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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO”
FACULDADE DE HISTÓRIA, DIREITO E SERVIÇO SOCIAL
JONAS BARRADAS MARANGONI
GOVERNAR É POVOAR:
A influência alberdiana na organização do Estado argentino nos
meados do século XIX
FRANCA
2007
JONAS BARRADAS MARANGONI
GOVERNAR É POVOAR:
A influência alberdiana na organização do Estado argentino nos meados
do século XIX
Dissertação apresentada ao programa de
Pós-graduação em história, da
Universidade Estadual Paulista “Júlio de
Mesquita Filho”, Faculdade de História,
Direito e Serviço Social para a obtenção do
título de Mestre em História.
Orientadora: Profª Drª. Maria Aparecida de
Souza Lopes
FRANCA
2007
JONAS BARRADAS MARANGONI
GOVERNAR É POVOAR: A influência alberdiana na organização do Estado argentino nos meados do
século XIX
Dissertação apresentada ao Programa de Pós Graduação em História da Faculdade de História, Direito e Serviço Social, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, para obtenção do título de Mestre em História.
BANCA EXAMINADORA
Presidente:_________________________________________________________ 1º Examinador:______________________________________________________ 2º Examinador:______________________________________________________
Franca, ______ de _______________ de 2007.
Dedico este trabalho aos
meus avós: Antonio e
Aparecida, José e Eny. Muito
obrigado por tudo...
AGRADECIMENTOS Passamos por momentos em nossas vidas que nos causam surpresa e dor. Nem sempre é fácil reagir e são nestes momentos difíceis que percebemos a importância de quem amamos e admiramos e como a recíproca nos conforta. Agradeço a todos os familiares, a todos os velhos e novos amigos que me ajudaram e não me deixaram desistir deste sonho. Não vou citar nomes, pois são muitos, mas todos sabem quem são e da importância que tiveram na minha vida e neste trabalho. Muito obrigado: Já fiz muitas coisas nesta vida... / Tentei me esconder na tristeza / Por falar nisso, já fui triste... / Hoje? Isto pouco importa / Triste, alegre... Tanto faz / Quero viver! / Para viver é necessário fazer... / Por isso, já fiz tantas coisas nesta vida... / Andei e tropecei, falei e fiquei mudo / Fui ridículo, triste e feliz... / Amei... / Mas tudo que desejo é um instante...
“A vida segue sempre em
frente
O que se há de fazer...
Só peço a você
Um favor, se puder
Não me esqueça
Num canto qualquer...”
Toquinho
RESUMO
Em 1853 foi sancionada a Constitución Nacional de la República Argentina, responsável pelo princípio da organização do Estado argentino. Juan Bautista Alberdi, intelectual e jurista tucumano, influenciou diretamente no conteúdo constitucional ao elaborar uma obra - Bases y Puntos de partida para la organización política de la República Argentina – cujo conteúdo contemplava a organização do Estado nacional. Para Alberdi, a Constituição deveria expressar as necessidades do país, e em sua ótica a Argentina necessitava de população, uma vez que possuía grande extensão territorial e poucos habitantes. Propunha, com isso, leis que incentivavam a chegada de imigrantes, que além de povoar também seriam responsáveis pelo progresso material da Argentina, que ocorreria a partir do momento em que pessoas oriundas de “civilizações superiores” fossem habitar o país e transmitissem para a população local os seus “costumes avançados”. Em outras palavras, Alberdi incentivava a imigração européia para a Argentina. Porém, o jurista afirmava que não haveria imigração e progresso material sem estabilidade e ordem política, pois desde o processo de independência, crises e conflitos políticos atrapalhavam o desenvolvimento e a consolidação da Argentina; por isso, em Bases..., o tucumano também propõem uma organização política voltada para a estabilização do país e que contemple e incentive o imigração e o progresso material. Neste trabalho pretendemos analisar como a proposta de povoamento da Argentina, difundida por Alberdi, foi aplicada na Constituição de 1853 e quais foram às conseqüências imediatas geradas por essa política. Palavras-chave: Juan Bautista Alberdi, Argentina, organização do Estado nacional, Constituição, Imigração.
ABSTRACT
In 1853 it was sanctioned the Constitucion Nacional de la República Argentina, responsible for the outset of the Argentine state organization. Juan Bautista Alberdi, intellectual and Tucumano author, influenced directly the constitutional subject, when he elaborated a literature work – Bases y Puntos de partida para la organización política de la República Argentina – which contents contemplated the organization of the National state. To Alberdi, the Constitution should express the needs of the country, and in his view, Argentina needed to be populated, once it had a vast territory and few inhabitants. Knowing this, he proposed laws to encourage immigrants income, not only to populate, but also to bring material progress to Argentina, what would occur from the moment that people arrived from “superior civilizations” started to inhabit the country and transmitted to the locals their “advanced mores”. In other words, Alberdi encouraged European immigration to Argentina. However, the author said that there would be no immigration and material progress without stability and political order, because since the independence process, crisis and political conflicts were disarranging the development and consolidation of Argentina; for this reason, in Bases y Puntos de partida para la organización política de la República Argentina, the Tucumano also proposes a political organization focused on the country’s stabilization and on the encouragement and contemplation of European income and consequent material progress. On this work we intend to analyze how did this propose of settlement of Argentina, widespread by Alberdi, have application on the Constitution of 1853, as well as the immediate consequences brought by this thought. Keywords: Juan Bautista Alberdi, Argentina, organization of nacional State, Constitution, Immigration.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..................................................................................................... ....10 CAPÍTULO 1 DA REVOLUÇÃO DE MAIO A MONTE CASEROS: o surgimento da Geração de 1837 ..................................................................................................................... ....20 1.1 Geração de 1837 ........................................................................................... ....29
1.2 Nação e nacionalismo argentino................................................................. ....34
1.3 Alberdi: o surgimento do pensador ............................................................ ....41
CAPÍTULO 2 PENSAMENTO POLÍTICO ALBERDIANO: A República possível .................. ....51
2.1 Cultura jurídica alberdiana .......................................................................... ....56
2.2 A Argentina possível .................................................................................... ....59
CAPÍTULO 3 UM DESERTO CHAMADO ARGENTINA............................................................ ....76 3.1 Transformando um deserto em nação........................................................ ....77
3.2 Garantias Públicas de Progresso ............................................................... ....88
3.3 Imigração e Constituição............................................................................. ....93
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. ..100
REFERÊNCIAS.................................................................................................... ..104
ANEXOS
Anexo Constitución de la Confederación Argentina..........................................112
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INTRODUÇÃO
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As repúblicas que se formaram na América Latina, no início do século XIX,
desejavam organizar politicamente os novos Estados nacionais por meio de
Constituições escritas. A Argentina não foi exceção neste processo. Entretanto, os
rio-platenses não conseguiram formular uma Constituição capaz de organizar o
Estado, pois o país encontrava-se em um momento de instabilidade política, gerada
principalmente pela disputa entre dois grupos antagônicos, os federalistas e os
unitaristas.
O resultado desta instabilidade foi a ascensão política de Juan Manuel de
Rosas, que passou a governar a confederação nacional, em 1829, sem a obrigação
de respeitar leis escritas e, por isso, era acusado por seus inimigos de formar um
governo ditatorial. Neste cenário de instabilidade, jovens letrados argentinos
reuniram-se em Buenos Aires e formaram um grupo oposicionista ao governo
rosista. Este grupo foi denominado pela historiografia argentina como Geração de
1837.
Um dos líderes do grupo era Juan Bautista Alberdi, um jovem jurista, que
auxiliado por correntes de pensamentos européias como o liberalismo, o
jusnaturalismo e o romantismo, buscava compreender o momento histórico e
encontrar soluções para os problemas que dificultavam o desenvolvimento da
Argentina.
Rosas foi deposto do governo em 1852, ano em que foi convocada uma
assembléia constituinte. Desde 1837, as idéias de Alberdi eram respeitadas pelos
argentinos e, com a eminência da formulação do Código de Leis, o jurista escreveu
Bases y Puntos de partida para la organización política de la República Argentina,
com o objetivo de auxiliar os deputados constituintes na tarefa de organizar um novo
Estado. O livro foi muito bem aceito pelos argentinos, principalmente pelos
deputados constituintes; o resultado desta receptividade foi a inclusão das principais
idéias difundidas por Alberdi, no conteúdo constitucional.
Este trabalho tem como objetivo central analisar como a obra Bases y Puntos
de partida para la organización política de la República Argentina, de Juan Bautista
Alberdi, influenciou na organização do Estado argentino, nos meados do século XIX,
após ser utilizada como referência nos trabalhos constitucionais. Especificamente
trabalharemos como a proposta alberdiana de “civilizar” o país através do
povoamento com imigrantes europeus foi transformada em política estatal com
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respaldo constitucional, e finalmente apresentaremos quais foram as conseqüências
imediatas geradas por essa política.
Alberdi: um ideólogo argentino
A palavra intelectual é muito abrangente e discutível, por isso pode ser
interpretado das mais variadas formas. O termo é recente e ficou conhecido a partir
da publicação na França do Manifeste des Intelectuels, no diário Aurore de 14 de
janeiro de 1898. Embora desde a antiguidade clássica houvesse uma preocupação
do homem em buscar a racionalização da sabedoria e do pensamento, o termo
intelectual, como já foi afirmado, só foi utilizado pela primeira vez no final do século
XIX na França e é considerado, por muitos, uma derivação do termo russo
intelligentsia que se propagou durante o século XIX pela Europa. Sobre o termo
Raymond Aron escreve:
A palavra intelligentsia foi aparentemente empregada pela primeira vez na Rússia, no século XIX: aqueles que tinham cursado uma universidade e recebido uma cultura cuja parte essencial era de origem ocidental constituíam um grupo pouco numeroso, exterior aos quadros tradicionais. Eram recrutados entre os cadetes das famílias aristocráticas, os filhos da pequena burguesia, ou até mesmo de camponeses ricos; afastados da antiga sociedade, sentiam-se unidos pelos conhecimentos adquiridos e pela atitude que adotavam para com a ordem estabelecida. O espírito científico e as idéias liberais também contribuíram a inclinar para a revolução a intelligentsia, que se sentia isolada, hostil à herança nacional e como que impelida à violência. 1
O termo pode ter variado conforme o período, porém sempre teve como foco
compreender, organizar e racionalizar a sociedade e para alcançar estes objetivos,
os intelectuais passam a “agitar idéias, levantar problemas, elaborar programas ou
apenas teorias gerais”. 2
Com isso, chegamos a uma definição do conceito: são intelectuais todos
aqueles que produzem ou transmitem idéias ou visões do mundo mediante o uso da
1 ARON, Raymond. O ópio dos intelectuais. Tradução de Yvonne Jean. Brasília (D. F.): Editora UNB, 1980, p. 182. 2 BOBBIO, Norberto. Os intelectuais e o poder. Dúvidas e opções dos homens de cultura na sociedade contemporânea. Tradução de Marco Aurélio Nogueira. São Paulo: Editora da UNESP, 1997, p. 82.
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palavra, ou seja, são os detentores do poder ideológico. Como podemos ver na
definição de Norberto Bobbio:
São considerados os sujeitos a quem se atribui de fato ou de direito a tarefa específica de elaborar e transmitir conhecimentos, teorias, doutrinas, ideologias, concepções de mundo ou simples opiniões, que acabam por constituir as idéias ou os sistemas de idéias de uma determinada época e de uma determinada sociedade. 3
Bobbio vai além ao definir que a tarefa do intelectual na política é
importantíssima e por isso os intelectuais que se aproximam da política merecem e
necessitam de uma definição própria conforme a “tarefa que desempenham como
criadores ou transmissores de idéias ou conhecimentos politicamente relevantes, e a
diversa função que eles são chamados a desempenhar no contexto político”. 4
Seguindo este caminho, Bobbio define dois tipos diferentes de intelectuais
voltados para a política: o ideólogo e o experto. O ideólogo é responsável por
princípios-guia ou pela criação e definição de idéias e valores a serem atingidos;
enquanto o experto fornece os conhecimentos-meio ou os conhecimentos técnicos.
A distinção weberiana entre ações racionais, segundo os valores, e ações racionais,
segundo os fins, auxilia Bobbio na diferenciação entre ambos. 5
Alberdi era jurista, letrado, músico e literato. Escrevia obras que
contemplavam desde teorias jurídicas, passando por peças teatrais até tratados
voltados para críticas sociais e políticas. Este trabalho considera Alberdi, então,
como um criador de princípios-guia; pois seguindo um pensamento racional, ele
definiu os objetivos a serem almejados pela Argentina para que o país alcançasse
certo nível de desenvolvimento. Esta relação de Alberdi como criador de princípios-
guia é salientada por Hugo Quiroga:
3 BOBBIO, Norberto. Os intelectuais e o poder. Dúvidas e opções dos homens de cultura na sociedade contemporânea. Tradução de Marco Aurélio Nogueira. São Paulo: Editora da UNESP, 1997, p. 110. 4 BOBBIO, Norberto. Os intelectuais e o poder. Dúvidas e opções dos homens de cultura na sociedade contemporânea. Tradução de Marco Aurélio Nogueira. São Paulo: Editora da UNESP, 1997, p. 72. 5 Weber assim distinguiu as ações racionais, segundo valores e fins: “Age de maneira puramente racional referente a valores quem, sem considerar as conseqüências previsíveis, age a serviço de sua convicção sobre o que parecem ordenar-lhe o dever, a dignidade, a beleza, as diretivas religiosas, a piedade ou a importância de uma “causa” de qualquer natureza. [...] Age de maneira racional referente a fins quem orienta sua ação pelos fins, meios e conseqüências secundárias, ponderando racionalmente tanto os meios em relação às conseqüências secundárias, assim como os diferentes fins possíveis entre si; isto é; quem não age nem de modo afetivo (e particularmente não-emocional) nem de modo tradicional”. WEBER, Max. Economia e Sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Tradução de Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa. Brasília (D. F.): Editora Universidade de Brasília, 1999, p. 15-16.
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Alberdi, Mitre e Sarmiento aparecem como típicos intelectuais filósofos que exerceram uma grande influência no desenho da sociedade, são os formadores da cidadania argentina, fato pelo qual as suas figuras revelam a relação entre compromisso político e atividade intelectual. 6
Porém, é necessário salientar que diferentemente de Bartolomé Mitre e
Domingo Faustino Sarmiento – que se tornaram presidentes da República Argentina
- Alberdi nunca teve ambições políticas, ao contrário, sempre se manteve distante,
inclusive recusando cargos políticos. Com esta recusa o jurista tentava justificar uma
utópica imparcialidade de sua teoria, ao mesmo tempo em que ganhava uma
suposta legitimidade para criticar os seus oposicionistas intelectuais, que agiam de
forma oposta.
Alberdi é um intelectual e este trabalho visa analisar o seu pensamento,
exposto em Bases, que influenciou diretamente nos trabalhos constituintes; logo,
esta pesquisa está voltada para a história intelectual, identificada, por muitos, como
história das idéias, quando vista de forma abrangente. 7 Porém, parte da
historiografia prefere distinguir as duas denominações, como escreveu Francisco
Falcon reafirmando as idéias sobre o assunto de Leonard Kriegger:
A história das idéias remete a textos nos quais os conceitos articulados constituem os agentes históricos primários, vindo a seguir as pessoas dos portadores desses conceitos, enquanto as chamadas relações externas são entendidas como simples condições de existência das idéias propriamente ditas; trata-se, segundo o mesmo autor, de uma história que até pouco tempo atrás não constituía um campo histórico e sim um objeto de estudo de alguns departamentos de filosofia. A história intelectual remete a textos bem mais abrangentes, uma vez que ela inclui as crenças não-articuladas, opiniões amorfas, suposições não-ditas, além, é claro, das idéias formalizadas. Além do mais, a história intelectual preocupa-se com a articulação desses temas às suas condições externas – “com a vida do povo que é o seu portador”. Uma conseqüência interessante é assim a tendência da história intelectual de romper os limites disciplinares estabelecidos, já que visa inserir o estudo das idéias e atitudes no conjunto das práticas sociais. 8
Na opinião de Marcos Antônio Lopes, a história intelectual valoriza duas
versões: “a discursiva (a obra em si, desincorporada de contextos) e a contextual (as
6 QUIROGA, Hugo. Intelectuais e política na Argentina: notas sobre uma relação problemática. In: MANSILLA, D. C. F. Os intelectuais e a política na América Latina. Rio de Janeiro: Fundação Konrad Adenauer, 2004, p. 105. 7 LOPES, Marcos Antônio. Apresentação. In: ______ (org.). Grandes nomes da história intelectual. São Paulo: Contexto, 2003, p. 9. 8 FALCON, Francisco. História das Idéias. In: CARDOSO Ciro Flamarion; VAINFAS, Ronaldo (Org.) Domínios da História. Ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997, p. 93-94.
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configurações, os campos, as genealogias, as práticas etc)”. 9 Este trabalho está
voltado para a segunda, pois, como escreveu Maria Izabel de Morais Oliveira, “o
conteúdo histórico do texto só é encontrado quando se relaciona o texto ao
contexto”. 10 Esta idéia também é compartilhada por Ciro Flamarion Cardoso e
Ronaldo Vainfas, em Domínios da história. 11
Ao se preocupar com o contexto, a história intelectual passa a dialogar com
as histórias política, social e cultural. 12 Esta interação com outras formas de história
é essencial para o êxito desta pesquisa, principalmente com a política, já que o
trabalho gravita sobre a relação do pensamento alberdiano com a organização do
Estado argentino. Assim, será necessário entender e analisar conceitos como
Estado e nação, por exemplo, no contexto em que foram utilizados. Entendê-los de
acordo com o momento histórico em que está inserido este trabalho. José Carlos
Chiaramonte, por exemplo, analisa a política argentina partindo da conceitualização
dos termos políticos em relação com os fatos históricos observados, assim como
pretendemos fazer nesta dissertação.
Alberdi e a historiografia
São raros os livros dedicados à análise da Argentina no século XIX que
ignoram os pensamentos de Juan Bautista Alberdi sobre a sociedade, economia ou
política do país. A historiografia argentina reconhece a relevância do pensamento
alberdiano para o entendimento da história rio-platense no século de sua
independência, principalmente a sua notável influência na organização do Estado
nacional.
Como há um consenso sobre a relevância do pensamento alberdiano para a
história argentina, o foco de discussão entre os historiadores passam para outros
âmbitos e torna-se abrangente. Túlio Halperin Donghi, por exemplo, considera o 9 LOPES, Marcos Antônio. Apresentação. In: ______ (Org.). Grandes nomes da história intelectual. São Paulo: Contexto, 2003, p. 16. 10 OLIVEIRA, Maria Izabel de Morais. História intelectual e teoria política: confluências. In: LOPES, Marcos Antônio (org.). Grandes nomes da história intelectual. São Paulo: Contexto, 2003, p. 61. 11 CARDOSO, Ciro Flamarion & VAINFAS, Ronaldo. História e análise de textos. In: _______ (Org.) Domínios da história. Ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997, p. 378. 12 SIRINELLI, Jean-François. Os Intelectuais. In: RÉMOND, René. Por uma história política. Tradução de Dora Rocha. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2003, p. 232.
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pensamento difundido pelo tucumano, conservador e denomina o seu modelo de
Estado, “autoritário-progressista”. Em 1997, José Carlos Chiaramonte publicou
Ciudades, Províncias, Estados: origines de la nación argentina (1800-1846). Neste
livro, o objetivo principal do autor é analisar a evolução na Argentina de vários
poderes locais para um poder nacional, ou seja, como a Argentina tornou-se uma
nação. Este autor argumenta que as idéias de Alberdi foram fundamentais em dois
aspectos. Por um lado, ajudou no entendimento de que era necessário separar os
conceitos nação e Estado e por outro foi um dos responsáveis por difundir um
sentimento nacionalista no país. 13
Em Las palabras ausentes: para leer los Escritos póstumos de Alberdi, talvez
uma das mais completas obras sobre Alberdi, Oscar Terán analisa o pensamento
alberdiano tendo como base textos de Alberdi, datados entre 1837 e 1884,
compilados em dezesseis volumes e publicados após a sua morte. Como os Escritos
Póstumos estão compostos por textos que abarcam toda a carreira intelectual de
Alberdi, a obra de Terán é muito complexa e densa e procura analisar as principais
reflexões que o intelectual realizou durante o século XIX. No livro estão presentes
discussão promovida por Alberdi sobre a organização do Estado nacional argentino,
assim como a sua proposta de executar no país um processo civilizador e a sua
relação com teorias e correntes de pensamentos europeus, como o iluminismo, o
romantismo e principalmente o liberalismo.14
Assim como Terán, outros autores trabalham com a influência de pensadores
e pensamentos europeus nas teorias alberdianas. Este é o caso de Alejandro
Herrero, que publicou, em 2004, La política em tiempo de Guerra: la cultura política
francesa en el pensamiento de Alberdi (1837-1852), obra voltada para a análise da
influência francesa no pensamento Alberdiano. 15
Por sua vez, Olsen A. Ghirardi escreveu em 1997 El Derecho Natural en
Alberdi, obra na qual analisa a relação de Alberdi com o Direito Natural. Segundo
Ghirardi, Théodore Jouffroy, um dos principais pensadores desta corrente jurídica,
influenciou a teoria Alberdiana constitucional. El Derecho Natural en Alberdi está
focado na primeira obra do intelectual, publicada em 1837: Fragmento preliminar al 13 CHIARAMONTE, José Carlos. Ciudades, provincias, estados: Orígenes de la nación argentina (1800-1846). Buenos Aires: Ariel, 1997. 14 TERÁN, Oscar. Las palabras ausentes: para leer los escritos póstumos de Alberdi. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2004. 15 HERRERO, Alejandro. La política en tiempo de guerra. La cultura política francesa en el pensamiento de Alberdi (1837-1852). Lanús: Edunia, 2004.
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estudio del Derecho. Este livro é considerado o embrião da clássica obra Bases y
Puntos de partida para la organización política de la República Argentina. 16
Durante a segunda metade do século XIX, a Argentina foi agitada pelo duelo
intelectual entre Juan Bautista Alberdi e Faustino Sarmiento, os dois mais
importantes pensadores rio-platenses naquele momento, divergiam sobre como
deveria ser planejado o futuro do país. Sarmiento era defensor da hegemonia
bonaerense e acreditava que o progresso de um país era resultado de uma política
educacional, voltada para a criação de novos institutos educacionais. Já Alberdi era
contra a hegemonia de Buenos Aires e acreditava que o processo civilizador
argentino deveria ser resultado do aprendizado prático com os europeus, ou seja, os
argentinos deveriam privilegiar o contato com os hábitos e costumes europeus em
vez de focarem-se nos estudos acadêmicos. 17
Sobre este debate, Natálio Botana escreveu em 1984 o livro La tradición
republicana, Alberdi, Sarmiento y las ideas políticas de su tiempo. Nesta obra,
Botana faz uma análise comparativa sobre a visão republicana dos dois intelectuais;
para tanto, aprofunda-se no pensamento difundido por ambos durante o século
XIX.18
Donghi também analisa a polêmica entre Sarmiento e Alberdi. Para o
historiador, o embate não ajudou no desenvolvimento do país, pois foi uma briga de
egos que desviam os intelectuais de seus objetivos. 19
Poderia citar aqui outros autores que trabalharam com o pensamento
alberdiano, como, por exemplo, Gonzalo Serrano del Pozo, Carlos Pedro Blaquier e
Laura San Martino de Dromi, entre outros. Porém, o objetivo desta breve análise
sobre a relação de Alberdi com a historiografia é para evidenciar que os trabalhos
sobre o jurista são complexos e abrangentes e não tem como definir nitidamente
correntes historiográficas sobre o assunto.
16 GHIRARDI, Olsen A. El derecho natural en Alberdi. Copista: Córdoba, 1997. 17 BOTANA, Natalio R. La tradición republicana. Alberdi, Sarmiento y las ideas políticas de su tiempo. Buenos Aires: Debolsillo, 2005. 18 BOTANA, Natalio R. La tradición republicana. Alberdi, Sarmiento y las ideas políticas de su tiempo. Buenos Aires: Debolsillo, 2005. 19 DONGHI, Tulio Halperin. Una Nación para el desierto argentino. Buenos Aires: América Latina, 1982, p. 55.
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Fontes e capítulos
A principal fonte utilizada neste trabalho é a obra Bases y Puntos de partida
para la organización política de la República Argentina, publicada em 1852 e que
influenciou no conteúdo da Constitución de la Republica Argentina de 1853, outra
importante fonte que é utilizada. A análise de Bases foi essencial para a
compreensão do projeto alberdiano de Argentina; já a Constituição foi analisada
para o entendimento de como as idéias alberdianas foram aplicadas na política
nacional. Outra importante fonte utilizada neste trabalho é o Fragmento al estúdio
del Derecho, primeira obra de Alberdi, publicada em 1837 e que pode ser
considerada o embrião de Bases. Além dessas fontes, foram utilizados outros
escritos de Alberdi: Reacción contra el españolismo e La omnipotencia del Estado es
la negación de la libertad individual. Além de alguns documentos políticos: Acuerdo
de San Nicolás de los Arroyos, de 1852 e, Pacto Federal, de 1831.
Esta Dissertação foi estruturada em três capítulos, mais introdução e
considerações finais. Através desta estruturação, foi possível cumprir os objetivos
propostos durante a pesquisa. A seguir será apresentado brevemente o conteúdo
dos capítulos deste trabalho.
O primeiro apresenta um relato histórico sobre os governos de Juan Manuel
de Rosas e Justo José de Urquiza, entre 1827 e 1853. Na contextualização,
privilegiar-se-á a análise do surgimento de Alberdi no cenário nacional, durante a
inauguração do Salão Literário de Marcos Sastre em Buenos Aires no ano de 1837.
Também será apresentada a vida e a produção intelectual do jurista, destacando-se
a importância da obra Bases y Puntos de partida para la organización política de la
República Argentina na organização do Estado nacional e na Constituição de 1853.
O segundo capítulo, a partir da análise de Bases, apresenta a proposta
política de Alberdi para estruturar o Estado nacional de forma a garantir o progresso
material e social argentino. Pois, na ótica alberdiana, a política tinha como objetivo
promover e garantir este progresso.
O último capítulo trabalha com dois conceitos centrais presentes nas obras de
Alberdi: o progresso material e o povoamento do país; dando ênfase para a sua
proposta de civilizar a Argentina através do incentivo a imigração européia. Também
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será analisado como estas idéias foram contempladas, em 1853, no conteúdo
constitucional.
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CAPÍTULO 1
DA REVOLUÇÃO DE MAIO A MONTE CASEROS: O SURGIMENTO DA
GERAÇÃO DE 1837
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O primeiro capítulo tem como objetivo mostrar o contexto histórico da
Argentina no período em que surgiu no cenário intelectual do país, Juan Bautista
Alberdi. Depois da contextualização mapearemos a vida, as principais obras e as
influências incorporadas no pensamento do jurista tucumano. Por fim, analisaremos
a Geração de 1837, grupo de intelectuais argentinos, cujo um dos líderes foi Alberdi.
Começaremos o capítulo com a contextualização.
Em maio de 1810 a elite criolla 20 de Buenos Aires articulou-se para derrubar
o vice-rei Baltasar Hidalgo de Cisneros e assumir o controle político do vice-reino do
Rio da Prata. A partir desta articulação, os bonaerenses iniciaram a Revolução de
Maio. No dia 25 do mesmo mês, a revolução foi consumada: Cisneros foi deposto e
em seu lugar assumiu o governo uma junta presidida pelo criollo Cornélio de
Saavedra.
A Revolução de Maio marca, portanto, a troca do poder político: os espanhóis,
chefiados pelo vice-rei, foram substituídos pelos criollos, representados pela junta de
governo presidida por Saavedra. O fim do governo espanhol e o início do governo
criollo significam, em última instância, o início do processo de independência do
vice-reino do Rio da Prata.
Desde que assumiu o poder, a preocupação da elite dirigente criolla era
constituir uma nova organização política, voltada para os interesses locais. José Luis
Romero afirma que o sistema proposto pelos revolucionários renovaria a fisionomia
social e econômica local e resultaria na formação de um novo país. Em outras
palavras, os rio-platenses pretendiam estruturar um Estado independente. 21
Os dirigentes políticos locais acreditavam que o Estado nacional
independente deveria ser formado e estruturado através da formulação de uma
Constituição escrita. O maior exemplo desta crença foi Mariano Moreno, o grande
líder intelectual da Revolução de Maio, que, provavelmente influenciado por
Rousseau, afirmava ser necessário criar uma soberania indivisível e alienável. A
soberania seria conseqüência do pacto social firmado com a formulação e aplicação
da Constituição. 22
20 Os criollos eram descendentes de espanhóis nascidos nas colônias americanas. Por serem “espanhóis americanos” os criollos eram marginalizados pela coroa, que privilegiava, com cargos administrativos na colônia, os espanhóis peninsulares. 21 ROMERO, José Luis. Las ideas políticas en Argentina. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2002, p. 65-68. 22 CHIARAMONTE, José Carlos. Ciudades, províncias, estados: Orígenes de la nación argentina (1800-1846). Argentina: Ariel, 1997, p. 129-130.
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Seguindo este raciocínio, os dirigentes políticos rio-platenses, desde que
chegaram ao poder, tinham como meta formular um Código de Leis escrito. A
primeira tentativa ocorreu em 1812, porém a Assembléia Constituinte convocada foi
dissolvida pelos governantes antes mesmo que os membros iniciassem os
trabalhos. Em 1813 houve outra tentativa, mas novamente o objetivo não foi
atingido.
Como formular uma Constituição era praticamente consenso entre os rio-
platenses, ao fracassarem nas primeiras tentativas, os criollos perceberam que
havia algo incompatível entre a população e a administração política. A dificuldade
em formular a Constituição era, entre outros motivos, conseqüência de um conflito,
que surgiu na política rio-platense pós-revolução, entre as cidades que pertenciam
ao ex-vice-reino.
Os dirigentes políticos de Buenos Aires defendiam a centralização política da
nação rio-platense sob o seu domínio. Justificavam-se afirmando que era natural
que a capital do antigo vice-reino também fosse a capital do país independente, pois
já possuía toda a infra-estrutura necessária. Utilizando estes argumentos, os
dirigentes de Buenos Aires desejavam manter os privilégios políticos e econômicos
que detinham desde o período colonial.
Córdoba, por sua vez, não aceitava a hegemonia bonaerense. A segunda
cidade mais populosa do vice-reino afirmava que a centralização política deveria ser
firmada sob o seu domínio, porém, como não possuía tanta influência sobre a
política rio-platense como Buenos Aires, alinhava-se na disputa ao lado das demais
cidades, que desejavam autonomia política e criticavam qualquer tentativa de
centralização. Assim, para Córdoba, mais importante que ter a hegemonia era evitar
que Buenos Aires a tivesse.
A disputa entre as cidades transformou-se em disputa pela organização do
Estado nacional. De um lado, configurou-se um grupo defensor do centralismo
político, denominado como unitarista, e de outro, ficaram os defensores da
autonomia política local, que foram denominados como federalistas. Segundo José
Carlos Chiaramonte, o termo federalismo não possuía para os americanos o
conceito tradicional de federalismo, e sim o de confederalismo, pois, os criollos não
defendiam a união provincial regida por um poder central superior aos poderes
provinciais, e sim uma junção de províncias, na qual todas manteriam poderes locais
autônomos e totais. No caso argentino, primeiramente o confederalismo estava
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restrito ao âmbito das cidades/cabildos. Com o tempo, o domínio destas cidades
sobre outras menores e vilas foi progredindo até se configurarem as províncias. Das
quatorzes províncias que formaram o Estado argentino, 23 apenas uma, a de Entre
Ríos, não surgiu da evolução das cidades/cabildos. 24
Os unitaristas defendiam uma soberania única e indivisível no Rio da Prata
centrada na cidade de Buenos Aires, que deveria conduzir de forma hegemônica o
país, uma vez que, só assim, a independência e o desenvolvimento da nova nação
seriam consolidados. A escolha de Buenos Aires como capital de uma Argentina
unitarista era, para os defensores da causa, que não por acaso eram moradores da
cidade, lógica e inevitável, pois além de ter, a já citada estrutura burocrática, a ex-
capital do vice-reino também dominava a economia rio-platense, controlando as
taxas aduaneiras por meio do Rio da Prata.
Já os federalistas defendiam a pluralidade soberana; ou seja, cada cidade
deveria ter a sua própria soberania. Por isso, o grupo surgiu da oposição à
centralização política e administrativa portenha. 25 Os líderes da causa federativa
pertenciam à oligarquia rural, que comandava as cidades mais importantes do ex-
vice-reino e defendiam os interesses dessas perante Buenos Aires.
23 A maior parte do território do vice-reino do Rio da Prata corresponde, hoje, ao território argentino, inclusive a capital do vice-reino, Buenos Aires, transformando-se em capital do atual país. Por isso, a historiografia argentina credita ao país a continuidade do vice-reino. Entretanto, não podemos nos esquecer que houve várias modificações quanto ao nome do novo país, antes de ser efetivado como Argentina. A independência foi declarada em nome das Províncias Unidas en sud América e em 1819 foi modificado para Províncias Unidas del Rio de la Plata, o país só passou a ser denominado com o nome atual, República Argentina, em 1826. Mas, desde o período colonial, o termo Argentina faz parte do vocabulário local, pois era utilizado para denominar as pessoas que viviam em Buenos Aires, sendo sinônimo de platense e bonaerense. Ver: CHIARAMONTE, José Carlos. El federalismo argentino en la primera mitad del siglo XIX. In: CARMAGNANI, Marcello (Coord.), Federalismos latinos americanos: México/ Brasil/ Argentina. México: D. F.: Fondo de Cultura Económica, 1996. p, 81-127. E, DROMI, Laura San Martino. Intendencias y provincias en la historia argentina. Buenos Aires: Ciudad Argentina, 1999. 24 Cidade/cabildo é o termo utilizado por Juan González Calderón para definir as células políticas do período revolucionário. Ao não desvincular um termo do outro, o autor deseja demonstrar a dependência que havia entre as cidades e os cabildos no cenário rio-platense. As cidades mais importantes do vice-reino influenciavam a zona rural que as rodeavam e todas as pequenas cidades e vilas próximas. Esta área em sua totalidade ficou denominada pelos rio-platenses como província. Entretanto, as províncias só se consolidaram na região na década de 1820, já que na década anterior o predomínio foi exercido exclusivamente pelas cidades. CALDERÓN, Juan A. González. Historia de la Organización Constitucional. Buenos Aires. J. Lajouane & cia, 1930. CHIARAMONTE, José Carlos. La formación de los Estados nacionales en Iberoamérica. In: Boletín del Instituto de Historia Argentina y Americana “Dr. Emilio Ravignani”. Buenos Aires, Tercera serie, n. 15, p, 143-165, 1997. 25 CARMAGNANI, Marcello. El federalismo, historia de una forma de gobierno. In: CARMAGNANI, M. (Coord) Federalismos latinos americanos: México/ Brasil/ Argentina. México, D. F.: Fondo de Cultura Económica, 1996, p, 397- 416.
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Mesmo com este conflito ideológico, os políticos rio-platenses elaboraram
uma Constituição, que vigorou por alguns meses a partir de 1819, mas logo foi
extinta, pois o seu conteúdo era voltado para a organização de um Estado unitarista
e os federalistas não a aceitaram. Em 1826 houve outra tentativa, mas novamente a
Constituição formulada era unitarista e mais uma vez os federalistas não aceitaram,
motivo pelo qual vigorou por poucos meses. A diferença, em relação a 1819, era
que, neste período, os unitaristas estavam quase que restritos à cidade de Buenos
Aires, pois já havia um forte grupo federalista dentro da província.
Assim, com a crise de 1826, o grupo federal se fortaleceu e o grupo unitarista,
que já não era tão numeroso, se dividiu, pois muitos não concordaram com o
fusilamento do federalista Manuel Dorrego, que assumiu o poder da província de
Buenos Aires, após a queda de Rivadavia e conseqüentemente após a dissolução
do poder nacional. O general Levalle, carrasco de Dorrego, assumiu a província e os
federalistas, liderados por Juan Manuel de Rosas, declararam guerra ao novo
governante.
Para tentar apaziguar o conflito, foi firmado em junho de 1829, o pacto de
Cañuelas, cujo objetivo era o restabelecimento da legalidade política através da
indicação de uma lista única com o nome dos representantes dos dois grupos que
deveriam ocupar o poder legislativo. Porém, os grupos não chegaram a um acordo
quanto aos nomes que deveriam preencher a lista e, por isso, as eleições foram
suspensas.
Em agosto do mesmo ano, outro pacto foi assinado entre federalistas e
unitaristas em Barracas e definia um governo provisório que deveria convocar novas
eleições. Porém, só no último mês do ano, Rosas conseguiu o apoio da maioria e
assumiu o poder da província.
Rosas pertencia a uma família tradicional desde o período Borbônico e
possuía grandes propriedades rurais. Clemente López de Osórnio, avô materno de
Rosas, era um dos maiores fazendeiros de Buenos Aires. Rosas, desde a sua
juventude, administrava as fazendas da família, enquanto aumentava o prestígio
junto a sociedade bonaerense:
Rosas forjaría su personalidad y su fortuna en aquella sociedad dinámica, socialmente móvil y de relaciones fluidas, que era la campaña bonaerense y la industria ganadera de entonces. Integrante representativo de un sector económico en ascenso, el futuro
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Restaurador de las Leyes armaría una red de vínculos sociales extensa como parte de su actividad empresarial, a la vez que se compenetraba de los usos y de las costumbres de la campaña. 26
Antes de 1826-1827, Rosas pouco tinha feito na política portenha. Chegou
inclusive a negar cargos políticos no início da década de 1820. Só obteve grande
projeção política na província após a criação de um grupo militar sob o seu
comando: os Colorados del Monte. Seu prestígio junto aos moradores da província
de Buenos Aires foi crescendo e durante a guerra civil, apoiado por um forte aparato
militar, Rosas conseguiu chegar ao poder da província em 1829.
A população bonaerense legitimava Rosas, apoiando maciçamente o seu
governo. Legalmente, o governador se apoiava nos poderes extraordinários que lhe
foi concedido pelos deputados de Buenos Aires de forma emergencial, até que
houvesse estabilidade. Contudo, em nome da estabilidade política, Rosas utilizava-
se do autoritarismo e da violência, embora o seu discurso fosse a defesa de um
governo legal e republicano. Outro ponto criticado por seus inimigos era a ausência
de uma Constituição escrita, já o governador defendia-se afirmando que qualquer
tentativa neste sentido ajudaria no conflito entre federalistas e unitaristas, pois
acirraria a disputa entre os dois grupos. Sobre o assunto Meyers escreveu:
Como es sabido, la principal innovación doctrinaria efectuada por Rosas respecto del ideario federal fue su posición absolutamente contraria a la adopción de una Constitución escrita, tanto para la provincia de Buenos Aires como para la Confederación. Rosas argumentaría una y otra vez en sus cartas a otros gobernadores, en sus discursos y arengas, en forma indirecta en la prensa, que cualquier intento por adoptar una Constitución reavivaría la lucha de facciones, sin que el resultado mereciera el desorden que ineluctablemente sobrevendría. 27
O governante justificava a ausência de uma Constituição afirmando que antes
de estruturar o Estado nacional era necessário fortalecer e estruturar as províncias,
pois, caso isto não ocorresse, a Argentina entraria novamente em guerra civil. Rosas
utilizou este argumento enquanto esteve no poder; a tal ponto que entre os anos de
26 MYERS, Jorge. El “nuevo hombre americano”: Juan Manuel de Rosas y su régimen. In: LAFFORGUE, Jorge (Ed.). Historias de Caudillos Argentinos. Buenos Aires: Alfaguara, 1999. p, 287. 27 MYERS, Jorge. El “nuevo hombre americano”: Juan Manuel de Rosas y su régimen. In: LAFFORGUE, Jorge (Ed.). Historias de Caudillos Argentinos. Buenos Aires: Alfaguara, 1999. p, 308.
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1829 e 1852, o governador de Buenos Aires conduziu a confederação Argentina
sem seguir leis escritas. 28
Para governar desta forma, além do apoio dos demais governadores, Rosas
também contava com o apoio popular. O governador de Buenos Aires desfrutava de
um forte carisma junto à população, que admirava a sua capacidade como
governante, uma vez que ele conseguiu estabilizar a tão conturbada política
argentina.
A admiração da população por Rosas era tão evidente que durante o seu
governo propagou-se por toda Argentina versos que eram cantarolados nas ruas e
enalteciam o governante. Um dos mais populares dizia: “él, con su talento y ciencia,
tiene la Patria segura, y es por esto que ayuda la Divina Providencia”. 29
Mesmo com um forte apoio popular, Rosas não era unanimidade entre os
argentinos. Em seu governo, quem não estava com ele era seu inimigo. E os seus
“inimigos” não aceitavam a sua forma arbitrária e autoritária de governar; estes
defendiam a formulação de uma Constituição capaz de delimitar as ações do
governante. 30
Rosas era aliado dos federalistas e defendia a autonomia provincial. Com um
federalista governando Buenos Aires as demais províncias acalmaram-se e cessou
a guerra civil, pois acreditava-se que com ele todas as demais províncias teriam as
suas autonomias respeitadas.
A partir de 1829, cada província passou a se organizar internamente e com a
consolidação desta estruturação interna, começaram a surgir tratados
interprovinciais que confirmavam a autonomia provincial; entretanto, estes tratados
realçavam que as províncias pertenciam a uma união indissolúvel, vinculada
estreitamente pela história, geografia, idioma e uma relação política e econômica.
Em outras palavras, a partir de 1829 a Argentina tornou-se uma confederação. 31
28 Rosas ficou afastado do governo de Buenos Aires e da liderança na confederação entre os anos de 1832 e 1834; neste período, aliados de Rosas governaram. 29 ROMERO, José Luis. Las ideas políticas en Argentina. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2002, p. 128. 30 ROMERO, José Luis. Las ideas políticas en Argentina. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2002, p 131. 31 Aqui voltamos à questão apresentada por Chiaramonte sobre os termos federação e confederação, uma vez que os argentinos denominavam como federação a organização de Estado que conhecemos como confederação. Inclusive, o pacto que criou a “confederação” argentina foi intitulado: Pacto Federal de 1831.
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Em poucos anos, Rosas conseguiu transformar-se em líder da confederação.
Esta liderança garantia ao governador de Buenos Aires o privilégio de conduzir as
relações internacionais e cuidar da defesa da Argentina, além de controlar a aduana,
que ficava em Buenos Aires. Os demais governadores contentavam-se em conduzir
internamente as suas respectivas províncias enquanto delegavam cada vez mais
poderes para Rosas.
As províncias centralizaram na administração bonaerense todos os poderes
que competiam à Confederação. Rosas passou a governar a Argentina de forma
autoritária e arbitrária e, para isso, contava com o aval dos governadores provinciais
que eram submissos à sua política. Ricardo Levene afirma que o governo de Rosas
foi ditatorial e conseqüência da apatia das províncias, que vegetavam enquanto
Rosas governava conforme os seus próprios interesses. 32
Os tratados firmados entre as províncias sustentavam a confederação, porém
não eram suficientes para estruturar o Estado argentino; Rosas aproveita-se da
ausência de leis regularizadoras para cometer arbitrariedades e, por isso, recusou-
se a formular uma Constituição capaz de estruturar o Estado e conseqüentemente
limitar as ações governista.
Porém, sem o apoio de grande parcela da população e dos políticos,
principalmente dos governadores provinciais, a oposição a Rosas ficava muito
limitada e era facilmente combatida. Este cenário só começou a ser modificado no
início da década de 1850 quando o governador de Entre Rios, Justo José de
Urquiza, rebelou-se contra o governo rosista. O entrerriense julgava Rosas um
ditador. Por isso, acreditava ser necessário destituí-lo do poder, pois só assim o
Estado argentino seria organizado.
Para atingir os seus objetivos, Urquiza aliou-se à província de Corrientes, ao
Brasil e ao Uruguai, formando um exército, com 28.198 combatentes, para enfrentar
militarmente Rosas, cujo exército era composto por aproximadamente 10.000
soldados. O maior contingente militar ajudou Urquiza a derrotar Rosas na batalha de
Monte Caseros, em fevereiro de 1852. 33
CHIARAMONTE, José Carlos. La formación de los Estados nacionales en Iberoamérica. Boletín del Instituto de Historia Argentina y Americana “Dr. Emilio Ravignani”. Buenos Aires, Tercera serie, n. 15, p, 143-165, 1997. 32 LEVENE, Ricardo. Historia argentina y americana. Buenos Aires: Editorial Bibliografia Argentina, S. R. L, 1970, v. 2. 33 CALDERÓN, Juan A. González. Historia de la organización constitucional. Buenos Aires: J. Lajouane, 1930, p, 200.
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Após a batalha de Monte Caseros, Urquiza reuniu os governadores
provinciais para firmar o acordo de San Nicolás, no qual ficou definida a convocação
de um Congresso Constituinte, que se reuniria em Santa Fé com o objetivo de
formular uma Constituição. Assim, a promulgação da Constituição da Confederação
Argentina, em 1853, iniciou a estruturação do Estado argentino sob novas bases.
Urquiza tornou-se o Presidente do país. A província de Buenos Aires – do derrotado
ditador Rosas - não reconheceu a Constituição nem o governo nacional e ficou de
fora do Estado argentino em um primeiro momento. A unificação do Estado nacional
só ocorreu no início da década de 1880, quando todas as províncias da Argentina
integraram de forma pacífica a federação.
Por muito tempo, a historiografia argentina analisava e justificava o governo
de Rosas como um exemplo do poder dos caudilhos na América Latina. O termo
caudillo designava na Idade Média o chefe da mesnada. 34 A partir da Revolução de
Maio, alguns defensores do antigo Regime passaram a designar os chefes militares
da revolução pelo termo; já que estes detinham o poder sem possuir títulos
legítimos. Durante a década de 1810, a elite letrada argentina passou a denominar
como caudillos a todos aqueles que de certa forma estavam angariando poder de
forma efetiva dentro do país, principalmente de zonas periféricas. Para esta elite, o
caudillo representava o primitivismo destas regiões periféricas e o seu surgimento
acarretava em obstáculos na organização do Estado nacional. Esta visão foi
difundida, principalmente, por Domingo Faustino Sarmiento, em Facundo: civilização
e barbárie. Para o intelectual e político argentino, Rosas representava o atraso, era a
antítese de um Estado republicano baseado em uma cidadania responsável e
independente. 35
Esta visão é justificada pela violência e autoritarismo exercidos por Rosas
durante o seu governo. Porém, esta é uma forma simplista de análise, já que o
governo rosista era mais que personalista, pois não anulava a ordem institucional
que o manteve no poder por aproximadamente duas décadas. Seguindo esta
definição clássica de caudillo, Jorge Myers afirma que diferentemente de Estanislao
López, Juan felipe Ibarra e Facundo Quiroga, Rosas não pode ser considerado um 34 Antigua compañía de gente de armas. ALONSO, Juan Ignácio (Ed.). Diccionario de la lengua española. Madrid: Espasa Calpe, 2001. 35 DONGHI, Túlio Halperin. Estudio Preliminar. In: LAFFORGUE, Jorge (Ed.). Historias de caudillos argentinos. Buenos Aires: Alfaguara, 1999, p. 19. SARMIENTO, Domingo F. Facundo: Civilização e Barbarie. Tradução de Jaime Clasen. Petrópolis: Vozes, 1997.
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líder puramente carismático que comanda regiões com baixa ou nula densidade
institucional e por isso, não deve ser taxado de caudilho:
Al contrario de los caudillos del Interior periférico, Rosas debió adecuar los elementos carismáticos de su autoridad a la preexistencia de un orden institucional complejo y tan sólido que no sólo pudo sobrevivir al período de crisis de 1826 a 1829, sino que seguiría proveyendo los rudimentos del armazón institucional de la provincia hasta mucho después de su caída. Esa fusión progresiva entre una modalidad de gobierno fuertemente personalista y la complicada maquinaria jurídico-institucional de la provincia de Buenos Aires produciría un sistema de gobierno novedoso, inédito, en el cual los atributos del caudillo distaron mucho de ser los más significativos en la confirmación de esa nueva República que escribía Rosas. 36
Nicolas Shumway também compartilha da idéia de Myers e afirma que Rosas
não foi um simples caudillo, pois não era progressista e populista e muito menos
pode ser considerado um federalista, embora usasse desta prerrogativa para
governar. 37
1.1 Geração de 1837
Durante o governo Rosas, especificamente em 1837, foi inaugurado em
Buenos Aires o Salão Literário de Marcos Sastre. Um dos objetivos do Salão era o
de possibilitar aos jovens bonaerenses entrarem em contato com obras européias,
que os auxiliariam em seus estudos. Além de proporcionar leituras, o Salão também
era o local no qual alguns intelectuais reuniam-se para refletir sobre os mais
diversos assuntos. Esteban Echeverria, Juan Bautista Alberdi, Juan María Gutiérrez
e Vicente Fidel López eram, entre outros, os que mais se destacavam dentre o
grupo que se formou no Salão.
36 MYERS, Jorge. El “nuevo hombre americano”: Juan Manuel de Rosas y su régimen. In: LAFFORGUE, Jorge (Ed.). Historias de caudillos argentinos. Buenos Aires: Alfaguara, 1999, p. 286. 37 SHUMWAY, Nicolas. La invención de la Argentina. Historia de una idea. 6 ed. Buenos Aires: Emecé, 2005, p. 139.
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De acordo com Olsen Ghirardi, o Salão Literário de Marcos Sastre “era, por
sobre toda las cosas, un centro de reunión de los jóvenes con iguales
preocupaciones, lectores apasionados y amigos del intercambio de ideas y amantes
del debate”. 38 Os debates eram sobre temas filosóficos, políticos e sociais, sendo
que a base de toda reflexão eram obras européias. Os intelectuais que se reuniam
no Salão Literário de Marcos Sastre ficaram caracterizados pela oposição que
faziam ao governo Rosas e pelas discussões de novos projetos políticos e sociais
para a Argentina. O grupo ficou conhecido na história argentina como Geração de
1837.
Nicolas Shumway identifica a geração de 1837 como o grupo mais notável de
intelectuais da Argentina e cujos objetivos eram identificar, sem idealização, os
problemas que o país enfrentava e criar um programa que transformasse a
Argentina em uma nação moderna. O norte-americano vai além, ao afirmar que a
Geração de 1837 foi a criadora de uma linha de pensamento que até hoje domina o
ideário argentino: “a explicação do fracasso”. 39
Os integrantes da Geração de 1837 faziam parte de uma minoria letrada de
Buenos Aires, que se sentia derrotada com a hegemonia da liderança política
rosista, pois o governador de Buenos Aires e líder da confederação era uma pessoa
sem muita cultura e estudos e mesmo assim era amado, às vezes, idolatrado pelo
povo que o alçou ao centro da política argentina. As ações arbitrárias e autoritárias
praticadas por Rosas também eram criticadas severamente pela Geração de 1837,
como podemos presenciar na carta de apresentação do grupo escrita por Esteban
Echeverria:
Estamos en la edad y nos sentimos con fuerza bastante para vestir la toga viril, y la estupidez triunfante nos lo veda: queremos hablar para quejarnos, y se nos pone mordaza. […] Allí, bajo su sombra [Rosas], está sentado el Despotismo, mudo y en perpetua adoración de sí mismo, y en rededor suyo chilla y clamorea la ciega muchedumbre como en torno al ídolo de Baal los israelitas ilusos. […] Miserables de aquéllos que vacilan cuando la tiranía se ceba en las entrañas de la patria. […] Asociarse, mancomunar su inteligencia y sus brazos para
38Eram integrantes do grupo: Félix Frias, Manuel Quiroga de la Rosa, Miguel Irigoyen, Juan Thompson, Esteban Seguí, Rodríguez Pena e José Mármol, entre outros. Ver: GHIRARDI, Olsen A. El derecho natural en Alberdi. Córdoba: Copista, 1997, p. 70. 39 SHUMWAY, Nicolas. La invención de la Argentina. Historia de una idea. 6 ed. Buenos Aires: Emecé, 2005, p. 131.
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resistir a la opresión, es el único medio de llegar un día a constituir la patria. 40
A Geração de 1837 desejava, com isso, entender como os argentinos
defendiam e sustentavam um governo despreparado e ditatorial. Em outras
palavras, a Geração de 1837 queria entender o enigma da realidade social e, para
tanto, passaram a estudar as principais características da sociedade argentina.
Por isso, Túlio Halperín Donghi trata a Geração de 1837 como os defensores
da hegemonia dos letrados perante uma sociedade passiva e maleável: “La
hegemonía de los letrados se justifica por su posesión de un acervo de ideas y
soluciones que debiera permitir-les dar orientación eficaz a una sociedad que la
Nueva Generación ve como esencialmente pasiva”. 41
No dia da inauguração do Salão, discursaram Alberdi, Gutierréz, Vicente
Lopes y Planes, além de Marcos Sastre. O discurso de Alberdi foi filosófico e o título
expressava bem o caminho que o tucumano queria trilhar: Doble armonía entre el
objeto de esta institución con una exigencia de nuestro desarrollo social y de
exigencia con otra general del espíritu humano. Neste discurso, o intelectual
aproxima o particular, o surgimento do Salão, com o universal. Ou seja, o Salão faria
parte do progresso humano; por isso ele inicia o título do discurso com “dupla
harmonia”. Tal como Ghirardi afirma:
El primer punto que Alberdi se esfuerza en comunicar es la necesidad de los estudios filosóficos para fijar las premisas fundamentales de su actitud. Así sostiene que es la filosofía la que desentraña la naturaleza de las cosas; es la filosofía la que responde a la pregunta “qué son las cosas”; es la filosofía la que nos orienta y nos explica el “por qué” y el “para qué”; y, finalmente, es la filosofía la que nos dice “de dónde venimos” y “adonde vamos”. La humanidad es como un río fluyente que avanza en el orden universal y cada pueblo, cada país, cada nación, es un afluente que une sus propia aguas para volcarlas en el inmenso océano, común a todos. 42
Já o discurso de Sastre era sobre os objetivos práticos do Salão: a discussão
cultural e literária. Assim, o Salão deveria proporcionar cultura e reflexões por meio
da leitura. Porém, por mais que a leitura fosse quase que na totalidade de obras
40 ECHEVERRÍA, Esteban. Dogma socialista. Buenos Aires: La Cultura Argentina, 1928, p. 171-180. 41 DONGHI, Túlio Halperín. Proyecto y construcción de una nación (1846-1880). Buenos Aires: Espasa Calpe Argentina, 1995, p 12. 42 GHIRARDI, Olsen A. La generación del ’37 en el Rio de la Plata. Córdoba: Academia Nacional de Derecho y Ciencias Sociales de Córdoba. Disponível em: <www.acader.unc.edu.ar>. Acesso em: 2 de maio de 2007, p. 5-6.
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européias, era necessário evitar plágios e analisá-las e aproveitá-las inserindo as
particularidades argentinas:
Porque veo que esté dispuesta a abjurar el triple plagio, y declarar solemnemente: Su divorcio de toda política y lesgilación exóticas; Su divorcio con el sistema de educación pública, transplantado de la España; Su divorcio de la literatura española, y aun de todo modelo literario extraño. Y por fin, que el país dispone a adoptar: Una política y legislación propia de su ser; un sistema de instrucción pública acomodado a su ser; y una literatura propia e peculiar de su ser. 43
O Salão Literário catalizava o fervor cultural bonaerense. Além das reuniões e
discussões literárias, filosóficas e políticas, o grupo, responsável pelo Salão, fundou
uma revista semanal, na qual a cultura local e européia eram evidenciadas. A revista
chamava-se La Moda e começou a ser publicada semanalmente a partir de 18 de
novembro de 1837. No total foram 23 números. La Moda era definida como “Gacetín
semanal de música, poesía, literatura y costumbres”. 44
Desde a sua primeira publicação, a revista criticava o governo de forma sutil e
às vezes sarcástica. O primeiro número tinha como subtítulo: “Viva la
Confederación!” O que parecia ser um apoio ao governo, foi desmascarado no
segundo número com o subtítulo: “Imprenta de la Libertad”. 45
Echeverría não participou da revista; Alberdi era o seu principal editor e
utilizava o codinome Figarillo, uma homenagem ao escritor romântico espanhol
Mariano de Larra, que se denominava Fígaro. As críticas ao governo foram se
tornando intensas com o passar dos números da revista e os artigos eram assinados
por Figarillo. Rosas, incomodado com a repercussão, fechou a revista em 21 de abril
de 1838, um pouco antes, ele proibiu as reuniões no salão. Porém, Esteban
Echeverria, Juan Bautista Alberdi, Juan María Gutiérrez não desistiram e formaram
novamente o grupo através da criação de uma associação denominada Associação
43 SASTRE, Marcos. El país ha dado un gran paso hacia su engrandecimiento: discurso de 23 de junio de 1837. In: PRIVITELLIO, Luciano ; ROMERO, Luis Alberto. Grandes discursos de la historia Argentina. Buenos Aires: Aguilar, 2000. 44 GHIRARDI, Olsen A. La Generación del ’37 en el Rio de la Plata. Córdoba: Academia Nacional de Derecho y Ciencias Sociales de Córdoba. Disponível em: <www.acader.unc.edu.ar> . Acesso em: 2 de maio de 2007, p. 29. 45 SHUMWAY, Nicolas. La invención de la Argentina. Historia de una idea. 6 ed. Buenos Aires: Emecé, 2005, p. 146.
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da Jovem Geração Argentina, que também ficou conhecida como Associação de
Maio.
A Geração de 1837 se intitulava como Associação de Maio uma referência
aos líderes da independência, principalmente por acreditarem que também estavam
combatendo um “status quo”; sendo que os revolucionários de 1810 lutavam contra
o domínio espanhol e eles contra Rosas. Porém, enquanto aqueles lutavam com
armas estes lutavam com idéias.
Segundo Ghirardi, La Moda representou a continuidade de uma escola de
pensamento argentino, que surgiu junto com o Salão Literário. Em outras palavras,
foi a continuidade da produção intelectual da Geração de 1837:
La revista es el paso posterior a la insinuación de una Escuela, cuando ésta ya se consolida; es la fase de la maduración de un joven grupo de intelectual que profesaba ideas comunes y que, con ello, mostró su coherencia y su alcurnia cultural e ideológica; es la solidez racional y nacional saliendo a la sociedad; y es el escalón previo que cimentará la base de las Bases para elaborar una constitución nacional. 46
As idéias difundidas pelo romantismo eram à base de sustentação das
análises produzidas pela Geração de 1837. Para José Luis Romero, graças à
influência romântica, os homens de 1837 chegaram à conclusão que as soluções
políticas careciam de fundamentos que derivavam da realidade social. A
predominância do social sobre o político, defendida pelos românticos argentinos, foi
tão marcante que Alejandro Herrero sentencia que “el romanticismo argentino fue,
decididamente, un movimiento de pensamiento social en un sentido amplio”. 47
Seguindo esta linha de raciocínio, os membros da Geração de 1837
chegaram à conclusão que, por mais que Rosas fosse ruim, o problema não estava
nele e sim na sociedade argentina, que o colocou e o sustentava no poder. Rosas
seria apenas o reflexo da vontade popular. Por tal motivo, os integrantes da Geração
defendiam a diminuição da participação popular nas decisões políticas, enquanto ela
não fosse capacitada para tomar as decisões corretas.
46 GHIRARDI, Olsen A. La generación del ’37 en el Rio de la Plata. Córdoba: Academia Nacional de Derecho y Ciencias Sociales de Córdoba. Disponível em: <www.acader.unc.edu.ar>. Acesso em: 2 de maio de 2007, p. 47. 47 ROMERO, José Luis. Las ideas políticas en Argentina. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2002, p 140. HERRERO, Alejandro. La política en tiempo de guerra. La cultura política francesa en el pensamiento de Alberdi (1837-1852). Lanús: Edunia, 2004, p. 22-23.
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A Geração de 1837 também tinha inquietações sobre o futuro da Argentina e,
por isso, sempre que possível fazia projeções e trilhava novos caminhos para os
argentinos. Quanto ao futuro do país, os intelectuais estavam preocupados com a
criação de uma poderosa e sólida nação. Acreditavam que a Argentina não era
ainda uma nação e que, antes de qualquer coisa, era necessário criar as bases
necessárias para a consolidação da nação.
1.2 Nação e nacionalismo argentino
En síntesis, aquel tipo de análisis, insistimos, que establece una equivalencia entre los conceptos sustancialmente diferentes de nación en el sentido antiguo y de nación en el sentido de su correspondencia al Estado contemporáneo, encara como una solo historia, con matices conceptuales internos, lo que en realidad son dos historia distintas, reflejadas en tres modalidades conceptuales: la historia de grupos humanos culturalmente homogéneos (nación en el sentido antiguo vigente hasta hoy), por una parte, y la historia del surgimiento de los Estados nacionales modernos (la naciones en el sentido de batel o la encyclopédie), y de la posterior fundamentación de su legitimidad en el principio de las nacionalidades. 48
Neste fragmento, Chiaramonte explicita as mais diferentes conceitualizações
que a palavra nação teve nos últimos séculos. Não por acaso, François-Xavier
Guerra afirma que palavras como nação “são sempre polissêmicas e remetem a
uma constelação de significados”. Eric Hobsbawm compartilha desta concepção ao
afirmar que o conceito de nação é mutável e não é universal. 49
Com isso, o termo nação não deve ser considerado uma realidade histórica
contemporânea, pois foi aplicada às mais diferente realidades ao longo do tempo.
Até o século XVIII perdurou um conceito ético de nação, segundo o qual, grupos
humanos se uniam por compartilhar uma cultura particular. Porém, a partir do
pensamento jusnaturalista moderno, nação foi compreendida por uma ótica política e
48 CHIARAMONTE, José Carlos. Nación y estado en Iberoamérica. El lenguaje político en tiempos de las independencias. Buenos Aires: Sudamericana, 2004, p. 50-51. 49 GUERRA, François-Xavier. A nação moderna: nova legitimidade e velhas identidades. In: JANCSO, Istiván (Org). Brasil: formação do estado e nação. São Paulo: Hucitec, 2003, p. 34. HOBSBAWM, Eric J. Nações e nacionalismo. Desde 1780. Tradução de Maria Célia Paoli e Ana Maria Quirino. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991, p. 15.
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passou a ter o mesmo significado de Estado: conjunto humano unido pelas mesmas
leis e governo. No entanto, de acordo com Chiaramonte: “esta escisión entre las
nociones de Estado y nación va a desaparecer cuando surja la luego predominante
sinonimia de ambos términos. Pero una sinonimia que asimila nación a Estado, y no
a la inversa”. 50
Assim, durante o século XVIII, o conceito de nação se tornou sinônimo de
Estado, pois ambos eram considerados um conjunto humano organizado
politicamente. Sobre a relação entre Estado e jusnaturalismo, Norberto Bobbio
afirma:
O próprio Estado é considerado pelo jusnaturalismo moderno mais como uma obra voluntária dos indivíduos do que como instituição necessária por natureza, que era o que ensinava a maior parte das doutrinas clássicas e medievais. Para os jusnaturalistas modernos, os indivíduos abandonam o Estado de natureza (diversamente entendido, mas sempre carente de organização política) e fazem surgir o Estado politicamente organizado e dotado de autoridade, a fim de que sejam melhor tutelados e garantidos os seus direitos naturais; o Estado é legítimo na medida em que e enquanto cumpre esta função essencial, que lhe foi delegada mediante pacto estipulado entre os cidadãos e os soberano (contrato social). 51
O jusnaturalismo moderno defende uma união política subjetiva. Chiaramonte
completa a definição ao afirmar:
El iusnaturalismo moderno, entonces, que afirma el carácter artificial y convencional del poder, rechaza todo vestigio dualista desde un comienzo, para construir una realidad unitaria antes desconocida: el Estado. Así ocurre en Hobbes, Rousseau y Kant, pese a su diferente punto de partida y a su distinta idea del estado de naturaleza y del pacto social – dado que en la concepción democratista de Rousseau se excluye todo pacto de sujeción al par que se anula la distinción entre sociedad política y sociedad civil, mientras que en la concepciones pactistas liberales (Hobbes, Locke, Kant), en cambio, el pacto social implica un pacto político o de sujeción. 52
A nação seria resultado de um pacto, ou seja, seria contratualista. Ou como
afirma Hobsbawm: “a nação era o corpo de cidadãos cuja soberania coletiva os
50 CHIARAMONTE, José Carlos. Nación y estado en iberoamérica. El lenguaje político en tiempos de las independencias. Buenos Aires: Sudamericana, 2004, p. 33. 51 BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. Tradução de Carmem Varriale. 4. ed. Brasília (D. F.): Editora UNB, 2004. v. 1, p. 658 52 CHIARAMONTE, José Carlos. Nación y estado en iberoamérica. El lenguaje político en tiempos de las independencias. Buenos Aires: Sudamericana, 2004, p. 151-152.
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constituía como um Estado concebido como sua expressão política”. 53 De forma
que a nação política do século XVIII e início do século XIX não surge por meio do
sentimento de pertencimento a um grupo e sim a união contratual através de leis e
governo comum, ou seja, está atrelada à questão de soberania. Sobre o assunto
escreveu Guerra:
Com relação ao político, a nova nação inclui todas as mutações que se tinham forjado na reflexão filosófica sobre a sociedade e o poder: a nação é uma comunidade soberana, formada pela associação voluntária de indivíduos iguais. Seu caráter contratual traz consigo sua soberania: dela procede toda a autoridade e todo o poder, entre eles o primeiro de todos, o constituinte, ou seja, a liberdade de escolher as próprias instituições. 54
Com isso, falar de sentimento nacionalista neste período é anacrônico na
visão de Hobsbawm e Guerra. Chiaramonte também segue esta linha de
pensamento: “la preocupación con la nacionalidad estaba ausente. La formación de
una nación o Estado era concebida en términos racionalistas y contractualistas,
propios de una antigua tradición del iusnaturalismo europeo”. 55
Benedict Anderson, porém, tem outra visão, ao considerar que os criollos
anteciparam o aparecimento da consciência nacional americana nos fins do século
XVIII:
Indiretamente o iluminismo influenciou também a cristalização de uma distinção irrevogável entre metropolitanos e criollos. [...] Ainda mais tipicamente, as obras de Rousseau e de Herder, que afirmavam que o clima e a ecologia tinham efeito constitutivo sobre a cultura e o caráter, exerceram ampla influência. A partir daí, era extremamente fácil fazer a dedução vulgar e conveniente de que os criollos, nascidos em um hemisfério selvagem, eram, pela própria natureza, diferentes dos metropolitanos e inferiores a eles e, portanto, inadequados para cargos de maior importância. [...] Além disso, eram interesses que, com seus conflitos entre peninsulares e criollos, antecipavam o aparecimento da consciência nacional americana dos fins do século XIII. 56
53 HOBSBAWM, Eric J. Nações e nacionalismo. Desde 1780. Tradução de Maria Célia Paoli e Ana Maria Quirino. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991, p. 31. 54 GUERRA, François-Xavier. A nação moderna: nova legitimidade e velhas identidades. In: JANCSO, Istiván (Org). Brasil: formação do Estado e Nação. São Paulo: Hucitec, 2003, p. 53. 55 CHIARAMONTE, José Carlos. Nación y estado en iberoamérica. El lenguaje político en tiempos de las independencias. Buenos Aires: Sudamericana, 2004, p. 62. 56 ANDERSON, Benedict. Nação e consciência nacional. Tradução de Lólio Lourenço de Oliveira. São Paulo: Ática, 1989, p. 71.
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Anderson faz uma boa leitura histórica da América espanhola ao afirmar que,
nas últimas décadas do século XVIII, os criollos não estavam satisfeitos com a coroa
e que se sentiam prejudicados quando comparados aos peninsulares; isto gerou
uma ruptura entre os dois grupos que se distanciaram; porém os criollos não
possuíam um sentimento nacional que os uniam; na verdade possuíam um inimigo
em comum, os peninsulares. A união, com isso, ocorria superficialmente e era
mantida pelo ódio aos espanhóis. Guerra afirma que “As nações hispânicas são
nesse momento, fragmentos de uma monarquia plural, uma monarquia que teve de
enfrentar”. 57
Em outras palavras, a legitimação da monarquia espanhola estava baseada
nos princípios do Antigo Regime, ou seja, Deus concedia o poder ao povo, que por
sua vez reconhecendo a própria inferioridade em relação ao rei para governar, cede
e legitima o poder do soberano. Entretanto, se ocorre algo com o rei, o poder, por
ser retroativo, passa novamente ao povo. Aproveitando-se da invasão napoleônica à
Espanha, os criollos com a justificativa do poder retroativo tentaram consolidar as
novas nações politicamente.
O nacionalismo só surgiu com o movimento romântico, no início da década de
1830, uma vez que os românticos começaram a imaginar a nação além de um pacto
político, ou seja, o conceito de nação deixou de ser sinônimo de Estado. Com isso, a
nação passou a ser vista como a organização de um povo que se sente unido pelas
particularidades de alguns fatores como cultura, religião, etnicidade 58 e política,
entre outros. Assim, nação deixou de ser um pacto político e passou a ser uma
comunidade imaginada, tal como argumentou Anderson: “nem mesmo os membros
das menores nações jamais conhecerão a maioria de seus compatriotas, nem os
encontrarão, nem sequer ouvirão falar deles, embora na mente de cada um esteja
viva a imagem de sua comunhão”. 59
O nacionalismo, com isso, é responsável pelo novo tipo de fenômeno que
surge nos meados do século XIX, o Estado-nação moderno, no qual fica implícito
57 GUERRA, François-Xavier. A nação moderna: nova legitimidade e velhas identidades. In: JANCSO, Istiván (Org). Brasil: formação do Estado e Nação. São Paulo: Hucitec, 2003, p. 60. 58 A etnicidade não só ajuda a unir a nação como a justifica. Ver: CHIARAMONTE, José Carlos. nación y estado en Iberoamérica. El lenguaje político en tiempos de las independencias. Buenos Aires: Sudamericana, 2004, p. 49. 59 ANDERSON, Benedict. Nação e consciência nacional. Tradução de Lólio Lourenço de Oliveira. São Paulo: Ática, 1989, p. 14.
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que cada nação deveria ter um único Estado, legitimado para organizar e administrar
os destinos da sua nação correspondente. 60
Assim, como já falamos anteriormente, a independência da América
espanhola não ocorreu como conseqüência de um sentimento nacionalista e sim por
fatores externos – invasão napoleônica na Espanha e deposição do rei. Isto refletiu
na tentativa de formação dos Estados (ou nações) latino-americanos através de
pactos políticos, que seriam consolidados com a formulação de Constituições
escritas.
No caso específico da Argentina, desde o início do processo de
independência, Mariano Moreno defendia e difundia entre os criollos bonaerenses a
importância da formulação de uma Constituição. Para este revolucionário, a
felicidade só existiria com a criação de um código de leis, capaz de estabelecer a
honestidade dos costumes, a segurança das pessoas, a conservação dos direitos,
os deveres dos magistrados, as obrigações dos súditos e os limites da obediência.
Ou seja, estava disposto a formar o Estado nacional de forma contratualista. 61
Segundo Charles Hale, a crença na formação de uma nação de forma contratualista
era comum no início do século XIX, pois este tipo de formação era reflexo do
Constitucionalismo Clássico, teoria difundida na Europa a partir da Revolução
Francesa e que contemplava as nações constituídas politicamente. 62
Assim, a formulação e a aplicação de uma Constituição escrita são requisitos
básicos, no início do século XIX, para a formação de nações de forma contratualista.
Não por acaso, José Carlos Chiaramonte denomina as nações formadas a partir
destes preceitos de Nações Constitucionais. 63 Porém, os argentinos não atingiram o
objetivo planejado durante o processo de independência e não conseguiram
organizar o Estado constitucionalmente na primeira metade do século XIX. A
situação começou a mudar quando a Geração de 1837, influenciada pelo movimento
romântico pensou uma nova forma de construção nacional, oriunda do nacionalismo.
Ou como afirma Fábio Wasserman:
60 SANTOS, Luis Cláudio Villafañe. As várias américas: visões do século XIX. In: Estudos de História. Franca, v. 10, n. 1, p. 16, 2003. 61 VIAMONTE, Carlos Sánchez. El constitucionalismo a mediados del siglo XIX en la Argentina. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 1957, p. 106. 62 HALE, Charles A. As idéias políticas e sociais na América Latina, 1870-1930. In: BETHELL, Leslie (Org.). História da américa latina. 1870-1930. Tradução de Geraldo de Souza. São Paulo: Edusp, 2002, v. 4, p. 337. 63 CHIARAMONTE, José Carlos. Ciudades, províncias, estados: Orígenes de la nación argentina (1800-1846). Buenos Aires: Ariel, 1997, p. 247-256.
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Uno de los lugares comunes que recorren la historiografía argentina señala a los jóvenes románticos de la generación de 1837 como los primeros artífices de un programa para la conformación de esa nación a partir del principio de la nacionalidad. 64
Os intelectuais de 1837 criticavam a incapacidade dos políticos rio-platenses
na tentativa de formação da nação. Também recriminavam a forma como esses
políticos planejaram a formação da Argentina; pois eram contrários à concepção
contratualista de nação. Seguindo os ideais românticos, os integrantes da Geração
de 1837 acreditavam que a nação só seria formada após a consolidação do
sentimento nacionalista e que a formulação de uma Constituição não era
pressuposto básico para esta formação, já que a utilidade do Código de Leis era
restrita. Assim, para a Geração de 1837, Estado e nação deixaram de ser sinônimos
e passaram a ser dois conceitos diferentes. 65
A Geração de 1837 detectou que faltava aos argentinos o sentimento
nacionalista e, por isso, a nação só seria formada a partir do fortalecimento deste
sentimento. Em suma, os românticos de 1837 buscam nas particularidades do
passado histórico os elementos de construção do sentimento nacionalista. Juan
María Gutiérrez afirmou que era preciso proclamar a independência cultural da
Argentina perante os demais países latino-americanos e da Espanha. Assim, para
Gutiérrez:
Las columnas básicas de una cultura nacional implican una construcción sobre la tradición y sobre lo propio, sobre la propia identidad, que es toda la identidad y no solo un aspecto de ella. Por otra parte, es preciso que la difusión democrática y popular que los principios de la organización nacional tengan como fundamento la proclamación de una educación universal. Un conocimiento adecuado, con un plan de trabajo y un estudio de la realidad social, política y material del país, un relevamiento de lo que tenemos, constituyen el punto de partida para aprender a conocernos y poder construir. Consecuentemente, las ideas absolutamente extrañas a nuestra idiosincrasia deben ser desterradas, al igual que toda idea foránea incompatible con nuestra identidad y con toda idea retrógrada. 66
64 WASSERMAN, Fabio. La generación de 1837 y el proceso de construcción de la identidad nacional argentina. In: Boletín del Instituto de Historia Argentina y Americana “Dr. Emilio Ravignani”. Buenos Aires, tercera serie, n. 15, p. 7, 1997. . 65 CHIARAMONTE, José Carlos. Ciudades, províncias, estados: Orígenes de la nación argentina (1800-1846). Buenos Aires: Ariel, 1997. 66 GHIRARDI, Olsen A. El derecho natural en Alberdi. Córdoba: Copista: 1997, p. 78
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Entretanto, os representantes da Geração de 1837 tinham um problema:
como distinguir e exaltar especificamente a história argentina, já que o passado
colonial a aproximava de outros países que se formaram no Continente? Para
Chiaramonte, os representantes de 1837, principalmente Alberdi e Echeverria,
recorriam à exaltação do passado argentino de forma distinta ao utilizarem uma
linguagem específica para definir os acontecimentos que eles denominavam como
nacionais. O substantivo “argentinos” era o termo mais utilizado pelos intelectuais
para distinguir os indivíduos da Argentina do restante da América. 67
O uso de uma nova linguagem por parte dos dois pensadores dirigiu-se no
sentido de despertar na população local um sentimento de união. Entretanto, o
artifício da linguagem era considerado apenas o despertar, o início do processo de
formação do Estado nacional argentino. Para Alberdi, o principal era buscar a
soberania racionalizada, que por sua vez seria responsável pela consolidação do
nacionalismo no país. Tal como segue:
Una nación no es una nación sino por la conciencia profunda y reflexiva de los elementos que la constituyen. Recién entonces es civilizada: antes había sido instintiva, espontánea; marchaba sin conocerse, sin saber adónde, cómo, ni por qué. Un pueblo es civilizado únicamente cuando se basta a sí mismo, cuando posee la teoría y la fórmula de su vida, la ley de su desarrollo. Luego, no es independiente presidir el desenvolvimiento social, tiene que interrogar su marcha a las luces de la inteligencia extraña, y lo que es peor aún, tomar las formas privativas de las naciones extranjeras, cuya impropiedad no ha sabido discernir. Es pues ya tiempo de comenzar la conquista de una conciencia nacional, por la aplicación de nuestra razón naciente a todas las fases de nuestra vida nacional.68
Influenciado pelo pensador francês Eugênio Lerminier, o tucumano crê na
teoria do progresso histórico, que o auxilia na racionalização de uma consciência
nacional argentina. Como define Laura San Martino de Dormí: “puede demostrar, a
través de la nueva teoría del progreso, la existencia de una filosofía nacional, modo
particular frente a lo universal, forma original, plasmada en un espacio concreto: la
Nación”. 69 Para Alberdi era preciso “civilizar” os argentinos, ensiná-los a respeitar as
67 CHIARAMONTE, José Carlos. Ciudades, províncias, estados: Orígenes de la nación argentina (1800-1846). Buenos Aires: Ariel, 1997, p. 255. 68 ALBERDI, Juan Bautista. Fragmento preliminar al estúdio del derecho. Buenos Aires: Ciudad Argentina, 1998, p.21. 69 DROMI, Laura San Martino de. Alberdi y la conciencia nacional. Buenos Aires: Ciudad Argentina, 1996, p. 8-9.
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particularidades do passado histórico próprio e conseqüentemente evitar imitar
qualquer outro país do mundo.
Em suma, as reflexões e ações dos intelectuais de 1837 sempre foram
pautadas na análise de problemas sociais concretos; muitos dos quais ajudaram na
consolidação da nação. Segundo Romero, o pensamento desenvolvido pela
Geração de 1837 serviu para formar no país uma política conciliadora, que se
materializou graças à amplitude social que englobava; assim os representantes
desta geração foram os triunfadores de Caseros, os construtores da nação
unificada, os artífices da estrutura institucional do país. 70
1.3 Alberdi: o surgimento do pensador
Juan Bautista Alberdi foi um dos expoentes da Geração de 1837. Com
apenas 27 anos, já era um intelectual respeitado pela sociedade argentina e os seus
escritos e discursos ecoavam por todo o país; porém, isto não ocorreu ao acaso, já
que desde a infância mostrava inclinação para os estudos e preparava-se
arduamente.
Josefa Rosa de Aráoz y Balderrama e Salvador Alberdi eram os pais de Juan
Bautista, que nasceu em Tucumán no dia 29 de agosto de 1810 – poucos meses
após o início do processo de independência da Argentina. Salvador era Basco e
comerciante; já Josefa era uma literata oriunda de uma importante linhagem
espanhola, os Araóz, que inclusive tinham um santo na família: São Ignácio de
Loyola – fundador da ordem católica jesuíta. 71
Os Araóz eram muito respeitados na província de Tucumán e comandavam a
política local. Don Bernabé Araóz foi governador da província no início da década de
70 ROMERO, José Luis. Las ideas políticas en Argentina. Buenos Aires: Fondo de cultura Económica, 2002. p, 136 e 147. 71 Alberdi teve três irmãos: Manuel (que morreu muito jovem), Felipe e Manuel (homenagem ao irmão mais velho falecido) e uma irmã: Transito. A sua mãe, Josefa, morreu alguns meses após o seu nascimento e o seu pai faleceu quando Alberdi ainda era uma criança de 12 anos. Com a morte dos progenitores, Felipe passou a cuidar dos irmãos mais novos e para tanto contava com a ajuda de alguns familiares, como ainda veremos neste trabalho.
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1820 e era parente próximo de Josefa. Já Javier López, casado com Lúcia Araóz,
era inimigo político de Bernabé e o substituiu no governo local. 72
O início da década de 1820 foi denominado, na história da Argentina, como
período rivadaviano. Uma vez que, o então ministro de Buenos Aires, Bernardino
Rivadavia iniciou uma importante reforma cultural e educacional. Uma das medidas
tomadas por Rivadavia foi a de custear os estudos, em Buenos Aires no Colégio de
Ciências Morais, de jovens oriundos das demais províncias rio-platenses. 73
Um dos escolhidos na província de Tucumán foi Juan Bautista Alberdi,
considerado inteligente e capaz, além de pertencer a uma família muito tradicional e
de muita influência entre os rio-platenses. O auxílio familiar ficou evidente na carta,
escrita pelo governador Javier López ao então governador de Buenos Aires, Juan
Gregório Las Heras, na qual recomendava que Buenos Aires financiasse os estudos
do jovem Alberdi:
Tiene el honor de aceptarla y destina para la beca al joven don Juan Bautista Alberdi, hijo de una de las primeras familias de este pueblo y digno de la protección del Exmo. Gobierno de Buenos Aires y recomendación particular del de Tucumán, por su disposición para conseguir un aprovechamiento de cualquier ciencia a que se le destine. 74
Assim, aos 15 anos, Alberdi foi para Buenos Aires estudar no Colégio de
Ciências Morais. Porém, encontrou dificuldades para se adaptar à nova cidade e ao
colégio, uma vez que o considerava muito rigoroso e disciplinador. Os professores
não conseguiam despertar o interesse pelos estudos no tucumano, que só se
72 Bernabé perdeu o poder para López em 1823 e se exilou em Salta, porém o novo governador acusava o inimigo político de tramar contra o seu governo e pediu ao governo Saltenho para que o entregasse. Salta aceitou o pedido e ao voltar para sua província, Bernabé foi fuzilado por ordem de López. 73 Bernardino Rivadavia surgiu como liderança política dos unitaristas portenhos durante a Revolução de Maio. Como a maioria dos defensores do unitarismo ele pertencia à classe criolla de Buenos Aires e havia se inserido na vida pública desde a invasão inglesa em Buenos Aires no ano de 1806, quando se alistou no exército voluntário para defender a cidade dos estrangeiros. Foi um dos principais articuladores e secretário do primeiro triunvirato que substituiu a junta de governo em 1811. Quando acabou o mandato, foi para a Europa em missão diplomática para negociar o reconhecimento da independência pelos europeus. Em 1820, com o colapso unitarista voltou à cena política, agora como secretário da província autônoma. Atrelado ao pensamento unitarista, Rivadavia, idealizou as reformas para tentar fortalecer a enfraquecida Buenos Aires, para que a cidade voltasse a ter a hegemonia sobre todo o Rio da Prata. In: BAGU, Sergio. El plano económico del grupo rivadaviano (1811-1827). Su sentido y sus contradicciones. Sus proyecciones sociales. Sus enemigos. Santa Fe: Universidad Nacional del Litoral, 1966. 74 Carta de Javier Lopéz para Juan Gregório Las Heras. In: HAMILTON, José Ignácio García. Vida de un ausente. La novelasca biografía del talentoso seductor Juan Bautista Alberdi. 6. ed. Buenos Aires: Sudamericana ,1998, p. 27.
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interessava pelas aulas de música, coral e piano. Em Novembro de 1825, três
meses após ingressar no Colégio, Alberdi decidiu abandoná-lo.
Após abandonar o Colégio de Ciências Morais, o tucumano foi trabalhar em
uma casa comercial pertencente a um amigo de sua família: Don J. B. Maldes. Em
julho de 1827, com vontade de retomar os estudos e com a ajuda de Alejandro
Heredia e de Florêncio Varela, Alberdi conseguiu ser aceito novamente no Colégio
de Ciências Morais. 75
Ainda no Colégio de Ciências Morais, Alberdi conheceu Vicente Fidel López,
Miguel Cané e Felix Frias. Ao lado de Alberdi, os três integrariam, alguns anos
depois, o grupo de intelectuais que formavam a Geração de 1837.
Em 1831, Alberdi terminou os estudos preliminares no Colégio de Ciências
Morais e no ano seguinte iniciou na universidade de Buenos Aires, o primeiro ano de
jurisprudência. Foi neste período que Alberdi conheceu Gutiérrez e Echeverría, que
ao lado do tucumano se tornariam líderes da Geração de 1837.
Neste período, na Argentina o curso de Direito era realizado em seis anos,
sendo que três eram teóricos e três práticos. No último ano teórico, Alberdi decidiu
trocar a Universidade de Buenos Aires pela de Córdoba e após cumprir a parte
teórica do curso pediu ao governador da província, José Antonio Reinafé,
autorização especial para obter o diploma de bacharel em Direito sem cumprir os
três anos de prática. Mais uma vez a força política da família de Alberdi e os seus
importantes contatos com políticos de todo território argentino foi decisivo na
autorização especial concedida pelo governador de Córdoba.
Após conseguir o diploma, Alberdi voltou para Tucumán. Durante sua estadia,
o jurista prometeu a Alejandro Heredia, então governador, escrever um livro sobre a
província. Assim, quando voltou para Buenos Aires passou a trabalhar na obra:
Memoria descriptiva sobre Tucumán, na qual narrava as belezas naturais e as
peculiaridades de seu povo. Segundo Hamilton, Alberdi pagava com isso uma dívida
que acreditava possuir com a sua província natal. 76
Alberdi era respeitado pelos demais membros da Geração, principalmente por
criar e difundir novas idéias entre os argentinos. José Carlos Chiaramonte afirma
que Alberdi foi o primeiro intelectual a criticar publicamente a visão contratualista de
75 Alejandro Heredia era deputado por Tucumán e Florêncio Varela ocupava importante cargo no ministério de Rivadavia, que neste momento era chefe político da nação. 76 HAMILTON, José Ignácio García. Vida de un ausente. La novelasca biografía del talentoso seductor Juan Bautista Alberdi. 6. ed. Buenos Aires: Sudamericana, 1998.
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formação nacional que os deputados argentinos defendiam. Para Alberdi era
necessário separar conceitualmente Estado de nação, pois o Estado deveria ser
organizado de forma contratualista através da formulação de uma Constituição
escrita, enquanto a nação derivaria da consolidação do sentimento nacionalista.
Exaltar as particularidades de uma nação e criar uma consciência coletiva eram
características dos ideais românticos, muito difundidos na Europa, mas que ainda
não havia se propagado pela América do Sul. 77
O intelectual tucumano defendia o progresso histórico e acreditava que a
consolidação e o desenvolvimento da Argentina estariam inseridos neste progresso,
a partir do momento em que fossem respeitadas e exaltadas as particularidades do
país. No discurso de inauguração do Salão Literário de 1837, Alberdi falou sobre o
assunto:
Cada vez que se ha dicho que nuestra revolución es hija de las arbitrariedades de un Virrey, de la invasión peninsular de Napoleón, y de otros hechos semejantes, se ha tomado, en mi opinión, un motivo, un pretexto por una causa. Otro tanto ha sucedido cuantas veces se ha dado por causa de la revolución de Norte América la cuestión del té; por causa de la Revolución Francesa los desórdenes financieros y las insolencias de una aristocracia degradada. No creáis, señores, que de unos hechos tan efímeros hayan podido nacer resultados inmortales. Todo lo que queda, y continúa desenvolviéndose, ha tenido y debido tener un desenvolvimiento fatal y necesario. Si os colocáis por un momento sobre las cimas de la historia, veréis al género humano marchando, desde los tiempos más primitivos, con una admirable solidaridad, a su desarrollo, a su perfección indefinida. 78
Para Alberdi havia uma impulsão progressiva da humanidade responsável
pelo desenvolvimento do mundo e, por isso, os integrantes da Geração de 1837
deveriam finalizar o que os revolucionários de maio de 1810 iniciaram: a formação
da Argentina. Seguindo o raciocínio do progresso histórico, para o ideólogo, a queda
de Rosas seria inevitável, uma vez que o ditador desrespeitava o curso natural do
progresso humano.
Na visão alberdiana havia um progresso em marcha e, por isso, o passado
histórico de um país, povo ou sociedade precisava ser respeitado e compreendido,
77 CHIARAMONTE, José Carlos. Ciudades, províncias, estados: Orígenes de la nación argentina (1800-1846). Buenos Aires: Ariel, 1997, p. 247-251. 78 ALBERDI, Juan Bautista. Discurso pronunciado el dia de la apertura del salón Literário, /1837/, Obras Completas, 1, p.261. Apud: BOTANA, Natalio R. La tradición republicana. Alberdi, Sarmiento y las ideas políticas de su tiempo. Buenos Aires: Debolsillo, 2005, p. 255-256.
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uma vez que integrava ativamente o processo de progressão natural. Porém, não
bastava apenas respeitar e compreender o passado; era necessário utilizá-lo para
nortear a criação de novos projetos, ou como afirma Natalio Botana:
Alberdi adora la tradición abstracta y abomina de las costumbres concretas; sabe que nadie puede escapar del pasado y, al mismo tiempo, condena esa historia como rémora insoportable. El deber del filósofo consistirá entonces en construir una nueva herancia o, mejor, en arrancar esa palabra de un ayer sin espíritu para colocarla en el porvenir de la historia. 79
Em outras palavras, Alberdi desejava “reinventar” os hábitos, os costumes
dos argentinos; para tanto, era preciso criar uma nova sociedade e uma nova
política, por meio de novos costumes que deveriam respeitar o passado histórico do
país:
La libertad inglesa existe en sus costumbres. La esclavitud española existe en sus costumbres. Es tan difícil extinguir la una como la otra. Una carta que declarase esclava a la Inglaterra sería tan mala, como otra que declarase libre a la España. Quien dice costumbres, dice ideas, creencias, habitudes, usos. […] La libertad no es el parto de un decreto, de una convención. Es una facultad, una costumbre que se desenvuelve por la educación. Así el verdadero modo de cambiar la constitución de un pueblo es cambiar sus costumbres: el modo de cambiarlo es darle costumbres. 80
Assim, Alberdi enxergava a implementação da liberdade entre os
argentinos, por meio da difusão de novos costumes e não simplesmente através da
imposição constitucional, como desejavam os dirigentes argentinos. 81 Ainda sobre
os costumes Alberdi escreveu em 1838:
Después de tan larga esclavitud es difícil saber ser libre. Deseamos serlo, lo repetimos a cada momento; sin embargo, lo seremos de derecho mucho tiempo antes de que reine en nuestras costumbres, en nuestras ideas, en nuestro modo de ver y de vivir la verdadera libertad. Y las costumbres no se varían en un día, desgraciadamente, ni con un decreto; y más desgraciadamente aún, un pueblo no es
79 BOTANA, Natalio R. La tradición republicana. Alberdi, Sarmiento y las ideas políticas de su tiempo. Buenos Aires: Debolsillo, 2005, p. 288. 80 ALBERDI, Juan Bautista. Álbum Alfabético, /1838/ In: Obras Completas, 1, p.344. Apud: BOTANA, Natalio R. La tradición republicana. Alberdi, Sarmiento y las ideas políticas de su tiempo. Buenos Aires: Debolsillo, 2005, p.289. 81 Alberdi acredita que a Constituição deve ser o reflexo da sociedade, por isso, as leis constitucionais deveriam seguir e contemplar as características sociais do país e não apenas impor regras. Por isso, modificar culturalmente os argentinos era considerado de suma importância para o pensamento alberdiano.
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verdaderamente libre, mientras que la libertad no está arraigada en sus costumbres, o identificada con ellas. Pero nuestros publicistas no han pensado a este respecto como Montesquieu, como Tocqueville, como Larra, sino que lo han esperado de las constituciones escritas. Se han escrito muchas y no tenemos ninguna. Podemos pues continuar despreciando las costumbres, es decir, las ideas, las creencias, las habitudes. ¿Qué tienen que ver ellas con la constitución de los pueblos? 82
Em suma, estas foram as principais idéias difundidas por Alberdi durante as
reuniões no Salão Literário de Marcos Sastre. Porém, Rosas não aceitou as críticas
que o grupo de intelectuais fazia ao seu governo e fechou o Salão em 1838,
passando a perseguir os integrantes da Geração de 1837, sendo que muitos dos
quais se exilaram.
Alberdi foi para Montevidéu em novembro de 1838 e permaneceu no Uruguai
até 1843, ano em que se mudou para a Europa. 83 Em 1844 voltou para a América e
passou a morar em Valparaíso, no Chile. No período em que esteve distante da
Argentina, Alberdi aprofundou-se nos estudos e também entrou em contato com
diversificadas culturas, nos países em que conheceu e morou.
O pensamento de Alberdi ganhou maturidade e consistência, pois passou a
ser o resultado da somatória dos incansáveis estudos mais a convivência com novos
e diferentes hábitos. Em Valparaíso, por exemplo, Alberdi morou num local
cosmopolita, voltado para o comércio e cujos investidores eram, na maioria,
imigrantes ingleses. 84
Quando Rosas caiu em 1852, Alberdi ainda morava em Valparaíso, o
intelectual tucumano percebeu a singularidade e a importância do momento, pois
acreditava que o final do governo Rosas concedia aos argentinos a oportunidade de
modificar o país estruturalmente. A convocação de uma assembléia constituinte,
algumas semanas após a mudança de governo, provava que Alberdi não estava
equivocado em sua análise.
Para Alberdi, um novo governo capaz de formular leis e estruturar o Estado
nacional colocaria o país “no caminho de sua organização e de seu progresso” e,
por isso, em 1852, dedicou-se na produção da obra Bases y Puntos de partida para 82 ALBERDI, Juan Bautista. Reacción contra el españolismo. In: La Moda, 14 de abril de 1838. In: ALBERDI, Juan Bautista. Obras completas. Buenos Aires: La Tribuna Nacional Bolívar, 1886, t. 1. 83 Na Europa, Alberdi conheceu a Itália, Suíça e França. 84 Estas características de Valparaíso influenciaram de forma decisiva o pensamento alberdiano, como veremos ainda neste trabalho. Ver: POZO, Gonzalo Serrano del. Valparaíso en la configuración del paradigma político de Juan Bautista Alberdi. In: Notas Históricas y geográficas. Valparaíso, n. 13-14, 2002-2003.
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la organización política de la República Argentina cujo principal objetivo era auxiliar
os argentinos na estruturação da Constituição e conseqüentemente do país. 85
Sobre a obra, Alberdi escreveu: “mi libro de las BASES es una obra de acción
que, aunque pensada con reposo, fue escrita velozmente para alcanzar al tiempo en
su carrera y aprovechar de su colaboración”. 86 A rapidez da conclusão da obra foi
conseqüência da urgência, porém a falta de tempo não diminuiu a profundidade e a
importância de Bases; afinal, como escreveu León Pomer: “o livro foi escrito em dias
e meditado em anos”. 87
Em Bases, Alberdi sistematizou como deveria ser a organização do Estado
argentino. Em outras palavras, Alberdi pensou um modelo constitucional capaz de
gerar estabilidade política e progresso sócio-econômico para a Argentina. Com
objetivos meramente explicativos podemos dividir a obra em três partes 88 Na
primeira, Alberdi expõe várias Constituições formuladas na América e na Europa
durante o século XIX e aponta os defeitos e as qualidades das constituições
analisadas. Algumas são consideradas boas e outras ruins: a Constituição da
Califórnia é a mais elogiada enquanto que as Constituições latino-americanas são as
mais criticadas. Ao ponderar sobre as Constituições, Alberdi demonstra a
importância da análise histórica no desenvolvimento de suas idéias; uma vez que
apontando erros e qualidades de cada Constituição, o jurista começava a indicar o
caminho que a Constituição da Argentina deveria seguir.
Já na segunda parte, Alberdi expõe o seu pensamento sobre as necessidades
da Argentina para atingir o progresso sócio-econômico; ou como prefere o autor de
Bases: o progresso material. 89 Para tanto, Alberdi apoiou-se na doutrina liberal. O
intelectual acreditava que a nova Constituição necessitava incentivar e reger o
progresso material. Alberdi, então, sugeriu o que o Estado argentino deveria priorizar
a busca pelo desenvolvimento sócio-econômico.
85 ALBERDI, Juan Bautista. Bases y puntos de partida para la organización política de la República Argentina. Buenos Aires: La Cultura Argentina, 1915. 86ALBERDI, Juan Bautista. Bases y puntos de partida para la organización política de la República Argentina. Buenos Aires: La Cultura Argentina. 1915. 87 POMER, Leon. Apresentação. In: ALBERDI, Juan Bautista. Fundamentos da organização política da Argentina. Tradução Ângela M. N. Tijiwa. Campinas: Editora da UNICAMP, 1994, p. 13. 88 Alberdi não explicita esta divisão em Bases, porém acreditamos que esta divisão ajuda a uma melhor compreensão da obra. 89 Alberdi utiliza este termo em várias ocasiões em: ALBERDI, Juan Bautista. Bases y puntos de partida para la organización política de la República Argentina. Buenos Aires: La Cultura Argentina, 1915.
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A terceira parte do livro é dedicada à implementação constitucional das idéias
desenvolvidas no tópico anterior. Para Alberdi, como já foi dito, era necessário
incentivar e regulamentar o progresso material, o que só seria possível com um
governo organizado e estável; por isso, indica explicitamente que o conteúdo
constitucional deveria ser norteado por estes dois fatores: organização política e
progresso material.
Bases foi a principal obra de Alberdi e segue a doutrina liberal. É bem
provável que, por isso, o pensamento do jurista é associado ao liberalismo. León
Pomer escreve que a obra “é o compêndio mais perfeito de um ideário liberal escrito
na América, ex-colônia espanhola, durante o século XIX”. 90
Ao adotar a doutrina liberal, Alberdi segue a tendência dos letrados argentinos
e busca na doutrina base teórica para fazer oposição ao governo Rosas, cuja
principal característica, segundo o tucumano, era a falta de comprometimento com a
liberdade individual, fato que marcava negativamente o país: “La Patria es libre, en
cuanto absorbe y monopoliza las libertades de todos sus individuos; pero sus
individuos no lo son porque el Gobierno les tiene todas sus libertades”. 91 A crença
na liberdade individual como pressuposto para o desenvolvimento da humanidade –
ou de forma mais restrita, dos argentinos - acompanhou Alberdi por toda a sua vida
e caracterizou a sua relação com a doutrina liberal. A liberdade era pré-requisito
para a civilização de uma sociedade. 92
Muitas idéias alberdianas estavam embasadas nos conceitos liberais da
época. Porém, não há como questionar que também havia conservadorismo em seu
pensamento, principalmente no âmbito político, como veremos no segundo capítulo.
Alberdi não se diferencia, assim, da maioria dos intelectuais latino-americanos do
período, ao defender idéias conservadoras e liberais ao mesmo tempo. 93
Assim como outros membros da Geração de 1837, Alberdi foi influenciado por
pensadores franceses. Por exemplo, pelos liberais clássicos como Benjamin
90 POMER, Leon. Apresentação. In: ALBERDI, Juan Bautista. Fundamentos da organização política da Argentina. Tradução: Ângela M. N. Tijiwa. Campinas: Editora da UNICAMP, 1994, p. 13. 91 ALBERDI, Juan Bautista. La omnipotencia del Estado es la negación de la libertad individual. Discurso pronunciado em 24 de Maio de 1880. Disponível em: <http://www.elcato.org/publicaciones/ensayos/ens-2003-01-31.html>. Acesso em: 06 março de 2006. 92 ALBERDI, Juan Bautista. La omnipotencia del Estado es la negación de la libertad individual. Discurso pronunciado em 24 de Maio de 1880. Disponível em: <http://www.elcato.org/publicaciones/ensayos/ens-2003-01-31.html>. Acesso em: 06 março de 2006. 93 Túlio H. Donghi tem uma visão bem extremada sobre o assunto ao afirmar que as idéias alberdianas eram profundamente conservadoras. Ver: DONGHI, Túlio Halperín. Proyecto y construcción de una nación (1846-1880). Buenos Aires: Espasa Calpe Argentina, 1995.
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Constant, ou os doutrinários 94 como François Guizot, Pellegrino Rossi, Théodore
Jouffroy; ou ainda os neo-católicos (católicos que aceitavam certas premissas do
liberalismo ou do que eles chamavam de espírito moderno) como René de
Chateaubriand, Robert de Lamennais; além de Pierre Leroux, Michel Chevalier e
Jean-Louis Eugene Lerminier que eram saint-simonianos dissidentes. Os escritos
destes pensadores franceses serviram de laboratório, fornecendo ferramentas
conceituais aos argentinos para compreender a realidade rio-platense e elaborar
respostas para resolver os problemas locais. 95
Alberdi entrou em contato com o liberalismo francês por meio dos
pensadores: Leroux, Lerminier, Lamennais e Jouffroy. Os princípios de igualdade e
liberdade individuais defendidos por Leroux foram, nos primeiros anos de vida
intelectual, a principal referência para o tucumano. Esta aproximação de Leroux deu-
se por influência de Esteban Echeverría, que compartilhava dos ideais do pensador
francês e era o grande mentor da Geração de 1837. Entretanto, a partir de 1842
Alberdi afastou-se dessas premissas aproximando-se das teorias de Pellegrino
Rossi, Michel Chevalier, François Guizot e Aléxis de Tocqueville. 96 Esses
pensadores foram as principais influências absorvidas por Alberdi em Bases.
Por fim, Alberdi pretendia com Bases orientar o trabalho constituinte e,
segundo alguns relatos, o objetivo foi atingido. Para Ricardo Levene, a obra
acompanhou os deputados constituintes durante todo o trabalho de formulação do
Código de Leis Fundamental do Estado argentino. 97
O intelectual desejava que as suas reflexões acerca da Argentina tivessem
alguma utilidade para o desenvolvimento do país. Em uma carta enviada, no dia 30
de Maio de 1852, ao então Chefe de Governo interino General Justo José Urquiza,
Alberdi deixa claro os seus propósitos:
94 Ao reinado de Luis XVIII, que inspirou a carta de 1814, seguiu a restauração mais extrema de seu sucessor, Carlos X. Neste meio, tomou corpo uma resposta que, a partir de 1830, deu apoio e justificativas à Monarquia de Julho, o liberalismo doutrinário. Os representantes desta doutrina governaram e ensinaram, fundamentaram sua conduta em uma teoria, foram historiadores e memorialistas, detentores do poder espiritual e político na França daquele período. BOTANA, Natalio R. La tradición republicana. Alberdi, Sarmiento y las ideas políticas de su tiempo. Buenos Aires: Debolsillo, 2005, p. 121. 95 HERRERO, Alejandro. La política en tiempo de guerra. La cultura política francesa en el pensamiento de Alberdi (1837-1852). Lanús: Cooperativa Edunia, 2004, p. 10. 96 HERRERO, Alejandro. La política en tiempo de guerra. La cultura política francesa en el pensamiento de Alberdi (1837-1852). Lanús: Cooperativa Edunia, 2004. p. 9-15. 97 LEVENE, Ricardo. Historia argentina y americana. Buenos Aires: Bibliografia Argentina, 1970, v. 2, p. 460.
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Abrigo la persuasión de que la inmensa gloria – esa gloria que a nadie pertenece hasta aquí – de dar una Constitución duradera a la República, está reservada a la estrella feliz que guía los pasos de V. E. Con este convencimiento he consagrado muchas noches a la redacción del libro sobre “bases” de organización política para nuestro país, libro que tengo el honor de someter al excelente buen sentido de V. E. en él no hay nada mío sino el trabajo de expresar débilmente lo que pertenece al buen sentido general de esta época y a la experiencia de nuestra patria. 98
Após ler o livro, Urquiza escreveu uma carta a Alberdi, na qual elogia a obra
e, principalmente, a utilidade dos escritos para a Argentina: “Su bien pensado libro,
es, a mi juicio, un medio de cooperación importantísimo. No pudo ser escrito ni
publicado en mejor oportunidad”. 99 Outro importante nome a elogiar Bases foi
Domingo Faustino Sarmiento: “es posible que su Constitución sea adoptada; es
posible que sea alterada, truncada; pero los pueblos, por lo suprimido o alterado,
verán el espíritu que dirige las supresiones: su libro, pues, va a ser el Decálogo
Argentino: la bandera de todos los hombres de corazón”. 100
De forma geral, em Bases, Alberdi apresentou aos seus conterrâneos o que
acreditava ser a Argentina e qual era a melhor forma para organizá-la. O país, em
sua ótica, não poderia ser considerado uma nação, uma vez que não passava de um
deserto, carente de pessoas, de progresso e de leis. A partir desta premissa,
apoiando-se em uma reflexão histórica sobre a Argentina e seguindo a doutrina
liberal, Alberdi escreveu Bases, cujo conteúdo começaremos a analisar no próximo
capítulo.
98 Carta de Juan Bautista Alberdi enviada para Justo José de Urquiza em 30 de maio de 1852. In: ALBERDI, Juan Bautista. Bases y puntos de partida para la organización política de la República Argentina. Buenos Aires: La Cultura Argentina, 1915, p. 9-10. 99 Carta de Justo José de Urquiza enviada para Juan Bautista Alberdi em 22 de julho de 1852. In: ALBERDI, Juan Bautista. Bases y puntos de partida para la organización política de la República Argentina. Buenos Aires: La Cultura Argentina, 1915, p. 11. 100 Carta de Domingo Faustino Sarmiento para Juan Bautista Alberdi em 15 de setembro de 1852. In: ALBERDI, Juan Bautista. Bases y puntos de partida para la organización política de la República Argentina. Buenos Aires: La Cultura Argentina, 1915, p. 12.
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CAPÍTULO 2
PENSAMENTO POLÍTICO ALBERDIANO: A república possível
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Segundo Alberdi, só com um sistema político eficaz a Argentina estaria apta
ao progresso, por isso, neste capítulo analisaremos o pensamento político
desenvolvido em Bases e que norteou a Constituição de 1853. Como veremos a
seguir.
Com o término do governo rosista, os políticos argentinos, liderados por
Urquiza, começaram a pensar na formulação de uma Constituição e Alberdi iniciou a
escrita de Bases, que deveria servir de guia para os trabalhos constituintes. Porém,
antes de analisarmos estes fatos, é necessário compreender a importância de uma
Constituição escrita para a organização de um Estado.
Nas últimas décadas do século XVIII, surgiram as primeiras Constituições
escritas. Os Estados Unidos foram pioneiros ao criarem a sua Constituição em 1787;
quatro anos depois foi a vez da França formular a sua. Ambos os países estavam
em momentos de transição política: os Estados Unidos haviam deixado de ser
colônia inglesa, enquanto que na França o rei havia sido deposto e o país passava
por uma revolução. Em outras palavras, os dois países estavam estruturando novos
Estados e as Constituições escritas surgiram para fixarem regras capazes de
organizar formalmente esses Estados.
A finalidade das Constituições escritas do final do século XVIII refletia a
necessidade dos novos governantes norte-americanos e franceses de
institucionalizar a nova ordem política e social que emergiu através da disputa contra
as antigas monarquias. Por isso, Dalmo de Abreu Dallari considera que a
Constituição escrita foi a forma encontrada pela burguesia, que emergia como força
sócio-econômica, de se consolidar no poder:
Um ponto de grande relevo nessa luta foi a afirmação da liberdade e da igualdade dos indivíduos. A liberdade era entendida como a possibilidade de agir, de celebrar contratos, de realizar negócios e de utilizar o patrimônio sem nenhuma interferência do governo. E a igualdade significava o direito de participar do governo, de ter acesso à educação, de freqüentar os lugares mais refinados, ou seja, de fazer tudo o que até então só era permitido aos nobres. O que se pretendia, em última análise, era a garantia de que os grandes proprietários e os que tivessem renda elevada não seriam prejudicados arbitrariamente nem continuariam sendo tratados como indivíduos de uma classe inferior. 101
101 DALLARI, Dalmo de Abreu. Constituição e constituinte. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1984, p 11.
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Após a formulação das primeiras Constituições, a elite econômica burguesa,
que emergia em outros países, também passou a lutar por uma nova organização
política, na qual a Constituição daria respaldo legal para a ascensão desta classe ao
poder. A elite criolla latino-americana 102 é um bom exemplo, pois lutou, no início do
século XIX, contra a monarquia espanhola pela independência e depois passou a se
preocupar com a criação de Constituições escritas, que organizariam os novos
Estados nacionais.
A Argentina não foi exceção entre os novos países latino-americanos e,
desde o início do processo de independência, os seus dirigentes políticos desejavam
quase que obsessivamente a formulação de uma Constituição. Porém, nas duas
primeiras tentativas, em 1819 e 1826, o objetivo não foi atingido, uma vez que o país
enfrentava instabilidade política gerada pelo conflito entre federalistas e unitaristas.
Quando o general Urquiza derrotou Rosas na Batalha de Caseros, a disputa
entre federalistas e unitaristas já não era intensa como nas primeiras décadas do
século XIX; uma vez que durante o seu governo, Rosas conseguiu enfraquecer
ambos os grupos. Por isso, houve a possibilidade da convocação de uma
assembléia constituinte.
Com esse objetivo, Urquiza convocou os governadores das províncias
argentinas para se reunirem em San Nicolás de los Arroyos e celebrarem um acordo
responsável pela convocação da assembléia constituinte. Os quatorze governadores
provinciais aceitaram a convocação, inclusive Vicente López y Planes, que substituiu
Rosas no governo de Buenos Aires. 103
Todos os governadores assinaram no dia 31 de maio de 1852 o acordo, que
regulamentava a política argentina enquanto a Constituição era formulada. Tal
acordo reafirmava as bases do Pacto Federal de 1831, ao garantir a formação de
uma administração federal, responsável pelo comércio interior e exterior, diplomacia
e pelo controle das finanças e recolhimento de impostos. 104 O acordo também
102 Tulio Halperin Donghi utiliza este termo para designar os criollos letrados e com maior poder econômico. Estes criollos foram responsáveis pelo início do processo de independência e tornaram-se líderes militares e políticos durante a guerra com a Espanha. Ver: DONGHI, Tulio Halperin. Revolución y guerra. Formación de una elite dirigente en la Argentina criolla. Buenos Aires: Siglo XXI, 2002. 103 López y Planes foi nomeado governador interino da província de Buenos Aires por Urquiza, após a batalha de Caseros e a princípio seguiu a política ditada pelo governador de Entre Rios. 104 Acordo de San Nicolas de 31 de maio de 1852, artigos 1º, 2º e 3º. In: CALDERÓN, Juan A. González. Historia de la Organización constitucional. Buenos Aires: J. Lajouane, 1930, Apéndice, p. 307.
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definiu que Urquiza seria o Diretor Provisório da Confederação Argentina. Com isso,
o governador de Entre Rios seria provisoriamente, até a promulgação da
Constituição, o administrador da federação e responsável por todas as atribuições
dadas ao cargo, como vimos acima. 105
Por fim, San Nicolás definiu o início dos trabalhos do congresso constituinte
para agosto de 1852 na cidade de Santa Fé. Também foram definidas as regras
para a escolha dos deputados e o funcionamento do congresso. Entre estas regras
podemos destacar o artigo 5º, segundo o qual cada província podia eleger dois
representantes. Ao não definir o número de deputados proporcionalmente ao
número da população de cada província, os governadores estavam reafirmando o
equilíbrio de poderes provinciais e evitando que províncias populosas, como a de
Buenos Aires, dominassem o congresso, como ocorreu anteriormente em outras
tentativas constituintes. 106
Ao convocar o mesmo número de deputados constituintes por província, os
governadores que assinaram o acordo estavam se espelhando no modelo norte-
americano, uma vez que nos Estados Unidos, também foram convocados, para
formular a Constituição nacional, o mesmo número de representantes por Estado –
ou província, como preferem os argentinos. 107
Embora López y Planes tenha assinado o acordo de San Nicolás, a legislatura
bonaerense não aceitou indicar dois representantes para o congresso constituinte.
Os deputados da província não aceitavam o poder provisório do país nas mãos de
Urquiza; Mitre, que na época era integrante do legislativo portenho, chegou a afirmar
que o governo provisório de Urquiza era ditatorial e irresponsável. 108
Porém, não faltavam motivos para Buenos Aires rechaçar o acordo. Como já
foi tratado no primeiro capítulo, desde o final do período colonial Buenos Aires regia
a principal região econômica da Argentina, pois controlava o Rio da Prata por meio
de seu porto; com isso, os portenhos controlavam o comércio interno e externo do
Ver também: Pacto Federal de 1831. In: CALDERÓN, Juan A. González. Historia de la organización constitucional. Buenos Aires: J. Lajouane, 1930. Apêndice, p. 301 e 302. 105 Acordo de San Nicolas de 31 de maio de 1852, artigos 14º, 15º e 16º. In: CALDERÓN, Juan A. González. Historia de la organización constitucional. Buenos Aires: J. Lajouane, 1930. Apéndice, p. 308-309. 106 Acordo de San Nicolas de 31 de maio de 1852, artigo 5º. In: CALDERÓN, Juan A. González. Historia de la Organización Constitucional. Buenos Aires: J. Lajouane, 1930. Apéndice, p. 307 107 CALDERÓN, Juan A. González. Historia de la organización constitucional. Buenos Aires: J. Lajouane, 1930, p. 227. 108 CALDERÓN, Juan A. González. Historia de la Organización Constitucional. Buenos Aires: J. Lajouane, 1930, p. 240.
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país e não aceitava perder este privilégio, que provavelmente era o único ponto de
confluência entre unitaristas e federalistas bonaerenses.
Ao definir Urquiza como Diretor Provisório e lhe conceder o direito sobre a
administração do comércio interno e externo do país, o acordo de San Nicolas
prejudicava, na visão dos políticos bonaerenses, a província. Além deste fator
econômico, estes últimos também consideravam que o acordo, lesava politicamente
Buenos Aires, ao definir que todas as províncias enviariam o mesmo número de
representantes à assembléia constituinte. A maior parte da população argentina
estava concentrada em Buenos Aires e, mesmo assim, províncias como Jujuy e
Catamarca, cuja população era menor, teriam a mesma representatividade. Desta
forma, dificilmente a Constituição seria benéfica para a província, que dominara, até
a queda de Rosas, a política argentina.
A desistência de Buenos Aires de enviar representantes ao congresso
constituinte foi uma conseqüência desses fatores e ocasionou certa tensão política e
colocou em risco o plano de Urquiza. Entretanto, as demais províncias e
governadores não desistiram da assembléia constituinte e mesmo sem Buenos Aires
resolveram iniciar os trabalhos em Santa Fé.
A assembléia tinha a missão de formular uma Constituição e, por isso, era a
detentora do poder constituinte, que pode ser conceituado como “a qualidade de que
é investido determinado órgão soberanamente instituído pelo povo, com vistas à
moldagem da própria sociedade política”, por meio de uma Constituição. 109
A Constituição é a lei fundamental e suprema de um Estado, ou como afirma
o jurista Alexandre de Moraes, é responsável pela estruturação do Estado por meio
de leis que definem entre outras coisas a forma de governo, a formação dos poderes
públicos e os direitos, garantias e deveres dos cidadãos. 110
A ser formulada, a Constituição seria responsável pela organização de um
novo Estado, oriundo da institucionalização de um pacto da população de um país;
ou como afirma Bobbio: “O Estado seria um organismo criado pelo consenso
voluntário dos homens livres e iguais por sua natureza”. 111 Já a assembléia seria o
109 FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de teoria geral do estado e ciência política. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003, p. 253. 110 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2001, p. 34. 111 BOBBIO, Norberto. Dicionário de política. Tradução João Ferreira. Brasilia: Editora da UNB, 2004, p. 61.
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órgão representativo extraordinário e temporal responsável pela elaboração da
Constituição.
Compreendido o que é uma Constituição escrita e qual seria a sua
importância para o momento histórico em que se encontrava a Argentina, vamos
agora analisar a idéia alberdiana de Constituição e de todo aparato político que deve
acompanhá-la.
2.1 Cultura jurídica alberdiana
Alberdi tinha como foco, em sua produção intelectual, a política argentina.
Esta reflexão sobre o seu país era embasada em teorias históricas, filosóficas,
econômicas e jurídicas. A sua principal obra, Bases, é um bom exemplo da tentativa
alberdiana de compreensão da política argentina com o auxílio de uma análise
histórica, filosófica, econômica e jurídica.
Em sua primeira obra, Fragmento Preliminar al Estudio del Derecho,
publicada em 1837, Alberdi fez algumas reflexões sobre a política argentina, já que o
livro foi lançado no salão literário de Marco Sastre em 1837 e muito se discutia neste
período e local sobre o país. Porém, o foco da obra era outro: “desarrollar los
fundamentos filosóficos del Derecho y la filosofía política, a la vez que construye una
teoría general del Estado y del Derecho”. 112 Fragmento, com isso, será o alicerce
teórico de Bases. Enquanto no primeiro, Alberdi apresenta a sua teoria política e
jurídica, no segundo, ele procura enquadrá-las no caso argentino.
Os franceses Jean-Louis Eugene Lerminier e Théodore Jouffroy, entre outros,
influenciaram diretamente na teoria, jurídica e política, desenvolvida por Alberdi em
Fragmento. Com Lerminier, o jurista tucumano, passou a conceber o Direito não
mais como uma simples coleção de leis escritas e sim como uma regra dos
fenômenos de uma certa ordem; a criação de uma ordem nas ações dos homens; ou
seja, a regra moral da conduta humana. 113
112 ALBERDI, Juan Bautista. Fragmento preliminar al estudio del derecho. Buenos Aires: Ciudad Argentina, 1998, p. 8. 113 Alberdi, na apresentação do trabalho escreve que o Direito seria “la ley moral del desarrollo armónico de los seres sociales; la constitución misma de la sociedad, el orden obligatorio en que se desenvuelven las individualidades que la constituyen”
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O Direito, para Alberdi, é um elemento vivo e progressivo da vida social, ou
seja, é dinâmico e respeita os estágios históricos da humanidade ao mesmo tempo
em que auxilia a definir estes estágios. 114 Assim, para conhecer o Direito, antes
seria necessário conhecer o caminho da finalidade da conduta humana e a partir
deste conhecimento compor as leis. É neste ponto da sua teoria que Alberdi começa
a convergir com Jouffroy.
Segundo Olsen Guirard, o Curso de Direito Natural (1833-1834) de Jouffroy
foi a principal influência alberdiana, pois possuía, em síntese, dois objetivos:
determinar o destino dos homens e investigar as regras da conduta humana. Buscar
as leis da conduta humana significaria definir o que o homem deve ou não fazer, o
que deve ser respeitado e cumprido. 115 Com isso, Alberdi vê o Direito através do
jusnaturalismo, segundo o qual:
Existe e pode ser conhecido um Direito natural, ou seja, um sistema de normas intersubjetiva diverso do sistema construído pelas normas fixadas pelo Estado (Direito positivo). Este Direito natural tem validade em si, e anterior e superior ao direito positivo. 116
Hugo Grócio e J. Locke foram os primeiros a desenvolverem a teoria
jusnaturalista moderna, no decorrer do século XVII. A doutrina defendia o Estado
nacional como resultante de um pacto entre os indivíduos, firmado para criar uma
instituição dotada da autoridade e responsável por garantir os direitos naturais da
população, além de tutelar melhor o convívio entre esses indivíduos. 117
Porém, foi no final do século XVIII e início do século XIX que a doutrina
ganhou força no mundo ocidental, pois convergia com as idéias difundidas pelos
defensores da formação dos novos Estados nacionais e legitimava a ação política
destes, que buscavam no pacto social a legitimação para formular uma Constituição
ALBERDI, Juan Bautista. Fragmento preliminar al estudio del derecho. Buenos Aires: Ciudad Argentina, 1998, p. 12 e 123. 114 Em Fragmentos, Alberdi sempre focaliza a questão da evolução humana. Por exemplo, afirma que a idade da autoridade, representada pelos governos monárquicos, havia sido substituída pela idade da racionalidade, que resultaria num futuro próximo na democracia. ALBERDI, Juan Bautista. Fragmento preliminar al estudio del derecho. Buenos Aires: Ciudad Argentina, 1998, p. 26 115 GUIRARD, Olsem. El derecho natural. Córdoba: Copista, 1997, p. 91 e 118. 116 BOBBIO, Norberto. Dicionário de política. Tradução João Ferreira. Brasília (D. F.): Editora da UNB, 2004, p. 655. 117 BOBBIO, Norberto. Dicionário de política. Tradução João Ferreira. Brasília (D. F.): Editora da UNB, 2004, p. 658.
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escrita; 118 ou como afirma Dimas Macedo: “formar o Estado seria apelar para a
razão nacional por meio da representatividade defendida pela Constituição”. 119
A Constituição seria, com isso, de suma importância para a formação do
Estado, pois é a partir dela que as leis entram em vigor e organizam este Estado.
Para Alberdi, a Constituição seria a expressão do Direito natural de forma positivista.
Resumindo, primeiro era preciso compreender o Direito natural, por meio da filosofia
do Direito para em seguida aplicá-lo de forma positivista. 120
O Direito positivo seria peculiar de cada povo em cada momento; ou seja,
sempre será atual, pois expressará o momento, enquanto o Direito natural é algo
eterno e universal. No limiar, o Direito natural terá, em cada período e por cada
povo, o seu respectivo Direito positivo, que é composto por duas prerrogativas:
Assinalar e prescrever o Direito natural de cada relação social e impedir a sua
infração. Assim, cada lei contém dois termos: o preceito e a pena. 121 Seguindo este
raciocínio desenvolvido em Fragmentos, Alberdi apregoou em Bases que não se
deve esperar de uma Constituição a expressão de todos os tempos:
No se ha de aspirar a que las constituciones expresen las necesidades de todos los tiempos. Como los andamios de que se vale el arquitecto para construir los edificios, ellas deben servirnos en la obra interminable de nuestro edificio político, para colocarlas hoy de un modo y mañana de otro, según las necesidades de la construcción. 122
Percebemos neste fragmento de Bases, que uma Constituição, na visão
alberdiana, deve sempre aspirar a originalidade, respeitando as particularidades do
momento, pois só assim será eficiente. 123 Para alcançar este objetivo seria
necessário recorrer à observação e ao estudo dos fatos históricos:
118 No primeiro capítulo vimos que os dirigentes políticos argentinos utilizaram o jusnaturalismo para justificar a idéia de Estado igual nação. Já Alberdi, através da mesma corrente filosófica fez o oposto e distinguiu os dois conceitos. 119 MACEDO, Dimas. Política e constituição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 178. 120 ALBERDI, Juan Bautista. Fragmento preliminar al estudio del derecho. Buenos Aires: Ciudad Argentina, 1998, p. 104. 121 ALBERDI, Juan Bautista. Fragmento preliminar al estudio del derecho .Buenos Aires: Ciudad Argentina, 1998, p. 145. 122 ALBERDI, Juan Bautista. Bases y puntos de partida para la organización de la República Argentina. Buenos Aires: La Cultura Argentina, 1915, p. 68. 123 Sarmiento, que duelou intelectualmente com Alberdi durante boa parte do século XIX, pensava de forma bem distinta e pregava a imitação da Constituição norte-americana. Ver: VERDÚ, Pablo Lucas. Alberdi su vigencia y modernidad constitucional. Buenos Aires: Ciudad argentina, 1998, p. 65.
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El hombre no elige discrecionalmente su constitución gruesa o delgada, nervosa o sanguínea; así tampoco el pueblo se da por su voluntad una constitución monárquica o republicana, federal o unitaria. El recibe estas disposiciones al nacer: las recibe del suelo que le toca por morada, del número y de la condición de los pobladores con que empieza, de las instituciones anteriores y de los hechos que constituyen su historia. 124
A originalidade constitucional não era a única preocupação alberdiana nesta
área. O jurista declarava ser de suma importância a conservação de uma
Constituição, pois as leis dependem do respeito e dos costumes e uma nova lei não
surge com essas características. Para não ser modificada a todo momento, a
Constituição precisa definir apenas os fatos fundamentais da ordem política, por
isso, disposições transitórias devem ser evitadas. 125
Além de conter apenas leis fundamentais, a Constituição ganha vitalidade a
partir da jurisprudência, da interpretação do seu conteúdo: “cread la jurisprudencia,
que es el suplemento de la legislación, siempre incompleta, y dejad en reposo las
leyes, que de otro modo jamás echarán raíz”. 126 Com isso, as leis não precisam ser
modificadas a todo momento, basta interpretá-las de forma condizente para que os
seus defeitos sejam minimizados.
Por fim, concluída a exposição do pensamento jurídico de Alberdi, podemos
afirmar que este pensamento é quase determinista, pois não cabe ao homem
escolher as suas leis arbitrariamente, já que estas leis são direcionadas conforme as
particularidades sociais e históricas de um povo. Esta visão é defendida em Bases,
que terá uma densa análise histórica, social e política da Argentina e de outros
países latino-americanos, como veremos a seguir.
2.2 A Argentina possível
Compreender o passado do país, analisar o presente e detectar o que a
Constituição precisa contemplar é o conteúdo da receita alberdiana para uma boa
124 ALBERDI, Juan Bautista. Bases y puntos de partida para la organización de la República Argentina. Buenos Aires: La Cultura Argentina, 1915, p. 111. 125 ALBERDI, Juan Bautista. Bases y puntos de partida para la organización de la República Argentina. Buenos Aires: La Cultura Argentina, 1915, p. 236. 126 ALBERDI, Juan Bautista. Bases y puntos de partida para la organización de la República Argentina. Buenos Aires: La Cultura Argentina, 1915, p. 236.
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estruturação do Estado nacional. Assim, quando teve a oportunidade de pensar em
uma Constituição, em Bases, o tucumano não foi incoerente com a sua teoria e
antes se propôs a fazer uma análise histórico-social da Argentina.
Alberdi procurou compreender os principais problemas do país e o que era
necessário para modificar este quadro. Também pensou em uma estrutura política
eficaz, eficiente e capaz de coordenar e administrar todo o aparato estatal. Porém,
antes de adentrar nesta estruturação administrativa, o autor de Bases dedicou
muitas páginas da obra à análise do passado constitucional argentino e latino-
americano.
A partir da análise do passado constitucional latino-americano, o jurista
tucumano pretendia demarcar o início do conteúdo constitucional ao apontar os
erros e defeitos dessas primeiras Constituições. Em outras palavras, Alberdi
procurou demonstrar, por meio de uma análise histórico-constitucional, o que não
deveria ser feito na Constituição a ser formulada.
Embora não vigorasse na Argentina uma Constituição escrita, o país já tinha
formulado duas: em 1819 e 1826. O atraso constitucional argentino, em relação aos
demais países latino-americanos, era minimizado por Alberdi, que não via com bons
olhos os primeiros Códigos de Leis escritos no século XIX no continente. Em Bases
escreveu que era bom para a Argentina ainda não ter uma Constituição, pois agora
poderia evitar defeitos encontrados em outras Constituições latino-americas,
inclusive as formuladas anteriormente no país. 127
Alberdi inicia a sua análise do passado constitucional latino-americano a partir
das Constituições argentinas. Segundo o autor, as de 1819 e 1826 tiveram pouca
relevância na organização da política no país, pois vigoraram por um período
efêmero; porém o jurista não as despreza, principalmente os seus defeitos, que
deveriam ser evitados; como veremos a seguir. 128
Em 1819, os espanhóis ainda lutavam na América para impedir a
independência de suas colônias, por isso, a Constituição formulada naquele ano na
Argentina era voltada para a liberdade e a defesa nacional, ou seja, tinha como
objetivo consolidar a independência do país. Para garantir esta independência, as
127 ALBERDI, Juan Bautista. Bases y puntos de partida para la organización de la República Argentina. Buenos Aires: La Cultura Argentina, 1915, p. 39. 128 Embora seja evidente o fracasso de ambas as Constituições na tentativa de organizar o Estado argentino, não podemos ignorar a importância histórica que tiveram: o governo Rosas, por exemplo, foi uma conseqüência dos fracassos políticos das duas primeiras décadas de independência.
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leis constitucionais dificultavam a aquisição de novos cidadãos e evitava o
estabelecimento de estrangeiros na Argentina.
A Argentina se encontrava em um momento delicado em 1819, pois havia
uma intensa disputa no âmbito político entre federalistas e unitaristas. A Constituição
não apaziguou esta disputa e, por isso, foi efêmera. Alberdi não entra no mérito
desta Constituição, apenas afirma que os congressistas definiram como meta a
defesa e a liberdade nacional e que isto era um reflexo do momento: guerra contra a
Espanha e proximidade da declaração da independência (1816). 129
Todavia, por mais que a defesa e a liberdade do país fossem importantes, e
eram, os congressistas falharam ao não se preocuparem com os problemas políticos
internos, que surgiram com a disputa entre federalistas e unitaristas. O conteúdo
constitucional deveria contemplar esta questão e resolvê-la, porém isto não ocorreu
e a Constituição vigorou por pouquíssimo tempo e não correspondeu aos anseios
argentinos daquele momento.
Alberdi faz uma análise superficial da Constituição de 1819, entretanto a
Constituição de 1826 é muito explorada pelo jurista. No ano da promulgação da
Constituição, a Espanha já não estava mais em guerra com as suas ex-colônias
americanas e a independência já era real para esses novos países. Porém, os
congressistas argentinos priorizaram, assim como em 1819, a questão da defesa e
da liberdade nacional, ao imitar a Constituição anterior quase que em sua totalidade.
É exatamente este o ponto criticado por Alberdi, uma Constituição que errou ao não
aspirar à originalidade e a não corresponder aos anseios do momento:
El congreso hizo mal en no aspirar a la originalidad. La Constitución que no es original es mala, porque debiendo ser la expresión de una combinación especial de hechos, de hombres y de cosas, debe ofrecer esencialmente la originalidad que afecte esa combinación en el país que ha de constituirse. 130
Como a Argentina estava em guerra com o Brasil em 1826, 131 os
congressistas sentiram necessidade de ratificar a questão da segurança e da
129 ALBERDI, Juan Bautista. Bases y puntos de partida para la organización de la República Argentina. Buenos Aires: La Cultura Argentina, 1915, p. 44. 130 ALBERDI, Juan Bautista. Bases y puntos de partida para la organización de la República Argentina. Buenos Aires: La Cultura Argentina, 1915, p. 48. 131 Em 1825 Brasil e Argentina entraram em conflito, ambos queriam anexar as Bandas Orientais (atual Uruguai) em seus territórios. O conflito ficou denominado como Guerra da Cisplatina e durou até 1827, ano em que a Inglaterra interveio e as Bandas Orientais se tornaram um país independente.
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independência do país. Para Alberdi, a guerra contra o Brasil era reflexo da cultura
militar difundida durante o processo de independência que perdurou no imaginário
político local mesmo com o término do conflito com a Espanha e com a consolidação
da independência. O jurista chega a afirmar que a guerra é uma forma de
envaidecimento estéril, que não tem utilidade para o desenvolvimento do país e que
os políticos estavam mais preocupados com o heroísmo que as guerras poderiam
gerar: “o la inmortalidad, o nada, es nuestro dilema”. 132
Com isso, o jurista rechaçava os conflitos que perduravam na América do Sul
após o término das guerras de independência e criticava os congressistas que
estavam mais preocupados em ratificar a beligerância do que em promover o
progresso. Em 1826, este último estava associado a estruturação política da
Argentina e ao final da disputa entre os federalistas e os unitaristas. Para Alberdi: “el
congreso de 1826 comprometió el éxito de su obra por graves faltas de política en
que incurrió a causa de la indecisión de su mandato y de su régimen interno”. 133
Os problemas da Constituição de 1826 começaram antes mesmo do início
dos trabalhos constituintes, quando dois anos antes foi sancionada uma lei
fundamental, que no limiar seria uma Constituição provisória, na qual ficava definido
um Estado uno, representado por um Poder Executivo Nacional, que coexistia ao
lado do poder provincial. Com isso, havia no território argentino quinze poderes
instituídos ao mesmo tempo - um nacional e quatorze provinciais. O grande
problema para o jurista era que a lei fundamental havia invertido a ordem lógica dos
trabalhos constitucionais, pois organizava a política nacional antes de constituí-la:
Así, el congreso entró en arreglos administrativos u orgánicos primero que en la obra de la Constitución. Y como el derecho administrativo no es otra cosa que el cuerpo de las leyes orgánicas de la Constitución y viene naturalmente después de ésta, se puede decir que el congreso invirtió ese orden, y empezó por el fin, organizando antes de constituir. 134
Na prática, esta inversão resultou em uma organização política republicana,
antes mesmo de se declarar a república na Constituição e um governo centralista
132 ALBERDI, Juan Bautista. Bases y puntos de partida para la organización de la República Argentina. Buenos Aires: La Cultura Argentina, 1915, p. 230. 133 ALBERDI, Juan Bautista. Bases y puntos de partida para la organización de la República Argentina. Buenos Aires: La Cultura Argentina, 1915, p. 207. 134 ALBERDI, Juan Bautista. Bases y puntos de partida para la organización de la República Argentina. Buenos Aires: La Cultura Argentina, 1915, p. 209.
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antes de definir a organização do Estado. Este poder central tinha que conviver com
o poder provincial, que na realidade transformava o país em uma confederação,
embora no papel fosse unitarista. Por este motivo, durante os trabalhos
constituintes, o governo provisório nacional ficou enfraquecido, uma vez que de fato,
o poder era exercido pelas províncias, que não respeitavam a Constituição
provisória.
Alberdi denominava esta confusão como metafísica política e acreditava que
era conseqüência da ausência de um pacto político entre governantes e
constituintes. Em sua ótica, ambos estavam preocupados apenas com os próprios
interesses e não em organizar o Estado argentino de forma eficiente e racional. 135
A Constituição de 1826 sucumbiu graças a suas marcantes contradições e em
vez de organizar o Estado argentino, simplesmente serviu como estopim para um
intenso conflito entre federalistas e unitaristas que resultou em mais de 20 anos de
governo Rosas. Para Alberdi, esta Constituição foi um bom aprendizado para os
políticos argentinos, que deveriam evitar as contradições e defeitos.
As demais Constituições latino-americanas elaboradas durante o processo de
independência também incorporavam a questão da liberdade e da defesa nacional,
principalmente as do Peru, Equador, Venezuela e Nova Granada. 136
Conforme já foi dito, Alberdi não criticava este aspecto, pois representava o
momento histórico desses países. Entretanto, com o passar do tempo, essas
Constituições foram deixando de ser úteis, já que esses países necessitavam de leis
capazes de elevá-los a um desenvolvimento. 137
A melhor Constituição latino-americana, na visão alberdiana era a do Chile,
que mesmo não tendo um conteúdo voltado para o progresso do país, possuía a
melhor redação, principalmente sobre a estruturação política e administrativa.
Porém, pecava ao definir que só o culto católico poderia ser praticado no país. 138
Outra Constituição que não contemplava a liberdade religiosa era a mexicana e
Alberdi não aceitava estas leis, pois um país que desejasse atrair população e
135 ALBERDI, Juan Bautista. Bases y puntos de partida para la organización de la República Argentina. Buenos Aires: La Cultura Argentina, 1915, p. 211-212. 136 ALBERDI, Juan Bautista. Bases y puntos de partida para la organización de la República Argentina. Buenos Aires: La Cultura Argentina, 1915, p. 53-58. 137 ALBERDI, Juan Bautista. Bases y puntos de partida para la organización de la República Argentina. Buenos Aires: La Cultura Argentina, 1915, p. 40-41. 138 ALBERDI, Juan Bautista. Bases y puntos de partida para la organización de la República Argentina. Buenos Aires: La Cultura Argentina, 1915, p. 51-52.
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desenvolver-se não poderia se fechar para todos aqueles que não eram católicos,
como os norte-americanos e ingleses, em sua maioria protestantes. 139
Já a Constituição do Uruguai era a única que não se fechava para os
estrangeiros, porém dificultava a aquisição de cidadania aos habitantes que não
nascessem no país. 140 Entretanto, para Alberdi, nada podia ser comparado a
Constituição do Paraguai, que além de possuir os defeitos enumerados, até aqui,
das demais Constituições, também excluía praticamente todas as liberdades sociais
e políticas dos habitantes do país, que eram governados de forma ditatorial. 141
Alberdi não enxergava muitas qualidades nas primeiras Constituições
formuladas na América Latina. Mas o jurista, que tanto criticava as Constituições
latino-americanas, não apreciava nenhuma Constituição? Embora defendesse a
originalidade Constitucional e a particularidade de cada povo, Alberdi não deixava de
admirar a Constituição de 1849 formulada no estado da Califórnia, nos Estados
Unidos. Nesta Constituição: “todo es simple, práctico y positivo, sin dejar de ser
digno”. 142
A Constituição da Califórnia era vista por Alberdi como uma justificativa para a
sua teoria, uma vez que o estado norte-americano, antes da Constituição, não
permitia a liberdade religiosa, era fechado para os estrangeiros e não incentivava o
progresso material. As leis formuladas em 1849, tinham como objetivo modificar este
cenário. Com isso, o jurista tentava demonstrar que as suas idéias poderiam ser
aplicáveis e racionais:
Las he citado para hacer ver que no son novedades inaplicables las que yo propongo, sino bases sencillas y racionales de la organización de todo país naciente, que sabe proveer, ante todo, a los medios de desenvolver su población, su industria y su civilización, por adquisiciones rápidas de masas de hombres venidos de fuera, y por instituciones propias para atraerlas y fijarlas ventajosamente en un territorio solitario y lóbrego. 143
139 Veremos no terceiro capítulo detalhes sobre a defesa alberdiana da liberdade religiosa. Sobre o México ver: ALBERDI, Juan Bautista. Bases y puntos de partida para la organización de la República Argentina. Buenos Aires: La Cultura Argentina, 1915, p. 59. 140 ALBERDI, Juan Bautista. Bases y puntos de partida para la organización de la República Argentina. Buenos Aires: La Cultura Argentina, 1915, p. 60. 141 ALBERDI, Juan Bautista. Bases y puntos de partida para la organización de la República Argentina. Buenos Aires: La Cultura Argentina, 1915, p. 62-65 142 ALBERDI, Juan Bautista. Bases y puntos de partida para la organización de la República Argentina. Buenos Aires: La Cultura Argentina, 1915, p. 68. 143 ALBERDI, Juan Bautista. Bases y puntos de partida para la organización de la República Argentina. Buenos Aires: La Cultura Argentina, 1915, p. 72.
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O tucumano pretendia deixar claro que não pregava a imitação do conteúdo
da Constituição californiana, pois cada povo possui a sua particularidade e os
argentinos apenas deveriam se inspirar no exemplo do estado norte-americano para
criar as suas próprias leis voltadas para o seu progresso específico.
Assim, Alberdi começou a definir a Constituição ideal para a Argentina em
Bases, delimitando, por meio de uma análise do passado constitucional da América
Latina, o que devia ser evitado no futuro Código de Leis. Depois de mencionar o que
não deveria integrar o Código o jurista começou a pensar no conteúdo da
Constituição.
Para Alberdi, as leis, voltadas ao progresso material da Argentina, só
atingiriam os seus objetivos caso houvesse um eficiente aparato político e
administrativo. Em outras palavras, antes de pensar nas leis que ajudariam o país a
se desenvolver era necessário estruturar um aparato capaz de aplicar essas leis
com êxito e obter o resultado esperado.
Este aparato político promoveria a criação de um governo geral, responsável
pela concepção, interpretação e aplicação das leis, uma vez que estas não se
sustentam por suas próprias virtudes. Sobre o assunto Alberdi escreveu: “la idea de
constituir la República Argentina no significa otra cosa que la idea de crear un
gobierno general permanente, dividido en los tres poderes elementales destinados a
hacer, a interpretar y a aplicar la ley”. 144
O primeiro ponto político que a Constituição deveria definir estava relacionado
à forma de governo; ou seja, se a Argentina teria um governo republicano ou
monárquico. Sobre o assunto Alberdi é muito cético; crê que a Argentina, assim
como o restante da América que pertenceu a Espanha, se precipitou ao definir a
forma republicana de governo, uma vez que não havia nesses países uma cultura
política suficiente para um governo representativo. 145
144 ALBERDI, Juan Bautista. Bases y puntos de partida para la organización de la República Argentina. Buenos Aires: La Cultura Argentina, 1915, p. 130. 145 Alberdi se aproxima de Tocqueville ao definir que o comportamento e as crenças dos habitantes de um país era vital para o sucesso de um governo republicano. Para o francês, era exatamente o comportamento e as crenças dos norte-americanos que possibilitou o êxito na implementação da república nos Estados Unidos. Ver: TOCQUEVILLE, Alexis. A Democracia na América. Tradução de Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2005. BEIRED, José Carlos Bendicho. Tocqueville, Sarmiento e Alberdi: três visões sobre a democracia nas Américas. História. São Paulo: v. 22, n. 2, p. 59-78, 2003.
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Ao afirmar que os argentinos não estavam preparados para uma república,
Alberdi estava defendendo a monarquia? Decididamente não era está a idéia do
tucumano: a instauração de uma monarquia, em sua opinião, teria uma
conseqüência pior do que a república, pois iria contra a evolução histórica do país,
que regrediria ao acolher uma forma de governo que tanto criticou e tanto lutou
contra.
Para justificar este raciocínio, Alberdi cita o exemplo do Brasil, que não
rompeu com o sistema monárquico após a independência e conseguiu se estabilizar
e progredir com esta forma de governo, já que não conhecia outro:
Ese país no ha conocido la república ni por un solo día; su vida monárquica no se ha interrumpido por una hora. De monarquía colonial pasó sin interregno a monarquía independiente. Pero los que hemos practicado la república por espacio de 40 años, aunque pésimamente, seríamos peores monarquistas que republicanos, porque hoy comprendemos menos la monarquía que la república. 146
Resumindo. A monarquia, para Alberdi, representaria o atraso e a república
poderia ser o futuro, desde que se adquirisse no país uma cultura política
republicana. Uma representava o passado e outro o futuro, porém qual seria a
melhor proposta para o presente?
Para Alberdi seria necessário criar um sistema intermediário entre a república
e a monarquia. Este sistema, que aglutinaria características das duas formas de
governo, foi denominado como república possível. Para tanto, cita o exemplo do
Chile, que segundo ele conseguiu evitar a volta da monarquia e a instauração de um
governo ditatorial através de uma Constituição: “monárquica en el fundo y
republicana en la forma” e conclui afirmando que os latino-americanos necessitavam
de “reyes con el nombre de presidentes”. 147
A república possível defendida por Alberdi era uma conseqüência da sua idéia
de que os argentinos não estavam preparados para um sistema político
representativo. Para o jurista, as particularidades desta república possível
começariam com um regime político democrático peculiar.
146 ALBERDI, Juan Bautista. Bases y puntos de partida para la organización de la República Argentina. Buenos Aires: La Cultura Argentina, 1915, p. 74. 147 ALBERDI, Juan Bautista. Bases y puntos de partida para la organización de la República Argentina. Buenos Aires: La Cultura Argentina, 1915, p. 75.
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Alberdi caminha em suas idéias para uma liberal-democracia. Porém, muito
mais próximo do liberalismo do que da democracia. Em seu projeto Constitucional,
o segundo capítulo é dedicado a total liberdade e igualdade civil dos argentinos:
todos são iguais perante a lei e dever ter liberdade de exercer o comércio e a
navegação, de se expressar, de professar qualquer culto e de que suas
propriedades sejam invioláveis. Inclusive os estrangeiros teriam esses direitos; neste
mesmo capítulo, o jurista, deixa claro que não há distinção entre naturais e
estrangeiros. 148
Já no campo político Alberdi não é tão democrático. Crê que o sistema
representativo, que caracteriza uma democracia liberal, 149 deveria ser restrito e esta
restrição surge com a diferenciação entre direitos civis e políticos. Assim, como já foi
dito, todos os indivíduos deveriam ser iguais perante a lei e direito a liberdade,
entretanto, nem todos teriam direito a participar da política.
Esta distinção entre direito civil e político acompanha o pensamento que
distingue cidadão passivo de cidadão ativo, difundido por alguns ideólogos, como
Benjamin Constant, Pellegrino Rossi e François Guizot, nas primeiras décadas do
século XIX. 150
Alberdi considera que para participar da política o indivíduo necessita de
estudos e riqueza, ou como ele define: “la Constitución argentina no debe olvidar las
condiciones de inteligencia y de bienestar material exigidas por la prudencia en
todas partes como garantías de la pureza y acierto del sufragio”.151
Para Alberdi, inteligência e riqueza andam juntas, pois uma pessoa que não
tem capacidade intelectual avantajada não atingirá sucesso financeiro; Atingindo
este patamar, o indivíduo já provou ter capacidade administrativa, além de poder se
dedicar a política sem preocupações com trabalho ou renda escassa. Assim, para o
tucumano a “libertad política era una cuestión de capacidad”. 152
148 ALBERDI, Juan Bautista. Bases y puntos de partida para la organización de la República Argentina. Buenos Aires: La Cultura Argentina, 1915, p. 263 e 264. 149 BOBBIO, Norberto. Liberalismo y democracia. México, D. F.: Fondo de Cultura Económica, 1996. 150 BEIRED, José Carlos Bendicho. Tocqueville, Sarmiento e Alberdi: três visões sobre a democracia nas Américas. História. São Paulo, v. 22, n. 2, p. 71, 2003. BOTANA, Natalio R. La tradición republicana. Alberdi, Sarmiento y las ideas políticas de su tiempo. Buenos Aires: Debolsillo, 2005, p. 333. 151 ALBERDI, Juan Bautista. Bases y puntos de partida para la organización de la República Argentina. Buenos Aires: La Cultura Argentina, 1915, p. 153. 152 BOTANA, Natalio R. La tradición republicana. Alberdi, Sarmiento y las ideas políticas de su tiempo. Buenos Aires: Debolsillo, 2005, p. 333.
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Seguindo este raciocínio, em seu projeto constitucional, define, por exemplo,
que para ser deputado é necessário provar uma renda de mil pesos anuais; já para
adentrar no senado seriam necessários dois mil pesos. 153
Além de selecionar quem poderia ou não ser candidato a um cargo político, o
projeto alberdiano também não contemplava eleições diretas. Para o jurista, o êxito
de um sistema republicano estava relacionado a um sistema eleitoral adequado.
Sendo coerente com a sua crença de que os argentinos não possuíam capacidade
suficiente para um sistema republicano representativo “puro”, Alberdi defende um
sistema de eleições indiretas:
Para obviar los inconvenientes de una supresión brusca de los derechos de que ha estado en posesión la multitud podrá emplearse el sistema de elección doble y triple, que es el mejor medio de purificar el sufragio universal sin reducirlo ni suprimirlo, y de preparar las masas para el ejercicio futuro del sufragio directo. 154
Percebemos neste fragmento que Alberdi defende um sistema eleitoral duplo
ou triplo, ou seja, os cidadãos comuns 155 teriam limitada participação nas decisões
políticas. Ao conceder aos cidadãos pequena participação política, o autor de Bases
tentava depurar o sufrágio universal sem extingui-lo. 156
Porém, a limitação do sufrágio universal não é uma forma de suprimi-lo? Para
Alberdi, decididamente não! Uma vez que os cidadãos que não participavam
ativamente da política, em um primeiro momento, não seriam excluídos, pois teriam
a possibilidade de atingir um progresso pessoal e passar a figurar entre os cidadãos
com direito político pleno. Nas próprias palavras de Alberdi: “la inteligencia y la
fortuna en cierto grado no son condiciones que excluyan la universalidad del
sufragio, desde que ellas son asequibles para todos mediante la educación y la
industria”. 157
Em outras palavras, todos têm a chance de progredir e para adquirir direitos
políticos plenos, cada cidadão dependerá da sua própria competência. Esta idéia é
153 Projeto Constitucional alberdiano. In: ALBERDI, Juan Bautista. Bases y puntos de partida para la organización de la República Argentina. Buenos Aires: La Cultura Argentina, 1915, p. 272. 154 ALBERDI, Juan Bautista. Bases y puntos de partida para la organización de la República Argentina. Buenos Aires: La Cultura Argentina, 1915, p. 153. 155 Aqui trato como cidadãos comuns todos aqueles que não possuíam renda e “capacidade” suficiente para ser candidato em uma eleição na Argentina. 156 Neste período o sufrágio universal era apenas masculino; não se ventilava estender os direitos políticos às mulheres. 157 ALBERDI, Juan Bautista. Bases y puntos de partida para la organización de la República Argentina. Buenos Aires: La Cultura Argentina, 1915, p. 153.
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central em uma visão extremada da liberal-democracia, cuja essência está na
igualdade de oportunidades, de condições.
Outro ponto salientado por Alberdi, quanto ao sistema democrático que
deveria ser instaurado na Argentina, diz respeito à questão do estrangeiro. Em sua
ótica os estrangeiros que chegassem ao país deveriam ter todos os direitos civis
assegurados, 158 já em relação aos direitos políticos é bem taxativo: “países que
deben formarse y aumentarse con extranjeros de regiones más ilustradas que las
nuestras, no deben cerrarles absolutamente las puertas de la representación”. 159
Assim, o estrangeiro, que desejasse morar na Argentina, a princípio poderia
escolher se queria se tornar ou não cidadão e para adquirir a cidadania necessitaria
residir por dois anos consecutivos no país. Após quatro anos residindo na Argentina,
um estrangeiro poderia se tornar deputado e após seis anos, senador; porém esta
abertura política aos estrangeiros não se aplicava ao cargo de presidente da
república, que poderia ser ocupado apenas pelos argentinos. 160
Ao propor um poder executivo forte e a distinção entre direitos civis e
políticos, Alberdi começava a definir o sistema político que acreditava ser mais
adequado para Argentina naquele momento. Porém, mais importante e complicado
que definir o sistema representativo republicano era definir se o Estado argentina
seria centralizado ou não. Como já foi dito, desde o período de independência, o
país sofreu uma ruptura política causada pela disputa entre o grupo unitarista e o
federalista. Alberdi sabia que a estruturação política do país passava por esta
delicada decisão e dedicou muitas páginas de Bases a esta questão, que só seria
resolvida, em sua opinião, através de uma análise dos antecedentes históricos e das
características físicas e sociais da Argentina. 161
Para Alberdi, a Argentina possui antecedentes tanto federalistas como
unitaristas. Este passado dúbio é o principal responsável pelo conflito entre os
158 Analisaremos melhor os direitos dos estrangeiros no terceiro capítulo deste trabalho. 159 ALBERDI, Juan Bautista. Bases y puntos de partida para la organización de la República Argentina. Buenos Aires: La Cultura Argentina, 1915, p. 153. 160 Também teria direito a esta cidadania, antes deste prazo: o imigrante que habitasse terras despovoadas ou indígenas; os que realizassem grandes trabalhos ou inventasse algo de utilidade pública; além dos que introduzissem grandes fortunas no país. Ver: Projeto Constitucional alberdiano. In: ALBERDI, Juan Bautista. Bases y puntos de partida para la organización de la República Argentina. Buenos Aires: La Cultura Argentina, 1915. p, 266 e 276. 161 Alberdi afirmou em Bases que a centralização ou não do Estado seria uma peça acessória da forma de governo, porém no caso argentino seria primordial, graças ao passado de divergência qu marcou o país. Ver: ALBERDI, Juan Bautista. Bases y puntos de partida para la organización de la República Argentina. Buenos Aires: La Cultura Argentina, 1915, p. 113 e 131.
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defensores das duas formas de organização do Estado nacional. Os antecedentes
federalistas surgiram durante o período colonial através das administrações
municipais espanholas, denominadas Cabildos; já os antecedentes unitaristas
também surgiram neste período com a administração colonial ocorrendo através da
centralização do poder pelos vice-reis.
O vice-rei era nomeado pelo rei espanhol e era o seu representante direto na
colônia e, por isso, centralizava praticamente todo o poder, já que era o chefe
supremo. Também havia unidade judiciária, todas as províncias reconheciam
apenas um tribunal de apelação, conhecido como Real Audiência. As legislações
civil, comercial e penal também eram iguais para todos. Por fim, havia uma unidade
territorial, religiosa e lingüística. 162
Mesmo com todo este centralismo, por parte do governo espanhol, as
administrações municipais nunca deixaram de ter importância e tradição política.
Sobre o assunto, Alberdi escreveu: “Nunca los esfuerzos ulteriores de centralización
pudieron destruir el germen de libertad y de independencia locales depositado en las
costumbres de los pueblos españoles por las antiguas instituciones de libertad
municipal”. 163
A importância política dos cabildos era evidente e durante o processo de
independência ganhou ainda mais importância ao se tornar o centro da política
criolla. Após o processo de independência outros antecedentes federalistas
surgiram, com a expansão do governo local para um governo provincial,
caracterizado por legislação própria; também surgiram acordos interprovinciais,
como o pacto litoral de 1831, que consagrava o princípio federalista. 164 Mas também
há antecedentes unitários, como a união militar e os esforços conjuntos da
população durante a guerra contra a Espanha. A unidade diplomática, após o
processo de independência também deve ser considerada um antecedente
unitarista, assim como as Constituições de 1819 e 1826. 165
162 ALBERDI, Juan Bautista. Bases y puntos de partida para la organización de la República Argentina. Buenos Aires: La Cultura Argentina, 1915, p. 114. 163 ALBERDI, Juan Bautista. Bases y puntos de partida para la organización de la República Argentina. Buenos Aires: La Cultura Argentina, 1915, p. 136. 164 ALBERDI, Juan Bautista. Bases y puntos de partida para la organización de la República Argentina. Buenos Aires: La Cultura Argentina, 1915, p.114. 165 ALBERDI, Juan Bautista. Bases y puntos de partida para la organización de la República Argentina. Buenos Aires: La Cultura Argentina, 1915, p. 115.
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Alberdi enumera vários antecedentes unitários e federalistas na história
argentina desde o período colonial, 166 objetivando demonstrar que ambos os
sistemas não podem ser ignorados e que a organização do Estado, quando
realizada deveria respeitar esses antecedentes. Em outras palavras, a organização
do Estado deveria contemplar as duas formas, ou seja, não poderia ser uma
organização pura, federalista ou unitarista.
Uma unidade pura, além de contrariar os antecedentes federalistas da
Argentina, na visão alberdiana, não seria a melhor solução, pois iria contra as
características físicas do próprio país, uma vez que países, com grandes extensões,
como a Argentina, não se adaptariam às condições de uma forte centralização
política. 167
Influenciados pela unidade indivisível proclamada na França, no final do
século XVIII, os defensores do unitarismo não levaram em conta que a distância do
centro administrativo, fortalecia o poder local e enfraquecia o poder central, que
deveria primar por sua força. Esta situação se acentuava ainda mais, devido a uma
rede de transporte ineficiente; este fato afastava ainda mais as localidades dentro do
território nacional, ao mesmo tempo em que fortalecia a soberania das províncias.168
Os unitaristas, além de não levarem em conta a extensão do território
nacional, ao defender o modelo francês, não levaram em conta, segundo Alberdi, a
falta de população, de cultura e de recursos no Prata:
Lo cierto es que Francia es unitária, por la misma razón que hace existir a la Unión de Norte América: por la riqueza, por la población, la practibilidad del territorio y la cultura de sus habitantes, que son la base de todo gobierno general. Nosotros somos incapaces de federación e de la unidad perfectas, porque somos pobre, incultos y pocos. 169
Alberdi sentenciou neste fragmento que uma organização pura seria
impossível no estágio em que a Argentina se encontrava. O tucumano também era
166 Os antecedentes citados neste trabalho são os considerados de maior relevância, porém Alberdi cita outros antecedentes, principalmente culturais. Ver: ALBERDI, Juan Bautista. Bases y puntos de partida para la organización de la República Argentina. Buenos Aires: La Cultura Argentina, 1915. 167 ALBERDI, Juan Bautista. Bases y puntos de partida para la organización de la República Argentina. Buenos Aires: La Cultura Argentina, 1915, p. 133. 168 ALBERDI, Juan Bautista. Bases y puntos de partida para la organización de la República Argentina. Buenos Aires: La Cultura Argentina, 1915, p. 144. 169 ALBERDI, Juan Bautista. Bases y puntos de partida para la organización de la República Argentina. Buenos Aires: La Cultura Argentina, 1915, p. 131.
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contrário àquilo que ele considerava uma federação simples, caracterizada por uma
aliança de poderes iguais e independentes entre as províncias. 170
Na visão Alberdiana, a simples federação seria muito frágil, pois qualquer
uma das partes – províncias – teria o direito de revogar e sair da aliança. O que
poderia ocorrer devido a ausência de um governo geral, superior ao governo
províncial, ou como escreve o jurista: “excluye igualmente la simples federación toda
idea de nacionalidad o fusión, pues toda alianza deja intacta la soberanía de los
aliados’’. 171
Os Estados Unidos eram um bom exemplo para este caso, já que a princípio
tinha estabelecido uma federação pura, que não durou muito tempo, por causa dos
fatores citados acima. Para Alberdi, a federação pura arruinou os Estados Unidos
por oito anos e o país só entrou nos trilhos da estabilidade política e do crescimento
econômico com a mudança para uma federação mista. 172 A Argentina deveria ter
um sistema que contemplasse uma união entre províncias, estas deveriam ser
subordinadas a um poder geral, responsável pela administração nacional. Desta
forma o localismo poderia conviver com o nacionalismo, como Alberdi desejava:
Será, pues,nuestra forma normal un gobierno mixto, consolidable en la unidad de un régimen nacional; pero no indivisible como quería el congreso de 1826, sino divisible y dividido en gobiernos provinciales limitados, como el gobierno central, por la ley federal de la República. 173
O federalismo misto proposto por Alberdi não contrariaria os antecedentes
unitaristas nem federalistas e corresponderia com êxito ao momento do país, além
de ser a melhor alternativa para colocar um ponto final no conflito entre as duas
facções, que por décadas se degladiaram por propostas provinciais e nacionais de
poder.
Escolhida a organização de Estado que melhor se adaptava a Argentina,
Alberdi se voltou para a sua aplicalbilidade, ou seja, como a Constituição deveria
contemplar em seu conteúdo a federação mista. Novamente os Estados Unidos são
170 ALBERDI, Juan Bautista. Bases y puntos de partida para la organización de la República Argentina. Buenos Aires: La Cultura Argentina, 1915, p. 142. 171 ALBERDI, Juan Bautista. Bases y puntos de partida para la organización de la República Argentina. Buenos Aires: La Cultura Argentina, 1915, p. 143. 172 ALBERDI, Juan Bautista. Bases y puntos de partida para la organización de la República Argentina. Buenos Aires: La Cultura Argentina, 1915, p. 144. 173 ALBERDI, Juan Bautista. Bases y puntos de partida para la organización de la República Argentina. Buenos Aires: La Cultura Argentina, 1915, p. 145.
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o exemplo ao lado de Alemanha e Suiça, já que foram os primeiros países a
utilizarem este sistema. Assim como os norte-americanos, suiços e alemães, os
argentinos deveriam dividir o legislativo em duas casas representativas: uma deveria
representar as províncias e outra a nação e a sua população como um todo. 174
O senado seria o representante das províncias e teria como essência a
igualdade entre elas, motivo pelo qual, todas deveriam ter o mesmo número de
representantes, e apesar das diferenças nos âmbitos: territoriais, sociais e
econômicos, elas seriam consideradas iguais como corpo político. Já a câmara de
deputados representaria toda a nação, sem levar em consideração a localidade,
assim cada província teria um número diferente de representantes, conforme o
censo da população. Desta forma, as províncias com mais população teriam mais
participação na política nacional do que as demais. 175
Também era necessário um poder executivo forte, presente e capaz de tomar
decisões claras e a favor da nação. Para tanto, as leis constitucionais deveriam
contemplar todas as atribuições deste poder nos seguintes âmbitos: interior,
relações estrangeiras, fazenda e diplomacia. 176
O federalismo misto era, na visão alberdiana, a última peça que completaria o
quebra-cabeça da estruturação política pensada por ele e cujo objetivo era o de
garantir o progresso do país.
Na Argentina isto só seria possível através de uma estruturação política capaz
de se adequar às particularidades de um povo que estava se constituindo e vivendo
uma dualidade que não o deixava progredir: ao mesmo tempo em que sentia
dificuldades de se adaptar a sistemas políticos modernos e vigentes nos principais
países do mundo, também sentia necessidade de se adequar a estes sistemas, pois
sabiam que através deles, poderia se desenvolver. A república possível, defendida
por Alberdi, acabou com a dualidade ao adequar a política moderna à capacidade do
povo argentino.
Os deputados constituintes concordaram com as idéias de Alberdi e criaram
leis constitucionais responsáveis pela criação da “República Argentina possível”.
Assim o primeiro artigo da Constituição anunciava a forma representativa 174 ALBERDI, Juan Bautista. Bases y puntos de partida para la organización de la República Argentina. Buenos Aires: La Cultura Argentina, 1915, p.148. 175 ALBERDI, Juan Bautista. Bases y puntos de partida para la organización de la República Argentina. Buenos Aires: La Cultura Argentina, 1915, p. 149-150. 176 Projeto Constitucional alberdiano. In: ALBERDI, Juan Bautista. Bases y puntos de partida para la organización de la República Argentina. Buenos Aires: La Cultura Argentina, 1915, p. 279-281.
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republicana federal de governo, 177 porém, assim como defendia o jurista, esta forma
de governo foi implementada adequadamente ao momento argentino.
Por exemplo, os deputados formularam um capítulo na Constituição, com
quatro artigos referentes a regulamentação das eleições de presidente e vice-
presidente do país. Estes artigos definiam as eleições indiretas, na qual as
províncias elegeriam um número determinado de cidadãos que formariam o colégio
eleitoral responsável pela escolha dos governantes nacionais. 178 Apenas na eleição
para Deputado Federal os cidadãos argentinos escolheriam diretamente os seus
representantes, uma vez que os senadores também eram eleitos indiretamente
pelas legislaturas provinciais. 179
Além de restringir a participação dos cidadãos nas eleições, a Constituição
também diferenciava os direitos políticos dos civis: dificultando a participação política
dos cidadãos comuns, através do estabelecimento de uma renda mínima para ser
candidato ao mesmo tempo em que garantia os direitos civis a todos os moradores
do país, inclusive aos estrangeiros. 180
Também foi formado um poder nacional forte, centralizador, ou como Alberdi
defendia, uma república com algumas características monárquicas. Este poder
nacional centralizador, pouca autonomia delegava as províncias, como podemos ver
no artigo 105:
Las Provincias no ejercen el poder delegado a la Confederación. No pueden celebrar tratados parciales de carácter político; ni expedir leyes sobre comercio, o navegación interior o exterior; ni establecer Aduanas Provinciales; ni acuñar moneda; ni establecer bancos con facultades de emitir billetes, sin autorización del Congreso Federal; ni dictar los códigos civil, comercial, penal y de minería, después q. el Congreso los haya sancionado; ni dictar especialmente leyes sobre ciudadanía y naturalización, bancarrotas, falsificación de moneda o documentos del Estado; ni establecer derechos de tonelaje; ni armar
177 ARGENTINA. Constitución da la Confederación Argentina, 1853. Artigo 1º. Disponível em: http://www.cervantesvirtual.com/servlet/SirveObras/hist/06921841222858395209079/index.htm. Acesso em: 15/07/2005. 178 ARGENTINA. Constitución da la Confederación Argentina, 1853. Artigos 78-81. Disponível em: http://www.cervantesvirtual.com/servlet/SirveObras/hist/06921841222858395209079/index.htm. Acesso em: 15/07/2005. 179 ARGENTINA. Constitución da la Confederación Argentina, 1853. Artigos 33, 42. Disponível em: http://www.cervantesvirtual.com/servlet/SirveObras/hist/06921841222858395209079/index.htm. Acesso em: 15/07/2005. 180 ARGENTINA. Constitución da la Confederación Argentina, 1853. Artigos 14, 36, 43, 73. Disponível em: http://www.cervantesvirtual.com/servlet/SirveObras/hist/06921841222858395209079/index.htm. Acesso em: 15/07/2005
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buques de guerra o levantar ejércitos, salvo el caso de invasión exterior o de un peligro tan inminente que no admita dilación dando luego cuenta al Gobierno federal; ni nombrar o recibir agentes extranjeros; ni admitir nuevas órdenes religiosas.181
Mesmo com tantas restrições, cada província tinha direito a promulgar a sua
própria Constituição, porém esta deveria ser aprovada pelo congresso nacional.
Assim, o controle do poder nacional sobre o provincial estava garantido
constitucionalmente na forma do federalismo misto proposto por Alberdi.
Por fim, a “República Argentina possível” pensada por Alberdi foi contemplada
na Constituição de 1853, que declarava uma república representativa federalista,
composta por um legislativo bi-cameral, um executivo forte e diferenciação entre
direitos civis e políticos. 182 Com isso, a base política foi feita e o caminho estava
livre para o desenvolvimento da Argentina; como veremos no próximo capítulo.
181 ARGENTINA. Constitución da la Confederación Argentina, 1853. Artigo 105. Disponível em: http://www.cervantesvirtual.com/servlet/SirveObras/hist/06921841222858395209079/index.htm. Acesso em: 15/07/2005. 182 ARGENTINA. Constitución da la Confederación Argentina, 1853. Disponível em: http://www.cervantesvirtual.com/servlet/SirveObras/hist/06921841222858395209079/index.htm. Acesso em: 15/07/2005.
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CAPÍTULO 3
UM DESERTO CHAMADO ARGENTINA
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Este capítulo analisa o “carro-chefe” do pensamento alberdiano: a política de
incentivo a imigração e ao progresso material; também conhecida como “governar é
povoar”. O objetivo do capítulo é mapear como esta política influenciou na
Constituição e no processo imigratório que ocorreu na Argentina na segunda metade
do século XIX.
O capítulo anterior mostrou que Alberdi preocupava-se com uma estruturação
eficiente do Estado, através da criação de instituições e leis coerentes com o
momento histórico do país e capazes de estabilizar a conturbada política nacional.
Para o jurista, esta análise resulta na necessidade de conceber uma “República
Argentina possível”, na qual a estruturação institucional deveria respeitar a cultura
política da população local.
Para Alberdi, a Argentina enfrentava um grave problema: era pobre, carente
de riquezas materiais. Por isso, o Estado deveria oferecer, aos administradores do
país, através de leis constitucionais, subsídios suficientes para a formulação de uma
política modernizadora voltada para a erradicação deste problema: “Así, la
Constitución en si misma no es más que la organización del gobierno considerado
en los sujetos y cosas sobre que ha de recaer su acción”. 183
A Constituição deveria criar e organizar meios práticos de tirar a Argentina
“del estado obscuro y subalterno” em que encontrava-se. 184 A seguir, serão
analisados os problemas que dificultavam o progresso argentino e apresentadas as
idéias de Alberdi para esta política, que deveria contemplar o progresso.
3.1 Transformando um deserto em nação
Para Alberdi, a Argentina deveria ser associada a um deserto: possuía
duzentas mil léguas de extensão territorial e apenas oitocentos mil habitantes. Esta
perspectiva é claramente indicada por Leon Pomer, na introdução da edição
brasileira de Bases:
183 ALBERDI, Juan Bautista. Bases y puntos de partida para la organización de la República Argentina. Buenos Aires: La Cultura Argentina, 1915, p. 130. 184 ALBERDI, Juan Bautista. Bases y puntos de partida para la organización de la República Argentina. Buenos Aires: La Cultura Argentina, 1915, p. 67.
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Ali estava o deserto. Dispersas, separadas por enormes distâncias, algumas pequenas ilhas populacionais miseráveis. Duas cidades de certa importância: Buenos Aires e Córdoba, o porto e a universidade antiga e presunçosa. Índios? Escassos. Alguns amansados à força; outros, transformados em parias ou em ladrões de gado a serviço de senhores chilenos. No Chaco, na planície, na montanha, aborígines errantes, cultivadores, se possível, do sagrado milho, da quinua, da batata. Um deserto de homens, com rebanhos aqui e ali, como grandes manchas em um imenso mapa quase virgem. 185
Na visão alberdiana, a escassa população, que compunha o país, era
consequência e herança da política colonial espanhola, que dificultava pessoas de
outras nacionalidades a fixar residência na colônia. O monopólio que a coroa
espanhola exercia em suas terras americanas afugentava aos que desejavam
habitar estas áreas no Novo Continente. 186
La América del Norte por el liberalismo de su sistema colonial siempre atrajo pobladores a su suelo en gran cantidad, aun antes de la independencia; pero nosotros, herederos de un sistema tan esencialmente exclusivo, necesitamos de una política fuertemente estimulante en lo exterior. 187
A abundante riqueza natural encontrada em terras argentinas não era
adequadamente utilizada pela população local, que estava limitada a uma pequena
área próxima ao litoral. Um país pobre como a Argentina não poderia ignorar a sua
riqueza, caso almejasse a prosperidade e, por isso, deveria incentivar o povoamento
de suas terras inexploradas, até aquele momento.
Assim, o progresso estava condicionado à mudança deste cenário e povoar o
país seria fundamental para se atingir este objetivo. Para povoar o “deserto” era
preciso incentivar populações que habitavam outras regiões a se deslocarem para a
Argentina, ou seja, incentivar a imigração.
Ao propor a imigração como forma de elevar o país, Alberdi aproxima-se do
pensamento de Pellegrino Rossi, que defendia a importância de população –
quantitativa e qualitativamente – para o desenvolvimento das nações modernas, que
deveriam explorar todo o seu potencial econômico. Rossi utiliza a própria América
185 POMER, Leon. Apresentação. In: Fundamentos da organização política da Argentina. Tradução Ângela M. N. Tijiwa. Campinas: Editora da UNICAMP, 1994, p. 9-10. 186 ALBERDI, Juan Bautista. Bases y puntos de partida para la organización de la República Argentina. Buenos Aires: La Cultura Argentina, 1915, p. 34. 187 ALBERDI, Juan Bautista. Bases y puntos de partida para la organización de la República Argentina. Buenos Aires: La Cultura Argentina, 1915, p. 45.
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Latina, analisada por Alberdi, como exemplo de nações que deveriam incentivar a
imigração, caso almejassem o progresso. 188
Propor uma política de povoamento da Argentina deveria ser o objetivo do
novo Estado nacional. Para Alberdi era necessário explicitar esta política na
Constituição que estava sendo formulada, pois, do contrário, não seria mais do que
a Constituição de um deserto e estaria fadada ao fracasso, ameaçando, inclusive o
futuro do país. 189
Para o êxito desta política institucional, antes era necessário combater a
cultura de aversão aos estrangeiros, presente na sociedade argentina desde o
período colonial - como já foi mencionado neste capítulo. Mesmo com o fim do
monopólio espanhol, os argentinos mantiveram a falta de receptividade aos
estrangeiros, pois desejavam consolidar a soberania do país.
No período imediato a independência, as ex-colônias encontravam-se em
guerra com a Espanha e com receio de voltar ao domínio da ex-metrópole, os
argentinos promulgaram leis voltadas para a segurança e soberania nacional. O
resultado desta política foi a criação de dificuldades legais para que o estrangeiro
habitasse o país.
A aversão aos estrangeiros também era utilizada pelos políticos rio-platenses
para criar e difundir uma unidade nacional. Desdenhar tudo aquilo que não era
nacional, auxiliava os argentinos a se sentirem pertencentes a um mesmo grupo, 190
ou seja, os argentinos criaram um grupo distinto ao definirem que eram diferentes
dos estrangeiros. Este pode ter sido o embrião do sentimento nacionalista no país.
Pode ter sido benéfica para a consolidação da Argentina a aversão aos
estrangeiros, porém, nos meados do século XIX o seu resultado era catastrófico,
segundo Alberdi, para o país:
Los reyes de España nos enseñaron a odiar bajo el nombre de extranjero, a todo el que no era español. Los libertadores de 1810, a su vez, nos enseñaran a detestar bajo el nombre de europeo a todo el que no había nacido en América. España misma fue comprendida en este odio. La cuestión de guerra se estableció en estos términos: Europa e América, el viejo mundo y el mundo de Colón. Aquel odio se
188 HERRERO, Alejandro. La política en tiempo de guerra. La cultura política francesa en el pensamiento de Alberdi (1837-1852). Lanús: Cooperativa Edunia, 2004, p. 14. 189 ALBERDI, Juan Bautista. Bases y puntos de partida para la organización de la República Argentina. Buenos Aires: La Cultura Argentina, 1915, p. 35 e 217. 190 ALBERDI, Juan Bautista. Bases y puntos de partida para la organización de la República Argentina. Buenos Aires: La Cultura Argentina, 1915, p. 67.
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llamó lealtad y éste patriotismo. En su tiempo esos odios fueron resortes útiles y oportunos; hoy son preocupaciones aciagas a la prosperidad de estos países. 191
Acabar com a aversão aos estrangeiros seria fundamental na estratégia de
povoar e levar prosperidade à Argentina, pois este cenário ocasionava a ruína do
país. Para tanto, seria necessário modificar a cultura dos habitantes por meio da
instrução, da história e da imprensa. Em outras palavras, era preciso transmitir para
o povo uma nova cultura, voltada para a receptividade de habitantes oriundos de
outros países, pois só assim os argentinos poderiam fomentar a imigração. 192
Promover a imigração era o mecanismo encontrado por Alberdi para
modernizar e transformar à Argentina. O jurista tucumano denominava esta política
de povoamento como: governar é povoar. “Poblar, repito, es instruir, educar,
moralizar, mejorar la raza; es enriquecer, civilizar, fortalecer y afirmar la libertad del
país, dándole la inteligencia y la costumbre de su propio gobierno y los medios de
ejercerlo”. 193 Ou seja, povoar não era apenas preencher o que Alberdi denominava,
os imensos vazios dos pampas argentinos, mas um caminho para a consolidação e
estabilidade política argentina, além de um mecanismo capaz de gerar o progresso
material ou econômico do país.
Em suma, a população imigrante seria para Alberdi ao mesmo tempo o fim e
o meio de sua proposta, pois os estrangeiros teriam o papel de civilizar o país,
criando uma “nova Argentina”. Por isso, afirmava que povoar também seria civilizar.
Noutros termos, Alberdi defendia uma ação civilizadora na América. Porém, antes de
analisarmos este processo civilizador, acreditamos ser necessário entender e
conceituar o que é uma ação civilizadora.
Segundo o sociólogo Norbert Elias, o ocidente 194 passa por um processo
civilizatório cujo resultado é a modificação dos costumes sociais, ou seja, “o homem
ocidental nem sempre se comportou da maneira que estamos acostumados a
191 ALBERDI, Juan Bautista. Bases y puntos de partida para la organización de la República Argentina. Buenos Aires: La Cultura Argentina, 1915, p. 86. 192 ALBERDI, Juan Bautista. Bases y puntos de partida para la organización de la República Argentina. Buenos Aires: La Cultura Argentina, 1915, p. 86. 193 ALBERDI, Juan Bautista. Bases y puntos de partida para la organización política de la República Argentina. Buenos Aires: La Cultura Argentina, 1915, p. 17. 194 Elias abarca em sua análise o processo civilizador no ocidente, contemplando a Europa. Mesmo não tratando especificamente do caso americano, optamos por este autor, uma vez que mesmo exemplificando com a Europa, o sociólogo abrange a sua análise ao utilizar o termo ocidente e não podemos nos esquecer que a América a partir da colonização desenvolveu hábitos ocidentais europeus.
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considerar típica ou como característica do homem civilizado”. 195 Elias associa o
termo a uma grande variedade de fatos relacionados a atitudes e atividades
humanas; pelos quais o conceito acaba expressando a “consciência que o ocidente
tem de si mesmo, que resulta no que lhe constitui o caráter especial e aquilo de que
se orgulha: o nível de sua tecnologia, a natureza de suas maneiras, o
desenvolvimento de sua cultura científica ou visão do mundo, e muito mais”.196
Assim, está presente no termo um conjunto de valores, que define de forma
comparativa a relação entre superioridade e inferioridade: a civilização contrapõe-se
à barbárie, sendo que uma depende da outra para existir. Em última instância, o
homem civilizado é aquele que sofreu um processo de modificação de seus
costumes, acreditando que estes novos costumes são melhores e, por isso, o
elevam e o tornam superior com respeito a outros indivíduos que não atravessaram
esse processo.
O processo civilizador vai, portanto, influenciar diretamente as atitudes e
atividades dos indivíduos. Entretanto, o surgimento do processo ocorre na
sociedade: “nenhum ser humano chega civilizado ao mundo e o processo civilizador
individual que ele obrigatoriamente sofre é uma função do processo civilizador
social”. 197 Qualquer atitude tomada por um indivíduo jamais deve ser analisada de
forma isolada, pois há laços invisíveis que ligam esse indivíduo e suas ações a
outros. 198
Esta relação social que se forma entre os indivíduos gera a transmissão e a
receptividade de hábitos e costumes que são transportados do todo para o
individual; o que resulta na consolidação de classes, responsáveis pela criação,
difusão e recepção de novos costumes. Pensando de uma forma abrangente, as
nações podem e devem ser consideradas transmissoras e receptoras de uma
civilização. 199
195 ELIAS, Norbert. O Processo Civilizador. Uma História dos Costumes. Tradução de Ruy Jungmann. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994, v. 1, p. 13. 196 ELIAS, Norbert. O Processo Civilizador. Uma História dos Costumes. Tradução de Ruy Jungmann. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994, v. 1, p. 23. 197 ELIAS, Norbert. O Processo Civilizador. Uma História dos Costumes. Tradução de Ruy Jungmann. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994, v. 1, p. 15. 198 ELIAS, Norbert. A sociedade dos indivíduos. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1994, p. 23. 199 ELIAS, Norbert. O Processo Civilizador. Uma História dos Costumes. Tradução de Ruy Jungmann. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994, v. 1, p. 64
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Com a política do “governar é povoar”, Alberdi também utiliza este
pressuposto de transmissão de hábitos de uma sociedade, ou civilização, para outra.
Também defendia que as civilizações mais capacitadas e mais avançadas tenderiam
a conquistar e expandir-se por outras regiões com menor grau de desenvolvimento.
Esta seria uma lei natural de expansão e “así, el fin providencial de esa ley de
expansión es el mejoramiento indefinido de la especie humana, por el cruzamiento
de las razas, por la comunicación de las ideas y creencias, y por la nivelación de las
poblaciones con las subsistencias”. 200
Esta lei natural de expansão, segundo Alberdi, foi utilizada pelos europeus em
solo americano desde o descobrimento do Novo Mundo. A América transformou-se,
desde então, em uma extensão da Europa, que passou a ser a operadora da nova
civilização.
Assim, a América seria uma continuidade da Europa e o homem americano
seria um europeu longe do seu continente. Em seus escritos, Alberdi afirma
categoricamente que o americano é um europeu de raça e de civilização que se
tornou dono do Novo Continente. Justifica esta premissa assegurando que a religião,
língua, moral, leis e costumes presentes na América são semelhantes às européias,
já que foi transmitida pelos habitantes do Velho continente. 201
A afirmação que tudo na América é uma extensão da Europa, tem como
fundamento a negação de qualquer herança cultural dos primeiros habitantes do
continente, os índios. Não por acaso, como já foi citado neste texto, os índios eram
considerados inferiores, pelo tucumano, quando comparado com os europeus.
Alberdi definiu o indígena como “selvagem”, o “bárbaro” que foi derrotado por
civilizações européias superiores. A conseqüência desta premissa foi que qualquer
tentativa dos primeiros habitantes do continente de participação social, política e até
mesmo cultural foi aniquilada pelos habitantes do Velho Mundo que se deslocaram
para a América. Sobre o assunto, Alberdi escreveu:
En América todo lo que no es europeo es bárbaro: no hay más división que ésta: 1°, el indígena, es decir, el salvaje; 2°, el europeo, es decir, nosotros, los que hemos nacido en América y hablamos
200 ALBERDI, Juan Bautista Bases y puntos de partida para la organización de la República Argentina. Buenos Aires: La Cultura Argentina, 1915, p. 33. 201 ALBERDI, Juan Bautista Bases y puntos de partida para la organización de la República Argentina. Buenos Aires: La Cultura Argentina, 1915, p. 81.
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español, los que creemos en Jesucristo y no en Pillán (dios de los indígenas). 202
O jurista busca na suposta superioridade religiosa e tecnológica dos europeus
a justificativa para a sua idéia de inferioridade indígena. Também é necessário
salientar que esta exclusão indígena ocorreu na Argentina desde o início da
colonização e com a independência, houve uma intensificação desta política de
exclusão: em 1833, Rosas promoveu uma expedição, cujo objetivo era exterminar os
índios que viviam ao sul dos pampas e que eram considerados os responsáveis
pelos freqüentes roubos de gado das estâncias locais. 203
Seguindo esta corrente predominante na sociedade argentina, em seu projeto
Constitucional, o jurista propõe uma lei segundo a qual o estrangeiro que povoasse
terras pertencentes aos indígenas – para tanto, fica subtendido o extermínio dos
nativos – teria direito a cidadania imediata.
Ao definir civilizações avançadas e atrasadas, Alberdi aproxima-se
novamente do pensamento de Pellegrino Rossi, que “distinguía a los hombres
civilizados, raza blanca europea, formados en la cultura del trabajo y la obediencia
de las leyes de los hombres débiles y mal formados, localizados en África y en
América del Sur”. 204 Não era por acaso que Alberdi desejava que a Argentina fosse
povoada por habitantes de “civilizações avançadas”, pois acreditava que os
imigrantes transformariam o deserto em uma nação desenvolvida, uma vez que,
além de ocuparem os espaços territoriais ditos vazios, inseririam novos hábitos e
costumes.
202 ALBERDI, Juan Bautista. Bases y puntos de partida para la organización de la República Argentina. Buenos Aires: La Cultura Argentina, 1915, p. 83. Em contraponto à idéia de Alberdi da europeização da América, podemos citar o sociólogo brasileiro Darcy Ribeiro, que critica a forma como os habitantes genuinamente rio-platenses, Ladinos e Gaúchos – mestiços de índios com espanhóis que possuíam cultura própria – perderam espaço, com a difusão da proposta de civilizar o país por meio da imigração européia. Para Ribeiro, “neste processo, a população ladina e gaúcha, [...] foi esmagada e substituída, como contingente básico da nação, por um alude de imigrantes europeus”. Ver mais em: RIBEIRO, Darcy. As américas e a civilização. Processo de formação e causas do desenvolvimento desigual dos povos americanos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1970, p. 110. 203 ROMERO, José Luis. Breve historia de la Argentina. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica de Argentina. 2000, p. 77. 204 HERRERO, Alejandro. La política en tiempo de guerra. La cultura política francesa en el pensamiento de Alberdi (1837-1852). Lanús: Edunia, 2004, p. 14.
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Na visão alberdiana, o europeu, graças a sua superioridade civilizatória, 205
havia tomado e transformado a América indígena. Por isso, nada mais lógico do que
povoar a Argentina com os imigrantes europeus. Neste processo ninguém sairia
perdendo: a Argentina possuía vasto território e necessitava de população; já a
Europa tinha muita população e limitado território:
El bienestar de ambos mundos se concilia casualmente; y mediante un sistema de política y de instituciones adecuadas, los Estados del otro continente deben propender a enviarnos, por inmigraciones pacíficas, las poblaciones pacíficas, las poblaciones que los nuestros deben atraer por una política e instituciones análogas. Esta es la ley capital y sumaria del desarrollo de la civilización cristiana y moderna en este continente. 206
Entretanto, desde o processo de independência a relação entre americanos e
europeus estava estremecida, o que de acordo com Alberdi prejudicava o
desenvolvimento do Novo Mundo. Motivo pelo qual sentenciou que era:
Tiempo de reconocer esta ley de nuestro progreso americano, y volver a llamar en socorro de nuestra cultura incompleta a esa Europa, que hemos combatido y vencido por las armas en los campos de batalla, pero que estamos lejos de vencer en los campos de la industria. 207
O europeu era o imigrante ideal, segundo o pensamento alberdiano, por
pertencer a civilizações superiores. Porém, Alberdi defendia a idéia de que havia
“duas Europas”: uma civilizada e moderna e outra atrasada e pobre: “todo lo que es
civilizado es europeo, al menos de origen; pero no todo lo europeo es civilizado”. 208
Como conseqüência desta divisão, a Argentina deveria buscar o imigrante da
Europa moderna.
Todavia, uma nação que se encontrava praticamente deserta, como a
Argentina, não poderia fechar as suas portas aos imigrantes que desejassem fixar
205 Para Alberdi as civilizações africanas, asiáticas e indígenas eram “inferiores”, por isso, deveriam ser evitadas no processo imigratório. ALBERDI, Juan Bautista. Bases y puntos de partida para la organización de la República Argentina. Buenos Aires: La Cultura Argentina, 1915, p. 18 206 ALBERDI, Juan Bautista. Bases y puntos de partida para la organización de la República Argentina. Buenos Aires: La Cultura Argentina, 1915, p. 85. 207 ALBERDI, Juan Bautista. Bases y puntos de partida para la organización de la República Argentina. Buenos Aires: La Cultura Argentina, 1915, p. 85. 208 ALBERDI, Juan Bautista. Páginas explicativas, Paris, 1872. Retirado de ALBERDI, Juan Bautista. Bases y Puntos de partida para la organización política de la República Argentina. Buenos Aires: La Cultura Argentina, 1915, p. 16.
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residência no país, mesmo pertencendo a civilizações menos avançadas. Por tanto,
os imigrantes de alguns países europeus, como, por exemplo, Espanha, Itália e
Portugal deveriam ser aceitos pelos argentinos, até mesmo porque muitos deles já
iriam para o Novo Continente, sem o incentivo estatal, em busca de melhoria de
vida. 209
Por sua vez, os europeus do norte do continente deveriam ser incentivados a
imigrarem-se para a Argentina, já que era nesta região do Velho Continente que
estavam localizadas as civilizações mais modernas. A Inglaterra era para Alberdi a
detentora da civilização mais avançada. A superioridade inglesa era justificada por
seu poderio econômico e cultural perante aos demais países:
Es necesario fomentar en nuestro suelo la población anglo-sajona. Ella está identificada con el vapor, el comercio y la libertad, y no será imposible radicar estas cosas entre nosotros sin la cooperación activa de esa raza de progreso y de civilización. 210
Além da inglesa, outra civilização admirada por Alberdi era a norte-americana,
também considerada avançada e moderna, pois a sua formação foi resultado de um
abundante processo migratório do norte da Europa. A recepção de sociedades e
culturas avançadas transformou os Estados Unidos em uma das principais
civilizações do mundo. A ex-colônia inglesa era um exemplo bem-sucedido, na visão
alberdiana, da ação civilizadora européia na América. 211
Assim como os norte-americanos, os argentinos deveriam absorver os hábitos
dos imigrantes. Esta transmissão de cultura deveria ocorrer na convivência diária,
com os argentinos adquirindo dos europeus os “conhecimentos de utilidade material
e imediata”, ou seja, hábitos voltados para o progresso como: industrialização,
construção de ferrovias e livre-comércio.
Resumindo: o imigrante deveria transmitir os seus hábitos avançados para os
argentinos, que com o passar do tempo e com a vivência iriam incorporar essa nova
209 ALBERDI, Juan Bautista. Bases y puntos de partida para la organización de la República Argentina. Buenos Aires: La Cultura Argentina, 1915, p. 18 ALBERDI, Juan Bautista. Peregrinación de luz del día. O viaje y aventuras de la verdad en el nuevo mundo. Buenos Aires: La cultura Argentina, p. 117. Disponível em: <http://www.educ.ar>. Acessado em: 08de maio de 2007, 210 ALBERDI, Juan Bautista. Bases y puntos de partida para la organización de la República Argentina. Buenos Aires: La Cultura Argentina, 1915, p. 216. 211 ALBERDI, Juan Bautista. Bases y puntos de partida para la organización de la República Argentina. Buenos Aires: La Cultura Argentina, 1915, p. 93.
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cultura transformando-a na cultura vigente nacional. Este processo é denominado
por Alberdi como educação das coisas:
Educación que se opera por la acción espontánea de las cosas, la educación que se hace por el ejemplo de una vida más civilizada que la nuestra; educación fecunda, que Rosseau comprendió en toda su importancia e llamó educación de las cosas. 212
A educação das coisas nada mais seria do que a educação prática
responsável pela ação civilizadora européia e pela transformação da Argentina rumo
ao progresso. Ao defender a educação prática, Alberdi relega ao segundo plano a
educação teórica ministrada nas escolas e universidades. 213 Esta última considera o
jurista só atingirá o efeito pretendido a partir do momento em que os habitantes do
país tenham uma bagagem cultural; assim, ela deveria ser aplicada posteriormente a
educação prática, pois só civilizações avançadas teriam capacidade de implementa-
la plenamente. Tal como Alberdi justifica neste parágrafo:
¿La instrucción primaria dada al pueblo más bien fue perniciosa. De qué sirvió al hombre del pueblo el saber leer? De motivo para verse ingerido como instrumento en la gestión de la vida política, que no conocía; para instruirse en el veneno de la prensa electoral, que contamina y destruye en vez de ilustrar; para leer insultos, injurias, sofismas y proclamas de incendio, lo único que pica y estimula su curiosidad inculta y grosera. 214
Alberdi exemplifica e reforça a sua teoria, citando a sua própria profissão: “los
abogados no servimos para hacer caminos de hierro, para hacer navegables y
navegar los ríos, para explotar las minas, para labras los campos, para colonizar los
desiertos”. 215 Portanto, indivíduos portadores de hábitos avançados seriam mais
úteis para a Argentina do que livros; ou como escreveu Alberdi: “no es el alfabeto, es
el martillo, es la barreta, es el arado, lo que debe poseer el hombre del desierto, es
212 ALBERDI, Juan Bautista. Bases y puntos de partida para la organización política de la República Argentina. Buenos Aires: La Cultura Argentina, 1915, p. 65-66. 213 Domingo Faustino Sarmiento, outro importante pensador da época, também defendia a imigração para a Argentina, porém não acreditava que o progresso estava condicionado a educação prática e sim a teórica, com altos investimentos em escolas e universidades. Ver: BOTANA, Natalio R. La tradición republicana. Alberdi, Sarmiento y las ideas políticas de su tiempo. Buenos Aires: Debolsillo, 2005 214 ALBERDI, Juan Bautista. Bases y puntos de partida para la organización de la República Argentina. Buenos Aires: La Cultura Argentina, 1915, p, 77 e 78. 215 ALBERDI, Juan Bautista. Bases y puntos de partida para la organización de la República Argentina. Buenos Aires: La Cultura Argentina, 1915, p. 222.
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decir, el hombre del pueblo sudamericano”. 216 Vai além, ao sentenciar que um
gaúcho não atingiria o nível de um operário inglês nem com cem anos de educação
teórica. 217
Ao não acreditar na força da educação teórica, devido às condições nas quais
se encontrava a Argentina, Alberdi novamente está desconfiando da capacidade da
população argentina, e ao mesmo tempo, está exaltando a elite letrada do país, já
que essa, diferentemente da maioria, estaria em um patamar avançado. Neste caso,
o jurista parece estacionado em 1837, quando esta elite denunciou a falta de
capacidade intelectual da população argentina, que apoiava o governo ditatorial de
Rosas.
Ao defender a educação prática em detrimento a teórica, Alberdi também
estava criticando a política educacional desenvolvida por Bernadino Rivadavia, no
início da década de 1820, em Buenos Aires. A mesma política que ajudou Alberdi a
ter uma boa formação acadêmica, com o convite que recebera e aceitou para
estudar no Colégio de Ciências Morais. 218
Outro alvo de Alberdi era Domingo Faustino Sarmiento, outro notável
intelectual argentino, que tinha uma relação conturbada com o jurista tucumano.
Esta difícil relação resultou em um famoso duelo de pensamentos, que marcou a
história da Argentina na segunda metade do século XIX e que acabou com ofensas
morais e pessoais de ambas as partes. Sarmiento, diferentemente de Alberdi,
privilegiava a educação teórica. Entretanto esta educação também deveria ser
ministrada por europeus, pois assim como o tucumano, o entrerriense também
defendia a superioridade européia. 219
216 ALBERDI, Juan Bautista. Bases y puntos de partida para la organización de la República Argentina. Buenos Aires: La Cultura Argentina, 1915. p, 222. 217 ALBERDI, Juan Bautista. Bases y puntos de partida para la organización de la República Argentina. Buenos Aires: La Cultura Argentina, 1915. p, 222. 218 ALBERDI, Juan Bautista. Bases y puntos de partida para la organización de la República Argentina. Buenos Aires: La Cultura Argentina, 1915. p, 78. 219 BOTANA, Natalio R. La tradición republicana. Alberdi, Sarmiento y las ideas políticas de su tiempo. Buenos Aires: Debolsillo, 2005.
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3.2 Garantias Públicas de Progresso
Alberdi pretendia, então, da miscigenação dos europeus com os argentinos,
formar uma nova população rio-platense. A “nova Argentina” deveria ter hábitos e
costumes capazes de contemplar o progresso material, que por sua vez, seria
resultado, principalmente do desenvolvimento industrial, da expansão ferroviária e
do liberalismo econômico e comercial:
Así como antes colocábamos la independencia, la libertad, el culto, hoy debemos poner la inmigración libre, la libertad de comercio, los caminos de fierro, la industria sin trabas, no en lugar de aquellos grandes principios, sino como medios esenciales de conseguir que dejen ellos de ser palabras y se vuelvan realidades. 220
Para tanto, o estrangeiro que aportasse na Argentina deveria dominar
culturalmente estes meios, denominados pelo jurista como garantias públicas de
progresso. A seguir analisaremos estes meios.
A Argentina tem um território extenso e desde o período colonial os
administradores encontraram dificuldades para unir política ou culturalmente seus
habitantes assentados em várias cidades longínquas e isoladas. Alberdi considerava
essencial “diminuir a distância” entre esses povoados. Até mesmo porque a
diferença entre eles era tão gritante, que não havia como um país se desenvolver
com tantas diferenças. Alberdi chega a afirmar que o país pode ser dividido em dois,
um litoral e outro mediterrâneo – ou interior. 221
O litoral era bem mais avançado que o interior, na visão alberdiana, já que
durante a colonização, houve uma maior, porém tímida, interação das cidades
litorâneas com a Europa; já o interior ficou enclausurado e esquecido pelos
administradores espanhóis e por isso, quando comparado com o litoral é
atrasadíssimo.
Para acabar com esta distância, que divide o país, seria necessária a
construção de uma ampla rede de transporte eficiente. As estradas de ferro eram
consideradas por Alberdi como o grande agente cultural do século XIX, comparadas
220 ALBERDI, Juan Bautista. Bases y puntos de partida para la organización de la República Argentina. Buenos Aires: La Cultura Argentina, 1915, p. 67. 221 ALBERDI, Juan Bautista. Bases y puntos de partida para la organización de la República Argentina. Buenos Aires: La Cultura Argentina, 1915, p. 85.
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apenas com a importância cultural dos conventos, durante a Idade Média, uma vez
que este meio de transporte moderno seria capaz de transformar uma sociedade
silenciosamente, sem brigas ou qualquer lei. 222
A ferrovia seria o meio ideal para superar o isolamento, presente em território
argentino desde o período colonial até o contexto de Alberdi. Além disso, as
estradas de ferro facilitariam o comércio interno do país, com o transporte rápido e
eficiente de matéria-prima e produtos industrializados, por isso, a modernização e o
progresso material do país estavam condicionados, para Alberdi, a uma malha
ferroviária desenvolvida por todo o país:
El ferrocarril es el medio de dar vuelta la derecho lo que la España colonizadora colocó al revés en este continente. Ella colocó las cabezas de nuestros Estados donde deben estar los pies. Para su miras de aislamiento y monopolio, fue sabio ese sistema; para las nuestras de expansión y libertad comercial, es funesto. Es preciso traer las capitales a las costas, o bien llevar el litoral al interior del continente. El ferrocarril y el telégrafo eléctrico, que son la supresión del espacio, obran este portento mejor que todos los potentados de la tierra. 223
Nota-se, neste parágrafo de Bases, a importância das ferrovias para o
desenvolvimento econômico de um país. Porém, no caso argentino, a importância
deste meio de transporte vai além, pois também deveria unificar um país desigual e
dividido em dois: litoral e interior.
Além das ferrovias, para acabar com a desigualdade entre o litoral e o interior,
o Estado argentino necessitava criar uma política de povoamento do interior, uma
vez que esta região não poderia continuar isolada e longe da ação civilizadora
européia. Com isso, era necessário criar condições e oferecer privilégios
econômicos – doação de terras e financiamentos – para os estrangeiros que
desejassem fixar residência nas terras interioranas. 224
Ainda em relação às ferrovias, Alberdi reconhecia o alto custo de sua
implementação e as dificuldades financeiras que a Argentina teria para tanto. Buscar
empréstimos no exterior e firmar parcerias com empresas privadas eram as soluções
oferecidas por Alberdi para este problema.
222 ALBERDI, Juan Bautista. Bases y puntos de partida para la organización de la República Argentina. Buenos Aires: La Cultura Argentina, 1915, p. 97. 223 ALBERDI, Juan Bautista. Bases y puntos de partida para la organización de la República Argentina. Buenos Aires: La Cultura Argentina, 1915, p. 96. 224 ALBERDI, Juan Bautista. Bases y puntos de partida para la organización de la República Argentina. Buenos Aires: La Cultura Argentina, 1915, p. 95.
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Outro meio de garantia pública de progresso, na visão alberdiana, era a
industrialização. Desde que a Inglaterra começou a investir nas indústrias, no século
XVIII, todos os países que pensavam em se desenvolverem, procuravam criar
políticas de incentivo desta forma de economia. As indústrias revolucionavam o
mundo econômico, ao criarem produtos de melhor qualidade em um tempo mais
curto; com mais produtos no mercado, o consumo era maior; conseqüentemente o
giro de capital também era maior e a economia do país tendia a crescer.
Além do já evidente e citado desenvolvimento econômico, a industrialização,
segundo o tucumano, também seria responsável pelo engrandecimento ético e
moral da sociedade:
La industria es el único medio de encaminar la juventud al orden. Cuando Inglaterra ha visto arder Europa en la guerra civil, no ha entregado su juventud al misticismo para salvarse; ha levantado un templo a la industria y le ha rendido un culto, que ha obligado a los demagogos a avergonzarse de su locura. 225
O trabalho industrial evitava, segundo Alberdi, o ócio e a miséria, por isso, era
responsável pelo bem-estar, pela riqueza e pela ordem social, ou seja, “la industria
es el calmante [social] por excelencia”. 226 O engrandecimento moral e material por
meio do trabalho industrial foi propagado por Michel Chevelier e influenciou Alberdi.
Este pensamento difundido por Chevelier era resultado da mescla da certa teoria
liberal – voltada para o interesse egoísta do indivíduo e das benesses decorrentes
deste individualismo para a sociedade – com o pensamento industrial difundido por
Saint-Simon, para quem o trabalho dignifica e moraliza o homem. 227
Todavia, por mais que a Argentina possuísse as mais modernas ferrovias do
mundo e uma política econômica voltada para a industrialização, o progresso estaria
distante caso não houvesse a liberdade econômica e comercial.
Durante o período colonial a Espanha monopolizava as taxas alfandegárias,
por meio do porto de Buenos Aires e após a independência, a ex-capital do Vice
Reino desejava manter este monopólio, enquanto as outras províncias defendiam a
autonomia alfandegária. 225 ALBERDI, Juan Bautista. Bases y puntos de partida para la organización de la República Argentina. Buenos Aires: La Cultura Argentina, 1915, p. 79. 226 ALBERDI, Juan Bautista. Bases y puntos de partida para la organización de la República Argentina. Buenos Aires: La Cultura Argentina, 1915, p. 80. 227 HERRERO, Alejandro. La política en tiempo de guerra. La cultura política francesa en el pensamiento de Alberdi (1837-1852). Lanús: Cooperativa Edunia, 2004, p. 112.
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Para Alberdi, era inviável a autonomia alfandegária provincial, pois caso isto
ocorresse, a Argentina teria quatorze alfândegas e afugentaria a entrada de capital e
investimento estrangeiro no país, pois, a carga tributária cresceria muito e dificultaria
a movimentação de mercadoria de uma província para outra. 228
Além de abolir as alfândegas, os argentinos deveriam também liberar sem
restrições a navegação em seus rios. A navegação auxiliaria as ferrovias no
escoamento de produtos e na interiorização da ação civilizadora.
A Argentina possui muitos rios navegáveis e somente com a liberação absoluta de
suas águas para todas as bandeiras, estes rios teriam utilidade e ajudariam no
progresso do país. 229 De acordo com Alberdi, a livre navegação necessitava ser
permanente e regulamentada pela Constituição, pois, a garantia aos estrangeiros de
livre circulação nas águas argentinas teria valor inestimável para o progresso e para
a universalização do país, assim como ocorreu na Inglaterra:
Proclamad la libertad se sus aguas. Y para que sea permanente, para que la mano instable de nuestros gobiernos no derogue hoy lo que acordó ayer, firmad tratados perpetuos de libre navegación. […] Que cada caleta sea un puerto; cada afluente navegable reciba los reflejos civilizadores de la bandera de Albión, que en las márgenes del Bermejo y del Pilcamayo brillen confundidas las mismas banderas de todas partes, que alegran las aguas del Támasis, rio de Inglaterra y del universo. 230
Também era necessário, para que o país se beneficiasse do livre-comércio, a
criação de tratados de comércio e amizade com outras nações e, se possível, com
todas, pois todos aqueles que desejavam investir no país necessitavam de
“garantías que sus derechos naturales de propiedad, de libertad civil, de seguridad,
de adquisición y de tránsito, les serán respectados”. 231 Todas as nações deveriam
ser contempladas com os mesmos acordos, nenhuma deveria ter regalias, pois
assim, nenhuma subjugaria ou levaria vantagens econômicas sobre o país. Com
228 ALBERDI, Juan Bautista. Bases y puntos de partida para la organización de la República Argentina. Buenos Aires: La Cultura Argentina, 1915, p. 102. 229 ALBERDI, Juan Bautista. Bases y puntos de partida para la organización de la República Argentina. Buenos Aires: La Cultura Argentina, 1915, p. 101. 230 ALBERDI, Juan Bautista. Bases y puntos de partida para la organización de la República Argentina. Buenos Aires: La Cultura Argentina, 1915, p. 101. 231 ALBERDI, Juan Bautista. Bases y puntos de partida para la organización de la República Argentina. Buenos Aires: La Cultura Argentina, 1915, p. 91.
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isso, as demais nações se tornariam parceiras da Argentina, em vez de ser apenas
exploradoras, como ocorrera no período colonial. 232
Por fim, era necessário garantir aos investidores estrangeiros franquias e
privilégios. A estabilidade financeira e os privilégios econômicos concedidos
atrairiam investimentos para o mercado argentino. Com mais capital circulando pelo
país, aumentava a possibilidade de melhoria sócio-econômica, por isso, Alberdi
assegurava que a Argentina precisava de capital, tanto quanto precisava de
população. 233
O último meio de garantia pública de progresso não era econômico e sim
religioso. No período colonial, a Espanha havia definido o catolicismo como única
religião aceita no Império; segundo Alberdi, isto ajudou a Coroa a monopolizar o
poder e a “civilizar” os índios; porém a partir da independência, o monopólio católico
passou a ser maléfico para o povoamento da Argentina, uma vez que as civilizações
da Europa setentrional seguiam o protestantismo e não se deslocariam para o país,
caso não fosse proclamada a liberdade religiosa. Assim, a liberdade religiosa seria
essencial para o sucesso do processo civilizador proposto por Alberdi:
Excluir los cultos disidentes de la América del Sud, es excluir a los ingleses, a los alemanes, a los suizos, a los norteamericanos, que no son católicos; es decir, a los pobladores de que más necesita este continente. Traerlos sin su culto, es traerlos sin el agente que los hace ser lo que son; a que vivan sin religión, a que se hagan ateos.234
Na visão de Alberdi, a Argentina necessitava resolver um grande dilema: ou
exclusivamente católica e deserta e miserável, ou com liberdade religiosa e povoada
e próspera. Na situação em que o país se encontrava, a liberdade religiosa parecia a
melhor decisão, segundo o tucumano. 235 Mesmo rogando por uma liberdade ou
tolerância religiosa, Alberdi não deixava de defender o catolicismo como religião
oficial do Estado argentino. Para o ideólogo, o catolicismo fazia parte da história e da
232 ALBERDI, Juan Bautista. Bases y puntos de partida para la organización de la República Argentina. Buenos Aires: La Cultura Argentina, 1915, p. 91. 233 ALBERDI, Juan Bautista. Bases y puntos de partida para la organización de la República Argentina. Buenos Aires: La Cultura Argentina, 1915, p. 98. 234 ALBERDI, Juan Bautista. Bases y puntos de partida para la organización de la República Argentina. Buenos Aires: La Cultura Argentina, 1915, p. 93. 235 ALBERDI, Juan Bautista. Bases y puntos de partida para la organización de la República Argentina. Buenos Aires: La Cultura Argentina, 1915, p. 94.
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cultura argentinas e, portanto, precisava ser respeitado; porém isso não deveria
impedir os imigrantes de exercerem suas crenças. 236
Com estes meios descritos acima, Alberdi pretendia preparar a Argentina para
um futuro glorioso marcado pelo engrandecimento moral e material. Porém, antes
era necessário pensar no povoamento do país, já que eram os estrangeiros
acostumados a conviver com estes meios e capazes de introduzi-los na Argentina.
Mas como atrair os ingleses e demais europeus para a América? Para
Alberdi, a resposta a este questionamento está na formulação da Constituição que
deveria institucionalizar a execução de incentivos e garantias imigratórias.
3.3 Imigração e Constituição
Os deputados constituintes, além de organizarem a política e o Estado
argentino nos moldes alberdianos, também acataram as suas sugestões sobre a
importância de povoar e desenvolver o país. Com isso, a Constituição promulgada
em 1853 contemplava em seu conteúdo leis que garantiam e incentivavam a
imigração e os meios de garantia pública de progresso.
Ao definir a política do “governar é povoar” como carro-chefe da Constituição
a ser formulada, Alberdi ressaltou um ponto que precisava ser levado em
consideração no momento da formulação da Carta Magna, a imigração espontânea:
La inmigración espontánea es la verdadera y grande inmigración. Nuestros gobiernos deben provocarla, no haciéndose ellos empresarios, no por mezquinas concesiones de terreno habitables por osos, en contratos falaces y usurarios, mas dañinos a la población que al poblador, no por puñaditos de hombres, por arreglillos propios para hacer el negocio de algún especulador influyente, eso es la mentira, la farsa de la inmigración fecunda; sino por un sistema grande, largo y desinteresado. 237
236 A ausência religiosa, segundo Alberdi, resultaria em uma Argentina cheia de órfãos, prostitutas e enfermidades. ALBERDI, Juan Bautista. Bases y puntos de partida para la organización de la República Argentina. Buenos Aires: La Cultura Argentina, 1915, p. 94. 237 ALBERDI, Juan Bautista. Bases y puntos de partida para la organización de la República Argentina. Buenos Aires: La Cultura Argentina, 1915, p. 93.
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Para gerar na Argentina uma imigração espontânea, as leis deveriam estar
voltadas para a liberdade comercial e aduaneira, para a indústria, para as estradas
de ferro e para a liberdade religiosa. Regulamentando estes aspectos, a Argentina
estaria criando garantias públicas de progresso e engrandecimento. Estas últimas
abririam as portas do país, ao garantir infra-estrutura e liberdade suficiente para o
estabelecimento desses imigrantes. 238
Assim, para atingir o progresso a Argentina deveria ter leis que definissem e
privilegiassem a imigração e o progresso material; pois só com uma política e
administração voltadas para esta questão, o país atingiria os seus objetivos, ou
melhor, os objetivos alberdianos. Tal como ele expressa no preâmbulo do seu
projeto constitucional:
Reglar las garantías públicas de orden interior, de seguridad exterior y de progreso material e inteligente, por el aumento y mejora de su población, por la construcción de grandes vías de transporte, por la navegación libre de los ríos, por las franquicias dadas a la industria y al comercio y por el fomento de la educación popular, hemos acordado y sancionado la siguiente. 239
A apreensão alberdiana com o povoamento foi contemplada pela Constituição
de 1853, cujo preâmbulo expõe a preocupação em promover o bem-estar geral e
assegurar a liberdade a todos os estrangeiros. Os artigos relacionados ao progresso
material e a imigração estão inseridos na primeira parte da Constituição, composta
de um capítulo único, denominado Declaraciones, derechos y garantías. Dentre
estes artigos relacionados à política de desenvolvimento do país, destaca-se o artigo
25, cujo conteúdo está voltado para a promoção da imigração européia por parte do
governo:
El Gobierno federal promoverá la inmigración europea; y no podrá restringir, limitar ni gravar con impuesto alguno la entrada en el territorio argentino de los extranjeros que traigan por objeto labrar la tierra, mejorar las industrias, e introducir y enseñar las ciencias y las artes. 240
238 ALBERDI, Juan Bautista. Bases y puntos de partida para la organización de la República Argentina. Buenos Aires: La Cultura Argentina, 1915, p. 122 e 224. 239 ALBERDI, Juan Bautista. Bases y puntos de partida para la organización de la República Argentina. Buenos Aires: La Cultura Argentina, 1915, p. 259. 240 ARGENTINA. Constitución da la Confederación, 1853. Declaraciones, derechos y garantías. Artigo 25. Disponível em: <http://www.cervantesvirtual.com/servlet/SirveObras/hist/06921841222858395209079/index.htm.> Acesso em: 15/07/2005.
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Assim, o artigo 25 confirmava a política do Estado argentino de incentivar a
imigração. Por sua vez, o artigo 20 garante aos estrangeiros que aportassem no
país todos os direitos civis do cidadão: os imigrantes poderiam possuir bens na
Argentina, tinham garantido livre trânsito pelo território nacional, assim como o
direito de exercer suas profissões e garantia de liberdade religiosa. 241 Esta última
também foi ressaltada no artigo 64, cujo parágrafo 20 define que o Congresso
Nacional possui o dever de admitir novas ordens religiosas no território argentino. 242
Ao garantir os direitos aos estrangeiros em lei constitucional, o Estado argentino
pretendia incentivar os imigrantes a se deslocarem para o país.
Os meios de garantia pública de progresso também foram contemplados pela
Constituição. O artigo 14, por exemplo, regulamenta que todos os habitantes do país
têm direito a trabalhar e/ou criar indústrias. 243 Já os artigos 10, 11 e 12 proíbem a
criação de alfândegas provinciais e, por isso, as mercadorias, de fabricação nacional
ou estrangeira, poderiam circular por todo o país, sem ter que pagar taxas
específicas às províncias. 244 Estas leis tinham como objetivo promover a interação
comercial entre as províncias sem prejudicar as indústrias e os comerciantes com
altas taxas tributárias.
Os artigos 26 e 27 também configuram importantes leis voltadas para o
progresso material, pois realçam a importância de tratados de paz e comércio com
outras nações, e liberam a navegação nos rios argentinos para todas as bandeiras;
conforme Alberdi defendeu em Bases. 245
241 ARGENTINA. Constitución da la Confederación, 1853. Preámbulo e Declaraciones, derechos y garantías. Artigo 20. Disponível em: <http://www.cervantesvirtual.com/servlet/SirveObras/hist/06921841222858395209079/index.htm.> Acesso em: 15/07/2005. 242 ARGENTINA. Constitución da la Confederación, 1853. Artigo 64, parágrafo 20. Disponível em: <http://www.cervantesvirtual.com/servlet/SirveObras/hist/06921841222858395209079/index.htm.> Acesso em: 15/07/2005. 243 ARGENTINA. Constitución da la Confederación, 1853. Declaraciones, derechos y garantías. Artigo 14. Disponível em: <http://www.cervantesvirtual.com/servlet/SirveObras/hist/06921841222858395209079/index.htm.> Acesso em: 15/07/2005. 244 ARGENTINA. Constitución da la Confederación, 1853. Declaraciones, derechos y garantías. Artigos 10, 11 e 12. Disponível em: <http://www.cervantesvirtual.com/servlet/SirveObras/hist/06921841222858395209079/index.htm.> Acesso em: 15/07/2005. 245 ARGENTINA. Constitución da la Confederación, 1853. Declaraciones, derechos y garantías. Artigos 26 e 27. Disponível em: <http://www.cervantesvirtual.com/servlet/SirveObras/hist/06921841222858395209079/index.htm.> Acesso em: 15/07/2005.
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Dos meios de garantia pública de progresso defendidos por Alberdi, as
ferrovias foram citadas na Constituição apenas no artigo 64, quando defini-se quais
são as atribuições do Congresso. Muito pouco, já que este artigo apenas afirma que
é importante incentivar a construção de ferrovias, sem definir, por exemplo, uma
política para isso. 246
Mesmo com este porém, a Constituição da Argentina, formulada em 1853,
procurou incorporar em seu conteúdo os ideais alberdianos de imigração e
progresso material, e conseqüentemente tentava acabar com o isolamento em que o
país se encontrava desde o processo de independência no início do século XIX.
Depois de promulgada a Constituição, a política argentina deveria ser, na
visão alberdiana, a expressão do regime constitucional criado, ou seja, as leis
deveriam ser respeitadas e colocadas em prática. 247 A própria Constituição, ao
definir as atribuições do Congresso, explicitava os deveres dos políticos da nação:
Proveer lo conducente a la prosperidad del país, al adelanto y bienestar de todas las Provincias, y al progreso de la ilustración, dictando planes de instrucción general y universitaria, y promoviendo la industria, la inmigración, la construcción de ferrocarriles y canales navegables, la colonización de tierras de propiedad nacional, la introducción y establecimiento de nuevas industrias, la importación de capitales extranjeros y la exploración de los ríos interiores, por leyes protectoras de estos fines y por concesiones temporales de privilegios y recompensas de estimulo. 248
Na prática, com a abertura institucional da Argentina para estrangeiros houve
uma explosão de movimento imigratório para o país. Entre 1854 e 1895, a
população argentina aumentou aproximadamente em 300%, sendo que em 1869 os
imigrantes representavam 11,92% do total da população argentina e em 1895 eles já
eram aproximadamente 25% dos habitantes argentinos. 249 Estes números poderiam
ser maiores, pois cerca de 50% dos imigrantes europeus que chegavam à Argentina
246 ARGENTINA. Constitución da la Confederación, 1853. Declaraciones, derechos y garantías. Artigo 64, parágrafo 16. Disponível em: <http://www.cervantesvirtual.com/servlet/SirveObras/hist/06921841222858395209079/index.htm.> Acesso em: 15/07/2005. 247 ALBERDI, Juan Bautista. Bases y puntos de partida para la organización de la República Argentina. Buenos Aires: La Cultura Argentina, 1915, p. 230. 248 ARGENTINA. Constitución da la Confederación, 1853. Declaraciones, derechos y garantías. Artigo 64, parágrafo 16. Disponível em: <http://www.cervantesvirtual.com/servlet/SirveObras/hist/06921841222858395209079/index.htm > Acesso em: 15/07/2005. 249 SABATO, Hilda, ROMERO, Luis Alberto. Los trabajadores de Buenos Aires. La experiencia de mercado: 1850-1880. Buenos Aires: Sudamericana, 1992, p. 30.
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acabavam não fixando residência no país e voltavam para os seus países de
origem, pouco tempo após a chegada. Ou seja, aproximadamente dois milhões de
europeus desembarcaram no porto de Buenos Aires na segunda metade do século
XIX e “apenas” metade destes fixaram moradia na Argentina. 250 O grande número
de pessoas que desistiam de fixar moradia na Argentina foi o primeiro sinal que
havia problemas na política de incentivo a imigração na Argentina.
Independentemente da nacionalidade, os imigrantes encontraram dificuldade
ao chegar à Argentina. Como eram necessários gastos iniciais com transporte,
alimentação e estadia, uma gama de agenciadores garantia estes gastos iniciais,
principalmente para os imigrantes mais pobres que deveriam pagar suas dívidas por
meio do próprio trabalho. Assim, configurou-se um mecanismo coativo que sujeitava
o imigrante ao trabalho que lhe era oferecido por seu bem-feitor até que todas as
suas dívidas fossem sanadas. Muitas vezes o que ocorria era o oposto e os
imigrantes em vez de sanar as dívidas acabavam se endividando mais. 251
Dentre os estrangeiros que chegaram e fixaram residência na Argentina, os
italianos eram maioria, seguidos por espanhóis e franceses. Os ingleses, os
preferidos de Alberdi, representavam apenas a quarta maior parcela de estrangeiros
na Argentina.
Mais da metade dos imigrantes que chegava à Argentina era da Itália. A
maioria do sul do país e possuíam uma origem camponesa com pouca renda e
limitada instrução, por tais motivos procuravam empregos no campo (a maioria) ou
na construção civil, quando o destino era a cidade. Tanto no campo como na cidade,
o trabalho era árduo e exigia longas horas de dedicação do imigrante italiano que
recebia em troca salário, alimentação e moradia precária. 252 A Espanha também
não vivia um bom momento econômico e os seus habitantes menos abastados, em
busca de melhoria de vida migravam para a Argentina. Assim como os italianos, os
espanhóis praticamente não conseguiam empregos que necessitavam de mão-de-
250 SILBERSTEIN, Carina Frid de. A imigração espanhola na Argentina (1880-1930). In: FAUSTO, Boris (Org.). Fazer a América. A imigração em massa para a américa latina. 2ª ed. São Paulo: USP, 2000, p. 93 251 SABATO, Hilda, ROMERO, Luis Alberto. Los trabajadores de Buenos Aires. La experiencia de mercado: 1850-1880. Buenos Aires: Sudamericana, 1992, p. 184. 252 Ver: BERNASCONI, Alicia. Imigrantes italianos na Argentina (1880-1930): uma aproximação. In: FAUSTO, Boris (Org). Fazer a América. A imigração em massa para a américa latina. 2ª ed. São Paulo: USP, 2000. p. 67 e SABATO, Hilda, ROMERO, Luis Alberto. Los trabajadores de Buenos Aires. La experiencia de mercado: 1850-1880. Buenos Aires: Sudamericana, 1992, p. 131.
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obra qualificada. Entretanto, havia uma importante diferença em relação aos
italianos, a maioria estabeleceu-se nas cidades. 253
Percebe-se que os italianos e espanhóis não possuíam o perfil de imigrante
desejado por Alberdi para civilizar a Argentina. Este perfil era preenchido melhor por
franceses, que formavam a terceira maior população imigrante do país - todavia em
números irrisórios se comparados aos italianos e espanhóis, que juntos formavam
mais de 75% da totalidade de imigrantes. 254 Os franceses eram mais instruídos e
possuíam melhores condições financeiras, por isso, ocupavam empregos mais
prestigiados pela sociedade argentina, e de fato, muitos se tornaram comerciantes e
donos de terras. 255
Já os ingleses, que eram os que mais se encaixavam no “perfil alberdiano” de
imigrantes, quase não chegaram ao país, embora os que para lá imigraram,
possuíam uma posição de destaque na sociedade local, assim, como previa Alberdi.
Desta forma, a liberdade individual, a igualdade entre cidadãos estrangeiros e
argentinos e os meios de facilitação do estrangeiro adaptar-se e fixar residência no
país, os mecanismos de incentivo à imigração e ao progresso material, propostos
por Alberdi e institucionalizados pela Constituição de 1853 na prática, foram
aplicados ineficientemente pelos administradores políticos do país. Entretanto, não
há como afirmar que caso os administradores tivessem aplicado de forma eficiente a
proposta alberdiana, a Argentina atingiria o progresso esperado pelo jurista.
As arbitrariedades praticadas contra os imigrantes demonstram que o governo
apenas abrira as portas da Argentina para os estrangeiros, porém não estruturou
esta recepção e nem garantiu o bem-estar dos habitantes de outras nacionalidades
no país. 256
Portanto, o Estado argentino, fechado para estrangeiros até 1853, passou a
incentivar a imigração, após a promulgação da Constituição. Porém, não bastava
253 SILBERSTEIN, Carina Frid de. A imigração espanhola na Argentina (1880-1930). In: FAUSTO, Boris (Org). Fazer a América. A imigração em massa para a américa latina. 2 ed. São Paulo: USP, 2000, p. 112. 254 SABATO, Hilda & ROMERO, Luis Alberto. Los trabajadores de Buenos Aires. La experiencia de mercado: 1850-1880. Buenos Aires: Sudamericana, 1992, p. 30. 255 OTERO, Hermán. A imigração francesa na Argentina. Uma história aberta. In: FAUSTO, Boris (Org). Fazer a América. A imigração em massa para a américa latina. 2 ed. São Paulo: USP, 2000. p. 139-144. 256 Lembrando que Alberdi alertou que este problema poderia ocorrer caso não houvesse um aparato estatal capaz de garantir a execução das leis.
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apenas liberar a entrada de estrangeiros; era preciso criar uma infra-estrutura, para
que este imigrante se estabelecesse no país.
Isto não foi feito, e os habitantes das civilizações mais avançadas do mundo,
na visão alberdiana, não se sentiram atraídos para deixar os seus países e ir em
busca de “fazer a América”. Por isso, a maioria dos imigrantes, que chegou ao país,
era oriunda de países pobres e buscava uma vida melhor. Porém, mesmo com os
problemas encontrados na aplicação destas leis, não há como negar a influência
alberdiana na organização do Estado, na política de povoamento e desenvolvimento
da Argentina.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
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Com a queda de Rosas, na Batalha de Caseros em 1852, o jurista Juan
Bautista Alberdi compreendeu a importância do momento para a história da
Argentina e escreveu a obra Bases, na qual expunha as suas idéias sobre como
deveria ser organizado o novo Estado nacional; uma vez que o General Urquiza,
após assumir o poder, convocou uma assembléia constituinte para que esta nova
organização deixasse de ser um desejo e se tornasse realidade com a formulação
de uma Constituição escrita.
Em Bases, Alberdi defendeu que a Constituição a ser formulada necessitava
contemplar as necessidades do momento argentino, como, por exemplo, uma
política voltada para o combate ao atraso sócio-econômico que caracterizava o país.
Entretanto, antes de definir esta política, seria necessário criar um aparato político-
administrativo capaz de organizar o Estado, pois só com instituições estáveis e com
funções bem definidas, o país estaria apto para promover mudanças sócio-
econômicas profundas e benéficas.
Esta preocupação era conseqüência da instabilidade, que desde a
independência acompanhava a política argentina. A instabilidade era, por sua vez,
resultado da incapacidade dos argentinos em conviverem com o sistema político que
escolheram e resolveram colocar em prática durante o processo de independência:
uma república representativa.
Segundo Alberdi, esta particularidade era conseqüência da ausência de uma
cultura política para este tipo de sistema político e governamental, criado por norte-
americanos e franceses, mas que dificilmente poderia ser aplicado em civilizações
menos avançadas, como a argentina.
A saída encontrada pelo tucumano foi a abdicação da implementação de um
sistema representativo e republicano puro, já que este não condizia, naquele
momento, com as condições da população. Para Alberdi, a política argentina deveria
ser organizada conforme as particularidades de sua população, por isso, defendia
uma “república possível”, na qual, deveria ser respeitado o estágio no qual se
encontrava a cultura política nacional.
Após criar uma “república possível”, capaz de estabilizar e fortalecer o Estado
argentino, os políticos da nação deveriam criar leis constitucionais voltadas para a
erradicação do atraso sócio-econômico. Segundo Alberdi, este atraso era
conseqüência da ausência de população, que era ínfima, se comparada com a
extensão territorial da Argentina. Os poucos habitantes não conseguiam, na visão
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alberdina, explorar as inúmeras riquezas naturais argentinas, motivo pelo qual, criar
leis capazes de incentivar a imigração deveria ser a principal preocupação dos
políticos nacionais. Isto resultaria em uma política, denominada por Alberdi como
“governar é povoar”.
Os imigrantes, além de povoarem o país, tinham outra missão: a de civilizar a
população local; ou seja, deveriam transmitir seus hábitos culturais para os
argentinos e conseqüentemente modificar toda a sociedade, ou melhor, criar uma
“nova Argentina”. Para tanto, os imigrantes deveriam proceder daqueles países
considerados, pelo tucumano, mais desenvolvidos em especial do norte da Europa,
principalmente os ingleses.
Estes imigrantes deveriam transmitir para os argentinos os seus hábitos
industriais; suas intimidades com meios de transporte modernos, como a ferrovia;
além de propagarem as vantagens do livre-comércio. Por isso, a Constituição
nacional também deveria incentivar estes meios de garantia pública de progresso.
O Congresso Constituinte, convocado por Urquiza e responsável pela
formulação da Constituição de 1853, acatou as idéias expostas em Bases. Criou um
aparato político condizente com o momento histórico em que se encontrava a
população local, por meio da estruturação da “República Argentina possível”: que
era caracterizada pela minimização da participação da população nas principais
eleições, além da criação de um poder nacional forte, centralizador e que garantia
certa autonomia às províncias.
A Constituição também acatou a política do “governar é povoar”, através de
leis que incentivavam a imigração para o país. Quanto aos meios de garantias
públicas de progresso, não foi diferente, já que estavam presentes nos artigos
Constitucionais, leis voltadas para a industrialização, para o livre-comércio e para a
construção de ferrovias, entre outros.
Enfim, podemos afirmar que a obra Bases influenciou diretamente no
conteúdo Constitucional e consequentemente na organização do Estado argentino,
que passou a ter uma política para o povoamento e para o progresso do país. O
resultado disto foi a explosão imigratória de europeus para a Argentina durante a
segunda metade do século XIX.
Com isso, em parte, o objetivo proposto por Alberdi, em Bases foi alcançado,
já que o “deserto argentino” se transformou em um país razoavelmente povoado.
Porém, os imigrantes que chegaram ao país eram, em sua maioria, da Itália e da
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Espanha, civilizações que de acordo com Alberdi não tinham muito a transmitir para
os argentinos, pois não primavam pelo desenvolvimento sócio-econômico. De fato, o
que ocorria era o inverso: os dois países encontravam-se em grave crise econômica
e os seus habitantes, em busca de melhoria de vida, imigravam para o Novo
Continente.
Além de não conseguir atrair os imigrantes que desejavam, os argentinos
também encontraram outro grave problema no processo imigratório: a maioria dos
estrangeiros fixou residência nas grandes cidades litorâneas, como Buenos Aires. A
proposta alberdiana de povoar e desenvolver o interior do país, por tanto, ficou
comprometida e o abismo que separava o litoral do interior permaneceu.
O próprio legislativo da Argentina percebeu que a política imigratória
desenvolvida no país não era eficiente, e a partir de 1876 começou a criar leis e a
discutir a questão no Congresso Nacional. 257 Porém, de fato as mudanças quase
não ocorreram na prática e os italianos não deixaram de ser a maioria dos que
chegavam ao país, enquanto que os ingleses continuavam longe do Rio da Prata.
Entretanto, mesmo com a quase ausência dos imigrantes ingleses, não há
como negar a importância e a influência de Alberdi na organização do Estado
argentino e nas mudanças ocorridas no país, após a institucionalização da política
do “governar é povoar”.
257 MEDRANO, Lilia Inés Zanotti de. A lei de imigração e colonização de 1876 e os debates parlamentares sobre a imigração. Argentina (1876-1910). In: Estudos de História. Franca: Legis Summa. Vol. 12, número 2, pp. 89-110, 2005.
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ALBERDI, Juan Bautista. Reacción contra el españolismo. In: La Moda, 14 de abril de 1838. ALBERDI, Juan Bautista. Obras completas. Buenos Aires: la Tribuna Nacional Bolívar, 1886. t. 1 ARGENTINA. Constitución da la Confederación Argentina, 1853. Disponível em: <http://www.cervantesvirtual.com/servlet/SirveObras/hist/06921841222858395209079/index.htm.> Acesso em: 15/07/2005. CARTA de Domingo Faustino Sarmiento para Juan Bautista Alberdi em 15 de setembro de 1852. In: ALBERDI, Juan Bautista. Bases y Puntos de partida para la organización política de la República Argentina. Buenos Aires: La Cultura Argentina, 1915. CARTA de Javier Lopéz para Juan Gregório Las Heras. In: HAMILTON, José Ignácio García. Vida de un ausente. La novelasca biografía del talentoso seductor Juan Bautista Alberdi. 6 ed. Buenos Aires: Sudamericana S. A., 1998. CARTA de Juan Bautista Alberdi enviada para Justo José de Urquiza em 30 de maio de 1852. In: ALBERDI, Juan Bautista. Bases y Puntos de partida para la organización política de la República Argentina. Buenos Aires: La Cultura Argentina, 1915. CARTA de Justo José de Urquiza enviada para Juan Bautista Alberdi em 22 de julho de 1852. In: ALBERDI, Juan Bautista. Bases y Puntos de partida para la organización política de la República Argentina. Buenos Aires: La Cultura Argentina, 1915. PACTO Federal de 1831. In: CALDERÓN, Juan A. González. Historia de la Organización Constitucional. Buenos Aires: J. Lajouane & cia, 1930. Apêndice. PROJETO Constitucional alberdiano. In: ALBERDI, Juan Bautista. Bases y puntos de partida para la organización de la República Argentina. Buenos Aires: La Cultura Argentina, 1915. SASTRE, Marcos. El país ha dado un gran paso hacia su engrandecimiento. Discurso de 23 de junio de 1837. In: PRIVITELLIO, Luciano de ; ROMERO, Luis Alberto. Grandes discursos de la historia Argentina.. Buenos Aires: Aguilar, 2000.
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ANEXOS
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Constitución de la Confederación Argentina 1º de mayo de 1853 Preámbulo Nos los representantes del pueblo de la Confederación Argentina, reunidos en Congreso General Constituyente por voluntad y elección de las provincias que la componen, en cumplimiento de pactos preexistentes, con el objeto de constituir la unión nacional, afianzar la justicia, consolidar la paz interior, proveer a la defensa común, promover el bienestar general, y asegurar los beneficios de la libertad, para nosotros, para nuestra posteridad, y para todos los hombres del mundo que quieran habitar en el suelo argentino: invocando la protección de Dios, fuente de toda razón y justicia: ordenamos, decretamos y establecemos esta Constitución para la Confederación Argentina. PRIMERA PARTE Capítulo Único Declaraciones, Derechos y Garantías. Artículo 1: La Confederación Argentina adopta para su gobierno la forma representativa republicana federal, según la establece la presente Constitución. Artículo 2: El Gobierno federal sostiene el culto Católico Apostólico Romano. Artículo 3: Las Autoridades que ejercen el Gobierno federal residen en la Ciudad de Buenos Aires, que se declara capital de la Confederación por una ley especial. Artículo 4: El Gobierno federal provee a los gastos de la Nación con los fondos del Tesoro Nacional formado del producto de derechos de importación y exportación de las Aduanas, de la venta o locación de tierras de propiedad nacional, de la renta de Correos, de las demás contribuciones que equitativa y proporcionalmente a la población imponga el Congreso General, y de los empréstitos y operaciones de crédito que decrete el mismo Congreso para urgencias de la Nación o para empresas de utilidad nacional. Artículo 5: Cada Provincia Confederada dictará para sí una Constitución bajo el sistema representativo republicano, de acuerdo con los principios, declaraciones y garantías de la Constitución Nacional; y que asegure su administración de justicia, su régimen municipal y la educación primaria gratuita. Las constituciones provinciales serán revisadas por el Congreso antes de su promulgación. Bajo de estas condiciones el Gobierno Federal, garante a cada Provincia el goce y ejercicio de sus instituciones. Artículo 6: El Gobierno Federal interviene con requisición de las Legislaturas o Gobernadores provinciales, o sin ella en el territorio de cualquiera de las Provincias al solo efecto de restablecer el orden público perturbado por la sedición, o de atender a la seguridad nacional amenazada por un ataque o peligro exterior.
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Artículo 7: Los actos públicos y procedimientos judiciales de una Provincia gozan de entera fé en las demás; y el Congreso puede por leyes generales determinar cuál será la forma probatoria de estos actos y procedimientos, y los efectos legales que producirán. Artículo 8: Los ciudadanos de cada Provincia gozan de todos los derechos, privilegios e inmunidades inherentes al título de ciudadano en las demás. La extradición de los criminales es de obligación recíproca entre todas las Provincias confederadas. Artículo 9: En todo el territorio de la Confederación no habrá más aduanas que las nacionales, en las cuales regirán las tarifas que sancione el Congreso. Artículo 10: En el interior de la República es libre de derechos la circulación de los efectos de producción o fabricación nacional, así como la de los géneros y mercancías de todas clases, despachadas en las aduanas exteriores. Articulo 11: Los artículos de producción o fabricación nacional o extranjera, así como los ganados de toda especie, que pasen por territorio de una provincia a otra, serán libres de los derechos llamados de tránsito, siéndolo también los carruajes, buques o bestias en que se transporten, y ningún otro derecho podrá imponérseles en adelante, cualquiera que sea su denominación, por el hecho de transitar el territorio. Artículo 12: Los buques destinados de una Provincia a otra no serán obligados a entrar, anclar y pagar derechos por causa de tránsito. Artículo 13: Podrán admitirse nuevas Provincias en la Confederación, pero no podrá erigirse una Provincia en el territorio de otra u otras, ni de varias formarse una sola, sin el consentimiento de la Legislatura de las Provincias interesadas y del Congreso. Artículo 14: Todos los habitantes de la Confederación gozan de los siguientes derechos conforme a las leyes que reglamenten su ejercicio, a saber: de trabajar y ejercer toda industria licita; de navegar y comerciar; de peticionar a las autoridades; de entrar, permanecer, transitar y salir del territorio argentino; de publicar sus ideas por la prensa sin censura previa; de usar y disponer de su propiedad; de asociarse con fines útiles; de profesar libremente su culto; de enseñar y aprender. Artículo 15: En la Confederación Argentina no hay esclavos; los pocos que hoy existen quedan libres desde la jura de esta Constitución, y una ley especial reglará las indemnizaciones a que de lugar esta declaración. Todo contrato de compra y venta de personas es un crimen de que serán responsables los que lo celebrasen, y el escribano o funcionario que lo autorice. Artículo 16: La Confederación Argentina no admite prerrogativas de sangre, ni de nacimiento: no hay en ella fueros personales ni títulos de nobleza. Todos sus habitantes son iguales antes la ley, y admisibles en los empleos sin otra condición que la idoneidad.La igualdad es la base del impuesto y de las cargas públicas.
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Artículo 17: La propiedad es inviolable, y ningún habitante de la Confederación puede ser privado de ella, sino en virtud de sentencia fundada en ley. La expropiación por causa de utilidad pública, debe ser calificada por ley y previamente indemnizada. Solo el Congreso impone las contribuciones que se expresan en el artículo 4. Ningún servicio personal es exigible, sino en virtud de ley o de sentencia fundada en ley. Todo autor o inventor es propietario exclusivo de su obra, invento o descubrimiento, por el término que le acuerde la ley. La confiscación de bienes queda borrada para siempre del código penal argentino. Ningún cuerpo armado puede hacer requisiciones, ni exigir auxilios de ninguna especie. Artículo 18: Ningún habitante de la Confederación puede ser penado sin juicio previo fundado en ley anterior al hecho del proceso, ni juzgado por comisiones especiales, o sacado de los jueces designados por la ley antes del hecho de la causa. Nadie puede ser obligado a declarar contra sí mismo; ni arrestado sino en virtud de orden escrita de autoridad competente. Es inviolable la defensa en juicio de la persona y de los derechos. El domicilio es inviolable como también la correspondencia epistolar y los papeles privados; y una ley determinará en que casos y con qué justificativos podrá procederse a su allanamiento y ocupación. Quedan abolidos para siempre la pena de muerte por causas políticas, toda especia de tormento, los azotes y las ejecuciones a lanza o cuchillo. Las cárceles de la Confederación serán sanas y limpias, para seguridad y no para castigo de los reos detenidos en ellas, y toda medida que a pretexto de precaución conduzca a mortificarlos más allá de lo que aquella exija, hará responsable al juez que la autorice. Artículo 19: Las acciones privadas de los hombres que de ningún modo ofendan al orden y a la moral pública, ni perjudiquen a un tercero, están solo reservadas a Dios, y exentas de la autoridad de los magistrados. Ningún habitante de la Confederación será obligado a hacer lo que no manda la ley, ni privado de lo que ello no prohibe. Artículo 20: Los extranjeros gozan en el territorio de la Confederación de todos los derechos civiles del ciudadano; pueden ejercer su industria, comercio y profesión; poseer bienes raíces, comprarlos y enajenarlos; navegar los ríos y costas; ejercer libremente su culto; testar y casarse conforme a las leyes. No están obligados a admitir la ciudadanía, ni a pagar contribuciones forzosas extraordinarias. Obtienen nacionalización residiendo dos años continuos en la Confederación; pero la autoridad puede acortar este término a favor del que lo solicite, alegando y probando servicios a la República. Artículo 21: Todo ciudadano argentino está obligado a armarse en defensa de la Patria y de esta Constitución, conforme a las leyes que al efecto dicte el Congreso y a los decretos del Ejecutivo Nacional. Los ciudadanos por naturalización son libres de prestar o no este servicio por el término de diez años contados desde el día en que obtengan su carta de ciudadanía. Artículo 22: El pueblo no delibera ni gobierna, sino por medio de sus Representantes y autoridades creadas por esta Constitución. Toda fuerza armada o reunión de personas que se atribuya los derechos del pueblo y peticione a nombre de este, comete delito de sedición.
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Artículo 23: En caso de conmoción interior o de ataque exterior que pongan en peligro el ejercicio de esta Constitución y de las autoridades creadas por ella, se declarará en estado de sitio la Provincia o territorio en donde exista la perturbación del orden, quedando suspensas allí las garantías constitucionales. Pero durante esta suspensión no podrá el Presidente de la República condenar por sí ni aplicar penas. Su poder se limitará en tal caso respecto de las personas, a arrestarlas o trasladarlas de un punto a otro de la Confederación, si ellas no prefiriesen salir fuera del territorio argentino. Artículo 24: El Congreso promoverá la reforma de la actual legislación en todos sus ramos, y el establecimiento del juicio por jurados. Artículo 25: El Gobierno federal fomentará la inmigración europea; y no podrá restringir, limitar ni gravar con impuesto alguno la entrada en el territorio argentino de los extranjeros que traigan por objeto labrar la tierra, mejorar las industrias, e introducir y enseñar las ciencias y las artes. Artículo 26: La navegación de los ríos interiores de la Confederación es libre para todas las banderas, con sujeción únicamente a los reglamentos que dicte la Autoridad Nacional. Artículo 27: El Gobierno federal está obligado a afianzar sus relaciones de paz y comercio con las potencias extranjeras por medio de tratados que estén en conformidad con los principios de derecho público establecidos en esta Constitución. Artículo 28: Los principios, garantías y derechos reconocidos en los anteriores artículos, no podrán ser alterados por las leyes que reglamenten su ejercicio. Artículo 29: El Congreso no puede conceder al Ejecutivo Nacional, ni las Legislaturas Provinciales a los Gobernadores de Provincia, facultades extraordinarias, ni la suma del poder público, ni otorgarles sumisiones o supremacías por las que la vida, el honor o las fortunas de los Argentinos queden a merced de gobiernos o persona alguna. Actos de esta naturaleza llevan consigo una nulidad insanable, y sujetarán a los que los formulen, consientan o firmen, a la responsabilidad y pena de los infames traidores a la Patria. Artículo 30: La Constitución puede reformarse en él todo o en cualquiera de sus partes, pasados diez años desde el día en que la juren los pueblos. La necesidad de reforma debe ser declarada por el Congreso con el voto de dos terceras partes, al menos, de sus miembros; pero no se efectuará sino por una Convención convocada al efecto. Artículo 31: Esta Constitución, las leyes de la Confederación que en su consecuencia se dicten por el Congreso y los tratados con las potencias extranjeras son la ley suprema de la Nación; y las autoridades de cada provincia están obligadas a conformarse a ellas, no obstante cualquiera disposición en contrario que contengan las leyes o Constituciones Provinciales.
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SEGUNDA PARTE AUTORIDADES DE LA CONFEDERACIÓN Título Primero - Gobierno Federal Sección Primera - Del Poder Legislativo Artículo 32: Un Congreso compuesto de dos Cámaras, una de Diputados de la Confederación y otra de Senadores de las Provincias y de la Capital, será investido del Poder Legislativo de la Confederación. Capítulo Primero De la Cámara de Diputados Artículo 33: La Cámara de Diputados se compondrá de representantes elegidos directamente por el pueblo de las Provincias, y de la Capital , que se consideran a este fin como distritos electorales de un solo Estado y a simple pluralidad de sufragios. El número de representantes será de uno por cada veinte mil habitantes o fracción que no baje de diez mil. Después de la realización de cada censo, el Congreso fijará la representación con arreglo al mismo, pudiendo aumentar pero no disminuir la base expresada para cada diputado. Artículo 34: Los Diputados para la primera Legislatura se nombrarán en la proporción siguiente: por la Capital, seis (6); por la Provincia de Buenos Aires, seis (6); por la de Córdoba, seis (6); por la de Catamarca, tres (3); por la de Corrientes, cuatro (4); por la de Entre Ríos, dos (2); por la de Jujuy, dos (2); por la de Mendoza, tres (3); por la de La Rioja, dos (2); por la de Salta, tres(3); por la de Santiago, cuatro(4); por la de San Juan, dos(2); por la de Santa Fe, dos (2); por la de San Luis, dos (2), y por la de Tucumán, tres (3). Artículo 35: Para la segunda Legislatura deberá realizarse el censo general, y arreglarse a el número de Diputados; pero este censo solo podrá renovarse cada diez años. Artículo 36: Para ser Diputado se requiere haber cumplido la edad de veinticinco años, tener cuatro años de ciudadanía en ejercicio. Artículo 37: Por esta vez las Legislaturas de las Provincias reglarán los medios de hacer efectiva la elección directa de los Diputados de la Nación: para lo sucesivo el Congreso expedirá una ley general. Artículo 38: Los Diputados durarán en su representación por cuatro años, y son reelegibles, pero la Sala se renovará por mitad cada bienio, a cuyo efecto los nombrados para la primera Legislatura, luego que se reúnan, sortearán los que deban salir en el primer período.
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Artículo 39: En caso de vacante, el Gobierno de Provincia o de la Capital, hace proceder a elección legal de un nuevo miembro. Artículo 40: A la Cámara de Diputados corresponde exclusivamente la iniciativa de las leyes sobre contribuciones y reclutamiento de tropas. Artículo 41: Solo ella ejerce el derecho de acusar ante el Senado al Presidente y Vicepresidente de la Confederación, y sus Ministros, a los miembros de ambas Cámaras, a los de la Corte Suprema de Justicia, y a los Gobernadores de Provincia, por delito de traición, concusión, malversación de fondos públicos, violación de la Constitución, u otros que merezcan pena infamante o de muerte, después de haber conocido de ellos a petición de parte o de alguno de sus miembros y declarado haber lugar a la formación de causa por la mayoría de dos terceras partes de sus miembros presentes. Capítulo Segundo Del Senado Artículo 42: El Senado se compondrá de dos Senadores por cada Provincia elegidos por sus Legislaturas a pluralidad de sufragios: y dos de la Capital, elegidos en forma prescripta para la elección del Presidente de la Confederación. Cada Senador tendrá un voto. Artículo 43: Son requisitos para ser elegido Senador: tener la edad de treinta años, haber sido seis años ciudadano de la Confederación, disfrutar de una renta anual de dos mil pesos fuertes o de una entrada equivalente. Artículo 44: Los Senadores duran nueve años en el ejercicio de su mandato, y son reelegibles indefinidamente; pero el Senado se renovará por terceras partes cada tres años, decidiéndose por la suerte, luego que todos se reúnan, quienes deben salir en el primer y segundo trienio. Artículo 45: El Vicepresidente de la Confederación será Presidente del Senado, pero no tendrá voto sino en el caso que haya empate en la votación. Artículo 46: El Senado nombrará un Presidente provisorio que lo presida en caso de ausencia del Vicepresidente, o cuando este ejerce las funciones de Presidente de la Confederación. Artículo 47: Al Senado corresponde juzgar en juicio público a los acusados por la Cámara de Diputados, debiendo sus miembros prestar juramento para este acto. Cuando el acusado sea el presidente de la Confederación, el Senado será presidido por el Presidente de la Corte Suprema. Ninguno será declarado culpable sino a mayoría de los dos tercios de los miembros presentes. Artículo 48: Su fallo no tendrá mas efecto que destituir al acusado, y aun declararle incapaz de ocupar ningún empleo de honor, de confianza o a sueldo en la
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Confederación. Pero la parte condenada quedará, no obstante, sujeta a acusación, juicio y castigo conforme a las leyes ante los tribunales ordinarios. Artículo 49: Corresponde también al Senado autorizar al presidente de la Confederación para que declare en estado de sitio, uno o varios puntos de la República en caso de ataque exterior. Artículo 50: Cuando vacase alguna plaza de Senador por muerte, renuncia u otra causa, el Gobierno a que corresponda la vacante hace proceder inmediatamente a la elección de un nuevo miembro. Artículo 51: Sólo el Senado inicia las reformas de la Constitución. Capítulo Tercero Disposiciones comunes a ambas Cámaras Artículo 52: Ambas Cámaras se reunirán por sí mismas en sesiones ordinarias todos los años desde el primero de mayo hasta el treinta de septiembre. Pueden también ser convocadas extraordinariamente por el Presidente de la Confederación, o prorrogadas sus sesiones. Artículo 53: Cada Cámara es juez de las elecciones, derechos y títulos de sus miembros en cuanto a su validez. Ninguna de ellas entrará en sesión sin la mayoría absoluta de sus miembros; pero un numero menor podrá compeler a los miembros ausentes a que concurran a las sesiones, en los términos y bajo las penas que cada Cámara establecerá. Artículo 54: Ambas Cámaras empiezan y concluyen sus sesiones simultáneamente. Ninguna de ellas, mientras se hallen reunidas, podrá suspender sus sesiones mas de tres días, sin el consentimiento de la otra. Artículo 55: Cada Cámara hará su reglamento, y podrá con dos tercios de votos corregir a cualquiera de sus miembros por desorden de conducta en el ejercicio de sus funciones, o removerlo por inhabilidad física o moral sobreviniente a su incorporación, y hasta excluirlo de su seno; pero bastara la mayoría de uno sobre la mitad de los presentes para decidir en las renuncias que voluntariamente hicieren de sus cargos. Artículo 56: Los Senadores y Diputados prestaran, en el acto de su incorporación, juramento de desempeñar debidamente el cargo, y de obrar en todo en conformidad a lo que prescribe esta Constitución. Artículo 57: Ninguno de los miembros del Congreso puede ser acusado, interrogado judicialmente, ni molestado por las opiniones o discursos que emita desempeñando su mandato de legislador. Artículo 58: Ningún Senador o Diputado, desde el día de su elección hasta el de su cese, puede ser arrestado; excepto el caso de ser sorprendido in fraganti en la
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ejecución de algún crimen que merezca pena de muerte, infamante, u otra aflictiva; de lo que se dará cuenta a la Cámara respectiva con la información sumaria del hecho. Artículo 59: Cuando se forme querella por escrito ante las justicias ordinarias contra cualquier Senador o Diputado, examinado el mérito del sumario en juicio público, podrá cada Cámara, con dos tercios de votos, suspender en sus funciones al acusado, y ponerlo a disposición del juez competente para su juzgamiento. Artículo 60: Cada una de las Cámaras puede hacer venir a su sala a los Ministros del Poder Ejecutivo para recibir las explicaciones e informes que estime convenientes. Artículo 61: Ningún miembro del Congreso podrá recibir empleo o comisión del Poder Ejecutivo, sin previo consentimiento de la Cámara respectiva, excepto los empleos de escala. Artículo 62: Los eclesiásticos regulares no pueden ser miembros del Congreso, ni los Gobernadores de Provincia por la de su mando. Artículo 63: Los servicios de los Senadores y Diputados son remunerados por el tesoro de la Confederación, con una dotación que señalará la ley. Capítulo Cuarto Atribuciones del Congreso Artículo 64: Corresponde al Congreso: 1o. Legislar sobre las Aduanas exteriores, y establecer los derechos de importación y exportación que han de satisfacerse en ella. 2. Imponer contribuciones directas, por tiempo determinado y, proporcionalmente iguales en todo el territorio de la Confederación, siempre que la defensa, seguridad común y bien general del Estado lo exijan. 3. Contraer empréstitos de dinero sobre el crédito de la Confederación. 4. Disponer del uso y de la enajenación de las tierras de propiedad nacional. 5. Establecer y reglamentar un Banco Nacional en la Capital y sus sucursales en las Provincias, con facultad de emitir moneda. 6. Arreglar el pago de la deuda interior y exterior de la Confederación. 7. Fijar anualmente conforme el presupuesto de gastos de administración de la Confederación, y aprobar o desechar la cuenta de inversión.
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8. Acordar subsidios del tesoro Nacional a las Provincias cuyas rentas no alcancen, según sus presupuestos, a cubrir sus gastos ordinarios. 9. Reglamentar la libre navegación de los ríos interiores, habilitar los puertos que considere convenientes, y crear y suprimir Aduanas. 10. Hacer sellar moneda, fijar su valor y el de las extranjeras; y adoptar un sistema uniforme de pesos y medidas para toda la Confederación. 11. Dictar los códigos civil, comercial, penal, y de minería, y especialmente leyes para toda la Confederación, sobre ciudadanía y naturalización, sobre bancarrotas, sobre falsificación de la moneda corriente y documentos públicos del Estado, y las que requiera el establecimiento del juicio por jurados. 12. Reglar el comercio con las naciones extranjeras, y de las Provincias entre sí. 13. Arreglar y establecer las postas y correos generales de la Confederación. 14. Arreglar definitivamente los limites del territorio de la Confederación, fijar los de las Provincias, crear otras nuevas, y determinar por una legislación especial la organización, administración y gobierno que deben tener los territorios nacionales, que queden fuera de los limites que le asignen a las Provincias. 15. Proveer a la seguridad de las fronteras; conservar el trato pacífico con los indios, y promover la conversión de ellos al catolicismo . 16. Proveer lo conducente a la prosperidad del país, al adelanto y bienestar de todas las Provincias, y al progreso de la ilustración, dictando planes de instrucción general y universitaria, y promoviendo la industria, la inmigración, la construcción de ferrocarriles y canales navegables, la colonización de tierras de propiedad nacional, la introducción y establecimiento de nuevas industrias, la importación de capitales extranjeros y la exploración de los ríos interiores, por leyes protectoras de estos fines y por concesiones temporales de privilegios y recompensas de estimulo. 17. Establecer tribunales inferiores a la Corte Suprema de Justicia; crear y suprimir empleos, fijar sus atribuciones, dar pensiones, decretar honores, y conceder amnistías generales. 18. Admitir o desechar los motivos de dimisión del Presidente o Vicep residente de la República; y declarar el caso de proceder a nueva elección: hacer el escrutinio y rectificación de ella. 19. Aprobar o desechar tratados concluidos con las demás Naciones y los concordatos con la Silla Apostólica; y arreglar el ejercicio del patronato en toda la Confederación. 20. Admitir en el territorio de la Confederación otras órdenes religiosas a más de las existentes. 21. Autorizar al Poder Ejecutivo para declarar la guerra o hacer la paz.
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22. Concede patentes de corso y de represalias, y establecer reglamentos para las presas. 23. Fijar la fuerza de línea, de tierra y de mar, en tiempo de paz y guerra; y formar reglamentos y ordenanzas para el gobierno de dichos ejércitos. 24. Autorizar la reunión de las milicias en todas las Provincias, o parte de ellas, cuando lo exija la ejecución de las leyes de la Confederación y sea necesario contener las insurrecciones o repeler las invasiones. Disponer la organización, armamento y disciplina de dichas milicias, y la administración y gobierno de la parte de ellas que estuviese empleada en servicio de la Confederación, dejando a las Provincias el nombramiento de sus correspondientes Jefes y Oficiales, y el cuidado de establecer en su respectiva milicia la disciplina prescripta por el Congreso. 25. Permitir la introducción de tropas extranjeras en el territorio de la Confederación, y la salida de las fuerzas nacionales fuera de él. 26. Declarar en estado de sitio uno o varios puntos de la Confederación en caso de conmoción interior, y de aprobar o suspender el estado de sitio declarado, durante su receso, por el Poder Ejecutivo. 27. Ejercer una legislación exclusiva en todo el territorio de la Capital de la Confederación, y sobre los demás lugares adquiridos pr. compra o cesión en cualquiera de las Provincias, para establecer fortalezas, arsenales, almacenes u otros establecimientos de utilidad nacional. 28. Examinar las Constituciones provinciales y reprobarlas sino estuviesen conformes con los principios y disposiciones de esta Constitución y hacer todas las leyes y reglamentos que sean convenientes para poner en ejercicio los poderes antecedentes, y todos los otros concedidos por la presente Constitución al Gobierno de la Confederación Argentina. Capítulo Quinto De la formación y sanción de las leyes Artículo 65: Las leyes pueden tener principio en cualquiera de las Cámaras del Congreso, por proyectos presentados por sus miembros o por el Poder Ejecutivo; excepto las relativas a los objetos de que tratan los artículos 40º y 51º. Artículo 66: Aprobado un proyecto de ley por la Cámara de su origen, pasa para su discusión a la otra Cámara. Aprobado por ambas, pasa al Poder Ejecutivo de la Confederación para su exámen; y si también obtiene su aprobación, lo promulga como ley. Artículo 67: Se reputa aprobado por el Poder Ejecutivo, todo proyecto no devuelto en el término de diez días útiles.
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Artículo 68: Ningún proyecto de ley desechado totalmente por una de las Cámaras podrá repetirse en las sesiones de aquel año. Pero si solo fuese adicionado o corregido por la Cámara revisora, volverá a la de su origen; y si en esta se aprobasen las adiciones o correcciones por la mayoría absoluta, pasará al Poder Ejecutivo de la Confederación. Si las adiciones o correcciones fuesen desechadas, volverá por segunda vez el proyecto a la Cámara revisora, y si aquí fueran nuevamente sancionadas por una mayoría de las dos terceras partes de sus miembros, pasará el proyecto a la otra Cámara, y no entenderá que esta reprueba dichas adiciones o correcciones; si no concurre para ello el voto de las dos terceras partes de sus miembros presentes. Artículo 69: Desechado en él todo o en parte un proyecto por el Poder Ejecutivo, vuelve con sus objeciones a la Cámara de su origen; esta lo discute de nuevo, y si lo confirma pr. mayoría de dos tercios de votos, pasa otra vez a la Cámara de revisión. Si ambas Cámaras lo sancionan por igual mayoría, el proyecto es ley y pasa al Poder Ejecutivo para su promulgación. Las votaciones de ambas Cámaras serán en este caso nominales, por sí o por no; y tanto los nombres y fundamentos de los sufragantes, como las objeciones del Poder Ejecutivo, se publicarán inmediatamente por la prensa. Si las Cámaras difieren sobre las objeciones, el proyecto no podrá repetirse en las sesiones de aquel año. Artículo 70: En la sanción de las leyes se usará de esta fórmula: El Senado y Cámara de Diputados de la Confederación Argentina, reunidos en Congreso, etc., decretan o sancionan con fuerza de ley. Sección Segunda - Del Poder Ejecutivo Capítulo Primero De su Naturaleza y Duración Artículo 71: El Poder Ejecutivo de la Nación será desempeñado por un ciudadano con el título de "Presidente de la Confederación Argentina". Artículo 72: En caso de enfermedad, ausencia de la Capital, muerte, renuncia o destitución del residente, el Poder Ejecutivo será ejercicio por el Vice presidente de la Confederación. En caso de destitución, muerte, dimisión o inhabilidad delPresidente y Vice Presidente de la Confederación, el Congreso determinará que funcionario público ha de desempeñar la Presidencia, hasta que haya cesado la causa de la inhabilidad o un nuevo Presidente sea electo. Artículo 73: Para ser elegido Presidente o Vicepresidente de la Confederación, se requiere haber nacido en el territorio Argentino, o ser hijo de ciudadano nativo, habiendo nacido en país extranjero; pertenecer a la comunión Católica Apostólica Romana y las demás calidades exigidas para ser elegido Senador. Artículo 74: El Presidente y Vicepresidente duran en sus empleos el término de seis años y no pueden ser reelegidos sino con intervalo de un período.
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Artículo 75: El Presidente de la Confederación cesa en el poder el día mismo en que expira su período de seis año; sin que evento alguno que lo haya interrumpido, pueda ser motivo de que se le complete más tarde. Artículo 76: El Presidente y Vice Presidente disfrutan de un sueldo pagado por el tesoro de la Confederación, que no podrá ser alterado en el período de sus nombramientos. Durante el mismo periodo no podrán ejercer otro empleo, ni recibir ningún otro emolumento de la Confederación, ni de Provincia alguna. Artículo 77: Al tomar posesión de su cargo el Presidente y Vice Presidente prestaran juramento, en manos del Presidente del Senado (La primera vez del Presidente del Congreso Constituyente), estando reunidos el Congreso, en los términos siguientes: "Yo N.N:, juro por Dios Nuestro Señor y estos Santos Evangelios, desempeñar con lealtad y patriotismo el cargo de Presidente (o Vicepresidente) de la Confederación y observar y hacer observar fielmente la Constitución de la Confederación Argentina. Si así no lo hiciese, Dios y la Confederación me lo demanden." Capítulo Segundo De la Forma y Tiempo de la Elección del Presidente y Vicepresidente de la Confederación Artículo 78: La elección del Presidente y el Vice Presidente de la Confederación se hará del modo siguiente: la Capital y cada una de las Provincias nombrarán por votación directa una junta de electores igual al duplo del total de Diputados y Senadores que envían al Congreso, con las mismas calidades y bajo las mismas formas prescriptas para la elección de Diputados. No pueden ser electores los Diputados, los Senadores, ni los empleados a sueldo del Gobierno federal. Reunidos los electores en la Capital de la Confederación y en las de sus Provincias respectivas cuatro meses antes que concluya el término del presidente cesante, procederán a elegir Presidente y Vice Presidente de la Confederación por cédulas firmadas, expresando en una la persona pr. quien vota para Presidente, y en otra distinta la que eligen para Vice Presidente. Se harán dos listas de todos los individuos electos para Presidente, y otras dos de los nombrados para Vice Presidente con el número de votos que cada uno de ellos hubiese obtenido. Estas listas serán firmadas por los electores y se remitirán cerradas y selladas dos de ellas (una de cada clase) al Presidente de la Legislatura Provincial, y en la Capital al Presidente de la Municipalidad, en cuyos registros permanecerán depositadas y cerradas; y las otras dos al Presidente del Senado (la primera vez al Presidente del Congreso Constituyente). Artículo 79: El Presidente del Senado(la primera vez el del Congreso Constituyente), reunidas todas las listas, las abrirá a presencia de ambas Cámaras. Asociados a los Secretarios cuatro miembros del Congreso sacados a la suerte, procederán inmediatamente a hacer el escrutinio y a anunciar el número de sufragios que resulte
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en favor de cada candidato para la Presidencia y Vicepresidencia de la Confederación. Los que reúnan en ambos casos la mayoría absoluta de todos los votos, serán proclamados inmediatamente Presidente y Vicepresidente. Artículo 80: En el caso que por dividirse la votación no hubiese mayoría absoluta, elegirá el Congreso entre las dos personas que hubieren obtenidos mayor número de sufragios. Si la primera mayoría que resultase hubiese cabido a más de dos personas, elegirá en Congreso entre todas éstas. Si la primera mayoría hubiese cabido a una sola persona, y la segunda a dos o más, elegirá el Congreso entre todas las personas que hayan obtenido la primera y la segunda mayoría. Artículo 81: Esta elección se hará a pluralidad absoluta de sufragios y por votación nominal. Si verificada la primera votación no resultare mayoría absoluta, se hará segunda vez, contrayéndose la votación a las dos personas que en la primera hubiesen obtenido mayor número de sufragios. En caso de empate se repetirá la votación, y si resultase nuevo empate decidirá el Presidente del Senado(la primera vez el del Congreso Constituyente). No podrá hacerse el escrutinio, ni la rectificación de estas elecciones, sin que estén presentes las tres cuartas partes del total de los miembros del Congreso. Artículo 82: La elección del Presidente y Vicepresidente de la Confederación debe quedar concluida en una sola sesión del Congreso, publicándose enseguida el resultado de ésta y las actas electorales por la prensa. Capítulo Tercero Atribuciones del Poder Ejecutivo Artículo 83: El Presidente de la Confederación tiene las siguientes atribuciones: 1. Es el Jefe Supremo de la Confederación, y tiene a su cargo la administración general del país. 2. Expide las instrucciones y reglamentos que sean necesarios para la ejecución de las leyes de la Confederación, cuidando de no alterar su espíritu con excepciones reglamentarias. 3. Es el Jefe inmediato y local de la Capital de la Confederación. 4. Participa de la formación de las leyes con arreglo a la Constitución, las sanciona y promulga. 5. Nombra los magistrados de la Corte Suprema y de los demás tribunales federales inferiores, con acuerdo del Senado. 6. Puede indultar o conmutar las penas por delitos sujetos a la jurisdicción federal, previo informe del tribunal correspondiente, excepto en los casos de acusación por la Cámara de Diputados.
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7. Concede jubilaciones, retiros, licencias y goces de montepíos, conforme a las leyes de la Confederación. 8. Ejerce los derechos del patronato nacional en la presentación de Obispos para las iglesias catedrales, a propuesta en terna del Senado. 9. Concede el pase o retiene los decretos de los Concilios, las Bulas, Breves y Rescriptos del Sumo Pontífice de Roma, con acuerdo de la Suprema Corte, requiriéndose una ley cuando contienen disposiciones generales y permanentes. 10. Nombra y remueve a los Ministros Plenipotenciarios y Encargados de Negocios con acuerdo del Senado; por si solo nombra y remueve los Ministros del Despacho, los Oficiales de su Secretaria, los Agentes Consulares y los Demás empleados de la administración cuyo nombramiento no está reglado de otra forma por esta Constitución. 11. Hace anualmente la apertura de las sesiones del Congreso, reunidas al efecto ambas Cámaras en la Sala del Senado, dando cuenta en esta ocasión del estado de la Confederación, de las reformas prometidas por la Constitución, y recomendando a su consideración las medidas que juzgue necesarias y convenientes. 12. Prorroga las sesiones ordinarias del Congreso, o lo convoca a sesiones extraordinarias, cuando un grave interés de orden o de progreso lo requiere. 13.Hace recaudar las rentas de la Confederación, y decreta su inversión con arreglo a la ley o presupuesto de gastos nacionales. 14. Concluye y firma tratados de paz, de comercio, de navegación, de alianza, de límites y de neutralidad, concordatos y otras negociaciones requeridas para el mantenimiento de buenas relaciones con las potencias extranjeras, recibe sus Ministros y admite sus Cónsules. 15. Es Comandante en Jefe de todas las fuerzas de mar y de tierra de la Confederación. 16. Provee los empleos militares de la Confederación: con acuerdo del Senado, en la concesión de los empleos o grados de Oficiales superiores del ejército y armada, y por sí solo en el campo de batalla. 17. Dispone de las fuerzas militares, marítimas y terrestres, y corre con su organización y distribución según las necesidades de la Confederación. 18. Declara la guerra y concede patentes de corso y cartas de represalias con autorización y aprobación del Congreso. 19. Declara en estado de sitio uno o varios puntos de la Confederación, en caso de ataque exterior y por un término limitado, con acuerdo del Senado. En caso de conmoción interior solo tiene esta facultad cuando el Congreso está en receso, por que es atribución que corresponde a este cuerpo. El Presidente la ejerce con las limitaciones prescriptas en él articulo 23.
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20 Aún estando en sesiones el Congreso, en casos urgentes en que peligre la tranquilidad pública, el Presidente podrá por sí solo usar sobre las personas de la facultad limitada en el artículo 23, dando cuenta a este cuerpo en el término de diez días desde que comenzó a ejercerla. Pero si el Congreso no hace declaración de sitio, las personas arrestadas, trasladadas de uno a otro punto, serán restituidas al pleno goce de su libertad; a no ser que habiendo sido sujetadas a juicio debiesen continuar en arresto por disposición del Juez o Tribunal que conociere de la causa. 21. Puede pedir a los Jefes de todos los ramos y departamentos de la administración, y por su conducto a los demás empleados, los informes que crea convenientes, y ellos están obligados a darlos. 22. No puede ausentarse del territorio de la Capital sino con permiso del Congreso. En el receso de este, solo podrá hacerlo sin licencia por razones justificadas de servicio público. 23. En todos los casos en que según los artículos anteriores debe el Poder Ejecutivo proceder con acuerdo del Senado, podrá durante el receso de éste proceder por sí solo, dando cuenta de lo obrado a dicha Cámara en la próxima reunión para obtener su aprobación. Capiulo Cuarto De los Ministros del Poder Ejecutivo Artículo 84: Cinco Ministros Secretarios, a saber: del Interior, de Relaciones Exteriores, de Hacienda, de Justicia, Culto e Instrucción Pública, de Guerra y Marina, tendrán a su cargo el despacho de los Negocios de la Confederación, y refrendarán y legalizarán los actos del Presidente por medio de su firma, sin cuyo requisito carecen de eficacia Una ley deslindará los ramos del respectivo despacho de los Ministros. Artículo 85: Cada Ministro es responsable de los actos que legaliza; y solidariamente de los que acuerda con sus colegas. Artículo 86: Los Ministros no pueden por sí solos, en ningún caso, tomar resoluciones, sin previo mandato o consentimiento del Presidente de la Confederación a excepción de lo concerniente al régimen económico y administrativo de sus respectivos departamentos. Artículo 87: Luego que el Congreso abra sus sesiones, deberán los Ministros del despacho presentarle una memoria detallada del estado de la Confederación en lo relativo a los negocios de sus respectivos departamentos. Artículo 88: No pueden ser Senadores ni Diputados, sin hacer dimisión de sus empleados de Ministros.
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Artículo 89: Pueden los Ministros concurrir a las sesiones del Congreso y tomar parte en sus debates, pero no votar. Artículo 90: Gozarán por sus servicios de un sueldo establecido por la ley, que no podrá ser aumentado ni disminuido en favor o perjuicio de los que se hallen en ejercicio. Sección Tercera- Del Poder Judicial Capítulo Primero De su Naturaleza y Duración Artículo 91: El Poder Judicial de la Confederación será ejercido por una Corte Suprema de Justicia compuesta de nueve jueces y dos fiscales, que residirán en la Capital, y por los demás tribunales inferiores que el Congreso estableciere en el territorio de la Confederación. Artículo 92: En ningún caso el Presidente de la Confederación puede ejercer funciones judiciales, arrogarse el conocimiento de causas pendientes o restablecer las fenecidas. Artículo 93: Los jueces de la Corte Suprema y de los tribunales inferiores de la Confederación conservaran sus empleos mientras dure su buena conducta, y recibirán por sus servicios una compensación que determinara la ley, y que no podrá ser disminuida en manera alguna, mientras permaneciesen en sus funciones. Artículo 94: Ninguno podrá ser miembro de la Corte Suprema de Justicia, sin ser abogado de la Confederación con ocho años de ejercicio, y tener las calidades requeridas para ser Senador. Artículo 95: En la primera instalación de la Corte Suprema, los individuos nombrados prestarán juramento en manos del Presidente de la Confederación, de desempeñar sus obligaciones, administrando justicia bien y legalmente, y en conformidad a lo que prescribe la Constitución. En lo sucesivo lo prestarán ante el Presidente de la misma Corte. Artículo 96: La Corte Suprema dictará su reglamento interior y económico y nombrara a sus empleados subalternos. Capítulo Segundo Atribuciones del Poder Judicial Artículo 97: Corresponde a la Corte Suprema y a los tribunales inferior de la Confederación, el conocimiento y decisión de todas las causas que versen sobre puntos regidos por la Constitución, y por las leyes de la Confederación; y por los tratados con las naciones extranjeras, de los conflictos entre los distintos poderes
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públicos de una misma Provincia; de las causas concernientes a embajadores, ministros públicos y cónsules extranjeros; de las causas de almirantazgo y jurisdicción marítima; de los recursos de fuerza; de los asuntos en que la Confederación sea parte; de las causas que se susciten entre dos o más Provincias; entre una provincia y los vecinos de otra; entre los vecinos de diferentes Provincias; entre una Provincia y sus propios vecinos; y entre una Provincia y un Estado o un ciudadano extranjero. Artículo 98: En estos casos la Corte Suprema ejercerá su jurisdicción por apelación según las reglas y excepciones que prescriba el Congreso; pero en todos los asuntos concernientes a embajadores, ministros y cónsules extranjeros, y en los que alguna Provincia fuese parte, y en las decisión de los conflictos entre los poderes públicos de una misma Provincia, la ejercerá originaria y exclusivamente. Artículo 99: Todos los juicios criminales ordinarios, que no se deriven del derecho de acusación concedido en la Cámara de Diputados, se terminaran por jurados, luego que se establezca en la Confederación esta institución. La actuación de estos juicios se hará en la misma Provincia donde se hubiera cometido el delito; pero cuando este se cometa fuera de los limites de la Confederación, contra el derecho de gentes, el Congreso determinará por una ley especial el lugar en que haya de seguirse el juicio. Artículo 100: La traición contra la Confederación consistirá únicamente en tomar las armas contra ella, o en unirse a sus enemigos prestándoles ayuda y socorro. El Congreso fijará por una ley especial la pena de este delito; pero ella no pasará de la persona del delincuente, ni la infamia del reo se transmitirá a sus parientes de cualquier grado. Título Segundo-Gobiernos de Provincia Artículo 101: Las Provincias conservan todo el poder no delegado por esta Constitución al Gobierno federal. Artículo 102: Se dan sus propias instituciones locales y se rigen por ellas. Eligen sus Gobernadores, sus Legisladores y demás funcionarios de Provincia, sin intervención del Gobierno federal. Artículo 103: Cada Provincia dicta su propia constitución, y antes de ponerla en ejercicio la remite al Congreso para su exámen conforme a lo dispuesto por el artículo 5º. Artículo 104: Las Provincias pueden celebrar tratados parciales para fines de administración de justicia, de intereses económicos y trabajos de utilidad común, con conocimiento del Congreso federal; y promover su industria, la inmigración, la construcción de ferrocarriles y canales navegables, la colonización de tierras de propiedad provincial, la introducción y establecimiento de nuevas industrias, la
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importación de capitales extranjeros y la exploración de sus ríos, por leyes protectoras de estos fines, y con sus recursos propios Artículo 105: Las Provincias no ejercen el poder delegado a la Confederación. No pueden celebrar tratados parciales de carácter político; ni expedir leyes sobre comercio, o navegación interior o exterior; ni establecer Aduanas Provinciales; ni acuñar moneda; ni establecer bancos con facultades de emitir billetes, sin autorización del Congreso Federal; ni dictar los códigos civil, comercial, penal y de minería, después q. el Congreso los haya sancionado; ni dictar especialmente leyes sobre ciudadanía y naturalización, bancarrotas, falsificación de moneda o documentos del Estado; ni establecer derechos de tonelaje; ni armar buques de guerra o levantar ejércitos, salvo el caso de invasión exterior o de un peligro tan inminente que no admita dilación dando luego cuenta al Gobierno federal; ni nombrar o recibir agentes extranjeros; ni admitir nuevas órdenes religiosas. Artículo 106: Ninguna Provincia puede declarar, ni hacer la guerra a otra Provincia. Sus quejas deben ser sometidas a la Corte Suprema de Justicia y dirimidas por ella. Sus hostilidades de hecho son actos de guerra civil, calificados de sedición o asonada, que el Gobierno federal debe sofocar y reprimir conforme a la ley. Artículo 107: Los Gobernadores de Provincia son agentes naturales del Gobierno federal para hacer cumplir la Constitución y las leyes de la Confederación.