história do direito português - aafdl
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História do Direito Português
Prof. Regente: Pedro Caridade Freitas
Prof. Assistente: Pedro Correia Gonçalves
Mafalda Luísa Condelipes Boavida
2019/2020
Mafalda Boavida 2
Programa:
- Início da nacionalidade: evolução, do ponto de vista das fontes, desde séc. XII até
hoje;
- Características gerais do período medieval;
- Primeiras compilações jurídicas: 3 ordenações manuelinas afonsinas e filipinas;
- séc. XVI renascimento do direito;
- Séc. XVIII – marques de pombal; lei da boa razão, reforma do ensino universitário
e a sua importância;
- séc. XIX constitucionalismo e codificações;
- Movimentos positivistas, neopositivismos, neojusnaturalismos e direito atual;
- Como se olha para a lei;
- Institutos jurídicos – evolução das sucessões do d. da família e do d. penal;
Bibliografia:
- História do d. português de ruy Albuquerque 3 volumes. Comprar o tomo I 11ª
edição. (matéria mais difícil – raciocínio jurídico medieval).
- História de d. pt de Mário Júlio almeida costa, almedina.
- História do direito português de Nuno Espinosa gomes da silva.
- Textos de história do direito português – AAFDL, livro amarelo.
Períodos:
- Período pluralista: do início da nacionalidade – 1143 (tratado de Zamora) ate 1415
(conquista de Ceuta e os descobrimentos); pluralidade de fontes a serem aplicadas ao
mm tempo;
- Período munista: 1415 – com a expansão – até aos dias de hoje; tendência para a
existência de uma única fonte; 2 subperíodos:
- 1415 a 1820 (revolução liberal): supremacia da lei em relação as outras
fontes – lei da boa razão de 18 de agosto de 1769;
- Hegemonia da lei manifestada através do processo de codificação – 1820
até a atualidade; surgem diversos códigos;
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Índice
DIREITO VISIGÓTICO .............................................................................................................................. 5
ORGANIZAÇÃO POLÍTICA DO SÉC. XII ATÉ AO SÉC. XVII .............................................................. 6
A JUSTIÇA ................................................................................................................................................ 7
DIREITO SUPRAPOSITIVO ................................................................................................................................. 9 Direito divino ........................................................................................................................................... 9 Direito natural ........................................................................................................................................ 10
DIREITO SUPRAREGNA .................................................................................................................................. 11 Direito Canónico ................................................................................................................................... 11 Direito Romano ..................................................................................................................................... 13
IUS REGNI ...................................................................................................................................................... 14 DIREITO LOCAL – DIREITO PACTUADO .......................................................................................................... 16 ESCOLAS JURISPRUDENCIAIS NA IDADE MÉDIA ............................................................................................ 21 METODOLOGIA DAS ESCOLAS JURISPRUDENCIAIS DA IDADE MÉDIA ............................................................ 22
PERÍODO MONISTA .............................................................................................................................. 24
TRANSFORMAÇÕES EM PORTUGAL DO SÉC. XIV AO SÉC. XV ...................................................................... 24 PROCESSO DE ELABORAÇÃO DA LEI .............................................................................................................. 25 COMPILAÇÕES DE LEIS .................................................................................................................................. 25
Leis e posturas: .................................................................................................................................... 25 Ordenações de D. Duarte: .................................................................................................................. 25 Regimento quatrocentista da casa da suplicação: ...................................................................... 26 Ordenações Afonsinas: ...................................................................................................................... 26 Ordenações Manuelinas: .................................................................................................................... 27 Ordenações Filipinas: .......................................................................................................................... 28 Reinado de Filipe I. ................................................................................................................................. 28
FORAIS E A SUA REFORMA ............................................................................................................................. 29
INSTITUTOS JURÍDICOS ...................................................................................................................... 31
DIREITO DA FAMÍLIA ....................................................................................................................................... 31 DIREITO DAS SUCESSÕES ............................................................................................................................. 36 DIREITO PENAL .............................................................................................................................................. 39
TRANSFORMAÇÕES JURÍDICAS OCORRIDAS NO SÉC. XVI POR FORÇA DAS CORRENTES DO HUMANISMO JURÍDICO, NA SEQUÊNCIA DO RENASCIMENTO ................................................... 43
ESCOLA PENINSULAR DE DIREITO NATURAL ................................................................................................. 45
SÉCULO XVIII – O RACIONALISMO .................................................................................................... 45
LEI DA BOA RAZÃO ........................................................................................................................................ 47
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REFORMA POMBALINA ................................................................................................................................... 48
NOVO CÓDIGO ....................................................................................................................................... 50
Ata das Cortes de Lamego .................................................................................................................... 52
O LIBERALISMO .................................................................................................................................... 52
CODIFICAÇÃO DO SÉC. XIX ........................................................................................................................... 53 Código Comercial ................................................................................................................................... 54 Direito Penal ............................................................................................................................................ 54 Direito Administrativo ............................................................................................................................. 56
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Direito Visigótico
Relativamente ao direito germânico de matriz visigótica, importa abordar a influência
que o mesmo teve na formação do Direito Português e no Direito aplicado e utilizado
pelos povos que habitaram o território da Península Ibérica.
A base do direito visigótico era o costume, o que se justificava pelo facto do povo
godo ter uma natureza nómada e, portanto, não ter a necessidade de criar um direito
positivado.
Porém ficou-se a dever-lhes alguns monumentos jurídicos, dos quais se destacam:
à Código de Eurico (476): obra redigida por Teodorico II, irmão do rei Eurico; esta
é considerada uma obra de direito visigóticos que corresponde ao Direito Romano
Vulgar – as suas normas estão muito longe de representarem o direito germânico puro.
Pouco se conhece desta obra;
à Breviário de Alarico (506): Direito romano aplicado aos visigodos; é um código
de pequenas dimensões, com conteúdo eminentemente romano. Aplicação pessoal –
aplicava-se aos romanos;
à Código de Leovigildo (572-86): este é considerado como uma revisão ao código
de Eurico;
à Código visigótico (654): atribuído ao reinado do rei Recesvindo – aprovado no
8º concilio de toleno e que representa o término da evolução do dto. visigótico. Este tem
duas revisões: formula hervigiana; forma vulgata – séc. VIII (tratado de direito público).
Este é extremamente importante para o início da Monarquia portuguesa. A obra mais
importante foi as “sete partidas” utilizada no reinado de D. Dinis.
A grande questão que se coloca no estudo do Direito visigodo, designadamente com
as duas primeiras obras supra descritas, é saber qual o direito que tutelava os povos.
A tese da territorialidade defendia que o Breviário de Alarico veio revogar o código
de Eurico. Já a tese da dualidade legislativa veio defender que o Código de Eurico se
aplicava aos visigodos e o Breviário de Alarico aos hispano-romanos.
A maior parte da doutrina defende que o Código Visigótico se aplicou em Portugal
até ao séc. XIII inclusive, tendo deixado de ser aplicado no reinado de D. Dinis, quando
foi sendo gradualmente substituído por um ordenamento considerado mais completo e
perfeito, nomeadamente o dto. Romano justinianeu.
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Organização política do Séc. XII até ao séc. XVII
A Idade Média é, normalmente, denominada do ponto de vista político como
república Christiana. Esta era uma organização política que orientou quer do ponto de
vista político quer jurídico a europa durante os séc. XII a XIII.
Parte de 2 pressupostos: a organização do poder centra-se no imperador do sacro
império romano-germânico e o papa. O Frederico Hohenstaufen é o criador desse
império.
O imperador era suserano dos monarcas que ocupavam o seu território. Tinha poder
político sobre toda a cristandade.
O papa tem o poder temporal e o poder espiritual, enquanto sucessor de Pedro. A
partir de Inocêncio II são papas que vão defender o poder temporal da igreja sobre a
cristandade. Este é o chefe da República e, por isso, tem poder político- intervenção
direta sobre a vida da cristandade -.
Na construção do poder político vamos encontrar uma situação que é os reis da
época – que detém poder político sobre os reinos – não detinham um poder
incondicional. Acima desse poder estava o poder do imperador ou/e do papa.
O termo rei não tem, na Idade Média, a mesma conotação do termo na atualidade.
Porque até ao sec. XIV não havia uma definição dos conceitos.
Em relação a Portugal, o poder imperial não se fez sentir, uma vez que, estava longe
do centro do império e por ter fronteiras físicas. – rex est imperator in regno suo. No
entanto, a relação com o papado foi diferente. Houve submissão temporal do poder
português ao poder do papado.
3 momentos: à 1143: tratado de Zamora – tratado assinado por D. Afonso Henriques e o
imperador de leão e Castela Afonso VII. Independência de Portugal; - 1179: Bula
Manifestun Probatum do papa Alexandre III e o reconhecimento de que Portugal é um
reino independente.
à Sancho II foi, a pedido do povo português, declarado pelo papa como um rei
injusto, que não praticava a justiça. O principal motivo foi a lei das inquirições. Em seu
lugar é colocado o conde de Bolonha – Afonso III.
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à Tratado de Tordesilhas: dividia o planisfério em 2 partes iguais. Delimita esferas
de influência na navegação e no exercício do comercio. Mas não vinculam os outros
reinos. Pedem que o papa venha ratificar o tratado e dizer que este é imposto a toda a
cristandade.
Nota: Bolonha era o centro europeu. Era onde existia a universidade; onde os
glosadores tinham iniciado o seu trabalho.
A justiça
O direito é entendido como justiça porque surgiu para atingir e validar, sendo mesmo
o seu instrumento fundamental. Esta é vista como a fonte do direito. O direito procede a
justiça e não pode haver direito sem a justiça.
A justiça para ser atingida, necessita de vários elementos, entre os quais, o elemento
volitivo humano, que se traduz na vontade do homem em ser justo e, simultaneamente,
o elemento de habitualidade, que corresponde à permanência dessa vontade, que não
pode ser esporádica.
Enquanto a justiça universal é intra-subjetiva, porque diz respeito ao caráter e à
consciência de cada pessoa, a justiça particular é inter-subjetiva, porque diz respeito às
relações dos elementos duma comunidade.
Segundo Ulpiano, a justiça particular é a vontade perpétua e constante de atribuir a
cada um o que é seu – sum cuique tribuere.
Segundo Santo Agostinho, a justiça particular é uma virtude, pois toda a atuação
deve prosseguir a justiça como virtude, como máxima retidão que o homem na sua
atuação deve prosseguir.
Na atuação de cada homem deve haver a preocupação não só da salvação da sua
própria alma, mas também a dos seus súbditos.
Esta permite a salvaguarda da comunidade política e a organização da sociedade.
Existem várias modalidades de justiça, entre elas:
à Justiça objetiva: retidão plena e normativa comportamento abstrato que a
sociedade deve seguir; deve comportar-se há imagem e semelhança de deus. Medida
através do bom pai de família.
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à Justiça subjetiva: aquela que os homens devem aplicar na relação que mantêm
uns com os outros. Encontramos nesta o trabalho desenvolvido por São Tomas de
Aquino – a justiça pode assumir 3 dimensões:
à Comutativa ou sinalagmática: justiça celebrada entre iguais.
à Distributiva ou geométrica: proporcional. Atribuir a cada um o que é seu,
propugna a desigualdade é a relação entre o professor e o aluno. Tratar igual o que é
igual e diferente o que é diferente na medida da sua diferença. Avaliado o mérito e o
demérito.
à Social: justiça da base para com o todo todos contribuem autonomamente para
um fim comum.
As modalidades da justiça podem ainda ver-se segundo o critério das “Partidas”
(obra castelhana). Esta divide entre justiça espiritual (atribuição a Deus do que lhe é
devido pelo Homem), justiça política (atribuição pela comunidade aos seus membros de
um lugar na mesma) e justiça contenciosa (aquela que se aplica nos pleitos).
Resumo:
Dto. Suprapositivo – está acima do direito escrito. 3 tipos:
Þ Direito. Divino
Þ Direito. Natural
Þ Direito. Das Gentes
Dto. Supraregna – está acima do poder do rei, mas a baixo do suprapositivo. 2 tipos:
Þ Direito Canónico;
Þ Direito. Romano;
Lei do Rei – fonte de direito.
Costume – prática reiterada com valor de obrigatoriedade; emana da comunidade
nacional.
Dto. Pactuado – surge de acordos entre os grupos privilegiados. 3 figuras:
Þ Cartas de povoação;
Þ Forais;
Þ Estatutos municipais;
Dto. Judicial – 3 figuras:
Þ Estilos;
Þ Façanhas;
Þ Alvidros.
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Período Pluralista
Direito Suprapositivo
O direito suprapositivo resulta de alguém que o produz e que está acima do homem.
No período pluralista os ordenamentos que tinham supremacia sobre o direito positivo
eram o direito divino, o direito natural e o direito das gentes.
Direito divino
O direito divino é o direito de deus (último ratio) que se inscreve no coração do
homem - tese de S. agostinho (séc. V). Já S. Tomás de Aquino (séc. XIII) vai defender
que o direito divino se inscreve na razão humana.
Na doutrina jurídica e teleológica medieval está assente que o direito legislado, a lei
do rei não pode ir contra o direito divino.
Para S. Agostinho tanto a lei divina quer a natural emanam de deus e da sua vontade
criadora. Este diz que a lei eterna é razão e vontade de deus que manda conservar a
ordem e proíbe que ela seja perturbada. E depois da lei eterna vem a lei natural – aquela
que deus grava no coração do homem; é o conhecimento do homem da lei eterna
através do seu próprio coração.
S. Tomas de Aquino – autor essencial para o pensamento jurídico, doutor da igreja
escreve a Suma Teológica e, é aí que podemos encontrar um tratado jurídico. É o grande
Influenciador da tradição cristã medieval.
Vai distinguir 4 tipos de leis, designadamente a lei eterna, da qual derivam a lei
natural e a lei divina, as quais, por sua vez, serviram de base à lei humana:
Þ Lei eterna: razão de deus, governadora e ordenadora de todas as coisas;
Þ Lei natural: e a participação da lei eterna na criatura racional que permite
distinguir o bem e o mal; e aquela que decorre da própria lei eterna; apreensão
do homem da lei eterna através da lei natural;
Þ Lei divina: revelação da lei eterna através das sagradas escrituras;
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Þ Lei humana: direito feito pelo homem; tem de respeitar as outras 3.
Direito natural Direito inerente ao homem. O Homem é um ser social e, como tal, necessita de
obedecer a princípios que lhe são anteriores e regem a vivência em sociedade. Esses
princípios correspondem ao direito natural.
Gaio defendia que o direito natural era racional (corrente racionalista), enquanto que,
Ulpiano defendia que este era irracional (corrente voluntarista). Tende a defender-se a
versão de Gaio.
Até ao séc. XVI era um direito de Deus para o Homem e não era mais do que a lei
eterna no Homem.
A partir dai diz-se que este não tem de ter uma origem direta de Deus, mas sim um
produto racional. O direito natural passa a ser visto como produto da razão humana.
S. Tomas de Aquino encontra a teorização em preceitos primários – são evidentes
para todos os Homens independentemente do local e época em que viva, não podem
nunca ser alterados são invioláveis - e secundários – são aqueles que são suscetíveis
de variar de acordo com a época e o lugar e a relação do homem com o meio; só são
obrigatórios para uns.
A dispensa destes direitos era da competência exclusiva do papa, como
representante da vontade de Deus.
Tanto no estudo do direito natural como no estudo do direito divino há que ter em
conta o princípio da imutabilidade e da inderrogabilidade.
Direito das Gentes Assume-se como direito suprapositivo. No entanto, enquanto os outros dois são de
origem divina este é de origem humana. Pode ser um corretor e um integrador de
lacunas dos direitos criados pelos diversos reis da cristandade.
Este regulava as relações entre as várias comunidades, sendo um direito de base
costumeira.
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Dividido em direito com preceitos primários – não variam, são obrigatórios – e os
secundários – variam ao longo do tempo e podem até ser anulados em função da
evolução da sociedade.
Direito Supraregna
Este é o direito que se encontra acima do Direito do Rei, mas a baixo do Direito
Suprapositivo.
Divide-se em 2:
Þ Direito Canónico;
Þ Direito Romano;
Direito Canónico
O direito canónico regulava as relações da comunidade dos crentes/fiéis com Deus
e também o funcionamento da Igreja. As leis de direito canónico designavam-se por
Canones.
Dentro deste podemos encontrar fontes em razão do autor (fontes essendi) e fontes
que permitem o conhecimento (fontes cognoscendi).
O direito canónico hoje aplica-se aos membros da igreja, aos bens das congregações
religiosas e aplica-se a todos aqueles que são fiéis da igreja. Por isso, há em todas as
dioceses um tribunal eclesiástico.
É um direito de caráter pessoal.
Fontes Essendi:
Þ Sagradas Escrituras: abrangem o antigo e o novo testamento;
Þ Tradição da igreja: conhecimento translatício escrito ou oral de um ato de
autoridade (da igreja); e
Þ Costume: prática reiterada com valor de obrigatoriedade praticada pelos
membros da igreja que serão reduzidas a escrito.
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Þ Também o dto. Canónico é fonte de direito local. Vai influenciar as
construções jurídicas dos diversos territórios da república Cristiana, aplicando
se através de:
o Canones: decisão de um concilio (assembleia religiosa); podem ser
universais (englobam toda a república) nacionais (englobam membros
de um determinado território) locais e regionais; são impostos à
cristandade;
o Decreto: determinações papais – é o que o papa estatui por conselho
dos seus cardiais sem consulta de ninguém; é iniciativa do papa; deram
origem a compilações;
o Decretal: determinações papais – o que o papa estatui sozinho ou com
consulta dos cardiais; é interpelada por alguém; estudado por
decretalistas;
o Concordia: acordo interno (nacional) entre o poder político local e a
igreja local;
o Concordata: acordo internacional entre o Rei e o papa; Pt tem em vigor
uma concordata de 2004 que regula as relações entre o estado e a
Santa Sé;
o Doutrina: opinião dos juristas.
As Fontes Cognoscendi são o conjunto de obras que formam o Corpus Iuris Canonici
(coleção hispana, decretais de gregório IX, o Sexto, extravagantes, etc.).
O 1º conjunto de leis portuguesas considera que o direito canónico é superior
hierarquicamente ao direito do Rei. Esta supremacia vai acompanhar toda a evolução
política da 1ª dinastia.
è Aplicação do Direito Canónico na Península Ibérica:
Na Idade Média, os tribunais eclesiásticos, julgavam segundo dois critérios: em
função da matéria (caso esta fosse de caráter espiritual, ligado à igreja) ou em função
da pessoa (certas pessoas eram julgadas pelos tribunais eclesiásticos – estudantes,
clero, etc.).
A partir do séc. XIV aplicava-se o direito pátrio e, como direito subsidiário o direito
romano ou canónico, em função do critério do pecado.
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Critério do Pecado: se as matérias temporais a que a Ordem romana dava resposta,
trouxessem pecado (contrariassem os preceitos instituídos) não se aplicava o dto.
romano, mas sim o dto. Canónico.
è Restrições ao Dto. Canónico:
o Beneplácito Régio: criado por Pedro I. É um instituto político e jurídico em
que os Reis controlam a publicação das cartas apostólicas, em território
Português. Vai ser revogado com a república.
No sec. XIV o rei D. Pedro I vai dizer a que a supremacia é régia e, por isso, lhe
compete a ele decidir se os documentos vão ser ou não aplicados.
Portugal mantem-se fiel ao papa de Roma e decide-se que no país lusitano só são
aplicadas as cartas do papa de Roma e não o de Avinho.
Direito Romano
Aplica-se também o direito romano, para além do direito canónico.
A receção do dto. Romano em Portugal vai se fazer sentir num período de hegemonia
da atividade económica comercial europeia. Há uma necessidade da europa de retomar
o comercio e as relações comerciais entre os diversos reinos da cristandade. Na europa
há uma maior segurança o que também vai contribuir para a evolução do comércio.
Posto isto, é necessário que o direito acompanhe a evolução económica e comercial.
São criados os cheques.
Irnério redescobre o direito romano, e este começa a ser estudado, lido novamente.
O digesto passa a ser utilizado novamente, principalmente a partir do reinado de D.
Afonso III.
Isto não significa que o direito romano é aplicado nos tribunais. Estes últimos
trabalhavam com o costume. O dto. Romano vai ser utilizado pela corte.
O dto. Romano tem uma importância crucial na época medieval porque, em conjunto
com o dto. Canónico, constituem o ius commune e untrumque (tronco jurídico). Vai
promover a construção jurídica.
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O dto. Canónico e o dto. Romano são o dto. Comum na República Cristiana. A partir
dos finais do Sec. XIV ajudam na construção de cada um dos reis.
è Onde se aplica o dto. Romano:
Em questões temporais, celebração de contratos, questões de dto. De propriedade.
Ius Regni
O direito legislado é produto da vontade humana e está reduzido a escrito.
Este é elaborado pelo poder político, e situa-se nos séculos XI, XII e XIII.
Importa então fazer uma abordagem ao que era a lei no período pluralista.
Com efeito, no período pluralista o conhecimento da lei era efetuado oralmente pelos
procuradores do rei. Os procuradores liam as leis habitualmente aos domingos, sendo
que a frequência das leituras tinha a ver com a importância da lei.
Mais tarde, no séc. XIII, o monarca passou a ordenar ao chanceler mor do reino que
catalogasse e arquivasse as leis nos livros de chancelaria régia.
Quanto à interpretação da lei, imperava a interpretação autêntica, ou seja, efetuada
pelo próprio rei.
A lei não era retroativa e a sua aplicação era essencialmente local.
Inicialmente, esta devia estar em conformidade com o dto. Natural e o dto. Divino.
Antes da fundação da nacionalidade, vigoraram as leis contidas no Código Visigótico
e as Leis de Leão, Coiança e Oviedo, as quais se classificavam em cúrias e concílios.
Nas cúrias os elementos presentes eram laicos e tratavam de matérias de natureza
civil.
Nos concílios os elementos presentes eram eclesiásticos e as matérias tratadas
eram de natureza eclesiástica, sendo as sanções espirituais.
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As obras de direito castelhano que interessam e tiveram aplicação no direito
português são:
Þ Flores del Derecho: tratado de direito processual (1235) integrado no
Caderno dos Foros da Guarda;
Þ Fuero Real: criado entre 1252 e 1255 com caráter eminentemente localista e
aplicado em todas as cidades que não tinham um foral;
Þ Partidas: criadas aproximadamente em 1256 por um grupo de juristas da
corte de Afonso X de Castela.
Até ao reinado de D. Afonso II só se conheciam duas leis portuguesas,
nomeadamente a lei do reinado de D. Afonso Henriques sobre as barregãs e, uma lei
do reinado de D. Sancho I sobre a isenção do serviço militar.
Com efeito, as leis feitas pelos reis portugueses só surgiram em número
considerado, a partir do reinado de D. Afonso II na Cúria de Coimbra de 1211.
Neste período as leis portuguesas foram proliferando e acabaram por ser compiladas
em duas grandes obras:
Þ Livro das Leis e Posturas: esta obra agrupa sem qualquer critério de
sistematização, as leis elaboradas entre os reinados de D. Afonso II e D.
Afonso IV; e as
Þ Ordenações de D. Duarte: obra mais completa e perfeita que a anterior, já
organiza leis por reinados e, dentro destes, sistematiza-as por matérias.
No período pluralista, com a formação e consolidação dos Estados, a lei foi-se
gradualmente afirmando como uma fonte de direito cada vez mais importante.
Para se imporem e se fazerem respeitar pelos cidadãos da comunidade, as leis eram
normalmente elaboradas em cumprimento de determinados requisitos, argumentando-
se até que resultavam da verificação de todos ou de parte deles, nomeadamente:
Þ Vontade Régia: invocava-se que a lei era resultado da vontade do rei;
Þ Conselho: invocava-se que os conselheiros do rei, sábios na matéria de
legislar, tinham sido ouvidos;
Þ Cortes: invocava-se que resultavam de deliberações das cortes;
Þ Razoabilidade: invocava-se que as leis eram criadas de acordo com a razão;
Þ Antiguidade.
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Assim, a lei tinha força vinculativa, ou seja, nenhum cidadão podia alegar a
ignorância da lei pois estas eram registadas no Livro de Chancelaria e lidas na missa
amiúde, conforme a sua complexidade e grau de importância.
A aplicação da lei no espaço era feita de acordo com o seu âmbito de aplicação,
existindo leis de aplicação territorial e outras de aplicação pessoal.
A aplicação da lei no tempo era feita da seguinte maneira: a lei so entrava em vigor
depois de ser conhecida e não era retroativa – só se aplicava a casos futuros.
Direito local – Direito Pactuado
Este é o direito resultante da aliança entre o direito visigótico e o direito romano.
O direito pactuado pressupõe um acordo entre as partes, um encontro de vontades.
Nas comunidades locais (municípios ou conselhos) aplicava-se não só o direito do
rei, mas também um direito específico, muitas vezes negociado com os homens bons
dos municípios e o senhor da terra.
Através de cartas de privilégio – forais, estatutos municipais, etc, eram concedidas
as comunidades locais privilégios.
Estas são cartas que permitem que uma determinada localidade destinatária de cada
carta tenha um regime específico para o seu território com direitos e deveres específicos
do seu território concedidos por quem lhes atribui essa carta.
Isto significa que, no ordenamento jurídico local, para além dos costumes, lei do
reino, e outros ordenamentos, vamos encontrar a aplicação do direito que consta nestas
cartas.
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Encontramos nestas cartas três grandes figuras:
Þ Cartas de povoação:
Visam atrair habitantes para zonas escassamente povoadas ou que não estão
sequer povoadas, em troca de certos privilégios. Foram mais comuns no Sul do país.
Documentos jurídicos, elaborados pelos monarcas e os senhores das terras, que
contêm um conjunto de normas que vão definir o estatuto jurídico do povoador que vai
habitar aquele território e vai definir as regras relativas à exploração da terra, da
constituição da comunidade e os direitos e deveres da comunidade perante o senhor da
terra. Definidas as prestações patrimoniais e pessoais que os povoadores devem
cumprir.
Estas assumem a natureza jurídica de um contrato de adesão – contrato pré-definido
entregue aos colones que aderem ou não – de cariz agrário, mas que definem as regras
pelas quais uma comunidade se deve regular.
Þ Forais:
Instrumento jurídico, concedido pelo rei, nobreza ou clero a uma comunidade, em
princípio, já constituída. São mais extensas e abrangentes em direitos do que as cartas
de povoação.
Encontramos nas mesmas um conjunto de normas jurídicas sobre diversos ramos
do Direito – dto. Fiscal, dto. Penal, dto. Administrativo, etc. são instrumentos jurídicos
necessários para o funcionamento das comunidades.
Os Forais surgiram com a necessidade de criação de normas de direito público, com
o fim de regular as relações entre o senhor e a população.
A norma do foral prevalecia à do monarca, tendo esta, no foral, um caráter
subsidiário, já que só se aplicava em caso de lacuna no ordenamento do foral.
Estes estão organizados em várias famílias:
o Quanto à entidade do outorgante:
§ Régios – do rei com afirmação da rainha e dos seus filhos;
§ Particulares – do senhor eclesiástico ou feudal.
o Quanto ao grau de complexidade das instituições:
§ Rudimentares;
§ Imperfeitos;
§ Perfeitos.
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o Quanto ao grau de originalidade:
§ Originários: criados especificamente para uma determinada
comunidade;
§ Ampliativos: criados com base na estrutura de outros forais, aos
quais se acrescentavam normas específicas;
§ Confirmativos: eram confirmados pelo monarca ou os que
correspondiam a cópias integrais de outros anteriores.
Þ Foros/Costumes/Estatutos municipais:
São cadernos de normas jurídicas – conjunto de leis civis, criminais, políticas,
administrativas e processuais, outorgadas pelo senhor da terra que permitem o governo
daquela comunidade.
Conjunto de instrumentos jurídicos compilados, que eram utilizados para aplicar aos
casos concretos. Normalmente integram os forais ou as cartas de povoação.
Incluíam normas de dto. Privado e público para dotar aqueles municípios de normas
jurídicas que permitissem aos juízes aplicar o direito e julgar os casos concretos.
Nos foros podem encontra-se várias fontes jurídicas, nomeadamente: normas de
base costumeira, visigótica, muçulmana, canónica e romana.
Costume
É uma prática reiterada com valor de obrigatoriedade, ou seja, os atos repetitivos
que certa comunidade pratica é assumido como o comportamento justo e adequado que
tem de ser cumprido por todos de forma obrigatória.
É uma das grandes fontes de Direito da época, sendo entendido como direito não
escrito.
Os juristas vão defender que é necessário perceber quando é que um determinado
comportamento que é prática na sociedade deve ser considerado costume.
Ao longo de toda a Idade Média vão sendo criados requisitos para perceber se o
comportamento pode ser considerado costumeiro.
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Entre eles:
à O número de vezes que determinado comportamento é necessário ocorrer para
ser costume – à partida 2 atos seguidos;
à Antiguidade: o comportamento tem de ser repetido ao logo do tempo, não pode
ocorrer apenas duas vezes seguidas e depois nunca mais ocorrer. Uns vão defender
que são necessários 10 anos se toda a comunidade estiver viva ou 20 anos se estiverem
ausentes; outros vão dizer que serão apenas 10, porque não importam as pessoas que
deram origem ao comportamento;
à Racionalidade: tem de ser racional, tem de acompanhar a razão, tem de estar de
acordo com a justiça e com a finalidade da comunidade e tem de ajudar o chefe da
comunidade a atingir a salvação eterna da sociedade;
à Consenso da comunidade: o costume tem de ser introduzido e aceite pela maioria
da comunidade que da origem ao comportamento; necessitava ainda da aprovação do
poder do legislador - Consensus legislatóris;
à Conformidade com o direito divino.
Valor jurídico do Costume e a sua relação com a lei
O costume pode ser:
à Secund legen: costume segundo a lei;
à Prater legen: costume ao mesmo nível da lei;
à Contra legen: costume oposto à lei.
No decreto de Graciano diz-se que o costume atua quando não há lei. Outras
decretais assumem que o costume é o interpretador da lei.
A partir de D. Afonso III o costume passa a estar atrás da lei. A lei passa a impor-se
a tudo.
Direito Judicial
Atividade diária dos tribunais. Estes vão seguir as regras costumeiras, no entanto,
também os tribunais começaram a criar costume – a decidir e essas suas decisões
começaram a assumir um papel de precedente.
Estas decisões constituem fonte de direito para os tribunais.
Mafalda Boavida 20
Esta é uma construção muito interessante da Idade Média, em que os tribunais à
falta de lei processual criam as suas próprias leis.
Temos 3 grandes institutos jurídicos:
Þ O Estilo da Corte:
É uma espécie de Direito não escrito, introduzido pelo uso/prática de um tribunal
(pretório). Existem vários estilos, essencialmente, em matérias processuais. São
identificados por vezes em frases como “é costume em casa del rei”.
Este vai exigir que para a sua determinação sejam assumidos determinados vários
requisitos: quantos atos são necessários; não pode contrariar a lei; deverá ser praticado
por mais do que um Juiz ou Tribunal; tem de ser racional e antigo; não prevalece contra
a lei do monarca.
Þ Façanhas:
Não existem façanhas portuguesas. Não foi uma prática de direito português, mas
sim do dto. Castelhano e da Catalunha.
Aquelas que existem em Portugal, não são criadas em Portugal, mas sim
importações de dto. Castelhano.
Diz-se que esta é um juízo sobre uma ação notável que fica como padrão normativo
para o futuro, em virtude da autoridade de quem o praticou ou aprovou. Uma outra
definição é: são sentenças que valem não só para o respetivo processo, mas para todos
os seus semelhantes, por serem decisões régias e por tratarem de assuntos omissos.
Por um lado, trata de um estado que marcou a sociedade. Por outro, um caso novo,
fora do comum que vai ser decidido pelo Rei, no tribunal régio.
As façanhas tiveram uma evolução. Inicialmente, eram apenas aplicadas a casos
concretos. A partir de Afonso X passam a estar limitadas à competência régia e a ter um
valor vinculativo a decisões posteriores.
Þ Alvidros: São decisões dos juízes dos tribunais arbitrais, estamos a falar que os alvidros são
árbitros – homens bons escolhidos pelas partes para julgar um determinado litígio de
acordo com o costume, justiça, equidade.
As suas decisões constituem precedente para decisões futuras.
Decide situações substantivas.
Mafalda Boavida 21
Escolas Jurisprudenciais na Idade Média
Tanto o direito romano como o direito canónico vão ser estudados nas universidades,
mas principalmente o dto. Romano.
Foi a escola dos glosadores que se dedicou ao estudo do digesto. É iniciada por
Irnério, em Bolonha e tem como função desbravar os textos romanos.
Os glosadores são aqueles juristas que vão ter como primeira grande função o
estudo do código de Justiniano – o digesto. Vão fazê-lo através e glosas (explicações
de partes do texto).
Este trabalho é essencial para o conhecimento da obra justinianeia.
A escola dos glosadores vai até ao séc. XIII e termina com Acúrcio a elaborar uma
obra que é a magna glosa – dividida como os vários livros do digesto. Esta obra é uma
compilação de 96 mil glosas ao texto justianeu sem contradições intrínsecas entre si.
Há autores que defendem que os glosadores terminaram a sua função, já nada mais
tinham a acrescentar e, por isso, a escola acabou.
Nota: os glosadores não trabalhavam só o digesto, trabalhavam também o Corpus
Iuris Canonnici.
Segue-se a escola dos comentadores. Esta é iniciada por dois juristas: Jacques de
Revigny e Pierre de Belleperche. Sendo que os dois comentadores mais importantes
são Bártolo Sassoferrato (o príncipe dos juristas) e Baldo De ubaldis.
O trabalho desta escola é perceber qual a ratio, qual o elemento teleológico do texto
latino justinianeu, porque razão seguiu aquela opção – procurar o espírito da lei – e
utilizar essa razão de ser para ajudar os vários reinos a criar o seu direito próprio (iura
própria), usando como género literário o comentário.
Este é um trabalho longo e demorado – entre o séc. XIV e o séc. XVI.
Os comentadores dão à sociedade o seu estudo para com ele servirem os reis.
Um comentário são textos de exposição longa, de análise de partes de livros do texto
justinianeu com o objetivo de obter uma visão sintética e completa do espírito do
legislador o do jurista.
Mafalda Boavida 22
Metodologia das Escolas Jurisprudenciais da Idade Média
No trabalho de criação do direito, os prudentes utilizaram uma metodologia analítico-
problemática, designada por Ars ineniendi, isto é, arte de inventar.
Analítica porque, na época medieval, o jurista procurava para cada caso, um preceito
legal que lhe permitisse encontrar a solução ideal; procurava a na norma (no código
Justiniano ou no direito canónico) a solução que mais lhe parecia justa e só depois
considerava o ornamento jurídico.
Problemática porque o jurista obtinha uma solução para o caso concreto, depois de
discutir a questão, recolher argumentos e ponderar várias soluções para chegar a
solução que, para ele, era a mais aceitável e justa.
Parte se da questão hipotética para a fundamentação.
Esta metodologia é caracterizada por 3 grandes aspetos:
Þ Leges: Não são mais do que o recurso ao texto legal; ao preceito que está na lei. Para o
jurista medieval o conhecimento da gramática é essencial – é uma morfologia, mas
também uma ciência de interpretar os aspetos que constam da letra da lei.
Olha-se para a gramática como algo universal para todos os povos, todos usam a
mesma língua (latim).
Procuram-se os argumentos nas leges – nos textos escritos.
Þ Rationes: No entanto, as leges podem não ser suficientes por duas razões - ou porque são
insuficientes para fundar uma posição ou porque os textos não vão de encontro à
situação justa e nessa circunstância o jurista vai procurar outros aspetos que o ajudem.
Recorre-se então aos argumentos da lógica – as Rationes eram conhecidas como a
arte de criar argumentos para dar resposta a um caso concreto.
Este conhecimento, que era alcançado pela utilização das Rationes não é entendido
como o único e necessário, mas sim como o conhecimento provável.
Dentro da lógica encontramos dois grandes momentos: a dialética e a retórica
(elementos fundamentais que o jurista procura para fundar o seu raciocínio
probabilístico. A solução justa para uns pode não ser a mesma que para outros e por
Mafalda Boavida 23
isso, as soluções de cada um devem ser fundamentadas e cada jurista deve certificar-
se que consegue convencer as outras partes.
A dialética é a arte da discussão e da organização dos argumentos – arte de
encadear argumentos de forma a que eles tenham um sentido e permitam ao jurista uma
construção adequada do seu sentido.
O discurso deverá ir do geral para o particular e mesmo que se faça o inverso deve
haver uma lógica que permita convencer a outra parte.
Os argumentos devem ser então trabalhados sendo de lógica formal ou material.
Alguns destes argumentos devem vir da tópica – onde procuramos os argumentos que
sejam necessários e uteis para fundamentar os casos concretos (argumentos da
natureza, do clima, etc.).
Ex: se eu for a conduzir e estiver com o sol a bater me na cara sem conseguir ver
nada e por consequência atropelar alguém que acaba por morrer, eu posso recorrer a
análise do clima e a posição do sol para comprovar que àquela hora eu tinha o sol a
bater-me na cara e a impossibilitar a minha visão de modo a que pudesse evitar o
atropelamento.
A Retórica é a arte de persuasão (muito necessária quando estamos a construir os
nossos argumentos). É uma arte discursiva.
É essencial para o convencimento do outro. Não basta conhecer a solução justa e
imaginar a sua ideia de justiça e procurar os argumentos.
É necessário dar a conhecer o nosso discurso fazendo os outros acreditar e aderir
ao que estamos a dizer.
Há quem diga que a dialética sem a retórica pode não levar ao convencimento, mas
a retórica sem a dialética pode levar a um discurso vazio. Cada uma completa a outra.
No entanto, estas não bastam.
Þ Actoritates: É definido como o saber socialmente reconhecido – o argumento da autoridade; É
aquele que nos permite dizer que eu tenho este pensamento, mas não estou sozinho.
Ex: quando os alunos nos testes afirmam “De acordo com o Menezes Cordeiro...”
estão a recorrer a alguém com autoridade, com saber socialmente reconhecido sobre
determinado assunto.
Apela-se à opinião comum – característica geral da escola dos comentadores.
Mafalda Boavida 24
Ao logo do tempo foram fixados dois critérios de fixação da opinião: o critério
quantitativo – estabelece que a melhor opinião era a defendida por maior número de
juristas com saber socialmente reconhecido – e o critério qualitativo – estabelece que a
melhor opinião era a defendida pelos juristas com maior prestígio –.
Repare-se que, o jurista medieval parte da sua solução justa, da sua opinião para
fundar o caso concreto. E esta ideia justa vai permitir ao jurista encontrar o fundamento
do seu pensamento tanto na fase analítica como na problemática.
Direito na idade média é construído com base na probabilidade do argumento literal
ou lógica.
Período Monista
Transformações em Portugal do séc. XIV ao séc. XV
Até agora falamos num Direito plural – em que existem muitas fontes. Esta
pluralidade de fontes também é marcada por uma pluralidade social, na medida em que,
existem vários grupos sociais (o clero, a nobreza – grupos privilegiados – e o povo), e
uma pluralidade judicial – incipiente judiciaria, na medida em que, não há uma
pluralidade de tribunais do rei – só há um e este é o último recurso. Depois tínhamos os
tribunais municipais.
Portugal passou muito tempo a construir-se como país e por isso, demorou muito
tempo a evoluir a nível legislativo.
A primeira dinastia portuguesa marca toda uma evolução assente no pluralismo
social, jurídico, judiciária.
O séc. XIV foi um séc. de retrocesso com a peste negra e as guerras fernandinas.
Chegando à segunda dinastia temos aqui um marco importantíssimo – 1415: a
Conquista de Ceuta. Esta não é apenas o início das descobertas, mas sim o início de
uma transformação jurídica, económica e política do reino de Portugal.
Este marco distingue o fim do período pluralista e o início do período monista. A lei
vai acentuar-se e sedimentar-se como a principal fonte de Direito.
As descobertas trazem uma nova realidade – a realidade do comércio. Que traz
muitos conhecimentos e dinheiro que servirão para desenvolver e centralizar o poder do
Rei.
Mafalda Boavida 25
Vai permitir o Rei de criar uma organização publica e militar, criar um aparelho fiscal
e estadual, criar alfandegas, etc. o Rei passa a ter oficiais que fiscalizam as
administrações fiscais locais.
Este é o início do processo de criação da lei do Rei como principal fonte de direito.
O séc. XV é o séc. das compilações – livros feitos por juristas a pedido do Rei com
o dinheiro que vem das descobertas, que compilam direito, costumes, normas que
influenciam o nosso direito, que eram utilizados nos tribunais para julgar/dirimir os
conflitos entre a população.
Processo de elaboração da Lei
A iniciativa legislativa cabia normalmente ao Rei e, por vezes, na sequência de
uma deliberação das cortes.
A lei para ser válida teria de ser honesta, justa, possível, conforme á natureza,
conforme aos costumes da Pátria, conveniente ao tempo e lugar, necessária, útil e
manifesta.
Além da questão da justiça da lei, são também requisitos fundamentais a
publicação (nos livros de chancelaria e notificação das autoridades locais) e a entrada
em vigor.
Compilações de Leis
Leis e posturas: Leis compiladas por ordem sequencial ano a ano, reinado a reinado; este livro
permite-nos conhecer as diversas leis criadas até Afonso IV. Foi a inspiração para as
ordenações Afonsinas.
Ordenações de D. Duarte: Esta data do séc. XV, e foi organizada por reinados. Tem como grande vantagem o
intuito sistematizador.
Mafalda Boavida 26
Regimento quatrocentista da casa da suplicação:
Tem interesse para ajudar a perceber que direito era aplicado na corte régia; tem
uma parte orgânica e uma parte sobre as fontes a aplicar no tribunal do rei (pág. 53 e
segs. do livro de textos).
Ordenações Afonsinas:
Publicadas no reinado de Afonso V, ainda na sua menoridade. É o regente D. Pedro
que as vai mandar aplicar. Estas ordenações são publicadas a 28 julho de 1446.
Todavia, só entraram em vigor em Agosto de 1447.
Foram mandadas compilar no reinado de D. João I e encarrega desse trabalho João
Mendes, que acaba por morrer já no reinado de D. Duarte e o seu trabalho vai ser
acabado por Rui Fernandes, já no reinado de Afonso V.
Hoje sabemos que esta compilação esta dividida pelos dois autores, é composta por
5 livros, sendo que o primeiro compete ao primeiro jurista e os outros quatro ao segundo
jurista.
Conteúdo de cada volume:
1º - dedicado aos cargos públicos;
2º - matéria da igreja, clero, direitos do rei, fisco, as donatarias, a nobreza, aos judeus
e aos mouros;
3º - dedicado ao processo civil;
4º - direito civil;
5º - direito penal.
Nesta época ainda não existe a imprensa e, por isso, há uma grande dificuldade de
aplicar as obras e de as copiar para todo o reino. É por isso difícil perceber qual a sua
real aplicação.
No entanto, hoje em dia, em função do número de exemplares encontrados em todo
o território, a doutrina defende que foram suficientemente divulgadas e aplicadas.
Esta é a primeira grande obra jurídica de Portugal; constituem um modelo do direito
a aplicar; são um trabalho do rei na tentativa de uniformização do Direito, influenciam
depois as outras ordenações.
Tem como fontes principais a lei, o estilo da corte e o costume antigo.
Mafalda Boavida 27
Se estas não tivessem solução para um determinado caso recorria-se às fontes
subsidiárias que eram o dto. romano – para questões temporais –, o dto. canónico –
para questões espirituais e temporais.
Ordenações Manuelinas:
Apareceu no reinado de D. Manuel a impressão.
Em 1506 D. Manuel encarregou o trabalho de compilação das ordenações Afonsinas
ao chanceler mor Rui boto, Rui da Grã e o corregedor Cristóvão Esteves na corte João
Cotrino e pede-lhes um trabalho celebre.
Os juristas vão expurgar (retirar) toda a legislação revogada ou que já não é aplicada
(ex: matéria sobre os judeus e mouros) e por outro lado vão incluir novas disposições
legais (ex: regimento dos contadores das comarcas).
Pensava-se que, em 1512 e 1513 imprimiram-se os livros 1 e 2 destas ordenações,
em 1514 foram impressos os 3 livros restantes. Mas desde 2002 quando o prof. João
Alves Dias descobriu na biblioteca do vaticano os 5 livros das ordenações manuelinas
publicadas por Valentin Fernandes.
Isto permitiu-nos perceber que efetivamente no tempo de Valentin foi lhe entregue a
compilação e impressão dos 5 livros o que permite saber que em 1512 e 1513 foram
impressos os 5 livros e não apenas 2.
Sabe-se também que a impressão se começou pelo:
à Livro 5º (livro do processo e de dto. Penal);
à A 29 de junho de 1512 termina a publicação do livro 4º (dto. Civil);
à Livro 3º (processo civil) a 30 de agosto de 1512; e a
à 17 de dezembro de 1512 o livro 1º (cargos públicos).
Ficou a faltar a impressão do livro 2º (direitos da igreja, do rei, fisco, donatarias, e
direitos da nobreza) que só vai ocorrer a 19 de novembro de 1513.
Depois entre 1513 e 1514 vai ser publicada uma nova edição das ordenações
manuelinas que se começa a 11 de março de 1514 e termina a 15 de dezembro de 1514
– livro 3, 4, 5, 1 e, por último, 2. Esta é a tipografia de João Pedro de Bonini.
Sabemos também que foram publicadas novas leis o que vai fazer com que D.
Manuel ordene uma nova revisão das ordenações – a revisão definitiva que é impressa
em 1521 – e até mandou que se destruíssem todas as impressões velhas para não
existirem confusões.
Mafalda Boavida 28
Existe ainda uma edição de 1539.
As fontes de dto. vão manter-se no livro 2, mas passam para o título III mantendo-se
em regra, a construção jurídica. São estas a lei do reino, o estilo da corte e o costume
antigo.
Nas questões espirituais aplica-se o dto. canónico. Se a aplicação do dto. romano a
questões temporais fizer com que a sentença constitua um pecado aplica-se o dto.
canónico.
Como novidade surge a inclusão no texto do conceito da opinião comum dos
doutores – na falta de dto. canónico e do dto. romano aplica-se a glosa de Acúrcio se
os doutores da escola dos comentadores não vierem dizer o contrário, não vier a
contrariar. E quando a glosa não for suficiente aplica-se a opinião de Bártolo, no entanto,
se a opinião comum dos doutores posteriores ao mesmo escreverem de forma contrária
a opinião de Bártolo é afastada.
Em casos que não houvesse nenhuma solução encontrada nestas fontes pede-se
que o caso seja passado para o rei – solução regia como última opção.
Surgiram ainda leis extravagantes (leis que não entravam nas ordenações
manuelinas). A mais importante foi a compilação de Duarte Nunes de Leão, em 1569. A
esta foi lhe atribuído caráter oficial. Nela não se transcrevem as leis, mas sim um resumo
de cada uma. Esta compilação tem 6 partes; dos ofícios, das jurisdições e privilégios;
das causas; dos delitos; da fazenda real; de outros assuntos.
Esta compilação é antecedida por uma de 1566 – é manuscrita e só existem 2
exemplares. Esta é dividida apenas em 4 partes.
Ordenações Filipinas:
Reinado de Filipe I.
São atribuídas a 3 juristas – Jorge Cabedo; Afonso Vaz Tenreiro e Duarte Nunes de
Leão. Foram concluídas em 1595 e entram em vigor em 1603 (já no reinado de Filipe
II).
São as ordenações que mais tempo vigoraram em Portugal – até aos códigos do
séc. XIX.
Em 1643 são confirmadas por D. João IV.
No que respeita à estrutura e sistematização destas ordenações, cumpre dizer que
estão divididas em 5 livros que seguem a organização manuelina: cargos públicos,
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direitos da igreja, do rei, do fisco, das donatarias, e da nobreza, processo civil, direito
civil e dto. penal.
O livro das fontes vai deixar de estar no livro 2 e passa para o livro 3. A explicação
para esta mudança está no facto da aplicação do direito ter deixado de ser uma questão
de conflito de poderes entre o Estado e a Igreja, para ser vista como uma mera questão
de processo. Vai ter uma nova epigrafe – “como se julgaram os casos que não foram
determinados por nossas ordenações”.
As principais fontes (lei do rei, costume antigo e estilo da corte) e as subsidiárias
(dto. romano (questões temporais), dto, canónico (questões espirituais)) mantiveram-se,
porém, foram introduzidos alguns conceitos mais específicos, tais como:
Þ O estilo da corte passou a ter correspondência com o costume judiciário, ou
seja, uma prática repetida nos tribunais superiores que se transformava numa
norma a ser seguida pelos tribunais inferiores. Passou mesmo a consignar-se
que o estilo da corte tinha de ser plural (usado por mais do que um tribunal),
antigo (com pelo menos 10 anos) e conforme à razão.
Þ O costume para ser aceite como fonte principal passou a ter de ser plural,
antigo (mais de 100 anos), conforme a razão e a lei.
As fontes subsidiárias mantêm a mesma hierarquia das ordenações anteriores, mas
a opinião de Bártolo ficou mais reforçada, o que foi consequência da valorização das
opiniões deste jurista na prática judiciária, ocorrida durante o séc. XVII.
Aplica-se a decisão régia na falta de outras fontes.
Foram encontrados diversos erros e contradições nas Ordenações Filipinas, as quais
passaram a ser conhecidas por filipismos.
Forais e a sua reforma
Os forais para as comunidades que os possuíam correspondiam a símbolos de
autonomia.
No período pluralista, os forais foram uma fonte de direito essencial, porém no
período monista, foram perdendo a sua importância e foram-se a pouco e pouco,
desatualizando, ao ponto de se justificarem protestos e pedidos de reforma, que se
tornaram particularmente insistentes no séc. XV.
Mafalda Boavida 30
Nessa altura, as cartas de foram e os foros continham menções, atributos, moedas,
pesos e medidas que já não correspondiam aos de uso corrente, justificava-se, por isso,
uma reforma dos forais, a qual começou em 1497 com a recolha dessas cartas de
privilégio, a mando de D. Manuel, e findou por volta de 1520, portanto já no período das
ordenações manuelinas.
Foram criadas ainda duas leis complementares – a ordenação e regimento dos
pesos e o regimento oficial das cidades vilas e lugares destes reinos.
Nas reformas dos forais trabalharam muitos juristas, entre eles, Rui Boto e Rui da
Grã, também compiladores das referidas ordenações.
Resultou então uma classificação de:
Þ Forais velhos/antigos – os anteriores à reforma;
Þ Forais novos – os atualizados ou reformados (forais de entre douro e Minho,
os forais trazes montes os forais da beira, os forais da estremadura e os forais
de entre tejo e guadiana); e
Þ Forais novíssimos – os atribuídos depois da reforma.
O conteúdo dos forais passou a restringir-se às prestações e serviços das
populações e à matéria relativa à lei de vizinhança (definição dos requisitos da condição
de vizinho – habitante da mesma vila). As matérias de índole geral foram retiradas dos
forais porque estavam já reguladas nas ordenações.
Os forais vigoraram ainda até ao séc. XIX (ainda que secundarizados) e só foram
extintos no âmbito de uma reforma administrativa, pelo chamado decreto de 23 de
Mouzinho da Silveira.
Mafalda Boavida 31
Institutos Jurídicos
Direito da Família
Segundo os profs. Albuquerque são institutos familiares, aquelas diversas formas de
organização social que se projetam, por vezes, em normas ou complexos normativos e
das quais resultam laços civis de parentesco, normalmente produtores de importantes
consequências na esfera social dos sujeitos.
A família constitui uma comunidade de pessoas, que tem laços comuns, que deriva
dos mesmos antepassados e que tem a mesma entidade (coletiva, genética, religiosa).
A família foi olhada ao logo dos séculos de formas diferentes.
A lógica originária da família inicial é denominada de clã, o qual correspondia ao
agrupamento duma comunidade de pessoas, provenientes de um mesmo antepassado,
resultando a sua identidade própria de vínculos religiosos, propriedade comum e de
trabalho coletivo. Os clãs eram simbolizados pelo Totem (símbolo normalmente de
animal ou planta), sendo que os seus membros podiam ou não ter proximidade afetiva.
A família patriarcal romana assentava na autoridade do chefe, pater famílias, o qual
agregava à sua volta um grupo de pessoas e de meios patrimoniais, sobre os quais
exercia a sua autoridade. Nesta família não eram exigidos vínculos sanguíneos,
existindo dois tipos de vínculos:
® O agnatício (que não passava pela obrigatoriedade de laços familiares
sanguíneos, mas sim de autoridade); e
® O cognatício (caracterizado pela existência de laços familiares sanguíneos).
Em ambos os vínculos o pai dispunha da existência dos filhos, podendo
ordenar/permitir a sua morte e isentar-se da obrigatoriedade de lhe prestar alimentos.
Esta estrutura familiar foi sendo combatida pelos imperadores cristãos, como
Constantino, o qual determinou mesmo que, nas relações familiares, se desse mais
importância ao afeto.
A família conjugal também se apresenta através de formas variadas, sendo o seu
grau de coesão e de disciplina muito diverso e flutuante.
Mafalda Boavida 32
Em períodos de grande instabilidade política a família agrupa-se, enquanto que em
períodos individualistas a família afasta-se.
Þ Esponsais:
Os esponsais consistem numa promessa recíproca de casamento a celebrar entre
os futuros cônjuges ou entre os seus representantes e que podem desencadear efeitos
pessoais e patrimoniais. Correspondem ao atual noivado.
No dto. romano da época clássica, os esponsais não eram vinculativos, na medida
em que, não se podiam associar sanções ao incumprimento deste compromisso.
Todavia, na época pós-clássica passou-se a admitir a possibilidade de sanção por
incumprimento do compromisso.
Os esponsais são uma herança do dto. visigótico. São um momento prévio ao
casamento, que muitas vezes eram mesmo acordos reduzidos a escrito com a presença
de testemunhas, e se consumava com a tradio (ato de transmissão da mulher da sua
família de origem para o domínio familiar do marido).
Normalmente os noivos têm de ser maiores de 15 anos, podendo caso não tivessem
atingido essa idade, ser representados pelos pais ou irmãos. Esta promessa
determinava que o casamento tinha de ser celebrado no espaço de 2 anos.
Quais as fases de celebração dos esposais?
Exigem uma escritura dotal – o dote ou arras. O noivo entrega a noiva uma parcela
dos seus bens para ajudar a noiva no seu sustento caso o noivo viesse a falecer ou a
repudiar a noiva injustificadamente antes do casamento.
Depois é entregue o anel esponsalício – símbolo do compromisso.
No final dava-se a cerimónia do beijo dos noivos (lei do ósculo), fazendo a mulher
uma jura de fidelidade ao noivo, sendo certo que se não a cumprisse era considerada
adúltera e punida como tal, que podia ser a morte.
A partir deste momento a noiva passa a ter direitos em relação às arras que o noivo
lhe concedeu – surge a mulher recabedada, a mulher garantida.
O dote (arras) deveria corresponder a 1/5 ou a 1/10 (dependendo dos autores) da
fortuna do noivo, todavia, em muitos casos dependia dos costumes de região.
Mafalda Boavida 33
Por vezes quando o noivo não tinha dinheiro para pagar o dote ou não era aceite
pela família da noiva dava-se o casamento por rapto (a noiva consentia em fugir com o
noivo por uns dias e consumarem o casamento). Também se deve considerar o
casamento presumido quando os noivos celebram a cúpula carnal e a sociedade os vê
como marido e mulher.
Þ Casamento:
Em primeiro lugar, há que distinguir o casamento enquanto estado civil (comunhão
de vida entre pessoas resultante do ato de casamento) e o casamento enquanto ato
jurídico (momento da cerimónia com expressão de consentimento e que dá origem ao
estado de casado).
Nota: olhemos para o casamento medieval, não como o casamento atual, mas como
uma sociedade marcadamente influenciada pelas tradições visigóticas, pelas tradições
inseridas nos regimes jurídicos concelhios e nas cartas de foral. Não é apenas uma
influência religiosa.
O casamento é olhado como um laço que se traduz numa união de vida e de
património. Este é feito por mútuo consentimento – têm liberdade de escolha.
Modalidades medievais de casamento:
® Casamento por bênção:
Era realizado à luz do direito canónico, num templo (local sagrado) e presidido por
um sacerdote ou ministro do culto, o qual ministrava o sagrado sacramento do
matrimónio sendo certo que esta forma de casamento tinha necessariamente de ter o
consentimento dos noivos e não podia ter impedimentos legais como, por exemplo,
relações de parentesco entre os noivos. Este casamento é similar ao atual casamento
religioso.
Mafalda Boavida 34
® Casamento de juras:
Não recebia qualquer sacramento e era celebrado em qualquer local, não podendo
ser realizado num templo e ser residido por um sacerdote ou ministro do culto, que, no
entanto, podia testemunhar o ato como outro cidadão qualquer. Esta forma de
casamento celebrava-se através de uma jura recíproca dos noivos, de forma informal.
Este casamento é similar ao atual casamento civil.
® Casamento de pública fama ou cunhuçudo:
Foi reconhecido em 1311 pelo rei D. Dinis, porém já existia antes na clandestinidade,
pelo que também é designado por casamento clandestino.
Esta forma de casamento consiste na existência do estado de casado e na
inexistência do ato de casar.
Em 1311, D. Dinis enquadra juridicamente esta forma de casamento, estabelecendo
que para se reconhecer um casamento de pública fama (presunção iniludível) seria
necessário que um homem e uma mulher vivessem na mesma casa há 7 anos
consecutivos, tratando-se como marido e mulher, fizessem compras e vendas juntos e
fossem conhecidos na vizinhança como casados. Este casamento é similar à atual união
de facto.
A lei de D. Dinis estabelece assim uma presunção iniludível, ou seja, quem
preenchesse estes requisitos não podia ser afastado desta presunção.
A lei de 7 de dezembro de 1352 de Afonso IV estabeleceu a obrigatoriedade dos
clérigos (grupo social ao qual também pertencem os estudantes e professores
universitários, órfãos e viúvas) casados registarem os seus casamentos num tabelião
existente em cada freguesia. Não teve muita eficácia.
Þ Consequências Patrimoniais – Regimes de bens:
Ora o casamento não tem apenas consequências pessoais, mas também
consequências patrimoniais. São estas os regimes de bens.
Hoje em dia, temos vários regimes de bens:
® Separação de bens (o noivo e a noiva levam para o casamento os seus bens
e os mesmos nunca se comunicam);
® Comunhão de bens (todos os bens levados para o casamento ou adquiridos
no casamento são bens comuns);
Mafalda Boavida 35
® Comunhão de adquiridos (distinguem-se bens próprios – aqueles que foram
levados para o casamento – e bens comuns – bens adquiridos durante o
casamento em nome dos dois).
Na Idade média, nós não temos estes três regimes de bens, mas temos dois regimes
semelhantes:
® Regime de Gaanças/Ganancias: regime foraleiro; mais comum a norte do tejo;
corresponde ao atual regime de bens adquiridos; os bens próprios dos
cônjuges no caso da mulher são administrados pelo marido; por vezes o
marido podia alienar os bens móveis da mulher sem a sua autorização (tem
uma capacidade de exercício reduzida); quanto aos bens imóveis, já é
necessária a autorização da mulher.
® Regime de Carta de metade/comunhão de bens: mais comum no sul do tejo;
todos os bens fazem parte da comunhão, não há distinção entre bens próprios
e bens adquiridos;
Regime das arras: entendidas por bens próprios da mulher, no entanto, tinham um
tratamento jurídico diverso dos outros bens próprios da mulher; administradas pelo
marido; diferenças de sucessão no caso de morte – no caso da mulher morrer sem
descendência o dote regressa ao marido; noutros forais dizia-se que no caso da mulher
morrer sem descendência eram atribuídos à família na mulher; no caso do homem
morrer o dote ficava quase uma propriedade da mulher, mas esta não os podia
administrar; noutros forais no caso de morte do marido caberia aos herdeiros do marido
administrar os bens e não aos da mulher. MUDA DE FORAL PARA FORAL.
Þ Poder Paternal:
No direito germânico o poder paternal é um direito que advém da própria obrigação
de proteger e cuidar dos filhos. O pater Potestas cabia ao pai, e se ele morresse durante
a menoridade dos filhos, a mãe não passava a exercer o poder paternal, este passa
para um parente, do sexo masculino, em situação de tutela. A maioridade atinge-se aos
15 anos para os homens e aos 12 anos para as mulheres. A mãe mantém o seu poder
indireto e informal.
O filho neste âmbito não tem propriedade dos bens que adquirem por força do seu
trabalho.
Mafalda Boavida 36
A pater Potestas termina com o casamento ou em caso de morte do pai.
Direito das Sucessões
A sucessão é uma modificação subjetiva da relação jurídica. Alteração de um sujeito
para outro num complexo de direitos e deveres. O morto é chamado de “de cujos”.
Temos sucessão quando uma pessoa sucede a outra que já morreu nos seus bens
ou deveres na totalidade ou não.
Esta divide-se em:
® Sucessão mortis causa (substitui-se o sujeito da situação jurídica por força
da morte);
o Universal: quando o novo sujeito vai substituir o anterior na totalidade
das situações jurídicas; o sucessor assume a designação de herdeiro
– os bens sucedidos são a herança;
o Singular: ocorre quando se sucede na titularidade de alguns bens
singulares. O sucessor tem a designação de legatário; e
® Sucessão intervivos (substitui-se o sujeito através de um ato de vontade –
doação).
Neste direito a vontade do morto é extremamente importante. Em princípio deve
sempre ser respeitada. Temos uma sucessão voluntária, que pode ser feita de duas
formas:
® Testamento: ato unilateral (não requer a aceitação das partes); a pessoa em
vida vai fazer um ato de vontade para ser cumprido após a sua morte;
® Contratual: materializa-se através de uma doação; a transferência do bem
ocorre em vida. O doador determina que doa o bem para o donatário e esta
tem de declarar que o recebe – encontro de vontades. Faz-se a titulo gratuito.
Depois temos a sucessão legal. Para além de respeitar a vontade do de cujos,
também respeita a família. A lei vem por isso salvaguardar os direitos familiares – o
direito da família a receber uma parte do património de alguém que morre. Apesar de
respeitar a vontade do morto, manifestada por ele, em vida, também pode ser chamada
a corrigir essa mesma vontade e a reduzir os bens testamentários ou doados.
Mafalda Boavida 37
Temos nesta sucessão duas figuras:
® Sucessão legítima: ocorre supletivamente, isto é, a lei atua na falta de
manifestação de vontade do de cujos.
® Sucessão legitimária: ocorre de forma imperativa. É chamada quando é
necessária verificar a manifestação do de cujos e se o mesmo respeitou os
direitos que a lei defende e define como sucessores. Existem pessoas que
são herdeiros obrigatórios e uma parte dos bens do morto têm de ser
entregues aos mesmos – pretende salvaguardar os bens de uma determinada
família. Ex: filhos.
O dto. medieval português trata (como herança do dto. visigótico) os sexos de forma
igual, na altura da sucessão à Princípio da igualdade de sexos.
Em caso de sucessão legitima é necessário aferir quem são os sucessores do morto.
O dto. visigótico vem determinar que são sucessores (por esta ordem): os
descendentes, os ascendentes, os colaterais (irmãos), o cônjuge sobrevivo. Desta
maneira afere-se como são os distribuídos os bens – passa para o seguinte sucessor
quando aquele não existe à Princípio da proximidade de grau.
Ex: não havendo descendentes, passa-se para os ascendentes.
Este princípio tem duas exceções:
® O direito de representação que, permitia aos descendentes netos concorrer
em proporção de igualdade com os tios no recebimento da herança do “de
cujus” avô, caso o seu pai ou a sua mãe (filhos do “de cujus”) tivessem morrido
primeiro que o de cujus, fossem, portanto, pré-mortos em relação ao autor da
sucessão; e
® O direito da troncalidade que, operava relativamente à sucessão dos
ascendentes quando o “de cujus” morria sem descendentes, permitindo,
ocorridas estas condições, que os bens próprios do de cujus fossem
exclusivamente atribuídos aos parentes do mesmo lado de onde esses bens
provinham, isto é, os bens provenientes do lado paterno só podiam ser
deixados a parentes desse lado, assim como, os bens provenientes do lado
materno só poderiam ser deixados a parentes do lado materno. Todavia, o
direito visigótico admitiu esta regra em termos muito limitados ao direito de
troncalidade, estabelecendo que a mesma só́ teria lugar se à sucessão do de
Mafalda Boavida 38
cujus concorressem dois ou mais avós de linhas diferentes, pelo que esta
regra não se aplica aos pais.
Hoje em dia não funciona bem assim.
Na Idade Média os sucessores legitimários são os mesmos que os sucessores
legítimos.
Vamos ter vários sistemas, todos eles com o objetivo de proteger os bens/património
dos sucessores legitimários.
Os visigodos diziam que, do património do de cujos, 1/5 poderia ser disposto
livremente (quota disponível) e 4/5 eram obrigatoriamente destinados aos seus
herdeiros (quota indisponível).
No período da reconquista, cria-se o sistema chamado laudatio parentum – sistema
de acordo com o qual todos os atos de disposição de imóveis quer através de doação
quer através de testamento, estavam sujeitos à autorização dos parentes (herdeiros
legitimários), que podiam condicionar a sucessão.
No dto. português surge o sistema de reserva hereditária, do qual vão usufruir todos
aqueles que são os herdeiros legitimários sem diferença de grau ou de classe. Surge
uma evolução no sentido de limitar os atos de livre disponibilidade do de cujos e de se
determinar que o mesmo tinha a obrigação de deixar uma parte dos bens para os seus
sucessores legitimários. Surgem-nos aqui duas realidades:
® Sistema da terça: desenvolvido a sul do país. 1/3 dos bens era de livre
disponibilidade do de cujos, em vida.
® Sistema da quinta: mais comum a norte. Determina que o de cujos poderia
dispor livremente de 1/5 dos bens.
Surge, em 1349, uma lei que vem referir a necessidade da publicidade dos
testamentos. Estes teriam de ser feitos por escrita particular perante um Oficial Régio
com capacidade para os validar; ou por escrito particular celebrado perante testemunhas
e sem a presença do Oficial; ou por forma verbal e perante testemunhas, sendo estas
quem validam o testamento.
Hoje em dia, o dto. entende que o de cujos pode em vida, seja através de testamento
seja através de doação, dispor de 1/3 do seu património. Este é ideal e aberto –
determina-se no momento da abertura da sucessão.
Mafalda Boavida 39
2/3 deverão ser então entregues obrigatoriamente aos sucessores legitimários,
desde que estes existam.
Direito Penal
O dto. penal medieval vai centrar-se muito num sistema de autotutela. A punição por
crimes cometidos não é uma punição pública, mas sim uma punição que está nas mãos
da família da vítima (sistema de vindicta privata).
No entanto, assiste-se que, conforme o poder real evolui e se consolida, o mesmo
vai recorrendo ao dto. canónico e romano para procurar intervir, por via legislativa, neste
sistema de punição e retirar aos particulares esse poder.
Nesta circunstância, encontramos um sistema evolutivo.
O primeiro momento é ser a comunidade a determinar as condições em que a
vingança pode ser estabelecida. Existem regras.
O segundo momento é exigir que a vingança seja proporcional ao crime cometido –
aplica-se o princípio da proporcionalidade.
O terceiro momento é aquele em que se introduz a pena pecuniária – deixa de ser
apenas pena física e passa a existir lugar a uma indemnização.
O quarto momento e último momento, dá-se com a introdução do regime de
arbitragem - é o início de um regime de intervenção do juiz/arbitro. Primeiramente, os
árbitros eram facultativos e privados, porém, gradualmente passaram a ser obrigatórios
e nomeados pelo Rei.
O sistema penal nos primeiros reinados até à lei de 1355, de D. Pedro I é um sistema
previsto nos forais. Este é um processo de autodefesa.
Este sistema chama-se:
Mafalda Boavida 40
Þ Perda de Paz Relativa:
Esta é relativa, porque o sujeito pode redimir-se e comprar a sua paz. Aplicava-se a
delitos graves, como a violação ou o homicídio.
Este processava-se da seguinte forma:
® O ofendido ou a família do mesmo teria de ir perante a Assembleia do
Município, apresentar o sucedido e desafiar esta pessoa a pagar pelo crime
cometido;
® Seguia-se um período de tréguas de 9 dias, após os quais o ofendido ou
familiares faziam a declaração solene de inimizade; durante este período o
autor do delito poderia fazer 3 coisas:
o Pagar o fredume/ sanção pecuniária – este não pretende apagar o
delito, mas sim adiar a vingança; ou
o Podia ainda, desterrar-se – abandonar o concelho. Enquanto isso a
vingança não pode ser exercida; ou
o O autor do delito podia submeter-se à vingança – a faida. No limite este
poderia mesmo ser morto pela vítima.
Esta chama-se paz relativa, porque como já vimos a paz poderia ser comprada, pelo
autor do delito. De forma a aceitar um castigo e após isso haver uma conciliação entre
a vítima ou a sua família e o autor. A esta se chama composição, e existem vários tipos:
® Composição por compensação pecuniária, correspondente a uma quantia
proporcional à perda do ofendido e excluía totalmente o direito de vingança; é
basicamente uma indemnização;
® Composição corporal, ocorria quando o agressor não possuía bens e consistia
em dar ao acusado uma quantidade de açoites em público (o mais comum era
o chamado -entrar às varas – que não é nada mais nada menos que o autor
sofrer varadas em público);
® Composição por missas, o autor do delito tinha de reconhecer publicamente
que cometeu o crime e mandar rezar missas por intenção do ofendido;
® Composição por cárcere/prisão, que consistia na privação da liberdade do
agressor, podendo se em cárcere privada. Normalmente o mesmo ficava
preso em casa.
Mafalda Boavida 41
Com isto cessava a vingança e conciliavam-se dando-se o ósculo da paz. Este não
é nada mais nada menos que a vítima e o autor do delito se conciliarem com um beijo
de paz. Aqui o autor do delito deixa de poder ser perseguido pelo seu crime.
Þ Perda de Paz Absoluta: Tem uma origem foraleira, mas enquanto que na perda de paz relativa era possível
comprar a paz, na perda de paz absoluta tal não acontecia.
A perda de paz absoluta aplicava-se a crimes ainda mais graves, como os que
violavam um especial dever de fidelidade, nomeadamente os denominados crimes de
lesa majestade (ex: calúnias, ofensas ou traição ao rei) e ainda a violação de tréguas e
violação de paz especial, decretada nas assembleias da igreja.
O criminoso ficava na posição de fora do direito, era considerado inimigo público de
toda a comunidade, podendo e devendo ser perseguido por todo o país deverá ser
apanhado e em último caso morto. Não há aqui uma limitação territorial de concelho
para concelho.
Há ao longo do tempo um interesse em determinar, com maior rigor, o tipo de penas
que poderiam ser aplicadas e executadas. E por outro lado a que tipos de crimes se
aplicavam determinadas penas. Este exercício cabia ao dto. foraleiro.
Temos então vários tipos de penas:
® Pena de morte: em regra é consomada pelo enforcamento, mas poderia haver
outras formas, como o enterramento vivo, o afogamento ou crucificação,
fogueira ou lapidação. Era utilizada para o ladrão reincidente, o assassino, o
incendiário, aquele que metesse e mandasse meter a outro merda na boca,
etc.
® Pena pecuniária: penas autónomas ou penas subsidiárias de outras penas.
Utilizadas para roubos, furtos, lesões corporais, etc.
® Pena corporal: podem ser principais ou subsidiárias das penas pecuniárias.
Ex: cortar a mão direita, tirar os olhos, açoites, pregar a mão do ladrão à porta
do prédio que frutara, etc.
® Pena privativa da liberdade:
o Servidão: aplicada no caso de não pagamento das penas pecuniárias;
o Prisão: feita em carecer privado.
Mafalda Boavida 42
® Penas infamantes: vão contra a honra da pessoa. Podem não ser dolorosas,
mas vão contra a própria pessoa. Ex: flagelação pública do réu, exposição no
pelourinho, exposição em gaiolas, marcas de ferro quente, decalvação (cortar
o cabelo), corte da barba (ao abrigo do dto. medieval o homem cristão podia
usar barba e o judeu não, logo aquele que não fosse judeu, mas não tinha
barba teria significado que ele teria cometido um crime), etc.
Ao logo do tempo o dto. régio vai procurando reduzir esta vindicta privada e
procurando que o processo penal, o julgamento de crimes e aplicação de penas fosse
cada vez mais um reduto do poder régio.
A primeira lei que nos surge com essa intenção é em 1211, com D. Afonso II. Esta
proibia vingança em casa do inimigo e a destruição dos seus bens; proibia que a
vingança recaísse por cima dos amigos do inimigo.
Surge depois a Lei nº 13 de 1211, relacionada com o homicídio, na qual se
estabelece que ocorrida uma morte de cada lado das partes a vingança deveria terminar.
Se o crime não começa com uma morte ordenava-se que a discórdia fosse resolvida por
juízes do rei, caso começasse a família da vítima poderia escolher uma pessoa da
família do agressor sobre a qual iria recair a vingança.
Em 1325 o rei D. Afonso IV decretou a ilicitude da vingança ressalvando, porém, o
costume de vingança. Em 1326 vem reagir contra o costume e decreta a ilicitude
também da vingança dos fidalgos, mas estes não aceitaram e o rei vai ceder às pressões
da nobreza dizendo que a lei não era aplicada a casos ocorridos antes da sua aplicação.
Em 9 de Julho de 1330, através duma lei régia permite-se o exercício da vingança
quando, passados 60 dias sobre a data da ofensa, o acusado não se tivesse
apresentado perante a justiça e, portanto, tivesse fugido.
Vão existir também leis que aqueles que exercem funções públicas, tem deveres
especiais de cuidado.
Não existia na Idade Média a definição dos crimes na lei; princípios da legalidade.
As penas são arbitrárias, há retroatividade da lei penal, estabelecem-se penas cruéis e
desproporcionadas aos delitos, a pena por vezes varia pela condição da pessoa.
Mafalda Boavida 43
A 12 de Março de 1355, D. Afonso IV vem tentar pela primeira vez fazer uma
classificação dos crimes na lei. Este elaborou uma lei que definia e estabelecia a punição
de um conjunto de crimes públicos que pelas suas características se entendia que
deviam ser de investigação oficiosa.
Contra estes crimes não poderia haver vindicta privada. Cabia ao juiz, por
conhecimento do crime de qualquer via, iniciar o julgamento e decisão.
Como tal eram considerados os seguintes crimes:
® Crimes Políticos ou de Lesa Majestade;
® Homicídio doloso qualificado e os ferimentos graves;
® Crimes contra a justiça publica, como a resistência ao oficial do rei;
® Crimes religiosos, como a heresia, sacrilégio ou a blasfémia;
® Crimes sexuais, como a violação, adultério, o incesto e a bigamia;
® Crimes de Feitiçaria;
® Crimes contra à propriedade/património, como o furto e o dano;
Transformações Jurídicas ocorridas no séc. XVI por Força das Correntes do
Humanismo Jurídico, na sequência do Renascimento
É necessário para compreender este assunto olhar um bocadinho para trás. Como é
de recordar olhamos para as Ordenações do Reino e centramo-nos das Ordenações
Manuelinas onde analisamos as fontes de direito. Entre estas e as Afonsinas introduziu-
se a opinião comum dos doutores para sindicar a aplicação da glosa de Acúrcio e da
opinião de Bártolo.
Foi visto também que, esta situação, constitui a consagração dos princípios de
Bártolo e daquilo a que chamamos a tendência Bartolista em Portugal.
O séc. XVI em Portugal é um século marcado pela opinião comum, pelos estudos
feitos pela escolástica – mais concretamente a Escola dos Comentadores.
Isto significa que, no campo do direito vai manter-se a opinião comum seja através
de um critério quantitativo ou de um critério qualitativo (peso da opinião – pela dose de
verdade que se encontre em cada um dos pareceres). E encontrou também caminho o
critério misto ou de maioria qualificada.
Ensina-se ao abrigo das teses Bartolistas e de acordo com o espírito argumentativo
das escolas medievais.
Mafalda Boavida 44
Portugal não foi um grande palco do pensamento Humanista. Manteve-se muito
ligado ao pensamento medieval.
O Humanismo jurídico é uma corrente típica do Renascimento - o renascer dos
clássicos (da cultura greco-romana) com inovação. O Renascimento vai concentrar tudo
no homem como fonte de todo o conhecimento e como centro do mundo, ao contrário
do período medieval em que tudo rondava à volta de Deus.
O humanismo vai defender um retorno ao estudo, conhecimento e aplicação do dto.
Romano numa vertente clássica.
Esta escola também tem a designação de escola dos Mos Gallicus, em
contraposição a Mos Italicus que era o conhecimento do dto. Prudencial (pensamento
italiano). Também se chama de escola culta, escola elegante, etc.
No campo do direito este vai surgir como critica à utilização do pensamento de
Bártolo e da escola dos comentadores. Entendem que o dto. deve ser estudado da sua
forma originária e não por glosas ou comentários que são alterados.
Contra Bártolo lançava-se também as críticas aos próprios métodos medievais
defendendo que estes tinham alterado o direito clássico, a letra da lei perdia-se e
afastava-se da realidade – critica-se as interpretações dadas ao direito.
Na faculdade de leis reformada, em 1537, o curso está centrado na seguinte divisão:
na disciplina de prima ensinava-se o esforçado (livros do meio do digesto); na de
véspera o digesto novo; na de terça o digesto velho; na de noa os três libri; ao código
consagravam-se as disciplinas menores. Ensinava-se o código de justiniano.
Os humanistas vão dizer que o código de justiniano também não é Direito Romano
– é direito imperial. Tal utilização leva a uma diferença muito grande – para os
humanistas o direito não deve ser aplicado através da autoridade de opinião, mas sim
através do estudo livre do direito romano.
No entanto, esta escola não vai ter grande reflexo em Portugal. Foram seguidos por
Henrique Caiado, Martim Figueiredo e Luís Teixeira. Muito estudaram lá foram
inspiraram-se nas correntes humanistas, mas quando chegam a Portugal e se deparam
com a realidade portuguesa veem se obrigados a aplicar o trabalho desenvolvido em
Portugal e não o da escola do humanismo.
Mafalda Boavida 45
Escola Peninsular de Direito Natural
Tem a sua génese no séc. XVI, formada por teólogos juristas. São o expoente de um
pensamento renovado.
Estes homens centram o seu pensamento no direito natural – é um direito eterno,
imutável e comum a todos os homens. É um direito que tem de ser defendido.
É a razão humana que compreende, que apercebe estes direitos, os quais são
inerentes à condição humana – liberdade, vida, integridade física, etc. A liberdade é
conhecida e defendida, não obstante não ser um direito de todos.
Esta escola racionalista que se vai desenvolver mais tarde com Grócio aplicando-se
não só aos homens, mas também aos Estados – os estados enquanto pessoas coletivas
partilham do mesmo direito natural que os homens individuais. Temos o direito à
independência, há soberania, à legitima defesa em caso de ataque, etc.
Grócio vai laicizar o direito – retira-lhe a carga teleológica. O direito vai deixar de se
misturar com a religião. O direito surge como uma realidade que se constrói e se
apreende pela razão humana.
O direito vai evoluir para uma ideia antropocêntrica.
Século XVIII – o Racionalismo
O séc. XVIII é o período do racionalismo, do iluminismo, em que o direito decorre da
razão humana. É olhado pela perspetiva da racionalidade. Esta é uma razão iluminada
– é a razão daquele que olha para o direito numa perspetiva de apreensão racional.
A razão que deveria ser considerada era a reta razão, iluminada pelo conhecimento
humano e não pelo divino.
As principais manifestações desta razão encontravam-se descritas numa obra de
Luís António Verney, onde o mesmo critica a opinião de Bártolo e a metodologia dos
prudentes, adiantando ainda que os prudentes não tinham aprofundado a história do
Direito Romano, escondendo essa falha grave com a imposição da sua autoridade.
Os racionalistas do Direito Natural defendiam a existência de um direito natural
eterno e imutável assente na razão humana, a que chamava “recta ratio”.
Mafalda Boavida 46
Outras manifestações racionalistas foram encontradas no sec. XVIII, nomeadamente
na elaboração da Lei da Boa Razão, na Reforma dos Estatutos da Universidade de
Coimbra e nos movimentos da codificação.
Em suma, o racionalismo jurídico é uma corrente de pensamento profundamente
nacionalista, que pretende afastar o Direito Romano e substituí-lo pelo Direito Nacional.
Surge no direito uma corrente que vai defender uma nova e diversa visão do Direito
romano. Que vai apoiar a pandectista. Esta corrente é a utilização e aplicação moderna
do digesto. Esta que se inscreve na racionalidade humana vai defender que é
necessário olhar para o dto. romano com os olhos da atualidade.
Os juristas vêm dizer que é necessário aplicar o dto. romano aquilo que ele tem de
atual e não aquilo que apenas fazia sentido aplicar no passado. Vai, portanto, haver uma
separação daquilo que é intemporal, aplicável na atualidade daquilo que é uma realidade
ultrapassada.
No entanto, na universidade não era isto que se fazia. Continuava a ensinar-se
através da opinião comum dos doutores.
O séc. XVIII português é marcado por grandes transformações políticas – reinado de
D. João V (rei Sol) o reinado de D. José o consulado de Marquês de Pombal. No início
do séc. com D. João II temos a chegada do ouro do Brasil a Portugal.
O rei é um rei racional, iluminado que tem a obrigação de conduzir o reino para a
riqueza. Há uma necessidade do desenvolvimento económico, industrial, cultural, etc. a
sociedade iluminada é aquela que cultiva as artes e a cultura.
É um século de contrastes – temos a riqueza e depois temos o mundo jurídico antigo
e debilitado.
Com isto surge a época de D. José e do Marques de Pombal.
Mafalda Boavida 47
Lei da Boa Razão
18 de Agosto de 1769
Trata-se de uma Lei de 18 de Agosto de 1769, inicialmente identificada, como os
restantes diplomas da época, pela simples data. Só́ no séc. XIX recebeu o nome de Lei
da Boa Razão e assim ficou conhecida para o futuro.
O que é que se entende por boa razão? A boa razão é aquela que consiste na ética
dos romanos compreendida a luz dos preceitos nacionalistas, aquela que consta dos
direitos divino e natural. Funda-se e cria o direito das gentes – os princípios que
enformam os Estados e que fazem com que a Europa viva um período de paz. Aplica-
se nas leis dos diversos estados civilizados – as nações cristãs. Ex: França, Espanha,
Rússia, etc.
Esta Lei visava impedir irregularidades em matéria de utilização assentos e de
utilização do direito subsidiário, fixar normas precisas sobre a validade do costume e
fixar os elementos a que o interprete podia recorrer para o preenchimento das lacunas.
Esta Lei veio assim consagrar as bases principais da legislação portuguesa e revela
uma profunda influência racionalista ao sujeitar a validade de qualquer fonte de direito,
incluindo o costume, ao critério da conformidade à Boa Razão.
As soluções que a lei consagrou foram:
Þ Os casos deviam ser julgados pelas leis pátrias e pelos estilos da corte (só
valem se forem aprovados através de assentos da casa da suplicação –
deixam de ser autónomos);
Þ A autoridade exclusiva aos assentos da Casa da Suplicação (eram decisões
tomadas pela mesma e tinham a função de interpretar as leis, confirmar os
estilos e confirmar os assentos das relações que não podem ser aplicados se
não forem antes confirmados, para que a mesma possa averiguar se não
existem contradições);
Þ Estatui expressamente que o costume teria de estar conforme à boa razão,
não a lei contrariar a lei e ter mais de 100 anos; para se evitarem abusos e
corrupção;
Þ Em casos omissos, isto é, na falta de direito pátrio, caberia recurso ao direito
subsidiário, ou seja, ao direito romano se trabalhado, moderno, conforme a
Mafalda Boavida 48
boa razão (direito natural e direito das gentes) e reconhecido pelas nações
europeias cristãs;
Þ No caso de lacunas sobre matérias políticas, económicas, mercantis ou
marítimas era permitido o acesso direto às leis das “Nações Cristãs,
iluminadas e Polidas” (nova fonte de direito subsidiário), sendo o direito
romano liminarmente posto de lado; esta fonte traduz a ideia do dto.
comparado – os tribunais vão ter de procurar no caso de lacuna se há alguma
solução para aquele caso nos outros estados;
Þ A aplicação do direito canónico é relegada para os tribunais eclesiásticos, pelo
que aquele direito deixou de ser fonte subsidiaria; tem se o dto. romano como
direito subsidiário; o critério do pecado deixa de existir – separação entre o
dto aplicado nos tribunais civis e o dto. aplicado nos tribunais eclesiásticos;
Þ Proibição da alegação e aplicação em Juízo das glosas de Acúrsio, das
opiniões de Bártolo e da opinião comum dos doutores. A lei da boa razão vem
defender as ideias e princípios do humanismo.
Reforma Pombalina - Reforma dos Estatutos da Universidade de Coimbra
O seu trabalho não são só perseguições nem expulsões – à companhia de jesus,
aos Távora, aos duques de Aveiro.
Este é também um reformador – do ensino e do direito.
O ensino vai ser reformado com uma renovação da universidade de Coimbra. Em
1770 o Marques de Pombal vai mandar criar uma junta de Providência Literária que tem
o objetivo de olhar para o ensino em Portugal apontar os problemas e apresentar
soluções.
Em 1771, a comissão apresentou um relatório com o título de Compêndio Histórico
da Universidade de Coimbra, onde apontou que o grande problema do atraso estava
centrado no facto de D. João III ter entregue o ensino à companhia de jesus que o
centrou nos velhos métodos escolásticos.
Nesta circunstância o compêndio vai apontar todos os defeitos e propor uma reforma
à luz da escola do dto. natural. O ensino era problemático, argumentativo e centrado na
opinião comum. Não se ensinava o direito pátrio – que é o primeiro a ser aplicado nos
tribunais.
Mafalda Boavida 49
Havia um divórcio entre aquilo que deveria ser aplicado e aquilo que era ensinado.
Também se criticava a medicina, onde era necessário criar laboratórios, etc. havia
uma necessidade de evolução global.
Em 28 de Agosto de 1772 D. José vaia provar os Estatutos da Universidade de
Coimbra. Estes vão ser essenciais para a evolução do ensino.
No campo do direito há uma alteração de método – deixa de se basear na opinião
comum e passa a ser analítico (desenvolver os conceitos e integrá-los no todo), sintético
(estudar os conceitos) e compendiário (defende-se que deve existir livros – Manuais).
O método sintético-demonstrativo-compendiário consistia em fornecer
primeiramente aos estudantes um conspecto geral de cada disciplina, através de
definições e da sistematização das matérias. Depois, seguindo uma linha de progressiva
complexidade, passar-se-ia de umas proposições para outras até se chegar ao
esclarecimento científico, sendo certo que tudo isto deveria ser acompanhado de
manuais adequados, sujeitos até a aprovação oficial.
Reforma-se em seguida o curso, dando-se menos importância ao dto. romano – que
é deixado para o fim do curso e ensinado com base na escola pandectista, com base na
atualidade.
E são ainda criadas novas disciplinas. Uma disciplina denominada História do Direito
e Direito Pátrio -é importante que o jurista perceba a evolução do seu direito. Os profs.
vão ser convidados a criar manuais para o ensino destas disciplinas. Cria-se ainda a
disciplina de Direito Natural e Direito das gentes.
O dto. romano passa a ser estudado com base na escola dos usos modernos.
Estes estatutos são revolucionários para o ensino. Esta reforma é o produto do
racionalismo.
Mafalda Boavida 50
Novo Código
Portugal era nesta época uma Monarquia pura – o poder está centrado apenas na
figura do Rei. Esta diz-nos que os reis têm o poder absoluto, recebido diretamente de
Deus. Este não convoca cortes.
A lei manifesta a vontade do Rei. Mas existem limites ao poder do mesmo – o dto.
natural, o dto. divino, o dto. das gentes e pelo dto. público (carta fundamental – atas das
Cortes de Lamego).
Em 31 de Março 1778 a rainha D. Maria I tomou a decisão de nomear uma comissão,
na qual integravam 10 juristas, que funcionavam como assessores de uma junta de
ministros, com o objetivo de procederem à reforma das Ordenações Filipinas e
elaborarem um Novo Código.
Os motivos desta decisão tinham a ver com a antiguidade de algumas leis a
existência de outras de que não havia a certeza se estavam revogadas, a existência de
leus que levantavam dúvidas de interpretação na prática forense e a existência de leis
que a experiência aconselhava a modificar.
Como o trabalho desta comissão não foi produtivo, em 1783, um novo jurista com o
seu nome Pascoal José de Melo Freire dos Reis, conhecido pela sua tendência
conservadora e absolutista, foi incumbido de reformar os livros II e V das Ordenações,
relativos a matérias de direito público político-administrativo e direito criminal.
Do seu esforço resultaram dois projetos de Código de Direito Público e de Código
Criminal. Projetos estes que não vão ver a luz do dia, na medida em que:
Para apreciá-los foi, por decreto de 3 de Fevereiro de 1789, nomeada uma Junta de
Censura e Revisão, no qual fazia parte um outro jurista e lente de cânones, de seu nome
António Ribeiro dos Santos, conhecido pela sua tendência liberalista. E Seabra da Silva
também inimigo de Pascoal Melo Freire.
Com efeito, as diferenças de conceção do poder político de Ribeiro Santos e de Melo
Freire, levaram a uma polémica e conflito político-jurídico entre ambos, o que frustrou
completamente a aprovação destes projetos, os quais não passaram de uma tentativa
para a elaboração de um novo código.
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Melo Freire defendia um conceito de monarquia pura (aquela em que, o poder régio
está centrado no Rei), era absolutista convicto e simpatizante das teses hierocráticas,
argumentando que não poderiam existir leis limitadoras do poder do monarca. O rei
deverá, ainda, cumprir a lei que cria, uma vez que, este é o exemplo para o povo. Mas
se o mesmo não o fizer o povo a única coisa que pode fazer é rezar pela sua morte.
Ribeiro dos Santos era considerado um pró-liberal, simpatizante das teses anti-
hierocráticas e defendia um conceito de monarquia consensualista, em que o poder do
monarca estava limitado pela existência das chamadas leis fundamentais, que
resultavam expressa e tacitamente duma convenção entre o Rei e o Povo. As Cortes,
na opinião deste jurista, não podiam ser vistas como uma fonte limitativa do poder, até
porque existiam direitos invioláveis – são consultivas.
Esta diferença política de base não deve, no entanto, esconder a proximidade que,
no fundo, ambos tinham quanto a conceção monista do direito. Embora defendendo
modelos políticos diferentes, ambos consideravam o direito como monopólio do Estado,
fosse ele produzido exclusivamente pelo Rei (Melo Freire) ou dividido entre o Rei e as
Cortes (Ribeiro Santos). Para ambos, a ordem jurídica assentava numa visão monista,
em que a lei era praticamente a fonte exclusiva do direito, mas enquanto Melo Freire
defendia a aplicação dos assentos da casa da suplicação, Ribeiro dos santos vai
considerar que, quem tem de esclarecer as dúvidas da lei é a própria lei (adepto das
codificações).
Relativamente ao direito Romano, ambos concordavam em retirar-lhe a posição de
direito subsidiário – o dto. romano deve ser totalmente secundário ao abrigo da lei da
boa razão. Ribeiro dos Santos criticou bastante o exagero de existirem oito cadeiras de
direito e uma de direito pátrio, o que para o mesmo era um prejuízo para o ensino.
Quanto ao direito criminal, a polémica foi particularmente grande. Melo Freire, apesar
de crítico das Ordenações, mantinha no seu projeto soluções como a pena de morte
para vários delitos e o esquartejamento em caso de crime de traição, soluções essas
que o seu opositor, Ribeiro dos Santos, um dos primeiros defensores da abolição da
pena de morte (esta é licita para algumas circunstâncias, como para crimes contra o
Rei, e em última circunstância), influenciado pelas ideias do humanitarismo jurídico,
considerava aberrantes.
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O trabalho de censura foi tão contundente e levantou tantas dúvidas que os projetos
de código de Melo Freire não passaram disso mesmo, ou seja, de projetos.
Ata das Cortes de Lamego
Identificadas em meados do séc. XVII, em 1640. Tinham três aspetos completos:
aspeto relativo aos direitos e deveres dos súbditos; as regras da sucessão ao trono;
direitos e deveres do rei.
Estas teriam sido elaboradas no reinado de D. Afonso Henriques, quando os militares
teriam aclamado o rei como Rei de Portugal – este acaba por ser um pacto de sujeição.
Só se falou destas atas após a instauração da independência, quando o Abade
Correia da Serra as publica.
São uteis para legitimar os direitos ao trono de D. João IV e deslegitimar os Filipes.
Vão ser alteradas nas cortes de 1755 e são invocadas no séc. XVIII como direito
fundamental português.
Até que no séc. XIX, Alexandre Herculano ao estudá-las percebe que estamos diante
de um documento forjado, que nunca existiu como o dizem. Independentemente disto
ele foi aplicado e utilizado em Portugal.
O Liberalismo
O movimento liberal surge no início do séc. XIX impugnado da revolução inglesa e
da revolução francesa.
Os princípios fundamentais são a soberania nacional, a separação de poderes, a
representação política (eleições), a defesa dos direitos e liberdades individuais e a
defesa de existência de constituições escritas.
A ideia de liberdade vai assentar em dois grandes axiomas: a liberdade dos povos e
assegurar a cada um os seus direitos e segurança.
Portugal vai prosseguir a ideia de liberdade como propriedade individual do homem,
que esta inscrita nas ideias de Locke, e este pensamento vai ser o critério de
organização e funcionamento do Estado em Portugal. Cada um deve poder escolher o
seu destino.
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O Estado de Liberdade de Direito vai desenvolver-se com base nesta ideia de
liberdade individual, de propriedade, etc. O liberalismo assenta uma atitude de
desconfiança perante o estado e o poder.
O Estado liberal vai ser desenvolvido sobre a defesa do primado da lei, da
constituição escrita que transponha os diversos direitos, sobretudo os fundamentais,
através da separação de poderes, a garantia de recurso aos tribunais relativamente a
decisões administrativas que se entendam como injustas, a defesa da liberdade nas
suas mais complexas manifestações (expressão, circulação, representação política,
individual, etc.), e a defesa de um mercado livre.
O poder passa a residir na nação, através de um contrato, renovado ciclicamente
nas eleições.
Codificação do séc. XIX
O Código é a redução da legislação a um sistema harmonioso, cujas partes devem
estar em correspondência, através de um sistema dedutivo (parte do geral para o
particular) e com um raciocínio indutivo.
A codificação portuguesa vai ser influenciada pelo Código da Prússia, o código
Francês, de 1904, o Código Austríaco e o Código da Sardenha.
A codificação não é só de dto. Privado, mas também de dto. Público. A primeira
grande codificação é a Constituição de 1822.
Essa Constituição (emana do poder legislativo da nação), que vai transpor as
liberdades individuais, que vai manifestar a sua construção jurídica com base numa
soberania da nação. Queria elaborar um Código Civil e um Código Penal, o que acabou
por não acontecer.
Acaba por ser substituída pela Carta Constitucional de 1826 (esta é elaborada pelo
rei concedida à nação). Que por sua vez é substituída pela Constituição de 1838
(constituição setembrista).
No séc. XX temos a constituição de 1911 a constituição de 1933 e a de 1976.
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Código Comercial
O primeiro código de direito privado a ser elaborado, em Portugal, é o Código
Comercial, em 18 de Setembro de 1873. Código de Ferreira Borges.
Este esta centrado em legislação que já existia, e em alguns casos, legislação
recente. Vamos encontrar legislação Portuguesa que se desenvolveu muito na época
de Marques de Pombal, em matérias marítimas, etc.
Este está dividido em 3 partes: comercio terrestre, marítimo, e organização do foro
mercantil e ações comerciais. Atende ao comércio como principal fonte de riqueza do
país. Usa uma linguagem pura e clara e distribui as matérias consoante os usos e
costumes do seu tempo.
O Código vai vigorar até 1888 quando é substituído pelo Código de Veiga Beirão,
que entra em vigor a 1 de Janeiro de 1899. Está também dividido em 3 partes: comércio
em geral, contratos especiais de comércio, comércio marítimo.
Retira-se deste código a parte da matéria processual. O Código de Veiga Beirão,
ainda hoje, está em vigor (apenas a primeira parte).
Direito Penal
Usavam-se penas corporais e infamantes, a prisão era através de carcere privado,
normalmente com caráter preventivo. Recorria-se a penas arbitrárias. Utilizava-se com
frequência o desterro para as colónias.
O dto. Penal era um direito cruel, os direitos dos criminosos não eram
salvaguardados.
Com os ventos do pombalismo e do humanitarismo jurídico, faz-se sentir a
necessidade da defesa de um dto. penal diverso.
Freire Melo escreveu uma obra sobre delitos e penas.
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Passou a defender-se a existência de penas proporcionais, as penas não admitirem
a extensão a terceiros, se não há culpa não há pena e, por fim, necessidade de se optar
outro tipo de penas para cobrir a necessidade de acometer a alguém o sacrifício de
cometer um crime, e a intransmissibilidade das penas.
Os liberais vão encabeçar as transformações que devem ocorrer em cede do direito.
Vai ser criticado o estado caótico da legislação; o obscurantismo da lei, que tinha
interpretações absurdas, obscuras e pouco claras; lei penal barbara e sem critérios; um
dto. cruel e a aplicação de leis que não previam a culpa e outros aspetos lógicos.
Por tudo isto, assiste-se a um movimento de alteração do dto. penal que é desde
logo, encabeçado pela constituição de 22: estabelece a igualdade dos cidadãos perante
a lei; a lei penal terá de ser necessária; a pena tem de ser proporcionada ao delito
(abolição da tortura, da confiscação de bens, etc.). A carta de 26 vai também expressão
a necessidade de elaborar um código civil e criminal.
O primeiro projeto de código penal que nos surge é de 1833, da autoria de José
Manuel da Veiga que, revê as ordenações filipinas, inspira-se no humanitarismo, mas
ainda consagra a pena de morte para casos restritos. No entanto, este projeto nunca viu
a luz do dia.
Em 1852, é aprovado o primeiro código, da autoria de Duarte Leitão, Sequeira Pinto
e Alves Sá. Este é inspirado na corrente humanitarista. Não era uma obra muito extensa
e pouco depois vai ser criada uma revisão.
O segundo código penal surgiu em 1886, com base num projeto da autoria de Levy
Maria Jordão, tendo vigorado até 1980. Este já não prevê a pena de morte (abolida em
1867 – para os crimes civis).
O terceiro código penal surgiu em 1982, foi da autoria de Eduardo Correia.
O quarto código penal surgiu em 1995, baseado num projeto do prof. Figueiredo Dias
e já foi revisto por diversas vezes.
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Código Civil
Foram feitas comissões e anúncios de concursos para a apresentação de um código
civil. De uma comissão, criada em 1845, surge um projeto do Conde de Seabra que irá
terminar em 1856, vai surgir a versão impressa em 1858 e entrar em vigor em 1867.
Este código vai vigorar até à adoção do atual código civil de 1966.
Este código está dividido em 4 partes:
Þ Capacidade civil de pessoas e situações familiares;
Þ Aquisição dos direitos;
Þ Direito de propriedade;
Þ Ofensa dos direitos.
É um código tradicionalista, inspirado em contributos jusnaturalistas, leis
extravagantes, legislação liberal de inspiração individualista.
Direito Administrativo
O Dto. Administrativo foi buscar inspiração ao livro I das Ordenações. A reforma
administrativa começou em 1822 com a Constituição e depois com a Carta. Começou
com a divisão do território em circunscrições maiores, à frente das quais vai estar um
administrador geral eleito por nomeação régia, auxiliado por uma junta administrativa. A
nível concelhio mantém-se as camaras.
Em 1822 surge-nos o decreto 23 de Mouzinho da Silveira. Este tem matriz
centralizador. Extingue os forais e os morgadios. Este decreto reorganiza o território em
províncias, comarcas e conselhos.
O primeiro Código Administrativo, de modelo municipalista, surgiu em 1836 e foi
referendado por Manuel da Silva Passos, conhecido por Passos Manuel. Este é um
código descentralizador que reage à organização de Mouzinho da Silveira.
Vai dividir o território em distritos, concelhos e freguesias. Havia uma junta
administrativa, uma camara municipal, juntas de paróquia.
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O segundo Código Administrativo, de modelo centralista, surgiu em 1842 e foi
referendado por Costa Cabral. Este é um código centralizador e divide o país em distritos
e concelhos. O Governador Civil surge como representante da autoridade central do
distrito.
O terceiro Código Administrativo regressou a modelo municipalista, surgiu em 1878
e foi referendando por Rodrigues Sampaio. Inspirado no código de Passos Manuel.
Favorece a organização local e suprime a competência interventiva do governo central.
O quarto Código Administrativo manteve o modelo municipalista, surgiu em 1886 e
foi referendado por Luciano de Castro. Muito próximo do código anterior.
O quinto Código Administrativo surgiu em 1896 e foi referendado por João Franco.
Um código centralizador. Introduz novamente as nomeações régias na intervenção local.
Finalmente, o sexto Código Administrativo surgiu em 1936 e baseou-se num projeto
de Marcello Caetano, possuindo já́ várias alterações avulsas.
- FIM -