história concisa da radiodifusão universitária em natal/rn1
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História concisa da radiodifusão universitária em Natal/RN1
Ciro José Peixoto PEDROZA2
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, RN
Resumo O presente artigo procura reunir um conjunto de anotações e dados que ajudam a reconstituir a história da Universitária-FM, primeira emissora de rádio operada diretamente pelo Estado a se instalar em Natal, no final do ano 2000. A Universitária-FM está vinculada à Universidade Federal do Rio Grande do Norte, principal instituição de ensino superior daquele estado, embora, legalmente, ela pertença à Fundação Norteriograndense de Pesquisa e Cultura, entidade de direito privado que atua em parceria com a UFRN, na captação de recursos e relacionamento com o mercado. Mesmo sem pertencer ao patrimônio da universidade que, ainda assim, custeia toda sua operação com recursos públicos. Prova disso é que a Universitária-FM funciona nas dependências da UFRN, subordinada à Superintendência de Comunicação Social da UFRN, ocupando o espaço físico, utilizando a mão de obra de servidores da instituição e compartilhando os equipamentos e a estrutura da TV-Universitária, essa de propriedade da universidade federal. Palavras-chave: História da mídia sonora; Radiodifusão universitária; Universitária-FM, Natal-RN.
Vinheta de abertura
A história da radiodifusão universitária se inicia em 1972, com a instalação da
primeira emissora de televisão do Rio Grande do Norte (UFRN), vinculada à Universidade
Federal do Rio Grande do Norte. A TV-Universitária (canal 5) nasceu como parte de um
esforço pioneiro de teleducação no país, o Projeto SACI (Satélite Avançado de
Comunicações Interdisciplinares), empreendido pelo Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais (INPE), em parceria com a UFRN. A segunda fase dessa história começa em
2000, com a instalação da rádio Universitária (88,9 FM) e é, justamente, dessa fase que
1 Trabalho apresentado ao GT História da Mídia Sonora do 12º Encontro Nacional de História da Mídia. 2 Doutor em Estudos da Linguagem (UFRN), Mestre em Jornalismo pela ECA-USP, Especialista em Telejornalismo (ECA-USP/TV Globo) email: [email protected]
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trataremos no presente artigo, utilizando como metodologia o estudo de caso (DUARTE,
2010) e a pesquisa em profundidade (YIN, 2016; DUARTE, 2010)
Cartografia do rádio em Natal-RN
O roteiro dos primeiros tempos da radiodifusão, no Brasil e no mundo, difere muito
pouco de um lugar para outro. Em geral, foi pelo esforço de muitos curiosos, motivados
pelo desafio de transmitir sons à distância, sem uso de fio, que se encontra a origem das
primeiras emissoras de rádio brasileiras e de outros países. Assim ocorreu em Pernambuco,
com os irmãos Moreira e suas transmissões pioneiras, nos laboratórios da Escola Superior
de Eletricidade, em Recife, em abril de 1919, que resultariam na estruturação da PRA-8
Rádio Club de Pernambuco, em 1923 (VAZ, 2009). Nesse mesmo ano, instalou-se na
capital do país a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, vinculada à Academia Brasileira de
Ciências, que se utilizou dos transmissores adquiridos pelo governo brasileiro, junto à
norte-americana Westhinghouse, após uma demonstração da novidade, em 1922, durante a
exposição realizada durante as comemorações do Centenário da Independência
(TAVARES, 2014). Assim nasceu o radiobroadcasting no Brasil.
Na capital do Rio Grande do Norte, a primeira tentativa de instalar uma emissora de
rádio se deu em 1935, quando “um grupo de sonhadores tentou organizar a Rádio Clube de
Natal” (GALVÃO, 2016, p. 402), seguindo o modelo adotado pelos clubes e sociedades de
rádio espalhadas pelo país, porém, a ideia não saiu do campo das boas intenções. Nova
tentativa foi empreendida em 1938, segundo Saraiva (1983), quando um grupo de operários
da Companhia Melhoramentos do Porto de Natal, comandado pelo seresteiro Pedro
Machado, instalou um transmissor de galena na casa de número 546 da rua Presidente
Passos, na Cidade Alta, onde morava um outro seresteiro, Porfírio Ferreira da Rocha.
No centro da sala apertada, segundo Gumercindo Saraiva (1983), cantores e músicos
se revezavam dentro do estúdio improvisado numa pequena caixa de madeira compensada,
sem pintura, interpretando sucesso da época, entre alôs para os bairros da cidade. A festa
era geral pela chegada do “fenômeno radiofônico do século e a total cobertura da cidade
estava concretizada, com essa notícia alviçareira. No estúdio, apertado como um ovo,
começaram a comemorar o acontecimento e um bar, situado à rua João da Mata, enviou um
litro de Rhum… comes e bebes terminaram altas horas da noite (SARAIVA, 1983, p. 136).
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Não demorou para que a emissora recebesse a inesperada visita do temido diretor da Seção
Especializada do Departamento dos Correios e Telégrafos, que interditou a emissora
pioneira (SARAIVA, 1983).
Enquanto na vizinha Paraíba, a rádio Tabajara, emissora vinculada ao Governo do
Estado, já funcionava desde 1937 (SOUSA, 2011), no Rio Grande do Norte, a primeira
emissora, a Rádio Educadora de Natal (REN) só se instalou quatro anos depois, como uma
iniciativa privada, capitaneada pelos comerciantes Carlos Lamos e Carlos Farache, que
reuniu empresários, políticos e intelectuais (GOMES e RODRIGUES, 2016). A pioneira
REN iniciou suas transmissões em 29 de novembro de 1941, ocupando a frequência de
1.270 KHz e operando, “como ocorria com a maioria das emissoras do país, por motivos
técnicos (superaquecimento dos transmissores) em três horários: das 8 às 11h, das 13 às 15h
e das 18 às 22h” (SOUSA, 2010, p. 327). Sua programação se constituía de apresentações
de cantores e grupos musicais, mensagens e pequenas notícias, sob o patrocínio do
comércio. Em 15 de fevereiro de 1944, num episódio ainda pouco estudado, o controle da
Rádio Educadora de Natal foi transferido para os Diários Associados, conglomerado de
emissoras e jornais de propriedade de Assis Chateaubriand e a REN virou Rádio Poti.
Até a primeira metade da década de 1950, a Poti foi a única emissora em
funcionamento na capital do Rio Grande do Norte. Só após um hiato de dez anos, entre os
anos 1950/1960, a capital do Rio Grande do Norte ganhou quatro novas emissoras: em
1954, as rádios Nordeste (900 KHz), do governador Dinarte Mariz e a Cabugi (640 KHz),
do senador Georgino Avelino; a Emissora de Educação Rural (1.080 KHz), em 1958, ligada
à igreja católica, que materializou o projeto das escolas radiofônicas da Diocese de Natal
(CARVALHO et all, 2009) e Trairy (1.190 KHz), em 1962, ligada ao deputado Thedorico
Bezerra.
Com a saída de Dinarte do governo, a Nordeste foi perdendo prestígio e, após
sucessivas crises, acabou sendo vendida ao empresário Felinto Rodrigues, nos anos 1970,
que substituiu sua produção própria pela programação enlatada da Rede L&C3 e, com isso,
chegou a liderar a audiência dentre as emissoras de rádio da cidade. Anos depois, a
3 A Rede L&C compartilhava a programação veiculada, originalmente, na Rádio América, em São Paulo e distribuída para 150 emissoras em todo o país, em fitas cassete, como relatou Franklin Machado (2017), que gerenciou a programação da rádio Nordeste, à época em que a emissora foi afiliada da rede.
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emissora foi vendida à Igreja Assembleia de Deus e se tornou Nordeste Evangélica.
A Cabugi foi vendida ao então governador Aluízio Alves, em 1962, e sucedeu a
Nordeste no topo do ranking de audiência, a partir dos anos 1970, com uma programação
sustentada pelo tripé música-esporte-notícia e na atuação de comunicadores de forte apelo
popular. Com a consolidação da programação popular adotada pelas emissoras de
Freqüência Modulada (FM), a partir da década de 2000, a Cabugi-AM começou a viver um
período de declínio, com perda de audiência, de prestígio e de faturamento.
Em maio de 2002, a Cabugi filiou-se ao Sistema Globo de Rádio e passou a
retransmitir o sinal gerado pela Rádio Globo, do Rio de Janeiro, “sepultando uma tradição
de décadas de produção própria, com destaque para a cobertura jornalística e esportiva,
sempre sustentada por excelente audiência e retorno comercial” (PEDROZA, 2017, p.8).
Mais recentemente, a Cabugi engrossou a lista das poucas emissoras de AM do Rio Grande
do Norte, ao lado da pioneira Rádio Poti, que não migraram seu sinal para o FM.
As Emissoras de Educação Rural de Natal, Mossoró e Caicó nasceram com o
propósito de funcionar como Escolas Radiofônicas, projeto desenvolvido pelo Movimento
de Educação de Base, vinculado à igreja católica, na década de 1960, que tomou como
inspiração a experiência das rádios mineiras da Bolívia (CARVALHO, PEIXOTO e
PAIVA, 2009; PERUZZO, 1998). Desde setembro de 2018, a Rádio Rural opera em FM na
freqüência de 91,9 FM.
Já a Rádio Trairy foi adquirida pelo então governador Tarcísio Maia, em 1981, e
transformada em Rádio Tropical, dando origem a uma rede de emissoras de rádio e TV
controlada, atualmente, pelo ex-senador José Agripino Maia. A rádio Tropical de Natal
integra a rede CBN e migrou seu sinal para o FM, em 2018, passando a dividir espaço no
dial com a primeira emissora a ocupar a Freqüência Modulada, a Natal Reis Magos FM
(96,7 FM), que iniciou suas operações em 1981, entre outras.
A década de 1980 ficou marcada pela instalação de várias emissoras de FM: a
Rádio FM Cidade do Sol (94,3 FM); a FM-Tropical (103,9 FM), hoje Mix-FM, vinculada à
Rede Tropical de Comunicação; e a Paraíso FM (102,9 FM), vinculada à Rede
Transamérica, que foi vendida à Igreja Universal do Reino de Deus e integra atualmente a
Rede Aleluia de Rádio. Depois chegaram a Nordeste-FM (ex-Antena-1 e agora 98 FM), a
95 FM (Rádio Cultura de Macaíba), a Trampolim da Vitória-FM (104 FM), de Parnamirim,
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a Clube-FM (hoje 97 FM, controlada pelo Sistema Opinião e arrendada ao Grupo Agora
RN de Comunicação) e a 89 FM de São Gonçalo do Amarante, que opera como Jovem Pan-
FM. A única AM-Estéreo do estado, a Rádio Eldorado, continua operando na faixa do AM
e não tem planos para migrar para o FM (GOMES et all, 2018).
Somente na década de 2000 é que se instalaram em Natal as emissoras operadas
diretamente pelo Estado. A primeira delas foi a rádio Universitária (88,9 FM), cuja
concessão pertence à Fundação Norte-rio-grandense de Pesquisa e Cultura (FUNPEC),
embora ela seja vinculada institucionalmente à Superintendência de Comunicação Social da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, seguida das retransmissoras da Rádio
Senado (106,9 FM), em 2008, e da Rádio Marinha (100,1 FM), em 2011. A Universitária-
FM gera toda sua programação em Natal, enquanto a Senado-FM e Marinha-FM produzem
seu conteúdo em Brasília, de onde geram sua programação, por meio de satélite, para suas
respectivas redes de emissoras espalhadas pelo país (PEDROZA, 2017).
O conhecimento no ar
As primeiras emissoras de rádio vinculadas a instituições de ensino superior
surgiram nos Estados Unidos e logo se espalharam pelo mundo. A radiodifusão
universitária, nos moldes, tal qual conhecemos, começou a existir, a partir 1921, quando o
governo dos EUA concedeu a primeira licença autorizando o funcionamento de uma
emissora de rádio vinculada a uma universidade, no caso a Latter-day Saints College, de
Salt Lake City (MARTIN-PENA, PAREJO CUÉLLAR e VIVAS MORENO, 2016). Dois
anos depois, as rádios universitárias chegaram à América Latina, com as emissoras da
Universidade de La Plata, em Buenos Aires e da Universidade Nacional do Litoral, na
Província de Santa Fé, na Argentina. Em 1933, foi a vez da Colômbia instalar sua primeira
rádio universitária e, quatro anos depois, surgiram as emissoras vinculadas a universidades
no México e no Chile. (MARTA-LAZO; PENA, 2014).
A Rádio da Universidade foi a primeira emissora universitária do Brasil, instalada
em 1950 pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (FERRARETTO, 2000). Na
Europa, as primeiras rádios universitárias se instalaram, inicialmente, na Inglaterra e na
França, nos anos 1960. Na Espanha e na Alemanha, elas só surgiram nos anos 1980
(MARTA-LAZO; PENA, 2014).
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No Rio Grande do Norte, a radiodifusão universitária nasceu em 1972, com o início
das operações da Televisão Universitária (TV-U – Canal 5), emissora pioneira na
transmissão de sinais de TV do estado. A TV-U foi instalada por iniciativa do Projeto de
Satélite Avançado de Comunicações Interdisciplinares (SACI), desenvolvido pelo Instituto
Nacional de Pesquisas Especiais (INPE), com o objetivo de promover experiências de
educação à distância para populações carentes do Brasil, daí a escolha pelo Rio Grande do
Norte para essa experiência pioneira de teleducação no país (PEDROZA, 2017).
Inicialmente, as teleaulas do Projeto SACI eram gravadas na sede do INPE, em São
José dos Campos e, depois, passaram a ser produzidas em Natal, sendo transmitidas por
meio de uma rede de repetidoras de microondas que levavam o sinal da TV-U para as
escolas públicas do interior do estado, sendo retransmitidas para os alunos e professores em
salas de aula equipadas com aparelhos de TV e de rádio (PAIVA, 2013).
O pioneirismo estatal na televisão não se repetiu no rádio natalense, que conforme já
demonstrado, nasceu privado, mas coube, também, à Universidade Federal do Rio Grande
do Norte4 instalar a primeira emissora de rádio operada pelo Estado no Rio Grande do
Norte. O sonho de dispor de uma emissora de rádio universitária em Natal, realizado em
2000, nasceu, ainda, na década de 1968. Naquele ano, ocorreu a primeira tentativa da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte de obter, junto ao Governo Federal, uma
outorga para o funcionamento de uma emissora. O pedido foi negado.
Dez anos depois, nova tentativa e nova frustração. Numa terceira empreitada,
realizada em 1996, a UFRN mudou sua estratégia e indiciou, em seu pedido ao Ministério
das Comunicações, a Fundação Norteriograndense de Pesquisa e Cultura (FUNPEC) como
beneficiária da concessão e conquistou a sua tão sonhada emissora de rádio, em 1998, mas
por falta de recursos, só conseguiu instalar a Universitária-FM dois anos depois. O início
4 Principal instituição de ensino superior do Rio Grade do Norte, a UFRN mantém mais de 200 cursos em todos os níveis, da pré-escola ao pós-doutoramento e atende a mais de 43 mil alunos com seus 5.500 servidores, entre técnico-administrativos e docentes efetivos, dos quais quase 2 mil são doutores, além dos professores substitutos e visitantes. O campus central da UFRN, onde funcionam a TV e a rádio Universitária, ocupa uma área de 230 hectares, no bairro de Lagoa Nova, zona zul de Natal, onde estão instaladas a TV-Universitária e a rádio Universitária-FM. A universidade também mantém, ainda, outros campi na capital e no interior do estado.
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das transmissões experimentais da 88,9 FM ocorreu em dezembro de 2000 e sua
inauguração solene foi realizada em março de 2001 (FREITAS, 2017).
Por meio desse arranjo institucional que garantiu a concessão da Universitária-FM,
há 19 anos, mantém a operação da emissora subordinada à Superintendência de
Comunicação Social da UFRN , que já opera a TV-Universitária. Do ponto de vista legal,
entretanto, sua concessão pertence à FUNPEC, entidade de direito privado, sem fins
lucrativos, criada para intermediar convênios e contratos entre a UFRN e o mercado. Essa
decisão de vincular a concessão da Universitária-FM à sua fundação de pesquisa – e não
diretamente à estrutura administrativa da universidade – fez parte de uma estratégia que
permitiria o autofinanciamento da emissora, pela captação de recursos junto ao mercado
publicitário e pela venda de anúncios institucionais e patrocínios e, assim, desoneraria o
orçamento da UFRN.
Foi com esse desafio novo para uma emissora estatal, aliás, que o grupo pioneiro
de profissionais iniciou a implantação da Universitária-FM. Segundo seu primeiro diretor, o
hoje aposentado professor de rádio do curso de Comunicação Social da universidade,
Maurício Pandolphi (2018), a rádio deveria ser, em curto prazo, auto sustentável. Isso nos dava um diferencial em relação às outras emissoras inédito, porque a rádio ela tinha que captar recursos no mercado ou através de instituições públicas que pudessem fazer convênios com a universidade. Nós nunca conseguimos fazer convênio com nenhuma instituição pública, porque as que poderiam fazer estavam de olho em ter a sua própria emissora de rádio ou de televisão.
De início, a Universitária-FM optou pela contramão da segmentação de público,
muito em voga na época. A experiência de Pandolphi e sua equipe inicial, formada por um
grupo de profissionais com vasta experiência no meio rádio, entre eles cinco locutores
experientes, com atuação no mercado, levou-o a estruturar uma programação dirigida a um
espectro de público bastante amplo: maior de 15 anos a ouvintes da terceira idade. Baseado
nesse princípio, Pandolphi posicionou a Universitária-FM como uma rádio musical de
qualidade, cujo acervo beirava as 15 mil músicas, com informação diversificada e um
jornalismo voltado para a comunidade “que pudesse, dentro de seus noticiários, mostrar o
que a universidade está fazendo” (2018). Pandolphi também inseriu na grade de
programação da emissora uma série de programas especiais. Para ele,
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esse foi um conceito, pelo que eu tenho notícias, absolutamente novo em termos de rádios universitárias. Por exemplo, a do Ceará, que eu conheci por volta de 1995-1996 era uma rádio feita por alunos, uma rádio absolutamente amadorística. A de Pernambuco, a mesma coisa. Foram as duas que eu tive mais contato, muito antes, como professor, em eventos, seminários que eu participava... A nossa não, ela tinha que ser uma rádio profissional. (PANDOLPHI, 2018)
O modelo de programação apresentado pela Universitária-FM surpreendeu o
mercado e garantiu à emissora, ainda em seus primeiros seis meses de funcionamento, a
quinta posição em audiência dentre as sete emissoras existentes na cidade. Esse
desempenho garantiu ao caixa da emissora um volume significativo de recursos advindos
de patrocínios e mensagens institucionais de anunciantes tradicionais do mercado
publicitário.
As pressões contrárias a esse modelo, entretanto, chegavam de todas partes,
principalmente, de dentro da própria universidade. Pandolphi (2018) recorda o caso de um
professor de filosofia que censurava o fato da Universitária-FM veicular música estrangeira.
A reação do diretor da emissora foi inusitada. Ele observou que a bibliografia adotada pelo
professor em seus cursos eram, em sua maioria, composta de autores não brasileiros, o que
não lhe dava o direito de excluir da programação musical autores estrangeiros. Outra
professora sugeriu um programa de meditação na hora do rush, ao que Pandolphi respondeu
que “o cara dormiria ao volante” e descartou a proposta.
Quanto ao financiamento das operações da Universitária-FM, permanece o impasse.
Se num primeiro momento, a vinculação da emissora à FUNPEC deveria desobrigar a
universidade de arcar com as despesas de funcionamento da emissora, retirando recursos de
seu orçamento, na prática, porém, os resultados esperados desse arranjo institucional nunca
se concretizaram. Para se ter ideia, os custos iniciais de instalação da Universitária-FM
foram arcados pela UFRN, que fez uma dotação orçamentária específica para compra dos
equipamentos, instalação da emissora e o pagamento dos três primeiros meses de salário
dos profissionais contratados. Recorda o primeiro diretor da emissora que recebeu a rádio com essa missão: a rádio tem que ser auto suficiente dentro de noventa dias. Estruturamos uma programação de uma rádio da universidade, mas não voltada exclusivamente para os interesses da universidade, voltada para as necessidades da população em termos de comunicação de massa. Esse já era um conceito diferente: para fazer uma rádio auto suficiente voltada para a comunidade, uma prestação de serviços da universidade para a população do Rio Grande do Norte, em
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especial da grande Natal, e uma rádio com a obrigação de valorizar a cultura local. Esse era o tripé em termos estruturais da rádio. (PANDOLPHI, 2018)
Com a mudança na reitoria e na direção da emissora, a equipe original foi e desfeita
e a emissora foi abandonando a postura agressiva que marcou seus primeiros meses. O
resultado dessa acomodação foi a queda nas entradas de verbas provenientes do mercado
publicitário nos cofres da FUNPEC e, por conseguinte, da Universitária-FM. Atualmente a
receita advinda do mercado publicitário praticamente inexiste, por pura falta de iniciativa da
própria emissora. A solução encontrada pelos gestores da rádio foi transferir, de forma
disfarçada, o custeio da rádio para o orçamento da TV-Universitária e da própria
Superintendência de Comunicação da universidade.
Para o atual superintendente de comunicação da UFRN, professor José Zilmar
Costa, “não importa a área ou a unidade e essa questão de sustentabilidade acaba sendo
diluída, porque se fosse dividir mesmo, a rádio era insustentável. […] Na verdade, a
universidade banca tudo” (2018). Outro problema, de mais fácil solução, na visão do gestor,
é a aquisição e a manutenção de equipamentos para a Universitária-FM tem se dado por
meio da verba destinada à TV-U, como as operações são de radiodifusão, que são muito parecidas com as da TV e, ainda, tem o fato de termos o curso de comunicação e temos alunos aqui dentro, acaba a gente encontrando uma forma de encontrar esse recurso para não deixar a rádio parar, porque se a gente fosse depender só de recursos da FUNPEC, a FUNPEC não tem não faz esses investimentos. (COSTA, 2018)
Em praticamente todas as instituições de ensino superior do país que possuem rádio,
vivencia-se um conflito entre os dirigentes e funcionários dessas emissoras com os
professores e dirigentes dos cursos de comunicação social. Na UFRN não é diferente.
Desde sua fundação, a Universitária-FM reclama da falta de apoio do curso, como revela
Pandolphi (2018): “dentro da universidade, se houvesse algum departamento que poderia
colaborar, sem menosprezar os outros, seria o de Comunicação do qual eu nunca recebi
apoio nenhum, nenhum professor quis se envolver com a rádio, embora fossem
convidados”. Não seria, também, um dos motivos dessa diáspora a própria postura
isolacionista dos integrantes da emissoras universitárias?...
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Passados 19 anos de sua instalação, essa dificuldade de relacionamento entre a
Universitária-FM e o Departamento de Comunicação Social da UFRN permanece, apesar
da distância mínima de uma parede que separa uma unidade da outra. Para o
superintendente de Comunicação Social da UFRN, responsável pela gestão da TV-
Universitária e a Universitária-FM, professor José Zilmar, isso aí é só uma questão física mesmo, porque são duas unidades. Uma é uma unidade suplementar e outra é uma unidade acadêmica. Por natureza são gestões diferentes. […]Nós gostaríamos que fosse maior, mas nós não conseguimos ainda um engajamento mesmo de ter um professor que ofereça uma disciplina e que ele explore a nossa estrutura como laboratório (2018).
Atualmente, a Universitária-FM mantém uma equipe de programação, produção e
jornalismo com vários servidores contratados pela UFRN, bolsistas de vários cursos e
apenas dois locutores, profissionais para os quais não existe vaga nos quadros da
universidade e precisam ser contratados e pagos com verbas advindas da publicidade que a
emissora praticamente não veicula.
Vinheta de encerramento
Se, na teoria, arranjo institucional que viabilizou a instalação da Universitária-FM,
resolveria a dificuldade de se manter uma emissora de rádio no ar, porque seu
financiamento estaria garantido pela permissão legal de captar anúncios no mercado, na
prática, acabou se criando um outro problema tão grave quanto a vedação legal que impede
as emissoras estatais a captar recursos por meio da veiculação de publicidade. Por não
pertencer ao patrimônio da UFRN, como é o caso da TV-Universitária, a rádio
Universitária-FM não poderia receber recursos do orçamento da universidade, nem utilizar
o espaço físico do campus universitário ou manter-se vinculada à agência que gere a
comunicação da UFRN, como de fato ocorre, porque legalmente ela não pertence ao
patrimônio da Universidade Federal e sim a uma fundação privada que, embora lhe sirva de
porta de entrada de recursos do mercado, não integra a estrutura administrativa da
instituição.
Por outro lado, a fundação que detém a concessão da Universitária-FM limita-se a
emprestar seu nome para fins legais e, até quando ocorre alguma captação de recursos junto
ao mercado publicitário, a FUNPEC limita-se a intermediar a transação, recebendo do
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patrocinador e repassando aos gestores da rádio. Sem uma fonte extraorçamentária de renda
garantida para o desenvolvimento de novos produtos, programas e iniciativas, a
Universitária-FM padece da dependência crônica do repasse constitucional de recursos,
reduzindo-se “ao funcionamento de uma típica repartição pública” (SIGNATES e
BOARATTI, 2001, p.152).
Outro problema, esse ainda mais grave, revela uma falta de articulação da
Universitária-FM com os departamentos e os cursos espalhados nos campi universitários
mantidos pela UFRN. Se a emissora não consegue se comunica com seu vizinho mais
próximo, o curso de Comunicação Social, como esperar um relacionamento com outros
setores da universidade?... Falta à Universitária-FM, também, uma maior sintonia com a
vida nos campi da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, para além do olhar e dos
interesses pessoais e corporativos dos que fazem a emissora ou dos órgãos da administração
central da instituição.
Nem mesmo com sua irmã TV-Universitária, de quem ela compartilha o espaço
físico, estrutura tecnológica e parte das verbas de manutenção, a rádio mantém uma parceria
que permitiam às duas emissoras atuarem de forma sinérgica. Quando ocorre, essa atuação
conjunta se dá de forma esporádica, durante algum evento, geralmente capitaneado pela
TV. No caso do jornalismo, apesar da gestão desse setor ser integrado, o que se percebena
prática é a falta de articulação entre as equipes da TV e da rádio que, muitas vezes,
agendam entrevistas distintas com as mesmas fontes para tratar de determinados assuntos,
quando deveriam otimizar o uso da estrutura compartilhando e reaproveitando o material
uma da outra. Em tempos de convergência, onde TV, rádio e internet se aproximam cada
vez mais, a TV-U e a Universitária-FM não desenvolvem ações conjuntas ou produzem
conteúdos compartilhados.
Faltam-lhes, ainda, vozes novas em sua programação, outras fontes, novos
especialistas em assuntos que transitam no universo de temas que interessam à academia, a
comunidade universitária e à sociedade. Faltam pesquisadores, professores e estudantes
falando de suas pesquisas, de seus estudos, de seus projeto e de suas idéias na programação
da emissora. Faltam, ainda, análises mais profundas dos acontecimentos do dia a dia que
ajudem ao cidadão a compreender o mundo ao seu redor, o que demonstra a falta de
conexão da emissora com as centenas de fontes que transitam no espaço da universidade,
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em seus vários centros de pesquisas e cursos de várias modalidades e que alimentam o
noticiário das emissoras privadas que atuam fora dos campi da UFRN.
Praticamente inexistem na programação da Universitária-FM conteúdos
programas produzidos por outras vozes, ouvidos e cabeças, fora dos limites de seus estúdios
e salas de produção. O veículo carece de novas abordagens para velhos e inéditos temas.
Mais gritante ainda é a falta de articulação com o corpo docente e discente do vizinho curso
de Comunicação Social, o que impede que a emissora sirva de laboratório para o
desenvolvimento de novas pesquisas sobre o meio rádio, para que os professores e alunos
exercitem seus talentos, compartilhem suas experiências e empreendam seus experimentos,
dentro e fora dos limites do campus. Essa falta de envolvimento com a vida real que pulsa
nas alamedas e setores da UFRN tem provocado, como reação natural, o afastamento da
comunidade universitária dos microfones, das dependências e na agenda de interesses da
emissora, criando um ciclo perigoso de falta de audiência, de interesse do público e da
comunidade, de prestígio e de relevância dentro e fora dos limites da universidade.
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