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Revista do Conservatório de Música da UFPel Pelotas, No.5, 2012 p. 1-35 Da harmonia pela harmonia: sobre formalismo e seus impactos na ideia de harmonia funcional Sérgio Paulo Ribeiro de Freitas (UDESC - SC) [email protected] Resumo: Nas atuais práticas teóricas da harmonia tonal que enfrentam também o âmbito da música popular, a ideia de harmonia funcional entrelaça tópicos, formulações e abordagens que frequentemente estão presentes. Destacando questões proeminentes em determinados campos da arte e da cultura – tais como as questões da “ l'art pour l'art”, do idealismo, da música absoluta, do belo musical, do matematismo, do sensacionismo etc. – este artigo salienta contrastes entre o funcionalismo e o formalismo. Com isso, observando impactos que questões assim causaram, ou ainda causam, em nossas concepções sobre música, argumenta-se que tais temáticas, por vezes afastadas das aulas e conteúdos programáticos da disciplina, interferem e podem ser criticamente contributivas na análise e resolução de problemas desta harmonia dita funcional. Palavras-Chave: Harmonia funcional, música absoluta, análise e teoria musical. Harmony for harmony’s sake: formalism and its impact on the idea of functional harmony Abstract: In current theoretical practices of tonal harmony that also involve popular music, the idea of functional harmony implicates topics, formulations and approaches which are often present. Emphasizing prominent topics in certain fields of art and culture – such as " l'art pour l'art" (art for art's sake), idealism, absolute music, the beautiful music, mathematicism, sensationalism etc. – this paper highlights the contrasts between functionalism and formalism. Thus, given the impact of these issues on our conceptions of music, it is affirmed that they interfere and may contribute to the analysis and resolution of problems associated to this so-called functional harmony, although these topics are not usually discussed and may not be part of the curriculum. Keywords: Functional harmony, absolute music, analysis and music theory. INTRODUÇÃO Nas rotinas de estudo, ensino e aprendizagem formal da harmonia tonal, em certas ocasiões, surgem questões relacionadas ao fato de que o âmbito deste campo do conhecimento musical nem sempre se restringe aos limites de sua pressuposta autonomia. Certas causas, justificativas, origens, escolhas e motivações que acompanham os problemas da teoria, crítica e análise harmônica, dão indícios de que tais problemas vão se resolver é na interação entre “as interioridades de um jogo de regras próprias e as exterioridades de um mundo onde este jogo é jogado” (NAGORE, 2004, p.3). Então, assim como a própria música está

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harmonia pela harmonia

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Revista do Conservatório de Música da UFPelPelotas, No.5, 2012 p. 1-35

Da harmonia pela harmonia: sobre formalismo e seus impactos na

ideia de harmonia funcional

Sérgio Paulo Ribeiro de Freitas(UDESC - SC)

[email protected]

Resumo: Nas atuais práticas teóricas da harmonia tonal que enfrentam também o âmbito da músicapopular, a ideia de harmonia funcional entrelaça tópicos, formulações e abordagens quefrequentemente estão presentes. Destacando questões proeminentes em determinados campos daarte e da cultura – tais como as questões da “l'art pour l'art”, do idealismo, da música absoluta, dobelo musical, do matematismo, do sensacionismo etc. – este artigo salienta contrastes entre ofuncionalismo e o formalismo. Com isso, observando impactos que questões assim causaram, ouainda causam, em nossas concepções sobre música, argumenta-se que tais temáticas, por vezesafastadas das aulas e conteúdos programáticos da disciplina, interferem e podem ser criticamentecontributivas na análise e resolução de problemas desta harmonia dita funcional.

Palavras-Chave: Harmonia funcional, música absoluta, análise e teoria musical.

Harmony for harmony’s sake: formalism and its impact on the idea of functional harmony

Abstract: In current theoretical practices of tonal harmony that also involve popular music, the idea offunctional harmony implicates topics, formulations and approaches which are often present.Emphasizing prominent topics in certain fields of art and culture – such as " l'art pour l'art" (art for art'ssake), idealism, absolute music, the beautiful music, mathematicism, sensationalism etc. – this paperhighlights the contrasts between functionalism and formalism. Thus, given the impact of these issueson our conceptions of music, it is affirmed that they interfere and may contribute to the analysis andresolution of problems associated to this so-called functional harmony, although these topics are notusually discussed and may not be part of the curriculum.

Keywords: Functional harmony, absolute music, analysis and music theory.

INTRODUÇÃO

Nas rotinas de estudo, ensino e aprendizagem formal da harmonia tonal, em

certas ocasiões, surgem questões relacionadas ao fato de que o âmbito deste

campo do conhecimento musical nem sempre se restringe aos limites de sua

pressuposta autonomia. Certas causas, justificativas, origens, escolhas e

motivações que acompanham os problemas da teoria, crítica e análise harmônica,

dão indícios de que tais problemas vão se resolver é na interação entre “as

interioridades de um jogo de regras próprias e as exterioridades de um mundo onde

este jogo é jogado” (NAGORE, 2004, p.3). Então, assim como a própria música está

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“intrinsecamente ligada à condição comum e impura dos nossos negócios humanos”

(GOEHR apud RIDLEY, 2008, p.27), também a harmonia pode se deixar notar como

algo que não é “maximamente independente dos caprichos de tempo e lugar,

equipamento e método e, acima de tudo, independente de [...] preconceitos,

sentimentos, carências e necessidades” (RIDLEY, 2008, p.14).

Uma das ênfases da discussão que se apresenta aqui recai justamente

sobre o entendimento da noção de funcionalidade, de formalidade, naturalidade,

perfeição, universalidade e perenidade de uma perspectiva teórica musical que, por

vezes, é dada como lógica, especializada, racional e dotada da faculdade de

determinar suas próprias leis. Ou, mais especificamente, a discussão que se

apresenta aqui recai sobre a tese contemporânea que defende uma suposta máxima

pureza radicada na função harmônica dos graus. Então, em cenário posterior à

segunda metade do século XVIII e focalizando, principalmente, a perdurante

referência internacional da linhagem teórica austro-germânica ao longo dos séculos

XIX e XX1, trata-se de problematizar a perspectiva de uma neutralidade absoluta,

positiva e idealizada que, convicta e competentemente, vem nos ensinando que

A melhor maneira de chegar à verdade a respeito da música [e, comisso, também da harmonia, das funções tonais etc.] deve ser, de fatosepará-la tanto quanto possível de todas as outras coisas e investigá-la noque poderia ser chamado seu estado “puro”. A música precisa serdesinserida [...] e abordada por si mesma; ela precisa ser considerada emisolamento [...], pois dessa maneira – livre de qualquer influênciacontaminadora – cederia seus segredos (RIDLEY, 2008, p.11-12).

A discussão a respeito desta temática é conhecida. De modo geral, sua

divulgação conta com slogans polemistas, cultos e diversos, que caracterizam tal

oposição por meio de rótulos emblemáticos como: Autonomia contra dependência. A

estrutura intramusical contra a conjuntura extramusical. Desinserção contra

interação. A convicção de que a qualidade artística da música encontra-se na beleza

dos seus construtos sonoros contra a certeza de que o valor da música reside na

capacidade de expressão e/ou representação dos sentimentos ou de outras coisas

que, então, são percebidas como coisas de fora da música. Tal discussão não será

propriamente revista aqui, mas, em síntese, a Fig.1 procura referenciar alguns

1 Sobre a teoria da harmonia austro-germânica e seu legado, ver Bernstein (2006), Burnham (1992),Damschroder (2008), Dudeque (2005), Fabrikant (2007), Mickelsen e Riemann (1977), Rehding(2008), Shirlaw (1969, p.352-410), Wason (1988).

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Fig.1 - Amostragem metavocabular e referências em torno da questão formalismo versusconteudismo

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vieses desta desinteligência que, atingindo ora mais ora menos as normalizações da

harmonia, são questões de destaque nas filosofias, estéticas, sociologias,

pedagogias, teorias, críticas e análises musicais.

Dado que são diversos os esforços que abordam o assunto, argumenta-se

aqui que: reconhecer termos e contra termos dessa discussão, que por vezes é

afastada como coisa alheia aos assuntos formalmente declarados como

propriamente técnicos e específicos da nossa disciplina, é uma ação correlata que,

efetivamente, contributivamente, pode arejar nossas rotinas de análise harmônica

funcional.

1. DA ARTE PELA ARTE, DO IDEALISMO ABSOLUTO E DA MÚSICA ABSOLUTA

Na observação do gradual processo de propagação das teses do formalismo

na teoria contemporânea para a arte da harmonia, um marco indelével se concentra

na poderosa fórmula: a arte pela arte. Fácil de lembrar a fórmula propaga uma

doutrina de fundo romântico que, em linhas gerais, defende uma “compreensão do

fenômeno artístico que vê na própria arte e nos seus meios os únicos fins a que ela

deve almejar, sem o apelo a objetivos extrínsecos (tais como motivações éticas,

didáticas ou ideológicas) ao puro deleite formal” (HOUAISS).

Entre 1785 e 1788, atualizando a antiga expressão latina “ars gratia artis”, a

fórmula “l'art pour l'art” ganha destaque em textos do esteta, escritor e professor

alemão Karl Phillipp Moritz (1756-1793). Influentes na fase inicial do Romantismo, as

teses de Moritz “foram aceitas sem reservas por Goethe e com hesitação por parte

de Schiller” (DAHLHAUS, 1999, p.8). Conforme Dahlhaus, a “rudeza” da fórmula se

explica, por um lado, frente ao enfado provocado por tantos arrazoados filosóficos e

morais sobre arte que surgiram ao longo dos séculos XVII e XVIII2. E, por outro lado,

pelo desejo de usufruto da contemplação estética como uma libertação das

opressivas tarefas do mundo vital e laboral burguês. O esforço pedagógico de Moritz

estava “destinado à correta apreciação do belo e da arte”:

Procurarei desenvolver o conceito de belo [...] segundo os princípiosmais simples, e reduzir a essência das obras de arte [...] a esse princípiocentral, de modo que o gosto ou a faculdade de sentir [...] tenha um pontofirme, a partir do qual se possa em todos os momentos corrigir o sentimentoobscuro durante a contemplação ou o julgamento do belo, orientando ao

2 Para uma amostra desses arrazoados no campo da música, ver Hanslick (1992, p.26-29).

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mesmo tempo o seu juízo diante do entendimento (MORITZ apud TOLLE,2007, p.9).

O objeto meramente útil é, pois, em si mesmo nada completo nemfechado, só chega a sê-lo quando alcança em mim seu objetivo ou suafunção. [...] Enquanto o belo atrai nossa atenção nos aparta um tempo denós mesmos, e faz parecer que estamos perdidos no objeto belo; ejustamente esse perder-se, esse esquecer-se de si mesmo, é o mais altograu de prazer puro e desinteressado que o belo pode nos oferecer.Sacrificamos nesse instante nossa limitada existência individual por umaespécie de existência superior (MORITZ apud DAHLHAUS, 1999, p.8-9).3

A autonomia da obra de arte diante do sujeito pressupõe não apenasque ele renuncie a agir em proveito e de acordo com seus desejos. [Talautonomia] tem como consequência o fato de que, para a corretacontemplação da obra de arte, não são necessários conhecimentos préviosou erudição. A obra de arte deve ser capaz de transmitir o seu significadovalendo-se apenas do que apresenta a sua superfície. Tomada em isolado,a obra é uma exposição que diz algo. Para Moritz: [a obra de arte] “nãodeve significar e dizer nada que esteja fora dela, mas, por assim dizer, devefalar apenas de si mesma, da sua essência por meio da superfície exterior,ela deve se tornar significativa por meio de si mesma”. [...] Desse modo,cerca de uma década antes da publicação da [noção de “finalidade sem fim”na] Crítica da Faculdade do Juízo, de Kant, Moritz formula o conceito deautonomia para a arte, sem, contudo, empregar este termo especificamentee por vias surpreendentemente diferentes (TOLLE, 2007, p.12 e 14).

A princípio, em Moritz, a fórmula “l’art pour l’art” estava orientada para a

poesia, a pintura e a escultura. E, com efeito, sabemos que ao longo dos anos

influentes poetas e artistas “dela se valeram para defender a arte das tentativas de

escravização ou manipulação para fins que acarretariam a sua completa

subordinação e lhe tolheriam toda liberdade de movimento” (ABBAGNANO, 2007,

p.374).

[A arte] é independente de qualquer objetivo prático ou utilitário. Estecaráter foi expresso pela fórmula da arte pela arte, à qual aderiram noséculo XIX artistas como Flaubert, Gautier, Baudelaire, Walter Pater, OscarWilde e Allan Poe. O alvo contra o qual se dirige essa fórmula é asubordinação da Poesia à emoção, à verdade ou ao dever; seu significadopositivo é a liberdade da Poesia no sentido afirmado, p. ex., por Kant.Flaubert diz: "Compor versos simplesmente, escrever um romance, cinzelarmármore, eram coisas boas nos tempos em que não existia a missão socialdo poeta. Agora qualquer obra deve ter significado moral, ensinamento bemdosado; é preciso que um soneto tenha alcance filosófico, que um dramapise nos calos dos monarcas e que uma aquarela enobreça os costumes. A

3 Esta versão em português foi escrita pelo autor do presente artigo a partir da seguinte tradução doalemão para o espanhol realizada por Ramón Barce: “El objeto meramente útil es, pues, en si mismonada completo ni cerrado, sino que solo llega a serlo cuando alcanza en mí su objetivo o sucumplimiento. […] Mientras lo bello atrae nuestra atención nos aparta un tiempo de nosotros mismos,y hace que parezca que nos perdemos en el objeto bello, y justamente ese perderse, ese olvidarse deuno mismo, es el más alto grado del placer puro y desinteresado que puede ofrecernos lo bello.Sacrificamos en ese instante nuestra limitada existencia individual en aras de una especie deexistencia superior”.

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mania de advogar insinua-se em toda a parte, juntamente com asofreguidão de discutir, perorar, arengar". [Em 1856] Gautier proclamava:"Cremos na autonomia da arte; para nós a arte não é um meio para um fim.Um artista que corre atrás de um objetivo que não seja a beleza em nossaopinião não é artista". A fórmula da arte pela arte é, portanto,substancialmente a defesa da Poesia contra qualquer tentativa de torná-lainstrumento de propaganda de um objetivo qualquer. A beleza é o único fim[...] a arte não pode estar subordinada ao bem, à verdade ou a coisas quepretendam ter tais características, resta-lhe como único fim a beleza, maisprecisamente a beleza formal, que independe dos conteúdos que lhe sãooferecidos pela emoção ou pelo intelecto (ABBAGNANO, 2007, p.770).

Entrementes, contando com o aporte de uma geração de sensíveis e jovens

poetas, escritores e críticos pré-românticos, tais teses se fortificaram também no

campo musical4. O “ideal romântico de que a obra de arte é outro mundo, válido por

si mesmo e independente do que lhe é exterior” (WAIZBORT, 2006, p.187), causou

indelével impressão no mundo da arte dos sons consolidando aos poucos a defesa

de uma música pela música. Uma “música sem sombras”, desvinculada “de qualquer

elemento extramusical (textos, recursos cênicos, coreografias) e que se propunha a

ser autônoma, assemântica e agenciadora de suas próprias regras de construção

técnico-formais e de expressividade” (TOMÁS, 2011, p.12). Tal ideal de “autonomia”

implica a mais alta aspiração, a unidade, a pureza, a perfeição. O ideal absoluto:

Na descrição do que é perfeito, impõe-se, na música, nãodiversamente da poesia, a imagem de uma única mônada fechada em sique, no entanto, indica um mundo5. O perfeito, segundo uma expressão deTieck, é “um mundo separado por si mesmo”, no qual um momento extra-estético, uma reminiscência biográfica ou histórica, significaria umaperturbação sensível (DAHLHAUS, 2003a, p.127).

É preciso compreender a gênese da autonomia romântica da artepara poder ponderar seu justo peso histórico. A ênfase na autonomiacontrapõe-se à ideia tradicional [...] de que a obra de arte deve estar aserviço da religião, da utilidade moral ou do entretenimento cortês ouburguês. [...] A religião da arte romântica foi uma emancipação da arte, quedeixou de servir a qualquer função que lhe fosse exterior, [a música] deixoude ser música funcional. [...] No limite da estética romântica, a música é uma“revelação” do absoluto. [...] Foi Richard Wagner, o criador da expressão[“música absoluta”]6, quem talvez melhor tenha definido o problema: a

4 Dentre os jovens pré-românticos que produziram textos que contribuíram incisivamente para talreviravolta na abordagem da arte musical, destacam-se nomes como: Friedrich Schlegel (1772-1829),Wilhelm Heinrich Wackenroder (1773-1798), Ludwig Tieck (1773-1853), Jean-Paul (Johann PaulFriedrich Richter, 1763-1825), Ernst Theodor Amadeus Hoffmann (1776-1822). Sobre o assunto, verIriarte (1987), Nunes (2005), Videira Junior (2006, p.71-79; 2009).5 Correlações entre a noção filosófica de mônoda e o conceito harmônico funcional demonotonalidade elaborado por Schoenberg (2004, p.37) são mapeadas em Freitas (2010, p.283-385).Sobre monotonalidade, ver: Bernstein (1992, 2006, p.802-806), Carpenter e Neff (2006, p.64 e 206-225), Dudeque (1997a, 1997b, 2005), Neff (1993, p.416-419).6 Ver Beard e Gloag (2006, p.2-3), Dahlhaus (1999, p.22).

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irredutibilidade da música absoluta a qualquer outra forma de expressão, daía sua intraduzibilidade (WAIZBORT, 2006, p.188).

Sobre a palavra chave “absoluto”, Abbagnano (2007, p.3-4) informa que,

embora a ideia de “Deus como Absoluto” tenha sido proposta pelo filósofo

renascentista Nicolau de Cusa (1401-1464), a difusão da palavra, desde o século

XVIII, muito provavelmente se deve ao linguajar político (poder absoluto, monarquia

absoluta, absolutismo etc.)7. Contudo, a voga filosófica do termo se deve ao

Romantismo alemão que fixou o uso da palavra quer como adjetivo (sem restrições,

sem limitações, sem condições etc.), quer como substantivo (realidade desprovida

de limites, suprema, o “espírito de Deus” etc.) sinônimo de infinito. Filosoficamente,

na esfera do idealismo alemão – ou idealismo absoluto –, Kant diferencia dois

significados: um mais difundido e menos preciso, é o de absoluto como a

determinação de uma coisa pela própria substância ou essência da coisa.

“Absolutamente possível” significa: “possível em si mesmo”, ou “intrinsecamente

possível”. E o outro significado é: “possível sob todas as relações, ou sob todos os

aspectos”. Fichte já fala em termos de “dedução absoluta”, de “atividade absoluta”,

de “saber absoluto” e de “eu absoluto” para indicar o “Eu infinito, criador do mundo”,

e procura interpretar “o Eu como Deus”: “O absoluto é absolutamente aquilo que é,

repousa sobre e em si mesmo absolutamente. [...] Ele é o que é absolutamente

porque é de si mesmo”. Essa inflação dos sentidos da palavra se observa também

em Schelling, que usa o substantivo absoluto para designar o princípio infinito da

realidade, isto é: Deus. Com Hegel, o absoluto é ao mesmo tempo “o objeto e o

sujeito da filosofia e, embora definido de várias maneiras, permanece caracterizado

pela sua infinidade positiva no sentido de estar além de toda realidade finita e de

compreender em si toda realidade finita”. O termo absoluto permanece ligado

A uma fase determinada do pensamento filosófico, precisamente àconcepção romântica do Infinito, que compreende e resolve em si todarealidade finita [...] nada tendo fora de si que possa limitá-lo ou condicioná-lo[...]. [Absoluto é] aquilo que realiza a si mesmo de modo necessário einfalível (ABBAGNANO, 2007, p.4).

Contando com o célebre ensaio “A ideia de música absoluta”, publicado pelo

musicólogo alemão Carl Dahlhaus (1928-1989) em 1976, podemos considerar que,

na história contemporânea da música culta européia, ou por ela condicionada, a

7 Sobre o impacto do absolutismo na terminologia da teoria musical, ver Freitas (2010, p.538-539).

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expressão música absoluta corresponde a “uma música liberada de funções, de

textos e de caracteres nitidamente desenhados e capaz de elevar-se à intuição do

infinito” (DAHLHAUS, 1999, p.126-127)8. O conceito de música absoluta – “o

paradigma estético que dominava na Alemanha como concepção do que desde a

sinfonia e o quarteto de cordas até o drama musical era a música ‘em si’ – foi uma

ideia de todo o século XIX, que representou o sentimento artístico de toda uma

época” (DAHLHAUS, 1999, p.139)9. A ideia de música absoluta rejeita o principio

imitativo, rejeita “o postulado de que a música deveria ser descritiva, seja como

pintura da natureza exterior, seja como representação de afetos ou pintura da

natureza interior, para não permanecer em um conjunto de sons vazio e trivial”10,

contra-argumentando que a música “é linguagem e substância” e não “mero veículo

de pensamentos ou de sentimentos” (DAHLHAUS, 1999, p.140). Em outro texto,

Dahlhaus pondera:

Do ponto de vista historiográfico seria útil [“útil”, pois não existe umconceito “único e verdadeiro” de autonomia] encontrar um caminhointermediário entre um equivalente de “música de concerto” [emcontraposição à “música corrente”] e um conceito de autonomia quecoincida com a doutrina de l’art pour l’art. [...] Dessa maneira se poderiaqualificar de autônoma, em primeiro lugar, uma composição musical queexija e possa ser escutada por si mesma, de modo que a forma predominesobre a função. Em segundo lugar, a arte em sentido moderno do conceito,isto é, obras que surgiram livremente quanto ao conteúdo e forma e não porencargo [livremente concebida e realizada sem influências de um patrão oucomprador] (DAHLHAUS, 2003b, p.134)11.

Observando efeitos recentes da ideia de música absoluta quando, já no

campo da música popular urbana dos séculos XX e XXI, lidamos com critérios de

“complexidade e valor”, Fischerman sintetiza pontos contributivos para a

8 Una música liberada de funciones, de textos y de caracteres nítidamente diseñados y capaz deelevarse a la intuición del infinito.9 El paradigma estético que dominaba en Alemania como concepción de lo que desde la sinfonía y elcuarteto de cuerda hasta el drama musical era la música ‘en sí’ – ha sido una idea de todo el sigloXIX, que representó el sentir artístico de toda una época.10 El postulado de que la música debiera ser descriptiva, sea como pintura de la naturaleza exterior,sea como representación de afectos o pintura de la naturaleza interior, para no quedarse en unconjunto de sonidos vacío y trivial.11 Esta versão em português foi escrita pelo autor do presente artigo a partir da seguinte tradução doalemão para o espanhol realizada por Nélida Machain: "Desde el punto de vista historiográfico seríaútil [...] encontrar un camino terminológico intermedio entre un equivalente de "música de concierto" yun concepto de autonomía que coincida con la doctrina de l'art pour l'art. De esa manera se podríacalificar de autónoma, en primer lugar, a una composición musical que exija y pueda ser escuchadapor sí misma, de modo que la forma predomine sobre la función. En segundo lugar, al arte en elsentido moderno del concepto, es decir, obras que surgieron libremente en cuanto a contenido yforma y no por encargo”.

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desambiguação de termos chaves aqui em debate: função na harmonia funcional de

uma música popular que agrega valor por meio da manufatura complexa.

Nessa forma de conceber a arte (e de conceber a música), quepersegue a condição de abstração (de música absoluta), são essenciais osvalores de autenticidade, complexidade contrapontística, harmônica e dedesenvolvimento, somados a expressão de conflitos e a dificuldade nacomposição, na execução e também na escuta. Hegel, em sua Estética,assegurava que a arte nascia no exato momento da morte do ritual. Querdizer, a condição do “artístico” de um objeto está diretamente ligada a suacapacidade de abstração. No quadro de honra da música, forjado a partir deBeethoven e dado como modelo para a leitura tanto da história anteriorquanto da posterior, os gêneros que tendem a abstração são superiores aosclaramente funcionais [i.e., gêneros com valor prático, utilitário, associadosa alguma motivação extramusical concreta etc.] e, dentro deste universo datradição escrita e acadêmica, os gêneros que renunciam expressamente aqualquer função que não seja a escuta são mais elevados e profundos doque os outros. Dentro deste subgrupo, além disso, os que renunciam aosfogos de artifícios da variedade tímbrica e os que utilizam as formas maiscontrapontísticas e matemáticas ocupam o escalão superior.

Neste tipo de classificação do nível artístico das músicas segundoseu nível de dificuldade e abstração, entra em jogo, também, a hipotética (eilusória) escuta atenta do receptor, que até os inícios do século XX, haviasido privativa de um conjunto de músicas de tradição ocidental e escrita eque fixava, por sua vez – e dialeticamente se articulava a partir de – formasde circulação particulares, como o concerto público, fundamentalmente.Durante o século XX, tanto estas normas de valor como suas modalidadesde circulação não só se estenderam para tradições populares, comotambém possibilitaram, tornando-se pontos de partida, a constituição denovos gêneros [...] Essa nova música para escutar já não era (ou era cadavez menos) produzida pelos compositores clássicos, [...] e foi alcançandoaltíssimos níveis de sofisticação e refinamento a partir das tradições quevinham de migrações e equívocos, de praças e bordéis, de bailes e funerais(FISCHERMAN, 2004, p.27)12.

Posto esta mínima contextualização, que visa estimular a observação da

romântica ideia de música absoluta no enfrentamento dos problemas da harmonia

tonal em nossos dias, retornemos aos meados do século XIX quando, na Europa

culta, o idealismo absoluto remodelava a noção de valor artístico musical.

2. IMPACTOS DO BELO MUSICAL E O IDEAL DE FUNÇÃO TONAL

No âmbito da estética musical um texto seminal que, como se sabe, não

pode deixar de ser mencionado nos debates contemporâneos em torno dessa

temática (formalismo versus conteudismo, autonomia versus atrelagem etc.), é o

influente “Do belo musical: uma contribuição para a revisão da estética musical”

12 Sobre a ascensão e declínio da ideia de música absoluta e seus recentes impactos nos estudos damúsica veiculada pelos meios de comunicação de massa, ver Tagg e Clarida (2003, p.11-92).

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publicado a partir de 1854 pelo professor e crítico musical boêmio-austríaco Eduard

Hanslick (1825-1904)13. Lembrando que este “Do belo musical” é “ponto de partida

não somente da estética formalista, mas também – o que é ignorado com muita

frequência – do pensamento estruturalista” (NATTIEZ, 2005, p.121), recorta-se a

seguir alguns fragmentos do texto de Hanslick (da oitava edição datada de 1891)

que, embora parciais, são contributivos para uma revisão dos pressupostos que, ao

fundo, silenciosamente, parecem tentar governar também a arte da harmonia

quando esta é idealizada como funcional.

A beleza de uma composição é especificamente musical, isto é,inerente aos sons, sem relação com o círculo de pensamentos estranhos,extramusicais (p.10). [...] O belo não tem absolutamente nenhum objetivo;ele é, de fato, pura forma (p.16). [...] O importante é penetrar no interior dasobras e elucidar a força específica de sua impressão a partir das leis de seupróprio organismo (p.21).

[Qual a natureza do belo musical?] É um belo especificamentemusical. [...] um belo [e, então, uma bela concatenação harmônico funcional]que, sem depender e sem necessitar de um conteúdo exterior, consisteunicamente nos sons e em sua ligação artística. As engenhosascombinações de sons encantadores, seu concordar e opor-se, seu afastar-se e reunir-se, seu elevar e morrer – é isto que, em formas livres, seapresenta à contemplação de nosso espírito e que dá prazer enquanto belo(p.61).

Uma ideia musical perfeitamente expressa já é um beloindependente, é uma finalidade em si mesma [...] O conteúdo da música sãoformas sonoras em movimento (p.62). [...] O belo musical repousa nasrelações, nas coligações das notas (p.67). O belo de um tema independentee simples se anuncia ao sentimento estético com aquela imediatez que nãoadmite outra explicação a não ser, no máximo a conveniência íntima dofenômeno, a harmonia de suas partes, sem relação com nada de estranho.Isso nos provoca prazer em si mesmo, como os arabescos (p.69).

Não se busca em peças musicais [não se busca nas “funçõesharmônicas”] a representação de determinados processos psicológicos oude acontecimentos; busca-se, antes de tudo, música (p.77). [...] Não existena música nenhuma “intenção” que poderia substituir uma “invenção”deficiente. [...] A palavra arte [Kunst] deriva de poder [Können]; quem nadapode tem “intenções”. Assim como o belo de uma peça musical se prendeunicamente a características musicais dessa, do mesmo modo também asleis de sua construção só obedecem a tais características (p.77-78).

Para o juízo estético [e para a “função harmônica”] não existe o quevive fora da obra de arte (p.80). [...] A pesquisa estética nada sabe e nadasaberá das relações pessoais e do ambiente histórico do compositor; ela sóouvira o que a própria obra de arte exprime e acreditará nisso (p.81) [...] a‘compreensão histórica’ e o ‘juízo estético’ são coisas distintas (p.82).

13 Além das traduções para o português (HANSLICK, 1994, 1992) dispomos atualmente de váriasleituras dedicadas ao texto de Hanslick, tais como as de Alperson (2008), Nattiez (2005, p.117-139),Oliveira (2010, p.39-46) e Videira Junior (2006), que se somam ao já consolidado espaço que oformalismo e Hanslick ocupam na estética musical, como pode ser visto em Dahlhaus (1999; 2003a,p.79-85), Fubini (1994, p.325-334), Kivy (1990) e Scruton (1999, p.348-354).

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Concebemos a atividade de compor com um “formar”; enquanto tal,ela é completamente objetiva. O compositor forma um belo independente(p.94) [...] Essa objetividade consiste, aqui, nas características musicais deuma composição. [...] Mais estranho ainda ao caráter de uma composiçãoenquanto tal são as relações sociais e políticas dominantes de uma épocaem que ela é escrita (p.95) [...] A consideração estética não pode apoiar-seem nenhuma circunstância que esteja além da própria obra de arte (p.96).[...] O aspecto arquitetônico do belo musical está evidentemente em primeiroplano na questão do estilo (p.97).

A forma pura (a construção sonora), contraposta ao sentimento comoao pretenso conteúdo, é precisamente o verdadeiro conteúdo da música, éa música mesmo (p.119) [...] A música compõe-se de série de sons, deformas sonoras; estas não têm outro conteúdo senão elas mesmas.Lembram [...] a arquitetura e a dança, que também nos apresentam belasrelações sem conteúdo determinado. [...] o conteúdo dela [de uma peçamusical] nada mais é do que as formas sonoras ouvidas, porque os sonsnão são apenas aquilo com que a música se expressa, mas também são aúnica coisa expressa (HANSLICK, 1992, p.155-156).

Como destacou Ridley (2008, p.19), esta “visão de que a música é

essencialmente autônoma foi popular por mais de 150 anos” e, na atualidade, a

“síndrome da autonomania” (RIDLEY, 2008, p.25) ainda se revigora nas cultas

defesas aos méritos “intramusicais”. Em seu recente elogio ao “formalismo musical”

e ao ideal de “música absoluta”, o filósofo Peter Kivy (1934-) reforça o que chama de

“purismo musical”: a música “é uma estrutura sonora quase sintática, compreensível

unicamente em termos musicais e sem nenhum conteúdo semântico ou

representacional, nenhum significado, e que não faz referência nenhuma a qualquer

coisa além de si mesma” (KIVY apud RIDLEY, 2008, p.201).

Autônoma, absoluta, orgânica e pura, tal concepção – “polir a música [...]

para excluir tudo o que seja ‘extramusical’, e a verdade brilhará inevitavelmente”

(RIDLEY, 2008, p.24-25) – interfere na consolidação de uma teoria musical

correlativamente polida, formalista e acontextual. “Formalista”, pois se trata de uma

teoria musical que pode ser validada “em seus próprios termos” (MEYER, 2000,

p.263). E “acontextual”, já que para tal teoria autônoma, “o contexto é irrelevante”

(MEYER, 2000, p.264). Com isso, também em nossas aulas de teoria, harmonia e

análise, aprendemos a defender que a disposição dos sons musicais, que a escolha

e combinação das notas e acordes,

Há de ser admirada – inclusive venerada – por si mesma. Asdemandas sociais de um significado religioso, político ou inclusiveemocional são irrelevantes, e em último termo corrompem e diminuem apureza da experiência estética. [O formalismo] sustenta que o conhecimento

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e a experiência, o contexto cultural e histórico – os quais tendem adepender do privilégio possibilitado pela riqueza e posição social – não sãonecessários para a compreensão e apreciação das obras de arte. [...]Segundo a estética do formalismo, cada obra de arte contém seu significadocompleto em si mesma e, correlativamente, os princípios apropriados para asua análise. Essas atitudes têm grande alcance na teoria e na críticamusical, levando à crença de que “a boa composição sempre revelará, apósum exame atento, os métodos de análise necessários para a suacompreensão”. [...] Para um formalista estrito [...] as maiores obras de artepodem ser “compreendidas mediante observação científica”, já que estãobaseadas em princípios universais e naturais. Assim, a noção de que amúsica é uma linguagem universal está conectada [...] com o formalismo[...], já que a universalidade requer que a experiência cultural, aaprendizagem e a história sejam irrelevantes para a compreensão eapreciação (MEYER, 2000, p.288-290).

Percebendo a problemática da análise musical “entre o formalismo” que

enfoca a música como um texto ou um jogo fechado em si mesmo, “e a

hermenêutica” que procura ler tal texto ou interpretar tal jogo em um contexto

extrínseco, Nagore também observa que, para a concepção formalista:

A obra musical pode ser concebida como algo autônomo [...] Otrabalho analítico que deriva desta concepção é a determinação e aexplicação dos elementos formais e estruturais que compõe essa obra, suascombinações e funções. O significado da obra deriva da coerência internade seus componentes (NAGORE, 2004, p.3).

Em acordo com tal concepção, mesmo considerando o sensível desacordo a

respeito da noção de função harmônica (e da incoesão de noções correlatas como

“significado funcional dos acordes”, “funcionalidade tonal”, “razão funcional da

harmonia”, “harmonia funcional” etc.)14, passamos a acreditar, fundamentalmente

que, se em dado momento musical, o acorde de Fá Maior expressa a função de

Subdominante de Dó Maior, isso independe, em termos absolutos, de quem está

tocando, onde, quando, com qual propósito ou sentimento. Para tal acepção de

função, a questão “porque e como quem comunica o quê para quem e com que

efeito?” (TAGG, 2003, p.10) é algo que não vem ao caso.

Ou seja, nos termos de Meyer (2000, p.258-281), passamos a acreditar que

as grandezas da harmonia funcional firmam-se na pura logicidade das relações

intra-harmônicas. Relações “igualitárias”, pois são supostamente válidas para todos

e para sempre, e de absoluto “acontextualismo”, pois reafirmam a “negação enfática

da relevância das origens e dos contextos” (MEYER, 2000, p.259).14 Sobre a imprecisão, variabilidade, inconsistência ou mesmo ausência de definição do termo funçãono âmbito da teoria da harmonia tonal, ver Dudeque (1997b), Freitas (2010, p.538), Kopp (1995),Mickelsen e Riemann (1997, p.89-103), Nattiez (1984).

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Parafraseando o verbete “absoluto” de Abbagnano (2007, p.3-4), podemos

então dizer que: Kantianamente, idealisticamente, passamos a acreditar que a

determinação de uma função se dá pela sua própria substância ou essência.

“Funcionalmente possível” significa “intrinsecamente possível”. Hegelianamente,

passamos a acreditar que a função é ao mesmo tempo o objeto e o sujeito da

harmonia. Hanslikiamente, passamos a acreditar que a função nada tem fora de si

que possa limitá-la ou condicioná-la, e que a harmonia é como um “arabesco”, uma

“linguagem e substância” que se realiza em seus próprios termos. Parafraseando o

comentário de Waizbort (2006, p.187) a respeito da ideia de “autonomia da arte”

podemos dizer que, a chamada harmonia funcional particulariza um ideal de

autonomia da harmonia, ou seja, um ideal romântico contemporâneo que pensa a

harmonia como outro mundo, no qual as funções se validam a si próprias e são

independentes de tudo o que lhes é exterior. E isso, em última instância, “é quase

como tentar fingir que a música veio de Marte” (RIDLEY, 2008, p.12).

Tal concepção formalista do que é o funcional se fez persuasiva e hoje,

consolidada, conta com sugestivas imagens, analogias e metáforas que, por vezes,

reiteramos sem maiores ponderações. Veja-se o caso da engenhosa – ou “infeliz”

(DAHLHAUS, 2003a, p. 80) – metáfora do caleidoscópio evocada por Hanslick:

Quando crianças, todos nós nos divertíamos com as múltiplas cores eformas de um caleidoscópio. Um caleidoscópio semelhante, só que numideal grau de manifestação incomensuravelmente mais elevado, é a música.Esta sempre traz, numa variação continuamente desenvolvida, belas formase cores, com suaves traspasses e contrastes profundos, sempre coerente e,no entanto, sempre nova, em si conclusa e bastando-se a si mesma. Adiferença principal é que um caleidoscópio sonoro como esse se apresentaa nosso ouvido como emanação imediata de um espírito artístico criador, aopasso que aquele caleidoscópio visual se mostra como um brinquedomecânico engenhoso (HANSLICK, 1992, p.63).

A imagem tornou-se um lugar comum da “estética formalista” (PADDISON,

2001, p.335), da música enquanto “linguagem sem intenções [...]. A música sem

pensamento, o mero contexto fenomênico dos sons, seria o equivalente acústico do

caleidoscópio” (ADORNO apud FUBINI, 2008, p.25). E, sem maiores ressalvas, é

renovada com certa frequência: “Beethoven mistura alturas, textura e tópico em um

caleidoscópio musical, produzindo combinações excêntricas” (SPITZER, 2004,

p.123). “O [primeiro] movimento [do Quarteto de Lutoslawski] apresenta diferentes

alturas, texturas e motivos rítmicos que são subsequentemente ouvidos em um

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caleidoscópio musical [...] A seção de desenvolvimento [do primeiro movimento do

Quarteto Op.92, n.2, de Prokofiev] é um caleidoscópio de efeitos tonais e

sonoridades brilhantes” (BERGER, 2001, p.256 e 341). “Linhas de baixo cromáticas

geram um jogo caleidoscópico de cores de acordes” (RATNER, 1992, p.115).

A hierarquia estritamente definida das relações diatônicas foinegociada por uma nova concepção de continuum cromático cujasharmonias, em uma variedade estonteante, podiam fundir-se uma às outrasem um intercâmbio caleidoscópio de energia (ROSEN, 2000, p.360).

É a intrincada interação entre a inflexibilidade da armação estrutural ea elasticidade reprodutora das prolongações, que tem proporcionado aomundo ocidental este fenômeno complexo e caleidoscópico, porémsumamente orgânico: o fenômeno da tonalidade (SALZER, 1990, p.263).

Vista assim, “em si conclusa e bastando-se a si mesma”, a noção de função

tonal entrelaça imprecisas afinidades também com aquele positivo discurso que, em

linhas gerais, defende que “a essência do mundo pode ser apreendida e revelada

pela matemática” (HOUAISS): a doutrina do matematismo.

3. ENTRELAÇAMENTOS: MATEMATISMO, FORMALISMO E FUNCIONALISMO

O prestígio da matemática, como se sabe, mesmo inomogêneo, é indelével

na cultura da harmonia15. Vale lembrar que, em 1722, já no prefácio do pioneiro

“Traité de I'harmonie”, Jean-Philippe Rameau (1682-1764), atualizando uma antiga

convicção, adverte: “A música é uma ciência que deve ter regras certas; estas regras

têm que derivar de um princípio evidente e este princípio não se revela a nós sem a

ajuda da matemática” (RAMEAU apud FUBINI, 2002, p.68). Em 1798, algo desta fé

nas fórmulas matemáticas volta à pauta nas palavras de um jovem poeta16.

Se ao menos eu pudesse fazer as pessoas entenderem que com alinguagem se passa o mesmo que com as fórmulas matemáticas. – Elas sãoum mundo em si – jogam somente consigo mesma, não expressam nadamais que sua maravilhosa natureza, e justamente por isso são tãoexpressivas – justamente por isso refletem em si o peculiar jogo de relaçõesdas coisas (NOVALIS apud DAHLHAUS, 1999, p.140)17.

15 Ver Freitas (2012), Nolan (2006).16 O poeta alemão Friedrich Philipp Freiherr von Hardenberg (1772-1801), conhecido como Novalis.17 Esta versão em português foi escrita pelo autor do presente artigo a partir da seguinte tradução doalemão para o espanhol realizada por Ramón Barce: “Si sólo se pudiese hacer entender a la genteque con el lenguaje pasa lo mismo que con las fórmulas matemáticas. – Constituyen un mundo de porsí – juegan solamente consigo mismas, no expresan nada más que su maravillosa naturaleza, yjustamente por eso son tan expresivas – justamente por eso reflejan en sí el peculiar juego de

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No âmbito da matemática propriamente dita, conforme Eves (2002, p, 659-

661), função é um dentre os “conceitos básicos” que sofrem acentuadas

transformações e complexas generalizações ao longo da contemporaneidade18. No

caso, é valioso notar que, em paralelo à história da teoria da harmonia, na história

da matemática,

A palavra função [...] parece ter sido introduzida pelo filósofo ematemático alemão Gottfried Wilhelm von Leibniz (1646-1716) em 1694,inicialmente para expressar qualquer quantidade associada a uma curva,como por exemplo, as coordenadas de um ponto da curva, a inclinação deuma curva e o raio da curvatura de uma curva (EVES, 2002, p.660).

Então, recuperando correlações entre o pensamento de Rameau e

determinados aspectos da filosofia de Leibniz, podemos perceber que,

embrionariamente, a convidativa analogia entre função matemática e função

harmônica vem sendo ensaiada desde os setecentos.

Com Rameau, na linha de Leibniz [...] a reconciliação entre razão eouvido implica também no desaparecimento de toda diferença categorialentre arte e ciência: arte e ciência não são mais do que duas maneirascomo se revela a verdade, a racionalidade do mundo. [Para Rameau], “é namúsica onde a natureza parece revelar-nos o princípio físico daquelasprimeiras noções puramente Matemáticas sobre as quais se baseiam todasas ciências” [...] O princípio matemático da música é [...] universal, natural efundador da beleza de todas as artes [...]. E isso, afirma Rameau, “justificaperfeitamente a antiga ideia de que na música se encontra, de maneira maiscerta e mais tangível, o princípio de todas as artes do gosto” (FUBINI, 2002,p.85)19.

Leibniz deixou frases lapidares, sempre citadas quando se trata de sublinhar

que a “harmonia” decorre do ato ou efeito de contar. Vale reler: “Música nos encanta,

ainda que sua beleza consista simplesmente em uma correspondência de números”

(LEIBNIZ apud TATARKIEWICZ, 2002, p.160). E a famosa frase, da “Epistolae ad

diversos” de 1712: “Musica est exercitium arithmeticæ occultum nescientis se

numerare animi” (música é um exercício oculto de aritmética sem que o espírito

saiba que está lidando com números). O lema leibniziano “vamos calcular” (GAINES,

2007, p.123) repercute nas incontáveis variações ao tema. Algumas notáveis, como

relaciones de las cosas”.18 Sobre os conceitos considerados básicos da matemática (tais como: continuidade,diferenciabilidade, integrabilidade, espaço, dimensão, convergência etc.), ver Eves (2002).19 Sobre os traços da filosofia de Leibniz que repercutem na teoria de Rameau, ver Fubini (2002, p.80-85). A questão sobre o quanto e de que modo as teses de Rameau antecipam, ou não, aquilo queposteriormente será chamado de harmonia funcional é abordada no ensaio “Em função da função” deKopp (1995).

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as do musicólogo Hugo Riemann (1849-1919) e do físico Albert Einstein (1879-

1955), que seguem povoando o imaginário da teoria musical.

A música é uma arte e é, ao mesmo tempo, uma ciência. Como arte,não é senão a manifestação do belo por meio dos sons. Essa manifestaçãorepousa sobre uma ciência exata, formada pelo conjunto das leis que regema produção dos sons e suas relações de altura e duração (RIEMANN apudMED, 1996, p.393).

A música, de tão perfeita, é pura como a Matemática; a Matemática,de tão simples, é deslumbrante como a Música. A música parece umaequação; a equação bem formulada é cheia de harmonia e sonoridade(EINSTEIN apud MED, 1996, p.394).

Tal acento cientificista e matematista, como se sabe, extrapolou a esfera

especializada. Um registro romântico de sua popularização se encontra numa das

novelas da “Comédie humaine” de Honoré de Balzac (1799-1850). Trata-se de

“Gambara”, novela de 1837 na qual o protagonista, o compositor Paolo Gambara,

tece diversas considerações de caráter científico musical.

A música é ao mesmo tempo uma ciência e uma arte. As raízes queela tem na física e na matemática fazem dela uma ciência; torna-se artepela inspiração, que se vale sem saber dos teoremas da ciência. [...] As leisfísicas são pouco conhecidas, as leis matemáticas o são mais; e, desde quese começaram a estudar suas relações, criou-se a harmonia, à qualdevemos Haydn, Mozart, Beethoven e Rossini [...]. Ora, se a descoberta dasleis matemáticas deu esses quatro grandes músicos, aonde nãochegaríamos se descobríssemos as leis físicas? [...]. O que amplia a ciênciaamplia a arte (BALZAC, 1992, p.440-441)20.

Voltando aos anos de Rameau, outro marco na história matemática e teórico

musical do termo função surge quando o suíço Leonhard Euler (1707-1783), que já

foi considerado “o principal matemático do século XVIII”, define “função como uma

equação ou fórmula qualquer envolvendo variáveis e constantes” (EVES, 2002,

p.660), acepção que se conservou suficiente até meados do século XIX. Euler

deixou uma vasta obra (aproximadamente 900 títulos publicados) que ainda é

estudada nas ciências exatas: “não há ramo da matemática em que seu nome não

figure” (EVES, 2002, p.472). E seu nome também figura em passagens da história

desta música tonal e harmônica que se fez ouvir em “um mundo de fórmulas

numéricas” (GAINES, 2007, p.167) 21.20 Sobre harmonia e outras questões musicais na novela “Gambara”, ver Bloom (1972, p.69), Freitas(2010, p.414-415 e 510), Newark (2002, p.37-41) e Parker (1919).21 Assim como Carl Philipp Emanuel Bach (1714-1788), Euler também trabalhou (por 25 anos) paraFrederico, o Grande (1712-1781), o terceiro rei da Prússia, o “amante da música” a quem a célebre

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Pontualmente, no que diz respeito aos rumos que a ideia de função tomou

na teoria musical contemporânea, a exitosa “Tonnetz” (Rede harmônica), ou

“Tongewebe” (Rede de tons), elaborada por Euler (1739, p.147) é citada como uma

representação pioneira daquela que viria a ser a “Netz der Tonverwandtschaften”

(Rede de relações harmônicas) proposta por Hugo Riemann (1902, p.479) em seu

“Grosse Kompositionslehre”, numa linhagem de representações do espaço tonal que

alcança o célebre “Quadro de Regiões” publicado, em 1954, no “Funções estruturais

da harmonia” de Schoenberg (2004, p.38-39 e 49)22. E vale lembrar, pois por vezes

já se esquece, que foi com Hugo Riemann que o termo função passou a ser

peremptoriamente associado ao termo harmonia.

[O termo] funções [Funktionen] (funções tonais da harmonia)descreve, na terminologia do autor do presente dicionário [Hugo Riemann],os vários significados que os acordes possuem, dependendo da suaposição em relação à tônica, na lógica da composição [Tonsatz]. Oproblema, que o autor se esforçou em resolver desde o seu pioneiro livroMusikalische Logik (1873)23 em diante, e que finalmente resolveu noVereinfachte Harmonielehre oder die Lehre von den tonalen Funktionen derHarmonie (Alemanha 1893, Inglaterra 1895, [Rússia 1896], França 1899)24

foi nomeadamente o desenvolvimento de uma taxonomia onde as maiscomplicadas formações dissonantes bem como as progressões deceptivassão apresentadas como versões mais ou menos modificadas de apenas trêsharmonias essenciais: (T) Tonica, (S) Subdominante e (D) Dominante(RIEMANN in REHDING, 2008, p.188).25

“oferenda musico-lógica” (HOFSTADTER, 2001, p.3) escrita por J. S. Bach em 1747 foi dedicada (verEVES, 2002, p.471; GAINES, 2007, p.199; HOFSTADTER, 2001, p.3-11). Em 1753, Rameauescreveu um panfleto debatendo as posições “sur l'identite des octaves” defendidas por Euler (verCHRISTENSEN, 1993, p.245-247; PAUL, 1970, p.149-151; SHIRLAW, 1917, p.274-276). Em 1755, olivro de Euler (1739) especificamente voltado para os assuntos musicais é mencionado (ao lado deteóricos do porte de Glariano, Zarlino, Kepler, Neidhart, Scheibe, Prinz, Werkmeister, Fux, Mattheson,Marpurg, Quantz etc.) numa carta em que o diligente Leopold Mozart (1719-1787) lista o melhor dabibliografia musical de seu tempo (ver KEEFE, 2003, p.49). No verbete “Euler” da “Esquisse del'histoire de l'harmonie considérée comme art et comme science systématique” que publicou em 1840,François-Joseph Fétis (1784-1871) escreve: “é necessário fazer justiça a este grande homem [...] ele[Leonhard Euler] foi o primeiro a ver que o caráter da música moderna reside no acorde deDominante com Sétima” (FÉTIS apud SHIRLAW, 1969, p.348). Sobre outras questões harmônicas oumusicais associadas ao nome de Euler, ver Abdounur (1999, p.34-35), Christensen (1987), Gentil-Nunes Filho (2009), Helmholtz (1954, p.229-233), Queiroz (2009) e Smith (1960).22 Sobre os vínculos da rede harmônica de Euler com as redes de Riemann e o quadro deSchoenberg ou, de forma geral, sobre a história da representação gráfica do espaço tonal, ver Cohn(1997), Dudeque (2005, p.62-69), Freitas (2010, p.761-763), Gollin (2000, p.189-195), Nolan (2006,p.279), Mooney (1996, p.1-41).23 Trata-se do “Musikalische Logik: Ein Beitrag zur Theorie der Musik“ (Lógica musical: umacontribuição para a teoria da música), ensaio de juventude que foi publicado sob o pseudônimo deHugibert Ries (RIEMANN, 2000).24 O título deste influente trabalho (RIEMANN, 1899) pode ser aproximadamente traduzido como:“Teoria-de-harmonia simplificada, ou a teoria das funções tonais dos acordes”.25 Functions [Funktionen] (tonal functions of harmony) describe, in the terminology of the author of thislexicon, the various significances that chords possess, depending on their position to the tonic, for thelogic of the composition [Tonsatz]. The problem, which he strove to solve right from his early bookMusikalische Logik (1873) onwards, he finally solved in his Vereinfachte Harmonielehre oder Lehre

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Para encerrar este mínimo destaque ao matematismo, podemos reler algo

das conhecidas análises de Cassirer. Segundo este autor, essa ideia de função pós-

cartesiana (particularizada aqui através da menção aos nomes de Rameau, Leibniz,

Euler, Riemann e Schoenberg), expressa um ideal de “dominação do particular pelo

universal”. Trata-se de uma “forma de unificação” que coloca a nossa disposição

uma “poderosa chave interpretativo-dedutiva”: a função é uma “fórmula”, uma

“imagem” sintética de uma “lei de construção universal”. Com tal fórmula o

pensamento matemático “apreende, enfim, a verdadeira ‘unidade na variedade’. Não

pretende negar a diversidade como tal, nem recusá-la, mas, pelo contrário, quer

compreendê-la e fundamentá-la” (CASSIRER, 1997, p.382-383). No trecho a seguir

Cassirer fala das matemáticas, mas bem poderia estar esclarecendo a noção de

função tonal dos acordes:

A fórmula da função sob sua forma geral só contém, bem entendido, aregra universal que permite determinar a interdependência das variáveis,mas é sempre possível reportar-se da fórmula geral para uma figuraparticular qualquer caracterizada, como tal, por grandezas determinadasque são suas constantes individuais. Toda determinação dessas grandezasredunda num novo caso particular; mas todos esses casos particulares“são”, na realidade, o mesmo, na medida em que todos eles têm uma só emesma significação. É o mesmo sentido [...] um ser idêntico e uma verdadeidêntica [...] que se escondem para nós na massa heterogênea das figurasparticulares e que a fórmula analítica caracteriza e, de certa maneira,desvenda em sua própria essência (CASSIRER, 1997, p.384).

Com a fase pós-iluminista dessa longa história, dão-se os imprevistos

emaranhamentos: tanto o viés funcional de inspiração matematicista na teoria da

harmonia quanto a estética musical formalista de inspiração hanslickiana foram se

transformando, se misturando e se confundindo. Contudo, antes de seguir

mapeando impactos dessas confluências em nossa disciplina, parece justo reouvir

algo das vigorosas ressalvas de Hanslick.

A beleza musical nada tem a ver com a matemática. A ideia defendidapelos leigos (e entre eles também escritores sensíveis) do papelrepresentado pela matemática na composição é extraordinariamente vaga.Não contentes com o fato de que as vibrações sonoras, a distância dosintervalos, a consonância e a dissonância possam ser reduzidas a relaçõesmatemáticas, também estão convictos de que o belo de uma composiçãomusical está baseado em números. O estudo da harmonia [...] passa por

von den tonalen Funktionen der Harmonie (German 1893, English 1895, French 1899), namely that ofdeveloping a taxonomy in which the most complicated dissonant formations and deceptiveprogressions are presented as more or less modified versions of the three only essential harmonies:Tonic (T), Subdominant (S) and Dominant (D).

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uma espécie de cabala, que ensina o “cálculo” da composição. Se, para apesquisa da parte física da música, a matemática fornece uma chaveindispensável, para a composição completa, ao contrário, sua importâncianão deve ser supervalorizada. Numa peça musical, seja a mais bela ou apior, absolutamente nada é calculado matematicamente. [...] Todos osexperimentos com monocórdios [...] não pertencem ao campo estético. Amatemática regula unicamente o material elementar [...] e joga ocultamentenas relações mais simples, mas o pensamento musical vem à luz sem ela(HANSLICK, 1992, p.84-85).

Recobrando tais defesas da autonomia musical, é possível notar que, em

suma, um espesso e impuro caldo de “ismos” – sensacionismo, absolutismo,

acontextualismo, formalismo, hanslikianismo, funcionalismo, matematismo,

positivismo etc. – nos alcança em um ideal de função que se renova em definições

influentes como:

Função é uma grandeza susceptível de variar, cujo valor depende dovalor de uma outra. Na harmonia entende-se por função a propriedade deum determinado acorde cujo valor expressivo depende da relação com osdemais acordes da estrutura harmônica. [...] O sentido da função resulta docontexto [intrínseco], do relacionamento, consciente ou inconsciente, defatores musicais antecedentes e consequentes, e varia, oscila, entre osconceitos de repouso (tônica) e movimento (subdominante, dominante),afastamento (subdominante) e aproximação (dominante) (KOELLREUTTER,1980, p.13)26.

Ao concordarmos com isto – sim, as funções “jogam somente consigo

mesmas”, “refletem em si o peculiar jogo de relações das coisas” e “justamente por

isso são tão expressivas” (parafraseando o supracitado texto de Novalis) – estamos

admitindo que, em boa medida, os postulados da harmonia funcional estão afinados

com a tese do formalismo matemático, uma vez que:

[Na história da matemática] a tese do formalismo é que a matemáticaé, essencialmente, o estudo dos sistemas simbólicos formais. De fato, oformalismo considera a matemática como uma coleção dedesenvolvimentos abstratos em que os termos são meros símbolos eafirmações são apenas fórmulas envolvendo estes símbolos. [...] Na teseformalista se tem o desenvolvimento axiomático da matemática levado aoseu extremo (EVES, 2002, p.682).

Desta forma, mesclando diversas concepções de funcionalismo e

formalismo, reafirmamos convicções que se tornaram dogmáticas em nosso ofício: o

26 Nessa definição, o condicionante “depende da relação” mostra vestígios da chamada “estética dasrelações”, a saber, a concepção de que a beleza e/ou o sentido encontram-se nas ligações entre ascoisas, e não propriamente nas coisas. Contudo, esse aspecto fundamental da questão funcional nãoserá abordado na presente oportunidade. Sobre a temática, ver Freitas (2010, p.516-518).

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sistema harmônico “se pode contemplar em seus próprios termos” (MEYER, 2000,

p.263)27. “A história da harmonia pode ser entendida como a conquista de uma

autonomia cada vez maior e sua subsequente sintatificação” (MEYER, 2000, p.40).

No âmbito desta música absoluta, a associação funcional e formalista deve mesmo

controlar a teoria e a análise valorativa em nossa disciplina, já que foi fator

determinante nas conquistas que contribuíram enormemente para o entendimento

sintático que temos hoje das relações harmônico funcionais.

4. DA TEORIA DA HARMONIA EM TEMPOS DE REVISIONISMO

Entretanto, mais recentemente, com a decantada derrocada do paraíso

estrutural formalista28, levantaram-se uma série de questionamentos que, direta ou

indiretamente, afetam a ratio tonal apriorística, acontextual, atemporal e lógica da

dita harmonia funcional. Tais questionamentos implicam revisão, já que, atualmente,

“em linhas gerais, se poderia dizer que – ao menos do ponto de vista teórico – existe

uma rejeição bastante generalizada em relação à concepção ‘positivista’ da obra

musical como algo autônomo e fechado”, instalou-se uma espécie de “repúdio ao

‘dogmatismo’ e formalismo próprios da etapa estruturalista” (NAGORE, 2004, p.3).

Uma espécie de constatação coletiva de que “a matemática do processo poderá

revelar-se desanimadora” (POUND, 1927, p.15), de que a prometida “lógica musical”

é claramente insuficiente para explicar aquilo que motiva nossas escolhas. E tal

insuficiência já estimula slogans como: “harmonia pós-funcional”, “harmonia

funcional revisitada”, “harmony non-funcional”, “fusion harmony” ou “beyond

functional harmony” (NAUS, 1998).

Neste contexto revisionista, contra a velha doutrina da música absoluta até

bem pouco considerada “a mais alta forma de música” e a única supostamente

capaz do “verdadeiro prazer que a música pode oferecer, o prazer da mente”,

assomam-se vozes antes silenciadas que, agora, já podem retrucar:

A tese da “música em si” está relacionada “à representação culturalda masculinidade, pois esta se caracterizaria por considerar seuspressupostos como universais [...] cultuar a “música absoluta” é cultuar amasculinidade, ou seja, a experiência da “música em si” não pode serconsiderada inocente, livre das relações de gênero e livre da política que lhedá sustentação (MELLO, 2007).

27 Sobre o influxo da noção de “sistema” na teoria da harmonia tonal, ver Freitas (2010, p.518-519).28 Ver Giddens (1999), Nattiez (2005, p.17-66).

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E, contra a sacrossanta autonomia, contra a beleza filosófica da pura forma,

surgem declarações como:

O problema, em retrospecto, era que a decisão de considerar amúsica essencialmente autônoma era realmente apenas isto – uma decisão.Certamente não era uma descoberta sobre a essência da música, apesar depermitir que fossem feitas descobertas sobre ela, o que significa que aposição, até recentemente hegemônica, de que verdades valiosas sobrepeças musicais deviam ser conseguidas apenas por meio da análise daestrutura não tinha fundamento. Nenhuma pessoa sensata duvida dacapacidade da análise técnica de revelar verdades a respeito da música.Mas há toda razão para duvidar que as verdades da análise sejam asúnicas que existem – e isso justamente porque há toda razão para duvidarque a música realmente seja, no sentido relevante, autônoma. [...] Tenhoesperança [...] de um espaço, trancado pela “autonomania”, para [...]explicar por que a música faz parte da vida (RIDLEY, 2008, p.23 e 256).

A arte pela arte, isto é, a arte para o artista, a arte em que a arte doartista constitui a única matéria e cujo único destinatário é a comunidadeartística, constitui uma arte para nada, sobre nada, posição expressamenteassumida por um texto de Flaubert frequentemente citado: “O que meparece belo, o que eu gostaria de fazer, é um livro sobre nada, um livro semvínculos exteriores, que se sustentaria pela força interna de seu estilo,assim como a terra se sustenta sozinha no ar, um livro que pudesse quaseprescindir de tema, ou pelo menos que o tema seria quase invisível, casoisso seja possível. As obras mais belas são aquelas onde há menos matéria(...), pois o próprio estilo é uma matéria absoluta de ver as coisas”. Ametáfora acaba revelando a utopia da “Intelligentsia” sem vínculos nemraízes” [...] Com efeito, qual é o princípio da escritura reduzida a um puroexercício de estilo a não ser a vontade imperiosa de banir do discurso todosos índices sociais. [...] Querer falar recusando-se a dizer alguma coisa é omesmo que falar para não dizer nada [...] é o mesmo que dedicar-se aoculto da pura forma (BOURDIEU, 2004, p.196-197).

Com tudo isso, se fez possível defender e muitos já aceitam a ideia de que a

harmonia tonal é algo que pertence ao campo sociocultural. E neste novo velho

campo, o próprio termo funcional mostra uma curiosa discrepância para a qual a

nossa disciplina deve estar prevenida.

5. HARMONIA FUNCIONAL: QUE FUNCIONAL É ESSE?

Em outros campos de conhecimento sociocultural, como se sabe, existem

entendimentos que compreendem que, aquilo que é funcional vincula-se a um

programa estético, filosófico, metodológico e valorativo bastante distinto, ou mesmo

oposto, daquilo que é o formalismo. Sendo funcional um termo generosamente

aberto – pois não implica uma coisa, e sim uma interação entre coisas –, ao longo

da contemporaneidade função, funcional, análise funcional, função principal e

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secundária etc., tornaram-se expressões da moda, conceitos em transformação

empregados por muitos. Na nossa harmonia funcional, esta ação de interação se

pensa em regime fechado, nas relações intrasistêmicas. Ou seja, em suma,

aproximamos o funcional da harmonia ao funcional das matemáticas e dos

formalismos, e com isso as interações assumem feições de caráter mais exato,

científico e lógico, mais forma pela forma. Interações funcionais supostamente

puras, não contaminadas pelas complexas variáveis que circunvizinham a música.

Essa acepção musical especializada difere e nos afasta daqueles campos

das humanidades que entendem o funcional como um valor de interação de um

sistema com o seu meio. Para esses outros campos, o tipo de interação fechada em

seus próprios termos é, justamente, um fundamento do formalismo. E não do

funcionalismo como sugere o nosso rótulo “harmonia funcional”. Vejam-se os casos:

Na arte, se diz que o funcionalismo defende que a obra tem valor justamente

porque tem alguma função exterior a si mesma. Na psicologia, funcionalismo remete

à “operação pela qual o organismo entra em relação com o ambiente, o termo não é

introspectivo e sim comportamentístico” (ABBAGNANO, 2007, p.811). Na

antropologia, funcionalismo é uma “teoria que enfatiza a interdependência sincrônica

dos padrões e instituições de uma sociedade, e o modo como interagem na

preservação da unidade social e cultural” (HOUAISS). Na arquitetura e desenho

industrial, o termo funcionalismo faz referência a um “movimento [inícios do século

XX] que encara o projeto como a realização direta de exigências materiais, devendo

atender às necessidades humanas e identificar o efeito estético com essa

funcionalidade” (HOUAISS). Na linguística, “o formalismo vê a língua como um

sistema autônomo, enquanto o funcionalismo vê a língua como um sistema não-

autônomo inserido em um contexto de interação social” (OLIVEIRA, 2003, p.96).

Então, se entendemos a harmonia funcional como uma abordagem que dá

máxima importância à interioridade das relações de seu próprio sistema, o nome

correto disso talvez seja: harmonia formalista. Formalista porque a harmonia

funcional também se acredita bela por ser pura forma, nela uma concatenação tipo

“T S D T” é bela sem nenhum propósito e pode ser utilizada com os mais diversos

objetivos no mesmo sentido defendido por Hanslick de que

O belo não tem absolutamente nenhum objetivo; ele é de fato, puraforma que, sem dúvida, pode ser utilizada com os mais diversos objetivosde acordo com o conteúdo que carregue, mas que em si não tem outro fim

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23

senão ela própria, a pura forma (HANSLICK apud NATTIEZ, 2005, p.117).

Para exercitar um pouco mais o baralhamento conceitual – funcionalismo

formalista ou formalismo versus funcionalismo – vale parafrasear algo das

ponderações de Oliveira (2003, p.97): a harmonia funcional estuda as relações entre

os acordes como uma ação descontextualizada, sem levar em consideração as

linhas melódicas, os músicos, ouvintes ou circunstâncias nas quais tais relações

harmônicas são empregadas etc. Contudo, este é um fundamento típico do

formalismo. Os formalistas criticam o funcionalismo pela inclusão de fenômenos

psicológicos e sociológicos que contaminam o princípio de autonomia. Só que tal

crítica não se aplica ao funcionalismo da harmonia funcional, já que esta se protege

de tudo e de todos que estão lá fora.

Agora, no fim da história, é claro que não se defende aqui mais uma

correção ao termo harmonia funcional. E sim que, nas tarefas de revisão do

conceito, se faz necessário um reposicionamento no qual a harmonia funcional se

mostre como parte do programa formalista. A expressão harmonia funcional pode

ser criticada como pleonasmo, se funcional não é senão a ação continuada pela qual

a tradição da harmonia tonal sempre leva a efeito suas interações com o mundo

exterior. Mas tal redundância é necessária, se ideologicamente é empregada para

enfatizar o processo introspectivo pelo qual a harmonia se descontextualiza e passa

a bastar a si própria. Então, como uma setorização da fórmula da arte pela arte, o

slogan harmonia funcional parece mesmo dizer: harmonia pela harmonia.

A ênfase deste comparativo visa a recuperação da índole de sistema não

puro e não autônomo em uma revisão da teoria da harmonia que leva em

consideração também as contribuições da teoria musical que, com notável

predominância da chamada Jazz Theory, se pratica em música popular29. Que é

funcional sim, mas no sentido do pleonasmo desnecessário. E isso traz implicações.

O “crescente interesse pelo contexto” (NAGORE, 2004, p.4) implica reaproximação

da música aos campos das humanidades em geral, e tal reaproximação tem impacto

sobre a revisão teórica. Se concordarmos que “a música tal como a musicologia

[sistemática e formalista] a concebe, simplesmente não existe” (KRAMER apud

NAGORE, 2004, p.4), consequentemente, o esforço teórico e analítico “pode29 A problemática da desambiguação de instâncias como “Teoria da harmonia da música popular”,“Teoria da harmonia Tin Pan Alley” e “Jazz harmony (Jazz theory)”, bem como a coligada questão daindistinta acomodação destas práticas teóricas ao rótulo “Harmonia funcional”, foram preliminarmenteabordadas em Freitas (2010, p.600-624).

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enfrentar-se com o contexto, absorvê-lo e ser absorvido por ele” (SAMSON apud

NAGORE, 2004, p.4). A atividade teórica e analítica pode parar de tentar ser ciência

exata, coerente, pura, lógica etc., e procurar se qualificar como interpretação, “como

mais uma das formas de prática musical que se dão na sociedade atual” (NAGORE,

2004, p.5). Ainda que a caracterização dessa problemática seja sumária e provisória

aqui, ela registra o desejo pela oportunidade de se poder abordar a harmonia da

perspectiva do que veio depois do funcionalismo de índole formalista: a harmonia

não se basta a si mesma, a função dos acordes é sempre estabelecida na sua

interação com as nossas vidas.

6. NOÇÕES DE FUNÇÃO TONAL E ÊNFASES DA JAZZ THEORY

Ressalvando novamente a condição de que, como ocorre com quase tudo

em teoria musical, as noções de função harmônica não são unânimes ou suficientes,

é contributivo notar que, tudo isso está vivo e em transformação nas práticas

teóricas da chamada harmonia funcional da música popular. Nesse campo, marcado

pelo influxo da Jazz Theory, por um lado, alguns autores procuram definir função a

partir de grandezas concretas e mensuráveis – notas, números, intervalos etc. –

dando a crer que uma ratio sonora governa a sintaxe funcional. Nesta perspectiva, a

função está situada na exterioridade do sujeito humano, podendo ser capturada pelo

intelecto “a partir da sucessão de tensões e distensões do som em si mesmo”

(FISCHERMAN, 2004, p.28). Hanslickianamente, concebe-se a atividade de

harmonizar funcionalmente “como um ‘formar’, e enquanto tal, ela é completamente

objetiva” (HANSLICK, 1992, p.94). Então as sensações, sentimentos, impressões,

associações etc., não determinam a propriedade sintática das classes funcionais. A

função é “pura forma” e, como ocorre, p ex., com as classes do verbo, do adjetivo,

do advérbio etc., pode ser “utilizada com os mais diversos objetivos de acordo com o

conteúdo que carregue” (HANSLICK apud NATTIEZ, 2005, p.117). Para ilustrar a

circulação deste tipo de ênfase nos textos da Jazz Theory, temos:

[O conceito funcional] O instável quarto grau da escala é a notacaracterística da tonalidade maior [i.e., em Dó-maior, fá é a notacaracterística]. A sonoridade tônica na tonalidade maior está nos acordesque não possuem esta instável nota característica como uma nota doacorde. Os acordes de subdominante contêm, como uma nota do acorde, ainstável nota característica desvinculada do ainda mais instável intervalo

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diatônico de trítono [...]. O acorde de dominante com sétima contém a notacaracterística como um componente do trítono diatônico (NETTLES eGRAF, 1997, p.31)30.

[Categorias funcionais] Os sete acordes do sistema diatônico maiorassumem funções que poderíamos descrever como instáveis e estáveis.Estas funções estão diretamente relacionadas com a presença ou ausência,em cada uma das sete tétrades, da quarta e da sétima notas da escala [emDó-maior: fá e si], estas notas que estabelecem uma relação de semitompara a tônica e para o terceiro grau da escala. Na análise teórica do jazzessas relações produzem as seguintes e comumente utilizadas categoriasfuncionais [...]. Subdominante (SD): definidos como os que possuem oquarto grau da escala, mas não possuem o sétimo grau. Moderadamenteinstáveis. [...] Dominante (D): definidos como os que possuem tanto o quartograu da escala quanto o sétimo grau. Mais instáveis. [...] Tônica (T):definidos como os que não possuem o quarto grau da escala. Propriamenteestáveis (JAFFE, 1996, p.29-30)31.

[Considerando apenas as notas das tétrades, as características dafunção tônica são] Presença da tônica (exceto em IIIm7) e da 3M ou 3m dotom e ausência da 4ª justa do tom. [As características da funçãosubdominante são] Presença da 4ª justa do tom (exceto em #IVm7(b5)) eausência da sensível. [As características da subdominante menor são]Presença da 4ª justa e da 6ª menor do tom e ausência da sensível. [Ascaracterísticas da função dominante são] presença de sensível, presença da4ª justa do tom e ausência da nota tônica (GUEST, 1996, p.82).

Para que um acorde preencha a função tônica em tons maiores, énecessário que possua, na sua tríade formadora, ao menos duas das trêsnotas que compõe a tríade da tônica (I grau). [...] As notas responsáveispela sonoridade da função subdominante em tons maiores são a quartajusta e a sexta maior da tonalidade. [...] As duas notas/intervalosresponsáveis pela sonoridade tônica em tons menores são: a 3ª menor e a5ª justa da tonalidade [em Dó-Menor as notas mib e sol] [...] A característicasonora da função subdominante em tons menores [...] provém de duasnotas/intervalos [...]: a 4ª justa e a 6ª menor da tonalidade [em Dó-Menor, fáe láb]. Pode-se afirmar que a sonoridade resultante da 6ª menor é maismarcante no sentido de caracterizar a subdominante menor, mas em algunscasos, a 4ª nota da escala reforça ainda mais o som desta função. [...] Afunção dominante, em princípio, é idêntica para tonalidades maiores oumenores, ou seja, qualquer acorde que possuir entre suas vozes internas ointervalo de trítono [...] será considerado função dominante (POLLACO,2007, p.41-41 e 52-53).

Contudo, está ênfase mais quantitativa, material ou objetiva, não é a única.

30 “[The functional concept] The characteristic pitch of the major key is the unstable 4th scale degree.The tonic sounds of the key are chords without unstable characteristic pitch as a chord tone. Thesubdominant chords contain, as a chord tone, the unstable character pitch separate from the veryunstable diatonic tritone […].The dominant 7th chord contain the character pitch as a component ofthe diatonic tritone.”31 “[Functional Categories] The seven chords within the major key diatonic system have come toassume functions within the system which we might describe as stable and unstable. These functionsare directly related to the presence or absence within the given seventh chords of the fourth andseventh degrees of the scale, the pitches which create the half-step relationships to the tonic and thirddegrees of the scale. In jazz theoretical analysis, these relationships produce the following commonlyused functional categories within the key: Subdominant (SD): defined as containing scale-degree-4,but not scale-degree-7. Mildly unstable. […] Dominant (D): defined as containing both scale-degree-4and scale-degree-7. Most unstable. [...] Tonic (T): defined as not containing the fourth scale-degree.Very stable.”

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Por outro lado, outros autores privilegiam aspectos qualitativos em suas definições.

E, principalmente, privilegiam o sujeito, aquele eu pensante que faz e ouve a

harmonia. Então a trama da função se complica. Renova-se algo de um viés

sensacionista que também acompanha a harmonia desde os tempos pré-Rameau32.

Aqui, encontramos formulações sintéticas, autoproclamadas como práticas, que

implicam em sofisticadas aferições de percepção33.

Para ilustrar este outro tipo de ênfase nos textos da Jazz Theory, temos: “A

palavra função serve para estabelecer a sensação que determinado acorde nos dá”

(CHEDIAK, 1986, p.91). “A função tônica traz a sensação de [...]. A função

dominante traz a sensação de [...]. Acordes com função subdominante podem nos

trazer a sensação de [...]” (BARASNEVICIUS, 2009, p.21). “A tonalidade pode ser

dividida em três sensações básicas, às quais damos o nome de funções” (FARIA,

1991, p.28). “Os sete acordes diatônicos do modo maior são divididos em três

famílias no que tange às suas funções harmônicas, com base em notas comuns que

produzem os mesmos efeitos emocionais” (RAWLINS e BAHHA, 2005, p.42)34.

Neste outro campo de sentidos, a função não é propriamente uma relação

objetiva entre sons que se combinam consigo mesmos, não é algo absolutamente

intersônico, sintático ou quantificável. Trata-se de um operador que induz reação e

que permite aferição da afeição produzida. E, em última análise, “isto corresponde a

uma forma de escuta” (COSTA, 2005, p.324). Nesta concepção fisiológica e

psicológica da noção, lembrando que “tanto o formalista quanto o expressionista

podem ser absolutistas” (MEYER, 2001, p.24), por vezes, a função parece ganhar

superpoderes. Apesar das inúmeras variáveis que efetivamente nos afetam quando

lidamos com música, é como se fosse a função a causadora das sensações e

emoções. Na contramão das “análises omniabarcantes” (MEYER, 2000, p.77), tal

noção de função parece capaz de determinar comoções em lapsos de tempo32 Sobre o influxo do sensacionismo no mundo que antecede Rameau, ver Christensen (1993, p.215-218). Sensacionismo é uma “doutrina que reduz conhecimento a sensação e realidade a objeto dasensação. [...] Nas filosofias modernas, esse nome foi reservado às doutrinas segundo as quais todosos conhecimentos derivam dos sentidos: essa tese foi entrevista por Hobbes, mas foi só Condillacque procurou demonstrá-la, dizendo que das sensações desenvolvem gradativamente osconhecimentos e as próprias faculdades humanas (Traité des Sensations, 1754)” (ABBAGNANO,2007, p. 872). Em correlação, no campo musical, desenvolveu-se o argumento de um “sensacionismoharmônico”, a noção de que “o poder natural da sensação imediata determina em grande medida odesenvolvimento da prática e da teoria musical”, uma vez que as reações auditivas durante aexperiência sonora são “fatos fisiológicos sobre os quais se baseiam o sentimento estético”(HELMHOLTZ, 1954, p. vii).33 Sobre funcionalidade harmônica e percepção, ver Bharucha (1994), Sloboda (2008, p.54-61).34 The seven chords in major keys are divided into three families in terms of their harmonic functions,based on shared notes that produce the same emotional effects.

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consideravelmente breves. É como se, em três tempos de um Allegro ma non

troppo, tocar a progressão “ii V7 I” já fosse o suficiente para, instantaneamente,

provocar três afeições distintas no ouvinte. Então, deslembrando dogmas que

conformavam as teses dezenovistas da harmonia funcional, tais como o próprio

princípio idealista dos “múltiplos significados da harmonia”35, tal ênfase parece

esquecer o fundamento de que a função “repousa nas relações, nas coligações”

(HANSLICK, 1992, p.67) entre os termos, e não nos próprios termos. Psicologizada,

a função se mostra como um “para si”, e isto favorece análises centradas no sujeito,

tais como: “para mim tal acorde não soa como dominante”, “não sinto tal acorde

como subdominante” etc. E tais análises individualizadas são estranhas,

inadequadas para a velha lógica universalista dos formalistas.

CONCLUSÃO: DA FUNÇÃO TONAL COMO UM OPERADOR CONTAMINADO

Como já se disse, o “domínio do formalismo analítico em nossa profissão”

(CHRISTENSEN, 2000, p.21) nos mal educou a pensar também a função tonal dos

graus como um operador autônomo, desvinculado de melodia, letra, prosódia,

performance, argumentos dramáticos ou poéticos, pessoas, ambientes, propósitos

etc. Mas, revolvendo as memórias da arte tonal, percebemos que a pressuposta

intrafuncionalidade dos graus, que hoje podemos reconhecer e manipular como uma

espécie de segunda natureza, senso ou prática comum, é um tipo de costume,

cultura ou comportamento conchavado a uma complexa trama de fatores.

Percebemos que, enquanto “fenômeno historicamente limitado e variável”

(DAHLHAUS, 2003b, p.133), a função harmônica finca raízes nas músicas de

épocas anteriores. Seu cultivo perpassa um tempo considerável e sua capacidade

de adaptação, renovação e sobrevivência em muitos lugares e em distintas camadas

socioculturais é notável. O vasto repertório tonal atende inúmeras demandas de arte,

afetividade e sociabilidade. Seu impressionante corpo musicológico, conta com

ações e instituições de conservação e propagação transnacionais. A desenvolução

da prática funcional se deu em paralelo a um complexo processo de aculturação e

coibição de outras práticas musicais.

35 Sobre o princípio dos “múltiplos significados (Mehrdeutigkeiten)” e seu influxo na teoria da harmoniatonal, ver Bernstein (2006, p.779-788), Damschroder (2008, p.155-161), Dudeque (2005, p.80-84),Freitas (2010, p.520-534), Grave e Grave (1988, p.34-40), Hyer (2006, p.734-735), Moreno (2004,p.128-167), Saslaw (1992), Saslaw e Walsh (1996), Wason (1995, p.14-15).

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Enfim, nessa trama toda, em princípio, as idealistas “Hauptfunktionen” não

funcionam por si e para si só. Tais funções principais, ou primordiais, não existem de

fato fora de uma composição, fora de contextos em que múltiplas confluências

interatuam simultaneamente. As funções harmônicas apanham sentidos na

contaminação dinâmica entre diversos componentes musicais: condução de vozes,

polaridade entre melodia e baixo, ritmo e andamento, prosódia e timbre, dinâmica e

articulação, funções formais e agógicas, gêneros e estilos musicais etc. Definem-se

na mistura com roteiros discursivos explícitos, sugestivos ou direcionados, e na

interação com variados recursos retóricos e narrativos codificados: verso, rima,

métrica, situações, enredos das óperas, cantatas e missas, afetos das canções,

segmentações mercadológicas etc. E mais, as funções tonais contam com aquela

enfatização de acentos que ocorre com a enunciação (expressão corporal,

gestualidades, olhares, entonação, respiração, modulação da voz etc.) e com a

mise-en-scène (vestuário, iluminação, espacialização cênica, ambientação sonora

etc.). Então as funções da harmonia se atualizam na conversa com outras funções,

muito variáveis, que em música, são postas junto. Não possuem valor puro, fixo,

descontextualizável e unidimensional. A função se afirma a cada momento tirando

proveito de associações diversas que se constroem e se desmancham no decorrer

dos processos criativos que estimulam o fazer e o ouvir música. Se isso não cabe

em nossas aulas de harmonia, de fato temos um problema.

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Sérgio Paulo Ribeiro de Freitas: Professor na Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC,Florianópolis) e membro dos grupos de pesquisa “Processos músico-instrumentais” (UDESC) e“Música Popular: história, produção e linguagem” (UNICAMP). Doutor em música pela UniversidadeEstadual de Campinas e atua nas áreas de teoria, análise musical, contraponto, arranjo, harmoniatonal e música popular. Atualmente desenvolve a pesquisa “Harmonias difíceis e planos tonaiscomplexos: do amontoado de ideias românticas em vigência na valoração da música popularcontemporânea” (PROPPG, UDESC).