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    AMADOU HAMPATE B, T i t ul o o r ig i na l : A" t1:OI l ll e t; l 'e ' !f onl Pel llCopyr igh t 1 99 2 b y A C TE S S U D

    P roje to e ditorial e o rg an iza ca o D an ie la M ore auC ons ulto ria ed ito ria l D en is e D ia s B arro s

    Consultoria para r e rmo s Mab esCocrdenacao editorial

    Copy DeskR ev is ao d e p ro va s

    P r oj et o g ra fi c oDiagramacao

    Imagens

    P au lo D an ie l F ar ahEm i l i o Mou f ar r ig eG r ac i el a K a rm a nL uc ia B ra nd ao S a lt M o uf ar ri geT he re zi nh a S i qu ei ra C a mp osMauricio Zabo ttoMaria do Carmo de OliveiraImages & Memoires

    Dados d. c.t;u0l!'~'o naPublia~o ICW) Inborn.donal(Cimara Brasileira do LiVTO, Sf, B.... ms a , A m a d ou Hampatc, 190t) . 1991

    Amkoul l e J , 0m e ru n o f ul a I Amadou Hampate B . ' i ; trildu~aoXina S m it h d eV a sc on ce ll os . - s ao P au lo : P aJ as A th en a: C as a d as Am" , . , 2003.

    376p.igs.16x23cm

    I.A n tr op ol og ia -A fr ic .a 2 . C ul ta ra - Africa 3. Pu l e ( p avo africano)4.sa,AnlildouHamp"' ,19{]().1991 5.Mali-Historia 6.Mali-U,ose

    cos tumes I.Titulo.

    0 3 - 3 7 5 2 CDl).92B.96'indices 'para catalogo 5i.&teD\~tic:o

    I.l n te l ec t ua i s a f ri c ano s : Au t o b io g r af i a 9 2 8 .9 6

    Todos os direitos reservados e protegidospela Lei 9 61 0 de 1 9 de fe ve re iro d e 1 99 8.

    E proibida a reproducao total ou parcial, por quaisquer meios,s em a a utoriza ca o prev ia, pa r e sc rito, d a e ditora ..D ireitos a dqu irido s p ara a lin gu a p ortug ue se, p or

    I

    EDITORA PALAS ATHENAR ua S er ra d e P ara ca in a. 2 40 . C am bu ci

    0 15 2 2- 02 0 s a o Paulo - S P - B ra silf an e: ( 11 ) 3 2 09 .6 28 8 - f ax : ( 11 ) 3 2 7 78 1 37

    www.palasa thena.o rgeditora@palasathena_org

    Amkoullel,a menino fula

    t raducaoX in a Sm it h d e V a sc on ce ll os

    C as a d as A f ri ca s E di to ra P al a s A th

    CASA DAS AFRICASR ua E ng . F ran cis co A zev ed o, 5 2405030 -010 - S l i D Paulo - S P - Brasi l

    f on e/ fa x: 5 5 1 1 3 8 0 1.1 71 8casadasaf ricas@ter ra .com.br

    2003

    http://www.palasathena.org/mailto:[email protected]:[email protected]://www.palasathena.org/
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    Rafzes

    A DUPLA HERAN('ANa A f ri ca t ra d ic io n al , o _ _ i! ld ~ vi d uo e i ns ep ar av el d e s ua l in ha ge rn , q ue c on ti -

    nu a a v iv er a tr av es dele e d a q ua l" e le e a p en a s um p r ol on g ar n en to . E p or is to q ue ,q ua nd o d es ej am o s h om e na ge ar a lg ue rn , 0 s au da mo s c ha rn an do -o re pe ti da s v ez es ,n ao po r se u n om e pro prio, qu e e orresp ond eria n o O cid en te ao n om e d e b atisrn o,m as p elo n om e de se ll c ia : " B a ! B 5 ! " , ou "D i al lo l D i a ll o! " , au "C is s e' C i ss e l" Forguen ao s e e sta s au da nd o 0 indiv iduo iso lado e sim , ne le, toda a linhagem de seusancestrais.

    A s si rn , s er ia i m pe ns av el p ar a 0 ve lh o a frican o qu e so u, n ascid o na a uro rad es te s ec ul o n a a ld ei a d e B an di ag ar a, n o M a li , i ni ci ar 0 r ela ta d e m in ha v id a p es so alse m ev ocar p r.im eiro , aind a q ue a pe na s pa ra situ a-la s, m in ha s d uas lin hag en s, apaterna e a.materna. Arnbas sa o fulas e estiveram ligadas, se b em que ern camposo po st os , a os a co nte ci me nto s h is to ri co s, p ar v ez es tr ag ic os , q ue m a rc ar am m e u p ai sa o lo ngo do sec ulo pa ssad o. T od a a histo ria d e rninh a fa milia e sta , n a rea lida de ,ligada a . de Ma ci na ( re gi ao d o M ali situ ad a no q ue se chama 0 A reo do N iger) e a sg uerra s qu e a dilaceraram. Espec ia lmente , aquelas q ue o pu se ra m o s f u la s do Impe-rio F ula d e M acina e a s tucolores do exercito de EI Had; Ornar, 0 g r an d e c o nq u is ta -d or e c he fe re li gi os o is la rn ic o o ri un do d o o es te e c ujo im p er io , depois de veneer eab sorver a Im perio Fula de M acina em ~862, estendeu-se do leste da C uine a teTornbuctu , n o M a li .

    Cada urna d e m in ha s d ua s li nh ag en s mantern laces de parentesco, diretosa u in di re to s, c om u rn d es te s d ais g ra nd es p ar tid os a nta go ni co s. E , p ort an to , u m ac : ! ' : J > ~ he ra nc a. ao m esm o tem po h is t6rica e afetiv a, qu e rece bi a o n aseer e m arco um ui to s a co nte ci me nto s d e r ni nh a v id a.

    , '

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    AMKOULLEL,O MEN1NO FULA RAfzES

    "Nao tao deprcssa!" exclamara 0 leitor nao-afr icano, pOl leD fami liarizadocom os gTillldes nornes de nossa historia. "Antes de prosseguir, 0 que sao - paracomecar -os fulas e os tucolores?"

    Comecemos por meus ancestrais, JS fulas, Se a pergunta e facil de Iormular,a resposta ja nao 0 e . Porque este povo de pastores nomades que conduziu seusrebanhos atraves de toda a Afr ica savanica ao sui do Saa ra entre 0Oceano Atlanticoe a Oceano Indico durante milenios ( como 0 testemunharn as gravurasrupestres debovines das grutas do Tassili descobe rta s par Henri Lhote ), falando f raneamente ,const itui-se urn enigma da his tor ia . Ninguem jamais eonseguin desvendar 0miste-rio de suas origens. Quase todas as lendas e tradiroes orais dos fulas mencionamum a origem oriental multo nntiga, Mas, dependendo da ve rsao, e sta or igem e a svezcs arabe, ierneni ta ou palestine: as vczes , hebraic .' ! e as vezes ainda mais longin-qua, buscando sua fonte ria india. Nossas tradicoes evocam grandes correntes mi-gratorias v indas "do leste" em epoca muito distan te , e algumas delas , a travessandoa Afrieil de leste para oeste, te riam chegado it regiao de Futa Taro, no Senegal. Edesta regiao, muito mais tarde, numa cpoca rnais proxima a nossa, partiram nova-mente em direcao ao leste, em novas f luxes migra t6rios.

    Quanto aos sabios e pesquisadores curopeus, talvez intrigados com a apa-rencia fisica dos fulas, de tez rclativamente clara (mas que pode tornar-se maisescura segundo (1 grau de mesticagem), nar iz longo e reto e Iabios frequentementemulto tines, tentaram encontrar a solucao para este enigma de acordo com suarespect iva disr ip lina (hi stor ia , linguis ti ca , ant ropologia , etnologia) . Cada urn par tiude sua hipotese, pondo as vezes tanta energia em defende-la quanto em combater

    . ados outros, Mas nenhum chcgou a uma resposta exata. Na maier parte das vezes,concorda-se em atribuir aos fulas origem mais ou menos "oriental", com grau muitovar iado de mest icagem ent re urn elernento nao-negro de origem semit ica ou harnit icacos negros sudaneses. Para as historiadores afr icanos modernos, osfu las seriam de

    . ~rigem puramente afr icana.De qualquer maueira - e ai reside a profunda originalidade dos fulas -

    atraves do tempo c do espn~o, das migra~6es, das mest icagens, das coatr ibuicoesexte riore s e das inevitaveis adaptacoes ao meio arnbiente , eles soube ram mantersua identidade e prese rvar sun lingua, scus fundamentos cultura is extre rnamenterices c, ate a epoca de sua islamizacao, suas tr adicoes re ligiosas e iniciatica s, TudoiS50, J ig -a do a u rn a gu do sen t imento da propria identidade e nobreza, Sem diivida, jc \nao sabern de ondc v e 1 1 1 , mas sabem quem s a o . "0 Iula conhece a si mesmo", dizemos bilmbaras.

    Meu velho amigo Sado Diarra, chefe da aldeia de Yeremadio, perto deBamako, ass im exprimia. com malicia e poes ia , 0 pensamento dos barnbaras a res-peito dos fulas: "Os fulas sao lima mistura surpreendente. Rio branco no pais deas-uas negras, rio negro no pais de aguas brancas, e urn povo enigma tico que turbi-lhoes capriehosos trouxe rarn do sol nascente e espa lhara rn de leste a oeste par quasetodos os cantos".Com efeito, ao saber de mi l circunstancias histor icas mais ou rnenos conheci-das, os fu las di spersaram-se como fogo fatuo por todas as zonas habitavei s da savanaafrican a ao sui do Saara. "Presentes em todos os lugares, mas sem domicilio emparte alguma", sempre em busca de n~vos 01h05 d'agua e ricas pastagens, duranteo dia tangiam seus grandes zebus com chifres em forma de lira ou de lua crescents,e a noite dedicavam-se a torneios de improvisacao poet ica, Om oprimidos , d ispersesem diasporas all f ixados 11forca em zonas de concent racao: ora conquistadores ,organizando-se em reinos, apes sua islamizacao chegarao a fundar grandes impe-rios. Entre ell 'S, 0 l~nperio de Sokoto (regiao da Nigeria) fundado no seculo XVllIpar Ousrnane dan Fodio e 0 Imperio de Macina (regiao do Mali)' fund ado no inic iodo seculo XIX por Cheikou Amadou. no cora~ao do fertil delta interi or do rio Niger.Seculos antes da fundacao deste ultimo imper io, ondas sucessivas de pasto-r es fulas vindos sobretudo de Futa Toro e do Ferlo senega le s, atra idos pelas vastaspastagens de Macina, haviam-se fixado nesta regiao. Meus longinquos ancestr aispaternos ai chegaram por volta do fim do seculo XV. Instalararn-se na margemdireita do Bani (a fluente do NIge r), entr e Djenne e Mopti, na regiao denominadaFakala, ou "para todos", pois os fulas ali coabitaram com diversas etnias locals:bambara, marka, bozo, somono, dogon, etc .

    Quando, em 1818, Cheikou Amadon fundou no pais a dins, O\! Estado lslarnico,que os historiadores denominararn 0 Imperio Fula teccratico de Macina (cuja histo-ria relatei em outra publicac;aol), a populacao de todo 0delta do Niger [aer a predo-minanternente fula. Meus al15=e~traispaternos,- os B a B.OS Hamsalah, que ocupavamfuncoes de chefia no Fakala, juraram Iidelidade a Cheikou Amadou, Nem par is todeixaram de cr ia r gado, po is nenhum fula digno deste nome, mesmo sedentarizado,saberia viver sern ocupar-se, por pouco que Jesse, de um rebanho. Nem tanto porr azoes econornicas, mas devido ao amor ancestral pelo anima l irmao, quase sagra-do, seu companheiro desde a aurora dos tempos. "Urn fula sem rebanho e limprfncipe sern coroa " ,d iz urn ditado .

    1. 0 autor relere-se it obra L 'Emp i J' e Peu l d uMac inn , em co-a\llon~ com j. D

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    AMKOULLEL, 0 MEN1NO FULA RAfzES

    A comunidade da dins, criada conforme a modelo da primeira comunidademuculmana de Medina, prosperou durante vinte e oito anos sob a s a b ia l id e ra n ca deCheikou Amadou. Es te l i be rou os fulas do dominio dos sobe ranos loca ls , reagrupou-os e sedentarizou-os no torac;ao de lim Estado poderoso e independente e, coisanada facil, regulamentou as datas e trajetos de transumancia do gado em sincroniacom aspnpulacces agricolas locais. Dcpois de sua morte em 1845e da morte de seufilho Amadou-Cheikou em 1853, a situacao da comunidade se deteriorou sob areinado de seu nero Amadou-Arnadou, que rnorreu em 1862durante a tomada dacapital, Hamdallaye, pelos exercitos tucolores de El Hadj Ornar. 0 Imperio Fula deMacina, em que minha linhagem paterna havia prosperado, fora vencido.

    Agora entrarn em cena esses tucolores, cujo nome, pela propria sonoridade,surpreende um pouco 0 leitor nao-iniciado. Cabe uma pequena e xpl ic a ca o . E s tenome, que nao tem nada a ver com cores', deriva da palavra arabe ou berbere

    . .} tekrout; que antigamente designava toda a regiao do Futa Toro s en e gal es . O s mau r osi (de lingua a rabe ) cha rnavam os ha b it an t es d e st e pais de tekarir (singular- tekrourii.De acordo com Maurice Delafosse, este nome,deformado pela prornincia uolofepara tokororou tokolor, transforrnou-se, numa ultima deforrnacao fonetica france-sa, em toucouleur.

    No decorrer de urn longinquo processo historico nao elucidado, oshabitantesdeste pais , apesar de pertencerem a etnias diferentes (sem diivida predominante-mente fula ap6s a chegada macica destes aoFuta Toro, mas tambem serere, uolofe,soninque etc. ), acabaram por falar a lingua Iula. Esta, par sua vez, tornou-se paraeles urn fator de unidade linguistica e, portanto, cultural ', 0 "povo tucolor" r:ao e.assirn , uma etnia no sentido exato da palavra , mas um conjunto de etnias unidasp~o uso da mesma lingua, e ,no decorrer do tempo, mais on menos misturadas porcasamentos. Os tucolores autodenominam-se helpuiu; "aqueles que falam 0puler"(isto e, 0 fula). Tambem sao charnados de Futsnke: "as do Futa".

    A pura tradicao fula, sobretudo a religiosa e iniciatica, perpetuou-se entre osiinicos fulas pastores da "alta brousse 4" , isto e,entre aqueles que viviam lange dascidades e aldeias.

    Os dois povos que naquele ano de 1862travararn combate em Marina, nascercanias de Hamdallaye, possuiam muitos pontos em comum: a.religiao, a lingua,~svezes a etnia e ate 0 territ6rio de origem, porque asancestrais dos fulas de Macinata m be m tin ha m v in do do Futa Toromuitos s ecu los a t ra s , Mesmo a ss im , a s " fu la s deMacina" e os "tucolores de El Hadj Ornar" consti tuiarn duas entidades politicasdistintas. Como a hist6ria devera se desenrolar em torno deles, conservarei essasduas denorninacoes para facilitar a compreensao do leiter. Eles proprios, mais tarde,se designariam pelos termos de "V~~o Fu~' (futakindi) para os fulas deMacinapresentes na regiao ha seculos e "novo Futa" (fu!akeri) pa~a os tucolores que vie-ram com E l Hadj Omar .

    MEU AVO MATERNO PATE POULLO

    2. Toucoutears: em frances, o nom e sugere "todas as cores". (NR)3 . A hipotes e retomads pOl' Maurice Delafosse, segundo a qual, ao chegarem a Flita Tore os

    l ula s te ria m a do ta do u ma lin gu a lo ca l Cjue s c t or r- ar ia a lin gu a ru b, n ao r es is te a u rn a a na li separa qualquer pessoa que conhera 0 mundo e a tradi cao fula do interior.

    4. Brousse: Iormacan es tepica c ia A r n e " , caractcr izada por vegeta\ ,i io rastei ra de gramineasmisturada com algumas a rvorcs e a rbus tos, Tambern qua lque r a re a fo ra do perimctro dac idade . Fi ll por tugues, a palavra ma is aprox imada scr ia "s er tao". (NT)

    No seio do exercito tucolor que entrou vitorioso em Hamdallaye, encontra-va-se urn fula de Futa Taro que, tempos atras. havia -abandcnado tudo para seguirEIHadj Omar. Chamava-se ~ate Paull 0, do e ta Oiallo e era meu futuro avo materno.Eu ouviria contar sua historia muitas vezes.

    Pastor fula da alta brousseae regiao de Dienguel (Senegal), Pate Poullo eraum silatigw' s , quer dizer, urn grande rnestre em iniciacao, especie de sacerdote eportanto chefe espiri tual de sua tribe. Como todos as sliatigui, possuia poderesextraordinarios: vidente, adivinho, curandeiro, era habil na avaliacao dos homens ena cornpreensao da silenciosa linguagem de sinais da brousse. Apesar de jovem,ocupava posicao importante em seu meio, Mas urn dia , durante uma viagem, teveoportunidade de ver e ouvir El Hadj Omar, grande mestre da confraria islarnicaTidjaniya' que viajava pela regiao de Futa Taro.

    Assim que retornou para junto da familia, Pate Poullo convocou os irmaos,parentes mais importantes e os representantes da tribo e contou-lhes sua intenraode abandonar tudo para seguir EI Hadj Omar. "Quis primeiro lhes pedir permis-sao", disse. "Se aceitarem, deixarei todo 0meu rebanho como indenizacao, Partireide maos vazias, a nao ser pe lo s c a bel o s da cabeca e as vestes do corpo. Quanta aomeu cajado de silstigui, antes de partir 0 passarei ritualmente aquele mais qualifica-do para. herda-Io."

    5. Nao confundir com S

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    1\ M K a U L L E L. a MEN I N a F U L A RAIZES

    Isla, m as tip os d e familias e sp ir it ua is i nt er na s, a lg o c om o o rd er -s d if cr en te s ( fr an ci sc an a,d om in ic an a) n o in te ri or d o c at nli cis m o. A Africa s u bs a ar ia n a I n i i sl a rn i za d a e s se n ci alm e nt epel as confrarias que ali d es er np cn ha ra rn u rn i rn po rt an te papcl tanto no plano religiosecom o no plano soc ial e rnesmo p olit ic o. (V cr m in ha o bra )lIeet enseignements de TiernoBok n r. I e s .! .' :t ' J,' B.mdJag,)f ' ! , L c S cu il , c ol ec ao P o in ts S a gc ss e. P ar is , 19 8 0, a ne xo Soutisme.'tcol1fn;ric's en r . . lam).

    pUIamente espir itual, que logo se desdobrou em amizade profunda. Como teste-rnunho de confianca, E l Hadj Omar encarregou Pate Poullo da guarda e manuten-~~()de seu pequeno rebanho pessoal, heranca da mae fula. Rebanho que 0 seguia atodo lugar e do qual tirava, assim como do fruta de suas aulas na escola coranica quenunca abandonou, a alimento e a manutencso da propria familia.

    Apartir desse dia , sob a bandeira de ElHad] Omar, Pate Paullo seguiu-o emsell periplo em direcao ao leste, E foi assim que, no ana de 1862 , entraram comovencedores em Harndal laye , capital do Imperio Fula de Ma ri na , f un da do quarenta -e quatro anos antes por Cheikou Amadou. EI Hadj Omar ai permaneceu por doisanos. No decurso dos iiltimos nove meses, todos os seus inimigos (fuJas, kuntas deTombuctu e outros) coligaram-se para fazer-Ihe um cerco. Estes exercitos, acampa- 'dos ao redor da salida muralha que ele havia mandado erigir para proteger acidade, nao deixavam passar nada. 0 bloqueia foi implacavel , a fome, atroz. Ostucolores foram reduzidos a s condlcoes mais extremas,

    Foi durante este periodo dramatico que Pate Pouilo, gra~as a algumas gotasde leite, se tornou amigo de urn sobrinho de EI Hadj Omar, Tidjani Tall (mho deAmadou Seydou Tall, irrnao mais velho de EI Hadj Omar). Ninguem suspeitavaainda que Tidjani Talliria tornar-se mais tarde soberano do Reina Tucolor deMacina, -fundaria a cidade de Bandiagara onde nasci e desempenharia papel deterrninantena historia de minha familia, tanto paterna como materna, influenciandoindiretamente meu proprio destine.

    Urn dia. durante 0 cerco, uma vaea leiteira, burlando a vigilancia dos solda-dos inlmigos, conseguiu chegar ate osportoes da muralha deprotecao. Puserarn-nasem demora para dentro da cidade, onde, naturalmente, ficou sob osbons cuidadosde Pate Poullo. Toda noite, ele saia da cidade scm se deixar surpreender, paraprocurar capim com 0 quaJ alimentar a vaca. Epela martha, apos ordenhar 0 animal,levava uma grande cabaca de leite a ElHadj Omar, que dividia a preciosa bebidaentre osmembros de sua familia, ele proprio ePate Poullo. Mas meu avo habituara-se a levar tambern, escondido em urn pequeno odre, um pouco de Icite a Tidjani,cujo destine havia lido nos traces do rosto, gra~as a suas estranhas Iaculdades. "Eisaqui 0 resto do leite de seu pai'EIHadj Ornar", dizia ele. "Beba-o e sera seu herdei-ro." E Tidjani bebia. Foi assim que nasceu entre eles urn vinculo solido, fundado naafei~ao e no reconhecimento, e que jamais se desfez.

    A surpresa dos parentes foi grande, mas afinal todos concordaram: "Siga seucaminho e que a paz, somente CI paz, 0 arornpanhe!" E foi assim que meu < l V O ,

    I abandonando riquezas, rebanhos e poder, munida de um simples cajado de pastor,tomou a estrada para juntar-se a El Hadj Omar,

    Quando 0encontrou em lima c id a de c u] o nome esqueci , apresentau-se: "Xei-que Omar, ouvi teu chamado e vim. Eume chama Pate Poullo Diallo e sou urn 'fula

    ,verrnelho ' ,um fula pastor da alta brousse A firnde me Iiberar, dei meu rebanho ameus irrnaos, Eu era tao ricoquanta pode ser urn fula. Portanto, nao e para adquirirriquezas que vim juntar-me a ti, mas apenas para responder a um apelo de Deus,porqlle u rn fu la n ao deixa se u rebanho para proeurar o u tr a c oi sa .

    Tarnbem nao vim a teu encontro para adquirir conhecimento, pois, neste, mundo, nada pedes me ensinar que eu jilnao saiba, Sou urn s1JaHgLli, urn iniciado,ju]a. Conhcco 0 visfvel e 0 invisivel, Tenho, como se diz, 0 'ouvido da brousse':.entendo a lingua des passaros, leio 0 rast ro dos pequenos animals no chao e asmanchas luminosas que 0 sol projeta atraves das folhagens; se i interpreter a sussur-ro dos quatro grandes ventos e dos quatro vcntos secundarios, assirn como apassa-gem das nuvens atraves do espa~o, porqllc para mim tudo e sinal e linguagem. Estesaber que esta em mirn, eu nao posso abandona-lo, e quem sabe te podera scr util?N(lS viagens com teus compauheiros, ell poderia 'falar pela brousse' e guiar-te porentre suas arrnadilhas.

    Nao vim a ti para as coisas dcste mundo. Peco-te que me recebas no Isla e Ieseguirei aonde Iores, mas com uma condicao: no dia em que Deus fizer triunfar tuacausa e dispuseres de poder e grandes riquezas, peco-te que nunca me norneiespara qualquer posto de cornando - chefe de exercito, chefe de provincia , chefe dealdeia, nem mesmo chefe de bairro. Porque a um fula que tenha abandonado seurebanho nao se pode oferecer nada que seja mais valioso.

    Sete sigo, e unicamente para que me gUlesna direcao do Deus 'Onieo",Muito comovido, ElHadj Omar aceitou ascondicoes demeu avo e realizou acerimonia de conversao. E,de fato, durante toda sua vida, meu avo jamais aceitouhonrarias ou funcoes de comando. Entre os dois homens firrnou-se uma alianca

    7 . N i1 t r ad ic ao a fr ic an a, 0 t i o p a t er n o e ccnsiderado COIllO um pai e e d i re ta r ne n te r c sp o ns a ve lpela crianca, _

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    AMKOULLEL,O MENINO FULA RAizES

    Quando, ern 1864, a siruacao se tornou insuportavel, ElHadj Ornar decidiu- J enviar sell sobrinho Tidjani em busca de reforcos , Recomendou-lhe que fosse aIDukornbo, na regiao habitada pelos dagon, procurar seu amigo, 0 notavel Elle" IKossodio, e pedir-lhe ajuda para recrutar um exercito que viesse s o co r re - lo , D e u - Ih e! grande quantidade de ouro para Iacili tar a tarefa e designou Ires soldados tucolorespara acompanha-lo, Em seguida, chamou meu avo: "Pate Poullo, va com Tidjani.Voce lhe sera mais uti]do que a mim. Outrora, voce me prometeu 'falar pela brousse'.Hoje, desejo que voce 'fale pela brousse' a Tidjani. V a com ele e seja seu guia, seubatedor. Certifique-se de que 0 carninho nao apresenta perigo, depois volte atras ediga-lhe a que fazer",

    ElHadj Omar tomou asmaos de Tidjani, colocou-as entre as de Pate Poullo edisse: "Considere Pilte Poullo seu pai, como sefosse eu mesmo. Ele sera para voce eseus companheiros os 0lh05 e ouvidos da brousse. Tudo 0 que lhe mandar fazer,Iaca. Se lhes disser que acampem, acampem. Se disser que levantern acampamen-to, levantem acampamento. Enquanto estiverem na brousse, seguirao estritamen-te seus conselhos: mas assim que estiverern em uma cidade, que nao e mais dominicdele, a iniciativa recaira sobre voce. Eu osconfio urn ao outro, e osdois a Allah, quenao trai jamais".

    Aproveitando a escuridao da noite, 0pequeno grupo guiado par Pate Poulloconseguiu sair de Hamdallaye e cruzar as linhas inimigas sem ser vista. Rapida-mente, chegaram sem problemas a casa de Ellee Kossodio em Dukornbo. Estecornecou por levar Tidjani a casa do grande cacador dogan Dornmo, a sete quilornetrosdali, no coracao de uma grande planicie em forma de bacia, nurn lugar chamadoBann_ya ' sra , "a grande tigela", porque era ali que as elefantes tinham 0 costume dematar a sede. Este e 0 lugar onde Tidjani fundaria mais tarde a capital de seu reinoque sed a charnado Banny .1gc1u pelos tucolores e que, transcrita mais tarde numregistro por urn funcionario frances como Bandiagara, conservaria este nome.Poi nesta ocasiao, creio eu, que se deu urn acontecimento hist6rico envol-vendo meu avo, a qual teve papel importante na futura escolha deste localporTidjani.

    Como era seu costume, Pate Poullo fora explorar os arredores. Ao voltar ,encontrou Tidjani repousando a samb ra de uma grande e frondosa acacia. Urnpouco mais adiante, uma pequena acacia permitia ao sol penetrar folgadamenteatraves de sua rala folhagem. Levado pela inspiracfio, Pate Poullo exclamou: "Como,Tidjani! Sell pai, ElHad] Omar, esta na sornbra (prisioneiro, privado dos rneios deacao) e voce tambem se senta a sornbra? Quem entao vai se por ao sol por voces?Levante-se e va sentar-se na pedra aos pes da pequena acacia ]a adiante. Nao e 0

    momenta de ficar 11sornbra, mas ao sol". (Em Iula, "por-se 11sornbra" significClrepousar depois de terrninar 0 trabalho: "ficar ao sol" quer dizer trabalhar.)

    Tidjani, que obedecia cegamente os canselhos de Pate Poullo desde que os-sem relacionados aos misterios da brousse, levantou-se e recolheu sua sela e arreios.Os tucolores que oacompanhavam surpreenderam-se. "Francamente, Tidjani! PatePoullo da ordens a voce como se voce fosse seu filho: Levante-se . .. sente-se aqui. ..sente-se hi. .." Sem dizer palavra , Tidjani foi sentar-se na pedra. Fate Poullo, queacompanhara toda a ceria, declarou: "Tidjani, filho de Amadou Seydou TaU!Avoce,que aceitou sentar-se nesta pedra, tenho uma coisa a dizer. Palavra de Iula doDienguel. Urn dia, voce fundara a_guluma capital , de que tad a 0 Arco do Nigerouvira falar ede ~nde ninguern, a nao s~r a n:torte natural, 0 podera desalojar, Nestedia, pedirei que me de 0 terrena sobre 0 qual esta esta pedra, para que nele eu facaminha morada",

    Quatro anos mais tarde, Tidjani instalaria e desenvolveria neste locala capi-tal de seu reino, onde reinaria sozinho par vinte anos, a te sua marte. A pedra sobrea qual se sentara, bern conhecida em Bandiagara, encontra-se ate hoje no patio dapropriedade que herdei de minha mae, que ela. par sua vez, havia herdado do pai,Pate Poullo.

    Meu avo explicou mais tarde que, se Tidjani t ivesse permanecido naqueledia it sornbra da grande acacia, e se a oracao de esr (momenta da tarde quando 0solanuncia seu declinio) ali 0 houvesse surpreendido, jamais teria se tornado chefe,nem fundado seu reino neste local. Certamente, esta nao e urna logics muitocartesiana, Mas para flOSSOS anciaos, sabretuda para os "homens de conhecimento"(siiatiguipara as fulas, doma para osbambaras), a 16gicaapoiava-se em outra visaode mundo, em que 0homern se ligava de maneira sutil eviva a tuda que 0 cercava.Para eles, a configuracao das coisas em determinados rnomentos-chave da exis-tencia possuia urn significado precise, que sabiam decifrar. "Esteja a escuta", dizia-se na velha Africa, "tudo fala, tuda e palavre. tuda procura nos comunicar urnconhecimento ..."

    Auxiliado par Elle Kassodio e seus arnigos, Tidjani conseguiu [evantar naregiao urn exercito de cern mil homens. Neste meio tempo, soube que Hamdallayehavia sido completamente destruida por urn incendio e que EI Hadj Omar, insti-gado por seus hornens, escapara e conseguira chegar a Deguembere, na regiaodogon. Com seus filhos e seus iil timos companheiros, refugiara-se em uma grutana encosta de uma montanha e ali estava, cercado pelos exercitos fulas e kuntasde Tombuctu.

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    Tidjani forcou a marcha em socorro do tio.Mas quando chegou a Deguembereera tarde. Por razoes que nunca foram elucidadas, urn barril de polvora explodiraa gruta eEl Hadj Omar havia morrido com as seus no acidente,

    LOLItode colera e tristeza, Tidjani avancou a frente de seus hom ens sabre oscercitos fulas e kunras e os empurroLI para lange. Na perseguicao aos fugitives,ntregou-se a lima repressao feroz ao longo da regiao, Depois da grande batalha deebara, em que derrotou os fulas de Fakala, mandou executar todos as membros doexo masculine, independente da idade, das grandes families do antigo Imperioula. Eram essencialmente farnflias aparentadas ao fundador do Imperio , Cheikou.madou, e familias B a e Hamsalah. Em Sofara, s6 em rninha familia paterna qua-mta pessoas forarn executadas em urn dia: cram todos meus av6s, tics-avos.u tics paternos, Apenas dois meninos escaparam: Hampate Ba, meu futuro pai,ue se encont rava lange dali naquele momenta, e urn [ovem primo de quem ignOIoparadeiro.

    Depois de passar por diferentes cidades da regiao, Tidjani decidiu instalar aapital de sell reino em Bandiagara, que era um a area bern protegida. De la, podexmandar lima serie de operacoes vitoriosas contra os inirnigos. Tornou-se 0 chefeleal, i11

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    9 .Diawando (plural=-diawambe) : e tn ia que vivia com 1'5 Iulas dcsde ~ rnais remota

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    U rn b ela d ia , A lla mo dio fe z d e H am pa te se u te so ure iro . C on fio u- lh e a s c ha -v es d e su a lo ja d em an tim en to s e d e se us c au ris'' e in cu mb iu -o d e receb er e efetu arp ag am e nto s n a c id ad e,

    P assaram -se as an os. H am pate e B a lew el v iviam em p az, n o m ais co mp letoa no nim ato , ap are ntem en te c sq uecld os do po der real. N ada a s fazia su po r q ue u rnd ia i st o p od cr ia m u da r.

    n ov o co m u rn tu co lo r, a o p asso q ue to da m ulh er tuc olo r q ue h ou ve sse pe rd id o 0m arid o na gu erra d ev eria se c asa r c om u rn fu la de M ac in a - sa lv o, e claro, n os caso sp ro ib id os p el o Alcoriio. D ec retou , tam bem , q ue n en hurn p risio neiro d e g uerra n o-b re " de n ascen ce, isto e , l iv re, p ode ria ser re du zid o a c ativ o. E sta s leis tiv era m u rnre su lta do ta o fe liz q ue 0 po vo , sem pre p ro nto a ac ha r a pe lid os, b atizo u T idjan i d eHe ia hemmba , q ue q ue r d iz er "0 quebra-e-conserta".

    A lg un s m es es a pe s a p ro m ulg ac ao d es ta le i, 0 e xe rc ito d e T id ja ni, e m u m a d esu as expe dico es co ntra o s fo co s d e resisten cia fu la, to mo u a c id ad e de T en en gu , deo nd e tro uxe p risio ne iros. E ntre eles fig urav a um a g ran de d am a fu la de M acina ,A nta N 'D iob di S ow , b isn eta d os H am salah e pe rte nc en te a fa m ilia d e S amm od i,fundador da cidade de D iafarabe, E ra um a tia m aterna de H arnpate. Com o seum arido havia m orrido em com b ate , de acordo com a nova lei, prom eteram -lhe alib erd ad e s ob c on dic ao d e q ue a ce ita ss e c as ar- se c om u rn tu co lo r.

    A nta N 'D io bd i n ao era ap en as d e Iin hag em n ob re , co mo extrem arn en te b elae d e p er so na lid ad e fo rte . A s p ro po sta s d e c asa m en to c ho ve ra rn . Contavarn-se nu -m erosos pretendentes entre as chefes m il ita r es, chefes de provincia , grandesm arab us o u p erso nag en s in flue ntes d a co rte d e T id jan i. A to do s, A nta N 'D io bd ire sp on dia c om altiv ez: "[am ais m e casare i co m u m ho mern cu jas m aos te nh am sid oe ne gre cid as e e rn pe ste ad as p ela p olv ora d o fu zil e q ue , a ie m d is to , s eja u m p oltra o.5 6 u rn p oltra o p od e a ce ita r c om b ate r c om u rn fu zil. E sc on de r- se a tra s d e u m a a rv o-re e m atar a distancia nao e guerrear! A b ravura esta no com bate com a Janca oucom 0 s ab re , o lh os n os o lh os , p eito c on tra p eito ! 5 6 a ce ita re i c om o m a rid o a lg ue mque nunca tenha se valida de urn fuzi1. Alem d is to , n a iniciaeao feminine fu la s ou'rain ha d e Ieite ', e leite e p olv ora na o co mb in am , A po lv ora su jaria m eu leite ... "

    O s p re te nd en te s re cu sa do s c on sid era ra m- se in su lta do s e r ec la rn ara m a m ar-g am en te a T id jan i. E ste, co rn a cu riosid ad e esp icac ad a a o m axim o, q uis v er co m o sp ro prius o lho s essa m ulh er in tratav el e o uvir co m o s p r6p rio s o uvid os as p alav rasq ue lh e e ra m a trib uid as . O rd en ou q ue a tro ux es se m a sua p r es en~a .

    "P elo qu e pu de co mpreen der", ele lh e disse, "v oce n ao d eseja se casar c omn en hu m d e rn eu s b rav os c orn pan heiro s po rq ue eles se teriam su jad o co m a p olv ora

    D ur an te e ss e te mp o, B an dia ga ra n ao c es sa ra de s e d es en vo lv er. T orn ara -sea ren om ad a e florescen te cap ita l d o rein o tu co lo r d e M ac in a, d irigid a co m m ao dem e stre p or T id ja ni (f ilh o d e) A rn ad ou S ev do u T all (q ue p ara s im p lific ar, c ha m are -m as do ra va nte T idjan i T all), en qu an to a pa rte oe ste d o a ntig o im pe rio tu co la r d e E IH adj O mar ficara so b a autoridad e do filh o m ais v elh o d e E I H ad ] O rn ar, A hm ado uC heik ou, so l tao de S eg u e co rn an da nte do s crentes",

    Co m 0 p assa r d os ano s, a c6lera eo resse ntim en to d e T id jan i T all co ntra o srespo nsaveis pela m orte do tio E l H adj O m ar foram se ap azigu and o, A lem d isto ,p ou co a p ou co , n urn ero so s fu la s d e F ak ala tin ha m se a 1ia do a e le . U rn fu la c ha rn ad oT ie rn o H a ymou to u Ba, q ue fo ra a m ig o p es so al e c h e e d o e xe rc ito d e El H a dj Om ar ,d es em p en ha va a go ra a s f u nc oe s d e g en era lis sim o d os e xe rc ito s e c he fe d o c on se lh od e n ota ve is . E le c on tro la va so bre tu do o s fu la s a lia do s q ue s erv ia rn s ob s ua s o rd en sn as tro pa s d e T id ja ni. T ie rn o H ay m ou to u B a, g ra nd e p ro te to r d os fu la s re fu gia do sde M arina e de Fakala , soube desernpenhar papel rnoderador junto ao rei e, semso m br a d e d uv id a, su a p re se nc ;a e m B an dia ga ra s us cito u n um e ro sa s a de s6 es .

    C ra ca s, ta lv ez , a e sta fe liz in flu en cia , g ra ce s ta rn be rn a os c on se lh os d e n u-m ero so s o utro s m arab us" d e su a co rte, T id ja ni T all co mpreen dera q ue 0 t er ro r n aoe um a base solida para a autoridnde e que 0 m elhor m eio de assegurar a paz

    , r ep O ll sa vi l n o perdao e n o r es pe it o a v ida d os ou tro s. seu s b ens e seu s costumes,Com o hom ern de grande inteligencia e prudente chefe de E stado que era ,d ecidiu em preen der u ma p olitic a d e rep aracao e d e rec on cilia cao e ntre o s Iulas d eM ac in a e o s tu co lo re s re sid en te s e m s ell E sta do . P ara e vita r q ue a s c on flito s d eg en e-rassem e se perpetuassem no tem po, prornoveu um a verdadeira fusao entre asd ua s co mu nid ad es d o re in o p or v ia de c asarn en to s. P rom ulg ou lim a lei seg un do aq ua l to da m u lh er fu la q ue tiv es se p er did o 0 mar ido nil gu erra d ev eria se c asar de

    11 .Cau r i : pL'queno b u zi o u ti li za d o )10 passado como rnoeda.1 2 . C om a nd a nt e d o s c rr nt cs : t it ul o prorocolnr d os r al if as . ( NT )1 3 .M a rn b u: e nt re o s r nu cu lm a n os , sabin q ue s e c on sa gr a a pratica e ao ensino da vida reli-g i os a . (NT)

    1 4. A p al av ra f ul a d imo ihoron e m b am b ar a) tr ad uz id a d e fo rm a a pr oxir na da c om o "n ob re "s ig ni fi ca , n a r ea li da de , " ho rn em l iv re " E n ob re a qu ele q ue n ao e " ca ti vo " ( no ta ]0 ), n emm em br a d e u rn a c as ta d e a rte sa os [v er p a g . ]] 0, n ot a 5 ). T od o f ul a, p or exernplo, considera-se nobre p el o s im p le s fato de ser urn fula. Com 0 t em po , a s fU I1,oes d e c or na nd o d er ar no rig em a u rn tip o d e a ris to cra cia d o p od er, m as u rn s im ple s p ast or fu la , q ue st oe s d e p od cra par te , cons iderava-se la o n ob re q ua nt o u rn re i.

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    Naquela epoca, gra

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    em Bandiagara. No plano material , sou bem rico; voce tern mil cabecas de gado aseu dispor e administro vinte mil cabecas do rebanho real. Bern, toda minha fortunaesta a sua disposicao. Paca com ela a que quiser. Sejafeliz, faca-me feliz e poupe-mede ter de ouvir meus rivals escarnecerem maldosamente: 'Nos bern sabiamos queAnta N'Diobdi nao seria feliz com Pale Poullo!' E se par desgraca minha temura efortuna nao forern capazes de faze-la feliz , e achar necessario retomar a qualquerpre\o a mao que com tanta generosidade me entregou, diga-o. Pode ser que euconsiga sobreviver a esta infelic idade e vergonha. Mesma se meu coracao estiverdesesperado, sera com urn sorriso nos labios que direi: 'Peca-me 0 divorcio se qui-ser ', e se voce 0 pedir , aceitarei deixa-la partir ; mas jarnais , jamais, minha boca seabrira de vontade pr6pria para dizer: 'Eu a divorcio'". Portanto, saiba que se urn diavoce t iver de parti r, esse dia marcara para rnim a entrada numa escuridao alem-tumulo e sera 0 inicio de uma noite sem fim."

    Sem receber resposta , PfM Poullo Ievantou-se, pegoll a lanca e saiu cia casacomo urn sona~nbulo. Anta N'Diobdi quedou-se im6vel, arrasada. Quando P a t ePoullo voltou, tarde da noite, encontrou a mulher curvada no mesmo lugar onde adeixara ao sai r, Aproximou-se dela. Com suavidade tomou-lhe a cabeca entre asmaos e a apoiou cont ra a peito. A jovem tinha os olhos tao vermelhos quanto a florda paineira. Seu rosto estava inchado de tanto chorar, Perturbado, Pate Poullo !hedisse: "Anta, mesmo que nao Fosse seu marido, como bi dfmo, fula nobre e bern-nascido, tenho direito a sua confianca e devo ajuda-la a suportar seu sofrimento. Eu

    , lhe suplico, fale (amigo!"Ant a N'Diobdi, que havia desfei to seu penteado de fula, afinal levantou a

    cabeca , Afastou as mechas que Ih e escondiam a face, e com a voz enf raquecida ,abriu 0 coracao:

    "Sim, e verdade", disse, "estou sendo esmagada pelo peso de urn sofrirnen-to, mas nao tern nada a ver com voce. Principalmente, nao pense que eu seja infeliza seu lado, muito ao contreriol 0 nosso, foi urn encontro feliz, Mas 0 que me consomeha urn mes, 0 que torna rninhas noites insones, meus dias insuportaveis, os alirnen-tos sem sabor e a bebida insipid a, e um fato que concerne a honra de minha familia,urn fato tao delicado quanta grave."

    "Qual e , entao, esse fato, Anta?""Voce sabe que minha famil ia de Fakala faz parte das Iamilias de Macina

    cujos representantes masculines, tanto adultos como criancas, foram condenados a

    1 7. " Eu ~ divorcio": t rn du ca o l it er al d a e xp re ss ao africana que p il SS OU t al q ua l p ar a 0 " fr an ce sa l ri ca no " .

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    RAIZES

    t,,

    morte pelo rei Tidjani Tall e que quarenta do s meus foram executados em ur n 56 diaem Sofara."

    "Claro, sim, eu sei!", exclarnou Pate Poullo. "Infelizrnente, as leis da guerraaparentam-sa mais a reflexes de bestas ferozes do que ao comportamento de ho-mens norma is."

    "Pais bern, entre os corpas dos homens de minha familia, constatou-se quefaltavam dais meninos. Ora, acabo de descobrir aqui mesmo em nossa vizinhanca,aqui em Bandiagara , urn dos meninos sobreviventes. E meu proprio sobrinhoHampate, filho de minha falecida irma, Ele vive escondido na casa de Allamodio, 0acougueiro-chefe do rei , em total anonimato. Ninguem sabe quem ele e . 0 que medesespera e vel urn descendente dosHamsalah, uma esperanc;a de meu pavo e deminha familia, viver sem nome, na promiscuidade avil tante de urn at;ougue. Haquase urn mes luto para me conformar com esta ideia , mas nao consigo. Hesitei emfalar porque nao queria que urn mal-entendido ou urn confli to se instalasse entre 0rei Tidjani e voce, mas como quer saber a razao de meu sofrimento, direi tudo. Averdade e que nao posso mais suportar esta situacao, Assim, eis 0que decidi: inde-pendente de qual possa ser a resultado, pet;oque leve meu sobrinho Hampate ao reiTidjani e Ihe revele sua verdadeira identidade para que todo mundo saiba quem elee. Voce rogara ao rei, de sua parte au da minha, como preferir , que paupe a vida demeu sobrinho. Se ele recusar, pedira que execute Hampate de imediato para quesua alma va juntar-se sem demora a de seus pais que 0 precederam no outromundo, onde ele talvez nao esteja em pior situacao do que aqui."

    Pate Poullo olhou a mulher fixamente; sua face pareceu congelar-se; brota-r am - Ih e g ro ss as gotas de SUOT. "Voce sabe ao que exp6e seu sobrinho?" perguntou-lhe.

    "Sirn, eu sei. Deliberadamente escolhi para ele a morte antes que a anonima-to, que e outra forma de morrer. Prefiro ve-lo marta e enterrado sob seu nomeverdadeiro a ve-lo viver sem identidade. Costaria tarnbem de que dissesse a Tidjania seguinte: se mandar executar meu sobrinho, eu compreenderei seu ato e nemmesmo 0 condenarei. E a lei da guerra. Eu mesma, se com uma virada da sorteviesse a vence-lo , nao hesitaria em mandar cortar-lhe 0 pescot;o. Mas, peco-Ihe afavor de poupar aos despojos de meu sobrinho a 'exposicao hurnilhante" dos con-denados para que eu posse enterra-lo COm honra."

    18.A "exposicao hurnilhante", instituida em Bandiagara para 05 prisioneiros de guerrn execu-tadas, consist ia em en tregar 0 cadaver as criancas que lhe atavarn os pe s c as mao s e aarrastavarn ate u m a f os sa c or nu m .

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    Pate Poullo fez de tudo para dobrar a deterrninacao da mulher e convenes-la a renunciar a urna empreitada tao perigosa, mas de nada adiantou. Convocouentao Hampate n sua casa, colocou-o a par da dccisao de sua tia e perguntou-lhe 0que pensava,

    Hampate, que tinha entao dezessete ou dezoi to anos, respondeu: "SendoAnta N'Diobdi minha mae e unica parente que me resta, tern sabre mim todos asdireitos, inclusive 0 de vida e de morte , e esta fora de questao recusar 0 destine quecscolheu para mim. Dcvo-lhe respeito e obediencia. Aqui em Bandiagara, e elaquem vela pela honra de minha famil ia. Se acha que devo morrer para salvar estahonra, bern, que eL I morra!"

    "Pelas contas de rezar do xeique El Had] Omar!" exdamou P e t t e Poullo. "SeTidjani soubesse que especie de inimigos tern de enfrentar , f icaria ainda mil vezesmais alerta!"

    "Nao somes . inirnigos pcssoais de Tidjani Tall" , interveio Anta N'Diobdi,"mas defendemos 110550 povo e nossa honra. E possivel veneer 0 inimigo fisicamen-te e reduzi-Io a escravidao, mas jamais se pod era dornesticar sua alma e seu espiritoa ponto de irnpedi-lo de pensar."

    D i an te d e ta l d et er m in ac so . P a t e Poullo n ao tin ha o utra escolha a n a o se rconduzir Hampfite ,,0 rei e implorar sua clcmencia Para isto, escolheu urna sexta-feira, dia santo do Isla, quando Tidjani costumava dispensar muitos favores e conce-der gra\,as. Na sexta- feira seguinte, depois de assi st ir a grande oracao coletivana mesquita, Pate Poullo e Harnpate, acornpanhados por Balewel, que havia decidi-do cornpartilhar em tudo a sorte de Hampate, dir igiram-se ao palacio, Pate Poullofigurava entre 0 ruirnern muito restr ito de notaveis que podiarn entrar no palacioreal a qualquer hora do dia ou d C 1 noi te. Bastava-lhe dar aos guardas a senha domomenta. Cracas a este "abre-te sesame", os tres companheiros atravessararn semproblemas tres vest ibulos bern vigiados e forarn esperar ao pe da escada que clavaacesso aos apartarnentos privativos do rei , no primeiro andar.

    U rn pouco mais tarde, Tidjani voltou da mesquite onde se havia dernorado.Assim que viu Pate Poullo, scu TOstoabriu-se nurn grande sorriso: "Ah, aiesta meupai Pate! Que esta sexta-feira seja tlI11 dia de felie idade pora todos nos!"

    "Que Deus 0 ou~a, Tidjani, filho de Amadon. filho de Seydou Tall!" respon-dell P a t e Poullo, Tidjani lancou um olhar rapido e inquiridor em direcao a Hampatee BaleweL "0 que 0 t raz ate minha casa. pai Fate?", pergllntou. /IAposto que veiome apresentar estes boles jovens." E seguill em direcao a escada,

    "Sirn, venho apresenta-los e suplicar pela causa de urn deles, 0que se chamaHarnpate Sell companheiro chama-se Balewel Diko e decidiu comparti lhar a sortede Hampate, nao importa 0 que possa aconteccr a ele ."

    Tidjanl comecou a subir asescadas, levando Pate Poullo pela mao. "0 que fezde errado este jovem?", perguntou. "Eu lhe direi quando est ivermos no salao deaudiencias", respondeu Pilte Poullo. E fez sinal aos dois [ovens para espera-Io.

    Quando chegararn aosalso, Tidjani ausentou-se urn memento para trocar deroupa. Voltou em seguida, vestindo um simples tourti (bata que chega a altura dojoelho, usada por baixo do bubu I~)e calces bufantes e instalou-se confortavelmente.Ser recebido com essa indumentaria era uma grande prova de intimidade e deconfianca em relacao a Pate Poullo . "Bern." , disse ele, "que crime, entao, corneteuseu protegido?"

    "Trata-se de urn crime com 0 qual elenao tern nada aver. Sell crime e 0 de fernascido na familia dos Bae dos Hamsalah de Fakala . Nesta condicao, ele e atingidopela condenacao a morte decretada contra todos as meinbros de sua familia. Eletornou-se meu sobrinho por alianca, porque me casei com sua tia Anta N'Diobdi." .

    "Ahl, e 0 sobrinho daquela mulher fula de quem tanto admirei a beleza ea coragem!"

    "Sim, e ela me obrigou a vir apresenta-lo, sejarn quais forern as consequen-cias." E Pate Poullo transmitiu fielmente ao rei a proposta da mulher. "Assim, Fama(rei) , venho pedir que poupe a vida de Harnpate, que doravante c rneu filho, assimcomo meu primogenito."

    Tidjani manteve-se calado urn born tempo, e em seguida disse: "Pai Patel Ea segunda vez que enfrento Anta N'Diobdi, esta alma masculina alojada num corpofeminino. VoceIhe dira que eu mesmo a adoto como tia , primeiro por ser sua esposae tambem porque amo aqueles que tem 0 sentido e 0 culto da honra. Quanta aHampate, eu 0 considero como uma tentacao que Deus colocou em meu caminhopara ver ate onde poderia chegar minha vinganca. Se as centenas de inimigosexecutados em Sofara, Fatoma e Konna nao vingaram a morte de meu pai El HadjOmar, nao sera com certeza amorte de mais este jovem que a vingara! Meu cam paiPate, fique tranqiiilo. Aceito seu pedido e concedo publicarnen te a Harnpate 0 ind ul-to de sua pena de morte. Mas", acrescentou sorrindo, "tenho de Ihe revelar umacoisa: dez dias depois da chegada de Harnpate a Bandiagara eu ja fui informado de .sua presence. Eu seria urn chefe bern mediocre se ignorasse 0 que se passa em meureino, sobretudo em minha cidade, Nao quis inquictar Hampate, dizendo a mimmesmo que 0 proprio Deus 0 confiava a mim. Parecia insensate, na verdade, eSCOI1-der urn condenado no proprio rega

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    j. : Agora que Hampate, que era meu h6spede involuntario, se tomau meu primo - ja~ que e set! sobrinho - vou the fazer lima doacao. Dou-lhe 0necessaria para dotar e

    desposar uma mulher, uma propriedade debom tamanho, urn cavalo ajaezado, urnfuzil , sete lances, uma alabarda, um sabre, };I_m_ape~a de !ecidp aiul ' ciaCuine de

    r sessenta cDvados,_l.llla pe-:;ade cretone branco, urn turbante hauca acetinado, umi 'pai de botas bordadas, dais pares de babuchas de blenne e dez vacas leiteiras,. ; Gostal- ia tambem de que se alistasse nas tropas fulas de meu exercito eomandadas'.par Tierno Haymoutou B a . Assim. cle nao mais sen! um acougueiro an6nimo."

    Pate Poullo estava fel iz como urn fula cuja vaca tivesse acabado de parirurn bezerrol Comonao podia pendurar-se no pescoc;odo rei, inclinou-se em profun-da agradecimento. 0 rei 0 fez erguer-se: "Per favor, pai Pate , tal gesto nao cabeentre nos!"

    Hampate e Balewel, que haviam permanecido ao pe da escada, foram convi-dados a subir. Piite Poullo informou Hampate sobre a gIa~a concedida pelo rei e osncos presentes com osquais ele 0 cobria. Em seguida, comunicou-Ihe 0 desejo do reide que sealistasse em seu exercito sob asordens de Tierno Haymoutou B a . Harnpateficou urn instante em silencio, osolhos baixos: ern seguida, disse: "Agradeco a Deuse ao rei Tidjani Amadou Seydou Tallpm tel-me poupado a vida. Estou muito honra-do pelo gesto generoso do rei e Ihe agradeco do {undo do coracao, Mas, no queeoncerne a meu alistarnento, que ele me permits dizer: existem tres coisas que merecuse a fazer; primeiro, tornar em armas contra meu povo, quer dizer, cont ra osfulas de Marina: segundo, tornar em arrnas contra 0 rei Tidjani, que ao inves demandar me degolar , abre seus braces magnanimos e me cobre de presentee: tercei-ro, abandonar a velho Allarnodio que foi para mim urn verdadeiro pal . Prometi amim mesmo ficar a seu lado ate minha morte au a dele".

    Com estas palavras, instalou-se na sala urn pesado silencio que pareceudurar seculos. Pate Poullo temia 0 pier, Mas 0 rei Tidjani,longe de sezangar, excla-mou: " WalJaye! Por Deus! 0 sangue nobre falou! [overn leal, voce merece 0 respeitoe a adrniracao de todos, inclusive do rei". Eestendendo a m ao em direcao a Hampilte Balewel, disse-lhes: "Vao e vivam em Bandiagara como rnuculmanos livres, des-frutando de todos as direitos devidos aos cidadaos tucolores de nossa cidade!"o rei nao deixou Balewel de maos vazias. Presenteou-o com urn cavalo, umfuzil, urna alabarda, sete lancas e tres trajes valiosos.

    Acompanhado pelos dois jovens, Pate Poullo tornou a caminho de casa, Felize orgulhoso como urn conquistador retornandp de uma batalha, contou a mulher aboa nova. A alegria de Anta N'Diobdi nao tinha Iimites. Mas, quando 0marido lherepetiu as palavras de Hampate declarando ao rei as tres coisas que jamais faria,

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    RAIZES

    quase perdeu 0 f(llego! A ideia de que 0 sobrinho continuaria a ser urn ajudante deacougueiro na casa de Allamodio a sufoeou. Demorou para se recuperar , ate querefletiu, e disse: "Esta certo, e rnais vergonhoso ser ingrato do que ser acougueiro".Virou-se para Hampate: "Va", disse-lhe, "volte para a casa de Allamodio, sirva-o,eu aceito . Minha alma chorara todos os dias de despeito, mas minha razao secara ash3grimas que 0 orgulho de fami lia me fara derramar, Quando e a honra que nosobriga a aceitar um sacrificio, este se torna sublime. Voeeescolhe viver na ohscuri-dade opaca, quando urn sol grande -eradioso se oferece para espalhar sua luz sabrevoce. Que0Senhorpossa Ievar em conta sua conduta e facacom que de voce surjamfilhos que elevem 0 seu nome!"

    Aqui termina a historie de NieJe. 0que se segue e urns reconstituip"io apsrtir dos relatos trsnsmitidos peJa familia, pelos a/ores protagonistas ou testemu- Inhas desta ilistdria, em particular Balewel Dlko.

    Sempre seguido de seu fiel companheiro, Hampate continuou a viver juntoao velho acougueiro Allamodio. Pouco depois de sua reabilitacao, fundou emBandiagara a prirneira a~so':.iaqao (waa/de, em fula) d.e..io,,:~nsfulas originaJ;iosde ~1acina e, emseguida, gra~as ao encorajamento do rei que gostara desta inicia-tiva, su4_H"laa/dli abriu-se a meninos de diversas orlgens. Essa asscciacao, por sinal,mul to rnais tarde desempenharia importante papel na polit ica de Bandiagara,jaque favorecia as boas rclacdes recomendadas pelo rei entre ostucolores e as fulasde Maeina.

    Passaram-se os anos. Allamodio, que envelhecera, apoiava-se cada vez maisnos dois jovens para gerir seus neg6cios. Harnpate nao seocupava s o da contabilida-de; tarnbern comprava na regiao, para Allamodio e para si mesmo, animals cujacarne era vend ida em proveito nuituo,

    Assim que os fulas de Fakala , em sua maioria criadores de gado, souberamque 0 herdeiro dos Harnsalah estava fora de perigo, comecaram a enviar-lhe ani-mais para 0 abate com 0 intuito de ajuda-lo. Com 0 decorrer des anos, Hampatetornou-se urn interrnediario de confianca entre os criadores de varias regiDes doArco doNfger e os cornerciantes de gado de Bandiagara. De suas diversas atividades,obtinha uma boa renda que uti1izava em grande parte para camprar infelizes cati-vos, principalmente criancas, com a intencao de alforria-los ou melhorar-lhes a sor-te. Agia assim tanto pm bondade natural como por dever reiigioso, em obediencia ainjun~ao e ao exemplo do proprio profeta Muhammad.

    Durante sua vida comprou guinze cat ivos. Alforriou seis; os out ros novesempre se recusararn a deixa-lo ..Tratava-os mais como filhos adotivos do que como

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    AMKOULLEL,O MENINO rULA

    servicais. Entre eles, havia dais que salvara de amos crueis , e que arnava especial-\ mente: Beydari e Niele Dembele. Esta lil tin~a, um,a crianca mianka da regiao de San(Mali), tornou-se mais tarde, para meu irrnao mars velho Hammadoun e para rrurn,a mais atenciosa e carinhosa sorva-rnae. Quanta a Beydari, hornem de confianca demeu pai, foi designado por ele em seu lei to de morte como unico herdeiro e chefede toda a familia!

    Beydari havia sido capturado com a idade de onze ou doze anos na tomadade Busse (localidade da circllnscri~ao de Tugan, na atual Burkina-Faso). Nessa epo-ca, a escravidao ainda nao tinha sido abolida nas colonies francesas e 0menino foipresenteado a urn suboficial native do cxercito frances, que 0 levou para Bandiagarae 0 vendeu a urn gnat dos Tall, chamado Amfarba. Este a dest inou ao servicedomestico de suas mulheres.o minimo que se pode dizer e que 0 pobre menino nao caiu num ambientecaridoso. Trabalhava sem descanso, do charnado a oracao matinal ate tarde da noite,as vezes ate a meia-noite, realizando atividades acima de suas Iorcas. Alimentava-sc das sobras dos pratos e daquilo que conseguia raspar do fundo das panelas, Ap6sdois anos dessa vida de fame e fadiga, andando quase nu e dorrnindo no chao (e,naestacao seca, as noitcs sao extremamente Frias nessa regiao), a infeliz era s6 pele eossa, Caminhando em agua estagnada, havia contraido 0 "vcrme da Cuine", urnparasita cujas larvas se acumularn na parte inferior das pernas, onde ficam a esperade lim novo cantata com a agua para escapar do corpo do hospedeiro. Seus pes etornozelos haviam inchado desmesuradamente. Apesar de seu estado, certa manhauma das mulheres de Amfarba 0 mandou fazer cornpras no mercado a urnquil6metro de distancia. Sob urn sol escaldante, com asperna 5 inch ad as e doloridas,a menino nao conseguia dar vinte passes scm procurar urn raro canto de sombraonde refrescar as pes nus, queimados peJa terra fervente . Como tardasse em vol tar ,a mulher de Amfarba reclarnou com 0marido. Acusou a menino de nao passar deurn preguicoso, urn desobediente, que com certeza se divertia parando pelo cami-nho, Amfarba foi tom ado pela c6lera. Pegando seu chicote de pele de hipop6tamo,saiu it procura do menino, que cncontrou logo adiante . Equilibrando a cesta cheia nacabeca, Beydari avancava com dificuldade, 0 corpo brilhando de SUOT, gemendo acada p

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    AMKOULLEL,O MENINO FULA RAfzES

    Entrementes, 0 rei Tidjani Tall havia falecido. Seu poder manteve-se sobreted a Macina de 1864 ate sua morte em 1888. Como sabernos, no irucio de seu reinadopromovera execucoes em massa. Deslocara aldeias e populacoes para instalar urnaadministracao local, alern de guerrear por muito tempo contra foeos de resistencia.Mas, com 0 correr do tempo, as coisas se acalrnaram urn poueo e,afinal , este hornemque fora charnado de "0 quebra-e-conserta" talvez tenha sido urn dos chefes maisvalorosos que reinararn na regiao do Arco do Niger. Assim como fora implacavel naconquista, grac;as a sua penetrante compreensao da politi ca local, demonstrou serurn chefe prudente na adrnlnlstracao de seu reino. Ainda corre urn ditado em Macina:"Quando Tidjani chegou, 0 povo exclarnou, WOIoroy en bani: Tidjani wsri! (Oh!Estamos perdidos, Tidjani chegou). Mas, em sell funeral, este mesmo povo choroudizendo, Wororoy en boni. 7Jdjani meyii (Estamos perdidos. Tidjani morreul)" .

    Hampate ja nao era mais urn jovenzinha quando se casou em primeirasruipcias com uma de suas primas, Baya. Essa unieo permaneceu esteril, Criou-seuma situacao desagradavel, pois todo 0 Fakala e 0 Pemaye esperavam pelos filhosde Hampate, para reviver a estirpe dos Hamsalah. Os notaveis fulas de Fakalarefugiados em Bandiagara cornecaram a consul tar marabus, adivinhos e videntesde todos 05 t ipos, para saber se suas esperancas seriam atendidas. Os oraculos forarnunanimes: Baya nao teria filhos de Hampate, pois seus respectivos "genios" pro-criadores eram incornpativeis. Estas infelizes previs6es influenciararn 0 humor deBaya. Tornou-se amarga; era quase impossivel conviver com ela. Nao podia super-tar ninguern a seu lado; mal tolerava a propria sombra. Ate que foi longe demais.

    Urn dia em que Hampate estava ausente, Balewel Diko, 0 amigo de sempre,foi a casa de Baya acompanhado par alguns cornpanheiros de sua associacao. Elepediu a jantar, Baya nao podia recusar, porque era costume dos membros da asso-ciacao jantar toda noite na casa de um e outro sucessivamente. As esposas ja esta-vam habituadas e, de qualquer maneira, nas grandes familias africanas semprehavia comida suficiente para acolher convidados de ul tima hora ou estrangeiros depassagem. Assim, Baya fez servir urna refeicao, mas sem parar de praguejar: "Ah!como e desagradavel ser esposa de urn vagabundo que se esquece de voitar paracasa na hora das refeicoes! Eu nao sou nem escrava nem mulher de baixa extracaopara que urn marido insolente me trate dessa maneira. De verdade, estou cheiadeste Hampate!" E seja intencionalmente, seja por reflexo involuntario, proferiuuma grosseria a respeito da falecida mae de Hampate. Em lima epoca em que urninsulto a mae era a mais grave das ofensas, resolvida muitas vezes a golpes de lancaau de faca, foi um grande desaforo de sua parte, ainda mais chocante por ser profe-rido na presence de amigos do marido. Na verdade, era uma afronta imperdoavel,

    Balewel, para quem Hampate e ele proprio eram uma coisa so, e que seconsiderava como seu alter ego, indignou-se: "Como, Baya! Voce ousa insul tar amae de Hampate em minha presence? Teria preferido ouvir de sua boca umaofens a contra minha pr6pria mae do que contra a mae de Hampate. Pare com isso!"

    " J ; : se eu nao parar", retorquiu Baya, "0 ceu tombara sobre a terra? Asmontanhas vomitarao 0 conteudo de seu estomago de fogo?"

    "Nao acontecera nada disto", respondeu Balewel, lie sim a morte de seucasamento conosco." .--

    "Com voces, quem?" Disse Baya, zombeteira."Conosco, Hampate e BaleweL" Zombando, Baya repetiu a ofensa. No auge

    da indignacao, Balewel disse-lhe: "Parta desta casa, eu a divcrcio, eu a divorcio!" Aestas palavras, todos as amigos de Harnpate Ievantaram-se como urn s6 homern.Deixaram a casa sem terminar a refeicao, gesto muito grave na Africa, onde naoaceitar a comida de uma muJher e sinal de rejeicao e ruptura. Isto significava clara-mente: "Todos as amigos de Harnpate se divorciaram de voce".

    Baya foi tomada por uma furia terriveL Correu para seu quarto, recolheu eembrulhou depressa todas as suas roupas e utensilios dornesticos e mandou coloca-105sob 0 alpendre que protegia a entrada da casa. Ela mesma estendeu uma esreirae acornodou-se, esperando 0 retorno do marido. Quando Hampate, que ignoravapor complete 0 incidente, voltou para casa, encontrou a mulher sob 0 alpendre,sentada com as costas eretas ao lado da bagagem, parecendo esperar nao s e sabia 0que. Hampate, como vimos, nao era extrovertido nem loquaz. Sem sair de suatranqiii lidade habitual (seus amigos diziam que ele era calma e limpid 0 como o6leode amendoim), comecou par saudar a mulher; depois the perguntou: "Per que estesernbrulhos? 0 que esta acontecendo?"

    "0 que acontecee que aquele deusinho, seu amigo Balewel Diko, se divor-ciou de mim em seu nome e por sua conta. Assim, aprontei minha bagagem eespero que voce confirme essa decisao."

    "Se aquele deusinho, meu amigo Balewel Diko, se divorciou de voce em meunome", replicou com calma Hampate, "voce esta mesmo divorciada". E sem maisuma palavra, ent rou na casa.

    Aterrorizada, Baya desmanchou-se em Iagrimas. Pediu que transportassema bagagem para a casa de seus pais, 0 que foi feito na mesma noite pelos emprega-dos de Hampate. No dia seguinte, quando a novidade se espalhou pela aldeia, todosderam razao a Balewel e Hampate. Eis algo que, sem duvida, e muito di ficil de sercompreendido por uma mentaUdade rnoderna. Como admitir que alguem possatamar a iniciativa de "divorciar" a mulher do amigo e que, alem do mais, este acei te

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    /\ M K 0 UL L E L, 0 MEN I N0 F UL A

    o Iato Sel~)discutir? E que, antigamente, 0 verdadeiro antigo nao era" Dutro"; ele eran65 mesrnos, e sua palavra era nossa palavra: A amizad: verdadeira era colocad.ftacirna do parentesco, salvo em questoes de sucessao, E por isto que a tradi~a~recomendava ter muitos companheiros, mas nao amigos "verdadeiros" em dema-sia. Os parentes gozavam do mesrno privilegio, 0 irrnao, 0 pai ou a mae podiam

    ."divorciar" urn homem em sua ausencia e em geral 0 interessado inclinava-se,aceitando. Nao se pode dizer que fosse urn cos tume, pois nao era fato multo frequente,mas quando acontecia era aceito , porque nao setomava uma decisao dessas leviana-mente -('aso contrarin, a comunidade, familiar ou da aldeia , se aporia .

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