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Guarda compartilhada: antídoto à alienação parental?
Realidade após novas leis em Jaguaruana e Fortim
Allan Danísio Araújo Silva, Ana Carina dos Santos Souza, Kirlia Maria Lima Carvalho, Paulo
César Félix Barbosa e Valdélio de SouzaMuniz1 Graduandos(as) em Direito na Faculdade do Vale do Jaguaribe
RESUMO Com base na leitura de obras que tratam da guarda compartilhada e da
alienação parental, somada à coleta de dados pertinentes a ambos os
temas nos Juízos, Promotorias de Justiça e Defensorias Públicas de
Fortim e Jaguaruana, o presente artigo se propõe a analisar a
interrelação possível entre os dispositivos mencionados, sua aplicação
ou não à realidade jurídica de Fortim e Jaguaruana e a visão dos
operadores do Direito acerca do assunto nos referidos municípios.
Observa-se que o componente cultural tem sido um grave obstáculo
tanto à adoção da guarda compartilhada nesta região do interior
cearense quanto à judicialização das eventuais ocorrências de
alienação parental, evidenciada pela quase inexistência de casos
registrados nas Comarcas pesquisadas.
Palavras-chave: Alienação parental. Família. Guarda compartilhada. Lei. Justiça.
1. INTRODUÇÃO
Quase um ano após ter entrado em vigor a Lei Federal nº 13.058, de 22 de dezembro de
2014, que define a expressão guarda compartilhada e dispõe sobre sua aplicação, e cinco anos
após a publicação da Lei 12.318, de 26 de agosto de 2010, que trata da alienação parental, é
natural nos perguntarmos se estes dois dispositivos têm provocado, de fato, mudança de
postura das famílias e, sobretudo, dos operadores do Direito em relação ao tratamento das
duas questões. Surge, também, uma curiosidade (pergunta geradora) que motiva o presente
estudo: a adoção, como regra, da guarda compartilhada contribui para prevenir a ocorrência
ou a concretização da alienação parental?
Ao mesmo tempo, é pretensão deste trabalho compatibilizar elementos de pesquisa
bibliográfica, que, de acordo com Oliveira (2008), possibilita “(...) levar o pesquisador(a) a
entrar em contato direto com obras, artigos ou documentos que tratem do tema em estudo”
(p.69), portanto, fontes secundárias, e de pesquisa documental (recorte de reportagens,
1 Artigo produzido sob a orientação do professor Leonardo de Bayma Rebouças, na disciplina Direito de
Família (7º período), do curso de Direito da FVJ.
pesquisa de leis específicas, busca de dados estatísticos em Comarcas do interior cearense e
entrevistas diretas com juízes, promotores de Justiça e defensores públicos), fontes primárias
a receber análise direta destes autores.
Com o presente estudo, além da apresentação dos conceitos pertinentes expostos na
própria legislação e analisados por importantes doutrinadores, buscamos apresentar uma breve
radiografia de sua aplicação ou, se for o caso, sua pouca utilização na realidade jurídica de
Fortim e Jaguaruana, bem como possíveis justificativas/explicações formuladas pelos próprios
operadores do Direito das Comarcas mencionadas.
2. ALIENAÇÃO PARENTAL E GUARDA COMPARTILHADA NAS LEIS, NA
DOUTRINA E NA JURISPRUDÊNCIA
Apesar de a guarda compartilhada e a alienação parental não serem fatos recentes na
história das famílias brasileiras, somente há pouco menos de um ano a primeira foi fixada por
lei como regra prioritária de guarda dos filhos nos casos de divórcio em que não haja
consenso entre os pais (a lei anterior, de 2008, só a aplicava em caso de divórcio consensual)
e há apenas cinco anos a legislação definiu com exatidão a alienação parental.
Como é peculiar ocorrer na área do Direito, e muito fortemente no Direito de Família, a
realidade costuma preceder e motivar o próprio surgimento da norma, daí porque se fala nas
chamadas fontes materiais (elementos que concorrem para a formação do conteúdo ou matéria
da norma jurídica). André Franco Montoro (2013) menciona como fontes materiais:
“a) a realidade social, isto é, o conjunto de fatos sociais que contribuem para a
formação do conteúdo do direito;
b) os valores que o direito procura realizar, fundamentalmente sintetizados no
conceito amplo da justiça” (p. 373)
Em relação à realidade social como fator básico na elaboração do direito, frisa o autor:
“Ela é representada, em primeiro lugar, pelos problemas econômicos, culturais,
políticos, sociais, que o direito deve resolver. E, além disso, pelas condições sociais,
de ordem econômica, política, cultural, natural etc que atuam sobre as soluções
adotadas” (p. 413)
Esta relação com a realidade e os valores tem plena coerência com as origens da palavra
lei, também relembradas por Montoro (2013, p.344), entre as quais as atribuídas a Isidoro de
Sevilha (que remete ao verbo latino “legere” e significa “ler”, em razão de ser a norma escrita,
em vez das costumeiras não escritas), a Santo Tomás de Aquino (do verbo “ligare”, que quer
dizer “ligar”, “vincular”, “obrigar”, no caso, a pessoa a um modo de agir) e a Cícero (de
“eligere”, ou seja, “eleger”, “escolher”, em referência ao papel do legislador de aprovar a
norma que melhor dirija a atividade humana). Daí, a lei representa, no plano formal, a
concretização da realidade (material) em norma.
Como bem destaca Carlos Roberto Gonçalves, o Código Civil de 2002 procurou
adaptar-se à evolução social e aos bons constumes, incorporando as mudanças legislativas
introduzidas nas últimas décadas (o Código anterior datava de 1916):
“As alterações visam preservar a coesão familiar e os valores culturais, conferindo-
se à família moderna um tratamento mais consentânea à realidade social, atendendo-
se às necessidades da prole e de afeição entre os cônjuges ou companheiros e aos
elevados interesses da sociedade” (2014, pp.21/22).
Já a jurisprudência, como fonte formal do direito, é o conjunto de decisões judiciais
(sentenças) uniformes e constantes acerca de casos semelhantes, daí porque se fala, inclusive,
em “costume judiciário”. A doutrina, por sua vez, constitui fonte formal do direito, assim
como a lei, o costume e a jurisprudência e surge do estudo de caráter científico desenvolvido
por juristas acerca do direito (limitando-se a conhecer e sistematizar a norma jurídica ou a
interpretá-la e aplicá-la), como bem ressalta Montoro (2013, p.408).
2.1 Leis definidoras têm pouco tempo de existência
A despeito da visão histórica e culturalmente arraigada, sobretudo no norte e nordeste
brasileiros, de primazia da mãe em cuidar dos filhos, coube à primeira mulher presidente da
República no País sancionar a lei que tornou regra a guarda compartilhada2. Isso porque a Lei
anterior (nº 11.698/2008), embora já previsse a guarda compartilhada, limitava sua aplicação
aos casos de divórcio consensual (aquele em que não há litígio entre o casal).
De acordo com a Lei Federal 13.058, de 22 de dezembro de 2014, que alterou a Lei nº
10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil):
“Art. 1.584. (...) § 2o Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho,
encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a
guarda compartilhada, salvo se um dos genitores declarar ao magistrado que
não deseja a guarda do menor. (grifo nosso)
Como se percebe no trecho acima, a regra é taxativa. Mas a Lei cuida, também, de
ressaltar a importância de orientação técnico-profissional (equipe interdisciplinar) ao juiz para
fixar as atribuições do pai e da mãe e os períodos de convivência sob guarda, visando à
“divisão equilibrada do tempo com o pai e com a mãe”, obedecido o princípio do melhor
interesse da criança e do adolescente, norteador do Estatuto deste segmento de cidadãos
2 Disponível: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/Lei/L13058.htm. Acesso:
02.10.2015
(ECA), como o faz, ainda, em relação à cidade considerada base de moradia dos filhos, na
guarda compartilhada, elegendo aquela que melhor atender aos interesses dos filhos.
Reconhecendo a possibilidade de persistir a guarda unilateral, a Lei trata de impor
obstáculo à alienação parental, obrigando o pai ou a mãe que não detenha a guarda a
supervisionar os interesses dos filhos e legitimando qualquer dos genitores para solicitar
informações e/ou prestações de contas em assuntos que afetem, direta ou indiretamente, a
saúde física e psicológica e a educação de seus filhos.
Já a Lei Federal nº 12.318, de 26 de agosto de 2010, em seu artigo 2º, define como ato
de alienação parental:
“a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou
induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou
adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou
que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este”3.
Referida norma elenca rol exemplificativo de formas de alienação parental, como:
“I - realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da
paternidade ou maternidade;
II - dificultar o exercício da autoridade parental;
III - dificultar contato de criança ou adolescente com genitor;
IV - dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar;
V - omitir deliberadamente a genitor informações pessoais relevantes sobre a criança
ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço;
VI - apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra avós,
para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente;
VII - mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando a dificultar a
convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou
com avós.”
Assim como fizeram os primeiros estudiosos do tema, a própria lei, em seu artigo 3º,
aponta consequências da prática de ato de alienação parental: 1) fere direito fundamental da
criança ou do adolescente de convivência familiar saudável; 2) prejudica a realização de afeto
nas relações com genitor e com o grupo familiar; 3) constitui abuso moral contra a criança ou
o adolescente e descumprimento dos deveres inerentes à autoridade parental ou decorrente de
tutela ou guarda. Trata, ainda, a Lei de prever a possibilidade de realização de perícia
psicológica ou biopsicossocial e de conferir tramitação prioritária às ações ou incidentes
relacionados à alienação parental de modo a preservar a integridade psicológica da criança ou
do adolescente, “inclusive para assegurar sua convivência com genitor ou viabilizar efetiva
reaproximação entre ambos, se for o caso”. Neste sentido, a norma assegura à criança ou
adolescente e ao genitor visitação assistida (exceto quando há iminente risco de prejuízo à
integridade física ou psicológica da criança ou do adolescente, atestado por profissional).
3 Disponível: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12318.htm. Acesso em
02.10.2015
Em relação às sanções, quando caracterizados atos típicos de alienação parental, a Lei
confere ao juiz a possibilidade de, conforme a gravidade do caso, além da responsabilidade
civil ou criminal: 1) declarar a ocorrência de alienação parental e advertir o alienador; 2)
ampliar o regime de convivência familiar em favor do genitor alienado; 3) estipular multa ao
alienador; 4) determinar o acompanhamento psicológico e/ou biopsicossocial; 5) modificar o
tipo de guarda; 6) ordenar a fixação cautelar do domicílio da criança e do adolescente; e
7) suspender a autoridade parental.
2.2 Contribuições doutrinárias à normatização
Assim como em diversos temas ligado ao Direito de Família, como o reconhecimento
da união estável e da união homoafetiva, também em relação à guarda compartilhada e à
alienação parental preciosas são as reflexões trazidas pela estudiosa Maria Berenice Dias,
entre outros doutrinadores. Em sua obra Manual de Direito das Famílias (2010), ela descreve,
com clareza e simplicidade, as origens da alienação parental:
“Muitas vezes, quando da ruptura da vida conjugal, quando um dos cônjuges não
consegue elaborar adequadamente o luto da separação e o sentimento de rejeição, de
traição, surge o desejo de vingança que desencadeia um processo de destruição, de
desmoralização, de descrédito do ex-parceiro” (p.455).
No caso específico da alienação parental, coube ao psicólogo americano Richard
Gardner o papel de precursor do tema, ainda em 1985. Batizando-a de Síndrome de Alienação
Parental (SAP, ou, na sigla em inglês PAS), ele se referia à situação em que “a mãe ou o pai
de uma criança a treina para romper os laços afetivos com o outro genitor, criando fortes
sentimentos de ansiedade e temor” 4. Ele a classificou como disfunção surgida no contexto das
disputas de guarda e manifestada em forma de campanha para denegrir um dos pais através de
doutrinação programada (“lavagem cerebral”).
Particularmente, no caso do Brasil, a criação da Lei, segundo a psicopedagoga Denise
Maria Perissini da Silva5, deveu-se ao empenho do juiz do Trabalho de São Paulo, Elízio Luiz
Perez (TRT-2ª Região), que fez tramitar a proposta na Câmara por meio do deputado Régis de
Oliveira na forma do Projeto de Lei nº 4.053/2008, tendo sido aprovado por unanimidade. A
estudiosa explica que a alienação parental é uma patologia psíquica “gravíssima, que acomete
o genitor que deseja destruir o vínculo da criança com o outro, e a manipula efetivamente para
4 Disponível em: http://www.alienacaoparental.com.br/. Acesso em 2.10.2015. 5 Artigo “A nova lei da alienação parental”, da psicopedagoga Denise Maria Perissini da Silva,
disponível no www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=9277.
Acesso: 29.9.2015.
atender motivos escusos”6. Ela acrescenta que, quando a própria criança incorpora o discurso
do(a) alienador(a) e passa “a contribuir com as campanhas de vilificação do pai/mãe-alvo,
instaura-se a Síndrome de Alienação Parental”7.
Analicia Martins de Sousa destaca, além das reflexões somadas por diversos estudiosos
do tema, a contribuição do trabalho de diversas entidades, organizadas em várias partes do
mundo, para a difusão do conceito de alienação parental, suas características e consequências
danosas aos pais alienados e às próprias crianças. Ela menciona, entre outros organismos, as
associações de pais e mães separados presentes em inúmeros países, e estudos como o de
Dunne e Hedrick (1994) que apontam a ocorrência da alienação parental não somente em
meio a disputas judiciais, “mas também imediatamente após a separação do casal ou mesmo
vários anos depois” (2010, p. 134). A autora enfatiza (p.138), ainda, que a síndrome da
alienação parental (SAP) “já está sendo considerada uma epidemia de amplitude mundial”:
“Com tantas vítimas da síndrome, na Espanha foi criada em 2007 a Associación
Nacional de Afectados del Sindrome de Alienación Parental (Anasap). Em seu site,
a associação convoca pais e profissionais a unirem esforços contra a síndrome,
alertando-os de que se trata de uma questão de saúde mental, que está alcançando a
categoria de problema de saúde pública”. (2010, p.139).
Carlos Roberto Gonçalves (2014, p. 306) enfatiza que o vocábulo inglês “alienation”
significa “criar antipatia” e “parental” quer dizer “paterna”. Ele lembra, ainda, que a Lei nº
12.318/2010 fortaleceu o direito fundamental à convivência familiar, regulamentado no
capítulo III do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, Lei Federal nº 8.069/1990). Para
o estudioso, a nova lei tem mais “um caráter educativo, no sentido de conscientizar os pais,
uma vez que o Judiciário já vinha tomando providências para proteger” a criança ou o
adolescente “quando detectado um caso da aludida síndrome” (2014, p.308).
Marcos Duarte, outro estudioso do Direito de Família, argumenta que a prática cada vez
mais frequente de alienação parental fere direito fundamental da criança ou adolescente, como
o direito à integridade física, mental e moral e à convivência familiar:
“Atos de alienação provocam uma exposição cada vez maior de crianças e
adolescentes à violência, seja a praticada pela sociedade, seja no ambiente familiar,
trazendo prejuízos ao seu pleno desenvolvimento moral e psíquico e causando-lhes
danos irreversíveis” (2014, p.155).
6 Id Ibid. 7 Id Ibid.
Berenice Dias avalia que, por garantir maior participação dos pais no crescimento e
desenvolvimento da prole, “o novo modelo de corresponsabilidade é um avanço, pois
favorece o desenvolvimento das crianças com menos traumas, propiciando a continuidade da
relação dos filhos com seus dois genitores e retirando da guarda a ideia de posse”8.
Gonçalves (2013, p.294) observa que, antes mesmo da Lei nº 11.698/2008 (alterada em
2014), “já se vinha fazendo referência, na doutrina e na jurisprudência, sobre a inexistência de
restrição legal à atribuição da guarda dos filhos menores a ambos os genitores, depois da
ruptura da vida conjugal, sob a forma de guarda compartilhada”. Ele menciona, ainda, que
“tal sistema é muito utilizado nos Estados Unidos da América do Norte com o nome de joint
custody” (p.295) e que os casos mais comuns são de pais que moram perto um do outro (com
liberdade de a criança ir de uma casa para outra), de alternância periódica de casas e de
permanência com um genitor no período escolar e com o outro nas férias.
Conforme dados do IBGE, citados por Analicia Martins de Sousa (2010, p.32), foram
concedidas pelo Judiciário brasileiro, em 2006, um total de 60.968 guardas às mães e apenas
3.500 aos pais. Ela analisa (p.87) que, diante dos números, “o princípio da isonomia jurídica
parece ceder lugar à representação dominante de que a mulher, por natureza, estaria mais
capacitada a permanecer com a prole”, restringindo aos pais o papel de visitante quinzenal.
Do ponto de vista da base constitucional norteadora da Lei da Guarda Compartilhada,
que deve ser seguida pelos magistrados como representantes do Estado, Marcos Duarte
observa bem o artigo 227 da Carta Magna: “Ao lado da família e da sociedade, nossa ordem
constitucional impõe primordialmente ao Estado o dever de garantir à criança e ao
adolescente o direito fundamental à convivência familiar” (2014, p.155).
Igualmente taxativa é a psicopedagoga Denise Maria Perissini da Silva9, ao analisar a
vantagem da modalidade de guarda priorizada pela nova lei:
“A Guarda Compartilhada se torna o sistema parental por excelência, que melhor
atende às necessidades da criança após a separação dos pais, pelo aspecto
fundamental da estruturação dos vínculos parentais e do convívio saudável e
equilibrado com ambos, não há perdas de referências, não há dificuldades de
relacionamentos, todas as questões importantes são resolvidas com a maturidade
emocional necessária - e essa maturidade dos pais são exemplos para os filhos!”
Vejamos, em seguida, o que tem apontado a jurisprudência acerca dos temas.
8 Artigo Guarda compartilhada, uma novidade bem vinda, de Maria Berenice Dias, disponível no
www.mariaberenice.com.br/uploads/1_-_guarda_compartilhada,_uma_novidade_bem-vinda.pdf Acesso 9.9.2015 9 Artigo “A nova lei da alienação parental”, da psicopedagoga Denise Maria Perissini da Silva,
disponível no http://www.ambito-
juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=9277. Acesso em 29.9.2015.
2.3 Jurisprudência
Pela interligação dos temas, natural é perceber a alienação parental e a guarda
compartilhada presentes numa mesma lide, como a que enfrentou o Tribunal de Justiça do Rio
Grande do Sul (Apelação Cível 70061663670, em abril de 2015)10:
Ementa: APELAÇÕES CÍVEIS. FAMÍLIA. ALTERAÇÃO DO REGIME DE
VISITAÇÃO PATERNA. IMPROCEDÊNCIA. ESTABELECIMENTO DA
GUARDA COMPARTILHADA. PROCEDÊNCIA. MANUTENÇÃO.
RECONHECIMENTO DE ALIENAÇÃO PARENTAL. DESCABIMENTO. (...) 1.
Caso em que os estudos técnicos realizados na instrução foram categóricos no
sentido da inexistência de situação a contraindicar o convívio paterno-filial,
ocorrência que amparou a improcedência do pedido de suspensão das visitas
paternas (objeto da ação), revelando, em contrapartida, a dificuldade de
comunicação e de cooperação entre os genitores, a litigiosidade decorrente da
separação, bem como os negativos reflexos desse conflito no desenvolvimento
emocional do filho menor, responsabilidade que deve ser imputada a ambos os
genitores, não autorizando o pretendido reconhecimento da alienação parental
alegadamente praticada pela genitora (objeto da reconvenção). 2. Considerando que
ambos os genitores são aptos ao exercício da guarda, corretamente estabelecido na
origem o seu compartilhamento (objeto da reconvenção), arranjo que atende ao
disposto no art. 1.584 , § 2º , do CC (nova redação dada pela Lei nº. 13.058 /14) e
que se apresenta mais adequado à superação do litígio e ao atendimento dos
superiores interesses do infante. 3. A ausência de consenso entre os pais não pode...
servir, por si apenas, para obstar o compartilhamento da guarda, que, diante da
alteração legislativa e em atenção aos superiores interesses dos filhos, deve ser tido
como regra. Precedente do STJ. 4. Manutenção da sentença no ponto em que fixou
como base de moradia a residência da genitora e regulamentou o convívio paterno-
filial nos termos propostos pelo genitor, em atenção à necessidade de preservação e
fortalecimento dos vínculos afetivos saudáveis. (...) 7. Declaração de voto do
revisor. APELOS PARCIALMENTE PROVIDOS. (8ª Câmara Cível, Tribunal de
Justiça do RS, Relator: Ricardo Moreira Lins Pastl, Julgado em 09/04/2015). Em julho de 2015, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal negou provimento a agravo
de instrumento (AGI 20150020087408) contra decisão de juiz pró-guarda compartilhada11:
Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. GUARDA COMPARTILHADA.
REGULAMENTAÇÃO DE VISITAS. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. MELHOR
INTERESSE DA CRIANÇA. 1. A guarda compartilhada, após as alterações nos
arts. 1.583 , 1.584 e 1.585 do Código Civil efetivadas pela Lei 13.058 /14, deve ser a
regra e o ideal a ser alcançado. Assim, entendendo o Julgador singular que esta é a
10 Disponível em http://tj-rs.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/182889717/apelacao-civel-ac-70061663670-
rs. Acesso em 4.10.2015 11 Disponível em http://tj-df.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/213620118/agravo-de-instrumento-agi-
20150020087408. Acesso em 25.09.2015
melhor opção no momento, deve-se prestigiar a decisão singular, veredicto
definitivo ficará resguardado para a ocasião do julgamento do mérito, quando, então,
todos os elementos instrutórios já estiverem carreados para os autos. 2. Agravo
conhecido e desprovido.
Mostra-se relativamente farta a jurisprudência com base na Lei nº 13.058, e no princípio
do melhor interesse da criança, como esta novamente do Tribunal gaúcho12:
Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE SEPARAÇÃO, GUARDA E
ALIMENTOS. PEDIDO DE ALTERAÇÃO DA GUARDA UNILATERAL PARA
A GUARDA COMPARTILHADA COM BASE NA LEI 13.058/2014. Na
sociedade em que vivemos pai e mãe podem separar-se um do outro quando
decidirem, mas devem ser inseparáveis dos filhos, sendo dever do Judiciário
assegurar que esta será a realidade. Fixar a guarda compartilhada é regulamentar que
ambos os genitores são responsáveis em todos os sentidos por seus filhos, têm voz
nas decisões e, portanto, participam ativamente das suas formações. Assim, e não
havendo negativa expressada por um dos genitores ou nenhuma outra conduta que
deva ser especialmente avaliada, a guarda é compartilhada. DERAM
PROVIMENTO AO RECURSO. (AGI nº 70064923386, 8ª Câmara Cível, Tribunal
de Justiça do RS, Relator: Alzir Felippe Schmitz, Julgado em 16/07/2015).
Recentemente, o Tribunal de Justiça do Maranhão determinou reelaboração de decisão
de juiz que, sem fundamentação, deixou de conceder a guarda compartilhada13:
Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE GUARDA, ALIMENTOS E
REGULAMENTAÇÃO DE VISITAS. DECISÃO LIMINAR QUE CONCEDEU A
GUARDA DOS FILHOS AO AGRAVADO. TUTELA JURISDICIONAL
DESPROVIDA DE FUNDAMENTAÇÃO PARA A NÃO APLICAÇÃO DA
GUARDA SOB A FORMA COMPARTILHADA. REGRA CONTIDA NO
CÓDIGO CIVIL COM ALTERAÇÃO DADA PELA LEI 13.058/2014. RECURSO
PARCIALMENTE PROVIDO. 1. De acordo com as recentes alterações sobre a
matéria, operadas pela lei 13.058/2014 no Código Civil (art. 1584, § 2º), quando não
houver acordo entre a mãe e o pai, a guarda do filho será concedida sob a forma
compartilhada quando ambos os genitores estiverem aptos ao exercício do poder
familiar, salvo se um destes declarar ao Magistrado que não deseja a guarda do
menor. 2. Conforme se vê da decisão recorrida (...), o Magistrado a quo concedeu
liminarmente a guarda dos menores a um dos pais, no caso ao genitor, sem, contudo,
indicar as razões de seu convencimento para o não deferimento da guarda
compartilhada, uma vez que não há referência nos autos de declaração da genitora
no sentido de que não desejava a guarda dos filhos, ou mesmo de provas que denote
que a guarda, na modalidade concedida, se destina a assegurar de forma efetiva a
proteção e o melhor interesse da criança. 3. A decisão agravada deve ser reformada,
uma vez que se encontra desprovida de qualquer fundamento que denote a
verossimilhança das alegações do agravado para a não concessão da guarda na
forma compartilhada. (...) 5. Agravo conhecido e parcialmente provido, para
12 Disponível em: http://tj-rs.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/210815038/agravo-de-instrumento-ai-
70064923386-rs. Acesso em 2.10.2015 13 Disponível em: http://tj-ma.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/201854144/agravo-de-instrumento-ai-
574132014-ma-0010526-8520148100000. Acesso em 2.10.2015
determinar ao juízo de base que profira nova decisão, desta vez devidamente
motivada. (AGI nº 0574132014, 1ª Câmara Cível, Tribunal de Justiça do MA,
Relatora: Ângela Maria Moraes Salazar, Julgado em 28/05/2015).
Apresentada esta pequena mostra das várias decisões judiciais proferidas em outros
Estados e identificadas neste estudo, segue uma breve radiografia da realidade local e do
quadro nacional pós-advento das leis 13.058/2014 e 12.318/2010 com a análise de atores
sociais diretamente envolvidos com a temática nos Municípios/Comarcas de Jaguaruana e
Fortim, além de especialistas de renome no País..
3. REALIDADE LOCAL SE DISTINGUE DO PLANO NACIONAL
Segundo o Portal Síndrome da Alienação Parental14, 80% dos filhos de pais divorciados
já sofreram algum tipo de alienação parental. A estimativa, conforme dados da Organização
SplitnTwo (www.splitntwo.org), reproduzidos no mesmo Portal, é de que mais de 20 milhões
de crianças sofram este tipo de violência.
De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), reunidos
a partir do Registro Civil de 2013, e publicados na Revista Veja15 (25.12.2014), apenas 7,73%
dos filhos de casais separados vivem sob regime de guarda compartilhada. Na maioria dos
casos (85,07%), a criança ainda fica com a mãe e, em 5,35%, com o pai.
Apesar da propalada divulgação que os temas têm ganho pelo mundo nas últimas três
décadas e dos frequentes relatos informais que se costuma ouvir quanto à prática de atos de
alienação parental, nos municípios de Fortim e Jaguaruana, estas ocorrências não vêm se
traduzindo em ações judiciais.
Segundo o juiz Domingos José da Costa, que há pouco mais de cinco anos é titular e
diretor do Fórum da Comarca de Jaguaruana (que inclui a comarca vinculada do Município de
Itaiçaba), nunca houve protocolo de ação judicial relacionada à alienação parental naquela
unidade. Ele atribui o fato à desinformação dos cidadãos. “A lei (12.318/2010) foi sancionada,
mas não houve campanha forte por parte dos governos para promover a conscientização da
população”, justificou o magistrado, em entrevista aos autores deste estudo.
O juiz da Comarca de Jaguaruana argumenta que, em relação à guarda compartilhada,
seus posicionamentos têm sido de adotar esta modalidade como regra, conforme previsto na
14 Disponível em: http://www.alienacaoparental.com.br/. Acesso em 2.10.2015. 15 Fonte: dados do IBGE contidos na reportagem “Guarda compartilhada – O que muda com a nova lei”,
publicada na Revista Veja, em 25.12.2014, e disponível no site: http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/guarda-
compartilhada-o-que-muda-com-a-nova-lei/ Acesso em 13.9.2015.
Lei nº 13.058/2014, que alterou o Código Civil. Ele enfatiza que “a nova lei é bem clara
quando estabelece que a guarda deve ser compartilhada, ou seja, que a guarda somente para o
pai ou para a mãe (guarda unilateral) deve ser aplicada apenas excepcionalmente”16.
O magistrado é categórico em defender que a guarda compartilhada pode funcionar
como antídoto contra a alienação parental. E justifica: “Com os pais, estando sempre
presentes no desenvolvimento de seus filhos, de forma conjunta e compartilhada, não existirá
razão para a alienação. Os filhos sempre vão saber que seus pais, conjuntamente, terão toda
autoridade sobre eles”17.
O promotor de Justiça da Comarca de Jaguaruana, Marcelo Rodrigues da Cunha, avalia,
porém, que, apesar de a guarda compartilhada representar uma ferramenta de manutenção e
fortalecimento do vínculo do filho com seus pais, ela não impede que, durante o período em
que a criança ou adolescente permaneça com um dos genitores, este insista em embutir idéias
erradas acerca do outro momentaneamente ausente.
Para o promotor, o fato de inexistirem, na Comarca, ações específicas em relação à
alienação parental, se deve ao fato de que a questão costuma ser percebida e tratada,
geralmente, no mesmo processo que discute a guarda e os alimentos dos filhos (ação de
divórcio). “Geralmente não se entra com ação específica para tratar apenas da alienação
parental. Ela vem conjugada com outros interesses envolvendo a criança ou o adolescente e
seus familiares”18, justifica.
Marcelo Rodrigues Cunha considera que a alienação parental “é fruto de desajuste
familiar, de uma enorme falta de educação, de ética e de amparo, que eclode em utilização da
criança como mecanismo de ataque àquele a quem se quer realmente ferir, esquecendo o
alienador que a criança objeto do ataque é quem mais sofre com os mecanismos utilizados”19.
Ele também acredita que, após o surgimento da Lei 12.318/2010, os pais passaram a ter
conhecimento sobre como lidar com a alienação parental e os operadores do Direito passaram
a dispor de medidas devidamente regulamentadas para utilização nestes casos. “Do mesmo
modo como a Lei Maria da Penha não aumentou a violência doméstica contra a mulher, mas
aclarou uma realidade pré-existente, os casos de alienação parental passaram a ser tratados
com conceituação técnica e conseqüências legais”20, compara.
16 Opinião manifestada pelo Juiz Titular da Comarca de Jaguaruana-CE, em entrevista aos autores em
7.10.2015. 17 Id Ibid. 18 Opinião expressa pelo promotor de Justiça da Comarca de Jaguaruana-CE (entrevista aos autores,
6.10.2015). 19 Id Ibid. 20 Id Ibid.
Em relação à guarda compartilhada, o promotor de Justiça observa, contudo, que a nova
Lei, embora bem produzida, não funciona a contento quando o casal com filhos se separa e
não entende que apenas a relação entre os dois acabou, mas que a família gerada necessita de
harmonização eterna em seus vínculos, mesmo que redefinidos. “Se inexistir acertamento dos
valores que devem ser dados aos filhos, que valores estes filhos terão quando sua prole vier?
Antes do Estado ter o dever de cuidar, é dever da família ser a base daquela criança que está
em fase de formação e precisa sentir em seus pais, juntos ou separados, os valores de família,
ética, moral, respeito, idolatria, bem querer etc”21, argumenta.
O defensor público da Comarca de Fortim, Antônio Borja de Almeida Júnior, lamenta
que a ausência de um levantamento estatístico preciso sobre os casos de alienação parental
impeça a avaliação sobre o impacto da nova lei em relação às demandas. Ele ressalta,
contudo, que a legislação facilitou a observação das ocorrências desta natureza. “Quando
constatamos algum caso, seja no âmbito processual ou extrajudicial, tentamos orientar as
partes sobre os danos causados à criança e ao seio familiar e recomendar que, em prol do bem
estar da criança e da família, se evitem tais condutas. Dependendo do grau de alienação
parental, se a orientação jurídica não surte efeito, é preciso um acompanhamento psicológico
e um estudo interdisciplinar do caso”22, afirma.
Assim como o juiz de Jaguaruana, o defensor público de Fortim acredita que a guarda
compartilhada é instrumento muito benéfico para evitar a alienação parental porque “prima
pelo diálogo e pelo bom senso dos pais, que terão de construir uma rotina saudável e um
ambiente no qual a criança se sinta bem com ambos”23.
Já o juiz titular da Comarca de Fortim, Tony Aluisio Viana Nogueira, embora acredite
que a guarda compartilhada seja um antídoto importante contra a alienação parental,
reconhece que nem sempre ela se mostra suficiente e possível. Ele cita o caso de uma genitora
que era agredida pelo ex-companheiro e obteve contra ele medida protetiva. O ex-cônjuge,
segundo o magistrado, foi impedido de ter aproximação a ela por 200 metros e, daí, ficou
certo que ela deixaria a criança na escola e ele a buscaria. Apesar do acerto, a mãe descumpriu
o acordado por medo de sofrer nova agressão. “Foi necessário determinar escoltamento e
alertar à mãe de que, se não cumprisse o acordo, as medidas seriam alteradas em seu prejuízo.
Mas nem sempre a escolta é possível”24, lembra.
21 Id Ibid. 22 Trecho da entrevista do defensor público de Fortim aos autores (7.10.2015). 23 Id Ibid. 24 Trecho da entrevista do juiz de Fortim aos autores (6.10.2015).
Apesar de não dispor de estatísticas precisas, o magistrado considera que tem crescido o
número de casos de alienação parental levados à Justiça e atribui o fato ao maior acesso de
todos à informação. De acordo com Tony Aluisio, a intervenção do juiz, nestes casos, não
deve se dar de forma isolada, mas por meio de equipe multidisciplinar (psicólogos, assistentes
sociais e professores) para se verificar o grau de alienação e se decidir conforme o melhor
interesse da criança ou do adolescente. Em relação à guarda compartilhada, ele diz que tenta
estabelecer esta modalidade, na maioria dos casos de divórcio, visando ao bem estar dos
filhos, mas que, “muitas vezes, isso não se torna possível”.
No plano nacional, a revista IstoÉ (ano 38, edição 2388, de 9.9.2015, pp.42/44)
apresentou, em reportagem intitulada “Guarda Compartilhada: Eles não entenderam nada”,
um balanço segundo o qual muitos juízes e desembargadores “ainda insistem em manter a
cultura antiquada de conceder a guarda apenas a um dos genitores – em cerca de 90% dos
casos, a mãe”. Na referida matéria, a juíza Angela Gimenez, da 1ª Vara da Família de Cuiabá
e presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) do Mato Grosso, revelou
sua preocupação com o modo como a nova lei vem sendo tratada:
“Muitas pessoas não se colocam contra a lei, mas começam a desvirtuar, a criar
subterfúgios para desmerecê-la. (...) A legislação vem para dizer que, apesar de os
pais morarem em casas separadas e a comunicação não ser muito boa, não pode
haver alteração na relação de parentalidade entre eles e as crianças. (...) A guarda
compartilhada fortalece a igualdade parental, que joga por terra alguns mitos, como
a de que a maternidade é mais importante que a paternidade. Isso é preconceito que
diminui e desqualifica a dignidade do homem”25. (p.44)
O estudioso Carlos Nelson Konder, em artigo sobre os desafios da constitucionalização
do Direito Civil, concorda que, embora o direito positivo tenha evoluído (“ainda que não o
suficiente”), o método pelo qual os civilistas lidam com ele ainda é “antiquado”:
“Os alertas quanto às transformações sociais são, portanto, proporcionais à
intensidade com que ainda restam impregnados os métodos tradicionais, sob a falsa
convicção de que basta que o direito positivo evolua, restando a metodologia
atemporal, como uma teoria pura, refratária a alterações históricas (...) não apenas os
enunciados normativos se modificam, mas que igualmente a forma de interpretá-los
e aplicá-los deve se transformar, sob pena de não serem plenamente aproveitados”,
(2009, p. 210).
Basilio de Oliveira (2008, p.58) insiste que a perda do convívio com os filhos não pode
depender exclusivamente da decisão de um dos genitores, razão por que a modalidade de
guarda escolhida, seja qual for, deve considerar o interesse da criança, para quem a
continuidade do convívio com ambos os genitores é fundamental para o saudável
desenvolvimento psicoemocional.
25 SIMAS FILHO, Mário. Reportagem: Guarda compartilhada – Eles não entenderam. IstoÉ.Ano 38,
edição 2388, de 9.9.2015, pp.42/44)
Berenice Dias, em matéria publicada no portal da BabyCenter Brasil26, em 25.12.2014,
defende que a guarda compartilhada “não chega a eliminar o risco de alienação parental, mas
o minimiza, já que a responsabilidade dividida exige a participação de pai e mãe nas decisões
importantes, como escolha da escola, autorização para viagens, entre outras”.
Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2013, p.606) consideram que a Lei
13.058/2014 trouxe mais benefícios do que malefícios na prática. Para eles, a guarda
compartilhada “diminui a existência da danosa exclusividade da guarda unilateral, fazendo
com que melhore a dimensão psíquica do próprio filho, que passará a sofrer menos com o
devastador efeito do fim da relação de afeto que unia os seus genitores”.
Categórica, ainda, é a constatação genérica, mas plenamente aplicável, do renomado
jurista português Boaventura de Sousa Santos (2014, p.146), de que não há reformas que
resolvam os problemas se não houver uma cultura judiciária e organizacional que as sustente:
“Um contexto organizacional resistente à mudança é igualmente um contexto de isolamento e
relutância face a opiniões e críticas externas. No caso dos tribunais, a falta de uma nova
cultura jurídica e organizacional pode levar ao progressivo isolamento social”.
4. CONCLUSÕES
A análise das leis relativas à guarda compartilhada (13.058/2014) e à alienação parental
(12.318/2010), a consulta às apreciações já promovidas por importantes doutrinadores acerca
dos temas e os relatos de experiências apresentados por operadores do Direito convergem no
sentido de que a normatização das duas questões contribui significativamente para esclarecer
melhor a todos os atores envolvidos e, sobretudo, para minimizar os impactos psicológicos e
sociais às famílias em razão dos processos litigiosos de divórcio.
A grande maioria dos estudiosos, além dos juízes, promotores e defensores consultados
concorda que a adoção da guarda compartilhada tende, sim, a servir como antídoto contra a
alienação parental, embora, obviamente, não seja suficiente por si só para evitar integralmente
a persistência de atos alienantes. Do mesmo modo, eles concordam que, tal qual está indicado
na Lei 13.058/2014, a guarda compartilhada deva ser a alternativa prioritária para os filhos de
casais em situação de divórcio, reconhecendo-se a existência de situações impossibilitadoras
excepcionais e que o esclarecimento dos pais e das mães sobre as duas leis, suas motivações e
seus significados é essencial para conscientização e, sobretudo, prevenção da ocorrência de
26 Reportagem disponível no: http://brasil.babycenter.com/a25011903/guarda-compartilhada-entenda-
como-funciona#ixzz3ldKJXxoz Acesso em 13.9.2015
casos de alienação parental, bem como, até mesmo, para possibilitar que, eventuais práticas,
sejam levadas às instituições jurídicas (Defensoria Pública, Ministério Público e Judiciário).
Por fim, a realização do presente estudo reforça a convicção dos autores de que tanto a
Lei da Guarda Compartilhada quanto a Lei da Alienação Parental ainda carecem de maior
divulgação e que, apesar do pouco tempo de vigência, já demonstraram uma evolução no
modo de enfrentamento das questões tanto pelos seus protagonistas (pais e mães) quanto
pelos operadores do Direito porventura chamados à conciliação, mediação, arbitragem ou
julgamento dos casos, visando sempre ao melhor interesse da criança ou do adolescente.
Reconhecemos que, para melhor compreensão das matérias e dos seus impactos, pela
complexidade das relações sociais e das particularidades de cada realidade, observados, ainda,
os traços culturais locais, novos estudos aplicados a outros municípios hão de ser bem vindos.
5. REFERÊNCIAS
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dos Tribunais, 2010.
DUARTE, Marcos. Alienação Parental: restituição internacional de crianças e abuso do
direito de guarda. Teoria e prática - 2ª ed. - Fortaleza: Leis e Letras, 2014.
GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo Curso de Direito Civil, volume 6: Direito de Família – As
Famílias em Perspectiva Constitucional / Pablo Stolze Gagliano, Rodolfo Pamplona Filho, 3.
Ed. Rev. Atual e ampl. São Paulo: Saraiva, 2013.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Direito de Família – Vol.6. 11ª
Ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
KONDER, Carlos Nelson. Desafios da Constitucionalização do Direito Civil. In:
Constituição, Estado e Direito: Reflexões contemporâneas. Orgs. AZAR, Celso Martins,
FONSECA, Maria Guadalupe Piragibe. Rio de Janeiro: Qualitymark, 2009.
MONTORO, André Franco. Introdução à Ciência do Direito. 30ª ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2013.
OLIVEIRA, J. F. Basílio de. Guarda Compartilhada – Comentários à Lei nº 11.696/2008.
Rio de Janeiro: Espaço Jurídico, 2008, p. 58.
OLIVEIRA, Maria Marly de. Como fazer pesquisa qualitativa. 2ª ed. Petropólis, RJ: Vozes,
2008.
SANTOS, Boaventura de Sousa. Para uma revolução democrática da Justiça. Coimbra:
Edições Almedina, 2014.
SOUSA, Analicia Martins de. Síndrome da Alienação Parental: um novo tema nos juízos