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  • Idosos Vtimas de Maus-Tratos Domsticos:

    Estudo Exploratrio das Informaes dos Servios de Denncia

    Maria Tereza Pasinato

    Ana Amlia Camarano

    Laura Machado

    Palavras-chave: Envelhecimento populacional, violncia, sade, polticas pblicas.

    Resumo

    Os idosos so vtimas dos mais diversos tipos de violncia. Estas variam de insultos e agresses fsicas perpetradas por familiares e cuidadores (violncia domstica), maus-tratos em transportes ou instituies pblicas e privadas e as decorrentes de polticas socioeconmicas que reforam as desigualdades presentes na sociedade (violncia social).

    So poucas as informaes e estudos sobre a percepo social e, principalmente, sobre a freqncia e a prevalncia da violncia domstica contra idosos na sociedade brasileira. Certamente, muitos dos avanos j realizados em outros pases so de grande auxlio para o entendimento da questo no Brasil. Porm, por se tratar de uma questo intimamente relacionada aos aspectos culturais de cada sociedade, importante o entendimento do fenmeno em realidades especficas como a brasileira.

    O presente trabalho tem por objetivo analisar a existncia, freqncia e tipos de maus-tratos domsticos contra idosos a partir do levantamento das informaes constantes nos servios voltados para o recebimento de denncias por telefone. So analisadas as informaes obtidas junto a dois servios: Voz do Cidado do Senado Federal (2003/2004) e Ligue Idoso Ouvidoria, vinculado ao governo do estado do Rio de Janeiro (2002/2005).

    Os resultados mostraram que o abandono e as agresses fsicas foram os maus-tratos mais denunciados, provavelmente, em funo do tipo de informaes analisadas, uma vez que a gravidade e a visibilidade tpicas dos mesmos parecem contribuir para o seu delato. A elevada incidncia dos abusos financeiros, por sua vez, evidencia a convivncia com aspectos mais gerais da violncia social e estrutural a que esto submetidos expressivos contingentes da populao brasileira, relacionadas ao persistente quadro de pobreza e excluso social.

    Trabalho apresentado no XIV Encontro Nacional de Estudos Populacionais, ABEP, realizado em Caxamb- MG Brasil, de 20- 24 de Setembro de 2004. As autoras agradecem o dedicado e hbil trabalho de coleta e tratamento dos dados realizados por Gustavo Malaguti e Ana Ceclia Jasmim de Aguiar. Pesquisadoras do IPEA.

    Consultora do Projeto RedIpea.

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    Idosos Vtimas de Maus-Tratos Domsticos:

    Estudo Exploratrio das Informaes dos Servios de Denncia

    Maria Tereza Pasinato

    Laura Machado Ana Amlia Camarano

    Introduo

    A violncia contra os idosos deve ser analisada no contexto das grandes mudanas familiares. Os idosos so vtimas dos mais diversos tipos de violncia que vo desde insultos e agresses fsicas perpetradas pelos prprios familiares e cuidadores (violncia domstica), maus-tratos sofridos em transportes pblicos e instituies pblicas e privadas at a prpria violncia decorrente de polticas econmicas e sociais que mantenham ou aumentem as desigualdades socioeconmicas ou de normas scio-culturais que legitimem o uso da violncia (violncia social). Se por um lado, a violncia contra os idosos se insere nos meandros dos conflitos intrafamiliares, muitas vezes invisveis para a sociedade, por outro lado, a prpria construo do ser idoso nas sociedades capitalistas associa idade avanada obsolescncia, se traduz em violncia social. Isto coloca a questo da violncia como parte de uma questo mais ampla de construo da cidadania em um ambiente democrtico.

    A implementao do Estatuto do Idoso resultou em que a questo dos maus-tratos passasse a contar com um instrumento legal que regula os direitos s pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos, com previso de pena pelo seu descumprimento. De acordo com o Estatuto, prevenir a ameaa ou violao dos direitos dos idosos passa a ser um dever de toda a sociedade brasileira, bem como torna obrigatria a sua denncia aos rgos competentes (autoridades policiais, Ministrios Pblicos, Conselhos do Idoso, etc.).

    A partir da sano da referida Lei emergem questes sobre a disponibilidade, as condies de funcionamento dos servios de denncia e proteo aos idosos e sobre a necessidade de criao de servios especficos para este grupo populacional. Por exemplo, pergunta-se se os cidados e profissionais de sade esto cumprindo com o seu dever de comunicar as formas de violncia que tm contato? Que tipos de denncias ocorrem com mais freqncia? Em situaes

    Trabalho apresentado no XIV Encontro Nacional de Estudos Populacionais, ABEP, realizado em Caxamb- MG Brasil, de 20- 24 de Setembro de 2004. Pesquisadoras do IPEA. Consultora do Projeto RedIpea.

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    em que se confirmem os maus-tratos, o Estado brasileiro est aparelhado para exercer seu papel de mediador dos conflitos?

    O presente estudo procura, em carter exploratrio, dar algumas respostas s questes acima elencadas. Com esse objetivo, realizou-se um levantamento nos servios de denncia (do tipo Disque Idoso) visando traar um perfil preliminar das vtimas e dos agressores bem como dos encaminhamentos dados s denncias. Espera-se que os resultados possam, de alguma forma, contribuir para a formulao de polticas e aes governamentais que permitam criar/aperfeioar os mecanismos que facilitem o acesso s informaes e aos direitos dos idosos, principalmente no que diz respeito defesa de sua dignidade, atravs do pronto atendimento via telefone.

    O trabalho est divido em cinco partes, incluindo esta introduo e os comentrios finais (quinta seo). A segunda seo apresenta uma breve reviso da literatura sobre a violncia contra os idosos. A terceira apresenta um mapeamento das instncias para denncias existentes em todo o pas. Anlise das informaes especficas de duas instncias para denncias, uma a nvel nacional Voz do Cidado e outra voltada para o atendimento dos idosos residentes no estado do Rio de Janeiro Ligue Idoso Ouvidoria - so apresentadas na quarta seo.

    2. Definio e Contextualizao dos Maus-tratos sofridos por Idosos

    A violncia entre seres humanos parece fazer parte da prpria histria da humanidade. No entanto, alguns aspectos e causas da violncia so mais facilmente percebidos do que outros, com variaes decorrentes dos sistemas de valores e econmicos das sociedades em que se inserem. O entendimento da violncia familiar como um problema social muito recente. Pesquisas acadmicas sobre o assunto se difundiram principalmente a partir da dcada de 1980 (Barnett et al., 1997). A famlia, e, de uma forma mais concreta o lar / domiclio, so tradicionalmente entendidos, nas mais diversas culturas, como um ambiente de amor, um porto seguro contra a violncia externa.

    Os primeiros estudos sobre violncia domstica contra idososdatam de meados da dcada de 1970, com a publicao do artigo Granny battered (espancamento de avs) em 1975 (Baker, 1975, Burston, 1977 apud Krug et alii, 2002). Outro momento importante para o estudo dos maus-tratos foi a criao de uma revista dedicada exclusivamente ao tema em 1989 Journal of Elder Abuse & Neglect (Barnett et alii, 1997). De acordo com Machado e Queiroz (2002), o interesse da rea de sade pela violncia cresceu devido a dois fatores: a conscientizao crescente dos valores da vida e dos direitos de cidadania e as mudanas no perfil de morbimortalidade.

    Em 1996, a questo da violncia foi reconhecida mundialmente como um importante e crescente problema de sade pblica em todo o mundo pela 49a. Assemblia Mundial de Sade (resoluo WHA 49.25). Ressaltaram-se suas importantes conseqncias para indivduos, famlias, comunidades e pases, tanto no curto como no longo prazo e seus prejuzos para o desenvolvimento social e econmico.

    No que se refere especificamente aos idosos, convencionou-se identificar os maus-tratos cometidos tanto por aes quanto por omisses, quer intencionais ou no. Dessa forma, a definio mais utilizada para os maus-tratos cometidos contra idosos a adotada pela Rede

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    Internacional de Preveno aos Maus-tratos de Idosos (International Network for Prevention ou Elderly Abuse INPEA), qual seja:

    uma ao nica ou repetida, ou ainda a ausncia de uma ao devida, que cause

    sofrimento ou angstia, e que ocorra em uma relao em que haja expectativa de

    confiana (INPEA, 1998; OMS, 2001 apud Machado e Queiroz, 2002 e Krug et alii,

    2002).

    Um dos grandes desafios para os estudos sobre os maus-tratos, no apenas especificamente em relao aos idosos, reside na definio das categorias e tipologias que designem as suas vrias nuances. Minayo (2004) classifica os maus tratos e a violncia contra os idosos em:

    1. Maus-tratos fsicos: uso da fora fsica para compelir os idosos a fazerem o que no desejam, para feri-lo, provocar-lhes dor, incapacidade ou morte.

    2. Maus-tratos psicolgicos: agresses verbais ou gestuais com o objetivo de aterrorizar os idosos, humilh-los, restringir sua liberdade ou isol-los do convvio social.

    3. Abuso financeiro ou material: explorao imprpria ou ilegal dos idosos ou uso no consentido por eles de seus recursos financeiros e patrimoniais.

    4. Abuso sexual: refere-se ao ato ou jogo sexual de carter homo ou hetero relacional, utilizando pessoas idosas.Visam obter excitao, relao sexual ou prticas erticas por meio de aliciamento, violncia fsica ou ameaas.

    5. Negligncia: recusa ou omisso de cuidados devidos e necessrios aos idosos por parte dos responsveis familiares ou institucionais. Geralmente, se manifesta associada a outros abusos que geram leses e traumas fsicos, emocionais e sociais, em particular, para os que se encontram em situao de mltipla dependncia ou incapacidade.

    6. Abandono: ausncia ou desero dos responsveis governamentais, institucionais ou familiares