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Giselle Neves Moreira de Aguiar

A Arte Sacra de Bruno de Giusti - Comunicação e Cultura na Catedral de Sorocaba

Sorocaba/SP 2013

Sumário

As fotografias que acompanham este texto estão no filme: “A Arte de Sacra de Bruno de Giusti - Comunicação e cultura na Catedral de Sorocaba - disponível no Youtube

O livro é um um ensaio sobre a obra do pintor ítalo-sorocabano Bruno de Giusti, que concilia a erudição da Escola de Belas Artes de Veneza, na Itália, com a cultura popular da região de Sorocaba, retratada nos 50 do século XX. Trata-se de um acervo de interesse histórico e artístico, patrimônio cultural popular.  Foi produzido a partir do trabalho de conclusão do curso de Comunicação social na UNISO – Universidade de Sorocaba. Foi realizado a partir de pesquisas bibliográficas, principalmente arquivos de jornais e internet e da observação in loco.

 Aborda o papel da arte interligando culturalmente  as gerações. Como essa transmissão acontece através de saberes de pessoas simples. Faz também, uma análise de cada obra do artista na Catedral, sob os signos e significantes do catolicismo.

Base teórica: “Nada  se pode compreender da cultura caso não se aceite que existe uma espécie de “algo mais”, uma ultrapassagem, uma superação da cultura. Esse algo mais é o que se tenta captar por meio da noção de imaginário”. – Michel Maffesoli –

“Somos feitos assim imaginativos e precisamos das imagens para poder ir além delas: – R. Régamay –

“Cada identidade cultural é detentora de saberes únicos, que tem seus mestres, pessoas que transmitem oralmente os valores da cultura por meio de histórias que contam, de trabalhos que executam ou de artes que dominam, que são comunicadas a seus componentes de geração a geração.” – Sérgio Bairon – 

Agradecimentos

Ao professor doutor Walter Alberto de Luca, a orientação firme e segura deste trabalho como também a liberdade e o estímulo, importantes para a criação deste livro.

Ao historiador e jornalista José Benedito de Almeida Gomes, a disponibilidade generosa de seus arquivos e conhecimentos.

À professora Filomena Magda Racca, o trabalho de revisão.

À Universidade de Sorocaba, professores, funcionários e colegas, o aprendizado e crescimento.

Aos meus familiares pela cumplicidade, no melhor sentido que se pode atribuir ao termo.

A todos os jornalistas e escritores que nos serviram de fonte.

Prefácio do jornalista e historiador José Benedito de Almeida Gomes

“A fé tende, por sua natureza, a exprimir-se em formas artísticas e em testemunhos históricos que têm uma intrínseca força evangelizadora e valor cultural, diante das quais a Igreja é chamada a prestar a máxima atenção”.

A afirmação do Beato Papa João Paulo II, em seu Motu Proprio `Inde a Pontificatus Nostri Initio´, de 25 de março de 1993, acerca da valorização que a Igreja sempre dedicou à arte como veículo de comunicação das coisas espirituais e como expressão catequética, oferece bem pano de fundo ao trabalho de pesquisa histórica e jornalística a que se dedicou, nos últimos meses, Giselle Neves Moreira de Aguiar para elaborar o trabalho “A Arte Sacra de Giusti na Catedral de Sorocaba”, seu livro-reportagem de conclusão do curso de Jornalismo pela Universidade de Sorocaba (Uniso), unindo a Religião à Cultura.

Ao se debruçar sobre a obra do artista plástico italiano Giusti, ao chegar ao Brasil com a família fugindo aos horrores da II Guerra Mundial atraído a Sorocaba no final da década de 40 do século passado, para inicialmente decorar as capelas laterais da igreja da Catedral de Nossa Senhora da Ponte, Giselle não só cumpre as formalidades educacionais de formanda em Jornalismo – e muito bem, diga-se de passagem -, como oferece, contempla e enriquece a bibliografia historiográfica sorocabana com mais um importante capítulo de nossa história artística, religiosa e social de um lado e, de outro, cumpre a magnífica missão de contribuir para que o nosso povo cristão, como exortava João Paulo II na `Inde a Pontificatus Nostri Initio´, alertado jornalisticamente para os tesouros artísticos que, no caso específico, guarda nossa Catedral Metropolitana ao entrar em contato com este oportuno trabalho, possa chegar cada vez mais perto das coisas do Alto, evangelizando-se e ajudando a evangelizar.

Resgatar às gerações presentes e futuras a beleza da arte sacra encontrada, assim, nas obras de Giusti, prioritariamente na Catedral Metropolitana de Sorocaba, mas também em muitas outras igrejas da região e de outras cidades do interior de São Paulo e mesmo da Capital, como fez Giselle, contribui ainda para a materialização de outra assertiva colocação feita pelo Beato Papa João Paulo II em outro trecho de seu Motu Proprio de 1993 sobre a Arte a serviço da difusão das verdades do Reino e da evangelização cristã: “A Arte vai mais além da informação racional, matemática das coisas, intelectual apenas e que não resolve tudo e não atende aos anseios da pessoa humana. Ela (a Arte Sacra) comunica revestida de emoção. A beleza (o belo) re-vela (des-vela) o que pela pura palavra, ou pela pura razão, não conseguimos exprimir (o que faz magistralmente em sua obra Giusti e Giselle registra com sua pena de jornalista – observação minha).

A Arte, sabemos, ainda não revela com perfeição, por ser terrena, ser humana e, por isso, imperfeita. Só Deus pode promover, assim, uma plena revelação. Deus é a plena beleza. Nele tudo é perfeitamente belo”!

Sorocaba, 04 de maio de 2013.

JOSÉ BENEDITO DE ALMEIDA GOMES,

Jornalista e membro do Conselho Consultivo do Museu Arquidiocesano de Arte Sacra “Comendador Luiz de Almeida Marins” (Madas-LAM), de Sorocaba

Apresentação

Desde que soube que deveria produzir um trabalho jornalístico relativo à monografia cujo título é ‘O catolicismo na região de Sorocaba segundo o jornal Terceiro Milênio’, pensava em realizá-lo a respeito do trabalho de Giusti na Catedral Metropolitana de Nossa Senhora da Ponte, de Sorocaba, uma vez que o assunto arte sacra sempre me interessou.

No início deste novo projeto, enquanto ainda elaborava a pauta e o roteiro, o jornal Cruzeiro do Sul publicou algumas reportagens relativas ao estado precário de conservação dos afrescos que compõem a obra de Giusti na Catedral.

Jornalisticamente aconteceu um desastre com a minha pauta. A maioria das pessoas que eu tentava entrevistar a respeito do assunto não queria dizer uma palavra. Possivelmente devido à certa polêmica suscitada pelas reportagens nos meios artísticos e religiosos.

No meio do impasse veio a lembrança dos jornais. O que eles falaram a respeito da obra de Giusti? A ajuda do historiador e jornalista José Benedito de Almeida Gomes foi essencial. Ele ofereceu seu acervo de recortes de jornais a respeito das artes plásticas em Sorocaba, e também os seus conhecimentos pessoais. Além de todas as informações, por meio dos recortes descobri que nos anos 70 do século passado fazia-se um precioso jornalismo em Sorocaba, pelo menos nos jornais impressos.

Ler um desses textos era como estar nos lugares vivenciando o fato. Narrativas deliciosas forneciam os dados necessários para o leitor não só se inteirar do que era notícia, mas também evidenciavam a atmosfera em que aconteciam. Usando uma metáfora, se a reportagem fosse uma fotografia, ela seria quase panorâmica, na qual cada leitor podia eleger o detalhe que considerasse mais relevante.

A leitura dos jornais da época proporcionou-me um agradabilíssimo encontro com a cultura sorocabana de um passado recente. Importa observar que muitos desses atores estão ainda vivos e atuantes e existem muitos sorocabanos, orgulhosos de ter convivido com personalidades que, com muita justiça, deixaram, como penhor da memória, seus nomes em logradouros e espaços culturais da cidade.

Um conhecimento maior das vidas de Dom Aguirre, Aluísio de Almeida, Ettore Marangoni, Mário Mattos e Zezé Correa, figuras de relevância no cenário cultural da região quando se trata de religião e artes plásticas, vieram junto com a pesquisa

sobre o trabalho de Giusti. Foi muito gratificante descobrir, por meio das publicações, o quanto o povo sorocabano é rico em cultura.

Dessa pesquisa, somado ao que foi aprendido no curso de Comunicação Social com habilitação em jornalismo na Universidade de Sorocaba (Uniso), e também no que ficou apreendido durante minha vivência na cultura católica ao longo de quase 60 anos, resultou um trabalho que procura estabelecer as contínuas interações da obra do artista Giusti com o catolicismo em Sorocaba que, por sua vez, mostra comporta-se em relação ao catolicismo universal como fosse uma alíquota de um todo, como parte integrante dele.

As fotografias que acompanham este texto estão no filme: “A Arte de Sacra de Bruno de Giusti - Comunicação e cultura na Catedral de Sorocaba - disponível no Youtube

Ó Deus salve o oratório Ó Deus salve o oratório Onde Deus fez a morada Oiá, meu Deus, onde Deus fez a morada, oiá

Onde mora o calix bento Onde mora o calix bento E a hóstia consagrada Óiá, meu Deus, e a hóstia consagrada, oiá De Jessé nasceu a vara De Jessé nasceu a vara E da vara nasceu a flor Oiá, meu Deus, da vara nasceu a flor, oiá

E da flor nasceu Maria E da flor nasceu Maria De Maria o Salvador Oiá, meu Deus, de Maria o Salvador, oiá

Letra da adaptação feita pelo músico Otávio Augusto Pinto de Moura, o Tavinho Moura, de uma música do cancioneiro do folclore brasileiro.

Introdução

Grande interesse tem mostrado a mídia e a academia , em tempos recentes, a respeito da defesa e preservação de culturas.

Antropólogos ganham notoriedade divulgando seus estudos sobre determinados povos, cujos detalhes culturais são alvo de estudo, vistos como algo a ser considerado e respeitado pela por toda a população do planeta. Isto é um ganho considerável. Parece estar-se descobrindo, ou pelo menos tornando evidente, que o direito ao cultivo da própria cultura é inerente a cada membro da humanidade. Ao que parece, todos os estudos antropológicos convergem para esta máxima dos tempos modernos, que consegue agora racionalizar o que os mais simples fazem naturalmente há milênios.

A expansão cultural na qual vivemos, proporcionada pelo advento de novas tecnologias, transformou o planeta num imenso caldeirão cultural. A interação das culturas possibilita um vasto potencial de evolução e desenvolvimento para todos, dependendo da leitura que se faça das culturas que a cada dia são apresentadas; graças ao interesse de estudiosos, o conhecimento a respeito de cada uma pode ser grande em profundidade e abrangência, desde que haja interesse.

A curiosidade a respeito do modus vivendi humano sempre foi grande. De uma maneira ou de outra, as pessoas sempre se interessam em saber o modo como as outras vivem, dentro de uma variada gama de aspectos importantes, que vai desde a simples fofoca até o interesse na área do conhecimento sociológico.

Já nos tempos do antigo ginásio, os mais velhos estudavam os resultados das pesquisas feitas nas escavações das pirâmides de Gizé, através das quais se podia saber como viveram ancestrais humanos há cerca de 2.500 anos antes de Cristo.

Quantas pessoas trabalharam em condições subumanas, e quantas morreram por exposição a perigos para que as informações agregadas às múmias e objetos considerados importantes pelos faraós, soterrados nas areias do deserto, chegassem até nós? Não é pelo fato de ser alimentada pela ciência adquirida pelos ancestrais (de maneira, às vezes, penosas) digerindo-a , assimilando-a e a incorporando a novos conhecimentos ao longo do tempo que a humanidade chegou aonde está? Quanto se deve a Champollion por decifrar os hieróglifos egípcios e abrir ao conhecimento de todos os saberes desse povo que viveu há milhares de anos? Depois dele, o caminhar da linguística foi consideravelmente mais fácil.

Sérgio Bairon, professor da Escola de Comunicação e Artes da USP (ECA) detentor de vários títulos na área de comunicação, numa palestra no VI Encontro de Pesquisadores em Comunicação e Cultura, proferida na Universidade de Sorocaba (Uniso), em novembro de 2012, mostrou o trabalho que desenvolve para evidenciar os valores culturais, transmitidos de maneira oral e por meio das manifestações artísticas, de comunidades e grupos étnicos dispersos pelo Brasil.

Considerou a grande importância de se respeitar o conhecimento de cada comunidade cultural, tanto pelos órgãos oficiais como pela academia; esta, ele diz, deve olhar com respeito essas culturas, até, e principalmente, nas interações com elas, com objetivos de estudos e ou de extensão de conhecimentos. Isso porque cada identidade cultural é detentora de saberes únicos, que tem seus mestres, pessoas que transmitem oralmente os valores da cultura por meio de histórias que contam, de trabalhos que executam ou de artes que dominam, que são comunicadas a seus componentes de geração a geração.

São mestres de ofício e ou artes que podem ser até analfabetos, fato que não impede que sejam doutores em determinados conhecimentos que os mais célebres expoentes da Academia podem ignorar. Em relação a este trabalho, o professor defende uma nova Lei que tramita no Congresso Nacional, em Brasília, chamada de “Lei Griô”, que considera mestres pessoas especialistas em saberes e fazeres da cultura oral.

A partir dessa palestra, ficou claro que o catolicismo, alvo da pesquisa para a monografia em que trabalhávamos na época, além de estar associado aos saberes mais eruditos, conforme verificamos em nossos próprios estudos, enquadrava-se, em cada detalhe, nas propostas do professor.

O que tem a ver os estudos do professor Sérgio Bairon com o catolicismo? Para quem observa a religião com interesse científico no campo da Comunicação Social,

tudo. Porque tudo o que o professor observa nas comunidades culturais estudadas, por ele e seus alunos, ocorre de maneira efusiva no catolicismo.

Esse fenômeno cultural, a fé católica, também começou pela transmissão oral, que se dá intensamente até hoje; a música e as artes plásticas sempre foram veículos de divulgação enquanto seus saberes passam de geração a geração por meio de ritos e costumes culturais.

As tradicionais Festas do Divino e a Romaria à Aparecidinha em Sorocaba são exemplos de viva expressão cultural que merecem estudos tão respeitosos quanto os que foram feitos com os índios bororós do Mato Grosso ou com as congadas em Minas Gerais, divulgados pelo professor.

Também no catolicismo a figura dos mestres é de grande relevância. Pessoas, às vezes sem qualquer escolaridade, ensinam e transmitem com maior profundidade e eficácia seus conhecimentos do que se pode conseguir com anos de estudos racionais. Esta transmissão é feita em meio da família ou no convívio diário. Grande número desses mestres de vivência na cultura alcança notoriedade mundial por muitos séculos graças ao zelo que a cultura tem quanto à preservação da memória do conhecimento cuja transmissão se passa no nível pessoal.

Entre milhares de histórias do mundo católico que são transmitidas oralmente em sermões, catequeses e na vida familiar, existe uma que explica bem o que queremos demonstrar. É a de um jovem francês que, considerado de pouca inteligência, demorou muito tempo para conseguir concluir os estudos e ser ordenado padre. Quando o conseguiu, foi enviado para um lugarejo no qual duas ou três velhinhas perfaziam o total dos frequentadores das missas.

Começou ali a exercer o seu ofício de sacerdote com naturalidade e a alegria de ter conseguido ser o que queria, segundo os critérios de sua crença. Com o tempo as pessoas foram aproximando-se, cada vez em maior número, até que chegou o dia em que vinham de todos os cantos da França.

Sua popularidade chegou à Sorbonne, importante universidade de Paris, de onde saiu um professor para entrevistá-lo, com o objetivo de fazer um estudo sobre a grande capacidade de comunicação daquele homem tão rústico. Diante de tantas perguntas do professor que queria colocar em termos pragmáticos os mistérios da fé católica, o padre respondeu com toda a simplicidade: “Não posso explicar-lhe, o senhor é ignorante”. E o professor disse, indignado: “Como posso ser ignorante se sou professor da Sorbonne?” Ao que o padre respondeu: “O senhor pode ser professor em muitos assuntos, mas não conhece nada de Jesus Cristo, sua doutrina e sua Igreja. Se quiser, posso lhe ensinar o catecismo”. Este padre rústico é São João

Maria Vianney, o Cura d’Ars, que viveu de 1786 a 1859, e tal fato ilustra como existem nas culturas, inclusive na católica, saberes ocultos aos que se pautam somente pelos saberes racionais.

Os estudos realizados à luz da academia e da cultura popular posicionam o catolicismo no real significado do nome que atribui a si mesmo, católico, termo que vem do grego ‘katholikos’, que significa universal. Demonstra que seguidores dessa doutrina podem pertencer a qualquer tipo de perfil, uma vez que se trata da crença numa vida espiritual povoada de símbolos cheios de significados que se manifestam por meio de ritos e das artes.

Este trabalho tem como objetivo identificar a cultura católica como expressão de uma imensa comunidade disseminada por todo o planeta, cujos membros se comunicam entre si por meios intangíveis, muitas vezes veiculados por obras de arte, como a do pintor italiano radicado no Brasil, Bruno de Giusti. Efetuamos para isso um mergulho no universo católico bem nos moldes do que propõe o professor Sérgio Bairon

A arte de Giusti expõe saberes que têm pautado a vida de milhões de pessoas em todos os lugares do planeta há mais de dois mil anos. Em trabalhos como os seus pode-se observar a erudição da arte que compreende muito talento e conhecimento concretizados com a mesma simplicidade vista nos olhares manifestadamente simples de pessoas de todos os graus de instrução que, contemplando-as, sentem-se mais próximas de Deus. Só este fato já tornaria o artista relevante e merecedor de estudos muito mais amplos e profundos do que este que podemos apresentar.

A Religião e a Cultura

Cada templo religioso constitui uma expressão artística da religiosidade de um povo em determinada época. Estudiosos de várias ciências encontram encerradas nos templos verdadeiras bibliotecas, com informações que vão desde os materiais empregados até como e por que e os ritos eram celebrados.

Os templos mais antigos são de grande interesse dos arqueólogos que se submetem a trabalhos penosos e lentos para sentir a alegria de saber um pouco mais como viviam os antepassados de sua espécie.

A história do catolicismo também é arquivada nas construções bem conservadas de suas igrejas. Por meio das mensagens escritas nas suas decorações, pode-se saber muito a respeito do grau de evolução e dos costumes do povo na época em que foi construído determinado templo bem conservado.

Data do século VI o decreto do Papa Gregório Magno que transformou a pintura artística em relevante recurso pedagógico para o ensino da doutrina e fortalecimento da fé. Desde então, a Igreja Católica passou a exercer importantíssimo papel de mecenas. Sob suas asas, sempre encontraram abrigo os artistas de todas as artes ao longo dos últimos 15 séculos.

Seus templos se tornaram ricos e democráticos (ao alcance de quem os queira apreciar) acervos culturais em cada lugar do planeta, onde arquitetos, artífices e artistas plásticos dão vida e valor a simples trabalhos braçais transformando-os em monumentos de arte, que encantam todos os tipos de observadores. Ao longo de

todo esse tempo, a arte sempre esteve junto de toda manifestação da religiosidade do povo católico.

Cada região e cultura têm sua maneira própria de exprimir sua fé por meio das obras de arte, que transmitem de modo peculiar sua visão do mundo da fé, do imaginário coletivo do seu povo. Em Sorocaba não é diferente. Sua vida de religiosidade começou em 1654 quando “Baltazar Fernandes, vindo de Parnaíba com seus genros e quatrocentos administrados índios, construiu no alto da colina à esquerda do rio Sorocaba, a capela de Nossa Senhora da Ponte que em 21 de abril de 1660, “divinitus”, divinamente inspirado, entregou, com um patrimônio de terras e pessoas, à Ordem civilizadora do Ocidente”, a Ordem dos Beneditinos. Aspas para o historiador-mor de Sorocaba, Aluísio de Almeida, o também sacerdote católico Monsenhor Luís Castanho de Almeida, no seu livro “A Diocese de Sorocaba e seu Primeiro Bispo”. A cidade de Sorocaba nasceu da construção dessa capela, que hoje é a Igreja de Sant’Ana, anexa ao Mosteiro de São Bento.

Segundo o historiador e jornalista José Benedito de Almeida Gomes, assim que a primeira capela foi doada aos beneditinos, logo em seguida começou-se a construir a nova igreja, a atual Catedral de Nossa Senhora da Ponte, e a antiga imagem veio para a Matriz. A imagem de Nossa Senhora da Ponte que hoje está no altar mor veio de Portugal em 1771. A bela Catedral que os sorocabanos têm em nossos dias, no começo era uma igreja bem simples que foi recebendo acréscimos e adereços ao longo dos anos.

Aluísio de Almeida conta que em 1918 o Cônego Domingos Magaldi, como pároco da então Matriz de Nossa Senhora da Ponte, deu início a uma grande reforma na igreja. O arquiteto foi o padre Luís Sicluna. Conta o historiador-mor de Sorocaba que foi tão difícil derrubar as taipas fortalecidas com pedregulhos, de que eram feitas muitas construções naquela época, que pedaços da parede das naves apenas foram adaptados. A fachada continuou a mesma de 1783 à qual se ligava uma torre inteiramente de pedra iniciada em 1812. Os gastos com a capela-mor, a abside (parede curvada no teto, acima do altar) e quatro arcos sustentando a futura cúpula, que ficou para mais tarde, foram custeados pelo conde Francisco Mattarazzo. Ainda não haviam sido feitas as decorações, estava tudo branco.

Com a reforma terminada, em 13 de janeiro de 1924, Dom Duarte Leopoldo e Silva, então Arcebispo de São Paulo, sagrou o altar-mor da igreja Matriz. Naquela mesma

tarde aconteceu uma memorável reunião, de uma comissão pró-criação do bispado, presidida por Dom Duarte, no Gabinete de Leitura, localizado na praça central de Sorocaba. Mons. Magaldi exercia também o cargo de governador do bispado de Botucatu depois da morte de Dom Lúcio Antunes de Souza. O livro do Mons. Luís Castanho de Almeida conta que no mesmo dia 4 de julho de 1924 no papado de Pio XI, pela bula ‘Ubi Praesules’ foi criada a diocese de Sorocaba desmembrada da de Botucatu. No mesmo dia foi publicada, e m R o m a , a b u l a ‘Commissum Humilitati’ que elegeu o primeiro bispo, Mons. José Carlos Aguirre, que era pároco de Bragança. Pouco depois, o Núncio Apostólico, Dom Henrique Gasparri declarou a elevação da Matriz de Sorocaba à dignidade de Catedral. Aqui fazemos um parêntese para registrar um fato curioso, de interesse jornalístico. Em conversa descontraída, o jornalista José Benedito lembrou que a notícia da criação do bispado e de seu primeiro bispo demorou a chegar a Sorocaba, devido às dificuldades relativas àquela época. Aluísio de Almeida também menciona esse fato no livro aqui já referido. Na pesquisa, descobrimos no fascículo três da edição comemorativa do jornal “Cruzeiro do Sul 30.000 edições” uma nota publicada na edição do dia 22 de agosto de 1924 dizendo que a Santa Sé havia nomeado os bispos para as novas dioceses de Sorocaba e Santos, recém-criadas, e para a de Botucatu que estava em sede vacante com morte de Dom Lúcio de Souza.

Um erro de informação dizia que Mons. Felisberto Marcondes Pedrosa seria o bispo de Sorocaba e o vigário de Bragança, cônego José de Aguirre, seria o bispo de Botucatu. O jornal, nessa edição comemorativa, mostra, com galhardia, um erro cometido entre tantos acertos, muitíssimo próprio do ofício de jornalista, assim como o erro está presente em todas as profissões. A mesma página mostra também a capa da edição de 1º de janeiro de 1925, homenageando a chegada e posse do bispo. Tratou-se de uma edição de 26 páginas, a maior que publicara até aquela data.

No dia 27 de dezembro de 1945 está marcada na agenda de Dom Aguirre a fundição do grande sino da Catedral de Sorocaba, de 2700 quilos, pela firma “Sinos Samassa”.

Em 1948 Giusti, recém-chegado da Itália, foi contratado para realizar a pintura decorativa dos afrescos das capelas laterais que margeiam sua nave.

Em 1958, devido à doença de Mons. Francisco Cangro, assumiu a paróquia da Catedral o Mons. Antônio Simon Sola que reformou a torre, a fachada, a nave central e o forro. Em 1961 a fachada ganhou as imagens dos quatro evangelistas. E outras obras de Giusti já faziam parte do seu acervo artístico. Em 2007, sob a direção do atual pároco, Padre Tadeu Rocha Moraes, a Catedral recebeu a última grande reforma na qual foi feita a restauração da cúpula e dos vidros, além da execução de uma nova pintura de arte sacra na abside realizada pelo artista plástico Sérgio Prata.

Bruno de Giusti

Em 1948, a Catedral de Nossa Senhora da Ponte de Sorocaba recebe as primeiras pinceladas de um artista recém-chegado da Itália, Giusti, que nasceu em San Michelle de Ramera, em Mareno di Piave, província de Treviso, na Itália, em 13 de outubro de 1920.

Giusti estudou na Escola de Belas Artes de Veneza. Desde jovem dedicava-se à arte sacra. A II Guerra Mundial tirou-o de seu promissor trabalho, foi soldado e se considerava um sobrevivente. Com o término do conflito, a Europa empobrecida, as notícias da promissão do Novo Mundo dadas por parentes em São Paulo animaram o recém-casado a deixar temporariamente a esposa e a filhinha para vir ao Brasil, por volta de 1947. Trouxe consigo o cadastro de pintor de grandes potencialidades e as recomendações das Cúrias Diocesanas de Travesso e de Vitorio Venito. Essas mesmas dioceses comunicam às dioceses de São Paulo a vinda de tão talentoso artista. Por meio do responsável pela Comissão de Arte Sacra da Arquidiocese de São Paulo, o então monsenhor Paulo Rolim Loureiro, sacerdote sorocabano que chegou a ser bispo diocesano de Mogi das Cruzes, Giusti soube que Sorocaba procurava um pintor para decorar a Catedral. Sua vinda ocorreu depois do encontro com o coadjutor da Sé de Sorocaba, padre João Marins. Depois de acertos com o então pároco da Catedral, monsenhor Francisco Antônio Cangro, e com o bispo Dom José Carlos de Aguirre, estabeleceu-se nestas paragens. Era 1948, pouco tempo depois, chegaram da Itália sua esposa e a filha ainda bebê.

O primeiro trabalho foi a decoração das oito capelas laterais dispostas nos dois corredores que margeiam a nave principal. Cada uma é dedicada a um alvo de devoção da fé católica, um santo ou um título de Nossa Senhora, além de uma dedicada ao Sagrado Coração de Jesus. Executar cada obra dessas requer um grande trabalho de pesquisa e estudo para conhecer muito bem o histórico da devoção, a

vida do santo para revelar, por meio da pintura, a essência da mensagem que ele passou, vivendo o que viveu. Uma peculiaridade do artista foi retratar rostos de moradores de Sorocaba no lugar de personagens das cenas representadas. Olhando os afrescos, as pessoas da cidade tinham a impressão de estar vendo algum conhecido. Ele fazia o que chamava de regionalização da arte sacra, isto é, uma forma de inserir a comunidade no contexto mais amplo das verdades da fé.

O jornal “Diário de Sorocaba publicou em 25 de dezembro de 1982 uma reportagem sobre o artista na qual ele diz, referindo-se ao seu trabalho “ Natividade”, com o qual decorou o presbitério da Igreja Matriz de Nossa Senhora Mãe dos Homens, de Porto Feliz: “Procuramos fugir, em nossas obras, totalmente de características europeias. O importante é, por exemplo, ilustrarmos uma Natividade brasileira, como fizemos há quase três décadas para a igreja Matriz de Porto Feliz do Cônego Humberto Ghizzi, com figuras regionalizadas de Maria, de José e do Menino Jesus. Não queremos executar obras religiosas apresentando as figuras acadêmicas de sempre, geralmente com fisionomia de pessoas europeias. Apesar de sermos italianos, preferimos produzir nas telas gente nossa, fisionomia de gente conhecida hoje em Sorocaba, em Porto Feliz, em Bragança Paulista ou onde quer que realizamos nossos trabalhos”.

Essa característica do pintor foi manifestada já nos primeiros trabalhos em Sorocaba. Segundo o historiador e jornalista José Benedito de Almeida Gomes, o negro escravo que aparece no altar de Nossa Senhora Aparecida é o retrato de um andarilho da cidade na época, e o rosto do anjo ao lado do Evangelista São Mateus retrata um menino que gostava muito de vê-lo trabalhar, o sobrinho do pároco, Padre Chiquinho (Mons. Francisco Cangro). O menino era Paulo Francisco Mendes, ex-prefeito e ex-vereador da cidade. A obra do artista encantava a todos. A partir das pinturas da Catedral nunca mais parou de trabalhar. Era convidado para realizar sua arte em diversos lugares do País. Entre as mais importantes, estão as da igreja Matriz de Nossa Senhora do Pilar, em Pilar do Sul; da igreja matriz de São José em Gália; da igreja Matriz e da capela do Seminário Maior, em São Manoel; do presbitério da igreja Matriz de Nossa Senhora Mãe dos Homens, em Porto Feliz; da igreja Matriz de Anhumas; das igrejas de Marília e de Buri; das telas da Via-Sacra da Matriz de Nossa Senhora da Piedade, em Piedade; do batistério e da Via-Sacra da Paróquia de São Benedito, em Salto; da igreja de São João Batista, em Rio Claro; da igreja do Bonfim, em

Campinas; da Basílica de Santa Terezinha, no Rio de Janeiro; e da Igreja de Nossa Senhora Aparecida, em Moema, São Paulo, capital. Acrescentem-se a todas estas, ainda outras que executou, mais tarde, na Catedral de Sorocaba: na Capela do Santíssimo Sacramento, as duas telas laterais e o teto dessa capela; as duas grandes telas sobre as portas da sacristia e da Capela do Santíssimo, representando Nossa Senhora Regina Mundi (Rainha do Mundo) e Christus Rex (Cristo Rei), respectivamente. O passar do tempo aprofundou sua característica de retratar as pessoas do lugar. O que a princípio seria apenas uma preocupação para que se pudessem ver como familiares as feições das personagens, foi ganhando intensidade, e no trabalho feito entre 1983 e 1987 para a igreja da Vila Arens, em Jundiaí, ele já “vestiu” as personagens bíblicas com as roupas atuais. No lugar de Pilatos, está o Sr. Laércio Gonzaga, vestido com a toga dos juízes da atualidade. Cristo, num quadro da Via-Sacra, encontra-se entre um juiz de toga preta e um soldado com farda da polícia dos anos 80. As pessoas se sentem orgulhosas por servir de modelo para o artista. Ao jornal “Bom Dia Jundiaí”, numa reportagem de 2006, o pintor disse: ”Sempre tive em mente produzir uma arte de fácil compreensão para o povo, e nada melhor do que o próprio povo passar a mensagem”. A reportagem traz uma fotografia do artista, já com 86 anos, com a seguinte legenda: “Giusti: mestre figurativo impressionista italiano busca retratar o ser humano em toda a sua essência”. O fato de ter o próprio povo local representado nas paredes do lugar mais importante da comunidade constitui algo de muito valor para os católicos das cidades que conservam as pinturas de Giusti. Uma busca no site “Youtube” por filmes sobre a paróquia de Santa Luzia, em Anhumas, basta para observar como a população e as autoridades do lugar se sentem agraciados e orgulhosos por causa de suas pinturas.

Uma das reportagens mais expressivas da imprensa a respeito do trabalho de Giusti foi apresentada pelo jornal “Diário de Sorocaba” em 2 de novembro 1983. Narra uma visita da reportagem ao ateliê do artista, que era improvisado nas galerias superiores da Catedral de Sorocaba, onde fica o Museu Diocesano de Arte Sacra.

Ele trabalhava na segunda tela destinada ao presbitério da Matriz da Santíssima Trindade, em Tietê. A reportagem descreve a explicação do artista para a primeira tela, já pronta, que mostra cenas dos anos 1830, quando a região foi atingida por uma epidemia de febre amarela. “Foi nesse clima que naquele tempo todos uniram-se pela fé, o único remédio para a salvação, implorando e orando ao Divino que deles cuidasse e afastasse a doença e a miséria. E a graça foi alcançada. Houve alegria e festa como consequências e ainda a promessa de se honrar o Divino em todos os anos, às vésperas do Natal, às margens do Tietê”, explicou o pintor.

A tela que Giusti estava produzindo mostra o “Encontro das Canoas”, em pleno leito do rio Tietê, quando uma missa festiva, celebrada sobre as águas, marca o encerramento das festividades religiosas em honra ao Divino Espírito Santo, que ocorrem em todos os anos na cidade. Desta vez, em tempos dos anos 80, mostrados com detalhes que muito falam ao povo católico de Tietê. Não faltam pessoas conhecidíssimas nesse quadro, entre elas, o então bispo diocesano Dom José Lambert. A tela retrata parte da cidade, como era no início dos anos 80, como a ponte sobre o rio rodeada por participantes da festa. A reportagem continua e diz que, ao chegar para fazer seu trabalho, o repórter encontrou o artista recebendo a visita de seu amigo e colega de profissão Ettore Marangoni, num agradável convívio. O jornalista ficou acompanhando a conversa entre eles e diz que os dois concordavam que, comparada com a pintura clássica, a arte de hoje (do tempo deles) “é de muito mais valor em termos de cultura e de contribuição para o patrimônio histórico”.

Em um ambiente mostrado como calmo e sereno, Giusti disse ao repórter que havia perdido a conta do número de obras que já havia realizado. “São tantos que eu teria que nascer de novo para atender a todos, pois tenho sido solicitado em vários Estados, nem sei a quem atender primeiro.” Finalizou a entrevista dizendo: “Com a arte, pode-se viver muito bem, ao contrário do que muitos dizem, eu sinto que os jovens não se dediquem com mais seriedade à atividade artística , onde ainda há muito campo para ser explorado e se pode embelezar e contribuir para com o patrimônio histórico-cultural”. O artista faleceu em 29 de agosto de 2011 em Garça (SP), onde residia na época.

A importância da Catedral na vida cultural da cidade

A Catedral de Nossa Senhora da Ponte é talvez o mais democrático acervo artístico e histórico da cidade; fala de arte e de fé, não somente aos católicos, mas também a todos os que sabem valorizar um ambiente religioso, mesmo que seja somente pelo seu valor artístico.

Dom Matias Tolentino Braga, Abade do Mosteiro de São Bento de São Paulo, disse, em um evento, que possivelmente Sorocaba tem, em número de peças, o segundo acervo de arte sacra do Estado de São Paulo. Uma reportagem publicada no Jornal “O Estado de São Paulo”, em 17 de julho de 2001, fala em um conjunto de mais de 300 peças. A Catedral em si é também parte dele. Grandíssima relevância tem o conjunto histórico-artístico que compreende o Mosteiro de São Bento.

O fato de estar sempre de portas abertas, em lugar privilegiado e disponível ao público de todos os segmentos, é muito relevante; confere ainda mais valor às obras de arte da Catedral. Para apreciar o acervo, basta entrar e se sentir num ambiente em que se respira cultura, civilidade, afeição e aconchego; conforto espiritual. Deve ser devido a esses atributos que a Catedral é continuamente visitada por pessoas dos mais diferentes perfis. Guardando-se as devidas proporções, o acervo sorocabano representa para a cidade o que o do Vaticano representa para o mundo. A respeito deste, o Papa Bento XVI disse em 25 de outubro de 2012 depois da exibição do filme “Arte e Fé, na Sala Paulo VI, no Vaticano, que as obras de arte do Vaticano constituem uma espécie de grande parábola, através da qual o Papa, representando a Igreja, fala às pessoas de todas as partes do mundo, de culturas e religiões diferentes. Desta maneira acontece ali o que Jesus disse aos seus discípulos, que a eles o reino de Deus era explicitado, mas que para os outros, os de fora da fé, a doutrina do reino é dita em parábolas Cf. (Mc 4,10-12).

Bento XVI afirmou ainda: “A linguagem da arte é uma linguagem de parábolas, dotado de uma abertura especial universal: “a ‘via pulchritudinis’ (caminho da beleza , em latim) é um caminho para guiar a mente e o coração ao Eterno, para elevá-los para as alturas de Deus”.

O recinto da Catedral é passagem quase obrigatória para os católicos de Sorocaba e região. Quando se vai ao Centro, é natural entrar na Catedral para passar ali alguns minutos de interiorização e oração. Parte importante do acervo que compreende esse patrimônio artístico é a obra de Giusti. Ela envolve todo o conjunto como um pano de fundo, feito de retalhos, cada um deles de grande importância em representatividade para a contínua hermenêutica da fé. Nessas visitas pode-se observar, durante os dias da semana, crianças pequenas acompanhadas de pais e avós. Os olhinhos percorrem as paredes, observam as cenas ali descritas pelo pincel de Giusti e seus rostos apresentam expressões de quem compreende o que acontece em cada quadro - ou se surpreende. As perguntas, tão próprias da idade, enchem o ambiente mais próximo e são respondidas com solicitude pelos adultos com manifesta alegria de observar o interesse da criança pelas coisas da fé.

“Por que fizeram isso com ele, ‘vó'?, diz um menino olhando com notado pesar a capela de São Tarcísio, que mostra um adolescente sendo apedrejado ao defender, guardando com todo zelo, em seu peito, o Santíssimo Sacramento. E a avó explica com detalhes o porquê.

A cidade recebe, atualmente, imigrantes de países orientais, chineses em maior número, que não conhecem nem a língua portuguesa, nem a doutrina católica, mas que, por meio dos afrescos de Giusti, podem receber a mensagem do Evangelho de Jesus Cristo; uma pequena amostra do mesmo fato que acontece no Vaticano mencionado por Bento XVI.

Um acontecimento observado pode ilustrar essa situação: um imigrante taiwanês, certa vez, apresentando não pouca dificuldade com nossa língua, mas também grande encantamento, perguntou-nos, apontando para a imensa pintura em tela feita pelo artista, a Regina Mundi – Rainha do Mundo – que mostra Nossa Senhora sobre a nuvem com o Menino Jesus no colo e logo abaixo figuras humanas representando as etnias que deram origem à raça humana, recebendo dela a bênção: “É a mãe de Jesus?

A arte e o contexto religioso

O catolicismo, ao longo de sua história de mais de dois mil anos, sempre fez uso das manifestações artísticas como forma de divulgação da sua mensagem. Aqui e ali, quando se fala em evolução dos meios de comunicação, sempre é lembrado o fato de que até o invento da imprensa por Gutenberg os acervos literários e o próprio conhecimento eram encerrados nos mosteiros, onde os monges eram cientistas, escribas e copistas. Mas o papel de mecenas da Igreja Católica sempre teve suma importância, ela sempre abrigou e foi palco para os maiores artistas de todas as artes.

No mesmo evento citado anteriormente, Dom Matias Braga, Abade do Mosteiro de São Bento de São Paulo, refletiu sobre o fato dos maiores acervos artísticos da humanidade, os mais importantes e também os mais bem conservados e valorizados, serem os de arte sacra, e a maioria católicos, acontece porque “a referência ao passado é a nossa identidade. A memória faz parte da nossa fé”, sintetizou. Destacou, ainda, que, muito antes de serem criados os órgãos internacionais de proteção ao patrimônio histórico, como a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), a Igreja sempre guardou e cuidou do seu patrimônio artístico como quem guarda a sua própria memória. A fé constitui um ingrediente a mais à arte que recebe o nome de sacra, no sentido de ser sagrada, que remete ao imaginário da fé, que é verdadeiramente um mundo particular do qual faz parte o fiel. Por isso a arte sacra está impregnada de símbolos e significados que os iniciados na doutrina conhecem e falam dele entre si como se fossem um povo diferente, de um determinado lugar, que conhecem coisas que os não iniciados não conhecem. Nos estudos da comunicação, pode-se encontrar algo que ajuda a entender o que se passa com uma obra de arte sacra, impregnada de outros significados além dos que podem ser percebidos pelos sentidos. Considerando como enunciado o que corresponde à mensagem transmitida ou à história contada, a enunciação como sendo a maneira como essa mensagem é

transmitida, ou a história é contada, o método de investigação científica denominado análise de discurso observa como se comportam os que produzem os enunciados, de que maneira o fazem e também os seus efeitos sobre os que recebem essas mensagens ou captam essas histórias. O conjunto do modo como tudo isso acontece configura “o discurso” da instituição, do partido político, da escola filosófica, do segmento religioso, de um veículo de comunicação ou de qualquer organização. O linguista francês Dominique Maingueneau, em seu livro “Análise de textos de Comunicação”, diz que cada discurso acontece dentro de um universo propiciado por ele próprio, quando transmite o seu ethos e suas ideias. E também que essas ideias são apresentadas pela maneira de dizer, que, por sua vez, está vinculada a uma maneira de ser, à participação imaginária de uma experiência vivida. “A qualidade do ethos remete, com efeito, à imagem desse "fiador", que, por meio de sua fala, confere a si próprio uma identidade compatível com o mundo que deverá construir em seu enunciado". Para Maingueneau, a cenografia desse universo é muito importante; ela é ao mesmo tempo a fonte do discurso e aquilo que ele engendra; ela legitima um enunciado que, por sua vez, deve legitimá-la; de maneira que a cenografia de onde nasce a fala, o discurso, é precisamente a cenografia necessária para enunciar como convém. Importa aqui observar que tudo isso que hoje se racionaliza acontece naturalmente nos templos católicos há mais mil anos. Em todas as manifestações da arte sacra católica está contida a sua doutrina, que se manifesta por todas as formas. O sociólogo, também francês, Michel Maffesoli de alguma maneira define como “imaginário” da Igreja Católica a sua mensagem, o seu evangelho. Segundo o sociólogo, o imaginário é a fonte subentendida, o enunciador implícito e explícito coletivo que une um povo. No caso do católico, compreende cerca de 1,5 bilhão de pessoas distribuídas em todo o planeta, que, embora em cada lugar o vernáculo seja diferente, falam a mesma língua da doutrina por meio das artes.

Em uma entrevista publicada na revista “FAMECOS”, de Porto Alegre, em 2001, Maffesoli fala do que chama de realidade do imaginário. Para ele, o imaginário é o estado de espírito que caracteriza um povo, vai além do racional, sociológico ou psicológico e traz consigo algo de imponderável e misterioso. O sociólogo diz que, em uma obra significativa para determinada cultura, uma estátua ou uma pintura traz consigo uma aura, que pode ser sentida, mas não vista; é esta aura que ele chama de imaginário, que seria uma atmosfera que a envolve e ultrapassa. Com base nos ensinamentos de seu professor, Gilbert Durand, ele

afirma: “Nada se pode compreender da cultura caso não se aceite que existe uma espécie de ‘algo mais’, uma ultrapassagem, uma superação da cultura. Esse algo mais é o que se tenta captar por meio da noção de imaginário”, Para escritores e estudiosos católicos como o historiador de arte dominicano Raymond Pie Régamey, os católicos têm algo mais a dizer: “Somos feitos assim, imaginativos, e precisamos das imagens para poder ir além delas”.   Em 2006, foi realizada no Vaticano uma assembleia plenária do Conselho Pontifício para a Cultura, que deu origem a um documento final que recebeu o nome de “Via Pulchritudinis”, o Caminho da Beleza. Seu texto está todo baseado na importância que tem a beleza para a fé pelo poder que tem de ser uma ponte que une os seres humanos a Deus, “Pai e Criador”. Isto porque, ao sugerir o que Ele é, suscita o desejo de desfrutar da paz que vem na contemplação “não só porque só Ele pode preencher nossas mentes e corações, mas porque Ele contém em si mesmo a perfeição do ser, uma fonte inesgotável e harmoniosa de clareza e luz”. O documento afirma ainda que a beleza artística provoca emoção interior e leva a “uma saída de si mesmo”, e que, para a pessoa que crê, a beleza transcende a estética e encontra seu arquétipo em Deus. Por isso toda arte cristã tem um significado mais alto. “É por natureza um símbolo, uma realidade que se refere além de si mesma, que leva ao longo do caminho que revela o significado, origem e fim de nossa jornada terrestre”. O dominicano Régamey vai ainda mais longe, diz que depois que Jesus Cristo se encarnou e assumiu a forma de vida humana, tudo o que a ela concerne tornou-se “divinizado”, assim, até mesmo as enfadonhas particularidades da condição humana podem ser transfiguradas aos olhos do espírito, desde que o olhar do artista seja puro.

“O olhar cristão tem a ingenuidade da criança, sua profunda gravidade. Distingue nos seres aquilo que faz o seu prestígio segundo o mundo (e que ele desincha) e o mistério, tão tênue, em aparência, por onde os seres são tomados no jogo divino. É o que há de mais humilde no que quer que seja. “Ver a obra de Deus!” A castidade do olhar, o tato inefável que torna novas todas as coisas e que delas só retém o que é segundo o coração de Deus, eis o que caracteriza a arte cristã.” É, segundo esses critérios, os do catolicismo, os da visão de mundo que deu origem a tantos conhecimentos hoje usufruídos, os que alicerçam o amplo universo do imaginário coletivo do povo católico, que será vista aqui a obra de Giusti feita na Catedral Metropolitana de Nossa Senhora da Ponte, em Sorocaba.

Segunda Parte

A obra de Giusti pelo olhar do catolicismo

Adequando a linguagem

Com base nos trabalhos publicados pelo professor Sérgio Bairon, com a mesma atitude de respeito pedidas por ele para com as culturas, seus costumes e ritos, procuramos falar a língua do catolicismo na análise a seguir. Com apoio em Maffesoli, buscamos entrar no imaginário coletivo católico e observar a arte de Giusti com o mesmo olhar que ele captava nas pessoas que, naquela época, ele intentava servir com seu trabalho, e o fazia com tanto zelo que procurava incrustar as suas feições na própria arte. É com desvelo e respeito que a arte de Giusti tratava o sentimento religioso do povo da cidade; da mesma maneira procuramos fazer com o nosso trabalho jornalístico. Por tal motivo, usamos termos do catolicismo para expressar os sentimentos retratados na obra do pintor, assim como as histórias e os mistérios dessa fé; por isso usamos também caixas altas nas palavras que aludem ao que é sagrado no universo católico.

As obras de Giusti estão assim dispostas na Catedral de Nossa Senhora da Ponte, em Sorocaba:

A Capela do Santíssimo

Os católicos creem que a Hóstia Consagrada é realmente o corpo de Jesus Cristo, morto e ressuscitado, que se torna presente por meio de um fenômeno chamado transubstanciação, no qual a aparência da matéria permanece, mas a substância é transformada em outra, durante a Liturgia Eucarística, na Missa, quando se renova a própria morte de Jesus no Calvário. Tudo no catolicismo gira em torno da presença real e concreta de Deus no meio do seu povo. A Capela do Santíssimo é, em todas as igrejas, o lugar de honra, onde Deus está presente em Corpo, Sangue, Alma e Divindade. Na Catedral de Sorocaba ela é localizada à direita do altar principal, e tem também um altar onde fica o Sacrário, o lugar onde estão guardadas as hóstias consagradas, o próprio corpo de Deus.

Particularmente, no caso da Catedral de Sorocaba, às tardes, ele, como hóstia consagrada, fica exposto de maneira solene num suporte dourado chamado ostensório. Talvez um motivo a mais para o fiel fazer uma visita ao Santíssimo Sacramento, expressão muito usada no catolicismo que significa exatamente o que diz. Pela presença Dele, o altar se transforma em trono, onde se lê, em latim: ECCE ADSUM, que quer dizer: Eis que estou aqui, eis que estou presente. A capela é toda decorada com pinturas de Giusti, todas muito relacionadas com o significado da Eucaristia, o sacrifício do Deus que se fez homem e se imolou em reparação das faltas cometidas pelos humanos diante do Pai Criador, e que também se torna alimento (a hóstia consagrada), que fortalece e ilumina os que desejam viver esta vida à luz de Deus. Olhando para o teto da capela, abaixo vê-se a cena da imolação de Isaac onde se lê: CUM ISAAC IMMOLATUR, que quer dizer: é sacrificado como Isaac, com referência a Jesus Cristo. O capítulo 22, do livro de Gênesis, Bíblia, conta a história como Abraão foi provado por Deus, que lhe pediu que Lhe imolasse seu único filho, concebido por Sarai, sua esposa, já na velhice de ambos. Antes que o consumasse, apareceu-lhe um anjo, com

um cordeiro a ser sacrificado no lugar de Isaac. O cordeiro é símbolo de Jesus Cristo, o cordeiro imolado em favor da humanidade, que é visto na parte superior, para quem olha o teto de frente para o altar. Em baixo dele, lê-se em latim: AGNUS PASCHAE DEPUTATUR, que quer dizer: o Cordeiro da Páscoa; o seu sacrifício significa, para o povo católico, uma passagem para uma vida nova na graça de Deus. No centro do teto, está pintado um grande ostensório, com a hóstia consagrada, rodeado de anjos, mostrando a contínua adoração que o Sacramento recebe deles. Na parede lateral esquerda, há uma grande tela emoldurada em madeira medindo cerca de 12 metros quadrados, mostra a multiplicação dos cinco pães e dois peixes, narrada pelos quatro evangelistas.

A cena mostra a rusticidade do lugar, as personagens descalças contrastando com a expressão sublime de Jesus, que remete à sua sintonia com o Pai enquanto realizava o milagre de alimentar cinco mil pessoas com tão pouca provisão. Esse fato, narrado por todos os quatro evangelistas (Mc 6,30,44. Cf. Mt 14,13-21; Lc 9,10-17; e Jo 6,1-15 ), aconteceu depois que uma multidão O seguiu a pé enquanto Ele fazia uma travessia de barco. Já era quase noite e os discípulos Lhe disseram que despedisse a multidão para que fossem se alimentar. Ele, porém, disse-lhes que alimentassem eles mesmos a multidão. Diante do espanto deles, perguntou o que tinham para comer. Disseram que um rapaz tinha cinco pães e dois peixes. Pediu que os trouxessem, abençoou-os e mandou que distribuíssem aos grupos, que mandara sentar na relva. Todos comeram à saciedade e ainda reuniram 12 cestos com as sobras.

Segundo o Evangelho de São Mateus eram cinco mil homens, sem contar as mulheres e as crianças. Nesse dia, aconteceu também um grande milagre, no campo da comunicação: aquele povo estava ali já há horas, ouvindo a Sua pregação feita ao ar livre, sem o menor auxílio dos recursos da eletrônica, sem microfones.

O que os fazia ouvir? O que prendia a atenção dessas pessoas que nem a fome era motivo suficiente para as fazer ir embora? O quê, e como, Ele dizia? Essa é a mensagem evangélica registrada na tela de Giusti, a que fica, de geração em geração: Jesus Cristo é Deus, e pode suprir TODAS as necessidades humanas, espirituais ou materiais. Outra tela, medindo cerca de oito metros quadrados à direita de quem entra no recinto, mostra Jesus entre os dois discípulos de Emaús, episódio narrado no Evangelho de São Lucas (Lc 24,13-35). O traço do artista demonstra, com

profundidade, o momento de surpresa e de enlevo dos dois homens, que depois de ter andado um longo caminho, em companhia Dele ressuscitado, só percebem que se trata do Mestre ao vê-lo partir o pão. A mensagem passada pela tela traz uma associação clara das necessidades especiais humanas para quem as coisas do espírito, os valores espirituais, imateriais, são muitas vezes acionados e despertados por meio de atitudes físicas e materiais. Algum detalhe especial no gesto de Jesus despertou e aguçou seus espíritos. Atitudes e gestos culturais, próprios dos costumes, são veículos que disseminam conhecimentos intangíveis que muito significam para identidade pessoal e, no caso do catolicismo, da imensa comunidade do povo católico.

Cristo Rei

Acima da porta de entrada da capela do Santíssimo existe uma grande tela, também emoldurada em madeira, o Cristo Rei. Ricamente vestido, com uma capa trabalhada em detalhes, portando uma coroa de ouro, Jesus Cristo se mostra em esplendor e majestade; assim como os católicos gostam de imaginá-lo, como Rei, Deus e Senhor; rico em misericórdia, Todo-poderoso, que venceu a morte e a Quem é submetido todo poder “terrestre”.

O símbolo do seu poder, apresentado como se fosse um cetro, é a cruz vazia, na qual foi pregado e morto para depois ressuscitar, pleno de poder e glória, como é representado nessa grande tela, que mede cerca de oito metros quadrados. A Sua supremacia sobre os poderes humanos e naturais é mostrado pelo fato de que sob os Seus pés está o globo terrestre.

Os quatro evangelistas no presbitério

Pintadas por Giusti, as figuras dos quatro evangelistas aparecem no alto dos quatro cantos da cúpula do presbitério.

Em quase todas as igrejas católicas em que são representados, os evangelistas têm suas imagens associadas a animais e a um anjo com face humana, no caso São Mateus.

A tradição diz que São Mateus tem como símbolo o anjo com rosto humano, porque seu Evangelho tem como foco a humanidade de Jesus, Deus. Deus com face humana. Giusti retratou na figura do anjo o então menino ex-vereador e ex-prefeito de Sorocaba, Paulo Francisco Mendes.

São João aparece com a águia, porque seus escritos realçavam os pontos do Evangelho em que Jesus Cristo se manifestava como Deus. Aqui, o adolescente que permaneceu ao pé da Cruz, quando todos os outros fugiram, foi retratado por Giusti já bem velho, como estava no final de sua vida, exilado na ilha de Patmos, na Grécia.

O Evangelho de São Marcos começa com a pregação de São João Batista no deserto; a pregação de João Batista é comparada ao rugido de um leão. Foca Jesus Cristo como rei e soberano, assim como o leão é considerado o rei dos animais. Assim, a figura do leão ilustra, como símbolo, o Evangelho de São Marcos.

Por último, a figura de São Lucas é mostrada junto com um boi. Seu Evangelho começa com a apresentação da origem humana de Jesus. Parte importante é o seu nascimento do qual o boi foi figura relevante, sua manjedoura Lhe serviu de berço. O boi representa, também, o sacrifício, símbolo de Jesus Cristo como sacrifício de expiação pelos pecados da humanidade.

Regina Mundi

Do lado esquerdo do altar-mor da Catedral, sobre a porta da sacristia, compondo com a tela de Cristo Rei, há outra do mesmo tamanho, harmonizando uma profunda e significativa simetria, a da Rainha do Mundo, em latim, Regina Mundi.

Uma bela e suntuosa figura de Nossa Senhora aparece sobre nuvens, com o Menino-Deus no colo. Logo abaixo, mostrando olhares maravilhados voltados para eles, estão um homem branco, um negro, um oriental, um indígena e ainda outro, que poderia representar diversas etnias.

Importa muito notar a expressão de alegria do Menino a olhar para os homens. Esta figura representa a irmandade dos filhos de Deus. Maria Santíssima, um ser humano, ao se tornar Mãe do Deus humanado, assume a maternidade de todos os que aceitam a salvação dada por meio da encarnação, nascimento, morte e ressurreição de seu Filho Deus.

O fato de ser mãe do Rei do Universo faz dela Rainha, dotada de um poder que a Igreja chama de onipotência suplicante, ou seja, ela pode tudo o que seu Filho Todo-Poderoso permitir; e os católicos se valem muito do fato de o Filho perfeito jamais se negar a atender a um pedido daquela que Ele mesmo escolheu para ter por mãe.

A irmandade dos filhos de Deus, exibida na tela de Giusti, ideia perene do catolicismo, é evidenciada pela figura da Mãe de Todos os Homens. Se têm a mesma mãe, obviamente são irmãos.

O Cordeiro sobre o livro

No teto do espaço à frente da Regina Mundi, está pintado, por Giusti, o Cordeiro sobre o livro. Trata-se da representação bíblica do texto do livro do Apocalipse, no capítulo cinco, em que é descrito o Cordeiro, que representa Jesus Cristo, o Cordeiro imolado, que abriu o livro com os sete selos, para o qual se cantava o cântico novo que dizia: “Tu és digno de receber o livro e de abrir-lhe os selos, porque foste imolado e resgataste para Deus, ao preço de teu sangue, homens de toda tribo, língua, povo e raça” (Ap 5,9)

Primeira capela: As chaves do Reino a Pedro

Na parede, há um painel, pintado por Giusti, de aproximadamente dois metros quadrados. Mostra exatamente o significado da hierarquia para o povo católico. Em uma bela harmonia de cores, o quadro apresenta Jesus entregando as chaves da Igreja a São Pedro, e, ao fundo, os apóstolos, colunas da Instituição fundada há mais de dois milênios.

As posturas das personagens são repletas de significados, que perduram ao longo de todo esse tempo, e que os católicos esperam que durem por todos os séculos. Jesus Cristo mostra-se na postura de quem assume inteiramente o seu posto de fundador e Chefe da Igreja; seu olhar e sua mão direita estão voltados para o alto, buscando as coisas do Espírito, enquanto sua mão direita repousa sobre as chaves, na mão de Pedro.

A atitude do mediador, o que tem acesso ao pleno poder de Deus, porque faz parte dele, na Trindade, e o seu representante na Terra. São Pedro, a autoridade máxima dos católicos, está de joelhos diante do Senhor. Os apóstolos guardam certa distância, mostrando que a autoridade de Pedro e seus sucessores vem de uma ligação muito especial com o Verdadeiro e Real Chefe Supremo da Igreja.

Este quadro representa que a verdadeira e única autoridade da Igreja é seu Fundador que, embora invisível aos olhos biológicos, continua a exercer o Seu poder, apesar de muitas pessoas pensarem que o poder na Igreja repousa sobre os ombros das autoridades humanas. Elas, assim como o mais humilde fiel, são submissas a Jesus Cristo; portanto, no catolicismo, obedece-se diretamente a Jesus Cristo, um só Deus com o Pai e o Espírito Santo, e as ordens Dele são manifestadas por meio de seus representantes. Na origem das ordens de Jesus Cristo, está sempre o Seu Evangelho, a integralidade da sua doutrina manifestada há mais de dois mil anos.

Ao longo desses milênios, pessoas dotadas de grande amor a Jesus Cristo, à sua Igreja e à sua doutrina, legaram aos católicos seus conhecimentos adquiridos por meio da santidade manifestada das mais diversas maneiras. Assim, entre os Doutores da Igreja, encontram-se Santo Agostinho, São Tomás de Aquino, Santa Teresa de Ávila e Santa Catarina de Sena, os primeiros de cultura e conhecimentos

incontestáveis, a segunda, uma reclusa carmelita, e a última, uma analfabeta que se sentia movida a fazer advertências (atendidas) ao Papa.

Através de inúmeras maneiras semelhantes, entre as quais o exemplo de São Francisco de Assis, Jesus Cristo vai regendo invisivelmente a Sua Igreja, na qual a sabedoria é dispersa entre aqueles que a desejam e o poder de Deus não reconhece nenhuma forma de impedimento para que tal aconteça.

A Capela de Nossa Senhora Aparecida

A Padroeira da cidade de Sorocaba é Nossa Senhora da Ponte. Aqui no Brasil é o único lugar em que a Virgem é venerada com este título. A imagem atual veio do Porto, em Portugal, em 1771. Segundo o grande historiador sorocabano, Aluísio de Almeida, tal invocação tem origem mesmo em Portugal. Em uma cidade do Minho, que se chama Ponte de Lima, existe uma imagem muito parecida com a daqui. Daí teria surgido o nome Nossa Senhora da Ponte, significando a Nossa Senhora da cidade de Ponte de Lima.

Porém católicos de todo o planeta consideram muito natural o foco no fato de que Nossa Senhora seja a ponte entre a indigência humana e a onipotente bondade de Deus. Por meio dela (servindo como ponte), o “Verbo” se fez carne, e habitou entre nós, Deus fez-se humano, uniu-se a eles, tornou-se humano, no entanto, sem deixar de ser Deus.

Mas, se alguém aplicar uma pesquisa em Sorocaba para saber qual é o título de Nossa Senhora de maior devoção dos sorocabanos, sem dúvida vai se certificar de que é Nossa Senhora Aparecida.

Duas vezes por ano, o povo acorda cedo para homenagear Nossa Senhora Aparecida. Na madrugada do segundo domingo de julho, os fiéis se reúnem na porta da Catedral para, depois de participar de uma Missa celebrada pelo Arcebispo, levar a pequenina imagem para o segundo Santuário a ela dedicado, o de Aparecidinha, em um bairro distante cerca de 15 quilômetros, que o povo percorre a pé.

O mesmo trajeto é feito de volta, depois dos primeiros raios de sol do Ano-Novo. Na madrugada do primeiro dia de janeiro, novamente o Arcebispo Metropolitano celebra a Missa no Santuário, depois da qual, o povo, em romaria, traz de volta a pequenina imagem para ser venerada na sua capela da Catedral.

A imagem sempre passa pela Santa Casa de Misericórdia de Sorocaba, onde os doentes e os que deles cuidam se sentem abençoados e confortados com tão querida visita. Dessas romarias, participam dezenas de milhares de pessoas, dos mais diferentes perfis.

Conta-se, na cidade, que essas romarias ocorrem desde 1852, mas que as datas foram fixadas a partir de 1899 pelo então pároco da Matriz (ainda não era Catedral) de Nossa Senhora da Ponte, Monsenhor João Soares. Na ocasião, havia um surto de febre amarela e o povo pedia ajuda de Nossa Senhora para a cura de terrível doença.

Hoje, inúmeras são as necessidades que movem os romeiros, entre elas, de agradecer a tantas graças vindas do fato de poder considerar como sua a Mãe de Deus e gozar de tudo o que isso significa.

Por essa devoção tão grande, a capela de Nossa Senhora Aparecida é a que tem diante de si sempre o maior número de pessoas. A história desse título, Aparecida, está contada por uma pessoa que era ainda um estrangeiro, recém-chegado da Itália, mas que soube como descrever com grande significado a história que todos podem compreender, sabendo ou não ler.

A pintura de Giusti ao redor da pequena imagem mostra, do lado esquerdo, o momento em que a imagem “aparecia” na rede dos pescadores. A frágil imagem de Nossa Senhora da Conceição, que se tornara negra por ter estado tanto tempo no fundo rio Paraíba, mostrava-se da cor de muitos dos seus filhos que estavam na condição de escravos. A mãe dava um sinal de que aquilo não estava certo, queria todos os seus filhos livres.

Tal fato é comprovado pela cena retratada do outro lado. Um episódio tão contado em todos os ambientes católicos de até pouco tempo atrás, está (ainda) descrito com total simplicidade pelo pincel e pela grande sensibilidade do pintor estrangeiro: um escravo, apesar de ter os braços ligados por pesadas correntes, fugia do seu dono e era perseguido pelo feitor e seus cachorros. Quando não aguentava mais, viu uma pequena capela, onde buscou instintivamente o refúgio. Ali se encontrava a pequenina imagem da Mãe “aparecida” na rede dos pescadores. Caiu de joelhos diante da imagem com um olhar suplicante; nesse momento, perante os olhos do feitor, que vinha em seguida, as correntes caíram milagrosamente.

Nesta cena, serviu de modelo para a figura do escravo uma pessoa muito popular na cidade, chamada Roque.

A Capela de São José

Giusti escolheu dois momentos de importância e significado na vida de São José, o pai adotivo de Jesus, para envolver a bela imagem da sua capela que, segundo o guia de visita à Catedral de Sorocaba, tem mais de 200 anos.

A pintura da esquerda retrata as bodas de José e Maria; nesta cena, ele mostra pessoas vestidas com trajes da época, fruto de estudos preliminares, mas que, também apresenta uma cena do Sacramento do Matrimônio comum ao nosso tempo, em que acontece a aliança de compromisso, representada pela troca de anéis entre os noivos. Significa que antes de se fazer homem, Deus providenciou para si um ambiente naturalmente familiar.

Ao lado direito da imagem vê-se a pintura do prêmio que São José recebeu ainda em vida e já no seu leito de morte: quando é assistido por Jesus e Maria. Lembra que morrer é fato natural e corriqueiro na vida humana, mas que existem inúmeras maneiras de morrer; para o católico, o conforto espiritual nessa hora é a maior de todas as graças.

Todos os que fazem uso da fé recebida no Batismo podem viver esta alegria na hora na morte, a de gozar do conforto da companhia das pessoas humanas mais importantes, Maria, a humana escolhida para ser Mãe de Deus, e o próprio Deus, encarnado na natureza humana, Jesus Cristo.

A Capela de Nossa Senhora das Graças

O título de Nossa Senhora das Graças deve-se à aparição da Virgem à Santa Catarina Labouré, em Paris, França, no ano de 1830. Ela se mostrava de maneira tal que de suas mãos estendidas saíam inúmeros raios luminosos, que ela mesmo explicou que seriam as graças que ela poderia distribuir, mas que as pessoas não pediam.

Nossa Senhora pediu, na ocasião, que fossem cunhadas medalhas com sua estampa e no verso dela, o M de seu nome encimado pela Cruz do seu Filho, que garantia as graças pedidas, pelo mérito dos seus corações humanos, que deveriam aparecer também no verso da medalha: o Coração de Jesus, coroado de espinhos, e o dela, atravessado pela lança anunciada por Simeão no dia da apresentação do Menino Jesus no templo. Essas medalhas, chamadas medalhas milagrosas, são hoje usadas por católicos do mundo inteiro e também partilhadas pela internet. Mensagens contando sua história e estimulando pedidos de graças percorrem as redes sociais e as caixas de e-mails.

Nesta capela, Giusti falou da vida da própria Virgem Maria. A cena à direita da imagem mostra-a quando menina levando um lírio, que simboliza a pureza, ao sacerdote do templo judaico, conduzida por sua mãe, Santa Ana.

Aqui estão incluídos os evangelhos apócrifos, que a Tradição disseminou ao longo dos dois milênios de fé. Nenhum Evangelho fala de Santa Ana e São Joaquim, os pais de Nossa Senhora, mas nas mais diversas regiões do mundo existem igrejas cujos padroeiros são Santa Ana e São Joaquim. Aqui mesmo, em Sorocaba, sua primeira igreja, a do Mosteiro de São Bento, é dedicada à Santa Ana. A imagem que aparece no seu presbitério representa Santa Ana Mestra, que apresenta a santa sentada ensinando à Virgem Maria, ainda menina, as leituras sagradas.

A cena do lado esquerdo da imagem mostra a bela cena da Assunção da Virgem ao Céu, carregada por anjos. Trata-se de um dogma aceito muito naturalmente pelos católicos, para os quais Jesus Cristo é Deus encarnado. O sacerdote e escritor

francês Michel Quoist descreve, em poesia, este dogma na fala hipotética do próprio Jesus Cristo.

“Minha mais bela invenção, diz Deus, é minha Mãe. Sentia falta dela e então a fiz. Fiz minha Mãe antes que Ela me fizesse. Era mais garantido. . . Agora sou um Homem de verdade, como todos os homens. Nada mais preciso invejar-lhes, pois já tenho Mãe. Mãe de verdade. Estava sentindo falta. (...)

Ela veio até mim com a alma, com o corpo, diretamente. Eu não podia fazer de outra maneira. Era um dever. Era mais conveniente. Os dedos que tocaram Deus não podiam imobilizar-se. Os olhos que contemplaram Deus não podiam ficar cerrados. Os lábios que beijaram Deus não podiam enregelar-se. Este corpo puríssimo que dera um corpo a Deus não podia apodrecer, misturado com a terra. . .

Não, eu não pude, não é possível, ter-me-ia custado demais. Por mais que eu seja Deus, eu sou seu Filho, e quem manda sou eu. (...) Agora pronto, está comigo desde o instante da morte. A Assunção como dizem os homens. (...)

E agora que o aproveitem mais ainda, diz Deus. Têm no Céu Mãe que os acompanha com os olhos, com seus olhos de carne. Têm no Céu Mãe que os ama de todo o coração, seu coração de carne. (...) Se os homens fossem espertos, bem o aproveitariam. Deviam imaginar que a ela nada posso recusar. . . Que querem que eu faça? É minha Mãe. Assim o quis. Agora não me queixo”

A pintura de Giusti traduz, como a poesia de Quoist, o imaginário coletivo católico acerca do dogma da Assunção, algo grandioso e com um significado verdadeiramente divino. Algo que só existe para quem vive na amplitude da vida na fé.

A Capela de São Pedro

A personalidade de São Pedro não é difícil de ser detectada nos livros dos Evangelhos e no dos Atos dos Apóstolos, na Bíblia. O pescador escolhido por Jesus para chefiar a sua Igreja manifestava grande intensidade em tudo o que vivia. Era impulsivo, entusiasmado, espontâneo e verdadeiro. Essas características se mostram presentes em diversas ocasiões, como, por exemplo, quando quis impedir que Jesus lhe lavasse os pés na última Ceia, mas quando Jesus o impôs como condição para estarem juntos, pediu que lhe lavasse também as mãos e a cabeça.

No jardim de Getsêmani, quando os soldados vieram prender Jesus, Pedro decepou a orelha de um deles com uma espada, mas ela foi imediatamente curada pelo Mestre. Ele e João foram os únicos que seguiram Jesus após a prisão, porém, como havia predito o Mestre, negou-o por três vezes. Jesus parecia apreciar a espontaneidade de Pedro, isto o tornava mais confiável, assim a tríplice negação foi substituída por três confirmações de amor ao Mestre.

Depois da morte, ressurreição e ascensão de Jesus, Pedro mostrou-se intrépido na pregação do Reino de Deus por isso foi preso e açoitado várias vezes, e sua morte foi ainda mais intensa em sofrimento do que a do próprio Cristo.

Condenado, em Roma ao mesmo tipo de morte que Jesus, disse não ser digno de morrer como o Mestre e pediu para ser crucificado de cabeça para baixo. Foi esta a cena escolhida por Giusti para retratar a pessoa de São Pedro, o humilde pescador que amou a Jesus, mais que os outros, e viveu para confirmar este amor tão intenso, tanto na vida como na morte.

A Capela de São Vicente de Paulo

O nome de São Vicente de Paulo está associado à caridade cristã em toda parte do planeta. Seu nome é dado a inúmeros hospitais. Em toda parte do mundo existem as confrarias dos vicentinos, formadas de membros da Sociedade São Vicente de Paulo, instituição inspirada na obra do santo, fundada já em 1833 por um grupo de estudantes da Sorbonne, liderados por Antônio Frederico Ozanan, que foi beatificado pelo Papa João Paulo II.

O santo francês, que nasceu já no fim do século XVI, foi um verdadeiro alicerce para a prática da caridade cristã na Igreja. Viveu para a caridade. Toda a sua vida foi dedicada a sanar as misérias da vida material que sabia terem origem na miséria espiritual de tantos. Por tal motivo lutou bravamente para difundir a doutrina de Cristo, fonte do amor, a verdadeira caridade.

No século XVII, fundou duas ordens religiosas, uma dedicada à edificação cristã na doutrina de Cristo, a “Congregação da Missão”, e uma feminina, a das “Filhas da Caridade,” dedicada aos cuidados de tantos pobres, doentes e necessitados que haviam naquele tempo. Nessa congregação, naquela época, as irmãs se vestiam com aquele hábito na qual foram retratadas na pintura de Giusti .

É muito importante observar que o corpo de São Vicente se encontra incorrupto e exposto na capela que leva seu nome, em Paris, e que quem a visita e vê a pintura de Giusti observa que a fisionomia pintada pelo artista é muitíssimo parecida com a do corpo do santo.

A Capela de Nossa Senhora das Dores

A pintura desta capela mostra a dor moral sofrida pela mãe de Deus, que a ela confere o título de Corredentora dos Cristãos.

A primeira parte mostra o momento da saída de Jesus de casa, no início de sua vida pública. O coração de sua Mãe já antevia todas as dificuldades que seu filho teria de enfrentar, porém suportava tudo calada e de longe, sem interferir, apenas servindo como apoio quando e como pudesse, especialmente na oração. Foi assim no caminho do Calvário, quando no encontro dos olhares, a mãe procurava infundir no filho força e coragem para efetuar a salvação da humanidade, cumprir sua missão, apesar de esta conquista esmagar seu coração materno. Do outro lado, ao fundo, estão as três cruzes do Calvário, e Maria descendo de lá, amparada pelo apóstolo João, na companhia das santas mulheres que ficaram com Jesus e Maria até o final. De um lado, ela se despedindo do Filho adorado, ouvindo, talvez, suas explicações e, talvez, até argumentando: “Será mesmo preciso, meu Filho?” Do outro lado, a dor pelo sofrimento e morte do Filho e, ao mesmo tempo, a gratidão a Ele mesmo, Deus, pelo que significou tudo aquilo.

A Capela de São Tarcísio

A pintura da capela de São Tarcísio chega a ser assustadora, mostra, de um lado, um adolescente, recebendo a partícula da Eucaristia para ser entregue a alguém, como é feito ainda hoje, quando ministros extraordinários da Santa Comunhão levam este Sacramento às pessoas que não podem comparecer à igreja. Porém, do outro lado, vê-se uma verdadeira cena de violência, esse mesmo menino sendo apedrejado. Impressiona muito as expressões dos rostos, tanto no do apedrejado, como nos dos apedrejadores. São Tarcísio foi coroinha. Na nossa pesquisa, encontramos um texto da catequese feita pelo Papa Bento XVI no dia quatro de agosto de 2010, quando recebia um grande número de coroinhas, vindo de todas as partes do mundo. Ele contou que não se tem muitas informações precisas a respeito da pessoa de São Tarcísio; sabe-se que ele viveu no terceiro século da história da Igreja, que frequentava as catacumbas de São Calixto, em Roma, era muito fiel à Igreja e amava muito a Sagrada Eucaristia. Acredita-se que tenha sido um coroinha, como são chamados os pequenos acólitos que ajudam os padres na celebração das missas. Naquela época, tempo do imperador Valeriano, os cristãos eram muito perseguidos e eram obrigados a se reunir secretamente nas catacumbas ou casas particulares para celebrar a Missa e ouvir a Palavra de Deus. Já era costume naquela época levar a Eucaristia a prisioneiros e doentes, e este trabalho estava se tornando cada vez mais perigoso. Um dia, quando o sacerdote perguntou quem estaria disposto a levar a Eucaristia, o jovem Tarcísio ofereceu-se. Foi muito advertido do perigo que correria; era considerado muito jovem para tal função, mas ele estava muito confiante. O sacerdote, então, entregou-lhe as partículas de hóstia recomendando–lhe que se lembrasse de que portava um tesouro celeste, embora fosse muito frágil. Advertiu que evitasse ruas movimentadas e protegesse com fidelidade e segurança os Sagrados Mistérios. Tarcísio diz que morreria se fosse preciso para defendê-lo. Ao longo do caminho encontrou alguns amigos pagãos que o chamaram para se divertir. Diante da sua negativa, suspeitaram de que trazia algo valioso junto ao peito, que parecia defender. Tentaram arrancá-la, mas foi em vão; tornaram mais

agressivos quando souberam que Tarcísio era cristão; então, chutaram-no e lhe atiraram pedras, mas ele não cedeu.

Foi socorrido, já moribundo, por um soldado que, secretamente, era cristão. Já morto, ainda segurava um pequeno linho com a Eucaristia. Foi sepultado nas catacumbas de São Calixto. Pelo registro do Papa Damaso, Tarcísio morreu no ano 257. Seu dia é comemorado em 15 de agosto, data de sua morte marcada no Martiriológico Romano.

A Capela do Sagrado Coração de Jesus

A devoção ao Sagrado Coração de Jesus começou a ter mais relevo na Igreja na idade média por meio de Santa Gertrudes e de Santa Matilde no mosteiro beneditino de Helfta, na Alemanha. Santa Gertrudes era muito culta e muito piedosa, sua cultura e piedade levaram-na a um alto grau de compreensão do mistério de Jesus, verdadeiro Deus e verdadeiro homem. Como Deus é todo desejo de saciar e proporcionar aos seres humanos os efeitos de Sua redenção, ao mesmo tempo, Seu Coração humano se sente ressentido da ingratidão de que é alvo, ao perceber que as pessoas não valorizam o Seu sacrifício nem fazem uso das prerrogativas que Ele lhes adquiriu.

Mas, foi em 1673, em Paray-le-Monial, na França, que Santa Margarida Maria Alacoque recebeu várias visões, do que chamou de Sagrado Coração de Jesus, que pedia que os predicados do seu Coração humano e ao mesmo tempo divino fossem divulgados para que as pessoas tivessem acesso à sua misericórdia.

Nesta devoção, também muito divulgada no mundo inteiro, Jesus Cristo apresenta-Se ao mesmo tempo como Rei, Deus e Todo-Poderoso, e também como humano, manso e humilde, compreensivo com as limitações próprias da humanidade, que Ele sentiu na própria carne, tendo experimentado todos as necessidades e sentimentos humanos, com exceção do pecado, uma vez que jamais poderia deixar de ser também Deus.

Esta prerrogativa do Coração Jesus é muito bem expressa na pintura de Giusti. De um lado, ele mostra a aparição do Sagrado Coração de Jesus à Santa Margarida Maria, tão vista e tão comentada nas reuniões do Apostolado da Oração, organização mundial que reúne pessoas para cultivar esta tão forte e poderosa devoção, que atinge todas as esferas da vida humana.

Do outro lado, temos a expressão dos frutos dessa mesma devoção eternizada na parábola do Bom Pastor, que dá vida por suas ovelhas, que também serve de fundamento e ilustração aos significados da devoção ao Sagrado Coração de Jesus.

Giusti retrata a alegria leve e descontraída do Pastor, que carrega aos ombros uma ovelha ou um cordeiro. Tem-se a impressão de que aquele cordeiro corria grandes riscos, estava em lugar muito perigoso, e o Pastor, ao ouvir seus balidos, deixou o rebanho e foi buscá-lo. O quadro parece mostrar a volta e retrata a alegria do Pastor e a completa sensação de conforto da ovelha ou cordeiro, perdido e resgatado.

Jesus Pelicano

A pintura de Giusti, no teto da área lateral do presbitério, entre a capela do Sagrado Coração de Jesus e a do Santíssimo Sacramento, apresenta um pelicano alimentando os filhotes. É cheia de significados. Um trecho do livro “As Confissões”, de Santo Agostinho, explica o seu sentido:

“Abandono em Ti, Senhor, as minhas preocupações para que possa viver e admirar as maravilhas da tua lei. Tu conheces a minha ignorância e a minha fraqueza; ensina-me e fortalece-me. Aquele que é o Teu Unigênito, em quem se encontram escondidos todos os tesouros da sabedoria e da ciência, redimiu-me com o seu sangue. Que não me caluniem os soberbos, porque eu conheço bem qual foi o preço do meu resgate: a sua Carne e o seu Sangue, que eu como e bebo (e distribuo), e dos quais a minha pobreza deseja saciar-se juntamente com os que têm fome e se saciam, os que louvam o Senhor, os que O buscam.”

Para o catolicismo, alimentar-se diretamente do Deus que dá a própria vida é figurada no fato de que o pelicano, em tempo de penúria, fere o próprio peito e alimenta os filhotes com o próprio sangue. Santo Agostinho, nesse texto, traduz o que é sentir-se alimentado pelo próprio Corpo e Sangue de Jesus Cristo na Eucaristia.

Saindo desta capela e seguindo em frente, o fiel se sente mergulhar na atmosfera da Capela do Santíssimo Sacramento, onde tudo isso acontece; onde se pode ter uma audiência pessoal, sempre se que desejar, com o Deus Altíssimo e Todo-Poderoso, possuidor de um Coração humano altamente compreensivo.

Tudo isso no ambiente ilustrado pelas obras de Giusti e mais significativamente pela palavras escritas no próprio altar-trono: ECCE ADSUM, Eis que aqui estou, eis que estou presente.

Para finalizar

Assim é a cultura católica. Todo esse mistério que compreende a parte intangível da sua doutrina é a mais importante e é em função dela que todos os gestos são concretizados. Tudo no catolicismo acontece em volta de Jesus Cristo presente no sacrário de todas as igrejas, acessível a todos indiscriminadamente, até mesmo àqueles que desejam profanar e destruir os seus mistérios. Esses mistérios, que fizeram parte do embasamento da cultura ocidental, de alguma maneira entranharam na vida cultural nos lugares do mundo onde teve grande lastro, como, por exemplo, na América Latina.

Nos últimos anos, uma grande carga de informações tem sido derramada por meio da mídia que se torna também, ela própria, informação quando se faz necessário observar as mudanças e facilidades surgidas nos meios de comunicação.

As informações novas são extremamente bem-vindas, porém se acredita necessário que sejam digeridas para que apenas as consideradas benéficas sejam assimiladas segundo o precioso livre arbítrio natural da espécie humana.

O tempo necessário ao processamento das informações recebidas tem sido cada vez menor. Tudo tem acontecido muito rápido. Não se tem tempo para analisar as informações fazendo uso da própria consciência e se acaba ‘engolindo’ novas verdades como se fossem ‘fast food’.

Se algo não acontecer que favoreça o contrário, os novos seres humanos poderão nascer desprovidos de consciência por falta de uso, pelo mesmo motivo pelo qual em alguns já não crescem os chamados dentes do siso. Darwin explica.

Os excessos de informações não processadas, além de produzirem ansiedade, exercem no ser humano moderno o mesmo efeito das areias do deserto de Gizé sobre os conhecimentos a respeito da civilização egípcia. Conhecimentos considerados importantes, até mesmo para determinar a identidade pessoal, acabam sendo soterrados por excesso de informações que, se fossem processadas como eram há 40 anos, muitas seriam descartadas quando confrontadas com os valores que determinam a identidade; enquanto o ato de escolher e assimilar as

consideradas benéficas trariam os benefícios esperados pela ansiedade em assimilar todas elas

Sepultado também pela continuidade das novas informações encontra-se um livro que foi importante para o mundo cultural há cerca de 40 anos, do qual extraímos um texto que traduz os efeitos da falta de memória cultural em todo e qualquer povo, uma vez que a alma humana é intangível e consiste no único lugar onde a igualdade entre seres humanos ocorre e onde se pode ser atingido por um tipo de dor que jornalista nenhum poderá narrar:

Esta aldeia é realmente radiosa. É na verdade patética esta casa de aldeia. Mas, se a nova geração se ocupa das casas que apenas conhece pelo uso, que fará nesse deserto? Se, para proporcionares aos teus herdeiros a sensibilidade a um instrumento de cordas, precisas lhes ensinar a arte da música, para que eles sejam homens e experimentem sentimentos de homens, também precisas ensiná-los a ler, sob a dispersão das coisas, os rostos da tua casa, da tua propriedade, do teu império.

Na falta disso, a nova geração acampará como bárbaros na cidade que tiver tomado. E que alegria de bárbaros tirariam dos teus tesouros? Nem saberão servir-se deles, por não terem a chave da tua linguagem. Para aqueles que emigraram para a morte, essa aldeia era como uma harpa. Todas as coisas tinham o seu significado: árvores, fontes, casas. E cada árvore com a sua história, diferente da outras árvores. E cada casa com os seus costumes, diferente das outras casas. E cada muro diferente dos outros muros, por causa dos seus segredos. Quando caminhas, vais compondo o teu passeio como uma música, extraindo o almejado som de cada um dos passos. Mas o bárbaro acampado não sabe fazer cantar a tua aldeia. Aborrece-o essa proibição de penetrar nas coisas e acabam por te desmoronar as paredes e dispersar os objetos. Por vingança contra um instrumento de que não se sabe servir, ateia o incêndio, que ao menos lhe paga com um pouco de luz. Depois desanima e começa a bocejar. Para a luz ser bela, é preciso conhecer até o que se queima. Aí tens a chama do círio que acendes ao teu Deus. Mas ao bárbaro, nem a chama da tua casa dirá coisa alguma, pois não é chama do sacrifício. A imagem da geração instalada como intrusa na casa da outra não me saía da cabeça. No meu império, tem de haver ritos: são eles que obrigam o homem a transmitir ou a receber a herança. Tenho necessidade de habitantes no meu país, não de campistas, vindos parte alguma. Por isso não te dispensarei das longas cerimônias. Elas permitem-me voltar a coser os rasgões do meu povo, para que nada se perca da herança. A árvore, é certo, não se preocupa com as sementes. O vento às vezes as arranca e as leva

consigo. Deixa-lo! O inseto não se preocupa com os ovos. O sol os chocará. Tudo o que eles possuem têm-no na carne e transmite-se com a carne. Mas que seria de ti, se ninguém te pegasse pela mão para te mostrar as provisões de um mel que não é das coisas, mas do sentido das coisas? Visíveis são, é certo, os caracteres do livro. Mas para te fazer as chaves das dádivas do poema, tenho de te castigar. Quero que os funerais sejam solenes. É que não é só questão de enterrar um corpo na terra, mas de recolher intato, de uma urna quebrada, o patrimônio de que o teu morto foi depositário. É difícil salvar tudo. Os mortos levam longo tempo a recolher. Precisas chorá-los durante muito tempo e meditar na sua existência e festejar os seus aniversários. Precisas te voltar muitas vezes, para observar se não te esqueces de qualquer coisa. Aí tens também os casamentos, que preparam as crepitações do nascimento. A casa que vos encerra torna-se celeiro e granja e armazém. Quem é capaz de te dizer o que ela contém? A vossa arte de amar, a vossa arte de rir, a vossa arte de saborear o poema, a vossa arte de cinzelar a prata, a vossa arte de chorar e refletir, tendes de reunir tudo isso para o transmitirdes. Que o vosso amor seja navio de carga capaz de franquear o abismo de uma geração para outra, e não concubinato pela partilha futura de provisões vãs. Os ritos do nascimento também são essenciais. Eles permitem costurar o rasgão. Pela mesma razão, exijo cerimônias quando tu te casas, quando dás à luz, quando morres, quando te separas, quando voltas, quando começas a construir, quando começas a habitar, quando enceleiras as tuas colheitas, quando dás inicio às tuas vindimas, quando declaras guerra, ou celebras a paz.

Por isso exijo que eduque seus filhos. Só assim eles virão a parecer-se contigo. Poderia um sargento que só sabe o que vem no manual, transmitir-lhe uma herança? Embora outros que não tu possam depositar nele a tua bagagem de conhecimentos, o teu pequeno bazar de ideias, se ele for separado de ti perder-se-á tudo o que não é enunciável nem se encontra no manual.

Construirás os filhos à tua imagem, não vão eles mais tarde arrastar-se, sem alegria, numa pátria que será para eles acampamento vazio e caixa-forte de tesouros que deixarão apodrecer, por não conhecerem as chaves. - Antoine de Saint-Exupéry – “Cidadela".

Fontes consultadas

• Jornal “Diário de Sorocaba” – diversas edições

• Jornal “Cruzeiro do Sul” – diversas edições

• Jornal “Bom Dia Jundiaí”– edição de 23 de maio de 2006

• Jornal “O Estado de São Paulo” – edição de 17 de julho de 2001

• Jornal Diário de São Paulo – edição de 03 de setembro de 2011

• Revista “Viu!” Edição online do dia 25 de outubro de 2004

• Mosteiro de São Bento de Sorocaba –Catálogo do Acervo – Nancy Ridel Kaplan

• A Diocese de Sorocaba e seu Primeiro Bispo – Mons. Luís Castanho de Almeida – Aluísio de Almeida –

• Catedral Nossa Senhora da Ponte de Sorocaba – Museu de Arte Sacra de Sorocaba Com. Luiz Almeida Marins

• Análise de Textos de Comunicação - Dominique Maingueneau –

• Revista FAMECOS de Porto Alegre – Entrevista com Michel Maffesoli – edição de agosto de 2001

• A Arte Sacra Contemporânea – R. Régamey

• Via Pulchritudinis – Documento Final da Assembleia do Conselho Pontifício para a Cultura. Vaticano, 2006

• Poemas para Rezar – Michel Quoist

• As Confissões – Santo Agostinho

• Cidadela – Antoine de Saint- Exupéry