visitas pastorais71.

Devido à frequência e alcance destas orientações frente a um clero de tendências

regalistas 72 , acreditamos que estas ações não surtiram o efeito esperado pela hierarquia

católica. Diante deste quadro, creditamos extrema importância à criação da Diocese de Pouso

Alegre, momento que se intensificam as ações da Reforma Ultramontana em território sul

mineiro, antes pertencente ao Bispado de São Paulo e sob a influência do clero paulista.

Portanto, concluímos que a intenção de Dom Assis de prover de sacerdotes

reformados as referidas paróquias sul mineiras, foi resultado da política ultramontana do novo

bispado, implantada por Dom Nery e consoante com a orientação do episcopado, e de acordo

com a política da Santa Sé no Brasil, fatores que, conjugados, buscarão efetivar a reforma do

clero e dos costumes no sul de Minas Gerais, objeto deste estudo.

70 DAL-GAL. G. Papa Pio X. Padova: Il Messaggero di S. Antonio- Basilica del Santo, 1954, p. 359. 71 FRANCO, H. V. O Clero Paulista no Sul de Minas. 1800-1900. Passos: Gráfica e Editora São Paulo, 2003,

p. 43-65. 72 Entendemos o regalismo como a intervenção do poder civil na esfera do poder da Igreja.

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1.2 - O Projeto da Província Romana

Neste tópico buscamos entender o projeto da Província Romana para efetivar sua

presença em 1911 no Brasil. Julgamos esta abordagem necessária, na medida em que um

estudo das intervenções dos teresianos sobre as práticas religiosas locais só se faz possível e

confiável se entendermos, antes, as expectativas que a Ordem dos Carmelitas Descalços teve

para tal fundação e sua orientação em termos de carisma.

Na busca de evidências que pudessem esclarecer os motivos que animaram a Província

Romana, com o consentimento do Definitório Geral da Ordem, a enviar em inícios de 1911

freis para o Brasil, é interessante notarmos que a ideia de se fundar um convento no país

aparece pela primeira vez em 1908. De acordo com frei Onorio di Ruzza, no referido ano a

Província Romana não pôde enviar um número maior de religiosos para a sua missão fundada

na Síria, pois esta província estava então “impegnata nella fondazione di nuovi conventi in

Italia e in Brasile”73.

No Brasil, somente em 1910 verificamos a realização de medidas buscando efetivar

esta presença no país. De fato, na ata do Definitório de 23 de maio de 1910, quando são

discutidas as propostas recebidas por parte do episcopado brasileiro, é mencionada a intenção

por parte desta província de fundar um convento no país74.

Tais evidências parecem constituir também a conjectura apresentada por frei Rafael

Mejía Maya, religioso teresiano colombiano que, na sua obra intitulada Los Carmelitas

Teresianos en América Latina – Noticias Históricas, ao referir-se à fundação da Província

Romana no Bispado de Pouso Alegre, defende que a aceitação das casas de Córrego e Cambuí

ocorreu devido a impossibilidade inicial de se fundar nessa região um convento75.

No entanto, antes de concluirmos tal hipótese, analisamos duas fontes que julgamos

essenciais para nos portar ao fim desta discussão: a primeira é uma nota editorial intitulada I

Primi Carmel. Scalzi Italiani in America, datada de 25 de abril de 1911 e publicada no

periódico mensal ilustrado da Província Lombarda dos Carmelitas Descalços, Il Carmelo; e a

segunda, é o manuscrito intitulado Appunti storici della nostra missione nel Brasile, que foi

73 DI RUZZA. O. Sintesi Storico-Cronologica della Provincia Romana dei Padri Car-melitani Scalzi. Roma:

Edizioni O.C.D, 1987, p. 98. 74 APROCD. Acta Definitorii Provincialis Provinciae Rom.ª a die 12 Junii 1911 ad diem 19 Aprilis 1923.

Definitorium ordinarium celebratum Romae apud S. M. De Victoria.Sessio 1, 23 Maji 1910, p. 23. 75 MAYA, R. M. Los Carmelitas Teresianos en América Latina – Notícias Históricas. Bogotá: Editorial

Kimpress, 2003, p. 128.

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encontrado junto aos livros de administração da Ordem no Arquivo da Província São José dos

Carmelitas Descalços – localizado na cidade de São Paulo.

Para fins de exposição, iniciamos nossa análise pela nota publicada no mencionado

periódico italiano. Antes de nos atermos a seu conteúdo, é preciso, porém, realizar algumas

considerações sobre este órgão. Criado na cidade de Milão em 1902, o periódico Il Carmelo,

de acordo com definição de frei Gerardo Beccaro, (missionário na Índia em 1868 e desde

1894 superior provincial da Lombardia), possui como objetivo “far conoscere vieppiù le

splendide glorie dell’Ordine nostro e promuovere maggiormente in cuor ai fedeli l’amore alla

benignissima nostra Madre Maria SS. e la divozione al santo suo Scapolare”76. Por sua vez,

Andrea Carlo, então Arcebispo de Milão, assim o definiu: “accendere vieppiù nei fedeli la

divozione verso il Santo Scapolare del Carmine che è pegno di salvezza”77.

Na nossa análise deste periódico, é preciso considerar a seu respeito dois aspectos: o

primeiro é reconhecê-lo como parte do que se convencionou chamar de “Boa Imprensa”,

movimento católico que tinha por objetivo principal combater e neutralizar a “Má Imprensa”,

ou seja, as imprensas protestante, liberal, maçônica, repletas de teorias do materialismo,

racionalismo, naturalismo, positivismo e do indiferentismo, a fim de instruir os católicos e

defender a Igreja de seus inimigos78. O segundo aspecto é que tal periódico também deve ser

visto como órgão que pertence a uma província da Ordem, que visava divulgar suas ações

missionárias e angariar fundos para as mesmas. Por isso é necessário aqui termos presente,

conforme nos aponta Bruls, que a representação dos costumes e povos retratados nestes

órgãos podia, com frequência, abusar de um exotismo e de um pessimismo incompatíveis com

a realidade vivida, o que é visto pelo autor como estratégia para atrair o interesse dos leitores,

atitude condenada pelo autor e que aqui nos alerta para tal aspecto na leitura deste órgão79.

Neste caso específico, ao reportar o embarque do primeiro grupo de teresianos

italianos destinados ao Brasil, a nota transcrita abaixo nos aponta para importantes aspectos

que devem ser considerados, na intenção de se entender o projeto da Ordem para tal fundação

em Minas Gerais:

76 BECCARO, G. Lettera del M. R. P. Gerardo Beccaro. Il Carmelo. dez. 1901, p. 5. “fazer conhecer as

esplendidas glórias da nossa Ordem e promover (...) nos corações dos fiéis o amor a benigníssima nossa Mãe

Maria Santíssima e a devoção ao seu Escapulário”. Por sua vez, Andrea Carlo, Arcebispo de Milão, assim o

define: “acender nos fiéis a devoção ao Sacro Escapulário do Carmo.” (tradução nossa) 77 CARLO, A. Lettera di S. Em. il Card. Ferrari. Il Carmelo. dez. p. 3. “acender nos fiéis a devoção ao Sacro

Escapulário do Carmo.” (tradução nossa) 78 A Pastoral Coletiva de 1911 apresenta as ações que o clero deveria realizar para apoiar a Boa Imprensa e

também aquelas ações recomendadas para frear a dita Má Imprensa. 79 BRULS. J. A Atividade Missionária de 1850 ao Vaticano II, In: AUBERT, Roger. A Nova História da Igreja

– A igreja na sociedade liberal e no mundo moderno II. (Tomo II). Petrópolis: Vozes, 1976, p. 183.

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Sabato 11 Marzo in Genova si sono imbarcati sul piroscafo

Cordova, per Rio de Janeiro, il P. Arcangelo di S. Pietro, Priore del

nostro Convento di San Valentino in Terni; il P. Marcellino di S. Teresa,

Sotto priore del nostro Convento di S. Maria dela Vittoria in Roma; il P.

Mauro di S. Giuseppe, Sotto maestro dei Novizi dela Provincia Romana,

e Fra Alfolso di S. Martino. Essi si recanoa fondare um nuovo Carmelo

in Cambuhy, nella Diocesi di Porto Alegre, al sud del Brasile.

Auguriamo agli apostoli del bene larga messe e fecondo lavoro.80

O primeiro aspecto refere-se ao fato de ser esta a primeira presença da Ordem depois

de 71 anos desde a supressão no Brasil do último convento teresiano, que aconteceu na cidade

de Salvador, Bahia, em 184081. É também a primeira vez que a Província Romana envia

teresianos para a América82.

O segundo é a menção à elevada preparação da grande maioria dos integrantes da

primeira comitiva destinada a fundar casas no Brasil, sinal da importância que a Ordem

deposita em tal projeto. Destes, merecem destaque, pela sua preparação e formação, frei

Marcellino di Santa Teresa, (Enrico Dorelli 83), e frei Arcangelo di San Pietro (Vittorio

Emanuelle Secondo Bindi84).

80 Il Carmelo. 25 de Abril de 1911. p. 128. “Sábado, 11 de Março em Genova embarcaram no navio a vapor

Cordova, para o Rio de Janeiro, o Padre Arcangelo de São Pedro, Prior do nosso Convento de São Valentino

em Terni; o Padre Marcellino de Santa Teresa, Sub prior do nosso Convento de Santa Maria della Vittoria em

Roma; o Padre Mauro de São José, Sub mestre dos noviços da Paróquia Romana, e o irmão laico Alfonso de São Martin. Estes se destinam a fundar um novo Carmelo em Cambuí, na Diocese de Porto Alegre, no sul do

Brasil. Desejamos aos apóstolos do bem larga colheira e trabalho fecundo.” (tradução nossa) 81 DE JESUS. P. D do C. A Reforma Teresiana em Portugal. Lisboa: Escolas Profissionais Salesianas -

Oficinas de S. José, 1962, p. 94. 82 As fundações na Diocese de Pouso Alegre foram as primeiras da Província Romana na América desde sua

criação, em 1617. 83 Onorio di Ruzza nos apresenta a trajetória deste religioso na Ordem, donde destacamos algumas passagens.

Marcellino Dorelli nasceu em 25 de agosto de 1864, em Roma, filho de Giuseppe e Giovanna Antonelli.

Professou na Ordem em 1883 e em 1889, recebeu a ordenação sacerdotal. Foi professor de Filosofia no Colégio

de Caprarola, e em 1900 foi nomeado missionário apostólico, com decreto da S. C. de Propaganda Fide. Em

1904, integrou a comissão preparatória do Congresso Mariano em Roma. Produziu grande número de obras

sobre a história da Ordem e, em 1921, foi eleito membro efetivo da Arcadia, com o nome acadêmico de Verildo Milesio. Morreu em 1946, em Roma. DI RUZZA, O. Quattro Secoli di Cultura – Profili Bio-Bibliografici

degli scrittori e artisti dela Provincia Romana dei Carmelitani Scalzi (1597-1997). Roma: 1996, p. 168-169. 84 De acordo com o disposto no Libro dei Battesimi dal 1851/1882, p. 258/1708 encontrado no Arquivo S. Marco

na cidade de Costacciaro, Vittorio Emmanuele Secondo Bindi nasceu em 14 de março de 1871, em Costacciaro,

Úmbria, filho de Lino Bindi e Filomena Marzolini. De acordo com Edmondo Fusciardi, Vittorio professou na

Ordem em 1887 e depois de dez anos se ordenou. Em 1906, foi nomeado prior do grupo de religiosos destinados

a reabrir o convento de São Valentin, em Terni. Neste local foi ainda definidor provincial, leitor de cartas,

predicador e professor de música e de línguas latinas, entre outros. FUSCIARDI, E. Cenni Storici sui Conventi

dei P. Carmelitani Scalzi della Provincia Romana. Roma: Tipografia Pol. Cuore di Maria, 1929, p. 320. Ver

também o Livro Hierarchia in N. Carmelit. Ordine A. D. MCMXXIV Prov. Rom.

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O terceiro ponto está relacionado ao fato de que os editores deste periódico tornam

público na nota que a intenção da Ordem, ao enviar tais religiosos ao Brasil, é aquela de se

fundar um novo carmelo nesta região.

Finalmente, o quarto aspecto é um curioso erro geográfico que verificamos ao final da

nota, quando esta insere Cambuí na Diocese de Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Este engano

nos despertou a curiosidade para entendermos o que poderia tê-lo ocasionado e, ao

pesquisarmos sobre a história da Ordem, foi possível notar que, no mesmo período, outra

fundação teresiana estava em curso no Brasil, essa sob a responsabilidade de teresianos

espanhóis, que aconteceu no Rio Grande do Sul85. No entanto, a fundação em Minas Gerais

foi a primeira a efetivar-se. Esta informação adquire relevância na medida em que a presença

dos teresianos italianos marca também a primeira presença de descalços no Brasil depois da

Restauração da Ordem na Espanha86.

Cientes de tais aspectos, direcionar-nos-emos à segunda fonte, o manuscrito intitulado

Appunti storici della nostra missione nel Brasile87. Tal documento possui 18 páginas e foi

encontrado junto aos livros de administração das duas paróquias no Arquivo da Província São

José dos Carmelitas Descalços, em Higienópolis, cidade de São Paulo, e requer apontamentos.

Este material não possui autoria e nem data de sua produção. Escrito em italiano, o

documento narra os principais acontecimentos verificados no decorrer dos anos de 1910 até

1917 no Brasil. O posicionamento de seu autor nos leva a crer que o mesmo não integrou os

grupos que chegaram ao país em 1911, 1912, 1914 e 1915. No entanto, este documento nos

traz grande número de detalhes sobre a presença teresiana verificada no Brasil neste período.

O texto termina de modo abrupto, quando o autor se referia aos fatos verificados no país

durante a Primeira Guerra Mundial, quando acontecem manifestações contra os alemães

sediados no Brasil. Este documento, ao referir-se aos fatos ocorridos no país no ano de 1916,

discorre sobre o que ao autor julga ter sido um dos motivos pelos quais os superiores

desejaram fundar uma casa no Brasil: “Uno dei fini principali per cui i Superiori mandarono i

85 EUCARISTIA, Fr. R. de la. El Monte Carmelo. p. 266-280. De acordo com Frei Redento de la Eucaristia, em

7 de maio de 1911 os carmelitas descalços espanhóis tomaram posse em Uruguaiana. Um mês depois, foram

incumbidos da administração da paróquia de São Borja e, em 20 de agosto do mesmo ano, foram empossados

como gestores da paróquia de Alegrete. 86 MAYA, R. M. Los Carmelitas Teresianos en América Latina – Notícias Históricas. Bogotá: Editorial

Kimpress, 2003, p. 32. Pio XI em 1875 extinguiu a Congregação da Espanha, declarando sua unificação com a

Congregação Italiana de Santo Elia. 87 APSJDC. Appunti Storici della Nostra Missione nel Brasile.

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nostri nel Brasile, era di fondare quanto prima um Convento formale, in previsione di

qualche suppressione religiosa in Italia.”88

Diante das evidências contidas nestes dois documentos, cujo teor vai de encontro com

o que expomos a este respeito nas páginas anteriores por meio da análise das atas dos

Definitórios da Província Romana e das obras dos freis Rafael Mejia Maya e Onorio di

Ruzza, somos levados a acreditar que o desejo de expansão da Província Romana na América

do Sul estava relacionado com um projeto de se estabelecer um convento fora da jurisdição da

Província Romana, o que vinculamos aqui ao medo de uma nova supressão das entidades

religiosas na Itália.

De fato, se retrocedermos na história da Província Romana durante o século XIX,

percebemos que essa enfrentou grandes perdas de patrimônio na Itália, efeito advindo das

consequências da Revolução Francesa e das leis anticlericais que entraram em vigor nos anos

posteriores a este evento. Frei Onorio di Ruzza, ao referir-se à Itália, nos afirma que, durante

o período de 1809 a 1815, anos marcados pela supressão das ordens religiosas, todos os

conventos desta Ordem foram confiscados pelo governo daquele país89.

Ainda de acordo com esse autor, a lei de supressão das entidades religiosas vigente no

país desde 1866 foi imposta à Roma e sua província em 1873, e resultou desta vez na perda

dos conventos de Perugia, Urbino, Viterbo, Montecompatri, Caprarola, Montevirginio, Santa

Maria della Scala, Santa Maria della Vittoria, San Pancrazio e Terni. Alguns destes conventos

foram posteriormente readquiridos mediante pagamento. Outros, importantes dentro da

estrutura de formação da Província Romana, foram resgatados somente após alguns anos,

como aconteceu com os conventos de Santa Maria della Scala, Santa Maria della Vittoria, San

Pancrazio e Terni90. Outros imóveis, como os conventos de Sassoferrato, Matelica e Ancona,

todos situados na região do Marche, confiscados no início desse século, não foram

recuperados por essa província.

Porém, não creditamos somente ao medo de uma nova supressão das ordens religiosas

na Itália o projeto de fundação de um convento no Brasil em 1911. Não obstante ao natural

engajamento da Ordem na política ultramontana, apontamos aqui também para a importância

que assumiu a orientação missionária da Congregação Italiana da Ordem dos Carmelitas

88 Ibidem, p. 5. “Um dos fins principais pelo qual os Superiores mandaram os nossos ao Brasil, era de fundar, o

quanto antes um Convento formal, em previsão de qualquer supressão religiosa na Itália.” (tradução nossa) 89 DI RUZZA. O. Sintesi Storico-Cronologica della Provincia Romana dei Padri Carmelitani Scalzi. Roma:

Edizioni O.C.D, 1987, p. 78. 90 Ibidem, p. 86.

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Descalços, na qual a Província Romana está inserida, em oposição à corrente conventual

instalada na Congregação Espanhola da Ordem.

Para compreendermos esta orientação missionária e sua relação com as casas fundadas

no sul de Minas Gerais, necessitamos explicar alguns aspectos ligados à institucionalização da

Ordem dos Carmelitas Descalços e à criação da Congregação da Itália, pois isso nos parece

essencial para entendermos como a Província Romana se integrou, no século XIX, ao novo

contexto de colonização religiosa verificada neste período.

Na história de constituição dos Carmelitas Descalços como ordem religiosa

independente da Ordem do Carmo, podemos observar, de acordo com a periodização

estabelecida por frei Silvério de Santa Teresa, historiador da referida Ordem, e reproduzida

por Fernando Antônio Dantas Ponce de Leon, a existência de quatro fases, que se relacionam

a uma conjuntura, marcada pelos conflitos que se originaram da divergência de objetivos

entre os membros da Ordem do Carmo e o novo grupo que se formou na Espanha, em meados

do século XVI, pelo objetivo desse novo grupo de se constituir em uma nova e diversa

entidade religiosa e pela obstinação deste novo grupo de obter para seu projeto a proteção do

rei espanhol Felipe II91.

A primeira destas fases inicia-se no ano de 1568 e se estende até 1580, e foi

caracterizada pela fundação na Espanha de conventos e mosteiros, onde os carmelitas Teresa

de Ahumada (1515-1582), Juan de la Cruz, Antônio de Jesus e Ambrósio Mariano

reintroduziram a regra primitiva92 da Ordem do Carmo, em que destacam-se como elementos

centrais a penitência, o trabalho manual e a oração, diferentemente da regra mitigada, de rigor

atenuado, seguida então pela Ordem do Carmo93.

A primeira fundação nesse modelo foi o Monastério de Ávila, que ocorreu em 1562 e

que abriu caminho para uma série de novas casas94. A intervenção de Teresa de Ahumada

91 PONCE DE LEON, F. A. D. Carmelitas Descalços no Pernambuco Colonial. Tese de Doutorado em

História. Recife: Universidade Federal de Pernambuco, Centro de Filosofia e Ciências Humanas, 2002, p. 16. 92 A Regra do Carmelo foi elaborada pelo patriarca de Jerusalém Alberto e dada aos carmelitas entre os anos

1206 e 1214. Esta, foi aprovada por Honório III, em 30 de janeiro de 1226, e por Gregório IX três anos mais tarde. Finalmente, Inocêncio IV lhe deu sua aprovação em 8 de junho de 1245, ato reafirmado em 1 de outubro

de 1247. GIRARDELLO. R. Le Origini e la Regola del Carmelo. Roma: Edizioni O.C.D., 1989, p. 5. 93 PONCE DE LEON, F. A. D. Op. Cit., p. 18-25. 94 No período de 1562 até 1582, foram fundados 17 mosteiros, sendo estes o de Ávila em 1562, de Medina del

Campo – Valladolid, em 1567, de Malagon em 1568, Valladolid em 1568, de Toledo em 1569, de Pastrana em

1569, de Salamanca em 1570, de Alba de Torme em 1571, de Segóvia em 1574, de Beas de Segura em 1575, de

Sevilha em 1575, de Caravaca em 1576, de Villanueva de la Jara em 1580, de Palência em 1580, de Sória em

1581, de Granada em 1582, e em Burgos em 1582. Não citamos aqui as fundações de conventos masculinos

empreendidos por Teresa de Ahumada ou sob sua orientação. SCIADINI. P. As Fundações de Santa Teresa.

Aquiraz: Edições Shalom, 2011, p. 25.

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continuou nas fundações que se seguiram e foi vista, principalmente, no apoio às tramitações

realizadas junto ao rei católico e em Roma, para se obter autorização para novas casas95.

Figura 2- Fundações dos mosteiros teresianos na Espanha no século XVI

Nesta fase, foi observada a intensificação dos conflitos que se instauraram entre os

calçados, seguidores da regra atenuada e os descalços, observantes da regra primitiva adotada

nas novas fundações. Tal situação teve fim com a intervenção de Felipe II na querela, o que

resultou na decisão de se estabelecer uma divisão entre as partes litigantes, ato confirmado por

Roma através de um breve papal de 158096.

A segunda fase, por sua vez, inicia-se em 1581 e vai até 1587, e foi marcada pela

realização de dois eventos que concederam ao novo grupo graduais concessões; o primeiro

ocorreu em 1581 e diz respeito à realização do Capítulo de Alcalá, momento no qual é

concedido aos teresianos o direito de se estabelecer como província, e o segundo foi uma

concessão do Papa Sixto V, em 1587, que elevou a referida província à condição de

congregação97.

Neste período, é interessante notarmos que, de acordo com Ponce de Leon, o

estabelecimento de conventos descalços em Portugal (1581 e 1584-85), no vice-reino do

México (1585-86) e na Itália (1584)98, excedeu em muito o objetivo inicial daquele grupo, que

foi o de fundar casas em Portugal, território que, desde 1580, havia sido anexado à Espanha, e

95 PONCE DE LEON, F. A. D. Op. Cit., p. 18. 96 Ibidem. p. 19-21. 97Ibidem. p. 25. 98 Ibidem p. 26.

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onde o projeto de Teresa de Ahumada era estimado pelo arcebispo de Évora 99 . Nesta

expansão, conforme nos é apresentado por Ponce de Leon, teve grande peso o apoio que

Felipe II concedeu a esse grupo, atitude 100 que demandou em troca o engajamento dos

descalços na política de colonização do rei católico101.

A terceira fase vai de 1587 até 1593, e marca o período no qual ocorreu a elevação da

então província à condição de congregação, o que deu-se a partir da divisão da então

província em diversas outras jurisdições. Nesse período, a Congregação passou a ser

composta pelas províncias de Castela de Vieja, Castela la Nueva, Andaluzia, Portugal e

Aragão, que totalizaram 500 membros entre monjas e religiosos. De acordo com Ponce de

Leon, também esse episódio foi resultado da intervenção de Felipe II junto à Roma102.

Finalmente, a quarta fase compreende o ano de 1593 e vai até 1612, periodização que

mais uma vez considera dois marcos institucionais ligados à existência dessa entidade. Neste

caso, enquanto o primeiro assinala a celebração em Cremona, na Itália, de um capítulo que

confirmou a separação entre os Carmelitas e os Carmelitas Descalços, o segundo marca o ano

que foi criada a Província portuguesa de São Felipe103.

No que se refere à Congregação Italiana, esta foi criada sete anos após a

institucionalização da Ordem dos Carmelitas Descalços, mas guarda considerável distância no

que se refere à orientação do grupo que se estabeleceu na Espanha. De fato, a criação da

Congregação Italiana deu-se por intervenção do Papa Clemente VIII que, através da

Constituição «In apostolicae dignitatis culmine» de 13 de Novembro de 1600, instituiu a

Congregação de Santo Elia independente da espanhola e lhe concedeu “la facoltà di fondare

conventi e monasteri ovunque, fuorché in Spagna e nei suoi possedimenti”104. Quando da

emissão desta constituição, eram três os conventos teresianos na Itália. Um em Genova

(1584), e dois em Roma, fundados respectivamente em 1597 e em 1598.

Para Onorio di Ruzza, o nascimento da Congregação Italiana teria se efetivado por

imposição pontifícia, após a recusa por parte da Ordem de transplantar a reforma teresiana da

99 Ibidem, p. 27. 100 Ibidem, p. 30. 101 Ibidem, p. 31. 102 Ibidem, p. 40-42. 103 Ibidem, p. 54- 55. 104

Conventi della Provincia. Alcune notizie stiriche sulla Provincia Romana. Disponível em:

<http://www.carmelitaniroma.it/Il%20Carmelo%20Romano/Conventi.aspx>. Acesso em: 20 maio 2013. “a

faculdade de fundar conventos e monastérios onde quer que seja exceto na Espanha e nas suas posses.”

(Tradução nossa)

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Espanha para a Itália105. Neste período, é preciso lembrar, conforme reiterado por Roggero

Anastasio, que um contexto bem específico marcou a existência da Ordem. Por um lado, a

existência do Padroado na Espanha e a reforma das ordens religiosas empreendida por Felipe

II impôs a estas a adoção da modalidade ativa. De outro lado, é preciso pontuar que tal

posicionamento do rei católico não foi aprovado pelo Concílio de Trento que, por sua vez, no

que se refere à reforma das ordens religiosas, optou pela conventualidade106. Deste modo, é

interessante notarmos que, conforme nos foi apontado por Anastasio, a reforma teresiana na

Espanha esteve fortemente vinculada à orientação de Felipe II, relegando a Roma uma

importância secundária107.

Com relação à ereção de uma congregação da Itália independente da espanhola,

Elisabetta Marchetti nos coloca que a razão que levou Clemente VIII a esse ato foi “quello di

assicurare il carisma della riforma teresiana;(...) e, quindi, la difesa dell’indipendenza di un

ramo dell’ordine dalle mire e dalle influenze della Corona spagnola” 108 . Isso se faz

compreensível na medida em que a institucionalização da Ordem deu-se por intervenção e

proteção do rei católico perante a Santa Sé.

Ademais, uma importante conjuntura permeia tais fases, e é essencial para

entendermos a orientação missionária da Congregação Italiana em oposição à orientação

vigente na congregação Espanhola, local de nascimento da Ordem dos teresianos. Esta

conjuntura está relacionada com os governos de Padre Gracian, primeiro provincial teresiano

(1581-1584) e seu sucessor, Nicolò Doria (1585-1594). Utilizamo-nos aqui de Pastor para nos

explicar tal quadro. De acordo com este autor, Padre Gracian (1581-1584), durante o período

em que foi provincial, teve o cuidado de seguir a orientação de Teresa de Ahumada, a qual

soube conciliar a observância da regra primitiva em um contexto marcado pelo regime do

Padroado na Espanha de Felipe II, ao contrário do genovês Nicolò Doria, que a partir de 1585

o sucede no governo da Ordem. Ainda de acordo com Pastor, este último: “(...) richiamò i

missionari dal Congo, limito al minimo la cura di anime, combattè um ulteriore estendersi

105 DI RUZZA. O. Sintesi Storico-Cronologica della Provincia Romana dei Padri Carmelitani Scalzi. Roma:

Edizioni O.C.D, 1987, p. 13. 106 ROGGERO, A. Genova e gli inizi della Riforma Teresiana in Italia (1584-1597). Genova: Sagep Editrice,

1984, p. 23. 107 Ibidem, p. 10. 108 MARCHETTI, E. La reforma del Carmelo scalzo tra Spagna e Italia. Disponível em:

<http://dev.dsmc.uniroma1.it/dprs/sites/default/files/412.html>. Acesso em: 10 ago. 2013. “aquele de garantir o

carisma da Reforma teresiana e portanto, a defesa da independência de um ramo da Ordem das miras e das

influencias da Coroa Espanhola.” (tradução nossa)

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dell´Ordine oltre la Spagna, aumento l’austerità nella forma esteriore della vita come nel

Governo dell’Ordine”109.

Tal postura é explicada por Ildefonso Moriones pela formação que frei Doria teve no

convento de Los Remedios, em Sevilha, onde professou em 25 de março de 1578 e onde de

acordo com o mesmo autor, se praticava, neste período a regra primitiva, os votos religiosos e

o “estar sempre encerrado em casa e nunca sair”110.

Segundo Pastor, portanto, a postura instaurada no governo de frei Doria visou incutir

nos Carmelitas Descalços na Espanha a observância rígida do modelo contemplativo. Por sua

vez, ao referir-se ao desenvolvimento dos teresianos na Itália, assim se coloca Pastor:

Sul suolo italiano l’Ordine Carmelitano si sviluppò allora

totalmente sulle vie tracciate da Teresa; essa da allora prese uma nuova

impronta, e raggiunse uma nuova e grande prosperità. I Carmelitani

che presero il nome di Teresa hanno fato molto nelle missioni tra gli

infedeli; nella fondazione di Propaganda, come nel Seminario dele

Missioni di Parigi, la più influente società missionaria dell’evo moderno,

è stata spiccatamente quella dei Carmelitani (Pastor Storia dei Papi, Vol

IX p. 118).111

Conforme foi-nos apresentado por Pastor, Silvano Giordano também acredita que o

espírito missionário parece ser predominante na Congregação Italiana neste período, enquanto

entre os teresianos espanhóis, foi forte a corrente que optou pela conventualidade, elemento

que pode ter sido motivado, de acordo com o mesmo autor, pela “acentuação dos aspectos

eremíticos da regra”112.

Ainda que não seja aqui nossa intenção aprofundar esta discussão, é oportuno dizer

que a contradição de correntes existentes entre as duas congregações chegou ao século XIX

sem alterações consideráveis. De acordo com Moriones, com as consequências advindas da

109 PASTOR. Storia dei Papi. Vol. X. p 118. In: ROGGERO, A. Genova e gli inizi dela Riforma Teresiana in

Italia (1584-1597). Genova: Sagep Editrice, 1984, p. 9. “chamou de volta os missionários do Congo, limitou ao mínimo o cuidado com as almas, combateu uma ulterior estender-se da Ordem além dos domínios da Espanha,

aumentou a austeridade na forma exterior na vida e no Governo da Ordem.” 110 MORIONES, I. Il Carmelo Teresiano. Pagine di Storia. Roma: Edizioni del Terezianum, 1981, p. 147-150. 111 PASTOR. Storia dei Papi. Vol. X. p 118. Op. Cit., p. 9. “No solo italiano a Ordem Carmelitana se

desenvolveu totalmente sob as vias traçadas por Teresa; essa desde então imprimiu uma nova marca e atingiu

uma nova e grande prosperidade. Os carmelitas que tomaram o nome de Teresa fizeram muito nas missões entre

os infiéis, na fundação da Propaganda, como no Seminário das missões de Paris, a mais influente sociedade da

idade moderna foi marcadamente aquela dos Carmelitanos.” 112 GIORDANO, S. I Carmelitani Scalzi e le Missioni. Disponível em:

<http://www.ocd.pcn.net/mission/mis_hIt.htm>. Acesso em: 9 ago. 2013.

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Revolução Francesa e as leis anticlericais que entraram em vigor no período que seguiu-se a

tal evento, a Congregação Espanhola assistiu lentamente a sua desintegração, e os seus

sobreviventes foram obrigados a se integrar à Congregação Italiana. A sobrevivência desta

segunda, deveu-se, segundo o mesmo autor, à sua política missionária, que a levou a

estabelecer uma expansão geográfica, que compreendia as casas no estrangeiro, enquanto a

Congregação Espanhola, dividida entre conflitos internos e sem esta perspectiva, diluiu-se sob

as perseguições recorrentes que assolaram a Igreja Católica no século XIX113.

É neste contexto que se insere a Província Romana, responsável pela fundação de

casas no sul de Minas Gerais em 1911. Esta província foi criada em 14 de maio de 1617 no V

capítulo geral da Congregação Italiana de Santo Elia, celebrado no convento de Santa Maria

della Scala (Roma). Neste capítulo, foram eretas também as províncias Genovesa, Polaca,

Lombarda, Avenio-aquitania e a Flandro-Belga, todas sob a jurisdição da Congregação

Italiana114.

É importante notarmos que, no período de 1617, ano de criação da Província Romana,

até 1911, data em que foram fundadas casas teresianas no Brasil, esta província possuiu

apenas quatro missões, sendo estas a do Iraque (1623)115, a da Síria (1627)116, a da Índia

(1656)117 e as casas fundadas na Síria em 1858 e em 1908118.

Poucas são as informações que encontramos sobre estas missões que, de acordo com a

obra de frei Onorio di Ruzza, parecem ter tido duração efêmera. Em relação às duas últimas,

ambas fundadas na Síria, sabemos que foram confiadas à Província Romana por determinação

da Propaganda Fide, o que não acontece no caso da fundação em Minas Gerais.

De fato, não obstante à orientação missionária presente na Congregação italiana,

devemos aqui dispensar grande atenção à política ultramontana vigente. Acreditamos, pois,

que a penetração dos teresianos em 1911 deve ser vista, acima de tudo, como parte da

Reforma Ultramontana, a qual vincula-se o crescimento das missões verificado no século

XIX.

De acordo com Roger Aubert, o difícil período que se verificou para a Igreja Católica

após a Revolução Francesa, com a gradual adoção de leis anticlericais em muitos países da

Europa e da América Latina, não foi capaz de anular um prodigioso crescimento e renovação

113 MORIONES, I. Il Carmelo Teresiano. Pagine di Storia. Roma: Edizioni del Terezianum, 1981. 114DI RUZZA. O. Sintesi Storico-Cronologica della Provincia Romana dei Padri Carmelitani Scalzi. Roma:

Edizioni O.C.D, 1987, p. 27. 115 Ibidem, p. 31. 116 Ibidem, p. 36. 117 Ibidem, p. 54. 118 Ibidem, p. 98.

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das ordens e congregações religiosas, que se intensificou a partir da segunda metade do século

XIX119. Os beneditinos que, em 1850 contavam com um efetivo de 1600 membros, passaram

para cerca de 6000 em 1900; os jesuítas que, em 1852 tinham 4652 integrantes, viram seu

efetivo subir para 16894 em 1914; os redentoristas que, em 1850 contavam com 1238

membros, passam para 4069 em 1910; os capuchinos ultrapassaram 10000 membros a partir

do ano de 1908, entre outros120.

Ainda de acordo com o mesmo autor, para as instituições religiosas recentes, este

crescimento foi ainda mais intenso. Os salesianos, instituídos em 1857, atingiram em menos

de cinquenta anos 3526 membros; os missionários de Steyl, que em 1875 contavam com 4

integrantes, atingiram em 1910 o número de 1370; os padres brancos da África, em 1908, ou

seja, quarenta anos depois de sua fundação, já contava com 600 padres e 400 irmãos, entre

outros. As congregações femininas, por sua vez, acompanharam tal tendência: as irmãs do

Bom Pastor de Angers, que em 1868 tinham 2.067 integrantes, passaram a contar com um

efetivo de 7.044 em 1901; as franciscanas de Salzkotten, que somavam em 1862 30 membros,

chegaram a 2.000 integrantes em cinquenta e dois anos; as franciscanas de Heythuisen, que

em 1846 possuiam um efetivo formado por dezenas de religiosas, passa a apresentar em 1917

um quadro de 2700 integrantes, entre outras121.

O crescimento de ordens e congregações religiosas neste período, de acordo com

Euclides Marchi, pode ser visto como um verdadeiro “surto de religiosidade clerical”, que

juntamente com a difusão de novas devoções reformadas na segunda metade do século XIX,

contribuiu para a propagação e defesa da Igreja ultramontana centralizada e militante122.

Bruls, ao deter-se sobre o fenômeno do revigoramento da vida cristã, defende que esse

foi favorecido por condições internas e exteriores à Igreja, e relaciona-se no primeiro caso e

de modo especial à “multiplicação extraordinária dos efetivos disponíveis para a ação

missionária”. No entanto, tal fenômeno se beneficiou da melhoria das condições dos

transportes terrestres e marítimos, que permitiu aos religiosos facilidades de deslocamento

nunca vistas antes. Estes, a partir de então, também se aproveitaram das condições de

segurança e de ordem proporcionados e implantados a nível mundial pela expansão

119 AUBERT, R. Nova História da Igreja: A Igreja na sociedade liberal e no mundo moderno. (Tomo I). p. 108-

109. 120 Ibidem, p.109. 121 Ibidem, p. 110-111. 122 MARCHI, E. A Igreja e a Questão Social: O discurso e práxis do catolicismo social no Brasil (1850 -1915).

Tese de Doutorado em História. São Paulo: Universidade de São Paulo. Faculdade de Filosofia, Letras e

Ciências Humanas, 1989, p. 135-136.

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imperialista europeia durante o século XIX e o fim de embargos à entrada de missionários em

muitos países da Ásia123.

Ao referir-se ao final do século XX, este autor afirma que grande parte do mundo

havia sido, ao menos teoricamente, cristianizado e, neste processo, colonização e missão

andavam juntos. De acordo com Bruls:

Missão e colonização caminhavam juntas, a primeira dando boa

consciência à segunda e recebendo dela apoio e proteção. As missões

cristãs “levavam às ambições civilizadoras da Europa o suplemento de

alma que radicalmente lhes faltava.124

Augustin Wernet nos afirma que este laço existiu, apesar do antagonismo aparente

entre o discurso antiliberal assumido pela Igreja ultramontana e o capitalismo125. Para Marchi,

esse movimento missionário permitiu a muitas ordens e congregações religiosas europeias se

fixarem em outras nações como o Brasil, onde estas trouxeram novos padrões de

comportamento e práticas do catolicismo ultramontano, visando a transformação das práticas

religiosas dos povos locais126.

No Brasil, ainda durante o período imperial, pôde-se observar a atuação de religiosos

estrangeiros que, como já foi dito, foram introduzidos no país a partir da ação dos chamados

bispos reformadores, que se utilizaram deste efetivo para iniciar a reforma do clero no Brasil.

Mas foi a partir do fim do Padroado e aproveitando-se também do progresso capitalista, que a

Igreja passou a gozar de uma maior liberdade de ação para intensificar esta estratégia127.

No que se refere às ordens tradicionais, verificadas no Brasil desde o período colonial,

ainda durante o Império iniciou-se o processo de sua decadência. Neste período, Hugo

Fragoso considera como tais instituições religiosas, na ala feminina, a Ordem das Clarissas, a

Ordem de Santa Úrsula, a Ordem da Imaculada Conceição e as Carmelitas Descalças, e na ala

masculina, a Ordem de São Bento, a Ordem dos Carmo, a Ordem de São Francisco, a Ordem

123 BRULS, J. A Atividade Missionária de 1850 ao Vaticano II, In: AUBERT, R. A Nova História da Igreja –

A Igreja na sociedade liberal e no mundo moderno II. (Tomo II). Petrópolis: Vozes, 1976, p. 181. 124 Ibidem, p. 185. 125 WERNET, A. A Igreja Paulista no século XIX: A reforma de D. Antônio Joaquim de Melo (1851-1861).

São Paulo: Ática, 1987, p. 184. 126 MARCHI, E., Op. Cit., p. 139. 127 MARCHI, E., Loc. Cit.

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de Nossa Senhora das Mercês e a Ordem dos Capuchos128. De acordo com esse autor, as

principais particularidades dessas instituições religiosas eram:

(...) viviam, sobretudo, como rotina de vida, voltadas quase

exclusivamente para dentro dos conventos. Suas atividades apostólicas

estavam também dentro dos critérios “rotineiros”, restringindo-se

demasiadamente aos moldes tradicionais. No tocante às ordens

femininas tradicionais, sua característica principal continuava sendo a

vida de recolhimento.129

Assim de acordo com Fragoso, com esse cotidiano, marcado de modo geral pela

ausência de atividades apostólicas, eram recorrentes, neste período, denúncias que chegavam

às Assembleias Legislativas sobre a inatividade destas ordens e a falta de utilidade das

mesmas130.

Como as tentativas para se reformar estas ordens haviam resultado anteriormente em

fracasso, a ação para assumir seus patrimônios tornou-se uma prioridade para os bispos e

também para o Império. Ao abordar as principais razões de decadência das ditas ordens

tradicionais, Hugo Fragoso acredita que estas foram a ausência de rigor para se admitir

aspirantes à vida monástica, o desleixo na formação dos admitidos, a existência de desavenças

entre os religiosos e, finalmente, a falta de punição por parte dos superiores das

irregularidades cometidas pelos membros das comunidades religiosas131.

Desenvolveu-se neste período uma política de animosidade por parte do Império com

relação às antigas ordens religiosas, o que, segundo o autor, deu-se em consequência do

interesse pelos bens destas ordens. Concomitantemente, o governo incentivava a vinda de

ordens estrangeiras, o que se justificou, segundo Fragoso, por motivos políticos e econômicos.

Em termos políticos, a vinda de ordens europeias ao Brasil constituía um interesse do Império

que objetivava, naquele momento, europeizar a nação, estratégia que constituía-se em um

instrumento valioso para os bispos que buscaram neste período um maior alinhamento com a

Santa Sé, como visto no item anterior. Economicamente, podemos observar, conforme nos

fora apontado por Fragoso, que a entrada das novas ordens europeias ocorria sob rígido

128 FRAGOSO, H. A Igreja na Formação do Estado Liberal, In: BEOZZO, J. O. (et. al.) História da Igreja no

Brasil: Ensaio de interpretação a partir do povo. Segunda época: século XIX. 4º ed. Petrópolis: Vozes, 2008, p.

200. 129 FRAGOSO, H., Loc. Cit. 130 FRAGOSO, H., Loc. Cit. 131 Ibidem, p. 202.

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controle do Império, que estava empenhado em impossibilitar a essas instituições adquirir

bens de modo desregrado, como já acontecera no passado com as ordens brasileiras. Estas,

por sua vez, neste período, definhavam sob o peso de medidas restritivas que lhes eram

importas pelo governo e que visavam sua extinção132.

No caso dos Carmelitas Descalços, se retroagirmos na história da sua presença no

Brasil, vemos que a Província de São Felipe de Portugal foi a primeira a mandar teresianos ao

país133. De acordo com Ponde de Leon, o envio de teresianos portugueses ao Brasil-Colônia

pode ser visto como parte do pacto que as ordens religiosas deveriam executar no regime de

Padroado134. Neste período, observamos a instalação dos Descalços em Salvador (1665)135,

Olinda (1686)136 e Recife (1742)137. Ainda no século XVIII, efetuaram uma breve presença na

cidade do Rio de Janeiro, que durou de 1714 até 1716, quando retornam à Bahia depois de

terem desistido de ali manter residência138.

Posteriormente, em 1741, quando o carmelita descalço Dom Frei João da Cruz

administrava na qualidade de bispo a Diocese do Rio de Janeiro, os teresianos conseguiram

voltar para essa região, onde realizaram breves passagens às margens dos Rios Jacuhy, Sinos,

Cahy e Guahyba e de onde, finalmente destinaram-se ao Rio Grande do Sul139.

Em 1808, outro episódio desta presença teve início. Com a fuga da Família Real

portuguesa para o Rio de Janeiro, vieram com a Corte dois carmelitas descalços: os padres

João dos Santos e Nicoló de Jesus Maria, que permanecem na cidade até 1822. Nesse período,

vemos a atuação destes religiosos junto à Corte, e após o retorno de Dom João VI à Lisboa,

em 1821, junto à Igreja de Santo Antônio dos Pobres, na Rua dos Inválidos, centro da cidade

do Rio de Janeiro e na Igreja de Nosso Senhor dos Passos, situada na rua de mesmo nome. A

Independência do Brasil obrigou estes religiosos a se desvincularem da Província portuguesa

de sua Ordem, e não concordando com tal exigência do Império, os frades retiram-se

novamente para a Europa140

.

132 Ibidem, p. 200-205. 133 JESUS, P. D. do C. de. A Reforma Teresiana em Portugal. Lisboa: Escolas Profissionais Salesianas-Oficinas de S. José, 1962, p. 91. 134 PONCE DE LEON, F. A. D. Carmelitas Descalços no Pernambuco Colonial. Tese de Doutorado em

História. Recife: Universidade Federal de Pernambuco, Centro de Filosofia e Ciências Humanas, 2002, p. 31-33. 135 JESUS, P. D. do C. de. Op. Cit., p. 92. 136 Ibidem, p. 99-100. 137 Ibidem, p. 102. 138 Ibidem, p. 101-102. 139 JESUS, P. D. do C. de. Loc. Cit. 140 FUSCIARDI, E. Cenni Storici sui Conventi dei P. Carmelitani Scalzi della Provincia Romana. Roma:

Tipografia Pol. Cuore di Maria, 1929, p. 308.

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Mas foi a partir da década de 1820, com o acirramento das medidas anti-clericais, que

podemos observar a expulsão definitiva dos teresianos de suas antigas fundações. Com efeito,

em 1823, os teresianos foram expulsos de seu convento de Olinda, Estado de Pernambuco,

onde a Ordem foi suprimida em 1831141. Na Bahia, a supressão ocorreu em 1840142

, findando

a presença dos Carmelitas Descalços no Brasil.

No Estado de Minas Gerais, em 1911, ao aceitar a administração das paróquias sul

mineiras, os teresianos se dedicam à “vida ativa”, conforme exige a atividade missionária, e

de acordo com a orientação da Congregação Italiana e da política expansionista da Igreja, que

dedica grande atenção à pastoral entre as populações, e é a partir deste contexto que podemos

observar com mais propriedade sua atuação em terras sul mineiras.

Deste modo, o que expusemos nas páginas anteriores conduz-nos a algumas questões

importantes para a compreensão da atuação teresiana nesta diocese. Primeiramente, podemos

apreender que o desejo de fundação de casas teresianas no sul de Minas acontece movido por

expectativas diferentes. Se de um lado esta é uma recomendação que integra a política

reformista seguida então pelo episcopado brasileiro e executada por Dom Assis, é por sua vez

inicialmente o desejo da fundação de um carmelo ou casa de formação no Brasil, que move a

Província Romana a aceitar a administração das paróquias sul mineiras com o aval do

Definitório Geral da Ordem.

Neste contexto, resta-nos analisar como se articulam tais expectativas e projetos, e

como se dá a atuação da Ordem nas referidas paróquias, com o objetivo de entender o

confronto, apropriações e negociações entre catolicismo local e o ultramontano. Com efeito,

esta análise partirá do estudo do ambiente da missão, palco dos episódios verificados no

período de 1911 até 1922.

1.3 - O Construir-se de Povoados Devotos

Giunsi alla città sopra di una mula bianca fornitami gentilmente

da uno de’ primi Signori di Corrego, ed entrai a Cambuhy tra due fitte

ali di popolo recante magnifiche palme di banano ed acclamante senza

141 JESUS, P. D. do C. de. Op, Cit., p. 101. 142 Ibidem, p. 94.

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posa. Uno stuolo di fanciulle mi precedeva lungo la via tutta decorata,

per la circostanza, di piante ornamentali.143

O trecho acima transcrito foi extraído de uma crônica publicada no periódico mensal

ilustrado da Ordem dos Carmelitas Descalços Il Carmelo, datada de 25 de abril de 1911, de

autoria de frei Marcellino Dorelli. Nele podemos visualizar uma das primeiras impressões

registradas por este frei sobre Cambuí, por ocasião da cerimônia de sua tomada de posse

como pároco de Cambuí, ato que se verificou em 9 de abril de 1911.

Com efeito, nesta ocasião percebemos pela primeira vez um traço que será uma

constante nas descrições deste missionário: o aspecto festivo observado nas práticas da

religiosidade local. Podemos observar também o inicial apoio concedido pelas autoridades

locais, neste caso específico, por autoridades do bairro de Córrego ao novo pároco de Cambuí,

apoio reiterado, ainda na mesma crônica, por outras autoridades locais de Cambuí, como o

Juiz de Instrução e Juiz de Direito desta comarca.

A partir destas iniciais observações, julgamos que uma importante questão deve ser

feita. De fato, em 1911, quais eram, nesta localidade, os poderes estabelecidos, e quais as

relações que estes mantinham com a Igreja Católica e a população local? A resposta a esta

interrogação nos parece, neste ponto, fundamental para compreendermos como se configura

neste período o território de Cambuí que, a partir de abril do referido ano, se torna palco das

relações verificadas entre leigos e religiosos, entre as práticas do catolicismo local e os rituais

do catolicismo reformado.

Com o objetivo de responder tal questão, nos debruçamos sobre a configuração sócio-

política, econômica e cultural de Cambuí quando da chegada dos teresianos, buscando

também refletir sobre o processo de formação destas duas localidades sul mineiras.

Depois de quinze dias de viagem a bordo do vapor Cordova, o pequeno grupo de

teresianos destinados a atuar no sul de Minas Gerais desembarcou na cidade do Rio de

Janeiro, de onde seguiu rumo ao bispado sul mineiro144. Já neste Estado, esta comitiva se

encaminhou para a cidade de Pouso Alegre, sede episcopal onde teve lugar o primeiro

143 DORELLI, E. I Carmelitani Scalzi al Brasile. Il Carmelo. Milano: 1911, p. 174-175. “Cheguei à cidade em

cima de uma mula branca que me foi oferecida gentilmente por um dos primeiros Senhores de Córrego, e entrei

em Cambuí entre duas fileiras de povo trazendo magnificas folhas de bananeira e aclamando sem pausa. Uma

multidão de meninos e meninas me precedeva ao longo da via, para a circunstância, de plantas ornamentais.”

(tradução nossa) 144Ibidem, p. 174.

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encontro com Dom Assis e de onde o grupo partiu para assumir a administração das duas

paróquias145.

Quando da chegada dos teresianos ao sul de Minas em 1911, é interessante notarmos

que Cambuí era um jovem município que havia conseguido sua emancipação político-

administrativa de Camanducaia em 1889. O município fora criado com uma área de

considerável extensão geográfica, constituída por três paróquias146. Uma destas, e a de maior

representatividade para a sede da municipalidade em termos econômicos e de relações sócio-

políticas, foi a de Córrego do Bom Jesus, que distava da sede cerca de 15 quilômetros.

Durante as últimas décadas do século XIX e a primeira década do século XX, a

interação sócio-política e econômica entre a sede da municipalidade e este bairro tornou-se

evidente, e pode ser observada em três situações: primeiramente no âmbito político, uma vez

que a composição da Câmara Municipal de Cambuí congregava, em seus cargos mais

elevados, elementos provenientes também da localidade de Córrego, configuração que parecia

refletir o poder detido pelos mais altos postos do 64º Batalhão da Guarda Nacional de

Cambuí147. A aliança entre estes elementos foi selada por uniões matrimoniais das principais

famílias detentoras do poder nestas localidades: a família Lambert de Cambuí e a família

Quintino da Fonseca de Córrego148. A força desta composição era tal, que não alterou a

liderança local exercida desde 1861 pelo Coronel Francisco Cândido de Brito Lambert,

quando da Proclamação da República. Nesta ocasião, o Partido Republicano Mineiro

consentiu na manutenção deste chefe à frente da administração política local149. Do mesmo

modo, também percebemos já no século XX a integração de uma das máximas autoridades

locais, o funcionário nomeado pelo governo, Dr. Carlos Cavalcanti, (Juiz de Direito de

Cambuí no período de 1900 até 1922), à estrutura coronelista, o que foi selado também por

meio de matrimônio com uma integrante da família Quintino da Fonseca150.

Maria Isaura Pereira de Queiroz, em sua obra O Mandonismo Local na Vida Política

Brasileira e Outros Ensaios, fornece elementos que nos ajudam a compreender tais fatos. De

acordo com a autora, a permanência do coronelismo (após o fim do sistema monárquico e a

145 PROVINCIA SÃO JOSÉ DOS CARMELITAS DESCALÇOS. Revista O Mensageiro de Santa Teresinha,

ed. dez., 2010, p. 12. 146 Composto pelas paróquias de São Sebastião, São Roque do Bom Retiro e da capela do Senhor Bom Jesus do

Córrego, que fica elevada à categoria de freguesia. 147 LAMBERT, L. F. Biogeografia de Uma Cidade Mineira. Belo Horizonte: Imprensa Oficial do Instituto

Histórico e Geográfico de Minas Gerais e da Comissão Mineira de Folclore, 1973, p. 53. 148 FINAMOR, M. A. C. F. Pesquisa sobre Capitão Quintino da Fonseca. Córrego do Bom Jesus:

Mimeografado, 2009. 149 LAMBERT, L. F. Op. Cit., p. 94. 150 Ibidem, p. 96.

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introdução do novo sistema eleitoral na Constituição de 1891, que concedeu a todo brasileiro

ou naturalizado o direto de voto), constituiu-se em grande motivo de espanto para os adeptos

do regime republicano151. Entendido aqui como forma de poder político que derivou-se da

influência e poder exercido pelos detentores das mais altas patentes da Guarda Nacional152 a

nível local, o coronelismo perdurou ao fim da monarquia e entrou no período republicano com

força, o que também foi visto na região que ora analisamos153.

A referida autora ainda afirma que, nas primeiras eleições realizadas após a

proclamação da República, foram verificadas dificuldades para se encontrar republicanos para

ocupar os cargos até então exercidos pelos antigos políticos, que continuaram a ser eleitos em

muitos estados do país, e mesmo naqueles onde o Partido Republicano não era novidade,

como é o caso de Minas Gerais154.

Neste ponto reside um importante aspecto. Se a República significou o fim do

Padroado e inaugurou o Estado laico, período no qual a Igreja ganha força para se reestruturar

internamente, visando um alinhamento com a Santa Sé, a nível local, percebemos que tal

momento não significou um corte nas relações políticas locais. Ao referir-se à força dos

senhores rurais no período colonial e imperial, Maria Isaura apresenta a instituição de

diversos cargos, como juiz de foro, ainda no período colonial, e as funções de chefes,

delegados e subdelegados da Polícia em 1841, como tentativas de controlar o poder dos

senhores rurais. Este mecanismo consistia em empossar em tais funções indivíduos cuja

nomeação era realizada pelo governo central e provincial, o que acontecia visando introduzir

na região um elemento estranho, que agiria no sentido de desmantelar o poder exercido pelos

senhores rurais no interior, o que segundo a autora, não aconteceu, pois “perdidos no fundo do

sertão, não dispondo de forças para efetuar prisões, isolados pela distância dos centros

provinciais e muito mais ainda da capital do Império, só puderam viver acolhendo-se à

sombra do mandão local, auxiliando-o e partilhando-lhe a sorte.”155 E isso nos ajuda a

compreender a situação de Cambuí.

151 QUEIROZ, M. I. P. de. O Mandonismo Local na Vida Política Brasileira e Outros Ensaios. São Paulo: Alfa-Omega, 1976, p. 163. 152 De acordo com Maria Isaura, a Guarda Nacional foi instituída no Brasil em 1831 com a proposta de “defender

a Constituição, para auxiliar na manutenção da ordem prevenindo revoltas, para promover o policiamento

regional e local.” O engajamento neste órgão dos seus servidores dava-se de acordo com critérios de renda, que

serviam para delegar aos mesmos as patentes para militares, que serviram no decorrer de sua existência para

hierarquizar as relações sociais a nível local. Em Cambuí, a Guarda Nacional foi criada, como já dissemos, em

1851. 153 QUEIROZ, M. I. P., Op. Cit.

154 Ibidem, p. 113-114. 155 Ibidem, p. 55-70.

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Em segundo lugar, percebemos que a integração entre ambas localidades se faz

presente em prol de interesses econômicos comuns. Através das edições de 1874 e 1884 do

Almanach Sul Mineiro, podemos ver que muitos dos nomes que aparecem relacionados como

capitalistas, proprietários de engenho e fazendeiros nestes documentos, constam em um

decreto de nomeação para a Guarda Nacional já no período republicano, em 1899156, como

capitães e coronéis da Guarda Nacional, e é fundamentalmente o mesmo grupo de famílias

que se congrega em 1904, sob a direção do Juiz de Direito, Carlos Cavalcanti, para formar a

Sociedade Agrícola, Comercial e Industrial de Cambuí, órgão que tinha por objetivo trabalhar

pelos interesses da lavoura, comércio e indústria, e também propagandear pelo assentamento

dos trilhos de uma estrada de ferro que passasse por Cambuí, projeto do capitalista paulista

Abílio Soares e cuja execução nesta região não chegou a concretizar-se157.

Tal reivindicação era apregoada pela elite rural local como necessária ao

desenvolvimento do município e à escoação da “representativa” produção agropecuária local.

Algumas fontes deste período nos ajudam a entender tal economia. De acordo com a edição

do Jornal A Propaganda de setembro de 1904, Cambuí neste período possuiu como principal

atividade econômica a agricultura, “que tem tido crescente desenvolvimento, consistindo na

cultura do café, fumo, cana de açúcar e cereais. A criação do gado vacum, cavalar, muar e

sobretudo suíno tem tido também grande incremento”158.

A presença da lavoura de café, contudo, parece ser recente. De acordo com o

Almanach Sul Mineiro de 1874, neste ano em Cambuí “a principal cultura é a do fumo, cuja

producção se avalia em mais de vinte mil arrobas. Também exporta algum gado e

ultimamente inicia-se a plantação do café.”159

Somente dez anos mais tarde é que percebemos o aumento desta produção. Assim,

podemos notar no Almanach Sul Mineiro para 1884 que neste ano a população é estimada

entre seis e sete mil habitantes. No que se refere à economia, temos notícia do cultivo da cana

de açúcar, fumo e finalmente café, item cuja produção é estimada em cinco mil arrobas.

Outras atividades também são listadas, como a exportação de “gado e porcos para S. Paulo e

para a côrte, grande quantidade de polvilho para diversos lugares e tratando-se também da

indústria da cera”.160

156 Cf. Diário Official República dos Estados Unidos do Brasil. 11 jun., 1899. 157 JORNAL A PROPAGANDA. Cambuí, MG: Ed. 22 set., 1904. 158 Idem. 159 VEIGA, B. S. da. Almanach Sul-Mineiro. Campanha: Typ. do Monitor Sul Mineiro, 1874, p. 265. 160 Idem,1884, p. 400.

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Córrego, por sua vez, apresenta um reflexo desta economia. Ao findar o século XIX,

Alfredo da Costa Guimarães, secretário e membro da Comissão encarregada pelo Conselho

Distrital da Freguesia de Bom Jesus do Córrego, reporta a presença da lavoura cafeeira que,

de acordo com o parecer da Comissão, colhe perto de dez mil arrobas de café161. Estes dados

nos indicam, assim como o constatado por Marcel Pereira da Silva em sua dissertação De

Gado a Café: As ferrovias no sul de Minas Gerais (1874-1910), que a cultura do café nesta

região ainda era pouco representativa durante as últimas décadas do século XIX162. Por isso,

acreditamos que os poderes locais constituídos assentavam-se sobre uma economia

diversificada e não de grandes propriedades, e cujos poder econômico não atingiu grande

representatividade.

Neste ponto necessitamos estar atentos à finalidade dos órgãos que utilizamos aqui

para nos informar destes dados, ou seja, o Almanach Sul Mineiro e o Jornal A Propaganda de

Cambuí. De fato, no que se refere ao Almanach Sul Mineiro, percebemos que este órgão é de

propriedade da família Veiga de Campanha, família ligada por gerações a um projeto de

criação de uma província sul mineira independente e cuja sede seria em Campanha. Este

projeto encontrou difusão na imprensa local de propriedade da mesma família e através do

Almanach Sul Mineiro, veículo utilizado para fazer “um levantamento do sul do estado” para

posteriormente reivindicar sua separação político-administrativa163. Já em relação ao segundo

veículo de comunicação, o Jornal A Propaganda de Cambuí, é interessante notarmos que a

única edição encontrada deste órgão é de 1904, ano em que o mesmo elabora uma edição

especial dedicada à Cambuí, ocasião em que seu editor deixa claro que esta edição do jornal

era um “Trabalho que tentamos fazer para também entrarmos na collisão daqueles que

sonham com a felicidade desta parte sul mineira e reclamam para ella um vehiculo de

progresso, um elemento de prosperidade”. ou seja, fazer propaganda do jovem município para

sua inclusão no percurso do sonhado assentamento de uma linha férrea que contemplasse

Cambuí.

161 Cf. Arquivo da Cúria Metropolitana de São Paulo. Pastas avulsas – Paróquia de Bom Jesus do Córrego.

Alfredo da Costa Guimarães, secretário e membro da Comissão encarregada pelo Conselho Distrital da

Freguesia de Bom Jesus do Córrego. 22 de Dezembro de 1898. 162 SILVA, M. P. da. De Gado a Café: As ferrovias no sul de Minas Gerais (1874-1910). Dissertação de

Mestrado em História Econômica. Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências

Humanas, 2012, p. 85. 163 CASTRO, P. M. G. E. Minas do Sul: Visão corográfica e política regional no século XIX. Dissertação de

Mestrado em História. Mariana: Universidade Federal de Ouro Preto. Instituto de Ciências Humanas e Sociais,

2012, p. 224.

Page 61: “il tanto vantato cattolicismo del Sul de Minas” · AGRADECIMENTOS A realização desta pesquisa tornou-se possível graças ao apoio recebido de diversas pessoas e instituições

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Ambos, deste modo, parecem querer exaltar as peculiaridades do território sul mineiro

e de Cambuí, com destaque para os números que representam sua população164 e economia,

para reivindicar à elite rural local apoio a seus projetos e ações por parte do governo da

Província e depois do Estado.

Porém, um aspecto comum nestes dois órgãos, a referência à queixa dos líderes locais

sobre a ausência de assistência por parte do governo da Província e posteriormente do Estado,

nos fornece importante evidência para imaginarmos que a força econômica desta região não

era muito forte, por conseguinte, a consideração a ela dispensada por parte do governo de

Minas Gerais foi deficiente em vários momentos. Corrobora para isso o fato de que foi

somente na década de 1870 que o governo da Província abriu uma via de comunicação entre

Cambuí e a sede da municipalidade a que então pertencia, Jaguary, hoje Camanducaia165,

principal via de escoação da produção local para a cidade de São Paulo.

O fato mais representativo que nos evidencia esta situação é o ocorrido em 1854,

quando verificamos que Cambuí integra a lista de localidades sul mineiras que se reuniram

para encaminhar a primeira de várias solicitações à Assembleia Geral, requerendo a anexação

do território sul mineiro à Província paulista. As razões alegadas pelas povoações e

municípios mineiros, além do indiferentismo do governo da Provínvia de Minas Gerais para

com esta região, foram a proximidade com a capital de São Paulo e, principalmente, a força

das relações econômicas e religiosas que uniam o sul de Minas à capital de São Paulo, onde

localizava-se também a sede episcopal 166 . Diante disto, percebemos que a criação da

Sociedade Agrícola, Comercial e Industrial de Cambuí em 1904 significou mais uma tentativa

política de reivindicar atenção para o atendimento dos interesses de sua elite rural.

A interação entre as duas localidades não se assenta somente em termos políticos e

econômicos, mas é sentida, sobretudo, na integração de elementos das duas localidades em

associações de finalidade cultural, como é o caso das irmandades de Nossa Senhora do Carmo

de Cambuhy e do Senhor Bom Jesus do Córrego, onde merece destaque a presença de um

clero paulista não reformado, político e muitas vezes maçon. Estas estruturas, de fato, tiveram

um papel decisivo na fundação destas localidades e na constituição de sua vida política e

social.

164 JORNAL A PROPAGANDA. Cambuí, MG: Ed. 22 set., 1904. É assim que encontramos no Jornal a

Propaganda um questionamento, sobre o número da população de Cambuí neste período. De acordo com o

jornal, o recenseamento de 1890 não retratou a realidade, pois o recenseador, ao cobrar dos analfabetos uma taxa

para realizar seu recenseamento, impeliu muitos de não cadastrarem-se mediante a taxa a ser paga. 165 VEIGA, B. S. da. Almanach Sul-Mineiro. Campanha: Typ. do Monitor Sul Mineiro, 1884, p. 399. 166 LAMBERT, L. F. Biogeografia de Uma Cidade Mineira. Belo Horizonte: Imprensa Oficial do Instituto

Histórico e Geográfico de Minas Gerais e da Comissão Mineira de Folclore, 1973, p. 26.

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A partir deste quadro, podemos ter uma ideia da situação encontrada pelos teresianos

em 1911. Uma área rural, separada das capitais por grandes distâncias, e que então contava

com vias de comunicação e uma assistência dos cofres do Estado precárias, uma política

organizada ao redor dos senhores rurais que compunham, ao lado do clero paulista, a estrutura

básica desta sociedade, onde havia destaque a presença de irmandades religiosas que

gerenciavam grande parte das atividades da paróquia. É esta região que ainda durante fins do

XIX assistira a chegada de uma pequena leva de imigrantes, principalmente portugueses e

italianos167.

Com efeito, ao olharmos para o processo de fundação de tais comunidades, vemos que

estas guardam estreita relação com devoções de origem portuguesa, que são para esta região

transplantadas por elementos de abastadas camadas sociais, alguns destes identificados como

provenientes da cidade de Campanha, também no sul de Minas Gerais. Dispondo de recursos

e influência política consideráveis, são estes leigos que irão dedicar-se à doação de terrenos

para edificação das capelas, obra que recebeu de suas mãos intervenção e proteção.

Tal constatação encontra eco no que Hiansen Franco, que estudou a presença do clero

paulista no sul de Minas Gerais no período de 1801 até 1900, nos apresenta sobre o processo

de ocupação desta área e o papel do leigo na constituição das práticas religiosas locais neste

contexto. De acordo com este autor, no que diz respeito ao sul de Minas, podemos observar

ciclos econômicos que nos ajudam a entender o processo de ocupação desta região entre os

séculos XVIII e XIX. De acordo com Franco, após o fim do ciclo do ouro a partir da segunda

metade do século XVIII, instaurou-se nessa região o ciclo pastoril, que levou para o extremo

sul de Minas Gerais contingentes de populações das esgotadas áreas auríferas168. Findado este

ciclo, por volta da década de 20 do século XIX, deu-se a passagem para o ciclo agrícola, o que

de acordo com o autor, possibilitou nos próximos decênios o crescimento de povoações e a

criação de novas paróquias nesta região onde Cambuí está inserida169.

A constatação de Franco parece estar apoiada, em grande medida, no que John Wirth

nos apresenta em sua obra Minas Gerais na Federação Brasileira 1889-1937 - O fiel da

Balança, onde o autor, ao referir-se ao povoamento e à economia da região sul durante o

século XIX, afirma a importância da pecuária, (implantada nessa região a partir da importação

de gado da região oeste do Estado), e de modo especial da agricultura, (crescentemente

167 SILVA, M. P. da. Op. Cit., p.103. 168FRANCO, H. V. O Clero Paulista no Sul de Minas. 1800-1900. Passos: Gráfica e Editora São Paulo, 2003,

p. 27. 169 Ibidem, p. 30.

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marcada pela ascensão do café), essa última, um fator de relevância para a atração de muitas

famílias que haviam ocupado lugar de destaque junto às elites das regiões mineradoras

decadentes de Minas Gerais170.

No caso de Cambuí, observamos que algumas das famílias que ali se instalaram no

início do século XIX, são provenientes de Campanha, município minerador localizado no sul

de Minas Gerais. Estas famílias se transferem para o extremo sul do estado movidas pelo

desejo de fixar comércio e atividades econômicas nas proximidades de São Paulo e são em

sua grande maioria estes leigos que irão empenhar-se para constituir o patrimônio destas

capelas e promover a vida religiosa nestas localidades.

Tal papel desempenhado pelo laicato é verificado em Cambuí e Córrego, e deve ser

entendido no contexto do Padroado onde, de acordo com Franco, cabia ao chefe monárquico e

não ao Papa o poder de manter o culto e o clero e evangelizar. A realização destas ações por

parte do poder civil encontrava recursos financeiros previstos a partir do recolhimento do

dízimo, pago pelos fiéis para essa finalidade, mas sua aplicação dificilmente acontecia, pois

como colocado pelo referido autor, não existia por parte do governo interesse na

evangelização, de modo que eram poucos os parócos concursados que realmente recebiam do

governo as côngruas reais, ou seja, um estipêndio pelos serviços do clero171

. Os leigos, em sua

grande maioria proprietários de terras, passaram a edificar por conta própria pequenas

capelas, em suas propriedades. Da mesma forma, instituíam irmandades, das quais eles

mesmos faziam parte ou em muitas vezes presidiam, para organizar e realizar festas em

homenagem a seu santo de devoção.

No que se refere às duas localidades aqui analisadas, embora ambas as povoações

tenham nascido através da intervenção de leigos que decidem doar terrenos para a construção

de capelas, em torno das quais vão se formando povoados, é importante salientar que a

formação e constituição dos dois povoados diferem-se no que se refere a três aspectos.

Primeiramente, a formação de ambos distancia-se por um período de cinquenta anos, que vai

da década de 1810, quando se verifica a edificação da capela de Nossa Senhora do Carmo de

Cambuí, até início da década de 1860, quando ocorre a reunião de esforços das autoridades

locais para tratar da edificação da capela ao Senhor Bom Jesus do bairro do Córrego.

Em segundo lugar, a intervenção destes leigos se diferencia no que se refere à sua

estrutura. Se em Córrego verificamos desde os primeiros momentos a atuação de um grupo

170 WIRTH, J. O Fiel da Balança: Minas Gerais na federação brasileira (1889-1937). Rio de Janeiro: Paz e

terra, 1982, p. 43. 171 FRANCO, H. V. Op. Cit., p. 91.

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que congrega os principais senhores desta região, empenhados em reunir recursos para fundar

e prover uma capela dos utensílios necessários ao culto, em Cambuí não podemos observar tal

prática. Neste local, a ereção da capela que dá origem ao povoado, na década de 1810, está

associada ao projeto de dois capitães que decidem doar um terreno para a ereção da capela.

Neste local não identificamos quando da fundação da capela, a presença de grupo ou

irmandade. A primeira referência a uma irmandade que encontramos data de 1874, no

Almanach Sul Mineiro. Não conseguimos, no entanto, encontrar os estatutos desta entidade

junto aos arquivos da Cúria Metropolitana da Arquidiocese de São Paulo, o que tornou

impossível a identificação do ano de sua criação.

Em terceiro lugar, no caso de Córrego do Bom Jesus, desde a realização da primeira

festa, em 1872, a localidade passou a ser conhecida como centro de peregrinações, e também

a atrair milhares de peregrinos e visitantes anualmente, que eram movidos sobretudo pela

divulgação de milagres atribuídos à imagem do Senhor Bom Jesus. Neste ponto, expressamos

a necessidade de abordarmos algumas das especificidades que distinguem a formação destas

duas comunidades.

Segundo Levindo Furquim Lambert, Cambuí tem sua história vinculada aos

movimentos de bandeirantes e aventureiros que, a partir do século XVII, iniciaram a ocupação

da região que atualmente constitui o Estado de Minas Gerais. Inserida às margens da estrada

cujo limite era de Atibaia ao sertão das Gerais, a localidade parece ter nascido como ponto de

parada de bandeirantes e sertanistas que, partindo de São Paulo, se dirigiam ao interior do

território mineiro em busca de índios, ouro e metais preciosos172.

De acordo com a documentação pesquisada pelo Cônego João Aristides de Oliveira, a

primeira referência ao nome “Cambuy” data de 1789 e aparece em um registro de batizado de

moradores de Jaguary, hoje Camanducaia173, mas foi por volta de 1810 que registrou-se a

iniciativa de construção de uma capela dedicada à Nossa Senhora do Carmo no lugar

denominado “Camboi”, projeto atribuído ao Capitão Francisco Soares de Figueiredo, de

nacionalidade portuguesa174, e ao Capitão Joaquim José de Moraes, natural de Pitangui175.

A região escolhida para a fundação encontrava-se em área de litígio, sendo uma área

contestada pelos bispados de São Paulo e Mariana e os governos (das capitanias e,

172 LAMBERT, L. F. Biogeografia de Uma Cidade Mineira. Belo Horizonte: Imprensa Oficial do Instituto

Histórico e Geográfico de Minas Gerais e da Comissão Mineira de Folclore, 1973, p. 21-27. 173 OLIVEIRA, J. A. de (Org.). A Diocese de Pouso Alegre no Ano Jubilar de 1950. Pouso Alegre:

Tipolitografia da Escola Profissional, 1950, p. 118. 174 VEIGA, B. S. da. Almanach Sul-Mineiro. Campanha: Typ. do Monitor Sul Mineiro, 1874, p. 264. 175 LAMBERT, L. F. Op. Cit., p. 28-29.

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posteriormente, províncias) de Minas Gerais e São Paulo, durante considerável espaço de

tempo. Por isso, devemos estar atentos ao fato de que no plano civil, a instabilidade das

fronteiras entre os Estados de São Paulo e Minas Gerais só chegou ao fim quando, em 1936,

foi assinado pelos dois governos um acordo que ratificava, com poucas alterações, o antigo

Acordo de Rubim de 1749, e que situou de modo definitivo Cambuí na região pertencente a

Minas Gerais176. Neste ponto, lembramos dois importantes aspectos que devem ser observados

e que dizem respeito à jurisdição mineira sobre este território. Nesta capitania, como já vimos,

durante o período colonial, não foi permitida pela Coroa Portuguesa a presença de ordens

religiosas. Com relação ao período imperial, de acordo com Franco, percebemos que as

perseguições de políticos liberais que foram verificadas nesta província contra instituições

regulares, não conseguiram impedir que alguns religiosos capucinos, jesuítas e lazaristas

percorressem algumas paróquias do sul da província no decorrer do século XIX177. Por sua

vez, é possível observarmos outra dinâmica no que se refere à jurisdição eclesiástica na qual

esta região está situada, e que é importante para entendermos a reforma católica no período

que antecede a presença dos Carmelitas Descalços.

No âmbito religioso, esta região pertenceu ao Bispado do Rio de Janeiro até 1745,

quando foram criadas as dioceses de Mariana e São Paulo178. A partir deste ano e até 1775, a

região de Cambuí esteve inserida na área objeto de litígio entre as duas dioceses, fruto da vaga

delimitação das divisas entre as duas circuncisões eclesiásticas, processo que se arrastou até

1775, quando uma decisão da Mesa do Desembargo do Paço colocou fim à questão,

determinando como limite entre os dois bispados os rios Grande, Sapucaí e Lourenço Velho.

A partir de então, a área onde insere-se Cambuí, bem como as paróquias a oeste do Rio

Sapucaí, se submeteram à jurisdição do Bispado de São Paulo, ao qual estiveram ligadas até

1900, quando foi criada a Diocese de Pouso Alegre, no sul de Minas Gerais179.

É, portanto, a partir do Bispado de São Paulo e da ação de seu clero não reformado,

que estas localidades cresceram durante o século XIX. Em fins do referido século, este clero

eminentemente político ocupa posições de liderança na cena política local, com destaque para

padre José Figueiredo Caramuru, Presidente da Câmara de Cambuí nos anos de 1895/1896-

1898 e Vice-Presidente nos anos de 1900, 1901 e de 1902 até 1905.

176 FRANCO, H. V. Op. Cit., p. 18-19. 177 Ibidem, p. 58. 178 Ibidem, p. 19. 179 Ibidem, p. 25-26.

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Por sua vez, no que se refere ao processo de fundação do bairro de Córrego do Bom

Jesus, é interessante observarmos que foi na década de 1860 que verificamos um movimento

para a edificação da capela, quando em 3 de março de 1865 o Sr. Joaquim Bueno de Morais,

fazendeiro local, e sua esposa, doam um terreno de sua propriedade para a ereção de uma

capela em honra ao Bom Jesus. Segundo registros efetuados no Livro de Atas da paróquia de

Córrego, o Sr. Joaquim Bueno de Morais tentou levantar a primeira capela no terreno que

havia ele mesmo doado para este fim, entretanto, sua tentativa não se concretizou, segundo

consta em ata por falta de apoio financeiro180

.

Ainda de acordo com o Livro de Atas da Paróquia, encontramos o registro da

realização da primeira festividade no dia 6 de agosto de 1872, quando uma festa do Senhor

Bom Jesus foi realizada com uma “concurrencia de povo superior a toda expectativa, (...)”181

.

Esta festa ocorreu sem a presença de festeiros, e sem uma capela. Porém, caracterizou-se por

se tornar um evento que contou com um fluxo significativo de pessoas, estas provenientes

também de outras localidades, segundo aponta a documentação pesquisada, o que nos

forneceu pressupostos para imaginarmos que tal culto ao Senhor Bom Jesus era uma

manifestação religiosa importante nesta região.

Embora popularmente conhecida como Festa do Senhor Bom Jesus, o calendário

católico emprega a esta festividade o nome de Festa da Transfiguração do Senhor182

. Tendo

em vista o fato de neste período a festa vir atraindo uma grande concorrência de pessoas, no

dia 25 de agosto de 1872, apenas alguns dias após a realização do festejo, reuniram-se na

sacristia da Igreja Matriz da Freguesia de Cambuí as principais figuras políticas de Cambuí e

de Córrego, para tratarem da construção e administração da capela183

.

No caso de Córrego, a construção da capela do Senhor Bom Jesus esteve atrelada a

uma mesa administrativa desde 1872. Embora haja grande variação quanto às denominações

das associações de leigos, a criação de uma irmandade do Senhor Bom Jesus ocorreu em

1879. Neste ano, segundo consta em ata, houve uma reunião dos membros da mesa e nesta

ocasião concluiu-se pela conveniência de se criar uma irmandade que, de acordo com o

Presidente, “não só concorre para aumentar o culto e devoção de todos fieis devotos, mas

180 APCBJ. Livro de Atas. p. 1. 181 APCBJ. Loc. Cit. 182 NEOTTI, F. C. Ministério da Palavra: Comentários aos evangelhos dominicais e festivos. Petrópolis:

Vozes, 2001, p. 239-240. 183 APCBJ. Op. Cit., p. 1.

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também para generalizar mais as romarias do Senhor Bom Jesus, o que sem duvida

aumentara a concorrência de fieis”184

.

Sobre este tema, Fritz Teixeira de Salles em sua obra Associações Religiosas no Ciclo

do Ouro, nos dá uma importante contribuição para entendermos a função social das

irmandades no século XVIII em Minas Gerais, e que nos ajuda a pensar também o caso das

associações observadas nas paróquias que ora analisamos. De acordo com o autor, neste

período, em Minas Gerais, o incentivo à criação de irmandades religiosas constituiu-se em

uma hábil estratégia da Coroa Portuguesa que, por meio destas associações, pretendia

transferir à população sua própria incumbência de propagar e manter o culto católico185.

Ao debruçar-se sobre o cotidiano de tais organismos, no entanto, este autor nos revela

que as atividades destas instituições extrapolavam as funções de constituir patrimônios e

garantir a seus afiliados a realização das funções sacras e outros serviços, conforme desejava a

Coroa. Fritz nos afirma que estas se constituíram de modo especial, em um meio para a

população e grupos poderem realizar reivindicações e lutar por interesses em comum, dados

que adquirem importância na medida em que nos ajudam a pensar a situação das associações

aqui implantadas186.

Tais dados nos ajudam a pensar no modo como efetuou-se a fundação do povoado de

Córrego do Bom Jesus a partir da congregação de senhores rurais de considerável poder

econômico e politico e de um clero não reformado, que então ocupava posições de destaque

na cena da vida política local. Nesta localidade, através do Livro de Atas, foi possível

constatar que, após as primeiras iniciativas, foi de consenso entre os membros da Comissão de

Obras encarregada da edificação da capela, a necessidade de aquisição de uma imagem do

Padroeiro Senhor Bom Jesus. Tal imagem foi confeccionada na cidade do Porto, em Portugal,

no ano de 1872 e chegou à localidade um ano depois.

Ao observarmos a forma como surge o povoado e a veneração à imagem do Bom

Jesus do Córrego, a forma improvisada com a qual os moradores encontraram para dar

continuidade à sua religiosidade, a teoria de Luís Mott corrobora para se pensar o contexto

religioso e social sul-mineiro neste período. Este autor sustenta a teoria de que a ausência de

espaços públicos destinados ao culto na colônia teria favorecido a criação de capelas e

184 Ibidem, p. 8. 185 SALLES, F. T. Associações Religiosas no Ciclo do Ouro: Introdução ao estudo do comportamento social das

Irmandades de Minas no século XVIII. São Paulo: Perspectiva, 2007, p. 59. 186 SALLES, F. T., Loc. Cit.

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oratórios em espaços particulares. Esta forma de catolicismo privado teria produzido, segundo

Mott, uma grande familiaridade com as imagens187

.

Diferindo-se no que se refere ao inicial esforço coletivo em prol da construção de uma

capela em Cambuí, para dar cabo ao projeto de edificação de um templo dedicado à Nossa

Senhora do Carmo, o Capitão Joaquim José de Moraes adquiriu um montante de terras e

procedeu à doação dessas à Nossa Senhora do Monte do Carmo, conforme escritura redigida

em maio de 1813 em Campanha e reproduzida por Levindo Lambert a partir de obras do

historiador José Guimarães e do cônego João Aristides de Oliveira188.

O mesmo autor, ao reproduzir o termo de provisão da capela assinado por Dom João

VI, então príncipe regente, em 12 de novembro de 1812, nos evidencia que nesta ocasião, a

capela já estava construída, pois o mesmo documento obtido através dos capitães Soares e

Moraes revalidou a nulidade com que a capela se achava ereta. Os referidos capitães se

ocuparam pessoalmente de providenciar junto à Cúria de São Paulo as licenças necessárias à

realização de atos religiosos e instalação de um cemitério paroquial, recebendo deste bispado

as últimas autorizações requeridas em 1814189.

Já em Córrego, percebemos que a reunião dos senhores locais em 1872 elegeu uma

mesa composta pela elite local, onde saíram eleitos nove membros, entre os quais um padre,

pequenos e médios proprietários de terras e escravos da região, e muitos deles detentores de

patentes da Guarda Nacional. Para presidente da mesa administrativa, foi eleito o Vigário José

da Silva Figueiredo Caramurú; vice-presidente, o Coronel Francisco Cândido de Brito

Lambert, influente chefe local; tesoureiro, Alferes João Correa da Silva; procurador, Capitão

Joaquim Bueno de Moraes; secretário, Sr. José Guilherme Christiano. Estes serviriam à mesa

juntamente com os membros Joaquim Vicente da Silva Paranhos, Capitão José Quintino da

Fonseca, Alferes Manoel d’Almeida Carneiro e Alferes Alexandre José de Moraes190.

O grupo se autodenominou corporação deliberativa191

, cujo objetivo principal seria

tratar da incumbência de tomar as providências para a edificação, manutenção e administração

da capela do Senhor Bom Jesus. A comissão passou a reunir-se com regular frequência desde

então. Em fins do século XIX, esta agremiação havia conseguido não somente a construção da

capela e a aquisição da imagem do Senhor Bom Jesus, mas também a construção de um

187 MOTT, L. Cotidiano e Vivencia Religiosa: Entre a capela e o calundu, In: NOVAIS, F. A. (Org.). História

da Vida Privada no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2000, p. 156-217. 188 LAMBERT, L. F. Biogeografia de Uma Cidade Mineira. Belo Horizonte: Imprensa Oficial do Instituto

Histórico e Geográfico de Minas Gerais e da Comissão Mineira de Folclore, 1973, p. 29. 189 LAMBERT, L. F., Loc. Cit. 190 APCBJ. Livro de Atas, p. 2. 191 Ibidem, p. 2v.

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cemitério, a construção de uma casa grande destinada a abrigar um religioso e ainda mais

cinco pequenas casas, que seriam alugadas aos romeiros.

Diante do aumento dos fluxos de pessoas, em especial por ocasião da festa,

percebemos em fins do século o esforço desta elite rural para conseguir a elevação da capela à

condição de paróquia, o que foi conseguido após negociação junto ao Bispado de São Paulo,

processo que pode ser acompanhado através do conteúdo de correspondências trocadas entre

estes senhores locais, liderados por Emiliano da Fonseca e o bispado.

No caso de Cambuí, as aprovações régias e canônicas colocaram fim às exigências

para a legalização da capela. Sobre os anos seguintes, nos faltam documentos que lancem luz

sobre o cotidiano da povoação. Porém, em 1834, verifica-se um acontecimento de grande

relevância para esta localidade. Neste ano, de acordo com Levindo Furquim Lambert, foi dada

permissão pelo bispo de São Paulo para que o povoado e a capela fossem transferidos para

outra localidade192. De fato, segundo documentação transcrita por Lambert, em agosto de

1834 foi dirigida à Cúria Diocesana de São Paulo uma solicitação assinada por 45 homens, os

quais requeriam permissão diocesana para realizar a mudança da capela e do povoado para

um terreno mais plano 193. Os motivos alegados nesta petição foram a dificuldade que os

habitantes então encontravam para ter acesso à capela, uma vez que essa se encontrava no

cume de um monte acentuadamente íngreme, onde iam “cumprir com seus deveres

religiosos”, e o fato de estar a dita capela danificada194.

Não conseguimos localizar a existência de um projeto urbanístico em tal processo.

Antes, a solicitação para a transferência do povoado parece ter nascido, de acordo com

Lambert, de uma recomendação efetuada por Antônio Marques Rodrigues, visitador

diocesano do Bispado de São Paulo, que em 1818, ao visitar a capela de Cambuí, deixou

registrado em Jaguary, então sede da municipalidade, uma advertência sobre a necessidade de

se reformar ou mesmo reedificar a capela e as casas da povoação, devido ao material

empregado nessas construções e ao desgaste destas estruturas pelo tempo195.

Em vista dessa recomendação, alguns anos mais tarde, já em 1834, foi enviado à Cúria

Diocesana tal pedido, que ainda neste mesmo ano recebeu despacho favorável. Embora nos

faltem dados sobre este período, no qual, de acordo com Lambert, aconteceu um movimento

para a construção de uma nova igreja matriz e as casas de seus moradores, podemos apontar

192 LAMBERT, L. F. Op. Cit., p. 37. 193 LAMBERT, L. F., Loc. Cit. 194 Ibidem, p. 36. 195 Ibidem, p. 35.

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mais uma vez a liderança leiga do Capitão Soares. O lugar escolhido para a instalação do

povoado distava apenas alguns quilômetros do antigo e se encontrava no cume de uma

pequena colina, situada próxima a uma várzea onde destacavam-se os Rios Itaim e das Antas.

De acordo com Lambert, após a finalização das obras da nova matriz, foram trasladados os

objetos sacros para o novo templo e o antigo povoado foi abandonado. Em 15 de outubro de

1834, por meio de uma provisão assinada em Pouso Alegre, o Padre José Bento, senador e

visitador diocesano da Diocese de São Paulo em Minas Gerais, declarou finalmente curada a

Capela de Nossa Senhora do Carmo de Cambuí196.

A partir de 1850, no entanto, abriu-se uma nova fase para Cambuí. Neste ano, através

da lei nº 471 de 01 de junho, o curato de Cambuí foi elevado à condição de Freguesia. Esta,

em menos de um ano, viu a criação do 64º Batalhão da Guarda Nacional. Em 1889, o

município foi criado através da Lei nº 3712, de 27 de julho e a instalação da vila deu-se em 19

de janeiro de 1890. Dois anos mais tarde, por meio da Lei Estadual nº 23, de 24 de maio de

1892, art. 1º, a localidade foi elevada à categoria de cidade197.

196 Ibidem, p. 39-40. 197 LAMBERT, L. F., Loc. Cit. Ver também PREFEITURA MUNICIPAL DE CAMBUÍ. Dossiê de

Tombamento CP Quadro III. Praça Coronel Justiano, 2012.

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CAPÍTULO II - DE OLHO NO “VANGLORIADO CATOLICISMO

DESSES BRASILEIROS DO SUL DE MINAS”198

Se no primeiro capítulo buscamos estudar o processo de Reforma Ultramontana da

Igreja através da análise dos projetos de Dom Assis e da Ordem para a fundação dos

carmelitas descalços nas paróquias de Cambuí e Córrego do Bom Jesus, localidades cujas

configurações sócio-políticas, culturais e econômicas também foram analisadas, neste

segundo, começamos a vislumbrar como se interagem tais expectativas durante a gestão

teresiana dos paroquiatos acima mencionados. Por conseguinte, nosso objetivo é apreender

como se dá o início da atuação dos carmelitas descalços nestas paróquias frente às práticas

religiosas locais. Tratamos, assim, de como as populações destas paróquias receberam a

tentativa dos frades italianos de implantar novos modelos de associações religiosas, de

introduzir novas devoções e a tentativa de se promover uma reforma das festas religiosas

locais.

Para nos aproximarmos de nosso objetivo, utilizamos majoritariamente fontes oriundas

da Igreja Católica, como relatórios anuais e registros diversos encontrados nos Livros de

Tombo das referidas paróquias, crônicas publicadas na revista mensal ilustrada Il Carmelo,

termos de visitas pastorais elaborados durante o episcopado de Dom Assis (1909-1916) e

Dom Chagas de Miranda (1916-1922), mandamentos diocesanos, as Pastorais Coletivas de

1911 e de 1915 e as Atas do Concílio Plenário Latino Americano.

Devido à natureza desta documentação, foi imprescindível realizarmos uma leitura a

contrapelo199

dos instrumentos-documentos-monumentos200

pelos quais a Igreja (e em

ocasiões diversas, o Estado) pretendeu reformar a cultura local. É, portanto, por meio do

estudo de proibições, advertências, recomendações e anotações burocráticas da autoridade

diocesana e dos carmelitas descalços que conheceremos a vitalidade da cultura local e como

esta reage em movimentos de negociação, resistência e assimilação com a cultura

ultramontana.

198 DORELLI, E. Noterelle Brasiliane. Il Carmelo, Milano, dez. 1911, p. 80-85. A expressão que acima citamos

foi retirada da crônica Noterelle Brasiliane, de autoria de Frei Enrico Dorelli, vigário de Cambuí no período de

abril de 1911 até junho de 1913, e que nesta crônica afirma que, depois de oito meses transcorridos de sua

chegada, ainda não conseguia compreender no que consiste o “vantato cattolicismo di questi Brasiliani del Sul

de Minas.” 199 BENJAMIN, W. Sobre o Conceito de História, In: Magia e Técnica, Arte e Política: Ensaio sobre literatura

e história da cultura. Obras Escolhidas, v. 1, 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 1987. 200 LE GOFF, J. (Org.). A História Nova. São Paulo: Martins Fontes, 1990.

Page 72: “il tanto vantato cattolicismo del Sul de Minas” · AGRADECIMENTOS A realização desta pesquisa tornou-se possível graças ao apoio recebido de diversas pessoas e instituições

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Iniciamos nosso percurso a partir de um dos dados que mais chamou nossa atenção no

primeiro Relatório Anual da Paróquia de Bom Jesus do Córrego de 1911, de autoria de frei

Arcangelo Bindi, pároco e superior da missão: a tentativa de fundar nesta localidade novos

modelos de associações para leigos.

De fato, dentre os diversos dados e acontecimentos relacionadas neste relatório, cujo

objetivo é aquele de reportar à autoridade diocesana os principais fatos verificados nesta

paróquia no período de 2 de abril de 1911 até 31 de dezembro do mesmo ano, destacamos

inicialmente, o seguinte:

Relativamente a instituição das Conferencias de S. Vicente, das

Senhoras da Caridade, da Congregação da Doutrina Cristã da

Confederacao do Espirito Santo, do S. Coração de Jesus nada houve

porque Corrego sendo pequeno, pobre, atrasado é um lugar que ainda

não presta e, quando estiver mais desenvolvido poderá realizar-se o

Provimento da Visita Episcopal.201

A elaboração anual de um relatório202

que informasse a autoridade diocesana das

principais ocorrências passadas na paróquia foi uma ação recomendada por deliberação

contida na Pastoral Coletiva de 1911 que, ao dispor sobre as obrigações inerentes ao ofício do

pároco, sustenta como um grave dever do mesmo, aquele de reportar à diocese, ao final de

cada ano, uma vasta gama de informações sobre a paróquia e sobre as ações ali empreendidas

durante este período pelo seu responsável.

Essa deliberação da Pastoral Coletiva de 1911, no entanto, ao determinar que tais

relatórios contivessem estimativa sobre população, número de sacramentos administrados,

dados sobre a realização de instrução e ensino religioso, sobre a regularidade de celebração de

atos religiosos e pregações, sobre a celebração de devoções reformadas e das festas de santos

locais, sobre a instituição e existência de associações para leigos, bem como número de

religiosos que habitavam na paróquia, fornecem-nos abundância de dados para nossa análise

sobre o cotidiano da paróquia, sobre muitas das práticas culturais ali vivenciadas e sobre a

201 APCBJ. Livro do Tombo da Paróquia. p. 11-11v. 202 EPISCOPADO BRASILEIRO. Pastoral Collectiva dos Senhores Arcebispos e Bispos das Províncias

Ecclesiasticas de S. Sebastião do Rio de Janeiro, Marianna, S. Paulo, Cuyabá e Porto Alegre:

Communicando ao clero a aos fieis o resultado das Conferências episcopais realizadas na cidade de S. Paulo de

25 de setembro a 10 de outubro de 1910. Rio de Janeiro: Typographia Leuzinger, 1911, p. 271 e 272.

Page 73: “il tanto vantato cattolicismo del Sul de Minas” · AGRADECIMENTOS A realização desta pesquisa tornou-se possível graças ao apoio recebido de diversas pessoas e instituições

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atuação dos teresianos, dados que, juntamente com outras fontes, nos ajudam a questionar esta

atuação.

No caso do trecho que reproduzimos, esse nos informa, através de uma perspectiva

eurocêntrica de progresso e desenvolvimento, não simplesmente sobre o fracasso de uma ação

empreendida pelo teresiano em Córrego, mas também nos evidencia que a execução de tal

medida pelos religiosos italianos é uma exigência da autoridade diocesana.

A recomendação de Dom Assis para se fundar novos modelos de associações para

leigos foi também encontrada em Cambuí, onde tal orientação é registrada no Livro do

Tombo da paróquia desde 1911203

. No entanto, as reações que se seguem a tal iniciativa nestas

localidades não foram as mesmas.

É assim que podemos observar que, no caso de Córrego, em 1913, no Relatório Anual

da Paróquia, frei Bindi elabora interessante registro sobre esta ação naquele período:

Durante o anno foi fundada a Confederação do Divino, mas

somente foram inscriptas cinco pessoas de maneira que alem de muito

trabalho e esforço do R. Vigario, tudo ficou parado. Como também

ficou parada a Comissão de Guarda de honra do SSmo. Sacramento,

estabelecida conforme o Mandamento Diocesano para promover com a

devida honra e esplendor as festas religiosas das parochias do Bispado,

por falta de recurso e por pobresa e estreiteza do lugar.204

Diferentemente do registro de dois anos antes, desta vez, frei Bindi informou o

fracasso da tentativa de se desenvolver somente uma das cinco associações tentadas

anteriormente em 1911, o que nos sugere um recuo e uma tentativa de negociar a execução de

tal mandamento diocesano que recomendava a fundação imediata de diversas associações,

postura que pode ter sido assumida após a constatação da força da religiosidade local e a

impossibilidade de se chocar com os promotores dessas práticas de modo impositivo e

absoluto.

Neste mesmo relato, é conveniente notarmos que o religioso ainda informa a

impossibilidade de criar outra instituição, a Comissão de Guarda de Honra do Santíssimo,

igualmente recomendada por ato diocesano, mas servindo esta para regular as festas religiosas

no bispado. Desta vez, o religioso atribui tal fracasso à falta de recurso e de compreensão da

203 APC. Livro do Tombo da Paróquia, p. 59. 204APCBJ. Livro do Tombo da Paróquia, p. 19v.

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população sobre tais associações, opinião que não compartilhamos, partindo do fato de que tal

viés eurocêntrico não leva em conta as especificidades da cultura local, que buscamos aqui

constantemente conhecer.

No que se refere à paróquia de Cambuí, nenhum registro sobre a instauração de

associações religiosas foi encontrado nos anos de 1911, 1912 e 1913, sendo que, em junho de

1914, diante do não cumprimento desta ação, encontramos uma repreensão do então visitador

diocesano Theophilo Guimarães ao então pároco de Cambuí, frei Mauro205

, quando em visita

pastoral à paróquia em 16 junho de 1914, o representante da autoridade diocesana recomenda

“Funde-se quanto antes o Apostolado da Oração nesta parochia.”206

Tal repreensão do visitador diocesano também pôde ser encontrada em Córrego do

Bom Jesus, poucos dias depois do ocorrido, quando em 20 de junho, o mesmo visitador

registra “Cumpra-se quanto antes, o mandamento do Exmo. Snr. Bispo relativamente a

fundação do Apostolado da Oração nesta Parochia e ao mais que não foi ainda

cumprido.”207

Estas constatações nos fazem levantar algumas questões. Num primeiro momento, é

preciso que perguntemos no que se constituíam tais associações e qual a finalidade de se

instituir uma Comissão de Guarda de Honra do Santíssimo. A seguir, é necessário que

questionemos por que as autoridades diocesanas empregaram tamanho investimento em tal

ação, e por que as populações das duas paróquias infligem tanta resistência a este ato.

Sabemos que a Pastoral Coletiva de 1911 recomendou aos párocos que se

empenhassem na fundação e desenvolvimento do Apostolado da Oração, Associação da

Sagrada Família, Pia União das Filhas de Maria, Guarda de Honra do Sagrado Coração,

Congregações Marianas, Conferências de São Vicente de Paulo, Associação das Senhoras da

Caridade, das Mães Cristãs208

e da associação da Congregação da Doutrina Cristã209

, e se nos

inteirarmos um pouco mais sobre as especificidades destes novos modelos, entenderemos

melhor a religiosidade praticada então pelas populações das duas paróquias.

Com base no que dispõe a própria Pastoral Coletiva de 1911 sobre estes modelos de

associações para leigos, e tomando como referência os estatutos da Congregação da Doutrina

205 Frei Mauro de São José foi pároco teresiano de Cambuí no período de 1913 até 1914. 206 APC. Livro do Tombo da Paróquia, p. 69. 207 APCBJ. Livro do Tombo da Paróquia, p. 20v. 208

EPISCOPADO BRASILEIRO. Pastoral Collectiva dos Senhores Arcebispos e Bispos das Províncias

Ecclesiasticas de S. Sebastião do Rio de Janeiro, Marianna, S. Paulo, Cuyabá e Porto Alegre: Communicando ao clero a aos fieis o resultado das Conferências episcopais realisadasna cidade de S. Paulo de

25 de setembro a 10 de outubro de 1910. Rio de Janeiro: Typographia Leuzinger, 1911. p. 28. 209 Ibidem, p. 7.

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Cristã210

, associação paroquial que, subordinada a um Conselho Central sediado nas cidades

episcopais, tem por finalidade incrementar a promoção do catecismo nas matrizes, podemos

afirmar que nesses novos modelos de associações religiosas, a gestão ou presidência era

assumida sempre pelo pároco que, ajudado por uma mesa composta por pessoas “idôneas”,

centralizava o poder de decisão sobre os negócios e sobre os objetivos específicos de cada

associação.

No caso das paróquias que ora analisamos, este mecanismo é visto como estratégia211

que delineia uma clara tentativa de enfraquecer o poder dos leigos locais, muitos destes

congregados em irmandades e confrarias que, conforme vimos no primeiro capítulo, eram os

responsáveis, em grande medida, pela vida religiosa e social local.

Tal percepção parece estar de acordo com o que nos apresenta Mabel Salgado Pereira

em sua obra Romanização e Reforma Ultramontana: Igreja Católica em Juiz de Fora, quando

ao referir-se à criação de novas associações religiosas, corrobora com Pedro Ribeiro de

Oliveira, Edênio Valle e Alberto Antoniazzi, ao afirmar como principal característica dessas

entidades a centralidade do pároco, ao qual é assegurado pelos regimentos a função de

comando. De acordo com a mesma autora, a partir desta centralização de poder nas mãos do

clero, a Igreja pretendeu deter o controle sobre as atividades empreendidas na paróquia, o que

não podia acontecer nas antigas agremiações, onde o leigo detinha os postos de maior poder e

prestígio212

.

Pedro Ribeiro de Oliveiira, por conseguinte, ao discorrer sobre a instituição de

associações reformadas, onde tinha destaque a figura do pároco como presidente ou diretor,

nos assevera que tal mecanismo estava presente em associações não somente de cunho

devocional, mas também naquelas de finalidade beneficente, sendo este um ponto central do

projeto de Reforma da Igreja, uma vez que visava retirar do leigo o poder detido por ele até

então213

.

O mesmo autor, ao corroborar com Della Cava em estudo sobre o processo de reforma

do catolicismo brasileiro, afirma que as datas de instituição do Apostolado da Oração, uma

das associações citadas por frei Bindi em Córrego e que, de acordo com a Pastoral Coletiva de

210 Ibidem, p. 389-396. 211 CERTEAU, M. de. A Invenção do Cotidiano. Petrópolis: Vozes, 1994, pp 99-100. 212 PEREIRA, M. S. Romanização e Reforma Ultramontana: Igreja Católica em Juiz de Fora (1890-1924).

Juiz de Fora: Irmãos Justiniano, 2004, p. 111. 213 OLIVEIRA, P. A. R. de. Religião e Dominação de Classe. Gênese, estruturação e função do catolicismo

romanizado no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1985, p. 286.

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1911 tinha finalidade devocional214

, podem ser consideradas como importante indicativo do

andamento e desenvolvimento da Reforma Ultramontana215

.

Se concordássemos com estes autores, então deveríamos supor que, nas localidades

aqui analisadas durante os primeiros três anos de gestão teresiana, a implantação de tal

reforma, não obteve sucesso. Porém, julgamos que a existência de tal instituição não pode por

si só ser um indicador da eficiência e eficácia da Reforma Ultramontana, sendo, pois, preciso

analisar outros elementos e ações empreendidas no mesmo período antes de podermos arriscar

uma conclusão.

Neste contexto, sinalizamos para a necessidade de sondarmos os motivos de se fundar

também a chamada Guarda de Honra citada por frei Bindi em seu Relatório Anual da

Paróquia de Córrego de 1913. Sobre tal iniciativa, encontramos transcrito no Livro do Tombo

de Córrego216

e publicado no Jornal Tribuna Sul Mineira, órgão oficial das associações

católicas da Diocese de Pouso Alegre,217

um mandamento diocesano que objetiva “instituir

em todas as parochias deste Bispado (...) uma associação que, por meio de regulamento, se

propõe executar as festas parochiaes nesta diocese, de accordo com as leis da Igreja”.

A respeito desta estratégia, cujo conteúdo delineia uma tentativa de impor medidas

universalizantes e civilizadoras sobre as festas de santos, um dos elementos mais

representativos do catolicismo local e sobre o qual iremos nos deter mais à frente, é

interessante notarmos que frei Bindi relata que a criação desta comissão ficou parada em

Córrego.

Na paróquia de Cambuí, por sua vez, encontramos no Livro do Tombo um registro de

frei Mauro, (religioso teresiano que sucede frei Dorelli na administração dessa paróquia) que

nos informa que, aos 30 de junho de 1913, conseguiu obter do representante da autoridade

diocesana, Cônego Theophilo Guimarães, uma licença de um ano de prazo para poder

executar tal mandamento218

. Tal licença, certamente foi concedida mediante a impossibilidade

alegada por frei Mauro de executar o regulamento de modo imediato após sua publicação, que

se realizou em 20 de fevereiro de 1913219

.

214EPISCOPADO BRASILEIRO. Pastoral Collectiva dos Senhores Arcebispos e Bispos das Províncias

Ecclesiasticas de S. Sebastião do Rio de Janeiro, Marianna, S. Paulo, Cuyabá e Porto Alegre: Communicando ao clero a aos fieis o resultado das Conferências episcopais realisadasna cidade de S. Paulo de

25 de setembro a 10 de outubro de 1910. Rio de Janeiro: Typographia Leuzinger, 1911. p. 140. 215 OLIVEIRA, P. A. R. de. Op. Cit., p. 286. 216 APCBJ. Livro do Tombo da Paróquia, p. 13v -16v. 217 JORNAL TRIBUNA SUL MINEIRA. Pouso Alegre: Anno IV, n. 9, 13 mar. 1913. 218 APC. Livro do Tombo da Paróquia. p. 68v. 219 APCBJ. Livro do Tombo da Paróquia, p.16v e JORNAL TRIBUNA SUL MINEIRA. Pouso Alegre: Anno

IV, n. 9, 13 mar. 1913.

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Frei Mauro, cujo nome civil é Paolo Suischi, nasceu na Alemanha em 1882, entrou na

Ordem em 1901 e ordenou-se em janeiro de 1908220

. De abril de 1911 até junho de 1913,

permaneceu em Córrego do Bom Jesus, de onde saiu para assumir a paróquia de Cambuí, em

substituição a frei Dorelli, que deixou Cambuí em 12 de junho para retornar à Roma221

.

Tendo frei Mauro tomado posse de Cambuí em 15 de junho de 1913, é interessante

notarmos a rapidez com que este obtém tal licença da Diocese, numa tentativa de mediar a

implantação de tal regulamento. No entanto, tendo residido em Córrego e visitado

periodicamente Cambuí, acreditamos que frei Mauro foi levado a solicitar tal licença, pois a

esta altura já conhecia bem as práticas do catolicismo local.

O conjunto de dados até aqui apresentados nos evidencia importantes constatações. Se

de um lado observamos uma grande resistência imposta pelos leigos à criação de novos

modelos de associações religiosas e à reforma das festas religiosas locais, de outro, podemos

perceber um esforço por parte dos teresianos em achar um meio termo entre a imposição

diocesana e a resistência dos leigos locais.

Diante deste quadro, julgamos que, antes de nos inteirarmos se a execução destas

medidas chegou a efetivar-se, faz-se necessário começarmos a entender no que se constituía a

prática religiosa local quando da chegada dos teresianos e, para nos aproximarmos desta

questão, recorremos a dois dos principais documentos de nossa pesquisa; os termos da visita

pastoral realizada por Dom Assis às duas paróquias em agosto de 1911, documentos que nos

servem para entender não só a orientação dos teresianos e suas ações, mas também a

vitalidade da prática religiosa destas populações neste período.

2.1- A Visita Pastoral como Diagnóstico dos “abusos” e Prognóstico de

Estratégias: As Indulgências de Pio X à “caldaia d´inferno”

Resultante das observações feitas pela autoridade diocesana sobre o estado temporal e

espiritual das duas paróquias, durante a realização da primeira visita pastoral de Dom Assis

após a chegada dos teresianos, os termos da visita pastoral de Dom Assis a Cambuí e a

Córrego de 1911, assumem importância na medida em que as informações neles registradas

nos revelam diversos aspectos do catolicismo local como então era praticado, nos mostram as

220 APR. Catalogus Fratrum Carmelitarum Discalceatorum. Provinciae Romanae. Roma: Ex Tipographia

Aureliana Gulielmi Bracony, 1913. 221 DORELLI, E. Ricordi d’um viaggio terraqueo. Il Carmelo, Milano: 1913, p. 242-244.

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diretrizes diocesanas (estruturais e normativas) que deveriam ser executadas pelos religiosos

italianos nestas paróquias e as estratégias pretendidas pela autoridade diocesana para

promover uma reforma dos costumes, especialmente por meio da ação dos teresianos. Não

obstante, durante nossa pesquisa, recorremos aos demais termos de visitas pastorais realizadas

no período de 1911 até 1922, para acompanharmos os encaminhamentos e problemas

detectados nestas paróquias pela autoridade diocesana em relação aos teresianos e aos leigos.

Antes de nos lançarmos na análise destes documentos, é preciso nos inteirarmos de sua

funcionalidade e estrutura. De acordo com Marcus Levy Albino Bencostta, ao longo da

história da Igreja, diversos foram os concílios onde são encontradas referências à realização

por parte de bispos de visitas pastorais às paróquias de uma jurisdição eclesiástica. Alguns

exemplos são o Concílio de Terragona, realizado no ano de 506; o segundo Concílio de

Braga, que ocorreu em 572; o quarto Concílio Toletano, em 632222

; os Concílios de Tours e o

de Chalons, ambos realizados em 813; o Concílio de Latrão, que ocorreu em 1123; e o

Concilio de Trento (1543-1563)223

.

No caso deste último, é interessante observarmos que o capítulo terceiro do Decreto

sobre a Reforma (Bispos e Cardeais) da Sessão XXIV determina aos bispos visitar

pessoalmente o território de suas dioceses anualmente ou, mediante justa alegação, fazê-lo por

meio de um representante. O mesmo documento ainda esclarece ao episcopado que, na

impossibilidade de realizar tal obrigação, diante das vastas dimensões que então

caracterizavam as dioceses existentes, estes deveriam se empenhar para ao menos “visitar a

maior parte delas, de modo que se complete toda a visita por si ou por seus Visitadores em

todos os anos.”224

Já em fins do século XIX, o Concílio Plenário Latino Americano a este respeito parece

fazer eco das determinações tridentinas, ao estabelecer como ato de extrema necessidade a

realização de visitas pessoais dos bispos às paróquias de sua diocese, ou através de um

representante reconhecido por suas qualidades, no caso de estar a autoridade diocesana

impossibilitada. Reconhecendo ainda os imensos territórios que então caracterizavam as

dioceses latino americanas, recomenda que o bispo realize visitas aos lugares já percorridos

222 BENCOSTTA, M. L. A. A Igreja e Poder em São Paulo: D. João Batista Corrêa Nery e a romanização do

catolicismo brasileiro (1908-1920). Tese de Doutorado em História. São Paulo: Universidade de São Paulo.

Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, 1999, p. 53. 223 Ibidem, p. 53-54.

224 O Sacrossanto e Ecumênico Concílio de Trento, 1543-1563. Seção XXIV, cap. III. Disponível em:

< http://www. http://agnusdei.50webs.com/trento29.htm>. Acesso em: 5 nov. 2013.

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por seus representantes, a fim de possibilitar que, em alguns anos, toda diocese seja

visitada225

.

Os objetivos destas visitas pastorais, de acordo com o Concílio Plenário Latino

Americano, que também aqui faz eco às determinações quinhentistas de Trento, são aqueles

de “introducir la doctrina sana y ortodoxa, desterrando las herejias; conservar lãs buenas

costumbres, corrigir las malas; exhortar al pueblo com sermones y pláticas á la religiosidad,

paz é inocência, y determinar todo ló demas que convenga para el provecho de los fieles

(...).”226

Para isso, a visita contém diversas etapas que buscam conhecer a realidade local antes

de apontar para as medidas a serem tomadas, visando atingir um estado específico. De acordo

com Augustin Wernet, ao referir-se às etapas de uma visita pastoral no Brasil do século XIX,

estas consistiam em realizar uma vistoria que objetivava verificar as condições de manutenção

e higiene do patrimônio edificado da matriz, suas dependências, e seus bens móveis, dos quais

destacam-se os objetos empregados nas funções religiosas e os livros de registro paroquiais,

que passavam por rigorosa análise227

. Nesta ocasião, a autoridade diocesana ou seu

representante também administrava a crisma, realizava atos religiosos, e deixava ao final de

sua visita um termo, no qual apontava para eventuais medidas e orientações ao clero para se

mudar o que se fizesse necessário a seu ver228

.

No que concerne às localidades aqui estudadas, no período em que os carmelitas

descalços permanecem à frente das duas paróquias, foram realizadas quatro visitas pastorais,

sendo que a primeira foi realizada em agosto de 1911 por Dom Assis, a segunda em junho de

1914, pelo visitador Theophilo Guimarães, a terceira em agosto de 1915 pelo mesmo visitador

e a última em setembro de 1919, por Dom Chagas, terceiro bispo diocesano de Pouso

Alegre229

.

Se nos anos de administração teresiana este índice nos parece baixo, no período de

1900 até 1911 esta frequência o foi ainda mais, dado que nestes anos, registram-se apenas três

visitas que aconteceram em abril e em agosto de 1902, tendo sido realizadas ambas

225 EPISCOPADO LATINO AMERICANO. Actas y Decretos del Concilio Plenario de la América Latina.

Roma: Tip. Vaticana, 1906, p.130. 226 Ibidem, p.131. “Introduzir a Doutrina sã e ortodoxa, desenraizando as heresias; conservar os bons costumes,

corrigir os maus; exortar ao povo com sermões e práticas à religiosidade, paz e inocência, e determinar tudo o

mais que convenha para o proveito dos fieis.” (tradução nossa) 227 WERNET. A. A Igreja Paulista no Século XIX: A reforma de D. Antônio Joaquim de Melo (1851-1861).

São Paulo: Ática, 1987, p. 133. 228 WERNET. A., Loc.Cit. 229 APCBJ. Livro do Tombo da Paróquia, p. 8v-57.

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pessoalmente por Dom Nery, e em agosto de 1908 pelo Monsenhor Joaquim Mamede da

Silva Leite230

.

Porém, se voltarmos ao recorte temporal da nossa pesquisa, veremos que Dom Assis,

assim como recomendado pelo Concílio Plenário Latino Americano, estava ciente da

importância de se realizar uma visita pessoal às paróquias de sua diocese, para acompanhar o

trabalho do clero, vigiar os costumes das populações, instruindo sobre a doutrina católica e

indicando os meios mais eficazes para se mudar o quadro de desconhecimento do povo em

relação ao catolicismo ultramontano, tomado agora como forma universal de se vivenciar a fé

cristã.

A primeira visita pastoral de Dom Assis realizada em Córrego após a chegada dos

Carmelitas Descalços aconteceu pouco mais de quatro meses depois da instalação dos

teresianos, e seu termo se apresenta como um dos mais importantes documentos deste período

para analisarmos a religiosidade então praticada.

A importância de tal documento é que ele não só instituiu e impôs uma postura aos

teresianos por parte da autoridade diocesana, mas incidiu também sobre a organização das

práticas que compunham a religiosidade local. Deste modo, ao apontar para o que deve ser

mudado, medida cuja execução cabe aos teresianos, ele ainda nos permite ver e conhecer a

prática religiosa então praticada por estas populações. É neste documento também que vemos

algumas das principais estratégias utilizadas pela Igreja para pretender moldar as práticas

religiosas de então ao catolicismo ultramontano.

A primeira destas estratégias encontra-se no período escolhido por Dom Assis para

realizar a visita pastoral, que ocorre nos dias 6 e 7 de agosto de 1911. O bispo, conhecedor da

grande ocorrência de pessoas que se verifica nesta localidade por ocasião da festa do

padroeiro Senhor Bom Jesus, que acontece anualmente em 6 de agosto, decide neste ano se

utilizar de uma valiosa estratégia, já usada anteriormente por Dom Nery para impor sua

presença, como um meio para tentar frear muitos dos ditos “abusos” da religiosidade local: a

realização de uma visita em plena festa do Bom Jesus no Santuário de Córrego.

Porém o que vemos ao longo deste termo é que este não foi seu único objetivo. Assim,

ao iniciarmos a sua leitura podemos observar que:

Parando em casa dos Revdos. Padres Carmelitas dahi fomos

acompanhados pelo clero irmandades e fiéis até a igreja Matriz, onde

230 Ibidem, p. 2-8v.

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fizemos a entrada solemne e abrimos a visita pastoral. Annunciamos aos

fieis as indulgências plenárias e parciais que o Ilmo. Padre Papa Pio X

concedeu a este Sanctuario (...)231

Estas primeiras informações nos apontam para a grande adesão dos leigos à cerimônia

católica da entrada solene. Com efeito, neste dia, milhares de pessoas acorriam ao santuário e

entre estes leigos faziam-se sentir paroquianos, reunidos em associações ou não, sujeitos que

vinham da sede da municipalidade e de outros bairros e também peregrinos e indivíduos

vindos de outros municípios e de outras localidades de Minas Gerais e do Estado de São

Paulo.

Embora não nos tenha sido possível encontrar informações sobre as irmandades

existentes nesse ano em Córrego do Bom Jesus, sabemos pelo próprio Dom Assis que essas,

até este período, encontravam-se em atividade, a despeito das medidas impostas pela Igreja,

que buscavam cercear o poder destas instituições232

.

No que se refere à recepção do bispo, interessa-nos observar que, por detrás da

ritualística romana, que via na cerimônia de entrada grande solenidade e um momento

privilegiado para a afirmação da autoridade diocesana233

, verificamos que tamanha audiência

constituiu-se em um momento privilegiado para Dom Assis tentar mais uma de suas

estratégias. É que nesse momento o bispo anunciou, com grande destaque, a concessão por

parte de Pio X das indulgências plenárias e parciais aos fieis do Santuário do Senhor Bom

Jesus.

Essa concessão assume grande importância, na medida em que nos inteiramos do que

constitui uma indulgência, e para isso, primeiramente nos remetemos à Pastoral Coletiva de

1911, que define indulgência como:

(...) a remissão da pena temporal devida a Deus pelos pecados

perdoados quanto á culpa, remissão outorgada pelo ministro legítimo,

231 Ibidem, p. 8v. 232. EPISCOPADO BRASILEIRO. Pastoral Collectiva dos Senhores Arcebispos e Bispos das Províncias

Ecclesiasticas de S. Sebastião do Rio de Janeiro, Marianna, S. Paulo, Cuyabá e Porto Alegre: Communicando ao clero a aos fieis o resultado das Conferências episcopais realisadasna cidade de S. Paulo de

25 de setembro a 10 de outubro de 1910. Rio de Janeiro: Typographia Leuzinger, 1911. p. 365-380. Além de

incentivar a criação de novos modelos de associações para leigos, a Igreja neste período também estabeleceu

normas que deveriam ser seguidas por irmandades e confrarias. Tais normas encontram-se na Pastoral Coletiva

de 1911, e dizem respeito, sobretudo, à exigência de que estas entidades submetessem uma prestação de contas

anual à Diocese, sujeitassem seus patrimônios à autoridade diocesana e adequassem seus critérios para a escolha

de novos membros. 233 Ibidem, p. 645-659.

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fora do sacramento da Penitencia, em virtude da aplicação do tesouro

dos superabundantes méritos satisfactorios de Jesus Christo, de Maria

Santissima e dos Santos, geralmente chamado tesouro da Egreja234

.

O mesmo documento ainda explica que tal dádiva pode ser total ou parcial, “pessoal,

local ou real”, sendo temporal ou perpétua235

. Considerando que esta graça é alcançada

mediante a realização de alguns pré-requisitos, é necessário que:

Estimulem, pois, os Sacerdotes, Parochos e pregadores, aos fieis a

ganhar indulgencias, ensinem-lhes as condições requeridas para por este

meio satisfatório as dividas contrahidas com a Justiça Divina; e a seu

tempo, notifiquem ao povo as indulgencias plenárias e também parciais

mais solemnes, e os jubileus que ocorrerem, para que os possam

lucrar.236

Diante do exposto, vemos na ação de Dom Assis uma nítida tentativa de cooptação da

população que, apesar de ser tratada cerimonialmente como católica, é portadora, de acordo

com a postura diocesana, de práticas que merecem e justificam o emprego de uma estratégia,

visando a cooptação com o fim último de promover uma mudança de costumes para o

“verdadeiro catolicismo”.

Antes de concluirmos tal fato, iremos observar o que a respeito da concessão de

indulgência nos apresenta Jacques Le Goff e Dalila Zanon. De acordo com o que Le Goff nos

apresenta em sua obra O Nascimento do Purgatório237

, é interessante observarmos que a

concessão de indulgências tem relação direta com a existência do Purgatório, com a culpa e a

pena238

.

Segundo o autor, a criação do Purgatório pela Igreja Católica aconteceu no século XII

e representou a ampliação dos horizontes para os fieis que, até então após a morte, tinham

somente duas opções de destinos para a alma: o céu, reservados aos imaculados; ou o inferno,

local onde a alma sofreria eternamente os tormentos do fogo. A reorganização deste cenário,

com a introdução de um terceiro lugar, o Purgatório, como opção para aqueles que possuíam

comportamento que variava entre esses dois extremos, de acordo com o referido autor, deu-se

234 Ibidem, p. 116-117. 235 Ibidem, p. 117. 236 Ibidem, p. 118. 237 LE GOFF, J. O Nascimento do Purgatório. São Paulo: Estampa, 1995. 238 Ibidem, p. 256.

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motivada pela reorganização social verificada no século XII na Europa, quando assistiu-se a

modificação nas relações sociais, marcada entre outros pelo desaparecimento da escravidão, a

afirmação do feudalismo, e principalmente, a ascensão dos comerciantes e artesão como

terceira classe239

.

Desde então, o Purgatório passou a ter duas funções: lá, deveriam ser purgados os

pecados quotidianos; mesmo destino teriam aqueles que haviam se arrependido, mas que não

puderam cumprir a penitência240

. Sobre isso, o mesmo autor nos esclarece que a condenação,

que advém de uma culpa, pode ser perdoada através do arrependimento e confissão, ao passo

que a pena é anulada pela realização de uma penitência. Se o fiel arrependeu-se e confessou-

se, mas não pôde terminar a penitência, a pena deveria ser cumprida no Purgatório241

.

A indulgência nesse sentido significava “a completa remissão dos pecados”, ou um

meio para se diminuir estes242

. No mesmo sentido, é interessante notarmos que Dalila Zanon,

em sua Dissertação A Ação dos Bispos e a Orientação Tridentina em São Paulo (1745-1796),

ao abordar a utilização de indulgências por parte dos bispos que estiveram à frente do bispado

paulista no seu período de pesquisa, aponta importantes aspectos ligados à funcionalidade

deste instrumento, conforme vemos a seguir243

.

Segundo a autora, esta funcionaria como mecanismo que proporcionaria ao fiel que

encontrava-se em pecado poder redimir parte ou todos eles244

. De acordo com Zanon, a

concessão de tais dádivas por parte do Sumo Pontífice não acontecia despretensiosamente. As

condições para seu recebimento eram basicamente o acesso aos sacramentos da comunhão e

confissão, e a realização de visitas à determinadas igrejas, onde o fiel deveria fazer orações,

isso de modo a completar o primeiro ato245

. Sobre isto, conclui a autora que:

Nesse caso, a indulgência funcionava como um incentivo ao

sacramento da confissão, na medida em que condicionava a indulgência

ao mesmo, e garantia ao fiel o perdão completo de todos os pecados

cometidos: dos confessados e dos que infalivelmente foram esquecidos,

tratando-se, nesse último caso, dos pecados veniais. Por outro lado,

239 Ibidem, p. 159. 240 Ibidem, p. 261. 241 Ibidem, p. 256. 242 Ibidem, p. 384-385. 243 ZANON, D. A Ação dos Bispos e a Orientação Tridentina em São Paulo (1745-1796). Dissertação de

Mestrado em História Cultural. Campinas: Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Filosofia e Ciências

Humanas, 1999, p. 113. 244 Ibidem, p. 114-115. 245 Ibidem, p. 118.

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incentivava a prática das orações e as visitas às igrejas (...) Vê-se

portanto, que através das indulgências objetivava-se criar nos fiéis

práticas visíveis de devoção.246

Diante do exposto, podemos finalmente afirmar que Dom Assis visou naquele

momento promover uma mudança de comportamento dos leigos em relação às práticas

religiosas locais então vivenciadas. Para isso, a indulgência funcionaria como um prêmio

alcançado por aquele leigo que cumprisse com os sacramentos e condições acima citados.

De fato, no que se refere à frequência dos sacramentos entre as populações das duas

paróquias mineiras, é interessante observarmos que Edmondo Fusciardi em sua obra Cenni

Storici sui Conventi Carmelitani, afirma que, durante a primeira visita pastoral de Dom Assis

a estas localidades, a autoridade diocesana teria utilizado o termo caldaia d’inferno (caldeirão

do inferno) para referir-se à pouca frequência aos sacramentos nesta região247

.

A compreensão do termo “caldeirão do inferno’’ como sinônimo de distanciamento do

catolicismo ultramontano e sacramental só ganha sentido se tivermos presente que, para a

Igreja, neste período, a contabilização do número de sacramentos aponta para um índice capaz

de medir o sucesso ou não da Reforma e a mudança de comportamento da população, que

deveria centrar-se nos sacramentos, opinião que questionaremos de modo mais demorado no

terceiro capítulo.

Por ora, no entanto, é preciso registrarmos que, na leitura de nossas fontes, que

englobam os livros de atas e livros de administração, não encontramos este termo em língua

portuguesa, nem tampouco em italiana.

Sobre o número de sacramentos administrados e registrados por ocasião da visita

pastoral, é o próprio termo da visita que nos informa que foram 160 comunhões, 2

matrimônios e 230 crismas, números pouco representativos diante da estimativa da população

que, de acordo com frei Bindi, nesse ano, girava em torno de 3.500 habitantes.

Mas Dom Assis teria realmente muitos motivos para usar desta estratégia de cooptação

dos leigos através da concessão de indulgências naquele momento? Se analisarmos

atentamente a situação religiosa daquela época, entendemos melhor sua intenção.

Dando continuidade à análise de nosso documento, chegamos a um ponto central do

registro da visita pastoral: as recomendações realizadas após a visita às dependências da

246 ZANON, D., Loc. Cit. 247 FUSCIARDI, E. Cenni Storici sui Conventi dei P. Carmelitani Scalzi della Provincia Romana. Roma:

Tipografia Pol. Cuore di Maria, 1929, p. 312.

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paróquia de Córrego do Bom Jesus e depois de examinado o estado da paróquia e do “povo”.

Assim, é forçoso observarmos o que a este respeito registra Dom Assis:

1) Haja uma pedra d`ara no altar-mor. 2) Seja observado

inteiramente o Provimento lançado neste livro de tombo à pagina 2 pelo

Exmo. eRevmoSr Bispo D. João Baptista Corrêa Nery. 3) Sejam

desenvolvidas nesta parochia o Apostolado do S. Coração de Jesus,

Confederação do Divino (obras das vocações ecclesiasticas) Catecismo,

Escola Parochial, obra da “Boa Imprensa”, etc, (...) 5) Tome

conhecimento da Pastoral Collectiva o Revmo Parocho. 6) Prestem-se

annualmente, logo depois da festa do Padroeiro, as contas a Secretaria

do Bispado... como todos os rendimentos da Fabrica e do Patrimonio. 7)

Organize-se já a junta parochial para dirigir a Administração da

Fábrica. 8) Ficam terminantemente prohibidas por nós as folias e

bandeiras, como meios indecentes de adquerir esmolas p festas

religiosas.248

Estas primeiras recomendações dizem muito do estado da paróquia naquele período. A

inexistência de uma pedra d’ara significa, de acordo com a Pastoral Coletiva de 1911, a

ausência de um elemento essencial no altar. Porém, é a partir do segundo item que nos

focamos249

.

O não cumprimento das recomendações exigidas por Dom Nery na visita pastoral em

1902 sinaliza não somente a predominância do leigo à frente da paróquia, mas também a falta

de meios pelos quais a Igreja pudesse efetivar uma maior vigilância, o que torna-se claro se

recordarmos que, conforme vimos no primeiro capítulo, estas paróquias permaneceram por

anos sem contar com a presença de padres residentes.

Se observarmos que o Concílio Plenário Latino Americano enfatiza a responsabilidade

do pároco ou sacerdote que detenha a direção de uma igreja ou paróquia de executar as

recomendações diocesanas anotadas em visitas pastorais dentro do prazo de um ano250

,

podemos supor que, nesta paróquia, não se verificaram as condições necessárias,

248 APCBJ. Livro do Tombo da Paróquia, p. 9-9v. 249 EPISCOPADO BRASILEIRO. Pastoral Collectiva dos Senhores Arcebispos e Bispos das Províncias

Ecclesiasticas de S. Sebastião do Rio de Janeiro, Marianna, S. Paulo, Cuyabá e Porto Alegre: Communicando ao clero a aos fieis o resultado das Conferências episcopais realisadasna cidade de S. Paulo de

25 de setembro a 10 de outubro de 1910. Rio de Janeiro: Typographia Leuzinger, 1911. p. 194-195. 250 EPISCOPADO LATINO AMERICANO. Actas y Decretos del Concilio Plenario de la América Latina.

Roma: Tip. Vaticana, 1906, p. 131-132.

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principalmente por meio da presença de um clero reformado e residente, para executar tais

medidas.

Mas é o terceiro ponto um dos que mais chamaram nossa atenção, pois este sinaliza

para diversos elementos de destaque do projeto reformador conquanto incidem diretamente

sobre a organização do catolicismo local, ao prescrever a fundação de novos modelos de

associações religiosas, a instituição e reforço da instrução religiosa, a criação de uma escola

paroquial para ensino local e o incentivo à participação dos fieis como leitores e assinantes da

Boa Imprensa. Destarte, deduzimos que a recomendação para que tais ações fossem

realizadas, sinaliza que naquele momento os mesmos elementos ali não existiam.

Não se restringindo a isso, são as recomendações seguintes também marcadas por uma

clara orientação ultramontana, que se torna evidente quando a autoridade diocesana impõe o

conhecimento da Pastoral Coletiva de 1911 aos religiosos italianos, a fim de que estes

pudessem se inteirar do “programa brasileiro de reforma”, que embora tenha pretendido ser

um fac símile das diretrizes da Igreja romana, possui algumas características próprias, como

concessões dadas à América Latina e à própria Diocese de Pouso Alegre, como veremos.

Acima de tudo, tal orientação reformadora torna-se evidente quando observamos a

grande preocupação do bispo com a prestação de contas da grande festa do Senhor Bom

Jesus, e quando este recomenda a criação de uma junta paroquial para se assumir a gestão da

paróquia, o que evidencia mais uma vez a posição até então detida pelos leigos à frente da

vida paroquial.

Também por meio de uma proibição que se refere ao oitavo item, a autoridade

diocesana nos informa da existência de folias e bandeiras, atividade empreendida pelo festeiro

e que acontecia para angariar recursos financeiros para as festas religiosas, cuja finalidade

seria a compra de alimentos e bebidas a serem distribuídos no dia da festa, ato que de agora

em diante deveria ser coibido. Não obstante, ainda algumas importantes orientações fazem-se

sentir, conforme podemos observar a seguir:

Terminando, pois, recommendamos que se persuada com avisos

aos fiéis para que se aproximem com a máxima freqüência do

Sacramento da Communhão, sobretudo no dia da festa do Padroeiro

promovendo uma grande communhão geral para lucrarem-se as

indulgencias concedidas pelo S. Padre o Papa Pio X. 251

251 APCBJ. Livro do Tombo da Paróquia, p. 9v.

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De fato, verificamos que, no trecho acima citado, é reafirmada a importância de se

estimular os “fiéis” a adotarem a frequência aos sacramentos como condição sine qua non

para se alcançar as indulgências de Pio X e, finalmente, fechando o registro do termo,

percebemos a preocupação da autoridade diocesana com as festas religiosas locais, com

ênfase na principal festa regional do Senhor Bom Jesus do Córrego:

Muito louvável, também, será organizar-se um sábio e edificante

programma para uma festa tão santa comodeve ser a do Senhor Bom

Jesus nesta parochia; Por exemplo, buscar música com mais sacro

sermão apropriado ao evangelho e um outro para Procissão terminando-

se tudo com a benção do SSmo e fazendo as irmandades do Coração de

Jesus e do Divino guarda de honra em todos estes actos.252

(grifo nosso)

Sobre a festa propriamente, este documento ainda nos indica importantes aspectos. A

inexistência de um tríduo, mínimo exigível para uma festividade religiosa, a inexistência de

um espaço “ideal”, onde as irmandades locais pudessem se encontrar para celebrar tal

solenidade de modo adequado e, finalmente, a inexistência de um programa sacro, que nos

indica a presença de elementos considerados profanos. Finalmente, a autoridade diocesana

recomenda que tudo seja encerrado com uma bênção, como perdão, e numa clara tentativa de

cooptação, indica a possibilidade de se transformar as irmandades do Divino e do Coração de

Jesus, em “guardas de honra” em todos estes atos, reforçando a orientação da nova postura de

submissão à autoridade diocesana, que de ora em diante deveria ser assumida pelas

irmandades locais.

Embora tal assunto, ou seja, a introdução de devoções reformadas seja objeto de nossa

análise nos próximos itens deste capítulo, por ora devemos observar que, ao nomear as duas

irmandades, Dom Assis nos mostra curiosamente que uma delas tem o nome de uma devoção

reformada, pois a nomenclatura Coração de Jesus parece querer travestir o nome da antiga

irmandade do Senhor Bom Jesus, criada em 1874 e presente através de uma mesa

administrativa nos termos de visitas pastorais da primeira década de 1910253

.

Conforme nos é apresentado pela Pastoral Coletiva de 1911, uma forte campanha foi

realizada durante a Reforma Ultramontana para submeter as antigas irmandades à gestão

diocesana, com medidas que exigiam a aprovação de seus estatutos por autoridade diocesana,

252 Ibidem, p. 9v-10. 253 Ibidem, p. 1-11.

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o cumprimento rigoroso de seus estatutos, a proibição destas entidades de angariar esmolas

sem autorização do vigário ou bispo, a apresentação anual de prestação de contas à autoridade

diocesana, a observância de critérios que incidem sobre a admissão de novos membros e a

submissão dos patrimônios das irmandades à gestão diocesana254

, mas sobre esta iniciativa em

Córrego, nada pudemos encontrar no Livro do Tombo da paróquia, quando procuramos por

possíveis intervenções nos anos de 1900 até 1911. Este dado nos indica que, Córrego do Bom

Jesus em 1911 não se encontrava totalmente alheio à tentativa de imposição de certos critérios

ultramontanos e nos expõe também uma tática da dita irmandade que, apesar de aceitar sua

nova nomenclatura Coração de Jesus, promove atos não condizentes com tal “terminologia”

de devoção reformada.

Já na paróquia de Cambuí, a análise do termo da visita de Dom Assis, realizada entre 4

a 5 de agosto do referido ano, nos revela dados não muito diferentes daqueles que analisamos

em Córrego do Bom Jesus. No que se refere ao número de sacramentos, percebemos que estes

foram ainda mais escassos, pois: “Chrismaram-se 184, Casaram-se 0, Comungaram 9 fiéis”,

diante de uma população estimada de 16 mil habitantes255

.

Detendo-nos nas recomendações diocesanas, percebemos que, nesta localidade, o

bispo registra cinco observações, que dizem respeito respectivamente à necessidade de se

executar as recomendações de Dom Nery, fruto da visita realizada por ele em 1902 (e que

foram reafirmadas na visita de 1908); a necessidade de se constituir também nessa paróquia

um conselho para “dirigir os negócios da fábrica como determina a Pastoral Collectiva” de

1911; a necessidade que o pároco tem de se inteirar das determinações da referida Pastoral

Coletiva; a necessidade de se “continuar” a devoção do Menino Jesus no dia 25 de todos os

meses e finalmente; a necessidade de se “restaurar” as devoções do Coração de Jesus, do

Divino, Almas, Via Sacra e do Santíssimo Sacramento, entre outros256

.

Tais recomendações, ainda que muito similares àquelas encontradas em Córrego do

Bom Jesus, se distinguem por dois motivos: a utilização do termo “restaurar” frente às

diversas nomenclaturas de associações e o estímulo para se “continuar” a devoção do Menino

Jesus chamou nossa atenção para sabermos se tais ações já haviam sido tentadas

anteriormente (o que muito pode nos ajudar a entender como a população recebe essas

254 EPISCOPADO BRASILEIRO. Pastoral Collectiva dos Senhores Arcebispos e Bispos das Províncias

Ecclesiasticas de S. Sebastião do Rio de Janeiro, Marianna, S. Paulo, Cuyabá e Porto Alegre: Communicando ao clero a aos fieis o resultado das Conferências episcopais realisadasna cidade de S. Paulo de

25 de setembro a 10 de outubro de 1910. Rio de Janeiro: Typographia Leuzinger, 1911. p. 365-380. 255 APC. Livro do Tombo da Paróquia, p. 58-58v. 256 APC. Livro do Tombo da Paróquia, Loc. Cit.

Page 89: “il tanto vantato cattolicismo del Sul de Minas” · AGRADECIMENTOS A realização desta pesquisa tornou-se possível graças ao apoio recebido de diversas pessoas e instituições

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mesmas ações já no período de gestão paroquial dos teresianos), e por isso também nos

debruçamos sobre o Livro do Tombo da paróquia, a fim de tentar esclarecer tal assunto.

De todas estas, no entanto, só pudemos encontrar referência à devoção do Sagrado

Coração de Jesus, mas é esta que nos mostra um importante dado. Com efeito, a leitura de um

inventário da paróquia de Cambuí realizado em 1888, pelo então maçon e político Padre José

Figueiredo Caramurú, nos mostra que, nesse ano, tal devoção já era conhecida na paróquia,

fato que deduzimos a partir da existência de um quadro do Sagrado Coração de Jesus. Tal

informação nos ajudará no próximo item a nos aprofundarmos sobre como atuavam os

carmelitas descalços ao tentar fundar novamente tais devoções.

Por ora, é preciso admitir que o quadro geral que nos foi apresentado pelos termos da

visita nos informa da existência de irmandades religiosas que continuavam a desafiar as

autoridades diocesanas, de uma festa regional de proporções consideráveis, onde muitas das

atividades presentes na festa não estavam sob controle do clero local e sim do laicato, da

existência de poucos sacramentos, do não cumprimento de antigas orientações diocesanas, da

não existência da Boa Imprensa e seus assinantes entre outros.

Esta situação deveria ser mudada, e algumas das estratégias empregadas foram a

realização de visitas pastorais, a tentativa de criação de associações europeias, a reforma das

festas religiosas, a concessão de indulgências como um modo de reforçar e persuadir sobre a

importância dos sacramentos, a organização de um conselho paroquial leigo mais

comprometido com os interesses da Igreja, entre outros.

Diante destas estratégias, estruturamos o final deste capítulo de modo a proporcionar

ao leitor continuar a visualizar a atuação teresiana frente às duas referidas paróquias.

2.2- Ainda as Associações

No item anterior vimos que o insucesso inicial das tentativas de se implantar novos

modelos de associações religiosas europeias em Cambuí e em Córrego do Bom Jesus até 1914

e de se executar o mandamento diocesano de 1913 sobre a reforma das festas religiosas do

bispado deveu-se, em grande parte, ao poder que até então os leigos detinham nestas

paróquias.

Isso nos ficou evidente nas observações que Dom Assis registra no termo das visitas

pastorais realizadas a estas paróquias em agosto de 1911, e que nos permitem, de um lado,

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conhecer um pouco da prática religiosa então praticada por estas populações e de outro,

visualizar a tentativa, por parte de Dom Assis, de se utilizar de diversas estratégias a fim de

cooptar tal público.

Para entendermos melhor a incumbência do leigo nesta prática, retomamos alguns

elementos que guiaram nossa discussão no item anterior, que são as tentativas de implantação

de associações religiosas e da Comissão de Guarda de Honra do Santíssimo, o que nos

permitirá dar continuidade à nossa análise.

Com efeito, como vimos anteriormente, até 1914 não se efetivou pelas mãos dos

carmelitas descalços a fundação de tais modelos em Córrego do Bom Jesus e em Cambuí. É

nesse ano, no entanto, que podemos observar uma novidade neste quadro. No Relatório da

Parochia do Sr. Bom Jesus de Córrego de 1914, curiosamente encontramos uma referência de

frei Bindi à existência do Apostolado da Oração do Sagrado Coração257

. Esta anotação, no

entanto, não possui mais detalhes, o que tornou impossível saber quando e como esta teria

sido criada. Já no caso da sede da municipalidade, é interessante observarmos o que sobre a

fundação do Apostolado da Oração nos registrou no Livro do Tombo, frei Brocardo então

vigário de Cambuí.

Intitulado Ereção do novo Centro do Apostolado da Oração, esse registro, de acordo

com o vigário, ocupou a “página mais gloriosa do presente livro”, o que nos sinaliza grande

contento diante do “êxito”, e discorre sobre a cerimônia de inauguração do novo centro, ainda

que não nos seja explicado o porquê do adjetivo “novo”, já que ao lermos o Livro do Tombo

da paróquia, não encontramos anteriormente outra fundação de tal agremiação. Contudo, é

neste registro que frei Brocardo nos apresenta como teria ocorrido a cerimônia de tal

fundação. Assim, prosseguindo, podemos verificar que:

O povo religioso d´esta Cidade não fez o surdo ás vozes d’um Deus

Arrartigimo, e foi justamente no dia 25 do mez de Outubro de 1914, que

o povo Cambuhyense protestou publicamente ao Divinissino Coração de

Jesus a sua dedicação, o seu amor. Nesse dia é que foi inaugurado o

novo Centro do Apostolado da Oração: foi uma festa exclusivamente

religiosa.258

257 APCBJ. Livro do Tombo da Paróquia, p. 22v. 258 APC. Livro do Tombo da Paróquia, p. 71.

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No trecho acima transcrito, é interessante observarmos a grande atenção dada pelo

religioso italiano a esta cerimônia, a qual segundo o mesmo, contou com missa cantada pelo

frei Anselmo e por algumas “dedicadas cantoras” da matriz, e também com a benção do

estandarte pelo vigário frei Brocardo, que estimulou os paroquianos a se juntarem ao grupo

recém formado, associando-se ao mesmo. Nesta ocasião, registra o mesmo religioso, uma

cerimônia que conferiu a 8 homens e 9 senhoras o distintivo de zeladores do Apostolado e

reconheceu a inscrição de 203 paroquianos como membros da dita entidade259

, o que nos

mostra aqui hábil recurso do clero para se aproximar dos paroquianos. Ainda mereceu

destaque neste registro a nomeação de uma diretoria, assumida por frei Brocardo Colonelli.

Na tarde deste mesmo dia, uma procissão solene foi realizada. Neste ato, o andor da

devoção ao Sagrado Coração “enfeitado com esmero pelo Sr. João Baptista Corrêa, foi

carregado pelos Exmos. Zeladores”, cerimônia que contou ainda com a presença das bandas

musicais Nossa Senhora do Carmo e Carlos Gomes, as quais, de acordo com o religioso,

abrilhantaram este ato. Finalmente, após o retorno da procissão à igreja, frei Anselmo pregou

um sermão e finalizou a solenidade com a bênção do Santíssimo e consagração.260

Ora, teria mesmo conseguido frei Brocardo executar um programa tão perfeito pouco

tempo depois da concessão de um ano para se executar o mandamento sobre as festas

religiosas locais? Sobre tal reflexão, apontamos para o fato de que a presença das duas bandas

nos deixa receosos, quanto a isso, e a fim de entendermos melhor a finalidade de tal

associação, decidimos consultar o que a este respeito nos é apresentado pela Pastoral Coletiva

de 1911 que, ao referir-se às práticas e objetivos desta associação, nos afirma que tal

agremiação é “uma pia associação de orações e práticas christãs”, que teve sua origem no

ano de 1844 na França e cuja finalidade é a de “promover os interesses do S. Coração de

Jesus”261

, devoção que, de acordo com disposições da mesma Pastoral Coletiva, detém

“primazia” entre as demais, e que cresceu consideravelmente durante os papados de Pio IX,

Leão XIII e Pio X262

.

No caso das referidas paróquias, em todo o período de gestão teresiana, esta é a única

associação que foi instituída em ambas localidades. Mas ao tentarmos entender como sucedeu

259 APC. Livro do Tombo da Paróquia, Loc. Cit. 260 Ibidem, p. 71. 261 EPISCOPADO BRASILEIRO. Pastoral Collectiva dos Senhores Arcebispos e Bispos das Províncias

Ecclesiasticas de S. Sebastião do Rio de Janeiro, Marianna, S. Paulo, Cuyabá e Porto Alegre: Communicando ao clero a aos fieis o resultado das Conferências episcopais realisadasna cidade de S. Paulo de

25 de setembro a 10 de outubro de 1910. Rio de Janeiro: Typographia Leuzinger, 1911.p. 140. 262 Ibidem, p. 135.

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o funcionamento desta agremiação em Cambuí e em Córrego do Bom Jesus, não pudemos

encontrar muitos dados que contribuíssem para tal conhecimento.

Referindo-nos a Córrego, a menção à existência desta instituição se repete unicamente

nos Relatórios Anuais de 1915263

e de 1916264

, também estes sem pormenores. Curiosamente,

nos anos anteriores e seguintes, até 1922, não encontramos registro da existência desta

associação265

. Em Cambuí, por sua vez, os registros são escassos e nos sinalizam, por vezes,

somente para a existência desta entidade, sem pormenores sobre sua atuação.

Por isso nos remetemos mais uma vez à leitura dos termos de visitas pastorais

realizadas durante os paroquiatos teresianos, na busca de informações que porventura

pudessem ter sido observadas sobre esta associação pelas autoridades diocesanas.

Se a leitura dos termos das visitas pastorais à Córrego em 1914, 1915 e em 1919 nada

nos revelaram sobre a existência do Apostolado da Oração, é interessante notarmos o que

sobre esta associação encontramos no termo da visita pastoral realizada a Cambuí em 1915

pelo visitador diocesano, Monsenhor Theophilo Guimaraes, que nos informa que nesse

referido ano, tal instituição encontrava-se ativa, pois conforme foi registrado por este, “No dia

9 a tarde presidi a reunião do Apostolado da Oração, animando, por esta occasião, os

zeladores e zeladoras e convidando-os a trabalharem sempre com grande empenho para o

maior desenvolvimento dessa tão pia e util associação.”266

Finalmente, o último dado sobre as novas agremiações para leigos foi encontrado no

termo da visita pastoral de 1919, de Dom Otávio Chagas de Miranda, então bispo da Diocese

de Pouso Alegre, que registrou a presença do Apostolado “na procissão que teve lugar na

cerimonia da entrada solene.” Ainda neste mesmo termo e na parte das recomendações,

registra Dom Otavio ao pároco: “recommendamos que mantenha e desenvolva a

Confederação do Divino Espírito Santo, por nós restaurada, bem como se interesse sempre

para que na parochia haja um bom numero de assistentes, digo, assignantes do orgam

catholico da Diocese.”267

No próximo triênio, até 1922, quando tem fim a presença teresiana,

nada mais foi encontrado.

Diante do quadro que expusemos anteriormente, tudo indica que, em Córrego, a única

associação fundada em onze anos de presença teresiana foi o Apostolado que, todavia, parece

263 APCBJ. Livro do Tombo da Paróquia, p. 26. 264 Ibidem, p. 41. 265 Ibidem, p. 42-53v. 266 APC. Livro do Tombo da Paróquia, p. 72. 267 Ibidem, p. 85v.

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ter tido existência efêmera de 1914 até 1916. Já em Cambuí, podemos notar que a existência

desta associação parece ter alcançado maior espaço de tempo, tendo durado de 1914 até 1919.

No entanto, refletindo sobre o período em que estiveram “ativas”, a simples existência

destas instituições nos assegura que as mesmas conseguiram executar os objetivos a que se

propunham? Acreditando, pois, conforme apregoado por Roger Chartier que “a força com a

qual os modelos culturais impõem sentido não anula o espaço próprio da sua recepção, que

pode ser resistente, matreira ou rebelde”268

, interessa-nos, pois, entender se a instituição

destes novos modelos de associações para leigos nestas paróquias responderam aos anseios de

carmelitas descalços e bispos que, com elas, visavam a disseminação do catolicismo

ultramontano e o enfraquecimento do catolicismo local.

Embora nossos dados não nos permitam entender como os leigos se apropriaram das

práticas reformadas nestas instituições, cabe-nos fazer algumas considerações sobre este

processo. De fato, considerando a grande resistência dos leigos locais frente a esta ação,

levando-se em conta ainda o inexpressivo número de pessoas abarcadas por tal iniciativa,

considerando que estes modelos não tiveram uma existência longeva e considerando

finalmente, a presença de algumas práticas características das festividades religiosas

tradicionais locais quando da criação desta associação em Cambuí em 1914, acreditamos que,

apesar da criação destas entidades, elas não obtiveram o sucesso esperado.

Porém essa nossa percepção está assentada em escassos dados que, como vimos, não

nos permitem entender como tal fundação se desenvolveu em meio à população local, nem

nos permite discutir a recepção desta proposta entre os leigos locais, certamente também estes

herdeiros de muitas das práticas do catolicismo local.

E para tentar nos ajudar a entender como a introdução de modelos europeus se deu,

decidimos dispensar atenção à outra ação que acompanhou a tentativa de se introduzir novos

modelos de associações religiosas; a introdução de novas devoções que, concomitantemente à

introdução de novos modelos de associações, visou a substituição de devoções locais

consagradas da religiosidade local por devoções reformadas, que deveriam ser introduzidas

por ação do clero, também reformado.

268 CHARTIER, R. Cultura Popular. Revisando um conceito historiográfico, In: Estudos Históricos. v. 8, n. 16.

Rio de Janeiro: UFRJ, 1995, p. 181-182. CHARTIER, Roger. A História ou a Leitura do Tempo. 2ª ed. Belo

Horizonte: Autêntica Editora, 2010, p. 46-47. “A força dos modelos culturais dominantes não anula o espaço

próprio de sua recepção. Sempre existe uma brecha entre a norma e o vivido, o dogma e a crença, as normas e

as condutas. Nessa brecha se insinuam as reformulações e as resistências, os desvios, as apropriações e as

resistências.”

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2.3 - Devoções Pias e Reformadas

Pedro Ribeiro de Oliveira, ao referir-se ao período de Reforma Ultramontana, nos

afirma que muitas das devoções reformadas implantadas no Brasil neste período foram para

cá trazidas pela iniciativa dos membros de ordens religiosas, que aqui tentaram instituir a

devoção de santos ligados à fundação e existência de seus institutos religiosos. Exemplo disso

foi o incentivo por parte dos salesianos das devoções de Nossa Senhora Auxiliadora e São

João Bosco, o apoio dos redentoristas a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro e Santo Afonso

de Liguori, e a promoção de São Luiz Gonzaga por parte dos jesuitas269

.

Por conseguinte, para este autor, uma consequência da implantação de novas devoções

foi a criação de novos modelos de agremiações leigas, ligadas a cada um destes santos de

devoção. É assim que a associação do Apostolado da Oração reunia paroquianos ao redor da

devoção do Sagrado Coração de Jesus; a Liga de Jesus, Maria e José congregava devotos

entorno da devoção da Sagrada Família; a Pia União de Orações e Culto Perpétuo a São José

reuniam fiéis devotos de São José; e a Pia Associação das Filhas de Maria e a Congregação

Mariana reuniam ambas fiéis afeiçoados à devoção da Imaculada Conceição270

.

Estas observações ganham relevância na medida em que podemos verificar tais

fenômenos também em nossas paróquias. Em Córrego, através dos relatórios de Frei Bindi,

sabemos que em 1912 foram celebradas as festas de Nossa Senhora do Carmo e de Santa

Teresa, festividades estas que se repetem unicamente no ano seguinte. Também em 1913

podemos observar o registro da celebração das Festas Constantinianas em 15 de junho271

e a

festa de Nossa Senhora da Imaculada Conceição, em 8 de dezembro272

.

Outras presenças de devoções reformadas foram encontradas nos relatórios de Bindi,

como o Mês de Outubro, que acontece pela primeira vez em 1911, e se repete nos anos de

1912, 1914, 1915, 1916, 1917, 1918 e 1919. Sobre esta devoção, é interessante notarmos que,

a partir de 1915, frei Bindi quebrou o total silêncio que pairava sobre tais festividades, quando

nos afirmou que, deste ano até 1919, tal evento ocorreu conforme mandamento da Pastoral

Coletiva, dado porém que sinaliza para o fato de que nos anos anteriores, esse objetivo não foi

269 OLIVEIRA, P. A. R. de. Religião e Dominação de Classe. Gênese, estruturação e função do catolicismo

romanizado no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1985, p. 286. 270 OLIVEIRA, P. A. R. de., Loc. Cit. 271 APCBJ. Livro do Tombo da Paróquia, p. 19v. 272 Ibidem, p. 19-19v.

Page 95: “il tanto vantato cattolicismo del Sul de Minas” · AGRADECIMENTOS A realização desta pesquisa tornou-se possível graças ao apoio recebido de diversas pessoas e instituições

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alcançado. Finalmente, foi nesta localidade também registrada a celebração do Mês de Maria,

que aconteceu em 1911 e em 1913273

.

Em Cambuí, os registros efetuados pelos padres teresianos que passaram pela gestão

paroquial não são tão abundantes e regulares quanto àqueles encontrados em Córrego do Bom

Jesus, no que concerne à celebração de devoções e festas reformadas. Foi através de uma

crônica de frei Dorelli, publicada no Il Carmelo, em 1911, que tivemos notícia da organização

da primeira devoção reformada incentivada pelos religiosos italianos ali presentes: o Mês de

Maio, em 1911. Sobre essa festividade, no Livro do Tombo nada foi encontrado, mas é neste

local que dois anos mais tarde encontramos um registro de frei Mauro, que afirma ter ocorrido

em junho deste ano a celebração das Festas Constantinianas. Três anos mais tarde, em 1916,

foi a vez de frei Brocardo registrar a realização das festas do Sagrado Coração de Jesus, do

Mês de Outubro e do Mês de Junho274

. O último registro sobre estas devoções foi efetuado em

1918, quando frei Nicolò aponta a ocorrência no Mês de Maio, da festa do Sagrado Coração

de Jesus, do Mês de Junho e os exercícios do Mês do Rosário275

.

As informações que aqui expusemos nos mostram o esforço empreendido pelos

religiosos italianos em tentar introduzir e desenvolver devoções aprovadas pela Igreja e

devoções dos santos da própria Ordem. Mas no que consistiam tais devoções, e como estas

foram vivenciadas pelas populações dessas duas paróquias?

A fim de respondermos tais questões, dirigimos nossa atenção inicialmente à

organização da festa de Nossa Senhora do Carmo e de Santa Teresa, em Córrego, realizadas

em 1912 e 1913, pois de todas as demais, essas possuem especial significado para os

teresianos. Sendo Nossa Senhora do Carmo reconhecida como “mãe” do Carmelo e Teresa de

Ávila uma das fundadoras do Carmelo Descalço, nos parece natural que, entre as primeiras

festas que foram incentivadas pelos teresianos em Córrego, sede da missão em Minas Gerais,

figurassem essas duas, festividades que, no entanto, não parecem ter agradado muito à

população local, conforme vimos anteriormente.

No caso das Festas Constantinianas, através do jornal católico Tribuna Sul Mineira e

anotaçãoes encontradas junto ao Livro do Tombo destas paróquias, tomamos conhecimento

que tais festividades estavam destinadas a acontecer somente em 1913, por ocasião da

comemoração do décimo sexto centenário da proclamação de liberdade de culto, concedida

aos cristãos pelo imperador Constantino, no ano de 313, através do Édito de Milão. No caso

273 APCBJ. Livro do Tombo da Paróquia, Loc. Cit. 274 APC. Livro do Tombo da Paróquia, p. 83v. 275 Ibidem, p. 84.

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da Diocese de Pouso Alegre, por meio da divulgação de um programa para esta festa feita em

jornais e por recomendações diocesanas, podemos perceber que grande investimento foi

realizado, no sentido de incentivar cada paróquia a organizar igualmente um programa e a

estimular os paroquianos a tomar parte, também, nas celebrações organizadas na cidade

episcopal276

. O programa desta festividade, repleto de celebrações religiosas com novenas,

bênçãos, administração de sacramentos e coleta de dinheiro para a Santa Sé, nos afirma sua

inserção entre aquelas festas onde deveria predominar o “correto” catolicismo, com forte

ênfase nos sacramentos e uniformização de ações e costumes.

Neste ponto, cabe-nos ainda tecer alguns comentários sobre as devoções do Mês de

Rosário-Outubro, da Imaculada Conceição e do Mês de Maio, todas devoções marianas.

Ao nos determos inicialmente no Mês de Rosário, é interessante notarmos que, embora

frei Bindi empregue o termo festa, a Pastoral Coletiva de 1911, através do Regulamento para

a recitação do SS. Rosário nos explica que esta devoção mariana consiste principalmente na

recitação de “pelo menos a terça parte do Rosário, que por isso se chama terço, constante de

cinco décadas vulgarmente chamadas mysterios”, procedimento que é seguido pela recitação

de ladainhas em honra à Nossa Senhora, pela realização de uma prece a São José, por uma

benção aos fieis que participam deste ato e, finalmente, pela realização de uma procissão com

irmandades do Rosário e com a população, conforme vontade de Pio X.277

Tais atividades devem acontecer no período de 1 de outubro até 2 de novembro278

e

para aqueles que delas aderirem, estão previstas a concessão de indulgências de sete anos e

sete quarentenas, e indulgência plenária, esta última, vinculada a obrigatoriedade do leigo de

se confessar, comungar, realizar uma oração “segundo a intenção do Santo Padre” em igreja

ou orátorio, e também realizar o terço no dia da festa desta devoção e nos sete dias que se

seguirem a esta data279

, o que vemos aqui mais uma vez como tentativa de cooptação dos

leigos, visando uma mudança de costumes. Ainda a respeito desta devoção, o Concílio

Plenário Latino Americano recomenda, com energia, que seja frequente a propagação desta

devoção mariana entre religiosos e leigos para:

276 JORNAL TRIBUNA SUL MINEIRA. Pouso Alegre: n. 19, 31 maio, 1913. 277 EPISCOPADO BRASILEIRO. Pastoral Collectiva dos Senhores Arcebispos e Bispos das Províncias

Ecclesiasticas de S. Sebastião do Rio de Janeiro, Marianna, S. Paulo, Cuyabá e Porto Alegre: Communicando ao clero a aos fieis o resultado das Conferências episcopais realisadasna cidade de S. Paulo de

25 de setembro a 10 de outubro de 1910. Rio de Janeiro: Typographia Leuzinger, 1911. p. 609-612. 278 Ibidem, p. 609. 279 Ibidem, p. 610.

Page 97: “il tanto vantato cattolicismo del Sul de Minas” · AGRADECIMENTOS A realização desta pesquisa tornou-se possível graças ao apoio recebido de diversas pessoas e instituições

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(...) dar á conoscer á aquella que con sus poderosas oraciones,

prepara camino segurísimo para la vida eterna en favor de los que, con

la palabra y con el ejemplo suelen promover su culto, y excitar a los

fieles á tenerle amor y confianza.280

Tal recomendação nos aponta para a grande importância que assumiu a propaganda de

práticas pias de devoção, aspecto que pode ser observado também sobre a festa da Imaculada

Conceição, que foi realizada pelos teresianos em Córrego, em 8 de dezembro de 1912.

Sobre esta última, o Concílio Plenário Latino Americano apresenta, do mesmo modo,

uma recomendação para que os leigos “celebren solemnemente la fiesta de dicha Immaculada

Concepción, y practiquen ejercicios de piedad aprobados, en honor de tan sublime

misterio.”281

No caso do Mês de Maio, através da referida Pastoral Coletiva, percebemos que, ao

lado da devoção ao Rosário figura uma recomendação para que os párocos “egualmente

celebrem, em suas parochias, os piedosos exercícios do mez de Maria com a devoção,

respeito e solemnidade que exige esta pia instituição.”282

O mesmo documento ainda nos

mostra interessante estratégia para divulgar tal devoção:

(...) as pessoas que, no mez de Maio, em publico ou em particular,

honrarem a Santissima Virgem com especiaes obsequios e devotas

praticas de oração e actos de virtude, podem lucrar uma indulgencia de

300 dias em cada dia, e indulgencia plenaria uma vez no mez ou nos

primeiros oito dias do mez seguinte. Condições: confissão, communhão e

oração segundo a intenção do Summo Pontifice. Raccolta de 1898, n.

136.283

Finalmente, abordamos o que encontramos a respeito da devoção ao Sagrado Coração,

definida de acordo com a Pastoral Coletiva de 1911, conforme já vimos, como aquela que

280 EPISCOPADO LATINO AMERICANO. Actas y Decretos del Concilio Plenario de la América Latina.

Roma: Tip. Vaticana, 1906, p. 229-230. “Fazer conhecer aquela que com suas poderosas orações, prepara

caminho seguríssimo para a vida eterna em favor dos que, com a palavra e com o exemplo podem promover seu

culto, e estimular os fieis a ter por ela amor e confiança.” (tradução nossa) 281 Ibidem. p. 228. 282 EPISCOPADO BRASILEIRO. Pastoral Collectiva dos Senhores Arcebispos e Bispos das Províncias

Ecclesiasticas de S. Sebastião do Rio de Janeiro, Marianna, S. Paulo, Cuyabá e Porto Alegre: Communicando ao clero a aos fieis o resultado das Conferências episcopais realisadasna cidade de S. Paulo de

25 de setembro a 10 de outubro de 1910. Rio de Janeiro: Typographia Leuzinger, 1911. p. 148. 283 Ibidem, p. 149.

Page 98: “il tanto vantato cattolicismo del Sul de Minas” · AGRADECIMENTOS A realização desta pesquisa tornou-se possível graças ao apoio recebido de diversas pessoas e instituições

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sobre as demais devoções detém supremacia284

. A seu respeito, tal documento recomenda aos

párocos “procurem estabelecer em suas parochias os exercícios em honra do SS. Coração de

Jesus durante o mez de Junho, com a maior solemnidade possível.”285

A referida Pastoral nos

explica que as atividades que integram o programa destes exercícios incluem a recitação de

“fervorosas orações” e de ladainhas autorizadas pela Santa Sé, e também a celebração de uma

missa votiva desta devoção, isto é, uma missa que contém aspecto e conteúdo pedagógico.286

Também aqui, mais uma vez, são concedidas aos leigos que aderirem a esta devoção,

realizando publicamente ou em particular as atividades propostas, indulgências de sete anos e

sete quarentenas, ou indulgência plenária, dádiva que é concedida, no segundo caso, mediante

a realização de confissão, comunhão e visita a uma igreja, onde o leigo deve recitar uma

prece, também aqui “segundo as intenções do Summo Pontífice”.287

De fato, as informações que conseguimos levantar sobre estas festas nos mostram que

tais devoções tinham em comum grande apoio por parte da hierarquia católica ultramontana,

que buscou difundir com elas a ênfase na prática de devoções pias e na frequência

sacramental, ainda que para isso se utilize de estratégias como a concessão de indulgências.

Mas no caso das referidas paróquias, o que nos registraram os religiosos que as incentivaram

e as promoveram? Neste ponto, interessa-nos saber como estas populações vivenciaram tais

festividades nas duas localidades. Embora tenhamos encontrado somente dois registros sobre

isso, são eles fundamentais para nos levar a cabo de tal discussão. Trata-se do que frei Dorelli

registrou sobre o Mês Mariano de 1911 em Cambuí, e o que a respeito das Festas

Constantinianas anotou frei Mauro em 1913, no mesmo local.

Num primeiro momento, nos detemos sobre o que a respeito do Mês Mariano nos foi

relacionado por frei Dorelli em 1911. Ao objetivar apresentar ao leitor italiano do Il Carmelo

algumas especificidades do “exótico” catolicismo ali praticado, frei Dorelli, em uma crônica

datada de junho 1911, realizou muitas observações sobre algumas das festas mais populares

da região e, curiosamente nesta lista, também figura o Mês Mariano, conforme nos evidencia

o religioso:

E vengo al Mese Mariano. Esso fu celebrato a tutte

spese della divozione popolare. Caratteristico il leilão (incanto), a suon

di concerto, per vendere ciò che la pietà brasiliana aveva donato a

284 Ibidem, p. 135. 285 Ibidem, p. 138. 286 Ibidem, p. 136. 287 Ibidem, p. 138-139.

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Maria Santissima. Bellissima l’incoronazione della Vergine, fatta ogni

giorno, da due fanciulle minori di dodici anni, com stupende corone

fabbricate con arte mirabile, le quali poi servirono ad abbellire la chiesa

per la solennità di chiusura del Mese Mariano, nel giorno di

Pentecoste288

.

É por esta descrição que podemos ver que, mesmo querendo dar ênfase à pouca

frequência aos sacramentos, traço típico da prática religiosa local, e também à parte social da

festividade, visto por ele como profano, o missionário revela o cumprimento litúrgico

“correto” do que para tal festividade fora estipulado. Esta percepção nos leva a crer que, mais

importante que a realização de tais festejos, era o modo como esses eventos foram celebrados

e apropriados por estas populações289

. Neste caso específico, a presença de elementos

“mistos” sinaliza não só a tensão e a negociação verificada entre a tentativa de impor normas

reformadoras e a resistência em manter as práticas locais, mas também aponta para a

importância de nos aprofundarmos sobre o modo como tal recepção e apropriação foi

efetivada.

Finalmente, a anotação de frei Mauro dois anos mais tarde, já em 1913, nos mostra o

que a respeito das Festas Constantinianas teria acontecido. De acordo com este religioso, tais

festividades em Cambuí ocorreram em 15 de junho de 1913, conforme determinado pela

Igreja para tal celebração, e contaram com um “tríduo com explicação das mesmas festas”,

sermões, benção do Santíssimo, comunhão, preces pelo pontífice Pio X, visitas, missa solene,

procissão que contou com a presença das duas bandas musicais locais e “andores

capriciosamente enfeitados” sendo que, finalmente à noite deste mesmo dia, a cidade contou

com iluminação, e foi realizada uma coleta de doações em dinheiro para ser enviada para a

Comissão das Festas Constantinianas de Pouso Alegre.290

Ao contrário de frei Dorelli, podemos notar que esse religioso muito se esforçou por

registrar o cumprimento “correto e exato” do programa proposto para tal festa, mas ele

também nos apontou, involuntariamente, para aspectos que nos fazem desconfiar mais uma

vez do sucesso integral de tal festa. Se por um lado, a festa aconteceu no dia próprio, se

288 DORELLI, E. Noterelle brasiliane. Il Carmelo, Milano: jun. 1911, p. 216-218. “E chego ao Mês Mariano.

Este foi celebrado por conta da devoção popular. Característico o leilão, ao som de concerto, para vender

aquilo que a piedade brasileira havia doado a Maria Santíssima. Belíssima a coroação da Virgem, feita em

cada dia, por duas meninas com menos de doze anos de idade, com coroas estupendas fabricadas com arte

admirável, as quais depois serviam para enfeitar a igreja para a solenidade de encerramento do Mês Mariano,

no dia de Pentecoste.” (tradução nossa) 289 CHARTIER, R. A História Cultural: Entre práticas e representações. 2 ed. Lisboa: Difel, 2002. 290 APC. Livro do Tombo da Paróquia, p. 65v.

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contou com um tríduo, oração pelo Papa, sermão, comunhão e coleta de esmolas, de outro,

podemos notar a presença das bandas na procissão e na missa, a explicação de tais festas à

população (que necessitava de conhecimento sobre estas) e a permanência de enfeites

caprichosamente adornados, elementos que, juntos, não nos convencem do fato de que tal

evento foi realizado e vivenciado conforme as pretenções da Igreja e seus agentes.

Neste ponto, é interessante notarmos que, ainda que com intenções bem distintas,

ambos os registros nos apontam para a convivência de elementos do catolicismo

ultramontano, visto nas cerimônias, nos tríduos, sacramentos e, de outro lado, elementos que

são encontrados com frequência nas manifestações do catolicismo local, como a presença de

bandas, a pouca frequência aos sacramentos, a preocupação com os enfeites das imagens

religiosas nas procissões, entre outros.

Sobre o final da década, não conseguimos localizar nenhum registro que pudesse nos

informar sobre como estas cerimônias aconteceram no final do período de gestão teresiana,

mas é interessante notarmos que, no período de 1918 até 1922, o número de tais festividades

cai drasticamente.

Ora, teriam tais devoções sido rejeitadas pelas populações, nestes anos? Tal questão

nos colocou também outra indagação. De fato, foram tais devoções reformadas introduzidas

nestas localidades por meio da ação teresiana, ou estas, quando de sua chegada, já eram

conhecidas entre as duas populações? Julgamos que tais apontamentos poderiam nos ajudar a

entender melhor a relação entre as práticas que, juntas, tendem a querer formar uma forma

híbrida de religiosidade e, na tentativa de entender tal assunto, nos remetemos mais uma vez à

leitura dos Livros do Tombo das duas paróquias, na busca de indícios que possam lançar luz

sobre tal questão.

Em Córrego, sobre estas novas devoções, no período que antecedeu a chegada dos

teresianos, nada foi registrado no Livro do Tombo, a não ser a nomenclatura Sagrado Coração

de Jesus, que Dom Assis utiliza em 1911 para referir-se ao que acreditamos ser a antiga

irmandade do Senhor Bom Jesus, criada em 1874 e presente através de uma mesa

administrativa nos termos de visitas pastorais da primeira década de 1910291

.

Acreditamos que, ao nomear a antiga irmandade do Senhor Bom Jesus de Sagrado

Coração de Jesus, Dom Assis procurou incentivar a propagação de uma devoção reformada e

sacramental através de um dos instrumentos mais poderosos da religiosidade local que, ao que

291 APCBJ. Livro do Tombo da Paróquia, p. 2-7v.

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tudo indica, apesar de ter aceito tal denominação, não procurou adequar suas práticas àquelas

pretendidas.

Já na sede da municipalidade, a leitura do Livro do Tombo nos revelou que, em um

inventário de 1888, foi registrado pelo então padre, político e maçon José da Silva Caramurú,

a existência de um quadro que representa o Sagrado Coração, artefato que pode indicar então

que tal devoção já era conhecida na paróquia. Se nos registros do século XIX nada mais

encontramos sobre esta devoção, com grande surpresa encontramos já em 1908 uma anotação

do padre Agostinho Martell, então pároco de Cambuí que, ao pretender registrar um

agradecimento ao Sr. João Correia, cidadão autodidata cambuiense que neste ano esculpiu e

doou uma imagem do Sagrado Coração de Jesus à igreja matriz de Cambuí, nos presenteia

com dados preciosíssimos para pensarmos a atuação dos teresianos e neste caso específico,

dados para pensar o modo como as populações locais experimentaram, ao seu modo, as

imposições a elas apresentadas pelos teresianos.

É que nesse ano de 1908 a igreja matriz de Cambuí ganhou sua primeira estátua do

Sagrado Coração de Jesus, obra atribuída ao “genial escultor” autodidata cambuiense, Sr.

Correia, que durante três meses dedicou-se à sua realização. Conforme apresentado pelo

próprio pároco, a execução de tal obra não contou com modelos, fato este que aumentou a

admiração do pároco e da população em janeiro daquele ano, quando durante a festa de São

Sebastião, tal escultura foi apresentada à matriz. Ora, a apresentação da escultura à população

durante a festa de São Sebastião e a ausência de modelos e de informações sobre tal devoção

reformada conduzem-nos à hipótese de que, até então, tal devoção era quase desconhecida

entre a população, apesar da existência do quadro desta devoção constar no inventário de

1888.

Mais importante que estas observações, é o que se seguiu no mesmo registro, pois é o

próprio vigário de Cambuí, padre Agostinho Martel que, ao descrever com muita pompa,

emoção e apoio a cerimônia de benzimento de tal imagem, ocorrida durante a festa de São

Sebastião de 1908, nos evidencia que a forma como a população se apropriou e acolheu tal

escultura se aproximou muito mais das devoções de santos locais (com repicar de sinos,

procissões, bandas e outros elementos festivos e sociais) do que da austeridade pretendida

para as devoções reformadas. Este quadro nos reafirma que, mais importante que o fato de

encontrarmos nesta paróquia tal devoção, é a forma como a população se relaciona com a

mesma, considerações estas que nos ajudam a pensar na atuação dos teresianos.

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De fato, estes dados nos possibilitam arriscar algumas hipóteses. Não podemos crer

que o simples registro destas poucas festividades signifique que tais cerimônias ocorreram de

acordo com o estipulado pela hierarquia católica e como alguns religiosos quiseram nos fazer

crer. Tal percepção fica clara quando nos detemos sobre a descrição de frei Dorelli, que

mesmo querendo pôr em evidência os aspectos “exóticos” do catolicismo local, nos sinaliza

para o cumprimento da liturgia ultramontana e quando frei Brocardo, querendo ressaltar os

aspectos “corretos” situa em meio a estes, outros elementos característicos de festividades

locais.

Assim, ainda que não tenha sido possível a obtenção de descrições de festas

reformadas no final da gestão teresiana, a percepção de elementos do catolicismo local em

cerimônias pretendidamente ortodoxas, somada à dificuldade imposta pelos leigos de se

engajarem em novos modelos de asssociações e um balanço dos números que representam a

realização destas festas, nos leva a crer que as festas e devoções reformadas não se

disseminaram pelas referidas paróquias, tendo as mesmas permanecido restritas a um pequeno

grupo de pessoas.

Não obstante, acreditamos também que só poderemos compreender realmente a

atitude dos leigos diante destas iniciativas, como a introdução de festas ultramontanas e

associações congêneres, se entendermos a vitalidade que neste período dava cor às práticas do

catolicismo local, vistas aqui não como ignorância, mas como amálgamas de saberes de fontes

diversas. É portanto na ação sobre as festas religiosas locais que iremos nos deter no próximo

tópico.

2.4- Por uma Reforma das Festas Religiosas Locais?

A análise da intervenção clerical sobre as festas religiosas em devoção aos santos

tradicionais durante a gestão teresiana das referidas paróquias constitui-se em um importante

pilar desta pesquisa, uma vez que esta nos revela, (por meio da percepção dos teresianos e das

autoridades diocesanas e ainda por meio das diretrizes da política seguida então pelo

episcopado), importantes aspectos de nossas sociedades, além de nos apontar para facetas da

dinâmica da presença teresiana no Brasil neste período. Ademais, acreditamos constituir esta

ação também uma chave preciosa para entendermos o “relativismo” com que estas populações

se apropriaram e vivenciaram algumas das festas reformadas introduzidas nestas localidades

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pelos teresianos, conforme vimos no item anterior. Para tanto, nesta análise nos valemos,

conforme já citado anteriormente, de fontes diversas, como termos de visitas pastorais,

crônicas publicadas no periódico mensal Il Carmelo, registros diversos efetuados junto aos

Livros do Tombo das duas referidas paróquias, notícias do jornal católico Tribuna Sul mineira

e as Pastorais Coletivas de 1910 e de 1915.

Primeiramente, devemos observar como os teresianos se posicionam ainda nos

primeiros meses após sua instalação, diante das festividades ditas tradicionais, por eles

vivenciadas nessas paróquias. Através da leitura de quatro crônicas do Il Carmelo de 1911, de

autoria de frei Dorelli, tomamos conhecimento que, em Cambuí, no período de abril até

dezembro do referido ano, ocorreram e foram vivenciadas por este missionário a festa de

Nossa Senhora do Carmo em 16 de julho, a festa do Divino em 27 de agosto292

e as festas de

São Sebastião e São Bento, que se celebraram entre 19 e 20 de abril, no bairro dos Campos293

.

Ao contrário de muitas das devoções reformadas, cuja introdução nessas paróquias ao

que tudo indica foi realizada pelos próprios teresianos, muitas das devoções citadas por frei

Dorelli chegaram a estas localidades através dos leigos, que tiveram papel ativo na fundação

dessas comunidades. O dado mais antigo que temos sobre estas devoções “locais” é a relação

de imagens dos santos pertencentes ao acervo da matriz de Cambuí, feita em 1888 pelo padre

Caramurú, e que nos ajuda a pensar a grande diversidade de santos conhecidos e

provavelmente cultuados nestas localidades, neste período.

Na referida relação, ao lado do já citado quadro do Sagrado Coração de Jesus,

figuravam, pois, nada menos que doze imagens representantes de Nossa Senhora do Carmo,

do Senhor dos Passos, de São José, de São Francisco, de Nossa Senhora do Rosário, de Nossa

Senhora das Dores, de São Sebastião, de Santo Antônio, de São Bento, de São João, do

Menino Deus, muitos dos quais são, de acordo com Rodolfo Guttila, “santos tradicionais do

catolicismo luso-brasileiro”294

, que no Brasil também tiveram ampla difusão entre indígenas e

africanos, desde os primórdios da colonização.295

Mas se nos voltarmos para o nosso recorte temporal, perceberemos que naquilo que

frei Dorelli registrou sobre algumas das festas por ele vivenciadas em 1911, nenhuma ação de

292 DORELLI, E. Noterelle brasiliane. Il Carmelo. Milano, p. 79-86. 293 Ibidem, p. 216-218. 294 GUTTILA, R. W. A Casa do Santo e o Santo de Casa: Um estudo sobre a devoção a São Judas Tadeu, do

Jabaquara. São Paulo: Landy, 2006, p. 22. Ver também FRAGOSO, H. A Manifestação Espiritual e Evangélica

no Povo e nos Pobres,. In: BEOZZO, J. O. (et. al.) História da Igreja no Brasil: Ensaio de interpretação a partir

do povo. Segunda época: século XIX. 4º ed. Petrópolis: Vozes, 2008, p. 113-114. 295Ibidem, p. 12.

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intervenção foi citada, tendo o mesmo missionário se limitado a observar e descrever a força e

popularidade das manifestações religiosas locais.

Neste ano, ao debruçar-se sobre alguns dos principais aspectos do “vangloriado

catolicismo” praticado então por essas populações, frei Dorelli nos descreve algumas das

principais festas locais, entre estas a festa do Divino, conforme nos apresenta o missionário

apostólico, que afirma ver nesta festividade muitos dos elementos encontrados também em

outras populares festas locais:

Una divozione caratteristica (sempre ben inteso, con l`astensione

dai Sacramenti) è quella allo Spirito Santo. Bisogna vedere, per credere,

l`entusiasmo che hanno per il Divino, come essi senza più lo chiamano!

A Cambuhy se ne celebrò la festa chiassona il 27 del passato Agosto, e a

Capivary ai primi di Settembre. Mi passo dal descrivere queste due feste

simili a quella del Carmine in Cambuhy, descritta in altra mia non

lontana data. E fuochi, e concerti, e leilões (incanti all’asta pubblica), e

visite gastronomiche al festeiro, e copiose libazioni di pinga: molta gente

in chiesa ad ammirare l’apparato, la luminaria, a udir la musica ed

anche a pregare al suo talento; ma al confessionario ninguém (nessuno),

e la Mensa eucaristica deserta.296

Nesta sua descrição destacam-se alguns elementos, como o vigor da organização leiga,

que pode ser visto na flexibilização da data de realização desta festa; na pouca ou nula

importância dos sacramentos; na presença central dos fogos de artifício e dos concertos das

bandas locais, muitas vezes executando em atos religiosos um repertório não muito adequado

a estas ocasiões; na promoção dos leilões, comumente realizados na Câmara Municipal; na

distribuição de comidas e bebidas; na pomposidade da decoração das festas e na pouca

preocupação com a austeridade ao culto.

Não possuindo, pois, estes elementos uma unidade e uniformidade, mas antes, sendo

estas partes fragmentadas de um todo, não é nossa intenção tentar reconstruí-los e analisá-los

296 DORELLI, E. Op. Cit., p. 79-85. “Uma devoção característica (sempre bem entendido, com a abtenção dos

Sacramentos) é aquela ao Espírito Santo. É preciso ver para crer o entusiasmo que têm pelo Divino, como estes

a todo o tempo o chamam. Em Cambuí a festa em sua homenagem foi celebrada em 27 do mês de Agosto, e em

Capivari no início de Setembro. Me passo a descrever estas duas festas similares àquela do Carmo em Cambuí,

descrita em outra não distante data. E fogos de artificio, e concertos musicais, e leilões e visitas gastronomicas

à casa do festeiro e copiosas libações de pinga; muita gente na igreja para admirar o aparato, a luminária,

para escutar a música e também para rezar do seu jeito, mas no confessionário ninguém e o banquete

eucarístico deserto.” (tradução nossa)

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isoladamente, o que julgamos imcompatível com a delimitação do tema desta pesquisa e com

o nosso recorte temporal. Cabe-nos, contudo, neste ponto, apontar para o fato de que este

conjunto nos evidencia a existência de uma religiosidade onde, ao leigo, parece desnecessária

a intervenção do clero, dada a facilidade de estabelecimento de uma relação direta entre fiel e

santo, que atuava como intercessor junto a Deus297

, conforme nos é lembrado por Guttila, e

onde os sacramentos e a austeridade ao culto parecem ter pouca ou nenhuma importância.

Dada a relevância destes entes, é em sua homenagem que os leigos parecem querer celebrar

suas festas e reverênciá-los em todas as esferas da vida.

Ora, seriam estas práticas também verificadas em Córrego? Nesta localidade, é

interessante notarmos que, no Relatório Anual de 1911, sobre as festas religiosas locais, frei

Bindi nada registra. No caso de Córrego, devemos lembrar que entre as recomendações

anotadas por Dom Assis em visita pastoral realizada em agosto de 1911, diversas apontam

para medidas que tinham por objetivo tentar cercear o grande poder dos leigos nas festas do

Senhor Bom Jesus que, aconteciam anualmente em 6 de agosto.

Dom Assis nos informa, ainda que involuntariamente, da ocorrência de muitos dos

elementos que a Igreja tentava coibir, como as folias e bandeiras, a música “profana” nos atos

religiosos, a ausência de prestação de contas da festa, a ausência de um programa religioso

condizente com tal festejo e a pouca frequência aos sacramentos.

Constituindo-se tal festa a de maior expressão regional, não seriam estes mesmos

elementos encontrados também em outras festividades locais? E por outro lado, não deveria

frei Bindi tentar aplicar as mesmas recomendações de Dom Assis às demais festividades?

Com efeito, a importância da festa do Bom Jesus é incontestável desde 1872, e sobre esta,

diversas medidas já haviam sido tentadas por bispos anteriormente. Neste ponto, nos cabe

notar que a orientação para que a nível paroquial, fosse realizada nas festas religiosas uma

operação visando “expurgar” destas o muito que de “profano e pagão” nelas existia, é uma

vertente do projeto reformador da Igreja no Brasil, reafirmado durante a Reforma

Ultramontana. Trata-se de uma ação que objetivava “dar às festividades religiosas o seu

proprio caráter, eliminando os abusos, como sejam as folias, danças, etc,; e impeçam o

desvio das esmolas recolhidas, a titulo de festas, para profanidades, ou qualquer emprego

alheio ao seu proprio destino.”298

A reincidencia desta orientação nas Pastorais Coletivas de

297 GUTTILA, R. W. Op. Cit., p. 53. 298 EPISCOPADO BRASILEIRO. Pastoral Collectiva dos Senhores Arcebispos e Bispos das Províncias

Ecclesiasticas de S. Sebastião do Rio de Janeiro, Marianna, S. Paulo, Cuyabá e Porto Alegre. Op. Cit., p.

261. E Pastoral Collectiva dos Senhores Arcebispos e Bispos das Províncias Ecclesiasticas de S. Sebastião

do Rio de Janeiro, Marianna, S. Paulo, Cuyabá e Porto Alegre: Communicando ao clero e aos fieis o

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1911 e de 1915, além de sinalizar para o grande investimento feito pelo episcopado em tal

matéria, ainda nos mostra o enorme campo de disputas de poder e de controle social que se

formou ao redor de tais práticas, como veremos adiante.

A despeito disso, frei Bindi nada registra sobre as festas que antecederam a do Bom

Jesus nem sobre as verificadas de agosto até dezembro daquele ano. Ora, por que tamanho

silêncio envolve o superior e pároco do Santuário do Senhor Bom Jesus do Córrego?

Considerando que este foi seu primeiro relatório como pároco, cientes de sua

experiência anterior, cientes de que muitos dos promotores destas festas eram fazendeiros e

detentores de altas patentes da antiga Guarda Nacional, cientes da popularidade de tais

eventos (que eram vivenciados por diversos grupos sociais, ainda que de modos distintos) e

cientes de que a omissão de frei Bindi não volta a se repetir nos anos vindouros, somos

levados a crer que tal silêncio inicial pode ter sido causado por espanto diante daquilo que se

punha pela primeira vez diante de seus olhos. Se revisitarmos algumas notícias genealógicas

sobre frei Bindi, vemos que, ao que tudo indica, também sua experiência anterior parece ter

influído neste caso. De fato, frei Bindi, na Província Romana atuou como professor de música

sacra, tendo ainda exercido as funções de definitor provincial, leitor de cartas, predicator e

tendo participado ainda, na qualidade de sócio, do Capítulo Provincial de 1906, e dos

Capítulos Gerais de 1907 e 1909.299

Não obstante, em 1901 foi eleito prior do Eremo de Montevirginio, função que

manteve até ser destinado pela Ordem à cidade umbra de Terni, para reabrir, como vigário, o

convento de San Valentino em 1906. A partir então, neste lugar se distinguiu pelo empenho

na construção de um novo convento e também na revitalização da basílica. Em 1909 foi eleito

prior daquela comunidade, tendo nesta condição permanecido até 1911, ano em que parte para

o Brasil.300

Estes dados evidenciam-nos que sua experiência não o colocou em ocasiões anteriores

em contato com regiões de “missão”, o que nos aponta para a possibilidade de que seu

silêncio pode ter sido causado por espanto.

Antes de concluir tal assunto, pensamos ser conveniente nos atentarmos para aquilo

que, a respeito das festividades religiosas, registrou frei Dorelli em Cambuí. Trata-se de uma

resultado das Conferências Episcopais realisadas na cidade de Nova Friburgo de 12 a 17 de 1915. Rio de Janeiro:

Typographia Martins de Araújo & C., 1915, p. 295. 299 CASSIO, G. Padre Arcangelo Bindi da Terni al Brasile. Terni: Mimeografado, 2010. 300 RECCHIA. P. Atti dei Definitori della Provincia Romana (1891-1924). Roma :Mimeo, 2011.

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tentativa nossa de buscar ver na abundância de descrições sobre estes eventos feitas por frei

Dorelli aquilo que frei Bindi pode ter querido nos esconder.

Tendo frei Dorelli se distinguido no âmbito da Província Romana e da Ordem pelo seu

amor às letras e à pesquisa, publicou este religioso também durante o tempo que permaneceu

no Brasil, uma grande série de crônicas, onde pôde abordar muitos aspectos de nossa cultura e

ambiente, sendo esse material fonte preciosa para sondarmos as festas religiosas nesse

período, resguardados os cuidados necessários para analisarmos tal registro sob sua ótica

eurocêntrica.

É assim que, no caso das referidas paróquias, se continuarmos a acompanhar o que frei

Dorelli afirma em crônica datada de 13 de dezembro de 1911, onde abordou a festa do

Divino, conforme vimos anteriormente, chegamos a um ponto central nesta discussão. É

quando este, após comentar muitas das festividades locais, emite finalmente um parecer sobre

o panorama e o horizonte da missão:

A vero dire, noi poveri religiosi venuti dall’Italia, restiamo

meravigliati del concetto che della religione cattolica hanno questi

Brasiliani, i quali pensano potersi unir ela divozione esteriore, spinta

fino all’entusiasmo, o anche al fanatismo, col trascurare gli obblighi più

sacrosanti del Cristiano. Se ci trovassimo tra gl’infedeli, forse sarebbe

meno ostacolata l’opera mostra. Insegneremmo loro i precetti della vita

Cristiana e diremmo francamente:<<Questa è la fede cattolica: questa è

la via della salvezza eterna: (...) Ma aqui, tra gente che si proclama

fervente cattolica, che fa consistere la sua fede in una spettacolosa

celebrazione delle feste religiose, e non vuole udire i saggi ammonimenti

dei parroci, e anzi col fato li misconosce, noi ci sentiamo oltremodo

avvilitti, e può essere che non stia lontano il giorno nel quale volgiamo

altrove i nostri passi.301

301 DORELLI, E. Noterelle brasiliane. Il Carmelo. Milano, p. 79-86. “Para dizer a verdade, nós pobres

religiosos vindos da Itália, permanecemos maravilhados do conceito que os brasileiros têm da religião católica,

os quais pensam poder unir a devoção exterior, manifestada pelo entusiasmo, ou também o fanatismo, com o

descuido das obrigações mais sacrossantas do cristão. Se nos encontrássemos entre os infiéis, talvez nosso

trabalho fosse menos dificultado. Ensinaríamos a eles os preceitos da religião católica e diríamos francamente:

esta é fé católica, esta é a via da salvação. Mas aqui, entre gente que se proclama fervorosamente católica, que

faz consistir sua fé em uma espetaculosa celebração das festas religiosas, e não quer escutar as sábias

advertências dos párocos, e ainda não os reconhecem, nós nos sentimos ruins, e pode ser que não esteja longe o

dia que voltaremos nossos passos para outro lugar.” (tradução nossa)

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Ao olharmos para esta descrição, apontamos três importantes pontos que emolduram a

visão do catolicismo local através dos olhos deste teresiano: a percepção de que o aspecto

exterior caracteriza a essência desta prática religiosa; que as festas religiosas constituem sua

maior expressão e; a percepção de que é difusa e notória a falta de doutrinação da população

local sobre os rudimentos mais elementares do catolicismo ultramontano, fatos que parecem

constituir o motivo pelo qual é cogitada a possibilidade de abandonar esta região.

Ainda nesta mesma crônica, tal intenção de deixar as casas sul mineiras é reafirmada

quando este nos coloca que “Dopo tutto lo ha detto Gesù Cristo medesimo ai suoi Apostoli:

“Se non vi riceveranno in uma città, andate in un’altra; e scuotete contro i ribelli alla grazia

fin pur la polvere de’ vostri calzari.”302

Nestes escritos, muito chamou nossa atenção o modo como o missionário explicita a

possibilidade de abandono das paróquias e a facilidade com que este associa tal projeto com a

forma pela qual essas populações vivenciavam sua fé, especialmente por ocasião das festas

religiosas locais. Mais que apenas cogitações, tais pretensões parecem ter ganhado relevo,

pois a este respeito, é interessante observarmos o conteúdo de uma carta encontrada no

Arquivo da Cúria Metropolitana de Pouso Alegre, que trata de uma resposta da Sagrada

Congregação dos Religiosos de Roma303

ao bispo Dom Assis, de Pouso Alegre. Esta

correspondência é datada de 8 de janeiro de 1912, e nela podemos ver que:

Esta Sagrada Congregação examinou cuidadosamente a petição

dos Padres da Ordem Carmelita, pela qual seroga a faculdade de

deixarem as paróquias de Córregoe de Cambuí e regressarem a Itália. No

Congresso do dia 5 de janeiro de 1912, atentos a tudo o que diz respeito

a questão, consentiu responder, por certo, conforme se manifestará. O

Revmo. Bispo procure encontrar outros homens religiosos, em lugar dos

Reverendíssimos Padres Carmelitanos, aos quais se dá a permissão de se

retirarem.304

(grifo nosso)

A menção à realização de um congresso em 5 de janeiro de 1912, quando este assunto

foi discutido, demonstra que a carta de solicitação, que não temos em mãos, provavelmente

foi enviada ainda em fins de 1911, portanto, pouco tempo depois da publicação da crônica de

302 DORELLI, E., Loc. Cit. “Depois de tudo, disse Jesus Cristo aos seus apóstolos: Se não vos recebeis em uma

cidade, andeis a uma outra e agitais contra os rebeldes à graça o pó dos vossos calçados.” (tradução nossa) 303 Instituição que tem por função ocupar-se de tudo o que diz respeito às Ordens e Congregações Religiosas. 304 Arquivo da Cúria Metropolitana de Pouso Alegre. Carta Ex Secretaria Sacrae Congregationis de Religiosis Nº

6283 In responsione hic numera refereatur. Roma: 08 de Janeiro de 1912. Tradução do Padre Júlio Perlatto.

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frei Dorelli, da qual nos utilizamos anteriormente. Isso nos leva a crer que a possibilidade de

abandonar a missão já era cogitada a nível local entre os membros da comunidade teresiana,

ainda nos primeiros meses após sua chegada ao sul de Minas Gerais.

Sobre este assunto, nada encontramos nas atas dos Definitórios da Província Romana

que pudessem apontar para mais detalhes deste projeto. No que se refere à resposta por parte

da Congregação dos Religiosos, apesar do deferimento ao pedido feito, não pudemos

encontrar nada que nos fornecesse subsídios para saber por que a permissão não foi cumprida.

De fato, os descalços permanecem nas referidas localidades até 1922.

Acreditamos, pois, que a alternativa de abandonar a missão apontada por frei Dorelli e

a solicitação enviada à Sagrada Congregação dos Religiosos para que a retirada do grupo se

efetivasse, devem ser vistos como sinais da insatisfação do primeiro grupo de religiosos com

a realidade das duas paróquias e, neste caso, a razão para tal parece residir em grande medida,

no modo como essas populações vivenciavam sua fé, principalmente vistas no culto aos

santos tradicionais e suas festas religiosas, ação que demonstra também a insegurança e

fraqueza do grupo de teresianos frente à força do catolicismo local, que continuamos a

conhecer.

Ao pretendermos afirmar esta percepção, lembramos o que a este respeito nos

apresenta Alexandre José Gonçalves Costa, quando em seu trabalho intitulado Frades na

Cidade de Papel: A Ação Social Católica em São João del Rei (1905-1925), analisa as

tensões e os conflitos gerados a partir da chegada dos frades “reformadores” da Ordem

Franciscana holandesa a São João Del Rey, em 1904. Ao abordar o posicionamento de um

religioso desta Ordem, manifestando-se na imprensa local sobre as práticas religiosas da elite

e da população de São João del Rei, Costa nos mostra o grande distanciamento entre as

práticas católicas locais e aquelas portadas por tais religiosos, o que nos ajuda também a

pensar nos teresianos que aqui atuaram:

A religião consistia quase só em festas, que eram celebradas com

muita pompa, abrilhantadas por música não litúrgica, porém bem

executada. (...) É lógico que, pela pouca recepção dos Sacramentos, a

moral e os costumes haviam piorado.305

305 COSTA. A. J. G. Frades na Cidade de Papel: A ação social católica em São João del Rei (1905-1925).

Dissertação de Mestrado. Campinas: Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Filosofia e Ciências

Humanas, 2000.

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95

João Fagundes Hauck, ao comentar o choque cultural que muitas vezes era verificado

entre os portadores do “catolicismo institucionalizado” e o de “devoção pessoal”, nos afirma

que este estranhamento aconteceu pois:

As numerosas festas religiosas eram um meio eficaz de amalgamar

crenças provenientes de fontes muito diversas: tradições portuguesas

carregadas de folclore peninsular medieval, práticas animistas e

fetichistas de índios e africanos, tudo se misturava numa religiosidade

que os estrangeiros mais benévolos não conseguiam entender. Na Igreja

brasileira não há o que possa causar espanto: está fora de todas as

regras.306

A força, a diversidade e a popularidade das práticas religiosas aqui vivenciadas e

apontadas por frei Dorelli e a vinculação destas ao desejo de abandonar esta região, a resposta

positiva para os teresianos poderem executar tal projeto, aliados à experiência de frei Bindi,

parecem mesmo querer apontar para uma estupefação deste religioso com as práticas

religiosas vivenciadas por estas populações em 1911. Mas passado o primeiro choque e

abandonada a intenção de deixar as referidas paróquias, como passam os teresianos a lidar

com estas manifestações religiosas? Se avançarmos nos anos, entenderemos melhor esta força

do culto aos santos tradicionais e como se inicia o esboço de uma tentativa de intervenção dos

teresianos sobre muitas das festas religiosas locais.

Já em 1912, frei Bindi, em Córrego do Bom Jesus, registra que as festas do Bom Jesus

(6 de agosto) e de São Sebastião (realizada em 10 de janeiro), ocorreram com novena. Embora

a introdução de uma novena possa à primeira vista parecer um avanço dos teresianos, é

preciso, pois, nos aprofundarmos naquilo que frei Bindi sobre isso registra.307

Ao frisar a realização da festa de São Sebastião fora de sua data oficial, que a situa em

20 de Fevereiro, conforme estipulado pela Pastoral Coletiva de 1911308

, frei Bindi nos oferece

motivos para desconfiar do controle clerical integral sobre tal folia. No caso da festa do

Senhor Bom Jesus, sabemos que esta, no ano anterior, aconteceu sem contar nem mesmo com

um tríduo, fato que faz a introdução da novena ser muito valorizada pelo superior Bindi.

306

HAUCK, J. F. A Igreja na Emancipação, In: BEOZZO, J. O. (et. al.) Op. Cit., p. 17. 307 APCBJ. Livro do Tombo da Paróquia, p. 13. 308

EPISCOPADO BRASILEIRO. Pastoral Collectiva dos Senhores Arcebispos e Bispos das Províncias

Ecclesiasticas de S. Sebastião do Rio de Janeiro, Marianna, S. Paulo, Cuyabá e Porto Alegre: Communicando ao clero a aos fieis o resultado das Conferências episcopais realisadasna cidade de S. Paulo de

25 de setembro a 10 de outubro de 1910. Rio de Janeiro: Typographia Leuzinger, 1911. p. 184.

Page 111: “il tanto vantato cattolicismo del Sul de Minas” · AGRADECIMENTOS A realização desta pesquisa tornou-se possível graças ao apoio recebido de diversas pessoas e instituições

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Não podemos, contudo, acreditar que a simples introdução de novenas significou uma

alteração substancial no modo como essas populações então vivenciavam as festas religiosas

locais, pois já em 1907, através de registros efetuados no Livro do Tombo de Cambuí,

observamos que, embora a festa de São Sebastião nesse ano tenha sido celebrada com novena,

e na data “correta”, contou com muitos traços típicos da religiosidade festiva e social de

então, com alvorada, salva de tiros, procissão, missa cantada ao som de uma “grande

orchestra”, sermão e sorteio dos festeiros para o próximo ano, sendo que todos os atos foram

acompanhados de grande pompa.309

Ora, tal exemplo não parece constituir um caso isolado nestes anos, pois é interessante

notarmos que, no âmbito da diocese, somente a prescrição aos párocos de orientações para

tentar “santificar” as festas religiosas locais não surtiu o efeito esperado, pois em 1913, no

quarto ano do episcopado de Dom Assis, o bispo promulga um mandamento diocesano cujo

objetivo é aquele de, por meio da criação de uma comissão paroquial, reformar as festas

religiosas no âmbito do bispado.

2.5- Finalmente, o Mandamento Diocesano de 1913

Ao nos determos na justificativa apregoada pela autoridade diocesana para pretender

instituir em cada paróquia do bispado uma comissão destinada a reformar as festas religiosas

locais, percebemos que esta iniciativa teve várias motivações, conforme vemos a seguir:

Impondo-se a uniformidade de acção e considerando a urgencia

que ha em se promover, o quanto possivel, a honra e o esplendor das

festas religiosas neste Bispado; considerando a importancia que delas

resulta para o augmento da fé e piedade dos fieis que assistem a essas

manifestações do culto divino; considerando quanto, ainda, de animação

e encorajamento ha nellas para perpetuar-se a tradição catholica nas

parochias e conservarem-se no meio do povo a sã doutrina e os bellos

costumes christãos, e quanto de gloria finalmente nella se tributa a

Deus:310

309 APC. Livro do Tombo da Paróquia, p. 37v. 310 APCBJ. Livro do Tombo da Paróquia, p. 13v.

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97

Tais colocações diocesanas nos confessam que o quadro até então observado nessa

região, no que diz respeito ao modo como as festas religiosas eram organizadas e vivenciadas,

não estava próximo daquela situação ideal reivindicada pela Igreja romana, e também nos

apontam para o reconhecimento do bispo sobre a importância destes eventos como ocasiões

privilegiadas para se afirmar a força da religião católica, afirmação esta que se fazia

necessária à Igreja Católica frente ao avanço de outras religiões e frente ao Estado laico.

Neste ponto, é interessante observarmos que Martha Abreu, em seu estudo Império do

Divino, ao abordar a influência da reforma da Igreja sobre as festas religiosas no Rio de

Janeiro no século XIX, nos assevera que a política reformadora, em um contexto marcado

pela luta contra o protestantismo, a maçonaria, o liberalismo e o anticlericalismo, se

posicionou com cautela em relação às festividades do catolicismo leigo. Deste modo, o

episcopado brasileiro passou a reconhecer a importância da realização das festas populares

como expressão do culto católico no país, admitindo que essas festas constituíam-se em uma

expressão do catolicismo local, e constante reafirmação da identidade católica brasileira, além

de constituírem-se em importantes veículos pedagógicos. Porém, a hierarquia pregava a

necessidade de sacralizar essas festas, pois estas deveriam ser “purificadas” dos elementos

profanos e pagãos, e principalmente dos distúrbios advindos do excesso de bebidas e jogos, o

que se daria através de um processo de controle de sua realização.311

Segundo a mesma

autora:

A possibilidade de só se condenarem alguns aspectos das festas

religiosas e do culto exterior, valorizando outros, como as autenticas

atitudes do sentimento religioso e da devoção popular, manifestadas na

grande concorrência do publico às festas, às visitas às igrejas, às

romarias e às esmolas, permitia espaço para uma expressiva tolerância

em relação às grandes manifestações de Fé populares. Abrindo um

enorme manto sobre elas, garantia a presença de um numero expressivo

de fieis nas ruas em determinadas ocasiões de festa, um oportuno

momento para demonstrar a força do catolicismo.312

311 ABREU, M. O Império do Divino. Festas religiosas e cultura popular no Rio de Janeiro, 1830-1900. (Col.

Histórias do Brasil). Rio de Janeiro: Nova Fronteira; São Paulo: FAPESP, 1999, p. 328-329. 312 Ibidem, p. 329.

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É sob esta ótica que também podemos ver o projeto deste mandamento diocesano de

1913, e se nos detivermos sobre este regulamento, poderemos compreender mais sobre o

catolicismo local e a atuação teresiana.

Tal projeto diocesano propunha a criação de uma associação destinada a católicos de

ambos os sexos, e cuja filiação se daria a partir da inscrição, por parte do leigo, de seu nome

em um livro de alistamento, que devia conter a relação daqueles que iriam concorrer à

incumbência de promover as festividades religiosas da paróquia durante o ano, sob a

presidência do vigário, a quem é assegurado o posto de Presidente Paroquial.313

Deste modo, propunha a autoridade diocesana, em verdade, criar em cada paróquia,

uma associação composta por doze provedores designados para tais funções pelo vigário

(número que aqui nos lembra o número dos Apóstolos), grupo este que compunha a mesa

administrativa desta entidade. Estes, no entanto, não agiriam sozinhos, pois o mesmo

regulamento estipula como tarefa de cada provedor aquela de indicar doze cooperadores, que

por sua vez, e com consentimento da mesa, deveriam buscar, individualmente, o auxílio de

trinta contribuintes, mecanismo este que nos revela a grande ambição deste instrumento de

estender a influência da Igreja na paróquia.314

Notamos que a estratégia da autoridade diocesana é alcançar por meio da cooptação,

um grande número de aliados que, uma vez engajados na associação, deveriam trabalhar para

que o regulamento fosse executado e, por conseguinte, para efetivar um controle do clero

local sobre a organização das festividades religiosas locais.

Essa estratégia se revela ainda mais audaciosa ao pretender submeter todas as

festividades à aprovação do clero local e da autoridade diocesana, ação esta que deveria

limitar, em grande medida, a ação de irmandades e leigos, como veremos.

Com efeito, pregavam os mencionados estatutos que o vigário, na função de presidente

desta entidade, deveria organizar “com antecedência de um mês, antes de cada festa”, uma

reunião dos provedores, cujo objetivo principal é aquele de realizar o sorteio de dois membros

responsáveis pela execução da referida festa.315

Para cada festa, pois, deveriam ser sorteados dois provedores, aos quais cumpriam

fazer o orçamento, organizar o programa e prestar contas, submetendo tudo à aprovação do

vigário. Neste ponto, torna-se claro também que os provedores escolhidos só poderiam sair do

grupo já instituído do mandamento, portanto, pessoas escolhidas a dedo pelo clero local, o

313 APCBJ. Livro do Tombo da Paróquia, p.14. 314 Ibidem, p. 13v-16v. 315 Ibidem, p. 14v.

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que denota uma óbvia tentativa de centralizar o poder de decisão nas mãos do vigário e

relegar ao leigo um papel secundário.316

Embora este estatuto não limite o número de festividades religiosas, estabelece que a

realização das festas paroquiais estaria vinculada a duas autorizações eclesiásticas. Declara

este regulamento que, anualmente, devia ser apresentado pelo vigário à autoridade diocesana

um requerimento informando o número de festividades que deveriam ser realizadas na sua

paróquia no decorrer do ano. A relação destes festejos deveria considerar as “necessidades

espirituaes e tradição religiosa, afim de que se dê approvação diocesana”.317

Porém, antes da aprovação diocesana, tornava-se necessário que estas festas tivessem

o consentimento do vigário, que iria avaliar o orçamento e a programação de cada festividade.

Se aprovadas, estas seriam celebradas com recurso próprio de cada comunidade, após obter

uma licença diocesana para cada uma delas.318

Ao observarmos as funções do vigário nesta comissão, entendemos que a hierarquia

buscava, mais uma vez, centralizar o poder nas mãos do clero, o que pode ser evidenciado

através da descrição das funções reservadas ao vigário e leigos nas funções de zeladores,

cooperadores e contribuintes.

De fato, entre as principais atribuições do pároco estão as tarefas de requerer uma

autorização diocesana para realizar cada festa, avaliar e aprovar o orçamento e a programação

destes festejos elaborado pelos provedores leigos, tornar público aos paroquianos os nomes

dos provedores sorteados para promover cada festa e também a programação de cada

festividade, requerer dos provedores, no prazo estabelecido a prestação de contas de cada uma

das festas, e distribuir no fim de cada ano aqueles paroquianos que possuírem os requisitos

prescritos pelo regulamento, os títulos de provedores e contribuintes para o próximo ano.

Além disso deve o pároco congratular publicamente na igreja aqueles fieis que estão

engajados nesta entidade pelos serviços realizados, pelos quais deve ainda celebrar uma missa

e, finalmente, lembrar ao tesoureiro desta entidade seu dever de repassar à matriz o percentual

que lhe é devido, mecanismos vistos aqui como estratégias de cooptação dos fieis, como meio

de controlar os recursos financeiros movimentados pelas festas paroquiais, e ainda de

melhorar as condições das matrizes e da diocese.319

316 Ibidem, p. 13v-14. 317 Ibidem, p. 14. 318 APCBJ. Livro do Tombo da Paróquia, Loc. Cit. 319 Ibidem, p. 15-15v.

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Ao mesmo tempo, este documento reserva aos leigos funções de pouca importância,

ou atividades rigidamente controladas pelo clero, uma vez que os zeladores têm como função

principal aquela de “garantir, o mais que lhe fôr possível, o patrimônio certo e anual das

festividades” além de escrever as atas das reuniões, zelar pelos livros da provedoria, guardar o

dinheiro das festividades agora devidamente registrado, e encaminhar a prestação de contas,

entre outras.320

Por sua vez, aos cooperadores cabe arrecadar dos contribuintes e repassar ao seu

provedor a quantia que estes tiverem coletado. Por conseguinte, podemos perceber que aos

contribuintes cabe simplesmente a tarefa de auxiliar financeiramente esta associação.

Convém ainda estarmos atentos ao fato de que ao discorrer sobre os direitos que as

pessoas adquiriam ao servir a associação, tal documento prevê a concessão de “títulos

especiais” aos leigos que atuarem como provedores, aos quais pelo mesmo motivo, serão

garantidos lugares distintos na igreja durante celebrações e atos religiosos, quando usam de

capa e do símbolo do Santíssimo Sacramento. Estes ainda detêm a prerrogativa de levar

durante as procissões as varas do pálio. Aos cooperadores, por sua vez, também foram

previstos títulos e a utilização durante os atos religiosos de capas de seda vermelha com o

símbolo da Custódia.321

Os benefícios aos aliados não se limitavam a estes. O estatuto ainda

previa a utilização de recursos financeiros que poderiam ser pagos aos cooperadores como

bonificação, e que poderiam por isso receber até 10% da quantia angariada dos trinta

contribuintes.322

Sobre este projeto, observamos ainda que os títulos deviam ser entregues ao leigo em

novembro e devolvidos por estes à direção da associação ao fim do mês de dezembro.323

Não

obstante à criação de todos estes privilégios, a Igreja parecia estar ciente da dificuldade que

representaria pôr em movimento tal mecanismo. Assim, concedia ao pároco a possibilidade de

instituir tal comissão com 6 membros, diante da dificuldade de criá-la com 12.324

Não se limitando a este fato, observamos importantes determinações. Dentre estas, a

preocupação com a utilização dos recursos recolhidos por festeiros ou associações religiosas

para as devoções e a forma como estes eram angariados ganham relevo no estatuto, que prevê

a obtenção de licença para se poder arrecadar recursos financeiros em nome das “corretas

festividades”, sendo que, de acordo com o disposto no Artigo XXIV, “Ficam d’ora avante,

320 Ibidem, p. 15v-16v. 321 Ibidem, p. 16-16v. 322 Ibidem, p. 16v. 323 APCBJ. Livro do Tombo da Paróquia, Loc. Cit. 324 Ibidem, p. 16v.

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absolutamente prohibidas as chamadas folias, bem como o uso de bandeiras ou symbolos

religiosos para angariar donativos.”325

Consideramos que tal proibição pretendia cercear o poder e influência dos leigos que

controlavam os recursos financeiros, movimentados por ocasião das festas de santos, e ainda

coibir a prática então corrente entre os leigos de beijar as bandeiras, ato visto pela Igreja como

pouco higiênico e que deveria ser evitado.

No que se refere à renda obtida com tais festejos, deveria permanecer na matriz a sexta

parte dos recursos gerados.326

Não obstante, ao tratar da utilização dos recursos financeiros

movimentados durante as festividades religiosas, o mesmo regulamento recomenda aos

párocos atenção e moderação no gasto destes saldos, o que deveria acontecer a fim de

melhorar as condições da “Fábrica da Matriz”, sendo que de agora em diante: “Art. XXIII –

Fica absolutamente phohibido empregar o dinheiro angariado para festa em usos profanos,

como sejam: banquetes, bailes, bebidas para o povo, congados, etc.”327

Estas práticas já sinalizadas por Dom Assis por ocasião da festa do Senhor Bom Jesus

de 1911, figuravam como hábitos comuns nas descrições de frei Dorelli sobre algumas das

principais festas locais realizadas em Cambuí em 1911. Mais que sinalizar para o “desperdício

de dinheiro” que poderia ser gasto com a Igreja, tal recomendação visava inibir os excessos

causados principalmente pelo consumo imoderado de bebidas, tratado por frei Dorelli em

Cambuí como “libações de pinga”, que comumente podiam ocasionar brigas e outros

distúrbios. Não se limitando a estas deliberações, veremos ainda adiante que outro artigo

incide sobre aspectos primordiais do catolicismo local, ao estipular que, de agora em diante,

“as festas dos santos ou commemorativas de qualquer mysterio devem ser celebradas no dia

próprio, salvo impedimento ou motivo grave, o que deve ser exposto na petição feita ao Bispo

Diocesano.”328

A existência de outros elementos considerados profanos também chama nossa atenção.

Importante parte destas festividades, os leilões recebem menção especial, pois estes “não

poderão ser feitos durante as ceremonias religiosas e nem dentro da Igreja, em hypothese

alguma.”329

325 APCBJ. Livro do Tombo da Paróquia, p. 15. 326 Ibidem, p. 14v. 327 Ibidem, p. 15. 328 Ibidem, p.14v. 329 Ibidem, p. 15.

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Finalmente, elemento de suma importância dessas práticas religiosas, a música figura

neste estatuto como ato merecedor de atenção e cuidados reformadores. Assim, ao referir-se à

música, o documento nos apresenta que:

Art. XIX – Apezar das faculdades que tem esta Diocese de não pôr

já em pratica o Motu Proprio de SS. O Papa Pio X sobre musica sacra,

mandamos aos Rvdos. Vigarios e sua Provedoria que procurem eliminar

as musicas inconvenientes e melhorem, por todos os meios á seu alcance,

a parte musical das festas religiosas, havendo caracter mais sacro.330

De fato, o trecho que reproduzimos acima nos evidencia que a Diocese de Pouso

Alegre dispôs, também ela, de concessões perante a Santa Sé, e mais uma vez, os motivos de

tais atos são a constatação da força dos leigos e a dificuldade de se universalizar medidas em

contextos tão diversos como o sul mineiro.

A execução de tais disposições, como estas se enunciam no mandamento diocesano

como acabamos de ver e em grande medida, no Motu Proprio Tra Le Sollicitude de Pio X

sobre a música sacra (que visou entre outros reestabelecer o canto gregoriano em atos

religiosos, proibindo nestes o canto em “língua vulgar”, a presença de bandas musicais e de

“instrumentos fragorosos” em templos religiosos, conforme veremos melhor no terceiro

capítulo)331

, teriam atingido muitas das práticas da religiosidade dos leigos, tais como estas

eram praticadas também em nossas paróquias, mas são os próprios religiosos italianos e

autoridades diocesanas que nos informam que tal não se deu conforme previsto.

2.6- As Táticas332

Festivas do Laicato

Com efeito, focando-nos nos dados que nos permitem continuar a acompanhar o modo

pelo qual as festas locais foram realizadas a partir da promulgação do mandamento diocesano

de 1913 até o final da gestão teresiana dessas paróquias, é interessante notarmos que, longe de

330 Ibidem, p. 14v. 331 PIO X. Motu ProprioTra Le Sollicitude do Sumo Pontífice Pio X sobre a Música Sacra. Disponível em:

<http://www.vatican.va/holy_father/pius_x/motu_proprio/documents/hf_p-

x_motuproprio_19031122_sollecitudini_po.html>. Acesso em: 12 set. 2013. 332

CERTEAU, M. de. A Invenção do Cotidiano. Petrópolis: Vozes, 1994, pp. 99-100.

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ter sido observado integralmente, a execução de muitas das orientações presentes neste

estatuto nem mesmo sucedeu por meio da criação de uma associação.

Em referência à Cambuí, um registro anotado no Livro do Tombo por frei Mauro,

(sucessor de frei Dorelli, que assume a paróquia dia 15 de junho de 1913), nos informa que,

aos 30 de junho de 1913, este religioso conseguiu obter da autoridade diocesana uma licença

de um ano de prazo para poder executar tal mandamento. Ora, se lembrarmos que tal estatuto

concedeu ao pároco a possibilidade de instituir tal comissão com apenas 6 membros diante da

dificuldade de criá-la com 12, então podemos crer que a razão da petição de tal licença foi,

como mencionado no próprio estatuto, “motivo de força maior.”333

Em Córrego, a este respeito, frei Bindi, conforme já sinalizamos, nos informa no

Relatório Anual de 1913 que:

(...) também ficou parada a Comissão de Guarda de honra do

SSmo. Sacramento, estabelecida conforme o Mandamento Diocesano

para promover com a devida honra e esplendor as festas religiosas das

parochias do Bispado, por falta de recurso e por pobresa e estreiteza do

lugar.334

Nos anos conseguintes, até 1922, nas duas localidades não encontramos nada que nos

levasse a crer que a fundação de uma comissão de provedores, cooperadores e contribuintes se

efetivou, pois a criação desta agremiação não foi registrada pelos teresianos em ambas as

localidades. Nem mesmo a criação de tal comissão com seis provedores foi possível. Porém,

estamos cientes de que a não constituição de uma comissão por si só não significa que as

disposições neste regulamento contidas não foram trabalhadas pelos religiosos.

As anotações da autoridade diocesana no período de gestão teresiana e os dados que

encontramos nos Livros do Tombo nos evidenciam que, no decorrer da referida gestão,

acirraram-se as disputas em torno da organização das festas religiosas locais.

Com efeito, apesar da orientação diocesana e da publicação do mandamento

diocesano, o laicato, organizado ou não em associações religiosas, continuou a desafiar as

autoridades diocesanas. Este embate ora deu-se de modo velado e ora de forma aberta,

conforme veremos.

333 APCBJ. Livro do Tombo da Paróquia, p. 16v. 334 Ibidem, p. 19v.

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Em Córrego, em 1913, de acordo com frei Bindi, as festas do Senhor Bom Jesus e de

São Sebastião ocorreram com novena335

, enquanto a festa de São José aconteceu com

“relativo tríduo”336

, e a festa do Espírito Santo com “relativa novena”337

. Se tal relatório neste

ano não nos fornece mais informações sobre tais eventos, ou seja, data de realização destas

festas e modo de organização e de experimentação por parte da população destes eventos, e

ainda, se o emprego do termo relativo parece não diferir do emprego que este teve ao ser

utilizado para apontar a forma mista e negociada pela qual algumas das festas reformadas

foram celebradas nesta localidade, é no ano posterior que podemos descortinar tal panorama.

No relatório anual de 1914, frei Bindi compartilha conosco dados importantes para

podermos pensar como aconteceu em Córrego do Bom Jesus a intervenção teresiana sobre as

festas religiosas. Assim, neste ano, já não fazendo questão de esconder o que via, o italiano

aponta para a existência de um calendário peculiar:

1 Os Actos da Semana Santa

2 A Festa de S. Sebastião (10 de Janeiro)

3 A do Padroeiro Sr. Bom Jesus ( 6 de Agosto)

4 A de S. José (8 de Agosto)

5 A do Divino Espírito Santo ( 7 de Agosto )

6 A de S. Benedito ( 27 de Julho )

7 A do Mez de Outubro338

A facilidade de associar diferentes denominações religiosas, além de nos evidenciar a

predominância de devoções do catolicismo local, ainda nos aponta para a existência de festas

em datas alheias àquelas reservadas a estas pela Igreja, o que contraria importante

determinação do mandamento diocesano de 1913, conforme tivemos oportunidade de analisar

anteriormente.

É assim que observamos a festa de São Sebastião, realizada não em 20 de janeiro339

,

mas em 10 deste mês; a festa de São José, que acontece de acordo com a Igreja, em 19 de

março, e que em Córrego, foi realizada nesse ano, em 7 de agosto; a festa do Divino Espírito

335 Ibidem, p. 19. 336 Ibidem, p. 19v. 337

APCBJ. Livro do Tombo da Paróquia, Loc. Cit. 338 Ibidem, p. 22. 339

EPISCOPADO BRASILEIRO. Pastoral Collectiva dos Senhores Arcebispos e Bispos das Províncias

Ecclesiasticas de S. Sebastião do Rio de Janeiro, Marianna, S. Paulo, Cuyabá e Porto Alegre: Communicando ao clero a aos fieis o resultado das Conferências episcopais realisadasna cidade de S. Paulo de

25 de setembro a 10 de outubro de 1910. Rio de Janeiro: Typographia Leuzinger, 1911. p. 184.

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Santo, celebrada pela Igreja em 1914 em maio, e que em Córrego aconteceu em 7 de agosto e;

a de São Benedito, realizada em 13 de maio, e celebrada em Córrego em 27 de Julho340

.

À luz do mandamento diocesano do ano anterior, podemos supor que tais festividades

fora de suas datas oficiais não obtiveram a apregoada autorização do vigário e da autoridade

diocesana, donde somos levados a crer que muitas destas foram organizadas de acordo com as

necessidades dos leigos locais. Isso se torna claro quando percebemos que muitas das

referidas festividades orbitam ao redor da grande Festa do Senhor Bom Jesus, o que nos

parece como uma tentativa de prolongar a festa principal e de destaque regional.

De modo similar, no ano seguinte, em 1915, o Relatório Anual de frei Bindi registra

com poucas variações tal calendário festivo, onde podemos notar mais uma vez a flexibilidade

e mobilidade das datas e a facilidade dos leigos ao organizar e manipular suas festas, o que é

atestado pela realização da festa de São José, em 7 de agosto, e a do Divino, em 8 deste

mesmo mês341

. Curiosamente, nesta anotação, de todos os seis eventos relacionados, somente

o Mês de Outubro contém uma menção de como tal festa teria ocorrido, na ótica de frei Bindi.

Ao nos afirmar que esta teria ocorrido conforme mandamento diocesano, no entanto, é o

próprio frei Bindi que nos confessa que as outras festas tradicionais não o foram, tendo estas

continuado sob o controle dos leigos e longe do modelo de festividade religiosa da Igreja.

No próximo ano, tal cenário nos evidencia um fato de grande importância: a

organização de duas festas do Divino, uma ao gosto dos leigos, em 7 de agosto, logo após a

festa do Bom Jesus, e outra “oficial”, que contou com novena e aconteceu de acordo com frei

Bindi, no dia de Pentecostes, segundo a Pastoral Coletiva de 1911.342

Já em 1917, foi registrada a persistência dos leigos em promover a festa de São

Sebastião em 10 de janeiro, enquanto a realização da festa do Divino aconteceu no dia de

Pentecostes, com novena, ação que aponta para a disputa e para o momentâneo avanço dos

teresianos sobre essa festividade.343

Tal posição não duraria muito, pois no ano seguinte, em 1918, a festa do Divino volta

a acontecer fora do dia de Pentecostes, que naquele ano caiu em 19 de maio, o que faz com

que o registro de sua realização em 27 de maio a situe fora do calendário oficial da Igreja.344

Não obstante, a festa de São Sebastião permaneceu no dia 10 de janeiro, contrariando mais

uma vez o mandamento diocesano de 1913 e a Pastoral Coletiva de 1911. De caráter inédito

340 APCBJ. Livro do Tombo da Paróquia, p. 22. 341 Ibidem, p. 26. 342 Ibidem, p. 41. 343 Ibidem, p. 43. 344 Ibidem, p. 45.

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106

até então, é nesse ano que temos pela primeira vez menção à festa de São Benedito em 13 de

maio. Já no que se refere à grande festa do Senhor Bom Jesus, em 1918, frei Bindi reporta

pela primeira vez outra situação conflituosa verificada neste evento: o jogo de azar, que

acontece durante as novenas da festa. Trata-se da ocorrência “de jogo livre e franco de toda

qualidade”, que acontece “num rancho situado no centro da freguesia, terreno do patrimônio,

contra as ordens da autoridade diocesana e os protestos do Rev. Vigário.” De acordo com

frei Bindi, tal prática deve sua organização ao “chefe político local, que tem seu lucro e

interesse.”345

Não é novidade que muitas das festas religiosas ali realizadas estavam sob a proteção e

eram promovidas por muitos fazendeiros e detentores de altas patentes da antiga Guarda

Nacional, cujos títulos de maior prestígio também nesta região, assim como o apontado por

Maria Isaura Queiroz, continuaram a ser usados como forma de tratamento e diferenciação

social, muito tempo depois da extinção do regime monárquico.346

Esta “profanidade” do jogo não encontrou solução tão cedo e, se voltarmos a

acompanhar o movimento das festas, entenderemos como isso aconteceu. Com efeito, em

1919 a festa do Divino Espírito Santo realizou-se no dia de Pentecostes, isto é, 8 de junho,

ano em que verificamos novamente a festa de São Benedito em 13 de maio.347

Finalmente, de 1920 até 1921, os relatórios de frei Bindi perdem vigor e não reportam

mais com o mesmo número de detalhes os acontecimentos da paróquia. Em 1919, o

paroquiato de Córrego foi suspenso e os religiosos que até então habitavam ali passaram a

viver na matriz de Cambuí.

A transferência dos frades diminui, naturalmente o alcance das medidas

disciplinadoras destes sobre muitas das práticas verificadas nas festas de santos locais, e na

tentativa de sondarmos esses últimos anos, mais uma vez recorremos à leitura dos termos de

visitas pastorais, na esperança de nelas encontrar alguma informação sobre as festas religiosas

nesse período, observadas pela autoridade diocesana.

De fato, no termo deixado por Theophilo Guimarães, visitador diocesano, em visita

finalizada em 7 de agosto de 1915, ocasião da festa, encontramos novamente orientações que

visavam impor aos teresianos a execução de medidas cujo teor era de controlar a festa, dados,

345 Ibidem, p. 45v. 346 QUEIROZ, M. I. P. de. O Mandonismo Local na Vida Política Brasileira e Outros Ensaios. São Paulo:

Alfa-Omega, 1976, p. 164. 347APCBJ. Livro do Tombo da Paróquia. p. 50v.

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107

contudo, que atestam também a persistência do leigo em gerir essa festividade com suas

práticas consideradas nem sempre corretas pela Igreja.

É assim que, ao referir-se a essa festa, mas também querendo estender tal orientação às

demais festividades, o visitador registra que compete ao vigário esforçar-se para que “o

dinheiro dado pelo povo para as festas religiosas não seja gasto em comidas, bebidas e

outras coisas inúteis” e ainda estimular constantemente os leigos à prática da comunhão. No

mesmo sentido, anota ainda o visitador diocesano que devia chamar o “Revmo. Vigario a

attenção dos seus parochianos para a pobreza desta Egreja e para o esbanjamento de

dinheiro que aqui se faz nas festividades religiosas em prejuízo da mesma.”348

Tal repreensão do representante da autoridade diocesana nos sinaliza para o

descumprimento de duas determinações centrais do mandamento diocesano de 1913, cuja

persistência continua a se manifestar não obstante as tentativas e estratégias de cercear o

poder leigo: a organização de banquetes e o esbanjamento com os recursos angariados para a

celebração das festas religiosas, dinheiro que a partir de agora deveria ser destinado para

melhorar as condições da fábrica e da Diocese de Pouso Alegre, conforme já vimos.

No caso da visita pastoral de 1919, nenhum dos registros efetuados pelo então bispo

Dom Chagas de Miranda mencionou a presença da distribuição de comida, mas nos revela

que a autoridade diocesana, no dia 10 de setembro, conclamou os principais senhores desta

região para se reunirem a fim de tratar da inconveniência do jogo de azar. Nesta ocasião, foi

registrada a presença do Dr. Carlos Cavalcanti, juiz de direito de Cambuí e nesta reunião “(...)

ficou resolvido, de acordo com todos, abolir a jogatina nas festas do Bom Jesus, combinado-

se as medidas necessárias para isso, especialmente a demolição do rancho que era occupado

pelas bancas do jogo.”349

Apesar desta cooperação, é interessante notarmos que o fim do jogo só se efetuou em

1923, um ano após a saída dos teresianos do sul de Minas Gerais. É o que nos apresenta uma

matéria intitulada “Festa sem jogo”, publicada no Jornal Semana Religiosa, órgão oficial da

Diocese de Pouso Alegre, em 25 de Agosto de 1923, e que nos assevera que, em 1921 e em

1922, durante a festa do Senhor Bom Jesus do Córrego tal prática do jogo foi suprimida a

partir da intervenção policial.

Neste ponto, podemos ver novamente que a guiar a iniciativa teresiana de buscar

auxílio político, está a orientação diocesana, e não só isso. Em 1919, é interessante notarmos o

estabelecimento de uma cooperação entre os religiosos italianos e a máxima autoridade da

348 Ibidem, p. 24v-25. 349 Ibidem, p. 47.

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108

Comarca de Cambuí, na pessoa do Dr. Carlos Cavalcanti, contra uma prática sustentada nessa

localidade por “coronéis”.

Ainda que não seja nosso objetivo nos aprofundarmos sobre tal relação, é ela que nos

relembra que, por detrás da promoção de algumas das práticas religiosas locais, estavam os

maiores senhores rurais do lugar, e até os primeiros anos da década de 1910, o próprio Juiz de

Direito, Dr. Carlos Cavalcanti, que, contudo, teve carreira interrompida por disputas políticas

com os coronéis de então, a quem se atribui seu assassinato em 1922.350

Já no caso de Cambuí, não pudemos encontrar com a mesma regularidade o registro de

dados que nos informam as tensões verificadas em torno da organização das festas religiosas.

Esta paróquia foi administrada no período de 1911 até 1922 por cinco religiosos que, cada um

a seu modo, e contando com ajudantes ou sozinhos, imprimiram sua marca nas atividades ali

realizadas e nos registros efetuados junto aos livros paroquiais.

É assim que nesta paróquia, não podemos observar a transcrição no Livro do Tombo

de relatórios anuais regulares, que nos permitam acompanhar durante o decorrer da década o

movimento das festas em devoção aos santos tradicionais nesta localidade. De fato, se nos

abundam dados sobre o primeiro ano, quando eram frequentes as descrições de frei Dorelli

sobre as festas religiosas, a partir de 1912 estes dados se rareiam.

Deste ano até 1922, escassos e pobres são os registros que nos sinalizam algo sobre as

festividades religiosas locais. É, pois, no Movimento Parochial de 1916 que tomamos

conhecimento que, neste ano, a bênção do Santíssimo Sacramento foi feita também no

novenário do Carmo, no setenário do Divino, no novenário e na Festa de S. Sebastião351

,

registro que, ainda que austero e desprovido de maiores dados, nos mostra que três das

principais festas locais contaram com o acompanhamento de novenas e um setenário.

Finalmente, o último registro sobre as festas religiosas nesta localidade foi feito por

frei Nicolò, em 30 de abril de 1918, que nesse ano registra no Livro do Tombo um relatório

anual, onde informa que foram celebradas as festas de São Sebastião em 20 de janeiro, a de

Nossa Senhora do Carmo em 16 de julho, e uma novena com terço no dia do Divino Espírito

Santo.352

350 APC. Livro do Tombo da Paróquia. p. 91v-92v. Dom Chagas de Miranda, em visita pastoral realizada à

Cambuí em Abril de 1923, noticia e relata como ocorreu na sua visão, o assassinato do Dr. Carlos Cavalcanti,

episódio que aconteceu na Praça Matriz de Cambuí, no dia 5 do referido mês. 351 Ibidem, p. 83v. 352 Ibidem, p. 84.

Page 124: “il tanto vantato cattolicismo del Sul de Minas” · AGRADECIMENTOS A realização desta pesquisa tornou-se possível graças ao apoio recebido de diversas pessoas e instituições

109

Mas podemos acreditar que o registro austero destes eventos, somente com a menção

do acompanhamento das novenas, constituiu-se em indicativo confiável de uma mudança de

percepção e do modo pelo qual essas populações vivenciavam estas ocasiões?

No termo da visita pastoral de 1914, realizada em Cambuí pelo visitador Theophilo

Guimarães em 20 de junho de 1914, nos deparamos na parte de recomendações com o

seguinte aviso “1) Cumpra-se os mandamentos anteriores na parte que ainda não o

foram.”.353

Ora, estes mandamentos incluem o regulamento sobre as festas?

O certo é que não podemos afirmar tal fato, e os dados dos anos vindouros muito

pouco nos ajudam com tal questão. Procuramos, pois, nos termos das visitas pastorais de 1915

e 1919 por recomendações ou observações que nos informassem das festas ou do regulamento

sobre as festas religiosas, mas em ambas nada foi encontrado.

O que estes dados até aqui vistos nos podem indicar? Teria a reforma das festas

religiosas sido implementada pelos teresianos, ainda que a criação de uma comissão

específica destinada a reformar estes eventos não tenha sido registrada?

Tal ação, contudo, encontra cenários que, ainda que próximos, não são equivalentes. É

assim, pois que, em Córrego, às inúmeras estratégias tentadas pela autoridade diocesana para

impor uma reforma das festas em honra aos santos ali venerados, corresponderam diversas

táticas dos leigos, que conseguiram chegar até o final do período de gestão teresiana

mantendo muitos dos elementos e vitalidade de suas festividades vistas no início da citada

gestão.

Já em Cambuí, os poucos dados e ausência de queixas diocesanas nos situam em

difícil ponto para emitir alguma posição. Porém, se considerarmos o que ao longo deste

capítulo analisamos, especialmente em Córrego do Bom Jesus, podemos tentar emitir uma

consideração sobre a pretendida reforma das festas, empreendida nessas localidades por

orientação diocesana e através dos teresianos neste período.

As dificuldades vistas na afirmação de devoções reformadas, a dificuldade de se

instituir associações pias a partir da prática austera, a diversidade e força das práticas vividas

no início da década e a força demonstrada por seus organizadores, a persistência do

coronelismo e, finalmente, a impossibilidade de se criar uma comissão para atuar na reforma

das festas religiosas locais, nos levam a crer que a tentativa de intervenção teresiana sobre as

devoções locais, longe de ter sido bem sucedida, não obteve o sucesso esperado, tendo se

restringido a mudar alguns elementos isolados.

353 Ibidem, p. 69.

Page 125: “il tanto vantato cattolicismo del Sul de Minas” · AGRADECIMENTOS A realização desta pesquisa tornou-se possível graças ao apoio recebido de diversas pessoas e instituições

110

Esta percepção se esboça sem que tenha sido possível sondarmos outros aspectos que

acompanharam a tentativa de se reformar muitos dos costumes presentes nas práticas

religiosas vivenciadas pelos leigos presentes nas referidas paróquias neste período, mas que

parecem ter relação direta com a forma com que estas populações então vivenciavam sua fé.

Estas ações são a doutrinação da população por meio da realização de missões, da promoção

da instrução e ensino religioso e, por último, a dinâmica da própria presença teresiana no

Brasil durante o período de 1911 até 1922.

Page 126: “il tanto vantato cattolicismo del Sul de Minas” · AGRADECIMENTOS A realização desta pesquisa tornou-se possível graças ao apoio recebido de diversas pessoas e instituições

CAPÍTULO III- RUMO AO CATOLICISMO ULTRAMONTANO?

No segundo capítulo desta pesquisa, acompanhamos como a orientação da autoridade

diocesana procurou guiar a atuação dos teresianos em muitas ações empreendidas por esses

nas paróquias de Cambuí e de Córrego do Bom Jesus, no período de 1911 até 1922.

Constatamos que foi sob a orientação de Dom Assis, desde 1911, que os carmelitas descalços

buscaram realizar a reforma das festas religiosas locais, implantar novos modelos de

associações religiosas para leigos e, em grande medida, introduzir novas devoções pias, ações

vistas aqui como estratégias para adequar muitas das práticas religiosas de então ao

catolicismo ultramontano.

No entanto, tais atividades não representaram a totalidade de ações às quais os

teresianos dedicaram-se nestas paróquias que perseguiram este objetivo, pois,

concomitantemente a estas iniciativas, verificamos ainda outras importantes ações, tais como

nos evidencia frei Bindi, já em seu Relatório Anual da Paróquia de Córrego de 1912:

Desde 1 de Janeiro até 31 de Dezembro do anno 1912 a parochia

houve: Baptizados Nº 189, Casamentos Nº 45, Obitos Nº67. Todos os

fallecidos foram encommendados; os grandes receberam o Viatico e a

extrema unção exceptos alguns suicidas que morreram de repente.(...)

Em todos os Domingos e dias santos, houve a explicação do S. Evangelho

nas Missas parochiaes, que sempre foram celebradas às 11 horas, e nas

festas principaes, o sermão sobre os principaes mysterios da S. Religião.

Houve também o catecismo para o povo da roza e da freguezia, para os

meninos e meninas em diverso tempo conforme a comodidade e a

exigencia do lugar (...) As confissões durante o anno foram 1325

confissões assim repartidas: 725 no tempo da S. Missão (pregada pelos

RR. Missionários Redemptoristas PP. Affonso e Carlos desde 6 até 14 de

Augusto) extraordinariamente concorrida pelo povo) e Nº 600 na

Quaresma e em outros tempos. As Comunhões foram 1856 também

repartidas como segue: 1050 na Missão, e 806 nas outras festas do anno.

Os meninos e meninas que fizeram a primeira Comunhão foram 54.354

354 APCBJ. Livro do Tombo da Paróquia. p. 12v-13.

Page 127: “il tanto vantato cattolicismo del Sul de Minas” · AGRADECIMENTOS A realização desta pesquisa tornou-se possível graças ao apoio recebido de diversas pessoas e instituições

112

O trecho que reproduzimos acima nos aponta para importantes aspectos sobre as ações

de doutrinação desenvolvidas nesse período, termo que utilizamos a fim de apontar ações de

instrução e ensino religioso, vistas neste caso, a partir da promoção da missa, da pregação, do

catecismo, da realização das Santas Missões e finalmente, por meio de uma ação para levar os

leigos destas localidades a se aproximarem da frequência aos sacramentos.

O metodismo de frei Bindi, ao dispor em seu relatório tais dados, nos aponta mais uma

vez para o fato de que esse religioso muito se empenhou em apresentar contas de suas ações à

frente do Santuário à autoridade diocesana. Constatamos que, enquanto as primeiras

anotações (que dizem respeito à contabilização dos sacramentos; à realização do catecismo; à

celebração das missas; à pregação do evangelho; ao número de meninos que fizeram a

primeira comunhão; à pregação por ocasião das festas e à explicação dos mistérios) são ações

que o episcopado recomenda na Pastoral Coletiva de 1911 aparecerem nos Relatórios

Anuais355

, a promoção de missões356

é incentivada pelo mesmo documento, como meio, por

excelência, para “estabelecer os bons costumes”, sendo finalmente que a admoestação dos

leigos, para que esses se aproximem da frequência aos sacramentos, (ato que perpassa grande

parte das atividades acima referidas) constitui-se, de acordo com a referida Pastoral, como

grave dever do clero para promover a pretendida “santificação das almas”357

.

Dada a importância de tais ações para entendermos como sucedeu a atuação dos

teresianos no sul de Minas Gerais frente às práticas do catolicismo local, no terceiro capítulo

detemo-nos sobre este procedimento religioso, que se nos afigura como uma das mais

importantes estratégias utilizadas na tentativa de adequar as práticas religiosas ali vigentes às

práticas sacramentais do catolicismo ultramontano, ou seja, a doutrinação da população.

Para entendermos como tais ações desenrolaram-se, utilizamos relatórios anuais,

movimentos paroquiais (onde destacam-se os registros dos sacramentos administrados nesse

período pelos religiosos teresianos e pela autoridade diocesana) e outros registros encontrados

junto aos Livros do Tombo das duas referidas paróquias, além das Pastorais Coletivas de

1911 e de 1915, das Actas e Decretos do Concílio Plenário Latino Americano, de

recomendações diocesanas, de crônicas dos freis Dorelli e Nicolò, publicadas no periódico Il

Carmelo, de um artigo de frei Bindi publicado junto ao jornal católico Tribuna Sul Mineira,

355

EPISCOPADO BRASILEIRO. Pastoral Collectiva dos Senhores Arcebispos e Bispos das Províncias

Ecclesiasticas de S. Sebastião do Rio de Janeiro, Marianna, S. Paulo, Cuyabá e Porto Alegre: Communicando ao clero a aos fieis o resultado das Conferências episcopais realisadasna cidade de S. Paulo de

25 de setembro a 10 de outubro de 1910. Rio de Janeiro: Typographia Leuzinger, 1911. p. 271. 356 Ibidem, p. 28. 357 Ibidem, p. 31.

Page 128: “il tanto vantato cattolicismo del Sul de Minas” · AGRADECIMENTOS A realização desta pesquisa tornou-se possível graças ao apoio recebido de diversas pessoas e instituições

113

dos Atti del Definitorio della Provincia Romana (1891-1924), da edição de dezembro de 2010

da Revista Mensageiro de Santa Teresinha do Menino Jesus, órgão de propriedade da

Província São José dos Carmelitas Descalços, do manuscrito Appunti storici della nostra

missione nel Brasile e do Livro Amministrazione della Parrocchia di Corrego assunta dai

P.P. Carm. Scalzi il 2 Aprile 1911.

Para organizarmos nossa análise, estruturamos o presente capítulo em quatro partes.

Primeiramente, nos detemos na análise da missa, catecismo e pregação, para em um segundo

momento estudarmos a realização das Santas Missões e, posteriormente, a ação dos teresianos

para difundir a frequência aos sacramentos entre os leigos das duas referidas paróquias.

Chegados a este ponto, iremos então analisar tal quadro à luz dos principais acontecimentos

verificados durante esses anos de presença da Província Romana da Ordem dos Carmelitas

Descalços no sul de Minas Gerais e no Brasil.

Ao propormos tal análise, buscamos entender como as populações locais se engajaram

e participaram dessas ações de reeducação desenvolvidas pelos teresianos e se tais estratégias

da Igreja Católica conseguiram modificar as práticas do catolicismo local. Neste sentido,

iniciamos nossa exposição pela primeira destas ações, ou seja, a missa.

3.1- Entendendo a Missa Ideal e a “Missa relativamente litúrgica”358

Para nos inteirarmos do que frei Bindi aponta em seu Relatório Anual de 1912,

conforme citado anteriormente e em grande parte dos relatórios de sua autoria realizados

durante a gestão teresiana em Córrego, no que concerne à realização da missa, é importante,

antes de tudo, entendermos no que se constituiu tal cerimônia neste período.

A Santa Missa é definida pela Pastoral Coletiva de 1911 como “o mais santo de todos

os sacrifícios (...) que se oferece a Deus não só pelos pecados, penas, satisfações e outras

necessidades dos vivos, mas também para purificar e aliviar as almas dos fieis que faleceram

no Senhor (...)”359

. Não obstante, é interessante notarmos que o mesmo documento estabelece

que, cabe ao pároco, entre outros deveres, mostrar aos leigos “os proveitos incalculáveis, que

se logram em offerecel-o e em assistir ao seu oferecimento, e a obrigação grave, que tem todo

358 DORELLI, E. La Festa del Carmine a Cambuhy. Il Carmelo, Milano, p. 277-279. 359

EPISCOPADO BRASILEIRO. Pastoral Collectiva dos Senhores Arcebispos e Bispos das Províncias

Ecclesiasticas de S. Sebastião do Rio de Janeiro, Marianna, S. Paulo, Cuyabá e Porto Alegre: Communicando ao clero a aos fieis o resultado das Conferências episcopais realisadasna cidade de S. Paulo de

25 de setembro a 10 de outubro de 1910. Rio de Janeiro: Typographia Leuzinger, 1911. p. 125.

Page 129: “il tanto vantato cattolicismo del Sul de Minas” · AGRADECIMENTOS A realização desta pesquisa tornou-se possível graças ao apoio recebido de diversas pessoas e instituições

114

christão, de ouvir Missa nos domingos e dias santos”360

, trechos, portanto, que nos

evidenciam que naquele momento, o episcopado, por meio do clero, direcionava esforços para

difundir entre os católicos não só o significado, mas a importância da frequência a tal prática.

Para que tais objetivos lograssem êxito, devemos observar que grande

responsabilidade cabia aos párocos, pois recebiam do episcopado diversas determinações,

dentre as quais destacamos as seguintes:

Envidem todos os esforços para instruir devidamente os fieis

sobre o sacrossanto sacrifício da Missa, e lhes façam compreender a sua

necessidade, excellencia, sublimidade, fim e fructos; excitem e

inflammem os seus parochianos, ao mesmo tempo com a palavra e com

o exemplo, a que assistam frequentemente a Santa Missa, não só nos

dias de preceito mas todos os dias, si fôr possível, com o maior respeito e

devoção(...).361

Esta recomendação nos confirma que o culto não era assistido como o episcopado

desejava, e também nos fornece importantes dados para pensar na celebração deste ato nas

paróquias que analisamos. Cientes do significado de tal ato e da necessidade de se difundir tal

prática, cabe-nos perguntar como tal ação foi vivenciada nas paróquias de Cambuí e Córrego

do Bom Jesus naquele período. Com a finalidade de sondarmos tal assunto, esclarecemos o

que encontramos a respeito das missas realizadas nestas localidades durante os paroquiatos

dos Carmelitas Descalços.

Se frei Bindi em seu Relatório Anual da Paróquia de Bom Jesus do Córrego de 1912

não nos deixa apreender como tais atividades teriam se desenrolado, tendo se limitado a

anotar o que teria ocorrido naquele ano, foi frei Dorelli, pároco de Cambuí, que nos ofereceu

importantes dados para esta análise.

De acordo com o que esse religioso dispôs em crônica publicada no periódico mensal

ilustrado Il Carmelo, em edição de 8 de agosto de 1911, a missa verificada em 16 de julho

daquele ano, dia da festa de Nossa Senhora do Carmo, padroeira de Cambuí, contou com uma

grande audiência de paroquianos, pois nessa cerimônia “la chiesa regurgitava di fedeli”362

, e

foi quando ele notou que a banda musical executou uma “Messa relativamente liturgica”363

.

360 Ibidem, p. 125. 361 Ibidem, p. 125-126. 362 DORELLI, E., Op. Cit., p. 277-279. “a igreja regurgitava de fiéis”. 363 DORELLI, E., Loc. Cit. “Missa relativamente litúrgica”. (tradução nossa)

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115

Ora estas observações colocam-nos algumas questões iniciais: teriam as missas

verificadas em Cambuí e em Córrego, tido sempre, tão grande audiência? Em caso positivo, a

grande audiência significa que os leigos estavam cientes do significado da celebração da

missa, conforme apresentado pela Pastoral Coletiva de 1911?

Ao pensarmos na grande audiência verificada naquela ocasião, lembramo-nos de uma

recomendação do episcopado brasileiro presente nas Pastorais Coletivas de 1911364

e de

1915365

, quando é reafirmado como repreensível o hábito um tanto quanto supersticioso “de

assistirem os fieis certas Missas de devoção em dias da semana dispensando-se, entretanto,

com inexplicável facilidade e sem nenhuma causa, de satisfazer o preceito nos domingos e

dias santos”. Seria esta a realidade da missa celebrada no dia da festa de Nossa Senhora do

Carmo, padroeira de Cambuí?

O mesmo documento não nos deixa saber mais detalhes sobre tal costume, que parece

constituir uma prática recorrente e combatida pelo episcopado, e para esclarecer tal assunto,

nos voltamos para a expressão “relativamente litúrgica”, que tentaremos desvendar, em um

primeiro momento, a partir do conhecimento do “ideal litúrgico” para tal ato.

É importante lembrarmos que a missa, naquele período, obedecia ao ritual da missa

tridentina, que fora estabelecido pelo papa Pio V em 1568, e que se manteve em vigor até o

Concílio Vaticano II, em 1962, quando tal cerimônia era celebrada em língua latina e onde o

sacerdote celebra o ato voltado ao altar366

e, portanto, de costas aos seus paroquianos. Embora

não seja nosso objetivo adentrar minuciosamente nesse ritual, é necessário analisarmos mais

demoradamente o que tal ato pretendia impor aos ouvintes.

Neste sentido, é interessante observarmos que, Dom Leonardo Maria Pompei, em sua

obra La Santa Messa Tridentina, ao invocar o parecer do Concílio de Trento sobre a missa

tridentina, nos apresenta aquele ritual como um sacrifício sacramental no qual:

(...) sotto le apparenze sensibili del pane e del vino si offre dal

sacerdote a Dio sull’Altare, il Corpo e il Sangue di Cristo istituito

364 EPISCOPADO BRASILEIRO. Pastoral Collectiva dos Senhores Arcebispos e Bispos das Províncias

Ecclesiasticas de S. Sebastião do Rio de Janeiro, Marianna, S. Paulo, Cuyabá e Porto Alegre: Communicando ao clero a aos fieis o resultado das Conferências episcopais realisadasna cidade de S. Paulo de

25 de setembro a 10 de outubro de 1910. Rio de Janeiro: Typographia Leuzinger, 1911. p. 126. 365Idem, 1915, p.148. 366

POMPEI, D. L. M. La Santa Messa Tridentina. Simbologia, Spiritualità e Teologia. [S.I.: s.n.]. p. 2.

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116

nell’Ultima Cena, quando Gesù costituì gli apostoli sacerdoti e con essi i

loro successori e diede loro il potere di offrire questo sacrifício.367

Devemos observar que tal aspecto sacramental do ritual da missa fazia-se presente aos

leigos através da frequência ao sacramento da Comunhão, este considerado pelas Pastorais

Coletivas de 1911 e de 1915 como o “mais santo e o mais augusto de todos os

sacramentos”368

, cuja frequência era considerada então pelo episcopado como o “penhor mais

seguro do zelo do Parocho e da pureza de costumes dos parochianos.”369

Mas antes de nos inteirarmos sobre como nossas populações se relacionam com esse

(e posteriormente, com os demais sacramentos), é necessário que abordemos outros aspectos

presentes na missa. De fato, ciente das dificuldades de compreensão da missa entre a

população quinhentista, Dom Leonardo Maria Pompei nos coloca importantes questões que

nos ajudam a pensar também a realidade das paróquias que analisamos durante os paroquiatos

teresianos. Deste modo, ao analisar o parecer do Concílio de Trento sobre o ritual em latim da

missa, este autor nos afirma que:

I padri del Concilio sapevano perfettamente che la maggior parte

dei fedeli che allora assistevano alla Messa non sapevano il Latino e

neppure potevano leggere la traduzione essendo generalmente

analfabeti ed illetterati. Ma sapevano anche che la Messa contiene molte

parti di istruzioni per i fedeli. (...)Al fine di favorire l’istruzione dei

fedeli, il Concilio ordinò di mantenere ovunque l’antica tradizione

approvata dalla Santa Chiesa Romana, la quale è madre e maestra di

tutte le chiese, di aver cura cioè di spiegare alle anime il mistero centrale

della Messa.370

367POMPEI, D. L. M., Loc. Cit. “Sobre as aparências sensíveis do pão e do vinho se oferece pelo sacerdote a

Deus sob o altar, o corpo e o sangue de Cristo instituído na Última Ceia, quando Jesus fez dos apóstolos

sacerdotes e seus sucessores e os deu o poder de oferecer este sacrifício”.(tradução nossa). 368EPISCOPADO BRASILEIRO. Pastoral Collectiva dos Senhores Arcebispos e Bispos das Províncias

Ecclesiasticas de S. Sebastião do Rio de Janeiro, Marianna, S. Paulo, Cuyabá e Porto Alegre: Communicando ao clero a aos fieis o resultado das Conferências Episcopais realisadas na cidade de S. Paulo de

25 de setembro a 10 de outubro de 1910. Rio de Janeiro: Typographia Leuzinger, 1911. p 44. 369Ibidem, p. 47. 370POMPEI, D. L. M., Op. Cit. p. 3-4.“Os padres do Concílio sabiam perfeitamente que a maior parte dos fieis

que então assistiam a missa não sabiam o latim e nem ao menos podiam ler a tradução sendo geralmente

analfabetos e iletrados. Mas sabiam também que a missa contem muitas partes de instrução aos fieis. (...) Com a

finalidade de favorecera instrução dos fieis, o Concílio ordenou de manter a antiga tradição aprovada pela Santa

Igreja Romana, a qual é mãe e mestre de todas as outras, de ter cura, isto é, de explicar às almas o mistério

central da Missa.” (tradução nossa).

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117

Por intermédio desse religioso, podemos supor que, a celebração de tal ato em latim,

ao contrário de dificultar a compreensão da cerimônia por parte dos leigos, era um elemento

necessário a tal ritual, pois a língua latina é “sacra e solenne: aiuta il fedele a comprendere la

grandezza dell’evento che nella Messa si realiza”371

, mas é o mesmo autor que apontou para a

importância da explicação em língua vulgar do mistério central da missa, tornando sua

argumentação sobre a eficácia da língua latina um pouco descompassada. De modo a

reafirmar sua posição a respeito do uso da língua latina em tal cerimônia, o mesmo autor nos

afirma que:

Si tratta di un evento straordinario, non comune, che necessita,

per essere espresso, di un linguaggio non comune, straordinario. Il

latino ha questa caratteristica. Il latino, inoltre, quale lingua non

soggetta ad evoluzione, rappresenta una precisa garanzia dell’ortodossia

e della universalità o cattolicità della Chiesa, dell’immutabilità del

dogma (cfr. Eb 13,8-9), compromessa dalle molteplici e non sempre felici

traduzioni, peraltro bisognose di continui aggiornamenti.372

Tais posicionamentos nos ajudam a pensar no modo pelo qual nossas populações

deveriam participar daquele ato durante a gestão teresiana, mas é preciso, ainda, neste ponto,

lembrarmos que a língua latina não era usada somente no ritual, pois fazia-se presente na

música sacra.

Reconhecendo os “abusos” que eram verificados em matéria de música sacra no “urbi

et orbi’’ católico e a fim de “revestir de adequadas melodias o texto litúrgico proposto à

consideração dos fiéis”, o Papa Pio X, em 1903, promulgou o Motu Proprio Tra le

Sollecitude, documento normativo que pretendeu impor-se como código jurídico sobre a

música sacra, e cujo cumprimento caberia ao clero.

371Ibidem, p. 25. “uma língua sacra e solene: ajuda os fieis a compreender a grandeza do evento que na Missa se

realiza”. 372Ibidem, p. 4. “Se trata de um evento extraordinário, não comum, que necessita, para ser expressso, de uma

linguagem não comum, extraordinário. O latim possui esta característica. O latim, além disso, como língua não

sujeita a evolução, representa uma precisa garantia da ortodoxia, e da universalidade ou catolicidade da Igreja, da

imutabilidade do dogma. Comprometida das múltiplas e nem sempre felizes traduções, necessitadas de contínuas

atualizações.” (tradução nossa).

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118

De acordo com tal documento, a música sacra deveria contribuir com os objetivos da

liturgia de louvar a Deus e “santificar”373

os fieis e, para isso, a mesma deveria se afastar de

tudo que a Igreja considerava como profano, principalmente a influência do estilo teatral, o

que vale para sua forma e o modo como era executada. Esta deveria aspirar a uma

universalidade, para que nela se fizesse sentir com proeminência “caracteres gerais da

música sacra”, e não as especificidades das composições religiosas de cada nação374

.

Finalmente, o mesmo documento afirma que a música sacra deveria ser “arte verdadeira”,

contribuindo assim para incentivar os leigos à piedade e devoção para bem receber os “frutos”

da santa missa375

.

Para que tal feito fosse alcançado, entre outras disposições, Pio X, com este código,

reafirmou a primazia da música vocal como música própria da Igreja Católica, proibiu o canto

em língua vulgar durante o culto, estabelecendo a necessidade de se restaurar o canto

gregoriano nestas cerimônias, proibiu a presença de piano, bem como instrumentos fragorosos

e ainda a presença de bandas musicais nas igrejas376

.

Ora, se sabemos que a missa e o canto deveriam acontecer em latim, em grande

medida como condição a facilitar o entendimento e a grandeza da missa por parte dos

ouvintes; que a homilia era o momento em que era explicado em língua vernácula aos leigos o

assunto principal do dia, momento relativamente efêmero; que a frequência aos sacramentos

era o comportamento ideal dos paroquianos que a esta cerimonia acorriam, então o que

podemos apreender da missa realizada em 16 de julho por frei Dorelli em Cambuí?

De fato, recordando o que frei Dorelli nos apresentou sobre a missa celebrada em 1911

na festa do Carmo de Cambuí, podemos acreditar que o significado visado para tal cerimônia

era aquele que estas populações experimentaram em tal ato?

Torna-se evidente que o termo “missa relativamente litúrgica” de Dorelli está

relacionado ao modo como a orchestra, então responsável pela música “sacra”, executou seu

repertório neste ato religioso. Naquele período, é bom nos atentarmos para o fato de que, de

acordo com Levindo Lambert, em Cambuí, tivemos a existência de duas corporações

musicais, a Banda Carlos Gomes e a Banda VII de Setembro377

, e embora não nos tenha sido

373 PIO X. Motu Proprio Tra Le Sollicitude do Sumo Pontífice Pio X sobre a Música Sacra. Disponível em:

<http://www.vatican.va/holy_father/pius_x/motu_proprio/documents/hf_p-

x_motuproprio_19031122_sollecitudini_po.html>. Acesso em: 12 set. 2013. 374PIO X, Loc. Cit. 375 PIO X, Loc. Cit. 376 PIO X, Loc. Cit. 377Nas crônicas de frei Dorelli publicadas no período de abril de 1911 até junho de 1913 são constantes as

referências às duas corporações musicais de Cambuí.

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119

possível identificar qual destas foi a executora do repertório relativamente litúrgico naquele

dia de festa, é fundamental dizer que, segundo Lambert, naqueles anos se acirrou a rivalidade

entre tais corporações, que chegaram mesmo a sofrer intervenção da autoridade civil, uma vez

que a disputa pela “hegemonia musical” local deflagrou diversos momentos de separação da

população em torno destas corporações378

.

E foi por meio de crônicas dos freis Dorelli e Nicolò que tomamos conhecimento de

algumas das preferências musicais de tais corporações no cotidiano da paróquia, de modo

geral. De acordo com estes religiosos, tais corporações tinham um repertório constituído

frequentemente pelo Hino Nacional Brasileiro, que o cambuiense escutava sem chapéu em

sinal de respeito379

, por “pezzi di musica, specialmente italiana”380

e “altre marcie

trionfali”381

, dados que não contradizem as nomenclaturas das duas bandas locais, que por si

só já evidenciam uma forte influência italiana por meio de Carlos Gomes e um forte

sentimento nacionalista e que se choca com o estilo de música recomendado no Moto Proprio

de Pio X sobre a música sacra.

Porém, não nos parece que o “relativamente litúrgico” tenha sido somente observado

na música executada em Cambuí e por isso, continuamos nossa análise a respeito das missas

verificadas em ambas as paróquias neste período de gestão teresiana, o que fazemos mais uma

vez a partir de registros efetuados junto aos Livros do Tombo e das crônicas publicadas no

periódico mensal ilustrado Il Carmelo, onde encontramos alguns apontamentos que nos

ajudam nesta análise.

Primeiramente, notemos que, ainda em 1911, frei Dorelli registra que, no dia de

Finados daquele ano, ele pôde celebrar três missas na igreja matriz de Cambuí, todas essas

extremamente concorridas, ocasiões em que o missionário viu leigos nunca vistos antes, o que

comentou não sem humor “Pare che ai morti credano tutti.”382

Tal observação nos aponta para o fato de que essa grande audiência nem sempre

ocorreu, e também sinaliza para o motivo pelo qual naquela data isso foi observado. Foi o

próprio frei Dorelli que nos informou através de suas crônicas publicadas no Il Carmelo que

em sua opinião, um dos pilares do “vangloriado catolicismo” sul mineiro era a grande

preocupação com a boa morte383

, vista na crença da população na missa do sétimo dia dos

378

LAMBERT, L. F. Biogeografia de uma cidade mineira. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1973. p. 214. 379 DORELLI, E. La Festa del Carmine a Cambuhy. Il Carmelo, Milano, p. 277-279. 380 Idem, Come si viaggia nel Brasile, p.176- 180. 381 Idem, Noterelle brasiliane, p. 277-279. 382 Idem, Noterelle brasiliane, p. 79- 85. “Parece que nos mortos todos acreditam”. (tradução nossa). 383 Idem, Noterelle brasiliane, p. 82.

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120

mortos384

e na crença às almas385

, esta última, materializada através da presença, à beira das

estradas da região, de uma “multidão de rústicas cruzes”, muitas vezes enfeitadas com tecidos

e flores, frente às quais o transeunte tirava o chapéu e dizia uma prece. Tais costumes, de

acordo com este religioso, eram feitos pela população em memória das almas dos mortos que

haviam perecido em viagem em grande parte, por mão de assassinos e onde não raro as

populações locais afirmavam ver aparições386

.

Os mesmos costumes, de acordo com João José Reis, foram observados por Saint

Hilaire e por Rugendas no início do século XIX, quando estes, passando por Minas Gerais,

puderam registrar o hábito da população local de erguer cruzes à beira de estradas para marcar

o lugar onde aparições haviam sido vistas, e também para sinalizar o local de morte daqueles

que nas estradas haviam sido inesperadamente acometidos por acidente ou assassinato. Estes

hábitos, de uma herança lusitana, estão relacionados segundo Reis com a preocupação com a

boa morte, uma vez que a ereção de cruzes tinha a finalidade de lembrar ao viajante ou

morador que passava pelo local a necessidade de recitar preces pela alma do morto, a fim de

aliviar os sofrimentos a este imposto pela morte advinda sem a preparação necessária e pela

sepultura em terra profana, que estes muitas vezes recebiam nestes locais387

.

No que se refere à missa de finados de Cambuí em 1911, somos levados a crer que a

grande adesão dos leigos pode ter ocorrido também não conforme intenção do episcopado e

dos religiosos italianos, e sim, de acordo com as crenças dos habitantes locais. Mas a fim de

aprofundarmos nossa análise sobre tal aspecto, devemos nos atentar para o que encontramos

sobre outras missas do período de gestão teresiana.

E é o mesmo frei Dorelli que nos ajuda nesta busca, pois em crônica de dezembro de

1911, quando esse religioso abordou os principais acontecimentos do último trimestre em

Cambuí, ganhou destaque a cerimônia de uma missa celebrada após a translação de uma

imagem de Nossa Senhora do Carmo, que se encontrava na igreja de Cambuí, até o Santuário

do Senhor Bom Jesus de Córrego, em agosto de 1911.

A referida imagem foi um presente que frei Dorelli recebeu da madre superiora do

Monastério das Carmelitas Descalças da cidade do Rio de Janeiro, quando de sua passagem

pela capital federal, em março de 1911, e deveu-se à existência de uma carta guardada no

arquivo de tal comunidade, na qual o carmelita descalço frei João dos Santos, em 1829,

384 Idem, Noterelle brasiliane, p. 79- 85. 385 Idem, Come si viaggia nel Brasile, p. 176-180. 386 DORELLI, E. Loc. Cit. 387 REIS. J. J. O cotidiano da morte no Brasil oitocentista In ALENCASTRO, Luiz Felipe. História da vida

privada no Brasil. São Paulo: Companhia das letras. 1997.p. 98.

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endereçou esta imagem às carmelitas descalças deste monastério, que deveriam observar uma

cláusula388

. É que se “in alcun tempo venissero Carmelitani Scalzi al Brasile”389

, esta

comunidade deveria “dar detto simulacro ad essi, perchè sia venerato nella loro chiesa.”390

Em face do retorno destes ao Brasil em 1911, frei Dorelli aceitou este presente, mas

esclareceu à referida madre superiora que, se a paróquia de Cambuí possuísse uma imagem de

Nossa Senhora do Carmo, então o presente aceito seria destinado aos padres da igreja de

Córrego391

, o que realmente aconteceu, pois de acordo com frei Dorelli, não convinha ter em

Cambuí duas imagens de sua padroeira. Além disso, ficou resolvido entre os membros da

comunidade de religiosos que esta ficaria melhor no Santuário do Senhor Bom Jesus, “onde

faltava de tudo”392

, segundo frei Dorelli.

Para proceder à translação da imagem de Cambuí ao Santuário do Bom Jesus do

Córrego, o mesmo missionário organizou para o dia 15 de agosto, dia da Assunção de Nossa

Senhora, uma procissão, sobre a qual nos fornece importantes aspectos para pensarmos na

missa realizada ao fim deste trajeto.

É interessante observarmos que a saída desta procissão de Cambui aconteceu “tra

salve di mortaretti e fuochi artificiali”393

e “al festivo suono dei sacri bronze, accompagnato

dalla banda musicale VII de Setembro e da numerosissimo popolo devoto.”394

A vitalidade de

tal procissão adquire caráter emocionante, que parece ter comovido o experiente religioso, o

que acontece quando o mesmo missionário nos apresenta o encontro desta com outra

procissão vinda de Córrego para acolher a imagem de Nossa Senhora do Carmo, destinada ao

Santuário do Bom Jesus:

Pervenuto il pellegrinaggio alla valle d’Itay. Apparve come visione

di paradiso la solene processione di Corrego, che, guidata dai miei

confratelli di colà, veniva ad incontrare la Beata Vergine del Carmine,

com confraternite, stendardi, statue religiose ed uma moltitudine

grandíssima di fedeli devoti. Era uma vista stupenda, indimenticabile!

(...)Unitosi il pellegrinaggio di Cambuhy alla moltitudine di Corregiani,

388DORELLI, E. Un dono delle RR. Madri Carm. Sc. di Rio de Janeiro. Il Carmelo, Milano, p. 279, ago. 1911. 389DORELLI, E., Loc. Cit. “Se no futuro, os Carmelitas Descalços voltarem ao Brasil” (tradução nossa). 390DORELLI, E., Loc. Cit. “deem a referida imagem para esses, para que seja venerada em suas igrejas”.

(tradução nossa). 391 DORELLI, E., Loc. Cit. 392 Idem, Noterelle brasiliane. p. 80. 393Ibidem, p. 79- 85.“ entre salvas de tiros e fogos artificiais”. (tradução nossa). 394Ibidem, p. 80.“e ao festivo som dos sagrados sinos, acompanhado pela banda musical VII de Setembro e por

numerosíssimo povo devoto”. (tradução nossa).

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la processione riprese la strada del santuário del Buon Gesù, donde

veniva. Si percorsero altri tre chilometri, sempre cantando il S. Rosario,

mentre copiosi fuochi d’artificio venivano incendiati, ad onore di Maria

Santissima, dai fazendeiros attraverso i poderi dei quali passava il

magnifico corteo.395

Sobre a celebração que se verificou após a chegada de tal multidão, é interessante

notarmos que, de acordo com frei Dorelli, o Santuário do Senhor Bom Jesus de Córrego

conseguiu acolher menos de um terço dos leigos que haviam participado da procissão,

composta por cambuienses e “Corregiani”,396

onde estiveram presentes os maiores senhores

do lugar, a banda de música, irmandades, estandartes e grande multidão de fieis, indício que

mais uma vez nos aponta para o fato de que muitas das práticas do catolicismo local eram

vivenciadas então por todos os grupos sociais da região, ainda que de modos diferentes397

.

Aponta ainda o missionário que a cerimônia encerrou-se com o canto das litanias, com

o tantum ergum, com uma bênção eucarística e com a “bela” invocação de Capocci398

, termos

que parecem indicar a presença de uma música sacra condizente com o que dela se esperava,

ainda que não nos tenha sido possível identificar, entre os religiosos italianos e os leigos desta

região, o citado sobrenome Capocci.

Por um lado, a presença de bandas, irmandades e procissões ao som de sinos e fogos

de artifícios, e de outro, a presença de cantos litúrgicos adequados e um ritual realizado por

religiosos competentes em tal matéria, nos sugerem mais uma vez para o que frei Dorelli

chama de relativo? A crer no que fora descrito pelo próprio missionário sim, pois embora frei

Dorelli tenha organizado uma procissão num dia de preceito no qual o objetivo era levar uma

imagem santamente para Córrego, a mesma aconteceu ao gosto das festas religiosas em

devoção aos santos locais desse período, com uma grande adesão de toda a comunidade e com

muita pompa e circunstância. Isso nos demonstra que a devoção aos santos locais destacou-se

entre os motores da presença dos leigos em tais atos executados pelos religiosos italianos e

nos mostra mais uma vez o convívio entre práticas do catolicismo local e do ultramontano.

395DORELLI, E., Loc. Cit. “Chegada a peregrinação ao vale do Rio Itaim, aparece como uma visão do paraíso a

solene procissão de Córrego,que guiada pelos meus irmãos de lá, vinha encontrar a Beata virgem do Carmelo,

com irmandades, estandartes, imagens religiosas e uma multidão enorme de devotos. Era uma vista estupenda,

inesquecível! (...) Unida a peregrinação de Cambuí à multidão de correguenses, a procissão retomou a estrada do

santuário, de onde havia partido. Foram percorridos outros três quilômetros, sempre cantando o Santo Rosário

enquanto muitos fogos de artifício eram incendiados em honra de Maria Santíssima, pelos fazendeiros, em cujas

terras passava o magnifico cortejo”. (tradução nossa). 396DORELLI, E., Loc. Cit. 397DORELLI, E., Loc. Cit. 398Idem, Noterelle brasiliane, p. 81.

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123

Não podemos, contudo, entender o relativamente litúrgico somente no repertório

musical, sendo ainda, pois, necessário, sondarmos o modo como essas populações se

aproximavam da eucaristia nesse ato e, embora façamos isso de modo mais acurado no último

item deste capítulo, podemos aqui ver um importante indício de como tal ato ocorreu por

ocasião da missa realizada no dia da festa do Senhor Bom Jesus de Córrego, de 1912,

conforme essa foi registrada por frei Nicolò Magnanelli, em crônica publicada no periódico Il

Carmelo em setembro de 1912.

Ao debruçar-se sobre tal festividade, frei Nicolò nos ajuda a pensar nesse assunto pois,

ao descrever algumas atividades que ocorreram no dia 6 de agosto, dia da festa do Senhor

Bom Jesus, nos assevera que, neste dia, das 06:00 até 11:00 horas aconteceram missas, nas

quais foi possível ver “diversos fieis se aproximarem da mesa eucarística.”399

Tal colocação nos aponta para a pouca adesão dos leigos à esse sacramento, vista no

fato de que somente alguns leigos comungaram. Além disso, o religioso teresiano, nessa

mesma crônica, ainda dá destaque ao grande número de pessoas que começou a chegar a

Córrego, vindo de localidades vizinhas desde o dia 5 de agosto, para venerar a “imagem

taumaturga do Bom Jesus” e também para assistir o espetáculo dos fogos de artifícios

realizado ao fim do dia400

, relato que nos evidencia, mais uma vez, a força do culto aos santos

locais e das diversas formas de sociabilidade e entretenimento presentes nas festas religiosas

tradicionais, expressão máxima do catolicismo local.

Um comportamento similar fora observado por frei Dorelli em missa realizada na festa

do Divino Espírito Santo celebrada em Cambuí em 27 de agosto de 1911, quando, segundo o

missionário, foram por ele notadas muitas das atitudes já vistas na festa do Carmo, conforme

nos relata abaixo:

E fuochi, e concerti, e leilões (incanti all’asta pubblica), e

visite gastronomiche al festeiro, e copiose libazioni di pinga: molta

gente in chiesa ad ammirare l‟apparato, la luminaria, a udir la

musica ed anche a pregare al suo talento; ma al confessionario

ninguém (nessuno), e la Mensa eucaristica deserta401

.

399MAGNANELLI, N. Notizie del Brasile. Il Carmelo, Milano, p. 376-378, set. 1912. 400 Ibidem, p. 378. 401DORELLI, E., Op. Cit. p 82. “E fogos de artifício, concertos, leilões, visitas gastronômicas a casa do

festeiro, e muitas libações de pinga: muita gente na igreja para adminirar o aparato, a luminária, para escutar a

música e também para rezar do seu jeito, mas no confessionário ninguém e o banquete eucarístico

deserto.’’(tradução nossa).

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124

É forçoso reconhecermos nestes relatos que em tais cerimônias foram vistos poucos

paroquianos aproximarem-se do sacramento da comunhão, o que nos fornece precioso indício

sobre o modo como essas populações vivenciaram a missa nesse período.

Tais dados nos sinalizam para um cenário bem diverso daquele que deveria ser vivido

pelos leigos, de acordo com as diretrizes da Igreja, o que acreditamos ter ocorrido, uma vez

que as populações das referidas paróquias vivenciaram as missas dos primeiros anos não

como o estipulado nas diretrizes episcopais, mas de acordo com sua carga de conhecimentos e

vivencia anterior.

Para chegarmos a tal constatação, além das fontes locais, destacamos também as

contribuições de dois autores: Roger Chartier e Jacques Ranciere. Roger Chartier, em seu

artigo Cultura Popular: Revisitando um Conceito Historiográfico402

e através de sua obra A

História Cultural: Entre Práticas e Representações403

, tem-nos lembrado incessantemente da

inutilidade de “pretender estabelecer correspondências estritas entre clivagens culturais e

hierarquias sociais, relacionamentos simples entre objetos ou formas culturais particulares e

grupos sociais específicos”, sendo, pois, preciso nos debruçarmos sobre “as circulações

fluídas, as práticas partilhadas que atravessam os horizontes sociais”. Por sua vez, Jacques

Ranciere, a partir de conclusões tiradas de suas obras O Mestre Ignorante, presentes,

sobretudo, em seu artigo O Espectador Emancipado404

, nos mostra que a condição dos

espectadores ou dos alunos não é de passividade, mas de uma ativa recriação, pois esses, ao

olharem para um ato, dele selecionam certos aspectos e o reinterpretam. Além disso, segundo

este autor, esta recriação dá-se através da comparação daquilo que o espectador vê com seus

conhecimentos anteriormente adquiridos, relação que podemos ver presente quando pensamos

nas posições do sacerdote celebrante da missa e o fiel enquanto espectador.

No caso das paróquias que ora analisamos, teriam estas mesmas condições marcado

todo o período de gestão teresiana de Cambuí e Córrego do Bom Jesus? Com tal indagação

nos referimos à compreensão da missa, à importância da música sacra e a frequência à

eucaristia.

402

CHARTIER, R. ‘Cultura Popular’ Revisando um conceito historiográfico. In: Estudos Históricos. Rio de

Janeiro: UFRJ, 1995. (v. 8, n. 16). 403Idem, A História Cultural: entre práticas e representações, p. 134. 404

RANCIERE, J. O Espectador Emancipado. Tradução Daniele Avila. Artigo publicado na Revista Eletrônica

de crítica e estudos teatrais Questão de Crítica originalmente em inglês na Revista ArtForum mar. 2007.

Disponível em <http://questaodecritica.com.br/2008/05/o-espectador-emancipado/>. Acesso em: 11 set. 2012.

Page 140: “il tanto vantato cattolicismo del Sul de Minas” · AGRADECIMENTOS A realização desta pesquisa tornou-se possível graças ao apoio recebido de diversas pessoas e instituições

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Para sondarmos tais aspectos, no decorrer da década não dispomos de muitas fontes

diretas. Foi preciso, pois, garimparmos e lermos nas entrelinhas dos registros eclesiásticos e

extrair destes dados, informações que nos possibilitassem pensar em tais pontos.

No caso de Córrego, ao fazermos uma leitura dos relatórios anuais de frei Bindi, no

período de 1911 até 1921, percebemos que este religioso manteve o mesmo metodismo, ao

registrar aspectos relacionados à celebração da missa, registro que não diferiu muito do que

apresentamos no início deste capítulo. Contudo, nesses mesmos relatórios, este teresiano nos

evidenciou que, durante aquela década405

, o referido frei muito se esforçou para adquirir

objetos destinados ao culto, o que nos sinaliza para o fato de que até então, o Santuário do

Senhor Bom Jesus do Córrego estava desprovido destes objetos necessários ao “correto

culto”.

A partir dos mesmos relatórios de frei Bindi, foi possível sondarmos a frequência da

eucaristia observada em Córrego, no decorrer do período de 1911 até 1921, último ano em

que foram registrados relatórios anuais, e assim pudemos ver que os números gerados neste

período foram respectivamente:

Quadro 1- Comunhões administradas na Paróquia de Córrego do Bom Jesus no período de 1911 até 1922

405 APCBJ. Livro do Tombo da Paróquia.

Ano Número de

Eucaristias

1911 160

1912 1856

1913 1680

1914 1170

1915 1815

1916 1887

1917 2166

1918 2261

1919 2420

1920 1400

1921 1108

1922 -

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126

Se acreditássemos que tais números são índices capazes de qualificar o

comportamento dos fiéis como penhor de pureza e conversão para o “verdadeiro catolicismo”

como sustenta a Pastoral Coletiva de 1911, então deveríamos supor que, frente às 160

comunhões registradas em 1911, o número de 1108 em 1921 significou uma grande conquista

para os teresianos no território do catolicismo sul mineiro. Porém, neste momento, não é

nossa intenção interpretar tais dados desta forma e isso por três motivos.

O primeiro reside no fato de que o movimento das cifras registradas no Livro do

Tombo de Córrego nos aponta para picos elevados e quedas consideráveis que necessitam de

uma análise mais profunda sobre os anos e as condições que estes foram gerados, o que com

certeza nos informará melhor porque tais cifras sofreram esses movimentos, algumas vezes

repentinos.

O segundo é que também reafirmamos a necessidade de não tomarmos tais cifras

como índices capazes de qualificar comportamentos somente a partir do número de

sacramentos administrados.

Finalmente, é preciso lembrar que, em 1922 não existem registros no Livro do Tombo

de Córrego que nos informem da presença ainda que eventual dos teresianos. Interessante

notarmos que, neste ano, a paróquia parece ter permanecido sem pároco, pois a nomeação de

um padre para tal localidade só efetua-se em 1923, quando por decisão de Dom Chagas, o

Santuário do Senhor Bom Jesus, para fins de administração, é anexado à paroquia de Cambuí,

ficando desde então sob os cuidados do pároco padre Joaquim de Oliveira Noronha. Isso nos

leva a crer que, em 1922, os teresianos em Córrego não realizaram nenhuma atividade, o que

nos mostra a descontinuidade de ações e a “falta de cura” desta comunidade.

Por estas razões, e a fim de não nos precipitarmos nessa análise, acreditamos ser

conveniente dedicar atenção especial aos dados que representam a administração da eucaristia

e dos demais sacramentos mais adiante, neste mesmo capítulo, o que nos objetiva revelar mais

detalhes sobre o relacionamento dos leigos com os sacramentos e com os teresianos.

Assim, admitimos que, se não temos condição imediata de saber mais do cenário e

condições em que tais cifras foram geradas e o modo pelo qual estas populações se

aproximaram deste sacramento, sabemos que grande foi o investimento dos teresianos nessa

ação de reeducar a população para que esta se aproximasse daquela prática.

No que se refere ao modo como as populações locais se engajaram na missa no

decorrer da década, é interessante apontarmos para outro dado anotado por frei Bindi em seus

relatórios anuais da paróquia de Córrego do Bom Jesus. Este religioso, no Relatório Anual da

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127

Paróquia de 1913, informa-nos pela primeira vez da existência de uma “Schola Cantorum da

Matriz”, escola que, de acordo com o disposto na Pastoral Coletiva de 1911, deveria ser

instituída em cada paróquia por seu responsável e cujo objetivo principal é aquele de ensinar

música sacra aos alunos mais aplicados das turmas de catecismo, para assegurar que haja nas

paróquias a execução de “cânticos apropriados aos diversos ofícios divinos (...)”406

.

A menção da presença dessa Schola nos relatórios anuais no período de 1913 até 1920,

quando frei Bindi, ao lado dessa anotação, afirma que toda banda musical foi expulsa do

Santuário, nos leva a crer que também nesse aspecto houve uma ação intensa dos teresianos,

buscando eliminar muitas das práticas consideradas profanas nas missas, ação, contudo, que

não conseguiu se fazer presente em todos os anos desse período.

Já na paróquia de Cambuí, devemos observar que, de abril de 1911 até junho de 1913,

houve um grande empenho de frei Dorelli para aumentar os lugares de culto à disposição da

população da sede e dos bairros, pois nesses anos tiveram início os trabalhos de mobilização

da população para a reforma da matriz, de construção da nova capela do bairro dos Vazes e da

nova capela de São Benedito, no bairro do Rio do Peixe407

, ações que nos levam a crer que era

intenção de seu pároco proporcionar e ampliar os lugares de culto no território da paróquia.

Tal esforço parece ter sido mantido pelos sucessores de frei Dorelli na administração

paroquial de Cambuí, pois, em 1918, por intermédio de registros de frei Nicolò, temos notícia

da realização de vinte missas anuais fora da matriz408

.

No que se refere ao número de eucaristias nesta paróquia, foi possível conhecermos

somente três registros de tal índice efetuados pelos teresianos e que dizem respeito aos anos

de 1915, 1916 e 1918, quando tivemos respectivamente 3983, 4925 e 6897 comunhões409

,

números que apresentam um aumento considerável no decorrer destes anos.

Depois de termos percorrido todas estas fontes, podemos concluir que a missa

celebrada por religiosos reformados foi um hábil instrumento de instrução e doutrinação das

populações locais?

Os fatos que apuramos nos evidenciam que a presença de sacerdotes com formação

ultramontana (condição que nunca fora alcançada pela paróquia de Cambuí, a crer nos nomes

e origem dos padres que por aqui passaram) não foi suficiente para que a celebração da missa

406 EPISCOPADO BRASILEIRO. Pastoral Collectiva dos Senhores Arcebispos e Bispos das Províncias

Ecclesiasticas de S. Sebastião do Rio de Janeiro, Marianna, S. Paulo, Cuyabá e Porto Alegre: Communicando ao clero a aos fieis o resultado das Conferências episcopais realisadasna cidade de S. Paulo de

25 de setembro a 10 de outubro de 1910. Rio de Janeiro: Typographia Leuzinger, 1911. p. 260-261. 407APC. Libro do Tombo da Paróquia. p. 59. 408Ibidem, p. 84. 409Ibidem, p. 72v-84.

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128

pudesse se impor como instrumento de doutrinação capaz de adequar muitas das práticas do

“vangloriado catolicismo” ao sacramental nos primeiros anos. Chegamos a esta percepção,

pois nossas populações, sobretudo nos primeiros tempos, de acordo com os registros

apurados, não participaram de tal ato, conforme desejo do episcopado, mas sim a partir de

suas próprias crenças e experiências anteriores.

Apesar disso, nos anos posteriores foi possível acompanharmos um movimento,

muitas vezes crescente, no número de comunhões registradas pelos teresianos, ao passo que,

também um grande investimento foi feito no sentido de se adequar o repertório de música

sacra aos atos religiosos do culto, para promover o aumento dos lugares de culto na sede e nos

bairros e para adquirir objetos necessários ao “correto” culto.

O crescimento das comunhões, no entanto, sofre queda considerável a partir de fins de

1919, quando a paróquia de Córrego passa a ser administrada por religiosos teresianos

residentes em Cambuí, o que nos demonstra que a aproximação da população a este

sacramento pode ter configurado-se em uma hábil tática de relacionamento com os teresianos.

Além disso, observamos que, em 1922, nenhuma atividade ali é registrada, nem por

teresianos, nem por outro membro do clero secular, o que parece nos apontar para o fato de

que não houve continuidade nos trabalhos empreendidos pelos carmelitas descalços.

Neste cenário, para chegarmos a uma consideração transitória a este respeito, e visto

que a compreensão da missa estava relacionada a atos de instrução e ensino religioso,

devemos prosseguir acompanhando outras importantes ações relacionadas à missa, e que nos

ajudarão a encerrar tal discussão: as ações de instrução e ensino religioso.

3.2-Ao Lado da Missa: A Pregação e o Catecismo

Devemos lembrar que as atividades relacionadas no Relatório Anual de 1912 da

paróquia de Córrego do Bom Jesus, de autoria de frei Bindi, não dizem respeito somente à

promoção do culto, mas também informam sobre o ensino do catecismo e a pregação. Ora nos

detemos sobre estes dois últimos pontos, a fim de entender como tais ações foram

desenvolvidas entre as populações das localidades que analisamos e a fim de complementar

nossa análise sobre a missa.

Referindo-nos a Córrego, e a partir do que frei Bindi nos apresentou em seu Relatório

Anual de 1912, é interessante notarmos que esse religioso nos afirma que naquele ano “Houve

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129

também o catecismo para o povo da roza e da freguezia, para os meninos e meninas em

diverso tempo conforme a comodidade e a exigencia do lugar”410

, ações essas que, mais uma

vez, ressoam como ecos das determinações da Pastoral Coletiva de 1911, reafirmadas em

1915.

A Pastoral Coletiva de 1911, ao dispor sobre as ações de doutrinação, nos apresenta

como obrigações graves do clero a de lecionar catecismo às crianças da paróquia durante uma

hora, em todos os domingos e dias santos do ano, a de preparar as crianças para receberem a

Penitência e a Confirmação411

e os jovens para fazerem a primeira Comunhão e, “como, em

nossa época sobretudo, os adultos não menos que as creanças, necessitam de instrução

religiosa”, também deve ser interpretado pelo clero aos leigos o catecismo em linguagem

acessível412

. A homilia habitual neste cenário também tem destaque, devendo ser realizada em

todas as missas paroquiais.

Em tais atividades, distinguem-se basicamente o ensino do catecismo ministrado às

crianças e aos adultos, e também atividades de instrução e admoestação, como o sermão.

Enquanto no catecismo o material a ser empregado deveria ser o Segundo Catecismo da

Doutrina Christã ou Catecismo de Pio X, as ações de instrução aconteciam sobre algum ponto

específico da doutrina católica e podiam utilizar-se de sermões.

A este respeito, é interessante notarmos que, diferentemente da missa, realizada em

latim (à exceção da homilia), tais ações de ensino e instrução se utilizavam da língua

portuguesa como instrumento principal de ação, e a fim de entendermos como tais

procedimentos foram realizados por religiosos italianos, nos propomos uma reflexão sobre as

condições que leigos e religiosos teresianos tiveram nessas experiências.

Sobre tal catecismo, cabe-nos primeiramente pontuar que esse estava estruturado em

perguntas e respostas, as quais, por meio de memorização, eram possíveis de serem

decoradas, ainda que esse processo de aprendizagem se desse de modo mecânico. Já no caso

da pregação, devemos estar atentos ao fato de que, conforme nos apresenta a Pastoral Coletiva

de 1911, em seu capítulo segundo, esta era uma grave obrigação do pároco, uma vez que “No

estado de ignorancia em que se acha actualmente o povo em relação ás cousas da Religião,

410 APCBJ. Livro do Tombo da Paróquia. 12v. 411EPISCOPADO BRASILEIRO. Pastoral Collectiva dos Senhores Arcebispos e Bispos das Províncias

Ecclesiasticas de S. Sebastião do Rio de Janeiro, Marianna, S. Paulo, Cuyabá e Porto Alegre: Communicando ao clero a aos fieis o resultado das Conferências Episcopais realisadas na cidade de S. Paulo de

25 de setembro a 10 de outubro de 1910. Rio de Janeiro: Typographia Leuzinger, 1911. p. 7. 412Ibidem, p. 7- 8.

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130

nenhum Sacerdote, em bôa consciência, poderá esquivar-se do cumprimento deste dever”413

,

cabendo, portanto, ao clero para dar cabo desta incumbência, pregar em todos domingos e

dias santos do ano, e de modo mais enérgico, durante a Quaresma e o Advento414

.

Tal obrigação, de acordo com o episcopado, não deve ser executada com “práticas

mal preparadas”, e pregações magnificentes que não podiam ser compreendidas pelos

leigos415

, mas:

A prégação deve ser clara, de maneira que não possa deixar de ser

entendida; instructiva, que ensine as verdades que devemos crer, e nellas

insista, bem como nas obrigações de todos os christãos e nas dos estados

e officios mais communs; efficaz, que seja propria para induzir os

ouvintes ao cumprimento e á observancia dos mandamentos de Deus e

da Egreja e das obrigações particulares, á piedade e frequencia dos

sacramentos; deve ser solida, fundada na S. Escriptura, doutrina dos SS.

Padres, ensino dos theologos, decisões da Egreja, e confirmada com

exemplo dos Santos, e factos authenticos da historia; seria e grave, nunca

tratando de interesses pessoaes, nunca descendo a cousas ridiculas, nem

allusivas a alguma pessôa.416

A importância desse ato para a instrução da população era tal que, a Pastoral Coletiva

de 1911 esclarece que a pregação da palavra poderia ser feita por qualquer padre, uma vez que

todos estes poderiam “anunciar ao povo as verdades do evangelho e instruir os fieis nos

meios necessários para consegirem a propria salvação”417

, o que nos mostra que esta

atividade pôde ser empreendida por outros religiosos que não os párocos de Cambuí e

Córrego.

Cientes de tais diretrizes, resta-nos saber como essas ações de ensino e instrução

realizaram-se nestas localidades, o que faremos a partir de fontes diversas. No que se refere à

paróquia de Córrego do Bom Jesus, é interessante notarmos que, no período de 1913 até 1921,

o conteúdo dos registros sobre tais atividades se repetiram, exceto naquilo que se refere ao dia

413Ibidem, p. 5. 414EPISCOPADO BRASILEIRO. Pastoral Collectiva dos Senhores Arcebispos e Bispos das Províncias

Ecclesiasticas de S. Sebastião do Rio de Janeiro, Marianna, S. Paulo, Cuyabá e Porto Alegre: Communicando ao clero a aos fieis o resultado das Conferências Episcopais realisadas na cidade de S. Paulo de

25 de setembro a 10 de outubro de 1910. Rio de Janeiro: Typographia Leuzinger, 1911. p. 4. 415EPISCOPADO BRASILEIRO , Loc. Cit. 416Ibidem, p. 6. 417Ibidem, p. 4.

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131

de realização do catecismo às crianças e à comunidade, que aconteceu também às quintas,

sextas e sábados, e no número da assistência presente em tais atos, conforme vemos abaixo:

Registros sobre a instrução e ensino religioso

em Córrego no período de 1913 até 1922

Ano Crianças Geral

1913 49 fizeram a primeira

comunhão na festa da

Imaculada Conceição

e 35 na Páscoa

Não consta

1914 Não consta. 4860 em todo

anno

1915 45 meninos e

meninas

4860

1916 35 entre meninos e

meninas

3360

1917 média de 58 entre

meninos e meninas

3420

1918 40 e tantos entre

meninos e meninas

3540

1919

30 meninos e 40

meninas

Não consta

1920

Movimento mais ou

menos como no anno

precedente

Não consta

1921

Homens 45

Mulheres 52

Não consta

1922

-

-

Fonte: Livro do Tombo da Paróquia de Bom Jesus do Córrego.

Quadro 2- Registros sobre a instrução e ensino religioso em Córrego no período de 1913 até 1922

Page 147: “il tanto vantato cattolicismo del Sul de Minas” · AGRADECIMENTOS A realização desta pesquisa tornou-se possível graças ao apoio recebido de diversas pessoas e instituições

132

Por meio destes dados, podemos tomar conhecimento que, durante esse período, o

número de crianças que participaram do catecismo em Córrego do Bom Jesus foi regular, o

que aponta para a manutenção de investimento dos italianos nessa ação, ao passo que a

instrução religiosa alcançou cifras elevadas, se comparadas com a estimativa da população

nestes anos.

Considerando que em 1915 a população de Córrego foi estimada por frei Bindi em

4000 habitantes418

, então a cifra de 4860 apresenta uma evidente contradição, ou registros de

presença de uma mesma pessoa em diversos atos no decorrer do ano. O mesmo exercício

podemos fazer a partir dos dados apresentados por frei Bindi nos relatórios de 1917419

e de

1918420

, pois nesses anos, o número de envolvidos nas ações de instrução religiosa teria sido

respectivamente de 3420 e de 3540 pessoas, quando a população fora estimada em 4126421

.

Esse foi o último ano em que pudemos comparar tais dados pois, nos anos posteriores,

frei Bindi não registrou o número de envolvidos em tal ação. Não obstante, em 1920, quando

este religioso afirmou que o movimento destas atividades teria sido “mais ou menos igual”,

ele nos forneceu indícios para desconfiarmos da veracidade destes dados, pois, conforme já

vimos anteriormente, em novembro de 1919, o vicariato de Córrego do Bom Jesus foi

suspenso, passando esta paróquia a ser administrada por religiosos com residência fixa em

Cambuí. Do ano de 1922 não foi registrada em Córrego atividade alguma no Livro do Tombo,

período no qual acreditamos que os teresianos se afastaram desta paróquia, tendo

permanecido em Cambuí.

Mas, se de modo geral, os dados que ora vimos sobre Córrego nos apontam para uma

atividade intensa que pretende nos convencer do sucesso de tal ação entre a população local, o

que a este respeito podemos observar em Cambuí?

Nesta paróquia, foram unicamente três as fontes que encontramos a este respeito,

sendo a primeira uma crônica publicada por frei Dorelli em junho de 1913, a segunda um

registro efetuado no Livro do Tombo por frei Brocardo em 1915, ao passo que a terceira é um

registro efetuado por frei Nicolò em 1918.

Por meio da primeira, tomamos conhecimento de que em junho de 1913, em Cambuí,

havia uma escola paroquial que congregava cerca de 30 meninas e 15 meninos422

, mas a falta

418APCBJ. Livro do Tombo da Paróquia. p 25v. 419Ibidem, 42-43v. 420Ibidem, 44-45v. 421APCBJ. Livro do Tombo da Paróquia. Os Relatórios de 1917 e de 1918 reportam a estimativa da população

em 4126 pessoas. 422DORELLI, E. Ricordi d’um viaggio terraqueo. Il Carmelo, Milano, p. 242-244, 1913

Page 148: “il tanto vantato cattolicismo del Sul de Minas” · AGRADECIMENTOS A realização desta pesquisa tornou-se possível graças ao apoio recebido de diversas pessoas e instituições

133

de informações sobre essa entidade nos impossibilitou sondar como tal escola teria

funcionado durante a gestão de frei Dorelli em Cambuí. Após seu retorno a Roma, que

sucedeu em junho de 1913, o próximo dado que encontramos sobre este assunto situa-se no

Movimento Parochial de 1915, de autoria de frei Brocardo, onde esse religioso registra uma

média de 40 alunos e quatro catequistas423

.

Finalmente, o próximo registro sobre o assunto encontra-se no Relatório Paroquial de

1918, quando frei Nicolò registrou que o catecismo durante o ano aconteceu aos domingos e

dias santos, período no qual teve uma média de 60 crianças, que foram dirigidas por três

catequistas424

. Nesse ano, fizeram a primeira comunhão, de acordo com o mesmo religioso, 68

crianças425

.

De modo similar a Córrego do Bom Jesus, através dos dados que apresentamos

anteriormente, podemos perceber que, na referida paróquia, no final da década, houve um

sensível aumento no número de crianças e adultos envolvidos nesta ação. Mas podemos crer

que tais números possam expressar uma cifra fiel de pessoas atingidas pelo ideal ultramontano

através da instrução e ensino religioso?

Ao colocarmos tal questão, pensamos nas condições que, tanto os leigos quanto os

religiosos detinham para destes atos participar, o que nos parece mais importante do que ver

uma pretendida separação entre atingidos pelas ações de reeducação realizadas e

protagonizadas sobretudo pelos teresianos.

De fato, se sabemos que o catecismo consistia na decoração de fórmulas prontas e

acabadas, e que a pregação, feita em português, entre outros, deveria clara e eficaz, resta-nos

saber quais foram as condições dos religiosos italianos para empreender tal ato, e das

populações locais para a ele “assistir”. Será que a condição de estrangeiros colocou os

teresianos em posição de articular-se fluentemente no português, repleto de termos

“bastardos” da língua indígena e da ignorância popular?426

Ademais, será que estas populações

estavam habituadas com tais ações quando da chegada dos teresianos em 1911?

423APC. Livro do Tombo da Paróquia. p. 72v. 424Ibidem, 83v. 425 Ibidem, 84. 426DORELLI, E. Il Brasile: la sua língua e la sua popolazione . Il Carmelo, Milano, p. 362-366, out. 1911. Nesta

crônica o missionário usa a expressão original ‘’la lingua portoghese imbastardita vuoi dall’ignoranza popolare,

ossia dall’analfabetismo, vuoi dall’eredità della lingua indigena’’ para referir-se à língua falada nas paróquias de

Cambuí e de Córrego do Bom Jesus.

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134

3.3- Ações de Instrução e Ensino Religioso na “língua portuguesa repleta de

termos bastardos da ignorância popular (...) e da hereditariedade da língua

indígena”427

O mesmo frei Dorelli, ao debruçar-se sobre as línguas utilizadas no trabalho pastoral

na paróquia de Cambuí em 1911, ou seja, o “incorreto italiano”428

falado por uma dúzia de

imigrantes italianos residentes em Cambuí, e o português “brasileiro” falado pela população

local, nos fornece importantes indícios para pensarmos na utilização desta última língua para

os trabalhos de instrução e ensino religioso nas paróquias que ora analisamos.

Esclarecemos que, ao fazermos esta análise a partir do relato de frei Dorelli,

utilizamos a única fonte a este respeito disponível. Embora tal registro seja uno entre todos os

religiosos que atuaram no sul de Minas, ele adquire grande importância dentro desta análise,

pois devemos lembrar que, pela sua condição de missionário apostólico, pela sua experiência

e pela sua preparação em termos de conhecimentos gerais, era frei Dorelli um dos religiosos

mais treinados neste idioma neste período.

É ainda interessante notarmos que, apesar de sua preparação e experiência de

missionário que chegou ao país aos 47 anos como um dos principais pilares da Ordem no

Brasil, é esse mesmo religioso que nos demonstra algumas das principais dificuldades por ele

encontradas com tal idioma frente aos trabalhos paroquiais. Ao evidenciar ao leitor italiano do

Il Carmelo suas dificuldades com a língua local em crônica datada de outubro de 1911, assim

se manifesta:

Rispondo che per noi Italiani presenta una qualche facilità negli

avverbi, specie terminanti in ente, ma molte difficoltà nei verbi.

L´infinito personale ed il futuro ipotetico, sono due scogli enormi, che a

prima vista sembrano insormontabili; e ci vogliono anni per acquistarne

l’uso spedito429

.

427DORELLI, E., Loc. Cit. 428DORELLI, E., Loc. Cit. “scorretto italiano”. 429 DORELLI, E., Op. Cit., p. 365. “Respondo que para nós italianos, apresenta uma certa facilidade nos

advérbios terminados em ente, mas muitas dificuldades nos verbos. O infinito pessoal e o futuro hipotético, são

duas barreiras enormes, que à primeira vista parecem intransponíveis: e são necessários anos para adquirir o

sotaque local”. (tradução nossa).

Page 150: “il tanto vantato cattolicismo del Sul de Minas” · AGRADECIMENTOS A realização desta pesquisa tornou-se possível graças ao apoio recebido de diversas pessoas e instituições

135

Estes não são os únicos obstáculos à primeira vista, intransponíveis ao grupo de

religiosos italianos que ali atuava, pois de acordo com o experiente missionário Dorelli, outra

dificuldade que estes encontravam era a “nasologia, o meglio, il nasologismo”430

, ou seja, a

nasalidade presente na língua portuguesa falada pelos habitantes destas localidades, do que

apreendemos o grande distanciamento entre a gramática estudada e a prática na língua vivida

nestes locais. Sobre tal dificuldade de acentuação, o mesmo frei nos assevera que:

I nasiloqui devono trovar facile il portoghese; ma noi, che

parliamo colla bocca e non col naso, incontriamo difficoltà quante volte

la silaba finale porta il segno (~) che si chiama til. Vivendo tra il popolo,

ci andiamo accostumando al difficile accento, mancando il quale, il più

puro portoghese non è compreso431

.

Tal trecho nos mostra a difícil fase de adaptação do primeiro grupo de teresianos ao

ambiente sul mineiro e destaca mais uma vez a postura eurocêntrica deste religioso. Este, ao

citar um exemplo da dificuldade de comunicação, que marcou neste período o relacionamento

dos teresianos com as populações destas localidades, nos fornece uma importante fonte para

nossa análise. É que de acordo com este religioso alguns meses antes daquela data, ou seja,

outubro de 1911, ele pronunciou “una frase, schiettamente portoghese, ad una donna del

popolo,”432

a qual levava então seu filho para ser batizado na matriz de Cambuí. Esta, no

entanto, teve grande dificuldade em compreendê-lo pois:

Ella mi rispose che non comprendeva, perchè io le stavo parlando

francese: <<Não entendo: o senhor está fallando francez>>. _Ma che

francese d´Egitto! Parlavo portoghese, solo difettava l´accentazione. Del

resto, la necessità ci diede abbastanza intendimento, e fin dal possesso

delle nostre parrocchie, predichiamo e confessiamo in brasiliano-

portoghese433

.

430DORELLI, E., Loc. Cit. “ou melhor, o nasologismo’’ (tradução nossa). 431DORELLI, E., Loc. Cit. “Os nasilóquis devem achar fácil o português: mas nós, que falamos com a boca e

não com o nariz, encontramos dificuldade todas as vezes que a sílaba final traz o sinal (~) que se chama til.

Vivendo entre o povo, vamos nos acostumando ao difícil sotaque, sem o qual, o mais puro português não é

compreendido’’. (tradução nossa). 432DORELLI, E., Loc.Cit. “Uma frase, puramente portuguesa, à uma mulher do povo’’. (tradução nossa). 433DORELLI, E., Loc. Cit. “Ela me respondeu que não compreendia, porque eu lhe estava falando francês.’’Não

entendo: o senhor está falando francês’’. _Mas que francês do Egito! Eu falava português, só era diferente o

sotaque. De resto, a necessidade nos deu bastante entendimento, e desde a posse de nossas paróquias, pregamos e

confessamos em brasileiro-português’’ (tradução nossa).

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136

Essas colocações nos reafirmam a desqualificação que o missionário realiza das

línguas faladas em regiões que foram colônias de estados europeus, como é o caso do Brasil,

mas isso não é tudo. Por meio do próprio missionário apostólico, sabemos que, apesar de ter

estudado a língua portuguesa, e de se dizer ciente das especificidades dessa “língua mosaico”,

foi justamente esse idioma que trouxe dificuldades ao religioso experiente e ao grupo ali

instalado.

Se a língua nos primeiros tempos foi um empecilho à comunicação “clara” entre leigos

e religiosos italianos, resta-nos ainda saber como as sociedades locais se relacionavam com a

educação pública e religiosa. Tais respostas nos parecem fundamentais para nossa análise

sobre as ações de doutrinação.

No que se refere ao ensino religioso, através do Livro do Tombo de Cambuí, tomamos

conhecimento de que uma escola paroquial ali foi inaugurada em 1907 e, se nos inteirarmos

dos dados apresentados em tal registro, conheceremos algumas peculiaridades dessa escola,

do ensino religioso e da relação existente entre os poderes civil e religioso nesta localidade.

Antes, é conveniente notarmos que as Pastorais Coletivas de 1911 e de 1915

relembram aos párocos que a fundação de escolas paroquiais era uma tarefa de grande

relevância, pois diante do ensino leigo, ou seja, da laicização do ensino ministrado em órgãos

públicos, confirmada pela Constituição Federal de 1891434

, era imprescindível para o

episcopado brasileiro que houvesse em cada paróquia “escolas primárias católicas, a que

chamam paroquiais, nas quais a mocidade nascente encontre o pasto espiritual da doutrina

cristã e de outros conhecimentos uteis para a vida prática”435

, e é neste contexto que se torna

interessante observarmos alguns aspectos da escola paroquial de Cambuí, que fora fundada

pouco tempo antes da chegada dos teresianos.

De acordo com o então vigário de Cambuí em 1907, padre Agostinho Martell, em 15

de agosto daquele ano aconteceu com muito “brilhantismo e solenidade” a inauguração da

Escola Parochial de Nossa Senhora do Carmo da Cidade de Cambuhy. Segundo o disposto

nesse registro, tal instituição fora criada pelo referido sacerdote em conjunto com o Dr. Carlos

Cavalcanti, Juiz de Direito, que contaram nesta empreita com a contribuição de um “brilhante

434 BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil.(24 de Fevereiro de 1891) 435EPISCOPADO BRASILEIRO. Pastoral Collectiva dos Senhores Arcebispos e Bispos das Províncias

Ecclesiasticas de S. Sebastião do Rio de Janeiro, Marianna, S. Paulo, Cuyabá e Porto Alegre: Communicando ao clero a aos fieis o resultado das Conferências Episcopais realisadas na cidade de S. Paulo de

25 de setembro a 10 de outubro de 1910. Rio de Janeiro: Typographia Leuzinger, 1911. p. 334.

Page 152: “il tanto vantato cattolicismo del Sul de Minas” · AGRADECIMENTOS A realização desta pesquisa tornou-se possível graças ao apoio recebido de diversas pessoas e instituições

137

corpo de professores”436

, dos quais seis eram leigos, sendo estes o Dr. Carlos Cavalcanti, o

Dr. Malheiros, Maximiano José de Brito Lambert, Sr. Magalhães, Alexandre de Moraes e

Procópio Brandão437

. Ressaltamos neste ponto que, de acordo com o mesmo registro, a

direção de tal instituição a partir de então ficava a cargo de seus dois fundadores.

Ora, sabemos que tal iniciativa contou com uma ávida colaboração do representante

do poder público, cooperação difícil de realizar-se no contexto nacional e que nos faz

questionar as relações entre Igreja e Estado nesta localidade. É ainda preciso estarmos atentos

a outro dado que nos foi apresentado pelo mesmo padre neste registro, quando esse nos afirma

que esta instituição funcionou com normas austeras, congregando os “principaes meninos da

cidade”438

, o que nos sinaliza para a limitação de abrangência desta ação no âmbito do

território da paróquia.

Tendo em vista que padre Agostinho Martell entregou a referida paróquia ao padre

Isidoro em 17 de fevereiro de 1908, nada mais pudemos saber a respeito dessa instituição até

a chegada dos teresianos em 1911. Mas são estes dados que nos colocam uma importante

questão: se no âmbito do ensino religioso temos notícia da existência de tal escola que, ao que

tudo indica, funcionava a partir de uma grande cooperação do poder público e de famílias

coronelistas da região, presentes como professores e do clero não reformado na pessoa do

mesmo padre Agostinho, o que podemos observar no âmbito do ensino público? Será que este

atendia uma parcela maior da população que a escola paroquial?

Quando os teresianos chegaram às referidas paróquias em 1911, havia um ano que a

municipalidade havia instituído pelo Decreto Nº 2.813 de 24 de abril de 1910 um Grupo

Escolar. Este, porém, só foi instalado dois anos mais tarde, no início de fevereiro de 1912.

Este formato fora instituído no Brasil inicialmente no Estado de São Paulo em 1893439

,

e em Minas Gerais fora introduzido treze anos mais tarde, através da Lei Nº 439 de 29 de

setembro de 1906, quando o então presidente do Estado, João Pinheiro, promulgou uma

reforma em todas as esferas de ensino no Estado440

. Neste Estado, de acordo com Karina

Klinke, os grupos escolares nascem como uma proposta republicana para ampliar e

democratizar o acesso da educação básica a um maior contingente da população, até então

436APC. Livro do Tombo da Paróquia. p. 40v- 41. 437Ibidem, p. 40v. 438APC, Loc. Cit. 439

ARAÚJO, J. C. S. Os Grupos Escolares como expressão republicana: as especificidades no Triângulo

Mineiro e Alto Paranaíba. Disponível em:

<http://www.histedbr.fe.unicamp.br/acer_histedbr/seminario/seminario6/Ensino%20Fundamental/GRUPOS%20

ESCOLARES.doc>. Acesso em: 10 maio 2013. 440 KINKLE. K. A leitura nos Grupos Escolares de Minas Gerais 1906 1907. In: I Congresso Brasileiro de

História da Educação, 2000. Rio de Janeiro. Educação no Brasil: história e historiografia, 2000.

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138

excluída deste direito. Tal projeto, deste modo, visou implantar uma uniformização de

estruturas, conteúdos, utensílios e métodos para que o ensino e a aprendizagem ocorressem de

modo mais igualitário entre os alunos441

.

O ensino público em Cambuí, contudo, de acordo com Levindo Lambert, era anterior a

tal iniciativa, sendo que a primeira escola desta localidade funcionou no período de 1850 a

1889, quando se observa a existência de uma instituição dedicada exclusivamente à educação

de meninos442

. No que se refere à existência de turmas femininas, o mesmo autor nos

apresenta que a primeira classe iniciou suas atividades em dezembro de 1892, ano da

emancipação politico-administrativa de Cambuí.

Ainda por meio desse memorialista, podemos ver que o ensino público em Cambuí,

que a princípio funcionou nas instalações da Câmara Municipal e sem a estrutura necessária à

sua finalidade educacional, estava ativo quando da chegada dos teresianos. E é curioso

notarmos que, ao referir-se a “tal instituição” no início do século, o autor nos afirma que não

raro se podia escutar na dita “escola” a Marselhesa, cantada pelos alunos em francês443

.

Apesar da menção à Marselhesa, podemos ver que, ao que tudo indica, existiu nos

anos que antecederam a chegada dos teresianos a Cambuí uma grande cooperação entre os

poderes civil e religioso, através de um clero não reformado, famílias coronelistas da região, e

funcionários públicos, dado que adquire importância na medida em que nos esclarece muito

sobre a comunidade e sobre o modo como essa se relacionava com as ações de educação

nesse período e com a Reforma Ultramontana.

A partir destes dados, devemos observar que nos anos que antecederam a fundação de

casas teresianas nas referidas paróquias, as ações de ensino público e religioso conseguiam

atingir pequena parcela da população da sede da municipalidade, dado importante para

pensarmos no trabalho desenvolvido pelos teresianos no período de 1911 até 1922.

Se a compreensão das dificuldades com a língua portuguêsa e a grande dificuldade de

acesso ao ensino público e religioso nos ajuda a pensar os primeiros anos de atuação dos

teresianos, não podemos, contudo, nos fiar que este quadro tenha se tornado estático no

decorrer da década. Por isso, faz-se necessário sondarmos o que a respeito destas ações

conseguimos apreender durante os anos que se seguem à fundação de casas teresianas nessas

localidades.

441 Ibidem. p. 1. 442

LAMBERT, L. F. Biogeografia de uma cidade mineira. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1973. p. 110. 443Ibidem, p.112.

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139

Para isso, nos utilizamos inicialmente de frei Bindi, quando este religioso, em seu

Relatório Anual de 1912, após comentar a realização de algumas festas reformadas, registra

que, no fim do ano houve “relativo sermão para dar graças a Deus de todos benefícios

recebidos durante o mesmo”444

. Ora, neste trecho, esse registro deixa transparecer a existência

de um ato de admoestação em português, que fora realizado de modo relativo. Mas se o

sermão era de sua responsabilidade, com que finalidade esse religioso apontou para a

existência de um sermão relativo? Estaria este sermão relativo destinado a tentar atrair a

atenção de seu público?

Sobre a referência a este sermão, é forçoso dizer que a mesma expressão foi também

encontrada nos relatórios445

de frei Bindi de 1914, 1915, 1916, 1917 e em 1918 com o termo

“prática relativa”, que se repetiu em 1919, para finalmente em 1920 e em 1921 aparecer

somente “A respeito das pregações, do Catecismo das creanças, do horário das Missas

paroquiais, das festas durante o anno, o movimento da parochia foi mais ou menos como no

anno precedente”446

.

A este respeito, a primeira observação a ser pontuada refere-se ao fato de que, ao crer

em frei Bindi, tal sermão relativo foi uma constante durante esses anos, o que nos aponta para

a possibilidade de ter sido essa uma estratégia do teresiano para atrair a atenção de seu

público com um ato menos austero, hipótese que, contudo, não nos foi possível confirmar

visto a falta de dados sobre isso.

Com relação ao que tal religioso dispõe em seu último relatório, quando afirmou que

as atividades de 1920 e 1921 foram iguais àquelas vistas nos anos anteriores, não podemos

creditar verdade, uma vez que sabemos que, a partir de novembro de 1919, a paróquia de

Córrego passou a ser administrada por freis residentes em Cambuí, o que certamente

impactou os trabalhos desenvolvidos ali, sendo impossível que o trabalho feito por religiosos

que se dirigiam a esta localidade somente alguns dias por mês, surtisse resultado idêntico

àqueles verificados quando a Ordem manteve naquela paróquia um efetivo residente. No

mesmo sentido, lembramos aqui que a ausência total de registros sobre 1922 nos leva a crer

que a paróquia de Córrego neste ano não contou com a presença de um padre.

Depois de nos inteirarmos sobre as atividades desenvolvidas pelos teresianos nestas

paróquias e entendermos o que era esperado dessas, e depois de analisarmos as condições dos

444APCBJ. Livro do Tombo da Paróquia. p. 13. 445Ibidem, p. 11- 53. 446Ibidem, p. 53.

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140

teresianos e as condições do ensino público e religioso dessas paróquias no período que

antecedeu a chegada dos teresianos, devemos apontar algumas constatações.

No caso de Córrego, as cifras reportadas por frei Bindi nos levam a crer que as ações

de educação de crianças mantiveram-se regulares durante a década, ainda que estas cifras

sejam pouco representativas frente à população da paróquia. Uma exceção deve ser feita a

1922, quando não podemos observar a presença de religiosos e do clero secular nesta

localidade, o que, com certeza, paralisou estas atividades. No que diz respeito à instrução de

jovens e adultos, vemos que estas ações, a crer no que nos reporta frei Bindi, atingiram

parcela considerável da população, que também parece ter sido paralisada pela ausência de

clero em 1922.

Na paróquia de Cambuí, os dados que conseguimos obter dizem respeito aos anos de

1913, 1915 e de 1918 (quando tivemos respectivamente 45, 40 e 60 crianças presentes no

ensino religioso), e nos evidenciam que frente à população paroquial, tais cifras foram

irrisórias.

Quando nos desvencilhamos destes índices, no entanto, buscando apreender as

condições que os religiosos italianos e os leigos de nossas paróquias dispuseram para

participar destas ações, outra perspectiva nos é aberta. De fato, desse contexto apreendemos

que, no período que antecede a chegada dos teresianos, os ensinos público e religioso foram

amálgamas de influências diversas advindas de professores leigos, alguns provenientes das

mais poderosas famílias locais, padres não reformados e funcionários federais. No mesmo

sentido, também vimos que essas atividades eram privilégios de poucos, o que nos leva a crer

que tratava-se de uma sociedade na qual ainda era forte a oralidade como fonte de transmissão

de saberes, e onde muitas das práticas da religiosidade local se perpetuavam.

Neste cenário, e nos referindo ao período de gestão teresiana e às atividades que esses

aqui desenvolveram a fim de reeducar as referidas populações, é necessário considerarmos

(para além dos números obtidos) que as dificuldades com a língua portuguesa “brasileira” e o

método de perguntas e respostas do catecismo de Pio X formaram também barreiras, que se

fizeram presentes no processo de ensino e instrução dessas populações.

A primeira foi vista na dificuldade de entender e ser entendido entre ambas as partes, a

segunda dificuldade diz respeito ao método de fórmulas que deveriam ser decoradas para se

atestar a capacidade do aluno em matéria religiosa.

Nestas condições, acreditamos que, pelas dificuldades com a língua portuguêsa; pelo

método de ensino do catecismo; pelo esmorecimento das atividades de instrução e ensino

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religioso desenvolvidas ao final da década em Córrego (1920-1922); pelos baixos índices que

representam os envolvidos em ações de instrução e ensino religioso em Cambuí; pelo

insucesso das tentativas de introduzir novas devoções reformadas, de reformar as festas e de

se fundar modelos de associações para leigos nestas localidades; acreditamos que estas ações

de ensino e instrução ficaram longe de atingir seu objetivo de envolver toda a população

destas paróquias e de adequar muitas das práticas do catolicismo local ao catolicismo

ultramontano.

3.4- Santas Missões de 1912

Para prosseguirmos em nossa análise, nos dedicamos agora a outro instrumento

igualmente importante de doutrinação, a realização de missões. Com efeito, no ano de 1912,

entre os registros efetuados pelos teresianos sobre ações que visaram reeducar as populações

de Córrego e de Cambuí, destacam-se as realizações de Santas Missões pregadas por dois

redentoristas holandeses, entre os meses de agosto e setembro.

Nesse ano, diversos foram os documentos que nos colocaram frente à promoção de

Santas Missões em ambas as paróquias, registradas em Córrego por frei Bindi em seu

Relatório Anual de 1912 e em um artigo publicado no Jornal católico Tribuna Sul Mineira em

setembro de 1912, e por frei Nicolò, em uma crônica publicada no periódico ilustrado Il

Carmelo, datada de setembro de 1912, ao passo que, em Cambuí, este evento foi registrado

por frei Dorelli no Livro do Tombo e também em uma crônica datada de outubro daquele ano

e publicada no periódico Il Carmelo.

Mas do que nos informam tais fontes, e por que as consideramos como uma ação de

doutrinação? Neste ponto, cabe ressaltar que, a primeira vez que encontramos o registro desse

evento, foi quando frei Bindi apontou em seu Relatório Anual da Paróquia do Bom Jesus do

Córrego de 1912 que, naquele ano, fora registrado por ele um número bastante diverso de

alguns sacramentos, conforme podemos ver abaixo:

As confissões durante o anno foram 1325, assim repartidas: 725

no tempo da S. Missão (pregada pelos RR. Missionários Redemptoristas

PP. Affonso e Carlos desde 6 até 14 de Augusto) extraordinariamente

concorrida pelo povo) e Nº 600 na Quaresma e em outros tempos. As

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Comunhões foram 1856 também repartidas como segue: 1050 na

Missão, e 806 nas outras festas do anno447

.

Diante da escassez de sacramentos verificados durante a primeira visita pastoral de

Dom Assis um ano antes, tais cifras anotadas por frei Bindi chamaram muito nossa atenção,

pois diante de uma população de 3000 habitantes, a contabilização de tais números parece

querer nos apontar para uma alteração comportamental substancial e repentina. Porém, nesse

caso, é o próprio frei Bindi que nos informa que, desses totais, grande parcela foi

administrada durante um evento extraordinário ocorrido no Santuário: a realização das Santas

Missões de 1912.

O registro de tais cifras, bem como a menção a este evento, nos obrigou a um

aprofundamento neste ponto. Quem eram os cooperadores dos teresianos e como os

carmelitas descalços conseguiram a intervenção dos redentoristas? Qual a dinâmica da missão

para conseguir um número tão elevado de sacramentos e o que podemos deduzir de suas

atividades e resultados como instrumento de doutrinação da população?

Se frei Bindi nos informou simplesmente que esses eram missionários redentoristas,

foi frei Dorelli que nos esclareceu que esses eram holandeses, residentes em Juiz de Fora e

que sua vinda ao extremo sul de Minas Gerais foi promovida “por mandado do Senhor

Bispo”448

, e após uma demonstração de interesse por parte de frei Dorelli de receber em sua

paróquia as santas missões, uma vez que, para este religioso, “A rinnovare um popolo, e a

risvegliare in esso il più vivo sentimento religioso, non v´è meglio che uma frutuosa

Missione;”449

É bom pontuarmos que, ambos os interesses, aquele da autoridade diocesana e o do

pároco de Cambuí, não estavam desvinculados da política seguida então pela Igreja naquele

período, pois, embora as missões sejam bem mais antigas do que o movimento de Reforma da

Igreja no Brasil no século XIX, se nos voltamos mais uma vez para a Pastoral Coletiva de

1911, que em seu capítulo VII versa sobre “os meios de conservar os bons costumes e

corrigir os maus”, perceberemos que a missão era tida como um agente muito eficaz para

adequar diversos comportamentos:

447Ibidem, p. 12v-13. 448APC. Livro do Tombo da Paróquia. p. 63. 449DORELLI, E. Tre consolante avvenimenti nella mostra Missione brasiliana. Il Carmelo. p. 119. “A renovar

um povo, e a despertar nesse, o mais vivo sentimento religioso, não existe coisa melhor que uma frutuosa

missão”.

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143

Para remediar os males públicos e particulares, extirpar os vícios

e abusos, extinguir os ódios e inimizades, acabar com os concubinatos e

outros escândalos em uma parochia, chamar o povo á observância dos

mandamentos da lei de Deus e da Egreja, e estabelecer os bons

costumes, não há meio tão eficaz como as missões, quando pregadas por

Sacerdotes abrazados de zelo da gloria de Deus e da salvação das

almas.450

Tais missões não seriam úteis somente nestes casos. É que, se retrocedermos aos

decretos do Concílio Plenário Latino Americano, vemos que bem mais ampla foi a atribuição

concedida a estes eventos por este documento451

.

Diferentemente das missões aos “infiéis”, apresentadas no terceiro capítulo como uma

séria obrigação das autoridades religiosa e civil, que devem levar, no caso da América,

sobretudo aos povos indígenas a “civilização452

por meio do apostolado, a utilidade das

missões ao “povo”, de acordo com tal documento, reside no fato de que com estas:

(...) no sólo se confortan los fieles que caminan por el recto

sendero de la virtude y de la piedad, y se mueven à llevar á cabo más

arduos propósitos, sino que también los vacilantes se sostienen para que

no caigan, y los caídos se despiertan del sueño del pecado y se

encaminan á la enmienda.453

Ao discorrer sobre a utilidade de promover tais eventos, este documento nos aponta

para o dever que os padres e religiosos tinham de buscar promover missões e exercícios

espirituais ao “povo”454

. Com efeito, de acordo com tal documento, diversos foram os

pontífices que incentivaram os bispos para que estes promovessem missões em suas dioceses.

450 EPISCOPADO BRASILEIRO. Pastoral Collectiva dos Senhores Arcebispos e Bispos das Províncias

Ecclesiasticas de S. Sebastião do Rio de Janeiro, Marianna, S. Paulo, Cuyabá e Porto Alegre: Communicando ao clero a aos fieis o resultado das Conferências Episcopais realisadas na cidade de S. Paulo de

25 de setembro a 10 de outubro de 1910. Rio de Janeiro: Typographia Leuzinger, 1911. p. 28. 451

EPISCOPADO LATINO AMERICANO. Actas y Decretos del Concilio Plenario de la América Latina.

Roma: Tip. Vaticana, 1906. p. 406. 452 Ibidem, p. 435. 453 EPISCOPADO LATINO AMERICANO, Loc. Cit. “Não só se confortam os fieis que caminham pelo reto

camino da virtude e da piedade, e querem levar a cabo os mais árduos propósitos, mas também os vacilantes se

sustentam para que não caiam e os caídos se despertam do sono do pecado e se encaminham à uma

reparação.”(tradução nossa). 454 Ibidem, p.406.

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144

Por isso é recomendável que o clero colabore com as missões, apoiando e dando suporte em

todos os trabalhos nelas realizados455

.

Dom Assis e frei Dorelli parecem ter seguido tais recomendações à risca, mas

interessa-nos saber como e se tais mudanças de comportamento foram alcançadas por meio

das missões. Com este objetivo, nos atentamos para a dinâmica verificada nestes eventos

extraordinários.

Para tanto, o primeiro ponto sobre o qual devemos nos debruçar é sobre os

protagonistas das missões. A respeito do assunto, Mabel Pereira, em sua obra Romanização e

Reforma Ultramontana: Igreja Católica em Juiz de Fora, ao discorrer sobre as congregações

religiosas europeias que se fixaram na cidade de Juiz de Fora no contexto da Reforma

Ultramontana, nos afirmou que os padres redentoristas holandeses eram provenientes da

Congregação do Santíssimo Redentor, que chegaram àquela cidade em 1894456

.

Sobre essa comunidade, Luciano Dutra Neto afirmou em sua Tese intitulada Das

Terras Baixas da Holanda, Uma Contribuição à História das Missões Redentoristas, durante

os primeiros trinta anos de trabalho em Minas Gerais457

, que tal congregação desenvolvia seu

apostolado junto aos habitantes das cidades e do campo, não fazendo distinção entre grupos

ou segmentos sociais458

. O mesmo autor, ao abordar a obra Origenes de la Congrégation du

Trés-Rédempteur, de autoria de M. de Meulemeester, nos esclarece que o objetivo principal

desta instituição era pregar a palavra de Deus especialmente aos mais pobres, que

necessitavam de mais cuidados459

.

Tais informações vão de encontro ao que nos foi registrado por frei Dorelli em crônica

datada de 25 de outubro de 1912, quando o missionário, apresentando tal comunidade

religiosa aos leitores do Il Carmelo, afirmou que esses missionários tinham a finalidade de

executar o objetivo de sua regra de “evangelizzare le turbe, specie plebee, delle città e

campagne”460

, projeto para o qual a comunidade elegeu três religiosos para pregar missões

durante grande parte do ano461

.

455 Ibidem, p. 407. 456PEREIRA, M. S. Romanização e Reforma Ultramontana: Igreja Católica em Juiz de Fora (1890-1924). Juiz

de Fora: Irmãos Justiniano, 2004. p. 88. 457

NETO, L. D. Das terras baixas da Holanda às montanhas de Minas: Uma contribuição à história das

missões redentoristas, durante os primeiros trinta anos de trabalho em Minas Gerais. Tese de Doutorado em

Ciências da Religião. Universidade Federal de Juiz de Fora. Instituto de Ciências Humanas. Juiz de Fora: 2006. 458 Ibidem, p. 43. 459 Ibidem, p. 64. 460 DORELLI. E. Tre consolante avvenimenti nella nostra Missione brasiliana. Il Carmelo. p. 119-121.

“evangelizar as turbas, do tipo plebeus, da cidade e campo”(tradução nossa). 461DORELLI, E. Loc. Cit. “Três deles, que exercitassem, durante todo o ano, exceto nos meses de maiores

chuvas, o ministério apostólico’’.(tradução nossa).

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145

Sobre a realização de missões nas paróquias de Cambuí e de Córrego, nos esclareceu o

referido missionário que isso deveu-se ao fato de que naquele ano, após aprovação diocesana,

oito paróquias da Diocese de Pouso Alegre foram escolhidas para receber tal missão (entre

estas figuravam as referidas localidades)462

. Por isso, uma comitiva de redentoristas formada

pelos padres Gualtier, Affonso e Carlos deixou Juiz de Fora em junho daquele ano rumo às

belas paisagens do sul do Estado. Neste ponto, é interessante notarmos que, de acordo com

este religioso, antes do grupo atingir o Bispado de Pouso Alegre, sofreu uma baixa, pois padre

Gualtier contraiu pneumonia e teve de retornar à sede da Congregação463

, dado que assume

importância na medida em que nos demonstra que o retorno desse missionário reduziu o

efetivo da missão, destinado a atuar nas duas paróquias que analisamos.

Ainda no que diz respeito às missões pregadas pelos redentoristas, Fábio José Garcia

dos Reis, em sua Tese intitulada Os Redentoristas de Aparecida e a Regeneração do Brasil:

1916-1931 sustenta que, essas se configuraram como um dos “instrumentos mais eficazes da

ação direta, na luta contra a ignorância religiosa e no combate contra os erros modernos

(...)”464

.

Dutra Neto, por sua vez, ao referir-se à realização de missões pelos redentoristas em

pequenas localidades do interior de Minas Gerais no início do século XX, afirma que tal

trabalho obteve êxito, não obstante os problemas enfrentados pelos religiosos, que diziam

respeito, sobretudo, às diferenças dos costumes entre missionários e a população, e à

dificuldade destes religiosos com o idioma português465

.

Se estes autores nos afirmam a eficácia das missões, o mesmo parece figurar como

certo para Mabel Pereira. Esta acredita que as missões, ao colocarem frente a frente

missionários e as populações locais, promoveram o aprimoramento da instituição paroquial. A

mesma autora, ao corroborar com João Batista Libânio, sustenta que as missões foram as

responsáveis por fazer com que a Reforma Ultramontana acontecesse em áreas urbanas e

rurais466

, o que dava-se pois:

462Ibidem, p. 119. 463DORELLI, E., Loc. Cit. “Se reduziram a dois, pois que pego pela pneumonia, o Padre Gualtier, ainda que

escapado do perigo mortal, foi obrigado a retornar a Juiz de Fora’’. (tradução nossa). 464 REIS. F. J. G. dos R. Os Redentoristas de Aparecida e a Regeneração do Brasil: 1916-1931. Tese de

Doutorado. FFLCH, USP 1998. São Paulo. p. 316. 465

NETO, L. D. Das terras baixas da Holanda às montanhas de Minas: Uma contribuição à história das

missões redentoristas, durante os primeiros trinta anos de trabalho em Minas Gerais. Tese de Doutorado em

Ciências da Religião. Universidade Federal de Juiz de Fora. Instituto de Ciências Humanas. Juiz de Fora: 2006.

p. 219. 466 PEREIRA, M. S. Romanização e Reforma Ultramontana: Igreja Católica em Juiz de Fora (1890-1924).

Juiz de Fora: Irmãos Justiniano, 2004. p. 111.

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146

A comunidade vivia nos dias de missão em função dela: os

horários, temas, maneira de falar eram sugeridos nos manuais de

missão. O objetivo era alcançar todos os grupos humanos, desde os

homens adultos até as crianças, ensinando-lhes as orações básicas,

introduzindo o hábito da oração da manhã e da noite, o costume do

exame de consciência à luz das verdades eternas, inculcando o medo

salutar do pecado, do inferno, do purgatório, do juízo de Deus e levando

o fiel à confissão geral467

.

No entanto, não podemos concordar com tais pareceres, que reafirmam a eficácia e

eficiência de tal instrumento na luta contra o desconhecimento da doutrina ultramontana e

contra muitas das práticas religiosas dos leigos deste período.

Por esta razão, nos voltamos para as paróquias que ora analisamos, a fim de

sondarmos como tais eventos foram vivenciados pelos religiosos e pelos leigos nestas

localidades. E o primeiro fato a sondarmos é o período no qual estas foram realizadas. Os

registros de frei Bindi efetuados no Livro do Tombo nos afirmam que as missões em Córrego

duraram de 6 de agosto até 14 deste mês468

, ao passo que, em Cambuí, tiveram início em 23

de agosto e duraram até 15 de setembro, período no qual os missionários percorreram além da

sede, os bairros de São Sebastião da Lagoa Grande, São Benedito do Rio do Peixe e de Nossa

Senhora da Conceição dos Vazes469

.

Neste ponto, é forçoso recordarmos que em alguns anos, frei Bindi registrou a

realização de outras festas religiosas após o dia 6 de agosto, dia da Festa do Senhor Bom

Jesus, o que nos faz crer que a organização de missões em Córrego, a partir deste dia, foi mais

uma estratégia, ou seja, uma tentativa de intervenção sobre muitas das práticas do catolicismo

local.

Com o objetivo de entendermos o que ocorreu neste período nessas localidades,

retomamos o que nos foi possível apreender a respeito das missões ainda em Córrego, onde é

o próprio frei Bindi que, por meio do artigo Festa do Bom Jesus do Córrego – Missões,

publicado no jornal Tribunal Sul Mineira, órgão integrante da Boa Imprensa, em edição de 8

de setembro de 1912, nos apresentou importantes dados omitidos em seu relatório anual470

.

467

PEREIRA, M. S. Loc. Cit. 468APCBJ. Livro do Tombo da Paróquia. p. 13. 469APC. Livro do Tombo da Paróquia. p. 63. 470

JORNAL TRIBUNA SUL MINEIRA. Pouso Alegre: Anno III, 8 set. 1912.

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147

De acordo com o religioso, no dia 6 de agosto de 1912 chegaram ao Santuário, vindos

de Gonçalves, os missionários redentoristas padre Carlos e padre Afonso, para realizar uma

missão de oito dias, ato este que nos lembra muito a organização da visita pastoral de Dom

Assis no dia 6 de agosto de 1911, que configurou-se, conforme já vimos, como uma nítida

tentativa de frear muitos “abusos” verificados durante a festa. Mas no que se refere à missão

dos redentoristas, o que pretendiam e o que realizaram os missionários quando de sua

chegada?

Frei Bindi, ao abordar algumas atividades que fizeram parte da programação da festa

no dia 6 de agosto daquele ano, como procissão, apresentação das bandas, entre outros, nos

assevera que, nesse dia, o redentorista padre Carlos realizou um sermão sobre o amor do Bom

Jesus no fechamento da procissão, ocasião que reconhecemos como um dos momentos

máximos da festa, ato, portanto, que parece apontar para a utilização de hábil estratégia para

tentar se aproximar da grande audiência vinda para o evento.

Finalmente, como desfecho de sua matéria, frei Bindi apresentou de modo orgulhoso o

balancete conseguido pela missão em Córrego, no qual registra os mesmos números que já

vimos anteriormente em seu Relatório Anual de 1912. Tudo isso de modo a querer coroar a

“exata e correta” programação da grande festa do Bom Jesus, fato que não acreditamos,

partindo do pressuposto que a própria convocação da missão naquele período teve por

objetivo adequar muitas das práticas do catolicismo local ao catolicismo sacramental e

ultramontano.

Felizmente, frei Bindi não foi o único que pôde registrar tal evento, uma vez que

naquele ano, outro teresiano, o frei Nicolò Magnanelli, teve possibilidade de presenciar o dia

da festa e, sobre a dita procissão e o sermão de padre Carlos que ocorreu ao fim da procissão,

pôde notar que:

(...) un’imponente processione sfilò per le vie principali del paese.

Precedevano le fanciulle col próprio stendardo, seguivano bambini

parati da angioletti, il concerto, i RR. PP. Carmelitani in cappa bianca, e

fra suoni, spari, cantici, procedeva majestosa la bella statua del Buon

Gesù, sostenuta dalle persone più notabili del luogo, cui seguiva

numerosa moltitudine di devoti. Nel retorno alla chiesa, uno dei Padri

venuti per le Missioni a Corrego, proferì um breve discorso di

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circostanza, facendo risaltare la fede viva di questo popolo, che esterna

con così magnifica pompa il culto della religione.471

Pela sua descrição (que nos chama a atenção por um tom de afeto às manifestações de

exteriorização de fé dessas populações), podemos perceber que o discurso do padre

redentorista, que valorizou muitas atitudes presentes nas formas de religiosidade local,

aconteceu no meio de uma manifestação viva de tal religiosidade, com a presença de

irmandades, leigos, a banda, sons, disparos e cânticos em meio à imponente procissão do Bom

Jesus, e objetivou atingir o grande público então presente.

Ainda referindo-nos a este mesmo trecho, somos levados a crer que os missionários

redentoristas estavam cientes da força do catolicismo local, e até mesmo dele se utilizavam,

com a finalidade de tentar promover novas atitudes nos leigos. Só isso nos explica o fato

desses, no dia de sua chegada, terem tomado parte na procissão e nela terem proferido um

discurso que, ao que tudo indica, valorizou muitas atitudes presentes nas formas de

religiosidade local.

Ao objetivarmos continuar a vislumbrar como tais eventos ocorreram, é interessante

notarmos que o mesmo frei Nicolò Magnanelli nos informa ainda de importantes aspectos das

missões em Córrego:

Fin dalla prima sera il concorso dei fedeli fu straordinario, e

aumentarono quindi sempre più, attrati dalla parola facile e persuasiva

dei due ottimi Missionari. Era edificante vedere quella folla di popolo

ascoltare com religioso silenzio le grandi verità dela mostra santa Fede;

e queste, a loro volta, corroborate dalla grazia divina, destavano negli

animi dell´uditorio um salutare e profondo timore. Difatti tutta la

popolazione há corrisposto fedelmente alla grazia del Signore,

accostandosi ai SS. Sacramenti com vera pietà Cristiana. Dopo sete

giorni i RR. PP. Missionari, accompagnati da alcuni maggiorenti del

471MAGNANELLI, N. Notizie dal Brasile. Il Carmelo. p. 376-378. “Uma imponente procissão desfilou pelas

vias principais do lugar. ‘’Precediam meninas com próprio estandarte, seguiam meninos vestidos de anjinhos, a

banda musical, os reverendissiomos padres Carmelitanos em capa branca, e entre som, disparo e cantos, andava

majestosa a imagem do Senhor Bom Jesus, carregada pelas pessoas mais notáveis do lugar, a qual seguia

numerosa multidão de devotos. No retorno até a igreja, um dos padres vindos para as Missões em Córrego,

proferiu um breve discurso de circunstância, fazendo ressaltar a fé viva deste povo, que exterioriza com

magnífica pompa, o culto da religião.” (tradução nossa).

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paese, ripartirono soddisfatti dell´abbondante frutto raccolto nel campo

místico del Signore472

.

Se tal registro nos afirma que foi grande a adesão da população, e que esse ato contou

com o apoio dos maiores senhores locais, também nos aponta para o fato de que esta

atratividade teria sido causada pela “palavra fácil e persuasiva” dos missionários, quadro que

iremos analisar adiante, mas que por ora, nos mostra que algumas das atividades principais da

missão foram a instrução sobre pontos da doutrina católica e a administração de sacramentos,

que para isso, utilizou-se de uma pedagogia que incutia medo, conforme nos apontou frei

Nicolò.

Ao referir-se a tais eventos em Cambuí, frei Dorelli nos coloca que, nesta localidade, a

entrada dos missionários foi “un vero trionfo”473

. Nessa ocasião, estiveram presentes quatro

teresianos, o Dr. Paiva, Juiz de Instrução e o padre redentorista Afonso, e foi quando

aconteceu uma procissão (acompanhada pela banda musical) da entrada da cidade até a matriz

do Carmo, onde o referido redentorista respondeu aos discursos a ele proferidos e onde

informou aos paroquianos da programação das atividades da missão474

.

Ainda em Cambui, é forçoso notarmos que o mesmo missionário nos assevera que “Il

clou delle sante Missioni si ebbe, in città, ai 30 d’Agosto, a motivo della prima communione e

dell’innalzamento <<do cruziero>> (della s. Croce) innanzi alla chiesa Matrice”475

. Uma

vez que a ereção de cruzeiros não foi registrada em Córrego, aqui a dedicamos atenção, pois é

interessante a seu respeito notarmos o que frei Dorelli nos apresenta a seguir:

Alle ore 17 dello stesso 30 d´Agosto, con grande solennità e

straordinario concorso di fedeli, dopo una divota processione

penitenziale, ebbe luogo l´innalzamento d´un <<cruzeiro>> (d’una

472Ibidem, p. 378. “Desde a primeira tarde, o concurso de fieis foi extraordinário, e aumentou sempre mais ,

atraídos pela palavra fácil e persuasiva dos dois ótimos Missionários. Era edificante ver aquela multidão de povo escutar com religioso silêncio as grandes verdades da nossa Santa fé; e estes, por sua vez, corroborados da graça

divina, despertavam no ânimo do auditório um salutar e profundo temor. De fato, toda a população correspondeu

fielmente à graça do Senhor, aproximando-se dos Santos Sacramentos com verdadeira piedade cristã. Depois de

sete dias, os reverendos padres Missionários, acompanhados por alguns dos principais senhores da região,

partiram satisfeitos pelo abundante fruto colhido no campo místico do Senhor.” (tradução nossa). 473DORELLI, E. Tre consolante avvenimenti nella nostra Missione brasiliana. Il Carmelo, p. 119-120. “um

verdadeiro triunfo’’.(tradução nossa). 474DORELLI, E. Loc. Cit. 475Ibidem, p. 120. “O ponto alto das Missões aconteceu na cidade no dia 30 de agosto por causa da primeira

comunhão e do levantamento de um cruzeiro em frente a igreja matriz.” (tradução nossa).

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150

croce), destinato a ricordare ai Cambuhyiensi i propositi da loro fatti

durante le sante Missioni del 1912.476

Pelo mesmo missionário tomamos conhecimento de que tal atividade não se restringiu

a acontecer exclusivamente na sede, pois, no Livro do Tombo, frei Dorelli afirma que, ao final

das Santas Missões, foram levantados quatro cruzeiros: um no largo da Matriz de Cambuí (30

de Agosto); outro diante da capela de São Sebastião no bairro dos Campos (6 de Setembro);

o terceiro frente à capela de São Benedito no bairro do Rio do Peixe no mesmo dia e,

finalmente; o último cruzeiro foi erguido diante da capela do bairro dos Vazes, no dia 14 deste

mês477

. No que se refere à execução das missões em Cambuí, é interessante observarmos mais

algumas constatações feitas por frei Dorelli quando de sua realização.

Particolarità di questo consolante religioso avvenimento in

Cambuhy, furono il numerosissimo uditorio accorso, tantochè, più sere,

la vecchia ma grande Matrice fu incapace di contenere la moltitudine

venuta anche dai più eccentrici quartieri della parrocchia, dove si

sapeva che per manco di cappelle filiali non avrebbe avuto luogo la

predicazione; una straordinaria e neppur da me sognata frequenza ai

Santi Sacramenti; una memorabile prima Comunione di più che 100, tra

fanciulli e fanciulle; la rimozione di molti scandali pubblici, e l´erezione

della santa croce-ricordo(1)478

.

Neste trecho, frei Dorelli afirma novamente que tais eventos tiveram grande

participação da população, que aderiu de forma notável aos sacramentos, comportamento

diverso daquele que anteriormente havíamos registrado nas duas paróquias. A fim de entender

melhor o que este religioso nos afirma, retomamos aqui os registros do número de

sacramentos administrados durante as missões. Como já tivemos oportunidade de observar, a

realização da missão em Córrego resultou em 725 confissões e 1050 comunhões. Em

476Ibidem, p. 120-121. “Às 17 horas do mesmo dia 30 de agosto, com grande solenidade e extraordinário concurso de fiéis, depois de uma devota procissão penitencial, aconteceu o levantamento de um cruzeiro (de uma

cruz) destinado a recordar aos cambuienses os propósitos destes durante as Santas Missões de 1912”. (tradução

nossa). 477APC. Livro do Tombo da Paróquia. p. 63. 478DORELLI, E., Op. Cit. p. 120. “Particularidade deste consolante religioso acontecimento, em Cambuí foram:

o numerosíssimo auditório acorrido, tanto que em diversas tardes, a velha mas grande matriz foi incapaz de

abrigar a multidão vinda também dos ecêntricos bairros da paróquia, onde se sabia que por falta de capelas

filiais, não aconteceria a pregação; uma extraordinária e nem mesmo por mim sonhada frequência aos Santos

Sacramentos; uma memorável primeira comunhão com mais de 100, entre meninos e meninas; a remoção de

muitos escândalos públicos, e a ereção do cruzeiro.” (tradução nossa).

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151

Cambui, por sua vez, foram 1295 confissões, 1800 comunhões e 10 casamentos legitimados;

ao passo que, no bairro da Lagoa Grande, foram registrados 405 confissões, 700 comunhões e

3 casamentos legitimados; no Bairro de São Benedito do Rio do Peixe 415 confissões, 760

comunhões e 1 casamento e; finalmente, no Bairro de Nossa Senhora da Conceição dos

Vazes, foram computados 660 confissões, 1214 comunhões e 3 casamentos479

.

Mas depois de conhecermos os registros sobre as missões em nossas paróquias, o que

podemos concluir da realização destas como instrumento de doutrinação e reeducação da

população? Seriam tais resultados índices capazes de atestar que a missão cumpriu seu

objetivo de atingir todos os segmentos de tais comunidades, rural e urbana? E, finalmente, tais

resultados significam que houve nestas localidades uma mudança de comportamento rumo ao

catolicismo ultramontano, mais individualista e sacramental?

Para responder a tais perguntas, devemos pontuar uma primeira questão. De fato,

através de nossas fontes, foi possível sabermos que, nessas duas paróquias, a realização das

missões congregou multidões que, contudo, parecem ter participado de atos relativamente

severos e austeros, ao crer na utilização do sermão ao amor do Bom Jesus, na presença de

bandas e procissões, além de enfeites e muita pompa. Tal observação também foi feita por

Marcelo Camurça que, ao analisar as missões redentoristas em Minas Gerais, nos afirma que:

Se observarmos o estilo das ‘Santas Missões’ no território do

catolicismo tradicional mineiro, vamos nos surpreender com o caráter

‘exterior’ de suas pregações, ao contrário das preocupações expressas

em fomentar um estado de ‘interioridade’ nos assistentes.480

É interessante observarmos que este caráter exterior pôde ser observado também em

muitas das atividades das missões pregadas nas paróquias de Cambuí e Córrego, o que nos

leva a crer que tal postura flexível dos redentoristas frente a muitas práticas do catolicismo

local, pode ter sido assumida em face da constatação da força das práticas da religiosidade

local e para tentar se aproximar deste público, o que nos indica que as missões não

conseguiram se impor com rigor e austeridade, e que configuraram-se como um momento de

479 APC. Livro do Tombo da Paróquia. p. 63. 480

CAMURÇA, M. A “artilharia pesada” espiritual. (O embate das “Santas Missões” redentoristas com

o catolicismo tradicional mineiro em contexto de romanização no final do século XIX). São Paulo: Paulinas, 2004. p. 227. In: NETO, L. D. Das terras baixas da Holanda às montanhas de Minas: Uma

contribuição à história das missões redentoristas, durante os primeiros trinta anos de trabalho em Minas Gerais.

Tese de Doutorado em Ciências da Religião. Universidade Federal de Juiz de Fora. Instituto de Ciências

Humanas. Juiz de Fora: 2006. p. 43.

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trocas mútuas e não unicamente como imposição de príncipios e práticas austeras do

catolicismo ultramontano. Antes de concluirmos tal hipótese, contudo, devemos entender

como a missão estava estruturada.

Neste sentido, torna-se fundamental nos determos no que nos apresenta Luciano Dutra

Neto, em sua referida Tese, quando ao abordar os sermões missionários utilizados nas

missões pelos redentoristas no início do século XX, nos deixa apreender muito da dinâmica e

estrutura da missão. Com efeito, ao analisar os sermões missionários contidos no Guia do

Missionário Redentorista, manual reeditado em 1948 pelo Padre Veerger, então vice

provincial (e que contém textos de alguns dos religiosos mais antigos estabelecidos em Minas

Gerais, todos baseados em escritos de Santo Afonso de Liguori), Dutra Neto nos informa que

a missão estava estruturada em diversas etapas, que iniciavam-se com uma calorosa recepção

dos religiosos quando de sua aproximação da cidade. De acordo com o autor, o primeiro

contato entre religiosos e população acontecia neste momento. Estes então seguiam em

procissão rumo à igreja, onde pronunciavam à população a programação das atividades das

missões481

.

Se o modo como tal ato fora observado em Cambuí e em Córrego nos reafirma a

impressão de cooperação e negociação com muitas práticas do catolicismo local, devemos

ainda ver que, no sermão de abertura, segundo Luciano Dutra Neto, os missionários

empenhavam-se para despertar o interesse dos leigos pela missão e esclarecer aos mesmos

sobre a estrutura e finalidade deste evento. Para isso, os religiosos comunicavam e

enfatizavam aos paroquianos os benefícios que aqueles que se integrassem às atividades da

missão poderiam usufruir, bem como as penas que estes poderiam sofrer, se não

aproveitassem convenientemente tal evento para obter a salvação482

.

Prosseguindo em sua análise, o referido autor nos apresenta que o programa da missão

reservava ao segundo dia a pregação de um sermão, cujo objeto central era a salvação. Nesse

momento, o religioso ao citar uma recomendação de Santo Afonso, enfatizava o grave dever

que todos tinham de buscar a salvação da alma483

.

Já no terceiro dia, os missionários abordavam o pecado mortal. É interessante

notarmos que, ao transcrever um trecho do discurso citado neste guia para o terceiro dia de

481

NETO, L. D. Das terras baixas da Holanda às montanhas de Minas: Uma contribuição à história das

missões redentoristas, durante os primeiros trinta anos de trabalho em Minas Gerais. Tese de Doutorado em

Ciências da Religião. Universidade Federal de Juiz de Fora. Instituto de Ciências Humanas. Juiz de Fora: 2006.

p. 205. 482 Ibidem, p, 210. 483NETO, L. D. Loc. Cit.

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missão, Dutra Neto nos deixa apreender que, os religiosos, ao abordarem este tema,

primeiramente lembravam aos ouvintes da conveniência de conversão daqueles que cometiam

pecados mortais, que muito sofrimento poderiam causar ao leigo em vida e no inferno, após a

morte. Finalmente, era lembrada à audiência do fato de que à morte não escaparia ninguém484

.

No quarto dia, o sermão era realizado à noite e objetivava levar a audiência a meditar

sobre o juízo final. Neste momento, o missionário recordava aos paroquianos como deve

ocorrer este evento. Finalmente, após listar os comportamentos condenados à perdição, o

sermão incentivava o paroquiano a fazer um exame de consciência que devia levá-lo a

concluir sobre seu destino e a se emendar em caso de necessidade. De acordo com Camurça,

ao ser citado por Luciano Dutra Neto, o objetivo final deste sermão era levar o paroquiano a

confessar-se, o que acontecia depois de incutir medo nos ouvintes485

.

O próximo sermão constituía-se em uma pregação sobre o Inferno, na qual o

missionário afirmava a existência deste cenário, para em seguida abordar alguns dos

tormentos que ali sofria o pecador486

. Como a apontar uma luz ao final do túnel, tal sermão

tinha fecho apresentando a este pecador que também a ele era reservado uma remissão, caso

este se mostrasse arrependido, realizasse uma confissão e se convertesse, atitude que nos

lembra a concessão de indulgências que abordamos no segundo capítulo487

.

Finalmente, os missionários redentoristas visavam oferecer aos leigos as condições

necessárias para que estes pudessem obter a salvação. Para isso, eram enfatizadas as

vantagens da proteção de Nossa Senhora, bem como as condições necessárias para ser

merecedor desta proteção488

.

O programa das missões abrangia também outras atividades que não somente os

sermões. De acordo com Dutra Neto, durante os dias em que tal evento era promovido, os

missionários realizavam normalmente na manhã, junto à população, catecismo às crianças,

aos jovens e aos adultos, através do qual os redentoristas instruíam a população sobre um

ponto da doutrina e sobre o perigo de outras religiões. Além disso, os missionários também

aproveitavam estas ocasiões para tentar desarraigar superstições489

.

484 Ibidem, p. 210-211. 485CAMURÇA M., 2004 apud NETO, L. D., 2006 p. 213. 486

NETO, L. D. Das terras baixas da Holanda às montanhas de Minas: Uma contribuição à história das

missões redentoristas, durante os primeiros trinta anos de trabalho em Minas Gerais. Tese de Doutorado em

Ciências da Religião. Universidade Federal de Juiz de Fora. Instituto de Ciências Humanas. Juiz de Fora: 2006.

p. 213. 487 NETO, L. D. Loc. Cit. 488Ibidem, p. 214. 489 Ibidem, p. 218

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A promoção de procissões e a realização de confissões e comunhões gerais também

constituíam-se em atividades centrais que, de acordo com o referido autor, tinham o poder de

envolver grande percentagem da população. Ainda em referência ao que diz Dutra Neto, o

objetivo da confissão era levar o paroquiano à conversão, ou seja, à mudança de hábitos, e por

isso, o número de confissões era visto como resultado importante490

.

Ao término da missão, Dutra Neto nos afirma que era colocada na entrada da igreja

local pelos redentoristas uma cruz de madeira, pintada de preto. Ali, os missionários, além da

data de realização das missões, gravavam “Salva tua alma”491

, ato que consideramos como um

instrumento da dita pedagogia “do medo” que, neste caso, era incutido para lembrar mais uma

vez a necessidade que os leigos tinham de adequar muitos de seus costumes.

Embasados no que este autor nos apresenta, podemos crer que, com referência à

promoção da missão, os principais instrumentos utilizados pelos redentoristas foram o

incentivo à aproximação da confissão e da comunhão, a promoção de procissões e a instrução

religiosa sendo que, em muitos dos discursos veiculados pelos missionários, era utilizada uma

pedagogia “do medo” que, ao mesmo tempo em que buscava apresentar provas da existência

do inferno, apresentava caminhos de salvação que percorriam passos, em certo sentido já

conhecidos pelos leigos, como a devoção à Nossa Senhora, crença de grande força nesta

região, fato que nos aponta para o emprego de estratégias que buscavam também modificar a

relação do leigo com seus santos de devoção, visando promover mudança de atitudes e

costumes.

No que se refere à pregação, embora já tenhamos realizado algumas considerações

sobre esse tema no item anterior, pontuamos ainda outras dificuldades que, segundo Luciano

Dutra Neto, podiam se fazer sentir quando o missionário redentorista se dirigia ao público

alvo das missões. Essas, dizem respeito às dificuldades dos missionário em falar à alta voz, de

serem ouvidos por todos, à presença de pessoas desinteressadas e, finalmente, à própria

dificuldade dos missionários com a língua portuguesa492

.

Tais considerações nos ajudam a pensar a recepção dos discursos proferidos nas

missões pelos missionários aos leigos, porém, não se aplicam de modo integral ao caso das

paróquias que aqui analisamos. Embora não tenhamos podido identificar todos os religiosos

redentoristas que participaram da missão em nossa região, através da tese de Luciano Dutra

Neto foi possível identificarmos um religioso de nome Affonso Mathissen, que nos parece ser

490 NETO, L. D. Loc. Cit. 491Ibidem, p. 210. 492 Ibidem, p. 217.

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o padre que, em 1912, atuou em Córrego e em Cambuí. Tal missionário, de acordo com Dutra

Neto, foi um pioneiro do primeiro grupo que fixou-se em Juiz de Fora em 1894, e que

portanto, em 1911, já era experiente em missões e com a língua portuguesa.

Cientes das especificidades e dinâmica da missão, o que pode nos representar o

número de sacramentos contabilizados ao fim das missões? Nesta análise, primeiramente

consideraremos o que o próprio frei Dorelli nos esclarece sobre o método de contabilização

dos sacramentos como indicador do sucesso da missão:

Avendo i due reverendi Missionari il costume di contare, con una

specie di rosario movibile, il numero delle confessioni, e di far contare

dal sagrestano le particole consacrate, fu facile stabilire il preciso delle

sante Missioni. In se non fu un gran che; ma relativamente alla vita di

questo popolo, da me abbastanza descritta in antecedenti mie relazioni

al Carmelo, fu molto, anzi moltissimo, ed è da ringraziarne Dio

benedetto con la fronte a terra493

.

Através dessa exposição, podemos perceber que os instrumentos usados na

contabilização dos sacramentos eram imprecisos e inseguros, e tal percepção, sem dúvida, nos

ajuda a melhor analisar os números gerados ao final das missões em ambas as paróquias. De

fato, se os números obtidos em Córrego podem, à primeira vista, parecer surpreendentes, o

mesmo não acontece em Cambuí, paróquia que nesse período havia uma população estimada

em 16.000 habitantes.

Mas podemos creditar a tais cifras a faculdade de qualificar comportamentos dos

adeptos do catolicismo ultramontano e sacramental? Após nossa análise, podemos concluir

que essa missão alcançou seu objetivo de mudar costumes?

Se considerarmos que essa foi a única missão pregada em todo o período de gestão

teresiana (1911-1922), que devia acontecer, de acordo com a Pastotal Coletiva de 1911, pelo

menos de três em três anos; se considerarmos ainda que alguns dos métodos da missão, longe

de pretender impor comportamentos austeros, se utilizou de práticas presentes nas formas de

religiosidade local a fim de se aproximar do “povo”; se considerarmos que, conforme já

493DORELLI, E. Tre consolante avvenimenti nella nostra Missione brasiliana. Il Carmelo, p. 118-121. “Tendo

os dois reverendos Missionários, o costume de contar, com a espécie de um rosário móvel, o número das

confissões, e de fazer contar pelo sacristão, as partículas consagradas, foi fácil estabelecer um preciso

‘’balancete’’ das santas Missões. Em si, não foi grande coisa mas em relação à vida deste povo, por mim

bastante descrita em antecedentes relatórios no Carmelo, foi muito, muitíssimo, e é para se agradecer a Deus

bendito beijando o chão por este fato.”

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vimos anteriormente, muitas das novas práticas apresentadas aos leigos destas paróquias neste

período não eram recebidas e interpretadas como a hierarquia desejava, mas de acordo com

uma carga de conhecimentos e vivência de cada individuo; se considerarmos a imprecisão do

método de contabilização usado para registrar o número de sacramentos administrados nas

missões, se considerarmos que os números de sacramentos gerados ao final das missões não

se mantêm nos anos vindouros com o mesmo vigor e, finalmente; se recordarmos que a

missão se utilizava de uma pedagogia que incutia nos leigos o medo para incentivá-los a

mudar costumes, então podemos nos arriscar em uma hipótese: diante de tal cenário, somos

levados a crer que tal instrumento não foi capaz de mudar comportamentos antigos e

arraigados nestas populações. Ao emitirmos tal parecer, nos recordamos da persistência de

antigas práticas culturais e religiosas nos anos que se seguem a 1912 em ambas as paróquias,

ou seja, a manutenção de muitas festas religiosas locais, a dificuldade da criação de

associações pias, a rejeição das populações locais às novas devoções trazidas pelos teresianos,

entre outros. Contudo, temos de admitir que tais momentos configuraram-se como ocasiões de

intenso intercâmbio entre práticas do catolicismo local e do catolicismo ultramontano, que

continuamos aqui a analisar.

3.5- Entre o Preceito e a Prática: a Ação Pelos Sacramentos

Após analisarmos os esforços de instrução religiosa operados pelos teresianos através

da celebração da missa, do ensino e instrução religiosa e da promoção de santas missões,

chegamos finalmente à questão dos sacramentos.

No decorrer de nossa pesquisa, por diversas vezes nos deparamos com registros sobre

a contabilização e especificação dos sacramentos administrados em nossas paróquias em

ocasiões diversas, dados estes que emergem de anotações realizadas pelas autoridades

diocesanas e pelos teresianos.

Trata-se de uma prática que deveria se fazer presente em vários momentos, ao longo

da vida do paroquiano, como o nascimento, confirmação, casamento e óbito, e ainda como

parte integrante de sua conduta como católico durante os atos religiosos, nas santas missões,

nas visitas pastorais, entre outros, mas que nem sempre foi observada nessas paróquias.

Neste ponto, portanto, analisamos atentamente esta questão, que se nos afigura como

uma das ações centrais de doutrinação empreendidas junto a essas populações, ou seja, a ação

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desenvolvida pelos teresianos e autoridades diocesanas para estimular entre os leigos a prática

e frequência aos sacramentos.

Para entendermos tal ação, é necessário compreedermos, inicialmente, o cenário ali

encontrado nesse âmbito, e para nos aproximarmos deste objetivo, nos utilizamos

especialmente dos dados anotados nos Livros do Tombo de Cambuí e de Córrego, das

crônicas de Frei Dorelli e de frei Nicolò, além das Pastorais Coletivas de 1910 e de 1915 e das

Actas e Decretos do Concilio Plenário Latino Americano.

Com efeito, o primeiro registro que temos para iniciarmos a reflexão a este respeito foi

efetuado por ocasião da primeira visita pastoral de Dom Assis às referidas paróquias, em

agosto de 1911, quando se observou um número escasso de sacramentos, conforme já tivemos

ocasião de acompanhar.

Foi nesse contexto que percebemos a utilização de uma habilidosa estratégia por parte

da autoridade diocesana para buscar reverter tal quadro: a concessão de indulgências plenárias

e parciais de Pio X ao Santuário do Senhor Bom Jesus do Córrego. Essa não foi a única

estratégia utilizada já nos primeiros tempos para tentar difundir tal prática. A realização das

Santas Missões em 1912 se nos afigurou como mais uma tentativa destinada a elevar a

frequência aos sacramentos nessa região.

Ora, teriam estas estratégias gerado os resultados esperados? No que refere-se à

atuação teresiana em 1911, devemos notar que esta efetivou-se em nove meses de trabalho,

sendo que, nesse período, de acordo com o que fora registrado por frei Bindi em seu Relatório

da Paróquia de Bom Jesus do Córrego de 1911, nesta localidade foram administrados 148

batizados, 65 extremaunções, 34 matrimonios, sendo 2 destes em visita pastoral494

.

Em Cambuí, no que se refere ao número de sacramentos em 1911, não temos um

relatório anual. É, pois, o termo da visita pastoral de Dom Assis, em 1911, a única fonte que

temos para observar este aspecto e, por meio deste sabemos que os sacramentos administrados

na visita de Dom Assis foram mais escassos, pois “Chrismaram-se: 184, Casaram-se: 0,

Comungaram: 9 fiéis”, diante de uma população estimada de 16 mil habitantes495

.

Esses primeiros dados nos esclarecem que, em Córrego e em Cambuí, uma ação de

incentivo à frequência aos sacramentos foi difícil. No caso da paróquia de Cambuí, frei

Dorelli, por meio de crônicas publicadas no periódico ilustrado Il Carmelo, nos evidenciou

muito de seu trabalho realizado neste âmbito, sendo que a este respeito, nos explica que:

494APCBJ. Livro do Tombo da Paróquia. p. 11. 495Ibidem, p. 58- 58v.

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Nei primi mesi, dopo il possesso parrocchiale, mi provai a scuotere

con ripetuti avvisi il popolo, ricordandomi delle parole dell`Apostolo:

<<Obsecra, insta opportune importune>>. Ma che? Ne risultò un effetto

contrario. Il popolo non gradi affatto le ammonizioni insistenti, e seppi

da persona benevola che, se non avessi desistito a tempo da

quell`inculcare costantemente la Confessione annuale e la Comunione

pasquale, sarebbe stata fin pur compromessa la mia ulteriore

permanenza in Cambuhy! E a Corrego le cose non vanno

diversamente496

.

O trecho que acima reproduzimos nos esclarece muito sobre o comportamento da

população da sede da paróquia no início da gestão teresiana. Frei Dorelli nos informa da

pouca frequência por parte dos paroquianos à comunhão e do incômodo causado à população

de Cambuí pela insistente admoestação do missionário, que visou instruir seus paroquianos

sobre a importância desta prática. Ainda percebemos que, diante da situação conflituosa que

se gerou em torno da frequência a este sacramento, há um recuo do teresiano, atitude que foi

motivada por um aviso.

O distanciamento de tais práticas foi também alvo da análise do mesmo missionário

durante sua visita ao bairro dos Campos, por ocasião das festas de São Sebastião e de São

Bento (celebradas em abril de 1911) e durante o Mês Mariano de 1911, realizado na sede de

Cambuí. Sobre a frequência aos sacramentos, de modo geral durante estes eventos, assim se

manifesta respectivamente frei Dorelli:

Fra tanta esteriore divozione però è sempre a lamentarsi la poca e

quasi nulla frequenza ai Sacramenti della Confessione e Comunione.

Creda, Padre, che questo ci accora, avendo il popolo preso l´abito

dell´astensione del tribunale di penitenza da molti e molti anni497

.

496DORELLI, E. Noterelle brasiliane. Il Carmelo p. 79-85. “Nos primeiros meses, depois da posse paroquial,

tentei impressionar o povo com repetidos avisos recordando-me das palavras do Apostolo: ‘’Eu te conjuro diante

de Deus que pregues as verdades religiosas, que instes oportuna e importunamente: que repreendas, rogues,

admoestes com toda a paciência e doutrina. Mas o que? Tais palavras resultaram efeito contrário. O povo não

apreciou as admoestações insistentes e soube por pessoa benévola que, se eu não tivesse desistido a tempo, de

inculcar constantemente a Confissão anual e a Comunhão pascal, seria até comprometida minha permanencia em

Cambuí! E em Córrego as coisas não são diferentes.” (tradução nossa). 497Ibibidem, p. 81. “Entre tanta devoção exterior, porém, é sempre para lamentar a pouca e quase nula frequência

aos Sacramentos da Confissão e Comunhão. Acredite, Padre, que isso nos amargura, tendo o povo perdido o

hábito da abstenção do tribunal de penitência há anos e muitos anos.” (tradução nossa).

Page 174: “il tanto vantato cattolicismo del Sul de Minas” · AGRADECIMENTOS A realização desta pesquisa tornou-se possível graças ao apoio recebido de diversas pessoas e instituições

159

Una nota stonata, in mezzo a tanta devozione, fu la scarsezza, e

quasi l´assoluta mancanza, di confessioni e Comunioni. Non mi

sembrava vero: ma perchè?. Purtroppo, per mancanza di confessori, e

per altre cause che qui è inutile ricordare, il popolo di Cambuhy ha

perduto il gusto e l´uso del sacro Tribunale di penitenza, e

conseguentemente della Mensa eucaristica...498

Neste ponto, é forçoso reconhecermos que, em ambos os relatos, é dado destaque aos

atos marcados por atitudes de exteriorização de fé, valorizados contudo, como expressão da

catolicidade da população, enquanto a pouca frequência à comunhão é apresentada como

oposto da prática “católica”.

As razões alegadas pelo missionário para isso ocorrer, ou seja, “a falta de confessores

e outras causas inúteis de recordar”499

não nos convencem de tal fato, mas antes, nos

evidenciam a pouca utilidade que os sacramentos tinham então para essas populações, uma

vez que, conforme já vimos, a base do catolicismo local parece estar assentada em uma

relação direta entre santo e devoto, que dispensaria, muitas vezes, a intervenção de atos

geridos pelo clero, conforme já vimos no segundo capítulo.

Antes de afirmarmos tal hipótese, buscaremos entender, em primeiro lugar, no que

consistiam os sacramentos e o que a este respeito nos colocaram as autoridades de então, para

finalmente nos debruçarmos sobre nossa realidade local.

Com a finalidade de entendermos o que a hierarquia católica considerava sobre a

frequência aos sacramentos, nos voltamos à Pastoral Coletiva de 1911. A importância central

dos sacramentos dentro do projeto de reforma da Igreja no Brasil vista nesse período,

principalmente através das disposições encontradas nas Pastorais Coletivas de 1911 e de

1915, é inquestionável e ocupa todo o título II destes volumes. Este documento, a respeito dos

sacramentos, nos apresenta que:

É missão principal dos párocos procurar a santificação das almas

pela exacta e escrupulosa administração dos sacramentos. Não basta

instruir seus paroquianos nas cousas necessárias à salvação; é necessário

498DORELLI, E. Noterelle brasiliane. Il Carmelo. p. 216-218. “Uma nota desafinada , em meio a tanta devoção,

foi a escassez, e quase absoluta ausência, de confissões e Comunhões. Não me parecia real: mas por que?

Infelizmente, por falta de confessores, e por outras causas que aqui são inúteis recordar, o povo de Cambuí

perdeu o gosto e o uso do santo Tribunal de penitência e consequentemente do banquete eucarístico” .(tradução

nossa). 499 DORELLI, E. Loc. Cit.

Page 175: “il tanto vantato cattolicismo del Sul de Minas” · AGRADECIMENTOS A realização desta pesquisa tornou-se possível graças ao apoio recebido de diversas pessoas e instituições

160

administrar-lhes os sacramentos que são fontes puríssimas e

abundandissimas estabelecidas pelo nosso divino redentor para

purificar e santificar as almas com suas aguas salutares.500

Tal definição não nos apresenta somente a necessidade de que o padre, como função

hierarquizada tem, de instruir seus paroquianos sobre os sacramentos, mas delineia de modo

claro o lugar dos sacramentos como instrumento capaz de qualificar comportamentos. Ao

continuarmos a leitura desse documento, vemos que, diante de tal importância, cabe ao clero,

entre outros:

Ensinem frequentemente os Revds. Parochos ao povo que sete são

os sacramentos da Santa Madre Egreja, e que todos foram instituídos

por Jesus Christo Nosso Senhor, para aplicar ás almas os fructos da

redempção, e que todos eles são uteis e necessários, uns aos homens

tomados individualmente, outros é sociedade em geral.501

Façam compreender que na Egreja nada há de mais santo mais

venerável e mais divino que os sacramentos instituídos por Nosso

Senhor para a salvação do gênero humano502

.

Sejam (...) pressurosos em administrar os sacramentos a todos os

que desejarem recebel-os, sem distinção de pessôas. Sempre que forem

chamados para administral-os, não interponham nenhuma demora,

principalmente se houver necessidade urgente503

.

Procurando attrahir á pratica dos sacramentos os que deles vivem

afastados, lembrando-lhes que os mesmos foram instituídos por Nosso

Senhor Jesus Christo para auxiliar a fraqueza humana, não exigindo

disposições extraordinárias; ensinem sua natureza, os efeitos próprios

de cada um e as disposições necessárias e suficientes para recebel-os.504

500EPISCOPADO BRASILEIRO. Pastoral Collectiva dos Senhores Arcebispos e Bispos das Províncias

Ecclesiasticas de S. Sebastião do Rio de Janeiro, Marianna, S. Paulo, Cuyabá e Porto Alegre: Communicando ao clero a aos fieis o resultado das Conferências Episcopais realisadas na cidade de S. Paulo de

25 de setembro a 10 de outubro de 1910. Rio de Janeiro: Typographia Leuzinger, 1911. p. 31. 501EPISCOPADO BRASILEIRO. Loc. Cit. 502Ibidem, p. 31-32. 503Ibidem, p. 32. 504Ibidem, p. 32- 33.

Page 176: “il tanto vantato cattolicismo del Sul de Minas” · AGRADECIMENTOS A realização desta pesquisa tornou-se possível graças ao apoio recebido de diversas pessoas e instituições

161

Através dessas disposições, observamos que grande atenção foi dada à necessidade de

instruir as populações sobre a importância de tal prática, o que nos leva a crer que o

conhecimento de sua finalidade não estava claro ao seu público alvo. De fato, tais

constatações foram apreendidas quando esse documento nos assevera a necessidade que os

padres tinham de ensinar o tipo, o propósito e a eficácia de cada um, bem como as condições

necessárias aos leigos para recebê-los.

A fim de entendermos melhor este posicionamento, é conveniente nos direcionarmos

às Atas do Concilio Plenário Latino Americano, as quais ao discorrer sobre os sacramentos,

nos apresentam que:

Sabemos que hay siete Sacramentos, ni más, ni menos, instituídos

por Cristo Nuestro Señor, à saber: Bautismo, Confirmación, Eucaristía,

Penitencia, Extrema Unción, Orden y Matrimonio, muy diferentes de

los Sacramentos de la antigua Ley. Aquellos no causaban gracia, y sólo

significaban que se había por conferir de la Pasión de Cristo: los

nuestros contienen la gracia, y la confieren á los que dignamente los

reciben; y por tanto, rectamente se definen: <<cosas sujetas á los

sentidos, que por institución de Dios tienen la virtud de significar y de

causar la santidade y ça justicia>>.505

O trecho acima transcrito nos confirma a percepção de que os sacramentos eram tidos

como graças concedidas àqueles que dignamente os pudessem receber. Porém, não nos

explica a sua natureza e finalidade, e a esse respeito, é interessante observarmos que o mesmo

documento nos apresenta que:

Los cinco primeros est’n ordenados para la perfección espiritual

de cada hombre em sí misto, los dos últimos para el gobierno e

multiplicación de toda la Iglesia. Por el Bautismo renascemos

espiritualmente, por la Confirmación cracemos en gracia y nos

505EPISCOPADO LATINO AMERICANO. Actas y Decretos del Concilio Plenario de la América Latina.

Roma: Tip. Vaticana, 1906. p. 267- 268. “Sabemos que existem sete Sacramentos, nem mais, nem menos,

instituídos por Cristo Nosso Senhor, a saber: Batismo, Confirmação, Eucaristia, Penitência, extrema Unção,

Ordem e Matrimônio, muito diferentes dos Sacramentos da antiga Lei. Aqueles não causavam graça e somente

significavam que se havia de confirmar a Paixão de Cristo. Os nossos contém a graça, e a conferem aos que

dignamente os recebem, e portanto retamente se definem: coisas sujeitas aos sentidos, que por instituição de

Deus tem a virtude de significar e de causar a santidade e a justiça.” (tradução nossa).

Page 177: “il tanto vantato cattolicismo del Sul de Minas” · AGRADECIMENTOS A realização desta pesquisa tornou-se possível graças ao apoio recebido de diversas pessoas e instituições

162

robustecemos em la fe; renascidos y robustecidos, nos nutrimos con el

divino alimento de la Eucaristía; si el pecado enferma nuestra alma,

sanamos com la Penitencia: y purificados por el Sacramento de la

Extrema Unción de los restos del pecado, quedamos preparados para

entrar em la eterna gloria. Los dos Sacramentos del Orden y del

Matrimonio, se refieren el primero al gobierno y santificación de la

sociedade de los fieles, el segundo á santificar la propagación misma de

la humana família.506

Cientes da significação desses sacramentos para a Igreja, e cientes dos aspectos que

nos foram apresentados por frei Dorelli e registrados por frei Bindi, cabe-nos notar o grande

distanciamento que marcou a frequência ideal e o relacionamento que os leigos destas

paróquias têm com tal prática neste período.

Não obstante, ainda devemos recordar que, de acordo com frei Dorelli, a população de

Cambuí tinha mais dificuldade com dois sacramentos: a penitência e a comunhão,

comportamento que também pôde ser apreendido em Córrego do Bom Jesus através da

ausência total de comunhões no Relatório Anual de 1911.

Diante deste quadro, é preciso colocarmos uma questão. No decorrer da década, como

aconteceu a ofensiva teresiana frente a este cenário, marcado pela pouca valorização dos

sacramentos por parte das populações locais que, de modo especial, apresentaram mais

problemas com a penitência e com a comunhão?

Na paróquia de Córrego do Bom Jesus, podemos notar que os índices gerados em

1911 não apontam para o fato de ter ocorrido uma melhoria nesse quadro por meio da

concessão de indulgências plenárias e parciais e, se verificarmos os dados que conseguimos

localizar de 1921, último registro efetuado junto ao Livro do Tombo de Córrego, veremos

que, naquele ano, foram contabilizados 166 batismos, 35 crismas, 1108 comunhões, 80

extrema unções e 28 matrimônios.

Nesta paróquia, portanto, se colocarmos lado a lado os números gerados em 1911 e

aqueles de 1921, percebemos que estes não apresentam grandes alterações, a não ser pelas

506EPISCOPADO LATINO AMERICANO. Loc. Cit. “Os cinco primeiros estão ordenados para a perfeição

espiritual de cada homem em si mesmo, os dois últimos para o governo e multiplicação de toda a igreja. Pelo

Batismo renascemos espiritualmente, pela confirmação crescemos em graça e nos robustecemos na fé;

renascidos e robustecidos, nos nutrimos com o divino alimento da eucaristia; se o pecado enferma nossa alma,

sanamos com a Penitência; e purificados pelo Sacramento da Extrema unção dos restos do pecado, caímos

preparados para entrar na eterna gloria. Os dois sacramentos da Ordem e do Casamento, se referem ao governo e

santificação da sociedade dos fieis, o segundo à santificar a propagação mesma da família humana”.

Page 178: “il tanto vantato cattolicismo del Sul de Minas” · AGRADECIMENTOS A realização desta pesquisa tornou-se possível graças ao apoio recebido de diversas pessoas e instituições

163

cifras que representam as comunhões administradas durante o ano, que passaram de 160 em

visita pastoral e 0 no resto do ano em 1911, para 1108 em 1921, ou seja, um aumento de

quase 7 vezes o número inicial. Sobre esta cifra da comunhão, é preciso considerarmos que,

no período de 1920 até 1921, quando os teresianos administram esta paróquia a partir de

Cambuí, é considerável a queda deste número que, ao que tudo indica, foi zerado em 1922

pela ausência de um padre ou encarregado nesta paróquia, conforme já vimos.

Já em Cambuí, onde relatórios anuais foram raros e não noticiaram os últimos anos da

presença dos carmelitas descalços, vemos através dos registros efetuados por frei Nicolò,

pároco de Cambuí em 1918, que, naquele ano, ocorreram “387 batisados, 57 casamentos, 152

obitos, receberam o viatico 38 pessoas, foram extremadas 39 e encomendatas 150 (...) 6521

Confissões e 6897 Communhões”507

. Nesta localidade, por sua vez, foi possível verificarmos

que, em sete anos, o número de comunhões passa de 9, computadas por Dom Assis na sua

visita pastoral de agosto daquele 1911, para 6897 comunhões, que foram registradas por

Nicolò durante o ano de 1918, ou seja, um aumento de 776 vezes508

.

A disparidade de algumas destas cifras nos chamou a atenção para a necessidade de

um aprofundamento desta análise. Com efeito, acreditamos que esta ação nos possibilitará

entender mais do trabalho pastoral teresiano e do comportamento das populações desssas

paróquias em relação aos sacramentos.

Para assim procedermos, recolhemos e ordenamos os números gerados no decorrer da

década por frei Bindi, pároco de Córrego no período de 1911 até 1921, último ano em que

temos o registro de tais relatórios junto ao Livro do Tombo, e aquilo que conseguimos saber

sobre tais dados em Cambuí, a partir dos registros efetuados também no Livro do Tombo

desta paróquia.

3.6- Por Um Balanço dos Sacramentos

Com a finalidade de entender como essas populações vivenciaram a ação de

admoestação realizada pelos carmelitas descalços pela frequência aos sacramentos no

decorrer do período de gestão teresiana, iniciamos nossa análise pelo quadro de sacramentos

do batismo contabilizados neste período por frei Bindi, na paróquia de Córrego do Bom Jesus,

507APC. Livro do Tombo da Paróquia. p. 83v- 84. 508 Ibidem, p. 84.

Page 179: “il tanto vantato cattolicismo del Sul de Minas” · AGRADECIMENTOS A realização desta pesquisa tornou-se possível graças ao apoio recebido de diversas pessoas e instituições

164

onde temos tal registro de 1911 até 1921. No que refere-se a 1922, lembramos que a paróquia

de Córrego neste ano permaneceu sem pároco e, portanto, sem relatório ou registro sobre os

sacramentos.

Gráfico 1- Batismos realizados na Paróquia de Córrego do Bom Jesus no período de 1911 até 1921

Conforme já sinalizamos, devemos considerar que os números gerados em 1911 dizem

respeito a nove meses de gestão teresiana, sendo que, neste período, temos 148 batizados

registrados, número não muito diferente do índice gerado ao final de 1921, quando foram

contabilizados por frei Bindi 166.

Se comparado com as cifras do primeiro ano (de nove meses), podemos verificar que,

em 1912, houve uma elevação de 18 batizados, número que não deve ser visto como aumento

considerável do alcance da ação teresiana neste campo, uma vez que, em 1912, o trabalho

pastoral foi realizado durante todo o ano.

Nos anos seguintes, podemos perceber uma leve diminuição desses índices que,

somente voltaram a elevar-se em 1916 (quando são registrados 198 batizados), para

finalmente alcançar seu maior índice em 1917, quando foram registrados por Bindi 211

batizados509

.

Ainda com relação ao ano de 1917, é preciso que apontemos para o fato de que, de

acordo com o disposto por frei Bindi em seu Relatório Anual, a atuação teresiana no que se

509 APCJB. Livro do Tombo da Paróquia. p. 40v-43v.

0

20

40

60

80

100

120

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180

200

220

1911 1912 1913 1914 1915 1916 1917 1918 1919 1920 1921

me

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atis

mo

s

Ano

Batismos realizados em Córrego no período de 1911 até 1921

Page 180: “il tanto vantato cattolicismo del Sul de Minas” · AGRADECIMENTOS A realização desta pesquisa tornou-se possível graças ao apoio recebido de diversas pessoas e instituições

165

refere ao batismo aconteceu também fora da matriz. Nesse ano, registraram-se 13 batizados

nas capelas, ação contudo, que não conseguiu explicar tamanha elevação.

Tal fato, ou seja, a administração do batismo em capelas rurais da paróquia, também

pôde ser observada no decorrer dos próximos três anos que seguem-se a 1917, quando

assistimos novamente a uma queda significativa do número de batizados, que chegou a atingir

em 1920, 156 batismos, até que, em 1921, alcança um aumento discreto de 10 batizados em

relação ao ano anterior510

.

Não obstante, é do último relatório anual, de autoria de frei Bindi, que conseguimos

ainda extrair valioso dado para esta análise, pois tal documento, ao registrar sob o item

“Registro civil” a taxa de 136 nascimentos e, ao apontar que na paróquia foram registrados

166 batizados, nos evidencia que, naquele ano, a população se aproximou mais da instituição

católica que da autoridade civil para registrar os nascimentos nessa localidade verificados511

.

Com relação a estes números, é preciso considerarmos que, devido à grande extensão

da paróquia, não podemos acreditar que tais cifras representem a totalidade de batizados ali

verificados, e essa constatação não esgota as considerações que a esse respeito devemos fazer.

As Pastorais Coletivas de 1911512

e de 1915513

, ao repreenderem o hábito então corrente dos

pais de só levarem seus filhos à igreja depois de encontrarem apropriado padrinho para a

criança ou outros motivos, nos demonstra que, de igual modo, não podemos pensar que estes

índices representem o batismo exclusivo de recém nascidos.

Com relação ao quadro de batismos no decorrer dos anos de 1911 até 1921, podemos

considerar que houve, naquele período, uma elevação (ainda que pouco significativa de tais

índices), o que nos aponta menos para a eficácia e sucesso de uma ação de admoestação pela

frequência a este sacramento, do que para a elevação da taxa de natalidade nesta localidade,

que passa de 3000 habitantes em 1911 para 5400 em 1921514

.

Sobre os registros desse sacramento na paróquia de Cambuí, é interessante

observarmos que, segundo os dados dispostos no Movimento Parochial de 1915515

e no

510 Ibidem, p. 42-53. 511 Ibidem, p. 52v-53. 512

EPISCOPADO BRASILEIRO. Pastoral Collectiva dos Senhores Arcebispos e Bispos das Províncias

Ecclesiasticas de S. Sebastião do Rio de Janeiro, Marianna, S. Paulo, Cuyabá e Porto Alegre:

Communicando ao clero a aos fieis o resultado das Conferências episcopais realisadasna cidade de S. Paulo de

25 de setembro a 10 de outubro de 1910. Rio de Janeiro: Typographia Leuzinger, 1911. p. 33-34. 513 Ibidem, p. 39-40. 514 APCBJ. Livro do Tombo da Paróquia. 515APC. Livro do Tombo da Paróquia. p. 92v.

Page 181: “il tanto vantato cattolicismo del Sul de Minas” · AGRADECIMENTOS A realização desta pesquisa tornou-se possível graças ao apoio recebido de diversas pessoas e instituições

166

Relatorio Parochial do anno de 1918516

, ali foram contabilizados respectivamente 380 e 387

batizados nesses anos.

Finalmente, sobre tais índices devemos pontuar que, é inevitável a constatação da

elevação do número de batismos administrados no período de gestão teresiana. Contudo,

devemos observar que, se para a Igreja o batismo era visto como meio de introduzir o cristão

na religião católica e também como um meio de selar a influência da Igreja na sociedade com

crescente influxo de ideologias “perigosas”, este sacramento nos esconde ainda dois aspectos:

o primeiro, é a taxa de mortalidade de crianças, e o outro, é a própria significação deste

sacramento para a população que, segundo a referida Pastoral Coletiva, considerava tal ação

como parte importante da introdução do recém nascido não na doutrina católica, da qual o

pequeno não tem ainda consciência, mas na sociedade civil e nas relações de poder que

marcam essas sociedades neste período, e onde o apadrinhamento é um forte laço.

A fim de continuarmos nossa análise, nos direcionamos às cifras que representam o

número de extremas-unções administradas no período de gestão teresiana em Córrego. Ao nos

revelar o número anual de óbitos e o número de extremas-unções verificadas no decorrer

desses anos, tal registro destaca-se como valioso recurso para nos propiciar a compreensão da

diferença que se apresenta entre a totalidade de mortos e aqueles que contaram com esta

assistência religiosa oferecida pelos carmelitas descalços, conforme vemos a seguir:

Gráfico 2- Óbitos e extremas-unções registrados na Paróquia de Córrego do Bom Jesus no período de

1913 até 1921

516Ibidem, p. 83v 84.

0

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me

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bti

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e ex

tre

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un

ção

Ano

Óbitos e extremas-unções registrados no Córrego no período de 1913 até 1921

óbitos

ext. unção

Page 182: “il tanto vantato cattolicismo del Sul de Minas” · AGRADECIMENTOS A realização desta pesquisa tornou-se possível graças ao apoio recebido de diversas pessoas e instituições

167

A respeito deste gráfico, a primeira questão a pontuarmos é que, devida a imprecisão

de frei Bindi com relação aos índices de 1911 e de 1912, decidimos por iniciar a

representação dos índices gerados a partir de 1913. Tal decisão foi tomada uma vez que nos

Relatórios Anuais desses dois primeiros anos, no que refere-se à administração da extrema-

unção, frei Bindi nos informou que “todos receberam o Viático e a extrema Unção,

exceptuados um suicida e alguns, que morreram de repente”517

, informações que não nos

permitiram chegar a números exatos.

Nesse período, é nítida a disparidade entre o número de mortos e aqueles que

conseguiram receber tal sacramento e, se repararmos em 1913, veremos neste índice o

segundo maior distanciamento entre mortos e extremados, cifra que só é superada em 1919,

quando observamos a 105 mortos e apenas 23 extrema unções.

Podemos ainda observar durante toda a década que tal disparidade repete-se com

menor força em 1920, quando atinge 37 óbitos e 25 extremados, para finalmente voltar a

apresentar grande diferença no ano seguinte, quando frei Bindi registrou 80 mortos e 34

extremados.

Já na paróquia de Cambuí, possuimos somente referências sobre três anos, sendo estes

1915, 1916 e 1918, quando sabemos que tal trabalho foi pouco representativo, pois nos

apresentou respectivamente as cifras de 39 extrema-unções frente a 118 mortos no primeiro

ano; a 54 extrema-unções e 188 mortos em 1916 e, finalmente; a 39 extrema-unções frente a

152 mortos no ano de 1918, números que ainda devem ser pensados diante de uma população

de 16.000 habitantes e onde observamos um tímido influxo e presença de protestantes518

.

Sobre o grande distanciamento que se evidencia entre os números de óbitos e os

sacramentos da extrema-unção contabilizados nas duas paróquias, devemos pontuar algumas

considerações. A primeira diz respeito ao fato de que tratava-se de um sacramento destinado,

segundo a Pastoral Coletiva de 1911, especialmente aos enfermos, que deveria ser visto como

um remédio para o corpo e para a alma. Ao observarmos a finalidade deste sacramento, é

interessante notarmos que tal documento estipula que o mesmo serve para diversas situações:

para “bem morrer, traz allívio ás dôres e afflicções da molestia, dá-lhe paciencia para

supportal-as, e até, muitas vezes, lhe restitui a saúde corporal”519

.

517APCBJ. Livro do Tombo da Paróquia. p. 11. 518 APC. Livro do Tombo da Paróquia. 519EPISCOPADO BRASILEIRO. Pastoral Collectiva dos Senhores Arcebispos e Bispos das Províncias

Ecclesiasticas de S. Sebastião do Rio de Janeiro, Marianna, S. Paulo, Cuyabá e Porto Alegre:

Page 183: “il tanto vantato cattolicismo del Sul de Minas” · AGRADECIMENTOS A realização desta pesquisa tornou-se possível graças ao apoio recebido de diversas pessoas e instituições

168

Tal documento reconhece que nem sempre estas atribuições eram compreendidas

“pelo povo” pois, ao enfatizar a necessidade dos párocos de combater com veemência o

preconceito disseminado entre os leigos de acreditar “que a administração desse sacramento

segue-se necessariamente à morte”520

, o mesmo documento nos confessa que em torno de tal

prática residia um medo que afastava os paroquianos de seu recebimento. Ora, somos levados

a crer que o bem morrer não estava associado necessariamente à adesão a este sacramento.

Deste modo, no que se refere às cifras colhidas nos arquivos das paróquias de Cambuí

e de Córrego, podemos novamente constatar a pouca importância desse sacramento para os

habitantes dessas localidades, o que pode ser visto no distanciamento entre o número de

óbitos efetuados em relação àqueles que receberam assistência religiosa.

No entanto, a fim de prosseguir nossa análise, devemos acompanhar os registros a

respeito dos demais sacramentos efetuados no decorrer dos anos de 1911 até 1921, o que

faremos em seguida, a partir dos registros de matrimônios na paróquia de Córrego do Bom

Jesus.

Gráfico 3- Matrimônios realizados na Paróquia de Córrego do Bom Jesus no período de 1911 até 1921

Communicando ao clero a aos fieis o resultado das Conferências Episcopais realisadas na cidade de S. Paulo de

25 de setembro a 10 de outubro de 1910. Rio de Janeiro: Typographia Leuzinger, 1911. p. 64. 520EPISCOPADO BRASILEIRO. Loc. Cit.

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nio

s

Ano

Matrimônios realizados em Córrego no período 1911 até 1921

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169

No que se refere ao quadro da administração do sacramento do matrimônio, (definido

pela Pastoral Coletiva de 1911 como “base da sociedade doméstica, cujo vinculo é

indissolúvel e perpétuo”521

), verificamos em Córrego durante os anos de paroquiato teresiano

que, o crescimento verificado nos três primeiros anos, quando o máximo atingido é de 54

matrimônios em 1913, sofre uma queda drástica nos anos de 1914 e 1915, quando chega a 28

matrimônios, número até então mais baixo registrado nos primeiros anos.

No ano seguinte, em 1916, observamos o registro de 55 matrimônios, número que não

foi superado durante a administração teresiana desta paróquia. Tal cifra, no entanto, cai

novamente pelos dois anos seguintes para esboçar um pequeno aumento em 1919, quando

atinge 34 matrimônios, número que nos dois últimos anos volta a cair.

Os números conseguidos em Cambuí curiosamente também nos apontam para o fato

de que, em 1916, foram alcançados os maiores índices deste sacramento. Através dos dados

obtidos no Movimento Parochial de 1915522

, no Movimento Parochial de 1916523

e no

Relatório Parochial do anno de 1918524

, podemos verificar que, em 1915, foram 70

matrimônios, ao passo que, em 1916, foram 117, e em 1918, foram 57. Nesse aspecto, não

dispomos de outros dados que nos permitam ver a adesão da população ao casamento civil, a

não ser em 1921, em Córrego, quando tivemos 28 casamentos no “religioso” e 22 no “civil”,

dados que nos mostram mais uma vez que a população estava mais próxima da Igreja que do

procedimento do Estado laico.

Seriam tais números representativos da totalidade de uniões verificadas nestas

paróquias? Apesar de sabermos que os teresianos se empenharam por facilitar a adesão da

população a esse sacramento, o que deu-se com a realização de casamentos nas capelas rurais

e nas santas missões, não podemos acreditar que tal esforço tenha conseguido abarcar a

totalidade da população que contraiu vínculos estáveis neste período, pois a crer nas

estimativas da população neste período e a grande extensão territorial dessas paroquias, então

acreditamos que, no geral, a ação dos teresianos não significou grande avanço neste campo.

Uma vez que não possuimos outras fontes que nos permitam sondar o número de

vínculos estáveis ou mesmo aquelas uniões registradas somente no campo civil, é

fundamental que continuemos nossa análise sobre a ação empreendida pelos teresianos para

521 EPISCOPADO BRASILEIRO. Pastoral Collectiva dos Senhores Arcebispos e Bispos das Províncias

Ecclesiasticas de S. Sebastião do Rio de Janeiro, Marianna, S. Paulo, Cuyabá e Porto Alegre: Communicando ao clero a aos fieis o resultado das Conferências episcopais realisadasna cidade de S. Paulo de

25 de setembro a 10 de outubro de 1910. Rio de Janeiro: Typographia Leuzinger, 1911. p. 78. 522APC. Livro do Tombo da Paróquia. p. 92v. 523Ibidem, p. 83v. 524Ibidem, p. 83v- 84.

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170

melhorar o quadro dos sacramentos em nossas paróquias, o que fazemos agora a partir dos

dados sobre a administração da crisma.

Gráfico 4- Crismas administradas na Paróquia de Córrego do Bom Jesus no período de 1911 até 1921

Sendo a administração deste sacramento uma competência da autoridade diocesana,

devemos nos direcionar à Pastoral Coletiva de 1911 a fim de entendermos melhor como e

quando tal ato deveria se realizar.

Sobre este sacramento, encontramos na referida Pastoral Coletiva uma interessante

disposição que, sob a forma de aviso, nos apresenta a conveniência de haver “nas paroquias

da cidade episcopal administração do sacramento da Confirmação, ao menos uma vez por

anno”525

, o que nos aponta para a importância de sua administração àqueles que tivessem

cumprido o estipulado para tal ato ao menos nas paróquias das sedes episcopais. Por outro

lado, isso também nos evidencia a dificuldade de se obter este sacramento nas paróquias

distantes da sede da diocese, como é o caso das paróquias que ora analisamos.

Fica claro, pois, que nestas localidades, a administração da crisma pela autoridade

diocesana somente poderia realizar-se por ocasião das visitas que, em nossas paróquias,

aconteceram conforme o gráfico, em 1911, 1914, 1915 e em 1919.

Em Cambuí, sobre a crisma, podemos observar que houve um movimento similar, pois

nesta localidade, em 1911 foram administradas 184 crismas; 309 em 1914; 236 em 1915; e

525Ibidem, p. 43.

0

50

100

150

200

250

300

350

400

450

500

1911 1912 1913 1914 1915 1916 1917 1918 1919 1920 1921

me

ro d

e c

rism

as

Ano

Crismas administradas em Córrego no período 1911 até 1921

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171

1083 em 1919526

. Neste contexto, o número de crismas representadas no gráfico acima vêm

demonstrar que a crisma foi administrada durante o período de 1911 até 1922 em somente

quatro ocasiões, o que fez esperar por algum tempo aqueles que já haviam cumprido o ciclo

regular exigido para ser admitido em tal ato.

Portanto, ao olharmos para os índices desta tabela, não devemos ver tais números

crescentes como vitórias dos teresianos, mas como períodos em que esses sacramentos foram

adminitrados pela autoridade diocesana.

Finalmente, após termos conhecido os números dos sacramentos do batismo, extrema-

unção, matrimônio e crisma, chegamos a um dos mais importantes sacramentos: as

comunhões. Entre todos os sacramentos, a comunhão ganha destaque, pois sua administração

dava-se em atos religiosos, ou seja, com maior regularidade durante a vida dos paroquianos

do que os demais sacramentos. Neste caso, é interessante observarmos os dados que

representam a frequência a este sacramento em Córrego, conforme apresentamos abaixo:

Gráfico 5- Comunhões administradas na Paróquia de Córrego do Bom Jesus no período de 1911 até 1921

Com relação a este quadro, a primeira observação a pontuarmos é que as 160

comunhões obtidas em 1911 advém do registro efetuado por Dom Assis em visita pastoral

realizada em agosto de 1911, sendo que no Relatório Anual desse ano não consta referência

526 APC. Livro do Tombo da Paróquia.

-100

100

300

500

700

900

1100

1300

1500

1700

1900

2100

2300

2500

1911 1912 1913 1914 1915 1916 1917 1918 1919 1920 1921

mer

o d

e co

mu

nh

ões

Ano

Comunhões administradas em Córrego no período de 1911 até 1921

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ao número de comunhões, o que nos leva a crer que, naquele ano, frei Bindi não observou

essa prática nessa paróquia.

Por meio do mesmo gráfico, sabemos como se deu a ação dos teresianos pela

frequência a esta prática que, subitamente, eleva-se de 0 (zero) em 1911 para 1108, em 1921.

Mas não tomamos tais números como índices capazes de medir comportamentos, e por isso, é

necessário que acompanhemos mais de perto o movimento de comunhões no decorrer da

década.

De fato, o ano de 1912 marcou uma elevação inimaginável de tal índice, se comparado

com as cifras do ano anterior, quando passou-se de 160 comunhões (administradas em visita

pastoral) para 1856. Tal crescimento, contudo, foi obtido, em grande parte, graças à realização

das santas missões de 1912 que, conforme já vimos, se utilizou em muitos momentos de um

discurso aterrorizador para incultir medo nos leigos, a fim de que estes promovessem uma

mudança de costumes. Não obstante, podemos ver que a cifra elevada desse sacramento

contabilizada em 1912 não se manteve nos próximos dois anos, cenário que reforça aqui nossa

percepção de que os resultados gerados pelas missões deste ano não foram duradouros, mas

mantiveram-se elevados somente no ano de sua realização.

Ao continuarmos nossa análise do referido quadro, vemos que os próximos cinco anos

foram marcados por uma elevação significativa do número de comunhões, que atingiu seu

ápice em 1919, momento em que foram registradas 2420 comunhões, cifra que cai

significativamente nos dois anos posteriores, para atingir em 1921 o número de 1108.

Ora, se considerarmos que em 1915 a população foi estimada em 4000 habitantes, a

cifra de 1815 comunhões revela-se razoável. O mesmo exercício podemos fazer a partir das

estimativas de população de frei Bindi, que nos informam que, em 1917 e em 1918, a

população era de 4126 habitantes; em 1919, de 4300 (sendo 1200 na sede) e; em 1921, de

5400 habitantes527

.

Diante de tais estimativas de frei Bindi, os números gerados podem ganhar relevo, mas

é necessário refletirmos mais produndamente sobre tais registros. Com efeito, esses números

devem ser vistos como cifras que representam aqueles que, mais de uma vez durante o ano,

podem ter acorrido a tal sacramento.

527 APCBJ. Livro do Tombo da Paróquia.

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173

Em Cambuí, a partir do Livro do Tombo, constatamos que em 1915 foram

contabilizadas 3983 comunhões, sendo que nos anos de 1916 e 1918, tais números chegam

respectivamente a 4925 e 6897 comunhões528

.

Se em ambos os casos os dados nos mostram que houve uma considerável elevação

dos números que representam este sacramento, o que mais podemos apreender de tais índices?

Resta-nos saber se, conforme apregoado pela Pastoral Coletiva de 1911, a frequência aos

sacramentos é o meio mais eficaz de chegar ao fim de transformar uma paroquia529

.

Mais uma vez reforçamos a necessidade de não nos deixarmos convencer pelas cifras

vazias e tentar observar mais de perto como as populações locais se aproximam dos

sacramentos no decorrer da década em que os teresianos estiveram à frente da gestão destas

paróquias.

Para nos aproximarmos deste objetivo, é preciso percorrer outros caminhos que não

aquele somente da quantificação dos sacramentos e, por isso, analisaremos as cifras geradas

do decorrer desses anos à luz de uma observação de frei Dorelli, que nos diz muito sobre o

que nossas populações consideravam sobre os sacramentos em 1911.

No esforço de apresentar ao leitor italiano as práticas católicas que foram encontradas

e o contexto onde implantou-se a presença teresiana no Brasil, este missionário arriscou

realizar um esboço do que ele considerava ser uma síntese da crença corrente da população

local que se proclamava “fervorosamente” católica, mas que tinha práticas um tanto quanto

desvencilhadas do catolicismo ultramontano, conforme vemos abaixo:

Il concetto del catolicismo è in questi paesi addirittura travisato, e

può riassumersi, in poche parole, presso a poco così: credere al

Battesimo, essere entusiasti per la Cresima, trascurare i Sacramenti dela

Confessione e Comunione, necessari soltanto, secondo essi, per

santamente maritarsi e per ben morire; credere all´intercessione dei

Santi e sopprattutto di Maria Santissima, alla Messa de sétimo dia dei

defunti (poco o nulla a quella di precetto nei giorni del Signore) ed a

qualche altra cosa che può sfuggirmi530

.

528 APC. Livro do Tombo da Paróquia. 529EPISCOPADO BRASILEIRO. Pastoral Collectiva dos Senhores Arcebispos e Bispos das Províncias

Ecclesiasticas de S. Sebastião do Rio de Janeiro, Marianna, S. Paulo, Cuyabá e Porto Alegre: Communicando ao clero a aos fieis o resultado das Conferências Episcopais realisadas na cidade de S. Paulo de

25 de setembro a 10 de outubro de 1910. Rio de Janeiro: Typographia Leuzinger, 1911. p. 47. 530DORELLI, E. Noterelle brasiliane. Il Carmelo. p. 79-85. “O conceito do catolicismo é nestas localidades

realmente corrompido, e pode se resumir, em poucas palavras, perto do pouco que se segue: acreditar no

Batismo, ser entusiasta pela Crisma, negligenciar os sacramentos da Confissão e Comunhão, necessários

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174

A crer no que nos apresenta Dorelli em 1911 sobre o batismo, e se considerarmos a

este respeito os dados registrados por frei Bindi, então devemos supor que a ação de

admoestação dos teresianos sobre tal sacramento não gerou resultados extraordinários, mas

sim que apresentou um crescimento compatível com o aumento da população. Isso ocorre, ao

que tudo indica, porque a população, quando da chegada dos teresianos, já demonstrava

“simpatia” por este sacramento que, conforme vimos, era um meio também de introduzir a

criança na sociedade civil e nas relações de poder que marcam essas sociedades neste período,

e onde o apadrinhamento é um forte laço, conforme já citado.

Já em relação à crisma, sabemos por frei Dorelli que nossas populações já tinham

simpatia por este sacramento. Deste modo, podemos ver que os números registrados pelos

bispos quando da administração deste sacramento nas duas referidas paróquias não

apresentaram resultados extraordinários, mas constituíram-se em números já esperados pelo

incremento das ações de ensino desenvolvidas pelos teresianos neste período.

No entanto, ao olharmos para os números das extremas-unções, podemos ver que o

empenho teresiano ficou muito longe de alcançar a todos aqueles paroquianos que estavam

em condições de receber tal sacramento, uma vez que, pelos dados colhidos no decorrer da

década, vemos que sua ação foi incipiente, se comparada com os óbitos anuais registrados na

paróquia.

É interessante observarmos que este sacramento nem mesmo é citado pelo missionário

entre as crenças correntes dos habitantes de Cambuí, o que nos faz crer que, essas populações,

naquele período, pouca ou nula importância davam a esta prática, ato que nos ajuda a explicar

a abismal diferença entre óbitos e extremas-unções nestes anos. Sobre esta realidade, ainda

uma ulterior consideração devemos fazer. De fato, embora tal sacramento não figure entre

aqueles descritos por frei Dorelli, é citado pelo mesmo missionário que a população se

preocupava com o bem morrer, o que era observado na presença à missa de sétimo dia e,

conforme já vimos anteriormente, na presença à missa do dia de finados, além da importância

na crença das almas.

Este quadro nos evidencia que a preocupação com a boa morte podia então estar

desvinculada ao recebimento deste sacramento em si, e estar vinculada à outras práticas, como

a crença nas almas. Sobre tal hipótese, contudo, não temos mais fontes que nos confirmem

somente, de acordo com estes, para santamente se casar e para bem morrer; crer na intercessão dos Santos e

sobretudo de Maria Santissima, à Missa do sétimo dia dos mortos (pouco ou nada àquela de preceito nos dias do

Senhor) e a qualquer outra coisa que agora pode me escapar.” (Tradução nossa).

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essa percepção, sendo pois, necessário nos direcionarmos aos demais sacramentos para

continuar nossa análise.

Ao pensarmos no matrimônio, apesar deste sacramento não ser citado diretamente por

frei Dorelli em sua descrição das bases do “catolicismo sul mineiro”, o mesmo missionário

nos leva a crer que o “bem casar-se” era uma preocupação da população que, por causa dessa

ação, se aproximava temporariamente da confissão e comunhão.

Ao analisarmos os números de nosso gráfico sobre o movimento deste sacramento em

Córrego de 1911 até 1921, vemos que, neste caso, não houve alterações significativas, o que

também pode ser dito para os baixos números de matrimônios verificados em Cambuí nos

anos de 1915 e 1918 que, além de terem-se mantido regulares, ainda são pouco significativos,

se comparados com a população de 16.000 habitantes em 1918.

Já no que se refere à comunhão, conforme já tivemos oportunidade de acompanhar

durante as missões e as missas, houve no início do período de paroquiato teresiano grande

resistência das populações locais a este sacramento. Ora, se acompanharmos os números

gerados no decorrer da década, podemos ver que o trabalho pastoral dos teresianos nesta área

foi intenso, e que a população gradualmente foi se aproximando deste sacramento, o que não

muda o fato de que tais cifras permaneceram longe de abarcar a maior parte das populações

locais.

No entanto, os números de comunhões administradas de 1919 até 1921 apresentam-se

como valiosíssimos indícios nesta análise. Com efeito, se sabemos que em novembro de 1919

o paroquiato de Córrego foi fechado, e que durante os anos de 1920 e de 1921 a cura do

Santuário foi feita a partir de religiosos teresianos que tinham residência em Cambuí e que

para Córrego se dirigiam algumas vezes no mês para realizar funções de culto e administrar

sacramentos, e ainda que em 1922 não foi registrado balanço de atividades e sacramentos ali,

então podemos crer que a aproximação da população ao sacramento da eucaristia no decorrer

da década foi temporária e constituiu-se em hábil tática de nossas populações para poder se

relacionar com o culto do catolicismo ultramontano e sacramental, do qual os teresianos eram

porta vozes e representantes.

Visto que a movimentação dos números que, em Córrego representam a comunhão e

outros sacramentos (no período que analisamos), apresenta alguns picos e baixas que devemos

melhor compreender, dedicamos no último item desta pesquisa atenção aos principais fatos e

acontecimentos relacionados com a Ordem no Brasil. Com esta análise, pretendemos

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176

investigar se o efetivo que atuou nestas paróquias também impactou a administração dos

sacramentos nestas localidades no período de gestão teresiana.

3.7 - Os Religiosos e Sua Dinâmica em Minas e no Brasil

Ao final do presente trabalho, depois de termos dedicado atenção às principais

atividades as quais os teresianos se dedicaram no sul de Minas Gerais, cabe-nos ainda

sondarmos uma questão de grande relevância: as condições que marcaram a presença dos

Carmelitas Descalços em nossa região no período de 1911 até 1922.

Ao propormos tal sondagem, pretendemos conhecer as nuances presentes na trajetória

da presença da Província Romana nesta região e seu relacionamento com as autoridades

diocesanas de Pouso Alegre no decorrer do período analisado. Acreditamos que o

conhecimento de tais aspectos possam nos auxiliar a entender alguns dos principais episódios

verificados nestas localidades, além de nos fornecer dados preciosos para pensar o registro

dos sacramentos, conforme vimos anteriormente.

Com efeito, no período que abarca os anos entre 1911 e 1922, rastreamos o

desembarque de onze religiosos teresianos italianos e um alemão no Brasil. Ao procurarmos

acompanhar a trajetória de cada um destes sujeitos em solo brasileiro, contudo, vimos que

nem todos atuaram nas paróquias de Cambuí e de Córrego do Bom Jesus531

.

Tais constatações nos induziram a dois questionamentos: se esse efetivo não se

restringiu a atuar nas duas localidades, qual foi a força de trabalho que a Província Romana

contou atuando nessas paróquias neste período e, como a dinâmica da sua presença no Brasil

interferiu na gestão dessas paróquias sul mineiras?

Procurando responder tais questões, primeiramente devemos recordar alguns dados

que vimos no primeiro capítulo. Ao aceitar a administração das referidas paróquias, os

teresianos passaram a ter algumas prerrogativas que lhes foram asseguradas pelo então bispo

diocesano de Pouso Alegre, Dom Assis que, conforme vimos anteriormente, lhes garantiu o

direito, em relação à paróquia de Córrego, de usufruir da renda obtida com a locação de cinco

531

Os dados biográficos dos religiosos que atuaram no Brasil neste período foram extraídos de diversos

documentos como o livro intitulado Hierarchia in N. Carmelit Ordine. 1924, localizado no arquivo da Cúria

Generalícia da Ordem dos Carmelitas Descalços em Roma, fichas dispersas localizadas neste mesmo arquivo por

Frei Óscar Ahedo e documentos diversos encontrados no arquivo da Paróquia de Santa Teresinha em São Paulo.

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casas destinadas a hospedar romeiros, além do controle sobre a renda paroquial do Santuário

do Senhor Bom Jesus do Córrego. Já em Cambuí, os teresianos puderam usufruir da renda

paroquial de uma das principais paróquias da região, cuja população era estimada em

dezesseis mil habitantes532

.

Córrego do Bom Jesus firmou-se como sede do primeiro grupo de teresianos enviados

a Minas Gerais, onde a partir de 1 de abril de 1911 passou a habitar frei Bindi, frei Mauro e o

irmão laico Alfonso, sendo que, na paróquia de Cambuí, se estabeleceu como pároco frei

Dorelli. Através dos registros efetuados por frei Bindi no livro intitulado Amministrazione

della Parrocchia di Corrego assunta dai P.P. Carm. Scalzi il 2 Aprile 1911, encontrado no

arquivo da paróquia de Santa Teresinha, (Província São José dos Carmelitas Descalços), em

Higienópolis, cidade de São Paulo, podemos ver que, nos primeiros meses de presença em

Minas Gerais, os teresianos citaram como suas principais fontes de renda a celebração de

missas, batismos, casamentos, publicações diversas, a emissão de certificados de batismo e de

óbito533

.

Interessante neste ponto é notarmos que o referido livro ainda revela que, nesses

primeiros tempos, os teresianos gastaram em Córrego com objetos de cozinha, carne, ovos,

barris e garrafas de vinho, lampião a petróleo, velas, peixe, esmola, manteiga, perus, lavagem

de roupa, cabrito, telefone, objetos da casa, fumo, pequenos objetos e drogas, despesas de

Correio, banha de porco, enxada e biscoito, ao passo que, em Cambuí, as despesas

relacionadas neste mesmo livro incluem a aquisição de “presentes de vinho à banda musical,

ao cocheiro” (também essa uma estratégia para se aproximar deste grupo), manteiga, azeite,

cavalgadura e guia, macarrão, pão, guarda-chuva, o aluguel de uma casa, pagamento por

serviços de alimentação administrada por um hotel ao pároco, leite, café, carro, ovos, queijo e

outros objetos, despesas que nos informam que tal grupo gozou de boas condições de vida

nessas localidades naquele período534

.

No que se refere à estrutura do primeiro grupo, que manteve os experientes freis

Dorelli e Bindi como párocos e ainda concentrou os outros dois teresianos em Córrego, é

preciso dizer que tal configuração não perdurou por muito tempo.

Ao longo da atual pesquisa nos deparamos, ao analisar os livros paroquiais e

administrativos da Província Romana, com nomes diversos, que não destes primeiros

532 APC. Livro do Tombo da Paróquia. APCBJ. Livro do Tombo da Paróquia. 533APSJDC. Livro Amministrazione della Parrocchia di Corrego assunta dai P.P. Carm. Scalzi il 2 Aprile

1911. 534APSJDC. Loc. Cit.

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teresianos e que ora aparecem como vigários, ora como religiosos residentes na paróquia. Ora,

o que ocorreu com o primeiro grupo e como aconteceu a chegada de novos religiosos, cujos

nomes vimos no decorrer desses capítulos?

De acordo com o conteúdo apresentado na Revista O Mensageiro de Santa Teresinha,

em sua edição de dezembro de 2010, dedicada a comemorar o centenário da chegada de

teresianos ao sudeste brasileiro, menos de dois meses após o estabelecimento do primeiro

grupo de carmelitas descalços na Diocese de Pouso Alegre, Dom Assis manifestou interesse

para que os teresianos assumissem também a gestão paróquial de Jaguari, atual Camanducaia.

A fim de concretizar este ato, a autoridade diocesana chegou a emitir uma provisão de pároco

em nome de frei Mauro, religioso então residente em Córrego e com 29 anos de idade. No

entanto, o então pároco de Jaguari, Cônego Saturnino da Conceição, não acatou a decisão

diocesana, rejeitando ceder aquela paróquia ao religioso teresiano535

.

Nesta “disputa”, é curioso observarmos que Dom Assis recuou diante do

posicionamento do padre Saturnino e reconsiderou sua decisão de nomear um carmelita

descalço para assumir Jaguari (Camanducaia), o que nos evidencia que aquele bispo teve

problemas com o clero paulista não reformado e com a afirmação de sua autoridade perante

este536

.

Segundo a mesma Revista, pouco tempo depois deste episódio, os teresianos

receberam deste bispo nova proposta. Esta dizia respeito às paróquias de Capivari e do Bom

Retiro. Esta oferta foi aceita, mas tratando-se de localidades pequenas e localizadas nas

proximidades de Córrego, os teresianos ali não estabeleceram residência fixa. Frei Mauro foi

designado então para dirigir-se a estes locais duas vezes ao mês para administrar sacramentos

e celebrar atos religiosos.537

A nova incumbência de frei Mauro de tomar conta dessas paróquias certamente

reduziu seu poder de atuação no Santuário do Senhor Bom Jesus do Córrego, mas tal aspecto

não foi o único que influenciou na organização da Província Romana nas paróquias que ora

analisamos. Em 1912, outro acontecimento interno ao âmbito da Província Romana veio

contribuir para reduzir ainda mais tal força.

No segundo semestre de 1912, Afonso manifestou seu desejo de deixar a Ordem. Este

teresiano, de acordo com a Revista, não possuía então os votos definitivos e, resolvido a não

535PROVINCIA SÃO JOSÉ DOS CARMELITAS DESCALÇOS. Revista O Mensageiro de Santa Teresinha,

ed. dez. 2010. 536 Ibidem, p. 14. 537 PROVINCIA SÃO JOSÉ DOS CARMELITAS DESCALÇOS. Loc. Cit.

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179

prosseguir na carreira eclesiástica, solicitou ao grupo de teresianos para poder trabalhar na

condição de funcionário da Ordem na paróquia de Cambuí538

. Sobre este teresiano não

pudemos encontrar informações que nos possibilitassem saber mais sobre sua saída ou seu

destino depois disso.

O mesmo ano de 1912 assistiu a dois outros fatos de grande relevância para a Ordem

no Brasil. Se o primeiro fato, conforme já vimos, o recebimento de uma autorização para que

os religiosos que encontravam-se no sul de Minas retornassem à Itália, nos leva a crer que o

fim da presença dos teresianos no país poderia estar próximo, o segundo fato redimensionou

este cenário e deu novo impulso à obra teresiana no Brasil, pois apenas alguns meses após a

chegada desta carta/autorização para a retirada do grupo para a Itália, um segundo grupo,

composto por cinco religiosos, foi enviado para o sul de Minas Gerais.

Este grupo chegou a Santos em 12 de julho de 1912539

e era composto por Nicolò

Magnanelli, então com 31 anos; Gerolamo Valentini, então com 29 anos; Broccardo

Colonnelli, então como 28 anos; Anselmo Torti, com 29 anos; e Nazareno, com 45 anos540

.

Ao nos direcionarmos a uma nota publicada no periódico Il Carmelo, em 12 de julho

de 1912, sob o titulo de Nuovi Missionari nell’America del Sud, notaremos interessantes

planos para a chegada deste segundo grupo à Minas Gerais. Nessa nota, padre Edmondo

Fusciardi, estudioso da Província, após recordar aos leitores italianos do periódico Il Carmelo

a calorosa recepção realizada pela população sul mineira ao primeiro grupo de teresianos que

ali se instalou em 1911, nos afirma que:

Queste, dopo um solo anno, vedendo realizzate le speranze che si

erano ripromesse dall`instancabile attività di quei primi Missionari,

hanno insistentemente reclamato, d`intesa coi rispettivi Ordinari, che

altri operai evangelici venissero inviati a coltivare quella vasta vigna del

Signore, la quale sotto il benefico influsso dell`apostolato cattolico

fiorisce e fruttifica mirabilmente così da preannunziare in un tempo non

lontano la più abbondante mèsse. E a perorare la loro causa due mesi or

sono ritornava fra noi il m.R.P. Arcangelo Bindi il quale è riuscito sì

efficace nel disimpegnare la sua missione che il nuovo P. Provinciale

538Ibidem, p. 15. 539MAGNANELLI, N. Notizie del Brasile. Il Carmelo, Milano, p. 376-378, set. 1912. 540

Através do livro Hierarchia in N. Carmelit Ordine. 1924 e documentos diversos encontrados no arquivo da

Paróquia de Santa Teresinha em São Paulo pudemos saber a idade dos teresianos quando estes aportaram no

Brasil.

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della Provincia Romana lo nominava suo Vicario concedendogli di

condurre seco altri altri quattro giovanissimi e volonterosi Padri. 541

Ora, torna-se claro que tal posicionamento não quis evidenciar as inúmeras

dificuldades encontradas no cenário onde os carmelitas descalços atuavam, conforme tivemos

oportunidade de acompanhar no segundo capítulo, mas parece vir de alguém com nítido

interesse nessa ação, isto é, na ampliação dos horizontes da missão no Brasil.

Foi por meio também de frei Fusciardi e nesse mesmo artigo que soubemos que os

novos missionários deveriam atuar na gestão das paróquias vizinhas de São Mateus,

Campivari e Gonçalves, além de reforçar o efetivo de religiosos residente em Cambuí e em

Córrego542

. Finalmente, nessa nota é possível identificarmos o desejo da Província Romana de

estender sua presença para outras regiões do Brasil, pois este autor, ao referir-se à chegada do

novo grupo, nos afirma:

E questa nobile decisione giunse molto opportuna, in quanto tende

ancora ad assecondare la penetrazione dei nostri Missionari fra le

popolazioni sparse nelle ande del Matto Grosso, spingendosi fino

agl`Indi, a favore dei quali il cuore eminentemente paterno di Pio X, in

nome della fede e della civiltà cristiana, in questi giorni con apposita

enciclica ha richiamata l`attenzione di tutti coloro che sanno

commuoversi sulle miserie di tanti milioni d`infelici.543

541FUSCIARDI, E. Nuovi Missionari Carmelitani Scalzi nell’America del Sud. Il Carmelo. p. 221-222. “Estas,

depois de um ano somente, vendo realizadas as esperanças que se eram prometidas da incansável atividade

daqueles primeiros Missionários, tem insistentemente solicitado, de acordo com os respectivos ordinários, que

outros operarios evangelicos fossem enviados a cultivar aquela vasta vinha do Senhor, a qual sob o benéfico

influxo do apostolado católico floresce e frutifica miravelmente tanto que preanuncia em um tempo não distante

a mais abundante colheita. E a defender com convicção sua causa há cerca de dois meses retornava entre nós o

Reverendo Padre Arcangelo Bindi, o qual conseguiu tão eficazmente desempenhar sua missão que o novo Padre

Provincial da Província Romana o nominou seu Vigário concedendo-lhe de conduzir consigo outros quatro jovensissímos e dispostos padres.” (tradução nossa). 542Ibidem, p. 221. 543 FUSCIARDI, E., Op. Cit. p. 221-222. “Entre aquelas boas e pacíficas populações os nossos Padres da

Província Romana se propoe de desenvolver e intensificar a sua operosidade apostólica, tanto que naquelas

paragens, tendo encontrado sérias dificuldades na instrução de jovens para o ministério sacredotal, se detecta

falta de assistência religiosa. E esta nobre decisão faz-se muito oportuna, enquanto tende ainda a assecundar a

penetração dos nossos Missionários entre as populações dispersas nos andes do Mato Grosso, avançando até os

(Indi) entenda-se indios, em favor dos quais o coração eminentemente paterno de Pio X, em nome da fé e da

civilização cristã, nestes dias com conveniente encíclica chamou a atenção de todos aqueles que sabem

comover-se das misérias de tantos milhões de infelizes.” (tradução nossa).

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Uma última observação deve ser feita com relação à chegada de tal efetivo. É que esse

fato ocorre após a ida de frei Bindi à Roma para participar do capítulo provincial de 1912,

quando este religioso, então vigário no Brasil, relatou aos seus superiores os principais

acontecimentos passados nas fundações em Minas Gerais, dentre os quais destacaram-se as

ofertas de novas paróquias realizadas por Dom Assis. Ainda de acordo com a referida Revista,

nesta ocasião, frei Bindi também registrou e discorreu sobre a esperança que os membros

daquele pequeno grupo tinham de expandir sua presença no Brasil, o que nos leva a crer que o

abandono destas casas também era pensado entre os membros do grupo.

O quadro apresentado por frei Bindi nesta ocasião parece ter agradado ao novo

provincial, frei Paulo de São Jeronimo, uma vez que, de acordo com informações dispostas na

Revista O Mensageiro de Santa Teresinha, este procurou organizar e preparar um novo grupo

para enviar à Diocese sul mineira, ato que, adotado pouco tempo depois do consenso de retirar

os teresianos do Brasil, nos leva a crer que o desejo da Província Romana naquele momento

seria o de encontrar paróquias “mais adequadas” aos planos da Ordem544

.

Interessante notarmos que frei Bindi nos sugere que um novo efetivo iria responder às

necessidades do bispo Dom Assis e levaria os teresianos a atuar em outras paróquias, ao passo

que frei Fusciardi evidencia que o projeto de fundação de novas casas objetivava possibilitar a

instalação de teresianos em outros estados do país, o que sugere (sobretudo este último

apontamento) também um plano de abandono das casas de Cambuí e Córrego do Bom Jesus.

Neste sentido, convém evidenciarmos que, frei Dorelli, durante os anos de 1911 e

1912, realizou viagens pelo sudeste brasileiro, onde pôde conhecer as cidades de São Paulo,

Mariana, Belo Horizonte e Santos, e buscou estabelecer contato com os bispos das respectivas

regiões545

.

No que se refere ao novo grupo composto por cinco teresianos, no manuscrito

intitulado Appunti storici della nostra missione nel Brasile546

, seu autor desconhecido afirma

que a promessa de Dom Assis de confiar aos novos religiosos outras paróquias da região não

foi mantida, o que aponta aqui para uma inconstância do bispo e instabilidade no

relacionamento entre este e os religiosos de tal Ordem. Reconhecemos que, entre a

documentação analisada, não encontramos menção ou registros que nos informassem da

presença ou manutenção de teresianos nestas “novas” localidades.

544 PROVINCIA SÃO JOSÉ DOS CARMELITAS DESCALÇOS. Revista O Mensageiro de Santa Teresinha,

ed. dez. 2010. p. 15. 545

IL CARMELO. Milão: 1911 -1913. 546APSJDC. Appunti storici della nostra missione nel Brasile.

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182

Com base na documentação existente, acreditamos que o envio de mais cinco

carmelitas descalços para o sul de Minas incrementou e deu novo vigor àqueles religiosos que

ali estavam, sendo que, a partir de então, em Córrego, juntamente com os freis Bindi e Mauro,

se estabeleceram Nicolau, Gerolamo e Nazareno, enquanto em Cambuí, frei Dorelli passou a

contar com a companhia de Brocardo e Anselmo547

, configuração que também foi efêmera,

pois em 1913 assistimos a um fato de grande significação para esse grupo: o retorno à Roma

de frei Enrico Dorelli, que permaneceu como pároco de Cambuí até 15 de junho de 1913 e

que até então foi um dos pilares da Ordem nesta região.

Sua saída desta paróquia, de acordo com o disposto na Revista O Mensageiro de Santa

Teresinha, ocorreu após este religioso contrair malária. A este respeito é forçoso apontarmos

para o fato de que em suas crônicas publicadas no periódico Il Carmelo datadas dos últimos

meses, frei Dorelli não cita como motivo de seu retorno à Itália uma possível doença, mas sim

que fora levado a este ato movido pela obediência548

.

Em seu lugar, assumiu frei Mauro que, nesta função permaneceu até 8 de setembro de

1914, quando frei Nicolò Magnanelli é nomeado para substituí-lo na direção da paróquia de

Cambuí549

. Em 1913, com o retorno de frei Dorelli e a baixa de Afonso ocorrida ainda em

1912, o efetivo dos teresianos atuando no sul de Minas era de sete frades. Porém, é a partir de

1914 que fatos de maior envergadura ganham relevo.

De acordo com O Mensageiro de Santa Teresinha, no início do ano de 1914, Dom

Lúcio Antunes de Souza, bispo da diocese paulista de Botucatú, disponibilizou ao grupo

sediado no sul de Minas Gerais uma paróquia de porte grande, localizada na cidade de Baurú,

o que nos aponta para o fato de que os carmelitas descalços também naquele período estavam

buscando estabelecer contato com bispos brasileiros de outras dioceses, tendo em vista

obterem novas paróquias onde pudessem atuar. Apresenta a mesma revista que esta paróquia

foi confiada algum tempo depois à outra ordem religiosa, o que aconteceu devido à

impossibilidade do referido bispo esperar mais por um posicionamento dos carmelitas

descalços. O insucesso desta ação e a perda desta paróquia foram justificados nesta Revista

pela necessidade que o grupo sediado no sul de Minas teve de submeter tal decisão aos

superiores em Roma, o que demorou demasiadamente.

547PROVINCIA SÃO JOSÉ DOS CARMELITAS DESCALÇOS. Revista O Mensageiro de Santa Teresinha,

ed. dez. 2010. 548DORELLI, E. Ricordi d’un viaggio terraqueo. Il Carmelo, Milano, p. 242, 1913. 549 APC. Livro do Tombo da Paróquia. p. 70.

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A crer no que nos apresenta o conteúdo do manuscrito Appunti storici della nostra

missione nel Brasile e também a Revista O Mensageiro de Santa Teresinha, os teresianos não

se deixaram abater por este episódio, e não pararam de sondar novos campos de atuação. Foi

por meio da já mencionada revista que sabemos que os religiosos teresianos fizeram contato

(por intervenção do redentorista João Batista) com Dom Epaminondas Nunes, bispo da

também diocese paulista de Taubaté, que pouco tempo depois lhes ofereceu a administração

da paróquia de São Bento do Sapucaí. A crer no que o autor desconhecido do manuscrito

Appunti storici della nostra missione nel Brasile nos apresenta sobre a nova fundação de São

Bento, o ocorrido não aconteceu conforme a referida revista nos afirma acima. Para esse

autor, nesse processo teve destaque padre João Batista, então superior dos Redentoristas do

Santuário de Aparecida. Com efeito, de acordo com o ignoto autor, no mês de março deste

ano um teresiano chegou a conhecer o mencionado redentorista, o qual mostrou-se espantado

ao saber onde os teresianos estavam instalados no sul de Minas, ocasião em que questionou

“come potevano stare e che cosa potevano fare 3 padri in Corrego, luogo così piccolo e di

nessuna speranza!”550

. O teresiano, frente a tal demonstração de surpresa, admitiu que

estavam à procura de “melhores lugares”, mas que isso não havia sido ainda possível, em

grande medida porque o grupo era novo nesta região. Nessa tarefa, contudo, estavam

empenhados e se, nesta empreita pudessem contar com a ajuda e influência do redentorista

reitor do Santuário de Aparecida, isso lhes seria uma “grande carità”. Tal solicitação de ajuda

foi bem recebida pelo superior redentorista, que em breve teve oportunidade de dialogar sobre

este assunto com Dom Epaminondas, então bispo da Diocese de Taubaté, que pouco tempo

depois ofereceu ao grupo sediado no sul de Minas Gerais a administração da paróquia paulista

de São Bento do Sapucaí551

.

A perspectiva de ampliação dos trabalhos no Brasil com a fundação de uma nova casa

motivou os teresianos aqui fixados a solicitar à Província Romana o envio de novos frades,

petição que foi atendida pela Ordem. Para tal fim, foram enviados ao Brasil ainda naquele ano

frei Serafim e frei Gabriel. Destes, merece destaque frei Serafim d’Arpino552

, religioso que, de

acordo com o disposto na referida Revista, tinha atuado como professor de filosofia e de

550APSJCD. Appunti storici della nostra missione nel Brasile. 551APSJCD, Loc.Cit. 552

Serafino di Santa Teresa, cujo nome civil era Raffaele d’Arpino, nasceu em Castelliri, Frosinone, em 7 de

novembro de 1880, filho de Luigi e Domenica Venditti. Vita del Carmelo Teresiano Romano: Memoria di

uomini che si sono distinti nella sequela di Cristo e nel generoso servizio alla Chiesa e all’Ordine (1617-2000).

Roma: Edizioni Provincia Romana dei P. Carmelitani Scalzi. 2012. p. 237-239.

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teologia na Itália, como missionário na Síria e tinha grande interesse e habilidade com línguas

neolatinas.

De acordo com a Revista O Mensageiro de Santa Teresinha, frei Gabriel e frei

Serafino chegaram à paróquia de Córrego em 4 de agosto daquele ano553

. Neste ponto,

notamos que o projeto de enviar ambos para a paróquia de São Bento não ocorreu, uma vez

que, através do Livro do Tombo de Córrego, conseguimos rastrear a presença de frei Gabriel

nesta paróquia durante parte de 1914.

Através da mesma revista, sabemos que em 4 de setembro de 1914, os teresianos

assumiram a gestão paroquial de São Bento do Sapucaí, desde então residência de frei

Serafim, de frei Mauro, que assumiu a função de pároco daquela igreja, e também dos freis

Gerônimo e Nazareno554

.

De acordo com Documenti che riguardano la fondazione del Convento di Rio, livro

aberto por frei Serafim em 11 de fevereiro de 1919 em São Bento do Sapucaí e cujo objetivo

era aquele de registrar cópias dos documentos que diziam respeito à presença dos teresianos

no Brasil em 1911, três dias após ocorrer a posse dos teresianos na paróquia de São Bento, foi

firmado um contrato entre a Ordem e a Diocese de Taubaté, ocasião que contou com a

presença de frei Paulo de São Jeronimo, então provincial dos teresianos da Província Romana,

sendo esta a primeira vez em que registrou-se a visita de um provincial ao Brasil desde

1911555

.

E foi frei Paulo, de acordo com a Revista O Mensageiro de Santa Teresinha, que

quando em São Bento, encarregou e empossou frei Serafim na função de vigário provincial no

Brasil556

, fato que, ao retirar esta função das mãos de frei Bindi, pároco de Córrego, também

nos faz acreditar em um deslocamento do eixo da missão do sul de Minas para a nova

paróquia paulista.

Alguns meses depois desta fundação ter-se efetuado, observamos que outro fato atinge

a Ordem no Brasil. A Itália entrou na Primeira Guerra Mundial em maio de 1915, e frei

Gerolamo foi convocado pelo governo italiano para o serviço militar. Para cumprir esta

resolução, esse religioso deixou a paróquia de São Bento do Sapucaí, onde atuava, e partiu

para a Itália no início do mês de agosto daquele ano. Uma deliberação do governo italiano

553 PROVINCIA SÃO JOSÉ DOS CARMELITAS DESCALÇOS. Revista O Mensageiro de Santa Teresinha,

ed. dez. 2010. p. 16. 554PROVINCIA SÃO JOSÉ DOS CARMELITAS DESCALÇOS. Loc. Cit. 555 PROVINCIA SÃO JOSÉ DOS CARMELITAS DESCALÇOS. Livro Documenti che riguardano la

fondazione del Convento di Rio. p. 4. 556Ibidem, p. 17.

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emitida neste período fez com que este religioso não fosse incorporado ao contingente

destinado ao fronte, pois por este instrumento, ficavam isentos os religiosos que atuavam fora

da Europa, como era seu caso, do serviço militar naquele conflito557

. De acordo com O

Mensageiro de Santa Teresinha, o retorno deste religioso ao Brasil, efetuou-se após a

realização do capítulo da Província Romana de 1915, que enviou ao Brasil um novo

teresiano558

.

Com efeito, em 20 de fevereiro de 1915, todos os religiosos então presentes no sudeste

(com a exceção de frei Mauro, que não pôde se ausentar da paróquia de São Bento do

Sapucaí) reuniram-se em Córrego do Bom Jesus, a fim de eleger um sócio para participar do

capítulo da Província Romana que ia realizar-se algum tempo depois. Saiu eleito dessa

reunião frei Serafim que, após a realização do capítulo em Roma, voltou ao Brasil juntamente

com frei Gerolamo, dispensado do serviço militar, e um novo missionário, Félix da

Anunciata, que havia atuado na Síria.

No mesmo ano de 1915, teve destaque na paróquia de Cambuí um fato que chamou a

atenção do provincial no Brasil e dos superiores na Itália: a aquisição de um imóvel comprado

em nome de um religioso teresiano. De acordo com a Revista Mensageiro de Santa Teresinha

e conforme descrito no referido manuscrito, em 1915 ocorreu a compra de uma casa em

Cambuí, em nome de frei Brocardo, procedimento repreendido pelos outros frades da

paróquia e pelos superiores em Roma. Interessante notarmos que a aquisição de uma

residência nesta localidade fora aprovada pelo Definitório Provincial de 15 de dezembro de

1914, quando tal proposta foi apresentada em Roma pelo então vigário provincial no Brasil,

frei Serafino559

. No entanto, os superiores não aceitaram o modo como esta compra foi feita,

tendo sido estabelecido a necessidade de transferir tal imóvel à Província.

Não nos foi possível saber se a compra dessa casa esteve vinculada à ideia de fundar

ali um convento ou colégio, mas o certo é que a aquisição de um imóvel no valor de 8.500

liras nos aponta para o fato de que a Ordem manipulava considerável montante de dinheiro e

que, além de permitir aos teresianos usufruir de uma vida confortável, lhes permitiu ainda a

compra de um imóvel.

A respeito dos religiosos Gerolamo, Serafino e Felix, é curioso observarmos que,

quando estes chegam à Córrego no início de janeiro de 1916, portam consigo para a matriz de

São Bento do Sapucaí imagens de três santos cultuados pela Ordem, sendo estes Nossa

557PROVINCIA SÃO JOSÉ DOS CARMELITAS DESCALÇOS. Loc. Cit. 558 Ibidem, p. 17-18. 559 RECCHIA, P. Atti dei Definitori della Provincia Romana (1891-1924). Roma: 2011. Mimeografado.

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Senhora do Carmo, Santa Teresa e São João da Cruz, o que nos mostra um nítido e crescente

interesse naquela paróquia. A aquisição de tais imagens não foi o único investimento da

Ordem nesta localidade neste período560

.

De acordo com o disposto nos Atti del Definitorio della Provincia Romana (1891-

1924), percebemos que nos anos de 1915 e 1916, consideráveis investimentos foram

aprovados para serem efetuados na paróquia de São Bento. Com efeito, no Definitório de

outubro de 1915, foi aprovada a construção de um colégio e no ano seguinte, o Definitório,

celebrado em junho, aprovou a construção de uma casa também nesta localidade, ato para o

qual os teresianos obtiveram permissão para contrair empréstimo financeiro561

.

Devido a isto não constituir o objeto central desta pesquisa, não dispensamos mais

atenções aos fatos verificados na paróquia de São Bento, mas que nos ajudam, contudo, a

entender como a fundação da nova casa impactou as casas de Córrego e Cambuí.

Outro fato de grande relevância para nossas paróquias foi a posse de Dom Chagas de

Miranda em 1916. Octávio Augusto Chagas de Miranda nasceu em Campinas, no dia 10 de

agosto de 1881, filho de Francisco das Chagas Miranda e de Cândida Maria Theodora562

.

Tendo perdido seu pai ainda muito jovem, foi encaminhado pela intervenção do então padre

Nery, futuro bispo da Diocese de Pouso Alegre, a estudar no Liceu Santa Cruz, instituição

criada pelo padre Nery destinada a receber meninos pobres. Do mesmo padre também

recebera apoio para estudar em Itú, no renomado colégio dos jesuítas, considerado então a

melhor instituição de ensino da região. Ingressou como seminarista em São Paulo, onde não

pôde terminar seus estudos pois, convidado a seguir padre Nery ao Espírito Santo quando de

sua nomeação para bispo daquela nova diocese em 1896, Otávio mudou-se para Vitória563

,

onde continuou os estudos no Seminário da Penha.

Depois de cinco anos naquela localidade, Dom Nery foi nomeado primeiro bispo de

Pouso Alegre, para onde o acompanhou também Chagas de Miranda. Neste bispado, Chagas

se ordenou padre e atuou como secretário até 1912, quando partiu novamente para

acompanhar Dom Nery, agora nomeado bispo da nova Diocese de Campinas. Ali, Otávio

Chagas de Miranda foi nomeado vigário da antiga matriz. Conforme pontuado por Cônego

560 PROVINCIA SÃO JOSÉ DOS CARMELITAS DESCALÇOS. Revista O Mensageiro de Santa Teresinha,

ed. dez. 2010. p. 18. 561 RECCHIA, P. Atti dei Definitori della Provincia Romana (1891-1924). Roma: 2011. Mimeografado. 562 CARVALHO, A. J. de. Polianteia Centenário de nascimento de Dom Octavio Chagas de Miranda.

Terceiro Bispo Diocesano de Pouso Alegre. Pouso Alegre: Tipolitografia Escola Profissional, 1981. p. 21-24. 563

Ibidem, p. 11-13.

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Carvalho, esta proteção não pararia por aí, uma vez que, em 1916, Dom Chagas foi eleito

terceiro bispo de Pouso Alegre564

.

No que se refere ao relacionamento de Dom Chagas e os teresianos, raros foram os

dados que conseguimos levantar para nos esclarecer um pouco desse período e das relações

entre os carmelitas descalços e a nova autoridade diocesana.

Com efeito, no período em que Dom Chagas permaneceu como bispo diocesano, foi

realizada somente uma visita pastoral às paróquias de Cambuí e de Córrego, ocasião em que

deixou anotado em Córrego que “Louvando o cuidado do Revdo. Vigario em fazer os

assentamentos parochiaes em duplicata, como manda o Codigo, recomendamos que todos os

livros e documentos do arquivo parochial sejam guardados em armário fechado a chave

(...)”565

.

Já em Cambuí, o bispo anotou que, apesar de estar “bem impressionado com o estado

religioso da parochia e louvando os trabalhos dos Revdos. Padres Carmelitas”, julgava

importante deixar algumas recomendações que diziam respeito à necessidade de se adquirir

objetos para o culto e um armário fechado à chave, à necessidade de se promover a reforma

da matriz, à necessidade de se registrar em duplicata os assentamentos de batismo, casamento

e óbitos, entre outros566

. Naquela ocasião, Dom Chagas, ao agradecer os freis que ali atuavam,

nos informa que estavam em Cambuí frei Anselmo como encarregado e freis Nicolò e

Gabriel567

, enquanto em Córrego, são citados frei Bindi e frei Gerolamo568

.

É interessante notarmos que, em menos de três meses transcorridos dessa visita, o

paroquiato de Córrego foi fechado. O motivo citado para tal recessão, de acordo com frei

Serafino, então vigário provincial dos teresianos, que sobre isso anotou pequena observação

junto ao livro Amministrazione della Parrocchia di Corrego, foi que, no dia 24 de novembro

de 1919, “Questo vicariato fu chiuso per ordine del N. Def. N Generale e Provinciale.”569

A este respeito, nos Atti del Definitorio della Provincia Romana (1891-1924)570

,

podemos ver que, no Definitório celebrado em 23 de maio de 1919, decidiu-se pela extinção

da residência dos teresianos de Córrego, devendo os religiosos que até então ali habitavam,

fixar residência em Cambuí.

564 CARVALHO, A. J. de. Loc. Cit. 565APCBJ. Livro do Tombo da Paróquia. p. 47v. 566

APC. Livro do Tombo da Paróquia. p. 85v. 567Ibidem, p. 86. 568 APCBJ. Livro do Tombo da Paróquia. p. 47v. 569APSJDC. Livro Amministrazione della Parrocchia di Corrego assunta dai P.P. Carm. Scalzi il 2 Aprile

1911. p. 89v. 570

RECCHIA, P. Atti dei Definitori della Provincia Romana (1891-1924). Roma: 2011. Mimeografado.

Page 203: “il tanto vantato cattolicismo del Sul de Minas” · AGRADECIMENTOS A realização desta pesquisa tornou-se possível graças ao apoio recebido de diversas pessoas e instituições

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Sobre esse procedimento nada mais pudemos encontrar, e é importante observarmos

que, do tempo que tal decisão foi tomada em Roma até sua execução, se passaram seis meses,

o que nos leva a crer que tal fechamento fora planejado e executado sem pressa.

O que sabemos sobre esse período é que, a partir de tal transferência, o serviço

religioso no Santuário do Bom Jesus passou a ser feito por religiosos residentes em Cambuí

que para Córrego se dirigiam esporadicamente para ali realizar atos religiosos, batizados,

entre outras funções, contexto que contribuiu certamente para diminuir o poder de influência

dos teresianos sobre a população local.

Pouco mais de dois anos depois do fechamento de Córrego, verificamos o fechamento

da casa de Cambuí, que a crer nos documentos de que dispomos, não ocorreu por decisão da

Ordem, mas sim por desejo da autoridade diocesana, ou seja, Dom Chagas de Miranda. A este

respeito, é forçoso notarmos que, no Definitório Ordinário celebrado em Santa Maria della

Vittoria, em 16 junho de 1922, padre Serafino, então vigário provincial, ao referir-se à

recessão da casa de Cambuí, atribui este fato a “ragioni politiche”, o que nos aponta para

possíveis problemas no relacionamento, de um lado, com os antigos coronéis, conforme já

fora observado anteriormente, e com o próprio bispo de outro, a crer na pouca interação da

Ordem com este no período de sua posse até 1922.

Interessante notarmos que, diante do que fora apresentado por frei Serafino, o

Definitório aceitou o fechamento desta casa, mas não o modo como este ato foi realizado pelo

bispo Dom Chagas, pessoa a quem passa a ser atribuída pela Província Romana a decisão de

recesso e, portanto, o fim da presença dos teresianos na Diocese de Pouso Alegre571

.

Sobre a saída dos teresianos das referidas paróquias, de acordo com o apresentado pela

Revista O Mensageiro de Santa Teresinha do Menino Jesus, isso teria ocorrido devido ao

sucesso no estabelecimento de uma casa na cidade do Rio de Janeiro, e devido ao projeto de

fundação de outra casa na cidade de São Paulo, o que aqui parece querer travestir os reais

motivos que contribuíram para tal desfecho572

.

Através dos dados colhidos por padre Pancrazio Recchia nos Atti del Definitorio della

Provincia Romana (1891-1924), podemos constatar que, no mesmo período, ou seja, em

1922, foi aberta uma nova casa em Cataguases573

, Diocese de Mariana, e que em 1920, a

571

RECCHIA, P. Loc. Cit. 572 PROVINCIA SÃO JOSÉ DOS CARMELITAS DESCALÇOS. Revista O Mensageiro de Santa Teresinha,

ed. dez. 2010. p. 19. 573

RECCHIA, P. Loc. Cit.

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Ordem efetivou o projeto de fundar um convento na cidade do Rio de Janeiro574

, e em 1923,

outro convento na cidade de São Paulo575

.

Com relação aos religiosos que aqui atuaram, esclarecemos que três desses doze

secularizaram-se no Brasil, sendo esses o irmão laico Afonso, frei Brocardo, e frei Gabriele.

Já sobre aqueles que permaneceram na Ordem, no decorrer do período de 1911 até 1922,

percebemos grande alternância de funções entre as paróquias de Cambuí, Córrego e São

Bento do Sapucaí.

Através dos registros efetuados junto aos Livros do Tombo de Córrego, identificamos

a passagem de frei Bindi (1911-1921), de frei Mauro (1911-1913), do irmão Afonso (1911-

1912), de frei Nazareno (1912-1914), de frei Nicolò (1912-1914), de frei Gerolamo (1912-

1914), de frei Brocardo (1912-1914), de Gabriele (1914), de frei Gerolamo (1916-1917-

1919), ao passo que, em Cambuí, foi possível rastrearmos a presença de frei Dorelli (1911-

1913), de frei Mauro (1913-1914), de frei Brocardo (1914-1916), de frei Nicolò (1916-1919),

de frei Gabriel (1918-1919) e de frei Anselmo (1918-1922). No entanto, estamos cientes de

que tais registros não estão em condição de nos informar com detalhes qual foi o movimento

interno dos religiosos entre as paróquias sob a gestão teresiana nesse período.

Ora, o que nos apresenta este quadro? Tais exposições nos mostram que as relações

entre Dom Assis e, posteriormente, Dom Chagas e os teresianos, não se desenrolaram de

modo regular e estável, mas foram marcadas por recuos e hesitações e até mesmo conflitos.

Mostra ainda que o desconhecimento da realidade sul mineira assustou os teresianos e

constituiu-se em um dos motivos que os impeliu a buscarem novas possibilidades fora das

paróquias que ora analisamos.

Tal desejo se concretizou com a fundação da casa de São Bento do Sapucaí em 1914,

que pouco tempo depois significou o deslocamento do eixo da missão de Córrego do Bom

Jesus para São Bento do Sapucaí, Estado de São Paulo. Diante destas observações, foi-nos

possível constatar que, internamente os religiosos tiveram percursos próprios, o que pode ser

visto no registro dos dados que os vigários deixaram sobre suas atividades nos Livros do

Tombo de ambas as paróquias, na postura de alguns desses frente às práticas do catolicismo

local e nas três secularizações que aqui aconteceram.

574DI RUZZA. O. Sintesi storico-cronologica della Provincia Romana dei Padri Car-melitani Scalzi. Roma:

Edizioni O.C.D, 1987. p. 104. 575 Ibidem, p. 107. Ver também PROVÍNCIA SÃO JOSÉ DOS CARMELITAS DESCALÇOS. Revista O

Mensageiro de Santa Teresinha, ed. dez. 2010. p. 26.

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190

Já no que se refere a uma possível relação entre o número de sacramentos e o efetivo

de religiosos que nestas paróquias atuou, apresentamos aqui alguns dados para refletirmos.

Sobre tal assunto, contudo, é preciso pontuar que, a falta de informações precisas sobre as

atividades que cada religioso desenvolveu nas paróquias brasileiras de 1911 até 1922 nos

coloca em uma posição não muito fácil para emitirmos um parecer sobre tal assunto. No

entanto, se recordarmos que, em Cambuí, no ano de 1918, o número de comunhões registrado

foi de 6897, maior cifra atingida no paroquiato dos teresianos, e se recordarmos que neste ano

esta paróquia contou com um dos maiores efetivos que ali atuaram neste período, ou seja, três

frades, então podemos crer que o número de religiosos influenciou tais trabalhos.

Não obstante, devemos também lembrar que, no período de 1920 até 1921, quando a

paróquia de Córrego passou a ser administrada por padres residentes em Cambuí, foi nítida e

drástica a queda dos números que representam a administração da eucaristia, o que nos

evidencia que a aceitação dos sacramentos e a aproximação desses por parte da população foi

temporária e se constituiu como uma tática de relacionamento com os teresianos. Já no que

refere-se a 1922, acreditamos que a ausência de um padre ali residente significou a

descontinuidade dos trabalhos de instrução e ensino ali desenvolvidos pelos teresianos.

Tal evidência, no entanto, deverá ser investigada e aprofundada por futuras pesquisas

que dêem conta de analisar o período que se seguiu à retirada dos teresianos, o que seria

precioso para nos revelar como as populações locais destas paróquias agiram, tendo um padre

secular à frente de sua gestão depois de 11 anos de presença teresiana.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao final deste trabalho, algumas ulteriores considerações devem ser feitas. E o

primeiro item a pontuarmos é que, as pretensões da Província Romana da Ordem dos

Carmelitas Descalços e de Dom Assis, segundo bispo da então Diocese de Pouso Alegre, para

a fundação de casas teresianas nas paróquias de Cambuí e no Santuário do Senhor Bom Jesus

do Córrego, ficaram longe de efetivar-se, conforme seus planos iniciais.

De fato, se a Província Romana conseguiu por onze anos aqui manter um grupo

considerável de religiosos, a mesma instituição não pôde nestas localidades estabelecer um

convento e/ou colégio que, conforme vimos anteriormente, era destinado a lançar novas bases

da Ordem neste continente, em face do medo de uma nova supressão das ordens religiosas na

Itália, e também de acordo com a mentalidade então vigente na Congregação Italiana da

Ordem e na Igreja missionária e combativa.

Já em relação às iniciais pretensões de Dom Assis de prover de sacerdotes reformados

o Santuário do Senhor Bom Jesus do Córrego e a grande paróquia de Cambuí a fim de se

realizar uma “necessária” adequação dos costumes destas populações, é forçoso

reconhecermos que tal fato por si só não significou a implantação de um catolicismo

ultramontano, pois, conforme vimos durante todo o período analisado, grandes foram os

embates e negociações entre diversas práticas do catolicismo local e as práticas do catolicismo

reformado.

Para lembrarmos como se deu a relação entre ambas as práticas, devemos pontuar que,

no âmbito paroquial, prevaleceu sobre a atuação dos teresianos, uma clara e nítida orientação

diocesana, que teve por base as disposições presentes, sobretudo nas atas e decretos do

Concílio Plenário Latino Americano e nas Pastorais Coletivas de 1911 e de 1915. Com efeito,

constatamos que foi sob a orientação de Dom Assis e desde 1911, que os carmelitas descalços

buscaram realizar a reforma das festas religiosas locais, implantar novos modelos de

associações religiosas para leigos, introduzir novas devoções pias e desenvolver e intensificar

ações de doutrinação, vistas neste caso, a partir da promoção da

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192

missa, da pregação, do catecismo, das santas missões e, finalmente, por meio de uma ação

para levar os leigos destas localidades a se aproximarem da frequência aos sacramentos,

atividades essas que pretenderam submeter as referidas populações a novos padrões de

comportamentos, projeto no entanto que não encontrou terreno muito fértil nessas duas

localidades.

Com efeito, durante toda a pesquisa, foi possível vermos que a força de muitas práticas

do catolicismo local significou para os teresianos uma grande dificuldade para a efetivação

das imposições diocesanas sobre as práticas religiosas dos leigos nas referidas paróquias. Esta

dificuldade residiu no fato de que, longe de constituir-se como prática associada a um grupo

específico, o catolicismo local era neste período vivenciado por todos os segmentos destas

sociedades que, contudo, o vivenciavam de modos diversos, como os festeiros, os

fazendeiros, as irmandades, as bandas, os altos postos da antiga Guarda Nacional, políticos

locais, funcionários estaduais e federais, os jogadores, os romeiros, os imigrantes, os

comerciantes entre outros.

Foi neste contexto que pudemos observar a utilização de uma grande habilidade de

negociação efetivada pelos teresianos, a fim de mediar a imposição das disposições

diocesanas sobre a omnipresente religiosidade leiga, um tanto desvencilhada dos moldes do

ultramontanismo.

Esta postura flexível não conseguiu evitar que os carmelitas descalços se

indispusessem contra alguns dos mais poderosos senhores rurais locais (muitos dos quais

ainda reconhecidos como coronéis da antiga Guarda Nacional), situação conflituosa que

intensifica-se a partir do final da década de 1910. Neste ponto, é interessante notarmos que,

foi também neste período, ou seja, nos últimos anos da década de 1910, que verificamos a

consolidação de uma aliança entre Carlos Cavalcanti, Juiz de Direito de Cambuí, e os

teresianos ali residentes, que parecem ter conseguido convencer o referido magistrado (que

até então integrava-se à órbita do poder e influência exercida pelos coronéis e outras patentes

da antiga Guarda Nacional) a apoiar a “necessária” reforma dos costumes das populações

destas localidades. Este projeto “civilizador”, encabeçado pelos teresianos e pela autoridade

judiciária, contudo, não teve nos anos seguintes grande êxito, e isso por dois motivos:

primeiramente, porque em 1922 observamos a saída dos teresianos de Cambuí, paróquia que

volta a ser gerida pelo clero secular e, porque no ano seguinte, em 1923, acontece o “brutal”

assassinato de um dos principais pilares deste grupo, o Dr. Carlos Cavalcanti, Juiz de Direito

de Cambuí, cuja morte é atribuída a um mandatário de um coronel local.

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193

Isso nos lembra que a permanência e atuação de religiosos teresianos nessas paróquias

no decorrer dos anos de 1911 até 1922 não foi tranquila, uma vez que apresentou uma

dinâmica que aponta para desilusões, hesitações, recuos, negociações, pela busca de novos

projetos, pela adaptação às condições existentes e, sobretudo, pela busca de novos contextos

de atuação fora dessas paróquias, ações que nos evidenciam que houve no início da presença

teresiana nesta região uma grande falta de informações e conhecimento (por parte da

Província Romana) sobre o ambiente (onde iria se efetivar a fundação de casas teresianas) e

sua cultura.

A busca por novas paragens e outros contextos levou os teresianos a realizarem

viagens e a estabelecer contato com outros bispos de diversas dioceses brasileiras, e

possibilitou à Província Romana fundar residências na paróquia paulista de São Bento do

Sapucaí, em 1914, na cidade do Rio de Janeiro em 1920, e na capital de São Paulo em 1923,

ao passo que, com o fechamento da casa de Córrego do Bom Jesus em 1919, os padres ali

residentes passaram a viver em Cambuí (de onde se dirigem algumas vezes ao mês para o

Santuário do Senhor Bom Jesus do Córrego, para administrar os sacramentos e realizar

algumas funções de culto) e de onde finalmente saem em 1921.

Não obstante, pudemos perceber que grande foi a heterogeneidade de posturas dos

religiosos teresianos que aqui atuaram, o que se refletiu no modo de administrar cada

paróquia, de efetuar registros junto aos livros (paróquias e de administração da Província

Romana) e, finalmente, no modo pelo qual os teresianos se relacionaram com as autoridades

(diocesanas e locais) e com as práticas e táticas da religiosidade local. De fato, associamos tal

heterogeneidade de comportamentos às enormes diferenças de idade, origem, visões de

mundo, experiências e qualificações (padres e aqueles sem os votos definitivos) que

caracterizaram aqueles teresianos que aqui atuaram nesse período.

Tal diversidade de posturas também pôde ser observada no clero secular e entre as

autoridades diocesanas que passaram pela Diocese de Pouso Alegre neste período. São

exemplos do primeiro caso os comportamentos de padres com nítidas tendências regalistas e

liberais que pudemos observar quando analisamos o processo de formação destas duas

localidades, nos anos que antecederam à chegada dos carmelitas descalços e também no

episódio que passou-se na paróquia de Camanducaia em 1911, quando Cônego Saturnino da

Conceição, então pároco daquela localidade, não acatou a decisão de Dom Assis de nomear

para esta paróquia um teresiano, desrespeitando assim o princípio hierárquico tão prezado

pela reforma católica. Já no que diz respeito às autoridades diocesanas, percebemos que, não

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194

obstante à grande ligação que uniu os três primeiros bispos desta diocese, grande foi a

diferenciação de posturas de Dom Assis e Dom Chagas, marcadas em grande medida por

inconstâncias no relacionamento com os teresianos e, finalmente, pela decisão súbita de Dom

Chagas de fechar a última casa de Cambuí em 1922, ação que pôs um fim inesperado ao

projeto de Dom Assis. Por tudo isso, constatamos que o movimento da Reforma

Ultramontana não foi uníssono nem obteve a apregoada unidade reivindicada pela Igreja

Católica.

Ao final deste trabalho, que se pretende um ponto inicial (e de ligação) para muitas

outras pesquisas sobre este tema, não podemos afirmar que a prática religiosa local tenha

conseguido passar incólume sob as ações dos teresianos pois, conforme pudemos observar, tal

relação entre estes, (sob os auspícios da autoridade diocesana e da sua Ordem) e os leigos,

gerou uma nova prática, ao que tudo indica mista e negociada, onde não podemos observar

nem a predominância de elementos ultramontanos, nem a sua forma anterior (amálgama de

influências de temporalidades e culturas diversas). Tal percepção foi sentida também pelos

freis Dorelli e Bindi que, no decorrer dos anos de 1911 até 1922, utilizaram frequentemente o

termo “relativo” para apontar um intenso processo de trocas recíprocas entre essas práticas em

diversos atos e atividades.

Concluímos, assim, que, ao final do período de permanência dos teresianos nas

referidas paróquias, predominou nas práticas locais a força da religiosidade anterior que,

contudo, foi ressignificada pela relação com os teresianos, os quais durante seus paroquiatos

adotaram e toleraram muitas das devoções presentes na forma como as referidas populações

vivenciavam sua fé.

Finalmente, cabe-nos dizer que estes dados não se pretendem absolutos, mas sim, um

início para novas pesquisas sobre este tema, que possam aprofundar tal assunto e nos relevar

muitos dos aspectos de nossa cultura deste período, o que não nos foi possível abordar aqui

devido ao nosso recorte temático e temporal.

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3- Teses

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de Doutorado em História. Universidade Federal de Pernambuco. Centro de Filosofia e

Ciências Humanas. Recife: 2002.

4- Dissertações

BARBOZA, M. A. Pedagogia, Mística e Espiritualidade na Configuração do Pensamento

de São João da Cruz. Dissertação de Mestrado em Educação. Universidade Estadual de

Maringá. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Maringá: 2007.

SILVA, M. P. da. De Gado a Café: As ferrovias no sul de Minas Gerais (1874-1910).

Dissertação de Mestrado em História Econômica. Universidade de São Paulo. Faculdade de

Filosofia, Letras e Ciências Humanas. São Paulo: 2012.

CASTRO, P. M. G. e. Minas do Sul: Visão corográfica e política regional no século XIX.

Dissertação de Mestrado em História. Universidade Federal de Ouro Preto. Instituto de

Ciências Humanas e Sociais. Mariana: 2012.

RIGOLO FILHO, P. A Romanização como Cultura Religiosa: As práticas sociais de D.

João Batista Corrêa Nery, Bispo de Campinas 1908-1920. Dissertação de Mestrado em

História Cultural. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Filosofia e Ciências

Humanas. Campinas: 2007.

ZANON, D. A Ação dos Bispos e a Orientação Tridentina em São Paulo (1745-1796).

Dissertação de Mestrado em História Cultural. Universidade Estadual de Campinas. Instituto

de Filosofia e Ciências Humanas. Campinas: 1999.

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209

5- Artigos e artigos online

ARAÚJO, J. C. S. Os Grupos Escolares como Expressão Republicana: As especificidades

no Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba. Disponível em:

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I primi anni di missione pastorale. 1911-1922, In: Ricerche Umbre del IRSUM (Istituto di

Ricerche Storiche sull’Umbria Meridionale). Terni: 2012.

SILVA, R. F. da. Centenario de la presencia de los Carmelitas Descalzos en Brasil: Los

primeiros años de la misión carmelita en Minas Gerais (1911-1922). La Evangelización en

una sociedade plural. São Roque (Brasil), 24-27 jul. 2012. Actas del Congreso Internacional

Misionero OCD.

MARCHETTI, E. La reforma del Carmelo scalzo tra Spagna e Italia. Disponível em:

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GIORDANO, S. I Carmelitani Scalzi e le missioni. Disponível em:

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CASSIO, G. Padre Arcangelo Bindi da Terni al Brasile. Terni: Mimeografado. 2010.

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ANEXOS

Figura 3. Dom Antônio Augusto de Assis, segundo bispo de Pouso Alegre (sem data)

Arquivo da Cúria Metropolitana de Pouso Alegre – Minas Gerais

Figura 4 Dom Octávio Chagas de Miranda, terceiro bispo de Pouso Alegre (sem data)

Arquivo da Cúria Metropolitana de Pouso Alegre – Minas Gerais

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211

Figura 5. Santuário do Senhor Bom Jesus do Córrego – década de 1910

Arquivo pessoal de Maria Aparecida Chiaradia Finamor e Silva

Figura 6. Imagem do Senhor Bom Jesus do Córrego – 1953

Arquivo pessoal de Maria Aparecida Chiaradia Finamor e Silva

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212

Figura 7. Santuário do Senhor Bom Jesus do Córrego 1911

Rivista Il Carmelo - Arquivo da Cúria Generalícia da Ordem dos Carmelitas Descalços - Roma

Figura 8. Santuário do Senhor Bom Jesus em 1911, depois da missa dominical.

Rivista Il Carmelo - Arquivo da Cúria Generalícia da Ordem dos Carmelitas Descalços - Roma

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213

Figura 9. Santuário do Senhor Bom Jesus e Praça Matriz - década de 1920

Arquivo pessoal de Maria Aparecida Chiaradia Finamor e Silva

Figura 10. Livro de Obrigações e Satisfações de Córrego

Arquivo da Província São José dos Carmelitas Descalços – São Paulo – SP.

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214

Figura 11 Frei Gerolamo e time de “football” Correguense - 1918

Arquivo pessoal de Maria Aparecida Chiaradia Finamor e Silva

Figura 12. Frei Gerolamo e time de “football” Correguense - 1918

Arquivo pessoal de Maria Aparecida Chiaradia Finamor e Silva

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215

Figura 13. Vista posterior da antiga igreja paroquial de Cambuí - 1912

Rivista Il Carmelo- Arquivo da Cúria Generalícia da Ordem dos Carmelitas Descalços - Roma

Figura 14. Imagem de Nossa Senhora do Carmo – Igreja Matriz de Cambuí - 1911

Rivista Il Carmelo - Arquivo da Cúria Generalícia da Ordem dos Carmelitas Descalços - Roma

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216

Figura 15. Partida dos Padres Redentoristas de Cambuí após a realização da Missão de 1912

Rivista Il Carmelo- Arquivo da Cúria Generalícia da Ordem dos Carmelitas Descalços - Roma

Figura 16. Colocação da primeira pedra fundamental da nova Matriz de Cambuí - 1912

Rivista Il Carmelo- Arquivo da Cúria Generalícia da Ordem dos Carmelitas Descalços - Roma

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217

Figura 17. Igreja Matriz de Cambuí em construção – 1 de junho de 1913

Rivista Il Carmelo- Arquivo da Cúria Generalícia da Ordem dos Carmelitas Descalços - Roma

Figura 18. “Colonos brasileiros” 1911

Rivista Il Carmelo- Arquivo da Cúria Generalícia da Ordem dos Carmelitas Descalços - Roma

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218

Figura 19. Grupo Escolar de Cambuí – 1912 (sem autoria)

Figura 20. Costumes brasileiros – Matador a céu aberto – 1911

Rivista Il Carmelo- Arquivo da Cúria Generalícia da Ordem dos Carmelitas Descalços - Roma

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219

Figura 21. A despedida do Vigário Marcellino Dorelli e as meninas de Cambuí em 1913

Rivista Il Carmelo- Arquivo da Cúria Generalícia da Ordem dos Carmelitas Descalços – Roma

Figura 22. Vista de Cambu no início do século XX. (sem autoria e sem data)

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220

Figura 23. Banda Musical Carlos Gomes (sem data)

Levindo Furquim Lambert. Livro Biogeografia de uma Cidade Mineira

Figura 24. Banda Musical VII de Setembro – 1914

Levindo Furquim Lambert. Livro Biogeografia de uma Cidade Mineira

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221

Figura 25. Carmelitas Descalços

Arquivo da Cúria Metropolitana de Pouso Alegre (sem data)

Figura 26. Missionários em partida para o Brasil – Grupo de 1912 – Roma.

Rivista Il Carmelo- Arquivo da Cúria Generalícia da Ordem dos Carmelitas Descalços - Roma

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222

Figura 27. Foto de religioso teresiano encontrado na Casa Paroquial de São Bento do Sapucaí – SP

(sem autoria e sem data)

Figura 28. Frei Mauro de São José

Arquivo da Província São José dos Carmelitas Descalços – São Paulo

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223

Figura 29. Vista topográfica do antigo Estado Pontifício com os conventos dos Carmelitas Descalços.

Onorio di Ruzza. Livro Sintesi Storico-Cronologica della Provincia Romana dei Padri Carmelitani Scalzi.

Figura 30 – Igreja Santa Maria della Scala – Roma (sem data)

Onorio di Ruzza. Livro Sintesi Storico-Cronologica della Provincia Romana dei Padri Carmelitani Scalzi.