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História Antiga I São Cristóvão/SE 2009 Alfredo Julien

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Page 1: História Antiga I_OK

História Antiga I

São Cristóvão/SE2009

Alfredo Julien

Page 2: História Antiga I_OK

CopidesqueEdvar Freire Caetano

Projeto GráficoHermeson Alves de MenezesLeo Antonio Perrucho MittaraquisTatiane Heinemann Böhmer

DiagramaçãoJoão Eduardo Batista de Deus AnselmoNeverton Correia da Silva

IlustraçãoGerri Sherlock Araújo

CapaHermeson Alves de Menezes

Julien, AlfredoS111t História Antiga I / Alfredo Julien - São Cristóvão :

Universidade Federal de Sergipe, CESAD, 2009.

1. História Antiga. 2. Períodos. 3. Sociedade.

CDU 94(81)

Copyright © 2009, Universidade Federal de Sergipe / CESADNenhuma parte deste material poderá ser reproduzida, transmitida e gravada por qualquer meioeletrônico, mecânico, por fotocópia e outros, sem a prévia autorização por escrito da UFS.

Elaboração de ConteudoAlfredo Julien

FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRALUNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

Presidente da RepúblicaLuiz Inácio Lula da Silva

Ministro da EducaçãoFernando Haddad

Secretário de Educação a DistânciaCarlos Eduardo Bielschowsky

ReitorJosué Modesto dos Passos Subrinho

Vice-ReitorAngelo Roberto Antoniolli

Chefe de GabineteEdnalva Freire Caetano

Coordenador Geral da UAB/UFSDiretor do CESAD

Itamar Freitas

Vice-coordenador da UAB/UFSVice-diretor do CESAD

Fábio Alves dos Santos

Coordenador do Curso de Licenciaturaem História

Lourival Santana Santos

Page 3: História Antiga I_OK

NÚCLEO DE MATERIAL DIDÁTICO

Hermeson Menezes (Coordenador)Jean Fábio B. Cerqueira (Coordenador)Baruch Blumberg Carvalho de MatosChristianne de Menezes GallyEdvar Freire CaetanoFabíola Oliveira Criscuolo MeloGerri Sherlock AraújoIsabela Pinheiro Ewerton

Jéssica Gonçalves de AndradeLara Angélica Vieira de AguiarLucílio do Nascimento FreitasLuzileide Silva SantosNeverton Correia da SilvaNycolas Menezes MeloPéricles Morais de AndradeJ´niorTaís Cristina Samora de FigueiredoTatiane Heinemann Böhmer

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPECidade Universitária Prof. “José Aloísio de Campos”

Av. Marechal Rondon, s/n Jardim Rosa ElzeCEP 49100-000 São Cristóvão - SE

Fone(79) 2105- 6600 - Fax(79) 2105- 6474

Diretoria PedagógicaClotildes Farias (Diretora)Hérica dos Santos Matos

Diretoria Administrativa e FinanceiraEdélzio Alves Costa Júnior (Diretor)

Núcleo de ServiçosGráficos e Audiovisuais

Giselda Barros

Núcleo de TutoriaRosemeire Marcedo Costa (Coordenadora)

Carla Darlem Silva dos ReisAmanda Maíra Steinbach

Luís Carlos Silva LimaRafael de Jesus Santana

Núcleo de Tecnologia daInformação

Fábio Alves (Coordenador)André Santos SabâniaDaniel SIlva Curvello

Gustavo Almeida MeloJoão Eduardo Batista de Deus Anselmo

Heribaldo Machado JuniorLuana Farias OliveiraRafael Silva Curvello

Núcleo de Formação ContinuadaAndrezza Maynard (Coordenadora)

Assessoria de ComunicaçãoGuilherme Borba Gouy

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Sumário

AULA 1A História Antiga como período histórico ........................................................ 07

AULA 2Fundamentos político-culturais da divisão quadripartite .............................. 19

AULA 3História Antiga e a identidade cultural européia .............................................. 35

AULA 4A divisão quadripartite da História ...................................................................... 49

AULA 5Poder e sociedade ....................................................................................................... 65

AULA 6Conhecimento e ideologia ....................................................................................... 79

AULA 7Homem: um ser social e produtor de cultura .................................................... 93

AULA 8O evolucionismo cultural ...................................................................................... 109

AULA 9A idéia de progresso ................................................................................................. 123

AULA 10Divisão do trabalho, cultura e sociedade .................................................................. 137

AULA 11Caçadores e coletores ...............................................................................................147

AULA 12Pastores e agricultores...............................................................................................163

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AULA 13A cidade sagrada de nippur.......................................................................................177

AULA 14A cidade-estado mesopotâmica................................................................................193

AULA 15O Egito antigo...........................................................................................................209

AULA 16A pólis grega..............................................................................................................223

AULA 17Democracia e escravidão na grécia antiga..................................................................237

AULA 18Atenas: imperialismo, guerra e democracia............................................................. 251

AULA 19A formação do império romano I...........................................................................265

AULA 20A formação do império romano II.........................................................................283

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A HISTÓRIA ANTIGACOMO PERÍODO HISTÓRICO

METMETMETMETMETAAAAAApresentar a História Antigacomo período da divisãoquadripartite da História.

OBJETIVOSOBJETIVOSOBJETIVOSOBJETIVOSOBJETIVOSAo final desta aula o alunodeverá:identificar os períodos quecompõem a divisãoquadripartite da História;determinar os marcoshistóricos que constituem adivisão quadripartite;definir o conceito de marcohistórico.

11111aulaaulaaulaaulaaula

Pirâmide de Djoser. Também conhecida como pirâmide de Saqqara ou pirâmi-de de degraus, foi erguida para o sepultamento do faraó Djoser. Construídadurante o séc. XXVII a.C., na necrópole de Saqqara, é considerada a primeirapirâmide erigida no Egito.(Fonte: http://www.upload.wikimedia.org).

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História Antiga I

INTRODUÇÃO

Caro ou cara aprendiz, apresentamos nossas boas-vindas à disciplina de História Antiga de nosso curso. Deseja

mos que, nessa viagem a um tempo tão recuado de nossa época,você possa não somente obter informações edesenvolver conhecimentos que o auxilie nasua formação como pessoa autônoma, capazde desenvolver atividades profissionais com

competência e de exercer sua cidadania de forma consciente e res-ponsável. Esperamos também que se divirta, pois acreditamos queo saber e o prazer caminham juntos. Para atingir tal objetivo, pro-curaremos expor assuntos complexos com a maior delicadeza pos-sível, para que possam (com o perdão da metáfora) ser degustadoscomo se fossem doces finos e delicados e não como um remédioamargo e difícil de ser ingerido, ainda que necessário para orestabelecimento da saúde.

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A História Antiga como período histórico

Agora, para iniciarmos, como se estivesse em um sonho,imagine você em um corredor não muito comprido. Em

um de seus lados, há quatro portas que servem de entrada paraquatro salas distintas.

Você está de frente para elas. De sua posição é possível ver,em cada uma das portas, uma placa, cada uma com uma inscrição.Na primeira porta consta “entrada para a História Antiga”. Nasegunda, “entrada para a História Medieval”. Na terceira, “entra-da para a História Moderna. E na quarta e última, “entrada para aHistória Contemporânea”.

(Fonte: www.phb.fap.com.br).

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História Antiga I

Você então é tomado(a) de curiosidade. Fica pensandosobre o que significaria aquelas plaquinhas ou o que estaria guar-dado no interior daquelas salas, quando, de repente, de maneirainexplicável (lembre-se que se trata de um sonho) um homem, comum avental branco, aparece no corredor, caminhando em suadireção! Quando então ele se aproxima, você lhe pergunta arespeito daquelas salas e suas respectivas plaquinhas.

O homem de branco ouve, porém não responde de imedia-to. Pára pensativamente, demonstrando com seu silêncio a im-portância e a seriedade da resposta que formulava. Então, apósesse breve momento, ele responde: É ASSIM QUE ORDENAMOS E

GUARDAMOS TODOS OS ACONTECIMENTOS DO MUNDO. Nesse momen-to, você acorda e percebe que era um sonho!

A história do sonho é uma forma visual para exemplificar umdos principais procedimentos adotados na prática do ensino de His-tória como disciplina escolar e acadêmica: a sua divisão em quatroperíodos históricos distintos: História Antiga, Medieval, Modernae Contemporânea, a famosa linha do tempo dividida em quatroperíodos distintos. Os livros didáticos destinados à educação bási-ca são periodizados dessa forma. E o nosso próprio curso de Histó-ria da UAB/UFS também apresenta essa divisão. Trata-se de umaperiodização clássica e amplamente utilizada. Vejamos abaixo comoela costumeiramente é apresentada.

A DIVISÃO QUADRIPARTITE É UMA FORMA DE ORDE-

NAR OS ACONTECIMENTOS DA HISTÓRIA HUMANA

_________________________________________...dias de hoje

Pré-história HistóriaAntiga

HistóriaMédieval

HistóriaModerna

HistóriaConteporânia

↓ ↓ ↓ ↓ 4mil a.C.

Invenção da escrita476 d.C.

Queda de Roma1453

Queda deConstantinopla

1789Rev.Francesa

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A História Antiga como período histórico

História Antiga: inicia-se aproximadamente em 4 mil anos a.C., com oadvento da escrita, e estende-se até o ano da 476 d.C., com a queda deRoma.

História Medieval: inicia-se em 476 e estende-se até o ano de 1453, como fim da guerra dos cem anos e a tomada da cidade de Constantinopla pelosturcos otomanos.

História Moderna: inicia-se em 1453 e estende-se até 1789, quando teveinício a Revolução Francesa.

História Contemporânea: inicia-se em 1789 e estende-se até os nos-sos dias.

A linha do tempo quadripartite estabelece uma seqüência de períodoshistóricos que se inicia com a invenção da escrita e prolonga-se até os dias dehoje. A delimitação de cada período se faz pela utilização de eventos queservem de marcos. Assim, para o início da Idade Antiga, temos como mar-co histórico o aparecimento da escrita, sendo a queda do Império Romanodo Ocidente, em 476, o seu marco final. Seguindo à Idade Antiga, temos aIdade Média, que tem como marco final, na maioria de nossos livros didáti-cos, a tomada de Constantinopla. Na seqüência, apresenta-se a Idade Mo-derna, que termina em 1789 com a Revolução Francesa, que por sua vezdá início à Idade Contemporânea.

Os marcos históricos que delimitam os períodos são artificiais, já que otempo histórico se desenrola em um contínuo, sem interrupções. Não é deum dia para outro que as sociedades humanas mudam. Elas se trans-formam lentamente, sem mesmo que a maioria de nós se dê conta.Tomemos como exemplo a passagem da Idade Antiga para a Medi-eval. O império Romano não caiu de uma hora para outra, sua de-

Coliseu. Roma. Fotografia. Autor desconhecido.(http://www.mobility.com.br).

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História Antiga I

ATIVIDADES

Vamos exercitar o conteúdo desenvolvido até aqui. Observe alinha do tempo reproduzida abaixo. Preencha as lacunas de acor-do com o modelo da divisão quadripartite da história. As lacu-nas 1 e 6 já estão preenchidas, as outras são com você.

_________________________________________...dias de hoje

1. Pré-História2. _________________________________________________3. _________________________________________________4._________________________________________________5. _________________________________________________

6. Aparecimento da escrita7. _________________________________________________8. _________________________________________________9. _________________________________________________

1___________ 2___________ 3___________ 4____________ 5___________

↓ ↓ ↓ ↓ 4mil a.C.

________________

476 d.C.

_____________

1453

______________

1789

____________

cadência é fruto de um longo processo de transformações, que seiniciaram séculos antes de sua queda e perduraram séculos apósela. A data da queda do Império Romano em 476 é apenas umaescolha convencional e não reflete o processo contínuo das trans-formações históricas.

A periodização estabelece cortes artificiais no fluxo

histórico das transformações sociais. Ela é obra do

historiador, de quem analisa os fatos e não elementos

constitutivos dos próprios fatos.

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A História Antiga como período histórico

COMENTÁRIO SOBRE AS ATIVIDADES

2. Idade Antiga; 3. Idade Média; 4. Idade Moderna; 5. IdadeContemporânea; 7. Queda do Império Romano doOcidente; 8. Final da Guerra dos Cem Anos e a Tomada deConstantinopla; 9. Revolução Francesa.

O marco histórico que divide um período de outro é con-vencional e muitas vezes sequer é percebido pelos homens queo presenciaram como tal. Suas escolhas dependem do que nóshoje consideramos como sendo importante e não das coisasque os homens que viveram esses momentos pensaram a res-peito. Por exemplo, Jacques Le Goff aponta que a deposiçãodo imperador romano do ocidente, o jovem e desconhecidoRômulo, foi um fato quase desapercebido. Um acontecimentoque não parece ter comovido os seus contemporâneos. Segun-do ele, foi somente cinqüenta anos após a deposição que umbizantino escrevera em sua crônica: “Odoacro, rei dos Godos,obtém Roma...O Império Romano do Ocidente, que OtávioAugusto, primeiro imperador, começou a governar no ano 709de Roma, teve fim com o pequeno imperador Rômulo”. Umfato que hoje é alçado à importância de marco histórico, emsua própria época sequer foi notado.

A periodização histórica, portanto, é uma forma de ordenaros acontecimentos no tempo, demarcando-os com eventos quese consideram importantes para explicar os motivos que leva-ram a passagem de um período para o outro. É uma forma declassificação dos acontecimentos e condutas humanos com aintenção de se produzir uma explicação coerente das sucessõesdos acontecimentos históricos. No caso da divisão quadripartiteda história, a periodização tem por finalidade proporcionar umavisão geral da evolução histórica, dos primeiros tempos aos diasde hoje. Assim sabemos, por meio dela, que a História começana Antiguidade, precedida por um longo período chamado de

Jacques Le Goff

Renomado medievalista,Jacques Le Goff é umdos principais expoen-tes da “Nova História”.Abordando principal-mente questões ligadasao imaginário nomedievo europeu, pos-sui uma obra rica e vari-ada, que hoje se consti-tui em referência básicanos estudos históricos,tanto pelo conhecimen-to que nos lega domedievo europeu comopelas questões teóricasapresentadas em seustrabalhos.

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História Antiga I

Pré-História. Segue-se pelo medievo, com suas características pró-prias, e chega até nós, Idade Contemporânea, passando pela Ida-de Moderna. Trata-se de uma linha do tempo que explica, deforma geral, a evolução dos acontecimentos que marcaram oque costumamos chamar de História Geral.

Quais seriam, então, as principais ca-racterísticas de cada período? Na Idade An-tiga, temos o aparecimento das formas devida civilizada. A civilização egípcia emesopotâmica, com as suas complexas or-ganizações sociais e manifestações cultu-rais, são dois dos seus marcos iniciais. Talperíodo se estende até a civilização roma-na, considerada como o apogeu do mun-do antigo, reunindo as principais conquis-tas materiais e espirituais desse período.

A Idade Média é o momento em queocorre a reorganização do mundomediterrânico, após a queda do ImpérioRomano. É nela, que ocorrem transforma-ções importantes na Europa que sinalizam

para novas formas de organização social: o aparecimento de ci-dades como centros de atividade artesanal e comercial e a forma-ção dos Estado-nacionais europeus como França, Inglaterra, Por-tugal e Espanha. Foi a aliança de interesses comerciais aliada aopoderio das nascentes monarquias européias que tornou possí-vel a expansão marítimo-comercial européia, levando os euro-peus a “descobrirem” o continente americano.

A Idade Moderna é o período do apogeu das monarquiasabsolutistas européias e da organização do mundo colonial. Éno final desse período que um lento processo de transforma-ções sociais e econômicas levou à chamada Revolução Industri-al e à Revolução Francesa. As revoluções Industrial e Francesaabriram as portas para a Idade Contemporânea, com suas prin-

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A História Antiga como período histórico

ATIVIDADES

Agora, antes de continuarmos, para que possamos ter cer-teza de que você compreendeu os principais conteúdos atéaqui, propomos a seguinte atividade. Consultando um livrodidático de nível médio, e tomando como base a descriçãofeita por nós das principais características de cada idade his-tórica da divisão quadripartite, identifique de que forma cadaperíodo se relaciona aos seus marco iniciais.1. História Antiga (aparecimento da escrita)2. História Medieval (queda do Império Romano do Ocidente)3. História Moderna (Tomada de Constantinopla)4. História Contemporânea (Revolução Francesa)

COMENTÁRIO SOBRE AS ATIVIDADES

1. O aparecimento da escrita como marco inicial da HistóriaAntiga liga-se a vários fatores. Um deles, e não menos importante,deve-se à crença positivista de que o estudo da história somenteseria possível a partir de documentos escritos. Assim oaparecimento da escrita marcaria a divisão da Históriapropriamente dita da Pré-história, período que somente poderiaser estudado a partir de suas evidências materiais.2. A deposição de Rômulo em 476, último imperador romano

cipais formas econômicas, políticas e sociais: a difusão da mãode obra assalariada, o Estado Liberal e a economia capitalista.

Assim, passando em resumo, teríamos o aparecimento das for-mas de vida civilizada, na Antiguidade. A formação das monarquiaseuropéias, na Idade Média. A expansão européia pelo mundo, com ocolonialismo, na Idade Moderna. E, na Idade Contemporânea, comoconseqüência das transformações ocorridas no período anterior: opredomínio da economia capitalista européia.

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História Antiga I

do Ocidente, sinaliza de maneira clara a crise do Império Romanodo Ocidente que levou à constituição da Europa feudal.3. A Tomada de Constantinopla pelos turcos otomanos éconsiderada marco iniciador da Idade Moderna devido àligação que se costuma fazer entre ela e a expansãoultramarina européia. De acordo com tal interpretação, odomínio turco sobre a cidade teria bloqueado as linhas decomércio entre a Europa e o Oriente. A dificuldade de mantero comércio pelas rotas comerciais que utilizavam o MarMediterrâneo teria incentivado (lembre que isso é apenasuma teoria, por isso optamos pela conjugação “teriaincentivado”, dando, deste modo, um caráter hipotético àfrase) a busca de novas rotas comerciais pelo Atlântico,contornando o continente africano.4. A Revolução Francesa é utilizada como marco da IdadeContemporânea no sentido de que ela representa o ápice daluta contra o absolutismo real da Idade Moderna, representandodeste modo os ideais democráticos do Estado Liberal Burguês.

Depois dessa aula, deve ter ficado claro para você que aperiodização quadripartite da história é uma forma de

explicar a evolução dos acontecimentos no tempo, marcandoseus eventos principais e distinguindo seus pe-ríodos com características distintas. A idéia deHistória Antiga como disciplina, e um perío-do histórico definido, deve ser entendida nes-

se contexto, como um momento de uma periodização que tempor finalidade classificar, no tempo, a experiência humana, ex-plicando sua história de maneira coerente e racional.

CONCLUSÃO

A periodização histórica é uma forma de narrar os

acontecimentos dando-lhes sentido e coerência.

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A História Antiga como período histórico

RESUMO

A periodização quadripartite da história é uma prática comumno ensino de história. A divisão da história humana em IdadeAntiga, Média, Moderna e Contemporânea está presente no

dia a dia das salas de aula, na organização dos livros didáticos emesmo na organização curricular dos cursos superiores de histó-ria. Nessa aula, procuramos discutir sua natureza como forma declassificar e ordenar os acontecimentos humanos de maneira line-ar e coerente, mostrando quais seriam as principais característicasda cada período e de que maneira seus marcos divisores se relacio-nam com cada período que eles demarcam.

PRÓXIMA AULA

Na próxima aula, teremos a oportunidade de discutir sobqual ponto de vista ideológico a divisão quadripartite daHistória se organiza, como também os significados histó-ricos e culturais que cada uma das Idades e seus respecti-

vos marcos representam.

AUTO-AVALIAÇÃO

1. O que é a divisão quadripartite da História?2. Quais são os períodos históricos apresentados na divisãoquadripartite?

3. Quais são os marcos iniciais e finais da Idade Antiga?

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História Antiga I

REFERÊNCIAS

GUARINELLO, N.L. Uma morfologia da História: as formasda História Antiga. Politéia: história e sociedade, Vitória da Con-quista, v. 3, n. 1, p. 41-61, 2003.

COMENTÁRIO SOBRE AS ATIVIDADES

1. A divisão quadripartite da História é uma maneira deperiodizar a história humana estabelecendo quatro idades,ou épocas históricas, distintas.2. Os quatro períodos históricos apresentados na divisãoquadripartite são: a Idade Antiga, Média, Moderna eContemporânea.3. O marco inicial da Idade Antiga é o aparecimento da escrita,datado de mais ou menos 4 mil a.C.. O marco final é a quedado Império Romano do Ocidente no ano de 476 d.C.

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A História Antiga como período histórico

FUNDAMENTOSPOLÍTICO-CULTURAISDA DIVISÃO QUADRIPARTITE

METMETMETMETMETAAAAARefletir sobre os marcos eperíodos apresentados peladivisão quadripartite daHistória.

OBJETIVOSOBJETIVOSOBJETIVOSOBJETIVOSOBJETIVOSAo final desta aula o alunodeverá:definir a divisão quadripartitecomo uma forma de explicar aevolução histórica a partir deuma perspectiva européiaocidental.

PRÉ-REQUISITOSPRÉ-REQUISITOSPRÉ-REQUISITOSPRÉ-REQUISITOSPRÉ-REQUISITOSTer assimilado o conteúdo daaula 01.

22222aulaaulaaulaaulaaula

A tomada final de Constantinopla. Miniatura deJean Mielot (séc. XV) Biblioteca Nacional de Paris(http://www.danielhercos.com.br).

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História Antiga I

INTRODUÇÃO

Caro aluno ou cara aluna: na aula anterior tivemos aoportunidade de definir um conceito para periodizaçãohistórica. Ao seu final, chegamos à conclusão de que a

periodização quadripartite da história é umaforma de ordenar a evolução dos acontecimen-tos humanos, dando-lhes coerência e sentido.

Agora vamos pensar um pouco mais so-bre a prática da periodização histórica. Lembra de nosso sonho?Vamos utilizá-lo como exemplo! Nele você se encontrava em umcorredor com quatro salas, representando as idades da divisãoquadripartite (quatro partes). Acondicionados em cada uma delasestavam todos os acontecimentos do mundo, separados em umaordem lógica que se inicia com a sala da Idade Antiga e segue até asala da Idade Contemporânea.

Todos os acontecimentos da história humana estão perfeita-mente ordenados e guardados em seu devido lugar, marcando umaseqüência perfeita de acontecimentos, contando a história desdeo início até os dias de hoje. O tema dessa aula refere-se a essaquestão, ou seja, nela discutiremos como é possível ordenar to-dos os eventos da história humana em quatro períodos logicamentedispostos.

(Fonte:www.blog.senhordesign.com).

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Fundamentos político-culturais da divisão quadipartite

PERÍODO

Michel Foucault, em uma obra clássica, As palavras eas coisas, que talvez seja difícil para ser lida porum aluno iniciante, mas que se algum dia você tiver

tempo e oportunidade para isso leia-a, fazuma observação que muito nos ajuda a refle-tir sobre a questão que ora empreendemos:

não há, mesmo para a mais ingênua experiência, nenhumasimilitude, nenhuma distinção que não resulte de umaoperação precisa e da aplicação de um critério prévio(FOUCAULT, 1999, p. 14).

O que ele queria dizer ao afirmar que não haveria, mes-mo para uma experiência ingênua, nenhuma similitude oudistinção que não resultasse de um critério prévio? Come-cemos pelo princípio, com os significados de algumas daspalavras que ele utiliza: similitude e distinção. Por similitudequer se designar aquilo que é semelhante, ou seja, a seme-lhança entre as coisas que se parecem. Por distinção, a di-ferença entre coisas que não seriam semelhantes.

À primeira vista, talvez, esse comentário pode parecer ób-

vio, mas é importante que chamemos a atenção para os deta-lhes. Muitas vezes as obviedades são coisas que aceitamos semsubmetê-las à crítica, exatamente por serem óbvias! Tal troca-dilho é proposital e com ele pretendemos chamar a atençãopara a necessidade da prática constante do pensamento crítico,pois tomar julgamentos históricos como uma obviedade éaceitá-los de forma passiva, sem nenhuma reflexão consciente.

Michel Foucault, em sua formulação, nos fala sobre a açãológica do pensamento que separa os elementos do mundo emcoisas iguais ou diferentes. E diz que tal operação somentepode ser feita a partir de um critério prévio de análise. Veja-mos um exemplo. Pensemos em um concurso de beleza quepretendesse escolher os rapazes mais bonitos do Brasil, e

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História Antiga I

também os mais feios. Tal escolha somente poderia ser fei-ta a partir do estabelecimento de um critério de seleçãopreviamente determinado. Uma questão se impõe: quaisseriam as qualidades que permitiriam distinguir os maisbonitos dos mais feios, ou seja, qual seria o critério parase estabelecer o que é feio e o que é bonito, para que pu-déssemos classificar quem é bonito e quem é feio? Tal jul-gamento, ou operação lógica, como diria Foucault, depen-de necessariamente de um critério prévio, de uma opiniãosobre o que seria a beleza ou a feiúra!

Quais seriam considerados os mais bonitos? Seriam osmais musculosos, de corpos atléticos, ou os que soubes-sem dizer coisas poéticas? Lembre-se que os critérios quedefinem a beleza são subjetivos, dependem da opinião decada um, mesmo que os meios de comunicação de massatendam a uniformizar os padrões que a maioria costumaseguir. Nesse sentido é sábio o ditado popular: quem amao feio, bonito lhe parece!

TODA CLASSIFICAÇÃO RESULTA DA APLICAÇÃO

DE CRITÉRIOS PRÉVIOS DE ANÁLISE

A divisão quadripartite da história, como classificaçãoordenadora das épocas históricas, não foge a essa regra. Elanão é neutra, organiza-se a partir de esquemas prévios de refe-rências. A própria escolha dos marcos históricos não é resulta-do de um julgamento imparcial, orientado pela objetividade ci-entífica. Mas, muito pelo contrário, trata-se de uma escolha in-fluenciada por valores morais e políticos, de crenças que se re-ferem ao fundo de nosso ser, que muitas vezes atuam de formainconsciente sem que nos apercebamos de suas existências. Adivisão quadripartite da história não foge a essa regra.

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Fundamentos político-culturais da divisão quadipartite

A divisão quadripartite da história é uma forma de narrar

a história do mundo a partir de um determinado ponto

de vista determinado.

Uma vez que já estabelecemos um ponto importante de nossaquestão, o de que a periodização quadripartite é uma forma de narrara história do homem a partir de um determinado ponto de vista,devemos agora dar o próximo passo, e equacionar: qual seria esseponto de vista? Para isso, caro aluno ou cara aluna, prestemos aten-ção em seus marcos divisórios. Com exceção do aparecimento daescrita, todos se referem a acontecimentos relacionados diretamenteà história de um espaço geográfico determinado, o da Europa Oci-dental. A queda do Império Romano doOcidente; a Tomada de Constantinopla,pois sua conquista pelos árabes é utiliza-da como marco devido às suas conseqü-ências para as sociedades européias; e aRevolução Francesa são todos marcosque não deixam dúvidas: a divisãoquadripartite é uma forma de narrar a histó-ria sob o ponto de vista do que poderíamos cha-mar de civilização européia ocidental.

As principais características,costumeiramente apontadas paracada Idade, também se referem àsquestões européias. Poderíamos citar, como exemplo, a coloca-ção do Império Romano como o ápice das culturas “antigas”; asociedade feudal européia como uma das principais característi-cas da Idade Média; o renascimento cultural, o colonialismo eos Estados Absolutistas como características da Idade Moder-na; e, por fim, o capitalismo, com todas as sua conseqüências,como eixo explicativo para a Idade Contemporânea. Consulteum livro didático qualquer sobre História Geral e veja que, doImpério Romano em diante, quando versam sobre as criações

A Liberdade Guiando o povo , Eugéne Delacroix, 1830,óleo s/tela. Retrata a revolução dos republicanos e liberaiscontra o rei Carlos X em julho de 1830, na França.(Fonte: http://educação.uol.com.br).

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História Antiga I

ATIVIDADES

Caro aluno e cara aluna: essa atividade tem por objetivosedimentar os conhecimentos adquiridos até aqui, como tam-bém proporcionar oportunidade de refletir sobre um conceitoimportante no âmbito das ciências sociais: o etnocentrismo.

A palavra (etnocentrismo) foi criada pelo sociólogoamericano Wilian G. Summer e apareceu pela primeiravez em 1906 em seu livro Folkways. Segundo sua definição“o etnocentrismo é o termo técnico para esta visão dascoisas segundo a qual nosso próprio grupo é o centro detodas as coisas e todos os outros grupos são medidos eavaliados em relação a ele [...]. Cada grupo alimenta oseu próprio orgulho e vaidade, considera-se superior,exalta suas próprias divindades e olha com desprezo asestrangeiras. Cada grupo pensa que seus próprioscostumes (folkways) são os únicos válidos e se ele observaque outros grupos têm outros costumes, encara-os comdesdém” (citado por Simon [1993, p. 571]).A atitude assim descrita parece bem universal, sob formasdiversas segundo as sociedades. Como Escreveu Lévi-Strauss, os homens têm sempre dificuldade de encarar adiversidade das culturas como um “fenômeno natural,resultado das relações diretas entre as sociedades”[1952].

culturais dos homens, e de seus fatos sociais, falam basicamen-te de produções européias.

Podemos então constatar que a divisão quadripartite da Histó-ria é a forma na qual se reveste uma História que se pretende geralou universal (como se dizia antigamente), mas que, porém, se trataefetivamente de uma história contada a partir de uma perspectivaocidental européia.

O etnocentrismo encontra-se na Históriado Brasil, mostrando o olhar do conquista-dor: o português, agente descobridor, e osindios, os descobertos.(http://www.achetudoeregiao.com.br/).

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Fundamentos político-culturais da divisão quadipartite

A maioria dos povos chamados de “primitivos” consideraque a humanidade acaba em suas fronteiras étnicas oulingüísticas e é por isso que eles se denominamfreqüentemente usando um etnônimo que significa,segundo o caso, “os homens”, “os excelentes” ou ainda“os verdadeiros” em oposição aos estrangeiros que nãosão reconhecidos como seres humanos completos.Quanto às sociedades chamadas “históricas”, elas têm amesma dificuldade para conceber a idéia da humanidadena diversidade cultural.O mundo greco-romano antigo qualificava de “bárbaros”todos os que não participavam da cultura greco-romana.Em seguida, na Europa Ocidental, o termo “selvagem” seráutilizado no mesmo sentido, para jogar para fora da culturae, em outras palavras, da natureza, os que não pertenciamà civilização ocidental. Com esta atitude, “os civilizados”se comportam então exatamente como os “bárbaros” ou“os selvagens”. No final das contas, não estaríamos no direitode pensar, como Lévi-Strauss que “o bárbaro éprimeiramente o homem que acredita na barbárie”[1952] ?(Cuche, 1999, p. 46).

Agora, tendo lido atentamente o texto acima, reflita com seuscolegas a respeito da questão do comportamento etnocêntrico, eprocure cumprir as tarefas colocadas abaixo:

1. A partir do conceito de etnocentrismo apresentado no textoacima, identifique algum comportamento social que você consi-deraria ser um comportamento etnocêntrico;2. De que maneira o autor justifica a sua opinião de que em rela-ção ao etnocentrismo os povos “civilizados” se comportariam damesma maneira que os “selvagens”?

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História Antiga I

COMENTÁRIO SOBRE AS ATIVIDADES

1. A resposta para essa questão pode variar bastante, poisdepende de sua experiência pessoal. O importante é que, aorespondê-la, você possa refletir sobre o tema e assegurar-se dodomínio do conceito de etnocentrismo. Como está expressono texto citado, o etnocentrismo é um comportamento noqual o nosso “próprio grupo é o centro de todas as coisas etodos os outros grupos são medidos e avaliados em relação aele”. O grupo em questão se vê como superior, desqualificandoo comportamento dos outros. Os exemplos de práticasetnocêntricas podem ser colhidos tanto no âmbito de pequenosgrupos urbanos, como na esfera das nações ou continentes.Por exemplo, um habitante de um país rico, do chamadoprimeiro mundo, que se considere superior aos povos da Áfricaou da América do Sul. Não seria também os preconceitos declasse uma forma de prática etnocêntrica?2. A divisão quadripartite da História pode ser consideradatambém como uma manifestação etnocêntrica, pois situa aEuropa e a História Ocidental como o eixo de referência paraa determinação da linha histórica que os homens teriampercorrido desde os seus primeiros tempos até a épocacontemporânea. Nela, os marcos dizem respeitoespecificamente à história européia, indicando que as sociedadesexistentes nos outros continentes são desconsideradas, sendotomadas como secundárias no processo de transformaçõeshistóricas indicadas pela quadripartição.

Vimos até aqui que a divisão quadripartite da História embu-te uma visão etnocêntrica da História, no sentido de que ela é feitaa partir da perspectiva ocidental européia. Tal perspectivaeurocêntrica desqualifica a história particular de todos os outrospovos, que são considerados somente na medida em que partici-

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pam dessa “história européia”. Nesse sentido veja como éilustrativo o texto selecionado abaixo. Ele foi extraído de um livropublicado em 1918, pela Livraria Francisco Alves. É uma tradu-ção resumida do famoso livro sobre a História das Civilizações,de Seignobos, feita para ser utilizada no então chamado ensinoprimário. O trecho selecionado faz parte da introdução do editor.

Quando transcrevemos textos do passado, eles devem ser

reproduzidos na íntegra, sem alterações ortográficas. O

Dicionário Ortográfico da Língua Portuguesa sofre

alterações em face do dinamismo da própria língua.

Resumindo, as regras da escrita eram diferentes das de

hoje, conforme você pode ver nesta citação do historiador

francês Charles Seignobos.

Hoje quem tem a menor instrucção deseja compreeendera sociedade em que vive e saber como se formaram oscostumes do meio que o rodeia. Já não nos contentamoscom as narrações dos acontecimentos da história políticasocial, queremos conhecer também os acontecimentos dahistória moral, religiosa e material da humanidade. A pardas grandes acções dos personagens célebres, queremosfazer uma idéia perfeita da vida dos milhões de homensde que a história política não resa e queem seu tempo formaram a massa das na-ções e foram nossos predecessores. Osprofessores de ensino primário sentembem esta necessidade e entendem que ahistória dos acontecimentos políticos éo estudo favorito dos homens de Esta-do, a história da civilização é que é a ver-dadeira história do povo. É ela que mos-tra como os povos sahiram do estado sel-vagem, como pouco a pouco foram selibertando da miséria e da oppressão, equaes os esforços por meio dos quaes

(Fonte: http://www.2segundos.blogspot.com).

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História Antiga I

consquistaram o seu bem estar e a sua liberdade. A histó-ria da civilização é o quadro dos progressos da humani-dade e com justo título interessa a todos os que crêem nahumanidade e no progresso (SEIGNOBOS, 1918).

No texto acima, encontramos a afirmação de que a história dacivilização é a verdadeira história do povo, pois seria ela que mos-traria como os povos saíram do estado selvagem e foram se liber-tando da miséria e da opressão. A história da civilização seria a his-tória do progresso da humanidade. Mas, no que se caracterizaria obem estar e a liberdade mencionados pelo editor do Compêndio deHistória da Civilização?

A divisão em capítulos que o livro apresenta não permite enga-nos a esse respeito. Trata-se da capacidade industrial de produção debens de consumo, propiciada pela Revolução Industrial, e da demo-cracia liberal, como forma de organização política garantidora dasliberdades do indivíduo. O Compêndio inicia com a Pré-História, nosprimórdios da humanidade, culminando na Revolução Industrial ena Francesa, acontecimentos que abrem a porta para a história con-temporânea européia. Esse manual para o ensino primário, publica-do em 1918, apresenta praticamente a mesma divisão em capítulosdos manuais escolares de História Geral contemporâneos. Veja aseguir a reprodução de seu índice:

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INTRODUÇÃO.............................................................7As idades pré-historicas.................................................7I- OS POVOS DO ORIENTE..............................12Os egypcios....................................................................12Assyrios e babylonios...................................................19Os persas........................................................................24O povo phenício............................................................27II- OS GREGOS.........................................................30O povo grego.................................................................30A religião grega..............................................................34Sparta................................................................................41Athenas............................................................................45As artes na Grécia.........................................................48Conquista da Ásia pelos gregos................................53III – A REPÚBLICA ROMANA..........................58Os etruscos.....................................................................58Roma.................................................................................61A relgião romana...........................................................62A família romana...........................................................66A cidade romana............................................................68O exército romano.........................................................71Os escravos.....................................................................75Transformação dos costumes em Roma.................78Destruição da República...............................................81IV – O IMPÉRIO ROMANO ..............................84Os costumes no tempo do Império.........................87A administração imperial.............................................92A arte romana................................................................95O Christianismo.............................................................97O Baixo Império.........................................................101V – OS GERMANOS.............................................105Invasão dos bárbaros.................................................105Conversão dos germanos.........................................108Os reinos bárbaros.....................................................111Carlos Magno..............................................................112VI – O FEUDALISMO..........................................117O regime feudal...........................................................117Os costumes feudaes.................................................123O governo feudal........................................................127A igreja média...............................................................130

VII – A CIVLIZAÇÃO ORIENTAL....................139A civilização bizantina...............................................139O islamismo..................................................................141A civilização árabe......................................................145A civilização oriental no ocidente...........................150VIII – AS CIDADES NA IDADE MÉDIA.........152Formação da burguesia francesa...............................152Organização das cidades na Idade Média................155As cidades livres da Itália e da Alemanha..............160O comércio na idade média......................................163A architetura na idade média....................................164IX – ORIGEM DOS GOVERNOS MODERNOS..170As instituições da Inglaterra na idade média........170Origens da centralização na França.........................174Origens do poder absoluto na Europa....................178X – O FIM DA IDADE MEDIA............................184Transfomação da cavalaria........................................189As novas infanterias.....................................................192As invenções..................................................................192As descobertas marítimas...........................................193XI – RENASCENÇA E REFORMA.....................200A Renascença..................................................................200A Reforma......................................................................206A Contra Reforma.......................................................210Luctas Religiosas...........................................................214XII – A MONARCHIA ABSOLUTA NA EUROPA..........217Os governos absolutos.................................................217A diplomacia.................................................................227Os exércitos....................................................................231Formação da constituição inglesa no século XVII.......239XIII – O SÉCULO XVIII...........................................248O regime colonial.........................................................248O movimento da reforma na Europa......................255XIV – O SÉCULO XIX..............................................264A Revolução Franceza.................................................264O governo constitucional na Europa.......................270A indústria, a agricultura e o comércio...................273XV – O ESTADO ATUAL DO MUNDO.........284População do mundo...................................................284Religiões .........................................................................284Influencia das diferentes raças....................................285Civilização commum a todos os povos....................286

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ATIVIDADES

História Antiga: itens I, II e III

História Medieval: itens ___, ___, ___, ___, ___ e ___

História Moderna: ___, ___ e ___

História Contemporânea: ___ e ___

COMENTÁRIO SOBRE AS ATIVIDADES

A tábua de conteúdos do Compêndio apresenta de maneiraexplícita a classificação dos assuntos ordenados pelo critérioda divisão quadripartite da história. Fazendo parte da HistóriaAntiga temos os itens I, II III e IV. Da História Medieval, ositens V, VI, VII, VIII, IX e X. Da História Moderna, os itensXI, XII e XIII. E da Contemporânea, os itens XIV e XV.

Como você já deve ter percebido, a divisão quadripartite daHistória constitui-se em uma forma de explicar a história do ho-mem a partir de um ponto de vista da sociedade européia. Tra-zendo à tona eventos importantes que marcaram as sociedadesque se desenvolveram nessa região do globo. Ela releva a histó-ria política do desenvolvimento da civilização ocidental, em de-trimento de todas as outras sociedades do globo terrestre. A his-tória geral, tal como ela se configura em nossos manuais escola-res, é no fundo uma história da Europa, na qual se comemora oprocesso de evolução social que culminou na formação da mo-derna sociedade capitalista.

Mas, ao mesmo tempo que serve de narrativa de como a soci-edade européia ocidental se constituiu e se expandiu pelo mundo,a periodização quadripartite também cala todas as outras históri-as, de todas as outras culturas. Qual seria o sentido de apresentaras histórias da China, da Índia, do Egito e das diversas culturastribais africanas ou americanas dentro do quadro da divisão

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quadripartite? A divisão em História Antiga, Medieval, Modernae Contemporânea teria algum sentido explicativo para a Históriade todas as outras sociedades que não a européia ocidental? Emque sentido a evolução política constituída pela crise do EstadoRomano, pela formação das monarquias feudais, pelas constitui-ções dos estados absolutistas, na Idade Moderna, e Liberal, na Ida-de Contemporânea, seria um elemento geral, universal, caracte-rístico e pertencente ao patrimônio histórico cultural de todos ospovos da terra? Tal perspectiva não encerraria a lógica do poderque pretende subjugar e absorver todos que se encontram em seucaminho de expansão. Por meio dela, aHistória da Europa Ocidental passa a sera História de todos.

Porém, a constatação de que aquadripartição da história seja uma práti-ca eurocêntrica não elimina sua forçacomo modelo explicativo. A nossa inten-ção não é negá-la, abolindo-a, rejeitando-a completamente, excluindo-a dos bancosescolares, pois, agindo desse modo, tam-bém estaríamos tomando uma atitude deforça, impondo nosso ponto de vista demaneira violenta e autoritária. A divisãoquadripartite é uma forma de ver o mun-do como várias outras existentes. O seuproblema não se encontra no fato de seruma periodização, construída a partir doponto de vista da burguesia capitalista eu-ropéia, já que toda explicação de um processo histórico parte dealgum ponto de vista que, no fundo, contém significações políti-cas. Para nós, a questão se encontra no fato de torná-la na únicahistória possível, transformando os conteúdos que estão embuti-dos em seus marcos na única e verdadeira história que registraria amarcha da civilização.

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A divisão quadripartite da História não é um aspecto natural, inerente a um processo de transformação que seriatípico de todas as sociedades do mundo. Ela se caracteri-

za por ser uma forma particular de narrar e inter-pretar a história da humanidade. Ela embute umavisão de mundo determinada, contando a Histó-ria a partir de uma perspectiva européia ocidental.

Nesse sentido ela se constitui em um discurso de poder que visasubordinar, ou mesmo eliminar, a história particular de cada grupoespecífico, integrando a todos na lógica do desenvolvimento Oci-dental.

RESUMO

A partir da formulação de Michel Foucault de que todaclassificação organiza-se em torno de um esquema de re-ferências prévio, definimos a divisão quadripartite da His-

tória como uma forma de classificação e ordenação dos acon-tecimentos humanos que não seria neutra, ou seja, seria orga-nizada a partir de um determinado ponto de vista. Assim a divi-são quadripartite de história embutiria uma ideologia, uma vi-são de mundo que a organizaria. Dessa forma apresentamosque uma perspectiva eurocêntrica, calcada na experiência eu-ropéia ocidental, seria o fio condutor que alinhavaria a seqüên-cia histórica dos quatro períodos que ela apresenta. HistóriaAntiga, Medieval, Moderna e Contemporânea apresentam-sedessa maneira como marcos delineadores de uma forma de ex-plicar a evolução histórico-social da Europa e sua influênciapelo mundo.

CONCLUSÃO

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COMENTÁRIO SOBRE AS ATIVIDADES

1. O dic ionár io Auré l i o apresenta para a pa lavra“classe” o significado de grupo de elementos queapresentam características semelhantes, que pertençamao mesmo conjunto. Todo esquema de classificaçãodepende de esquemas de referências em nome do qualse realiza a ordenação. Assim podemos classificar oshomens em duas categorias, por exemplo, a dos feios ea dos bonitos. Mas, como poderíamos real izar ta lseparação se não estipularmos antes quais serão asqualidades que servirão de critério para se consideraralguém bonito ou feio? Seria a cor do cabelo, o portefísico, a inteligência, as maneiras educadas ou a cor dapele? Veja que o resul tado da c lass i f icaçãonecessariamente dependerá da qualidade que se adotarcomo critério de julgamento. Da mesma maneira, aoempreendermos uma anál ise , comparando dados,se lec ionando informações de acordo com o queconsideramos ser importante para expl icar umdeterminado fenômeno, temos que fazê-lo de acordocom algum critério de escolha. A explicação de umevento social, por exemplo, depende do ponto de vistaque se adota em relação a ele.

AUTO-AVALIAÇÃO

1. A partir das informações fornecidas nessa aula, eoutras que você poderá pesquisar, justifique a ob-servação “toda classificação resulta da aplicação de

critérios prévios”.2 . Em que sen t ido pode - se a f i rmar que a d iv i s ãoquadripartite é uma maneira de classificar os eventos his-tóricos a partir de uma perspectiva européia-ocidental?

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História Antiga I

REFERÊNCIAS

CUCHE, D. A noção de cultura nas ciências sociais. Trad.Viviane Ribeiro. Bauru: EDUSC, 1999.FOUCAULT, M. As palavras e as coisas: uma arqueologia dasciências humanas. 8 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999.GUARINELLO, N.L. Uma morfologia da História: as formasda História Antiga. Politéia: história e sociedade Vitória da Con-quista, v. 3, n. 1, p. 41-61, 2003.SEIGNOBOS, C. Compêndio da História da Civilização –

desde os tempos mais remotos até a atualidade. Trad. D. A.Cohen. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1918.

2. A divisão quadripartite é uma maneira de ordenar ahistór ia do homem a part i r de eventos e va loress ignif icat ivos para a cul tura européia ocidenta l ,valorizando seus modos de ser, aspectos determinadosde sua cultura e formas de organização, constituindo-seem uma explicação que busca tornar inteligível o processode formação da sociedade ocidental

PRÓXIMA AULA

Na próxima aula, abordaremos o contexto históricoem que a idéia de História Antiga, como período histó-rico determinado, se formou na Europa.

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HISTÓRIA ANTIGA E AIDENTIDADE CULTURALEUROPÉIA

METMETMETMETMETAAAAAApresentar a idéia de HistóriaAntiga como um doselementos constituintes daidentidade cultural européia-ocidental.

OBJETIVOSOBJETIVOSOBJETIVOSOBJETIVOSOBJETIVOSAo final desta aula o alunodeverá:identificar o Renascimento e oIluminismo como doismomentos históricos,importantes na formulação daHistória Antiga e comoperíodo histórico no âmbitoda mentalidade européia.

PRÉ-REQUISITOSPRÉ-REQUISITOSPRÉ-REQUISITOSPRÉ-REQUISITOSPRÉ-REQUISITOSTer assimilado o conteúdodas aulas 01 e 02.

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François Marie Arouet (Voltaire) um dos grandes intelectuaisdo Iluminismo françês. Retrato, 1718, por Nicolas de Largilliére(http://www.saberhistoriahpg.ig.com.br).

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INTRODUÇÃO

Caro aluno ou cara aluna: vamos continuar a nossa incrí-velviagem no tempo e no espaço. Venha comi-go! A idéia daHistória Antiga, como conhecemos, possui uma história.

Sendo uma disciplina que pretende explicar as-pectos da história humana, ela própria é frutodessa história. Surgida em meio a reflexõesinseridas em um ambiente sócio-cultural deter-

minado, ela mesma é fruto de um contexto histórico específico.Nessa aula, abordaremos alguns aspectos dessa questão, enfocandodois dos principais momentos em que a idéia de História Antigasurge em nosso horizonte intelectual, como um período determina-do de nossa história: o Renascimento e o Iluminismo.

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História Antiga e a identidade cultural européia

RENASCIMENTO

A idéia de História Antiga, constituída como períodohistórico determinado, está intimamente ligada à evo-lução da sociedade européia. Ela começa a tomar for-

ma a partir da época do Renascimento entreos humanistas italianos. Resulta da vontade des-tes de retornarem às fontes do mundo clássicogreco-romano. Nessa maneira de ver, o longoperíodo que se estende do final do império romano do ocidente(século V) ao início do Renascimento (século XIV) constitui-seem um momento de decadência no domínio cultural, artístico eintelectual. Petrarca batizou-o de mediun tempus ou média tempora umaépoca intermediária entre a queda de Roma do Ocidente e o Renas-cimento humanista do século XIV, do qual ele fazia parte.

O ESPÍRITO RENASCENTISTA

O Renascimento (ou Renascença) foi um movimento cultural esimultaneamente um período da história européia, considerado como

marcando o final da Idade Média e o início daIdade Moderna. O Renascimento é normal-mente considerado como tendo começado noséculo XIV na Itália e no século XVI no nor-te da Europa. O Renascimento está associadoao humanismo, o interesse crescente entre osacadêmicos europeus pelos textos clássicos,em latim e em grego, dos períodos anterioresao triunfo do Cristianismo na cultura euro-péia. No século XVI encontramos paralela-mente ao interesse pela civilização clássica, ummenosprezo pela Idade Média , associada a ex-pressões como “barbarismo”, “ignorância”,

“escuridão”, “gótico”, “noite de mil anos” ou “sombrio” (BernardCottret). O seguinte extracto de Pantagruel (1532), de François Rabelaiscostuma ser citado para ilustrar o espírito do renascimento:

Francesco Petrarca

Importante intelectual,poeta e humanista itali-ano (1304-1374). Consi-derado o inventor dosoneto, tipo de poemacomposto de 14 versos.Petrarca é tradicional-mente chamado opai do Humanismo. Eleinspirou a filosofiahumanista que levou àRenascença. Acredita-va no imenso valor prá-tico e na imensa moraldo estudo da HistóriaAntiga e da LiteraturaAntiga - isto é, o estu-do do pensamento e daação humanos. Emborao Humanismo tenhamais tarde sido associ-ado ao secularismo,Petraca era um devotocristão e não via confli-tos entre a realização dopotencial humano e a féreligiosa.

O Homem Vitruviano, de Leo-nardo da Vinci. As idéias deproporção e simetria aplicadasà anatomia humana.(ht tp ://pangeapanta lassa .blogs.sapo.pt).

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História Antiga I

Todas as disciplinas são agora ressuscitadas. As línguas sãoestabelecidas: Grego, sem o conhecimento do qual é umavergonha alguém chamar-se erudito, Hebraico, Caldeu, Latim(...) O mundo inteiro está cheio de académicos, pedagogosaltamente cultivados, bibliotecas muito ricas, de tal modo queme parece que nem nos tempos de Platão, de Cícero ouPapinianus, o estudo era tão confortável como o que se vê anossa volta. (...) Eu vejo que os ladrões de rua, os carrascos,os empregados do estábulo hoje em dia são mais eruditos doque os doutores e pregadores do meu tempo.

A idéia de um período denominado História Antiga é formu-lada pelos eruditos do Renascimento como maneira de pensarem

seu próprio mundo, dando forma à sua experiência histó-rica. Ela constituiu-se em um dos meios pelos quais elespensaram a própria identidade, construindo uma auto-imagem que explicasse o momento especial por qual julga-vam estar passando.

Embora não rompessem com o Cristianismo e a reli-gião, e sendo a própria igreja católica uma patrocinadora demuitos desses eruditos e artistas, eles utilizaram a idéia dehistória antiga como meio de se oporem a uma prática cul-tural e a um mundo que buscavam superar: o da batizadaIdade Média. Dessa maneira, os eruditos do Renascimento,que então passavam a intitular-se de modernos, buscavamnas experiências dos antigos gregos e romanos apoios que

os permitissem elaborar seus questionamentos filosóficos, eembasassem suas práticas políticas e culturais. Desse modo pode-mos afirmar que a idéia de História Antiga surgiu na Europa comoparte de um tripé – antigo, medieval e moderno – tornando-se umpoderoso mecanismo de explicação da realidade, hoje completa-mente integrado à identidade histórica do mundo europeu ociden-tal e de todos aqueles que se consideram seus herdeiros.

Retrato de François Rabelais, feito porNicolas Habert.(Fonte: http://www.cremesp.org.br).

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ATIVIDADES

Caro aluno ou cara aluna: essa atividade tem por finalidadesedimentar as reflexões empreendidas até o momento nestaaula. Sabemos que o tema, apesar de aparentemente simples,encerra dificuldades consideráveis, portanto, não desanime,quanto maior for o esforço, maior o desenvolvimento. O tex-to reproduzido abaixo é de autoria de Norberto LuizGuarinello, especialista em história romana. Nele se discutemas formas com as quais a História Antiga se apresenta comoinstrumento de conhecimento. O trecho abaixo é apenas umapequeníssima parte da discussão apresentada no artigo. O arti-go, na sua totalidade, pode ser obtido no site da Revista Politéia.

A idéia de existência de uma História Antiga foidesenvolvida por pensadores do Renascimento(DEMANT, 2000, p. 997). Pressupunha, ao mesmotempo, uma ruptura e uma recuperação, religiosa e cultural,entre dois mundos. Uma ruptura que dava um certosentido à História, como a recuperação de algo perdido,como a restauração de um laço que tinha sido rompidodurante a assim chamada História do Meio, a HistóriaMedieval . Deste modo, associava seu mundocontemporâneo, a Europa dos séculos XV-XVI, com umcerto passado. Para eles, era a História antiga de seumundo. Mas é ainda a História Antiga de nosso mundo?Muitos manuais contemporâneos e currículos escolarese universitários ainda a denominam História do MundoAntigo, mas é evidente que não se trata da História antigado mundo (GUARINELLO, 2003, p. 51).

Caro aluno você deve ter percebido a riqueza das idéias con-tidas neste pequeno trecho. Suas poucas linhas não devem serentendidas como sinais de superficialidade. Nesta atividade, gos-taríamos de destacar dois argumentos que se encontram nele ex-pressos. O primeiro é o par ruptura/recuperação. O segundo, a

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História Antiga I

1. Guarinello observa que a idéia de História Antiga, utilizadapelos pensadores do Renascimento, pressupunha uma experi-ência de ruptura e recuperação. O que ele quer dizer com isso?2. O que Guarinello quer dizer ao afirmar que a chamada Histó-ria do Mundo Antigo não seria a História antiga do mundo?

COMENTÁRIO SOBRE AS ATIVIDADES

Por serem duas perguntas sobre interpretação de um texto,as possibilidades de respostas podem variar bastante, mascompare a sua com a nossa e depois discuta as possíveisdiferenças com seus colegas.1. A tripartição apresentada na periodização da história emAntiga, Medieval e Moderna faz parte do processo deformação da identidade cultural da sociedade européia apartir do Renascimento. Segundo Guarinello, ela envolve,ao mesmo tempo, uma idéia de ruptura e recuperação nosentido de que marca um distanciamento dos pensadoresrenascentistas, vistos como modernos, do período medieval.Porém, tal idéia de ruptura associa-se ao de recuperação deuma tradição clássica, até então esquecida.2. Segundo Guarinello, a chamada História Antiga, centradano mundo greco-romano, poderia ser considerada, se tanto,na História Antiga da Europa e não do mundo, pois a mesmanão teria sentido explicativo para as diversas outrasexperiências históricas.

sua afirmação de que o que se costuma chamar de História doMundo Antigo não seria por certo a História antiga do mundo.Agora vamos às perguntas.

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A terminologia criada por Petrarca desenvolveu-se entre os intelec-tuais europeus. Christoph Cellarius, em 1676, como conseqüência desseprocesso, publicou uma História universal em que apresenta a divisãoternária: Idade Antiga, Medieval e Moderna.Os pensadores iluministas do século XVIII,vide Voltaire nos Ensaios sobre os costumes, as-sumiram essa divisão e a empregaram na lutapolítica contra o absolutismo. Por meio delacelebraram a vitória das luzes, da razão e daliberdade, considerando a Idade Média comoum período de trevas, dominado pelo despo-tismo e ignorância.

Assim, a partir do século XIV, em meioao Renascimento, a idéia de uma História Antiga é trabalhada comoparte da reflexão da intelectualidade européia sobre o que eles conside-ravam tratar-se dos “novos tempos”. As idéias de Antigüidade e deMedievo, como períodos históricos, surgem associadas à idéia demodernidade, os tempos recentes dotados de características sócio-cul-turais específicas que o distinguiam dos outros dois.

O ILUMINISMO

O Iluminismo ou esclarecimento (em alemão Aufklärung, em in-glês enlightenment), foi um movimento intelectual surgido na segundametade do século XVIII (o chamado “século das luzes”) que enfatizava arazão e a ciência como formas de explicar o universo. Foi um dos movi-mentos impulsionadores do capitalismo e da sociedade moderna. Obte-ve grande dinâmica nos países protestantes, e lenta porém gradual influ-ência nos países católicos. O nome se explica porque os filósofos daépoca acreditavam estar iluminando as mentes das pessoas. É, de certomodo, um pensamento herdeiro da tradição do Renascimento e doHumanismo por defender a valorização do homem e da razão. Osiluministas acreditavam que a razão seria a explicação para todas as coisasno universo, e se contrapunham à fé.

Iluminismo

Iluminar, ilustrar, escla-recer, fornecer as luzes:a Luz, essa metáfora darazão desde Platão, tor-na-se, no século XVIII– o “Século das Luzes”– a grande palavra deordem. Na Inglaterra, naItália, na França ou naAlemanha, proliferamidéias em seu nome, quese não se agrupam emum só movimento, têma mesma intenção: com-bater o seu oposto, astrevas e o obscurantis-mo, seja ele filosófico,religioso, moral ou polí-tico.

A Vida na Cidade. Os Efeitos do Bom Governo. Detalhe do afrescode Ambrogio Lorenzetti, (c. 1337-1340).(Fonte: www.ricardocosta.com).

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História Antiga I

PARA HISTORIADOR, ILUMINISMODEFINE EUROPA

Robert Darnton, da Universidade Princeton, diz que uso

crítico da razão molda a identidade européia

FÁBIO CHIOSSI (da redação)

Observando que não existem fronteiras geográficas quepossam determinar o que é a Europa, o historiadoramericano Robert Darnton afirma que a identidade européiaé dada pelo legado de três “movimentos pan-europeus”. Sãoeles o Império Romano, o cristianismo e o Iluminismo. “OImpério Romano espalhou uma regra política coletiva emtodo o continente”, diz Darnton, 67. O direito romano é abase das instituições jurídicas da Europa. O cristianismopropiciou “um componente cultural e religioso”, afirma oprofessor de história européia da Universidade Princeton.Quanto ao Iluminismo, especialidade de Darnton e tema de

Frontispício da Enciclopédia (1772).Foi desenhado por Charles-NicolasCochin e ornamentado por Bonaven-ture-Louis Prévost. Esta obra está car-regada de simbolismo: A figura do cen-tro representa a verdade – rodeada porluz intensa (o símbolo central doiluminismo). Duas outras figuras à di-reita, a razão e a filosofia, estão a reti-rar o manto sobre a verdade.

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várias de suas obras, como Os Dentes Falsos de GeorgeWashington (Companhia das Letras), ele acha “crucial”.Movimento filosófico dos séculos 17 e 18, caracterizou-se,grosso modo, pela valorização do uso da razão pelo homemna compreensão e transformação do mundo e de si mesmo.Politicamente, o movimento inspirou os artífices daRevolução Francesa (1789) e da Revolução Americana(1775-1783). “A identidade da Europa está constantementesendo questionada, constantemente evoluindo; e agora, 50anos depois do Tratado de Roma, o ingrediente principaldessa identidade é o Iluminismo.” O historiador acredita quea essência do Iluminismo, o uso crítico da razão, ajudará nadefinição da identidade da Europa nos processos deenfrentamento de diversos problemas. A definição dessaidentidade passa pela necessidade de resgatar o espíritoiluminista. Como exemplo da força do espírito iluministana definição dessa identidade, o professor fala da intolerânciareligiosa. Assim como os outros dois componentes centraisda identidade européia, o cristianismo se transformou aolongo do tempo. Mas o que o preocupa é parte dessa herançacultural se manifestar na intolerância. “Eu ainda vejo umperigo na identidade cristã da Europa, na subjugação dosnão-cristãos”. Lembrando que a intolerância religiosa é, decerta forma, explorada por partidos de direita em váriospaíses europeus, Darnton diz que a volta à herançailuminista é também uma ferramenta para lidar com aintolerância, não por meio da extração de uma fórmulasimples a partir de preceitos do passado, mas entendendo“como um compromisso profundo com a tolerância é algoque fala a eles [os europeus]”. “Minha esperança”, dizDarnton, arriscando um palpite, “é que os europeusmergulhem na sua cultura para se tornarem mais europeus”.

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Nesse texto, o historiador Robert Darnton faz observaçõesilustrativas a respeito de como a idéia da Antigüidade como períodohistórico compõe os elementos que formam a identidade culturaleuropéia. Segundo ele, a identidade européia se forma a partir de trêsmovimentos: o Império Romano, o Cristianismo e o Iluminismo.

Para ele, a importância do Império Romano dá-se por esseter legado à Europa uma regra política coletiva e terpropiciado as bases de sua organização jurídica. OCristianismo, ele próprio um movimento surgido nointerior do Império Romano, é considerado porDarnton um elemento que possibilitou a constituiçãode um ambiente cultural e religioso em meio ao qualse formou a identidade européia. O terceiro elemen-to, o Iluminismo, é sobre o qual ele dispensa mais aten-ção. Ao comentá-lo, se atém à idéia genérica de liber-dade pregada por vários dos pensadores iluministas.

Darnton apresenta idéias que envolvem a forma-ção de toda uma cultura. Embora sua opinião possuao respaldo de sua competência acadêmica, não está isen-ta de críticas. Portanto não reproduzimos seu comen-

tário com a intenção de estabelecer a verdade única a respeitodos elementos que compõem a identidade européia, mas sim demostrar como a Antigüidade clássica greco-romana é apresenta-da como um período no qual surgiram idéias basilares que, ape-sar das transformações por quais passaram, ainda hoje compõemo ambiente cultural europeu-ocidental.

O Iluminismo centrado no ideário da razão, da igualdade e daparticipação política, apesar das singularidades com que essas idéi-as se apresentaram no século XVIII, filia-se diretamente à tradiçãoclássica greco-romana, às suas idéias de pólis e de república, ou seja,de cidadania. Não se trata aqui de afirmar que os pensadores doséculo XVIII teriam simplesmente repetido os valores clássicos,empregados por eles de maneira mecânica, e eles mesmos tinhamconsciência da distância que os separavam do mundo clássico.

Robert Darnton(Fonte: www.jornalja.com.br).

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ATIVIDADES

Agora, caro aluno ou cara aluna, depois dessa reflexãointrodutória a respeito do texto de Robert Darnton, responda aseguinte questão: Darnton em seu texto observa a existência deum possível conflito que parece estar se desenvolvendo entredois dos elementos formadores da identidade européia. Queconflito seria esse e qual a solução que ele aponta?

Do fim do Império Romano do Ocidente (século V) ao sécu-lo XVIII muita coisa aconteceu e o mundo não era mais o mes-mo. Mas, embora circunstâncias históricas e sociais distintas sepa-rem a Europa do século XVIII e o mundo grego ou romano clás-sicos, ela liga-se ao mundo clássico pela participação em uma tra-dição comum. Não seriam os princípios da cidadania, da partici-pação política e o Cristianismo elementos fundamentais que hojeconstituem a identidade do chamado mundo ocidental?

Declaração de Independência. Tela de John Trumbull, 1817-1818. O pintor retratou aaprovação do documento de Thomas Jefferson, proclamando o rompimento dos laçoscom a Inglaterra e a criação dos Estados Unidos da América.(Fonte: www.ushistory.org).

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A criação da Antigüidade como período histórico fazparte do ambiente cultural e político das sociedadeseuropéias. As idéias de Idade Antiga e Medieval sur-

gem na medida em que a intelectualidade eu-ropéia pensa sua modernidade desde o sécu-lo XIV e se consolida nos século XVIII. O

papel que a Antigüidade, como período histórico datado e deter-minado, jogou nesse processo de construção da identidade eu-ropéia variou de acordo com o momento político em questão.Determiná-lo seria um empreendimento extenso que não cabe-ria nos propósitos deste curso.

Trouxemos à tona esse assunto não com a intenção deexauri-lo, mas de chamar a atenção para a questão de que o co-nhecimento histórico é uma construção que se erige sobre con-dições sócio-culturais específicas. Que toda história é narrada apartir de um ponto de vista específico, segundo valores e ideolo-gias que a orienta. Assim, caro aluno ou cara aluna, quando você,já então exercendo o magistério, estiver em sua sala de aula, fa-lando a seus alunos sobre a História Antiga, lembre-se que esse

CONCLUSÃO

COMENTÁRIO SOBRE AS ATIVIDADES

Darnton considera que o conflito se manifesta entre aidentidade cristã européia e a iluminista. Segundo ele, há operigo de movimentos cristãos em uma atitude intolerante,liderados por partidos de direita, perseguir minorias culturaisque expressem religiões não cristãs, perseguindo-as. Talcomportamento, diz ele, entraria em contradição com oprimado iluminista da tolerância. Darnton acredita que esseconflito pode ser evitado se os europeus mergulharem maisfundo em sua herança iluminista, voltando-se para os ideaisde tolerância e liberdade. Você concorda com ele? Discutaa questão com seus colegas!

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RESUMO

Nessa aula vimos que a constituição da História Antiga,como período histórico determinado, surgiu como um doselementos integrantes da reflexão empreendida pela

intelectualidade européia, desde a época do Renascimento. Jun-to com a Idade Média, Moderna e Contemporânea, ela faz partehoje de um esquema explicativo amplamente difundido em nos-sos manuais escolares. Porém, embora esse tenha se tornado ummodelo explicativo de grande sucesso, presente em livros, disci-plinas acadêmicas e provas vestibulares, ressaltamos que se aquadripartição explica a evolução histórica do homem, ela o faza partir de um ponto de vista determinado, restrito, mesmo setomamos como referência somente a sociedade européia.

A maneira como ela se apresenta hoje em nossos manuaisvaloriza o aspecto político da organização do Estado. Mas, seriaessa a única forma a partir da qual se poderia explicar a históriahumana? Consideramos que não. Não há uma histórica huma-na única, mas sim diversas histórias das diversas experiênciassociais espalhadas pelo globo terrestre, sendo a evolução da or-ganização estatal de algumas sociedades européias apenas umadelas. Para enfatizar esse aspecto de nosso argumento mostra-mos que a divisão quadripartite da história não dá conta de di-versos outros fenômenos sociais que não se enquadram na rigi-dez de seus marcos como, por exemplo, a história social dasmulheres ou da escravidão.

não é um conceito neutro, e que sua repetição em nossas salas deaula, e na organização de nossos currículos e disciplinas, não é aconfirmação de que a realidade confirma a existência da Antigüi-dade como fator objetivo inerente à própria história humana, massim da força de uma idéia que se enraizou em nossa mentalidade,assumindo aspecto da própria realidade.

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REFERÊNCIAS

GUARINELLO, N.L. Uma morfologia da História: as formasda História Antiga. Politéia: história e sociedade, Vitória da Con-quista, v. 3, n. 1, p. 41-61, 2003.

PRÓXIMA AULA

Tendo já analisado diversos aspectos relacionados à di-visão quadripartite da história, na próxima aula abor-daremos algumas limitações que ela nos proporcionapara a compreensão dos fenômenos históricos.

AUTO-AVALIAÇÃO

1. Com base nas informações e reflexões apresentadas nes-sa aula, identifique: em que sentido podemos afirmar quequalquer forma de periodização histórica apresenta cará-

ter superficial e subjetivo?

COMENTÁRIO SOBRE AS ATIVIDADES

1. As periodizações históricas não são instrumentosneutros de que nos servimos para compreender osprocessos históricos. Organizadas a partir de pontos dereferências específicos, que servem de parâmetros para aorganização de seus marcos, elas embutem pontos de vistaespecíficos que organizam as experiências históricas, mastambém lhes dão sentido. Toda periodização é uma formade explicação que envolve opiniões, valores e ideologias.

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A DIVISÃO QUADRIPARTITEDA HISTÓRIA:LIMITES E POSSIBILIDADES

METMETMETMETMETAAAAADiscutir as limitaçõesapresentadas pela divisãoquadripartite para acompreensão dosfenômenos sociais.

OBJETIVOSOBJETIVOSOBJETIVOSOBJETIVOSOBJETIVOSAo final desta aula, o alunodeverá:listar exemplos de práticassociais cujos processos detransformação social não seenquadram nos marcosdelimitados pela divisãoquadripartite da História.

PRÉ-REQUISITOSPRÉ-REQUISITOSPRÉ-REQUISITOSPRÉ-REQUISITOSPRÉ-REQUISITOSTer assimilado o conteúdoda aula 3.

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Paisagem da Europa(Fonte: http://www.territorioscuola.com).

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Aanálise dos marcos empregados para delimitar os perí-odos históricos, apresentados pela divisão quadripartite,

levou-nos à conclusão de que ela apresenta a história a partir da pers-pectiva da evolução da organização do Estado na Europa Ocidental.Veremos que tal critério se apresenta restritivo mesmo para as socie-

dades européias ocidentais, pois, ao evidenciaras mudanças na estrutura do Estado, deixa parasegundo plano outros aspectos da vida social.

A divisão quadripartite da história, aodirecionar seus holofotes sobre a estrutura do Estado, joga paraas sombras uma grande variedade de temas e aspectos da culturae das sociedades européias. Nesta aula, abordaremos as limita-ções que a quadripartição da História traz consigo para a com-preensão dos processos históricos, questionando tanto seu ca-ráter etnocêntrico, centrado na perspectiva européia, como oaspecto da vida social que ela seleciona como elemento referencialda periodização: a organização do Estado.

INTRODUÇÃO

Representações de burguês e operário(Fontes: 1- http://www.algosobre.com.br; 2- http://www.spectrum.weblog.com.pt).

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Norberto Guarinello, em sua crítica ao modelo da His-tória Antiga como passado de nosso mundo, vai lon-

ge a respeito da consideração de que a Antigüidade não poderiaser considerada como passado, em uma linha de continuidadecom o que se considera formar a Europa contemporânea.

De fato, a própria idéia de História Antiga representa umavisão européia da História, um certo modo de ver a Históriamundial de uma perspectiva européia (MOMMSEN, 1965,153; BENTLEY, 2001).É um ponto de vista muito particular, mas que se apresenta comouniversal e natural.[...] Em escolas e universidades brasileiras (oque também é verdade em muitos outros paises), a História éensinada como uma sucessão evolutiva que chega ao presenteseguindo certos períodos: Pré-História, que normalmente é maisgeral, ainda que normalmente não inclua as Américas; depoisHistória Antiga; Medieval; Moderna e Contemporânea. Só existea História na Europa. Até mesmo o Brasil e as Américas só sãoincluídos em programas e currículos de História depois de sua“descoberta” por europeus, isto é, só quando se tornam umaparte da História da Europa.Mas os problemas com esta forma não se restringem a seueurocentrismo. Há outros entraves, mais conceituais. Até mes-mo dentro do que se poderia ser considerado uma Históriada Europa, a posição e o significado da História Antiga nãosão totalmente claros. É realmente a História Antiga da Eu-ropa e, caso seja, em que sentido específico? Não há certa-mente nenhuma continuidade social ou política entre o mun-do da História Antiga e a Europa contemporânea. Mas nãohá nem mesmo continuidade espacial. O império romano,que construiu a maior unidade política dentro do que cha-mamos História Antiga, inclui áreas que hoje ninguém defi-niria como européias: o norte da África, partes do OrienteMédio, talvez a Turquia. Por outro lado não alcançou outrasáreas que hoje reivindicam ser parte da Europa, como a Rússia,todos os paises europeus ocidentais e a Península escandinava.De um modo curioso, a História Antiga é eurocêntrica, masnão é, em absoluto, a história da Europa no passado, é outrotipo de projeção (GUARINELLO, 2003, p.52).

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No texto acima, Guarinello observa que “de um modo curi-oso, a História antiga é eurocêntrica, mas não é, em absoluto, ahistória da Europa no passado, é outro tipo de projeção”. Caroaluno ou cara aluna, você talvez agora esteja se perguntando:como isso poderia ser?! Como Gurarinello pode afirmar que aHistória Antiga seria eurocêntrica, mas não, em absoluto, a his-tória da Europa no passado? O que ele quer dizer com “seriaoutro tipo de projeção”?

Para melhor visualizarmos a questão, nós vamosconsiderá-la em partes. Primeiro, tomemos um dos aspectosde seu argumento: o seu aspecto geográfico. Em seu argu-mento, ao considerar o que seria a Europa, ele determina umabase geográfica que a compreenderia, afirmando que regiõeshoje que se consideram européias não faziam parte do impé-rio romano; e que áreas que antes faziam parte do império,hoje não são assumidas como européias. Assim, conclui: aHistória Antiga seria de caráter eurocêntrico, pois estaria aserviço da justificativa de uma idéia de Europa, mas não po-deria ser considerada a história passada da Europa como umtodo, já que ela diria respeito somente a uma pequena partedas experiências históricas constituintes das regiões que hojeformam o continente europeu.

Império Romano(Fonte: http://www.geocities.com).

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Guarinello argumenta que regiões do norte da África, Ori-ente Médio e Ásia Menor faziam parte do império romano ehoje não fazem parte do que chamamos de Europa. Por sua vez,regiões em que hoje se situam países como a Alemanha, Áustria,Rússia, Dinamarca e Holanda, apenas para citar alguns exem-plos, países que são tipicamente europeus, não faziam parte doImpério Romano. Assim ele conclui: a Europa hoje é formadapor um conjunto que não possui uma linha direta de continui-dade histórica com o passado greco-romano, uma vez que nelateríamos tanto países como Itália e Grécia, aos quais esse passa-do diria respeito diretamente, como a Finlândia cuja história nãopoderia ser conectada ao passado grego ou romano de formamecânica.

O argumento utilizado aqui tem por fundamento a questãoda base geográfica envolvida nos conceitos de Europa contem-porânea e os mundos grego e romano antigos. É partindo daincompatibilidade que haveria entre as referências geográficasdesses dois mundos que ele conclui que a história dos gregos eromanos antigos não poderia ser a da Europa geográfica con-temporânea. Você concordaria com ele?

Não precisamos tomar posi-ção. A análise histórica não é umjogo em que se precisa escolherum lado para participar. Antes dequerer julgar quem está certo ouerrado, preferimos a atitude de ten-tar entender os diversos argumen-tos, como modo de compreender-mos a questão em sua complexi-dade. A questão da ausência debase geográfica que justifique umalinha de continuidade direta entrea Europa contemporânea e o Im-pério Romano envolve muita con-

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trovérsia, pois afirmar que o pas-sado greco-romano não faria par-te de forma direta, “formando umalinha de continuidade” com, porexemplo, a história passada da Fin-lândia, seria o mesmo que dizerque a História grega também nãofaria parte, diretamente, da histó-ria passada do Brasil. Assim, comoforma de darmos um fechamento

a esse conjunto de conceitos, poderíamos parcialmente finalizaressa discussão com as seguintes questões: em que medida o pas-sado greco-romano faria parte da história passada de sociedadesque não ocupassem hoje as mesmas áreas geográficas envolvidaspelas do Império Romano? Ou, falando de maneira mais próxi-ma a nós: em que sentido poderíamos afirmar alguma ligaçãoentre o nosso presente de brasileiros vivendo na América do Sule o passado romano? Sua história também seria a nossa?

O texto completo de Norberto Guarinello pode ser acessadono site da revista Politeia. Nele, você poderá encontrar como eleencaminha essa questão. Suas respostas são interessantes, po-rém não menos do que sua principal pergunta, que poderíamosexpressar da seguinte forma: em que medida o chamado mundoantigo constitui-se no passado comum de todas as sociedadeshumanas presentes na terra? Qual seria a sua opinião? Utilize ofórum e discuta essa questão com seus colegas!

Agora, exploremos outro aspecto do pequeno trecho, po-rém rico em idéias, do texto citado. Ao seu final encontramos aseguinte frase: “de um modo curioso, a História antiga éeurocêntrica, mas não é, em absoluto, a história da Europa no passa-do, é outro tipo de projeção”. Já vimos de que maneira operou-se,em seu argumento, a desvinculação entre a História Antiga e ahistória da Europa no passado. Para tanto foi utilizado um argu-mento de base geográfica como demonstramos acima. Mas em

Reconstituição hipotética da Acrópole no período clássico.(Fonte: http://www.guiageo-grecia.com).

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que sentido então se pode afirmar que seja eurocêntrica? Ela nãoo seria no sentido geográfico, mas sim em um sentido cultural.

A Idade Antiga como período histórico faz parte de uma prá-tica de periodização que busca ordenar o processo de transforma-ções sócio-culturais a partir de uma perspectiva eurocêntrica, re-levando alguns aspectos que marcaram o desenvolvimento dassociedades européias. Está diretamente ligada ao processo de for-mação da identidade cultural do que nós poderíamos chamar demundo europeu ocidental.

Por meio da seqüência das idades da divisão quadripartite da His-tória expressam-se alguns dos princípios básicos que norteiam a idéiado que seria esse homem ocidental, não importando aqui o seu graude veracidade. A Idade Antiga, como período histórico, é parte inte-grante da memória política e cultural do mundo europeu, compon-do as imagens que, desde o Renascimento, são utilizadas para consti-

tuir a identidade cultural da chamada “civilização ocidental”.

Porém, mesmo tomando somente a perspectiva ocidental, adivisão tradicional da história em quatro períodos não poderia serconsiderada por demais restritiva? Seria o aspecto da organizaçãopolítica, tomado no sentido restrito da organização do Estado, umelemento que nos permitiria organizar e classificar os vários aspec-tos da vida humana? A Idade Antigatermina com a desestruturação doEstado romano na Europa Ociden-tal. A Idade Média é o período da or-ganização das monarquias nacionaiseuropéias. A Idade Moderna, o mo-mento em que as realezas, então fra-cas e fragmentadas no período ante-rior, se fortalecem constituindo-se emestruturas estatais centralizadas. Umavez fortalecidas, essas estruturas es-tatais empreendem os projetosultramarítimos, expandindo a cultu-

A Escola de Atenas. Afresco do pintor renascentista Rafael Sanzio, 1511.(Fonte: http://greciantiga.org).

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ra européia pelo mundo por meio de suas colôni-as. Por último, a Idade Contemporânea, iniciadacom as revoluções liberais que instauraram os es-tados democráticos burgueses.

Qual seria a validade de periodizarmos a histó-ria dessa maneira se estivéssemos com a intençãode estudar, por exemplo, a história das mulheres?Poderíamos considerar que a história das mulheresseria única e semelhante para todas as partes do pla-neta? Haveria uma única história das mulheres,comum a todas as sociedades do globo terrestre,que pudesse ser periodizada da mesma forma, ouseriam várias histórias cada uma de acordo com asociedade que estivesse inserida? As condições devida das mulheres na Europa Ocidental, ou, ainda,no resto do mundo, teria mudado de forma consi-

derável com a queda do Império Romano do Ocidente?Essas considerações também podem ser aplicadas à divisão

quadripartite. Seria a evolução histórica das estruturas estatais erigidasno continente europeu, única e comum a todas as partes do mundo?Qual seria o sentido de dividir a história da China, tomando comoreferência o processo histórico de formação da sociedade européia? Emesmo tomando por base o continente europeu, qual seria o sentidoexplicativo de estudarmos a história das mulheres, nesse continente,

periodizando-a de acordo com a evolução da organização do Estado?

Pensemos nisso tomando um exemplo do caso brasileiro. Nos-sa história também é apresentada dividida em períodos que refle-tem a organização do Estado: colônia, monarquia, república e suasvárias subdivisões que, por sinal, também refletem a evolução daordem política estatal (República Velha, Era Vargas,Redemocratização, Regime Militar, Nova República...). Caso qui-séssemos estabelecer uma cronologia que pretendesse periodizara história das mulheres em nosso país, qual seria o sentido de uti-lizarmos a tradicional divisão em períodos, apresentada em nos-

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1 - Natividade (nascimentode cristo). Tela de Giotto,pintada entre 1302 e 1306.(Fonte:www.davenation.com).2 - Fotografia da poetisaPagu. Autoria nãoidentificada. Séc. XX.(Fonte:www.universiabrasil.net).3 - Desenho onde sãoreconstituídos costumes evestimentas de mulher daantiguidade grega. J. MoyrSmith, 1882.(Fonte:www.upload.wikimedia.org).4 - O jantar no Brasil, telade Jean-Baptiste Debret,1827.(www.vivercidades.org.br).

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sos manuais escolares? O processo de transformação das condi-ções de vida das mulheres teria acompanhado o de transformaçãopolítica? A passagem da colônia para a monarquia teria alteradosuas condições de vida? E a dos escravos?

ATIVIDADES

O texto reproduzido abaixo foi selecionado do trecho de um arti-go escrito por um historiador especializado na história greco-roma-na, Moses Finley. Sua obra, rica e variada, exerce grande influêncianos meios acadêmicos. Nesse artigo, com seu tradicional estilo po-lêmico, discute aquilo que chama de generalizações, as suposições eidéias pré-estabelecidas que o historiador utiliza para realizar o seutrabalho. Diz ele, em seu texto: “Infelizmente, o historiador não éum mero cronista, e de modo algum pode fazer seu trabalho semsuposições e juízos, sem generalizações, em outras palavras. Namedida em que não está disposto a discutir explicitamente as gene-ralizações – o que significa que ele não reflete sobre elas - , ele corresérios riscos.” Para Finley, uma periodização é uma generalizaçãosobre o processo histórico que se estuda, ou seja, um conjunto desuposições e juízos sobre os quais precisa refletir, para tomá-los demaneira consciente para si e para os outros. Para versar sobre esseproblema, ele utiliza o exemplo da periodização da história roma-na. Leia o texto e depois responda as questões.

A história romana é dividida tradicionalmente segundo ossistemas políticos – reinado, república, império (com subdivisões:alto e baixo, principado e domínio) [...]A validade da esquematização em períodos (ou seus pontosessenciais, o que dá no mesmo) raramente é discutida.esquematização romana tradicional, em particular, é aceitahabitualmente sem análise, como se fosse evidente por si mesma.Não pretendo contestá-la aqui, mas devo salientar que elapressupõe uma generalização muito grande, qual seja, a de que a

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COMENTÁRIO SOBRE AS ATIVIDADES

1. A tradicional periodização da história romana, segundoFinley, baseia-se em seus sistemas políticos: monarquia,república e império. Tal forma de periodização implicaria umageneralização comumente aceita, mas não refletida, de que aorganização política seria a instituição central da vida romana.2. Segundo Finley, a periodização da história de Roma,centrada na organização política, é posta em prova quandonos preocupamos com outros aspectos da vida romana cujodesenvolvimento não coincide com a evolução política.3. Para exemplificar o descompasso entre a evolução daorganização política e dos outros aspectos da vida romana,

forma de organização política é a instituição central; a forma,sobretudo no seu sentido mais básico de monarquia e nãomonarquia. Assim que nos preocupamos com outros aspectosda história romana, essa generalização é posta a prova e asdificuldades surgem. Por exemplo, ainda há incerteza entre osespecialistas sobre o modo correto de dividir a história do direitoclássico e pós-clássico que supostamente ocorreu no séculoIII de nossa era. Na medida em que essa falta de consenso nadamais é do que outro exemplo das dificuldades usuais impostaspor qualquer periodização, ela não requer comentários. Mastambém há uma dificuldade específica dessa situação que é aaparente falta de sincronização entre a história legal e a históriapolítica. O que se deve fazer? (FINLEY, 1999, p. 62).

1. Segundo Finley, qual é o tipo de generalização contida naperiodização tradicional da história de Roma?2. Em que momento Finley considera que a periodizaçãotradicional da história de Roma é posta em dúvida?3. Com qual exemplo Finley argumenta as limitações daperiodização tradicional da história de Roma?

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No texto selecionado para a ativi-dade acima, em seu trecho final, diantedo problema da falta de sincronia en-tre o desenvolvimento da história polí-tica e da história legal, Finley deixa apergunta: o que fazer? Pois se a evolu-ção da organização estatal romana nãocoincide com o dos outros aspectos davida social romana, de que maneira de-vemos nos comportar? Qual seria osentido de utilizar a periodizaçãocentrada no fenômeno político para ex-plicar processos que não se apresen-tam com a mesma dinâmica?

Para deixar mais claro o pontoque desejamos ressaltar, tomemos como exemplo o caso da escravi-dão na sociedade romana. Sua evolução possui características parti-culares que atravessam os períodos estabelecidos pela periodizaçãotradicional da história romana, pois a divisão em monarquia, repú-blica e império não expressa a dinâmica das transformações da es-cravidão romana que nada nos diz da história da escravidão, massomente da história da organização do Estado Romano. Assim, qualseria o sentido de, ao nos interessarmos pela história da escravidãoromana, utilizarmos uma periodização fundada nas transformaçõesda estrutura do Estado?

Como resposta à indagação de Finley, diríamos que o proble-ma não estaria na utilização de periodizações em si, mas em seuemprego inadequado. Não precisamos aboli-las, pois nos ajudam adar coerência, organizando nossas explicações sobre os processoshistóricos que estudamos e, muitas vezes, explicamos para nossos

Finley utiliza como exemplo a dessimetria existente entreela e a evolução do direito romano, motivada pela falta desincronia entre a evolução da história legal e política.

O Fórum Romano era o principal centro comercial da Roma Im-perial. Seqüências de remanescentes de pavimento mostram que osedimento corroído das colinas circundantes já levantava o níveldo fórum nos primeiros tempos republicanos. Originalmente eletinha sido terreno pantanoso, drenado por Tarquínio. Seu pavi-mento final de travertino data do reinado de Augusto.(Fonte: http://www.upload.wikimedia.org).

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CONCLUSÃO

Assim, caro aluno ou querida aluna,quando você, já então lecionando, estiver em sua sala de aula, falando a seus

alunos sobre a história antiga, lembre-se que essenão é um conceito neutro. Suarepetição, na organização denossos currículos e discipli-

nas, não é a confirmação de quea realidade confirma a existência da Antigüi-dade como fator objetivo inerente à própriahistória humana, mas sim da força de uma idéiaque se enraizou em nossa mentalidade, assumin-do aspecto da própria realidade.

alunos. Mas, lembremos, periodizações históricas são construçõesque dependem das opiniões e valores em torno dos quais elas searticulam. Quando criamos periodizações próprias, adequadas aoque pretendemos expor, esse caráter subjetivo talvez possa não apre-sentar muitos problemas, uma vez que nesses casos temos consci-ência do que estamos fazendo. Porém, devemos tomar cuidado.

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RESUMO

Nessa aula vimos que a constituição da História Antiga,como período histórico determinado, surgiu como um doselementos integrantes da reflexão empreendida pela

intelectualidade européia, desde a época do Renascimento. Jun-to com a Idade Média, Moderna e Contemporânea, ela faz partehoje de um esquema explicativo amplamente difundido em nos-sos manuais escolares. Porém, embora esse tenha se tornado ummodelo explicativo de grande sucesso, presente em livros, disci-plinas acadêmicas e provas vestibulares, ressaltamos que se aquadripartição explica a evolução histórica do homem, ela o faza partir de um ponto de vista determinado, restrito, mesmo setomamos como referência somente a sociedade européia.

A maneira como ela se apresenta hoje em nossos manuaisvaloriza o aspecto político da organização do Estado. Mas, seriaessa a única forma a partir da qual se poderia explicar a históriahumana? Consideramos que não. Não há uma histórica huma-na única, mas sim diversas histórias das diversas experiênciassociais espalhadas pelo globo terrestre, sendo a evolução da or-ganização estatal de algumas sociedades européias apenas umadelas. Para enfatizar esse aspecto de nosso argumento mostra-mos que a divisão quadripartite da história não dá conta de di-versos outros fenômenos sociais que não se enquadram na rigi-dez de seus marcos, como, por exemplo, a história social dasmulheres ou da escravidão.

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COMENTÁRIO SOBRE AS ATIVIDADES

1. As periodizações históricas não são instrumentos neutrosde que nos servimos para compreender os processoshistóricos. Organizadas a partir de pontos de referênciasespecíficos, que servem de parâmetros para a organizaçãode seus marcos, elas embutem pontos de vistas específicosque organizam as experiências históricas, mas também lhesdão sentido. Toda periodização é uma forma de explicaçãoque envolve opiniões, valores e ideologias.

AUTO-AVALIAÇÃO

1. Com base nas informações e reflexões apresentadasnessa aula, identifique em que sentido podemos afirmarque qualquer forma de periodização histórica apresentacaráter superficial e subjetivo?

PRÓXIMA AULA

Caro aluno ou cara aluna, após termos estudado comoa idéia de História Antiga se relaciona com o processode formação da identidade européia, na próxima aulaabordaremos como ela se prestou como justificativapara o contexto do imperialismo, no século XIX.

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A divisão quadripartite da História: limites e possibilidades

REFERÊNCIAS

FINLEY, M. Generalizações em História Antiga. In: Uso e abuso

da História. Trad. Marylene Pinto Michael. São Paulo: MartinsFontes, 1999, p. 57-76.GUARINELLO, N.L. Uma morfologia da História: as formasda História Antiga. Politéia: história e sociedade. Vitória da Con-quista, v. 3, n. 1, p. 41-61, 2003.FOUCAULT, M. As palavras e as coisas. 10 ed. São Paulo:Martins Fontes, 2007.

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PODER E SOCIEDADE

METMETMETMETMETAAAAARefletir sobre a organizaçãocurricular da História Antiga apartir da delimitação OcidenteX Oriente.

OBJETIVOSOBJETIVOSOBJETIVOSOBJETIVOSOBJETIVOSAo final desta aula, o alunodeverá:relacionar a constituição daHistória Antiga comodisciplina e conhecer ocontexto do imperialismo noséculo XIX.

PRÉ-REQUISITOSPRÉ-REQUISITOSPRÉ-REQUISITOSPRÉ-REQUISITOSPRÉ-REQUISITOSTer assimilado o conteúdo daaula 04.

55555aulaaulaaulaaulaaula

(Fonte: http://www.tlaxcala.es).

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História Antiga I

Caro aluno ou querida aluna, damos-lhe as boas vindasà nossa quinta aula. Em nossas quatro primeiras lições,vimos a relação existente entre a idéia de História An-

tiga, como período inicial na divisão quadripartite da história.Nelas, procuramos traçar de que maneira elase construiu no âmbito do processo de for-mação da cultura européia ocidental.

A idéia de História Antiga, e dessa for-ma a própria divisão quadripartite, diz respeito a uma inter-pretação do processo histórico a partir de um ponto de vistaeurocêntrico. Nesse sentido, devemos considerar a idéia de His-tória Antiga como um período histórico criado de uma pers-pectiva cultural específica, que de modo nenhum pode ter apretensão de um caráter universal. O que significa entender aidéia de História antiga como algo de abrangência particular enão universal? Com tal observação quer-se afirmar que a His-tória Antiga, pelo menos como ela se constitui em nossos ma-nuais escolares, é uma maneira de enxergar o nosso passado,

selecionando eventos e sociedades. A nosso vernão há sentido falar de uma História Antiga

como um tempo absoluto que envolveriatodas as sociedades humanas. Ela fala

especificamente da cultura ocidentale dos valores que a norteiam, pos-

suindo uma dimensão política quenão se pode deixar de lado. Serásobre essa dimensão política quediscorreremos nesta nossa quin-ta aula.

INTRODUÇÃO

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Poder e sociedade

A História Antiga como disciplina nos moldes que a co-nhecemos hoje constituiu-se, basicamente, durante oséculo XIX. Foi em meio aos embates políticos dessa

época que foi forjada como instrumento científico para com-preensão da realidade.

Na Europa, o século XIX é o momentoem que, impulsionadas pela Revolução In-dustrial, as principais potências européias lan-çaram-se em uma corrida imperialista, procurando dominar re-giões com o intuito de controlar áreas que lhes servissem de fon-tes de matérias-primas e mercados consumidores. No afã de ga-rantir seus negócios, os estados europeus, unidos a interessesprivados de grandes corporações, realizaram uma políticaexpansionista agressiva, sendo que uma das principais marcasfoi a violência utilizada contra todos que se colocaram contrasua marcha. Poder, violência e negócios lucrativos casaram-seem uma aliança que, em nome do progresso, tinha como objeti-vo expandir o domínio das grandes potências pelo mundo.

O mundo está quase todo parcelado, e o que dele restaestá sendo dividido, conquistado e colonizado. Eu, sepudesse, anexaria os planetas. Penso sempre nisso.Entristece-me vê-los tão claramente e, ao mesmo tempo,tão distantes. (Cecil Rhodes).

PODER E SOCIEDADE

Cecil John Rhodes

Homem de negócios in-glês e fundador da Ro-désia,atual Zimbabué(5/7/1853-26/3/1902).Foi também uma perso-nagem essencial naconstrução do caminhode ferro que ligou o Cai-ro, no Egipto, ao Cabo,na África do Sul.

Caricatura do século XIX onde as potências industriais “dividem” a China.(Fonte:http://thenowhereman. files.wordpress.com).

(Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Cecil_Rhodes - 02/10/2007)

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História Antiga I

Durante o século XIX, os continentes africano e asiático fo-ram as duas principais regiões para as quais se dirigiram as políti-cas imperialistas das potências européias. Um esforço que nãocontou somente com a ajuda de empresários, políticos ou milita-res, mas que também obteve ajuda dos homens de ciência, profes-sores e pesquisadores que passaram a produzir um conhecimentoque justificava a presença imperialista nessas sociedades.

Não podemos negar o grande desenvolvimento que esseshomens possibilitaram com seus trabalhos, mas também nãopodemos fazer vistas grossas para o caráter eurocêntrico do co-nhecimento produzido por muitos deles, que, embora realizas-sem pesquisas valiosas em vários campos do saber, também aca-bavam justificando, por meio delas, a superioridade européiasobre as sociedades africanas e asiáticas.

A respeito da perspectiva com a qual se encaravam essas so-ciedades, Edward Said, em seu belíssimo livro Orientalismo, re-gistra o seguinte testemunho sobre os “povos do oriente” feitopor Lord Cromer, um agente administrativo do imperialismoinglês no Egito.

Sir Alfred Lyall disse-me uma vez: “A mente oriental abo-mina a precisão. Todo anglo-indiano deveria lembrar essamáxima”. Carência de precisão, que facilmente degeneraem insinceridade, é na verdade a principal característicada mente oriental.O europeu é um raciocinador conciso; suas declaraçõesde fato são desprovidas de qualquer ambigüidade; ele éum lógico natural, mesmo não tendo estudado lógica; épor natureza cético e requer provas antes de aceitar a ver-dade de qualquer proposição; sua inteligência treinadatrabalha como a peça de um mecanismo. A mente do ori-ental, por outro lado, assim como suas pitorescas ruas, éeminentemente carente de simetria. Embora os antigosárabes tenham adquirido em um grau um tanto mais altoa ciência da dialética, seus descendentes são singularmen-te deficientes de faculdades lógicas. São muitas vezes in-

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Poder e sociedade

capazes de tirar as conclusões mais óbvias de qualquersimples premissa cuja verdade possam admitir. Tente-searrancar uma declaração de fato direta de qualquer egíp-cio normal. Sua explicação será em geral longa e carentede lucidez. Ele provavelmente entrará em contradição con-sigo mesmo uma dúzia de vezes antes de acabar sua histó-ria. Com freqüência sucumbirá ao mais brando métodode interrogatório.

[...] Como sou apenas um diplomata e um administra-dor, cujo estudo adequado também é o homem, mas doponto de vista de governá-lo [...] contento-me com ob-servar o fato de que, de um modo ou de outro, o orientalgeralmente fala, age e pensa de uma maneira oposta à doeuropeu (SAID, 1990, p.48).

Lord Cromer, desculpe-me a expressão que não será aca-dêmica, mas esta é a forma radical de colocá-la, define os ori-entais como verdadeiras bestas que, destituídos de lógica, pen-sam de forma confusa e são mentirosos e dissimulados. To-dos os orientais seriam assim?Bem, primeiro, devemos nosperguntar a quem ele chamavade oriental.

Tomando por base apenasesse pequeno trecho, claramen-te pode-se perceber que ele as-sim denomina todos os egípci-os e indianos. Mas, como a In-glaterra, em sua época, tambémpossuía interesses no OrienteMédio, na China e no extremoOriente como um todo, pode-mos, por nossa conta, incluí-lostambém. Oriente Médio

(Fonte: http://www.asia-turismo.com).

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História Antiga I

Dá para perceber que é uma região muito extensa. Nestaavaliação, egípcios, árabes, indianos e chineses seriam todos iguais.Haveria uma mente oriental de caráter pré-lógica, que em tudose colocaria inferior à mente lógica e filosófica dos europeus?Todos os europeus teriam essa capacidade e todos “esses orien-tais” seriam destituídos dela? Pensar dessa maneira seria o mes-mo que considerar que todos os brasileiros sejam iguais ou ou-tras bobagens de caráter racista que se costuma afirmar, como,por exemplo, o povo de alguma região ser preguiçoso e, de ou-tra, ser trabalhador. Você concordaria com isso?

Muito bem! Agora vamos fornecer mais um exemplo decomo uma autoridade britânica, Balfour, via a questão das dife-renças que existiriam entre europeus e orientais. Esse exemploadicional se faz necessário, pois aborda um aspecto diferente: oda organização política. Leia abaixo uma citação extraída de umpronunciamento seu sobre os egípcios.

Antes de mais nada, considerem os fatos da questão. Assim quesurgem para a história, as nações ocidentais demonstram aquelascapacidades incipientes para o auto governo [...] tendo méritospróprios. [...] Pode-se olhar para o conjunto da história dosorientais no que é chamado, falando de maneira geral de Leste,sem nunca encontrar traços de auto governo.Todos os séculosgrandiosos desses países – e eles foram muito grandiosos – foramvividos sob despotismos, sob governos absolutos. Umconquistador sucedia a outro conquistador; uma dominaçãoseguia a outra; mas nunca, em todas as reviravoltas da sina e dafortuna, se viu uma dessas nações, de moto próprio, estabelecero que nós, de um ponto de vista ocidental, chamamos auto-governo. Esse é o fato. [...]É uma boa coisa para essas nações – admito a grandeza delas –que esse governo absoluto seja exercido por nós? Acho que éuma boa coisa. Acho que a experiência demonstra que sob essegoverno elas têm um governo muito melhor que qualquer outro

Balfour foi Primeiro Mi-nistro da Inglaterra de1902 a 1905.

Balfour

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Poder e sociedade

que tenham tido em toda a história, o que é um benefício não sópara elas, como sem dúvida para o conjunto do Ocidentecivilizado. [...] Estamos no Egito não somente para o bem doEgito, apesar de estarmos lá para o bem deles, estamos lá tambémpara o bem da Europa.Balfour, nos mesmos moldes que Cromer, estabelece umadiferença entre orientais e europeus. Para ele, enquanto osúltimos, desde os princípios de sua história já mostravam ainclinação para a democracia, os primeiros nunca haviam tidoum governo que não fosse despótico, absoluto. Em suas palavras,democracia e despotismos seriam fronteiras que delimitariam equalificariam o Ocidente civilizado, como ele diz, e o Oriente.Segundo Balfour o despotismo faz parte da natureza dos paísesdo Leste, e assim não via problemas no fato da Inglaterra exercerno Egito também um governo despótico, chegando mesmo aconsiderar que tal forma de governo era exercida no Egito melhorpelos ingleses do que pelos próprios egípcios. Para ele, osbenefícios que a presença britânica trazia eram mesmo um fatorpara considerar que a Inglaterra exercia o domínio não somentepara o bem da Europa, mas para o bem dos próprios egípcios!Temos aqui um claro exemplo de uma autoridade colonialreferindo-se à “missão civilizadora” que serviu como justificativapara o imperialismo durante parte dos séculos XIX e XX.

História Antiga, como períodoe disciplina, também recebeu o seupapel nesse jogo. A produção aca-dêmica nessa área entrou em cenaproduzindo um conhecimento quemuitas vezes acabava contribuindopara a criação da imagem da superi-oridade européia em relação aospovos que eram dominados.

Rudyard Kipling

Literato inglês (1865-1936), prêmio Nobel de1907. Neles há clara alu-são ao imperialismocomo “misão civiliza-dora” ao considerar osingleses servidores dospovos sobre os quaisexerciam domínio.

Assumi o fardo do homem branco

Enviai os melhores dos vossos filhos

Condenai vossos filhos ao exílio, para que

sejam os servidores de seus cativos.

Rudyard Kipling

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História Antiga I

Selecionamos abaixo o trecho de um texto escrito porRichard Hingley, da Universidade de Durham, Inglaterra,intitulado Concepções de Roma: uma perspectiva inglesa”. Nele,o autor aborda como, nos estudos sobre a antiguidade romana,durante o século XIX, desenvolveram-se modelos explicativosque postulavam a superioridade inglesa, justificando, assim, odomínio que exercia sobre outros povos.

Da mesma forma que no passado Roma havia levado a civi-lização à Europa, agora a Inglaterra, herdeira de Roma, teria amissão de levar a civilização aos outros povos do mundo. Emseu texto, Hingley questiona tais modelos de interpretação. Nesteartigo, muito interessante, ele versa sobre como as imagens pro-porcionadas pela Roma clássica foram utilizadas para definir ajustificativa do império inglês de 1880 a 1930. Acerca dessa épo-ca, ele diz:

A ideologia imperial tornou-se parte da linguagem dopatriotismo britânico. Também foi um período em quenovas correntes intelectuais se desenvolveram para definire sustentar o controle britânico por extensas partes domundo. Trabalhos acadêmicos, escritos políticos eliteratura popular refletem esta necessidade e o passadoimperial romano foi diretamente recrutado para ajudar atornar conhecida a “missão” imperial britânica(HINGLEY, 2002, p. 28).

Hingley aponta uma conexão íntima entre as idéias de impé-rio romano e império inglês. Segundo ele, o passado imperialromano foi utilizado para justificar o imperialismo inglês no fi-nal do século XIX e inícios do XX. O mesmo papel civilizadorque Roma teria exercido em relação à Europa, os ingleses teriamque exercer como uma missão em relação ao resto do mundoainda não civilizado. Da mesma forma que os romanos introdu-ziram a cultura civilizada – estradas, cidades, banhos públicos,impostos, administração pública e cristianismo – agora os euro-

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Poder e sociedade

peus deveriam fazer com os povos “não civilizados” sobre osquais eles pretendiam exercer seu domínio.

Hingley observa que eruditos ingleses, no afã de produzirjustificativas para a prática imperialista, apropriaram-se da His-tória de Roma antiga como um dos instrumentos pelos quaisbuscaram forjar uma imagem do Ocidente que se opusesse aoque não seria Ocidental: os civilizados de um lado e os selvagensde outro.

A própria palavra civilização possui forte conotação políti-ca. Ela não se define apenas pelo que contém de significado po-sitivo, mas também pelo que nega. Falar de vida civilizada impli-ca pensar no que seria a vida não civilizada. Dizer que a Inglater-ra tinha a missão imperial de levar a civilização a outros povossignifica considerar que os ingleses possuiriam algo de que osoutros povos ainda fossem destituídos. Os ingleses seriam civili-zados e os povos sobre os quais exerceriam seu domínio, não.De um lado, a nação imperialista, civilizada; de outro, a subme-tida, que exatamente por não ser civilizada somente poderia ga-nhar com esse domínio, pois, graças a ele, devido à obra dosingleses, seria colocada na rota do progresso. Nesse contexto, osignificado que se dá àpalavra civilização é ine-quívoco. Civilização aquisignifica os moldes devida dos países mais avan-çados da Europa, comseus costumes, tecnolo-gia, valores, formas depensamento e religião.Os não civilizados seriamaqueles que, por não vi-verem assim, ainda esta-riam próximos da vidaselvagem.

Cena do filme O Novo Mundo, do diretor Terrence Malick, 2005. O filmeretrata os primeiros contratos entre os ingleses, povo civilizado, e os índiosamericanos, os selvagens.(Fonte: http://www.cranik.com).

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ATIVIDADES

Caro aluno ou cara aluna, abaixo reproduzimos um tre-cho do texto de Hingley. Leia-o atentamente e depois res-ponda a questão proposta.

O passado tem sido desdobrado por europeus, e povosdo mundo ocidental em geral, para esculpir identidadesque se opõem, para construir o Ocidente e o não Ocidentee criar uma ascendência cultural. Nesse contexto, aconstrução do passado nunca foi uma atividade imparcial(HINGLEY, 28).

Nossa questão incide sobre a sua última frase: a constru-ção do passado nunca foi uma atividade imparcial. A par-tir dos conhecimentos adquiridos até aqui diga o que vocêentende por essa observação.

COMENTÁRIO SOBRE AS ATIVIDADES

Bom, essa é uma pergunta que permite várias possibilidades derespostas. Ela não depende de informações objetivas, fixas,iguais, mas sim de uma reflexão que possui caráter subjetivo.Veja, então, em que medida você concorda com o nossoentendimento a respeito dessa questão.Comecemos com a parte inicial da observação, “a história éuma construção”. O que Hingley estaria querendo dizer comisso? Construção remete à idéia de algo que se monta, que sefabrica, que deve ser moldado. O conhecimento históricopossui essa natureza, pois é resultado da atividade humana emum processo que envolve opiniões pessoais e amplos contextossociais. Assim, como nos mostra Hingley, vimos a vinculaçãoentre a construção de um passado romano com a idéia deimperialismo, no século XIX. Um exemplo interessante noqual saber histórico, política e poder caminham juntos.

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Poder e sociedade

A História Antiga como período, em nossos currículos es-colares, apresenta o mundo greco-romano como o ponto

máximo de desenvolvimento das potencialidades civilizatórias deum processo evolutivo que teria se iniciado na pré-história. Dessemodo, Grécia e Roma antigas são apresenta-das como um passado histórico no qual no-ções capitais como democracia, filosofia, di-reito privado, propriedade privada e, princi-palmente, a idéia de liberdade, que hoje norteiam o chamado mun-do ocidental, teriam aparecido pela primeira vez no horizonte daexperiência humana. Alertamos que o que está em jogo aqui não ése isso se trata de verdade ou de mentira. É evidente que os gregosorganizavam seus modos de vida de maneira distinta dosmesopotâmicos. As diferenças culturais existem e não devemosanulá-las. Porém, consideramos equivocado utilizá-las como justifi-cativa da dominação. Acreditamos que o estudo da antigüidade clás-sica ou oriental deva servir ao crescimento de nossas faculdadesintelectuais e sociais, agindo como fator positivo na construção dacidadania e não como instrumento de poder e discriminação.

(Fonte: http://multimedia.iol.pt).

CONCLUSÃO

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RESUMO

Nesta aula, tivemos como objetivo trazer à tona um dosaspectos que envolvem a produção do conhecimento, emqualquer área da atividade humana: a sua vinculação com

o poder social. Para tanto, descrevemos as ligações existentesentre a idéia de missão civilizadora, dada pela política imperialis-ta durante o século XIX, e o estabelecimento de Grécia e Romaantigas como sociedades que teriam atingido os mais altos grausde civilização na Antigüidade. Da mesma forma como Roma,sendo superior, teria levado à civilização vários outros povossem cultura desenvolvida. Naquele momento, século XIX, aspotências européias justificavam o domínio colonial, que exer-ciam como decorrência da política imperialista, com o argumen-to de que levavam o progresso a esses povos atrasados.

AUTO-AVALIAÇÃO

1. Qual é o argumento de Balfour para justificar que odomínio britânico no Egito seria benéfico não somen-te para os ingleses, mas também para os egípcios?

2. De que forma Hingley apresenta a questão do Império Roma-no como justificativa para o imperialismo inglês, no século XIX?

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Poder e sociedade

COMENTÁRIO SOBRE AS ATIVIDADES

1. Balfour argumenta que é discutível a idéia deautogoverno contida nos princípios democráticos, emborajá fizesse parte da experiência política ocidental desde oseu princípio, no passado greco-romano, no Oriente. Pelocontrário, essa idéia nunca havia sido colocada, pois desdesempre esteve submetida a governos absolutos nãodemocráticos. Portanto, o que estava em jogo no Egitonão era a natureza do governo exercido pelos ingleses,também despótico, mas sim o fato de que os egípciosnunca tinham sido tão bem governados como sob odomínio inglês. Assim, não se justificava criticar apresença inglesa em nome da democracia, pois essa osegípcios nunca tiveram.2. Hingley observa que durante o século XIX houve umaidentificação entre o papel da Inglaterra, como potênciaimperialista, e o papel de Roma, vista como potênciacivilizadora do mundo antigo. Assim, da mesma formaque os romanos teriam levado a civilização à Europa, agoraos europeus, herdeiros de Roma, teriam a missão de levara civilização a outros povos.

PRÓXIMA AULA

Na próxima aula, em vez de apresentar a História Antiga rela-cionada a idéias etnocêntricas, servindo como instrumento dejustificativa do poder, veremos as possibilidades que ela nosproporciona como forma de compreensão da realidade

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REFERÊNCIAS

SAID, E. Orientalismo. Trad. Tomás Rosa Bueno. São Paulo:Cia das Letras, 1990.HINGLEY, R. Concepções de Roma: uma perspectiva inglesa.In: Pedro Paulo A. Funari (0rg.) Textos Didáticos – repensan-

do o mundo antigo. IFCH/UNICAMP. n. 47, março de 2002.

História Antiga I

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CONHECIMENTO E IDEOLOGIA

METMETMETMETMETAAAAARefletir sobre aspossibilidades que o estudoda História Antigaproporciona para acompreensão da experiênciasocial do homem.

OBJETIVOSOBJETIVOSOBJETIVOSOBJETIVOSOBJETIVOSAo final desta aula, o alunodeverá:descrever os modos deutilização da História Antigacomo instrumento decompreensão da experiênciahumana.

PRÉ-REQUISITOSPRÉ-REQUISITOSPRÉ-REQUISITOSPRÉ-REQUISITOSPRÉ-REQUISITOSTer assimilado o conteúdo daaula 05.

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Escultura grega(Fonte: http://www.vroma.org).

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História Antiga I

Caro aluno ou cara aluna: vimos até aqui uma maneira de se escrever a História. Talvez o que foi apresentado não seja uma de suas facetas mais gloriosas. Não se

afirmou, até o momento, coisas do tipo “a história é o conhecimentodo passado, para que não cometamos os mes-mos erros no futuro”. Não se fez ligação entreo conteúdo da história escrita e a verdade. Nemapresentamos a História como conhecimento

do passado capaz de clarear para todos nós os fatos que realmenteaconteceram e que foram importantes como causas das condiçõessociais vividas em nosso tempo. Pelo contrário, mostrou-se como oconhecimento histórico pode ser construído associado a interessespolíticos bem determinados. Enfim, em nossas aulas não operamos avinculação entre história e verdade, mas sim entre história e poder.

Nossa exposição caminhou no sentido de mostrar como o conheci-mento histórico e o poder podem se unir com o objetivo de produzirexplicações que justifiquem a ação dos grupos dominantes em um deter-minado contexto. Julgamos ter conseguido atingir esse objetivo mostran-

do a maneira como a história do Império Roma-no foi utilizada durante o século XIX como justi-ficativa da política imperialista, e como a própriaidéia de História Antiga, e toda a divisãoquadripartite, não têm valor universal, restrin-gindo-a apenas ao contexto da história euro-péia. Assim, gostaríamos agora de perguntar:qual seria o sentido do estudo da História? Se-riam todas as histórias igualmente vinculadas ainteresses obscuros, ou é possível separar o joiodo trigo, separando a boa História da má His-tória? Nesta sexta aula, discutiremos um pou-co essas questões.

INTRODUÇÃO

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Conhecimento e ideologia

Lucien Febvre

Papai, então me explica para que serve a história.Assim um garoto, de quem gosto muito,interrogava há poucos anos um pai historiador.

Sobre o livro que se vai ler, gostaria de poder dizer que éminha resposta. Pois não imagino, para um escritor, elogiomais belo do que saber falar, no mesmo tom, aos doutose aos escolares. Mas simplicidadeapurada é privilégio de alguns raroseleitos. Pelo menos conservarei aquide bom grado essa pergunta comoepígrafe, pergunta de uma criança cuja sede de saber eu talveznão tenha, naquele momento, conseguido satisfazer muitobem. Alguns, provavelmente, julgarão sua formulaçãoingênua. Parece-me, ao contrário, mais que pertinente. Oproblema que ela coloca, com a incisiva objetividade dessaidade implacável, não é nada a menos do que o da legitimidadeda história (BLOCH, 2001, p. 41).

O texto reproduzido acima é um trecho da introduçãodo importante livro de Marc Bloch (1886-1944), Apologiada história. Bloch faz parte de um grupo seleto de historia-dores. Envolvido com as grandes questões de seu tempo,foi um estudioso militante. Lutou na primeira e na segun-da guerra mundial, sendo morto nesta última por partici-par da resistência francesa contra a ocupação nazista.

Junto com Lucien Febvre, fundou, em 1929, a revista Annalesd’Histoire Économique et Sociale, precursora da famosa Escola dosAnnales, que influenciou na renovação dos estudos históricos, abrin-do caminho para a História Social, abandonando a história factualem nome de análises mais profundas da realidade que levassem emconta as contribuições das novas ciências que surgiam, como an-tropologia, psicologia e sociologia. Se hoje consideramos que estu-dar história não seja apenas decorar fatos, mas sim compreender osmecanismos sociais que os produziram, devemos muito disso a ele.A sua Apologia da História, uma obra inacabada, escrita quando es-

IDEOLOGIA

Historiador francês, estu-dou as sociedades se-gundo seus valores ecrenças de uma época, e,portanto, através dodeclínio e aparecimentode conhecimentos e for-mas de mentalidade quesupõem uma ruptura emrelação aos marcos ideo-lógicos anteriores.

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tava na prisão, foi seu último trabalho antes de ser assassinado pelapolícia nazista.

A pergunta colocada por Bloch remete-nos a uma questãocrucial de nossa prática de historiadores e professores. Para queserve a história? Tal indagação obriga-nos a pensar sobre a es-sência do que fazemos. A resposta que damos a ela está direta-mente relacionada com o papel que julgamos ter como profes-sores dessa disciplina em nossa rede escolar!

Já a resposta que Bloch dá é bem diferente do que está implí-cito nos temas desenvolvidos em nossas aulas. Nelas, operamosuma vinculação entre história e poder, na qual a reconstruçãodo passado histórico estava a serviço de interesses políticos es-pecíficos. Porém, Bloch não viu na História um instrumento dedominação nos seus estudos sobre o passado, escritos em condi-ções muito mais difíceis do que as minhas, escrevendo esta aulaagora. Preso, encontrou nas suas reflexões sobre o papel da his-tória uma janela para liberdade.

A história é um esforço para conhecer melhor.

Marc Bloch (2001, p. 46).

Caro(a) aluno(a), talvez você esteja pensando: como poderia ahistória servir para justificar a dominação imperialista e ao mesmotempo ser um esforço para conhecer melhor? A forma como Romafoi pensada no século XIX não teria sido exatamente o contráriodesse esforço? Não teria sido o exercício do pensamento exatamen-te pela causa contrária, em nome da dissimulação e da mentira?

Perguntas difíceis! Como poderíamos encaminhar a questão?Bem, não negamos o papel ideológico assumido pela produçãodo conhecimento histórico no contexto dos exemplos dados, atéo momento, em nossas aulas. Com eles, quisemos, explicitamen-te, relacionar a pesquisa histórica com a prática do poder. Porém,também não negamos que concordamos com Bloch, os estudoshistóricos são também um esforço para compreender melhor!.

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Conhecimento e ideologia

Consideramos que a chave para esse paradoxo esteja na com-

preensão do que seja “compreender melhor”, percebendo que oato de compreender não seja neutro, que a realidade não esteja anossa disposição para ser estudada com fria objetividade científicaem nome da verdade única e inquestionável, pois compreendemoso mundo pelas lentes da cultura, dos ideais políticos e dos interes-ses que possuímos.

A compreensão que temos da realidade não é neutra, depen-de de nossos valores, e, do mesmo modo, podemos considerar oconhecimento histórico. Ele é um esforço para compreendermelhor, mas também não é neutro, estando sempre “contami-nado” de ideologias e valores pessoais.

Esse é um ponto importante para que possamos deixar bemclaro o nosso método crítico de análise. Consideramos que todaexplicação histórica contém valores que a norteiam e que o co-nhecimento histórico somente pode proporcionar uma “melhorcompreensão” do mundo na medida em que consigamos perce-ber o jogo de interesse que há por traz de cada interpretação,percebendo suas ideologias e os interesses que as fundamentam.

Toda interpretação apóia-se em valores. E é nesse jogo de com-preensão, no qual percebemosos valores que orientam nossasanálises, e os valores das análi-ses que conflitam com nossasopiniões, que podemos aumen-tar o entendimento sobre nósmesmos e do que temos dosoutros, aprimorando, assim,nosso conhecimento sobre omundo que nos cerca.

Consideramos que seja nodebate e no jogo das divergên-cias que podemos aumentarnossa capacidade de entender

Mulher na janela refletindo sobre o mundo(Fonte: http://www.sepsia.blogspot.com).

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História Antiga I

a sociedade a que pertencemos, pois somente dessa maneira desen-volvemos faculdades que nos permitem orientar-nos em um mun-

do complexo, cheio de questões ambíguas e con-traditórias, nas quais dificilmente pode-se obter con-senso. Pensemos em uma dessas questões. Comoexemplo, citemos o caso do aborto: ele deve serlegalizado ou não, no Brasil? Pesquisas com célu-las-troncos, devem ser permitidas ou não? Veja queessas questões envolvem aspectos morais, religio-sos e políticos que não podem ser reduzidos ao cer-to ou ao errado. A posição de cada um depende daopinião própria. Uns vão alegar motivos religiosospara defender suas posições. Outros talvez aleguema necessidade do desenvolvimento da ciência, ouquestões de saúde pública. Tudo depende dos inte-

resses, do posicionamento político de cada um. E os valores que moti-vam as divergências nessas questões contemporâneas também entramem ação quando os assuntos são os homens e as sociedades do passado.Veja a questão do Império Romano: durante o século XIX, ela não ser-viu para sustentar a idéia de missão civilizadora como justificativa dapolítica imperialista das potências européias?

Além da questão dos valores, que para nós entram em cena emqualquer análise histórica, há outros aspectos importantes que ori-entam os caminhos que vamos percorrer nesse curso. Marc Blochdenominou de “o ídolo das origens”.

Bloch explica-nos que o culto a tal ídolo caracteriza-se pelatendência de se explicar “o mais próximo pelo mais distante”. Deexplicar um determinado período pelos seus antecedentes, conce-bendo o processo histórico como uma linha determinada por umprocesso contínuo de causas e conseqüências, de tal forma queum acontecimento somente poderia ser compreendido a partirdos que lhe antecederam, ou seja, dos fatos que lhe teriam causado.

Essa é a famosa questão das causas, com a qual poucos pro-fessores da educação básica sabem lidar. Presos pela imagem desseídolo não conseguem explicar nada sem recorrer à questão das ori-

Tudo depende dos interesses, do posicionamento po-lítico de cada um.(Fonte: http://www.politicaparana.blogspot.com).

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gens. Os que assim agem acreditam que a única forma de se com-preender a história, e o nosso mundo, seja seguir atentamente opercurso desenvolvido pela seqüência de causas e conseqüências,desde as origens até hoje. Uma forma de pensamento que, aliada àidéia da divisão quadripartite, provoca um efeito devastador: umaunião que resulta na crença de que para se saber a história contem-porânea, primeiro deve-se estudar a história moderna. Por sua vez,para se saber a história moderna, deve-se antes estudar a Medieval.E para se compreender a Medieval, deve-se começar pela queda doImpério Romano do Ocidente, ou seja, pela História Antiga.

Comentando essa questão, do “ídolo das origens”, Bloch observa que“nunca se explica plenamente um fenômeno histórico fora do estudo de seumomento”, arrematando essa frase com o seguinte provérbio árabe: os homensse parecem mais com sua época do que com seus pais”.

Porém, também a questiona o comportamento inverso: o debuscar entender o momento contemporâneo somente pelo estudodo presente, desvalorizando completamente o passado histórico. Nes-se sentido ele nos indaga: seria possível entender os fenômenos religi-osos na Europa contemporânea sem se recorrer aoestudo das Reformas Religiosas, ocorridas cinco sé-culos antes? Do mesmo modo, poderíamos levantaresse mesmo tipo de questão sobre a sociedade brasi-leira, perguntando: seria possível compreender as atu-ais condições de vida existentes na sociedade brasi-leira sem se estudar o nosso passado colonial? Claroque não! E nesse caso o recado de Bloch é claro,afirmando que a ignorância do passado limita e pre-judica a compreensão do presente.

Caro aluno ou querida aluna, você pode terentendido o posicionamento de Marc Blochcomo contraditório. Primeiro, afirmando queo entendimento de uma sociedade somente podeser obtido a partir do estudo de seu momento pre-sente. Depois, em um movimento contrário, di-

A capoeira, criada no Brasil colônia porvolta do século XVII. (Fonte: 1 - http://priper3.files.wordpress.com; 2 -www.aceav.pt).

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zendo que a ignorância do passado prejudica a compreensão dopresente! Parece paradoxal, mas veja como ele mesmo responde a essaquestão:

O presente e o passado se interpenetram. A tal ponto queseus elos, quanto à prática do ofício do historiador, são desentido duplo. Se para quem quer compreender mesmo opresente, a ignorância do passado deve ser funesta, arecíproca – embora não se esteja sempre tão nitidamentealertado – não é menos verdadeira.

ATIVIDADES

1. Segundo o seu entendimento, comente a observação de Bloch deque os elos que ligam o passado e o presente, na prática do historiadorsão de sentido duplo.

COMENTÁRIO SOBRE AS ATIVIDADES

Caro(a) aluno(a), essa é uma resposta que envolve ainterpretação de um texto, portanto, as respostas podem variar.Segundo pensamos, Bloch considera os elos, entre passado epresente, uma via de mão dupla, pois concebe que, se acompreensão do presente depende do estudo dosacontecimentos do passado, a própria compreensão do passadodepende de como o historiador compreende o presente.A idéia de que o passado está sempre presente como herança,como situações que ainda produzem efeitos, não é difícil deperceber. Porém, como explicar o outro lado dessa via, ou seja, ofato de que a compreensão do passado depende de comoentendemos o presente? Para Marc Bloch são os problemascontemporâneos e a maneira como entendemos a sociedade em quevivemos que determinam a forma como percebemos o passado. São

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ATIVIDADES

Espero que você esteja acompanhando o raciocínio! Agora, propo-mos que você reflita um pouco mais sobre a questão de como oestudo do passado, e em nosso caso especial a da História Antiga,pode nos auxiliar no desenvolvimento de nossa capacidade de en-tender o mundo e nos habilitar, assim, para o exercício pleno econsciente de nossa cidadania. O Texto abaixo é de autoria deNorberto Guarinello, extraído de um livro cuja leitura, caso vocêtenha oportunidade de fazê-la, seria muito proveitosa. Trata-se dolivro História da Cidadania.

Pensar a cidadania no âmbito de nosso próprio Estado-nacional é um imperativo imposto pela realidade em quevivemos. Mas que papel pode caber ao historiador daAntigüidade nessa reflexão? É verdade que os primeirospensadores que se debruçaram sobre a definição do que hojeentendemos por cidadania buscaram inspiração em certasrealidades do mundo greco-romano, que conheciam porintermédio dos clássicos transmitidos pela tradição manuscritado Ocidente: a idéia de democracia, de participação popular

os temas do presente que orientam a maneira como reconstruímos ahistória passada das sociedades pelas quais nos interessamos. Comoexemplo, podemos citar um dos temas desenvolvidos em nossas aulas:a história que se produziu no século XIX, ligando o imperialismoRomano e o inglês, colocando ambos como forças civilizadoras depovos primitivos e selvagens.A questão das vinculações entre a produção do conhecimentohistórico e os valores sociais é um tema empolgante que merecemais atenção. Você poderia aprofundá-lo discutindo-o com seuscolegas, no Fórum de discussão da UAB.

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nos destinos da coletividade, de soberania do povo, de liberdadedo indivíduo. A imagem que fazia da cidadania antiga, no entantoera falsa. A cidadania nos Estados-nacionais contemporâneos éum fenômeno único na História. Não podemos falar decontinuidade do mundo antigo, de repetição de uma experiênciapassada e nem mesmo de um desenvolvimento progressivo queunisse o mundo contemporâneo ao antigo. São mundos diferentes,com sociedades distintas, nas quais pertencimento, participação edireitos têm sentidos diversos.Se há contribuição cabível ao historiador da Antigüidade,é justamente aproximar dois mundos diferentes, mantendosempre a consciência dessa distinção, e evidenciar processoshistóricos que podem iluminar os limites e as possibilidadesda ação humana no campo das relações entre os indivíduos.O mundo greco-romano permite-nos isso, com a vantagemde descortinar um panorama histórico de longa duração,com amplo painel de sucessos e fracassos da ação humanasobre a sociedade. Talvez nos auxilie a projetar um futurodesejável para a cidadania contemporânea e nos sirva dealerta para os futuros percalços.

1. Em que sentido Norberto Guarinello afirma que não há umacontinuidade entre o mundo greco-romano e o contemporâneo?2. Segundo o Guarinello, qual seria a contribuição cabível aohistoriador da Antigüidade para a compreensão do presente?

COMENTÁRIO SOBRE AS ATIVIDADES

1. Para Guarinello, nesse texto, o mundo greco-romano anti-go e o contemporâneo são muito diferentes, não havendo li-nha de continuidade entre eles.2. A contribuição do historiador da Antigüidade seria a de re-alçar as diferenças existentes entre nós e os antigos como for-ma de, pela análise das maneiras diferentes de agir, pudésse-mos vir a compreender melhor as nossas próprias formas deorganização social e de comportamento.

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CONCLUSÃO

A produção do conhecimento histórico está intimamen-te vinculada com as questões sociais, políticas e cultu-rais de seu tempo. Ela não é uma atividade neutra, cuja

objetividade científica possa eliminar de seus resultados os interes-ses pessoais e todos os condicionamentos que a sociedade, na qualo historiador vive, possa exercer sobre seu ofício. Assim, o traba-lho do historiador, e do professor de História,mesmo que não seja de forma consciente, aca-ba, de alguma maneira, refletindo os valoressociais e culturais que estão presentes nele efazem parte da sua vida.

Concordamos com a lição do grande mestre Marc Bloch. Osestudos históricos são um esforço para compreender melhor tantoo mundo em que vivemos como a nós mesmos, porém, não pode-mos deixar de lado suas implicações políticas, ideológicas e cultu-rais. Talvez, caro aluno ou cara aluna, tais considerações possamlevar-nos a rejeitar a possibilidade de se chegar a um conhecimentoseguro, que não seja objeto de contro-vérsias, e assim condenar a Históriacomo um conhecimento falso, pois emseu âmbito seria impossível se obter averdade dos fatos. De nossa parte, con-sideramos que não! Mesmo com todosos condicionamentos culturais que pos-sam estar envolvidos no trabalho do his-toriador. Para nós, o conhecimento seencontra exatamente na percepção darelatividade do conhecimento humano,que as verdades absolutas não existeme que, portanto, é necessário se abrirpara o outro, compreendendo suas di-ferenças. A tolerância talvez seja a mai-or sabedoria que a História possa nosproporcionar.

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RESUMO

Nesta aula procurou-se discutir as relações estabelecidas entreHistória e poder, empreendida nas aulas anteriores. Para tanto,estabelecemos um contraponto, apresentando a idéia de Marc

Bloch de que a História seria um esforço para se compreender me-lhor. O questionamento que lançamos como guia de reflexão foi aoposição que haveria na vinculação entre História e poder e a His-tória como um esforço para uma maior compreensão do mundo.Como resposta, chegou-se à conclusão de que o conhecimento his-tórico seria tanto condicionado por questões culturais, políticas esociais, como também seria um fator que proporcionaria uma mai-or compreensão do mundo.

AUTO-AVALIAÇÃO

1. O que você entende pela observação de Marc Bloch de quea história seria um esforço para se compreender melhor?

COMENTÁRIO SOBRE AS ATIVIDADES

1. Caro aluno ou cara aluna, essa pergunta possui um fortecaráter subjetivo, portanto, sua resposta dependerá dasconclusões às quais você chegou após ter estudado esta aula.O importante nessa resposta é que ela seja escrita de formaclara, contendo uma mensagem com começo, meio e fim.Veja se sua resposta coincide com a nossa: julgamos que,apesar dos problemas ideológicos, culturais e sociais queenvolvem a produção do conhecimento histórico ele seja um

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PRÓXIMA AULA

Abordaremos a questão do comportamento cultural dohomem e sua importância como um fator gerador de di-ferenças comportamentais entre os mais diversos agrupa-mentos humanos.

campo de estudo que muito tem a oferecer para acompreensão do nosso mundo. Como entender o Brasilcontemporâneo sem conhecer o seu passado colonial?Porém, não devemos, dessa forma, cometer o erro apontadopor Bloch, de nos prender ao que ele chamou de ídolo dasorigens, pois, como ele mesmo observou, não se conhece opresente sem se conhecer o passado, mas também não épossível conhecer o passado sem se conhecer nada sobre opresente. Assim, os estudos históricos se constituem em umavia de mão dupla, na qual passado e presente se interpenetramexplicando-se mutuamente.

REFERÊNCIAS

BLOCH, M. Apologia da História. Trad. André Telles. Rio de Janei-ro: Jorge Zahar, 2001.GUARINELLO, N.L. Cidades-Estado na Antigüidade Clássi-ca. In: Pinsky, Jaime (org.). História da cidadania. São Paulo:Editora Contexto, 2003.

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METMETMETMETMETAAAAAApresentar o homem comoum ser social produtor decultura e que se organizapoliticamente para constituirsua vida.

OBJETIVOSOBJETIVOSOBJETIVOSOBJETIVOSOBJETIVOSAo final desta aula, o alunodeverá:definir o homem como um serprodutor de cultura que viveem sociedade;listar elementos queexemplificam ocomportamento sócio-culturaldo homem.

PRÉ-REQUISITOSPRÉ-REQUISITOSPRÉ-REQUISITOSPRÉ-REQUISITOSPRÉ-REQUISITOSTer assimilado o conteúdo daaula 06.

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HOMEM:UM SER SOCIAL PRODUTOR DE CULTURA

Vasos de cerâmica peruanos(Fonte: www.gabinetedecuriosidades.net).

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INTRODUÇÃO

DECLARAÇÃO SOBRE A RAÇA E OSPRECONCEITOS RACIAIS

Aprovada e proclamada pela Conferência Geral da Or-ganização das Nações Unidas para a Educação, a Ciên-cia e a Cultura, reunida em Paris em sua 20.º reunião,em 27 de novembro de 1978.

Artigo 11. Todos os seres humanos pertencem à mesma espéciee têm a mesma origem. Nascem iguais em dignidade edireitos e todos formam parte integrante da humanida-de.2. Todos os indivíduos e os grupos têm o direito de serem dife-rentes, a se considerar e serem considerados como tais. Sem em-bargo, a diversidade das formas de vida e o direito à diferençanão podem em nenhum caso servir de pretexto aos preconcei-tos raciais; não podem legitimar nem um direito nem uma acçãoou prática discriminatória, ou ainda não podem fundar a políti-ca do apartheid que constitui a mais extrema forma do racismo.

Organização das Na-ções Unidas para a Edu-cação, a Ciência e a Cul-tura foi fundada em 16de novembro de 1945.Para esta agência espe-cializada das NaçõesUnidas, não é suficienteconstruir salas de aulaem países desfavore-cidos ou publicar desco-bertas científicas. Edu-cação, Ciências Sociaise Naturais, Cultura eComunicação são osmeios para se conseguiratingir um objetivo bemmais ambicioso: cons-truir paz nas mentes doshomens..

UNESCO

Caro aluno ou cara aluna: vamos estudar nesta aula umtema fascinante, por estar relacionado com a alma hu-mana. O texto abaixo, reproduzido de um documento

da UNESCO, trata de temas de grande impor-tância. Versa sobre a igualdade que marca to-dos os seres humanos. Sua afirmação é categó-rica: fazemos parte da mesma espécie. Todos

possuímos a mesma origem biológica e nascemos iguais em dig-nidade e direitos.

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Todos participamos da mesma humanidade. Uma humani-dade variada, com formas diferenciadas de organização

social, crenças e costumes que, como nos afirma o documento,precisa ser respeitada, pois “todos os indivíduos e os grupos têmo direito de serem diferentes, a se considerarem e serem considera-dos como tais”. Nossa sétima aula terá comoproposta refletir sobre essas questões, que sãomuito importantes tanto para nossa formaçãode cidadão quanto para nossos estudos acadê-micos na área da Antigüidade.

A UNESCO funciona como um laboratório de idéi-as e como uma agência de padronização para formar acor-dos universais nos assuntos éticos emergentes. A Organiza-ção também serve como uma agência do conhecimento –para disseminar e compartilhar informação e conhecimento– enquanto colabora com os Estados Membros na constru-ção de suas capacidades humanas e institucionais em diver-sos campos. Em suma, aUNESCO promove acooperação internacio-nal entre seus 192 Esta-dos Membros e seis Mem-bros Associados nas áre-as de educação, ciências,cultura e comunicação.

O homem é um ani-mal político. É dessa for-ma que Aristóteles defineo comportamento huma-no na Política, um dos tex-tos fundamentais legados a nós pela cultura grega antiga, e degrande validade para todos que se dedicam a refletir sobre as for-mas de organização que caracterizam as sociedades humanas.

Reprodução. Autoria desconhecida.(Fonte: http://bp3.blogger.com).

SOCIEDADESHUMANAS

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Nessa afirmação, o significado da palavra “político” podesuscitar enganos aos leitores contemporâneos porque, por mo-tivos variados, o termo tornou-se sinônimo da prática eleitoralpartidária com todos os vícios que ela contém. Atualmente,dependendo do contexto, ser chamado de político pode servisto como uma ofensa. Não é a esse sentido restrito que otexto de Aristóteles faz referência. Para ele, o adjetivo “polí-tico” designa uma das mais altas qualidades que se possa atri-buir a alguém: a qualidade de ser capaz de viver em uma pólis.

E o que é uma pólis? Para Aristóteles é uma espécie decomunidade, uma forma de sociedade. Assim, no sentidoamplo a que se destina o termo, ao afirmar que o homem éum animal político, observa que o homem vive em socieda-de, em comunidade. O radicalismo com que toma tal princí-pio leva o filósofo a afirmar mesmo que aquele que for inca-paz de fazer parte de uma comunidade, ou, sendo auto-sufi-ciente o bastante para não necessitar viver em uma, só po-deria ser um animal selvagem ou um deus.

Tal observação traz à tona um aspecto essencial do com-portamento humano, embora cada vez mais esquecido. Aexistência humana é fruto da capacidade de cooperar e com-partilhar, da solidariedade, realidades que o individualismocontemporâneo muitas vezes se esforça para relegar a umsegundo plano, calcado na idéia da competição e da acumu-lação.

O homem é um animal social que se agrupa para consti-tuir sua vida, formando comunidades de todos os tipos efinalidades. Nossa maneira de lidar com os problemas quese impõem à nossa existência, compreende formas de coo-peração sem as quais nunca seríamos o que nos tornamos:humanos.

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ATIVIDADES

TRECHO DA DECLARAÇÃO DASRAÇAS DA UNESCO

(18 DE JULHO DE 1950)

[...] o homem é, por tendência inata, le-vado à cooperação e, se esse instinto não en-contra maneira de se satisfazer, indivíduos enações sofrem igualmente com isso. O ho-mem é, por natureza, um ser social, que nãochega ao desenvolvimento pleno de sua per-sonalidade senão por meio de trocas com osseus semelhantes. Toda recusa de reconhe-cer esse liame entre os homens é causa dedesintegração. É nesse sentido que todo homem é o guarda de seuirmão. Cada ser humano não é mais do que uma parcela da huma-nidade à qual está indissoluvelmente ligado.

Ao aspecto da sociabilidade, deve-se adicionar outro elementosem o qual consideramos que nossa caracterização do comporta-mento humano estaria incompleta. Além de ser um animal soci-al, o homem também produz cultura. O conceito de cultura,como definidor da sociabilidade humana, é de grande valia para acompreensão dos diversos modos de vida apresentados pelosvariados povos da terra. Diferentemente de outros animais, quetambém apresentam comportamento social, o homem não ob-tém os bens necessários à sua vida por uma adaptação biológicaao mundo natural, marcada principalmente por impulsos instin-tivos. Nossa adaptação ao meio ambiente é realizada por inter-médio da cultura.

Nada é puramente animal no homem. Mesmo as funçõeshumanas que correspondem a necessidades fisiológicas, comofome, o sono, o desejo sexual são enquadradas pela cultura. Se

Campanha da Benetton de 1995. Oliviero Toscani.Reprodução.(Fonte:bp2.blogger.com).

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tomarmos como exemplo nossas necessidades fisiológicas, per-cebemos quanto estamos distanciados do mundo natural.

Vejamos um desses aspectos. Em nossa cultura, o ato deurinar é orientado por valores de higiene que transformamum comportamento natural de origem fisiológica em umcomplexo ato sócio-cultural. Em um processo que envolvepaciência por parte dos adultos, a criança é treinada a usar opinico e posteriormente o vaso sanitário.

Em seu processo educativo de sociabilização, a criança deveaprender a controlar seus impulsos fisiológicos, mesmo que sejaa duras penas. A complexidade de tal ato abrange inclusive umavasta rede de relacionamentos sociais, pois, para haver vasos sa-nitários, faz-se necessária a construção de redes de esgotos e tra-tamento de água, envolvendo relações sociais de trabalho com-plexas e uma vasta gama de profissionais como engenheiros, téc-nicos e operários da construção civil, profissionais da área admi-nistrativa e também cobranças de taxas e impostos.

Quando dormimos, por exemplo, não seguimos mais os rit-mos da natureza, mas do relógio, que desperta de acordo com osritmos de nossas obrigações sociais. As exigências da modernaeconomia capitalista fazem com que, pelo menos nas grandescidades, o período noturno não seja mais destinado a um mo-mento coletivo de descanso diário. Nelas o comércio, a indús-tria e os serviços funcionam diuturnamente. As cidades moder-nas não descansam. Iluminadas artificialmente, nelas o sol nãoregra mais a jornada de trabalho. O seu lugar foi ocupado pelorelógio que marca os ritmos das atividades sociais determinadaspelo ambiente cultural em que vivemos. Para atender nossasnecessidades culturais, transformamos a natureza e, de certomodo, nos afastamos dela.

A idéia de cultura é fundamental para se compreender a di-versidade dos comportamentos humanos. “Se todas as popula-ções humanas possuem a mesma carga genética, elas se diferen-ciam por suas escolhas culturais, cada uma inventando soluções

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originais para os problemas que lhes são colocados”. A própriavida social do homem é resultado de sua capacidade de transcen-der a natureza e criar cultura. Quão variadas são as maneiras deorganização política, de crenças religiosas, de estruturas fami-liares, de formas de pensamentos, tanto entre povos diferen-tes quanto entre os diferentes indivíduos de uma mesma soci-edade. Uma diversidade que resulta da capacidade do ser hu-mano de criar respostas diferentes para os problemas que seimpõem à sua vida.

Não sendo uma resposta padronizada por impulsos instinti-vos de origem biológica, o mundo cultural produzido pelo ho-mem é rico e variado. A diversidade cultural produzida pela açãohumana pode ser observada tanto em seu as-pecto espacial quanto no temporal. Por diver-sidade apresentada em seu aspecto espacial, de-signamos as diferenças culturais entre socieda-des coexistentes em uma mesma época históri-ca, mas que apresentam comportamentos dife-rentes. Um exemplo pode ser extraído das so-ciedades indígenas com seus ritos, deuses e for-mas organizacionais que muito se distinguemdas sociedades urbanas, que possuem ritmos eformas comportamentais marcados pela mo-derna economia capitalista. Também podemosobservar diferenças como as que distinguem,por exemplo, mulçumanos, cristãos ou budis-tas. Diferenças religiosas importantes origina-das de contextos culturais distintos. Mesmodentro de uma mesma cidade ou bairro pode-mos notar manifestações culturais distintas, aschamadas tribos urbanas, que possuem comportamentos,vestimentas e formas de lazer que lhes são próprias.

A diversidade de comportamentos desenvolvida pelo homemtambém pode ser observada no tempo. O mundo cultural pro-

Europa Medieval e Contemporânea(Fonte: http://www.mjfsantos.multioply.com).

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duzido pelo homem não é estático. Ele é continuamente trans-formado por sua ação. Pensemos na Grécia Antiga, no Egitodos faraós, na Europa medieval ou no Brasil colonial. Quão di-ferentes eram as culturas dessas sociedades antigas das que atual-mente caracterizam esses lugares? Quão diferentes eram as for-mas de viver na Europa Medieval das que hoje caracterizam aEuropa Contemporânea? O comportamento cultural do ho-mem não produz respostas padronizadas de forma a criar ummundo homogêneo, no qual todos teriam os mesmos compor-tamentos e valores.

A QUESTÃO DA DIVERSIDADE CULTURAL

A variedade dos comportamentos humanos gera o proble-ma de como pensar essas diferenças. E nesse sentido surgiramdiferentes doutrinas e teorias com o objetivo de entender as cau-sas da diversidade dos comportamentos humanos. Uma delas éa das raças, que considera que as diferenças comportamentaisseriam motivadas por diferenças genéticas existentes entre os di-versos povos ou grupos humanos. Assim, as diferentes formasculturais produzidas pelo homem seriam uma resposta padroni-zada de caráter biológico.

As diferenças culturais entre árabes e norte-americanos, porexemplo, seriam motivadas por diferenças genéticas? Como bemobserva Roque de Barros Laraia, os antropólogos estão conven-cidos de que as diferenças genéticas não seriam fatoresdeterminantes das diferenças culturais. Não existe correlação sig-nificativa entre a distribuição dos caracteres genéticos e a distri-buição dos comportamentos culturais. Qualquer criança huma-na normal pode ser educada em qualquer cultura, se for coloca-da desde o início em situação conveniente de aprendizado. Seuma criança sueca transportada para o Brasil, logo após o seunascimento, for colocada sob os cuidados de uma família serta-neja, ela vai adquirir os seus valores e não se distinguirá mental-

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mente de seus irmãos e amigos. Embora nascida de pais suecos,pela educação ela se comportará como qualquer outra pessoa dacultura em que ela foi educada.

Se a capacidade de criar cultura pode ser considerada um atri-buto biológico do homem, as diversas formas culturais que nósproduzimos não podem ser explicadas pelas diferenças genéticasque cada agrupamento humano, culturalmente distinto, possuiriaem relação aos outros. Esse aspecto não biológico das causas quemotivariam as diferenças culturais entre os seres humanos éenfatizado pelo documento redigido pela Unesco, em 1950.

A DECLARAÇÃO DAS RAÇAS DA UNESCO(18 DE JULHO DE 1950)

Art. 1 – Os cientistas estão de acordo, de um modo geral, emreconhecer que a humanidade é uma e que todos os homenspertencem à mesma espécie, Homo sapiens. Além disso,admite-se comumente que todos os homens se originaram,segundo todas as probabilidades, do mesmo tronco [...]Art.10 – Os dados científicos de que dispomos no momentopresente não corroboram a teoria segundo a qual as diferençasgenéticas hereditárias constituiriamum fator de importância primordialentre as causas das diferenças entreas culturas e as obras da civilizaçãodos diversos povos ou grupos étnicos.Ao contrário, ensinam eles que taisdiferenças se explicam antes de tudopela história cultural de cada grupo.Os fatores que desempenharam umpapel preponderante na evoluçãointelectual do homem são a suafaculdade de aprender e a suaplasticidade. Essa dupla aptidão é oapanágio de todos os seres humanos. Constitui, de fato, umdos caracteres específicos do Homo sapiens.

Campanha da Benetton de 1995. Oliviero Toscani.Reprodução.(Fonte: http://bp3.blogger.com).

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ATIVIDADES

Caro aluno ou cara aluna: a citação do documento da UNES-CO, transcrita acima, contém idéias fundamentais para o desen-volvimento de nosso curso. Essa atividade tem como propostafazê-lo refletir um pouco mais sobre a questão e discuti-la comseus colegas. Assim, procure responder a questão abaixo e de-pois exponha suas opiniões a respeito, no Fórum. Certamente,

será uma discussão interessante.

1. Em seu artigo 1o, o documento da UNESCO apresenta a afir-mação categórica de que a humanidade é uma, que todos os ho-mens pertencem à mesma espécie. Porém, tal observação nãosignifica a falta de reconhecimento para com as diferenças exis-tentes entre os diversos modos de vida adotados pelo homem.No artigo 10o, o documento apresenta uma explicação para essadiferenciação, qual seria ela?

COMENTÁRIO SOBRE AS ATIVIDADES

1. O documento da UNESCO sublinha dois aspectosfundamentais para a nossa reflexão sobre a cultura: o deque os comportamentos culturais não são geneticamentedeterminados e o de que a cultura é transmitida às geraçõesseguintes por meio da educação. A capacidade de aprender,nos informa o documento, é uma qualidade de todos os sereshumanos e não de apenas alguns grupos que seriamsuperiores aos outros devido às suas qualidades genéticas.Assim, as diferenças existentes entre os diversosagrupamentos humanos não devem ser explicadas porpossíveis diferenças genéticas entre eles, mas pela históriacultural empreendida por cada um.

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Outra forma de pensamento, que muitas vezes é utilizada comoinstrumento para desqualificar a cultura dos outros, é a do “determinismogeográfico”. Por essa doutrina, seria o ambiente geográfico de cada agru-pamento humano que determinaria suas capacidades mentais e formasde comportamento. Por exemplo, nas regiões quentes, tropicais, os ho-mens seriam mais preguiçosos e seus raciocínios mais lentos, enquantoos homens das regiões de clima mais ameno teriam mais disposição parao trabalho e seriam mais inteligentes. Em termos da realidade brasileiraseria o equivalente a afirmar que “o nordestino” teria uma tendência àpreguiça, sendo mais afeito às festas, enquanto o sulista seria mais dadoao trabalho. Esse raciocínio é um absurdo que de forma alguma é com-provado pelos estudos antropológicos.

Como nos aponta Barros Laraia, são vários os exemplos de povosque habitam o mesmo ambiente geográfico, mas que produzem respos-tas culturais distintas para as mesmas questões. Ele cita como exemplo oslapões e os esquimós, que habitam o pólo norte, a região do círculo polarÁrtico. O trecho que segue abaixo como exemplo é extraído da obra deFélix Keesing, citado por Barros Laraia:

Os esquimós constróem suas casas (iglus)cortando blocos de neve e amontoando-osnum formato de colméia. Por dentro, a casaé forrada com peles de animais e com o auxíliodo fogo conseguem manter o seu interiorsuficientemente quente. É possível, então,desvencilhar-se das pesadas roupas, enquantono exterior da casa a temperatura situa-se amuitos graus abaixo de zero grau centígrado.Quando deseja, o esquimó abandona a casatendo que carregar apenas os seus pertencese vai construir um novo retiro.Os Lapões, por sua vez, vivem em tendas depeles de rena. Quando desejam mudar os seusacampamentos, necessitam realizar um árduotrabalho que se inicia, pelo desmonte, pelaretirada do gelo que se acumulou sobre as

Círculo Polar Ártico

Esquimó(Fonte: br.groups.yahoo.com).

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O CÍRCULO POLAR ÁRTICO

O Círculo Polar Ártico é o paralelo da latitude66º 33’ 39" Norte cuja característica é delimitar aárea terrestre que, acima dele, tem pelo menos umdia de noite absoluta (24 horas de escuridão) no in-verno e pelo menos um dia de luz absoluta (24 horasde sol) no verão boreal (sol da meia noite). As áreasao norte deste paralelo são frias o ano inteiro, pas-sando praticamente o tempo todo com temperatu-ras abaixo do ponto de congelamento.

OS LAPÕES

A Lapónia (no Brasil, usa-se a grafia Lapônia) (Sápmi, Samilândiaou Saamilândia) é uma região no norte da Escandinávia, abrangendoterritório de quatro Estados: Noruega, Suécia, Finlândia e FederaçãoRussa e que corresponde à região onde habitam os lapões, ou Sami.O clima na região é subártico e a vegetação é esparsa no extremonorte. As temperaturas variam entre os 15 ºC positivos no Verão e os-50 ªC no Inverno.

OS ESQUIMÓS

Os Esquimós são povos que vivem no circúlo polar ártico, terras noextremo norte do planeta, Canadá, Alaska, Sibéria e Groelândia.(Fonte: http://www. pt.wikipedia.org).

Mapa do Círculo Polar Ártico(Fonte: http://www.amanatureza.com).

peles, pela secagem das mesmas e seu transporte para onovo sítio.Em compensação os Lapões são excelentes criadores derenas, enquanto tradicionalmente os esquimós limitam-se à caça desses mamíferos (KESSING apud LARAIA,2001, p.22).

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Homem: um ser social produtor de cultura

O homem é um ser social que no processo coletivo decooperação cria as formas culturais que caracterizamsua vida. E aí se encontra a chave para o entendimento

das diferenças de modos de vida entre os diversos grupos huma-nos. É na forma diferenciada de experimentara vida que devemos buscar os motivos dasdiferenças culturais entre os seres humanos.Os determinismos biológico e geográficonão possuem fundamento científico. Os dados da experiência, co-lhidos pelos estudos antropológicos, não corroboram tais pers-pectivas. Para se compreender a cultura criada por um povo nãodevemos recorrer a critérios genéticos ou puramente geográficospara desenvolver a análise. Como nos informa o documento pa-trocinado pela UNESCO, a cultura de um agrupamento huma-no deve ser compreendida a partir de sua história cultural em umsentido mais amplo, sem reduzi-la a aspectos que muitas vezesservem como formas veladas de discriminação cultural.

CONCLUSÃO

RESUMO

Nesta aula tivemos como objetivo apresentar o homem comoum ser social e produtor de cultura. Para tanto, recorremosa argumentos variados que foram desde a utilização das idéi-

as de Aristóteles, a respeito da cidade grega, até documentos con-temporâneos e observações de caráter antropológico.

Nossa linha de argumentação básica consistiu em consi-derar que o homem em seu processo de sociabilização e detransformação da natureza produziu formas de comportamen-to variadas, como resposta aos problemas de sobrevivênciaimpostos à nossa espécie. Disso resultou uma gama variadade culturas que não podem ser julgadas no sentido de umasserem melhores do que as outras, mas sim compreendidasdentro dos contextos histórico-culturais em que surgiram.

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História Antiga I

AUTO-AVALIAÇÃO

1. O que você entende pela afirmação: o homem é umanimal social.2. O que você entende pela afirmação: o homem é um

animal produtor de cultura.

COMENTÁRIO SOBRE AS ATIVIDADES

1. O homem é um animal socia l , pois estabelecerelações grupais com o objetivo de produzir os meiosnecessários de sobrevivência, desenvolvendo, assim,formas coletivas de cooperação. Não vivemos isolados,independentes, mas, pelo contrário, nos associamos, esomos dependentes de uma vasta rede de relaciona-mentos necessários para manutenção de nossas vidas.2. O conceito de cultura é polêmico, em torno dele asdivergências são grandes e qualquer idéia que se apresentesobre esse conceito fatalmente encontrará oposições. Porém,o consideraremos aqui no sentido em que ele se opõe à idéiade natureza. Os comportamentos humanos são culturais namedida em que não respondem puramente a condiciona-mentos naturais e biológicos de caráter instintivo,possibilitando-nos uma grande capacidade de desenvolverrespostas variadas para os problemas que afetam a nossa vida.

PRÓXIMA AULA

Na próxima aula abordaremos a questão doevolucionismo cultural e as questões que essa correnteteórica nos coloca para o estudo das sociedades antigas.

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Homem: um ser social produtor de cultura

REFERÊNCIAS

CUCHE, D. A noção de cultura nas ciências sociais. Trad.Viviane Ribeiro. Bauru: EDUSC, 1999.LARAIA, R. B. Cultura – um conceito antropológico. 14 ed.Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.

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METMETMETMETMETAAAAAProporcionar ao alunoinstrumentos teóricos que oauxiliem no trabalho deanálise das sociedadesantigas.

OBJETIVOSOBJETIVOSOBJETIVOSOBJETIVOSOBJETIVOSAo final desta aula, o alunodeverá:descrever o método deanálise do evolucionismocultural para compararsociedades de organizaçãosocial distintas.

PRÉ-REQUISITOSPRÉ-REQUISITOSPRÉ-REQUISITOSPRÉ-REQUISITOSPRÉ-REQUISITOSTer assimilado o conteúdo daaula 07.

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O EVOLUCIONISMOCULTURAL

Escultura de Muek(Fonte: http://www.asoprodocoração.weblog.com).

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História Antiga I

INTRODUÇÃO

Cara aluna ou caro aluno: na aula anterior, vimos que ohomem é um ser social que organiza a sua vida por meioda cultura que desenvolve. Essa é uma definição simples

e clara, porém, sua simplicidade não deve encobrir os problemasteóricos que contém, principalmente no que se refere à definição

do significado do conceito de cultura. Se a de-terminação do homem como um ser social nãoacarreta muito problema para a compreensão,a mesma coisa não ocorre com a idéia de cul-

tura. O debate acadêmico em torno desse conceito é acirrado enão pretendemos solucionar a questão.

Aqui utilizamos a palavra cultura em seu sentido mais am-plo possível. No dicionário Aurélio, encontra-se a seguinte defi-nição para o seu conteúdo:

O conjunto de características humanas que não são inatas,e que se criam e se preservam ou aprimoram através dacomunicação e cooperação entre indivíduos em sociedade.[Nas ciências humanas, opõe-se por vezes à idéia denatureza, ou de constituição biológica, e está associada auma capacidade de simbolização considerada própria davida coletiva e que é a base das interações sociais.

O homem se relaciona com a natureza e entre si por meiode um conjunto de valores e práticas de caráter cultural que nãosão inatas, mas sim aprendidas e desenvolvidas por cada grupo.A variedade de comportamentos culturais, existentes entre osdiversos agrupamentos humanos, mostra-nos que o mundo cul-tural criado pelo homem não é uno, mas sim, rico e variado.Nessa aula, abordaremos um tema relacionado a essa questão:como interpretar as diferenças culturais presentes entre as diver-sas sociedades humanas?

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O evolucionismo cultural

A CULTURA

A comparação entre as diversas culturas criadas pelassociedades humanas pode ser feita a partir de duas pers-pectivas básicas. Uma delas, pautada pela tolerância e

respeito aos valores dos outros, não julgando suas crenças e cos-tumes como inferiores, mas procurando compreendê-las em seuspróprios contextos. A outra, na intolerân-cia e no sentimento de superioridade em re-lação aos outros, na qual a diversidade hu-mana, longe de ser considerada um fator be-néfico, é vista como algo ruim ou inferior, motivando conflitosem vez de contatos positivos entre grupos que possuam crençase comportamentos diferentes. Em nome da superioridade de seuspróprios valores, combatem-se os valores dos outros. Essa for-ma de valorizar o próprio grupo em detrimento dos outros, con-siderando os seus próprios costumes como superiores, está nabase, como nós já vimos, do que chamamos de etnocentrismo.

O etnocentrismo é a forma de pensar que nos leva a considerarmo-nos superiores aos outros. Por essa maneira de encarar a vida, os úni-cos valores e comportamentos válidos são aqueles que pertencem aoseu próprio grupo. A cultura desenvolvida em nossa sociedade seriasuperior à dos egípcios antigos?Os valores de um norte-ameri-cano cristão seriam melhoresque os de um árabe muçulma-no? Cristianismo, judaísmo ebudismo, qual destas seria a me-lhor religião? A cultura do ho-mem da cidade seria superior àdo homem do campo?

O etnocentrismo podeassumir diversas formas,desde as mais explícitas,como as das teorias racistas,até as mais veladas como, por exemplo, a das diversas teorias de

Mãe japonesa e filho negro(Fonte: http://www.rosinhamonkees.com).

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História Antiga I

caráter evolucionistas. O evolucionismo cultural, embora tenha per-dido muito espaço no debate acadêmico, é uma perspectiva que exer-ce influência considerável em diversas esferas da sociedade. Sua pre-sença, ao lado da idéia de progresso, como esquema explicativosubjacente das transformações históricas, é bem difundida em nossomeio social e já faz parte da opinião corrente de muita gente, o cha-mado senso comum. É muito normal entre nós considerarmo-nosmais desenvolvidos do que outros povos.

O Evolucionismo Social era a teoria social prevalecenteno início da Antropologia Sócio-Cultural. Representouuma tentativa de formalizar o pensamento social comlinhas científicas modeladas conforme a teoria biológicada evolução. Se organismos podem se desenvolver com opassar do tempo de acordo com leis compreensíveis edeterministas, parece então razoável que sociedadestambém o podem. Isso marca o início da Antropologiacomo disciplina científica e uma despedida das tradicionaisvisões religiosas de culturas “primitivas”

(fonte http://pt.wikipedia.org. > Acesso em : 21/11/2007)

O homem ocidental dos grandes centros urbanos das mo-dernas economias capitalistas, cioso de suas realizações, tende ase considerar como o ponto mais avançado do progresso quecaracterizaria a marcha humana em direção ao mundo civiliza-do. Para trás teriam ficado todos aqueles que não acompanha-ram o avanço inexorável, dado pela marcha do progresso.Quantos de nós não nutrimos um sentimento natural de superi-oridade em relação às nações indígenas, que ainda sobrevivemno interior do território brasileiro, não conseguindo vê-las comoum povo cuja cultura possui tanto valor quanto a nossa?

O evolucionismo cultural parte do princípio de que as dife-renças entre os diversos povos representariam estágios de de-senvolvimento distintos. Tais culturas poderiam serhierarquizadas em uma escala que identificaria a marcha do pro-

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O evolucionismo cultural

gresso da humanidade. No nível inferior dessa escala, estariam asformas culturais mais primitivas; no superior, a mais evoluída: acapitalista ocidental cristã.

Mas, ao se criar uma escala de formas culturais, variando do maisprimitivo para o mais evoluído, faz-se necessário utilizar critérios comos quais possamos “medir” essas realidades e compará-las entre si.Edward Burnett Tylor, um dos fundadores do evolucionismo cul-tural, explicita-nos esse critério de forma bastante clara:

A invenção mecânica fornece exemplos adequados do tipode desenvolvimento que afeta a civilização como um todo.Na história das armas de fogo, o tosco fecho de roda, noqual uma roda de aço denteada era girada por uma molacontra um pedaço de pirita até que uma fagulha ascendesseo pavio, levou à invenção do mais durável fecho depederneira. O astrolábio medieval deu lugar ao quadrante,e este foi agora descartado, por sua vez, pelo homem domar, que usa o mais delicado sextante; e assim acontece,em seqüência, ao longo da história das artes e dosinstrumentos. Tais exemplos de progressão são conhecidospor nós como história direta, mas essa noção dedesenvolvimento está tão inteiramente instalada em nossasmentes que, por meio dela, reconstruímos, sem escrúpulos,a história perdida, confiando no conhecimento geral dosprincípios de pensamento e da ação humana como um guiapara por os fatos em sua ordem apropriada. Quer ascrônicas registrem ou não o fato, ninguém duvidaria,comparando um arco longo de uma besta, de que a segundafoi um desenvolvimento surgido a partir do instrumentomais simples (TYLOR, 2005, p.86).

Tylor considera que há um princípio que norteia o pensamentoe a ação humana. A partir de exemplos extraídos do desenvolvi-mento tecnológico, observa que os elementos que caracterizam acultura evoluiriam de suas formas mais simples para as mais com-plexas. Dessa maneira teriam evoluído as armas de fogo, o equipa-

Edward Burnett Tylor

Antropólogo britânico.Considerado o pai doconceito moderno decultura, filia-se à escolaevolucionista. Em seustrabalhos Cultura pri-mitiva e Antropologia,ele definiu o contexto doestudo científico de an-tropologia, baseado nasteorias evolucionáriasde Chales Darwin.

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História Antiga I

mento de orientação marítima, o arco e fle-cha e também, como ele apregoava, as for-mas culturais da humanidade: todos, a partirde uma forma mais simples, teriam evoluídopara formas mais complexas. Assim as cultu-ras humanas poderiam ser classificadas comosendo mais ou menos complexas, como as ar-mas e as ferramentas fabricadas pelo homem.Nas próprias palavras de Tylor :

Comparando os vários estágios de civilização entreas raças conhecidas da história, com ajuda dainferência arqueológica derivada dos restos detribos pré-históricas, parece possível formar umaopinião, ainda que grosseira, sobre uma condiçãoanterior geral do homem. Do nosso ponto devista, essa condição deve ser tomada como aprimitiva, mesmo que na realidade, algum estágioainda mais remoto possa ter existido antes dela.

Essa condição primitiva hipotética corresponde, emconsiderável medida, à das tribos selvagens modernas que,apesar da diferença e distância entre si, têm em comum certoselementos de civilização que parecem resíduos de um estágioanterior da raça humana em geral. Se essa hipótese forverdadeira, então, apesar da contínua interferência dadegeneração, a tendência central da cultura, desde os temposprimevos até os modernos, foi avançar, a partir da selvageria,na direção da civilização (TYLOR, 2005).

No trecho citado, Tylor nos aponta qual seria essa condição pri-mitiva da humanidade. A forma mais simples que teria caracteriza-do as sociedades humanas seria comparável à das tribos de selva-gens caçadores, não praticantes da agricultura, ainda existentes emseu tempo (século XIX). Assim, segundo ele, indo do mais simplespara o mais complexo, a tendência geral da cultura seria evoluir doestágio primitivo de selvageria até a civilização.

Mulher e criança esculpindo cerâmica(Fonte: http://www.losartes.com).

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O evolucionismo cultural

Lewis Morgan, outro representante do evolucionismo cul-tural do século XIX, põe a questão da evolução das socie-dades humanas caminhando de formas mais simples paramais complexas de maneira ainda mais clara.

As mais recentes investigações a respeito das condiçõesprimitivas da raça humana estão tendendo à conclusão deque a humanidade começou sua carreira na base da escalae seguiu um caminho ascendente, desde a selvageria até acivilização, através de lentas acumulações de conhecimen-to experimental. Como é inegável que partes da famíliahumana tenham existido num estado de selvageria, ou-tras partes num estado de barbárie e outras ainda numestado de civilização, parece também que essas três dis-tintas condições estão conectadas umas às outras numaseqüência de progresso que é tanto natural como necessá-ria. Além disso, é possível supor que essa seqüência tenhasido historicamente verdadeira para toda a família huma-na, até o status respectivo atingido por cada ramo. Essasuposição baseia-se no conhecimento das condições emque ocorre todo progresso [...] (MORGAN, 2005, p. 49).

O pensamento de Morgan exerce muita influência em nossomeio escolar por ter sido utilizado por Engels em seu livro Origem dafamília, da propriedade privada e do Estado. O livro é uma obra clássicado pensamento que merece ser lida, porém não devemos esquecerque foi escrita no final do século XIX e, de lá para cá, a antropologiaproduziu muitos novos conhecimentos que devem ser levados emconta ao se falar de um assunto tão amplo, como o que Engels tratouem sua obra.

Segundo Morgan, o processo evolutivo de todas as sociedadeshumanas teria partido de um ponto inicial, o seu estágio mais primi-tivo, que ele batizou de selvageria. O segundo estágio, nesse processoevolutivo, seria a barbárie. E o terceiro e último, a civilização. Veja aseguir quais seriam as características de cada um desses estágios.

Lewis Henry Morgan

A n t r o p ó l o g o ,etnólogo e escritornorte americano (1818-1881). Considerado umdos fundadores da an-tropologia moderna,fez pesquisa de campoentre os iroqueses deonde retirou materialpara sua reflexão sobrecultura e sociedade.Entre seus estudosdestaca-se o do paren-tesco, no qual tentaestabelecer conexõesde sistemas de paren-tesco em escala global(Systems of Consan-guinity and Affinity ofthe Human Family,1871); e o estudo so-bre a evolução dassociedades humanasconsagrado em AncientSociety (1877), no qualdistingue três estadosde evolução da huma-nidade: selvageria,barbárie e civilização.

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História Antiga I

PRIMEIRO ESTÁGIO: SELVAGERIA

Esse seria o período inicial da humanidade. Em seus princípi-os, o modo de vida dos homens não se distinguiria dos símios, po-

rém, pelo processo evolutivo, o ho-mem desenvolve novas capacidades.No início desse estágio os homens sealimentariam somente de frutas, cas-tanhas e raízes, obtendo, assim, seusalimentos por intermédio de uma ati-vidade puramente coletora. Em seuperíodo final, além da coleta pura esimples de alimentos que a naturezapoderia oferecer, o homem aprendeua caçar e a pescar, desenvolvendo umaalimentação também à base de peixes

e carnes vermelhas. A atividade da caça desenvolveu-se paralela-mente à aquisição de novos conhecimentos como a manipulaçãodo fogo, a utilização do arco e flecha e a produção de utensílios demadeira, cestos e tecidos.

SEGUNDO ESTÁGIO: BARBÁRIE

Esse estágio inicia-se com a fabricação de utensílios de cerâ-mica. Nele, passa-se a adotar uma forma de vida sedentária asso-ciada à prática da agricultura e da domesticação de animais. Emseu final, adquire-se o conhecimento da manufatura do ferro.

TERCEIRO ESTÁGIO: CIVILIZAÇÃO

Esse estágio inicia-se com o aparecimento da escrita e perdu-ra até os nossos dias.

Segundo Morgan, “a evolução do estado de selvageria paraa civilização seria tanto natural quanto necessária, e essa seqüên-

Cena do filme A Guerra do Fogo de Jean-Jacques Annaud,em que é representada a aquisição do conhecimento deproduzir fogo.(Fonte: http://sol.sapo.pt).

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O evolucionismo cultural

cia seria verdadeira para todos os agrupamentos humanos até ograu de evolução atingido por cada um”. Tal suposição estariafundamentada no conhecimento das condições em que se dariatodo o progresso do gênero humano.

Para a doutrina do evolucionismo social, todas as diferentesformas culturais criadas pelo homem teriam se originado de umprocesso evolutivo iniciado a partir de uma forma social primiti-va: a selvageria. Todas as culturas teriam nessa forma original oseu ponto de partida. Assim, a humanidade seria una e seu pro-cesso de transformação teria seguido por uma linha evolutivauniforme onde quer que ela estivesse, pois as necessidades huma-nas, em condições similares, seriam substancialmente as mesmas.

COMENTÁRIO SOBRE AS ATIVIDADES

1. Morgan utiliza o critério do avanço tecnológico para definiro grau de evolução das sociedades humanas. Quanto maisaprimorada e diversificada for a tecnologia manipulada peloagrupamento humano em questão, mais evoluído ele seria.2. Segundo Morgan, os principais estágios de evolução culturaldos homens são a selvageria, a barbárie e a civilização. Asprincipais características tecnológicas de cada um dessesperídios são:a) Selvageria: esse é o estágio caracterizado pela prática dacoleta e caça. Nesse estágio o homem desenvolve a

ATIVIDADES

1. Qual é o critério utilizado por Tylor para definir quais seriamas sociedades mais simples e as mais complexas?2. Segundo Morgan, quais seriam os principais estágios de evo-lução das sociedades humanas e quais os eventos tecnológicosque os caracterizam?

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História Antiga I

capacidade de produzir instrumentos de madeiras, tecidos ecestos; a utilizar o arco e a flecha e a manipular o fogo.b) Barbárie: estágio em que se aprende a plantar, a criaranimais e fabricar a cerâmica.c) Civilização: estágio no qual ocorre a presença deaglomerados urbanos, a prática da escrita e manipulação demetais. Entre os povos civilizados haveria uma vasta gamade variabilidade. Nele poderíamos constar desde asprimeiras sociedades ditas históricas até a moderna sociedadecapitalista contemporânea.

Vista do Palácio de Palenque (Chiapas, México). A arquitetura de Palenque, uma dascidades mais conhecidas da civilização maia, é considerada verdadeira façanha daengenharia na antigüidade.(Fonte: http://lh4.ggpht.com).

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O evolucionismo cultural

EvolucionismoCultural

O evolucionismo cul-tural não relaciona aexistência de estágiosevolutivos a umadatação precisa e úni-ca para todas as soci-edades. Assim, porexemplo, enquanto osportugueses se en-contravam em umavançado estágio decivilização, quandochegaram ao Brasil, osíndios que aqui habi-tavam poderiam serclassificados comoestando nas fases fi-nais da selvageria einiciais da barbárie.

Um dos esforços do evolucionismo cultural foi tentarprovar a continuidade entre as culturas primitivas eas mais avançadas, criticando os que acreditavam em

uma ruptura, separando o selvagem pagão e o civilizado cristão.Questionavam a teoria da degenerescênciados primitivos, inspirada por teólogos quenão queriam acreditar que Deus pudesse tercriado seres selvagens, como os das socieda-des primitivas. Para o evolucionismo, o que diferenciaria os pri-mitivos dos civilizados seria apenas o estágio evolutivo em quecada um se encontraria, e não diferenças em suas naturezas.

O evolucionismo cultural acredita na unidade da condiçãohumana. Sendo iguais, todos os povos produziriam cultura igual-mente, pelo aprendizado. Todos conteriam os germes da evolu-ção, não existindo diferenças biológicas que justificassem as di-ferenças entre os diversos povos.

Porém, toda e qualquer classificação exige a adoção de es-quemas de referências em torno dos quais ela será organiza-da! Seria o critério da tecnologia adequado para essahierarquização? Se assim fosse, as sociedades que possuíssemequipamentos mais complexos seriam as mais desenvolvidas!Nós, que utilizamos armas de fogo, seríamos mais evoluídosdo que os que apenas possuíram, ou possuem, arco e flechas.O fato de possuirmos máquinas em nossas indústrias nos trans-forma em mais avançados do queos agrupamentos humanos quedetém apenas técnicas manuaispara a produção de seus utensíli-os? Nossa forma de vida seria me-lhor do que a de uma tribo indí-gena, no século XIX? Tudo de-pende do critério de julgamento.

CONCLUSÃO

(Fonte: http://www.hub.atlasusa.org).

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RESUMO

Nesta aula abordamos a perspectiva de análise doevolucionismo cultural. Vimos que tal corrente de pensa-mento considera que o homem possui características inatas

que estão na base de um processo evolutivo que seria comum atodas as sociedades. Tal processo se caracterizaria por um cami-nho único de evolução que levaria as sociedades humanas paraformas cada vez mais complexas de organização. Assim, porexemplo, segundo Morgan, as sociedades humanas trilhariam umcaminho evolutivo que se iniciava com o estágio da selvageria,passaria pela barbárie e atingiria as formas de vida civilizada. Oprincipal mecanismo utilizado por eles para estabelecer essagradação era o avanço tecnológico. Quanto mais elaboradoseram suas técnicas e instrumentos, mais evoluído seria o agrupa-mento humano. No topo dessa escala, estaria a cultura ociden-tal capitalista cristã, da Europa do século XIX. Na base, as tri-bos primitivas que viviam da caça e da coleta.

Anotações(Fonte: http://renara.wordpress.com).

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O evolucionismo cultural

AUTO-AVALIAÇÃO

1. Tylor e Morgan foram dois antropólogos que estudavam associedades humanas a partir da perspectiva do evolucionismo cul-tural. O que vem a ser essa doutrina?

2. Segundo os evolucionistas culturais, o processo evolutivo, quemarcaria a humanidade, seria natural e necessário para todas associedades. Por quê?

COMENTÁRIO SOBRE AS ATIVIDADES

1. O evolucionismo cultural é uma forma de entender atransformação das sociedades humanas, considerando-ascomo um processo em que elas evoluiriam de formas sociaismais simples para as mais complexas.2. O processo evolutivo que marcaria as sociedades humanasseria geral e necessário para toda humanidade, pois ele seriamotivado por capacidades inatas do homem, que estariamna base desse processo.

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História Antiga I

REFERÊNCIAS

TYLOR, E. B. A ciência da cultura. In: CASTRO, Celso (org.)Evolucionismo cultural. Trad. Maria Lúcia de Oliveira. Rio deJaneiro: Jorge Zahar, 2005.MORGAN, L. A sociedade antiga. In: CASTRO, Celso (org.)Evolucionismo cultural. Trad. Maria Lúcia de Oliveira. Rio deJaneiro: Jorge Zahar, 2005.

PRÓXIMA AULA

Na próxima aula, abordaremos a idéia de progresso esua influência no âmbito dos estudos sobre a Antigüi-dade.

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O evolucionismo cultural

METMETMETMETMETAAAAARefletir sobre a influência daidéia de progresso no âmbitodos estudos sobre aAntigüidade.

OBJETIVOSOBJETIVOSOBJETIVOSOBJETIVOSOBJETIVOSAo final desta aula, o alunodeverá:listar as características daidéia de progresso.

PRÉ-REQUISITOSPRÉ-REQUISITOSPRÉ-REQUISITOSPRÉ-REQUISITOSPRÉ-REQUISITOSTer assimilado o conteúdo daaula 08 “O volucionismocultural”.

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A IDÉIA DE PROGRESSO

(Fonte: http://www.tracom.com.br).

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História Antiga I

INTRODUÇÃO

A idéia de progresso, associada ao princípio de evoluçãosocial, pode levar-nos a cometer sérios erros de avaliação ao estudarmos as sociedades antigas. Quando nos

consideramos mais evoluídos, avançados ou mais desenvolvidos,perdemos a possibilidade de entender os ou-tros dentro de seus próprios valores. Desres-peitamos suas culturas. Portanto, considere-mos que antes de julgar, devemos compreen-

der. E isso não é possível se já começamos nossos estudos comsentimento de superioridade, que transforma tudo o que é dife-rente de nós em coisas pequenas sem muito valor.

Vasos indígenas(Fonte: http://www.rmtontine.globo.com).

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A idéia de progresso

As duas palavras-chave que orientam o fio condutor denosso curso são sociedade e cultura. O homem é umanimal social que organiza sua vida por meio de rela-

ções culturais. Aqui o termo cultura é tomado em seu significadomais geral possível. Com ele queremos ex-pressar que as sociedades humanas não se for-mam basicamente a partir de impulsos ins-tintivos, mas sim por comportamentos queenvolvem o poder de transformar a natureza de forma criativa. Acapacidade criativa do homem é tal que nos possibilita agir demaneira variada, permitindo-nos criar formas muito variadas deorganizações sociais, pautadas em crenças e valores distintos. É avariabilidade dos comportamentos humanos que está na origemda questão de qual seria o tipo de sociedade mais evoluída.

Como já vimos, a classificação das práticas culturais em umaescala que varie do mais primitivo para o mais civilizado exige aadoção de pontos de referência em relação aos quais todos osoutros costumes são avaliados e catalogados como mais ou me-nos civilizados. Como, por exemplo, avaliar qual o tipo de orga-nização familiar é mais primitiva ou mais avançada. Ou, que tipode prática religiosa seria mais ou menos evoluída?

A avaliação de uma sociedade como pertencente a um estágiosuperior de organização depende da adoção de um modelo idealque determine o ponto que seria o mais evoluído do desenvolvi-mento das práticas humanas. Para os evolucionistas da segundametade do século XIX, tal modelo era proporcionado pela culturada sociedade ocidental, considerada o ponto máximo de evoluçãoaté então. Os habitantes de uma grande cidade seriam mais evolu-ídos do que os de povoados menores? Nossa forma de vida urbanae capitalista seria mais evoluída do que a determinada pela culturaxavante, por exemplo? O homem da cidade, por exemplo, seriamelhor, mais evoluído e sabido do que o sertanejo? Nós, homensdo século XIX, seríamos melhores do que os da Antigüidade? Osjulgamentos que nos colocam como superiores aos outros envol-

PROGRESSO

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História Antiga I

vem sempre muita arrogância ou ignorância, ou talvez mesmo asduas coisas!

Geram a idéia de que a forma de vida derivada de nossa moder-na sociedade urbana capitalista seria superior a todas as outras deri-

vadas, dentre outros fatores, de uma concep-ção de progresso que acabamos desenvolven-do. Veja abaixo os significados que o dicio-nário Aurélio estabelece para essa palavra:1. Ato ou efeito de progredir;progredimento, progressão.2. Movimento ou marcha para diante; avan-ço: o progresso de uma expedição.3. O conjunto das mudanças ocorridas nocurso do tempo; evolução.4. Desenvolvimento ou alteração em senti-do favorável; avanço, melhoria.5. Acumulação de aquisições materiais e deconhecimentos objetivos capazes de transfor-mar a vida social e de conferir-lhe maior signi-ficação e alcance no contexto da experiênciahumana; civilização, desenvolvimento: os fa-tores do progresso.

6. Expansão, propagação: o progresso de um incêndio, de uma cam-panha publicitária.

Note que o dicionário estabelece seis acepções diferentespara o significado da palavra “progresso”. Em seu sentido maisbásico temos a idéia de movimento. Não um movimento qual-quer, mas um movimento para adiante, à frente, encerrando aidéia de avanço. Agora, veja como, nas acepções 4 e 5, se estabe-lece uma associação entre as idéias de avanço, melhoria e desen-volvimento. Assim estabelece-se que o progresso se caracterizapor um movimento em direção à frente, um avanço marcadopela melhoria das condições de vida.

Boneca Japonesa(Fonte: http://www.megashop.pokebras.net).

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A idéia de progresso

No Dicionário de Política, organizado por Norberto Bobbio, ob-serva-se que a idéia de Progresso pode ser definida como a idéia de queo curso das coisas, especialmente da civilização, conta desde o iníciocom um gradual crescimento do bem-estar ou da felicidade, com umamelhora do indivíduo e da humanidade. Caro aluno ou cara aluna, vocêconcorda com essa idéia de Progresso? Para você, o destino do homemse caracterizaria por uma evolução constante em direção a formas devida cada vez melhores, de tal forma que hoje o homem é mais feliz doque o de antigamente?

No Dicionário de Política, de Bobbio, observa-se que a cren-ça na idéia de progresso depende do tipo de valor que se esco-lhe como medida. Por exemplo, se utilizarmos o critério dodesenvolvimento técnico que possibilita a transformação dosrecursos da natureza em mercadoria de consumo, nesse caso,diríamos que o homem ocidental moderno atingiu um nível deprogresso superior ao de uma tribo indígena localizada no ter-ritório brasileiro, na época de Cabral. Porém, se considerar-mos que o valor supremo da vida seja o de viver em harmoniacom a natureza, sem destruí-la, então, seríamos forçados a re-conhecer que a moderna indústria capitalista, mesmo tendo acapacidade de produzir mercadorias que propiciem confortopara quem possa comprá-las, estaria de fato sendo um fator deregressão e não de avanço.

A idéia do desenvolvimento técnico, proporcionado pelasconquistas científicas, que permitem à moderna indústria capita-lista produzir cada vez com mais eficiência, aumentando cons-tantemente seus índices de produtividade, é um conceito funda-mental para a compreensão da idéia de progresso dominante nosdias de hoje. É o que poderíamos chamar de mentalidade técni-ca, que mede tudo em termos de eficiência produtiva. As socie-dades mais evoluídas seriam aquelas que tivessem a capacidadede, graças à tecnologia que desenvolveram, produzir uma maiorquantidade de mercadoria, ou seja, que tivessem indústrias emáquinas mais “avançadas”.

Norberto Bobbio

Nasceu na capital doPiemonte, no seio deuma família burguesatradicional, filho de ummédico-cirurgião, LuigiBobbio, neto de AntónioBobbio, professor primá-rio, depois director esco-lar, católico liberal que seinteressava por filosofiae colaborava, periodica-mente, nos jornais. Ini-cia-se no gosto da leitu-ra com Bernard Shaw,Honoré de Balzac,Stendhal, Percy ByssheShelley, BenedettoCroce, Thomas Mann evários outros.

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História Antiga I

Caro aluno ou cara aluna, essa atividade tem por finalidadeproporcionar uma oportunidade para que você possa refletir arespeito dos temas abordados até aqui, a partir de uma situaçãoprática. O texto que reproduzimos abaixo trata de um registro decaráter etnográfico de um agrupamento humano nas Filipinas.Leia-o com atenção, depois responda as questões propostas.

Em 1971 foi possível a dois antropólogos estudar, se bemque incompletamente, um grupo humano, até então desco-nhecido, habitando a floresta, num vale, a 1500 metros deatitude, no sul da ilha Mindanao, no arquipélago das Filipi-nas, situada, como se sabe, na zona equatorial, com um cli-ma muito quente e regularmente chuvoso. Pelo vale corre umrio, ao qual afluem vários riachos. Na encosta, a 150 metrosdo rio, abre-se uma caverna natural, de 10 metros de largurapor 10 de profundidade e 7 de altura, onde se abrigam 25pessoas: 7 homens e 5 mulheres adultas e 13 crianças.São os Tasai. Vestem unicamente tangas de folhas de orquídease fios de palma. Não conhecem agricultura nem caça. São ex-clusivamente coletores: alimentam-se de tubérculos de inhame,bananas, gengibre, frutos de palmeira, bagas, cogumelos, mel,batráquios, crustáceos, insetos e peixes.Os tubérculos são extraídos do solo com um pau aguçado; osbatráquios (rãs, girinos), os crustáceos (caranguejos), os insetos eos próprios peixes são apanhados com a mão.Quase toda essa alimentação provém do rio e de suas margens, e érecolhida pelas mulheres, a restante provém da floresta, onde vãobuscá-las os homens, que também dela trazem a lenha para as duasfogueiras que se mantém acessas na caverna.Fazem o fogo pelo costumado processo de friccionar rapi-damente uma vara noutro pedaço de madeira até ser atingi-da a temperatura necessária para incendiar o musgo secoposto em redor do ponto de fricção.Os seus poucos instrumentos são de pedra lascada, algunscom cabo de madeira atado. Não possuem vasilhame nem

ATIVIDADES

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A idéia de progresso

quaisquer utensílios de cozinha; os alimentos são ingeridoscrus, assados na brasa ou cozidos dentro de um pedaço debambu.A sua deslocação não excede um raio de quatro quilôme-tros em volta da caverna, isto é,, um território com área de50 quilômetros quadrados – dois por pessoa, que é alias,apenas o dobro do espaço mínimo que os etnólogos têmconsiderado como indispensável à sobrevivência de um ho-mem no paleolítico.Esse território não conside-ram uma coisa sua: não têmnoção de propriedade. São elesque fazem parte desse peque-no mundo – como as árvo-res, o rio e os animais.O seu trabalho consiste apenasna coleta dos alimentos e dalenha e no tosco fabrico dospoucos instrumentos; para talchega-lhes a manhã. De tarde,descansam, conversam, enquanto as crianças brincam . En-tre eles não há chefia alguma. Também não há, praticamen-te, problemas a resolver e decisões a tomar, pois todos osdias repetem os mesmos gestos, as mesmas tarefas.Vivem todos juntos; mas não em promiscuidade: dividem-se em casais, cada um com seus filhos.O casamento é exogâmico, ou seja, as moças saem do grupopara casar fora dele, e os rapazes buscam mulher também noexterior. Onde? Em clãs semelhantes, que vivem nas regiõespróximas, e que os antropólogos não puderam conhecer.Se o grupo aumenta muito, uma parte dele emigra, para fun-dar mais longe, outro clã, já que o território a que pertencemnão poderia alimentar muita gente.Não foi possível aos antropólogos visitantes encontrar sinaisde crenças ou práticas religiosas – o que não quer dizer quede todo não as haja. Também os Tasai não produzem quais-quer obras de arte – esculturas, pinturas ou desenhos(FREITAS, doc.13).

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História Antiga I

COMENTÁRIO SOBRE AS ATIVIDADES

1. Caro aluno ou cara aluna: antes de podermos responder,precisamos refletir sobre a pertinência da pergunta quefizemos. Você pode até ficar surpreso e indagar: mas, se apergunta não é pertinente por que então ela foi feita? Comoresposta, diríamos que a formulamos dessa maneira, semconcordar complemente com seus termos, para podermosexemplificar na prática um tipo de atitude necessária notrabalho intelectual. Sempre, antes de respondermos algumaquestão, precisamos analisar os seus termos, pois todapergunta, como qualquer forma de pensamento, embutevalores e princípios que acabam por orientar a resposta.Por exemplo. Na pergunta que fizemos, indagamos se osTasai seriam menos evoluídos do que nós. Mas, pararesponder tanto sim como não, precisaríamos antes aceitarque uma sociedade possa ser analisada em termos de ser maisou menos evoluída do que outra! Aí já se encontra oprimeiro problema! Não acreditamos nessa forma de seabordar uma sociedade diferente da nossa. Consideramosque mais interessante do que ficar julgando-as seria tentarcompreendê-las em seus próprios contextos, ou seja, no âmbito

Rapaz com interrogação,foto-montagem, autor desco-nhecido(Fonte: www.senado.gov.br).

1- Então, ficou impressionado(a)? A primeira pergunta que pro-pomos será bem simples, mas exigirá esforço de sua parte, poisenvolverá, além da interpretação do texto, a capacidade de secolocar diante de problemas sociais que nos são contemporâne-os. Para você, a nossa forma de viver em uma sociedade capita-lista moderna seria mais evoluída ou não do que as do Tasai?Leve a discussão para o fórum, o tema é polêmico!2- A partir do esquema evolutivo de Morgan, apresentado naaula anterior, em que estágio evolutivo você classificaria os Tasai?

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de suas próprias formas de vida, que não devem ser comparadascom as nossas, pois o ato apressado do julgamento pode muitasvezes levar à não compreensão dos costumes e valores dassociedades que sejam muito diferentes da nossa. Assim, para apergunta em questão, responderíamos que os Tasai não sãonem mais nem menos evoluídos do que nós, mas, simplesmente,diferentes.Agora, como esforço de reflexão, vamos considerar queaceitamos a pergunta e julgamos válido responder se os Tasaiseriam mais ou menos evoluídos do que nós. Nesse casoseria necessário fixar os parâmetros em torno dos quaisfaríamos o julgamento. Caro aluno ou querida aluna, você,em sua resposta, preferiu simplesmente responder que acomparação não seria pertinente, pois se trata de sociedadesmuito diferentes, ou escolheu algum ponto de comparaçãopara julgá-las? Discuta a questão com seus colegas!2. Os Tasai poderiam ser classificados como estando nosestágios intermediários da selvageria, pois ainda não aprenderama caçar e nem fabricar instrumento mais elaborados.

No texto que reproduzimos para a realização da atividade anteri-or, sublinhamos algumas palavras que gostaríamos agora de discutirsuas significações. Elas marcam alguns pontos de comparação paraas observações etnográficas que serviram de base para o relato. OsTasai são descritos como um povo que vive numa floresta em umaregião quente e úmida. Moram em cavernas e vestem apenas peçasrudimentares confeccionadas de folhas de árvores e plantas. Possu-em poucos instrumentos, trabalham pouco e não possuem noção depropriedade. Todos habitam juntos na mesma caverna, mas entre elesnão há promiscuidade, pois se dividem em casais, cada um com seusfilhos. Entre eles, também não se observa a prática de atividadesreligiosas e a de atividades artísticas. Sua forma simples de organiza-

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ção social prescinde da necessidade de chefia, jáque entre eles quase não há problemas para ser re-solvidos.

Repare bem como é organizada a descrição so-bre a vida dos Tasai. Se fizermos um esforço podere-mos perceber o mecanismo que opera a sua organi-zação. Note quais foram os itens escolhidos paradescrevê-los. Percebam que são todos elementos im-portantes para a nossa maneira de ver o mundo. Porexemplo, imagine que fôssemos índios que habitas-sem as florestas brasileiras, antes da chegada deCabral. Que não conhecêssemos a vida urbana orga-nizada em cidades com ruas asfaltadas, concreto, po-luição e pouca árvore. Em uma situação dessas, qualseria a validade de afirmamos que os Tasai viviam

em uma floresta, se, para nós, em uma situação imaginária como essa,a vida em floresta seria a única possível de ser vivida?

Se fizéssemos esse raciocínio de imaginação com todos os ele-mentos utilizados para descrever os Tasai, que tipo de sociedadeteríamos? Vamos exemplificar, pois sabemos que a coisa está co-meçando a ficar confusa. Tomemos para cada característica atri-buída aos Tasai um elemento que funcionaria como seu contrá-rio. No caso de viver em florestas, a forma contrária seria o deviver em cidades. Não usar roupas, o contrário seria o de vivervestido. Não possuir ferramentas, o contrário seria um grandedesenvolvimento tecnológico com presença de máquinas. Morarem cavernas, o de viver em casas de alvenaria. Se eles trabalhampouco, o inverso seria o de passar trabalhando o tempo todo.Não precisamos continuar com a exemplificação, pois considera-mos que já conseguimos mostrar o que pretendíamos: os Tasaisão descritos como gente que vive da forma inversa, contrária à davida civilizada como a concebemos. Eles não têm cidades, máqui-nas, roupas, casas, religião, arte, governos, noção de propriedade pri-vada e não pautam a vida pela noção de trabalho.

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A idéia de progresso

O fato de descrever o povo Tasai a partir da comparação de ele-mentos que seriam característicos de nossa cultura é uma atitude natu-ral e não vemos outro modo de descrever uma sociedade completa-mente estranha a nós sem recorrer a imagens que nos fossem familia-res. Como se diz, somente podemos iniciar o conhecimento das coisasque nos são estranhas a partir de comparações com situações que nossão conhecidas. Assim o problema não se encontra na comparação emsi, mas nos julgamentos decorrentes dela. Por exemplo, observar que opovo Tasai não possui ferramentas de trabalho desenvolvidas é umaforma válida de descrevê-lo, mas daí tecer julgamentos sobre sua infe-rioridade em relação a nós por não terem máquinas e nem trabalharemoito horas por dia para obterem sua subsistência é coisa bem diferente.

Vida urbana, tecnologia, vestimentas, religião, arte, orga-nização estatal são elementos importantes para nós, para aorganização da nossa vida. Esses itens são tão caros para nos-sa cultura que quando procura-mos entender os outros povosos utilizamos como ponto decomparação. Costumamosutilizá-los como critérios parase medir o nível de civilizaçãode um povo. Veja que os antro-pólogos em questão não des-creveram um povo naquilo queele tinha de positivo, mas simprocuram neles aquilo que nóstemos em nosso próprio mun-do. Assim não foram descritospelo que são, mas pelo que nãosão, por elementos que faltamneles, mas que estão presentesem nós mesmos.

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História Antiga I

Ao estudarmos a cultura dos povos antigos temos de sercautelosos. As idéias de progresso e evolução que colo

cam nossas próprias maneiras de vida como ponto mais alto dasformas civiliza- das pode levar-nos a fazer julgamentos que te-

nham por finalidade apenas exaltar o nosso pró-prio mundo como mais avançado e perfeito. Te-mos que nos esforçar para compreender as socie-

dades antigas em seus próprios contextos e não somente pela compa-ração com a nossa. Precisamos compreendê-las pelo que elas forame não como formas atrasadas de um processo civilizatório, que atin-giria seu ponto máximo em nossa época. Quando nos colocamosna posição de superiores, perdemos a possibilidade de enxergar,nos antigos, experiências diferentes de encarar a vida, que poderiamser úteis para equacionar nossos próprios dilemas. Perdemos achance de apreender com suas experiências dos povos antigos. Po-vos que apesar de viverem em um mundo sem máquinas e compu-tadores, também criaram conhecimentos e saberes que orientavamsuas vidas e que podem também iluminar nossas noites, apontandocaminhos que hoje se escondem na escuridão.

CONCLUSÃO

(Fonte: http://collectionartprecolombmv.blogspot.com).

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A idéia de progresso

RESUMO

Nesta aula procuramos discutir a idéia de progresso e comoela pode influenciar no estudo da Antigüidade. Começa-

mos definindo seus significados e depois, por meio do exemploprático da descrição feita do povo Tasai, realizamos um exercí-cio de aplicação de como a idéia de progresso pode prejudicar osestudos sobre os povos da Antigüidade.

AUTO-AVALIAÇÃO

1. Como eu definiria a idéia de progresso?2. O que entendi pela afirmação: “o homem é um ser pro-dutor de cultura”.

COMENTÁRIO SOBRE AS ATIVIDADES

1. A idéia de progresso pode ser definida como a idéia deque o curso das coisas, especialmente da civilização, contadesde o início com um gradual crescimento do bem-estarou da felicidade, com uma melhora do indivíduo e dahumanidade.2. Com essa afirmação quer-se dizer que as sociedadeshumanas não se formam basicamente a partir de impulsosinstintivos, mas sim por comportamentos que envolvem opoder de transformar a natureza de forma criativa.

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História Antiga I

REFERÊNCIAS

MASTROPAOLO, A. Progresso. In: BOBBIO, Norberto;MATTEUCCI, Nicola; PASQUINI, Gianfranco (org.) Dicio-

nário de Política. Trad. João Ferreira. Brasília: Editora Univer-sidade de Brasília, 1991.FREITAS, G. 900 textos e documentos de história. 2. ed. V. 1.Lisboa: Plátano Editora.

PRÓXIMA AULA

Na próxima aula abordaremos a relação entre o com-portamento cultural do homem e a sua capacidade deestabelecer formas complexas de divisão social do tra-balho.

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A idéia de progresso

METMETMETMETMETAAAAARefletir sobre a relação entreo comportamento cultural dohomem e a sua capacidadede estabelecer formascomplexas de divisão socialdo trabalho.

OBJETIVOSOBJETIVOSOBJETIVOSOBJETIVOSOBJETIVOSAo final desta aula, o alunodeverá:definir o conceito de divisãodo trabalho e descrever ocomportamento cultural dohomem como capacidadepara inovação social.

PRÉ-REQUISITOSPRÉ-REQUISITOSPRÉ-REQUISITOSPRÉ-REQUISITOSPRÉ-REQUISITOSTer assimilado o conteúdo daaula “A idéia de progresso”.

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DIVISÃO DO TRABALHO,CULTURA E SOCIEDADE

Construção na Grand Coulee. Anton Refregier, 1942.(Fonte: http://galizacig.org).

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História Antiga I

INTRODUÇÃO

Nas aulas anteriores, abordamos questões teóricas importantes para o prosseguimento de nosso curso. Asgrandes diferenças sociais que nos separam dos anti-

gos exigem que reflitamos sobre elas para que não sejam toma-das como sinais de atraso, justificando assim uma idéia de pro-gresso que caracterizaria nosso mundo.

Por essa visão nós seríamos os mais civi-lizados, os mais avançados em todos os as-pectos organizadores da vida social, enquan-to os antigos estariam ainda na infância da

civilização, praticando formas econômicas e sociais ainda imper-feitas e não completamente desenvolvidas como as nossas.

A visão evolucionista, emoldurada pela idéia de progresso, leva-nos a perder a riqueza proporcionada pelas experiências sociais dospovos da Antigüidade, uma vez que, ao serem vistos como inferioresa nós, seus comportamentos acabam nos parecendo estranhos, ridí-culos ou motivados pela ignorância. Assim, no lugar da perspectivaevolucionista marcada pela idéia de progresso, que nos coloca notopo como modelo perfeito de civilização, propomos outra formade enxergar os povos antigos, considerando-os não como inferiores,atrasados, ou mesmo, segundo alguns, mais avançados. Devemosconsiderá-los, simplesmente, diferentes.

É a natureza inventiva e criativa do comportamento cultural quepossibilitou entre nós, humanos, tamanha variedade de modelos so-ciais. Nesta aula refletiremos um pouco mais sobre nosso comporta-mento social e cultural.

Índios fazendo remédio com ervas medicinais(Fonte: http://www.klickeducacao.com.br).

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Divisão do trabalho, cultura e sociedade

PROGRESSO

Na natureza, existem animais que vivem, a maior partedo tempo, sozinhos. Buscam solitariamente o seu ali-mento, não estabelecendo estratégias grupais para obtê-

lo. Veja como exemplo o Tigre, um poderoso predador que caçasolitariamente pelas florestas asiáticas. Por sua vez, o leão, outro felino,apresenta comportamento bem diferente: viveem grupo e pratica estratégias coletivas de caça,estabelecendo vínculos sociais de natureza maiscomplexa do que os dos tigres.

Assim, na natureza encontramos animais vivendo solitáriosna maior parte de suas vidas, e animais que apresentam estratégi-as coletivas, marcadas por laços de sociabilidade entre seus indi-víduos. O Homem faz parte desses últimos: somos animais soci-ais, e criamos uma forma de vida que somente pode ser mantidapelo estabelecimento de laços coletivos de cooperação.

A cooperação social é a palavra-chave para o entendimentoda natureza das relações humanas. Fora dela o ser humano nãoexiste. O homem constrói a sua vida, obtendo os bens necessá-rios, por meio de ações coletivas. Organizamo-nos em sociedadespara produzir os bens necessários à constituição de nossa existência.

Karl Heinrich Marx teve participação como intelectual ecomo revolucionário no movimento operário, sendo que am-bos (Marx e o movimento operário) influenciaram uns aos ou-tros durante o período em que o autor viveu.

Atualmente é bastante difícil analisar a sociedade humanasem se referenciar, em maior ou menor grau, à produção de KarlMarx, mesmo que a pessoa não seja simpática à ideologia cons-truída em torno do pensamento intelectual dele, principalmenteem relação aos seus conceitos econômicos.

Segundo Marx, a produção dos meios para suprir essas necessi-dades estaria mesmo na base de todo desenrolar da história huma-na. Ficamos obrigados, nos diz ele, a constatar que os homens de-vem estar aptos a viver para poder fazer história, mas para viver,ele completa, “é preciso antes de tudo beber, comer, morar, vestir e

Karl Marx

Intelectual alemão,economista (1818-1883). Consideradoum dos fundadoresda Sociologia. Tam-bém é possível en-contrar a influênciade Marx em várias ou-tras áreas, tais como:Filosofia, História, jáque o conhecimentohumano, em sua épo-ca, não estava frag-mentado em diversasespecialidades daforma como se encon-tra hoje.

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História Antiga I

algumas coisas mais”. A satisfação dos meios para sa-tisfazer essas necessidades seria, segundo ele, o primei-ro fato histórico, aquele que estaria na base de todo de-senrolar da história humana.

Em um modo de ver bastante fecundo, Marxconsiderava que, pela produção dos meios materi-ais de existência, o homem produzia a sua história.Satisfazendo suas necessidades pelo trabalho coleti-vo, transformaria a natureza e construiria o seumundo. Leia a seguir um trecho de um comentáriode Marx a respeito de como se organizaria o traba-lho humano para a satisfação de suas necessidades:

Produzir a vida, tanto a sua própria pelo trabalho quan-to a vida de outro pela procriação, parece-nos desde jáuma dupla relação: de um lado relação natural, de outrolado, relação social – no sentido em que se entende a açãoconjugada de vários indivíduos, pouco importando emquais condições, de qual maneira e com qual finalidade.É por isso que um modo de produção ou um determina-do estágio social estão constantemente ligados a um modode cooperação (...)(ARON, 2005, p. 214).

Esse é um pequeno trecho, porém fecundo para nossa aná-lise. Nele percebemos que Marx estabelece uma associação en-tre a ação dos homens para transformar a natureza e as formasde cooperação que, necessariamente, os homens mantêm entresi. O homem para produzir suas condições de existência criaformas cooperativas e pelo trabalho coletivo transforma a natu-reza e a si próprios, ou seja, produz seu mundo cultural.

Para Marx, as relações de trabalho, com as quais se organizaa produção social dos bens materiais, está no cerne da históriahumana. As implicações destas idéias são importantes, pois muitocontribuíram para que a história passasse a ser vista como umprocesso social e não apenas como o resultado das ações dos

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Divisão do trabalho, cultura e sociedade

Divisão do trabalho

Dá-se o nome de divi-são do trabalho à es-pecialização do traba-lho cooperativo emtarefas e papéis espe-cíficos e delimitados,com o objetivo de au-mentar a eficiência daprodução. Historica-mente, a emergênciade uma divisão do tra-balho cada vez maiscomplexa está associ-ada ao aumento docomércio, ao surgi-mento do capitalismoe à complexidade dosprocessos de indus-trialização.Na história da espéciehumana, a primeira di-visão do trabalhoocorreu entre homense mulheres, mas tor-nou-se ainda mais so-fisticada com o ad-vento da agricultura eo surgimento da civi-lização. Alguns ou-tros animais sociaistambém exibem umadivisão do trabalho.

grandes homens. As realizações humanas, os movimentos políti-cos, os processos de transformações históricas são vistos assim comoempreendimentos coletivos que envolvem toda sociedade e nãoapenas a vontade e a genialidade de alguns de seus líderes. A histó-ria passa a ser vista como um processo social, em que o homemcomum, anônimo, ocupa seu lugar como sujeito de sua própria exis-tência, partícipe das realizações de seu tempo.

O homem ao transformar a natureza com o seu trabalhoproduz cultura e transforma-se a si mesmo, criando assim suahistória. Nesse processo de constituição das sociedades huma-nas surgiram os mais variados modelos de organização social,divisão social do trabalho, crenças e valores. Tomemos algunscasos citados em nosso curso mesmo. Veja o exemplo da divi-são do trabalho na moderna economia capitalista e compare-ocom a que se apresenta na sociedade Tasai. O ser humano, comoespécie, criou um mundo cultural rico e variado.

O ser humano, como espécie, criou um mundo cultural

rico e variado.

ATIVIDADES

A cultura fornece um modo vantajoso e inigualável de adapta-ção às mudanças ambientais. As inovações culturais podem seracumuladas muito mais rapidamente do que as mutações genéti-cas, e as boas idéias podem espalhar-se tanto horizontalmente,pelos povos, quanto verticalmente, pelas gerações. Essa estraté-gia de adaptação cultural, mais do que qualquer outra coisa, ca-pacitou nossa espécie a transformar-se, de um mamífero africa-no de porte relativamente insignificante, para a forma de vidadominante na Terra. Nós desenvolvemos uma habilidade inédi-ta de adaptação a uma ampla variedade de ambientes. Por terem

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História Antiga I

COMENTÁRIO SOBRE AS ATIVIDADES

1. O autor se justifica argumentando que as inovaçõesculturais podem ser acumuladas muito mais rapidamentedo que as mutações genéticas. O que ele estaria querendodizer com isso? Vamos a um exemplo. Pensemos em umamudança climática, originada por qualquer motivo quetransforme o ambiente de um clima quente para um climafrio. O homem como um animal teria que se adaptar à novasituação ou ir embora para procurar lugares maisapropriados às suas condições biológicas. Veja que nessecaso uma adaptação biológica seria impensável! Quantas

adquirido essa vantagem cultural que serviu como ponto de par-tida para o desenvolvimento futuro, os primeiros seres huma-nos totalmente modernos foram capazes de se dispersar da Áfri-ca em direção ao norte, pelos Bálcãs , para a Europa; e em dire-ção a leste, pela Ásia, para China e mais adiante. Quando oshumanos não puderam obter mais recursos para produzir e ali-mentar um número crescente de pessoas, os membros das po-pulações começaram sua longa e íngreme escalada rumo aos ní-veis que nós hoje desfrutamos. Os humanos colonizaram ambi-entes novos e cada vez mais desafiadores, começando a desen-volver as formas de organização social complexa que hoje sãotanto bênção quanto maldição.

Fonte: Livro O Despertar da Cultura, editado por Jorge Zahar editor.

1. Como o autor justifica sua afirmação de que “a cultura fornece ummodo vantajoso e inigualável de adaptação às mudanças ambientais”?

2. De que forma, segundo o autor, a colonização de novos am-bientes se relaciona com o comportamento cultural humano?

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Divisão do trabalho, cultura e sociedade

gerações seriam necessárias para que os homens, dessaregião, desenvolvessem características físicas, como umavasta camada de pêlos, que os protegessem do frio?Provavelmente tempo suficiente para matar a todos de frio.Porém, as respostas culturais são mais rápidas. Para seadaptar a novos ambientes, o homem como espécie nãoprecisa esperar pelo ritmo demorado das mudançasgenéticas, mas pode criar formas que compensem a sua faltade pêlos pelo corpo, como, por exemplo, utilizar as pelesde animais mortos como agasalhos que lhe protegessem dofrio. Teria sido essa “habilidade inédita de adaptação a umaampla variedade de ambientes”, que proporcionou o sucessoevolutivo do homem moderno.2. A capacidade do ser humano de colonizar novas áreasestá relacionada ao seu comportamento modelado pelacapacidade de produzir cultura, ou seja, pela sua capacidadede criar novas formas de exploração dos recursosproporcionados pelo novo ambiente. Como exemplo,poderíamos citar o aprendizado que possibilitou os humanosprimitivos a praticarem a caça de animais ou o posterioraprendizado da prática da agricultura.

A arqueologia relaciona a expansão dos seres humanos

modernos à sua capacidade altamente desenvolvida de

inventar utensílios, formas sociais e idéias – em resumo,

à sua habilidade absolutamente moderna de produzir

cultura (KLEIN, 2005 p. 8).

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História Antiga I

Como resultado da sua capacidade de produzir cultura, o homem moderno criou um mundo rico e variado, caracterizado por diversas formas de sensibili-

dades e experimentações sociais. O homem não está preso demaneira mecânica ao mundo natural.Interagimos com a natureza criativamentetransformando-a, e criando formas sociais

dinâmicas. Nossa capacidade de inventar utensílios, formassociais e idéias, ou seja, nossa “absoluta habilidade de produ-zir cultura”, como observa Richad G. Klein, possibilita-nosapresentar uma riqueza de comportamentos e tipos de socie-dades que são, a nosso ver, a grande característica do homemcomo espécie. Hoje só estudamos e fazemos História graçasà nossa capacidade de produzir cultura.

CONCLUSÃO

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Divisão do trabalho, cultura e sociedade

RESUMO

Nesta aula, enfatizamos a questão do comportamento cul-tural do homem e a divisão do trabalho como uma de

suas características. Para tanto, mostramos que o homem é umanimal social que estabelece estratégias coletivas de sobrevivên-cia, e que a divisão do trabalho é um dos principais elementosdessa estratégia.

AUTO-AVALIAÇÃO

1. Com o estudo desta aula, como posso responder o que éa divisão do trabalho?

2. De acordo com o argumento desenvolvido nessa aula, de queforma entendi que o comportamento cultural do homem teriacontribuído para seu processo evolutivo?

COMENTÁRIO SOBRE AS ATIVIDADES

1. Divisão do trabalho é a especialização do trabalhocooperativo em tarefas e papéis específicos. Na história daespécie humana, sua primeira ocorrência teria sido na formada divisão sexual do trabalho.2. A cultura forneceria um modo vantajoso de adaptação àsmudanças ambientais, pois as inovações culturais podemser acumuladas muito mais rapidamente do que as mutaçõesgenéticas.

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História Antiga I

REFERÊNCIAS

ARON, R. O Marxismo de Marx. 2. ed. Trad. Jorge Bastos.São Paulo: ARX, 2005.KLEIN, R. G.; BLAKE, E. O despertar da cultura. Trad. AnaLúcia Vieira de Andrade. Rio de Janeiro: ed. 2005.

PRÓXIMA AULA

Na próxima aula trataremos da relação entre o compor-tamento cultural do homem e a sua capacidade de esta-belecer formas complexas de divisão social do trabalho.

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Divisão do trabalho, cultura e sociedade

METMETMETMETMETAAAAARefletir sobre as primeirasformas de sociabilidadeapresentadas pelo homem.

OBJETIVOSOBJETIVOSOBJETIVOSOBJETIVOSOBJETIVOSAo final desta aula, o alunodeverá:definir primeiros elementos docomportamento humanocultural e suas formas sociais;definir o conceito de períodoPaleolítico.

1111111111aulaaulaaulaaulaaulaCAÇADORES E COLETORES

PRÉ-REQUISITOSPRÉ-REQUISITOSPRÉ-REQUISITOSPRÉ-REQUISITOSPRÉ-REQUISITOSTer assimilado o conteúdo da aula “A idéia de progresso”

Representação de homens primitivos caçando, com instrumentos de madeira e pedra(lanças).(Fonte: http://www.eja.org.br).

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História Antiga I

A variedade cultural com que se apresentam as socieda-des humanas é resultado de um longo processo de di-ferenciação, ocorrido a partir das formas organizativas

presentes entre os primeiros seres humanos.Foi somente no processo das transformaçõeshistóricas que foram aparecendo sociedadescom organizações e divisão do trabalho cada

vez mais complexas e variadas. Nesta aula, teremos como temaas primeiras sociedades humanas, procurando estabelecer quaisseriam seus comportamentos sociais.

INTRODUÇÃO

Ilustração representando o homem do período paleolítico desempenhando o fabricode ferramentas de pedra.(Fonte: http://www.profviseu.com).

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Caçadores e coletores

A ciência nos mostra que o aparecimento das sociedades humanas, como o de todas as formas de vida, na Terra é resultado de um longo processo evolutivo. Não é nosso objetivo

estabelecer como se operou esse processo. Consideramos que, paraesse tema, basta apenas declararmos nossa con-cordância com a idéia da evolução das espécies,operada pelo processo de seleção natural.

Estudos científicos mostram que os sereshumanos atuais e chimpanzés compartilham pelo menos 98% de iden-tidades em suas estruturas genéticas. Esses mesmos estudos indicamainda que a separação entre as linhas evolutivas que levaram ao serhumano e aos chimpanzés ocorreu há sete milhões de anos.

Várias pesquisas científicas concluíram que o homem faz parte de uma linhagem deprimatas originada há 58 milhões de anos antes do presente e que sofreu diversas outrasdivisões, resultando na separação em duas linhagens: uma levando aos macacos africanos(cercopitecíneos) e a outra aos chimpanzés, gorilas, orangotangos, gibões e hominídeos.O gráfico acima apresenta as relações evolutivas entre os principais grupos de primatascitados. Os números indicam o tempo de divergência entre as linhagens, em milhões deanos. O quadro traz as distâncias genéticas (em %) entre os três gêneros de hominóidesmais próximos ao homem (chimpanzé, gorila e orangotango).Fonte: CARVALHO, Fernando Lins de; DINIZ-FILHO, José Alexandre Felizola eVALVA, Fabrício D’Ayala. Evolução humana e o povoamento da América. São Cristó-vão: MAX, 2005, p. 6.

EVOLUÇÃO SOCIAL

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História Antiga I

O QUE É CRIACIONISMO?

Criacionismo é um termo que incorpora todas as crenças deque as origens do universo e da vida são atribuíveis aosobrenatural e a meios milagrosos.No Cristianismo, o Criacionismo diz que Deus (a divindadecristã) criou o mundo e tudo o que há nele, a partir do nada.Os criacionistas acreditam que a explicação do início do mundodada no Gênesis, o primeiro volume do Velho Testamento, é averdadeira explicação das origens de tudo o que vemos emnosso redor. A abertura de Gênesis diz:No princípio, Deus criou os céus e a terra. A terra, porém,estava sem forma e vazia; havia trevas sobre a face do abismo,e o Espírito de Deus pairava por sobre as águas. Disse Deus:haja luz; e houve luz.A criação do Universo e tudo o que há nele levou seis dias. Noprimeiro dia, Deus criou a luz e a escuridão. No segundo, Elecriou os céus e no terceiro, a terra seca e a vegetação. Deuscriou o Sol e a Lua no quarto dia; peixes e pássaros no quintodia e os animais terrestres e os seres humanos, no sexto dia.A explicação da criação no Gênesis é a base para todo ocriacionismo cristão, ao passo que há, na verdade, muitos tiposdiferentes de criacionistas dentro do Cristianismo. Um

Não é possível delimitar de forma taxativa o processo evo-lutivo que gerou a espécie humana, a partir de um ancestral co-mum partilhado com os chimpanzés. Há muita discussão e con-trovérsia a respeito desse assunto. Além do que é um tema queenvolve um conhecimento especializado: o da paleontologia, queestá fora de nossas possibilidades. Aqui nos ateremos somenteaos aspectos sociais envolvidos nesse percurso evolutivo, dei-xando de lado a questão biológica do problema.

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TEORIA DO PLANO INTELIGENTE

A Teoria do Plano Inteligente (IDT) é a forma de criacionismomais nova no Brasil, mais sofisticada e menos marcadamentereligiosa que agora se importa dos Estados Unidos.

O debate entre os que defendem as idéias evolucionistas e ascriacionistas é intenso. Você pode participar dele navegando pelainternet! Lá, caro aluno ou cara aluna, você verá a que ponto chega ocalor das discussões. Não temos a intenção de entrar nesse debate. Anossa posição é muito mais simples. Não estamos interessados nosaspectos da evolução biológica e sim no processo de transformaçõeshistóricas e culturais. Além do mais, parece-nos que nossas idéias arespeito do assunto não conflitam com a Teoria do Plano Inteligente.

A pergunta que estabelecemos como ponto de partida paraorientar nossa reflexão é a seguinte: de que formas se organizari-am as primeiras sociedades humanas? Uma questão que, lembramos,não pode ser respondida de maneira objetiva e inquestionável.

Disponível em:<http://pessoas.hsw.uol.com.br /criacionismo1.htm> Acesso em 15/03/2008

criacionista da terra plana, por exemplo, acredita não somenteque Deus criou o mundo a partir do nada, mas também que aTerra é plana, imóvel e tem somente cerca de 6 mil anos. Umcriacionista moderno, por sua vez, aceita as visões daastronomia moderna e os métodos de datar geologicamente quedeterminam que a Terra tem bilhões de anos, mas não aceita asdescobertas da biologia moderna: ele acredita que as espéciessó podem evoluir com a permissão de Deus.

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Em termos biológicos, o primeiro vestígio deixado pela linhaevolutiva, que levou aos homens modernos, foi o aparecimento deseres que desenvolveram a habilidade para a postura ereta, andan-do com desenvoltura sobre as duas pernas. Richard Klein, em seulivro O Despertar da Cultura, nos traz as seguintes observações so-bre esses nossos antepassados mais longínquos.

Os mais antigos representantes da linha humana ainda separeciam e agiam muito como os macacos, e um eventualobservador poderia tê-los confundido com um tipo dechimpanzé. No entanto, havia uma diferença essencial:no chão, preferiam caminhar de pé, sobre duas pernas.Tecnicamente eles são conhecidos hoje comoaustralopitecos, mas na aparência e no comportamentopodiam se chamar macacos bípedes.

Klein observa que embora a estrutura anatômica dosaustralopitecos indique que eles preferiam caminhar de pé, no querespeita ao comportamento deviam assemelhar-se aos chimpan-zés. A observação é importante, pois nos alerta para o fato de quea postura ereta por si só não é um sinal inequívoco para um cor-respondente comportamento humano. Os australopitecíneoseram bípedes, mas, provavelmente, não possuíam as capacidadesmentais características dos seres humanos.

Mas quais seriam essas capacidades essenciais que definiriam ocomportamento humano de todos os outros animais? Como afir-mamos anteriormente, o comportamento humano caracteriza-se pelasua qualidade de produzir cultura, por meio da capacidade altamentedesenvolvida de inventar tecnologias, formas sociais e idéias. Assim,para nós, os primeiros indícios de comportamento propriamentehumano estariam relacionados a vestígios que pudessem compro-var o desenvolvimento de habilidades nesses três campos.

No campo da tecnologia para a produção de instrumentos,embora os primeiros australopitecíneos tenham surgido por voltade 6 milhões de anos atrás, os primeiros sinais de artefatos de pe-dras produzidos por seres humanos primitivos datam somente de2,5 milhões de anos. Eram ferramentas simples de pedras lascadastalhadas de forma rudimentar.

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De princípio, os utensí-lios fabricados pelos sereshumanos primitivos eramrústicos e simples, feitos depedras lascadas

Comentando os resulta-dos obtidos pelos trabalhosde escavação em um sítio ar-queológico na África Orien-tal, às margens do lagoTurkana, onde estudava osrestos materiais de um gru-po de humanos primitivos,que teria vivido no local há1,5 milhões de anos, GlynnIsaac observa: Oldowayense: seixos talhados (chopping tools).

(Fonte: BRÉZILLON,M. Dicionário de Pré-His-tória, p.198, 1998).

O sítio proporcionou uma evidência particularmente clara sobrealgumas coisas que os primeiros hominídeos faziam: elesrepetidamente carregavam pedras para alguns locais de suapreferência e faziam com elas alguns implementos simples degume afiado. Para esses mesmos lugares parecem que levavampartes de carniças de alguns animais. Uma vez lá, elespresumivelmente comiam a carne e certamente quebravam osossos para obter o tutano. Quando as pessoas perguntam porque os hominídeos não comiam carne onde a encontravam, euposso apontar uma série de razões potenciais. É possível quesimplesmente fossem comer à sombra, mas parece ainda maisprovável que eles levassem a

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comida para locais especi-ais por razões sociais –muito particularmente paraalimentar os mais jovens, eaté mesmo para alimentarseu companheiro e seusparentes. Comportamentosde partilha de alimentoscomo este tornaram-se par-te universal do padrão hu-mano num dado estágio daevolução (LEAKEY, 1982,p.89).

Os indícios materiais encontra-dos nesse sítio sugerem que os indivíduos desse grupo possuíam umadieta alimentar baseada tanto na carne como em vegetais, e que com-partilhavam alimentos, estabelecendo uma rede de relações que oscoloca claramente na direção da evolução humana, distinguindo-osdo puramente animal.

A economia baseada na coleta de carnes e vegetais e o comparti-lhar do alimento aludem ao desenvolvimento de formas de coopera-ção sociais complexas. Leakey observa que um elemento essencialna hipótese de compartilhar alimento, como Glynn Isaac a for-mula, seria a divisão do trabalho entre homens e mulheres. Acoleta de carne, principalmente quando envolvesse a caça ativa,conduziria os indivíduos para mais longe em campo aberto doque a coleta de vegetais, o que envolveria perigos físicos maio-res, de modo que não faria sentido às mulheres, envolvidas dire-tamente na criação de seus filhos pequenos e na busca de vege-tais, deixando a procura de carne para os homens. Os hominídeosque adotaram tal estratégia de comportamento, segundo ele, esta-riam negociando parte de sua independência individual em trocade maior segurança econômica, pois nessa forma de viver “os in-

Mapa indicativo da localização do lago Turkana.(Fonte: http://www.homepage.mac.com).

SUDÃOSUDÃOSUDÃOSUDÃOSUDÃOETIÓPIAETIÓPIAETIÓPIAETIÓPIAETIÓPIA

QUÊNIAQUÊNIAQUÊNIAQUÊNIAQUÊNIA

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divíduos tanto contribuiriam com o esforço coletivo do grupoquanto dele desfrutariam, com cada indivíduo tendo melhor de-sempenho do que se ele ou ela tentasse coletar sozinho o alimen-to”. Segundo Leakey, a hipótese de compartilhar alimento e a sociabi-lidade que ela implica seria uma forte candidata à explicação do queteria colocado os pré-humanos na trilha para o homem moderno.

Com o passar do tempo, mostrando sua grande capacidadede assimilação e aprimoramento das técnicas que aprendiam adesenvolver, houve um enorme refinamento na arte de produ-ção de ferramentas de pedras lascadas, surgindo uma grande va-riedade de tipos de artefatos produzidos.

Tal variedade de instrumentos está intimamente relacionada como processo de diversificação de atividades. De início, a rústica tecno-logia empregada pelos homens primitivos associava-se às necessida-des de seu comportamento cultural. Veja que Leakey observa queos seres do sítio 50 praticavam ape-nas a coleta de alimentos como for-ma de vida. Seus rústicos artefatos depedras davam conta do trabalho aque se destinavam: o de descarnar ani-mais mortos e quebrar ossos para ob-ter o tutano. Os artefatosMagadaleneneses representam umestágio mais complexo do processode diferenciação cultural que marcaa história das sociedades humanas.

Nela encontramos armas utiliza-das para a caça e para a pesca e umamaior variedade de instrumentos des-tinados aos mais diversos usos. Taisvestígios materiais mostram que oshomens que produziam esses instru-mentos haviam diversificado suas for-

Magdalenense.- I. 1. Zagaias com base em lanceta; 2. Raclette;3.Buril oblíquo com entalhe.- II. 4. Lamela com dorso e truncatura,às vezes dita protótipo de triângulo escaleno. - III. 5. Triângulodenticulado; 6. Triângulo; 7. Zagaia com ranhura, tipo de Lussac-Angles. - IV. 8. Proto- arpão; 9. Rodela furada; 10. Contornorecortado; 11. Vara semi-redonda; 12. Zagaia de base fendida, -V. 13. Arpéu. - VI. a. 14. Ponta de Laugerie-Basse; 15. Ponta deTeyjat; 16. Buril bico-de-papagaio. - VI. b. 17. Rectângulo; 18.Canivente de Villepin; 19. Raspadeira unguiforme. Em baixo, àdireita: tipos correntes do Magdalenense (Fonte:BRÉZILLON,M. Dicionário de Pré-História, p.155, 1998).

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mas de obtenção de alimentos. Eles agora não apenas coletavam, mastambém caçavam.

Outro importante sinal do comportamento cultural dos ho-mens primitivos são os vestígios que nos informam sobre a suacapacidade de pensar simbolicamente. O pensamento simbólicotalvez seja uma das maiores marcas do comportamento humano.

Com efeito, temos de concordar que é impossível paraum animal compreender os significados que os objetosrecebem de cada cultura. Como, por exemplo, a cor pretasignifica o luto entre nós e entre os chineses é o brancoque exprime esse sentimento. Mesmo um símio não saberiafazer a distinção entre um pedaço de pano, sacudido aovento, e uma bandeira desfraldada. Isto porque, comoafirmou o próprio White, “todos os símbolos devem terum forma física, pois do contrário não podem penetrarem nossa experiência, mas o seu significado não pode serpercebido pelos sentido.” Ou seja, para perceber osignificado de um símbolo é necessário conhecer a culturaque o criou (Roque de Barros Laraia).

A capacidade de operar com símbolos que somente podem ser in-terpretados a partir do ponto de vista da cultura em questão é uma das

principais características do comportamento humano.Uma rosa, quando interpretada a partir das significaçõessimbólicas que ela expressa em nossa cultura, não é ape-nas uma flor. Ela manifesta em nossas mentes idéias al-tamente sofisticadas como a da beleza, da delica-deza ou do amor.

Em nosso mundo social, graças a nossa capacida-de de pensar simbolicamente, podemos ver uma flor einterpretá-la como manifestação de um sentimento com-plexo como o que chamamos amor. Um pedaço detecido branco em um determinado contexto pode ser

apenas um pano de cozinha, em outros, simbolizar a paz. A capaci-dade de pensamento simbólico permite-nos transformar coisas ba-

(Fonte: http://www.jardimdeflo-res.com.br).

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Durante o paleolítico, o homem, como espécie, trans-formou-se profundamente criando as bases que pos-sibilitaram sua expansão pelo resto do mundo. Os

humanos primitivos evoluíram de um está-gio social, que muito os assemelhava aos nos-sos parentes biológicos chimpanzés, parauma espécie que produz cultura com grande capacidade inventi-va. Desenvolveram a habilidade de fabrico de instrumentos depedras, formas organizativas complexas, pautadas na divisão dotrabalho e na partilha. Aprenderam a caçar, a pescar e a produ-zir o fogo, e adquiriram a capacidade de pensar simbolicamente,criando arte, rituais e enfeites. O paleolítico foi um longo perío-do em que os humanos primitivos se distanciaram definitivamen-te da esfera animal e adentraram no mundo da cultura.

CONCLUSÃO

A presença de mamíferos de grande porte nas pradarias da América do Norte estimu-lou os caçadores-coletores a formarem grupos especialistas (Big Game Hunters), comuma indústria lítica caracterizada por pontas de forma ovalada-triangular, alongada,medindo em torno de 7 a 15 cm, com base côncava e um sulco ou canelura sobre asduas faces. As indústrias líticas dos Big Game Hunters são identificadas pela localiza-ção dos sítios arqueológicos, no Novo México: Sandia, Clóvis e Folsom. A imagemacima mostra pontas de Sandia, Clóvis e Folsom, respectivamente.Fonte: Denise de Sonneville-Bordes, 1972. Citada por CARVALHO, Fernando Linsde; DINIZ-FILHO, José Alexandre Felizola e VALVA, Fabrício D’Ayala. Evoluçãohumana e o povoamento da América. São Cristóvão: MAX, 2005, p. 55.

nais em instrumentos sofisticados de comunicação, por meio dosquais expressamos idéias complexas sobre nossas vidas sociais. Opensamento simbólico é dos aspectos mais importantes do compor-tamento cultural humano.

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ATIVIDADES

Uma das principais marcas do comportamento cultural do ho-mem moderno é a capacidade de inovar suas estratégias de so-brevivências criando formas novas de organização social, levan-do à formação de sociedades diversificadas que apresentam ma-neiras variadas de divisão social do trabalho. Como vimos aci-ma, a capacidade do homem em criar diversas formas de organi-zação social estaria na base de nosso sucesso evolutivo. Tendoessas idéias como referências, a partir da leitura do texto deR.Leakey, reproduzido acima, responda as seguintes questões:

1. Como R. Leakey argumenta sua opinião de que a prática de comparti-lhar alimentos estaria vinculada à prática da divisão do trabalho?2. Caro aluno ou querida aluna, você reconhece alguma relaçãoentre a organização social apresentada pelo povo Tasai, descrita naaula anterior, e o possível comportamento social dos pré-humanosdescritos no texto de Leakey?3. Qual a sua opinião a respeito da divisão sexual do trabalho, mui-tas vezes existentes nos lares brasileiros, na qual a mulher é a res-

RESUMO

Nesta aula abordamos os principais momentos que mar-caram a evolução do homem primitivo. A postura ereta,a constituição de formas complexas de divisão do traba-lho, a fabricação de artefatos de pedras e o pensamento

simbólico foram apontados como os principais marcos da linhaevolutiva que levou do homem primitivo ao homem atual.

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ponsável pelas tarefas domésticas e o homem é quem sai para tra-balhar fora?

COMENTÁRIO SOBRE AS ATIVIDADES

1. Para Leakey, a prática de compartilhar alimentos estariaassociada à busca de carniça ou mesmo à caça de animais.Tais atividades implicariam na necessidade de percorrer áreasafastadas, em campo aberto, locais que ofereciam poucaspossibilidades de refúgio. Assim, como não teria sentido ogrupo percorrer essas distâncias à busca de alimento,colocando em perigo a segurança de todos, a resposta teriasido a divisão do trabalho a ser realizado. A caça ficaria acargo de pequenos grupos formados pelos elementosmasculinos do grupo, que se embrenhariam campo afora,enquanto no abrigo ficariam os elementos femininos,crianças e os mais velhos. Segundo Leakey, tal opção estarialigada à função feminina na reprodução.2. No povo Tasai, descrito em aula anterior, era papel dohomem buscar alimentos em áreas distantes do local em quese abrigava, ficando as mulheres com a tarefa de recolher raízese frutos em suas proximidades, como também de cuidar dascrianças.3. Veja que a divisão sexual do trabalho, como se apresentadescrita no povo Tasai, e como Leakey acredita que haveriaentre os pré-humanos de 1,5 milhões de anos, fundamenta-se em condições sociais que não estão mais presentes namoderna economia capitalista. A prova disso é a crescenteparticipação da mulher no mercado de trabalho. Porém,infelizmente, devido a questões culturais, muitas vezes essasmulheres, que trabalham fora de casa, acabam tendo jornadadupla, pois arcam também com as responsabilidadesdomésticas, sem ter ajuda de seus companheiros. Caro alunoou querida aluna, você concorda com isso?

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O paleolítico, período da técnica da pedra lascada, perdurouaté o momento do aparecimento da técnica da pedra polida, porvolta de 12 mil anos atrás.

SAIBA MAIS!

Paleolítico :

O termo foi criado em 1865 por J.Lubbock . Significa “anti-ga idade da pedra” e serve para identificar um longo período dahistória humana. O paleolítico inicia-se com o aparecimento dosprimeiros instrumentos de pedra lascada produzidos pelos sereshumanos primitivos. Embora a datação dos artefatos de pedrasproduzidos pelos humanos primitivos do paleolítico seja umaquestão controversa, estima-se que os achados mais antigos da-tariam de pelo menos 2,5 milhões de anos.

O paleolítico, a antiga idade da pedra, é um termo criadopara diferenciar duas tecnologias distintas para o fabrico dos ins-trumentos líticos: a da pedra lascada e a da pedra polida.

Instrumentos em pedra lascada: emcima, quatro raspadores em forma dequilha de barco e uma ponta de dardo;em baixo, duas facas e dois talhadores.(Fonte: http://cienciahoje.uol.com.br).

Lâmina de machado fabricada com pedra polida.Sítio Fortuna. Divina Pastora/SE.Fonte: CARVALHO, Fernando Lins de. A pré-história sergipana. Aracaju: Universidade Fede-ral de Sergipe, 2003, p. 117.

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PRÓXIMA AULA

Caro aluno ou querida aluna, na próxima aula, es-tudaremos as sociedades de pastores e agricultores quesurgiram na região do Crescente Fértil, no final do pe-ríodo paleolítico.

AUTO-AVALIAÇÃO

1. Quais são os vestígios que sinalizam a capacidade de comporta-mento cultural do homem durante o período paleolítico?2. De acordo com Leakey, de que forma o comportamento fundadona divisão do trabalho e na partilha social dos alimentos contribuiuno processo evolutivo do homem primitivo?

COMENTÁRIO SOBRE AS ATIVIDADES

1. Os principais indícios que sinalizam para a capacidade deproduzir cultura durante o período paleolítico são a manufaturade artefatos de pedras, o desenvolvimento de formas decooperação fundadas na divisão do trabalho e a capacidade depensar simbolicamente, manifestada nas formas rituais desepultamento, na confecção de adereços e na arte rupestre.2. Segundo Leakey, os homens primitivos adotaram a práticada divisão do trabalho e da partilha de alimentos, pois essaforma de viver garantiria maior segurança econômica para ogrupo. Nela, os indivíduos tanto contribuiriam para asobrevivência coletiva, como também desfrutariam do apoiodo grupo. Assim, cada indivíduo teria mais possibilidade desobrevivência do que se tentasse coletar sozinho os alimentospara consumo individual.

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REFERÊNCIAS

SCIENTIFIC AMERICAN – Como nos tornamos humanos: a evolu-

ção de inteligência. São Paulo: Ediouro Ltda, edição especial n. 17.LARAIA, R. B. Cultura um conceito antropológico. 14 ed. Riode Janeiro: Jorge Zahar, 2001.KLEIN, R. O despertar da Cultura – A polêmica teoria sobre a

origem da criatividade humana. Trad. Ana Lúcia Vieira deAndrade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.BRÉZILLON, M. Dicionário de Pré-História.Trad. Maria Gabrielade Bragança. Lisboa: Edições 70, 1969.LEAKEY, E.L. A evolução da humanidade. 2 ed. Trad. NormaTelles. São Paulo: Melhoramentos, 1982.

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Caçadores e coletores

METMETMETMETMETAAAAARefletir sobre as primeirasformas de sociabilidadeapresentadas pelo homem.

OBJETIVOSOBJETIVOSOBJETIVOSOBJETIVOSOBJETIVOS Ao final desta aula, o alunodeverá:definir os primeiros elementosdo comportamento humanocultural e suas formas sociais;definir o conceito de períodopaleolítico.

PRÉ-REQUISITOSPRÉ-REQUISITOSPRÉ-REQUISITOSPRÉ-REQUISITOSPRÉ-REQUISITOSTer assimilado o conteúdo da aula “A idéia de progresso”

PASTORES E AGRICULTORES1212121212aulaaulaaulaaulaaula

(Fonte:http://www.eb1-macal-chao.rcts.pt).

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A evolução do homem primitivo permitiu-lhe desenvol-ver habilidades e técnicas necessárias para que pudesseromper com vários obstáculos que a natureza impu-

nha para a expansão de suas comunidades. As-sim os grupos humanos migraram para todasas partes do planeta, vencendo as dificuldadesimpostas pela diversidade de climas e condi-

ções geográficas.A capacidade de inovação, associada à diversidade de ambi-

entes naturais, em muito deve ter contribuído para o surgimentodos mais diversos padrões de comportamentos, impulsionandoos humanos primitivos para a diversificação cultural.

Nesse percurso evolutivo de diferenciação cultural, algumascomunidades humanas aprenderam a manipular, de forma maiscomplexa, os recursos que a natureza lhes proporcionava. Decaçadores e coletores de raízes, passaram a criar animais e a pra-ticar a agricultura. Este será o tema desta aula.

Ilustração representando o processo de irrigação das plantas heráldicas, gravada notrono de uma estátua do faraó Sesostris I.Fonte: Revista A magia do Egito, nº 02, São Paulo: Oceano Ind. Gráfica, s/d.

INTRODUÇÃO

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Pastores e agricultores

As comunidades humanas de caçadores e coletores obti-veram grande sucesso, permitindo aos seres humanosmigrarem e colonizarem todos os continentes do pla-

neta. A maneira como esse processo de expansão geográfica dascomunidades humanas ocorreu, como todos os assuntos queversam sobre essas épocas tão recuadas denossa história, é motivo de debate e con-trovérsias. Ele não será objeto de nossoestudo nessa aula. Para nós, basta frisar-mos que nossa espécie, dotada de capacidades culturais que lhepermitiam contornar os mais diversos obstáculos naturais, con-seguiu um feito notável: em um movimento iniciado original-mente na África propagaram-se para todas as áreas do globo.

O SENHOR DA TERRA

Claro que essas comunidades constituíam ocupações esparsasque nem de longe lembrariam as concentrações populacionais con-temporâneas, porém tal exigüidade de povoamento de modo algumdiminui a magnitude do acontecimento: o homem começava a setornar o senhor da Terra. Um feito impressionante se tomado emrelação com as bases iniciais com que se deu o início do percursoevolutivo das linhagens humanas, quando por volta de 6 ou 7 mi-

Mapa indicando as grandes correntes do movimento de êxodo africano (Fonte:SCIENTIFIC AMERICAN, EDIÇÃO ESPECIAL No 17, p.49).

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lhões de anos atrás, nossa linha evolutiva se distinguiu da dos chim-panzés. De uma espécie circunscrita a umas poucas regiões da Áfri-ca, que apresentava um comportamento próximo ao de vários ou-tros grupos de macacos, o homem se espalhou pelo mundo, apren-deu a caçar com desenvoltura, adotou formas complexas de divi-são do trabalho, enfim passou a criar cultura.

Mas, embora as aquisições culturais empreendidas pelos ho-mens do paleolítico tenham sido notáveis, o tipo de economiaque praticavam representava ainda um obstáculo muito grandeao crescimento e expansão das comunidades. As grandes civili-zações orientais como a egípcia ou mesopotâmica não são obrasde sociedades de coletores e caçadores, mas de povos que prati-cavam a agricultura de forma sistemática.

ATIVIDADES

Aproximadamente em 8.000 a.C., na mesma região em que osanimais foram domesticados pela primeira vez, aconteceu uma coi-sa que causou uma mudança maior do que qualquer outra desde adescoberta do fogo. O que aconteceu foi que as plantas foram do-mesticadas. Por algum motivo que não sabemos qual foi, ocorreuao ser humano plantar as sementes deliberadamente, esperar queelas crecessem, regá-las e aguardar que amadurecessem enquantodestruíam as plantas competitivas. Depois as plantas poderiam sercolhidas e servir como alimento.

Era um trabalho tedioso e que provocava dores nas costas, maso resultado é que poderiam obter uma grande quantidade de ali-mento, muito mais do que pela caça, ou mesmo com os rebanhos,pois a vida vegetal é muito mais abundante que a animal.

A introdução dos rebanhos e da agricultura, principalmente daagricultura, significou que uma determinada área de terra poderiasustentar uma população maior do que antes. Menos pessoas mor-

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Pastores e agricultores

riam de fome, mais pessoas sobreviviam e a população aumentava(ASIMOV, 1993).Por qual motivo Asimov considera que a adoção da prática da agricul-tura teve implicações profundas para as sociedades que a adotaram?

COMENTÁRIO SOBRE AS ATIVIDADES

Asimov considera que a agricultura exerceu grande impactonas formas de organização sociais que predominaram durantetodo o período paleolítico. Segundo ele, a prática da agriculturapermitiu a obtenção de uma quantidade muito maior dealimentos do que a que as atividades da caça e da coleta poderiamproporcionar, possibilitando assim o aumento da população.Embora seja um assunto polêmico, estima-se que a prática daagricultura tenha ocorrido pela primeira vez na região docrescente fértil, ao norte do atual território do Iraque. A atividadeagrícola, nessa região, abriu novos horizontes para ascomunidades que a adotaram. Além de possibilitar o aumentoda população, também contribuiupara a adoção de umcomportamento sedentário, pois ostrabalhos agrícolas favoreciam atendência para a fixação dopovoamento em uma determinadaregião. É a partir desse momentoque se começa notar no registroarqueológico o aparecimento depequenas vilas e aldeamentos comconcentrações populacionais muitosuperiores às que abrigavam ascomunidades que praticavam aeconomia da caça e da coleta.

Acredita-se que as primeiras cidadessurgiram há cerca de 9.000 anos, naregião do Crescente Fértil. O muroacima cercava uma cidade ainda na pré-história.( Fo n t e : h t t p : / / w w w. a c e s s a s p .sp.gov.br).

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O Crescente Fértil é uma região do OrienteMédio compreendendo os atuais Israel,Cijordânia e Líbano bem como partes daJordânia, da Síria, do Iraque, do Egito e dosudeste da Turquia. O termo « CrescenteFértil » foi criado em referência ao fato de oarco formado pelas diferentes zonas assemelhar-se a uma Lua crescente.A zona oeste em torno do Jordão e da partesuperior do Eufrates viu nascerem os primeirosassentamentos agrários conhecidos, há 11 000anos. Os assentamentos mais antigos conhecidos

atualmente localizam-se em Iraq ed-Dubb (Jordânia) e TellAswad (Síria), seguidos de perto por Jericó. As maisantigas cidades, estados e escritos de que se tem notíciaapareceram mais tarde na Mesopotâmia. Essas descobertaspermitiram apelidar a região de “Berço da Civilização”.

Nas proximidades da atual cidade de Jericó, há um sítio arqueo-lógico que apresenta um dos mais antigos vestígios da prática da agri-cultura. Segundo os arqueólogos, ela corresponderia à cidade de Jericócitada no Antigo Testamento. Nela, os estudiosos conseguiram esta-belecer a presença de vários níveis de ocupação, cada um deles repre-sentando um período diferente. O nível mais antigo dataria de 7800a.C. Nele, encontra-se uma construção isolada, interpretada comosendo um santuário, e foicinhas, utilizadas para colher trigo selva-gem. O nível seguinte, datado de 6850 a.C., já indica a presença de umaglomerado de habitações de plano redondo ou oval, construídas detijolos crus sob um solo ligeiramente escavado e revestido de argila. Aaglomeração era circundada por uma espessa muralha e por um fos-so. Ali as primeiras tentativas agrícolas são evidentes, porém ainda seencontra ausente a domesticação de animais e o fabrico da cerâmica. A

O CRESCENTE FÉRTIL

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre > Acessado em 21/11/2007

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Pastores e agricultores

natureza dos achados no sítio arqueológico de Jericó sem dúvida o colocacomo uma das primeiras povoações humanas que devem ter praticado aagricultura e como uma das cidades mais antigas do mundo.

ATIVIDADES

Caro aluno ou cara aluna, essa atividade tem por finalidade pro-porcionar um momento para que você possa refletir um poucomais sobre o importante conceito de neolítico. O texto repro-duzido abaixo foi extraído do Dicionário de Pré-história, organi-zado por Michel Brézillon, prefaciado por Leroi-Gourhan. Leia-o e depois responda às questões propostas.

O termo neolítico foi utilizado em 1865 por J.Lubbockpara exprimir o aparecimento de uma nova técnica defabrico dos instrumentos de pedra: o polimento. Se aidade da pedra polida corresponde na verdade aodesenvolvimento de novas técnicas, pensa-se hoje que esteprogresso está subordinado ao estabelecimento de novas

Indústria lítica encontrada no sítio de Jericó.Natufense: 1. Pequena foice; 2. Lamela com dorso e truncatura; 3. Segmento de círculocom retoque, de tipo Héluan; 4. Triângulo; 5. Raspadeira; 6. Ponta de Héluan: 7. Anzol;8. Elementos de colar; 9. Furador 10. Arpão.(Fonte: BRÉZILLON,M. Dicionário de Pré-História, p.192, 1998).

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relações entre o homem e o meio natural. Até então, ascoletividades humanas estavam submetidas aos acasos dacaça, da pesca e da coleta e, para suprir as suas necessidadesalimentares, grupos humanos restritos tinham dedeslocar-se freqüentemente num vasto território. Adescoberta dos meios para controlar e desenvolver estasfontes de alimentos pela criação e a agricultura veiomodificar profundamente o devir do homem, permitindoa sua sedentarização. Nesse sentido foi possível falar derevolução neolítica. É na exploração intensiva de algumasespécies vegetais e animais, praticadas em certas regiõesprivilegiadas, que convém buscar a origem do neolítico.Durante o sétimo milênio antes de nossa era, no OrientePróximo, e no terceiro milênio, na América Central,surgem a criação e a agricultura. A propagação do novomodo parece ter-se processado a partir desses dois focosprincipais, sem por isso excluir a possibilidade deexistência de outros centros de invenção, espalhando-seindependentemente por outros pontos do mundo(Dicionário de pré-história).

1. Em que sentido Brézillon considera que se pode falar em umarevolução neolítica?2. Quais são as diferenças que singularizam os conceitos depaleolítico e de neolítico?3. Se hoje a agricultura e a criação de animais encontram-se pre-sentes em todos os continentes, ela, no seu início, surgiu emregiões localizadas. Segundo Brézillon, quais teriam sido os fo-cos originais de difusão da prática da agricultura?

COMENTÁRIO SOBRE AS ATIVIDADES

1. Brézillon considera ser possível falar em uma revoluçãoneolítica, pois as inovações que caracterizaram esse períodomodificaram profundamente os hábitos das comunidades que

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Pastores e agricultores

passaram por ela. A prática da agricultura e da criação teriamcontribuído para a sedentarização das comunidades que aadotavam.2. Os termos paleolítico e neolítico referem-se diretamente àstecnologias utilizadas para o fabrico de ferramentas de pedras.Na cultura paleolítica, os instrumentos eram feitos com umatécnica denominada de pedra lascada, na neolítica utiliza-se atécnica da pedra polida. Porém, a essas distinções encontram-se associadas outras, de natureza social. As culturas paleolíticasencontram-se associadas à prática da caça e da coleta,predominando um comportamento nômade, imposto pelanatureza das atividades que desenvolviam para obter os seussustentos. As culturas neolíticas, por sua vez, associam-se àprática da agricultura e da criação de animais.3. A agricultura teria se expandido pelo mundo a partir de doisfocos originais: um no crescente fértil, a partir do qual teria sedifundido para a Europa, Ásia e África, e outro na AméricaCentral, a partir do qual teria se difundido pelas Américas.

A região do crescente fértil viu surgir, como resultado da capa-cidade de inovação cultural do homem,as práticas da agricultura e do pastoreio,que trouxeram consigo profundas mu-danças sociais. É muito difícil estabe-lecer as relações de causas e conseqü-ências entre as manifestações que in-tegram esse fenômeno. O que veio pri-meiro e o que veio depois é um proble-ma difícil de se resolver quando se tra-ta de assuntos tão recuados no tempoe tão pouco documentados. O impor-tante é perceber que no crescente fér-til, em algumas regiões, a partir de uns10 mil anos atrás começava a se esbo-

Mapa representando a região do Crescente Fértil, que compre-ende os atuais Estados de Israel, Cisjordânia e Líbano, bemcomo partes da Jordânia, Síria, Iraque Egito e Turquia.(Fonte: http://www.ff.ul.pt).

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História Antiga I

çar um novo tipo de economia e organização social que diferencia-ria os povos que a adotavam das sociedades caçadoras e coletoras,que então imperavam no paleolítico.

A agricultura e o pastoreio abriram passagem para a constituiçãode aldeamentos sedentários que acabaram evoluindo para grandes aglo-merados urbanos que apresentavam complexa divisão social do traba-lho e organização política complexa. No limite desse processo, temos aformação dos grandes estados controladores de extensos territórios quefundavam sua vida econômica na prática da agricultura irrigada, comoo Egito e a Mesopotâmia.

Não temos aqui intenção de estabelecer os detalhes desseprocesso, nem poderíamos, tamanha seria a envergadura dessaobra, mas apenas pretendemos explicitar suas linhas básicas.Explicitamos nessa aula as linhas básicas do processo evolutivoque na região do crescente fértil levou à formação das socieda-des agrícolas, que tiveram nos exemplos egípcios e mesopotâmicosseus ápices de complexidade organizativa.

Na região do crescente fértil, por volta de 10 ou 11 milanos atrás, surgiu uma nova forma de organização social,bem distinta daquelas que caracterizavam os agrupamen-

tos humanos que tinham na caça e na coleta suas principais formasde obtenção de alimento. Por volta dessa épo-ca, começam a aparecer nessa região comuni-dades assentadas de forma bem diferente. Elascomeçaram a substituir as práticas da caça e da

coleta pelas da agricultura e do pastoreio, abrindo assim novas possi-bilidades de organização social, que levaria ainda mais longe o pro-cesso de diferenciação cultural por que passavam as comunidadeshumanas, desde as épocas mais recuadas de nossa (pré) história. Asedentarização, com a formação de agrupamentos urbanos; o aumen-to da população e o desenvolvimento do comércio e das atividades

CONCLUSÃO

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Pastores e agricultores

RESUMO

Nessa aula, mostramos as mudanças que se operaram nascomunidades que por volta de 8 mil anos a.C., no Cres-cente Fértil, passaram a adotar a prática da agricultura e do

pastoreio em substituição das atividades da caça e da coletacomo principais formas de se obter alimentos. Assim, naquelaregião vemos aparecer novas formas culturais de organização davida em sociedade, que foram abrindo novos horizontes, colo-cando o homem no caminho da organização da vida civilizada, nosentido mais amplo possível que essa palavra possa assumir. Foino Crescente Fértil que há mais ou menos 10 mil anos surgiramas primeiras culturas urbanas de nosso planeta.

artesanais são algumas das manifestações que se associam nesse pro-cesso para formar sociedades cada vez mais complexas e ricas.

A prática da agricultura, do pastoreio e a posterior expansão dosnúcleos urbanos trouxeram consigo novas possibilidades de organi-zação social e uma variedade muito grande de respostas culturais aosdesafios que a nova forma de vida coletiva impunham às diversascomunidades agrícolas que iam se formando.

AUTO-AVALIAÇÃO

1. Em que medida a adoção da prática da agricultura contribuiupara modificar os modos de vida das sociedades que a desenvol-veram, quando comparados com os de caçadores e coletores?2. De acordo com o que foi desenvolvido nesta aula, como vocêpoderia definir o conceito de neolítico?

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COMENTÁRIO SOBRE AS ATIVIDADES

1. A prática da agricultura contribuiu para a sedentarizaçãolevando à formação de aldeamentos que se considera estaremna origem dos primeiros núcleos urbanos. Também poderíamoscitar o aumento da população e uma maior complexidade daorganização social derivada do aparecimento de novasatrividades sociais.2. O conceito de neolítico foi criado para diferenciar duasformas de indústrias líticas distintintas: a da pedra lascada e ada pedra polida. Porém as diferenças entre esses dois momentosnão se restringem somente a essa questão de natureza dastécnicas de fabrico de utensílios. Elas abarcam tambémdistinções sociais e econômicas muito importantes. Associedades ditas paleolíticas apresentam a caça e a coleta comoatividades para obtenção de alimentos. As neolíticas, por suavez, seriam as que tivessem desenvolvido a prática daagricultura e do pastoreio.

PRÓXIMA AULA

Na próxima aula, abordaremos um dos aspectos relacio-nados às sociedades agrárias que se estabeleceram na re-gião do crescente fértil: a importância dos calendários naorganização da vida sócio-cultural dessas comunidades.

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Pastores e agricultores

REFERÊNCIAS

SCIENTIFIC AMERICAN – Como nos tornamos humanos: a evolu-ção de inteligência. São Paulo: Ediouro, ed. n° 17.BRÉZILLON, M. Dicionário de Pré-História.Trad. Maria Gabrielade Bragança. Lisboa: Ed. 70, 1969.WIKIPEDIA ENCILOPEDIA DIGITAL. Disponível em http://pt.wikipedia.org. > Acesso em : 21/11/2007.ASIMOV, I. Cronologia das Ciências e das Descobertas.Trad.Ana Zelma Campos. Rio de Janeiro: Editora Civilização Bra-sileira, 1993.LEAKEY, E.L. A Evolução da Humanidade. 2 ed. Trad. NormaTelles. São Paulo: Melhoramentos, 1982.

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METMETMETMETMETAAAAAApresentar o calendário sumeriano da cidade deNippur.

OBJETIVOSOBJETIVOSOBJETIVOSOBJETIVOSOBJETIVOSAo final desta aula, o aluno deverá:estabelecer a utilização de calendários eperiodizações como manifestações culturaispreservadoras da memória social;relacionar as características do calendário dacidade sumeriana de Nippur com as condiçõessociais, econômicas e políticas da Mesopotâmia.

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PRÉ-REQUISITOSPRÉ-REQUISITOSPRÉ-REQUISITOSPRÉ-REQUISITOSPRÉ-REQUISITOSTer assimilado o conteúdo da aula “A idéia de progresso”

A CIDADE SAGRADADE NIPPUR

Estatueta de figura feminina em pé com as mãos juntas (datada de 2600-2500 a.C.), localizada no templo de Inanna, em Nippur.(Fonte: http://www.metmuseum.org).

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História Antiga I

Vimos em aulas anteriores que a periodização histórica éuma maneira de classificar os acontecimentos de for-ma a ordená-los logicamente em uma sucessão tempo-

ral. Foi seguindo essa linha de análise que con-cluímos a respeito dos pontos de vistas queorientam e fundamentam a divisãoquadripartite da história. A periodização his-

tórica ordena e classifica os eventos históricos em uma sucessãode acontecimentos, dando sentido à experiência sócio-culturalque pretende explicar.

Nesta aula, para fazer contraponto à nossa própria prática,mostraremos outra experiência de periodizar os acontecimen-tos. Nosso objetivo será o de propiciar um exemplo pautadopor uma visão diferente da nossa para que possamos pensar adivisão quadripartite da história como uma manifestação socialcircunscrita por condições culturais específicas, e não comomanifestação absoluta ligada à realidade dos fatos. Vamosrelativizar nossa própria experiência de percepção do tempo eapreensão da realidade histórica.

INTRODUÇÃO

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A cidade sagrada de Nippur.

Vivemos mergulhados no tempo. Nossas obrigações mo-tivam-nos continuamente a contá-lo. Relógios de pul-so e outras várias possibilidades de saber a hora certa

mostram-nos a importância de medir o tempo em nossa sociedade.Em uma sociedade complexa como a

nossa, medir o tempo de forma precisa é im-portante para que possamos articular nossasações, já que a divisão social do trabalho, nasmodernas sociedades capitalistas, faz com que cada um de nósseja dependente de todo um conjunto de atividades que precisa-mos de certa forma controlar. Ônibus, bancos, comércio ou ci-nemas devem oferecer seus serviços de acordo com horários pré-determinados para que o conjunto da sociedade possa saberquando se utilizar deles. Medimos tempo, pois necessitamos sin-cronizar nossas atividades às outras desenvolvidas no interior dasociedade em que vivemos.

É muito difícil, e talvez mesmo impossível, dizer quando pelaprimeira vez o homem tenha se preocupado com a marcação dotempo, porém é claramente observável a prática de tal costumenas primeiras civilizações agrícolas. Nelas a prática da agricultu-ra precisava ser feita nas estações mais adequadas para o plantio.Era preciso realizar o trabalho de maneira que as atividades daaragem, semeadura e colheita fossem feitas nos momentos emque a natureza propiciasse melhores resultados, pois isso eracondição essencial de sobrevivência.

Assim, relacionados às necessidades da agricultura, surgemos primeiros calendários de que se tem notícia. Mas se a conta-gem do tempo e a adoção de calendários são práticas muito anti-gas entre os homens, elas não são feitas de maneira padronizadaentre todos os povos. O homem em sua variedade cultural crioudiferentes formas de contar o tempo e organizar calendários.

CONTAR O TEMPO

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ATIVIDADES

O texto reproduzido abaixo foi extraído de um livro muito útilescrito por Isac Asimov, intitulado “Cronologia das Ciências edas Descobertas”. Nele, o autor nos traz um relato pitoresco einteressante das invenções e descobertas científicas empreendi-das pelo homem. Sua cronologia começa 4 milhões de anos a.p.(veja que aqui utilizamos a sigla a.p., antes do presente, e nãoa.C., antes de Cristo), momento em que, segundo Asimov, ohomem teria assumido a postura ereta, uma mudança que terianos colocado no caminho da evolução que nos diferenciou dosoutros primatas.

A cronologia de invenções e descobertas, apresentadas emseu livro, termina em 1988, ano em que, ele nos diz, nós tivemosa atenção chamada para o efeito estufa, um fenômeno ligado aoaquecimento da temperatura na terra, motivado pela emissão degases poluentes derivados da ação humana sobre a natureza. Umfenômeno preocupante, pois a elevação da temperatura, moti-vada por esse fenômeno, pode alterar as condições climáticas aponto de, dependendo de sua proporção, colocar em risco a pró-pria vida em nosso planeta. O trecho selecionado de seu livrorefere-se à adoção de calendários pelas sociedades humanas. Leia-o e depois responda as questões propostas.

Alguns fenômenos, como as mudanças das estações,apresentam períodos com a duração de centenas de dias.A contagem desses dias torna-se tediosa, além daspossibilidades de engano serem muito grandes.No entanto, existe um ciclo de duração intermediária, odas fases da lua. Ele leva de 29 a 30 dias para completarseu ciclo de fases e são precisos 12 ou 13 desses ciclos(meses, derivado da palavra lua – mem, em grego) paracompletar o ciclo das estações.Não sabemos quando as pessoas passaram a dar

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A cidade sagrada de Nippur.

importância aos meses. Existem indicações de que atémesmo o homem pré-histórico costumava contá-los, masforam os habitantes da região do Tigre e do Eufrates osprimeiros a sistematizar o assunto. Desenvolveram umciclo de 19 anos, dos quais alguns tinham 19 meses lunares,e outros, 13 meses lunares. Esse ciclo mantinha os anosem acordo com as estações. Esse calendário foi adotadopelos gregos e pelos judeus e ainda é usado comocalendário litúrgico hebraico.No entanto, os egípcios não faziam, basicamente, o usoda lua. Para eles, a coisa mais importante do ano eram asenchentes no Nilo. Os sacerdotes que cuidavam dairrigação estudaram cuidadosamente a altura do rio dia adia e descobriram que, em média, a enchente vinha a cada365 dias. Era esse também o tempo que o sol levava parafazer um circuito aparente do céu em relação aos astros.(Nos nossos tempos, classificamos esse tempo como o quea terra leva para fazer a volta em torno do sol.) É o anosolar, e um calendário baseado nesse período é chamadode calendário solar.Os egípcios tinham consciência de que existiam 12 luasnovas em cada ano, portanto tinham 12 meses, mas cadaum desses meses tinha 30 dias de duração, sem prestaratenção à verdadeira face da lua. Isso dava 365 dias, aosquais eles acrescentaram mais cinco dias no final.Esse calendário era muito mais simples e de muito maisfácil manuseio do que qualquer outro inventado naantiguidade. Os historiadores não estão certos quanto àdata em que foi adotado pela primeira vez, mas com todaa certeza os sacerdotes já deveriam usá-lo para sua própriacomputação (obviamente tornavam-se muito maispoderosos, se fossem os únicos conhecedores de quandoo Nilo iria inundar), desde 2800 a.C.Nada melhor do que o calendário egípcio foi inventadopor aproximadamente 3 mil anos, e mesmo o que foiproduzido depois não passava de simples modificação domesmo – e nem todas as mudanças foram para melhor.Nosso calendário atual ainda é baseado no calendário

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egípcio, com mudanças que, em alguns casos, tambémnão acrescentam nada. Isto torna nosso calendário emessência, um calendário de aproximadamente cinco milanos de idade.

Agora, portanto, responda:

1. Segundo Isac Asimov, os primeiros calendários foram criadoscom qual, ou quais, finalidade(s)?

2. Quais eram as diferenças básicas adotas pelos calendáriosmesopotâmico e egípcio, segundo nos aponta Asimov?

COMENTÁRIO SOBRE AS ATIVIDADES

1. Para Asimov, conforme nos indica o texto, os calendáriosanuais, adotados tanto na Mesopotâmia como no Egito Antigo,tinham por finalidade básica contar a passagem das estações doano. Como nos deixa claro para o caso do Egito, a importânciade se contar a mudança anual das estações estava ligada ànecessidade de se saber quando ocorreriam as inundações do rioNilo, pois delas dependia a prática da agricultura, atividade daqual dependia toda economia egípcia. Embora Asimov não nosdeixe claramente formulado em seu texto, também para osmesopotâmicos a adoção do calendário ligou-se à prática agrícolae à necessidade de se saber quando ocorreriam as inundaçõesdos rios cujas águas fertilizavam seu solo.2. Na mesopotâmia adotou-se o calendário lunar para marcaros ciclos anuais das estações. Ele consistia de 12 meses cujaduração variava de acordo com os ciclos lunares, 29 ou 30dias, perfazendo um total de 354 dias em média por ano. Detempos em tempos era adicionado um 13o mês para compensar

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A cidade sagrada de Nippur.

a diferença existente entre os 12 ciclos lunares e o ciclo solarde um pouco mais de 365 dias. No Egito Antigo, ao invés dese tomar os ciclos lunares como base para se compor o ano, foiutilizado o ciclo solar. O ano foi composto por 12 meses de 30dias que não levavam em consideração os ciclos lunares,perfazendo um total de 360 dias. Ao final de cada ano, somam-se mais 5 dias e a cada 4 anos, mais um. Temos aqui umcalendário muito próximo do moderno com 365 dias, com umano de um dia a mais a cada quatro anos. Como observa Asimov,nosso calendário é muito próximo do adotado pelos egípcioshá mais de 4 mil anos.

OS CALENDÁRIOS

Os primeiros calendários foram criados para que se pudessesaber qual seria a época certa do cultivo, como também para sefixar as festas religiosas, que constituíam elementos de primeiraimportância nessas sociedades. Ainda hoje damos aos calendári-os essas finalidades. Como nessas primeiras sociedades, ele tan-to nos auxilia a estipular as épocas de plantio como também adeterminar quais são os períodos de festas, feriados cívicos oureligiosos. Com ele, contamos os dias sobre os quais recaem osjuros das operações bancárias ou dos nossos calendários escola-res. Temos, portanto, que o calendário é uma invenção humanaque tem por objetivo articular, integrar de maneira mais harmô-nica possível, as diversas atividades desenvolvidas no interior deuma sociedade.

Fruto da atividade humana e da divisão social do trabalho, ocalendário possibilita a marcação do tempo para que as ativida-des econômicas, sociais e culturais possam ser organizadas e in-tegradas em um contexto complexo de interações sociais. Olheem sua volta e veja se seria possível trabalhar, estudar, ir às festase espetáculos sem o auxílio de um calendário. Precisamos de datasmarcadas, de dias certos para trabalhar e descansar. O homem

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começou a marcar o tempo para organizar sua vida social, e in-ventou o calendário para poder contá-lo.

O calendário não somente possui essa finalidade prática liga-da às atividades produtivas, pois, ao mesmo tempo em que marcaa passagem do tempo, também contém uma dimensão simbólicaque reflete as crenças e os valores da sociedade que o utiliza. Veja,por exemplo, o calendário criado por volta do ano 3 mil a.C pelossacerdotes da cidade sumeriana de Nippur. Segundo um artigopublicado em site da Universidade de Chicago, reproduzimos abai-xo o nome dado a cada um de seus doze meses.

1o mês – tempo do sacerdote do santuário2o mês – tempo de conduzir o gado para a pastagem3o mês – tempo de fabricar os tijolos4o mês – (?)5o mês – tempo em que o brazeiro é acesso6o mês – festival de Inanna7o mês – tempo da Colina Sagrada8o mês – tempo da aração9o mês – tempo das chuvas10o mês – festival religioso11o mês – tempo de trigo selvagem12o mês – tempo da colheita

O calendário acima demarca um conjunto de atividades so-ciais. Dentre elas, percebemos claramente a delimitação de ativi-dades relacionadas ao trabalho da agricultura, indicando quaisseriam os meses mais adequados para a aragem da terra, para acolheita, para conduzir o gado às pastagens ou para se fabricartijolos de barro. Ao lado dessas atividades, que modernamenteclassificaríamos como econômicas, também notamos meses con-sagrados especialmente às práticas religiosas, como, por exem-plo, o festival de Inanna.

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A cidade sagrada de Nippur.

Eu caminho pelos céus, e a chuva cai;

Eu caminho sobre a terra, e a grama e as

ervas germinam.

Filha de Nanna (Deus Lua) e Ningal (DeusaLua), tinha seu santuário na cidade de Uruk. Seunome significa literalmente “Deusa do Céu”, eera representada pelo planeta Vênus - a “estre-

la” matutina ou vespertina. Era uma deusa agrícola, sendo aEla atribuídos o crescimento das plantas e animais e a ferti-lidade da humanidade. No mito “O Descenso de Inanna”, a deusa desce porsua própria vontade ao reino dos mortos, onde Ela é mortae renasce. Assim, Inanna emergiu como uma deusa lunar,dona dos mistérios da vida e do renascimento, representa-dos pela lua. Aqui Ela completa seu ciclo, tornando-se nãosó a deusa da terra e do céu, mas também do mundo sub-terrâneo.

Disponível em http://geocities.com/Athens/Olympus >Acesso em 23/07/2007 10:30

O texto reproduzido abaixo é uma tradução do apresentadoem um link da Universidade de Chigago. Ele nos fornece informa-ções interessantes sobre a cidade de Nippur.

A CIDADE SAGRADA DE NIPPUR

No deserto, a cem milhas ao sul de Bagdá, Iraque, há umgrande monte de 60 pés de altura e quase uma milha dediâmetro, formado por restos materiais produzidos pelo

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homem. Essa é Nippur, que por centenas de anos foicentro religioso na Mesopotâmia. Lugar em que Enlil,deus supremo do panteão sumeriano, criou o homem.Embora não tenha sido uma capital, Nippur era de grandeimportância política, pois na Mesopotâmia um governoreal não era considerado legítimo sem ser reconhecidopelos seus templos. Assim, Nippur foi foco deperegrinações e de programa de construções de muitosreis, incluindo Hamurabi da Babilônia e Assurbanipal daAssíria. Não obstante a história de guerras entre as váriaspartes da Mesopotâmia, a natureza religiosa de Nippurevitou que sofresse muitas das destruições quesobrevieram a lugares como Ur, Nínive e Babiblônia.Devido a isso, seu sítio preserva registros arqueológicossem paralelo que se estendem por mais de 6 mil anos.Já estabelecida em torno de 5 mil anos a.C., Nippur tevepapel importante no desenvolvimento nos princípios domundo civilizado. Com seus muitos templos, prédiosgovernamentais e importantes famílias de negócios foi,provavelmente, a mais literata de todas as cidades daMesopotâmia. Seus escribas deixaram centenas dedocumentos sumerianos e acadianos escritos em tabletesde barro. Incluídas em seu extraordinário corpo de textosestão as mais velhas versões de trabalhos literários comoa Epopéia de Gilgamesh e a História da criação. Neletambém encontramos registros administrativos, legais,médicos, contábeis e textos escolares.Os objetos podem freqüentemente falar-nos coisas que aescrita não mostra. Itens com desenhos elaborados feitosde metais preciosos, pedras, madeiras exóticas e conchaspermitem-nos reconstruir o desenvolvimento da antigaarte mesopotâmica, como também as conexões comerciaisque traziam os produtos da Babilônia, Egito, Pérsia, valedo Indo e da Grécia.Mesmo após a civilização babilônica ser absorvida porimpérios maiores, tais como o de Alexandre o grande,Nippur floresceu. Em sua fase final, anterior ao seuabandono com 800 d.C., Nippur foi uma típica cidade

Representação de Gilgamesh.(Fonte: http://www.klepsidra.net).

Tábua IX da Epopéia do Dilúvio,parte integrante da Epopéia deGi l gamesh .(Fonte: http://www.klepsidra.net).

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A cidade sagrada de Nippur.

muçulmana com comunidades cristãs e judaicasminoritárias. Na época de seu abandono, a cidade era sedede um bispado cristão, sendo assim um centro religiosomuito após Enlil ter sido esquecido.

Disponível em http:// oi.uchicago.edu/research/projects/nip/nsc.html > Acessado em 21/03/2008.

AS CIVILIZAÇÕES DA MESOPOTÂMIA

A Mesopotâmia – nome dado pelos gregos e que significa“terras entre dois rios – compreendia os vales e planícies irriga-dos pelo rios Tigre e Eufrates, onde hoje é o território do Iraquee terras próximas. Inserida na área do crescente fértil, aMesopotâmia estendia-se desde os montes Zagros no Irã, a leste,até os desertos da Arábia, a oeste, contando com os rios quedesciam das montanhas em direção ao Golfo Pérsico.

Mapa indicando a localização da cidade sagrada de Nippur (Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/Nippur).

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Os sumérios são considerados por muitos como os primei-ros a terem dado os passos em direção às formas de vida civiliza-da. Entre eles surgiram as primeiras grandes cidades e a práticada agricultura irrigada por meio da construção de canais e di-ques. O calendário criado pelos sacerdotes da cidade de Nippuré um dos elementos desse avanço civilizatório. Ligado direta-mente à prática da agricultura, ele reflete o aumento do conheci-mento a respeito do comportamento dos ciclos naturais, sendoassim capazes de determinar os ciclos das estações durante o ano.

O calendário de Nippur também fixa a época certa das co-memorações religiosas. Nele se destaca o festival de INANNA.Divindade regente da prática da agricultura e da fertilidade. Ocalendário de Nippur celebra sua religião e reforça seus valores- veja que o primeiro mês do ano é dedicado ao sacerdote dotemplo. Ele celebra a vida da cidade em sua totalidade, marcandoos eventos que a constitui. Seu calendário é um dos elementosda memória da cidade, marcando seus ritmos de trabalho, festase ordem social.

ATIVIDADES

O calendário, objeto científico é também um objeto cultural.Ligado a crenças, além de a observações astronômicas (asquais dependem mais das primeiras do que o contrário), enão obstante a laicização de muitas sociedades, ele é,manisfestamente, um objeto religioso. Mas enquantoorganizador do quadro temporal, diretor da vida pública ecotidiana, o calendário é sobretudo um objeto social. Temportanto uma história, aliás, muitas histórias, já que umcalendário universal é ainda hoje do domínio da utopia, aindaque, à primeira vista, a vida internacional dê a ilusão umarelativa unidade de calendário (Le Goff).

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A cidade sagrada de Nippur.

No trecho acima, do texto de Le Goff, menciona-se que o ca-lendário é um objeto sobretudo social. Manifestadamente decaráter religioso, como organizador do quadro temporal, dirigea vida pública e cotidiana. Vimos como que, para o caso da cida-de sumeriana de Nippur, esses elementos se harmonizam nocalendário criado por seus sacerdotes, utilizados já desde o ter-ceiro milênio antes de Cristo. Agora, com base nas informaçõesobtidas nessa aula, e de outras que você poderá pesquisar nainternet ou em outros meios de pesquisas, responda a questãoproposta abaixo.

1. De que maneira poder-se-ia argumentar que o calendário de-senvolvido na cidade sumeriana de Nippur harmoniza em suascaracterísticas elementos científicos, religiosos e sociais, comoobserva Le Goff a respeito da organização dos calendários?

COMENTÁRIO SOBRE AS ATIVIDADES

Caro aluno ou querida aluna, as possibilidades de repostas paraa questão acima são bem variadas. Tudo depende da pesquisaque você realizou. Porém, compare a sua resposta com a nossa,tentando perceber suas semelhanças e diferenças.Pode-se atribuir uma dimensão científica ao calendário dacidade de Nippur, pois sua organização pauta-se por uma atentaobservação dos fenômenos celestes, das mudanças das estaçõese do regime das cheias dos rios Tigre e Eufrates. Entretanto,nessas sociedades antigas, diferentemente da nossa, a naturezanão era percebida como um fenômeno “natural”. Seusignificado e comportamento eram apreendidos a partir de umaperspectiva que nós, modernamente, identificaríamos comoreligiosa. Para eles, os fenômenos naturais eram tambémreligiosos, manifestações divinas de seus deuses. Assim suas

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observações astronômicas e naturais mesclam-se comelementos religiosos e sobrenaturais.Uma das principais divindades dos sumerianos era a deusaInanna, celebrada pelo calendário de Nippur. Deusa que presidiaa fertilidade e as chuvas, seu culto estava intimamente ligadoà esfera do trabalho agrícola. Seu festival coincidia com o inícioda primavera.

Nessa aula, buscamos demonstrar que um calendá-rio,como nos menciona Le Goff, não se constitui apenas emum instrumento científico, neutro, para se marcar a pas-

sagem do tempo. Muito pelo contrário, os ca-lendários possuem significação social profun-damente enraizada nas práticas culturais dasdiversas sociedades. Sua instituição, longe de

ser um simples ato, possui uma dimensão simbólica constituindo-se em um elemento de preservação da memória social.

RESUMO

Nessa aula, a partir do exemplo das relações sociais existentesentre o calendário da cidade sumeriana de Nippur, buscou-sedemonstrar que a adoção de um calendário constitui-se em umato cultural enraizado na experiência social da comunidade queo adota. Um calendário nunca é neutro, pois reflete os valoresda sociedade que o criou.

CONCLUSÃO

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A cidade sagrada de Nippur.

PRÓXIMA AULA

Na próxima aula estudaremos as características da ci-dade-estado mesopotâmica.

AUTO-AVALIAÇÃO

Quais são os elementos da memória socialsumeriana, que estão contidos no calendário de Nippur?

REFERÊNCIAS COMPLETAS

ASIMOV, I. Cronologia das Ciências e das Descobertas. Trad.AnaZelma Campos. Rio de Janeiro: Ed Civilização Brasileira, 1993.GOFF, J. História e Memória. 4 ed. Campinas: Unicamp, 1996.

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METMETMETMETMETAAAAAApresentar as características básicas daorganização do Estado nas cidades-estadomesopotâmicas.

OBJETIVOSOBJETIVOSOBJETIVOSOBJETIVOSOBJETIVOSAo final desta aula, o aluno deverá:listar as características geográficas do mundomesopotâmico;identificar a importância dos rios Tigre e Eufratespara a vida econômica mesopotâmica;identificar as características da organizaçãopolítica das cidades mesopotâmicas.

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PRÉ-REQUISITOSPRÉ-REQUISITOSPRÉ-REQUISITOSPRÉ-REQUISITOSPRÉ-REQUISITOSTer assimilado o conteúdo da aula “A cidade sagrada deNippur”.

A CIDADE-ESTADOMESOPOTÂMICA

Colunas decoradas com mosaico sumério. Uruk, Mesopotâmia, cerca de3.000 a.c. (Staatliche Museen zu Berlin).(Fonte: http://www.cache.eb.com).

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História Antiga I

Por volta de 5 mil anos atrás, na região do crescente fértil,uma nova experiência social começa a apresentar os seusprimeiros contornos. Os vestígios arqueológicos registram

para esse período a presença de sociedadesque se organizavam em torno de núcleosurbanos que apresentavam complexa orga-nização arquitetônica, política e econômica.

Uma transformação tão fantástica, quando comparada com associedades agrícolas dos primeiros momentos do neolítico no cres-cente fértil, que Gordon Childe a batizou de Revolução Urbana.

É a cidade-estado que surge no horizonte da experiênciahumana. São nelas que se consolidam, e se expressam pela pri-meira vez, de forma clara e contundente, práticas culturais queestão no cerne do que concebemos como vida civilizada. A es-crita e a máquina estatal com seus aparatos burocráticos e mili-tares complexos são alguns dos exemplos que podem ser cha-mados para mostrar a importância das realizações operadas nes-se momento. Nesta aula, abordaremos os desdobramentos des-se processo na Mesopotâmia.

INTRODUÇÃO

Mapa cartográfico da mesopotâmia (datado de 600 a.C.), gravado sobre uma placa deargila com descrição em escrita cuneiforme. Acredita-se que a escrita cuneiformetenha sido criada pelos sumérios, por volta de 3.500 a.C.(Fonte: http://www.ufrgs.br).

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A Cidade-Estado mesopotâmica

Como resultado do processo iniciado com a formação dealdeamentos sedentários assentados em atividades agro-pastoris estáveis, por volta 4 mil anos atrás, a Suméria, na Baixa

Mesopotâmia, já apresentava importantes núcle-os urbanos. Eram doze cidades mais importantesque subordinavam numerosas aldeias menores. Foia região mais antiga do planeta a se urbanizar.

A Mesopotâmia – nome dado pelos gregos e que significa “ter-ras entre dois rios” – compreendia os vales e planícies irrigadospelos rios Tigre e Eufrates, onde hoje é o território do Iraque eterras próximas. Inserida na área do crescente fértil, a Mesopotâmiaestendia-se desde os montes Zagros no Irã, a leste, até os desertosda Arábia, a oeste, contando com os rios que desciam das monta-nhas em direção ao Golfo Pérsico. Podemos dividir a Mesopotâmiaem duas regiões com aspectos climáticos distintos. Ao norte, a AltaMesopotâmia, mais elevada e menos propícia à agricultura de irri-gação, porém rica em recursos florestais. Ao sul, onde se localizavaa suméria, a Baixa Mesopotâmia, pouco servida de chuvas, porémpropícia à agricultura, desde que realizadas obras de irrigação.

(Fonte: history.howstuffworks.com).

A MESOPOTÂMIA

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A Baixa Mesopotâmia é uma região de poucas chuvas e a agri-cultura ali era possível graça às águas dos rios Tigres e Eufrates.Ambos nascem nas montanhas da Anatólia. São as chuvas e o de-gelo de primavera, na região de suas cabeceiras, que garantem aesses dois rios o fluxo de água suficiente para as atividades agríco-las desenvolvidas nas áridas regiões, banhadas por eles mais ao sul.

As inundações do Tigre e do Eufrates fertilizavam as terras epossibilitavam a agricultura, porém eram violentas e precisavamser controladas. Para a prática da agricultura em suas margens, eranecessária a construção de diques e canais de irrigação, com a fina-lidade de proteger a colheita e garantir água para os períodos maissecos. Assim, desenvolveram-se nas cidades mesopotâmicas com-plexos sistemas de irrigação que lhes permitiram drenar pântanos,armazenar água e proteger os campos contra as inundações.

Atribui-se aos sumérios o desenvolvimento da vida civilizadana baixa Mesopotâmia. Há muita controvérsia a respeito de suasorigens. Acredita-se que tenham sido um povo oriundo dos planal-tos iranianos, mas há os que afirmam que procediam das própriasplanícies mesopotâmicas. Outros preferem utilizar o termo sumériode maneira restrita apenas para identificar uma língua predominan-temente falada no sul da mesopotâmia, sem associá-la a característi-cas sócio-culturais específicas. Enfim, há muita discussão a respeitode suas origens, porém nada pode ser afirmado com certeza.

OS SUMERÍOS

Antes da chegada dos sumérios, a baixaMesopotâmia fora ocupada por um povo nãopertencente ao grupo semita, modernamenteconhecido como ubaida, termo derivado dacidade de al-Ubaid, onde foram encontradosseus primeiros vestígios. Primeira forçacivilizatória presente na área, os ubaidas

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A Cidade-Estado mesopotâmica

estabeleceram-se no território entre 4500 e 4000 a.C. Drenaramos pântanos para a agricultura, desenvolveram o comércio eestabeleceram indústrias, entre as quais manufaturas de couro,metal, cerâmica, alvenaria e tecelagem. Mais tarde, vários povossemitas infiltraram-se no território dos ubaidas e formaram umagrande civilização pré-suméria. O povo conhecido comosumério, cuja língua predominou no território, veioprovavelmente da Anatólia e chegou à Mesopotâmia por voltade 3300 a.C. No terceiro milênio, haviam criado pelo menos12 cidades-estados: Ur, Eridu, Lagash, Uma, Adab, Kish, Sipar,Larak, Akshak, Nipur, Larsa e Bad-tibira. Cada umacompreendia uma cidade murada, além das terras e povoadosque a circundavam, e tinha divindade própria, cujo templo eraa estrutura central da urbe.Disponível em http://paginas.terra.com.br > Acessado em 21/03/2008

RELIGIOSIDADE

Gordon Childe, descrevendo o processo de formação dascidades sumérias, cita o exemplo de Erech. Ela começou comoum aldeamento de agricultoresneolíticos. Em seus níveis mais an-tigos estão presentes vestígios decabanas de juncos e casas de tijo-los de barro. Atesta-se, também, ouso crescente do metal e introdu-ção da roda de cerâmica. Mas, desúbito, no registro arqueológico, sur-gem alicerces de uma construçãomonumental: um templo e, próxi-mo a ele, um ziggurat, monumentoreligioso feito em forma de um mon-te que se elevava em direção ao céu.

O Zigurate de Ur, de cerca de 2.150 a 2.050 a.C.Fonte: http://www.novomilenio.inf.br. Imagem retirada deGARBINI, Giovanni. O Mundo da Arte - Mundo Antigo. Rio deJaneiro: Encyclopaedia Britannica do Brasil, 1979.

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Esse primeiro ziggurat de Erech, feito de barro, tinha mais de 10metros de elevação. Gordon Childe descreve que seus flancos íngre-mes eram amortecidos por saliências que se alternavam com depres-sões adornadas com milhares de pedaços de cerâmica, colocados ladoa lado em fileiras cerradas sobre a superfície de barro do ziggurat,como fazemos hoje ao colar azulejos em nossas paredes. No topo daelevação havia um santuário e uma escada pela qual a divindade ce-lebrada poderia descer dos céus.

A organização política das cidades sumerianas é mais difícilde ser delimitada, mas já surgem apresentando a importância dareligião em sua constituição. No princípio a função de organiza-ção dos negócios da cidade estava a cargo do templo. Toda cida-de organizava-se em torno de um. Era no interior desses tem-plos que residia um funcionário denominado en, sumo-sacerdo-te que assumia funções administrativas e que em tempo de guer-ra exercia a chefia militar. Acredita-se que o en era eleito poruma assembléia formada pelos homens livres da cidade.

A partir da segunda metade do terceiro milênio, promoveu-se a separação entre o templo, representado pelo en, e o palácio,que passou a encabeçar as funções administrativas, militares etambém religiosas. O soberano, quando governador de uma únicacidade, recebia o título de ensi, e de lugal quando conseguia es-tender sua autoridade para várias outras cidades-estado.

Necessário à defesa do território e das rotas comerciais, àsconquistas e aos saques, o comando militar teria sido um dosprincipais fatores para o surgimento de uma monarquia heredi-tária separada dos templos. Com o passar do tempo, o templo ea assembléia dos homens livres foram perdendo espaço para osoberano (ensi), consolidando assim o poder monárquico, quepassou a concentrar funções militares, administrativas e a su-pervisão das obras de irrigação.

Embora as cidades-estado da Mesopotâmia tenham surgidocomo entidades independentes umas das outras, as disputas en-

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A Cidade-Estado mesopotâmica

tre elas levaram à formação de impérios de caráter mais ou menoscentralizado, por todo longo período de sua história. Entre eles des-tacam-se: o de Sargão I, dando início ao domínio da cidade de Ácadesobre a baixa e média Mespotâmia, e o Primeiro Império Babilônico,que teve em Hamurabi seu principal soberano. O dos assírios, quechegou a se estender até o Egito; e o Segundo Império Babilônico,que teve seu auge com Nabucodonossor.

Versando sobre dificuldades presentes nos estudos sobre aAntigüdade Oriental, Ciro Flamarion Cardoso observa que é ar-riscado fazer generalizações simplistas e amplas demais ao se tra-tar de civilizações complexas, que duraram milhares de anos e atra-vessaram múltiplas e variadas contingências em sua tão longa tra-jetória (CARDOSO, p. 59). Tal advertência nos alerta para umdos principais perigos que enfrentamos ao abordamos a históriadesses povos: o das explicações resumidas que pretendem em pou-cas linhas ou palavras abarcar séculos de história. Tomemos comoexemplo a história mesopotâmica ou egípcia. São centenas de sé-culos, e essas sociedades não permaneceram imutáveis, sempre damesma forma, elas também se transformavam.

Caso estivéssemos realizando um estudo de história em quese pretendesse descrever o comportamento dos brasileiros, comodeveríamos proceder? São quinhentos anos de história! Seria cor-reto fazermos um resuminho que compreendesse tudo e a to-dos?! Os resuminhos, embora muito valorizados pelas exigênci-as escolares contemporâneas, são a morte da história como pos-sibilidade de estudo e compreensão das sociedades humanas.Talvez sirvam para provas e concursos, mas não para o espíri-to. Assim, nesse curto espaço que dispomos, focaremos nossaatenção para uma questão específica: a interação entre poder,cultura e sociedade.

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História Antiga I

ATIVIDADES

Um elemento importante para se compreender a natureza da rela-ção entre poder, cultura e sociedade é que a cidade-Estado no cres-cente fértil já apresenta, em seus primeiros momento, grandesdesigualdades sociais. Elas não eram igualitárias. Nelas notamos apresença de elites sociais, que por meio de diversos mecanismosse apropriavam da maior parte da produção social. Nessa rede depoder, a massa de camponeses encontrava-se nas mais variadasformas de subordinação, tendo uma vida miserável.

É muito difícil, talvez mesmo impossível, traçar um quadrosatisfatório de como viveriam essas camadas camponesas e comointeragiriam com as estruturas de poder, pois as fontes docu-mentais de que dispomos não nos permitem tal empreitada. Otexto de Ciro Flamarion, apresentado nessa atividade, versa so-bre esse problema: o da natureza da relação entre a estrutura depoder - representada pelo estado - e a religião e a cultura noAntigo Oriente Próximo. Leia-o atentamente e depois respondaas perguntas solicitadas. Bom trabalho!

[Uma das características comuns às sociedades do AntigoOriente Próximo] é o caráter fortemente monárquico dacultura mais intelectualizada da época. Tal cultura eruditados grupos dominantes é a única que, devido adocumentação disponível – em sociedades nas quaisaprender a ler e escrever era privilégio reservado a poucos-, podemos conhecer melhor, embora sejam perceptíveiscertos impactos da cultura popular sobre a oficial, emespecial em matéria de religião. [...] Os templos erampartes integrantes do Estado. O rei, por suas atribuiçõese por concentrar os recursos necessários, era construtorpor excelência de santuários e outros edifíciosimportantes, o patrono maior do artesanato e da artes –domínio, aliás, indistinguíveis, não havendo, então, anoção de que um artista fosse algo distinto de um artesão

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[...] As épocas de forte centralização monárquica foram,também, as de florescimento artístico, e a cultura em suasdiversas manifestações fala-nos mais dos deuses e dos reisdo que de qualquer outra coisa (CARDOSO, p. 57).

1. Segundo Ciro Flamarion Cardoso, o que conhecemos das so-ciedades do Antigo Oriente Próximo provém de fontes docu-mentais que se relacionam com o que ele chama de cultura eru-dita oficial. O que seria, segundo ele, essa cultura erudita oficial?2. Quais seriam as causas apontadas por ele para que os vestígioshistóricos que hoje permitem o estudo das sociedades do AntigoOriente Próximo pertençam a esfera da cultura erudita oficial?

COMENTÁRIO SOBRE AS ATIVIDADES

1. Ciro Flamarion distingue cultura erudita oficial e culturapopular. Para ele, a cultura erudita seria a das elites,compostas pelos grupos dominantes.2. No texto acima são apontados basicamente dois fatores.A escrita, nessas sociedades, era domínio de poucos,restringindo assim a possibilidade dos documentos escritosexpressarem pontos de vista que se relacionassem com maisvastos setores da sociedade. Outro fator apontado porFlamarion é que no Antigo Oriente Próximo o Estado erao principal agente patrocinador das artes em geral, e asproduções que patrocinava falam muito mais de reis e deusesdo que de aspectos comuns da vida cotidiana.

O ESTADO

Chamamos de Estado a estrutura de poder pela qual se exerciao domínio social e pela qual se organizavam diversos aspectos dacoletividade. Uma das principais características da organização es-tatal na Mesopotâmia era a vinculação entre as esferas política e

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História Antiga I

religiosa da sociedade. Composta por um corpo burocrático e mili-tar, era organizada em torno de templos e palácios, não apresentan-do delimitação entre o que modernamente chamaríamos de esferasreligiosa e política.

No Antigo Oriente Próximo, religião e política não erampercebidas como campos distintos, mas sim como parte da mes-ma realidade. Segundo Ciro Flamarion, o termo religião nemseria passível de ser traduzido para as línguas dos povos antigo-orientais. A separação entre o domínio religioso e outros domí-nios, algo que parece corriqueiro para nós, não faria qualquersentido para um egípcio ou mesopotâmico antigo, pois a reli-gião estando em toda parte, não poderia ser percebida como se-tor circunscrito da realidade e da vida social. É nesse sentido que,no texto acima, Ciro Flamarion escreve que “os templos erampartes integrantes do Estado. O rei, por suas atribuições e por con-centrar os recursos necessários, era construtor por excelência de san-tuários e outros edifícios importantes”.

O Estado se apresentava como uma monarquia de caráterdivino, na qual o soberano era relacionado de alguma forma comos deuses que, pelos seus favores, propiciariam prosperidade efelicidade. O soberano governava apoiado em um corpo buro-crático e militar que abrigava os mais diversos tipos de funcioná-rios e soldados, dos mais humildes aos mais graduados.

Veja o exemplo que selecionamos abaixo. Trata-se do pre-âmbulo do Código de Hamurabi, no qual o soberano é apresen-tado como alguém que se constitui em um intermediário privile-giado entre os deuses e a sociedade

Quando o alto Anu, rei de Anunaki e Bel, Senhor daTerra e dos Céus, determinador dos destinos do mundo,entregou o governo de toda a humanidade a Marduk;quando foi pronunciado o alto nome da Babilônia,quando ele a fez famosa no mundo e estabeleceu umduradouro reino, cujos alicerces tinham a firmeza do céu

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e da terra, por esse tempo Anu e Bel me chamaram, a mimHamurabi, o excelso príncipe, o adorador dos deuses, paraimplantar justiça na terra, para destruir os maus e o mal, paraprevenir a opressão do fraco sobre o forte, para iluminar omundo e proporcionar o bem estar do povo. Hamurabi,governador escolhido por Bel, sou eu, o que trouxe a abundânciaà terra, o que fez a obra completa para Nippur e Burilu; o quedeu vida à cidade de Uruk; supriu água com abundância aosseus habitantes, o que tornou bela a cidade de Brassippa; o queeceleirou grãos para a poderosa Urash; o que ajudou o povoem tempo de necessidade; o que estabeleceu a segurança naBabilônia; o governador do povo, o servo cujos feitos sãoagradáveis a Anu.

Hamurabi é apresentado como um soberano que recebeu amissão de implantar a justiça, acabando com os males e a opres-são. O texto apresenta-o como escolhido dos deuses, que trou-xe aos mesopotâmicos colheitas fartas, água em abundância, se-gurança, ordem, e que, em tempos difíceis, ajudou o povo ne-cessitado.

O CÓDIGO DE HAMURABI

O nome de Hamurabi (1792-1750 ou 1730-1685 A.C.)permanece indissociavelmente ligado ao código jurídicotido como o mais remoto já descoberto: o Código deHamurabi. [...] Seu código estabelecia regras de vida e depropriedade, apresentando leis específicas, sobre situaçõesconcretas e pontuais [...] O texto de 281 preceitos foireencontrado sob as ruínas da acrópole de Susa por umadelegação francesa na Pérsia e transportado para o Museudo Louvre, Paris. Consiste em um monumento talhadoem dura pedra negra e cilíndrica de diorito. O tronco depedra possui 2,25m de altura, 1,60m de circunferência na

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parte superior e 1,90m na base. Toda a superfície dessa“estela” cilíndrica de diorito está coberta por denso textocuneiforme, de escrita acádica. Em um alto-relevo retrata-sea figura de “Khammu-rabi” recebendo a insígnia do reinadoe da justiça de Shamash, deus dos oráculos. O códigoapresenta, dispostas em 46 colunas de 3.600 linhas, ajurisprudência de seu tempo, um agrupamento de disposiçõescasuísticas, de ordem civil, penal e administrativa.

ATIVIDADES

Caro aluno ou cara aluna, esta atividade tem por finalidade cha-mar a atenção para a estrutura social das cidades mesopotâmicas,embora esse seja um assunto difícil devido à carência de fontes arespeito. Uma de suas características básicas é que já em seus pri-meiros momentos apresentam-se com grande desigualdade social.De um lado, temos elites sociais que se apropriavam da maiorparte das riquezas produzidas, de outro, a maior parte da popula-ção, submetida a diversas formas de sujeição, vivendo em situa-ção de pobreza. Gente que trabalhava nas lavouras e construía osmonumentos arquitetônicos que compunham a cidade. Leia otexto abaixo e depois responda as questões.

Os habitantes das cidades podiam ser divididos em doisgrupos principais: os que se beneficiavam das conexões coma corte e com o templo, o que lhes conferia o uso de meiospróprios de produção, e os que eram completamentedependentes das organizações de palácio e do templo. A maiorparte dos meios de produção estava sob o controle de vastoscomplexos de templos e de palácios reais, apesar de indivíduosprivados também possuírem terras. O templo e o palácioderivavam suas rendas principalmente da agricultura, seja deforma direta ou através do pagamento de tarifas e taxas. A

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administração central recebia a maior parte da receita e faziaa redistribuição. As duas organizações possuíam um grandenúmero de funcionários, “pagos” com alimentos, vestimentase assim por diante. Os dependentes, em grau maior oumenor, das organizações do templo e do palácio podemprovavelmente ser divididos em camponeses, artesãos,escravos e mercadores, cujas situações variavam de acordocom o período (McCall, p. 30).

1. Segundo o texto apresentado acima, na mesopotâmia, a mai-or parte dos meios de produção e das riquezas produzidas estavasob o controle de quais instituições?2. Segundo o texto, qual era a relação que se estabelecia entre adesigualdade social e os templos e os palácios?

COMENTÁRIO SOBRE AS ATIVIDADES

1. A maior parte dos meios de produção e das riquezasproduzidas estava sob o controle dos templos e dos palácios.2. Segundo Mc Call, a população das cidades podia serdividida em dois grupos principais: os que se beneficiavamdas estruturas dos templos e dos palácios, grupo formadopelas camadas mais ricas da sociedade; e os que seencontravam em situação de sujeição e dependência,formados por camponeses pobres e escravos.

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Foi na região da mesopotâmia que ocorreram as primeirasexperiências que levaram à constituição da vida civilizada.

A presença de núcleos urbanos, da escrita, de uma complexa divisãodo trabalho, de profundas desigualdades sociaise a organização do poder assentada em um com-plexo aparato estatal são algumas das caracterís-ticas mais marcantes do modo de vida que teve

na Suméria, talvez, o seu pólo original de desenvolvimento.

RESUMO

Por volta de 4 mil a.C., surgiu na baixa mesopotâmia uma novaforma de organização social e política que deu origem ao quenós conhecemos hoje como civilização: a cidade-Estado.A cidade-Estado mesopotâmica constituiu-se politicamente

como monarquia teocrática. A estrutura estatal apoiava-se emuma rede de templos e palácios e tinha no soberano, pelo menosem tese, o seu chefe. A agricultura, praticada graças às obras deirrigação, era a sua principal atividade econômica.

AUTO-AVALIAÇÃO

1. Qual era a principal atividade econômica nas cidades-Es-tado sumerianas?2. Cite uma característica da organização política nas cidadesmesopotâmicas.

CONCLUSÃO

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A Cidade-Estado mesopotâmica

COMENTÁRIO SOBRE AS ATIVIDADES

1. A agricultura irrigada que utilizava o regime de cheias dosrios Tigre e Eufrates para fertilizar a terra e obter a águanecessária para o plantio.2. Elas constituíam-se na forma de monarquia de caráterteocrático, na qual o soberano apresentava-se como osenhor de uma rede de templos e palácios.

PRÓXIMA AULA

Na próxima aula abordaremos alguns aspectos dasociedade do Antigo Egito.

REFERÊNCIAS

CARDOSO, C.F. Sete olhares sobre a Antiguidade. 2 ed. Brasília:Editora UNB, 1998.MCCALL, H. Mitos da Mesopotâmia. Trad. Geraldo Costa Filho.São Paulo: Ed. Moraes, 1994.CHILDE, G. A Evolução Cultural do Homem. 5 ed. Trad.Waltensir Dutra. Rio de Janeiro: Ed. Guanabara, 1981.

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METMETMETMETMETAAAAAApresentar as característicasbásicas da organização doEstado no Egito Antigo e discutira natureza da documentaçãodisponível a respeito da realezafaraônica.

OBJETIVOSOBJETIVOSOBJETIVOSOBJETIVOSOBJETIVOSAo final desta aula, o alunodeverá:listar as característicasgeográficas do Egito Antigo;identificar a importância do rioNilo para a vida econômicaegípcia;identificar as características daorganização política das cidadesmesopotâmicas;identificar a natureza dadocumentação disponível arespeito da realeza faraônica.

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PRÉ-REQUISITOSPRÉ-REQUISITOSPRÉ-REQUISITOSPRÉ-REQUISITOSPRÉ-REQUISITOSTer assimilado o conteúdo daaula “A cidade sagrada deNippur”.

O EGITO ANTIGO

A Grande Esfinge de Gizé (em primeiro plano) e a Grande Pirâmidede Quéops (ao fundo), construída por volta de 2550 a.C. como monu-mento funerário do faraó Quéops (Khufu), segundo rei da 4ª Dinastiaegípcia, para servir como túmulo quando ele morresse.(Fonte: http://www.colegiosaofrancisco.com.br).

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História Antiga I

Caro aluno ou cara aluna, vamos continuar com anossa incrível viagem no tempo, simplesmente anali-sando as páginas da História. Na aula anterior estuda-

mos alguns aspectos da organização da vidacivilizada, assim como ela se constituiu nasprimeiras cidades-Estado Mesopotâmicas.Nessa aula, abordaremos alguns fundamen-

tos da organização da vida civilizada no Egito Antigo, nos aten-do basicamente, como fizemos na aula anterior, à organizaçãodo Estado e da representação da figura do soberano.

Máscara mortuária do faraó Tutankámon.(Fonte: http://www.images.google.com.br).

INTRODUÇÃO

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O Egito Antigo

O Egito Antigo compreendia a estreita faixa de terra situada às margens do rio Nilo. A ocupação humana estendia-se de seis a cinco quilômetros de distância de cada

margem do rio. A Leste e a Oeste, era cercado por desertos inóspi-tos que lhe serviam de barreiras naturais de pro-teção. Ao Norte, o mar Mediterrâneo. Ao Sulfazia limites com a terra dos núbios, muitas ve-zes alvo da cobiça expansionista da monarquiaegípcia. Não seria fora de propósito afirmar queo Egito Antigo constituía-se em um imenso oá-sis, banhado pelas águas do Nilo, encravado nomeio de um ambiente desértico. Nesse sentido,vale a pena repetir as palavras do historiador gre-go Heródoto ao descrever essas terras: “O Egi-to era um presente do Nilo”.

A agricultura, principal fonte de sustento daeconomia egípcia, dependia exclusivamente daságuas do rio Nilo e de seu regime de inunda-ções, motivadas por chuvas e derretimento deneve em suas cabeceiras. As cheias do rio ocor-riam entre agosto e novembro. Depois as águasescoavam e o rio retornava para o seu leito. Apósesse período, com a terra fertilizada pelo húmus trazido pela inun-dação, os egípcios iniciavam o trabalho de cultivo.

A questão de como começou o povoamento do vale do Nilo eda origem do Estado faraônico é complexa e sobre o assunto nadaé possível ser dito de definitivo. Portanto, a esse respeito, não va-mos nos ater à questão das origens. Sobre ela, destacaremos apenasde que forma os elementos que a compõem interagiram para a for-mação de aldeias agrícolas, que lentamente caminharam para a for-mação de um complexo aparelho estatal.

As margens do rio Nilo proporcionavam um ambiente favorávelpara a presença de grupos humanos. Nelas encontramos vestígios decomunidades humanas desde a fase paleolítica. Eram grupos de ca-

Mapa representando o Egito Antigo.(Fonte: http://www.images.google.com.br).

EGITO ANTIGO

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História Antiga I

çadores e coletores que ali se instalavam com o propósito de aprovei-tarem os recursos alimentares proporcionados pela rica vida animal evegetal existente em suas águas e margens.

Os primeiros vestígios de culturas neolíticas datam de 4500anos a.C. Eram pequenas aldeias nas quais se praticava uma agri-cultura rudimentar. Essas aldeias, em um processo de centraliza-ção motivado por diversos fatores, tenderam a se organizar emnomos, comunidades autônomas chefiadas por um nomarca.Como resultado desse movimento centralizador, durante o perío-

do pré-dinástico, surgiram duas estruturas políticas: o Alto e oBaixo Egito, que posteriormente foram unificadas, formando o es-tado faraônico do Egito Antigo.

Era uma divisão administrativa do Egito Antigo. O número denomos variou ao longo da história entre trinta e cinco e osquarenta e dois. Cada nomo tinha a sua capital (niwt), umemblema próprio, um número e uma divindade tutelar à qualera dedicado um templo. Cada nomo dispunha igualmente dassuas próprias regras e de festas locais. A existência de nomosno Antigo Egipto remonta ao período pré-dinástico, quandovárias cidades se uniram para formar um território unificadosob determinado poder.À frente de cada nomo encontrava-se o nomarca.Este cargo foi em geral hereditário, embora emteoria o faraó pudesse nomear quem entendessepara desempenhar o cargo. Em geral, quando opoder real era sólido, era o faraó que nomeava onomarca. Em outros casos, como na altura dasguerras civis ou de invasões estrangeiras, osnomos organizavam-se por si próprios.Disponível em : http://pt.wikipedia.org/wiki/Nomo > Acessado em 21/03/2008

É o período de tempoantes de o Egito ser uni-ficado, entre 4500-3000a.C

Período pré-dinástico

NOMO

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O Egito Antigo

Uma das características principais da sociedade egípcia era que aquase totalidade das atividades econômicas estavam sobre o contro-le estatal. Aqui, como também o fora na Mesopotâmia, o complexoestatal era formado por um corpo burocrático e sacerdotal, espalha-do por uma rede de palácios e templos.

A maior parte das terras agricultáveis era controlada pelo go-verno central. Quando cessavam as inundações e chegava a épocada semeadura, funcionários ligados à estrutura do Estado avalia-vam a extensão das terras aráveis disponíveis para o ano em ques-tão, e a disponibilidade de mão de obra para cultivá-las. Era deacordo com essa avaliação que se distribuíam as sementes neces-sárias e estipulava-se a quantidade de grãos que seriam pagos comoimpostos aos celeiros do Estado. Dessa forma a maior parte daprodução agrícola era canalizada para a máquina estatal.

O Estado faraônico funcionava assim como uma grande es-trutura que concentrava a maior parte da riqueza produzida noreino. Com ela financiava suas obras, construía templos, manti-nha obras de irrigação, distribuía comida em épocas de penúria egarantia a vida faustosa da aristocracia burocrática e sacerdotal.

O faraó ocupava a mais alta hierarquia dessa complexa má-quina estatal, cujas funções se ramificavam para diversos setoresda sociedade. A associação de sua figura com o mundo divinoparece ser ainda mais estreita do que na Mesopotâmia. Em mui-tos dos testemunhos documentais, o faraó é representado como aprópria manifestação da divindade, ele mesmo sendo o deus, e nãoum intercessor privilegiado, como se pode ver no canto em home-nagem da coroação de Ramsés IV, reproduzido abaixo

Ó dia feliz! O céu e a terra estão alegresporque tu és o senhor do Egipto!Os que fugiram regressaram,os que se escondiam apareceram;os que tinham fome estão saciados e alegres.os que tinham sede embriagaram-se,

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História Antiga I

os que estavam nus estão vestidos de linho fino,os que estavam sujos resplandecem.Os que estavam na prisão estão livres,os que estavam tristes estão alegres;os que combatiam neste país, pacificaram-se[...]Todos resplandecem de júbilo desde que foi dito:“o rei do alto e do baixo Egitoostenta de novo a coroa branca!O filho de Rá, Ramsés,Ocupou o trono que foi de seu pai!”As duas terras dizem-lhes:“Belo é Horus no trono de seu pai Ámon-Rá [...](HORNUNG, 1994).

O canto apresenta o Faraó, soberano egípcio, comoa própria manifestação divina do deus Hórus. Como noexemplo de Hamurabi, ele também aparece como o pro-motor da felicidade, justiça, ordem e abundância. Maslembre-se, caro aluno ou cara aluna, neste caso tambémse trata de um documento oficial ligado às esferas dopoder. A imagem divina do soberano, promotora da jus-tiça e da riqueza, liga-se basicamente às esferas oficiais.É a própria instituição da realeza falando sobre ela mes-ma. É uma auto-imagem da monarquia faraônica, que ex-pressa a forma como ela quer ser vista, temida e reveren-ciada. Não podemos tomá-la como retrato fiel da realida-de, considerando que toda sociedade responderia de ma-neira mecânica ao poder do faraó, pois este sendo um deusa tudo comandava e todos, de bom grado, deveriam servi-lo, trabalhando e pagando tributos. Em que medida a mas-sa da população pobre e miserável egípcia respondia posi-tivamente a essa versão oficial do Estado egípcio, subme-tendo-se resignadamente ao faraó divinizado, é uma ques-tão que , infelizmente, a natureza dos documentos que

Estátua representando o faraóRamsés IV com Amón(Fonte: http://lh6.ggpht.com).

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O Egito Antigo

nos servem de fontes para a reconstrução histórica Egito Antigo tal-vez nunca nos possibilite responder.

ATIVIDADES

Querido aluno ou querida aluna, esta atividade tem por finalidadeproporcionar um momento para que você possa refletir sobre opapel dos camponeses nas sociedades formadas pelos grandes es-tados do crescente fértil, nos inícios do período histórico. Leia otexto abaixo e depois responda as questões propostas.

Desde os tempos imemoriais até os nossos dias, o Egiptosempre foi, acima de tudo, um país agrícola. A agriculturafoi sempre a base da sua economia e, no decorrer de sualonga história, o seu bem estar e a sua prosperidade sempredependeram dos produtos da terra. Foi o cultivo da terraou, em última análise, o constante, perseverante, duro,obscuro e, muitas vezes, desprezado e sempre malremunerado trabalho do agricultor que tornou possível todasas obras que deram ao Egipto uma posição de primeiro planoentre as nações da Antiguidade pré-clássica. As pirâmides deGizé, as syringae tebanas, as estátuas colosssais, os obeliscose os templos imponentes que surpreenderam os visitantesgregos e romanos, tal como surpreendem ainda hoje osturistas modernos, as jóias finamente trabalhadas, os linhosfiníssimos, as alfaias e os utensílios de todo o género, hoje dispersosem colecções por todo mundo, o conforto doméstico da camadasuperior da população, as conquistas militares, a expansãocomercial, a influência e o prestígio no exterior, em suma, toda aherança deixada pelo Egipto à humanidade tem na sua base osuor do rosto do camponês. Durante os três milénios da históriado Egipto, o camponês foi a espinha dorsal da nação. Todavia,conhecemo-lo e conhecemos a sua classe social de uma formaconfusa, imperfeita e unilateral. Nada sabemos diretamente, isto

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História Antiga I

COMENTÁRIO SOBRE AS ATIVIDADES

1. Sendo a agricultura a principal atividade econômica doEgito Antigo, Caminos argumenta que era o trabalho pesadodos camponeses que gerava a riqueza que sustentava aopulência da civilização egípcia.2. Os camponeses viviam de forma miserável, situando-seno nível mais baixo das hierarquias sociais.3. A dificuldade para se estudar as opiniões e crenças dos

é, através de documentos redigidos na primeira pessoa que tenhamchegado até nós. É um fato desagradável, mas que não surpreende;na realidade sendo majoritariamente analfabetos, os camponesesegípcios não nos deixaram testemunhos escritos de sua vida e dassuas pessoas, das suas aspirações, das suas esperanças e da suaopinião acerca da sua humilde condição e de seu infortunadodestino. O camponês situava-se no degrau inferior da escala social,era uma molécula da enorme massa de gente vulgar, indistinta,que constituía a maioria da população egípcia. Lutava durantetoda a vida com miséria, as privações e o cansaço físico edesaparecia sem deixar no mundo vestígios de si próprio: o secadaver era abandonado no deserto ou, na melhor das hipóteses,era lançado para uma estreita vala cavada na areia, sem qualquerpedra tumular com o seu nome (CAMINOS, 1994).

1. Com quais argumentos o autor do texto citado acima justificasua afirmação de que o camponês egípcio constituía a espinhadorsal da nação?2. Qual era condição social dos camponeses egípcios, segundo adescrição no texto acima?3. Por que, segundo o texto, é difícil saber quais seriam as opiniões doscamponeses a respeito das condições sociais em que se encontravam?

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O Egito Antigo

As fontes históricas sobre o Egito Antigo apresentam principalmente visões das elitesda época. A escultura ao lado, feita durante o Médio Império, 12ª Dinastia, representaportadores de oferendas.(Fonte: http://www.upload.wikimedia.org).

camponeses egípcios deve-se à inexistência de fontesdocumentais deixadas por eles a respeito de suas própriascrenças e valores, pois não sabiam escrever, não deixando assimtestemunhos diretos deles mesmos.O camponês egípcio vivia pobre e miseravelmente. Emboraas fontes sobre as suas condições de vida sejam escassas, háalguns testemunhos que permitem vislumbrarmos algunsaspectos de suas vidas. A Sátira dos Ofícios, obra que data doimpério médio (2150-1750 a.C.) é uma delas. Nela, referindo-se ao sofrimento do camponês, afirma-se o seguinte:

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História Antiga I

O camponês passa a vida a lamentar-se tem a voz roucacomo a do corvo.Tem feridas fétidas nos dedos e nos braços.Está farto de estar na lama, e veste-se de farrapos e de trapos.É como se vivesse entre os leões; quando adoece, jaz notúmulo húmido.Quando abandona o campo e regressa a casa, à tardinha,fica exausto com o caminho.(CAMINOS, 1994).

A vida do camponês era dura, pobre e cheia de canseiras. Oque será que o mantinha nessa condição de sujeição? Seria ape-nas a crença na divindade do soberano? Como nos alertaCaminos, é difícil responder a essa questão, pois não temos fon-tes documentais a respeito de suas crenças e aspirações. O quetemos são relatos indiretos, provenientes das esferas da culturaerudita oficial.

As crenças de caráter religioso devem ter sido um dos fato-res fundamentais na rede de poder que sustentava privilégioseconômicos e sociais para uma pequena parte da população egíp-cia, porém não devemos deixar de lado o papel da violência comoinstrumento de exercício do poder. O testemunho reproduzidoabaixo data do período romano e constitui-se em um bom exem-plo das práticas dos cobradores de impostos e dos castigos a queeram submetidos aqueles que se desviassem de suas obrigações

Há pouco tempo, nomearam um cobrador de impostoem nosso distrito. Quando alguns devedores, que estavamatrasados nos pagamentos, naturalmente por serem pobres,fugiram com medo das terríveis conseqüências de umcastigo insuportável, ele apoderou-se a força de suasmulheres, dos filhos, dos pais e de outros parentes, e,para que eles dissessem onde se tinham refugiado os seusparentes ou para que pagassem suas dívidas, espancou-os,pisou-o e fê-los passar por todo gênero de ultrajes e tratou-

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os de modo ignominioso. Mas eles não podiam fazer o queele queria porque não sabiam onde eles estavam e porqueeram tão pobres como os fugitivos. Por isso, o cobradorcontinuou a castigá-los e, por fim, matou-os [...](CAMINOS, 1994).

Bom, caro aluno ou querida aluna, vimos nessa aula al-guns aspectos da vida em sociedade no Egito Antigo.

Apesar de termos apresentado características importantes sobrea organização estatal egípcia, que você deve ter notado se asse-melhar às da Mesopotâmia, o principal ele-mento que gostaríamos de destacar, comoconclusão dessa unidade, é que a naturezada documentação existente sobre as socie-dades do Crescente Fértil limitam nossas possibilidades de estu-dos, portanto devemos ser cautelosos quando lidamos com elas.A grande massa de vestígios e testemunhos dessas épocas é pro-veniente de fontes que, como Ciro Flamarion qualificou, per-tencem à esfera do que ele chamou de cultura erudita, ligada àaristocracia burocrática e sacerdotal. Temos muito pouco doque poderíamos chamar de testemunhos históricos ligados dire-tamente, por exemplo, às camadas camponesas. Os testemunhosque temos dessas sociedades falam-nos muito mais da grandezade seus reis e deuses do que das formas associativas e expressõesculturais que marcavam o dia-a-dia daqueles que cultivavam oscampos e, com o suor do rosto, contribuíram para o fausto eopulência de seus senhores.

CONCLUSÃO

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RESUMO

Nesta aula buscamos mostrar alguns aspectos da organizaçãopolítica, econômica e social do Egito Antigo. A sociedade egíp-cia apresentava profunda desigualdade social. No topo da hie-

rarquia encontrava-se uma aristocracia burocrática e sacerdotalocupando funções de comando na complexa estrutura estatal egíp-cia e usufruindo dos privilégios econômicos advindos de suasposições. No extremo oposto, poderíamos colocar a grande mas-sa da população, formada por camponeses submetidos a diversasformas de sujeição e vivendo em condição de pobreza. A agricul-tura era a principal atividade econômica. Sua prática exigia a cons-trução de diques e canais de irrigação para se controlar o regimede cheias do rio Nilo, que graças às suas inundações fertilizava osolo tornando-o propício ao cultivo. As imagens que retratam ofaraó representam-no como um soberano de caráter divino emtorno do qual orbitava toda a vida egípcia, a quem todos serviame de quem provinham todos os benefícios.

AUTO-AVALIAÇÃO

1. Qual era a importância do rio Nilo para a vida econômicano Egito Antigo?2. Em que medida pode-se afirmar que a visão que possuí-mos do faraó egípcio consiste basicamente na memória que

a própria realeza faraônica quis preservar de si mesmo?

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O Egito Antigo

COMENTÁRIO SOBRE AS ATIVIDADES

1. Eram as inundações do rio Nilo que fertilizavam a terra epermitiam, graças aos sistemas de irrigação, a agricultura noEgito Antigo.2. Os testemunhos históricos que permitem estudar a figurado faraó, como monumentos arquitetônicos, escritahieroglífica e tumbas funerárias, pertencem basicamente aoque Ciro Flamarion denominou de cultura erudita. É evidenteque tal conceito é problemático, pois a divisão entre culturapopular e erudita pode ser facilmente contestada rejeitando-se a divisão entre popular e erudito. Porém, lembramos, caroaluno ou querida aluna, que as questões humanas possuemvários lados, tantos quanto forem as opiniões divergentes quepossam haver sobre elas. Portanto, aqui vamos nos ater aoque a opinião de Ciro Flamarion tem de positivo, para o quede importante ela nos chama a atenção: os vestígios históricosque permitem com que possamos estudar a vida dos egípciosantigos não são neutros. Não são testemunhos produzidospor camponeses. Eles fazem parte de um conjunto derepresentações da realeza faraônica produzidas pela própriarealeza e que tinham a finalidade de exaltar a figura do faraóregistrando sua força, poder e realizações.

PRÓXIMA AULA

Na próxima aula, abordaremos a cidade-Estado grega.

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REFERÊNCIAS

CARDOSO, C.F. Sete olhares sobre a Antiguidade.2 ed. Brasília:Editora UNB, 1998.WIKIPEDIA ENCILOPEDIA DIGITAL. Disponível em http://pt.wikipedia.org. > Acesso em : 21/11/2007.CAMINOS, R.A. O Camponês. In: Sergio Donadoni (org.) O Ho-

mem Egípcio.Trad. Maria Jorge Vilar de Figueiredo. Lisboa: Edi-torial Presença, 1994.HORNUNG, E. O Rei. In: Sergio Donadoni (org.) O Homem

Egípcio.Trad. Maria Jorge Vilar de Figueiredo. Lisboa: EditorialPresença, 1994.

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O Egito Antigo

METMETMETMETMETAAAAAApresentar as característicasbásicas da organização daorganização da pólis e discutiro processo de formação dapólis.

OBJETIVOSOBJETIVOSOBJETIVOSOBJETIVOSOBJETIVOSAo final desta aula, o alunodeverá:listar as característicasgeográficas da Grécia Antiga;listar as características dapólis;descrever o processo deformação da pólis a partir daderrocada das realezasmicênicas.

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PRÉ-REQUISITOSPRÉ-REQUISITOSPRÉ-REQUISITOSPRÉ-REQUISITOSPRÉ-REQUISITOSTer assimilado oconteúdo da aula “Acidade sagrada deNippur”.

A PÓLIS GREGA

Fotografia das ruínas da polis grega. Autoria não identificada.(Fonte: http://www.colegioanchieta-ba.com.br).

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Caro aluno ou cara aluna, nas últimas aulas abordamos aspectos da organização política, econômica e social

das sociedades humanas que se estabeleceram na região do Cres-cente Fértil. Vimos as primeiras sociedadesde agricultores e como a prática da agricultu-ra alterou profundamente a organização dassociedades paleolíticas e abriu o caminho para

a formação das cidades-Estado mesopotâmicas, como também aorganização do Estado egípcio. Sabemos que deixamos de ladomuitos povos que organizaram experiências importantes de or-ganização social no antigo oriente próximo. Para lembrar algunsdeles poderíamos citar os fenícios, hebreus e persas, porém vocêpoderá satisfazer sua curiosidade pesquisando sobre eles nos di-versos sítios que se encontram à disposição na internet.

Nesta aula abordaremos o mundo grego. Não de maneiraexaustiva, é claro, mas explorando alguns de seus aspectos. Oque ficar de fora, não tenha acanhamento: pergunte e pesquise.

O historiador Heródoto (-484/-425).Busto ficcional de mármore de dataincerta, provavelmente do PeríodoImperial. Cópia romana de originalgrego do século IV a.C. Nápoles,Museo Nazionale.(Fonte: http://www.greciantiga.org).

O poeta trágico Sófocles (-496/-405).Cópia romana de estátua grega datadado século V a.C. Musei Vaticani.(Fonte: http://www.greciantiga.org).

INTRODUÇÃO

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A pólis grega

Considerada como início, como origem, a Grécia Antiga tornou-se um dos símbolos de nossa cultura. Encontra-

mos nela as primeiras manifestações de muitas das práticas quehoje se considera como marcas da identidade do chamado mundoocidental. Na Grécia Antiga, vimos surgir oteatro, a filosofia e a democracia. Nela viveramPlatão, Aristóteles, Sófocles, e Heródoto. Paracitar apenas alguns exemplos que demonstrama importância da cultura grega na formação do mundo contem-porâneo.

O que chamamos de Grécia Antiga nunca se constituiu emum Estado unificado, mas em um conjunto de cidades-Estadoautônomas, independentes umas das outras, que por sinal vivi-am em conflitos constantes entre si. A unidade que as definiadava-se pela identidade cultural e lingüística.

Caro aluno ou cara aluna, você deve ter percebido que ao lon-go de nosso curso temos utilizado o termo cidade-Estado de formageneralizada. Nós o usamos para designar a experiência de organi-zação de um povo em torno de um núcleo urbano com governopróprio. Nesse sentido falamos de cidade-Estado na Mesopotâmia,na Grécia e em outras partes do mundo. É um termo genérico quepor comodidade se emprega para denominar experiências de orga-nizações políticas muito distintas entre si. A expressão tem sua vali-dade, porém não devemos perder de vista que ela é utilizada paradescrever experiências muito distintas entre si.

Na Grécia Antiga, nosso vocábulo cidade-Estado é utilizadopara identificar o tipo de organização social que os gregos deno-minavam de pólis. A pólis apresentava-se basicamente como umacomunidade humana compostas por cidadãos (politai em gre-go), abrangendo um núcleo urbano e o território em seu entor-no. A idéia de pólis envolvia a comunidade de cidadãos organiza-da em torno de um conjunto de leis, práticas e instituições.

A pólis era formada pelo conjunto de cidadãos que se reuniampara deliberar a respeito de suas questões coletivas. Porém, caro

GRÉCIA ANTIGA

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aluno ou cara aluna, você deve ficar atento(a) para não confundir ocorpo de cidadãos, que compunha uma pólis, com a totalidade dapopulação que habitava a cidade, pois nem todos eram cidadãos,ou seja, tinham o direito de participação política. Os estrangeiros,os escravos e as mulheres não tinham direitos políticos. Em Atenas,por exemplo, na época de Péricles, somente os homens adultos nasci-dos de pais atenienses possuíam a cidadania plena. Estima-se quedeveriam formar apenas uns 10% da população, ou seja, 30 mil indi-víduos de um total de mais ou menos 300 mil pessoas. Lembrandoque esses dados são estimativos e de forma nenhuma podem ser con-siderados como exatos.

Os elementos básicos que compunham a organização polí-tica da cidade grega eram a assembléia, o conselho e as magistra-turas. Na assembléia se reunia todo o corpo de cidadãos. O con-selho era formado por um pequeno grupo de pessoas escolhidasdentre os cidadãos. E as magistraturas eram cargos de caráterexecutivo com funções específicas como militares ou burocráti-cas. O poder que cada uma dessas esferas de organização políti-ca possuía variava de cidade para cidade.

Nas cidades oligárquicas, eram os conselhos os responsá-veis pela tomada de decisões. Nelas, a assembléia tinha o seupeso político diminuído. Como os conselhos se formavam poruma minoria de cidadãos, convencionou-se chamar essa formade organização de oligarquia (governo de poucos). Nas demo-cracias, ocorria o contrário. Nelas, as assembléias jogavam o papelmais importante no processo de decisão e os conselhos tinhamsua importância política diminuída. Como nas assembléias sereuniam o conjunto dos cidadãos, diz-se que esse sistema consis-tiria no governo do povo ou da maioria.

As cidades-estados gregas se espalharam por uma vasta re-gião. Em seu momento de máxima expansão, o mundo gregoabrangia o sul da península balcânica (a Grécia continental), asilhas do Mar Egeu, formando a Grécia insular, o litoral da ÁsiaMenor - a Grécia asiática – o litoral do mar Negro e também

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A pólis grega

algumas cidades localizadas no litoral do Mediterrâneo oriental eocidental, como, por exemplo, Massília e Naucratis.

ATIVIDADES

O conceito de pólis é de fundamental importância para a com-preensão da formação do mundo grego antigo e da própria orga-nização da História Antiga como disciplina. Esta atividade tempor finalidade proporcionar um momento para que você reflitasobre ele. Claude Mossé, no verbete pólis de seu Dicionário daCivilização Grega, escreve

Pólis

Assim os gregos designavam a forma de Estado maiscomum no mundo helênico, considerada por elesespecífica de sua cultura. Os modernos têm certadificuldade em traduzi-la, pois a palavra cidade tornou-se sinônimo de aglomeração urbana. Esse sentido não eraignorado pelos próprios gregos, já que distinguiam a pólis

(Fonte: VICENTINO,C. História Geral. São Paulo: Scipione, 1997, p.68).

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do território que dela dependia, sendo porém ambosreunidos na cidade-estado. A pólis grega apresentava-seantes de mais nada como uma comunidade humana,composta pelos politai, cidadãos [...] A pólis, entretanto,era inseparável do território em que se estabelecia acomunidade dos politai [...] Em toda pólis gregaencontrava-se as mesmas instituições: assembléia, conselhoe magistrados; mas apenas as cidades democráticas punhama tomada de decisões referentes ao conjunto dacomunidade nas mãos da assembléia reunindo todos oscidadãos, e apenas nelas o poder judiciário era exercidopor juízes escolhidos dentre o conjunto dos cidadãos(MOSSÉ, 2004, p. 240).

Agora, após ter lido atentamente este pequeno trecho, po-rém rico em informações, responda as questões propostas.

ATIVIDADES

1. Quais eram as instituições que Claude Mossé aponta como pre-sentes em todas as pólis gregas?2. Por que podemos considerar que nas cidades democráticas aassembléia era o principal espaço para tomada de decisões?

COMENTÁRIO SOBRE AS ATIVIDADES

1- Em todas as pólis gregas encontravam-se as seguintesinstituições: assembléia, conselho e magistrados.2. Nas cidades democráticas a assembléia era o espaço maisimportante de deliberações. Era nelas que o conjunto doscidadãos se reunia para a tomada de decisões a respeito dasquestões que envolviam a coletividade.

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A pólis grega

A pólis, como experiência histórica de organização social, surgiu naGrécia somente a partir do século VIII a.C. A natureza das fontes his-tóricas que nos servem de testemunhos para estudarmos a evoluçãode sua constituição não permite que possamos descrever um quadroclaro dos fatores que teriam levado à sua formação.

Considera-se que os primeiros povos de fala grega começa-ram a chegar ao sul da península balcânica por volta do final doterceiro milênio a. C. Eles se misturaram aos povos locais, absor-veram suas culturas e também imprimiram suas marcas. Comoresultado desse processo, temos a formação da civilização micênica.

Esses povos se estabeleceram na península balcânica desdeentão, misturando-se aos elementos autóctones. Como resulta-do desse processo, formam-se na região novos modeloscivilizacionais: as realezas micênicas. Vestígios arqueológicos,datados de mais ou menos de 1600 a 1100 a.C. , atestam a pre-sença de suas fortalezas-palácios, que serviam de centros de po-der de uma aristocracia guerreira que dominava o território en-torno, submetendo as comunidades que o habitavam. Hoje, gra-ças aos estudos arqueológicos e à decifração de sua escrita, a Li-near B, sabemos coisas importantes sobre essas realezas.

Escrita Linear B, a primeira forma da escrita grega.(Fonte: http://www.discoverybrasil.com).

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ATIVIDADES

Querido aluno ou querida aluna, nesta atividade reproduzimos umpequeno trecho do livro O Mundo Antigo: Economia e Sociedade deMaria Beatriz Florenzano, versando sobre alguns aspectos da soci-edade micênica. Leia-o e depois responda as questões solicitadas.

Por muito tempo acreditou-se que esta civilização [amicênica] não estaria relacionada à história grega.Entretanto, na década de 1950, a decifração dos tabletesde argila escrito em Linear B (escrita silábica empregadapelos micênicos) provou que a língua que se falava entãojá era o grego. Neste caso, a civilização micênica foi umacivilização grega e como tal deveria figurar como umperíodo a mais dentro de nossa cronologia. Entretanto,o conteúdo dos tabletes decifrados, aliados às informaçõesarqueológicas provenientes dos centros micênicos,demonstram que esses possuíam traços sócio-políticoscaracterísticos do mundo oriental, não senso possível,assim, estabelecer uma continuidade com a Grécia detempos posteriores. No mundo micênico, apesar de tododesenvolvimento material, não existiram cidades, maspequenos Estados que contavam com uma centralizaçãoeconômica e política bastante acentuada. A produção e adistribuição dos gêneros dependiam em cada comunidadede um controle burocrático – daí os tabletes em Linear B– desconhecido na Grécia mais recente(FLORENZADO, p. 11).

1. Qual é o argumento utilizado pela autora para justificar suaopinião de que a civilização micênica deve ser considerada comogrega?2. Segundo a autora, de que maneira a civilização se distinguiriado mundo da pólis grega?

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A pólis grega

COMENTÁRIO SOBRE AS ATIVIDADES

1. A autora observa que a língua que se falava na sociedademicênica já era o grego, relacionando-a assim à civilização grega.2. Segundo a autora a sociedade micênica apresentavacaracterísticas que não eram próprias da pólis grega, mas quese aproximavam mais do mundo oriental com seus estadoscentralizados controladores da vida econômica e política.Os estados micênicos exerciam forte controle sobre a vidaeconômica e também possuíam escribas com a função deregistrar minuciosamente as transações entre o palácio e oconjunto da sociedade.No texto acima, Maria Beatriz Florenzano deixa claro que,embora o mundo micênico fosse de fala grega, a suaorganização distinguia-se muito da Grécia das cidades,aparentando-se mais aos estados das sociedades doCrescente Fértil, como Egito e a Mesopotâmia. Asestruturas da pólis grega não tiveram, portanto, umalinha de continuidade com a organização centralizadae burocrática das realezas micênicas.Em que momento então teria ocorrido a viradaque colocou a Grécia em um caminho bem distintodo trilhado até então pelas sociedades “orientais”do Crescente Fértil? Os vestígios arqueológicosatestam que por volta de 1200 a.C a civilizaçãomicênica entrou em colapso. Muitas de suasfortalezas-palácio foram destruídas. A ocorrênciade incêndios registra-se por toda parte. A tradiçãoremete à causa de tanta destruição à invasão dosDórios, povo belicoso, também de fala grega,porém nada se pode afirmar ao certo sobre o queteria acontecido realmente.A respeito do que aconteceu depois temos poucos

Busto de Péricles, considerado o funda-dor da Democracia em Atenas.(Fonte: http://www.acertodecontas.blog.br).

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testemunhos. Os vestígios arqueológicos atestam adecadência da cultura material, marcada pela pobreza, pelodesaparecimento da escrita e pela baixa qualidade artística etecnológica. Eles pouco nos revelam sobre as formaspolíticas e sociais que se seguiram. O rei micênico, o ánax,exercendo controle centralizado sobre várias comunidadesdesapareceu, permitindo a reorganização das comunidadesem torno de seus chefes locais. Porém, sabemos pouco arespeito do que aconteceu.De certa forma, tateamos no escuro quando buscamos sabersobre o que se seguiu à derrocada micênica. É nesse sentido,o de nosso desconhecimento, que se convencionou chamaresse período - que se inicia em 1200 a.C., com a derrocadamicênica, e perdura até 800 a.C., com o aparecimento dapólis grega - de “idade das trevas”. Foram nessas comunidadesempobrecidas que tivemos a formação da pólis.

ATIVIDADES

Caro aluno ou cara aluna: esta atividade tem por finalidade tra-tar de um aspecto importante a respeito da pólis grega. Comovimos acima, os gregos antigos nunca constituíram um Estadounificado. A Grécia Antiga formava-se de um conjunto de cida-des-estado independentes. As causas que teriam levado a tal frag-mentação política é um dos pontos polêmicos da História Anti-ga grega. Um dos fatores tradicionalmente apontados para talfragmentação é o da geografia grega que por ser montanhosa eentrecortada teria favorecido o isolamento das comunidades,contribuindo assim para a formação de um conjunto de cidadesindependentes politicamente entre si. O texto de Moses Finley,

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A pólis grega

reproduzido abaixo, trata desse tema. Leia-o atentamente e de-pois responda as questões solicitadas.

A fragmentação que caracterizou a Hélade é explicadaem parte pela geografia. Grandes porções de terrenos daGrécia propriamente dita é um tabuleiro de xadrez, commontanhas alternando-se com pequenas planícies ou vales,tendendo a isolar cada reduto de habitação. Na ÁsiaMenor, a região costeira, apresentando quase sempre amesma estrutura, estimulou um padrão de povoaçãosemelhante. As ilhas egéias, igualmente montanhosas, eramem geral bastante pequenas. Mas a geografia não é umaexplicação suficiente, sobretudo quanto aosdesenvolvimentos gregos posteriores. Não explica por quetoda Ática era politicamente unida enquanto sua vizinhaBeócia, pouco maior, abrangia doze cidades-estadosindependentes que, em conjunto, conseguiram resistir àstentativas de domínio de Tebas, a maior; nem por queuma ilha minúscula como Amorgos teve três póleisseparadas ao longo de toda era clássica; nemacima de tudo, por que os gregostransplantaram a comunidade pequena paraa Sicília e o sul da Itália, onde tanto ageografia quanto a autopreservaçãofavoreciam a adoção de territórios bem maisamplos dentro de estruturas políticassimples. Está claro algo bem maior em jogo,uma convicção de que a pólis era a únicaestrutura apropriada para a vida civilizada,convicção que Aristóteles (Política 1253a 7-9) resumiu, nos dias finais da independênciagrega, ao definir o homem com um zoönpolitikon, um ser destinado por natureza aviver numa pólis.

Capa de edição brasileira de A política, deAristóteles.(Fonte: http://www.estantevirtual.com.br).

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1. De que forma Finley descreve o relevo da Grécia Continental?2. Quais são os argumentos que Finley apresenta para questio-nar o determinismo geográfico como a principal explicação paraa fragmentação política do mundo grego?3. Qual é o argumento de Finley para explicar a divisão da GréciaAntiga em cidades-estado independentes?

COMENTÁRIO SOBRE AS ATIVIDADES

1. Finley compara o relevo da Grécia Continental a umtabuleiro de xadrez com montanhas se alternando compequenas planícies e vales.2. Finley cita os exemplos das cidades gregas localizadas naSicília e no sul da Itália, mostrando que lá, embora ageografia favorecesse a unificação, a ocupação seguiu omesmo padrão de comunidades autônomas da Gréciacontinental. Outro exemplo interessante é o da comparaçãoentre a Ática e a Beócia. Enquanto a primeira, região deAtenas, era politicamente unida, na segunda formaram-sedoze cidades-estado, sendo Tebas a maior delas.3. Segundo Finley, o que está em jogo nesta configuraçãodos gregos antigos organizados em diversa póleisindependentes é muito maior do que os aspectos geográficosenvolvidos no problema. Trata-se de uma questão decultural, uma convicção, como ele diz, de que a única formade vida civilizada possível seria a da pólis, a cidade-Estadoautônoma e independente.

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A pólis grega

Caro aluno ou cara aluna: como vimos no decurso destaaula, por volta do século VIII a.C. surgiu no horizonte

da experiência histórica dos gregos antigos uma forma nova deorganização social: a pólis, a cidade-estado in-dependente e autônoma que se constitui apartir de um corpo de cidadãos com direitode participação política e de deliberar sobreos destinos da cidade.

CONCLUSÃO

RESUMO

Como resultado de um longo processo histórico, iniciado coma derrocada do mundo micênico e que perdurou até o séculoVII, temos na Grécia Antiga a formação da pólis. Ela se consti-

tui como uma cidade-estado independente, sendo organizada emtorno de três instituições básicas: a assembléia, o conselho e osmagistrados. Em termos formais, nas cidades oligárquicas o con-selho era a principal instância de decisões, enquanto que nasdemocráticas, era a assembléia que detinha o poder de decidiracerca dos destinos da própria polis, dos cidadãos e dos seusoutros habitantes (escravos, artesãos etc.).

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REFERÊNCIAS

FLORENZANO, M.B. O Mundo Antigo: economia e socieda-

de. São Paulo: Brasiliense, 1982.MOSSÉ, C. Dicionário da Civilização Grega. Trad. Carlos Ra-malhete. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2004.

PRÓXIMA AULA

Na próxima aula, abordaremos alguns aspectosque envolveram a organização social de Atenas,uma das principais cidades-estado grega.

AUTO-AVALIAÇÃO

1. De que maneira podemos definir pólis?2. Qual era o papel das assembléias nas cidades democráticas?

COMENTÁRIO SOBRE AS ATIVIDADES

1. A pólis apresentava-se basicamente como uma comunidadehumana composta por cidadãos (politai em grego), abrangendoum núcleo urbano e o território em seu entorno. A idéia depólis envolvia a comunidade de cidadãos organizada em tornode um conjunto de leis, práticas e instituições.2. Nas cidades democráticas, era a assembléia a principalinstância de tomada de decisões.

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A pólis grega

METMETMETMETMETAAAAAApresentar as característicasbásicas do regimedemocrático em Atenas.

OBJETIVOSOBJETIVOSOBJETIVOSOBJETIVOSOBJETIVOSAo final desta aula, o alunodeverá:listar as reformasdemocráticas durante operíodo arcaico;listar as característicasgeográficas básicas doregime democrático na GréciaAntiga;relacionar democracia eescravidão

PRÉ-REQUISITOSPRÉ-REQUISITOSPRÉ-REQUISITOSPRÉ-REQUISITOSPRÉ-REQUISITOSTer assimilado o conteúdo daaula “A cidade sagrada deNippur”.

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DEMOCRACIA E ESCRAVIDÃONA GRÉCIA ANTIGA

Nas artes plásticas gregas encontramos referências à vida dos escravos navigência da democracia na Grécia Antiga.(Fonte: http://www-mitologiadagrecia.blogspot.com).

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Depois de termos estudado, na aula anterior, os funda-mentos básicos da cidade-Estado na Grécia Antiga,

quando vimos a forma organizacional da pólis e sua estrutura degoverno através dos conselhos, assembléias e magistrados, nessaaula abordaremos com mais detalhes alguns de seus aspectos. Nela

estudaremos a organização do regime democrá-tico na Atenas Clássica e sua relação com a es-cravidão. Boa aula!

Quando a cidade-estado grega surge para nós no cenário his-tórico, já aparece assolada por graves crises que afetarão seu de-senvolvimento do século VII em diante. Um complexo conjun-to de fatores liga-se às causas que teriam motivado as situaçõesde conflitos e dificuldades por quais passaram muitas das maisimportantes cidades gregas, embora Atenas seja praticamente aúnica que podemos visualizar com um pouco mais de clarezasobre o que aconteceu. Aristóteles, relatando esses acontecimen-tos, observou o seguinte:

Vista atual da acrópole ateniense.(Fonte: http://www.artlex.com).

INTRODUÇÃO

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Democracia e escravidão na Grécia Antiga.

Com efeito, naquela época o regime era oligárquico em todosos seus aspectos, e particularmente os pobres (eles própriosmais as mulheres e filhos) tornavam-se escravos dos ricos.Dava-se-lhes o nome de pélatas e de hectamórios, pois erapor esse arrendamento que eles cultivavam os campos dosricos (uma minoria detinha todas as terras) e, caso nãopagassem os arrendamentos, eles próprios mais seus filhoseram passíveis de cativeiro. Também os empréstimos emgeral incidiam sobre as pessoas mesmas até a época de Solon,o qual veio ser o primeiro líder do povo. Para a maioria,então, a escravização era a mais penosa e mais amarga dasdisposições do regime; entretanto também estavamdescontentes a outros respeitos, pois, pode-se dizer,sucedia que de nada participavam.

Aristóteles observa que nos princípios da pólis ateniense oregime era oligárquico e os pobres tornavam-se escravos dos ri-cos. O motivo apontado por ele, para a condição em que ospobres se encontravam, eram as dívidas contraídas por eles. Asprestações dos arrendamentos e os empréstimos incidiam sobresuas pessoas, esposas e filhos de tal forma que se não fossemquitadas poderiam ser tomados como escravos.

Porém, não devemos nos enganar quanto aos reais motivosque os colocavam nessa situação. Aristóteles mesmo aponta o nú-cleo do problema. A propriedade das terras concentrava-se nas mãosde uma minoria rica, obrigando a maioria mais pobre a se submeteraos mais ricos por meio de contratos de arrendamentos e emprésti-mos para poderem viver. Era essa situação de dependência que oslevava ao endividamento. A concentração da propriedade da terranas mãos da aristocracia era a causa da situação aflitiva.

Mas, segundo Aristóteles, as queixas do povo não paravampor aí. Havia descontentamento também em relação ao direitode participação política na condução dos negócios da cidade, poisos principais cargos públicos e o conselho, principal instânciadecisória nos primórdios de Atenas arcaica, eram ocupados pelocritério da nobreza e da riqueza.

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Embora Atenas não tenha participado diretamente nesse pro-cesso como cidade-mãe, promovendo a transferência de parte desua população para outras regiões, nada impedia que seus habitan-tes se envolvessem nesse movimento. Porém isso é apenas umahipótese e não temos como avaliar de que maneira a populaçãoateniense teria se envolvido nele. Mas, um dos efeitos do movimen-to colonizador teve conseqüências claras em Atenas. Graças a ele, pro-moveu-se a dinamização das relações comerciais envolvendo as cida-des gregas, e a cidade de Atenas foi uma de suas principais beneficia-

Outra questão importante associada a esse cenário de crises foio aumento demográfico. O crescimento da população gerou pres-sões sociais que não podiam ser solucionadas nos quadros tradicio-nais da sociedade arcaica.

Em uma região cujas terras cultiváveis não são abundantes,torna-se difícil sustentar uma crescente população, principalmen-te para os pequenos proprietários, que não ocupavam as melho-res terras e sustentavam-se com seus poucos recursos. A elesrestavam os empréstimos, os arrendamentos e, muitas vezescomo conseqüência, a escravidão.

Em muitas das cidades-Estado gregas, uma das respostas dadasa esse grave situação foi a fundação de colônias em outras regiões.

Colônias que não devem ser enten-didas no mesmo sentido das quecaracterizaram o mundo moderno,subordinadas a uma metrópole. Elaseram independentes da sua cidade-mãe. Ambas se constituíam comopólis autônomas. Por meio da colo-nização, pretendia-se aliviar a pres-são demográfica. Os que perdiamsuas terras, os endividados e os pro-prietários de terra muito pobres en-

contravam nela uma forma de solução de seus problemas.

O quadro – grave – dos problemas relaciona-dos à terra completa-se com um aumento

demográfico significativo durante o períodoarcaico. Em resumo, não havia terras para

todos; o solo grego não produzia suficientealimento para o sustento de uma populaçãoem crescimento e, cada vez mais, as poucasterras férteis concentravam-se nas mãos de

poucos, que ao mesmo tempo usufruíam dopoder político (FLORENZANO, p.28).

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Democracia e escravidão na Grécia Antiga.

das. Com ela, abriu-se mercado para diversos produtos que a cidadeviria a se especializar em produzir, como azeite, vinho e cerâmicas. Odesenvolvimento das atividades comerciais serviu para absorver parteda população que não mais encontrava formas de sustento no campo eproporcionou recursos para a importa-ção de trigo, então fundamental para osustento da população.

Porém se a colonização e adinamização do comércio serviramcomo válvula de escape para os gra-ves problemas que tinham sua origemno campo, elas também tornaram asociedade mais complexa e potencial-mente muito mais explosiva. Difícilavaliar até que ponto elas contribuírampara minorar ou intensificar o conflitoenvolvendo, de um lado, aqueles queAristóteles denominou de ricos e no-táveis, de outro, o povo. Seja como for, o conflito eclodiu.

Conta a tradição que, diante dos conflitos, os grupos em con-fronto decidiram nomear Sólon para realizar reformas que puses-sem fim às discórdias. Dentre as principais medidas adotadas porele, com esse fim, estavam o cancelamento das dívidas existentes, aproibição da escravização por dívidas e o repatriamento dosatenienses vendidos como escravos.

No campo político, as medidas de Sólon abriram caminho parao regime democrático. Ele dividiu o corpo de cidadãos em 4 classescensitárias, pelo critério da riqueza, dando direito de participaçãopolítica, embora restrita, mesmo aos cidadãos mais pobres, que pas-saram a ter direito de participação na assembléia. Tal medida, em-bora mantivesse o acesso aos cargos mais importantes aos mais ri-cos, ela alterava um dos princípios fundamentais que norteavam aconstituição da sociedade até então. Com ela, o princípio do nasci-

Sua medida decisiva foiabolir os pagamentos dedívidas sobre a terra,mecanismo típico peloqual os pequenos propri-etários se tornavam pre-sa dos grandes latifun-diários e se tornavamseus rendeiros depen-dentes, ou rendeiros quese tornavam cativos dosproprietários aristocráti-cos. O resultado foi con-ter o crescimento das pro-priedades nobres e esta-bilizar o modelo das pe-quenas e médias proprie-dades que daí em diantepassaram a caracterizar ocampo na Ática (FLOREN-ZANO, p. 32).

Sólon

(Fonte: http://en.wikipedia.org).

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mento, da origem, tão caro aos estratos da aristocracia tradicional,foi substituído pelo da riqueza.

Porém tais medidas não foram suficientes para conter os con-flitos. Sólon reconheceu à nobreza o direito às suas terras e nãopromoveu a redistribuição das propriedades, não alterando, as-sim, a situação difícil dos pequenos proprietários ou daquelesque não possuíam terra, embora tivesse proibido que por suasdívidas fossem escravizados. Por sua vez, no seio da nobreza,grupos rivais disputando o poder buscavam o apoio dessas ca-madas empobrecidas e descontentes.

É nesse contexto de lutas que Pisístrato, liderando o povo,torna-se tirano e adota medidas importantes que colocaram Ate-nas no caminho que a levou se tornar uma das cidades maisimportantes do mundo grego. Ele promoveu um programa deconstruções públicas e o desenvolvimento das atividades co-merciais, propiciando empregos para trabalhadores urbanos enovas oportunidades de obtenção de riquezas. E, para os pe-quenos proprietários do campo em dificuldade, proporcionouassistência financeira, fornecendo-lhes créditos. Embora mui-tas vezes ligue-se o nome de Pisístrato a uma possível reformaagrária, tal observação fundamenta-se em suposições que nãopossuem respaldo de fontes históricas.

O fato é que a tradição não registrou reforma agrária, nemcom Pisístrato, nem com nenhum outro, o que nos leva a pensarque a observação de Aristóteles de que “toda a terra estaria nasmãos da aristocracia” seja um pouco exagerada, pois ele mes-mo, em seu relato, não registra em que momento a terra teriasido redistribuída. Portanto, o melhor é nos ater às linhas geraisdos conflitos que se instauram nos princípios da pólis arcaica, eque levaram ao modelo democrático.

No centro desses conflitos estão a questão agrária e a ques-tão política. Embora não possamos avaliar em que nível, poisnossas fontes não permitem, nos princípios do período arcaico,um processo de endividamento e escravização, era favorecida a

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Democracia e escravidão na Grécia Antiga.

concentração de terras nas mãos de uma pequena nobreza, emdetrimento dos pequenos agricultores livres, que, além de esta-rem ameaçados pela perda de suas propriedades e liberdades,também não tinham o direito de participação nos negócios dacidade, pois o poder de tomar decisões encontrava-se então nasmãos da aristocracia proprietária, que controlava o acesso aosprincipais funções de governo: os magistrados e o Conselho doAreópago.

Foi contra o monopólio político da nobreza e o processo deexpansão de grandes propriedades, levando a maior parte da po-pulação a uma condição servil, que as forças políticas levaramao nascimento da democracia. A preservação da pequena e mé-dia propriedade agrária foi um dos fundamentos que sustentouo regime democrático de Atenas, em seu período clássico.

Foi Clístenes, um nobre ateniense, que, após a tira-nia dos Pisistratas, reformou a constituição em 508

a.C, dando-lhe as feições básicas que a marcaram noperíodo democrático.

Considerado o pai da democracia, proporcionou aoscidadãos, independentemente do critério de renda, odireito de voto e ocupação dos mais diversos cargos,

sem restrições.

Atenas tinha surgido no início do período arcaico (800 – 500 a.C)como uma cidade oligárquica, na qual os principais cargos públicos eramde acesso exclusivo de uma nobreza rica e poderosa. Foi no decorrerdesses trezentos anos que, em meio a violentas lutas políticas, os direitosde participação nas tomadas de decisões da cidade e na sua administra-ção foram se alargando até atingir os mais pobres.

No período clássico (500 – 332), o regime democrático encon-trava-se plenamente desenvolvido. Nele, a Eclésia, a assembléiaateniense, constituía-se na principal instância decisória, já que to-

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LEIA E REFLITA

Caro aluno ou querida aluna, esta atividade tem porfinalidade refletirmos sobre a escravidão na sociedadedemocrática na Grécia Antiga. Leia atentamente o texto comseus colegas e depois discuta a questão no fórum.

A escravidão foi considerada por muito tempo umamácula no esplendor da civilização grega. Pareciainimaginável que homens capazes de conceber a beleza

das as decisões dizendo respeito à cidade eram tomadas pelo corpode cidadãos reunido na assembléia. Era o primado da soberaniapopular, do poder do povo.

Porém, caro aluno ou querida aluna, o povo aqui não deveser confundido com o total da população. Não fazia parte docorpo de cidadãos a maioria da população da cidade. Dele es-tavam excluídas as mulheres, os escravos e os estrangeiros(metecos em grego). De um total de mais ou menos 300 mil habi-tantes, o corpo de cidadãos compunha somente uns 35 milatenienses: homens, maiores de 18 anos e nascidos de pais emães atenienses. Por isso, respaldados pelos princípios moder-nos de igualdade, a democracia ateniense costumeiramente re-cebe muitas críticas por parte daqueles que entendem que elapossuía uma natureza excludente e escravista. Porém, esse éum debate que consideramos anacrônico, pois não podemosjulgar uma sociedade fora de seus quadros culturais e sociais,sem que a desfiguremos completamente. Toda sociedade deveser compreendida em seu próprio contexto histórico de lutas easpirações. A grande realização da democracia ateniense foiretirar das mãos da nobreza (eupátridas em grego) o monopóliodos cargos políticos e do poder de tomada de decisões a res-peito dos negócios da cidade.

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Democracia e escravidão na Grécia Antiga.

nas artes, na poesia, na música, no teatro, homens quehaviam inventado a democracia, tenham se conformadocom um sistema que parecia ser sua própria negação aotransformar um ser humano em uma mercadoria deque era possível dispor à vontade, assimilando osescravos ao gado.Para adaptar-se a essa realidade, alguns estudiososmodernos procuraram diminuir sua importância,jogando com alguns números transmitidos pelas fontespara afirmar que a escravidão jamais tivera na Gréciaum desenvolvimento considerável, e que além disso,na democracia de Atenas, os escravos seriam tratadoscom um senso de humanidade particular. Outros, evitandoraciocinar de maneira sentimental assinalavam ao contrárioo caráter necessário da escravidão em certo estágio dodesenvolvimento das sociedades humanas e, afirmando ocaráter universal da dependência servil, retiraram daescravidão grega sua especificidade, o que era outra formade absolver os gregos [...]Chegou-se aventar que era a escravidão que permitia ofuncionamento da democracia ao libertar o cidadãodas tarefas práticas. Essa idéia, porém, é irrefletida. Antesde mais nada, porque nem todos atenienses tinham umavida política constante. Em segundo lugar, porque muitosdeles eram obrigados a trabalhar para viver. Nem todosos cidadãos eram ociosos e viviam do trabalho de seusescravos. A maioria – camponeses, artesãos, pequenoscomerciantes e pescadores – vivia de seu trabalho, daí serdifícil distingui-los dos escravos que trabalhavam ao seulado [...]De fato, para os gregos da época clássica, a escravidãoera uma realidade a que os homens sempre se haviamacomodado, e embora que nem todos a considerasse,como Aristóteles, natural, não pensavam em contestar-lheo princípio (MOSSÉ, 2004, p. 116).

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O texto acima nos chama a atenção para o fenômeno da escra-vidão na sociedade grega. Atenas era uma democracia escravagista.Seria isso uma contradição? Aos olhos modernos parece que sim. Éimpossível para nós imaginarmos uma sociedade democrática emque todos sejam iguais perante a lei e que permita a prática da es-cravidão. A escravidão, considerada como desrespeito à condiçãohumana, infringindo os mais básicos direito da pessoa, da liberda-de, aparece para nós como algo totalmente contraditório com osprincípios de uma sociedade democrática. Porém, em Atenas, elase desenvolveu conjuntamente com a democracia.

Na medida em que a luta política impediu que os pequenos emédios proprietários de terra perdessem suas terras e caíssem emdiversas formas de dependência, tornando-se mão de obra servil, aaristocracia ateniense foi obrigada a ir buscar fora de Atenas a mãode obra que lhe faltava para suprir suas necessidades de mão deobra. Fez isso comprando escravos estrangeiros.

A mão de obra escrava foi utilizada em vários setores da so-ciedade grega. Na lavoura, no comércio e no artesanato. Nãoeram apenas os grandes proprietários de terra ou aqueles quepossuíam grandes oficinas de produtos artesanais que possuíamescravos, mas também os pequenos e médios proprietários tinhamcondição de comprá-los. Estima-se que, em seu período de maiordesenvolvimento, em Atenas deveria haver uns 100 mil escravos.Se levarmos em consideração uma população total de 300 mil ha-bitantes , eles formariam por volta de 1/3 da população. Lembran-do que tais cifras são hipotéticas e servem apenas para uma toscavisualização dimensional da escravidão como fenômeno social naAtenas Clássica.

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Democracia e escravidão na Grécia Antiga.

ATIVIDADES

1. Segundo Aristóteles, de acordo com o texto apresentado nestaaula, qual seria a causa que motivou o conflito entre “os do povo” ea aristocracia?

2. No período clássico, Atenas transformou-se em uma democraciaescravagista. Qual foi a relação entre a adoção do regime democrá-tico e a expansão da escravidão?

COMENTÁRIO SOBRE AS ATIVIDADES

1. Segundo Aristóteles, o conflito deveu-se às condições emque “os do povo” viviam, pois além de estarem endividadose sendo escravizados pela nobreza, também não tinhamdireito à participação política.

2. Na medida em que a luta política impediu que a massa decamponeses caísse em um regime de dependência direta daaristocracia, esta teve que recorrer à compra de escravosestrangeiros para suprir suas necessidades de mão de obra

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História Antiga I

A palavra democracia em grego significa “o poder do povo”.Caracterizado como o governo da maioria, o regime de-

mocrático surgiu em Atenas como substituição ao regime oligárquico,que em grego significa “poder da minoria”.

Em Atenas, a democracia esteve intima-mente ligada à expansão da escravidão, poisna medida em que os cidadãos iam conquis-

tando seus direitos de participação nas decisões da cidade e selivrando da dependência direta dos mais ricos, estes, para substi-tuir a mão de obra que lhes faltava para trabalhar em suas pro-priedades, passaram a recorres a escravos estrangeiros.

CONCLUSÃO

RESUMO

Foi durante o período arcaico que ocorreram as reformas políti-cas que levaram ao regime democrático em Atenas. Sólon,Pisístrato, Clístenes e Péricles (este já no período clássico) são os

principais nomes ligados à implantação do regime legado pela tradi-ção. Nele, o conjunto dos cidadãos se reunia na assembléia paravotar e decidir as questões que envolviam a cidade. Porém, não eratoda a população que possuía o direito de participação política. Delaestavam excluídos escravos, mulheres e estrangeiros. Para ser cida-dão em Atenas, a partir de Péricles, era necessário ser nascido de paie mãe atenienses e ter mais de 18 anos de idade.

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Democracia e escravidão na Grécia Antiga.

AUTO-AVALIAÇÃO

. Durante o período arcaico ocorreu um movimento de colonizaçãoque levou à fundação de diversas cidades-Estado gregas. Quais se-riam os fatores sociais que estariam associados a esse movimento?

COMENTÁRIO SOBRE AS ATIVIDADES

1. O crescimento demográfico foi um dos fatores importantesque se ligam ao movimento colonizador dos séculos VIII eVII. O aumento demográfico associado à concentração da posseda terra nas mãos de uma pequena aristocracia fazia com quepartes crescentes da população não encontrassem formas desustento, levando-as a cair em diversas formas de dependência.A colonização era uma forma de aliviar a pressão demográfica,escoando parte da população excedente para fundarem cidadesem outros lugares.

PRÓXIMA AULA

Na próxima aula, abordaremos as guerras e conflitos quemarcaram as cidades gregas durante o período clássico.

REFERÊNCIAS

FLORENZANO, M.B. O Mundo Antigo: economia e socieda-

de. São Paulo: Brasiliense, 1982.MOSSÉ, C. Dicionário da Civilização Grega. Trad. Carlos Ra-malhete. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2004.

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METMETMETMETMETAAAAARefletir sobre o papel de Atenasnos conflitos do mundo grego.

OBJETIVOSOBJETIVOSOBJETIVOSOBJETIVOSOBJETIVOSAo final desta aula, o alunodeverá:listar características básicas dasGuerras Médicas;definir o que foi a Liga de Delos;listar as causas econseqüências da Guerra doPeloponeso.

PRÉ-REQUISITOSPRÉ-REQUISITOSPRÉ-REQUISITOSPRÉ-REQUISITOSPRÉ-REQUISITOSTer assimilado o conteúdo daaula “A cidade sagrada deNippur”.

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ATENAS: IMPERIALISMO, GUERRA E

DEMOCRACIA

Gravura do século XIX representando a Batalha de Salamina, em quea frota persa, liderada por Xerxes, combateu a grega, comandada porTemístocles. O acontecimento deu-se no estreito que separa Salaminada Ática, em 480 a.C.(Fonte: http://www.gguerras.files.wordpress.com).

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Caro aluno ou cara aluna, lembre-se de que na aula ante- rior tratamos de estudar as características básicas do

regime democrático de Atenas. O que você achou da democra-cia com escravidão? Dá para refletir um pou-co, não? Mas vamos continuar com a nossaseqüência de estudos, ainda na velha Grécia.

Nessa aula, abordaremos as guerras e con-flitos que marcaram as cidades gregas durante o período clássi-co. Eventos traumáticos que contribuíram para a própria afir-mação de Atenas como cidade democrática e como um dos prin-cipais centros culturais da hélade.

INTRODUÇÃO

Detalhe de friso do Paternon. Alguns estudiosos acreditam que o friso retrataheróis gregos que morreram a combater os Persas na batalha de Maratona, em490 a.C.(Fonte: http://delta2imagens.no.sapo.pt).

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Atenas: imperialismo, guerra e democracia.

A convivência entre as diversas cidades-Estado que compu-nham a Grécia, todas ciosas de sua independência, nem

sempre era pacífica e facilmente desembocava em confrontos vio-lentos, geralmente de caráter local, motivados por disputas entrecidades vizinhas. Somada a essa questão inter-na, temos também um fator externo que, du-rante todo o período clássico, foi uma das prin-cipais fontes de tensão envolvendo o MundoGrego: o Império Persa.

O Império Persa tem início com Ciro (550-529) que, aounir as tribos, persas conquistou toda a região que atualmenteenvolve o Irã, a Turquia e o Oriente Médio. Cambises II (529-522), dando proseguimento à política expansionista de seu pai,conquistou o Egito e a Líbia. Dario I, sucedendo Cambises, dila-tou ainda mais as fronteiras do império, anexando a ele a regiãodo vale do rio Indo.

Foi no reinado de Dario que se deu início às guerras com osgregos, conhecidas como Guerras Médicas (490-479).

GUERRAS MÉDICAS

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Em seu movimento de expansão, os persas entraram emchoque com as cidades gregas localizada no litoral da Penínsulada Anatólia, submetendo-as ao seu domínio. Porém, ciosas desuas liberdades, elas, com apoio de Atenas, se rebelaram.

Os persas dominaram a revolta. E, em reposta ao apoio dadopor Atenas, iniciaram uma empresa militar contra os gregos,porém foram derrotados pelos atenienses em Maratona (490), eobrigados a se retirar para a Ásia Menor.

Em 480, Xerxes, então rei dos persas, iniciou nova campanhacontra os gregos, desta vez por terra. Com um imenso exército de100 mil homens, o rei persa marchou em direção às cidades gregascom a intenção de submetê-las. Porém, após os sucessos iniciais,como a vitória na batalha das Termópilas e a devastação da Ática,que obrigou os atenienses a evacuarem a cidade, os gregos se reor-ganizaram e, liderados por Atenas, derrotaram os persas nas bata-lhas de Salamina (480) e Platéia (479), forçando-os a novamente seretirarem para a Ásia.

As Guerras Médicas trariam conseqüências importantes paratodo mundo grego, mas sobretudo para Atenas. De fato,foram os atenienses que sofreram os mais rudes golpes. Sua

(Fonte: VICENTINO,C. História Geral. São Paulo: Scipione, 1997, p.68).

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Atenas: imperialismo, guerra e democracia.

cidade fora destruída e seus santuários queimados pelos persas.Por outro lado, a Grécia lhes devia pela segunda vez ter sidosalva do perigo bárbaro. Os atenienses, porém, nãopretendiam parar por ai: empreenderiam também a libertaçãodas ilhas do Egeu e das cidades gregas da Ásia Menor dadominação persa, e para isso fizeram uma aliança sob suadireção, chamada Liga de Delos por ter seu centro nosantuário de Apolo da ilha com esse nome. Esta aliança viriatornar-se nas mãos dos atenienses um poderoso instrumentode seu domínio no Mar Egeu (MOSSÉ, 2004).

A Liga de Delos foi constituída em 478 e tinha como princi-pal objetivo formar uma aliança entre as cidades gregas para aca-bar com o domínio persa no mar Egeu. De início as cidades ali-adas mantiveram suas independências, mas logo caíram sob odomínio ateniense.

Mapa indicando os Estados-membros da Confederação de Delos.(Fonte: http://www.perfeitauniao.org).

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As cidades da Liga deveriam participar do esforço comum deeliminar a ameaça persa no mar Egeu. Para isso, seus membrosteriam que contribuir com barcos e contingentes, ou pagar tribu-tos destinados a cobrir os gastos com a construção de barcos, ar-mas e manutenção das tropas. A grande maioria das cidades con-tentou-se em pagar os tributos e não se envolver diretamente comos esforços de guerra. Atitude que de imediato poderia parecermais cômoda, mas que no futuro mostrar-se-ia desastrosa.

Os recursos arrecadados deveriam ser depositados, sob aguarda da Liga, no santuário de Delos, a ilha sede. Porém, desdecedo, Atenas, a cidade líder, passou a controlar seu uso, utilizan-do-o para consolidar sua posição como potência hegemônicano mar Egeu. Os recursos da Liga passaram assim a ser adminis-trados pelos atenienses como se fossem próprios de sua cidade,financiando uma poderosa armada para sua cidade que, se noprincípio serviu para a eliminação da ameaça persa no Egeu, logose transformou também em uma poderosa arma para submeteras cidades que compunham a Liga ao seu poder.

Quando as hostilidades entre gregos e persas foram oficial-mente suspensas, com a Paz de Cálias em 449, o domínio ateniensesobre os demais membros da Liga tornou-se cada vez mais paten-te. Com o fim da ameaça persa, não haveria mais motivos para ascidades do Egeu submeterem-se à liderança ateniense e nem pagarmais tributos à Liga. Foi a partir desse momento que o caráter daLiga, como instrumento de dominação ateniense, passou a semanifestar abertamente. As cidades além de serem impedidas dese retirarem da liga, passaram a ter seus tributos fixados pela as-sembléia de Atenas.

Para evitar que as cidades submetidas ao seu poderio se rebe-lassem, a vigilância sobre elas foi reforçada. Representantes, tro-pas e colônias atenienses foram estabelecidas nas cidades da Liga.

A Liga de Delos encaminhava-se assim para transformar-se em um império ateniense. As clerúquias [colônias]; a

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necessidade dos aliados de apresentar-se em Atenas paradefender-se diante dos juízes atenienses nos conflitos queos opunham à cidade, que se encontrava assim na duplaposição de juiz e parte interessada; a obrigação de usar amoeda ateniense, que privava os aliados do que era antesde mais nada um símbolo de soberania; o peso dos tribu-tos e o recurso a métodos pouco ortodoxos para assegu-rar sua coleta – muitos eram os fatos que atestavam atransformação da Liga de Delos. Compreende-se portan-to que a Guerra do Peloponeso, destinada inicialmente adefender os interesses dos atenienses, tenha sido vista pe-los aliados como um peso particularmente insuportável eque as defecções tenham aumentado na medida das difi-culdades encontradas pelos atenienses. A aliança, mesmoassim, subsistiu até o fim da guerra, e apenas a derrota e aconclusão da paz com Esparta levaram ao seu fim(MOSSÉ, 2004).

ESPARTA

A cidade de Esparta localizava-se no Peloponeso e se notabilizoupelas habilidades guerreiras de seus cidadãos. A sociedade espartanadividia-se basicamente em três grupos: homoiói, periecos e hilotas.

Homoiói é um vocábulo grego e traduz-se por “os iguais”.Eles eram os espartanos propriamente ditos, os cidadãos. Eramos proprietários das melhores terras. Eles não se atinham a qual-quer atividade de ordem econômica, seus afazeres eram exclusi-vamente de caráter político e militar, especialização guerreira quetornou a cidade uma temível potência militar no mundo grego.Seus sustentos provinham da exploração de suas terras traba-lhadas por uma massa de população submetida por conquista auma condição servil: os hilotas.

Os espartanos ao conquistarem as regiões da lacônia e damessênia submeteram vários povos ao seu domínio tornando-osservos. Os hilotas eram aqueles que pertenciam aos povos conquis-tados pelos espartanos. Propriedades do Estado, estavam presos à

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terra e eram repartidos conjuntamente com ela entre os espartanos.Eram eles que executavam o trabalho agrícola e proporcionavam osustento da sociedade espartana. O domínio exercido sobre os hilotasnunca foi tranqüilo, que constantemente se revoltavam.

Os periecos constituíam comunidades autônomas nas regi-ões dominadas pelos espartanos. Homens livres, eram proprie-tários de terra e dedicavam-se à agricultura e ao artesanato e tam-bém ao comércio. Em caso de necessidade, igualmente como oshilotas, também participavam do exército.

Após as Guerras Médicas, Esparta e Atenas despontaram comoas duas principais potências no mundo grego. Foi a rivalidade entreessas duas cidades que levou à eclosão da Guerra do Peloponeso(431-404). O crescente poderio de Atenas após a vitória sobre ospersas foi sentido como uma ameaça pelos espartanos. Os

Ilustração representando soldados espartanos.(Fonte: http://bennieandjets.files.wordpress.com).

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atenienses consolidavam seu poder no Mar Egeu e ainda buscavaampliar suas posições no Peloponeso.

Porém, diante da expansão do poderio ateniense, os espartanosexigiam que a autonomia das cidades da Liga de Delos fosserestabelecida, pois sabiam que eram os tributos pagos por elas quesustentavam a crescente força de sua rival. Os atenienses se recu-saram, pois o domínio que exerciam na Liga de Delos era funda-mental para a manutenção do prestígio e força da cidade. Os recur-sos obtidos, graças aos tributos impostos às cidades da Liga, finan-ciavam suas obras públicas, a construção de barcos, as festas públi-cas, a manutenção das tropas e a distribuição de víveres em épocasde penúria. A política imperialista ateniense, dominando as cidadesda Liga, estava na base mesmo da manutenção do regime democrá-tico. Os tributos impostos aos seus “aliados” eram fundamentaispara a preservação das liberdades e dos benefícios que o regimedemocrático possibilitava aos cidadãos atenienses. O imperialismoe a escravidão serviam então de esteios da democracia ateniense.

Com o começo da guerra, para enfrentar as tropas espartanas,Péricles, líder dos atenienses, adotou uma estratégia que, se lhespermitiu enfrentar Esparta por longo tempo, teve conseqüênci-as dramáticas para os atenienses. Evitando enfrentar osespartanos em terra, Péricles concitou seus concidadãos a eva-cuarem os campos e buscarem proteção no interior das mura-lhas da cidade, pois percebia que o poderio da cidade adivinhado comércio, dos tributos impostos às cidades da Liga.

Diante desse cenário, os espartanos realizaram diversas incur-sões a territórios atenienses, devastando suas plantações, pratica-mente sem que se lhes fosse oferecida muita resistência. Como res-posta, apoiados em seu poderio marítimo, os atenienses agiam basi-camente em duas frentes. De um lado, buscavam atacar a costa doPeloponeso, procurando causar devastações em território espartano;

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de outro, aumentaram a vigilância sobre as cidades da Liga, evitan-do que elas passassem para o lado adversário.

Essa tática, que poderia ter funcionado caso o inimigorenunciasse às hostilidades após uma primeira incursãoinfrutífera, foi, ao contrário, a origem de muitos sofrimentospara a cidade. A concentração da população dentro dosmuros agravou as seqüelas de uma epidemia de “peste” quese espalhou a partir do segundo ano da guerra. As investidasda frota ateniense nas costas do Peloponeso não tiveram oefeito esperado: os espartanos e seus aliados continuaram adevastar o território da Ática, praticamente sob os olhosdos camponeses atenienses, cujo descontentamento não paroude crescer (MOSSÉ, 2004).

A longa guerra de desgaste foi minando as forças ateniensesque acabaram sendo derrotadas pelos espartanos e seus aliados.O mundo grego como um todo saiu dividido e enfraquecido desseconflito, a ponto de não ter condições de opor resistência a umanova ameaça que surgia no horizonte: o poderio macedônico.

Os macedônios formavam um povo aparentado aos gregos.A maior parte da população era composta por camponeses do-minados por uma aristocracia militar. As constantes disputas pelopoder envolvendo a casa real faziam da monarquia macedônicauma instituição frágil, o que a transformava em alvo fácil para osEstados vizinhos. Foi Felipe II quem conseguiu fortalecer o po-der real acabando com os conflitos internos que dividiam osmacedônicos, enfraquecendo o reino.

Felipe governou por mais de 20 anos (358-336) e duranteesse tempo todo foi o principal inimigo da democracia ateniense.Uma de suas principais políticas foi a de expandir o poderiomacedônico buscando obter uma saída para o mar. Para issoteve de atacar cidades gregas localizada na Trácia, aliadas dosatenienses. Ao mesmo tempo em que obtinha vitórias, conquis-tando sua almejada saída para o mar, executava também impor-

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tantes medidas para consolidar internamente seu poder: fortificoucidades, desenvolveu o exército e a exploração de minas de prata,que lhe proporcionavam recursos para financiar sua políticaexpansionista.

Após submeter a Trácia, Felipe voltou-se para a Grécia conti-nental. Aliando estratégia militar e diplomacia, foi-se envolvendonos diversos conflitos que se estabeleciam entre as cidades gregasrivais, sempre apoiando os inimigos de Atenas. Em 338, na batalhade Queronéia, obteve vitória final sobre seus principais oponentes,os atenienses, consolidando sua influência e força no mundo grego.No ano seguinte, presidiu um congresso de cidades gregas emCorintos, que só não teve a participação de Esparta. Nele decla-rou-se que o rei macedônico seria o comandante dos exércitosfederados, recebendo plenos poderes de seus aliados na guerra con-tra os persas. Em 336, porém, ele foi assassinado. Seria substituídopor seu filho, Alexandre, que, dando prosseguimento ao projetoexpansionista, dominou os persas, conquistando um vasto império.

Alexandre

É incontestavelmenteuma das figuras maisimportantes da históriada civilização grega.Apresentando-se comoherdeiro do helenismoclássico, suas conquis-tas inseriram o Orientemediterrâneo na zonacultural grega. Ao mes-mo tempo, porém, seureino simbolizava a rup-tura entre a civilizaçãogrega clássica e a domundo que nasceria desuas conquistas, omundo helenístico.

Mapa do império macedônico, mostrando o trajeto feito por Alexandre III durante seureinado.(Fonte: http://www.geocities.com).

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RESUMO

Durante os séculos V e VI, Atenas participou diretamen-te dos principais conflitos envolvendo a Grécia Antiga.Nas Guerras Médicas, atuou na linha de frente, organi-zando sob seu comando a luta contra os invasores.

A vitória sobre os persas garantiu-lhe uma posição de desta-que no mundo Grego. A liga de Delos, originariamente criadacom a intenção de unir esforços contra os persas, com o final daguerra, Atenas a transforma abertamente em um instrumento dedominação. A expansão do poderio ateniense levou à guerra con-tra os Espartanos. A Guerra do Peloponeso mostrou-se desastro-sa para Atenas como para todo mundo grego, inclusive os vitori-osos espartanos. Seu resultado final foi um saldo de destruição erivalidades acentuadas. Desgastadas e divididas, as cidades gregasnão conseguiram evitar cair sob o domínio macedônico. Abria-seentão uma nova era para as cidades gregas, e toda experiência cul-tural em torno dela. A Grécia das cidades autônomas e indepen-dentes passava a se submeter a impérios mais poderosos. Primei-ro, os macedônicos, depois, os romanos.

A consolidação do regime democrático ateniense está ligada a conflitos internos e externos. Internamente, a

luta entre o demos (o povo) e a aristocracia. No plano externo,guerras e conflitos. Assim quisemos mostrarque o regime democrático ateniense resultoude um equilíbrio político que, longe de serharmônico e pacífico, foi conflituoso e ten-

so, articulando imperialismo, escravidão e democracia.

CONCLUSÃO

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Atenas: imperialismo, guerra e democracia.

AUTO-AVALIAÇÃO:

1. O que foram as Guerras Médicas?2. O que foi a Liga de Delos?3. O que foi a Guerra do Peloponeso?

COMENTÁRIO SOBRE AS ATIVIDADES

1. Guerras Médicas é o nome que se dá as guerras entre gregose persas de 490 a 479.2. Liga de Delos é o nome da aliança liderada por Atenas quetinha como finalidade lutar contra os persas.3. Guerra do Peloponeso é o nome da guerra que envolveu deum lado Atenas, liderando a Liga de Delos, de outro, Esparta esuas aliadas.

REFERÊNCIAS

MOSSÉ, C. Dicionário de Civilização Grega. Rio de Janeiro: Jor-

ge Zahar Editora, 2004.

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METMETMETMETMETAAAAADelimitar o Império Romano notempo e no espaço eapresentar característicasbásicas da sociedade romana.

OBJETIVOSOBJETIVOSOBJETIVOSOBJETIVOSOBJETIVOSAo final desta aula, o alunodeverá:identificar os limites geográficosmáximos do Império Romano;listar os principais inimigos deRoma em seu processo deexpansão;identificar os principais gruposformadores da sociedaderomana.

PRÉ-REQUISITOSPRÉ-REQUISITOSPRÉ-REQUISITOSPRÉ-REQUISITOSPRÉ-REQUISITOSTer assimilado o conteúdo daaula “A cidade sagrada deNippur”.

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A FORMAÇÃO DOIMPÉRIO ROMANO I

Mapa representando a extensão do Império Romano em 117.(Fonte: http://www.historiadomundo.com.br).

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Caro aluno ou cara aluna, nesta aula iniciaremos nossosestudos sobre o Império Romano. É claro que pelo es-

paço que teremos para abordar o assunto vamos apresentá-lo ape-nas em suas linhas gerais. O aprofundamentodo tema dependerá de seu interesse em buscarinformações em outras fontes além deste ma-nual. Lembre-se de que o universo de pesquisa

no campo da História Antiga é quase infinito, assim como emoutros campos de estudo. Dessa forma, você, na condição defuturo(a) professor(a) de História, não se deve contentar com omínimo. Busque sempre mais informações, pesquisando no má-ximo de fontes que você dispuser.

INTRODUÇÃO

Fotografia do Anfiteatro de Nimes. Autoria não-identificada. Nimes é uma cidade dosul da França, fundada pelos romanos, como colônia. A Arena foi construída no finaldo Séc. I d.C. O anfiteatro de Nimes é um dos maiores da Gália Romana. Temcapacidade para 20.000 espectadores que, no passado, assistiam lutas de animais egladiadores.(Fonte: http://www.meusestudos.com).

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A formação do Império Romano I

Quando se fala de Roma Antiga deve-se ter em menteque um império sempre igual a si mesmo, do mesmojeito durante séculos, nunca existiu. A história de Roma

Antiga constitui-se um processo constante de transformações.Desde sua fundação, fixada pela tradição noséculo 8 a.C., até a queda do Império Ro-mano do Ocidente, 476 d.C., sob os golpesdas invasões bárbaras, poderíamos dizer queexistiram muitas “Romas”, todas distintas e com característicaspróprias. Por exemplo, a sociedade romana do século 5 a.C. nãoera a mesma da dos romanos que viveram no século 5 d.C.. Milanos de história, com suas transformações e conflitos, foram sufi-ciente para que fosse produzido um mundo muito diferente dooutro. A grande extensão de tempo e de espaço, que envolve osestudos sobre Roma, faz com que não possamos descrever omundo romano como uma entidade fixa e imutável.

Imaginemos um exemplo. Pense no caso do Brasil. Seria cabí-vel considerarmos a nossa história como um todo indivisível, umúnico bloco no qual não distinguiríamos as diferenças entre o perí-odo colonial e o contemporâneo? E se as transformações no tempoproduziram diferenças, o que poderíamos dizer das distinções regi-onais? Ao descrevermos de maneira simplificada a sociedade brasi-leira, seria correto escolher como ela se apresentaria em um deter-minado período e região, como, por exemplo, Minas Gerais no sé-culo XVIII, e fazer desse estudo um modelo que explicaria todanossa história? Claro que não!

ROMA ANTIGA

A história de Roma é tradicionalmente divididaem três períodos:

Monarquia (753 a 509 a.C.)República (509 a 27 a.C.)

Império (27 a.C. a 476 d.C.)

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Império Romano e suas províncias, 211 d.C.

Assim, ao estudarmos o Império Romano, nunca devemos per-der de vista sua dimensão gigantesca, tanto temporal como espaci-al. À época de sua fundação lendária, 753 a.C., os romanos consti-tuíam um pequeno povoamento, na região do Lácio, na parte cen-tral da península itálica. Em 211 d.C., Roma constituía-se em umgrande império, evolvendo extensa região em torno da bacia doMediterrâneo. De seu extenso império fazia parte o norte da África,a atual região do Oriente Médio, toda península da Anatólia (atualTurquia), a Bretanha e toda a Europa ao sul dos rios Reno eDanúbio, articulando uma vasta área que envolvia regiões e cultu-ras muito distintas uma das outras.

Devido à falta de fontes, conhecemos muito pouco a respei-to dos primórdios da história de Roma. Vestígios arqueológicosindicam que, por volta do início do 1º milênio a.C., o local, que nofuturo se constituiria o núcleo original da organização da urbe ro-mana, era ocupado por pequenas comunidades tribais independen-tes. A tradição aponta que essas tribos teriam se organizado emtorno de uma urbe monárquica no ano de 753 a.C.

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A formação do Império Romano I

Nos primórdios do período monárquico, a Península Itálica eraocupada por diversas comunidades, que apresentavam variadas for-mas de organização social. Dentre elas, destacamos os etruscos, osgregos e diversas comunidades de origem indo-européia, como astribos latino-faliscas, umbro-sabélicas e ilíricas.

Por meio de uma hábil política, envolvendo diplomacia e es-tratégia militar, os romanos foram vencendo todos os seus opo-nentes na Península Itálica central e meridional. Os etruscos fo-ram vencidos em 295; a Liga Samnita em 280; e os gregos em 272.

Mapa representativo do povoamento da península itálica nosprimórdios da monarquia romana.(Fonte: http://br.geocities.com).

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ETRUSCOS

Os Etruscos eram um aglomerado de povos que viveram naactual Itália na região a sul do rio Arno e a norte do Tibre,então denominada Etrúria e mais ou menos equivalente àactual Toscana, com partes no Lácio e a Úmbria.Desconhece-se ao certo quando os Etruscos se instalaramaí, mas foi provavelmente entre os anos 1200 e 700 a.C..Nos tempos antigos, o historiador Heródoto acreditava queos Etruscos eram originários da Ásia Menor, mas outrosescritores posteriores consideram-nos italianos. A sua língua,que utilizava um alfabeto semelhante ao grego, era diferentede todas as outras e ainda não foi decifrada, e a religião eradiferente tanto da grega como da romana.A Etrúria era composta por uma dúzia de cidades-estados,cidades altamente civilizadas que tiveram grande influênciasobre os Romanos. Os últimos três reis de Roma, antes dacriação da república em 509 a.C., eram etruscos. Verificaram-se prolongadas lutas entre a Etrúria e Roma, terminandocom a vitória desta última nos anos 200 a.C.Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre (7/03/2007).

Após terem submetidos os povos da Península Itálica aosseus domínios, os romanos voltaram suas atenções aoscartagineses, um povo fenício que controlava a navegação noMediterrâneo Ocidental.

Mapa com a localização de Cartago, no norte da África.(Fonte: http://www.portalplanetasedna.com.ar).

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A cidade de Cartago localizava-se no norte da África. Seusdomínios estendiam-se por importantes ilhas mediterrânicascomo Sicilia, Sardenha, Córsega e as Ilhas Baleares, e também aosul da Península Ibérica.

As Guerras Púnicas (264 – 146), como são chamadas as guer-ras entre Roma e Cartago, tiveram a disputa pelo domínio daSicília, ilha localizada ao sul da Península Itálica, como motivode sua eclosão. Era o expansionismo romano que se chocavacom o poder cartaginês no Mediterrâneo Ocidental.

O conflito foi violento, cheio de altos e baixos para ambosos lados. Dentre os seus momentos mais espetaculares, destaca-ríamos a campanha cartaginesa, liderada por Anibal que, partin-do da Espanha e atravessando os Pireneus com um grandiosoexército, atacou os romanos pelo norte. Embora, nessa traves-sia épica, Anibal tivesse perdido quase metade de seus homens,esse foi um dos momentos mais ameaçadores vividos por Romadurante a guerra. Os romanos chegaram muito perto da derro-ta, porém conseguiram se reorganizar e derrotar os cartagineses,conquistando seus domínios e destruindo completamenteCartago em 146 a.C.

Representação da marcha de Aníbal até a Itália, ocorrida durante a PrimeiraGuerra Púnica.(Fonte: http://www.historiadomundo.com.br).

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CARTAGO

Os poeni, nome dado pelos romanos aos povos que habitavama região onde hoje fica a Tunísia, deram origem à civilizaçãopúnica que, centralizada na cidade de Cartago, alcançariagrande desenvolvimento comercial no norte da África, no sulda península ibérica e nas ilhas mediterrâneas de Ibiza, Córsega,Sardenha e Sicília. A expressão fenícia Qart Hadasht, “cidadenova”, gerou, ao latinizar-se, a denominação de Cartago, colôniafundada por comerciantes fenícios, no século IX a.C., numaregião ao norte da África, de fundamental importânciaestratégica.A florescente civilização cartaginesa chegou a desafiar opoder de Roma, o que causou seu desaparecimento.[...]Embora já fosse comum no Mediterrâneo ocidental apresença dos fenícios, a cultura desse povo conheceu, comCartago, um dos mais esplendorosos momentos de suahistória. [...] O grande império púnico, cuja força residia nodomínio comercial, se viu defrontado com o crescente poderda civilização romana. O antagonismo entre os dois povosoriginou as três guerras púnicas.

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre (07/03/2008)

Após o término da segunda Guerra Púnica (202), quando opoderio cartaginês foi praticamente destruído, Roma passou aatacar o reino helenístico da Macedônia, e seus aliados, em res-posta ao apoio dado a Cartago. Com habilidade política e estra-tégia militar, conseguiram vencer seus inimigos e impor seu do-mínio. Em 188 a.C., com a submissão dos reinos helenísticos edas cidades gregas que lhes ofereciam resistência, Roma torna-setambém senhora do Mediterrâneo Oriental.

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ATIVIDADES

Uma das estruturas básicas da sociedade romana, apresentando-se desde seus primeiros tempos, era a sua organização em gens efamílias. Nesta atividade, caro aluno ou cara aluna, trazemos paravocê um trecho do livro “Sociedade e Política na Roma Antiga”de Maria Luiza Corassim, no qual se descreve a organização dasgens e das famílias, em seus períodos mais remotos, antes mes-mo da constituição da cidade de Roma em um estado monárquicoem 753 a.C.. Esta atividade tem por finalidade proporcionar ummomento para que você possa refletir sobre esses dois concei-tos muitos importantes para a compreensão da sociedade roma-na, mesmo em períodos posteriores. Agora, leia o texto comatenção e depois responda a questão solicitada.

Mapa representando o mundo helenístico (Fonte:http://images.google.com.br).

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A gens era constituída por um conjunto de grupos defamílias, vinculadas a um antepassado mítico, do qualderivava o nome – gentílico – que identificava seusmembros ( por exemplo, gens Aurélia, Fábia, Valéria) . Cadauma possuía tumbas próprias e celebrava cultos privados.Uma das funções da gens era organizar, inclusive porquecomumente seu núcleo se concentrava em determinadoterritório. O desenvolvimento do Estado foi reduzindo asgentes (plural de gens ) a um débil resíduo do que haviamsido.As famílias que constituíam as gens eram grupos menores,e cada uma se caracterizava por um cognomem usado apóso nome da gens. Por exemplo, a família Cipião pertenciaa gens Cornélia. A família romana arcaica era uma entidadesocial, econômica e religiosa. O chefe da família, emvirtude de sua autoridade, exercia um poder juridicamenteilimitado sobre a mulher, os filhos, os escravos e sobre opatrimônio familiar, legalmente reconhecido como pátriapotestas. Era de sua competência a administração dapropriedade familiar, sobretudo o cultivo das terras; eledecidia questões jurídicas como a punição de delitoscometidos por membros da família; também administrava,como sacerdote, o culto aos antepassados. Na vidapolítica, seu domínio correspondia ao exercido pelaaristocracia formada pelas famílias de maior prestígio(CORASSIN, 2001, p.12).

1. De acordo com a autora como podemos definir gens e famíliana sociedade romana?

COMENTÁRIO SOBRE AS ATIVIDADES

1. A gens constituía-se de um grupo de famílias quepraticavam cultos privados, possuíam túmulos próprios epelo menos em suas origens tinham como uma de suas

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funções básicas a organização da defesa do território. Asfamílias que constituíam a gens eram núcleos menores eabrangia tudo aquilo que estava sob o domínio de seu chefe,o pater famílias: esposa, filhos, escravos. O pater famílias era aautoridade máxima dentro dela. Podia dispor dos bens dafamília e administrava a justiça entre seus membros,decidindo sobre as punições de delitos cometidos pelos seusmembros.Nos princípios do período republicano, a sociedade romanadividia-se basicamente em três grupos: patrícios, plebe eclientes. A origem de cada um desses grupos é motivo dedebate entre os historiadores e nada de conclusivo sobreessa questão pode ser afirmado. Acredita-se que os patríciosseriam os chefes das gentes mais antigas do Lácio que, poresse motivo, detinham as melhores propriedades e tambémmonopolizavam o direito de governar e ditar as leis. Chega-se a afirmar que eles seriam os descendentes dos primeirossenadores quando da criação da monarquia romana. Chefesdas famílias mais poderosas e influentes, os patríciosformavam a aristocracia romana.

Segundo relato lendário, Rômulo, ao criar a mo-narquia tornando-se seu primeiro rei, teria criadoum conselho, chamado senado, formado por cem

patres famílias.

Pequenos proprietários, detentores de terras menos férteis,a plebe era formada por elementos que gozavam de condiçõeseconômicas e sociais inferiores às dos patrícios. Segundo MariaLuiza Corassim:

As origens da plebe romana são ainda mais obscuras do queas gentes. Etimologicamente, esse nome se relaciona com aidéia de massa: o termo plebs se assemelha ao termo grego

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plethos, que tem o sentido de multidão. Os plebeus, comoos patrícios, dispunham da cidadania, mas sem terem osprivilégios destes últimos. Conhecemos mal a origem da plebe– e provavelmente devem ser várias (2001, p. 13).

Corassin observa que os clientes seriam, de início, campo-neses pobres que cultivavam a terra de um patrono em troca deproteção. Formavam um grupo social que se encontrava em re-lação direta de dependência para com os patrícios. A relação declientela estabelecia um vínculo entre o patrono e o cliente,ambos ficando ligados por uma série de obrigações recíprocas.O cliente recebia proteção e terras do patrono e tinha a obriga-ção de lutar em seus exércitos gentílicos e de prestar jornadas detrabalho para seu senhor.

A clientela, comum também a outros povos itálicos,permaneceu como uma das características marcantes dasociedade romana. Na República, bem como no Império,as famílias da aristocracia rodeavam-se de uma enormeclientela, que lhes proporcionava prestígio, poder pessoale em muitas ocasiões força militar (2001, p. 60).

Desde os primórdios da República registram-se lutas entrepatrícios e plebeus. Os conflitos giravam em torno de dois pon-tos básicos: a questão da igualdade civil e da terra. Quando daorganização do estado romano, os patrícios se assenhorearamdas principais funções administrativas e do senado tornando-osmonopólios de sua classe, impedindo o acesso dos plebeus a ela.Tal exclusão foi fonte permanente de confronto entre eles. Comoresultado, os plebeus foram paulatinamente alargando seus di-reitos até conseguirem acesso a todas as magistraturas e a igual-dade política em 287 a.C. com a Lei Hortênsia, que dava valida-de legal às decisões da assembléia popular da plebe. Segundo aprofessora Maria Luiza Corassin, a Lei Hortênsia marcaria ofim do período da luta de classes entre patrícios e plebeus.

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Porém, se as questões da desigualdade política entre patrícios eplebeus foram se resolvendo durante os conflitos do período repu-blicano, o problema da terra, longe de ser equacionado, foi se agra-vando. O constante estado de guerra em que Roma se envolvia,principalmente durante as Guerras Púnicas, levou a uma piora dascondições sociais dos pequenos camponeses, que, devido às devas-tações e suas prolongadas ausências, em conseqüência das cons-tantes mobilizações para as tropas a que eram submetidos, acaba-ram arruinando-se e perdendo suas terras.

ATIVIDADES

Caro aluno ou querida aluna, nesta atividade selecionamos umtexto escrito por Maria Luiza Corassim cuja questão tratada neleé o problema da terra e o empobrecimento dos pequenos e mé-dios proprietários. Leia-o com atenção e depois responda às per-guntas que fizemos sobre ele.

Uma das mais sérias conseqüências da Segundo GuerraPúnica e da expansão romana foi o empobrecimento e aproletarização [dos pequenos e médios proprietários]. Elesforam os maiores prejudicados na guerra contra Anibal,que assolou a Itália de 218 a 201 a.C. Calcula-se que,durante essa longa guerra, a metade dos homens entre 18e 46, capazes de servir, foi convocada. As baixas foramtremendas. O número de cidadãos mobilizáveis de cercade 270 mil em 233 a.C. para 214 mil em 204 a.C. Nassangrentas guerras que se seguiram, já se fazia sentir adificuldade em chamar homens para o exército. Oterritório itálico, principalmente no sul, sofreu terríveldevastação com a movimentação dos exércitos e asrepresálias de Roma contra as cidades meridionais queaderiram a Anibal. Após o fim da guerra, muitos soldados,

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ao retornarem a suas propriedades, encontraram-naarruinadas – e nem todos tinham a condição de reconstruí-las. Assim, os pequenos e médios proprietários de terras,cidadãos que constituíam o cerne das legiões romanas,encontraram-se profundamente atingidos. Famílias decamponeses muitas vezes não dispunham mais de braçospara a lavoura, pois seus homens haviam perecido naguerra ou se encontravam servindo em outra. Viúvas eórfãos, arruinados pela perda do chefe da família, eramde alguma forma levados a se desfazerem de suaspropriedades.Beneficiando-se desse processo, os proprietários fundiáriosmais ricos procuraram apoderar-se das terras dessescamponeses: ocupando as terras públicas quepermaneceram abandonadas, ou adquirindo a baixo preçoas propriedades cujos donos não tinham mais condiçõesde cultivá-la (CORASSIN, 2001, p.44).

1. Por que, segundo o texto, os pequenos e médios proprietáriosforam os mais prejudicados durante as guerras travadas por Roma?2. De que maneira, segundo o texto, os proprietários fundiáriosmais ricos se beneficiaram do estado crônico de guerra em queRoma se encontrou durante o período republicano?

COMENTÁRIO SOBRE AS ATIVIDADES

1. Devido aos longos períodos de convocação, motivadospelo constante estado de guerra que Roma se encontrava,os pequenos e médios proprietários, que formavam a basedos contingentes dos exércitos romanos, mantinham-se pormuito tempo afastados de suas propriedades. Isso, aliado àsdevastações próprias da guerra, levou esses camponeses àruína, fazendo com que perdessem suas propriedades,entrando assim em processo de proletarização.2. Os proprietários fundiários mais ricos, graças a esse estadode guerra constante, encontraram boas oportunidades para

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ampliarem suas riquezas, comprando por preços baixos as terrasdos camponeses arruinados e se apropriando das terras públicas(o ager publicus).

De sua fundação como urb monárquica em 753 a.C. atémeados do período republicano, Roma passou por

um processo de expansão territorial que lheproporcionou um vasto domínio em tornodo mar Mediterrâneo. Porém, tal expansãofoi feita a um custo social muito alto, pois amassa de camponeses, que formava a base do vitorioso exércitoromano, se empobrecia como resultado dessa mesma expansão.

CONCLUSÃO

RESUMO

O império Romano constituiu-se em uma imensa estruturaorganizacional integrando vastas regiões do mundo mediterrâ-neo. Sua dimensão geográfica e temporal não permite que pos-

samos apreendê-lo como algo imutável, fixo. O Império Roma-no desde seus momentos de formação até o seu período de crisecaracterizou-se por um constante processo de transformação.Foi durante o período republicano que Roma travou suas prin-cipais guerras expansionistas, vencendo importantes e podero-sos inimigos na bacia do mediterrâneo, dentre eles: os etruscos,os cartagineses e os reinos helenísticos.

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AUTO AVALIAÇÃO

1. Defina gens e família no âmbito da sociedade romana antiga.2. Quem eram os patrícios, plebeus e clientes na sociedade romanaarcaica?

COMENTÁRIO SOBRE AS ATIVIDADES

1. A gens era formada por um conjunto de famílias, ligadas a umantepassado comum. Cada gens possuía cultos privados etúmulos comuns. A família romana arcaica era uma entidadesocial, econômica e religiosa. O chefe da família exercia poderilimitado sobre a mulher, os filhos, os escravos e sobre opatrimônio familiar.2. Os patrícios eram os chefes das gentes (plural de gens) maisricas e mais antigas de Roma, detentores das melhores terras.Chefes das famílias mais poderosas e influentes, os patríciosformavam a aristocracia romana.

Os plebeus eram os pequenos proprietários, detentores de terrasmenos férteis, que gozavam de condições econômicas e sociaisinferiores à dos patrícios. Os plebeus, como os patrícios,dispunham da cidadania, mas sem terem os privilégios destesúltimos.Os clientes eram camponeses pobres que cultivavam a terrade um patrício em troca de proteção. A relação de clientelaestabelecia um vínculo entre o patrono (patrício) e o cliente,ambos ficando ligados por uma série de obrigações recíprocas.O cliente recebia proteção e terras do patrono e tinha aobrigação de lutar em seus exércitos gentílicos e de prestarjornadas de trabalho para seu senhor.

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PRÓXIMA AULA

Na próxima aula, estudaremos os conflitos políti-cos que levaram ao final da República com a cons-tituição do Império por Otávio Augusto.

REFERÊNCIAS

FLORENZANO, M.B. O Mundo Antigo: economia e socieda-

de. São Paulo: Brasiliense, 1982.CORASSIN, M.L. Sociedade e Política na Roma Antiga. SãoPaulo: Atual, 2001.Wikipédia, a enciclopédia livre.

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METMETMETMETMETAAAAADiscutir o processo de constituiçãodo Império Romano

OBJETIVOSOBJETIVOSOBJETIVOSOBJETIVOSOBJETIVOSAo final desta aula, o aluno deverá:listar as possíveis causas quelevaram à expansão territorialromana;listar as transformações sociaisresultantes do processo deexpansão territorial;descrever as crises que levaramOtávio Augusto ao poder.

PRÉ-REQUISITOSPRÉ-REQUISITOSPRÉ-REQUISITOSPRÉ-REQUISITOSPRÉ-REQUISITOSTer assimilado o conteúdo da aula “Acidade sagrada de Nippur”.

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Escultura de César Otávio Augusto. Cópia Liceu de Ar-tes e Ofícios. Sem Data. Largo do Arouche/São Paulo-SP.(Fonte: http://www.images.google.com.br).

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Caro aluno ou cara aluna, nesta aula abordaremos de que forma as lutas sociais no interior da sociedade romana se

relacionaram com o seu processo expansionista, conflitos que tive-ram como um de seus centros a questão da pro-priedade da terra.

Não devemos esperar respostas simples ecategóricas a respeito desse assunto, pois o

expansionismo romano está associado a uma multiplicidade defatores que tornam, segundo o nosso modo de ver, muito temero-so tentar buscar quais seriam suas principais causas e apresentá-las de modo resumido. Portanto, aqui, iremos apresentá-lo ligadoa alguns de seus aspectos, porém, não querendo afirmar com issoque eles seriam as únicas causas do fenômeno imperialista na soci-edade romana.

Monte Palatino, a colina onde nasceu a cidade de Roma. Detalhe em maquete daRoma Antiga.(Fonte: http://www.images.google.com.br).

INTRODUÇÃO

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O Império Romano foi uma grande obra política, social e econômica, talvez representando o que podería

mos qualificar como sendo o ponto máximo de experiênciaorganizativa das estruturas estatais dos povos da antigüidade.Quais teriam sido os fatores que impulsiona-ram uma pequena comunidade política, nosinícios do século VIII, a expandir seu poder aponto de se tornar senhora de todo mundomediterrânico, e a criar complexas formas deadministração para controlá-lo?

Uma das teses tradicionais, para se explicar o expansionismoromano, é o da teoria do imperialismo “involuntário e defensi-vo”. Tal teoria parte do princípio de que as guerras que Romatravava eram de natureza defensiva. Não se pretenderia com elasa anexação dos territórios de seus vizinhos com a intenção de for-mar um grande império, pois suas conquistas levaram-na a tomarposse de territórios que não pretendia dominar. Os defensoresdessa teoria postulam que Roma atacava para se defender, seguin-do a política de que vencer os inimigos da fronteira e dominarseus territórios seria a melhor maneira de se protegerem contraeles. Tal forma de ver o processo de formação do império roma-no enfatiza o seu aspecto externo ligado a fatores de caráter políti-co. Guerras, acordos e alianças externas são apontados como ascausas que teriam levado Roma a sua empresa expansionista.

Norberto Luiz Guarinello, em seu livro “Imperialismo Greco-Romano”, nos oferece um contraponto interessante a essainterpretação. Segundo ele, um dos elementos fundamentaispara se entender tal política expansionista estaria nas própriascondições internas vividas pela sociedade romana. Assim, aoinvés de buscar as motivações do imperialismo romano emquestões de política externa, Guarinello procura entendê-latambém a partir dos conflitos internos existentes entre osgrupos sociais que compunham a cidade de Roma.

EXPANSIONISMO

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Qualquer que fosse a motivação consciente da guerra, por-tanto, ou a forma de representar/justificar seu início, a vitóriaacarretava a obtenção de bens materiais (presas de guerra, territó-rios, escravos e soldados), além de poderio político (glória para oschefes, alianças com as aristocracias locais). Estes deveriam seradministrados e distribuídos entre os vencedores, seguindo ospercursos de sua própria estrutura política e econômica. É, assim,absurdo supor que as conseqüências de tal entidade, advinda deuma vitória, não entrassem nas considerações sobre o início deuma determinada campanha (GUARINELLO, p. 43).

Guarinello associa o expansionismo romano aos proveitosadvindo das vitórias sobre os povos conquistados. Dentre essesproveitos cita principalmente a obtenção de terras.

Uma parte das terras dos povos vencidos por Roma era trans-formada em ager publicus, terras públicas incorporadas comoparte do butim de guerra. Não havia uma política fixa a respeitode quanto cada povo deveria ceder de suas terras. À vezes 1/3do território, outras vezes 2/3, ou mesmo toda as terras da co-munidade submetida poderiam ser confiscada para o ager publicusromano. O Estado distribuía essas terras entre os cidadãos.

Nos princípios da expansão, a utilização do ager publicus paraa criação de colônias de pequenos e médios proprietários teveum papel preponderante para atenuar os conflitos pela terra entrea plebe e a nobreza patrícia. Porém, com o passar do tempo, asterras públicas passaram a ser monopolizadas pelos grandes pro-prietários, que dominavam as principais funções do Estado e asutilizavam em proveito próprio, conseguindo assim grande par-te do butim de guerra.

Estima-se que a partir do século II a.C. praticamente tenhacessado a distribuição de terras a cidadãos sem-terra. A popula-ção camponesa romana empobrecida, arruinada pelas própriasconseqüências das guerras, perdia assim o acesso a um de seusprincipais benefícios. Além de terem perdido suas terras, nãotinham acesso ao ager publicus, controlado pela aristocracia, e

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ainda sofriam a concorrência da mão de obra escrava, cada vezmais utilizada nas grandes propriedades.

Os grandes proprietários, após a vitoria sobre os cartagineses,podiam obter escravos a preços compensadores, graças à grandequantidade de escravos que chegavam a Roma. A vitória sobre acidade grega de Tarento, no sul da Itália, teria fornecido um con-tingente de 30 mil escravos em 209ª.C.; sobre o Épiro, em167ª.C., 150 mil; e sobre os cartagineses, em 146ª.C.h , 50 mil.

Esse escravo-mercadoria era considerado umobjeto (res). Sendo propriedade de um senhor

(dominus), este tinha o direito total sobre aquele esobre os filhos que esse escravo viesse a ter. Sem

sua liberdade original e recém-chegado do exterior,tornava-se um elemento desenraizado.(47)

Como um de seus resultados, a expansão romana consoli-dava e tornava predominante uma nova forma de organizaçãodas relações de produção do campo: a grande propriedade traba-lhada por mão de obra escrava. Diante desse cenário, a popula-ção camponesa romana não tinha muitas possibilidades de con-tinuar vivendo no campo, o que motivou a imigração para ascidades de grandes quantidades de camponeses, passando a cons-tituir um proletariado urbano explosivo e potencialmente peri-goso, que passou a ser manipulado pela aristocracia romana embenefício de seus projetos políticos.

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ATIVIDADES

Caro aluno ou cara aluna, o texto abaixo foi extraído do livroImperialismo Greco-Romano de Norberto Luiz Guarinello. Nes-te trecho que selecionamos, ele aborda as diferenças existentesno processo de expansão imperialista romano antes e depois dasGuerras Púnicas. Leia-o atentamente e depois responda as ques-tões solicitadas.

No período que se estende de 509 a.C. data tradicionalda derrubada da monarquia, até o principado deAugusto, Roma esteve constantemente em guerra. Desseestado de guerra permanece o ritual ligado ao templode Jano, divindade propiciatória das partidas e retornos,e cujas portas se abriam ritualmente ao início de cadaguerra. Durante todo período republicano, tais portasse fecharam apenas uma vez, em 202 a.C., para seremabertas logo em seguida, quando Roma venceu a segundaguerra púnica. Esse estado de guerra constante exigiuuma mobilização popular sem precedentes na históriadas cidades antigas, tanto na freqüência do chamado àsarmas quanto na duração dos períodos de mobilização,que aos poucos foi se ampliando, quando as conquistasse tornaram mais difíceis e mais distantes. Durante oséculo II a. C., quando Roma expandiu seu poder paratoda bacia do Mediterrâneo, estima-se que ao menos 10%da população masculina adulta estivesse em serviço acada ano (cerca de 130 mil soldados, cada soldadoservindo, em média, seis anos no exército. Umamobilização de tal envergadura provocou uma acentuadamilitarização da sociedade romana e teve profundasconseqüências políticas e econômicas [...]Podemos distinguir dois períodos no imperialismoromano, essencialmente diversos em sua natureza, suascausas, motivações e conseqüências. Tal distinção, a nossover, origina-se da especificidade das relações econômicase políticas em Roma nos dois momentos. A expansão da

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Roma monárquica e republicana, até o século III a.C.,foi realizada por uma sociedade essencialmente camponesa,na qual os cidadãos se definiam pela propriedade de lotesde terra, em geral de pequena extensão, que eramcultivados pelo proprietário e sua família ou, no caso dasfamílias aristocráticas, por trabalhadores dependentes,ligados à classe dominante por laços de clientela [...]No curso do século III a.C. e, com maior intensidade, apartir da segunda guerra púnica, desenvolve-se em Romaa produção mercantil, baseada na utilização de mão deobra escrava em larga escala. O desenvolvimento, pelaprimeira vez no Mundo Antigo, do modo de produçãoescravista como sistema produtivo dominante foipossibilitado e favorecido pela expansão imperialistaanterior, que propiciara acumulação de recursos - em bensmateriais , terras e escravos – em grande quantidade e suainversão numa forma de produção (a fazenda ou Villaescravista) voltada à produção de bens agrícolas para ummercado em expansão (1994, p. 46-47).

Detalhes da Coluna, onde é representada apartida dos legionários romanos de seusquartéis para combater os Dácios. Na cenade baixo, o Deus Danúbio assiste os legio-nários atravessando uma ponte.(Fonte: http://www.auladearte.com.br).

Coluna de Trajano (cerca de 113d.C.), monumento em Roma,construído por ordem do impera-dor Trajano, que realizou as últi-mas grandes conquistas romanas.Seu baixo relevo em espiral come-mora as vitórias romanas em cam-panhas militares contra os Dácios.(Fonte: www.auladearte.com.br).

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1. Norberto Guarinello utilizou um belo exemplo das práticas religiosasromanas para nos mostrar a dimensão que atingiu as campanhas milita-res romanas durante a República. Qual foi esse exemplo?2. Segundo Guarinello, quais foram as conseqüências para a socie-dade romana desse estado de mobilização constante para a guerra?3. Guarinello distingue dois períodos distintos no processo de ex-pansão imperialista durante a República. Quais foram eles?

COMENTÁRIO SOBRE AS ATIVIDADES

1. Norberto Guarinello utilizou o exemplo de templo de Janocujas portas se abriam ao início de cada guerra. Segundo ele,durante o período republicano, essas portas foram fechadasapenas uma vez, em 202 a.C., para serem reabertas logo emseguida.2. O estado de mobilização constante exigiu umamovimentação sem precedentes na história romana. SegundoGuarinello, estima-se que, após o século II, pelo menos 10%da população romana passou a ser mobilizada para guerra, umesforço sem precedente que minou as bases de organização dopoder republicano.3. Para Guarinello, o primeiro período da expansão imperialistaromana teria se dado a partir do seu início, durante a monarquia,até o século III, quando do início das Guerras Púnicas. Nessafase, a expansão teria sido promovida por uma sociedadeessencialmente camponesa, marcada principalmente pelapequena e média propriedade, trabalhada por seus própriosproprietários, ou, no caso das famílias aristocráticas, cultivadaspor trabalhadores dependentes submetidos a relações declientela.

Após as Guerras Púnicas, podemos dizer que a sociedade ro-mana entrou em nova fase. Profundamente transformada em suascaracterísticas originais, a partir desse momento, iniciou-se um pro-

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cesso de crises que culminou no fim da República como forma deorganização política.

Como já vimos, um dos problemas essenciais que passou a per-turbar a sociedade romana foi a questão da terra. Arruinados devi-do às guerras e os longos períodos de mobilização militar, os pe-quenos e médios proprietários iam perdendo suas posses e inte-grando o contingente cada vez maior de cidadãos proletários. Foinesse contexto que os irmãos Gracos lideraram um movimentoreformador (133-121), que pretendia conter o processo de empo-brecimento e de perda de suas propriedades que assolava a massados pequenos camponeses, que formavam, até então, a base doexército romano. Suas propostas visavam limitar a formação de la-tifúndios e promover a distribuição de terras para cidadãos proletá-rios. Plutarco nos informa que Tibério, agindo dessa maneira, esta-ria tentando resolver o problema da falta de homens em várias par-tes da Itália e o da dificuldade de manter o recrutamento para oexército, pois os cidadãos proletários não eram convocados para oexército. O discurso de Tibério, registrado por Plutarco, ilustra bemsuas preocupações:

Os animais selvagens da Itália possuem cada um sua toca,seu abrigo; mas os homens que combatem e morrem pela

Busto do filósofo Plutarco.(Fonte: http://www.filosofico.net).

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Itália possuem apenas a luz, o ar, e nada mais. Sem morada,sem residência fixa, eles vagueiam levando consigo filhos emulheres. Os comandantes mentem quando, antes dasbatalhas, os exortam a combater em defesa dos túmulos elugares de culto, pois os romanos não possuem altarfamilial, nem túmulos de antepassados. Eles combatem emorrem para sustentar o luxo e a opulência dos outros;são chamados de senhores do mundo, quando nãopossuem sequer um pedaço de terra.

O discurso de Tibério é contundente. A comparação entre osanimais selvagens da Itália e os soldados romanos tornou-se célebrepela crueza com qual descreve a condição daqueles que “lutavampela grandeza de Roma”, mas que não possuíam para si sequer umpedaço de terra. Conquistadores do mundo, viviam pior do que osanimais, que ao menos possuíam uma toca para dormir.

Os irmãos Gracos pertenciam à aristocracia romana, mas viamno empobrecimento da massa camponesa uma situação perigosaque punha em risco a própria sobrevivência de Roma. A políticados irmãos Gracos tinha como objetivo preservar as bases sobreas quais se apoiavam a força de militar de Roma: o seu exércitoformado principalmente de pequenos e médios proprietários. Po-

rém, suas propostas de distribui-ção de terra angariou-lhes amplaoposição nos meios aristocráticos,e ambos acabaram sendo levadosà morte. Tibério, assassinado;Caio, por suicídio.

A questão da terra, da organi-zação do exército e do relaciona-mento de Roma com as regiõesque havia dominado esteve na basedos conflitos da sociedade roma-na a partir da segunda metade doséculo II a.C. Após os eventos em

O Mausoléu dos Gracos, escultura de Jean-BaptisteClaude Eugène Guillaume (1847-1853).(Fonte: http://www.images.google.com.br).

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torno do frustrado projeto reformador dos Gracos, outro nomeimportante que surgiu ligado a esse contexto de crises foi o deMário, aquele que liderou o chamado partido popular na guerracivil que se instaurou a partir do século I.

Mário não pertencia às fileiras da nobreza antiga romana.Era um homem novo que, graças à riqueza e ao prestígio políticoque angariara, conseguiu eleger-se cônsul no ano de 108 a.C.Esse era um momento dramático para Roma que vinha sofren-do derrotas militares na África e se encontrava ameaçada pelosceltas ao norte. Dificuldades militares que eram sinais claros dafalência da organização do exército romano, que não vinha maisconseguindo obter os mesmos êxitos de outrora. Sinal da crise,cuja base se encontrava na proletarização dos camponeses quelhe serviam de sustento.

Mário então reorganiza o exército, recrutando proletárioscomo voluntários, tornando o serviço militar uma profissão. Talmudança se mostrou eficaz no campo militar, permitindo aosromanos voltarem a vencer seus inimigos, porém motivou pro-fundas alterações no seio da sociedade romana. A convocaçãodo proletariado para compor as fileiras das tropas romanas pro-porcionou grande poder aos seus comandantes. A tropa via ne-les aqueles a quem devia recorrer para o atendimento de suasdemandas sociais, principalmente a de terra. Tal vínculo de soli-dariedade transformou o exército em uma temível arma políticano jogo do poder em Roma. Seus comandantes tornaram-sehomens poderosos e usavam seu prestígio para angariar os maisaltos cargos da república. A partir de então, o controle das legi-ões passaria a ser o elemento fundamental na disputa pelo poderem Roma, transformando seus comandantes nos líderes em tor-no dos quais se organizavam vastos interesses relacionados aosmais diversos grupos da sociedade romana.

Foi nesse contexto de lutas e confrontos que Júlio César,apoiado em seu prestígio militar, ascendeu ao poder, após ter

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vencido seus principais oponentes organizados em torno da lide-rança de Pompeu.

Como resultado de um acordo político visando dividir o poderem Roma, Júlio César, Pompeu e Crasso formaram o que ficou co-nhecido como primeiro triunvirato, no ano de 60 a.C. Foi por inter-médio desse acordo que ele obteve o comando dos exércitos naGália, possibilitando iniciar uma bem-sucedida campanha militarque lhe angariou riquezas, prestígio e, o mais importante, o apoiode uma poderosa tropa que lhe era fiel. Com a morte de Crasso, em54, e o aumento do poder de Júlio César, Pompeu, eleito cônsulcom apoio do senado, tentou destituir César de seu comando mili-tar na Gália. Ele não aceitou, pois sabia que seria seu fim; era oprincípio de um violento conflito que levou à morte de Pompeu, e àobtenção, por parte de César, de um poder quase absoluto. Porém,a nobreza senatorial lhe era hostil, o que levou a uma conspiraçãoque acarretou em sua morte em 44 a.C.

A morte de Júlio César motivou nova disputa pelo poder, en-volvendo, principalmente, seus mais influentes seguidores,formando-se então o segundo triunvirato em 43 a.C., compostopor Otaviano, Marco Antonio e Lépido. Porém uma violentaluta logo se estabeleceu entre Otaviano e Marco Antonio.

Após violentos confrontos, Marco Antonio e Cleópatra,rainha do Egito, sua principal aliada, foram derrotados em 30a.C. Em 27 a.C., Otaviano receberia do senado romano o títulode augusto e, a partir daí, apesar de manter formalmente as insti-tuições que caracterizavam a estrutura de poder republicano,passaria a concentrar em suas mãos funções cada vez mais am-plas, exercendo um domínio que abarcava o comando supremodo exército, da condução da política externa, e o controle diretode diversas províncias. Com os títulos de augusto e imperador,Otaviano passaria a concentrar poderes antes jamais reunidos na fi-gura de uma só pessoa. Era o fim da República e o início do império.

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ATIVIDADES

No texto abaixo, Corassin registra a importância da política de Otá-vio Augusto na organização do Império Romano. Leia-o atenta-mente e depois responda as questões propostas.

Quando Otávio (Augusto) assumiu o poder em Roma noano de 27 a.C., muitas eram as reformas a seremempreendidas. Estas inicialmente permitiram a unidadepolítica do imenso território conquistado por Roma e a criaçãodo Império. O novo Estado fundado por Augusto garantiuigualmente a continuidade da estrutura econômico-socialestabelecida durante a república. A primeira destas reformas,e uma das mais importantes, foi a liberação do camponêsda obrigação do serviço militar, através da abolição daconscrição (recrutamento de soldados entre os camponeses)e da profissionalização do exército. Ao mesmo tempo foramdistribuídos lotes de terra aos soldados já desmobilizados,de forma a diluir as tensões existentes. Augusto tambémprocurou pacificar o território já conquistado, estabilizandoas fronteiras do Império e fazendo com que as guerrasdeixassem de ser sistemáticas. O sistema fiscal para asprovíncias igualmente sofreu reformulações: foramnomeados funcionários,remunerados pelo Estado, paracontrolar a arrecadação deimpostos. Estes, por sua vez,passaram a ser regidamentefiscalizados para evitar abusos,corrupções e extorsões.No nível governamental, as maiselevadas funções (Senado e outrasmagistraturas) foram abertas aosmembros das famílias italianas,inaugurando uma época deaproximação política com asprovíncias. O poder anteriormente

Busto em homenagem ao imperadorromano Otávio Augusto.(Fonte:http://www.geocities.com).

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em mãos do Senado passou a ser centralizado peloimperador. Mesmo assim a classe senatorial, renovada comos contingentes das aristocracias italianas, continuou sendo aclasse dirigente, à medida que conservou o poder sobre amáquina administrativa do Estado Imperial, Estado este que,no fundo, representava seus interesses (CORASSIN, p.86).

Tendo como referência as informações contidas no textoacima, responda as seguintes questões.

1. Segundo o texto acima, qual foi a grande importância da polí-tica seguida por Otávio Augusto?2. Quais foram as medidas tomadas por Augusto em relação aoexército?3. Qual foi a política de Augusto em relação às províncias?4. Em relação ao Senado, qual foi a política de Augusto?

COMENTÁRIO SOBRE AS ATIVIDADES

1. Segundo a autora, as medidas de Otávio Augusto permitirama unidade política do imenso território conquistado por Romae a criação do Império2. Otávio liberou o camponês da obrigatoriedade de servir oexército e distribuiu terras aos soldados já desmobilizados,contribuindo para a diminuição das tensões sociais originadaspelas disputas da terra.3. Augusto reformulou o sistema fiscal, nomeando funcionáriospara controlar a arrecadação de impostos, que também eramfiscalizados para impedir abusos e corrupção.4. O poder que antes se concentrava no senado passou para aesfera do imperador.

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Com Otávio Augusto foram definidas as bases sobre as quaisse assentaram o Império Romano. Reorganização administrativa quepromoveu as condições necessárias que permitiram a integraçãodas províncias na estrutura do Estado romano, fazendo com que asaristocracias provinciais participassem da administração em suasmais diversas esferas de organização, criando um sólido esquemade alianças unindo o governo central em Roma e as elites provinci-ais nas mais diversas partes do império.

A subida de Otávio ao poder marca o início do período im-perial, que perdurou até as invasões bárbaras do final do séculoV d.C. Tradicionalmente se costuma dividir a história do perío-do imperial em duas fases: o Alto Império e o Baixo Império. OAlto Império (I a.C. a III d.C.) é considerado o momento doapogeu de Roma que, graças à estabilidade e à relativa paz obti-das desde o fim das guerras civis, com a subida de Otávio aopoder, atingiu seu momento de maior esplendor. O Baixo Impé-rio (III d.C. a V d.C), por sua vez, foi o momento em que oImpério passou a ser assolado por graves crises políticas e eco-nômicas, que culminaram nas invasões bárbaras do século V e oconseqüente fim do Império Romano do Ocidente de 476 d.C.

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História Antiga I

É muito curioso que, ao se estudar o império romano, muitose preste atenção às causas que teriam levado à sua decadên-

cia e desintegração, na época das invasões bárbaras do século V. Apergunta que se faz é: tribos pouco avançadaspoderiam ter vencido o então maior império daterra? Claro, a questão é importante, mas nosparece que ela deixa um pouco de lado uma ques-

tão fundamental! Ela toma como princípio, como ponto de partida,a existência do Império, como se essa grande criação humana fossequase que natural. Não, o Império Romano foi uma construção so-cial, política e econômica! Assim, nessas duas aulas em que desenvol-vemos o Império Romano como tema, ao invés de perguntarmoscomo tribos bárbaras primitivas conseguiram “derrubar” o maiorimpério do mundo até então, procuramos responder como uma tri-bo primitiva que, no início do século VIII a.C., formava um pequenoaldeamento na região central da península itálica, conseguiu tornar-sesenhora de todo o mundo mediterrânico.

RESUMO

Nessa aula buscamos expor as relações entre a sociedade roma-na e o seu processo de expansão imperialista. Mostramos entãoa tese do imperialismo defensivo, que busca entender as guerras

de conquistas dos romanos como ações que não teriam como objetivoconsciente a anexação de povos e territórios com a intenção de se ob-ter riquezas à custa da submissão de outros povos. Por essa teoria, oimpulso inicial do imperialismo romano teria sido resultado de umasérie de “guerras defensivas” que teve como conseqüência a conquistade toda península Itálica. Contrapondo essa posição, apresentamos atese de que os fatores iniciais que motivaram o expansionismo romanodeveriam ser buscados nas próprias questões internas da sociedade ro-mana, principalmente nos conflitos entre plebeus e patrícios, motiva-dos, entre outros fatores, pelo problema da terra.

CONCLUSÃO

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A formação do Império Romano II

AUTO-AVALIAÇÃO

1. Qual foi a importância de Otávio Augusto na forma-ção do Império romano?

2. Qual foi uma das principais conseqüências do processo de expan-são territorial sofrida pela população camponesa romana?

COMENTÁRIO SOBRE AS ATIVIDADES

1. Otávio Augusto após ter ascendido ao poder promoveu umasérie de reformas reorganizando o Estado Romano, criando asbases sobre as quais se sustentaram a estrutura do ImpérioRomano.2. As constantes guerras em que os romanos se envolviamlevaram à ruína a camada de camponeses pequenosproprietários, que além de perderem suas terras passaramtambém a sofrer a concorrência do trabalho escravo.

REFERÊNCIAS

FLORENZANO, M.B. O Mundo Antigo: economia e socieda-

de. São Paulo: Brasiliense, 1982.GUARINELLO, N.L. Imperialismo Greco-Romano. 3 ed. SãoPaulo: Editora Ática, 1994.