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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS Instituto de Artes Adriane Maciel Gomes GIORGIO STREHLER: APROPRIAÇÃO E RESSIGNIFICAÇÃO DE ELEMENTOS DA TRADIÇÃO TEATRAL NA FORMAÇÃO DO ENCENADOR GIORGIO STREHLER: OWNERSHIP AND RESSIGNIFICATION OF ELEMENTS FROM THEATRICAL TRADITION IN THE FORMATION OF A DIRECTOR Campinas 2017

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Page 1: GIORGIO STREHLER: APROPRIAÇÃO E RESSIGNIFICAÇÃO DE ... · Arlequim Servidor De Dois Patrões, O Jardim das Cerejeiras e A Tempestade, nos quais se busca verificar alguns fundamentos

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

Instituto de Artes

Adriane Maciel Gomes

GIORGIO STREHLER: APROPRIAÇÃO E RESSIGNIFICAÇÃO DE ELEMENTOS

DA TRADIÇÃO TEATRAL NA FORMAÇÃO DO ENCENADOR

GIORGIO STREHLER: OWNERSHIP AND RESSIGNIFICATION OF ELEMENTS FROM

THEATRICAL TRADITION IN THE FORMATION OF A DIRECTOR

Campinas

2017

Page 2: GIORGIO STREHLER: APROPRIAÇÃO E RESSIGNIFICAÇÃO DE ... · Arlequim Servidor De Dois Patrões, O Jardim das Cerejeiras e A Tempestade, nos quais se busca verificar alguns fundamentos

Adriane Maciel Gomes

GIORGIO STREHLER: APROPRIAÇÃO E RESSIGNIFICAÇÃO DE ELEMENTOS

DA TRADIÇÃO TEATRAL NA FORMAÇÃO DO ENCENADOR

GIORGIO STREHLER: OWNERSHIP AND RESSIGNIFICATION OF ELEMENTS FROM

THEATRICAL TRADITION IN THE FORMATION OF A DIRECTOR

Tese apresentada ao Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Doutora em Artes da Cena na Área de concentração de Teatro, Dança e Performance

Thesis presented to the Institute of Artes of the University of Campinas in partial fulfilment of the requirements for the degree of Doctor, in ARTES DA CENA, in the area of TEATRO, DANÇA and PERFORMANCE

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA TESE DEFENDIDA PELA ALUNAADRIANE MACIEL GOMES, E ORIENTADA PELA PROFA. DRA. ISA ETEL KOPELMAN

ORIENTADORA: PROFA. DRA. ISA ETEL KOPELMAN

Campinas

2017

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Agência (s) de fomento e nº(s) de processo(s): CAPES, 99999.010712/2014-03; CAPES,

Acordo CAPES \ Fundação Araucária (FA) CP 18-2015

Ficha catalográfica Universidade

Estadual de Campinas Biblioteca

do Instituto de Artes

Juliana Ravaschio Franco de Camargo - CRB

8/6631

Gomes, Adriane Maciel, 1975-

G633g Giorgio Strehler: apropriação e ressignificação de elementos da tradição teatral na formação do encenador / Adriane Maciel Gomes. – Campinas, SP: [s.n.], 2017.

Orientador: Isa Etel Kopleman.

Tese (doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de

Artes.

1. Strehler, Giorgio, 1921-1997. 2. Encenação. 3. Stanislávski,

Konstantin, 1863-1938. 4. Commedia dell'arte. 5. Teatro - História. I.

Kopelman, Isa,1946-. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de

Artes. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: Girogio Strehler: ownership and ressignification of elements

from theatrical tradition in the formation of a director

Palavras-chave em inglês:

Strehler, Giorgio, 1921-1997

Stagings

Stanislávski, Konstantin, 1863-1938

Commedia dell'arte

Theater-History

Área de concentração: Teatro, Dança e Performance

Titulação: Doutora em Artes da Cena

Banca examinadora:

Isa Etel Kopelman

Inês Alcaraz Marocco

Marcelo Ramos Lazzaratto

Raquel Scotti Hirson Nair D'Agostini

Data de defesa: 24-07-2017

Programa de Pós-Graduação: Artes da Cena

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Apoio:

Programa de Doutorado Sanduíche- PSDE- CAPES (Processo: 10712-14-3. Ano: 2015)

Programa de Apoio a capacitação docente das Instituições públicas de Ensino Superior do Paraná (Doutorado- Acordo

CAPES-FA-Edital CP 18-2015)

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“Esta vocação totalizante para o

teatro, esta dedicação absoluta ao palco, me

levou a ver na arte alguma coisa além do

produto. [...]. Por isso o teatro sempre me

pareceu uma arte incrível, uma das invenções

mais elevadas na sua terrível imperfeição”.

(Giorgio Strehler)

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AGRADECIMENTOS

A Profª Drª Isa Etel Kopelman, que aceitou embarcar comigo nessa

aventura strehleriana, pela disponibilidade, pelas orientações, pelas inúmeras leituras

e as delicadas e precisas conversas nesse período de conflitos e conquistas. Serei

sempre grata pela confiança e generosidade.

Aos professores artistas da banca de avaliação: Profº Drº Marcelo

Lazzaratto, por toda a disponibilidade e atenção para com a pesquisa. Profª Drª

Raquel Scotti Hirson, pelo carinho e amizade, pela leitura de antes e agora, pelas

provocações e indicações para a pesquisa. Às minhas sempre Mestras e amigas Profª

Drª Inês Marocco e Profª Drª Nair D’Agostini, que me ensinaram o amor pelo teatro

(nas pequenas e nas grandes aventuras), me fizeram compreender o verdadeiro

sentido de compartilhar na vida e na arte. A Profª Drª Ana Cristina Colla - “professora

Cris” - pela disponibilidade e carinho e à sua família por todo o aconchego nos

primeiros passos em Barão. Ao querido e generoso Profº Drº Eduardo Okamoto.

Ao professor Fausto Malcovati, pela confiança e tutoria durante o período

de pesquisas na Itália. A Silvia Colombo, responsável pelo arquivo fotográfico e

histórico do Piccolo Teatro di Milano, pela generosa atenção e disponibilização de

materiais. Aos funcionários do Civico Museo di Trieste - Fondo Giorgio Strehler. Aos

gentis artistas e pesquisadores italianos que abriram as portas de suas casas e de

suas memórias do trabalho com Strehler: Giulia Lazzarini, Enrico Bonavera, Paolo

Bosisio, Agnese Colle, Ferruccio Soleri, Fausto Malcovati, Giorgio Bongiovanni.

Ao professor Roberto Tessari, pelas boas histórias e pelo aprendizado.

Ao Cami Querido (Camilo Scandolara), pela amizade que supera os

turbilhões de emoções, pelos livros presenteados, pelas inúmeras leituras, pela

doçura do dia a dia, pela ajuda nas traduções, pelas perguntas estranhas e as longas

pausas, pelo convívio e pela imensa paciência que só os bons irmãos não de sangue

sabem ter. Aos meus amados “cocolinos” Bandit e Frida, fiéis companheiros.

Ao Simi (Carlos Simioni), por ter aberto as portas da sua casa e de seu

coração para as idas e vindas e para o que der e vier. Amo-te!

À minha família, meus irmãos Helinho, Jejão e Rodrigo e, em especial, à

minha mãe, por tentar entender e respeitar todas as minhas ausências.

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Aos colegas do Curso de Artes Cênicas da Universidade Estadual de

Londrina, em especial: Ceres Vittori, Heloisa Bauab, Fernando Strático, Laura

Franchi, Mauro Rodrigues, Margha Vine, Thais D’Abronzo e Aguinaldo de Souza.

Aos estudantes do Curso de Artes Cênicas da UEL.

Aos “delicinhas” dos pesquisadores artistas do PATUANÚ – Núcleo de

Pesquisa em Dança de Ator, que a cada encontro dividem um pouco de suas energias

e tornam o caminho mais iluminado.

Aos amigos que compartilharam anseios e que sempre estiveram dispostos

a ajudar nas mais diversas “loucuras” e que abriram as portas de seus lares para me

aconchegar, criaram pausas nas suas rotinas para um café, um bolinho, um drink, um

bom papo, boas risadas, traduções, ajudinhas urgentes desesperadas e abraços:

Luciano Zampar, Silvia Pancera e Lorenzo, por terem sido um coração pulsante em

dias frios e pelo carinho de sempre. A Joice Aglaé Brondani, amiga de longa data,

parceira nos drinks, nas aventuras e nas performances na Itália. Ao Marcelo

Bulgarelli, pela amizade e por ter me presenteado com o primeiro livro a respeito de

Giorgio Strehler. A Stefania Mariano e Claudio Prima, pelo carinho, boas risadas e

amizade de Oltremundo. À Carol e ao Fran pelo encontro. Janaina Ribeiro pelo

sorriso e as boas energias necessárias para resistir. À sempre disposta Cynthia

Margareth, pelas caronas, pelos cafés corridos e pelo incentivo. A queridíssima

Cassiane Tomilhero e ao Marcelo Pinta, pela hospedagem que me deu sorte e as

panquecas daquela noite, jamais esquecerei. Ao João Fabbro, “caçador de

calangos”, parceiro das aventuras em Barão, nos estudos e nos cafés com bolo. Mais

uma vez e sempre, à “Dorogaia Elizabeth”, à “Fofa Cheka” e ao “Nardo” por

estarem com o coração e a mente abertos nas horas mais difíceis. Ao Lucas Pinheiro

Porpis, pela presença virtual contínua, por me ajudar em todas as dúvidas a qualquer

hora e por dividir o “desespero” e a alegria do final da pesquisa. Aos amigos de

plantão, interestadual, Camila Fontes, Michele Zaltron e Gustavo Muller, pela

enorme disponibilidade, agilidade e generosidade.

Aos amigos e amigas que agitei ao pedir, sem vergonha, mil favores e

ajudas; os sempre dispostos a tudo (ou quase tudo): Helena Ribeiro, Diego Zadra,

Renan Salvetti, Du Leite, Rosane Dornelles, Chico (Francisco Barganian), Antônio

Rodrigues, Rafael Gaona, Cri (Cristiane Werlang), Japonesa (Karina Yamamoto),

Liza Menzl, Patricia Galucci, Marcia Silva, Cleber Laguna, Fernando Martins,

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Luciana Viacava, Marcus Vinícius Alves, Moacir Jr., Vicente Pereira e Guilherme

Corrêa. A minha querida e gentil professora de italiano Vanessa Araújo.

Aos colegas, funcionários e professores do Programa de Pós-Graduação

em Artes da Cena da UNICAMP. A Ludmila Castanheira, Lídia Olinto, Flávio

Campos, Paula Mathenhauer por toda a atenção, caronas e por me fazerem

entender as burocracias...

Às crianças que dividiram sorrisos nesse caminho e me fizeram, e fazem,

lembrar que a simplicidade na vida deve ser mantida: Pedro, Manu, Théo, Lorenzo,

Enrico, Nicolo, Guilherme, Theo, Alice, Maya “Ritinha” e a Minhoca (que está

vindo). Espero que consigamos um mundo melhor!

Ao apoio da CAPES por meio das Bolsas: PSDE - Doutorado Sanduíche

e Programa de Apoio à Capacitação Docente das Instituições Públicas de Ensino

Superior do Paraná (Acordo CAPES / Fundação Araucária).

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RESUMO

Esta pesquisa apresenta aspectos da trajetória de Giorgio Strehler (1921-1997), um

dos principais encenadores da segunda metade do século XX e um dos fundadores

do Piccolo Teatro di Milano. O estudo aborda o resgate, a apropriação e a

transformação de alguns dos procedimentos da tradição teatral (especificamente a

commedia dell’arte e o sistema de K. Stanislávski) em encenações de Strehler. Neste

contexto, serão examinados os recursos por ele usados nos seguintes espetáculos:

Arlequim Servidor De Dois Patrões, O Jardim das Cerejeiras e A Tempestade, nos

quais se busca verificar alguns fundamentos das poéticas de encenação de Strehler

principalmente no que se refere à instauração de novos modos de composição

baseados na síntese de princípios da tradição com as inquietações artísticas de sua

época.

Palavras-Chave: Giorgio Strehler; Encenações; K. Stanislávski; Commedia Dell’arte;

Tradição Teatral

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ABSTRACT

This research presents aspects of Giorgio Strehler´s trajectory (1921-1997), one of the main

directors of the second half of the 20th century and one of the founders of Piccolo Teatro di

Milano. The study deals with the redemption, ownership and transformation of some

procedures from the theatrical tradition (specifically the commedia dell'arte and the system

of K. Stanislavski) in Strehler's stagings. In this context, the resources used by him will be

examined in the following spectacles: Harlequim, Servant of Two Masters, The Cherry

Orchard and The Tempest in which one tries to verify some fundamentals of Strehler's

poetics of staging, mainly concerning the establishment of new modes of composition based

on the synthesis of principles of the tradition with the artistic uneasiness of his time.

Keywords: Giorgio Strehler; Stagings; K. Stanislavski; Commedia Dell’arte; Theatrical

Tradition

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SUMÁRIO

TRADIÇÃO E RENOVAÇÃO: PERCURSO CRIATIVO DA ENCENAÇÃO DE

GIORGIO STREHLER ...............................................................................................13

CAPÍTULO I: GIORGIO STREHLER: TRAJETÓRIA E FORMAÇÃO DE UM

ENCENADOR ............................................................................................................21

1.1 Giorgio Strehler: apontamentos biográficos ...................................................25

1.2 A escolha de seus mestres ...............................................................................37

CAPÍTULO II: ARLEQUIM SERVIDOR DE DOIS PATRÕES: O RESGATE DA

COMMEDIA DELL’ARTE E O TRABALHO COM A MÁSCARA ..............................50

2.1. As encenações de Arlequim Servidor de Dois Patrões, de Strehler ...........63

CAPÍTULO III: O JARDIM DAS CEREJEIRAS ........................................................80

3.1 A elaboração do espetáculo .............................................................................86

CAPÍTULO IV: A TEMPESTADE ...........................................................................106

A TRADIÇÃO, A RENOVAÇÃO E A DISPOSIÇÃO PARA O DIÁLOGO ..............135

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA ............................................................................149

BIBLIOGRAFIA GERAL .........................................................................................152

APÊNDICE ..............................................................................................................160

ANEXOS

Anexo A ..................................................................................................................168

Anexo B ..................................................................................................................193

Anexo C ..................................................................................................................194

Anexo D ..................................................................................................................195

Anexo E ..................................................................................................................196

Anexo F ..................................................................................................................197

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TRADIÇÃO E RENOVAÇÃO: PERCURSO CRIATIVO DA ENCENAÇÃO DE

GIORGIO STREHLER

“Adorei o cheiro do palco, as tábuas, os projetores. Fui fascinado pela obscuridade da plateia, pelos atores em cena. Amo a poesia e a palavra, e ouvi-las ressoar no teatro foi meu verdadeiro prazer. Amo o teatro porque ele é diretamente humano! Amo o teatro porque fazemos aí o humano a cada noite e, no fundo, jamais me distanciei do teatro.”1

(Giorgio Strehler)

Primeiro movimento: um encenador do século XX

Esta tese focaliza o processo criativo do encenador italiano Giorgio Strehler

(1921-1997). Mais especificamente pretende verificar, em algumas de suas principais

encenações, a assimilação (pelo resgate e pelo diálogo) e a transformação (por um

processo de ressignificação) de elementos específicos da tradição teatral.

Em suas trajetórias como reformadores da arte teatral, muitos dos

encenadores do século XX evidenciaram pontos em comum. Aqui, refiro-me,

particularmente ao resgate da commedia dell’arte como estudo do ator e ao diálogo

com os conhecimentos teatrais sistematizados por K. Stanislávski. De modo geral,

esses encenadores (em seus percursos singulares) inauguraram novas metodologias

para a arte da atuação que serão abordadas no decurso deste trabalho.

A commedia dell’arte passou a ser revisitada, principalmente, pela

centralidade que nela é dada ao trabalho cênico do ator e da atriz. Como tal

centralidade foi uma das buscas da renovação teatral do século acima referido, a

valorização das práticas da commedia gerou também o resgate de elementos

técnicos, o que veio a possibilitar a assimilação e a transformação de seus usos. Da

mesma forma, as propostas de K. Stanislávski acabaram por fecundar interpretações,

apropriações e desdobramentos. Se fosse acompanhar criteriosamente os seus

continuadores e questionadores, terminaria por notar a presença de distorções,

desgastes e mistificações em torno das propostas originais. Porém, o envolvimento e

1 Giorgio Strehler em entrevista a Myrian Tanant, In Giorgio Strehler: a cena viva. Tradução Isa Kopelman. São

Paulo: Perspectiva, 2005, p 68.

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o interesse pela busca de renovação é uma evidência de que tais práticas constituíram

uma base inegável do fazer teatral daquela época.

Diante disso, o primeiro movimento desta tese parte da premissa de

perceber Giorgio Strehler como representante influente no processo dialógico (resgate

e transformação da tradição) que o aproxima do fazer teatral desenvolvido pela

maioria dos encenadores do início século do XX. A seguir, partindo de tal percepção,

cumpre analisar os modos pelos quais a tradição se tornou propensa a novas

propostas, abordagens e modificações através das principais encenações de Giorgio

Strehler.

O contexto em que suas apresentações foram realizadas era o de uma

Itália que se reerguia após a segunda guerra mundial, cercada de ruínas em um

cenário de desgraça extrema que, como uma ferida exposta, doía no coração de uma

sociedade que havia sobrevivido e que buscava recuperar a valorização da vida e de

suas possibilidades de continuidade na tentativa de recuperar a tranquilidade perdida.

Nesse período, as manifestações artísticas estavam asfixiadas e, de certa forma,

acuadas pelas marcas deixadas pela devastação. Em 1947, Giorgio Strehler, Paolo

Grassi (1919-1981) e Nina Vinchi (1911-2009) resolveram colocar em prática um

ambicioso projeto da criação de um teatro público que tivesse como proposta acolher

a todos, (um teatro para todos), com o intuito muito claro de resgatar o valor e o

orgulho da sociedade a qual pertencia através da arte e do teatro e, assim, surgiu o

Piccolo Teatro di Milano.

Cabe ressaltar que o meu interesse pelo trabalho artístico de Giorgio

Strehler se dá por perceber uma aproximação com os processos vivenciados em

minha formação, bem como nas práticas que tenho desenvolvido como pedagoga

teatral e artista.

Do percurso das motivações

O tema desta tese se liga aos estudos na área artística que foram de meu

interesse desde a graduação2 quando a professora Nair D’Agostini3 apresentou-me

2 Educação Artística – Licenciatura plena em Artes Cênicas – Centro de Artes e Letras – CAL – Universidade

Federal de Santa Maria – UFSM – RS (1993-1997). 3 Nair D’Agostini: Doutora em Literatura e Cultura Russa – FFLCH – USP. Professora aposentada do Curso de

Artes Cênicas da UFSM; diretora e pedagoga teatral. Estudou, no período de 1978 a 1981, no LGITMik – Instituto

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aos encenadores russos do início do século XX colocando-me a par dos

desdobramentos contemporâneos de suas metodologias. E foi também ela, que de

modo inspirador, acenou para as relações de tradição, apropriação e ressignificação

do fazer teatral na atualidade.

E por meio da experimentação prática da direção teatral, sob a orientação

de D’Agostini, atingi o nível de compreensão dos elementos do sistema de K.

Stanislávski (e os modos de aproximação da sua realidade com a nossa) como um

processo de atualização constante da ética do teatro. Tais experimentações – em

forma de exercícios de direção teatral – desenvolvidas na Universidade, centravam-

se fundamentalmente no entendimento do sistema de Stanislávski.

Outros suportes importantes me foram oferecidos ainda na graduação; um

deles agora se liga diretamente à pesquisa: o aprendizado com a professora Inês

Marocco4 que me ilustrou com a história, a confecção e o porte das máscaras teatrais,

e lançou sobre mim as primeiras sementes de uma identidade com a commedia

dell’arte.

Estas duas perspectivas somadas aos cursos teóricos e práticos da área

teatral, e outros estudos e orientações assimilados na graduação e pós-graduação,

alicerçaram a minha pesquisa atual e forneceram a abertura para diálogos na atuação

como artista, como professora e como pesquisadora.

Recupero aqui, portanto, minhas crenças artísticas, que norteiam – a partir

da minha formação – a investigação sobre o tema do resgate e da transformação da

tradição no seio do trabalho (inaugural e profícuo) do encenador Giorgio Strehler. Vejo

também que este movimento de aproximação já constituía a base de interesse das

minhas atividades como docente5, no Curso de Artes Cênicas da Universidade

Estadual de Londrina, na área de direção teatral. De fato, unindo as pontas dos fios,

o conhecimento que fui buscar tem me possibilitado a ampliação do meu campo de

ação; o que ocorre por meio da orientação das pesquisas práticas dos estudantes,

Estatal de Teatro, Música e Cinema de Leningrado, atualmente Academia de Arte Teatral de São Petersburgo –

SPGATI, fundado em 1779. 4 Inês Alcaraz Marocco: diretora teatral. Graduada em Direção Teatral pela UFRGS. Doutora em Doctorat en

Esthétique Sciences et Technologie des Arts - Université de Paris VIII (1997). Formação na École Internationale

de Théâtre, Mime et Mouvement Jacques Lecoq (1983/1984). Atualmente é professora do departamento de Arte

Dramática e do Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas – UFRGS – Porto Alegre – RS. 5 Professora Assistente na área de direção teatral no Curso de Artes Cênicas – Bacharelado em Interpretação

Teatral, da Universidade Estadual de Londrina – UEL desde 2001.

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como também de processos de direção desenvolvidos sob minha coordenação e em

parceria com outros artistas e colegas. Minha compreensão de direção parte desse

meu embasamento pois, para mim, o processo de criação de uma encenação está

fundamentalmente relacionado aos processos criativos do ator em comunhão com os

do diretor. Portanto, evidencia-se que para dirigir (sob a perspectiva que aqui defendo)

é preciso experimentar a arte de atuar, assim como o sistema de Stanislávski propõe,

mas também, conjugado a ela, outros entendimentos adquiridos no percurso da

vivência pessoal de cada encenador, estudante e ou artista.

Os trabalhos desenvolvidos pelos estudantes, sob minha orientação,

percorrem o mesmo caminho de minha aprendizagem, isto é, centram-se num

processo do exercício da direção teatral que é desenvolvido por meio de uma prática.

A partir dos insumos usados para a compreensão do que será encenado e do

detalhamento da obra escolhida (dramática ou não), segue-se a investigação do

contexto em que ela está inserida, o exame das possibilidades de diálogo com

pesquisas teatrais ou também com outras ordens artísticas e, pouco a pouco, cada

estudante passa a assimilar que a existência de uma obra teatral não implica em sua

ilustração, mas na busca de um modo próprio que começa no diálogo com os

conhecimentos, inquietações e desejos que ele traz em si.

Em seguida, se desencadeia uma espécie de libertação (de conceitos e

ideias pré-concebidas) e uma imersão na criação da qual desponta uma concepção

artística particularizada que deriva da inspiração artística a qual os conhecimentos

adquiridos vão sendo agregados até chegar a uma estruturação que corresponda ao

somatório de toda a bagagem pessoal que cada um possui dentro em si. Vivenciar

esse entendimento corresponde à introjeção da base do processo de análise ativa de

K. Stanislávski.

O meu percurso pessoal e profissional vem consolidando minhas

inquietações e interesses de pesquisa, pois todos os questionamentos e todas as

descobertas que foram surgindo estão diretamente ligados à minha formação e aos

meus desejos artísticos. Assim, esse estudo também dialoga com as experiências,

com as perspectivas teatrais que me inquietam e com a possibilidade de diálogos com

um fazer teatral da atualidade que possibilite o incentivo a uma reflexão sobre a arte

de atuar continuamente centrada nas (re) descobertas realizadas através do

entendimento prático.

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O encontro com a pesquisa

E tudo começa pela constância com que as descobertas surgem, ou como

as possibilidades de serem redescobertas aumentam. Foi seguindo um caminho

assim (da prática diária e da percepção dos elementos do sistema na relação entre

atuar e dirigir) que comecei a pesquisar, e a estabelecer diálogos baseados na análise

da identificação e ressignificação como elementos recorrentes na trajetória do

encenador italiano Giorgio Strehler.

Giorgio Strehler não foi propriamente uma escolha intencional já que

comecei a me interessar por sua obra, por acaso, durante as pesquisas que fiz na

finalização de minha dissertação de mestrado6 sobre Evguiêni Vakhtângov (1883–

1922) 7 e o resgate da commedia dell’arte. Naquele momento específico, Strehler

surgiu como exemplo de um dos encenadores da segunda metade do século XX que,

em suas encenações, apresentava uma fusão dos procedimentos do sistema de

Stanislávski e da commedia dell’arte. Foi pelo diletantismo de descobrir e de

desvendar os processos criativos desse “estranho desconhecido”, que comecei a

buscar meios que me levassem a saber a história deste artista italiano. E de repente,

o que era pouco conhecido tornou-se pesquisa e se revelou como uma fonte quase

inesgotável de investigações e revelações que evidenciaram poéticas teatrais amplas

e altamente elaboradas, em diálogo constante com a tradição teatral e com as demais

experimentações cênicas de sua época que engrandeceram e extrapolaram os limites

do contexto teatral italiano.

O processo de pesquisa

Embora o encontro com grande parte da bibliografia que constitui este

estudo seja recente, devido à escassez de materiais de sua época em língua

portuguesa, busquei informações sobre Strehler nos livros originais em italiano, nos

6 A Princesa Turandot de Vaktângov: a renovação dos princípios da Commedia Dell’Arte no teatro moderno russo.

Orientação Profª Drª Arlete Orlando Cavalière. (Literatura e Cultura Russa – FFLCH/USP – SP. 2009). 7 Evguiêni Bogratiónovitch Vakhtângov (1883-1922): ator e diretor russo. Foi um importante colaborador do

Teatro de Arte de Moscou – TAM e das pesquisas desenvolvidas por Konstantin Stanislávski. Desenvolveu seus

trabalhos mais significativos nos Estúdios vinculados ao TAM.

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registros produzidos em vídeos, nas entrevistas que fiz e no contato direto que tive

com seus colaboradores de diferentes períodos e com pesquisadores de sua obra,

como: Enrico Bonavera, Agnese Colle, Ferrucccio Soleri, Paolo Bosisio, Giulia

Lazzarini, Giorgio Bongiovanni e Fausto Malcovati. Também foram fundamentais as

pesquisas realizadas no arquivo do Piccolo Teatro di Milano em Milão e no Fondo

Giorgio Strehler Civico Museo Teatrale "Carlo Schmidl" – Biblioteca da cidade de

Trieste. Essa vivência me ajudou a formular o escopo de minha tese, ora me

identificando com as propostas artísticas dele, ora questionando alguns dos caminhos

que escolheu, para finalmente optar por ter como objeto de pesquisa a identificação

de elementos da commedia dell’arte e, do sistema de Stanislávski presentes nas obras

que foram encenadas durante a sua carreira. A escolha pelo estudo de dois elementos

da tradição teatral na obra de Strehler se deu ao reconhecê-los em sua trajetória, na

apropriação e ressignificação deles em seu contexto histórico/ artístico e em suas

buscas estéticas. Como componentes da tradição teatral (o sistema de Stanislávski e

a commedia dell’arte) se apresentaram de forma recorrente na trajetória desse

encenador, o que me permitiu dialogar com práticas e metodologias do fazer teatral

da atualidade.

O tratamento dado por Giorgio Strehler às obras que encenou tinha como

princípio um detalhado estudo do texto e das suas circunstâncias propostas para, a

partir daí, desenvolver um diálogo com a situação de seu tempo. Esse processo de

estudo da obra é análogo àquele proposto por K. Stanislávski no que se diz respeito

à análise ativa. Por outro lado, o espaço criado para o jogo e para a improvisação dos

atores dialoga diretamente com a commedia dell’arte, e torna as cenas de improviso

geradas a partir de situações propostas, o elemento central do processo de criação

strehleriano.

O percurso da formação de Giorgio Strehler acompanha às inquietações

de muitos dos encenadores que pertenceram como ele à segunda metade do século

XX. No entanto, apesar de Strehler ter um grande reconhecimento internacional, o

Brasil não contém um bom acervo de sua trajetória teatral.

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A estrutura da tese

O corpo desta tese se articula em quatro partes: na primeira contextualizo

e apresento Giorgio Strehler; sua biografia e a sua trajetória artística; a criação do

Piccolo Teatro di Milano; as heranças e influências recolhidas com a convivência de

alguns de seus mestres e como muito dos ensinamentos, uma vez apropriados por

Strehler, ecoaram em seus processos criativos. Tal herança de conhecimento

ofereceu-me subsídios para a percepção dos pontos de partida que estruturam sua

formação artística, bem como os desdobramentos dos referenciais iniciais no decorrer

de sua trajetória.

No capítulo II serão abordadas as encenações que exploraram de modo

significativo o contato e o resgate da commedia dell’arte (principalmente as diversas

edições do espetáculo Arlequim servidor de dois patrões). No capítulo seguinte será

abordada outra encenação que teve uma repercussão bastante enfática no tipo de

direção adotada por Strehler: a segunda edição da montagem de O Jardim das

Cerejeiras, de Anton Tchékhov. Aqui serão enfatizados alguns dos aspectos mais

significativos da obra e sua relação com o processo criativo onde as aproximações

com o sistema de Stanislávski se tornam nítidas em função de meus conhecimentos

relativos às pesquisas feitas sobre este mestre russo e o contato que tive com o

material bibliográfico referente aos processos de encenação de Giorgio Strehler.

No capítulo IV, será abordada a encenação de A Tempestade, de William

Shakespeare, apresentando uma fusão de todos os experimentos da tradição teatral

particularizados no modo de direção peculiar de Strehler. A escolha dessa encenação

foi feita em função da existência de aspectos agregados à ela que foram ressaltados

nas edições que apresentamos nos capítulos anteriores. Nela pretendemos colocar

em destaque a relação entre o trabalho do diretor com o processo de criação dos

atores; a comunhão com os elementos que compõe a encenação e as aproximações

e fusão, com os elementos da commedia dell’arte e com os procedimentos do sistema

de K.Stanislávski nos diversos contextos da encenação.

Por meio destas encenações pode-se observar a elaboração de uma

relação específica da tradição teatral e de sua ressignificação centradas na utilização

de procedimentos que agem não só como deflagradores dos processos de criação

bem como estímulos, sem se fixar na reprodução das formas já consagradas.

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Na última parte, nas considerações finais, ressalto a herança de Strehler

em artistas contemporâneos, por meio das memórias de colaboradores e dos relatos

de alguns encenadores. Com base nesses relatos, busco estabelecer possíveis

diálogos que encontrem correspondência entre os modos de elaboração dos

procedimentos usados na direção de Strehler com os aspectos do fazer teatral da

atualidade, principalmente no que se refere à apropriação e ressignificação de

elementos da tradição dessa arte.

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CAPÍTULO I

GIORGIO STREHLER: TRAJETÓRIA E FORMAÇÃO DE UM ENCENADOR

O Teatro do século XX caracterizou-se pelo desenvolvimento e

sistematização de pesquisas relacionadas à arte do ator. Neste sentido, o elemento

central das pesquisas da maioria absoluta dos grandes encenadores da época teve

como objetivo a imprescindível necessidade de renovar o processo criativo da

formação teatral. Tornaram-se, portanto, fatores determinantes nas experimentações

pedagógicas e poéticas ocorridas durante esse século, o surgimento da figura do

encenador e a busca por sistematizações metodológicas que pudessem aprimorar o

desempenho artístico do ator/atriz.

A centralidade de o ator/atriz no fazer teatral se expande e lança ao teatro

novas perspectivas. Nesse contexto despontam muitos dos reformadores teatrais da

primeira metade do século XX. Dentre eles podemos citar Konstantin Stanislávski

(1863-1938), Vsevolod Meyerhold (1874-1940), Evguiêni Vakhtângov (1883-1922),

Jacques Copeau (1879-1949) e seus principais alunos. Apesar dos relatos e escritos

desses pesquisadores da arte teatral terem sido publicados e traduzidos tardiamente,

a troca de correspondências entre eles era comum, e foi por meio dessa que as

inquietações e experimentações começaram a ultrapassar as fronteiras da

individualidade. Por intermédio desse movimento de renovação teatral, ocorre um

resgate de tradições, tal como a commedia dell’arte que ganha extremo valor pela

grande relevância da figura do ator/atriz e de sua capacidade improvisacional. Além

disso, os meios de estruturação do espetáculo passam a ser modificados por esses

fatores (resgatados da tradição), e também pelo advento da iluminação e pela

exploração de diversas formas de texto dramático.

O resgate das fontes da teatralidade visando à renovação da arte cênica,

por exemplo, tornou-se uma tônica recorrente ao longo do século XX e, ainda hoje,

mantém sua vitalidade e dialoga com outras áreas de conhecimento. O trabalho dos

encenadores-pedagogos do início desse mesmo século ecoa nos modos do fazer

teatral da atualidade, mesmo que muitos desconheçam as origens de tais heranças.

Parece-me que isto se refere principalmente, à percepção do conhecimento de certa

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dimensão de artesania do fazer teatral relacionada à abordagem da tradição como um

meio, ou caminho de expansão, como um referencial para constantes buscas de

novos modos artísticos.

Desde o surgimento da figura do diretor teatral, muito do que se entende

por direção esteve desvinculado de um tipo de proposta de criação participativa, pois

os atores e atrizes esperavam que o diretor fornecesse uma espécie de material

preciso para que fosse usado na atuação. Por muito tempo, e com muito esforço, a

ideia de um diretor com tal perfil foi se dissolvendo, pois foi-se percebendo que não

deveria caber aos atores e as atrizes apenas ilustrar ideias pré-concebidas ou seguir

um modelo de como colocar o texto em cena, e sim se tornarem parte efetiva do

processo de criação.

O surgimento de diversas metodologias de formação de atores, e a sua

consolidação, contribuiu efetivamente para essas mudanças como um auxílio para

que os atores e atrizes tivessem outros pontos de partida que não apenas os textos

ou as meras intuições, para que pudessem se colocar em processo de trabalho8.

Neste contexto, os textos poderiam ser, e ainda o podem, um ponto de chegada, um

dos elementos para o jogo, mas nunca o elemento que o determina de forma completa

e restrita. Isso exigia que o diretor também não tivesse uma atitude de imposição de

seus desejos ou de uma interpretação fechada do texto. Ele deveria buscar alimentar-

se de materiais criativos para propor um processo de encenação que revisitasse

outros procedimentos, explorasse os diálogos com outras manifestações artísticas e

compreendesse o passado para poder reinventar o futuro.

Talvez seja essa uma das principais características dos encenadores da

segunda metade do século XX, quando em diversos países se observou o surgimento

de uma série de diretores teatrais que se centraram nas transformações do espetáculo

teatral, com ênfase na criação de uma dramaturgia da cena que, sem negar o passado

lhe dava continuidade e transformava os caminhos já trilhados. Na busca do diálogo

com a tradição, a nossa pesquisa busca apresentar e analisar a obra de um dos

8 Artistas pesquisadores do mundo inteiro eram responsáveis por esse movimento de mudança, tais como:

Meyerhold, Vakhtângov, Jacques Copeau e outros.

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principais encenadores dessa época, o italiano Giorgio Strehler, um dos fundadores,

em 1947, do reconhecido Piccolo Teatro di Milano.

O surgimento do Piccolo Teatro di Milano teve grande impacto no teatro

europeu do pós-guerra. As produções do Piccolo Teatro percorreram a Europa em

turnês que difundiam a ideia de um teatro contemporâneo. Era necessário o resgate

e a renovação da cultura em um momento em que as apresentações teatrais não

tinham mais vez em face da presença impositiva das marcas recentes da destruição

que ainda se evidenciavam por toda a Europa. Mas foi exatamente nesse momento

de reconstrução da arte que as produções do Piccolo Teatro se firmaram. Mesmo em

meio às evidentes dificuldades impostas pelo contexto, Strehler levou em suas turnês

a imagem de uma Itália viva e poética que tentava se reerguer.

O modo como as propostas artísticas de alguns mestres e pesquisadores

do início do século XX foram apropriadas por Strehler lhe delineou um perfil de

encenador de seu tempo: daquele que busca a renovação, ao percorrer caminhos

desconhecidos, mas que também dialoga com a tradição teatral ao identificar e

escolher seus mestres; aproxima suas experimentações do autodidatismo (devido ao

caráter inédito dos procedimentos gerados), ainda que consciente de suas escolhas e

referências.

Em constante diálogo com as trajetórias e experiências de encenadores

que dedicaram suas vidas às suas descobertas teatrais (e que, compreendo, criaram

propostas abertas que não se fecharam em seus contextos históricos, mas se

lançaram como potências de desdobramentos e frescor em direção a um novo modo

de fazer teatral) Strehler, enquanto criador de sua arte, a ela agregou suas próprias

inquietações e manteve vivas e em constante vir a ser, as propostas de sua poética

artística, numa consonância incessante com as inquietações humanas de cada

período, não se fixando, assim, na eficácia das formas já concebidas.

A abordagem do estudo a respeito de Giorgio Strehler não pode se furtar à

particularidade do contexto de uma Itália devastada pela guerra, de uma sociedade

desacreditada que, embora com forte tradição artística e teatral, corria risco de ser

esquecida. Strehler partiu desse universo que lhe era próximo, e de fácil trânsito, para

mostrar as possibilidades que a arte teatral poderia oferecer, inclusive a de ultrapassar

as fronteiras. Assim, a maneira como Strehler conduziu seus processos de

descobertas teatrais está diretamente ligada ao contexto histórico italiano e à

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apropriação de elementos da tradição teatral como base de suas experimentações, o

que acabou tornando seu teatro uma referência mundial.

A noção de “tradição teatral” é utilizada aqui na acepção que lhe deu Franco

Ruffini:

É a tradição que nos dá força. Não a tradição entendida como o peso do passado daqueles que nos querem impor o seu modo de viver, mas a tradição como força de poder mudar sem nos tornarmos caos, de continuarmos iguais sem nos tornarmos mortos, isto é, em última análise, de viver. Tradição e vida são sinônimas9.

Embora Ruffini não estivesse fazendo uma referência direta à Strehler, sua

definição poderia perfeitamente ser usada para descrever a relação de Strehler com

a tradição.

É a partir dos processos de elaboração das montagens de Strehler e do

tratamento dado às obras por ele encenadas que se pretende apontar as

características desse encenador, tendo como ponto de partida o resgate e a

ressignificação dos elementos da tradição teatral em diálogo com seu tempo e com

suas inquietações artísticas.

9 RUFFINI, Franco. Conferência no Seminário “Teatro em Fim de Milênio”, Porto Alegre: UFRGS, 1994, p.57

– Transcrição e tradução: Ricardo Pont, Maria Lúcia Raimundo e Nair D’Agostini (texto digitado).

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1.1.Giorgio Strehler: apontamentos biográficos

“Eu pertenço à grande raça dos fanáticos, dos místicos e, ao mesmo tempo, dos revolucionários. Sou o menor deles, o último, pequeníssimo, mas sou daquela raça. Uma raça de grandes sonhos, de grandes lacerações, de grandes êxtases e calafrios e assombros. Não conseguirei mudar nunca”10

(Giorgio Strehler)

Giorgio Strehler nasceu na Itália, na pequena cidade de Barcola, vizinha à

Trieste, na região do Vêneto, no dia 14 de agosto 1921. Ainda criança, após a morte

inesperada de seu pai, mudou-se para Milão com sua mãe, uma musicista que o

influenciou no gosto pela música e no desenvolvimento de uma extensa cultura

musical e refinada percepção rítmica. Esta herança artística refletiu-se em seu

trabalho teatral dada a aguçada atenção musical que caracterizava suas encenações.

Strehler gostava de ser reconhecido como um “regente da cena” e afirmava

caracterizar-se por um pensamento rítmico.

Apesar de se considerar um autodidata, parte de sua formação teatral se

deu na Accademia dei Filodrammatici onde estudou de 1938 a 1940. Foi nesta ocasião

que conheceu Paolo Grassi11

Após o período de sua formação, fez parte de algumas companhias teatrais

tradicionais e de outras experimentais que tinham por tradição o teatro de

improvisação. Com essas companhias percorreu grande parte da Itália. Participou

também de um grupo experimental coordenado por Paolo Grassi, denominado

Palcoscenico12. Nesta época, dedicou-se à crítica teatral e publicou artigos nos quais

10 “Io appartengo alla grande razza dei fanatici, dei mistici e nello stesso tempo, dei rivoluzionari. Sono il più

piccolo di loro, l’ultimo, piccolissimo ma sono di quella razza, Una razza di grandi sogni, di grandi lacerazioni, di

grandi estasi e brividi e stupori. Non riuscirò a cambiare mai” (tradução nossa). BENTOGLIO. Alberto. Invito al

teatro di Strehler. Milano: Mursia, 2014, p.22. 11 Paolo Grassi (1919-1981): Foi diretor teatral, empresário, professor e um importante colaborador de Giorgio

Strehler. Juntos elaboraram e fundaram o Piccolo Teatro di Milano. Renomado empresário teatral italiano, foi

diretor do Teatro alla Scala no período de 1972-1977 e Presidente da RAI (denominação abreviada em italiano de

Radiotelevisão italiana S.p.A.) Um dos principais nomes do teatro italiano da segunda metade do século XX. 12 Tratava-se de um grupo de vanguarda criado por Grassi em 1941. Seu trabalho voltou-se à busca de uma

renovação radical da dramaturgia, encenando obras de autores contemporâneos como Rebora, Treccani, Pirandello

e O’Neill. Além de Grassi e Strehler também participavam do grupo os atores Mario Feliciani e Franco Parenti.

As atividades de Grassi com este grupo se encerraram em dezembro daquele mesmo ano devido a sua convocação

pelo exército.

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afirma sua posição sobre a discussão dos caminhos do teatro de seu tempo e sobre

questões relacionadas à direção teatral.

Figura 1 – Giorgio Strehler (Foto: Arquivo do Piccolo Teatro di Milano-Teatro d’Europa)

Em 1943, convocado pelo serviço militar, foi transferido para a Suíça, para

o Campo de Mürren e, logo em seguida para Genebra onde passou a frequentar a

classe de teatro coordenada por Jean Bart13 no Conservatório de Artes. Neste mesmo

ano usando o pseudônimo de Georges Firmy, fundou a Compagnie des Masques,

com alguns jovens franceses.

De acordo com suas próprias palavras apesar de ter, anteriormente,

dirigido um espetáculo, Strehler considera sua primeira direção teatral o trabalho14

realizado com essa companhia, pois como não dominava a língua francesa para jogar

13 Jean Bart (1877-1955): Foi ator, diretor e escritor; aluno de Jean Louis Barrault. 14 Neste período os espetáculos que tiveram a direção de Strehler foram: Assassinato na Catedral de Eliot e

Calígula de Albert Camus.

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com os atores, e queria muito fazer teatro, resolveu tomar a frente como diretor do

grupo. Naquela época teve a ideia de preparar pequenas maquetes para os ensaios

nas quais indicava o deslocamento dos atores e as possibilidades de jogo; e assim,

Strehler encontrou um modo para pensar a encenação e superar a barreira da língua.

Com o fim da Segunda Guerra, retornou à Itália e passou a dedicar-se

principalmente à crítica teatral15. Nesta ocasião já manifestava a Paolo Grassi seu

desejo de criar um teatro. Grassi, por sua vez, acreditava que a tarefa de criar um

teatro público e estável deveria caber ao município. Mesmo assim, em 1945, criaram

o Diogene, um círculo de cultura teatral no qual se dedicavam à leitura de textos de

novos autores italianos e estrangeiros e, de um modo geral, discutiam sobre os meios

da renovação do teatro italiano16. Esses debates remetem aos cabarés do início do

século XX17.

Inaugurou, junto com Paolo Grassi e Nina Vinchi18, em 14 de maio de

194719, o Piccolo Teatro di Milano20 localizado na Rua Rovello21, centro da cidade de

Milão, com a peça Ralé, de Gorki. No mesmo ano fez a sua primeira encenação de

Arlequim Servidor de Dois Patrões. Essa montagem do Arlequim teve um período de

ensaio muito curto, mas mesmo assim talvez hoje em dia se possa perceber que,

apesar de ter sido um espetáculo apenas esboçado, foi ele que deu início às

15 HIST, David L. Directors in Perspective: Giorgio Strehler. New York: Cambridge University Press, 2006,

p.06. 16 BENTOGLIO, Alberto. Invito al teatro di Strehler. Milano: Mursia, 2014, p.29. 17 Os cabarés eram muito difundidos na Rússia e Europa. Seus repertórios costumavam ser provocadores e

proporcionavam, assim, um amplo espaço para experimentação teatral. 18 A ajuda do então prefeito de Milão, Antonio Greppi (advogado e escritor de comédias) foi fundamental para a

concretização da criação do Piccolo Teatro di Milano. Apesar de o Piccolo ter sido inaugurado em 1947, o primeiro

documento expressando a necessidade de um convênio sobre a situação do teatro na Itália, data de abril de 1948.

Nessa discussão contribuíram grupos, artistas, intelectuais e pesquisadores de todo o teatro italiano da época, que

compreendiam o teatro como articulador político necessário à sobrevivência do indivíduo. Isto abriu caminho para

o reconhecimento oficial do Piccolo como teatro público. BENTOGLIO, Alberto (org). Milano, 1948: un

convegno per il teatro. Firenze: Casa Editrice, 2013, p.07. 19 Nina Vinchi (1911-2009): Esposa de Paolo Grassi e uma das fundadoras do Piccolo Teatro. Exerceu as atividades

de secretaria geral e produção do Piccolo no período de 1947 até 1993.Recebeu vários prêmios da cidade de Milão

por ter dedicado sua vida ao teatro. 20 O Piccolo Teatro di Milano – Teatro D’Europa, atualmente compreende três espaços: O Piccolo Teatro di

Milano – Paolo Grassi, localizado na Rua Rovello, o Teatro Giorgio Strehler e o Teatro Studio Melato, além da

Escola Piccolo Teatro di Milano – Lucca Ronconi, localizada na Rua Giorgio Strehler. Estes últimos estão em uma

mesma quadra, todos na cidade de Milão. O Piccolo Teatro está ligado à formação de público, não só da cidade

de Milão, mas foi um dos principais divulgadores do fazer teatral italiano para o mundo. 21 O espaço ocupado pela primeira sede do Piccolo Teatro di Milano havia sido um cinema e, antes disso, a sede

da polícia nazista e fascista, o que de acordo com Enrico Bonavera: “é muito significativo, pois agora é um espaço

de arte, de regeneração e força. Os antigos cárceres são os camarins”. Em entrevista a autora desta pesquisa. Milão.

2015.

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produções teatrais renovadoras do Piccolo Teatro e que introduziu na Itália um frescor

revolucionário do fazer teatral.

Quanto à organização do Piccolo Teatro, segundo a observação de uma

jornalista italiana da época, Francesca Pini, coube ao Paolo Grassi, o lado político e

econômico e, ao Strehler, o lado estético e artístico22. Produzir, manter os contatos

para arrecadação de fundos e para a concretização de seus ideais artísticos eram

funções de Grassi, enquanto Strehler se ocupava da elaboração e estruturação de

ensaios. A relação que se estabeleceu entre Strehler e Grassi era muito semelhante

à relação de Konstantin Stanislávski e Nemiróvitch-Dântchenko no processo de

criação e elaboração de um projeto teatral que dialogasse com as inquietações

artísticas pessoais e com as necessidades dos demais, visando uma arte acessível a

todos. E, assim, dedicaram suas vidas à concretização de um projeto teatral que

também pudesse se efetivar como um meio de transformação da sociedade. Cabe

ressaltar também que, desde a elaboração dos primeiros espetáculos do Piccolo,

Grassi e Strehler não mediram esforços para alcançar uma dimensão internacional,

mediante a apresentação de suas produções em diversas turnês pelo mundo.

Em seu surgimento, o Piccolo Teatro tinha como objetivo um teatro de arte

para todos, livre de vínculos com uma programação comercial e com a submissão à

censura e ao oportunismo dos interesses das classes mais altas. O Piccolo Teatro

instituiu as bases de uma profunda revolução na formação do público; criou descontos

para os espectadores e foi ao encontro das pessoas em bibliotecas e fábricas em

busca da expansão dos frequentadores de teatro, pois era necessário que a

apreciação artística ganhasse um maior número de admiradores. O Piccolo Teatro era

um serviço público, de natureza artística, voltado à comunicação através do meio

artístico e poético, mas as exigências não se distinguiam dos demais serviços públicos

o que, de certo modo, fazia acelerar o ritmo de produção uma vez que o teatro deveria

dar retorno aos investimentos realizados.

22 PINI, Francesca. Il tempo di una vita: Conversazione con Giorgio Strehler. Genova: De Ferrari e Devega S.r.l.

Editoria e Comunicazione, 2005, p.62.

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Figura 2 – Primeira Sede do Piccolo Teatro di Milano, Teatro Europa, Teatro Paolo Grassi 23

De acordo com as palavras do próprio Strehler, em entrevista à jornalista

Francesca Pini, o desejo era que o Piccolo Teatro fosse uma casa da arte; ressalta-

se: casa, e não lugar, dando à palavra “casa” um valor preciso.

[…] sempre acreditei neste Teatro ligado às Instituições, pois para mim o conceito de teatro está muito ligado à ideia de família: aquela dos cômicos, dos homens e das mulheres que fazem teatro juntos e que devem ficar juntos por muitos anos, envelhecer juntos. E crescendo juntos! [...]. Eu tenho um senso profundo do teatro, como sistema coletivo, como família humana, portanto como casa e como lugar24.

Foi nesse espaço, nesse teatro “casa”25, que o processo de

experimentação teatral, ao qual Strehler se propôs a dedicar a vida, ligou-se,

23 Foto da autora desta pesquisa. Milão,2015. 24 “[...]sempre ho creduto a questo Teatro legato alle Istituzioni in quanto per me il concetto di teatro è molto

connesso all’idea di famiglia: quella dei comici, degli uomini e delle donne che fanno teatro insieme e che

dovrebbero restare insieme per molti anni, invecchiando insieme. E crescendo insieme! [...] Io ho um senso

profondo del teatro, come sistema collettivo, come famiglia umana, quindi come casa e come luogo” (tradução

nossa). STREHLER in PINI, Ibidem, p.53-55. 25 Cabe observar que essa metáfora do “teatro-casa” também aparecia, como uma postura ética, no trabalho de K.

Stanislávski e L. Sulerjístski junto aos estúdios do TAM, como se destaca neste relato de Guiatzíntova (atriz do

Primeiro Estúdio): “O homem e o ator em uma única pessoa devem possuir a mesma dignidade; o teatro não é um

escritório, mas uma casa para qual cada um leva o melhor de si: estas considerações não eram para Leopold

Sulerjístski frases usuais, mas o sentido de toda a sua atividade” (in Mollica, 1989, p.163). A respeito dessa

definição de Teatro-Casa, Elena Vássina afirma: “O ‘conceito’ de Teatro-Casa, entidade que reúne palco e platéia

como um grupo de ‘crentes’ na mesma ideia estética, social e política, que possui o código comum da

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diretamente ao Piccolo Teatro di Milano. Os primeiros dez anos do Piccolo Teatro

foram de intensa produção: quase oitenta peças apresentadas em diversos espaços

e lugares da Itália e da Europa. No entanto, a estrutura organizacional se manteve

relativamente simples. O Piccolo não era um grande teatro em comparação por

exemplo com o Teatro alla Scala26, caracterizado pela suntuosidade das produções e

pela estrutura organizacional grandiosa. Para Strehler: “Foi um trabalho duro, mas

recompensador. Nosso teatro foi desde o início um teatro pobre e permaneceu um

teatro pobre”27.

Nos primeiros vinte anos foram contabilizadas como produções de Strehler,

52 direções teatrais, 16 direções de óperas líricas, 142 viagens para apresentações

em cidades italianas e 116 espetáculos em cidades estrangeiras da Europa, África,

Estados Unidos e Canadá, com o objetivo de difundir e integrar o teatro mundial. Cabe

lembrar que a abrangência do público cativado pelo Piccolo Teatro era imensa, do

operário ao empresário, e, desde o momento de seu surgimento, caracterizou-se

como uma espécie de revolução no sistema teatral. A proposta era de ser um teatro o

mais aberto possível ao mundo e às pessoas, no qual se testemunhasse o tempo

histórico em que se vivia expondo, na medida do possível, a problemática

contemporânea em uma abordagem sempre propositiva.

Strehler se afastou do Piccolo Teatro no período de 1968 a 1972, devido a

acusações em torno de benefícios e privilégios que recebia do sistema político. Um

grupo de jovens artistas de teatro passou a questionar a destinação de recursos

públicos exclusivos para as atividades do Piccolo Teatro e, diante disso, Strehler optou

por se afastar das atividades do teatro. Neste período em que esteve distante do

Piccolo Teatro transferiu-se para Roma para criar o Grupo Teatro e Azione28, uma

comunicação” VÁSSINA, Elena. O teatro russo à luz dos problemas de recepção: abordagem semiótica.

Revista Repertório: Salvador, 2013, p.42. 26 Um dos mais famosos teatros de ópera do mundo. Foi construído em 1778, por determinação da imperatriz

Maria Teresa da Áustria, após o incêndio do teatro Teatro Ducale. O nome refere-se a uma igreja que antes se

erguia no local – Santa Maria Alla Scala. 27 apud HIRST, Directors in Perspective: Giorgio Strehler. New York: Cambridge University Press, 2006, p.07. 28 Em uma resenha sobre a produção teatral italiana na temporada 1970-71, Giorgio Pullini destaca a importância

dos “grupos autônomos de atores associados” e aponta o Teatro e Azione como um dos principais dentre eles.

Pullini afirma que essa forma de organização baseada na autogestão surgia como “uma das melhores soluções

entre os dois extremos de um teatro estável, mas burocratizado e politizado ao máximo, e de um teatro privado e

móvel, mas comercializado ou continuamente comprometido por dificuldades econômicas e práticas”. O autor

também destaca a “livre responsabilidade” de todos os criadores frente à escolha e a execução do repertório.

Pullini, Giorgio. Il teatro in Italia nella stagione 1970-71. Revista Itálica, v 48, nº 4, Columbus, OH, American

Association of Teachers of Italian, 1971.

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espécie de cooperativa composta em sua maioria por atores que já trabalhavam com

ele e cujo foco era a contestação política e cultural.

Em 1972, retornou como diretor único do Piccolo Teatro a pedido de Paolo

Grassi29. No período de retomada Strehler contou com a ajuda fundamental de Nina

Vinchi, pois ela era uma grande conhecedora da estrutura organizacional do Piccolo

Teatro e, assim, pode auxiliá-lo em sua nova fase. As encenações que serão

abordadas na segunda parte da nossa pesquisa fazem parte do período posterior ao

retorno de Strehler ao Piccolo Teatro.

Para dar continuidade às propostas iniciais do grande projeto do Piccolo

Teatro, Strehler manteve seu posicionamento político e as implicações decorrentes

da sua postura, na vida e na sua história teatral, fizeram dele um homem de esquerda,

o que fica claro em suas palavras:

[...] Sempre me mantive socialista e não ligo isto a um partido político, mas a um modo de pensar: ser de esquerda é uma filosofia de vida. Acredito que a sociedade pode ser mudada, que pode ser diferente, que pode haver relações mais serenas entre os homens, que o mundo do trabalho deve ter um papel e deve ser ajudado a existir. [...] Creio que a grande diferença entre a direita e a esquerda consiste, evidentemente, na preocupação pelo bem da coletividade e pelo bem de quem tem menos, daqueles que têm menos e que devido às circunstâncias não podem possuir mais30.

Esse pensamento político e o desejo de mudanças por meio também da

política local fizeram com que Strehler se candidatasse ao Parlamento Europeu pelo

Partido Socialista, em 1979, com a proposta de construir “uma Europa mais humana,

uma Europa para os homens comuns e para a cultura”. No entanto, foi eleito para o

senado somente em 1982, ano em que sua candidatura foi lançada de forma quase

que independente, com um partido Socialista totalmente reformulado. Permaneceu

pouco tempo no senado e todo seu empenho foi dedicado a redigir propostas de leis

que garantissem um espaço para a permanência de um teatro público31.

29 Neste período Paolo Grassi passou a assumir a direção do Teatro alla Scala e, posteriormente, a presidência da

RAI. 30 [...] sono sempre rimasto socialista e per questo non intendo un partito politico, ma un modo di pensare: essere

di sinistra è una filosofia di vita. Credo che la società possa essere cambiata, che possa diventare diversa, che ci

possano essere rapporti più sereni tra gli uomini, che il mondo del lavoro debba avere un ruolo e debba essere

aiutato a esistere. […] Credo che la grande differenza tra la destra e la sinistra consista evidentemente nella

preoccupazione per il bene della collettività e per il bene di chi ha meno, di chi possiede meno e di chi a causa

delle circostanze non può possedere di più.(tradução nossa) in PINI, 2005. p.98. 31 BENTOGLIO,2014, p.32-38.

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32

As propostas teatrais de Strehler não se limitavam apenas à Itália, mas

rompiam suas fronteiras com o objetivo de expandir a ideia de um teatro de arte para

todos. Em 1983, Strehler conseguiu que o governo francês aprovasse, por meio de

decreto de lei, a criação de um organismo que recebeu o nome de Théâtre del’Europa.

O Théâtre Nation Del Odeon, em Paris, foi disponibilizado para sede da instituição e

um conselho de ministros franceses nomeou Giorgio Strehler como diretor. Ele

permaneceu à frente deste projeto até 1988, mas paralelamente manteve suas

atividades junto ao Piccolo Teatro.

O objetivo central do projeto de Strehler com o Teatro da Europa era lançar,

para além das fronteiras, suas inquietações relacionadas ao fazer teatral. De acordo

com Cambiaghi, tratava-se de uma proposta abrangente da ideia strehleriana de um

teatro humano, capaz de falar aos homens de seu tempo e de perseguir o objetivo de

um teatro de arte elevado no conteúdo e voltado à coletividade mantendo uma postura

crítica no tocante à comercialização do produto espetáculo32. Esta é uma

peculiaridade do trabalho de Strehler destacada por vários críticos: a elaboração de

um teatro que fosse de grande valor artístico, mas que também estivesse inserido no

circuito comercial, contradizendo, de certa forma, a noção comumente difundida de

que um teatro de qualidade deve necessariamente estar à margem.

No primeiro ano de produção do Teatro da Europa, o tema escolhido foi –

teatro, ilusão e poder – com o objetivo de lançar aos espectadores uma reflexão a

respeito do metateatro e seu poder de ilusão, o teatro como grande metáfora do

mundo. Para o espetáculo de inauguração, Strehler preparou uma nova montagem de

A Tempestade33, de William Shakespeare. A escolha por essa obra foi feita, não só

pela possibilidade de exploração da temática por ele proposta como também por

considerá-la um possível caminho de autodescoberta, tanto para o intérprete teatral

quanto para o espectador. Strehler acreditava que as obras de Shakespeare poderiam

ser consideradas como um grande exercício de humanidade. Em 1978, Strehler

escreve: “A Tempestade agora existe, cada vez mais, como um caminho de

conhecimento, a exemplo de seu protagonista, Próspero, em busca da conquista do

real, assim ecoando nos intérpretes e nos espectadores”34.

32 CAMBIAGHI, Mariagabriella. L’avventura del Teatro D’Europa. In Giorgio Strehler e il suo teatro. Quaderni

di Gargnano. I protagonisti del teatro contemporaneo. Roma: Bulzoni, 1997, p.104. 33 Esta encenação será abordada no capítulo IV desta pesquisa. 34 in CAMBIAGHI. op.cit, p.104

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A atividade que Strehler desenvolvia em Paris lhe deu, a ele e as suas

propostas teatrais, uma grande projeção mundial e a partir de 1986, o Piccolo Teatro

di Milano incorporou ao seu nome a designação Teatro D’Europa, nome com o qual

permanece até hoje. No entanto, esse título só foi reconhecido pelo governo italiano,

em 1991, por meio de decreto elaborado pelo Ministério do Turismo e do Espetáculo.

Os planos de internacionalização do teatro de Strehler se expandiram com

a Organização da União dos Teatros da Europa que reuniu diversos teatros de

diferentes países. Em seus seis primeiros anos a organização abrangeu quatorze

teatros35 e contou com uma subvenção mínima do Ministério da Cultura e da

Francofone. De acordo com o seu estatuto, tinha como objetivo principal a criação de

uma política que fosse comum a todos com a superação das barreiras linguísticas e

culturais proporcionaria, não só trocas de experiências, como também a circulação

livre dos artistas entre os países36 que dela faziam parte.

Dessa forma, o projeto do Teatro da Europa consistia no intercâmbio de

experiências teatrais entre cidades e países distantes transformando a cena e

buscando a criação de um teatro que dialogasse efetivamente com as questões da

época. As temporadas anuais deste espaço cênico prezam em ter uma programação

diversificada, onde se apresentam vários tipos de produções do mundo, e abrange

desde espetáculos de grupos e de diretores renomados a produções de jovens

diretores e de escolas de teatro.

Em 1986, Strehler fundou o Teatro Studio que no ano seguinte passou a

abrigar a escola37 do Piccolo, um espaço destinado à experimentação que nos remete

aos estúdios vinculados ao Teatro de Arte de Moscou. Um ano depois de sua

fundação, ele assumiu a direção do mesmo. E o novo espaço agregou atores

experientes e também iniciantes. O primeiro ano de atividade deste estúdio-escola foi

35 Dentre esses teatros, cita-se: Centro Dramático de Madrid (Espanha); Teatro Odeon, de Paris (França), Piccolo

Teatro di Milano (Itália); Royal Shakespeare Company e Royal Nation Theatre (Londres); Berliner Ensemble

(Alemanha); Teatro Mali, de São Petersburgo (Rússia) e Staty Teatr, de Cracóvia (Polônia). 36 CAMBIAGHI, 1997, p.106-107. 37 A escola do Piccolo Teatro foi fundada por Giorgio Strehler, em 1987, sob a coordenação didática de Enrico

D’Amato. O projeto didático é baseado na premissa de que em qualquer tipo de teatro existem técnicas

semelhantes, indispensáveis para agir em cena (atuar no palco). No desenvolvimento da prática e da teoria teatral

eles experimentaram critérios comuns para identificar a especificidade do trabalho do ator. Estes critérios

pressupunham princípios pedagógicos e técnicos de expressão complementares. O curso é gratuito e a formação

se dá em três anos (com oito horas de aulas diárias, em seis dias da semana). A formação dos estudantes envolve

aulas práticas e teóricas e estágios nas produções do Piccolo Teatro. Após a morte de Lucca Ronconi, em 2015, a

escola passou a chamar-se Escola Lucca Ronconi.

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dedicado a Jacques Copeau e às experimentações com a máscara, bem como ao

estudo da tradição da commedia dell’arte. Muitos dos atores que fizeram parte da

primeira turma apresentam até hoje a edição do espetáculo Arlequim Servidor de Dois

Patrões, ainda em cartaz, sob a assinatura de direção de Giorgio Strehler.

Os processos de montagem desenvolvidos, no estúdio ou nesse teatro-

escola, eram abertos, isto é, qualquer pessoa podia acompanhar a criação e a

estruturação da encenação, pois para Strehler “os ensaios eram um espaço de

transmissão, por isso permitia que fossem assistidos, não só pelos alunos, mas

também pelos interessados na arte da encenação”38. Isto ajudou a ampliar a formação

de público e de interessados no fazer teatral e afastou o trabalho desenvolvido por

Strehler de qualquer conotação mística ou de devoção.

Em relação à intensa produção e aos diversos projetos desenvolvidos por

Strehler, ele afirma: “eu sempre soube que nasci um intérprete. Não um criador. Mas

não um intérprete que trabalha sozinho. Alguém que trabalha em um grupo”39. A

característica do trabalho coletivo estava presente no Piccolo Teatro di Milano desde

seu início. Devido à sua formação de ator, Strehler acabou por desenvolver uma

maneira de dirigir que se caracterizava pelo constante jogo com os atores durante o

processo de criação das encenações. Além das orientações, propunha-se a

improvisar junto com os atores e atrizes. Esse modo de interação com os artistas fazia

com que Strehler tivesse uma visão de dentro e de fora do processo de criação dos

atores/atrizes, além de ser uma estratégia para provocar a criatividade de seus

participantes.

Pode-se afirmar que esta foi uma das marcas que particularizaram os

processos de criação de Strehler como encenador e que estão relacionadas ao

processo improvisacional característico da commedia dell’arte. Esses aspectos serão

tratados na análise das encenações de Arlequim Servidor de Dois Patrões.

Em 1996 Strehler deixou de ser diretor único do Piccolo Teatro di Milano e,

no ano seguinte, resolveu dedicar-se ao preparo de uma nova edição40 da obra

Arlequim Servidor de Dois Patrões para comemorar os 50 anos do Teatro, sendo que

38 HIRST,2006, p.11 39 Ibidem, p.17 40 No decorrer desta tese a palavra “edição” será utilizada para se referir a cada nova montagem da obra Arlequim

Servidor de Dois Patrões, seguindo a terminologia adotada nos próprios materiais de divulgação e registro do

espetáculo.

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é a mesma encenação que se mantém até hoje no repertório do Piccolo. Infelizmente,

no dia 25 de dezembro de 1997, noite de natal, ele veio a falecer em sua casa de

Lugano, na Suíça. Seu velório aconteceu no teatro que leva seu nome, e que Strehler

não chegou a conhecer uma vez que foi inaugurado somente em janeiro do ano

seguinte. Como era desejo dele, foi velado em um espaço todo branco como via a

morte. Foi como seu Jardim das Cerejeiras41e inundado de música.

Pelo Piccolo Teatro passaram atores de diversas gerações, desde os mais

reconhecidos atores italianos até uma geração de iniciantes em busca de uma

formação. No entanto, isto nunca foi um problema para a realização dos projetos do

teatro, pois um de seus objetivos era “ser uma casa da qual se poderia se separar e

voltar, um lugar onde se poderia regressar para reabastecer-se depois de uma longa

viagem”42

Figura 3 – Piccolo Teatro di Milano – Teatro D’Europa – Teatro Giorgio Strehler43

Após a morte de Strehler, Luca Ronconi44 (que era amigo pessoal de

Strehler e acompanhava muitos de seus processos de encenação) assumiu a direção

41 Esta encenação será abordada no capítulo III desta tese. 42 HIRST, 2006, p.10. 43 Foto da autora desta pesquisa. Milão.2015. 44 Luca Ronconi (1933-2015): Ator e diretor. Formou-se na Accademia Nationale d’arte drammatica di Roma.

Fundou e dirigiu o Laboratorio de Proggetazione Teatrale di Prado; dirigiu o Teatro Estável de Turim (1989-1994);

foi diretor artístico do Teatro de Roma. A convite de Sérgio Escobar (que em 1998 assumiu a direção geral do

Piccolo Teatro) passou a ser o consultor artístico e diretor da escola do Piccolo Teatro, que após sua morte, recebeu

seu nome.

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artística do Piccolo Teatro di Milano e tinha como propósito dar a ele uma nova

configuração teatral. O caráter humanitário permaneceu, assim como acontecia nas

encenações de Strehler, mas em relação às questões sociais buscou-se outra forma

de mostrar a vida, talvez menos popular e mais filosófica.

Durante esse período o Piccolo Teatro também recebeu alguns diretores

convidados, como por exemplo: Carmelo Rifici45, Laura Curino46, Lucio Diana47 e

Flávio Albanese48, porém a memória de Strehler não caiu no esquecimento, mas se

agregou às proposições feitas por esses novos diretores. Na encenação de Lehman

Trilogy49 realizada por Ronconi, por exemplo, são destacadas as questões sociais

contemporâneas urgentes, principalmente as relacionadas aos conflitos sociais e à

imigração. Estes temas são discutidos de forma ampla com o propósito de estimular

a sociedade a refletir sobre essa realidade e, quem sabe, transformá-la através da

arte.

Pelos palcos do Piccolo Teatro passaram e, passam, espetáculos de todas

as partes do mundo, sob a direção dos mais significativos nomes do teatro dos séculos

XX e XXI, tais como: Peter Brook, Ingmar Bergman, Bob Wilson, Peter Stein, Ariane

Mnouchkine, Lev Dodin, Robert Lepage, Jurij Liubimov, Pina Bausch, Roland Petit,

Emma Dante, Pipo Delbono além de outros grupos e artistas reconhecidos,

45 Carmelo Rifici (1973): Graduado em Letras Modernas. Em 2000 formou-se na Escola de Teatro de Torino. Foi

diretor colaborador de Luca Ronconi. Em 2015 foi nomeado diretor artístico do LuganoInSCena e também diretor

da Escola de Teatro Luca Ronconi do Piccolo Teatro di Milano. 46Laura Curino (1956): Atriz, diretora e dramaturga. Em 1974 fundou com a diretora Gabriele Vacis a companhia

de pesquisa teatral, denominada Laboratorio Teatro Settimo. Ganhadora de diversos prêmios pela dramaturgia de

espetáculos, dentre eles: Prêmio Ubu (1992), Prêmio Urbino - Prêmio Fringe Festival de Edimburgo (1989). Fez

algumas participações no cinema como atriz. 47 Lucio Diana: Diretor multimídia, cenógrafo, designer de iluminação, figurinista, video maker, pintor e escultor.

Foi um dos fundadores, em 1975, do Laboratorio Teatro Settimo com o qual colaborou de diversas formas: criação

de espetáculos teatrais; concepção de projetos teatrais educativos; design de exposições e instalações e produções

de vídeo. 48 Flavio Albanese (1967): Formou-se, em 1990, na Escola do Piccolo Teatro. Posteriormente formou-se no

laboratório para professores, diretores e atores dirigido por Jurij Alschitz (o trabalho desse laboratório,

desenvolvido durante três anos, foi concluído com a apresentação de um estudo cênico da obra As Três Irmãs, de

Tchékhov). Participou de oficinas dirigidas por Antonio Fava (Commedia dell'arte), Thierry Salmon, Dominic De

Fazio (Actors Studio Los Angeles), Jerzy Grotowski e Thomas Richards (Pontedera). Desde 1994 dirige

laboratórios de teatro e Commedia dell'arte na Itália e no exterior (Alemanha, Polónia, Suécia e Hungria). Teve

participações como ator na TV e no cinema. Foi professor da Commedia dell'Arte na Academia de Artes I.T.A.C.A.

Dramático, em Puglia. 49 Lehman Trilogy, texto de Stefano Massini, direção de Luca Ronconi. A obra aborda a saga dos Lehman - o

desembarque da Baviera em Nova York em meados do século XIX; o colapso do Lehman Brothers em 2008,

criando um retrato extraordinário da história americana recente. Tive a oportunidade de assistir a esse espetáculo

no Teatro Paolo Grassi na temporada de 2015 na cidade de Milão.

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preservando a concepção de que para a arte não deve haver fronteiras e nenhum tipo

de preconceito.

1.2 A escolha de seus mestres

“Nunca pensei que pudesse inventar tudo sozinho e fico feliz por reconhecer as dívidas. Penso que um encenador deve ter muitos conhecimentos para elaborar sua própria escrita e conhecer as realizações dos outros para encontrar seu estilo preservando totalmente uma atitude crítica”50.

(Giorgio Strehler)

Na primeira metade do século XX, na Itália, a cultura teatral estava ligada

à figura do primeiro ator e à ópera lírica caracterizada pelo direcionamento às classes

sociais mais altas e pela resistência à renovação. A exploração de novos modelos e

probabilidades para o fazer teatral surgiu somente após a Segunda Guerra Mundial,

momento em que a figura do diretor começou a ser questionada e, por conta disso,

em relação a outros países europeus, novas experimentações sobre a direção teatral

surgiram ainda que tardiamente.

Giorgio Strehler pertence a este período de uma Itália pós-guerra e suas

inquietações teatrais estão diretamente ligadas ao estilo de elaboração da encenação

e ao tratamento do texto que foram apoiados por muitos dos registros dos mestres do

início do século XX.

Cabe ressaltar que o próprio Strehler afirmava fazer parte da geração de

artistas desse tempo e que escolheu seus mestres pelos apontamentos que eles

deixaram e pelo contato direto com seus alunos/atores.

Segundo Hirst51, por conta do caráter autodidata de sua formação, Strehler

afirmava que sua geração não contava com mestres diretos, pessoas de experiência

50 STREHLER In TANANT, Mirian. Giorgio Strehler: a cena viva. Trad. Isa Etel Kopelman. São Paulo:

Perspectiva, 2015, p.61. 51 David L. Hirst: pesquisador com diversas publicações relacionadas à história da encenação. Foi professor

honorário no Departamento de Teatro da Universidade de Birmingham.

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prática que pudessem passar seus ensinamentos52 diretamente aos interessados. E

Strehler afirma:

Nós éramos uma geração sem professores, sem líderes. Nós éramos garotos que haviam nutrido um amor pelo teatro, mas a uma grande distância, porque nós crescemos em outro lugar, em uma guerra que foi para muitos de nós uma fonte de grande infelicidade e para outros a desculpa para uma retórica louca, vazia. Nós éramos jovens em idade e também em experiência teatral e humana. E nós éramos aqueles que iriam ter que guiar os “outros”. Esses “outros” viviam à parte em um mundo deles no qual sua maneira de trabalhar, a totalidade da sua abordagem do teatro, havia se tornado decadente. Eles estavam profundamente separados da realidade em todos os sentidos; eles não sabiam nem as palavras que deveriam ser ditas nem a maneira de dizê-las. Eles estavam tentando manter vivo um teatro que, seja de um ponto de vista histórico ou humano, estava com um atraso de pelo menos cinquenta anos53.

Assim, na ausência de mestres diretos, era necessário dialogar com

algumas das principais fontes da tradição teatral ocidental na tentativa de estabelecer

as diretrizes de um próprio fazer. Neste sentido, além da inevitável herança de K.

Stanislávski, principalmente no que se refere ao estudo e à análise das obras que

visavam à encenação (aspecto que esta pesquisa apresentará nos capítulos

seguintes), Strehler também se considerava um seguidor do pensamento teatral de

Jacques Copeau, Louis Jouvet e Bertolt Brecht, sendo que com esses dois últimos

teve um contato direto. Também fazem parte de seu imaginário teatral o contato,

quando jovem, com as encenações do austríaco Max Reinhardt54 e também dos

52 HIRST, 2006, p. 09 53 We were a generation without teachers, without leaders. We were kids who had nurtured a love for theatre, but

at a great distance because we had grown old somewhere else, in a war that was for so many of us a source of great

unhappiness or for others the excuse for mad, empty rhetoric. We were young in years, though, and in human and

theatrical experience. And we were the ones who were going to have to guide “the others”. These ‘others’lived

apart in world of their own in which their way of working, their whole approach to theatre had grown decadent.

They were profoundly cut off from reality in every sense; they knew neither the words to speak nor the way to

speak them. They were trying to keep alive a theatre which both from a historical and a human point of view was

at least fifty years out of date (tradução nossa). HIRST, 2006, p.9. 54 Max Reinhardt (1873-1943): ator, pedagogo e encenador austríaco. Um dos pioneiros do processo de renovação

da cena moderna que levou o diretor ao posto de criador principal do espetáculo cênico. Manteve uma colaboração

artística significativa com o compositor alemão Richard Strauss. Teve papel destacado no desenvolvimento do

teatro e do cinema expressionistas na Alemanha. Fundou e dirigiu o Neues Theater (1902-1905). Em 1905 assumiu

a direção do Deutsches Theater. Seguindo as ideias de Richard Wagner, buscou a unidade dos elementos do

espetáculo em busca de uma experiência teatral total. Em 1920, junto a Strauss, deu início ao Festival de Salzburg.

Em 1934, devido à ascensão do nazismo, exilou-se nos Estados Unidos, onde deu continuidade a sua carreira

artística e pedagógica.

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diretores italianos Luchino Visconti55 e Orazio Costa56, cujas encenações teve

oportunidade de acompanhar. Em relação a Max Reinhardt, Strehler afirmava ter se

interessado pelas pesquisas que fez sobre Shakespeare, pelas encenações de

Servidor de Dois Patrões e pelo hábito que tinha de representar inúmeras vezes a

mesma obra57. Estas referências que foram alvo do interesse de Strehler também

marcariam a sua trajetória. Outra afinidade que encontrou se deu em função do ritmo

da cena e a busca por uma musicalidade do espetáculo que eram próprios de

Reinhardt. As mesmas características também acompanhariam Strehler por toda sua

vida, não só pela influência de Reinhardt, mas pelo seu diálogo com outras pesquisas

e pelo seu conhecimento musical aguçado.

A conexão com os mestres ou com os modelos instaura uma reflexão fecunda que permite a Strehler transformar o teatro italiano para abrir caminho, de forma decisiva, a um teatro resolutamente moderno, combinando abordagens diversas sem, por isso, renunciar a sua própria autonomia de criador 58.

Através do conhecimento artístico adquirido, Strehler se apropriou de

propostas lançadas e experimentadas por alguns dos mestres por ele escolhidos. A

exemplo pode-se observar na citação que se segue, as suas considerações a respeito

de Copeau:

Devo a Copeau uma visão de teatro austera, moral, quase jansenista. O teatro que representava a responsabilidade moral em um contexto coletivo. Um doloroso sentimento religioso pelo teatro. Eu acredito profundamente que Copeau abandonou o teatro porque percebeu que para fazê-lo como queria, e fez, teria que exigir de seu elenco, e de sua equipe, o tipo de coisas que somente Deus pode exigir59.

55 Luchino Visconti (1906-1976): diretor italiano de projeção internacional. Considerado um dos pais do

neorrealismo italiano e um dos mais importantes homens da cultura italiana do século XX. Teve uma grande

produção de direção cinematográfica e teatral. 56 Orazio Costa (1911-1999): Foi diretor teatral e professor. Estudou com Jacques Copeau e Silvio D’Amico. Fez

parte do novo movimento cultural que buscou a renovação do conceito de teatro no pós-segunda guerra. Sua visão

teatral esteve ligada ao teatro como missão espiritual. Também dirigiu obras líricas no Teatro alla Scala de Milão.

Em 1948 fundou o Piccolo Teatro de Roma. Um dos maiores expoentes da pedagogia teatral da Europa do Século

XX. Desenvolveu uma metodologia de trabalho para os atores denominada “Método Mímico”. Seu método foi

empregado na Bélgica, França e outros países da Europa. 57 TANANT,2015, p.61. 58 Ibidem, p.10. 59 I owe to Copeau an austere, moral, almost jansenist vision of theatre. Theatre representing moral responsability

in a collective context.A painfully religious feeling for theatre. I believe that deep down Copeau abandoned the

theatre because he’d come to realise that in order to perform theatre as he wanted it performed he would have had

to demand of his cast and crew the sort of things only God can require. in HIRST, 2006, p.10.

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Esta devoção que Strehler observa nas pesquisas de Copeau também

esteve presente em sua própria dedicação ao teatro. De acordo com Strehler, o

contato com as abordagens de Copeau foi intuitivo e fez com que construísse para si

uma ideia de “homem de teatro” que talvez estivesse distante da real. Strehler

costumava afirmar que a ideia de unidade enfatizada por Copeau tornou-se a base de

seu trabalho:

[...] o teatro como compromisso absoluto, como dádiva de si aos outros, um teatro que não é um fim em si. Ele me fez compreender que devia existir aí uma unidade entre a escrita e a representação, uma unidade entre autores, atores, cenógrafos, músicos e maquinistas60.

Segundo Strehler, à influência inicial do trabalho de Copeau em sua

trajetória seguiu-se uma forte presença das práticas e do pensamento teatral de Louis

Jouvet com quem manteve uma amizade que ultrapassou as fronteiras do campo

teatral. Para ele,

Jouvet [...] tinha uma ideia muito restritiva de teatro, no sentido de que o considerava verdadeiramente como tudo. E nós vivíamos, quase diariamente, aventuras paradoxais. [...] Jouvet viveu o teatro como única dimensão da vida. Por muitos anos eu também estive muito próximo dessa espécie de mística do teatro. Mas não é uma mística religiosa, é uma mística do ofício, aquela de se estar por inteiro no teatro, de se devotar a ele completamente61.

No entanto, Strehler afirma que percebeu que junto à dedicação integral

citada acima era preciso também o ensinamento da vida; que este teatro sacro e

totalizante precisava de artistas que compreendessem a vida e a política e estivessem

diretamente ligados à sociedade civil.

Strehler sempre afirmou que foi Jouvet quem lhe deu a coragem para

aceitar o teatro e, com ele, todas as suas misérias; o teatro como um trabalho cotidiano

e não como uma “arte divina” e afirmava sua dívida com ele:

[...] Devo a Jouvet, em particular, o sentido de uma imaginação crítica trabalhando dentro de um espetáculo, como também, a descoberta de

60 in TANANT, 2015, p.55-56. 61 Jouvet […] aveva un’idea molto restrittiva del teatro, nel senso che considerava il teatro veramente tutto. E noi

abbiamo vissuto direi quasi giornalmente delle avventure paradossali. […] Jouvet ha vissuto il teatro come unica

dimensione della vita. Per molti anni anch’io sono stato molto vicino a questa specie di mistica del teatro. Ma non

è una mistica religiosa, è una mistica del mestiere, quella di essere totalmente nel teatro, di votarsi a esso

completamente. in PINI, 2005, p.101-102.

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que uma encenação não é somente um empreendimento filológico, técnico ou cultural, mas também uma interpretação viva do texto, uma aceitação intuitiva de seus valores poéticos62.

Strehler foi aluno de outro grande mestre, Bertolt Brecht. O contato com

Brecht aconteceu nos anos 50, quando durante três anos Strehler acompanhou as

suas aulas no Berliner Ensemble, entre idas e vindas da Itália para Alemanha. Essas

lições e a proximidade com a produção e o pensamento brechtiano acabou por

contribuir de maneira determinante para o seu amadurecimento como diretor. Strehler

costumava dizer que Brecht lhe ensinou muitas coisas, sobretudo uma: “a duvidar, a

nunca pensar que se é dono da verdade, a escutar as críticas”63. No entanto, a

influência brechtiana nas obras de Strehler se efetivou na década de 60, pois foi nesse

período que o encenador tomou como referencial as produções do Berliner e os

relatos de Brecht, no livro Theaterarbeit, no qual documentou os processos de seus

espetáculos.

Strehler ressaltava o que Brecht lhe ensinou:

[...] que um bom teatro não deve criar um consenso, mas dividir. Foi, talvez, a noção mais difícil de assimilar; eu era tão afeito à ideia de que o teatro da fraternidade devia unir. Ele me ensinou a realizar um “teatro humano” rico, inteiramente teatro, mas sem ser um fim em si. Um teatro que divertisse, mas ao mesmo tempo também ajudasse os homens a evoluir e a transformar este mundo num mundo melhor, num mundo para o homem. Gostaria de explicitar algo. Se Brecht influenciou minha maneira de pensar o teatro, eu jamais fiz um teatro brechtiano segundo a ortodoxia brechtiana, que foi, aliás, mais transmitida por alguns de seus discípulos do que por ele mesmo. Não creio que ele esperasse que se fizesse o teatro para imitá-lo ou satisfazê-lo. Para mim, Brecht foi o mestre não de um dogma, mas de uma severa liberdade64.

Sobre esses aprendizados com Brecht, Bosisio65 afirma que Strehler

sempre se recusou a adotar um método, no sentido fechado. Talvez essa seja a

62 […] I owe to Jouvet in particular the sense of a critical imagination working within a show. The discovery that

a production isn’t just a philological, technical or cultural undertaking, but also a living interpretation of the text,

an intuitive acceptance of its poetic values (tradução nossa). HIRST, 2006, p.09. 63 TANANT, 2015, p.57. 64 Ibidem, p.57-58. 65 Paolo Bosisio (1949): Graduado em Letras e Filosofia na Università degli Studi di Milano. Foi professor

universitário e pesquisador, tendo atuado em diversas universidades, tais como: Università degli Studi di Milano,

Sorbone Paris III e Università Cattolica del Sacro Cuore. Foi assistente de Luchino Visconti. Atuou sob a direção

de Giorgio Strehler em diversos papéis. Trabalhou como diretor e roteirista de TV e como crítico teatral. A partir

dos anos noventa concentra sua atividade artística exclusivamente no teatro operístico, dirigindo espetáculos na

Itália e em diversos países estrangeiros. Foi diretor artístico do Teatro del Vittoriale degli Italiani, do Teatro

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grande lição do teatro épico experimentado por ele, pois sempre trabalhou de forma

muito pessoal, e em novas e diversas abordagens, o que acabava gerando em seus

espetáculos diferentes dimensões de estranhamento66.

Outra referência significativa na trajetória de Strehler é a do teatro russo da

primeira metade do século XX. Ele sempre afirmou que não tinha como negar em seu

trabalho, a herança dos grandes encenadores russos principalmente K. Stanislávski.

Além disso, o contato com as pesquisas de Meyerhold se deu de forma mais

aprofundada por meio de Brecht, ao passo que Vakhtângov lhe interessou devido ao

trabalho com a commedia dell’arte.

Como exemplo específico de sua aproximação com os mestres do teatro

russo, pode-se apontar o engajamento teatral e a preocupação com a qualidade da

relação com o público que foram questões permanentes na trajetória de Strehler e que

o aproximaram das inquietações de K. Stanislávski e de Meyerhold (evidentemente

consideradas particularidades de cada contexto).

A aproximação com o sistema de Stanislávski, principalmente no que

concerne à exploração do texto e à identificação de elementos fundamentais para o

processo de criação a começar pelas ações e pela improvisação em situações

propostas pela obra, permitiu a Strehler uma personalização desses recursos e a

criação de procedimentos próprios desenvolvidos ao longo dos processos de criação

de muitas de suas encenações.

Em especial atenção a K. Stanislávski, Strehler destaca:

Foi Brecht quem nos ensinou a recuperâ-lo para avançar, ao demonstrar que ele foi o mestre de todos nós. Creio que, apesar de nossas diferenças, tanto no plano ideológico quanto artístico, Stanislávski esteve sempre presente em meu percurso67.

Entre os encenadores aqui citados existe uma conexão que se manteve, o

que reflete inquietações que tiveram continuidade e instigaram novas buscas teatrais

que, talvez, não sejam tão distintas das de hoje. O reconhecimento próprio de que era

Giacosa di Ivrea, do Metropoli Ballet Festival, do Farnese Opera Festival e do Sforzesco Ballet Festival. Foi

professor de História do Teatro na Escola do Piccolo Teatro. Publicou diversos livros a respeito da história do

teatro italiano. 66 BOSISIO. 1998, p.23 67 in TANANT, 2015, p.59.

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um autodidata se dá em função da apropriação de um amplo repertório de

conhecimentos teatrais que foi acumulando durante a vida.

O trabalho teatral de Strehler também sofreu influências de Étienne

Decroux68, de Jacques Lecoq69 (principalmente no que se refere ao trabalho sobre a

máscara), dos filmes de Charles Chaplin (que por ele era considerado como um gênio,

não só por sua atuação, mas também pela estruturação e composição crítica de seu

fazer artístico) e de Ingmar Bergman70.

O cinema o auxiliou muito em sua escrita cênica, que era fundamentada

em modelos roteirizados que deixavam espaço para a improvisação, como nos

tempos dos cômicos dell’arte, mas com os recursos teatrais de seu tempo. Foi

também, um meio de nutri-lo criativamente, já que tanto a composição fotográfica

quanto os recursos de edição das cenas serviam para ele como um modo de

inspiração.

A música também foi uma referência fundamental em sua vida. Segundo o

próprio Strehler ela era a base de seu conhecimento teatral: “A música me ajuda a dar

uma dimensão poética aos meus espetáculos e a apagar o realismo, pois não sou um

encenador realista no sentido que se atribui geralmente a esse termo”71.

Ao se analisar a formação de Strehler como encenador é preciso considerar

o fato de que suas propostas artísticas foram delineadas a partir de uma concepção

de quem havia experienciado a arte da atuação, mas que fora conduzido a se dedicar

à direção teatral em virtude das especificidades de suas inquietações com a arte e

com a vida.

68 Étienne Decroux (1898-1991): Ator e mímico francês. Estudou na Escola do Vieux Colombier. Teve como

principal estudo a expressão do corpo, e, nos últimos 40 anos de sua vida, abandonou as grandes apresentações

públicas e a carreira como ator para se dedicar inteiramente à técnica chamada de Mímica Corporal Dramática.

Em 1940 fundou uma escola em Paris pela qual passaram vários artistas importantes do mundo inteiro. Ele

ensinou, também, em várias instituições de prestígio mundial, como o Piccolo Teatro di Milano e o Actor’s

Studio de Nova York . Criou sua própria companhia nos Estados Unidos na década de 1950. Considerado como o

pai da mímica moderna, pode-se citar entre seus alunos Marcel Marceau, Yves Lebreton, Thomas Leabhart, Jean

Asselin, Corinne Soum, Steven Wasson e Luís Otávio Burnier. 69 Jacques Lecoq (1921-1999): Ator, pesquisador e pedagogo francês. Mundialmente conhecido por desenvolver

um trabalho de pedagogia teatral centrado no movimento e no porte das máscaras (principalmente a neutra).

Fundador da École Internationale de Théâtre Jacques Lecoq, em 1956. Um dos responsáveis pela retomada do

porte da máscara na segunda metade do século XX. 70 Ingmar Bergman (1918-2007): Foi dramaturgo, diretor teatral e cineasta sueco. Estudou na Universidade de

Estocolmo, onde nutriu seu interesse pelo teatro e pelo cinema. Os temas que abordava estavam ligados à

mortalidade, à solidão e à fé. Dirigiu filmes que marcaram a história do cinema mundial. 71 STREHLER in TANANT, 2015, p.70.

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O professor e diretor Paolo Bosisio destaca que Strehler foi um

extraordinário diretor de atores, reuniu um grupo de artistas de sensível estilo criativo,

cultivou as particularidades de cada ator, facilitou a livre expressão e renovou os

procedimentos em cada processo por ele dirigido. Para ele, interpretar sempre teve o

significado de exprimir-se por meio de todas as linguagens à disposição do ator/atriz

mantendo uma relação dialética com os demais artistas72. E quando diferentes

metodologias da arte da atuação chegaram à Itália, experimentou-as em seus

processos. Por exemplo, no processo de elaboração de Arlequim Servidor de Dois

patrões, de 1947, Marise Flach73 colaborou com o movimento mímico74.

Segundo Bosisio, é apoiado nos “ensinamentos” dos que frequentemente

denominava como mestres que Strehler...:

[...] concebe a direção como um ato de humildade que permita alcançar a compreensão e a interpretação de uma obra por meio do trabalho duro e prolongado dos ensaios, na contribuição sinérgica de muitas linguagens e de muitos seres humanos: cenografia, figurinos, música, luzes, movimentos de cena, são os ingredientes irrenunciáveis da mistura sempre nova da qual germina a atuação do ator e se condensa a ideia interpretativa da direção75.

A iluminação cênica foi um dos elementos mais destacados nas

encenações de Strehler. Ela aparece na poética cênica de Strehler como um elemento

indiscutível e determinante que tinha como função auxiliar as ações. Parte significativa

de seu trabalho de direção lhe é dedicada. Ele fez da iluminação um elemento de jogo,

uma linguagem indispensável que dialogava com todos os elementos da cena76.

Bosisio afirma que esta capacidade criativa de Strehler com a iluminação é inata,

72 BOSISIO, 1998, p.24 73 Marise Flach (1927 – 2016): nasceu em Garches (França). Foi mima e coreógrafa. Estudou na escola de Arte

Dramática em Paris – EPJD - Education par le jeu dramatique. Em 1953 assumiu a direção da Escola Cívica de

Arte Dramática de Milão (atualmente conhecida como Escola Paolo Grassi), com a qual colaborou até a sua morte

em 2016. Participou como assistente de movimento mímico em muitos espetáculos na Europa, principalmente nas

encenações de Giorgio Strehler, tais como: “A alma boa de Setsuan”, “Marat-Sade”, “Os gigantes da Montanha”,

“Arlequim servidor de dois patrões”, “A Tempestade” e tantos outros. Contribuiu com encenadores como Luca

Ronconi, Franco Enriquez e Angelo Corti. Em 1963 recebeu o Prêmio Internacional Hondas. Seu trabalho se

expandiu para o teatro lírico italiano, cinema e televisão. 74 Esta informação será aprofundada no capítulo II desta pesquisa. 75 …concepisce la regia come un atto di umiltà che alla comprensione e all’interpretazione di un’opera consenta

di pervenire attraverso il lavoro duro e prolungato delle prove, nel sinergico contributo do molti linguaggi e di

molti esseri umani: scenografia, costumi, musica, luci, movimenti di scena, sono gli ingredienti irrinunciabili degli

impasti sempre nuovi entro cui germina la recitazione dell’attore e si condensa l’idea interpretativa della regia

(tradução nossa). In Quaderni di Gargnano - I protagonisti del teatro contemporaneo. BOSISIO, 1998, p.21 76 Ibidem, p.22.

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talvez herdada dos maiores mestres do século XX, a qual ele uniu um domínio

artesanal significativo.

Pode-se afirmar, enfim que alicerçado pela escolha de seus mestres e pelo

vínculo que se criou com as pesquisas deles, desenvolvidas em diferentes contextos,

que Giorgio Strehler se sentiu instigado à provocação e ao distanciamento do papel

de discípulo, ora dialogando com os ensinamentos (diretos ou não) dos “mestres”, ora

questionando os caminhos propostos, e foi em consequência dessas experiências

enriquecedoras que ele se denominou de autodidata. Através do processo de

experimentação resultante de suas pesquisas foi particularizando seu modo de

encenar. Para tanto, teve uma necessidade constante de percorrer muitos dos

caminhos revisitados pelos pesquisadores teatrais que lhe serviam de referência,

como um aprendizado que o ajudasse a compreender as propostas teatrais que deles

eram oriundas.

A preocupação de Strehler não era a de ser fiel a um modo de estruturação

da encenação, mas a de explorar ao máximo as possibilidades de combinação e de

apropriação de elementos da tradição teatral em favor da renovação da cena e da

elaboração de sua identidade artística.

Seus desejos de transformação e seu engajamento social e político o

fizeram retomar autores italianos e clássicos desconhecidos da população do pós-

guerra e, recorrendo a eles, buscar a renovação e a sensibilização da sociedade de

seu país e, posteriormente, das pessoas do mundo afora frente a um contexto de

desgaste e descrédito. Seu maior ato político era o fazer teatral engajado, voltado à

transformação da sociedade. Isto caracterizou a poética de seus espetáculos e

marcou uma geração de artistas e cidadãos, já que, devido ao seu caráter de teatro

público, muitos artistas italianos passaram pelo Piccolo Teatro ou tiveram sua

formação lá.

Ao se apropriar de alguns procedimentos de encenação dos seus mestres,

Giorgio Strehler os transformou e os ressignificou. Isto o conduziu a um processo de

estilização e limpeza de tudo que fosse puramente decorativo. Mesclou princípos

simbólicos com intenções fundamentalmente realistas chegando a resultados

caracterizados pela fusão da originalidade constante com o fascínio discreto e

inconfundível gerado mediante elementos cênicos simples. Assim, fazia alusão a uma

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realidade reelaborada sobre a cena criando fantasia e “uma imprescindível

teatralidade”77.

Hoje Strehler faz parte da história no teatro mundial. A criação do Piccolo

Teatro di Milano e a relação que se estabeleceu entre Strehler e Grassi, nos remetem

ao processo de criação do Teatro de Arte de Moscou e à relação entre Stanislávski e

Nemiróvitch-Dântchenko. As semelhanças se dão, fundamentalmente, pelo fato de

que, em ambos os casos, o projeto de renovação da arte teatral visava um teatro que

fosse ao encontro do público. A divisão das funções em relação ao funcionamento

cotidiano do teatro também era semelhante: Grassi, assim como Nemiróvitch-

Dântchenko, conjugava suas atividades artísticas com o trabalho de produção e

administração; enquanto Strehler, assim como Stanislávski, dedicou-se

prioritariamente às atividades artísticas.

Giorgio Strehler fundou a direção teatral num país que estava acostumado

com a tradição do grande ator e, surgiu essencialmente como um dos encenadores

que apresentava outras possibilidades de elaboração do espetáculo além da recitação

do primeiro ator. Tais possibilidades baseavam-se na valorização do conjunto de

elementos que compunham o fazer teatral e que eram explorados por Strehler. Como

já foi dito anteriormente, merece destaque o forte papel que a música e a iluminação

desempenharam em seus espetáculos com o fito de criar tensões e de realçar as

circunstâncias da obra encenada. Outros elementos, como os figurinos, cenários e

adereços eram igualmente importantes, assim como quaisquer outros que se fizessem

necessários para auxiliar na criação e no jogo entre os atores e na construção da

imaginação do espectador. Desta forma, os focos de atenção do espetáculo se

deslocavam e faziam com que um conjunto de fatores trouxesse vida à encenação,

sem destacar apenas um elemento ou ator/atriz.

Não há como enquadrar a imensa variedade da produção de Strehler em

definições estilísticas redutoras que possam nos guiar. Mas deve-se pensar que o

teatro foi, para Strehler, um lugar e um propósito para estimular o debate civil

caracterizado pelo empenho social e cultural. Para ele, o teatro era destinado a

realizar uma importante função na consciência da nação; em resumo, era um lugar,

destinado à criação de ações artísticas capazes de promover um diálogo ideal que

77 BOSISIO, 1998, p.22.

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envolvesse os atores e o diretor de um lado e o público de outro78. Isto está

diretamente ligado à própria escolha das obras a serem encenadas, já que, por

intermédio delas, Strehler buscou criar espaços para que as discussões geradas

propiciassem identificações com sua época. Nos relatos de Strehler encontraram-se

muitas referências a esse seu modo de pensar que refletia uma devoção engajada em

um fazer artístico que pudesse dialogar com a sociedade de seu tempo.

Dentro desse contexto, abordarei aspectos da trajetória de Strehler em três

de suas principais encenações como um desafio às discussões atualmente relevantes

quanto à direção teatral e à identificação e reapropriação/exploração de elementos da

tradição teatral em processos artísticos e pedagógicos de direção. Ao se recusar a

ficar preso a um único modelo e ao estipular possibilidades de diálogo com

metodologias muito diferenciadas entre si, ele conseguiu estabelecer uma perspectiva

única de atuação do diretor na construção do espetáculo. No entanto, nunca a fixou

como um método. Para afirmar isto, resgato as palavras de Giorgio Strehler em uma

entrevista à Stampalia, quando é questionado se há ou não um método strehleriano.

Em resposta, é assim que ele descreve como inicia seu processo de construção de

um espetáculo:

[...] Neste ponto iniciamos os ensaios. Os primeiríssimos, aqueles de mesa. O que conto aos atores? Aquilo que sei. Quando o texto foi escrito, como foi escrito, os enigmas que ele apresenta, o que entendi um pouco, coisas que não entendi, porque não tem como se saber de tudo, as coisas que devemos descobrir juntos. Em seguida, lendo, falando, ensaiando, com a voz viva e a presença das diversas pessoas que te dizem coisas inteligentes e coisas estúpidas (e inclusive isso ajuda), pouco a pouco se começa a criar, em torno daquele primeiro núcleo de ideias, outro material de compreensão do texto; e quando estamos prontos colocamos esse núcleo criativo no palco e começamos a movê-lo. Talvez aconteça o melhor, talvez aconteça o pior, talvez não aconteça absolutamente nada. Geralmente outras coisas acontecem. Se – e este é um segundo ponto do que denominam como meu método – eu tiver colocado os atores em fase criativa. O ponto fundamental, é que sempre coloco os meus atores em fase de criatividade e de não-passividade, de não-comodidade do ofício. Coloco-os sempre defronte ao vácuo. Quando alguém faz alguma coisa, sempre questiono “e se não fosse assim, como o faria?” ou “fez muito bem aquela entrada, mas podemos pensar que pode ser feita de maneira completamente diferente? Experimente outra vez”. E o ator experimenta, talvez não muito bem, mas depois, ao final, pode descobrir que talvez [...] Neste trabalho coletivo e criativo, ao início, quando se deixa livre e se estimula a fantasia das pessoas, surgem

78 BOSISIO, 1998, p.24.

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frequentemente coisas muito interessantes (e muito contrastantes também). Às vezes os atores estão desleixados, não têm vontade, é cansativo, e saem depois de cinco ou seis horas de ensaio decididos a desistir: porque eu não coloco em movimento somente os pés e as réplicas, mas os estimulo a criar, a se colocarem em discussão: coisas que perturbam. Alguns nunca alcançam isto, este jogo, mas aqueles que permanecem criam forças inacreditáveis79.

Esse modo de abordar o processo de encenação determina os espetáculos

que analisarei nos próximos capítulos, ressalvando seus contextos e particularidades.

Strehler foi um encenador de obras dramáticas, e seu estímulo criador

constava em descobrir as potencialidades de um texto dramático, não o negar, mas

reinventá-lo por meio do conhecimento da obra, do jogo com os atores e com o diretor.

Talvez estivesse aí o maior desafio: desvendar seu modo criativo particular de lidar

com a arte, pois muitos de seus contemporâneos acabaram por negar o texto teatral

como uma forma de revolucionar o teatro. A transformação teatral proposta por

Strehler não nega o texto, mas extrai dele todas as possibilidades criativas e busca

nele estímulos a serem despertados em todos os envolvidos no processo de criação.

Em diversos momentos de sua trajetória Strehler abordou, de um modo

específico, alguns elementos dos procedimentos utilizados por ele em seus processos

de criação. Tais aspectos particularizados serão conhecidos no decorrer da análise

das encenações aqui apresentadas. Neste sentido, optou-se por considerar obras que

dialogassem com uma das principais inquietações de Strehler: a condição do homem

79 [...] a questo punto siamo arrivati alle prove. Le primissime, quelle a tavolino. Cosa racconto agli attori? Quello

che so. Quando è stato scritto il testo, come è stato scritto, che enigmi ci sono dentro, cosa ho capito un po’, cosa

non capisco per niente perché più di così non posso, cosa dovremo scoprire insieme. Dopodiché, leggendo,

parlando, provando, con la voce e la viva presenza delle diverse persone, con l’intelligente che ti dice la cosa

intelligente e lo stupido che dice quella stupida (che serve anch’essa), a poco a poco si viene a creare, attorno a

quel primo nucleo di idee, altro materiale di comprensione del testo; e quando siamo pronti, questo nucleo cresciuto

lo mettiamo sul palcoscenico e cominciamo a muoverlo. Può darsi che si verifichi in meglio, può darsi che si

verifichi in peggio, può darsi che non succeda assolutamente niente; in genere succede che altre cose avvengono.

Se – e questo è un secondo punto del mio chiamiamolo metodo – ho messo gli attori in fase creativa. Il punto

fondamentale è che io metto sempre miei attori in una fase di creatività e di non- passività, di non-comodità del

mestiere. Li metto sempre di fronte al vuoto. Quando uno fa una cosa dico “e se non fosse così come la faresti?”

o “hai fatto molto bene quell’entrata; ma non pensi che si potrebbe fare in maniera completamente diversa? Prova

un secondo.” E lui prova, magari male, ma poi alla fine può scoprire che forse…In questo lavoro collettivo e

creativo, all’inizio, quando viene lasciata libera e stimolata la fantasia di persone che non siano proprio negate,

vengono spesso fuori cose molto interessanti( e molto contrastanti anche).Qualche volta gli attori sono dei

tardigradi, non hanno voglia, è faticoso, ed escono dopo cinque-sei ore di prove che non ce la fanno più: perché io

non metto in moto solo i piedi e le battute ma li stimolo a creare, a mettere in discussione: cose che turbano. Alcuni

non riescono mai, a questo gioco; ma quelli che ci stanno, creano delle forze incredibili. (tradução nossa)

STREHLER in STAMPALIA, Giancarlo. Strehler dirige: le fasi di un allestimento e l’impulso musicale nel

teatro. Venezia: Marsilio Editori,1997, p.31-32.

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em sociedade. Não é à toa que dentre os autores frequentemente revisitados por ele

estão: Carlo Goldoni, William Shakespeare e Anton Tchékhov.

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CAPÍTULO II

ARLEQUIM SERVIDOR DE DOIS PATRÕES: O RESGATE DA COMMEDIA

DELL’ARTE E O TRABALHO COM A MÁSCARA

“[...] ao final de uma sanguinolenta guerra que havia deixado seu inevitável débito de desconforto e de desespero para tantos, o reencontro de alguns valores eternos da poesia e ao mesmo tempo de uma mensagem de confiança para os homens, por meio da liberação do riso mais aberto, do jogo mais puro... Era o teatro que, com seus atores, retornava (ou tentava retornar) às fontes primitivas de um acontecimento cênico esquecido, ao longo da história, e indicava um caminho de simplicidade, de amor e de solidariedade aos públicos contemporâneos. Era o teatro que redescobria (se assim se pode dizer) uma sua época gloriosa: a Commedia dell’Arte, não mais como um fenômeno intelectual, mas como um exercício de vida presente, operante. Justamente neste sentido de vitalidade, não literária, mas real, neste desejo de reconstruir idealmente, primeiro entre nós comediantes, um mundo mais solidário – o mundo de uma ‘companhia’ dell’arte – e depois ao ‘inventar’ um jogo de arte todas as noites junto ao público, em um acordo feliz e abandonado, o nosso trabalho adquiriu então, e mantém hoje – apesar das mudanças das contingências – um valor moral e estético do qual não temos como não nos orgulhar”80.

(Giorgio Strehler)

80 alla fine di una sanguinosa guerra che aveva ceduto il suo inevitabile debito di sconforto e di disperazioni per

tanti, il ritrovamento di alcuni eterni valori di poesia e al tempo stesso di un messagio di fiducia per gli uomini,

attraverso la liberazione del riso più aperto, del gioco più puro… Era il teatro che, con i suoi attori, ritornava (o

tentava di ritornare) alle fonti primitive di un avvenimento scenico dimenticato, attraverso le vicende della storia,

e indicava un cammino di semplicità, di amore e di solidarietà ai pubblici contemporanei. Era il teatro che

riscopriva (si così si può dire) una sua epoca gloriosa: la Commedia dell’Arte, non più come un fatto intellettuale,

ma come un esercizio di vita presente, operante. Proprio in questo senso di vitalità, non letteraria ma reale, in

questo voler ricostruire idealmente, prima tra di noi commedianti, un mondo più solidale – il mondo di una

‘compagnia’ dell’arte – e poi nell’“inventare” un gioco d’arte ogni sera assieme al pubblico, in un accordo felice

e abbandonato, il nostro lavoro acquistò allora, e mantiene oggi – pur in mutate contingenze – un suo valore morale

ed estetico di cui non possiamo che essere orgogliosi” (tradução nossa). STREHLER, Giorgio In SESSO, Fausto

(org). Commedia dell’arte Voci, Volti, Voli. Bergamo: Moretti &Vitali Editori, 2015, p.9.

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A obra Arlequim Servidor de Dois Patrões, de Carlo Goldoni81, foi encenada

dez vezes por Giorgio Strehler e hoje em dia faz parte do repertório do Piccolo Teatro.

Cada vez que é montada traz com ela uma nova encenação, um novo tratamento,

uma atualização nos temas a serem abordados de acordo com o contexto da época

em que for apresentada. O elenco de cada encenação foi sendo modificado através

dos tempos, mas o Arlequim teve até agora somente três interpretações. A primeira

foi a do ator Marcello Moretti82 que, vítima de uma morte inesperada, deixou o

espetáculo em 1961. A segunda foi a do ator Ferruccio Soleri83 que ainda permanece

no papel de Arlequim84 e, eventualmente, é substituído por Enrico Bonavera85.

De acordo com os relatos do próprio Strehler, Carlo Goldoni foi o

dramaturgo que mais se aproximou de sua visão da natureza humana, pois havia

muita semelhança entre as raízes culturais de Goldoni e as suas. Era uma espécie de

espelhamento. Strehler se projetava na natureza goldoniana, já que ambos, além de

terem vindo da região do Vêneto, eram intelectuais e reformadores do teatro,

comprometidos com as principais questões da época em que viveram.

Strehler encenou oito comédias86 de Goldoni. São elas: Arlecchino

servitore di due padroni, Le baruffe chiozzotte, Il campiello, La trilogia della

villeggiatura, La vedova scaltra, Gli innamorati, La putta onorata e L' amante militare.

81 Carlo Goldoni (1707-1793): Autor e dramaturgo italiano, nascido em Veneza, região de Vêneto, na Itália.

Considerado um dos principais autores de comédia e um dos autores italianos mais conhecidos fora da Itália. Suas

comédias abordam temas contemporâneos com personagens realistas. 82Marcello Moretti (1910-1961): Formou-se na Accademia Nazionale d'Arte Drammatica em Roma e ficou

conhecido mundialmente por sua interpretação de Arlequim na encenação de “Arlequim servidor de dois patrões”,

com a direção de Giorgio Strehler 83 Ferruccio Soleri (1929): Diplomou-se na Accademia dell’Arte Drammatica de Roma. Depois de algumas

experiencias em diversas companhias teatrais, em 1959 ingressa e faz parte do Piccolo Teatro. Nas temporadas de

1958/59 e 1959/60 de Arlequim Servidor de dois patrões faz o 2º garçom. Foi designado como substituto de Moretti

e a partir de 1963 começa a interpretar Arlequim, o que lhe deu reconhecimento mundial. Conhecido como o ator

vivo que mais interpretou o mesmo personagem. Dedicou-se também a direção teatral e aos ensinamentos da

commedia dell’arte 84 Nina Vinchi, em entrevista a Agnese Colle, menciona que na turnê do espetáculo Arlequim Servidor de dois

patrões de 1967 pela Europa e Itália, Arlequim foi feito pelo ator Angelo Corti em substituição a Ferrucci Soleri

que havia sofrido um acidente e estava doente, mas ela mesma afirma que essa informação não consta em nenhum

material produzido pelo Piccolo Teatro. Cf. COLLE. Agnese. Arlecchino in Viaggio – com quelli

dell’Arlecchino. Trieste, 1997). 85 Enrico Bonavera (1955): É ator, pesquisador e professor. Reveza entre as personagens Briguela e Arlequim na

encenação de Arlequim Servidor de Dois Patrões. Foi aluno de Ferruccio Soleri. Desde 2004 é docente da DAMS

(Disciplina de Arte, música e espetáculo), onde ministra o curso Dramaturgia do ator. Professor da Escola de

Ricitazione del Teatro di Genova. Foi colaborador do Odin Teatret. 86 Optou-se por manter os títulos das obras originais, pois nem todas foram publicadas em tradução brasileira.

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As encenações dessas obras foram responsáveis pela projeção mundial que Strehler

obteve em suas turnês artísticas com o Piccolo Teatro di Milano fazendo com que se

tornasse um dos principais diretores da segunda metade do século XX, o que acabou

por instigar a redescoberta da commedia dell’arte.

A escolha da obra Arlequim Servidor de Dois Patrões para fazer parte do

repertório da primeira temporada oficial do Piccolo Teatro se deu por muitos fatores,

dentre eles, a necessidade de valorizar autores italianos; a identificação de Strehler

com Goldoni e, segundo suas próprias palavras, o fato da obra de Goldoni apresentar

claras preocupações em relação à busca de uma sociedade esclarecida e mais

humana. Ainda segundo Strehler, outro motivo para sua escolha foi a encenação

desta obra realizada por Max Reinhardt87, a qual havia assistido na juventude.

O processo de resgate da commedia dell’arte já havia sido objeto de

pesquisa de encenadores que fundaram a cena moderna, como K. Stanislávski,

Gordon Craig, Meyerhold, Jacques Copeau, Evguiêni Vakhtângov, Louis Jouvet e

outros88 que, no início do século XX, propiciaram um novo modo de compreender e

praticar a arte teatral por meio da revalorização de uma simplicidade convencional da

tradição e da improvisação dos atores. Em suas experimentações cada um usou seu

modo particular de resgatar elementos da arte italiana, principalmente através da

improvisação entre os atores e da estilização da ação com o uso das máscaras. O

objetivo não era recriar a realidade dos cômicos dell’arte, mas explorá-la e recriá-la

dentro das especificidades do contexto de criação de cada encenador.

Os interesses e as pesquisas teatrais de Strehler se aproximam dos

métodos de estudo e de resgate da tradição cultural do teatro popular italiano dos

quais participaram os encenadores do início do século XX. Na mesma direção se

destacam as experimentações de Copeau com a commedia dell’arte. Assim como

Copeau, Strehler não pretendia reconstruir ou ressuscitar a velha commedia dell’arte,

87

O servidor de dois patrões, de 1924, feito por Max Reinhardt para o Theater in der Josefstad, de Viena,

posteriormente reelaborada para a turnê na Itália (apresentado em Milão em 1932). Arlequim era feito sem

máscara. 88 A exemplo destaco o espetáculo A princesa Turandot encenado por Vakhtângov no Terceiro Estúdio do TAM,

em 1922, que conjugou o resgate da commedia dell’arte e o sistema de Stanislávski em seu processo de criação.

Também é possível apontar relações com a Commedia na montagem de As Bodas de Fígaro, realizada por

Stanislávski em 1927 (principalmente nos momentos da representação nos quais os atores estabeleciam

comunicação direta com os espectadores).

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mas dar vida a uma commedia improvisada com os tipos e os principais argumentos

ligados à época em que vivia.

O resgate feito por esses encenadores fez da commedia dell’arte uma

tradição vivente capaz de contagiar todo o movimento teatral do início do século XX,

na Europa. Naquele momento, os italianos não compreendiam o porquê de tanto

interesse por algo que para eles estava “morto e enterrado” 89.

A commedia dell’arte só foi resgatada na Itália depois da Segunda Guerra

Mundial, a partir da repercussão da peça Arlequim Servidor de Dois de Patrões,

encenada por Strehler. O título original da obra de Goldoni é Servidor de Dois

Patrões90, mas desde a primeira encenação, Strehler inicia o título com a palavra

Arlequim91, como referência para informar ao público de que se tratava de uma

encenação baseada na commedia dell’arte e foi assim, então, que tornou-se

mundialmente conhecida como Arlequim Servidor de Dois Patrões.

A decisão tomada por Strehler de encenar Servidor de Dois Patrões na

inauguração do Piccolo Teatro tinha como propósito devolver ao povo italiano a

alegria, um estado de espírito quase impossível num período pós-guerra repleto de

ruinas e de destruição. Ele precisava valorizar o que a Itália tinha de melhor: sua

cultura, seus autores e sua tradição popular teatral representada pela commedia

dell’arte que haviam sido abandonados e esquecidos. A iniciativa da construção de

um teatro estável com um repertório popular, e uma plateia lotada todas as noites foi,

sem dúvida, uma espécie de ato político teatral.

Como já foi citado, o processo desenvolvido pelos encenadores da

segunda metade do século XX é muito semelhante às descobertas feitas por alguns

dos encenadores da primeira metade do mesmo século, sobretudo quanto a fusão de

tradição e de inovação em suas práticas artísticas e pedagógicas. De certa forma tal

processo foi um prenúncio dos procedimentos que caracterizariam grande parte do

teatro das décadas seguintes e da composição de algumas bases do fazer teatral da

89 DE MARINIS, Marco. Il teatro dopo l’età d’oro: Novecento e oltre. Roma: Bulzoni, 2013, p.136. 90 Este texto foi escrito por Goldoni, em 1745, a pedido do ator Antonio Sacchi. As traduções brasileiras desta obra

já sofrem a interferência no título, já que conhecemos a obra de Goldoni por Arlequim Servidor de Dois Patrões,

conforme Giorgio Strehler propôs em seus espetáculos. 91 Na obra original de Carlo Goldoni o nome de Arlequim é Trufaldino.

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atualidade. No que se refere ao surgimento da encenação no teatro moderno,

Bornheim afirma:

[...] o diretor assume um papel extremamente importante: ele se empenha em expressar uma problemática moderna a partir de um texto antigo.

Poderíamos dizer que o espetáculo, através do diretor, pensa e assume uma posição em relação ao texto. É verdade que toda direção sempre e necessariamente, interpreta o texto, mas no presente caso trata-se de fazer derivar do diretor, e não do autor, a intenção geral do espetáculo92.

Esta relação do diretor com o texto é herança do movimento de vanguarda

que ocorreu no início do século XX, “o fundamental do teatro de vanguarda não

consiste tão só em recusar por estas ou aquelas razões, preceitos tradicionais”93, mas

em adequá-los à necessidade do momento, conferindo ao ”teatro uma função viva,

atual” e o aproximando cada vez mais das inquietações do espectador.

Este aspecto que nasce entre às inovações resgatadas da tradição teatral

popular aproxima-se de diversas poéticas cênicas contemporâneas ao propor que

todos os envolvidos participem ativamente da criação da encenação e ao ressaltar

que todos os elementos que compõem o espetáculo têm igual importância durante o

processo. Esta atualização contínua também se dá durante as apresentações através

do jogo dos atores que precisa ser renovado continuamente para manter o frescor e

a vivacidade.

Na busca pela recuperação da dimensão espetacular da commedia

dell’arte da obra de Goldoni, Strehler conduziu os atores e atrizes a uma grande

liberdade de improvisação, à criação de lazzi94 e de inserções textuais que, uma vez

aprovadas, poderiam ser fixadas e inseridas no texto-espetáculo. Strehler ia definindo

o espetáculo a partir dos mínimos detalhes, sempre igual e diferente a cada

apresentação; a gênese de seu espetáculo resulta numa sinergia criativa em que a

92BORNHEIM, Gerd A. O sentido e a máscara. São Paulo: Perspectiva, 1975, p.22. 93 Ibidem, p.23. 94 Lazzi: “Efeitos especiais”, espécie de cenas mais ou menos breve, os segredos próprios de cada ator. Os lazzi

preenchiam com efeitos cômicos os vazios da ação. Nada mais é que uma pequena peripécia alegre, engraçada,

destinada a dar comicidade à ação sem arrastar o ritmo ou modificar- lhe o rumo. Surge, quase sempre, pelo

inesperado surpreendente, tornando-se, por isso, mais engraçado ainda. Se não for levada a efeito, não prejudica o

enredo, se for oferece um breve instante de reforço ao bom humor geral.

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palavra do autor não é mais forte do que a do diretor e dos atores95 mantendo assim

o frescor da criação.

Na primeira edição do espetáculo Arlequim servidor de dois patrões, em 24

de julho de 1947, no Piccolo Teatro di Milano, a encenação foi montada quase que de

modo intuitivo em um período curto de tempo. Durante a elaboração desse

espetáculo, houve questionamentos em relação à apropriação de elementos da

commedia dell’arte, principalmente em relação ao porte da máscara. Acompanhando-

se a pesquisa de materiais sobre o assunto, é possível perceber que tais

questionamentos, aos poucos foram sendo resolvidos, principalmente pelo trabalho

coletivo que era um compromisso que estava se desenvolvendo naquele processo de

redescoberta.

Nessa primeira edição (1947), de Arlequim servidor de Dois Patrões, o ator

Moretti compôs o seu Arlequim com o rosto pintado, sem o uso da máscara, o que

justificou como sendo mais cômodo para ele, já que estava sempre em movimento.

No entanto, como percebeu Strehler:

... também era um sintoma de resistência do ator ao uso da máscara. A máscara é um instrumento misterioso, terrível. Para mim ela sempre me deu, e continua a dar, uma sensação de desânimo. Com a máscara estamos no limiar de um mistério teatral. Ressurgem os demônios, os rostos imutáveis, estáticos, o êxtase, que estão nas raízes do teatro. [...] a máscara não suporta a concretude do gesto real. A máscara é ritual96

95 BOSISIO, Paolo. Il teatro di Goldoni sulle scene italiane del Novecento. Milano: Elemond Editori, 1993,

p.71. 96 “… era anche il sintomo più segreto della resistenza dell’attore alla maschera. La maschera è uno strumento

misterioso, terribile. A me ha sempre dato e continua a dare un senso di sgomento. Con la maschera, siamo alle

soglie di un mistero teatrale, riaffiorano i demoni, i visi immutabili, immobili, estatici, che stanno alle radici del

teatro. […] La maschera insomma non sopporta la concretezza del gesto reale. La maschera è rituale” (tradução

nossa). STREHLER, Giorgio. Shakespeare, Goldoni, Brecht. Milano: Edizioni Piccolo Teatro di Milano, 1988,

p.82.

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Figura 4 – Marcello Moretti (Foto: Arquivo do Piccolo Teatro di Milano-Teatro d’Europa)

Em relação à alusão feita à máscara como ritual, ele se recorda de ter

solicitado aos atores que a retirassem ao final do espetáculo para agradecer ao

público. Nas primeiras vezes, as máscaras eram jogadas nas coxias do teatro mas,

pouco a pouco, os atores começaram a mantê-las em suas mãos ou no alto da

cabeça97. A compreensão de sua importância no trabalho foi sendo assimilada

vagarosamente pelos atores como se, até aquele momento, elas fizessem parte de

algum mistério inexplicável. Mas acabaram por se render aos seus ritos. O único que,

por um longo período, continuou resistente foi Moretti. Ele afirmava que com a

máscara se perdia o jogo da expressão e, assim sempre buscava uma justificativa

para resistência do seu uso.

97 STREHLER, 1988, p.82.

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De acordo com o Strehler, as inquietações deste momento giravam em

torno das “relações do corpo no espaço, o sentido do movimento expressivo, do gesto,

do ‘silêncio’ animado que estava diante de nós, cheio de interrogações e de

mistérios”98.

Para contribuir com a possibilidade da abordagem das questões com as

máscaras e para a experimentação no trabalho com os atores foi importante o contato

direto com as propostas de Étienne Decroux e com as provocações criativas que

surgiam a partir de seu uso. O trabalho com Decroux foi fundamental principalmente

no que concerne à exploração das possibilidades da máscara neutra.

Sobre esse período Strehler afirmava:

Era a época das lições de Etienne Decroux, que fomos os primeiros a convidar ao Piccolo Teatro, e que de imediato, nos pareceram desconcertantes. Ainda hoje penso naqueles anos com Decroux, na escola do Piccolo, e depois com Marise Flach, sua aluna direta, e com Jacques Lecoq como momentos fundamentais para a minha formação teatral, e não apenas para a minha: para a de meia geração de teatrantes. Todo o teatro posterior foi marcado pela experiência-predicação de Decroux. Para os exercícios “com a máscara” (praticávamos muito intensamente também inúmeros exercícios “sem máscara”, a rosto nu), Sartori preparou uma máscara básica famosa e desconhecida por ignorância pelos demais, mesmo os dedicados ao trabalho, e que na minha opinião é sua obra-prima, a “máscara neutra”, isto é uma máscara “sem expressão”.100

Aos poucos esse trabalho com a máscara neutra foi se aproximando das

experimentações com as que eram usadas pela commedia dell’arte. Entretanto, o

confronto com a comédia improvisada trouxe a Strehler alguns problemas, dentre eles

o trabalho dos atores com a máscara e a adequação de seu uso.

De acordo com Giorgio Strehler:

A conquista da máscara, por todos, e por Marcello [Moretti], foi um caminho progressivo de fatores que colidiu com um número impreciso de fatores: da falta de uma tradição viva, portanto de um hábito mental e físico, à falta de uma técnica, verdadeira e própria, de “instrumentos” adequados. Na primeira edição de Arlequim os atores se apresentaram com máscaras pobres confeccionadas com papelão e gaze, feitas em camadas e construídas, pode-se dizer, com as nossas próprias mãos, dia a dia. Eram máscaras “infernais”, incômodas, dolorosas. As partes em relevo penetravam na carne, a visibilidade era relativa e distorcida... Havia também o drama pessoal dos atores que

98 STREHLER in SARTORI, Amleto; SARTORI, Donato. A arte mágica. São Paulo: É Realizações, 2013, p.115. 100 STREHLER in SARTORI, op.cit., p.115.

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com as máscaras não se “ouviam”. Por um fenômeno psíquico o ator com o rosto coberto “ouvia” menos a si mesmo e aos seus companheiros. Além disso, também se sentiam “inexpressivos” pois haviam lhes tirado uma arma potente: o jogo facial. O ator devia agora conquistar a mobilidade da máscara. Devia reinventar uma tradição sepulta, que ninguém podia ensinar. Nesta primeira versão do Arlequim, Marcello acabou por representar a sua parte sem máscara. Resolveu o problema brutalmente pintando a máscara preta em seu rosto101.

Strehler aponta em seus escritos a importância que teve o encontro com

Amleto Sartori102 para o processo de redescoberta da máscara e da commedia

dell’arte. Sobre este encontro, ele relata que certo dia, sem saber precisar muito bem

quando, estava conversando com Amleto Sartori em seu ateliê, em Padova, a respeito

do teatro e da máscara no teatro. Tal conversa detonou as buscas e explorações da

confecção da máscara e de seu uso em cena.

Amleto Sartori fez uma exaustiva pesquisa histórica a respeito das

máscaras e dos materiais que poderiam ser utilizados para confeccioná-las. Testou o

couro e, bem devagar, foi encontrando um modo de torná-lo mais leve e resistente, o

que seduziu pouco a pouco os atores e, progressivamente, a “visão da máscara no

espaço” acabou por convencer Moretti”103.

A teoria de Sartori de que o Arlequim poderia ter uma máscara tipo “gato”, tipo “raposa”, tipo “touro” (suas definições disponíveis para diferentes expressões fundamentais da máscara), interessou, infantilmente, Marcello que quis (a sua primeira) de “gato” porque “ele é o mais ágil!”. Como não se enternecer ao recordar desse jogo sobre o curso do grande teatro, sobre o curso da grande vida! Assim,

101“ La conquista della maschera fu, per tutti e per Marcello, un cammino progressivo che si urtò contro un numero

impreciso di fatti: dalla mancanza di una tradizione viva, quindi di una abitudine mentale e fisica, alla mancanza

di tecnica vera e propria, di “strumenti” idonei. Gli attori della prima edizioni dell’Arlecchino recitarono con

povere maschere di cartone e garza, a strati sovrapposti. Le costruimmo si può dire, con le nostre mani, giorno per

giorno. Erano maschere “infernali”, scomode, dolorose. Le parti in rilievo penetravano ben presto nella carne, la

visibilità era relativa e distorta. …[...] Esisteva anche il dramma personale degli attori che con la maschera non si

“sentivano”. Per un fenomeno psichico l’attore con il viso coperto sentiva meno se stesso ed i compagni. Inoltre

gli sembrava di essere “inespressivo”, gli era stata tolta un’arma potente: il gioco facciale. L’attore doveva ancora

conquistare la mobilità della maschera. Doveva reinvetare anche in questo una tradizione sepolta e che nessuno

poteva più insegnarci. Marcello, in questa prima edizione dell’Arlecchino, fini per recitare la sua parte senza

maschera. Aveva brutalmente risolto il problema dipingendosi la mascehra di nero sul viso” (tradução nossa)

STREHLER, 1988, p.81-82. 102 Amleto Sartori (1915-1962): Escultor. Dedicou-se ao estudo morfológico e da anatomia da face humana. Em

1937 fez a primeira máscara em papier-mâchè, pesquisa que com o tempo foi se aprofundando e, no período pós-

guerra, redescobriu e reinventou as máscaras de couro da commedia dell’arte. Em 1948 se tornou professor de

modelagem de máscaras da Escola de Teatro da Universidade de Padova. Neste período uniu seus conhecimentos

às inquietações de Jacques Lecoq e Giafranco De Bosio e, posteriormente, agregou outros artistas teatrais com

interesse no trabalho com as máscaras como Jean Louis Barrault, Giorgio Strehler e Eduardo De Filippo (COLLE,

1997, p.26). 103 STREHLER, 1988, p.82.

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Marcello se cobre pela primeira vez com a máscara marrom “tipo gato”, para depois passar para o “tipo raposa” e por fim (conquista!) a um tipo fundamentalmente original dos zannis104 primitivos, adoçado naturalmente pela cadência estilística do Servidor de Dois Patrões de Goldoni105.

Nesse período não só Strehler como grande parte dos jovens diretores da

época estavam interessados em desvendar o “teatro gestual”, por isso o resgate da

máscara parecia ser um meio para explorar amplamente as possibilidades de

movimento e ação dos atores fugindo de uma interpretação realista. Foi um momento

de redescoberta das experimentações do corpo por meio da máscara.

Nesse tempo Amleto Sartori, que já havia se proposto a confeccionar

máscaras, trabalhava com Jacques Lecoq na elaboração de uma que não tivesse

expressividade, que possibilitasse ao ator desvendar e explorar as possibilidades do

corpo sem uso da expressão facial. Começaram, então, as experimentações para a

confecção de uma máscara neutra.

Esse foi um processo exaustivo de pesquisas e de muitas descobertas.

Amleto realizou uma detalhada e abrangente pesquisa histórica e, por um longo

tempo, experimentou diferentes possibilidades de confecção da máscara. Os atores

também tiveram que explorar atentamente as possibilidades de seu porte, tanto em

relação aos limites que ela lhes impunha, como no processo de redescoberta e

ampliação das possibilidades corporais que ela lhes proporcionava.

Segundo Strehler, a criação da primeira máscara “neutra”, que deveria

representar a íntima essência humana, custou a Amleto Sartori inúmeras tentativas e

várias experimentações até a criação da versão final. Sartori confessou a ele que

talvez esse tivesse sido o trabalho mais difícil que já havia enfrentado. A Strehler foi

dado o primeiro exemplar e, ainda segundo ele, quando precisava encontrar o silêncio

o colocava em sua mesa, na tentativa de capturá-lo106. Incontáveis vezes, depois de

104 Zanni: deriva de Giovanni (em italiano). Refere-se aos servos (criados) da commedia dell’arte. O mais popular

deles é Arlequim. 105 “La teoria, poi, di Sartori, circa l’Arlecchino che può avere la maschera tipo “gatto”, tipo “volpe”, tipo “ toro”

(sue definizioni di comodo per diverse espressioni fondamentali delle maschere) interessò, infantilmente, Marcello

che la volle (la sua prima) da “ gatto” perché “el xe più agile!”. Come non intenerirsi nel ricordare questo gioco,

sul filo del grande teatro, sul filo della grande vita! Così Marcello si copri per la prima volta con la maschera bruna

“tipo gatto” per poi passare al tipo volpe, e per finire (conquista!) ad un tipo fondamentale originale, di zanni

primitivo, addolcito naturalmente dalla cadenza stilistica del Servitore de Due Patroni di Goldoni” (tradução

nossa). STREHLER, op. cit., p.83 106 STREHLER, 1988, p.88.

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elaborada a primeira matriz, a máscara neutra foi reproduzida em papel machê para

utilização nas experimentações dos atores durante o processo de expansão e clareza

do movimento.

Trabalharam por anos usando esse primeiro molde de máscara neutra e

Strehler recorda uma passagem de sua utilização:

... justamente com ela (a máscara neutra) certa noite Étienne Decroux mostrou-nos, pela primeira e última vez, a “levitação” de um corpo humano. Realmente, por um instante, Decroux com a máscara neutra de Sartori e também graças a uma perfeita coordenação de cada gânglio nervoso e cada feixe muscular de seu corpo e uma concentração tão absoluta quase de causar medo, ficou diante de nós, espectadores atônitos, “suspenso no espaço”, imóvel. Instante que nos pareceu eterno107.

Recorda ainda que, naquele tempo, ele e outros jovens diretores teatrais

eram quase obcecados pelo teatro gestual, que eles denominavam “teatro mímico”. O

corpo no espaço, o movimento expressivo, o gesto, o silêncio, tudo era cheio de

interrogações e mistérios. Foi nesse período que tiveram exaustivas aulas com

Étienne Decroux e, posteriormente, com sua ex-aluna Marise Flach. Flach fora aluna

da Escola de Arte Dramática – educação para a recitação dramática – em Paris. Em

1948, foi chamada por Etienne Decroux para ser sua aluna e atuar em seus

espetáculos. Em 1952, participou em Milão, como assistente de Decroux, da criação

da Escola de Mimo no Piccolo Teatro e de muitos espetáculos de Strehler108. Flach

colaborou com as aulas da Escola do Piccolo e com alguns dos processos de Arlequim

Servidor de Dois Patrões, principalmente da edição feita no Teatro Odeon em Paris

(1977).

A colaboração de Jacques Lecoq foi fundamental não só para Strehler, mas

para uma geração de atores e diretores teatrais, pois foi o encontro entre ele e Amleto

Sartori que deflagrou o retorno do interesse pelo trabalho com a máscara como um

meio de compreensão do teatro gestual e de descobrimento das possibilidades de

trabalho, tanto com a neutra como as expressivas. Cabe lembrar que o resgate do

trabalho com as máscaras teve um caráter extremamente experimental e que, ao

107 STREHLER in SARTORI, 2013, p.116. 108 COLLE, 1997, p.223.

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passar por tantas experiências de confecção, permitiu que se chegasse ao modelo

que é conhecido nos dias de hoje109.

O trabalho realizado pelos atores de Strehler com o porte de máscara se

deu na segunda edição de Arlequim servidor de dois patrões em 1951-52. Essa

experiência foi essencial para a integração dos atores com o corpo no espaço, com o

movimento e, consequentemente, com o processo de experimentação das máscaras

da commedia dell’arte. O trabalho com a máscara neutra ofereceu aos atores a

descoberta não só de novas possibilidades do uso corporal como, por exemplo, o

desenho que o corpo poderia traçar através do espaço e também a criação de ações

que não fossem ilustradas por emoções.

O resgate e atualização da commedia dell’arte que esteve presente desde

o início do trabalho de Strehler, estava agora sendo realizado no processo de

encenação e investigação da obra de Goldoni. Na primeira edição do Arlequim

Servidor de Dois Patrões os atores não se adaptaram ao porte das máscaras.

Somente depois, no decorrer da elaboração da segunda edição, e de um exaustivo

trabalho prático proposto por Strehler, os atores, e em especial Marcello Moretti,

reconheceram as potencialidades expressivas que eram acrescentadas por seu porte

e, então, conseguiram explorar as expressividades do corpo todo sem a habitual

convergência para as expressões do rosto.

109 Para mais informações em relação às descobertas, transformações e imagens das máscaras ver SARTORI,

Amleto e Donato. A Arte Mágica. São Paulo: É Realizações, 2013.

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Figura 5 – Giorgio Strehler com atores e atrizes do Piccolo Teatro di Milano (Foto: Arquivo do

Piccolo Teatro di Milano-Teatro d’Europa)

Marise Flach ressalta a abertura e a receptividade às modificações e aos

desvios surgidos durante os processos como uma das peculiaridades criativas de

Strehler:

Apesar de tudo, Strehler tem uma perspectiva desde o início, mesmo que não seja sobre todos os pontos, mas não tem nada escrito. No começo ele tem imagens bastante precisas de certas coisas; e depois me soou consistente que certas outras coisas que, com frequência pareciam ter sido inventadas na hora, ele as tivesse em mente desde o princípio110.

Outro fator importante no processo de resgate do “segredo” da commedia

dell’arte, de acordo com Bosisio, era encontrar uma solução para o problema da

redução da visibilidade imposta pela máscara. Era necessário “tomar posse com o

olhar” e, de certo modo, racionalizar previamente sobre o movimento a ser realizado.

Era preciso, por exemplo, observar os próprios pés e investigar o espaço em torno de

si para poder, finalmente, executar o movimento de modo ágil e preciso (rápido). Outra

ação estudada era: desenvolver uma marcha muito particular, que lentamente

110 “Malgrado tutto Strehler ha una visione fin dall’inizio, anche se non di tutti i punti; ma non ha niente di scritto.

Al l’inizio ha delle immagini abbastanza precise di certe cose; e poi mi sono spesso chiesta se certe altre cose, che

lui sembra inventare lì per lì, non le avesse invece già in mente prima” (tradução nossa). FLACH apud

STAMPALIA, 1997, p.53)

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avançasse, complementada por uma maneira, a princípio mecânica, de mover a

cabeça e os braços. Nascia assim uma forma marionetizada de movimentação de

Arlequim e Briguela, com um deslocamento continuado composto de flicks111. Estes

elementos de movimentação foram recuperados tendo como base uma longa

investigação crítica da tradição da commedia dell’arte e atualizados durante o

processo de improvisação dos atores para o espetáculo.

Assim, o porte da máscara modificou todo o sentido de gestualidade,

ampliou os movimentos e deu aos atores, ao espetáculo e ao público uma nova noção

de teatralidade (ainda que tomada de resgate da tradição). As máscaras elaboradas

por Amleto Sartori para as experimentações de Arlequim servidor de Dois Patrões

foram incorporadas ao espetáculo, portanto, a partir dos anos 50.

O processo acima relatado (de estudo da máscara como mecanismo de

preparação dos atores) nos parece evidente e até mesmo gera em nós uma sensação

de proximidade temporal com tais procedimentos, mas é bom lembrar que a primeira

edição do espetáculo se deu em 1947 em um país que tentava se reconstruir após

uma guerra; e que, para a prática teatral de então, a commedia dell’arte era apenas

uma tradição esquecida.

2.1. As encenações de Arlequim Servidor de Dois Patrões, de Strehler

Arlequim Servidor de Dois Patrões foi a obra mais encenada por Strehler

no decorrer de seu percurso artístico112 e, por isso, tornou-se um referencial de sua

poética cênica principalmente no que se refere ao jogo improvisacional proposto pela

commedia dell’arte.

O texto de Goldoni apresenta-nos um criado, Arlequim, que decide servir a

dois patrões sem que um saiba da existência do outro. A partir daí começam todos os

quiproquós que compõem o enredo da história. A obra utiliza tipos sociais estilizados

e de fácil identificação do público. A fome, de comida e de dinheiro, (metáforas da

111 Pequenos saltos para frente, com batidas com a ponta de um pé, tendo o tornozelo como base. 112 Como já citado, Strehler realizou dez edições diferentes desse espetáculo.

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“fome de vida”) de Arlequim o faz realizar as mais absurdas e ingênuas trapaças. Nas

situações que vivencia na trama da obra, ele retrata todas as nuances carnais do ser

humano. Paralelamente às peripécias de Arlequim, há o desdobramento das

tentativas de concretização do amor entre Clarice e Silvio, Beatrice e Florindo e

Arlequim e Esmeraldina. Os emaranhados (temáticos e estruturais do texto) vão se

desenvolvendo de modo a esclarecer, aos poucos, as trapaças de Arlequim; os

enamorados concretizam seus amores e, ao final, tudo se resolve com alegria e

diversão.

A abordagem strehleriana dessa obra sempre foi rica em seu caráter festivo

que ia além das fronteiras do palco e contaminava as dinâmicas de trabalho e a própria

convivência dentro do grupo. O caráter improvisacional, o jogo e o prazer das

descobertas do fazer teatral, presentes em todos os processos de elaboração deste

espetáculo, nunca foram impositivos, mas funcionaram sempre como uma

oportunidade de descoberta para todos os envolvidos.

Em relação à alegria e ao prazer de participar desse espetáculo, o ator

Antonio Pierfederici recorda:

... o espetáculo tinha um ritmo velocíssimo, e talvez por correr excessivamente tivesse necessidade de novas apresentações para encontrar o tempo certo. Quanto me diverti! Só guardo recordações de um divertimento desvairado: o prazer de estar em cena, o prazer de atuar com ótimos atores, o prazer de estar nas coxias escutando os outros113.

A mesma valorização do caráter festivo do acontecimento cênico,

fundamentada na ênfase que se dá ao prazer do jogo da atuação também é

encontrada nas tradições teatrais populares (no nosso caso específico, na commedia

dell’arte).

Como o Arlequim servidor de dois patrões foi encenado durante toda a

trajetória artística de Giorgio Strehler, cada nova encenação mantinha, ou

reformulava, algumas características da primeira encenação quando novos trechos

da obra eram acrescentados ou excluídos. Cito aqui os períodos nos quais a

113 “[...] lo spettacolo aveva ritmo velocissimo, forse correva fin tropo, aveva bisogno delle repliche per trovare il

tempo giusto. Quanto mi sono divertito! Non ho che ricordi di un divertimento pazzesco: il piacere di stare in

scena, il piacere di recitare con attori tutti bravi, il piacere di stare tra le quinte a sentire gli altri […] diventava una

cosa incredibili di divertimento” (tradução nossa). PIERFEDERICI apud COLLE, 1997, p.37. Antonio

Pierfederice interpretou Florindo nas temporadas de 1949/1950 e 1952 1953.

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encenação, sob a direção de Giorgio Strehler, foi revisitada. Cabe ressaltar que

passaram pelo elenco desses espetáculos centenas de artistas. Alguns

permaneceram e, no decorrer do tempo em que a encenação foi remontada por

Strehler, foram trocando de papéis114.

Strehler costumava afirmar que a lembrança que permaneceu de Moretti

estava relacionada ao processo de transmissão durante a preparação para a turnê

nos Estados Unidos, quando ele deveria ter um substituto115 e, para tal função,

convidaram o ator Ferruccio Soleri. O jovem e o velho Arlequim revezavam a mesma

encenação nos processos de ensaios, longos, silenciosos e atentos, mas a energia

desses momentos era repleta de alegria e paixão pela arte.

Moretti era um mestre vigilante e generoso, que mesmo sem método fazia

e via surgir um novo Arlequim. Era o ator veterano (Marcello Moretti) que ao orientar

o novato (Ferruccio Soleri) permitia que ele se apropriasse do personagem

gradualmente e lhe desse os sotaques e o novo tratamento e compusesse seu

Arlequim116. Esse meio de transmissão tornou-se uma prática entre os atores e atrizes

que vivenciaram as várias encenações desse trabalho e foi assim que nasceram

inúmeras Clarices, criados e tantos outros personagens que compõem a obra.

A maioria dos artistas que fizeram parte dessas encenações se referem a

elas como uma grande e inesquecível escola de formação, uma vez que os que

tiveram a oportunidade de participar desses espetáculos no decorrer de suas carreiras

se revezaram entre diferentes personagens (muitos deles iniciaram fazendo o criado

e, posteriormente, passaram a fazer uma das máscaras ou o papel dos enamorados).

Fazia parte dessa vivência teatral a intenção de que os atores aprendessem todos os

papéis, o que só foi possível porque todos os envolvidos no processo estavam sempre

presentes aos ensaios acompanhando os estágios da criação e colaborando com a

encenação.

114 No Anexo A desta pesquisa se encontram as fichas técnicas das diferentes encenações desta obra realizadas por

Strehler. 115 De acordo com Ferruccio Soleri, nos Estados Unidos, naquela época, as leis que respaldavam os artistas da

cena proibiam que um ator protagonista de espetáculo fizesse mais de uma apresentação no mesmo dia. Por isso a

necessidade de Marcello Moretti ter um substituto. SOLERI, Ferruccio. Entrevista concedida a autora desta

pesquisa, Milão: janeiro 2016. 116 STREHLER. 1988, p.85-86.

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A primeira edição, como já citamos, foi a de 1947 e depois dela se deu

início a um resgate sistemático da commedia dell’arte.

A segunda edição do espetáculo foi realizada na temporada de 1951/1952.

Como observou o professor Marco De Marinis “essa edição foi um grande

acontecimento teatral. Uma obra-prima de valor excepcional e de altíssima qualidade

artística que consolidou o interesse pela commedia dell’arte, até então vista pelos

italianos como uma tradição morta117”. Nesta versão Arlequim veste a famosa

máscara Arlequim-Gato criada e confeccionada por Amleto Sartori.

Figura 6 – Segunda Edição (Foto: Arquivo do Piccolo Teatro di Milano-Teatro d’Europa)

Esta edição do espetáculo118 fez uma turnê pela América Latina em 1954.

Naquela ocasião, Strehler fez uma análise sobre o desafio e a aventura a que havia

se proposto ao colocar uma investigação do passado para dialogar com a atualidade

e com a obra de Goldoni. Ele escreveu:

Difícil para nós cômicos contemporâneos este trabalho de se lançar contra a correnteza do tempo no mundo fabuloso de uma aventura teatral ligada a tramas sutis, a histórias complicadas entregues

117 Marco de Marinis, 2013, p.136. 118 Trecho do espetáculo, com Marcello Moretti como Arlequim, disponível em:

https://www.youtube.com/watch?v=C1ltGSs6OGU

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totalmente ao gesto e à palavra do intérprete e, depois, queimadas desde tempos imemoráveis, pó nos palcos dos séculos. É um exercício perigoso empenhar-se em uma técnica teatral riquíssima em meios expressivos, em ecletismos, em maestrias físicas e vocais119.

Tal citação confirma nossas considerações acerca da intenção de resgate

da tradição e do enfrentamento de desafios técnicos, tanto para os atores quanto para

a encenação, nas aventuras vivenciadas nas remontagens de Arlequim, servidor de

dois patrões. Percebe-se que este trabalho foi um empreendimento, uma pesquisa

dedicada e profunda.

Figura 7 – Arlequim e Beatrice travestida de homem – Edição de Edimburgo(Foto: Arquivo

do Piccolo Teatro di Milano-Teatro d’Europa)

Após a turnê surge uma nova edição realizada para o Festival de

Edimburgo120. Por esse motivo, foi denominada Edição de Edimburgo-1956/1957.

119 “Difficile opera questa di gettarsi all’indietro nel tempo, per noi comici contemporanei, nel favoloso mondo di

un’avventura teatrale, legata ad esili trame, a complicate storie giocate tutte sul gesto e sulla parola dell’interprete

e quindi bruciate da tempi immemorabili, polvere di palcoscenico da secoli. E pericoloso esercizio tentare una

tecnica teatrale ricchissima di mezzi espressivi, di eclettismi, di padronanze fisiche e vocali” (tradução nossa).

STREHLER, Giorgio. Appunti di regia. (em ocasião da turnê pela América Latina. 1954). Disponível no site do

Piccolo Teatro di Milano http://archivio.piccoloteatro.org/eurolab/

120 Trata-se de uma série de eventos simultâneos de arte e cultura, que acontece desde 1947 em Edimburgo na

Escócia. Foi o primeiro festival europeu criado após a Segunda Guerra Mundial e, por este motivo, naquele

momento revestiu-se de um caráter de resgate e valorização cultural e humanista. Neste sentido, muitos de seus

fundamentos relacionavam-se aos objetivos éticos e políticos do trabalho do Piccollo Teatro.

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Em 1963, mais uma edição do espetáculo, denominada de Villa Litta affori,

foi apresentada ao ar livre no Jardim da Villa Litta, em Milão. Após quatro anos de

pausa, devido à morte de Marcello Moretti, Strehler retomou a encenação com poucas

modificações. O cenário era composto por duas carroças que davam a ideia de

pertencer a uma antiga trupe de cômicos dell’arte e proporcionava aos espectadores

uma relação direta com a encenação.

Figura 8 – Edição de Villa Litta (Foto: Arquivo do Piccolo Teatro di Milano – Teatro d’Europa)

O jogo era iniciado desde o momento em que se chegava ao local da

apresentação: os atores que estavam presentes e se preparavam na frente do público;

os personagens tipos (máscaras) que discutiam se estava na hora de iniciar a

apresentação e em seguida improvisavam pequenos problemas ligados a questões

correlatas. Assim, os espectadores eram levados a se envolver com a atmosfera da

peça muito antes do espetáculo ter começado formalmente.

A mudança mais significativa dessa edição era a figura do Arlequim, agora

interpretado por Ferruccio Soleri (que havia atuado neste papel nas apresentações de

Nova Iorque, em 1960). A proposta de metateatro se evidencia mais na figura do

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Arlequim interpretado por Soleri, que, fora da cena, faz comentários e antecipa

algumas das ações que dão andamento ao espetáculo.

Strehler, em uma nota publicada posteriormente sobre o espetáculo,

descreve o local da ação desta edição da seguinte forma:

Duas grandes carroças pararam suas rotas pelo prado [...]. Os cavalos haviam sido retirados, levados embora. Duas escadinhas de madeira as transformavam quase em duas pequenas casas, colocadas há poucas dezenas de passos uma da outra. No meio, os atores levantaram o palco: um estrado quase quadrado, delimitado de um lado pela fileira de anteparos para as velas – as luzes da ribalta – e do lado oposto, por duas colunas e um travessão de madeira: com dois trilhos de cortina sobre os quais deslizam os telões que vão compor o cenário do palco: uma rua, um “salão na casa de Pantalone”, o interior da taberna, etc. Entre o palco e as carroças – em uma ordem que não exclui elementos de desordem – os objetos dos cômicos: os que servirão para o espetáculo, os que servirão para outros espetáculos: tambores, elmos de rei e tecidos de rainha para as tragédias; máscaras para as comédias, um frango de papel machê, um troféu, um ídolo inca talvez para algum drama sobre Cortez... E atrás do palco, duas mesas com todos os apetrechos necessários para a apresentação da noite. Mais distante, nos dois opostos da área delimitada pelas carroças, dois “cartazes” – qualquer coisa entre o quadro dos contadores de histórias e uma Sacra Imagem de procissão – representam Arlequim e Briguela, fracamente iluminados pela chama de duas tochas que tremulam ao vento121.

Já na edição di Villa Reale Milano em 1972/1973, conhecida pelo nome do

espaço em que foi apresentada, Strehler se utiliza de uma leitura mais radical do teatro

no teatro. Nessa montagem começa a se consolidar com maior profundidade a

exploração do metateatro entre as características modernas usadas para compor o

jogo estético com elementos resgatados da commedia dell’arte (máscara e

improvisação). A isto se somam as propostas de exploração da iluminação e do

espaço cênico – com a quebra dos limites entre palco e plateia.

121 Due grandi carri hanno bloccato le loro ruote sul prato-[…]. I cavalli sono stati staccati, portati via. Due scalette

di legno ne fanno quasi due piccole case, affrontate a poche decine di metri l’una dall’altra. In mezzo, gli attori

che sono scesi hanno rizzato il palcoscenico: una pedana pressoché quadrata, delimitata da un lato dalla fila degli

schermi per le candele- le luci della ribalta – e dal lato opposto, da due montanti e una traversa in legno: sulla

traversa due riloghe, sulle quali scorrono i fondali che fanno da scena: una calle, un “salotto – in- casa- di

Pantalone”, un interno d’osteria, eccetera. Tra palcoscenico e carri – in un ordine che non esclude frange di

disordine – le cose dei comici: quelle che serviranno per lo spettacolo, quelle che serviranno per altri spettacoli:

tamburi, elmi di re e drappi di regine per la tragedia, maschere per la commedia, un pollo di cartapesta, un trofeo,

un idolo Incas per chissà quale dramma su Cortez…E dietro il palco, due tavoli con tutto il trovarobato necessario

alla recita della sera. Più lontano, ai due opposti dell’area delimitata dai carri, due “cartelli” -qualcosa a mezzo tra

il tabellone dei cantastorie e una Sacra Immagine da processione – raffigurano Arlecchino e Brighella, debolmente

illuminati dalla fiamma di due fiaccole, mossa dal vento. (tradução nossa) STREHLER. Nota in Arlecchino,

Servitore di due Patroni di Carlo Goldoni. Milano: Biblioteca Universale Rizzoli. 197, p.27

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Figura 9 – Arlequim Edição de Villa Reale di Milano (Arquivo do Piccolo Teatro di Milano – Teatro

d’Europa)

Em 1975, uma nova montagem foi feita pela Cooperativa de atores do

Piccolo Teatro di Milano.

Já em 1977, na edição da obra para o Teatro Odéon, em Paris, a ação se

passa numa sala antiga de um palácio em ruínas, com paredes acinzentadas. A

estátua de um grande cavalo de mármore quebrada faz parte da composição do

cenário.

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Figura 10 – Edição Odéon (Foto: Arquivo do Piccolo Teatro di Milano − Teatro d’Europa)

A respeito desta edição, Ferruccio Soleri recorda:

[...] Strehler elaborou a encenação a partir da condição de rejeição e de afastamento súbito dos comediantes italianos da França, anteriormente adorados, quando os atores foram caçados e a Comedie Italienne foi dissolvida. Esta era a ideia, o pensamento de Strehler: mostrar uma companhia de cômicos ambulantes que, provavelmente, retornando à pátria acampam em um castelo semi-abandonado para pernoitarem. E ali, de modo natural, começam a repassar seus papéis e, de repente, descobrem que há alguém de fora entrando, talvez atraído pelas luzes e pelas vozes... é o público que entra e, então, o mecanismo maravilhoso do teatro é despertado e os atores começam a atuar esquecidos de tudo ao redor. Esse era o início do espetáculo feito somente à luz de velas, porque como se pode deduzir esses cômicos estavam no escuro... e isso foi uma coisa extraordinária do ponto de vista da atmosfera criada... e a tristeza se evapora... Antes o Arlequim era um espetáculo solar, realizado totalmente a céu aberto, com o sol de plena luz do dia. Em vez disso, ao fazê-lo à noite, involuntariamente, encontramos uma tensão diferente, mas muito interessante122.

122 [...] Strehler lavorò partendo dalla condizione di rifiuto e di allontanamento subito dai comici italiani in Francia;

prima adorati, gli attori italiani furono cacciati e la Comedie Italiene fu sciolta. Questa era l’idea, il pensiero di

Strehler: far vedere una compagnia di comici vaganti che probabilmente rientrando in patria si accampano in un

castello semi abbandonato per pernottare. E lì spontaneamente ripassano la loro parte e scoprono che ad un certo

punto qualcuno sta entrando, richiamato forse dai lumi, dalle voci… è il pubblico e allora si avvia il meraviglioso

meccanismo del teatro e gli attori cominciano a recitare dimentichi di tutto il resto. Questo era l’inizio dello

spettacolo fatto a sole candele perché naturalmente questi comici vivevano al buio… e quindi fu una cosa

straordinaria dal punto di vista dell’atmosfera… e questa tristezza che svapora … Prima l’Arlecchino era uno

spettacolo solare, completamente fatto al cielo scoperto con il sole in pieno giorno. Invece trovandoci a farlo di

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Pelo que foi descrito, pode-se considerar que a simples mudança de horário

acaba por interferir na expressividade do espetáculo como um todo, cria um “clima

noturno”, além da introdução do metateatro – parece que os elementos resgatados da

tradição foram submetidos a uma nova configuração – que potencializa não só esses

elementos como elementos modernos, como os submete a circunstâncias específicas:

o ambiente noturno e uma situação metateatral (passa pela imagem da troupe que

acha que está ensaiando e está se apresentando e, ao mesmo tempo, pela imagem

da plateia que acha que está vendo um espetáculo e está vendo um ensaio).

Outra edição do espetáculo, Edizione di Addio (Edição de Adeus) em

1987/1988, teve bastante repercussão. Esse nome foi dado em intenção ao

aniversário de quarenta anos do Piccolo Teatro (e também pelos quarenta anos da

primeira versão da encenação).

Em relação a essa edição Strehler afirmou, em seus diários de direção:

Denominamos este Arlequim de “a edição do adeus”, e é um adeus que nós damos à nossa antiga aventura teatral sempre renovada no tempo. Nós, aqueles que permanecemos de uma companhia teatral nascida em 1947, sentimo-nos o símbolo de tantos intérpretes que deram vida a personagens de um texto e de um espetáculo certamente extraordinário na sua vitalidade e na sua capacidade de reconstruir-se das formas mais diferentes, mesmo permanecendo fundamentalmente o mesmo123.

Foi uma espécie de despedida dos atores que não tomavam mais parte

atuante no espetáculo, e de boas-vindas a uma nova geração de atores que estavam

ingressando na aventura de Arlequim. Nessa edição do espetáculo as personagens

foram duplicadas, pois os atores e atrizes que haviam feito edições anteriores

retomavam seus antigos papéis, como uma despedida, e apresentavam os novos

atores que seguiriam adiante na interpretação da obra. Foi um encontro de gerações

de artistas.

sera ci mise, involontariamente, in una tensione diversa, ma molto interessante (tradução nossa). SOLERI apud

COLLE, 1993, p.120. 123 Abbiamo chiamato questo Arlecchino “l’edizione dell’addio”, ed è un addio che noi diamo ad una nostra

avventura teatrale antica, ma sempre rinnovata nel tempo. Noi, quelli che siamo rimasti di una compagnia nata nel

1947, ci sentiamo il simbolo dei tanti interpreti che hanno dato vita ai personaggi di un testo e di uno spettacolo

certamente straordinario nella sua vitalità e nella sua capacità di rifarsi diverso, pur restando fondamentalmente lo

stesso. STREHLER, Giorgio. Appunti di Regia. p. 05. Disponível no site do Piccolo Teatro di Milano

http://archivio.piccoloteatro.org/eurolab/

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Nunca tanto quanto nessa edição, o Arlequim servidor de dois patrões foi um trabalho de grupo. É o grupo que agora são ex-alunos que “jogam” com o espetáculo e com eles mesmos, em duas, três, quatro companhias diferentes, que se misturam, se substituem, se repetem, se amam e se contrastam. É certo que cada um deles tem seu espaço, mas o que importa tanto para nós como para eles é a vida do espetáculo-texto que transcende qualquer pessoa, e que deve começar em um certo ponto e acabar, necessariamente em outro, sem interrupções nem hesitações. Em suma, ao se tornar um ato coletivo o teatro conquistou um valor maior do que a singularidade124.

O Arlequim servidor de dois patrões de Strehler esteve no Brasil por três

vezes. Esta edição, em particular, foi apresentada na cidade de São Paulo no ano de

1989.

Enrico Bonavera, ator que naquela época trabalhava mais vinculado às

propostas do “Terceiro Teatro”125 e tinha aulas com Ferruccio Soleri, ficou interessado

no trabalho de Strehler, sobretudo no que dizia respeito às pesquisas relacionadas à

commedia dell’arte e, foi por indicação desse último que ingressou nesta edição

strehleriana de Arlequim, na qual inicialmente fez um criado que auxiliava dentro e

fora da cena, o que na proposta de Strehler ressaltava o caráter metateatral da

encenação.

A edição seguinte do espetáculo foi chamada de Edizione di Buongiorno

(Edição de Bom dia) – 1990/1991, pois nela apenas permaneceram os jovens atores

e atrizes que estavam finalizando a primeira turma126 da escola do Piccolo Teatro e

que haviam acompanhado alguns ensaios das encenações desenvolvidas por

Strehler.

124 Mai come in questa edizione l’Arlecchino servitore di due patrone è stato un lavoro di gruppo. É il gruppo degli

ormai ex allievi che “giocano” con lo spettacolo e con loro stessi, in due, tre, quattro compagnie diverse, che si

mescolano, si sostituiscono, si ripetono, si amano e si contrastano. Ognuno certo ha il suo spazio, ma ciò che conta

per noi e per loro è la vita dello spettacolo-testo, che va al di là di ogni singola persona e che deve incominciare

ad un certo punto e finire ineluttabilmente ad un altro, senza arresti né esitazioni. È insomma il teatro diventato

atto collettivo che ha valore, più della singolarità (tradução nossa). STREHLER, Giorgio. Appunti di Regia

Arlecchino, p. 08. Disponível no site do Piccolo Teatro di Milano http://archivio.piccoloteatro.org/eurolab/ 125 Esta definição foi forjada por Barba em meados da década de 1970. Referia-se, inicialmente, a grupos teatrais

que desenvolviam suas atividades de pesquisas e processos de criação fora do contexto do teatro institucionalizado.

“A dificuldade de compreender a natureza do Terceiro Teatro tem raízes na tentativa de encontrar uma definição

unitária, que fixe o sentido de uma realidade teatral distinta. Mas o Terceiro Teatro se define precisamente pela

ausência de um sentido comum. É o conjunto de todos aqueles teatros que são, cada um para si mesmo, construtores

de sentido, e, cada um dos quais, portanto, define de forma autônoma o próprio sentido pessoal da ação de fazer

teatro - aquilo a que Jouvet chamava “ a herança de nós para nós mesmos”. O mais importante, no entanto, é que

define o sentido de herança, encarnando-os em atividades precisas, em uma identidade profissional bem

diferenciada”. BARBA. Eugenio. Além das Ilhas Flutuantes. Campinas: HUCITEC, 1991, p. 214. 126 A primeira turma da escola do Piccolo Teatro recebeu o nome de Jacques Copeau.

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Arlequim continuava sendo Ferruccio Soleri, mas a maior parte do elenco

era nova. Nessa edição, Strehler duplicou a figura do velho Pantaleão, um dos quais

foi feito por ele mesmo aparecendo apenas em uma das cenas. Foi uma espécie de

celebração entre os alunos da escola e os artistas que haviam participado da formação

desses atores, como por exemplo, Soleri, que foi professor na escola. A respeito dessa

encenação Soleri complementa:

Com a Escola, Strehler pensou em fazer essa edição dos Jovens como apresentação de formatura; é a juventude que segue o velho mestre deste Arlequim no qual Strehler habilmente, sabendo que nem todos os estudantes estavam à altura de atuar em papéis importantes – pelo menos quatro papéis são importantíssimos – jogou com os personagens fazendo-os duplos, triplos e até mesmo quádruplos que roubam os papéis uns dos outros, criando certa rivalidade no jogo porque enfatiza a vontade de todos de fazer o Arlequim... Ele foi muito astuto ao fazer essa mistura para que os defeitos e as qualidades ficassem equilibrados. E o espetáculo funciona e, mais do que isso, é divertido127.

Esta última edição foi a culminância do processo de formação da primeira

turma da Escola do Piccolo Teatro. A respeito dela Strehler recordava:

... o eterno jogo continuava, a aventura da máscara, os equívocos do amor, a fome, as refeições esperadas e consumadas, só que daquela vez quem os levava adiante eram os alunos de nossa Escola de Teatro. E hoje, em continuação, muitos deles permaneceram, não mais como alunos, mas, por direito, inseridos como profissionais. A ligação física com a história foi – e é dada – pela presença de um único grande ator, que permaneceu no elenco deliberadamente para ser um ponto de referência concreto, o Arlequim de ontem e de hoje: Ferruccio Soleri. Afinal, a formação desses jovens deve-se, também a ele. Falo de formação e não de ensinamento. Por três anos parte de nós envolveu seu tempo e paixão para ajudar “outros” a se dedicarem ao teatro. Um teatro que não fosse somente um ofício, mas sim um “modo de ser no mundo”. Em algumas breves anotações sobre a Escola do Teatro, no início, eu escrevi: “queríamos que esta preparação para o teatro servisse também para a vida. Quem não fizer teatro, depois desta escola, não terá perdido seus dias em vão”128.

127 Con la Scuola, Strehler ha pensato a questa edizione dei Giovini come saggio di diploma; è la gioventù che

segue il vecchio maestro di questo Arlecchino dove Strehler furbescamente, non essendo gli allievi tutti all’altezza

di recitare ruoli importanti – almeno quattro ruoli sono importantissimi – ha giocato con i personaggi facendone

doppi, tripli e spesso quadrupli; i rubano le parti, c’è una certa rivalità nel gioco perché tutti vorrebbero fare

l’Arlecchino…È stato molto astuto nel mescolarli di modo che i defetti e i pregi venissero equilibrati. E lo

spettacolo funziona, anzi è divertente (tradução nossa). SOLERI apud COLLE, 1993, p. 120.)

128 “… continuava l’eterno gioco, l’avventura della Maschera, gli equivoci d’amore, la fame, i pranzi sperati ed

avverati, ma quella volta chi li portava avanti erano gli allievi della nostra Scuola di Teatro. E, oggi, a continuare,

ci sono rimasti molti fra loro, ormai ex allievi, ormai entrati, di diritto, nella professione. Il legame fisico con la

storia era- ed è – dato dalla presenza di un solo grande attore, volutamente rimasto lì, per essere un punto di

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Em relação às encenações de Arlequim Servidor de Dois Patrões Strehler

afirmou:

... com a minha direção Arlequim servidor de dois patrões de Goldoni, teve várias edições, ora semelhantes a dele, ora totalmente diferentes, não no espírito, mas na forma, de modo que a cada cinco ou seis anos o público assistiu a outro espetáculo, não a cópia do precedente, não o seu oposto, mas sua continuidade dialética, igual e heterogêneo ao mesmo tempo. Como a vida 129.

Figura 11 – Edição de Buongiorno Strehler na figura duplicada de Pantaleão (Arquivo do Piccolo Teatro di Milano-Teatro d’Europa)

A liberdade improvisacional de Strehler nasceu das experimentações

oriundas das encenações de Arlequim Servidor de Dois Patrões gerando uma

riferimento concreto, l’Arlecchino di ieri e di oggi: Ferruccio Soleri. Del resto, questi ragazzi, appartengono come

formazione anche a lui. Parlo di formazione e non di insegnamento. Per tre anni una parte di noi ha dedicato tempo

e passione ad aiutare “altri” a votarsi al teatro. Un teatro che non fosse solo un mestiere ma “un modo di essere”

nel mondo. In qualche breve appunto sulla Scuola di Teatro, all’inizio, ho scritto:” vorremmo che questo

ammaestramento al teatro servisse anche per la vita. Chi non farà teatro, dopo questa scuola, non avrà perso invano

i suoi giorni” (tradução nossa). STREHLER, Giorgio. Appunti di Regia Arlecchino. (26/10/1990). Disponível no

site do Piccolo Teatro di Milano http://archivio.piccoloteatro.org/eurolab/ 129 “… dell’Arlecchino servitore di due patrone di Goldoni, con la mia direzione, ha avuto edizioni diverse, talvolta

simili, talvolta totalmente diverse, non nello spirito ma nella forma, cosicchè almeno ogni cinque o sei anni il

pubblico ha visto un altro spettacolo, non la copia del precedente, non il suo contrario, ma la sua continuità

dialettica, uguale e differente al tempo stesso. Come la vita” (tradução nossa). STREHLER, Giorgio. Appunti di

Regia Arlecchino,1984. Disponível no site do Piccolo Teatro di Milano http://archivio.piccoloteatro.org/eurolab/

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característica muito pessoal da commedia dell’arte que se manteve presente de forma

determinante em todas as suas encenações. Parece contraditório falar de liberdade

improvisacional nos processos de direção de um encenador que só se debruçou sobre

obras dramáticas, mas talvez essa seja uma das razões que o aproximam ao mesmo

tempo do trabalho dos cômicos dell’arte e dos processos de Stanislávski. Em ambos,

a liberdade improvisacional dos atores tinha a intenção de apropriação do texto e de

uma verdadeira vivência do processo de construção da encenação sem se fechar,

necessariamente, em um estilo teatral específico.

A modalidade de trabalho com os atores passou a ser uma das

características da poética de Strehler. Assim, o caráter improvisacional auxiliava os

atores a se apropriarem do texto sem ilustrá-lo enquanto iam descobrindo suas

potencialidades e recursos gerados de estímulos criativos específicos.

As inovações que surgiram nas encenações de Strehler estão ligadas a

formas de interpretar uma obra para a cena cujas peculiaridades acabaram por definir

seu fazer teatral como o de um teatro executado e explorado com base no texto

dramático e na maneira com que direcionou os elementos da tradição teatral para

torná-la concreta.

O nome de Strehler não é diretamente associado a uma pedagogia teatral

específica. Ele é mais comumente lembrado como um grande diretor de espetáculos

e, raramente, é colocado dentre os grandes encenadores-pedagogos do século XX.

No entanto, apesar de afirmar que não teve a pretensão de desenvolver um método,

percebe-se a maestria com que conduzia seus atores nos processos de criação

propostos com a intenção de que todos se colocassem em jogo. Isto ficava evidente

na maneira com que equalizava o trabalho dos atores que vinham de diferentes

formações gerando uma clara unidade de atuação.

Conforme relembra Giorgio Bongiovanni130, as aulas da escola de teatro

ocupavam o dia inteiro, e no período da noite e nos finais de semana acompanhavam

os processos de encenação dirigidos por Strehler. Para Bongiovanni, esse era um

aprendizado extremamente importante, pois ao se colocar em jogo com os atores,

Strehler apresentava a eles um modo bem particular de direção, movido pela paixão

130 Giorgio Bongiovanni(1966): ator e diretor, formado na Primeira Turma da Escola de Teatro do Piccolo Teatro

di Milano. Interpreta Pantalone na versão atual do espetáculo Arlequim Servidor de Dois Patrões, sob a direção

de Giorgio Strehler.

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pelo teatro, por um conhecimento da tradição teatral e pelo desejo de transformá-la e

desenvolvê-la131.

Em relação ao trabalho com os atores e ao desejo de atuar, Strehler

afirmava:

Creio que compreendo melhor seus temores, sofrimentos, problemas, que também têm sido os meus. Enquanto encenador, investi uma grande energia para ajudá-los a avançar. Interpretar com os atores é minha maneira de ser encenador. E, pessoalmente, teria dificuldade de fazer de outro modo [...]. Tenho necessidade de idas e vindas incessantes da plateia ao palco e do palco à plateia [...]. Dou muito de mim mesmo nos ensaios para gerar uma tensão criativa que permite um grande espaço à mudança. Não imponho nada, proponho, mostro. Geralmente, atuo em vez de explicar, digo o texto para indicar um ritmo, o que surpreende os atores que dirijo pela primeira vez. Gosto de trabalhar com atores que refutam, rechaçam minhas propostas e, de algum modo, me impelem para onde eu não havia pensado em ir. Gosto também que me façam propostas que eu também posso refutar. A improvisação está na base de nosso trabalho. Os atores se desenvolvem desde que consigam se liberar e entrar no jogo da improvisação: são momentos de felicidade criativa também para mim. Mas não pode ser sempre assim. Ali habitam a grandeza, a danação e a disciplina do teatro. O jogo e a invenção criativa devem ser sempre fixados, reproduzidos, ou aquele que inventou não se lembrará mais ou não conseguirá mais recuperar o que fez. Meu papel é então registrar e tornar consciente o que surgiu de nosso confronto132.

Segundo os relatos a respeito desse processo o texto que comporia a

encenação ia surgindo aos poucos. Por ser extremamente exigente, Strehler acabou

sendo citado como um exemplo não só dos processos de direção como também de

uma forma de aprendizado que se baseia no que é visto, refeito e reelaborado

ultrapassando as fronteiras de uma sala de aprendizagem.

De acordo com Giorgio Bongiovanni, essa experiência foi um privilégio e

permanece numa geração de atores e artistas que tiveram a possibilidade de

acompanhar os processos de Strehler. A célebre encenação de Arlequim é referência

no mundo inteiro e reverbera no imaginário de gerações.

As pesquisas sobre as máscaras feitas em parceria com Amleto Sartori e

Jacques Lecoq, posteriormente continuadas por Donato Sartori133 (no que se refere à

131 Entrevista BONGIOVANNI, Giorgio. Entrevista concedida a autora desta pesquisa, Milão: julho de 2015. 132 TANANT, 2015, p.29-30 133 Donato Sartori (1939- 2016): Frequentou o ateliê de seu pai, Amleto Sartori, em Padova, e seguiu seus caminhos

artísticos. Foi um dos maiores escultores e pesquisadores da máscara. Especialista e pioneiro no resgate da máscara

em couro da commedia dell’arte. Em 1979, ao lado do cenógrafo Paolo Trombetta e da arquiteta Paola Piizzi,

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criação e à construção das máscaras), ainda são referência para metodologias atuais

do trabalho do ator.

Ainda em concordância com Bongiovanni ator do espetáculo Arlequim

servidor de dois patrões há mais de 25 anos (atualmente na máscara de Pantaleão):

a experiência de frequentar a escola do Piccolo foi intensa, não só por ter aulas com

os grandes atores e pesquisadores italianos, mas também por poder acompanhar, nos

períodos extraclasses, a habilidade de Strehler em conduzir os ensaios. Inesquecível

experiência para Bongiovanni que, além de lhe trazer grandes ensinamentos, lhe deu

noções de um fazer teatral muito além dos que se pode encontrar nos livros didáticos

e na escola. Bongiovanni ainda afirma, “muito do que sou hoje, devo a esses

momentos”. Esta afirmação vai ao encontro das palavras de Strehler que afirmava:

“sempre pensei e proclamei que o espaço do ensaio é o melhor espaço de

transmissão”134.

A possibilidade de um ator/atriz percorrer diferentes personagens na obra

durante sua trajetória artística é um dos fatores que chama muito atenção, e no meu

entendimento, refere-se à formação do ofício em cena. Um jovem aprendiz da arte da

interpretação que inicia como um contrarregra que auxilia todo o processo da atuação,

devido a sua presença constante no ambiente de trabalho, tem grande possibilidade

de no decorrer de sua vida artística atuar em cena como um jovem apaixonado e ou

um velho avarento, Pantaleão. Arlequim servidor de dois patrões é um espetáculo

generoso no processo de formação, pois conjuga atores já experientes e reconhecidos

no teatro mundial com jovens aprendizes. Isso nunca foi tomado como regra, mas

durante toda a trajetória de vida deste espetáculo, o percurso por ele traçado o levou

a essa prática constante.

As diferentes edições de Arlequim servidor de dois patrões, de Strehler

foram apresentadas em todos os continentes e é o espetáculo mais assistido e

fundou o Centro Maschere e Strutture Gestuali, um centro multidisciplinar que estuda os vários aspectos

etnológicos, antropológicos e espetaculares que envolvem a Máscara. Em 2005, com um espetáculo de Dario Fo,

inauguraram o Museu Internacional da Máscara Amleto e Donato Sartori em Abano Termi, que narra a história do

homem por meio das máscaras. Colaborou com importantes grupos e artistas do mundo todo, como: Living

Theatre, Bread and Puppet, Kantor, Peter Brook, Eduardo de Filippo, Giorgio Strehler, Lecoq, Dario Fo, Ferrucio

Soleri, Enrico Bonavera, Peter Oskarson, com atores dos teatros Kyogen e Nô Japonês e com diversos outros

artistas. 134 STREHLER in TANANT, 2015, p.96

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apresentado da história do teatro do século XX135. Neste ano completa 70 anos desde

sua primeira apresentação. A edição que permanece em cartaz foi elaborada por

Giorgio Strehler em 1997 para a comemoração do cinquentenário do Piccolo Teatro.

Todos os atores que entrevistei para a realização desta pesquisa referem-

se a Arlequim Servidor de Dois Patrões como um espetáculo fundamental na história

do teatro italiano. Afirmam ainda, que essa obra não projetou apenas Strehler e o

Piccolo Teatro, mas a Itália inteira e toda a geração de atores e atrizes que por ele

passaram.

135 Arlecchino servitore di due patroni, narrato da Giorgio Strehler e Ferruccio Soleri. Direção: Chiara Boeri.

Disponível no youtube em https://www.youtube.com/watch?v=RLBV9ihDtYI

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CAPÍTULO III

O JARDIM DAS CEREJEIRAS

“Hoje é simplesmente necessário aproximar-se – com humildade e objetividade – das fontes. Não é, hoje, a ‘mitologia’ que interessa – mas ‘o homem’. O homem e seus instrumentos de trabalho. O homem e seus ensinamentos. Compartilhados de um homem a homens – não de um santo a discípulos. É justamente aqui que estas páginas de ‘trabalho sobre o personagem’ adquirem um valor emblemático. Aqui se vai para bem longe de ‘teorias’ carismáticas. Aqui se fala de trabalho cotidiano, de difíceis descobertas diárias, de reflexões estreitamente ligadas à praxis do palco.”136

(Giorgio Strehler)

O Jardim das Cerejeiras, peça de Anton Tchékhov137, teve duas

encenações, e entre elas um hiato de 20 anos (a primeira edição é datada de 1954 e

a segunda de 1973). Na primeira, Strehler explorou as “palavras amargas” de uma

geração e de uma sociedade incapazes de enfrentar as mudanças de uma época138,

e parece ter seguido à risca a ilustração do texto, sem muito espaço para criação dos

atores/atrizes e do diretor. A encenação teve um caráter luxuoso e declamatório. Na

segunda139, Strehler estudou a encenação de Georg Pitöeff140 e buscou se afastar de

tal referência. Discordava do tom acinzentado e com poucos móveis dado à

136 STANISLAVSKIJ. Konstantin. Il lavoro dell’attore sul personaggio. Trad. Fausto Malcovati. Bari: Laterza.

Bari, 1993. Prefácio de Giorgio Strehler. (p.VII) 137 Anton Pavlovitch Tchékhov (1860-1904): escritor, dramaturgo e médico. Reconhecido mundialmente por sua

dramaturgia e contribuições com o Teatro de Arte de Moscou. Considerado um dos mais importantes contistas

russos do início do século XX. Para Tennessee Williams “Anton Tchekhov é considerado o primeiro e maior

dramaturgo moderno”. apud BETTI, Maria Silvia. Projeções tchekhovianas no teatro norte-americano. In

Cavaliere, Arlete; VÁSSINA, Elena (orgs). Teatro Russo: literatura e espetáculo. São Paulo: Atelier Editorial,

2011 p.270. 138 Il Piccolo Teatro di Milano – 1947-2008. Catálogo de comemoração dos 60 anos do Piccolo Teatro.p.22. 139 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=DRBdCO03n7U (ParteI-RAI) e

https://www.youtube.com/watch?v=Nk1FxwCAaa0 (Parte II -RAI) 140 Georg Pitöeff (1884-1939): Diretor e produtor teatral; um dos quatro membros fundadores de O Cartel, coletivo

dedicado a buscar novas propostas para o teatro francês.

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encenação, na qual se ressaltava apenas a atmosfera das palavras da obra de

Tchékhov141, como ele mesmo havia concebido em sua primeira edição da obra.

Da segunda vez142, mais maduro em seu ofício e consciente das

transformações necessárias às encenações de obras clássicas, Strehler percebeu

que deveria repensar e atualizar seu modo de criação, fugindo dos clichês de

concepção artística. Procurou escapar da mera ilustração cênica, ou seja, da simples

descrição/exposição das situações propostas pelo texto. Escolheu abordar as

situações em sua complexidade, em um jogo refinado e diversificado.

A edição de O Jardim das Cerejeiras que estreou na temporada de 1973-

74, permaneceu no repertório do Piccolo Teatro até a temporada de 1977-78. Na

revisita à obra de Tchékhov, Strehler ampliou seu caráter questionador e o espírito

crítico e investigativo da primeira encenação que havia apresentado.

Strehler parece ter se valido do clichê da edição anterior, na qual apostara

em reproduzir o original com bastante fidelidade, para se lançar em direção a um

estudo mais detalhado do texto e em busca dos aspectos trágicos, irônicos e cômicos

aos quais Tchékhov expõe as personagens e, consequentemente, os espectadores.

Nesta montagem Strehler deixa claro que encenar Tchékhov não implica na exclusão

da alegria e do riso e apresenta as variações de humor próprias da natureza humana,

o que aproxima os atores e atrizes das personagens e estas de seus espectadores.

Assim amplia o olhar sobre a questão que aborda maneiras de pensar, sentir ou agir

diferentes que os seres humanos tendem a ter, e apresenta as personagens que

transitam entre as memórias da infância, as perdas, as conquistas, mas também a

aceitação do curso da vida. Mostra a influência do caráter social e as diferentes faixas

etárias e se reporta às transformações sofridas por essas pessoas em função do

tempo e de uma sociedade em decadência.

Outro aspecto a ser considerado nesse espetáculo é a relação com alguns

dos elementos que compõem o sistema de K. Stanislávski. O jardim das Cerejeiras foi

escrito em 1903 e teve sua primeira encenação em 1904, no Teatro de Arte de

141 STREHLER, Giorgio. Appunti di regia di Il Giardino dei ciliegi, 1974. Disponível no arquivo digital do

Piccolo Teatro di Milano http://archivio.piccoloteatro.org/eurolab 142 O material utilizado como referência a respeito desta encenação são os apontamentos de direção de Strehler,

que datam de 1974; matérias de jornais da época e o registro em vídeo feito pela RAI do espetáculo O Jardim das

Cerejeiras; além de um restrito número de materiais bibliográficos.

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Moscou, com a direção de Konstantin Stanislávski143. Um dos temas principais

abordados nessa obra é o efeito que as mudanças sociais exercem sobre as pessoas.

Tal aspecto estava em concordância com o fazer teatral de Strehler o que, com

certeza, o impulsionou a se interessar por esta peça. Foi através das encenações que

fez das obras de autores russos144 que Strehler tornou evidentes elementos das

metodologias e das abordagens da direção teatral lançadas por K. Stanislávski.

No texto de Tchékhov, as personagens não se rebelam, não buscam

transformações concretas para o futuro. Por mais que suas falas expressem as

conquistas do passado, vivem o presente na tentativa de buscar estratégias para

evitar grandes transformações, aceitam o destino e o futuro desconhecido. O sonho

parece ter sido o que foi vivido, não o que está por vir. Todas as mudanças são aceitas

e muitas vezes são a única alternativa para fazer mover algo que parecia estagnado.

De modo geral, os personagens nas obras de Tchékhov são existenciais.

Por muito tempo a dramaturgia de Tchékhov quando encenada levava a

Stanislávski, como meio de compreensão das circunstâncias da obra e de

conhecimento de alguns elementos do sistema que se potencializaram na dramaturgia

dele. A montagem de O Jardim das Cerejeiras145 com a direção de Stanislávski foi um

143 Segundo Stroeva, para Stanislávski: “O jardim das cerejeiras soa como uma história trágica da mudança de

épocas e de gerações na vida da sociedade russa. A mudança pode ser necessária, mas certamente cruel, quando

as pessoas são forçadas a destruir umas às outras. O trágico da inércia das peças tchekhovianas anteriores é

substituído aqui pelo trágico da ação, a qual não carrega a libertação do ser humano. A única ação possível é

desumana. As reformas burguesas no país são necessárias como é necessário o ‘metabolismo’ na natureza, mas

elas fatalmente carregam consigo a destruição do refinamento da poesia, da alta cultura, agora ninho da nobreza

em decomposição. Para o passado a libertação humana permanece admirável, mas está longe de uma perspectiva

futura”. Tradução direta da língua russa feita por Michele Almeida Zaltron e Nair D’Agostini. (STROEVA, 1973,

p.122) STROEVA, M. N. As investigações de direção de Stanislávski: 1898-1917. Moscou: Nauka,

1973.Marianna Stroeva (1917-2006) – Crítica e historiadora de teatro. 144 Giorgio Strehler encenou as seguintes obras de autores russos enquanto esteve à frente do Piccolo Teatro di

Milano: L’Abergo dei poveri (1947), de Máximo Gorki; Il revisori (1952-53), de Nikolai Gógol e L’Uragano

(1947-48), de Alexander Ostrowski, além das obras de Anton Tchékhov. 145 Stroeva, referindo-se à montagem de Stanislávski de O jardim das cerejeiras, afirma: “Três gerações da Rússia

- o seu passado, presente e futuro - passam diante do olhar mental do diretor. Ele as investiga objetivamente e sob

todos os aspectos, percebe as contradições dialéticas internas de cada grupo, revela sua dignidade e suas limitações,

desvela o lado cômico da situação trágica e o trágico das pessoas ridículas e inúteis. Em tais complexos

entrelaçamentos polifônicos desenvolvem-se melodias independentes da vida de Ranevskaia, de Lopakhin, de

Petia, de Trofimov e de todas as pessoas mais próximas a eles. A primeira - a melodia do passado – não é real, é

insustentável e tênue como uma flor de cerejeira que passa voando. A última [a melodia do futuro] – ainda não é

real, ainda é insustentável e abstrata em sua entusiasta retidão e aspiração superficial no futuro. A única melodia

real são os golpes do machado de Lopakhin, que derruba as cerejeiras e prega portas e janelas da casa, onde

"esqueceram um ser humano". Traduções de Michele Almeida Zaltron e Nair D’Agostini (STROEVA, 1973,

pp.122-123) STROEVA, M. N. As investigações de direção de Stanislávski: 1898-1917. Moscou: Nauka,

1973.Marianna Stroeva (1917-2006) – Crítica e historiadora de teatro.

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referencial146 para que Strehler buscasse compreender as propostas do sistema147 e

os indícios esboçados para o surgimento de uma nova abordagem da pesquisa teatral.

Mais uma vez, a prática em seus procedimentos e os elementos

transformadores da tradição teatral ajudaram Strehler a compreender esse legado e

a perceber a base sólida dos processos de criação artística do diretor russo. Nos

estudos de Strehler para a encenação de O Jardim das Cerejeiras pode-se observar

a similitude com o sistema criado por Stanislávski. Cabe mencionar que, de acordo

com a opinião de Vássina, “o sistema de Stanislávski não é uma obra acabada, um

conjunto fixo de regras e exercícios; sempre foi um projeto em expansão, orgânico,

dinâmico e crítico”.148 Esta é mais uma das evidências que reforça a coerência da

relação entre os dois.

Strehler não se utilizou de uma terminologia que remetesse diretamente a

Stanislávski, nem mesmo criou uma, mas suas práticas de direção estavam centradas

nos processos de criação dos atores e do diretor por meio do jogo com o texto para a

criação de ações em situação, e não em uma mera ilustração, para compor a fala

usada na declamação de um texto. Ao contrário, mais uma vez, buscou a retomada e

ressignificação da herança teatral deixada por Stanislávski.

O processo adotado por Strehler como estudo da obra a ser encenada

assemelhou-se, portanto, aos procedimentos empregados por Stanislávski que se

debruçava por um longo período sobre a análise do desenvolvimento da ação “para

penetrar na psicologia das personagens, por meio da análise de seu conteúdo,

determinando o tema, o superobjetivo, a ideia, a linha transversal de ação, as

circunstâncias dadas”149. Entretanto, Strehler manteve uma estreita relação com o

texto, preservou a fidelidade das situações, sem intervenções ou cortes, pois, de

acordo com ele, na obra de Tchékhov isso era imprescindível.

146 Giorgio Strehler encenou as seguintes obras dramáticas de Anton Tchékhov: A Gaivota (1948-49), Platov e

outros (1958-59) (a tradução em português também é conhecida como Platanov ou o Orfão ou Peça Sem Título)

e O Jardim das Cerejeiras (1954-55) e (1973-74). 147 Cabe lembrar que Stanislávski passou a organizar o sistema somente alguns anos após a morte de Tchékhov.

No entanto, questionamentos e realizações surgidos no seu confronto com a dramaturgia tchekhoviana

permaneceram como um dos aspectos do complexo conjunto de referências que formariam o seu sistema 148 VÁSSINA, Elena. AIMAR, Labaki. Stanislávski Vida, obra e Sistema. Rio de Janeiro: Funarte, 2015, p. 17. 149 D’AGOSTINI. Nair. O método de Análise Ativa de K. Stanislávski como base para a leitura do texto e da

criação do espetáculo pelo diretor e pelo ator. São Paulo, 2007, p.251 f. Tese (Doutorado em Literatura e Cultura

Russa) – FFLCH-USP. p.36. Optou-se pela utilização desta referência por estar diretamente ligada ao meu

aprendizado em relação ao sistema de Stanislávski e por oferecer traduções diretas de diversos textos russos

significativos em relação aos desenvolvimentos do sistema.

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A elaboração de um novo projeto para seu espetáculo colocou Strehler

frente a um profundo mergulho na obra e nas convicções de Tchékhov buscando

aproximá-las de questões sociais pertinentes à sua época. Como tinha também

conhecimento da importância histórica da versão apresentada por Stanislávski,

Strehler procurou conhecer os caminhos percorridos por este diretor russo para

buscar pontos de convergêngia com a obra de Tchékhov que, ao complementar suas

informações, pudesse satisfazer seus próprios desejos e crenças teatrais baseados

em um teatro mais humano capaz de expor as dores e alegrias mais íntimas dos

homens e propiciar a repercussão delas no convívio social. A preocupação de Strehler

com o tratamento dado ao verdadeiro sentido de humano denotava sua incansável

perseguição artística.

Em sua opinião sobre o autor, Stanislávski afirmava:

... Tchékhov apresenta-se inesgotável, porque, apesar da aparente descrição da vida trivial, em seu leitmotiv (motivo condutor) principal, ou seja, espiritual, ele sempre fala sobre o Humano com maiúscula”150.

Tanto Stanislávski quanto Strehler partiram de uma visão de ator que foi se

transformando dentro da base estabelecida à concretização de seu fazer artístico,

sempre atentos a toda uma tradição teatral que marcou suas épocas e que repercute

até hoje nos padrões e nas inovações da arte teatral. Esta ênfase dada aos processos

criativos do ator remete ao processo de análise ativa151 proposto por Stanislávski.

O processo de imersão na obra a ser encenada foi um atributo muito forte

no percurso teatral de Giorgio Strehler. Não haveria encenação se Strehler não fosse

movido por uma paixão quase que fulminante de desvendar a obra. Como para ele a

renovação era uma premissa, o que já foi enfatizado anteriormente, os desejos iniciais

em relação à criação do espetáculo iam sendo modificados e aprimorados de acordo

com as necessidades que surgiam ao longo do processo. O jogo de encenação era

iniciado com a escolha da obra, e nesse pequeno espaço entre Strehler e a

criatividade, autor e texto iam se infiltrando todos os elementos do espetáculo, em

150 K. Stanislávski. Minha vida na Arte. in Elena Vássina. Um clássico contemporâneo da literatura russa.

Revista Cult (formato digital). Disponível em https://revistacult.uol.com.br/home/anton-pavlovitch-tchekhov/ 151 Análise ativa foi um método experimentado e desenvolvido por Stanislávski em seus últimos anos de vida.

Consiste num método capaz de acionar o pensamento criativo do diretor e do ator, gerando um processo de

conhecimento da estrutura da ação dramática que se completa e concretiza na prática através do processo de criação

do ator que envolve todo seu aparato psicofísico. (D’Agostini. Nair. 2007, p.251)

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uma forma de justificar o texto para si, para os atores, para os espectadores e para

todos os colaboradores que participassem da montagem.

Evidencia-se aqui, mais uma vez, a semelhança entre as convicções de

Stanislávski e Strehler. Foi no entendimento de Stanislávski em suas próprias

experiências como ator e como diretor que as experimentações de Strehler foram se

solidificando. Stanislávski, assim como ele, possuía formação como ator o que foi um

fator decisivo para a dimensão teatral que seu sistema pôde atingir. É indispensável

ao sistema de Stanislávski que o diretor tenha conhecimento e domínio do ofício da

arte do ator/atriz, pois para o exercício da direção esse atributo saberá conduzi-lo e

acompanhá-lo durante o período de criação. Sem dúvida, o ator/atriz é a essência da

criação e, consequentemente, da encenação. O mesmo pressuposto se faz presente

nas perspectivas teatrais de Strehler, como uma herança desse mestre russo em suas

propostas de criação. Suas trajetórias se mesclam na imensa exigência da postura de

seus atores e atrizes no decurso da implementação de seus sistemas, pois suas

visões eram muito específicas quanto as ações precisas, diante de cada circunstância

proposta, o que exigia de seus elencos uma dedicação exclusiva e grande

conhecimento cultural e, particularmente, da obra a ser encenada

A atenção e a presença constante de seus atores e atrizes durante a fase

de desenvolvimento do espetáculo (dentro e fora da cena), a busca de subsídios que

os ajudassem a encontrar meios para descobertas de criação que pudessem ir além

do texto, o apuramento do sentido ritmo e plástico, o encontro do que estava

subtendido nas palavras do texto, o uso do acervo das experiências pessoais de cada

um na ação e no relacionamento com os demais, eram princípios que estavam ligados

às concepções de grandes diretores como os que aqui são enumerados.

Neste sentido, o contato de Strehler com as cartas de Tchékhov enviadas

a Nemiróvicth-Dâncthenko e a K. Stanislávski, bem como os registros da encenação

de O Jardim das cerejeiras, sob a direção de Stanislávski, foram fundamentais para

lhe dar a compreensão do universo tchekhoviano e a transformação e adaptação

possibilitadas por esse acervo à sua realidade artística.

Em um dos trechos de seus apontamentos de direção de O Jardim das

Cerejeiras, Strehler expressa seu desejo de representar Tchékhov de forma distinta à

apresentada por Stanislávski. De acordo com ele, “uma vertente mais universal-

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simbólica, mais aberta às solicitações fantásticas” e atenta à realidade plástica das

sugestões tchekhovianas No entanto, Strehler destaca a sua preocupação em não

cair em uma abstração cênica absoluta, pois isolar um ato de Tchékohv em uma cena

abstrata, em um vazio simbólico é impedir “realidade plástica à história”152.

3.1 A elaboração do espetáculo

A obra aborda uma família aristocrata russa que perde, em leilão, sua

propriedade rural da qual fazia parte um imenso cerejal. O cerejal representava um

símbolo das alegrias e das riquezas da família, pois durante muito tempo a

propriedade foi sede de bailes, festas e saraus nos quais se ostentava toda a fortuna

e o prestígio que tinham na sociedade. A peça mostra uma família em decadência que

revive seu passado durante a despedida da propriedade que precisa ser vendida e,

com isso, todos sofrem o baque de transformações inevitáveis do tempo, em seus

mundos particulares e na sociedade em que vivem, como, por exemplo, a expansão

das classes menos favorecidas. A peça se inicia com a chegada da proprietária e sua

filha à propriedade e se encerra com a partida de todos da casa, deixando para trás,

esquecido, o velho criado Firs. Simultaneamente à partida, ouve-se um som que indica

que o cerejal está sendo posto abaixo, destruído, em função do progresso dos novos

tempos que surgem.

Strehler definiu a problemática do contexto da obra de Tchékhov como o

que ele denominava de “as três caixas chinesas”: uma dentro da outra, com estreito

contato entre elas: a última contém a penúltima, a penúltima a primeira.

À primeira caixa pertencia o verdadeiro, “do verdadeiro possível no teatro”,

de acordo com as palavras do próprio Strehler, com acontecimentos que se

aproximam da vida das pessoas que assistem ao espetáculo, ou seja, uma história

humana, com encontros, com atmosferas identificadas pelo espectador e com reações

e temperamentos que vão sendo transformados. Para Strehler a aventura

tchekhoviana apresentada nessa primeira caixa em O jardim das Cerejeiras era

definida da seguinte forma:

152 STREHLER, Giorgio. Appunti di regia di Il Giardino dei ciliegi, 1974,. Disponível no arquivo digital do

Piccolo Teatro di Milano http://archivio.piccoloteatro.org/eurolab

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É uma belíssima história humana, é uma aventura humana emocionante. Nesta primeira caixa, conta-se a história da família de Gaev e de Liubov, dentre outros. É uma história verdadeira que se coloca de forma clara na história e na importância da vida, mas o seu interesse é mesmo demonstrar como vivem realmente os personagens e onde vivem153.

Segundo Strehler, na segunda caixa percebe-se o objetivo da história, vê-

se a história pela realidade da família e não como fantasia. Nela apresenta-se o tema

de uma forma mais próxima dos conflitos sociais.

Aqui interessa mais o movimento das classes sociais em uma relação dialética estabelecida entre elas. As alterações dos temperamentos e de situações como mudanças de propriedade. Os personagens são obviamente “gente humana”, com temperamentos individuais determinados154.

A terceira caixa apresenta a vida, a condição humana, o homem e sua

trajetória. Apresenta, enfim, o caráter universal da peça e a problemática proposta.

De acordo com os relatos do próprio Strehler, uma “eterna parábola (pelo tanto de

eterno que possa existir no breve curso do homem sobre a terra)”155. Aqui as

personagens são vistas, não somente na realidade de um conto, na realidade de uma

história “política” que se movimenta, como também em uma dimensão quase

“metafísica” em um tipo de parábola sobre o destino do homem.

Sobre a terceira caixa Strehler afirma:

A casa é “A casa” e os quartos são “Os quartos do homem” e a história torna-se uma grande paráfrase poética da qual não está ausente a narrativa, não está ausente a história, mas está toda contida na grande aventura do homem enquanto homem, carne humana que passa. Essa última caixa leva a representação a um aspecto “simbólico e

153 “È una storia umana bellissima, è un’avventura umana emozionante. In questa prima scatola si racconta dunque

la storia della famiglia di Gaiev e di Liubov, e di altri. Ed è una storia vera, che si colloca certo nella storia, certo

nella grande vita, ma il suo interesse sta proprio in questo suo far vedere come vivono davvero i personaggi, e

dove vivono” (tradução nossa). STREHLER, Giorgio. STREHLER, Giorgio. Appunti di regia di Il Giardino

dei ciliegi, 1974, p.04. Disponível no arquivo digital do Piccolo Teatro di Milano

http://archivio.piccoloteatro.org/eurolab 154 Qui interessa di più il muoversi delle classi social in rapporto dialettico tra di loro. Il mutamento dei caratteri e

delle cose come passaggi di proprietà. I personaggi sono certo loro stessi “gente umana”, con precisi caratteri

individuali. STREHLER, Giorgio. STREHLER, Giorgio. Appunti di regia di Il Giardino dei ciliegi, 1974, p.04.

Disponível no arquivo digital do Piccolo Teatro di Milano http://archivio.piccoloteatro.org/eurolab. ( tradução

nossa) 155 Idem

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metafisico alusivo”, não sei encontrar a palavra exata. Decanta-se do excesso anedótico, torna-se muito mais elevada…”156.

O conjunto das três caixas resultaria na representação complexa da

condição humana. Strehler, em seus apontamentos de direção de O Jardim das

cerejeiras destaca:

Porque todo grande poeta de qualquer época quando é um poeta de verdade, se move simultaneamente sobre três planos; e estes três planos só podem ser divididos para jogo ou para estudo, como o entomologista que secciona um ser vivo para lhe estudar algumas características in vitro.

Porque o estar vivo não é tangível em seu movimento e não pode ser atribuído a uma das suas características. É necessário assimilá-lo em conjunto para compreendê-lo. Os poetas são e nos dão imagens circunstanciais eternas, a história dialética (revolução e reação, mundo velho e mundo novo) e a história da aventura humana que toda ela também é uma coisa pequena que só dá significado a si mesma e ao seu amor, ou dor, ou alegria, e ao mesmo tempo História, membro implacável ao outro, dentro do contexto social e ao mesmo tempo “ser humano”, que leva adiante esta coisa estranha, profunda, misteriosa; sim, claro, também misteriosa, que é a vida do homem, do primeiro dia àquele que será o último. Uma representação “precisa” deve nos oferecer sobre o palco as três perspectivas unidas, ora deixando-nos ver melhor o movimento de um coração ou de uma mão, ora deixando a história dançar defronte aos nossos olhos, ora propondo-nos uma questão sobre o destino da nossa humanidade que nasce e deve envelhecer e morrer, apesar de todo o resto, incluindo Marx. Uma cena “precisa” deve ser capaz de vibrar como uma luz que se move entre os três requisitos...157.

156 Ibidem, p5. “La casa è “La casa” e le stanze sono “Le stanze dell’uomo” e la storia diventa una grande parafrasi

poetica da cui non è assente il racconto, non è assente la storia, ma una grande parafrasi poetica da cui non è assente

il racconto, non è assente la storia, ma è tutta contenuta nella grande avventura dell’uomo in quanto uomo, carne

umana che passa. Questa ultima scatola porta la rappresentazione sul versante “simbolico e metafisico allusivo”,

non so trovare la parola esatta. Sì decanta di molto aneddoto, diventa molto più alta” (tradução nossa). 157 Ibidem, p 05-06. “Perché ogni grande poeta di ogni tempo si muove, quando è veramente poeta, sui tre piano

contemporaneamente; e questi tre piano possono essere scissi solo per gioco o per studio, come l’entomologo che

seziona un essere vivente per studiare alcune caratteristiche sotto vitro. Perché l’essere vive, non è afferrabile nel

suo movimento e non è riconducibile ad una delle sue caratteristiche. Bisogna prenderlo tutto insieme, per saperlo.

I poeti sanno, e ci danno figure eterne e contingenti, la storia dialettica ( rivoluzione e reazione, mondo vecchio e

mondo nuovo) e la storia dell’avventura umana che è anch’essa tutto, piccola cosa che significa solo sé stessa e il

suo amore o dolore o gioia, e al tempo stesso Storia, membro irriducibile ad altro di un suo contesto sociale, e

nello stesso tempo “ essere umano” che porta avanti questa cosa strana, profonda, misteriosa; si certo anche

misteriosa, che è la vita dell’uomo, dal primo giorno a quello che sarà l’ultimo. Una rappresentazione “giusta”

dovrebbe darci sulla scena le tre prospettive unite insieme, ora lasciandoci vedere meglio il moto di un cuore o di

una mano, ora facendoci balenare davanti agli occhi la storia, ora ponendoci una domanda sul destino di questa

nostra umanità che nasce e deve invecchiare e morire, nonostante tutto il resto, Marx compreso. Una scena “giusta”

dovrebbe essere capace di vibrare come una luce che si muove alle tre sollecitazioni[…]”( tradução nossa)

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A imagem das “caixas” oferecida por Strehler traz a dimensão da obra de

Tchékhov. A visão da obra foi construída como fruto de uma leitura minuciosa e

detalhada que o fez chegar bem próximo do que K. Stanislávski definiu como

circunstâncias propostas.

D’Agostini define as circunstâncias propostas, segundo Stanislávski, da

seguinte forma:

Na sua prática, ele afirmou a expressão “circunstâncias dadas”, pois elas são propostas pelo autor, enquanto que o diretor e o ator as aceitam como uma máxima para a criação, por isso são dadas. Elas constituem um dos pilares básicos do sistema de K. Stanislávski que lhes atribuiu grande valor, pois elas envolvem todo o processo da criação, desde nossa posição e constituição como artistas, a escolha da obra, a sua análise, até as condições da criação e a criação em si158.

A definição precisa das circunstâncias propostas e a sua compreensão,

permitem encontrar o ritmo e as intenções de cada ação, o que, por sua vez, ajuda a

estabelecer as atmosferas propícias e o desenvolvimento da proposição do jogo. Um

tipo de abordagem detalhada que gera autonomia, tanto para os atores e atrizes como

para o diretor, para criar, adaptar e encontrar o diálogo necessário entre o processo

de criação e as indicações propostas pelo autor. Quando tudo isso é assimilado, outro

entendimento da obra e do fazer artístico começa a ser abordado, estruturado e a

ganhar vida através das descobertas do diretor e do elenco.

Strehler partia de um estudo detalhado de cada personagem, da

descoberta das paixões e das motivações pessoais buscando desafiar os atores para

se colocarem em jogo com a obra, com o espaço, com os objetos e com seus colegas,

e a agirem conforme as circunstâncias propostas; a buscarem a “verdade” em cena

colocando-se nesses contextos e evitando os clichês, a mera ilustração ou

declamação do texto. Nas propostas de Strehler em colocar o ator/atriz em

circunstâncias propostas identificamos a existência de uma identidade com as

pesquisas de Stanislávski definidas por este como études159.

158 D’AGOSTINI, 2007, p. 33 - 34 159 Études: exercícios de improvisação, de duração curta, sobre um determinado tema que têm a mesma estrutura

de um relato ou de uma obra teatral (apresentação, nó e desenlace), e que devem apresentar pelo menos um

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Dentro do sistema de Stanislávski os études são exercícios práticos de

improviso, investigação e desenvolvimento das situações dramáticas por meio de

ações físicas. Através deles, o ator, ao confrontar-se com as circunstâncias propostas,

apropria-se do universo da obra e dá aos acontecimentos uma evolução particular e

individual.

De acordo com D’Agostini:

Na criação do espetáculo, que parte de um texto dramatúrgico ou literário, a estrutura da obra obtida pela análise da ação desse material constitui o projeto do sistema do espetáculo, sendo esse o material de criação do ator. Essa estrutura, semelhante aos canovacci160, é composta de acontecimentos, que devem ser criados pelo ator através da prática dos études. [...] uma das etapas mais importantes é o momento em que o ator imerge na prática para a investigação da ação. Nessa fase, o conhecimento da obra realizado pelo diretor se une com a prática do ator pelo domínio de ambos do método das ações físicas. A essência consiste em que o ator crie cadeias de ações físicas, as quais fazem explodir o conflito e revelam a ideia, explicam em profundidade as inter-relações das personagens161.

A segunda edição de O Jardim das Cerejeiras ficou reconhecida pela

ambientação cenográfica totalmente branca: um grande tecido que cobria o palco em

toda a sua extensão e um tecido em formato de cúpula que invadia um pedaço da

plateia colocando o público como parte do imenso jardim repleto de folhas e flores que

simbolizavam o cerejal.

Em seu diário de ensaio de 21 de março, Strehler comenta uma carta de

Tchékhov, escrita em Yalta, na qual ele descreve as características do seu Jardim:

Nesta carta tem uma incrível concentração de tempo; ele fala de um jardim de verão branco, tudo branco, totalmente branco, e de senhores vestidos de branco. Depois de uma pausa acrescenta, “está nevando lá fora”. Extraordinária esta imagem dupla, verão-inverno, conectados num branco total. Este eterno branco do jardim sob as flores brancas da primavera e sob a neve do inverno. Assim me parece que O Jardim

acontecimento que faça modificar os objetivos que têm os personagens ao começar a atuar. SAURA, Jorge. (org)

E. Vajtángov: Teoria y Práctica teatral. Madrid: Realizacion Gráfica: Carácter S. A, 1997, p.159. 160 Canovacci: roteiros surgidos no século XVI que serviam como base para as representações da commedia

dell’arte. O canovaccio continha, em linhas gerais, o tema, a descrição das situações e as personagens

intervenientes. A partir desses elementos, desenvolvia-se a improvisação dos atores. 161 P.106 scambio dell’arte

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das Cerejeiras foi criado por Tchékhov em um brilho branco lancinante, é um branco “sem estação”162.

O início do espetáculo se desenvolve no lugar que Tchékhov indica como

sendo a antiga sala das crianças. Na concepção de Strehler foram colocados móveis

brancos cobertos com tecidos brancos dando a ideia de que aquele era um lugar em

desuso, mas que já havia sido repleto de vida. Com a volta da viagem de Liubov e

Ania, os móveis vão sendo descobertos e junto com a ação, as personagens Gaev e

Liubov acordam lembranças de suas infâncias.

Pertencia também a este cenário, um armário grande e centenário repleto

de objetos-memórias que, no decorrer do espetáculo, serviam para acionar

recordações sublimes e amargas das personagens e algumas delas eram revividas

por meio do jogo com estes objetos. Strehler denominou tal acontecimento de o

cemitério da vida que passou163. As transformações dos objetos por meio do jogo dos

atores também nos remetem à realidade daquela família do cerejal, àquilo que a cerca

e ao futuro que está bem próximo.

Um exemplo da fusão do passado com o presente dava-se no jogo de Gaev

com o pequeno trem infantil e com o apito que estavam no armário. Isto era uma

alusão de que a propriedade estava próxima à linha do trem, enfocando a chegada do

progresso e o aumento de valor das terras ocupadas pelo cerejal. No entanto, esse

jogo é simbólico, o mesmo progresso referenciado pôs a família em decadência e nos

reporta aos questionamentos do tempo presente. Os trilhos, que outrora

representavam status e orgulho para a família, serão os que a levarão para longe

desse cerejal.

Uma das inquietações de Strehler em relação ao espetáculo era como

conjugar o tempo, pois deveriam encontrar o equilíbrio entre o tempo real e o tempo

teatral, entre o presente e as memórias. A obra de Tchékhov sugere nuances das

cores do dia como, por exemplo o nascer do sol. Além disso, o tempo já estava em

162 “In questa lettera c’è una incredibili concentrazione di “tempo”, egli parla di un giardino estivo bianco, tutto

bianco anzi totalmente bianco e signore vestite di bianco. Dopo un attimo aggiunge “Fuori nevica. Straordinaria

questa doppia immagine, estate-inverno, collegata sul bianco totale. Questo eterno bianco di giardino sotto i Fiori

Bianchi della primavera e sotto la neve dell’inverno. Così mi appare certo che il Giardino dei Ciliegi è nato per

Cecov in un lanciamento bagliore di bianco, è un bianco “senza stagione” (tradução nossa). STREHLER, Giorgio.

Appunti di regia di Il Giardino dei ciliegi, 1974, p.4. Disponível no arquivo digital do Piccolo Teatro di Milano

http://archivio.piccoloteatro.org/eurolab 163 Idem

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jogo na chegada da Liubov e sua filha, pois havia cinco anos que estavam morando

fora e no instante em que retornam os indícios de que o tempo havia modificado as

coisas e as pessoas eram bem claros.

Figura 12 – Strehler com os atores de O Jardim das Cerejeiras (Foto: Arquivo do Piccolo Teatro di Milano

– Teatro d’Europa)

A passagem de tempo na encenação foi traduzida na delicadeza da

mudança dos lugares, como um suave folhear de um livro de páginas de seda, frágil

e transparente. Isto se dava pelo rebaixamento do teto, com uma suave brisa e, ao

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ser alçado novamente, o espaço tinha se modificado, o amanhecer já havia se

estabelecido. É evidente que os recursos de iluminação também contribuíram para a

concretização da poesia que sugere o passar do tempo.

Os desencadeamentos das cenas pareciam compor quadros, nos quais as

personagens que não estavam em foco em determinadas cenas muitas vezes

compunham o desenho do espaço e auxiliavam à sua transformação. O espaço era

rompido em diferentes ângulos, por entre os espectadores, nas coxias ou, ao fundo,

o que também ajudava na construção cênica da passagem do tempo.

Na passagem do primeiro para o segundo ato, que ocorre na área externa

da casa, a iluminação é baixa, um vento parece soprar, o tecido do teto move-se

deixando cair algumas folhas, todos os móveis saem do cenário e ao fundo o palco

sofre uma inclinação. O palco está totalmente vazio. Aqui também a música é entoada

em cena. No segundo ato os personagens quebram a convenção do espaço cênico,

saem em direção ao público, surgem por debaixo do palco, sugerindo a ideia de que

as fronteiras foram rompidas Trata-se de um ato mais “lírico”, no qual as palavras nos

transportam às imagens.

A composição cênica desse ato demonstra a importância da música nos

espetáculos de Strehler. Ele esclarece:

A música me ajuda também a dar uma dimensão poética aos meus espetáculos e a apagar o realismo, pois não sou um encenador realista no sentido que se atribui geralmente a esse termo. Tenho consciência também que o silêncio pode, às vezes, ser um elemento “sonoro” importante. Por exemplo, no Jardim das Cerejeiras, no segundo ato, encontramos uma das armadilhas sonoras “mais célebres” da encenação. A didascália diz: De repente, surge um som longínquo, como que vindo do céu, de um acorde que se rompe antes de morrer tristemente. ” E Liubov pergunta: “ O que é? ” Que som é esse, de fato? Talvez o som de uma sociedade que se desfaz, um som de inquietação: esse achado de Tchékhov foi um problema para os encenadores que montaram a obra, alguns encontraram soluções muito belas, outros menos. [...] decidi suprimir esse som. Todas as personagens voltavam-se para escutar alguma coisa que o público não ouvia. Não se tratava de uma astúcia de minha parte, mas de uma conquista do silêncio. Tudo isso para dizer que o silêncio é também um elemento musical164.

164 STREHLER apud TANANT, 2015, p.70.

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No texto, Tchékhov indica as passagens de tempo por meio das visitas

recebidas na propriedade, visitas que faziam parte do cotidiano daquele lugar.

Nenhuma iria transformar diretamente o destino já traçado da família

Figura 13 – No Jardim das Cerejeiras (Foto: Arquivo do Piccolo – Teatro di Milano - Teatro d’Europa)

A encenação de O Jardim das cerejeiras de Strehler aborda um futuro

urgente e inevitável das personagens e um passado sem volta, acabado, que não foi

transformado, mas sim encerrado. Passado que chegou a ser questionado, mas sem

movimentos para transformá-lo em um futuro esperado ou planejado, limitando-se a

aceitar o que estava sendo imposto pelas circunstâncias sociais de um país em

transformação. Nesta versão as dores são impossíveis de suportar, as derrotas fazem

mal, as emoções são tristes. Algumas das cenas nos fazem lembrar dilacerações de

um passado aguçado pelas memórias das coisas. Com tal proposição, cada objeto da

sala de infância acentua as histórias individuais das personagens e faz com que

aflorem suas memórias como um veículo para tentar compreender o futuro já traçado,

inevitável. Nenhum objeto é decorativo, cada um deles tem sua particularidade e sua

relação com o desenvolvimento das ações e da encenação. O presente parece ser

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uma forma de rememorar, de aceitar e não de buscar uma saída. As mágoas são

carregadas e não exorcizadas.

Em relação ao trabalho com elenco, nessa segunda edição de O Jardim

das Cerejeiras o encenador foi bastante incisivo. A cada ator e atriz ele exigia um

estudo detalhado da personagem, e acompanhava tudo de perto e de um modo

individualizado.

A atenção dada ao desempenho do ator nos processos de encenação de

Strehler, quanto ao detalhamento e à expansão do campo de jogo para elaboração da

personagem e da encenação, nos faz lembrar da noção stanislavskiana dos “círculos

de atenção”.

D’Agostini define os círculos de atenção do seguinte modo:

O chamado círculo de atenção é um espaço traçado pela visão do ator no qual pode haver muitos objetos, pontos ou focos. Sobre eles o ator pode dirigir a sua atenção, dentro do limite estabelecido do círculo. Os círculos de atenção se tornam relativos conforme a ação que se desenvolve no espaço. K. Stanislávski determinou que a extensão dos espaços internos e externos do círculo de atenção fossem definidos como pequeno, médio e grande círculo165.

Os círculos de atenção estão divididos, portanto, em três: pequeno, médio

e grande círculo, e estão ligados à relação do ator com a obra e com o próprio

momento do jogo cênico, assim como a proposta das caixas de Strehler.

De acordo com as definições de D’Agostini,

O pequeno círculo é um espaço íntimo do ator, onde se realizam ações próximas, de caráter complexo e singular, seja com o objeto, com o espaço, consigo mesmo, com o pensamento ou com o partner. Pela sua característica espacial condensada, ele permite ao ator experimentar em cena, diante do público, o isolamento de tudo aquilo que está fora do limite determinado pelo pequeno círculo.

O médio círculo amplia a extensão da área de visibilidade da atenção e pertence ao particular, ou seja, abarca o espaço da atuação do jogo cênico, onde estão contidos os pequenos círculos de atenção com seus objetos de atenção.

O grande círculo possui o caráter universal. É o lugar das grandes ideias, memórias, reflexões que se realizam pela visualização das imagens do pensamento que o ator projeta externamente. Esses limites dependem das convenções dadas pelo diretor, pelo texto e pelo

165 D’AGOSTINI, 2007, p. 64

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próprio imaginário do ator, ao estabelecer e relativizar os espaços em que atua e os objetos cênicos concretos ou imaginários de sua atenção num determinado momento166.

As caixas às quais Strehler se refere, assim como os círculos de atenção,

permitem ao ator/atriz uma compreensão da obra e de seu papel diante dela. Voltam-

se todas as atenções para o jogo entre o interno e o externo, o espaço, os objetos e,

consequentemente, o desencadeamento das circunstâncias propostas.

O ator deve e pode transitar entre um círculo e outro o que lhe ajudará a

manter-se por inteiro no desenvolvimento de suas ações, consciente de seu processo.

Isso lhe permitirá agir nas circunstâncias propostas e assim desencadear um processo

de criação que parte do particular, mas que estabelece relações com o todo no qual a

encenação está estruturada, isto é, atores e atrizes, objetos de cena, iluminação,

cenografia e a própria necessidade dos diálogos.

Faziam parte do elenco dessa segunda edição, atores e atrizes que já

haviam trabalhado com Strehler e que tinham um grande reconhecimento no teatro

italiano, tais como: Valentina Cortese167 (Andreievna Liubov), Renato di Carmine168

(Gaev), Giulia Lazzarini169 (Varia), Franco Graziosi170 (Lopakhine – mercador), Renzo

166 Ibidem, p.64-65 167 Valentina Cortese (1923): Renomada atriz de teatro, cinema e televisão. Trabalhou em vários espetáculos do

Piccolo Teatro di Milano, sob a direção de Giorgio Strehler, com quem teve uma relação amorosa. No cinema

trabalhou com diretores como Federico Fellini, François Truffaut, Franco Zeffirelli e outros. Mundialmente

reconhecida pelas inúmeras atuações no cinema, que lhe renderam vários prêmios internacionais. Uma das divas

da Itália. 168 Renato de Carmine (1923-2010): Estudou na Accademia Nazionale d’Arte Drammatica e no Centro

Sperimentale di Cinematografia, ambos em Roma. Iniciou sua carreira de ator teatral no final dos anos 40.

Trabalhou com cinema e televisão e desenvolveu atividades no setor de prosa radiofônica. Trabalhou com Strehler

por um longo período, inclusive quando ele esteve afastado no Teatro Azione. 169 Giulia Lazzarini (1934): Estudou no Centro Sperimentale di Cinematografia de Roma. Dedica-se a

interpretação no teatro, cinema e televisão. Realizou vários trabalhos no Piccolo Teatro di Milano, com a direção

de Giorgio Strehler, dentre eles destaca-se: A tempestade (no papel de Ariel) e Dias Felizes. Esses espetáculos lhe

renderam uma grande projeção. Pelo filme Mia Madre, de 2015, recebeu diversos prêmios. Mantem-se ativa nos

trabalhos como atriz. 170 Franco Graziosi (1929): Estudou na Accademia de Silvio D’Amico. Em 1953 iniciou sua carreira teatral no

Piccolo Teatro di Milano.

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Ricci171 (Firs, velho criado de 87 anos), Claudia Lawrence172 (Charlotta – governanta)

Gianni Santuccio173, Marisa Minelli174 (Duniacha – empregada).

No entanto, a experiência não os poupou da meticulosidade e do

aprofundamento exaustivo e crítico em cada uma das personagens a serem criadas

e, se necessário fosse, chegavam a quebrar as próprias regras que haviam sido

estabelecidas em seu fazer teatral. As provocações de Strehler, muitas vezes, eram

de ordem pessoal para que os atores e atrizes atingissem determinadas expectativas

do diretor. Esse modo de trabalho exaustivo e exigente renderia a Strehler a fama de

o mais adorado e o mais odiado dos encenadores italianos.

Tratava-se de um modo de trabalhar bastante desgastante, baseado em

provocações, com as quais os atores e atrizes muitas vezes extrapolavam suas

próprias emoções. Assim, o que deveria ser um processo de descobertas e criação

passava por momentos de uma espécie de tortura. Com o passar do tempo, Strehler

percebeu que tal prática distanciava todos do fazer artístico e que um meio concreto

de retomar à criação era valer-se das descobertas que haviam sido alcançadas

durante o estudo da obra. Passou então a criar espaços para que os atores e atrizes

tivessem a compreensão das situações que iriam abordar e pudessem criar livremente

para depois adequá-las à estruturação das cenas.

Para a jovem personagem Ania, de O Jardim das Cerejeiras, Strehler se

propôs a um desafio: buscar uma atriz semelhante à de uma descrição feita por

Tchékhov em uma carta a Nemiróvitch-Dâncthenko na qual ele elencava algumas

características da jovem personagem. Para selecioná-la fez uma audição com jovens

atrizes no Piccolo Teatro e lhe chamou muito à atenção a semelhança dos traços de

Monica Guerritore175 com os de Ingrid Bergman (sua atriz preferida).

171 Renzo Ricci (1899-1978): Ator e diretor teatral. Formou-se na Accademia dei Fidenti. Participou como ator de

várias produções do Piccolo teatro, dentre elas destaca-se sua última interpretação na encenação de O Balcão (de

Jean Genet). Também participou como ator numa extensa produção do cinema italiano 172 Claudia Lawrence (1925): Atriz e bailarina com formação clássica e moderna. Atuou no cinema, teatro e

televisão. Exerceu atividades de coreógrafa. Reconhecida também por sua grande formação cultural. 173 Gianni Santuccio (1911-1989): Ator e diretor italiano, com formação na Accademia Nazionale d’Arte

Drammatica Silvio D’Amico, em Roma. Atuou no teatro, cinema, televisão e rádio. Muito reconhecido por sua

voz potente e forte. 174 Marisa Minelli (1936-1998): Estudou na Accademia dei Filodrammatici, em Milão. Interpretou durante muitos

anos a Esmeraldina do espetáculo Arlequim Servidor de Dois Patrões. 175 Monica Guerritore (1958): Atriz, diretora e dramaturga teatral, atua no cinema e televisão. Recebeu vários

prêmios em festivais de cinema e teatro. No cinema trabalhou com diretores como Orsini e Bertolucci. Em 1995

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Guerritore, na época com 17 anos, não tinha uma experiência teatral

significativa. No entanto, este foi um dos fatores que levou Strehler a escolhê-la, já

que acreditava que atrizes mais experientes teriam dificuldades em construir a

personagem. Strehler afirma: “esta personagem requer um frescor nada convencional,

uma capacidade de disponibilidade que me levaram a estender minha busca fora do

meio tradicional”. Por isso em Mônica ele esperava ter encontrado “aquele cavalinho

selvagem” no ponto de ser modelado e amestrado segundo as precisas indicações de

Tchékhov176.

Ao trabalhar com atores e atrizes experientes, e ao mesmo tempo buscar

uma jovem aspirante, Strehler se colocou em um processo desafiador de ensaios, pois

deveria lidar com a formação da atriz que faria Ania em pleno jogo de cena com os

atores e atrizes já acostumados com seu modo de criação.

Os ensaios eram iniciados com uma espécie de resumo da cena a ser

trabalhada e com um detalhamento da ambientação como estava descrita no texto, o

que no contexto desta encenação seria simbolizado por poucos objetos,

representando assim a plasticidade que iria caracterizar o espetáculo. Strehler

comentava e questionava os participantes a respeito dos acontecimentos que

deveriam ser improvisados. Os atores já tinham um conhecimento prévio do texto e

da trajetória de desenvolvimento deste estabelecidos durante a leitura de mesa( nesse

processo de “ mesa” era o espaço criado por Strehler para apresentar aos atores e

atrizes todas suas pesquisas em relação a obra, suas relações com outras artes).

No entanto, o detalhamento das situações que compunham o enredo dava-

se no decorrer de cada ensaio. Isto gerava uma proximidade maior dos atores e das

atrizes com a obra, e, ao mesmo tempo, fazia com que se apropriassem dos

acontecimentos, o que os levava a espontaneamente criar e a agir de acordo as

situações. O texto falado, os diálogos, acabavam por se tornar uma necessidade das

personagens no decorrer da obra. Sob esse aspecto, é possível observar também

aqui uma evidente aproximação aos procedimentos da análise ativa

stanislavskiana177.

voltou a interpretar O Jardim das Cerejeiras, no papel de Liubov sob a direção de Gabriele Lavia. Tem se dedicado

à investigação de mulheres que deixaram sua marca e que ajudaram a mudar o mundo. 176 M.E. Corriere della Sera. Milão, 02 março 1974. 177 Em relação às modificações das abordagens de Stanislávski de seus processos de criação, Zinguerman afirma:

“Nos últimos anos ele pondera persistentemente a respeito da forma interna da peça. Agora ele não se apressa em

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Como já se sabe Strehler fazia questão de que todos os envolvidos no

espetáculo participassem de tudo desde o primeiro ensaio. Não só os atores, mas

também seus fiéis companheiros de criação nas aventuras cênicas: o músico Fiorenzo

Carpi178 e o cenógrafo e figurinista Luciano Damiani179 e os iluminadores e

cenotécnicos.

Sempre elaborei meu trabalho no palco. Foi no palco que desatei os nós e resolvi os problemas de meus espetáculos. Foi na prática do palco, trabalhando com os materiais como um artesão, modelando vozes, os cenários, os figurinos com meus colaboradores, que realizei meus espetáculos; mas inserindo também alguma iluminação no espaço desde o primeiro dia, tirando das caixas os figurinos e acessórios, relacionando o trabalho dos maquinistas e eletricistas com o dos atores – modelando aos poucos, com meus colaboradores [...]180.

O espetáculo surgia da comunhão entre todos os participantes e se

concretizava, progressivamente, a cada dia de ensaio. Como nota-se acima as

propostas de cenografia e de criação de objetos iam sendo estabelecidas durante os

ensaios, de acordo com as necessidades das situações cênicas e com propostas que

desafiavam o jogo dos atores. A presença exigida dos iluminadores era justificada,

pois a luz era concebida a partir do jogo e também das tensões criadas. O mesmo

acontecia com a música. Todos os elementos poderiam ser retomados, recriados, ou

mesmo descartados a cada dia de ensaio, até que fosse encontrada uma forma

precisa que fechasse o ciclo da montagem, das necessidades criativas e da proposta

de concepção.

fixar mises em scène, mas espera que elas surjam de maneira natural e inevitável no decorrer da improvisação

coletiva. Quer que a forma espacial da peça nasça por si só, para que os intérpretes improvisem mises em scène

como os atores da commedia dell’arte fazem suas improvisações. Ensaiando, Stanislávski não constrói mises em

scène (elas virão mais tarde), mas ação” ZINGUERMAN. Boris. As inestimáveis lições de Stanislávski. In

CAVALIERE, Arlete e Elena Vássina (orgs), 2011, p.19. 178 Fiorenzo Carpi (1918-1996): Formado em composição musical no Conservatório de Milão, foi o compositor

predileto de Giorgio Strehler, com quem manteve uma longa amizade. Trabalhou como compositor com outros

diretores teatrais e produtores. Desenvolveu trilhas sonoras para o cinema e compôs algumas canções de sucesso

na Itália. 179 Luciano Damiani (1923-2007): Um dos cenógrafos mais reconhecidos da Itália. Trabalhou por um longo

período com Giorgio Strehler e foi responsável pela cenografia de todas as obras de Brecht encenadas por ele.

Realizou a cenografia da segunda versão de A tempestade e de muitos outros espetáculos do Piccolo Teatro di

Milano. 180 TANANT, 2015, p.38.

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Como Strehler tinha profunda intimidade criativa com as personagens

(parecia que ele mesmo já havia vivenciado cada uma delas), em muitos momentos

interferia e limitava os atores em suas descobertas de criação. Como estava atento

até ao seu próprio comportamento, muitas vezes se colocava em jogo com os atores

e atrizes, ora questionando, ora afrontando-os como uma maneira de despertar a

criatividade de cada um deles.

Giulia Lazzarini relata algumas recordações do período de trabalho com

Strehler:

Strehler costumava contar a história do ator, as dificuldades de entrar em cena e os conflitos de uma atriz, em uma espécie de metateatro. E completava, deve-se ter o humano no jogo, isto é, interpretar a diversão do fazer teatral. O homem a serviço do homem. Jogava com as paixões dos atores, com sua coragem diante do teatro181.

Através desses relatos foi que cheguei à conclusão de que Strehler era

mesmo um diretor minucioso que se dedicava ativa e diretamente a todo o processo

criativo dos espetáculos que encenava.

No entanto, Giorgio Strehler tinha o costume não estar presente nas suas

estreias. Como justificativa para tais ausências costumava dizer que seu trabalho

como diretor havia terminado antes daquele momento, e que a partir dali, o espetáculo

era exclusivamente dos atores. No entanto, costumava emitir cartas aos atores no dia

da estreia nas quais expressava seus arrependimentos, ressaltava pontos aos quais

deveriam estar atentos durante a atuação de seus personagens e, algumas vezes,

questionava integralmente o próprio processo

Essas cartas eram enviadas, principalmente, aos atores ou atrizes que

interpretariam as personagens centrais. A carta da qual foi extraído o trecho a seguir

foi enviada a Valentina Cortese, a Liubov da segunda edição de O Jardim.

[....] Hoje tenho quase certeza que não devia fazer este Jardim. Nem por mim nem por você. Estou certo que você tinha razão. Que não era preciso submeter-te a esta dor cotidiana, renovada todos os dias naquele palco cênico, entres aqueles muros, naquele “lugar”... Você estava com a razão e, involuntariamente, fui monstruoso e cruel. Mas

181 LAZZARINI, Giulia. Entrevista concedida a autora desta pesquisa. Milão: 2015.

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não queria. Assim me justifico. Não tinha eu, nenhuma necessidade de fazer o Jardim!

Deveria ter desistido de fazê-lo para salvar a minha saúde já tão comprometida. E ao fazê-lo acabei por destruir uma parte de você. Posso, então, me dar razão e me sentir em paz? Essa indagação também habita o fundo do meu trabalho, nessa hora em que já impotente espero que se realize uma parte única e pequena daquilo que eu desejava e sabia. Peço somente que me perdoe porque o que aconteceu, aconteceu com pureza de coração e não por irresponsabilidade. Por engano, e mais nada.

Apenas aquilo que eu te disse, aquele milagre que poderia me absolver e dar um sentido ao seu enorme mal que é correlato ao imenso mal que causei a mim mesmo. Assim, concluo estas minhas linhas desesperadas, mais desesperadas do que parecem. Estou aqui, já sem forças, nem palavras, cansado, cansado, cansado...182.

A carta enviada a Valentina é extensa. Nela Strehler mistura questões de

ordem pessoal entre os dois e a correlação entre a obra e o espetáculo. As cartas

eram o meio encontrado para se penitenciar por seus próprios erros quando revia sua

postura, e os questionava diante da participação criativa dos artistas. Também era

uma forma de se aproximar deles através do fazer artístico e de superar possíveis

conflitos resultantes de sua insatisfação com o resultado de sua própria criação.

Outro aspecto que deve ser ressaltado é que o movimento provocado por

Strehler em direção a seus atores e atrizes, no que dizia respeito à criação e à

composição do trabalho em questão, lhe exigia um diálogo que tivesse o caráter

plástico e simbólico que a obra requeria. A exemplo disso, pode-se citar os

questionamentos de Strehler quanto a forma mais adequada para abordar o terceiro

ato da peça. Neste ato, em que Strehler entendia ser preciso enfatizar o presente das

personagens, acontece a concretização cênica de um baile. Em cena havia uma série

de indicações de imagens e acontecimentos: um jogo de bilhar; a pequena orquestra

182“…Oggi sono quasi sicuro che non dovevo fare questo Giardino. Né per me né per te. Sono sicuro che tu avevi

ragione. Che non bisognava sottoporti a questo dolore quotidiano, quotidianamente rinnovato, in quel

palcoscenico, tra quei muri, in quel “luogo” … Avevi ragione e io sono stato involontariamente mostruoso e

crudele. Ma non volevo. Mi giustifico così. Non avevo nessun bisogno di fare il Giardino, io! Avrei dovuto non

farlo per salvare la mia salute ormai tanto compromessa. E facendolo ho distrutto ancora altro di te. Posso dunque

darmi pace e ragione? Anche questo sta al fondo del mio lavoro, in queste ore in cui aspetto ormai impotente che

si realizzi una parte solo e piccola di ciò che volevo e sapevo. Ti prego solo di perdonarmi perché ciò che avvenuto

è avvenuto in purità di cuore e non per incoscienza. Per errore, niente altro. Solo ciò che ti ho detto, quel miracolo

poteva assolvermi e dare un senso a questo enorme tuo male al quale fa riscontro un altro mio enorme male. Così

chiudo queste mie righe disperate, più disperate di quello che paiono. Sono qui, ormai senza forze, né parole,

stanco stanco stanco…” (tradução nossa) STREHLER. Giorgio. Appunti di regia di Il Giardino dei ciliegi. Carta

a Valentina Cortese. Protagonista de O Jardim Das Cerejeiras. p. 16.

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que toca; as intervenções artísticas e os números de magia com cartas realizados por

Charlotte travestida de homem. Transpira no ar a expectativa do leilão e, ao mesmo

tempo, a tensão decorrente da festa se tratar de uma espécie de adeus ao lugar.

Em relação às expectativas de Strehler de como esse ato se desenvolveria,

encontramos a seguinte reflexão em seus apontamentos:

Tudo. O drama do leilão e da “perda da propriedade”, da mudança, da transferência de posses e de bens, tem lugar nessa atmosfera festiva, música, jogo, figuras e rumores, aplausos e danças. E ainda é, claramente, a realidade plausível, possível e eterna. É possível, portanto, escolher o bilhar como “centro de focalização” de tudo isto? Não é limitá-lo a um símbolo total da realidade? Seria como colocar no centro a pequena orquestra hebraica. Ou fazer todos dançarem o tempo inteiro. Ou outra coisa.

Todavia, já que o “salãozinho que um arco divide da sala” deve necessariamente ter seu centro e seus elementos de apoio para a atuação, mais ainda do que a situação; podemos sugerir uma hipótese para a solução: “fora”, todos os elementos sonoros (música, bilhar, dança, vozes e outros); “dentro”, somente as ações importantes. Mas eis que temos algumas ações de jogo também em cena: o jogo de cartas, o espetáculo, o disfarce. Onde estão acontecendo? E, antes disso, em que consistiu o elemento plástico simbólico-realista do salãozinho para os personagens? Obviamente em “coisas para se sentar”-: divã e cadeiras, talvez poltronas e cadeiras. É este o elemento típico que pode dar sustentação às ações, pode significar uma “história”, pode dar o sentido da propriedade em ruína, também o metafísico da cadeira vazia, o tempo ou outra coisa. A cadeira ou poltrona, certamente, se sozinha em cena é um elemento de estranha força: nunca irá significar somente “sentar-se”. Uma quantidade maior de cadeiras vazias sugerem “angústia”: incerteza, mistério: quem vai sentar-se? Ninguém vai sentar? Aquelas cadeiras estão à espera de que? De quem? Vazias, são também solidão; ocupadas, podem ser uma conversa, a sociedade reunida, as pessoas. Pessoas que podem fazer tudo com as cadeiras: podem fazer amor nelas, ou morrer sobre elas183.

183 “Tutto. Il dramma dell’asta e della “perdita della proprietà”, del mutamento, del trapasso di poteri e di beni,

avviene in questo clima di festa, musica, gioco, figure e rumori e suoi a applausi e danze. Ed è chiaramente ancora

il vero plausibile, possibile ed eterno. È possibile dunque scegliere come “centro di focalizzazione” di tutto ciò il

biliardo? Non è limitare a un simbolo di realtà del tutto? Sarebbe come mettere al centro l’orchestrina ebraica. O

far ballare sempre tutti. O altro. Purtuttavia, poiché questo “salotto che un arco divide dalla sala” deve avere per

forza un suo centro e delle sue parti di appoggio alla recitazione, più ancora che alla situazione, possiamo ipotizzare

questa soluzione: “fuori”, tutti gli elementi sonori (musica, biliardo, danza, voci, brindisi e altro); “dentro”, solo

le azioni importanti. Ma ecco che avvengono alcune azione del gioco anche in scena: il gioco delle carte, lo

spettacolo, il travestimento. Dove avvengono? E prima ancora, in che cosa consiste l’elemento plastico simbolico

realistico del salotto per i personaggi? Ovviamente nelle “cose per sedersi”: divano e sedie, oppure poltrone e

sedie. Sono queste l’elemento tipico che può dare sostegno all’azione, può significare una “storia”, può dare il

senso della proprietà in rovina, il metafisico anche della sedia vuota, il tempo o altro. La sedia o poltrona, certo,

se sola in scena è un elemento straniante potentissimo: non significa mai solo “sedersi”. Più sedie vuoto sono

“angoscia”: incertezza, mistero: chi si sederà? Si sederà mai qualcuno? Cosa aspettano quelle sedie? Chi? Vuote,

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Na concretização final da encenação, Strehler utilizou-se apenas das

cadeiras, dos sons do bilhar e da orquestra (que estavam fora da cena, como o texto

indica). Os níveis de tensão propostos nas cenas desse ato aconteciam por meio dos

jogos dos atores e da relação deles com as cadeiras. A primeira cena é iniciada com

a entrada do velho criado Firs bailando com uma cadeira, ao som da orquestra, para

estabelecer que naquele espaço acontecerá o baile. As personagens entram com

taças nas mãos; dançam por entre as cadeiras; reorganizam o espaço para a exibição

artística de Charlotte que está vestida de mágico e faz jogos acrobáticos e com cartas.

Neste jogo também aparecem verdades sendo ditas e expectativas sendo

desmanchadas. O ato encerra com a chegada de Gaev com a notícia da perda da

propriedade. As cadeiras desabam ao chão, assim como Liubov, ao receber a notícia.

Uma imagem simples e potente. A dimensão simbólica estava presente nos elementos

cenográficos e nas próprias ações dos atores e atrizes. O que havia começado

festivamente parece terminar em ruína.

sono anche solitudine; occupate, possono essere la conversazione, la società raccolta, la gente. Gente che con le

sedie può fare tutto: può fare all’amore, o morirci sopra” (tradução nossa). STREHLER, Giorgio. Appunti di

regia di Il Giardino dei ciliegi, 1974, p.07. Disponível no arquivo digital do Piccolo Teatro di Milano

http://archivio.piccoloteatro.org/eurolab

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Figura 14 – O Baile (Foto: Arquivo Piccolo Teatro di Milano – Teatro d’Europa)

A ambientação do último ato remete a do primeiro como o fechamento de

um ciclo. Os móveis voltam a ser cobertos; todos partem com seus pertences

deixando esquecido o velho criado Firs que nutre a esperança de que retornarão, em

breve, para buscá-lo; a luz vai sumindo lentamente e nos deixa a dúvida se ele partirá

com os outros ou com a morte.

Nessa montagem Strehler desenvolveu uma relação estreita com o estudo

do texto se prendendo aos detalhes para a criação do espetáculo. Esse procedimento

reaparece em vários outros momentos de seu percurso criativo nos quais mantém,

repete e amplia os modos de concepção, evidentemente, conjugados a outras

metodologias e procedimentos que dependem das necessidades e características

exigidas pelas especificidades de cada obra.

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Figura 15 – Fim de Firs (Foto: Arquivo do Piccolo Teatro di Milano – Teatro d’Europa)

Após um período afastado do Piccolo Teatro di Milano, o retorno de Strehler

a este teatro veio acompanhado de um desejo imenso de superar-se. Foi exatamente

nesse período que ele produziu suas encenações mais emblemáticas que marcaram

uma geração de espectadores e artistas pelo mundo. Esse tempo revela elementos

recorrentes, que caracterizo como procedimentos strehlerianos de direção, que

passam, consequentemente, a configurar um percurso de sua formação como

encenador.

As relações com a commedia dell’arte em Arlequim Servidor de Dois

Patrões e alguns dos procedimentos do sistema de Stanislávski em O jardim das

Cerejeiras podem ser verificados como recorrências em sua última montagem de A

Tempestade.

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CAPÍTULO IV

A TEMPESTADE

“Depois de tanto errar, depois de tanto amar, depois de tanto teatrar, teatrar como a união total entre errar e amar, no teatro, dentro do teatro, no fundo do teatro, eu faço A Tempestade porque dentro de mim senti que é preciso dar mais importância à “vida” do que ao teatro. E na vida talvez, também fazer teatro, mas não fazer teatro em lugar da vida ou o teatro como substituto da vida. Na Tempestade há a extrema fadiga e a vaidade do teatro, a extrema importância desiludida da vida e ao mesmo tempo a glorificação do teatro desiludido e triunfante, como um meio altíssimo, mas dentro de certos limites e abrangências, inúteis para o mover inconcebível da vida que sempre os supera”184.

(Giorgio Strehler)

William Shakespeare foi o autor mais explorado por Giorgio Strehler em sua

trajetória artística. O contato de Strehler com as obras de Shakespeare se deu,

principalmente, no final dos primeiros anos de fundação do Piccolo Teatro. A

Tempestade185 foi o décimo segundo texto de Shakespeare encenado por Strehler.

Dos espetáculos realizados a partir das obras186 de Shakespeare oito foram

encenados nos primeiros sete anos do Piccolo Teatro, os outros quatro foram

intercalados dentro de um grande espaço de tempo, cerca de vinte anos, na trajetória

artística de Strehler.

... os textos a partir dos quais elaborei minhas encenações foram escolhidos em função de seu conteúdo, daquilo que eles relatavam do homem, das relações do homem nas sociedades de todos os tempos,

184 “Dopo tanto errare, dopo tanto amare, dopo tanto teatrare, teatrare come somma unica di errare ed amare, nel

teatro, dentro il teatro, nel fondo del teatro io faccio la Tempesta perché dentro di me ho sentito che bisogna dare

più importanza alla vita che al teatro. E nella vita, anche forse fare del teatro ma non fare il teatro al posto della

vita o il teatro come sostituto della vita. Nella Tempesta c’è l’estrema stanchezza e vanità del teatro, l’estrema

importanza delusa della vita e nello stesso tempo la glorificazione del teatro delusa e trionfante, come un mezzo

altissimo ma entro certi limiti e vasti, inutile per il muoversi inconcepibile della vita che sempre lo

supera”.(tradução nossa) In COLOMBO, Rosy. William Shakespeare, Agostino Lombardo, Giorgio Strehler -

La Tempesta - Tradotta e Messa in scena. Roma: Donzelli Editore, 2007, p.XXVII . 185 Reconhecida como a última peça escrita por Shakespeare. 186 Obras de Shakespeare encenadas por Giorgio Strehler: Ricardo II e A Tempestade (1948); A Megera domada

(1949); Ricardo III (1950); Rei Enrique IV, Noite de Reis (1951); Macbeth (1952); Júlio Cesar (1953); Coriolano

(1957); Rei Lear (1972) e A Tempestade (1978).

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mas também em função das propostas de interrogação da teatralidade, dos motivos e do modo de nosso fazer teatral187.

Sua primeira encenação de A Tempestade foi realizada em 1948, no Jardim

de Boboli188, em Florença, mas, de acordo com críticos teatrais italianos foi um

espetáculo que deixou a desejar. Tais críticos chegaram a afirmar que o local da

encenação não foi adequado para a proposta de Strehler (dentre diversas outras

afirmações que acentuaram o fracasso do experimento shakespeariano). E, apesar

do tom fantasioso da peça, se referiram a ela, com certa ironia, como o último

espetáculo renascentista da Itália.

Figura 16 – Tempestade do Jardim de Boboli (Foto: Arquivo do Piccolo Teatro di Milano – Teatro d’Europa)

Sobre suas experiências com as obras de Shakespeare, Strehler afirmava:

Aprendi uma coisa fundamental: é preciso enfrentar os grandes textos em condições de disponibilidade total, depois de um tempo de muita

187 TANANT, 2015, p.41 Myriam. 188 A cenografia desta encenação de A Tempestade foi criada por Gianni Ratto.

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meditação, tendo a possibilidade de ensaiar tantas vezes quanto for necessário. A consciência da derrota me fez compreender a necessidade de amadurecer. De resto, estou convencido de que, na verdade, de engano em engano se progride, mas, sobretudo, trabalhando189.

O processo da última encenação de A Tempestade190 ocorreu na

temporada de 1978, no Teatro Lírico de Milão191 e, posteriormente, foi retomado em

1983, no Teatro Odéon −Teatro da Europa, em Paris. Nessa encenação Strehler

exprimiu cenicamente sua própria reflexão sobre A Tempestade como gigantesca

matéria de espetáculo: como obra que realiza um processo metacrítico sobre a

escritura teatral, sobre os ofícios do dramaturgo e do diretor. Portanto, “um objeto

cênico”, o campo de experimentações em torno do qual se discute o que é fazer

teatro”192.

A Tempestade esteve secreta e constantemente presente em minha longa pesquisa sobre Shakespeare. Ao montar pela primeira vez o espetáculo, praticamente iniciava meu trabalho de encenador e parecia importante desafiar o impossível que representava e representa até hoje aos meus olhos a encenação deste texto. [...] Ao retomar A Tempestade, compreendi que era uma obra desesperada: um grito final diante da derrota de um projeto falho. É também a caminhada de seu herói, Próspero, em direção ao conhecimento, em direção à conquista do real. É a nossa própria caminhada laboriosa em direção ao conhecimento, de nós outros, intérpretes e espectadores193.

Para o reencontro com a obra de Shakespeare Strehler passou mais de um

ano estudando e investigando suas possíveis interpretações textuais, e construindo

uma tradução que se adequasse à língua italiana. Para tanto contou com a ajuda de

Agostino Lombardo194 na tradução e de Jan Kott195 e Luigi Lunari196 na discussão e

189 TANANT, 2015, p.43 190 A encenação, filmada pela RAI, está disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=aVN94wgXRd4 191 De acordo com Gaipa, o espetáculo A tempestade, que deveria acontecer no Piccolo Teatro, foi transferido para

o Teatro Lírico por questões de espaço (2012. p.46). 192 GRIGA, Stefano Bajma. La Tempesta di Shakespeare per Giorgio Strehler. Firenze: Edizioni ETS, 2005. 193 TANANT, op. cit., p. 44-45 194 Agostino Lombardo (1927-2005): Foi professor de língua e literatura inglesa na Universidade La Sapienza, de

Roma. Crítico literário. Responsável pelas traduções em língua italiana da obra de Shakespeare. Colaborador de

Giorgio Strehler, Peter Stein e outros encenadores europeus. 195 Jan Kott (1914-2001): poeta, tradutor e renomado crítico teatral da obra de William Shakespeare. 196 Luigi Lunari (1934): dramaturgo, tradutor e ensaísta italiano. Colaborou como dramaturgo e tradutor das obras

de Shakespeare, Brecht e Tchékhov no Piccolo Teatro di Milano até 1982. Sua experiência com o Piccolo Teatro

lhe rendeu muitos ensaios históricos e críticos sobre o teatro produzido por Giorgio Strehler.

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compreensão das principais características do texto. Para os estudos de pré-

encenação Strehler costumava reunir imagens, músicas e poesias que, de alguma

forma, remetessem ao texto e às suas personagens. Esses materiais eram um

estímulo muito particular do encenador, pois muitas vezes não estavam ligados

diretamente ao contexto da obra e serviam mais propriamente como associações

imagéticas, apropriações poéticas que propiciassem diálogos particulares expandidos

entre Strehler e a obra.

Como exemplos de alguns desses estímulos podemos citar as músicas

Lamento di Arianna197, de Claudio Monteverdi (1608) e Didone abbandonata198, ópera

lírica de Leonardo Vinci (1726). Essas músicas estiveram presentes nos ensaios e

serviram como inspiração nas composições desenvolvidas por Carpi para o

espetáculo.

Figura 17 – Imagens fotografadas pela autora dessa pesquisa no Civico Museo Teatrale C. Shimidt – Fondo Giorgio Strehler – Comune di Trieste – Itália, em 2015.

197 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ZgGAKG2lM7I, interpretação de Les Arts Florissants,

Paul Agnew 198 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=4OpO2Y9hZwk, interpretação dos Solistas da Orquestra

Internacional da Itália, direção de Massimiliano Carraro.

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Figura 18 – Imagens fotografadas pela autora dessa pesquisa no Civico Museo Teatrale C. Shimidt – Fondo Giorgio Strehler - Comune di Trieste – Itália, em 2015.)

Apresento acima algumas das imagens que Strehler utilizou como fonte de

inspiração para esta montagem. Parte delas está hoje no acervo do Fondo Giorgio

Strehler (um particular arquivo de materiais pessoais e profissionais) em uma pasta

denominada A Tempestade, junto com outros materiais referentes ao espetáculo.

A tarefa de tradução, feita por Lombardo, abrangia também a de

compreender o processo de análise que Strehler estava experimentando. Assim, o

trabalho conjunto foi muito importante como suporte para a fase inicial que traçava o

percurso da encenação que começava a ser delineado. A interlocução entre os dois

era frequente depois de cada ato traduzido. Em busca de desejo obsessivo de

compreensão, Strehler enviava a Lombardo inúmeros questionamentos e sugestões

para cada detalhe da obra. Em sua opinião deveria existir duas traduções: uma para

ser lida e outra para ser encenada e, embora as duas dialogassem entre si, deveriam

ser distintas. Em resposta a esse questionamento Lombardo escreveu:

A Tempestade é particularmente difícil porque, na tentativa de representar o movimento da vida e o modo pelo qual nós a conhecemos, Shakespeare tenciona o instrumento teatral ao limite

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extremo – ou seja, ao limite onde a ilusão teatral e realidade se identificam199.

Cabe ressaltar que as traduções feitas para os espetáculos de Strehler iam

além da reprodução literária, pois que também abrangiam a análise detalhada da

intenção dos versos, dos significados de cada palavra e deveriam compreender o

subtexto de cada situação do texto. Por isso que um longo período era dedicado ao

estudo e compreensão da obra. Ele era primoroso quanto a escolha de uma linguagem

que fosse acessível ao público e aos atores. Isto era uma conduta importante no

desenvolvimento dos ensaios, já que proporcionaria aos atores e atrizes ir além das

palavras da obra de Shakespeare contidas no texto, ampliando as possibilidades de

criação, e dando assim maior liberdade para o jogo e para a compreensão das

situações da obra mediante a prática. No estudo e análise da obra, em parceria com

Kott e Lunari, eram discutidos a situação geral da obra, o tema central e as

particularidades das personagens.

Ao longo dos estudos para o espetáculo, Ariel, Caliban e a dupla de

cômicos Stefano e Trínculo, por portarem aspectos que se distanciam das virtudes

humanas, foram identificadas como máscaras. A partir dessas observações começou

a se esboçar um estudo detalhado das peculiaridades dessas personagens. Muitos

questionamentos foram discutidos e através deles o processo de criação começou a

ganhar forma. Dentro de tal contexto, voltou à tona a discussão em torno da máscara,

do teatro barroco e de toda e qualquer contribuição que pudesse acrescentar algo à

encenação.

Para Strehler os estudos feitos com Kott ressaltaram o caráter de

representação dentro da própria obra. Em seus apontamentos de direção Strehler

expressa o seguinte questionamento:

... “toda” A Tempestade é uma espécie de masque teatral, ou seja, (um intermezzo com máscaras) com outras masques em seu interior (bastaria pensar no bufão “napolitano”, no Pulcinella-Trinculo, no zanni-Stefano). Representação na representação. Dirigida por Próspero com a ajuda de Ariel. Tudo, ou quase tudo, é ficção, é

199 “La Tempesta è così ardua perché, nel tentativo di rappresentare il movimento della vita, e il modo in cui noi

conosciamo la vita, Shakespeare tende lo strumento teatrale all’estremo limite – al limite, cioè, in cui l’illusione

teatrale e la realtà si identificano” (tradução nossa). LOMBARDO In COLOMBO (org), 2007, p. XX.

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representado “com um objetivo”. O objetivo da representação é o ponto focal da Tempestade. Por que?200.

A partir dessa constatação, várias indagações foram surgindo no processo,

tal como a reflexão sobre o que há de verdadeiro em A Tempestade. Os personagens

são verdadeiros, Próspero, Miranda, Caliban e todos os outros, mas as situações que

representam são fictícias. Com base nisso, Strehler exemplifica: o amor entre Miranda

e Ferdinando é verdadeiro, pois esse amor não é inventado por Próspero. Além disso,

o comportamento de Próspero que não consegue fugir da percepção realista de um

pai enciumado severo e tirano, acaba por contradizer a tentativa de manter controle

total das situações criadas por ele próprio. Ainda no raciocínio de Strehler, nesse

metateatro, Próspero aproxima-se da caracterização de diretor, visto por muitos como

um tirano. Esse mascaramento sofre mudanças de acordo com a condução das

situações e, tudo passa pelas mãos de Próspero e pela capacidade que tem de

transformação.

Strehler utilizou o próprio teatro como metáfora para realizar A

Tempestade. É Próspero que, como um diretor de cena, dá a batuta do andamento às

cenas e às suas transformações com sua vara mágica. A gruta em que Próspero mora

seria o próprio teatro, confirmando a ideia de ficção, de magia e de teatralidade como

propostas da concepção desse projeto.

... o lugar do teatro, da ficção: o livro que Próspero tem entre as mãos é o copião de direção que acolhe o repertório das ações cênicas, é o texto escrito por Strehler, assim como a vara mágica de Próspero é a batuta do regente da orquestra, daquele que conduz inteiramente a cena, desenvolve as situações, constrói os personagens e os faz se movimentarem dentro de um desenho de sua total responsabilidade.201

200 “[…]” tutta” la Tempesta è una specie di masque teatrale (cioè intermezzo con maschere) con dentro altri

masques ( basterebbe pensare al buffone “ napolitano”, al pulcinella – Trinculo, allo zanni Stefano).

Rappresentazione nella rappresentazione. Diretta a Prospero e da Ariele suo aiuto. Tutto o quasi è finto, è

rappresentato “per uno scopo”. Lo scopo della rappresentazione è il punto focale della Tempesta. Perché?”

(tradução nossa) STREHLER - Apontamentos de direção de 27 de janeiro de 1977. Este trecho foi enviado para

Agostinho Lombardo. In COLOMBO, 2007,p. 339. 201 “[…] il luogo del teatro, della finzione: il libro che Prospero tiene tra le mani è il copione di regia che accoglie

il repertorio delle azioni sceniche, è il testo scritto di Strehler così come la verga magica di Prospero non è altro

che la bacchetta del direttore d’orchestra, di colui che gestisce interamente la scena, sviluppa le situazioni,

costruisce il personaggio e li fa muovere all’interno di un suo disegno di cui lui solo è il responsabile”. (tradução

nossa) GRIGA, 2005, p.34.

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Para Kott, o tema geral de A Tempestade é um passado que retorna, o que

está diretamente ligado às revisitações de Strehler às obras já encenadas, visando

aproximá-las do contexto da arte da época, da política202 e da sociedade. As últimas

grandes encenações teatrais de Strehler aprofundam o tema de uma sociedade que

o ser humano parece não ter mais como transformar; uma sociedade sobre a qual

paira uma espécie de desesperança, uma impressão de impossibilidade de saída.

Esta perspectiva de abordagem da obra dramatúrgica nos remete às

abordagens stanislavskianas da análise da ação dramática. Estas não se limitam à

compreensão da sua estruturação, mas compreendem também dimensões

ideológicas e buscam aproximar a arte teatral das inquietações humanas ao abranger

a universalidade do texto.

Na terminologia stanislavskiana a dimensão social ou ideológica da

encenação (a relação dela com o contexto sociocultural no qual se insere) é designada

pela noção de super-superobjetivo. D’Agostini o define da seguinte maneira:

...contempla a totalidade da vida do homem-artista, toda a atividade do autor, diretor e ator e possibilita ligar a individualidade artística com os problemas de importância fundamental na contemporaneidade, fazendo com que autores clássicos tenham voz no mundo atual, unindo os pensamentos e os sentimentos dos autores, diretores, atores e do espectador, num só impulso203.

Aqui se destaca o valor da direção teatral, em que o encenador se coloca

em jogo com a obra a ser encenada, exaltando o caráter de sua criação e de seu

diálogo com as propostas dos atores e das circunstâncias propostas pela obra.

Em relação a concepção de sua encenação, Strehler aponta:

... na Tempestade, podemos falar de “repetição”, seja no sentido da língua inglesa, seja no da francesa ou italiana, mas também na conotação mais específica de “repetição” do fazer teatro. Assim, podemos identificar cinco modalidades de repetição. A primeira é a

202 A Itália vivia naquele momento uma constante luta pelo poder político, dando origem a inúmeros protestos e

manifestações. O caso do assassinato do primeiro ministro Aldo Moro que, após permanecer 55 dias em cativeiro,

foi encontrado morto, assassinado por membros das Brigate Rosse (Brigadas Vermelhas) em um carro no centro

de Roma, no dia 16 de maio de 1978, foi o mais emblemático daquele momento. Esse episódio inquietou a

sociedade italiana e, em meio a tantos acontecimentos desastrosos, acabou sendo um dos mais marcantes daquele

ano. A maior parte da população italiana vivia em constante tensão, oriunda de atos injustos e tirânicos no âmbito

político e sofria suas duras consequências. O assassinato de Aldo Moro, de acordo com Strehler “era uma espécie

de apocalipse em que tudo se confundia, tudo se misturava: revolta, assassinato calculado, ritual político, numa

assustadora indiferença” (Corriere dela Sera, Milão: 1983. Disponível no arquivo do Piccolo Teatro). Para Strehler,

o momento em que estava elaborando a encenação de A Tempestade era um momento crucial para a Itália. 203 D’AGOSTINI, 2007, p. 27.

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repetição do passado, a história que se revela e que se repete: é a história da humanidade, do homem que se revela; a segunda é a repetição do ensaio teatral, ou seja, a repetição que pode transformar ou não as coisas; a terceira é a repetição de temas shakespearianos fundamentais; a quarta é a repetição da história de Próspero; a última é a repetição de temas e situações de Homero e Virgílio. Portanto, há cinco diferentes repetições que fazem, todas juntas, a “repetição”204.

Observa-se aqui que Strehler ao se basear nas especificidades detectadas

em seus estudos, passa a estipular novas aproximações da obra com as

circunstâncias históricas nas quais ele estava inserido. O próprio fato de tornar a

remontá-la depois de ter vivenciado diversas experiências artísticas e teatrais, e as

transformações pessoais dele, serviram como estímulo para buscar um ponto de

conexão entre a escolha da obra e as transformações da realidade histórica e cultural

em seu entorno.

A este respeito Ettore Gaipa205 afirma:

Mas deve-se continuar a trabalhar e talvez, justamente em um dia como hoje, fosse gratificante 206 se fechar e imergir no trabalho como arma para se opor à tragédia! Arte impotente? Teatro que não é capaz de se comunicar e de mudar? É curioso como muitos jovens correm em busca de evasões – falou-se novamente de vanguarda como nos anos vinte, agora se fala de “pós-vanguarda”. É produtivo e producente refutar a comunicação da palavra ou torná-la instrumento desvinculado dos conceitos? É desejável a informalidade? Há pessoas que, dos palcos, galpões, tendas, tendem a contestar as luzes, músicas, cores, palavras – pessoas que querem rejeitar o público e chamam de “populismo” quando se trata de atrair massas em torno do palco. Pessoas falando em ir “contra” o público. Não é, talvez, uma atitude aristocrata? Não é um erro elitista trágico? E por que tudo isso acontece mais de trinta anos depois das ruínas da guerra? Seria mais lógico que isto tivesse acontecido na Europa conturbada/caótica de 45. E como, por outro lado – se agarram desesperadamente à cultura clássica? Por que Sófocles e Shakespeare coexistem com os experimentos de Grotowski? Por que até mesmo a vanguarda dos

204 “[…] nella Tempesta, possiamo parlare di “ripetizione”, sai nel senso della lingua inglese che francese o italiani,

ma anche in più specifica connotazione di “ripetizione” del fare teatro. Dunque possiamo identificare ben cinque

modalità di ripetizione. La prima è la ripetizione del passato, la storia che si rivela, che si ripete: è la storia

dell’umanità, dell’uomo che si rivela; seconda è la ripetizione della prova teatrale, cioè la ripetizione che può far

cambiare o non cambiare le cose; la terza è la ripetizione di temi shakespeariani fondamentali; la quarta è la

ripetizione della storia di Prospero; l’ultima è la ripetizione di temi e situazioni di Omero e di Virgilio. Dunque, vi

sono cinque differenti ripetizioni che fanno, tutte insieme, la “ripetizione” (tradução nossa). STRHELER In

GRIGA, 2005, p. 92 205 Ettore Gaipa (1920-1993): Formado na Accademia Silvio D’Amico, foi ator e escritor. Em 1947 iniciou sua

colaboração com o Piccolo Teatro. Foi ator da 1ª versão de A Tempestade dirigida por Strehler e, posteriormente,

revezava o papel de ator com o de tradutor, dramaturgo e estudioso. Foi autor da primeira biografia sobre Giorgio

Strehler. Acompanhou e registrou todo o processo de montagem da segunda versão de A Tempestade. Ele e Strehler

foram amigos pessoais. 206 O autor refere-se ao dia do assassinato de Aldo Moro.

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anos setenta reexamina o mundo elisabetano? É certo que as analogias – e aqui retornamos à Tempestade! – entre o “novo mundo” do Renascimento e do início do século XVII e a era espacial de hoje são surpreendentes. O Doutor Fausto de Marlowe abraça o físico nuclear de hoje. A “crueldade” elisabetana se une ao terror de nosso mundo em que vivemos dias nebulosos dos quais não conseguimos vislumbrar o fim. Mas tenho certeza que não são somente estas analogias chocantes e suas tragédias que criam os pontos de encontro. É como voltar à perfeição harmônica de um Bach em uma era de vibrações eletrônicas e de agressões de sons “concretos”. A violência perpetrada nos confrontos da cultura clássica é, ao mesmo tempo, nostalgia e amor. Mesmo que se venha a destroçar Romeu e Julieta e As Bacantes, Ricardo III e Édipo. Mesmo que se venha a exasperar os Ibsen e os Büchner, os Pirandello e os Tchékhov – mesmo que se manipule Molière e Kleist – mesmo que se revire o Cristianismo e marxismo, iluminismo e Neue Sachlichkeit [Nova Objetividade].

Esta Tempestade é a amarga tempestade em todos e em cada um de nós. Uma vez mais, neste dia trágico, me dou conta da necessidade de realizá-la207.

Strehler considerava necessário que o teatro fosse algo transformador no

seu tempo, tanto para os artistas da cena, quanto para os espectadores. Embora

retomasse à tradição teatral e aos procedimentos construídos em outras montagens,

principalmente no que se refere à abordagem da análise do texto e à utilização de

elementos inspirados na commedia dell’arte, entendia ser imprescindível colocá-los

em diálogo com os acontecimentos de seu momento histórico.

207 “Ma si deve continuare a lavorare e forse, proprio in un giorno come quello di oggi sarebbe gratificante chiudersi

e immergersi nel lavoro come arma da opporre alla tragedia! Arte impotente? Teatro che non riesce a comunicare

e a mutare? È curioso come molti giovani corrano a cercare evasioni – s’è riparlato di avanguardia come negli

anni. Venti, ora si parla già di “post-avanguardia”. È produttivo e producente rifiutare la comunicazione della

parola o farne strumento avulso da concetti? È auspicabile l’informalità? C’ è gente che, da palcoscenici, pedane,

capannoni, tende rifiuta luci, musiche, colori, parola – gente che vuole rifiutare il pubblico e parla di populismo

quando si tratta di attirare masse intorno a un palcoscenico. Gente che parla di andare “contro” il pubblico. Non è

forse un atteggiamento aristocratico? Non è un tragico errore elitario? E come mai tutto questo avviene a oltre

trent’anni dalle macerie della guerra? Più logico sarebbe stato che questo fosse avvenuto nell’Europa sconvolta

del ’45. E come mai, d’altra parte – ci si aggrappa disperatamente alla cultura classica? Come mai Sofocle e

Shakespeare coesistono con gli esperimenti di Grotowski? Come mai persino l1 avanguardia degli anni Settanta

riesamina il mondo elisabettiano? Certo le analogie – e qui torniamo alla Tempesta! Tra il “nuovo mondo” del

Rinascimento e del primo Seicento e l’era spaziale di oggi sono sconvolgenti. Il Doctor Faust di Marlowe

abbraccia il fisico nucleare di oggi. La “crudeltà” elisabettiana si sposa al terrore del nostro mondo in cui viviamo

giornate appannate di cui non si riesce a intravedere la fine. Ma sono certo che non sono soltanto queste analogie

sconvolgenti per la loro tragicità a creare i punti d’incontro. È come tornare alla perfezione armonica di un Bach

in un ‘era di vibrazioni perpetrata nei confronti della cultura classica è, al tempo stesso, nostalgica e amore. Anche

se si esasperano gli Ibsen e i Büchner, I Pirandello E i Cechov – anche se si manipolano i Molière e i Kleist –

anche se si ribaltano Cristianesimo e marxismo, iluminismo e Neue Sachkichkeit [Nuova oggettivitá]. Questa

Tempesta è l’amara tempesta in tutti e in ciascuno di noi. Una volta di più, in questa tragica giornata, mi rendo

conto della necessità di portarla a compimento” (tradução nossa). CASIRAGHI, Stella (org). Il metodo Strehler

- Diario di prova della Tempesta- scritti da Ettore Gaipa. Milano: Skira Editore, 2012, p.32- 33.

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Em relação à abordagem do texto e de suas sugestões e ações é possível

encontrar similaridade nos processos desenvolvidos por Strehler e naqueles

experimentados por Stanislávski em seu sistema. Ressalto aqui, mais uma vez, que

apesar de Strehler não se utilizar da terminologia de Stanislávski, a maneira com que

explora e analisa o texto nos remete diretamente aos estudos feitos pelo encenador

russo.

Strehler afirmava ter aprendido sobre a necessidade de uma análise

detalhada da obra pela contribuição do tradutor, dos historiadores e dos críticos

literários durante o processo de O Jardim das Cerejeiras. Em uma carta de 1974 a

Roberto de Monticelli208 escreveu:

Não sou um artista. Sou alguém que exerce o ofício de intérprete, o que também tem a ver com a arte, que interpreta não somente como ofício, mas também com intuição e sensibilidade: o velho coração genérico, mas sempre nos seus limites. Que escreve sobre as palavras que os outros dizem. Quão bom eu sou em interpretar o que os outros disseram, como soam bem as músicas que outros escreveram e que me parecem melhores. Sou ótimo, talvez insubstituível, mas O Jardim das Cerejeiras quem o escreveu, em 1903, foi A. Pavlovich Tchékhov, não eu. Eu não saberia escrever nem mesmo uma linha do Jardim. Mas eu sei lê-lo bem, talvez muito bem. Tento lê-lo junto com outros, auxiliá-los a ler de maneira precisa: Eis tudo209.

A imposição de ter um domínio abrangente da obra e das suas

possibilidades de exploração fazia com que se concentrasse no entendimento preciso

e minucioso do texto para então experimentá-lo em cena. Este foi um dos fatores que

lhe fizeram desvendar, por um longo tempo, as obras de Shakespeare. Em relação à

A Tempestade cabe ressaltar que o período de estudos durou mais tempo do que os

processos de ensaios propriamente ditos.

208 Roberto Monticelli (1919- 1987): Crítico teatral italiano que esteve presente em muitos dos ensaios abertos das

encenações realizadas por Giorgio Strehler. 209 No sono un artista. Sono uno che fa il mestiere dell’interprete e che ha “anche” a che fare con l’arte, che

interpreta non solo col mestiere, ma anche con l’intuizione e la sensibilità, il vecchio generico cuore, ma sempre

nei suoi limiti. Che scrive sulle parole degli altri. Come sono bravo io a interpretare quello che altri hanno già

detto, come suono bene, meglio di altri, le musiche che altri hanno scritto! Sono bravissimo, insostituibile forse,

ma il Giardino dei Ciliegi, l’ha scritto nel 1903 a. Pavlovic Cechov, non io. Io non saprò mai scrivere neanche una

riga del Giardino. Io so però leggerlo bene. Forse benissimo. Tento di leggerlo con gli altri, di aiutarli a leggere

giusto. Ecco tutto. ( tradução nossa)STREHLER. Giorgio. Lettere sul Teatro. Milano: Archinto, 2008, p.76.

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A partir de agora, apresento algumas de suas experimentações que dizem

respeito a esta encenação como meio de elucidar seus modos de direção.

Figura 19 – O navio (Foto: Arquivo do Piccolo Teatro di Milano – Teatro d’Europa)

A Tempestade é uma peça em cinco atos. Seu início é em meio a uma

tempestade provocada por Próspero, usando os poderes mágicos que tinha, cujo

intuito era fazer naufragar o navio em que estavam seus irmãos. Opto por apresentar

o resumo da ação, proposto por Jan Kott, já que ele colaborou diretamente com o

Strehler durante os estudos para a encenação da obra:

Próspero, duque de Milão, negligencia os negócios do Estado em favor do estudo da magia; ele confia o governo a seu irmão Antônio, que o expulsa para o mar com sua filha Miranda. Próspero e Miranda vão ter a uma ilha onde mora o monstro Caliban, filho da feiticeira Sicorax, que por sua vez aprisionou Ariel. Próspero reduz Calibã à escravidão e liberta Ariel, colocando-o a seu serviço.

Doze anos mais tarde, no instante em que a peça se inicia, Próspero causa, com sua magia, o naufrágio do navio que transporta Alonso, rei de Nápoles, seu irmão Sebastião, seu filho Ferdinando, o honesto conselheiro Gonçalo e o irmão malvado de Próspero, Antônio. Na ilha, Ferdinando se separa dos outros e encontra Miranda. Os dois jovens se apaixonam imediatamente. Próspero, responsável pelo acontecido, mesmo assim finge que não julga ser Ferdinando um

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espião, lança-lhe um feitiço e trata-o como escravo. Enquanto isso, Sebastião e Antônio tentam assassinar o rei Alonso; Caliban encontra Stefano e Trínculo e convence-os a participar de uma conspiração contra a vida de Próspero. O mago desfaz o feitiço lançado sobre Ferdinando, oferece-lhe a mão de Miranda e ordena a Ariel que promova um baile de máscaras para o casamento; Próspero, porém, interrompe a festa para frustrar as manobras de Caliban, Stefano e Trínculo. Ele manda procurar o rei e seu séquito, além de oferecer o perdão a Antônio, seu irmão, contanto que este lhe devolva o ducado. Depois, Próspero renuncia à magia, libertando Ariel. Todos se aprestam a retornar a Itália no navio, milagrosamente encontrado sem nenhum dano, junto com a tripulação. Caliban volta a ser o único habitante da ilha210.

Na encenação de Strehler, quando as cortinas se abriam o público se

deparava com um palco totalmente nu e os bastidores da cena à mostra. Toda a

preparação da montagem também estava à mostra. Alguns atores211 vestidos de azul

espalhavam pelo palco extensos tecidos que se prolongavam pelo proscênio e eram

movimentados remetendo as ondas do mar. Progressivamente o ritmo se intensificava

e a agitação desses tecidos dava aos espectadores a imagem de um mar em fúria.

Um tecido que se estendia do teto ao chão, no centro do palco, servia como

uma tela de projeção da sombra de um navio no meio deste mar agitado. Fora do

palco, na boca de cena, próximo à plateia, na sombra dessa movimentação toda,

estava Próspero que, com sua vara mágica, passava a imagem de que ele era quem

movia as forças da natureza.

Os músicos circulavam nos bastidores executando sons com os mais

diversos e inusitados instrumentos, como rabeca, saltério, realejos, folhas de zinco

agitadas (alusão aos trovões). A luz oscilava e explosões de claridade remetiam aos

relâmpagos, anunciando A Tempestade.

... um último lampejo e depois, por um átimo, a escuridão mais

completa. [...] Depois da primeira cena de tempestade, realizada

realisticamente com ondas e o barco danificado, a terra queimada era

obtida com a jangada/ilha de madeira sólida (e com cor de terra

queimada) sobre a qual se moviam todos os personagens. Strehler

cria, assim, também um extraordinário objeto metateatral: um palco

cênico sobre um palco cênico212.

210 KOTT, Jan. Shakespeare nosso Contemporâneo. São Paulo: Cosac&Naify, 2003, p.374-375. 211 Os atores que desenvolviam essa função eram alunos da Escola do Piccolo Teatro preparados por Marise Flach. 212 “[…] un ultimo lampo e poi, per un attimo, il buio più completo. […] Dopo la prima scena di tempesta, resa

realisticamente con onde e nave allo sconquasso, la terra bruciata è resa dalla zattera / isola di solito legno (e di

color terra bruciata) su ci muoveranno tutti i personaggi. Strehler crea così anche uno straordinario oggetto

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Na estreia, percebeu-se que essa primeira cena era muito longa e que os

sons do vento e da chuva acabavam se sobressaindo à fala dos atores. Para a

temporada do espetáculo, no mesmo ano, Strehler adaptou e condensou a cena.

Realizou grandes cortes de texto por entender que as imagens dessa cena eram muito

poderosas. Por esse motivo, optou pela economia das palavras, pelo ajuste da

qualidade, pelas cadências e volumes dos sons e das palavras. Na primeira cena o

texto praticamente desaparece, pois, a cenografia é preponderante. A tempestade é

produto da magia teatral de Próspero que, com os efeitos cênicos, cancela a

palavra213.

No processo de elaboração do espetáculo, o cuidado com o ritmo e com as

sonoridades foi assumido pelo próprio Strehler, que muitas vezes tocava os

instrumentos, sugeria soluções aos músicos e assim buscava formar uma paisagem

sonora que dialogasse efetivamente com a encenação.

Figura 20 – A magia de Próspero. (Foto: Arquivo do Piccolo Teatro di Milano – Teatro d’Europa)

metateatrale: un palcoscenico su un palcoscenico” (tradução nossa). ANZI, Anna In COLOMBO, Rosy (org),

2007, p. 371

213 RESTIVO,G.; CRIVELLI.R, S. e ANZI, A. (org). Strehler e oltre - il Galileo di Brecht e La Tempesta di

Shakespeare. Bologna: CLUEB, 2010, p.170.

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A questão rítmica ligada à palavra demonstrava a intenção de ser fiel a

Shakespeare, de acordo com as anotações de Lombardo e o relato dos

colaboradores, mas encontrar no vocabulário italiano as palavras adequadas à

dimensão que a poesia shakespeariana requeria, precisou de ajustes. Assim, toda vez

que a tradução era levada à cena e as palavras faladas pelos atores e atrizes não se

aproximavam do ritmo que a fala original sugeria, retornava-se a busca por palavras

que compreendessem a dimensão poética-rítmica da cena e da obra. Desta forma, se

estabelecia um jogo entre os intérpretes e o texto que iam se adequando

progressivamente.

O início do espetáculo apresentava o que Strehler chamava de “teatro feito

à mão”. Como foi relatado, o encenador deixava à mostra todos os mecanismos

teatrais, toda a maquinaria. No palco havia apenas uma plataforma retangular, dividida

em diagonal e formada por vários planos que se moviam de forma independente

durante o espetáculo em alusão aos diferentes lugares da ilha de Próspero nos quais

se desenvolvem os vários momentos do enredo da peça. Além disso havia alçapões

de onde eram retirados alguns dos objetos de cena, e de onde eram realizadas as

aparições de Caliban.

Este espaço cênico aproxima-se do utilizado em O Jardim Das Cerejeiras.

O ciclorama e o palco seminu, com os bastidores da cena à vista, são uma tônica nos

espetáculos teatrais dirigidos por Strehler, cada um com as peculiaridades que cada

trabalho demandava214.

214 Esta revelação dos bastidores da cena buscando uma abordagem metateatral que rompesse com o ilusionismo

também pode ser compreendida como uma herança vinda de espetáculos nos quais Piscator, Vakhtângov e Brecht

utilizaram-se desse mesmo recurso.

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Figura 21 – O naufrágio (Foto: Arquivo do Piccolo Teatro di Milano – Teatro D’Europa)

As cenas iniciais da Tempestade, com a sucessão de imagens-quadros,

informavam aos espectadores a situação anterior215 a que estava sendo mostrada. Os

momentos nos quais era usada a mesma técnica de montagem, de acordo com Griga,

faziam lembrar sequências cinematográficas. As entradas dos personagens e o

naufrágio foram construídos em um plano sequencial de imagens que tinham como

objetivo esclarecer aos espectadores, de forma simbólica, o essencial da obra. O

confronto entre a natureza e a ordem social, presente na obra de Shakespeare, era

exibido de forma explícita no espetáculo. Esse tipo de tratamento dado às cenas que

se valem do artifício das sequências de imagens, esteve presente nas últimas criações

de Strehler nas quais, com propriedade, o diretor joga com os elementos plásticos e

sonoros do espetáculo sem excluir a potência que a cena deve conter.

215 Na análise ativa esta corresponderia ao “acontecimento inicial”, ou seja, ao acontecimento que nos situa no

contexto em que surgirá o problema da obra. D’Agostini afirma: “Saber determinar o universo da obra, o solo no

qual ela vai germinar e se desenvolver, é de importância fundamental, pois é nele que as personagens tecem a sua

vida. Do entendimento multifacetado desse universo, em seus aspectos sociais, econômicos, políticos, culturais,

existenciais, depende, em grande parte, a complexidade da história. Esse universo deve ser concretizado

cenicamente, no espetáculo, através da construção dos acontecimentos ou acontecimento inicial. Ele é o trilho

onde a vida da obra passa a transcorrer, no qual as personagens lutam, desejam, odeiam, amam, etc.”. 2007, pg 50.

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Em relação a essa espécie de jogo entre os elementos da concepção do

espetáculo e o diálogo com a obra, Casiraghi aponta:

A forma do espetáculo pouco a pouco se faz clara nas experimentações no palco: cada gênero teatral conquista espaço, da comédia à tragédia, da fábula de amor ao drama pastoril. Contaminam-se realismo da época elisabetana e ilusões barrocas, citações da ópera e da commedia dell’arte que, historicamente, fazia suas primeiras aparições na Inglaterra justamente naquela época. Cada nova ideia leva horas e horas de tentativas para que se traduza completamente em objeto de dramaturgia. Shakespeare ensina a não descuidar de mesclar intuições poéticas e necessidade de palco

cênico216.

O trabalho com A Tempestade foi singular. Anna Anzi217 ressalta em seus

relatos que Strehler descrevia, aos seus colaboradores, o espetáculo como tinha em

mente, mas não fornecia imagens precisas. Propunha inicialmente apenas uma

descrição sugestiva baseada em sensações. A transformação da sensação em

imagem caberia ao cenógrafo ao qual era concedida uma grande liberdade criativa218.

A interferência de Strehler também se dava efetivamente na criação de

imagens cênicas. Um exemplo é a supressão dos espíritos Íris, Ceres e Juno que

foram substituídos pela projeção de uma luz âmbar com a qual os atores se

relacionavam como a imagem abaixo nos ilustra:

216 “La forma dello spettacolo si fa chiara via via nelle sperimentazioni sul palco: ogni genere teatrale prende

spazio, dalla commedia alla tragedia, dalla fiaba d’amore al dramma pastorale. Sì contaminano realismo dell’età

elisabettiana e inganni barocchi, citazioni dall’opera in musica e dalla commedia dell’arte che, storicamente, faceva

proprio a quei tempi le sue prime apparizioni in Inghilterra. Ogni nuova idea costa ore e ore di tentativi perché si

traduca compiutamente in oggetto drammaturgico. Shakespeare insegna non trascurare di amalgamare intuizioni

poetiche e necessità di palcoscenico” (tradução nossa). CASIRAGHI, 2012, p.11. 217 Anna Anzi: Professora de História do Teatro Inglês na Università degli Studi di Milano. Pesquisa,

principalmente, o teatro inglês do Renascimento, atentando-se às relações entre palavra e imagem. 218 ANZI In COLOMBO, 2007, p. 364.

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Figura 22 – Os espíritos em forma de luz (Foto: Arquivo do Piccolo Teatro di Milano – Teatro d’Europa)

Em relação ao trabalho com os atores, este se dava, mais uma vez, na

cena. Strehler costumava colocar sua mesa na oitava fila do teatro e o espaço era

aberto para quem desejasse assistir aos ensaios. Portanto, tinham um público

constante de colaboradores, artistas curiosos, estudantes e críticos teatrais. Para

Strehler, o teatro deveria ter as portas sempre abertas para que os espectadores

também pudessem vivenciar todas as etapas do fazer teatral. Esse modo de trabalho,

que se tornou uma referência nos processos de criação de Strehler, ajudava os atores

na concentração mantendo-os atentos às trajetórias de criação de cada uma das

situações e fazendo com que se acostumassem com a presença do público.

Certamente a presença do público era estimulante para todos, mas

também, existiam momentos de recolhimento nos quais Strehler sentia a necessidade

de fechar as portas para os observadores. Em A Tempestade isso aconteceu por duas

vezes. A primeira se deu durante a leitura da obra com os atores e atrizes. A segunda,

na elaboração da primeira cena do terceiro ato (encontro entre Miranda e Ferdinando),

pois, de acordo com Strehler, haviam chegado a um ponto em que necessitavam de

recolhimento, devido à exigência de uma concentração extrema.

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Strehler referia-se a esses momentos como “a pura e simples prática de

raciocínio e sensibilidade profissional”219. Também serviam para que os artistas da

cena envolvidos estabelecessem um espaço pessoal de relação com suas criações,

podendo por meio de seus processos de criação particularizados, revê-las, adaptá-las

e modificá-las em jogo, ou até mesmo fora dele, e, assim, sentirem-se livres em suas

ações. Além disso, nesses momentos também eram resolvidos os problemas técnicos

e organizativos, com a cenografia, a iluminação, os instrumentos musicais e outras

demandas.

Figura 23 – Strehler em jogo com os atores (Foto/Arquivo do Piccolo Teatro di Milano – Teatro d’Europa)

Os atores que vivenciaram esses processos de criação, bem como os

colaboradores que os acompanharam, referiram-se a um work in progress, pois o

diretor conhecia muito bem cada detalhe das personagens e das situações das obras,

o que muitas vezes fazia com que participasse ativamente da criação. Esse work in

progress não se limitava apenas ao período de construção do espetáculo. Mesmo

após a estreia, muitas cenas foram modificadas, extraídas ou tiveram partes do texto

219 GAIPA In CASIRAGHI, 2012, p.128.

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suprimidas. Esse processo de transformação do espetáculo era constante, a cada

nova temporada220. Tratava-se de uma constante recriação.

Strehler não sugeria ações, entonações ou movimentos. Costumava dizer

aos atores para lhe fornecerem ações que pudessem ser trabalhadas, modificadas ou

até mesmo excluídas caso fosse necessário. Os atores deveriam fornecer os materiais

para que pudessem construir juntos as cenas. Há aqui um entendimento da

centralidade da criação do ator/atriz na realização do espetáculo que se aproxima de

muitos processos criativos da atualidade. Nesta perspectiva, o diretor é uma espécie

de espelho para o ator em sua entrega criativa221.

O trabalho com o ator Tino Carraro, que interpretou Próspero, era

extremamente exaustivo. Travava-se de um verdadeiro duelo de criação, um duelo de

dois grandes artistas em prol do teatro. De acordo com os relatos de Gaipa, nesses

processos de ensaios, Carraro jogava como se utilizasse as garras e a força de um

leão em uma batalha, muitas vezes contra si mesmo (pelas falhas de memória ou

simplesmente porque seu físico às vezes o traía). Strehler era implacável com ele na

elaboração dos movimentos, das intenções e na limpeza das ações. Eram ensaios

muito longos, que transitavam entre a frustração e a exaltação, pois não havia a

possibilidade de ele sair de cena antes de seis ou sete horas de trabalho222.

Strehler subia ao palco para jogar com os atores e atrizes interferindo

diretamente na atuação. Muitas vezes não interpretava nenhuma das personagens

que estavam sendo encenadas, apenas se colocava em cena para provocar,

aprofundar, propor ritmos, estimular deslocamentos e transformações no

desenvolvimento das situações. Os atores e atrizes deveriam saber repetir,

transformar e aperfeiçoar, criar um desenho no espaço, reafirmar a teatralidade e se

220 A Tempestade esteve em cartaz na Itália nas temporadas de 1977-1978 e 1978-1979. Além disso, com essa

encenação inaugurou-se o projeto Teatro da Europa em Paris, no ano de 1983. Em 1984 fez uma turnê pelos

Estados Unidos. 221 Esta metáfora do diretor como espelho do trabalho do ator remete, novamente, ao trabalho realizado por

Stanislávski e Sulerjítski no Primeiro Estúdio do Teatro de Arte de Moscou. A este respeito Sulerjítski afirmava:

“O diretor é o melhor, e necessário, amigo do ator; ou pelo menos deveria sê-lo. E quanto mais agudo, talentoso e

preciso for o diretor como espelho do ator, tanto mais será útil e necessário para ele. Todo o mérito do diretor não

está em ensinar ao ator, mas em dar ao ator a capacidade de se ver, de compreender o próprio ‘eu’. [...] Toda a arte

do diretor está em mostrar ao ator, como um espelho, a sua imagem quando segue as indicações do próprio talento,

quando, enganado pelas próprias deficiências, cai nos procedimentos da trivial rotina cênica, cai em poder dos

clichês e de criador livre se torna copiador profissional, vendendo o espírito e o corpo para a diversão da multidão”.

In MOLLICA, Fabio (org). Il teatro possibile: Stanislavskj e il Primo Studio del Teatro D’Arte di Mosca.

Firenze: La Casa Usher, 1989, p.104. 222 GAIPA In CASIRAGHI, 2012, p.12.

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surpreenderem com suas próprias descobertas em relação às personagens e aos

desdobramentos delas. Este modo de direção, com a interferência direta no jogo da

cena, é um procedimento strehleriano que foi se consolidando ao longo de sua

trajetória.

.... Costumo dizer que em cada encenação minha há uma metade que

é minha própria criação corrigida pelos atores, e outra metade que é

uma criação dos atores, corrigida por mim. O teatro é uma arte

coletiva, complexa que se serve dos talentos e das possibilidades de

um grande número de pessoas colaborando juntas. É uma das

características mais fundamentais e fascinantes do teatro223.

Nesta encenação, as similaridades com a commedia dell’arte se

evidenciam, principalmente, nas intervenções dos personagens Stefano e Trínculo (o

primeiro apresentava aspectos de um zanni e o segundo aproximava-se do bufão

napolitano Pulcinella). No trabalho com esses atores, Strehler se utilizou bastante dos

experimentos feitos nas encenações de Arlequim Servidor de Dois Patrões no que se

refere ao tratamento rítmico e à ampliação dos gestos e das ações.

Embora no texto de Shakespeare não haja indicações específicas a

respeito dos figurinos destes personagens, Strehler optou por utilizar figurinos

característicos da commedia e não da tradição elisabetana. Os figurinos de Stefano e

Trínculo eram brancos e ambos possuíam uma máscara preta que cobria somente a

região dos olhos.

Trínculo, representava um Pulcinella napolitano, usava por cima de suas

vestes brancas uma capa vermelha, era tipicamente carnavalesco, tinha medo de tudo

e de todos e utilizava-se desse medo para sobreviver. Em suas falas mesclava o

dialeto napolitano com o italiano padrão.

Já Stefano, a princípio, era visto apenas como um zanni, mas com passar

do tempo, com as apresentações e as constantes transformações que o espetáculo

estava sofrendo, Stefano deixou de ser um zanni genérico e passou a ser uma

máscara mais precisa, definindo-se, então, com a máscara de Briguela. Até mesmo

os seus figurinos foram se adaptando e ganhando uma estilização da própria

commedia dell’arte. Utilizava uma capa verde oliva e um chapéu de marinheiro com

duas penas, uma referência direta à commedia dell’arte; falava e cantava em uma

223 TANANT, 2015, p. 54.

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mistura entre o dialeto vêneto e o italiano padrão, para auxiliar o público na

compreensão.

As entradas de Stefano eram anunciadas pelo ritmo dos instrumentos, um

bumbo e pratos; ele entoava um canto estridente e vulgar intercalado com soluços,

indicando que havia bebido além da conta224.

Figura 24 – Ariel, Caliban, Trínculo e Stefano – ensaio (Foto/Arquivo do Piccolo Teatro di Milano – Teatro

d’Europa)

Caliban também era considerado uma máscara. Seu aspecto selvagem,

quase demoníaco, exigiu do ator Michele Placido225 um preparo físico bastante

apurado que incluía força e plasticidade. Caliban era físico, atlético e se caracterizava

com a pele coberta por uma maquiagem preta, vestindo apenas uma espécie de tapa-

sexo. Caliban representava as forças terrenas, um personagem concreto que

retratava a própria natureza humana, ou seja, a negatividade e a bondade, os vícios

e as virtudes. Era escatológico e primitivo. Suas ações tinham dimensões que se

distanciavam do caráter realista; eram amplas e com um domínio virtuoso do espaço.

224 ANZI In RESTIVO, G.; CRIVELLI, R.S. e ANZI, A. (org), 2010, p. 186. 225 Michele Placido (1946): Estou na Accademia Nazionele d’ Arte drammatica. É ator, roteirista e diretor de

cinema e teatro. Suas atividades mais expressivas estão voltadas ao teatro.

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Remetiam a um misto de homem e animal, com instintos humanos e selvagens que

se revelam por meio delas.

Diferentemente do que o público pretendia ver, o Caliban proposto na

encenação strehleriana não é um monstro, mas um homem com seus desejos e

repressões. Um personagem que tem sentimentos, que está dividido em sua própria

natureza de colonizado e colonizador e que tem como único desejo a liberdade. É um

personagem diferente, e não disforme226.

Outro personagem que teve um estudo bastante detalhado foi Ariel. O

trabalho para a sua elaboração teve especial atenção, exaltando o misto entre o real

e o irreal, pois, de acordo com Strehler:

A ideia de fazê-lo um jovenzinho, um menino elisabetano, era muito teórica. Não teremos um menino suficientemente jovem, quase hermafrodita que saiba interpretar, cantar e se movimentar com a inteligência que Ariel requer. De um lado o frescor necessário e do outro a ciência teatral227.

Por isso a escolha em colocar uma mulher para interpretá-lo parecia

coerente naquele momento. Uma atriz madura teria a capacidade de confrontar-se e

elaborar a personagem com a destreza necessária. A escolha da atriz Giulia Lazzarini

se deu por sua capacidade de adequar-se e elaborar um Ariel com agilidade e

profundidade, como Strehler almejava, bem como por suas caraterísticas físicas: ter

um porte pequeno, um ar infantil e parecer quase assexuada. A maquiagem e o

figurino, unidos aos movimentos, palavras e tons, seriam importantes para auxiliá-la

na criação de Ariel.

Na concepção do espetáculo, Ariel aparece, na maior parte do tempo,

suspenso por cabos, o que impunha um preparo físico bastante específico. Em função

de estar no ar, a atriz desenvolveu um treino físico bastante exigente e pesado, pois

226 STREHLER. Appunti di regia 1992. STREHLER, Giorgio. Disponível no arquivo digital do Piccolo Teatro

di Milano http://archivio.piccoloteatro.org/eurolab 227 “L’idea di farlo un “ragazzino”, il boy elisabettiano, è troppo teorica. Non si troverà mai un ragazzo

giovanissimo, quasi “ermafrodito” che sappia recitare, cantare e muoversi con la sapienza che Ariel richiede. Da

una parte l’acerbità necessaria, dall’altra la scienza teatrale” (tradução nossa). STREHLER In COLOMBO, 2007,

p. 21-22.

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não poderia perder a precisão das ações, deveria manter o fôlego para executar as

canções e os textos e manter o ritmo adequado a cada situação.

A caracterização de Ariel era composta por uma roupa branca, leve e

transparente, e por uma máscara branca, levemente triste, pintada no rosto e que

diretamente aludia à tradicional imagem do Pierrot. O jogo estabelecido nas

interferências de Ariel desenvolvia destreza, agilidade e, ao mesmo tempo, tensão e

dramaticidade. No entanto, isto não se fundamentava na exploração de psicologismos

dos conflitos humanos, mas em intervenções voltadas ao público como uma forma de

aproximação e sedução. A figura de Ariel era extremamente importante, pois ele

auxiliava com prestatividade e agilidade todos os projetos e desejos de Próspero. Em

muitos momentos, os espectadores eram guiados pelas perspectivas de Ariel que

permanecia sendo o fiel escravo de Próspero à espera de tornar-se livre.

O jogo e caracterização das personagens nesta encenação eram uma

aproximação bastante evidente para o público em relação à tradicional commedia

italiana.

Evidentemente, outra aproximação possível com a commedia dell’arte é a

condensação de uma ou mais cenas do texto em forma de canovaccio, ou até mesmo

a inclusão de pequenas situações que parodiavam acontecimentos ou ações dos

personagens. Isto permitia maior agilidade no jogo dos atores e a situação era

informada de modo rápido, sem causar danos à linha de ação da encenação. Essa

intervenção no texto se deu depois de uma análise detalhada da obra e da indicação

das situações fundamentais. Essa preocupação com a transversalidade da ação na

obra remete à noção de linha transversal de ação228, conforme formulada por

Stanislávski.

228 Linha transversal de ação - “é o caminho por onde o superobjetivo se afirma ao longo da obra [...] não é

criada por si só, mas por uma longa série de objetivos menores e outros mais importantes que cumprem o

superobjetivo da obra e são absorvidos por este”. D’AGOSTINI, 2007, p.32

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Figura 25- Ariel e Próspero (Foto: Arquivo do Piccolo Teatro di Milano-Teatro d’Europa)

A citação que segue refere-se à primeira cena do II Ato, na qual houve

interferência do encenador:

Gonzalo, olhando ao redor de si, diz: “A relva, como é viçosa e resistente! E como é verde!”. Responde Antônio: “Toda a terra queimada”. Intervém Sebastião: “Com uma pontinha verde sobre ela”.

Strehler reescreve dramaticamente a cena, elimina a relva e a substitui por uma folha. A folha aparece sobre um pequeno feixe de gravetos colocado em primeiro plano sobre a jangada/ilha e, se por um lado este pequeno elemento confirma as palavras de Sebastião, por outro tem um importante papel metateatral e simbólico, dá vigor e força visual à fala “Toda a terra queimada” de Antônio, fala sarcástica se somente lida, mas também genial se atuada.229

229 “Gonzalo guardandosi, attorno dice: “L’erba, com’è lussureggiante e vigorosa! E com’è verde!” Risponde

Antonio: “Tutta terra bruciata”. Interviene Sebastiano:” Con una puntina di verde su”. Strehler riscrive

drammaticamente la scena, elimina l’erba e la sostituisce con una foglia. La foglia compare su rametto di legno

collocato in primo piano sulla zattera/isola e, se da un lato questo piccolo elemento basta a confermare le parole

di Sebastiano, dall’ altro gioca un importante ruolo metateatrale e simbolico, dà vigore e pregnanza visiva alla

battuta. “Tutta terra bruciata” di Antonio, battuta sarcastica se solo letta, ma anche molto geniale se agita.” ANZI

In COLOMBO, 2007, p.371.

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Nas anotações de Enrico D’Amato230 percebemos os cortes que eram feitos na

obra por Giorgio Strehler no decorrer dos ensaios. As imagens que seguem referem-se aos

cortes da cena 3 do ato III e cena 1 do ato IV respectivamente. A imagem da direita

corresponde ao texto de tradução de Lombardo e a da esquerda à adaptação feita por

Strehler. Percebe-se por meio das imagens a supressão de grandes trechos de texto:

Figura 26 – Imagens dos registros dos ensaios feitos por Enrico d’Amato231

230 Enrico D’Amato (1932-2015): Ator, diretor e professor. Formou-se em Letras e, posteriormente, frequentou a

Accademia de Arte Drammatica Silvio D’Amico. Em 1968 ingressou no Piccolo Teatro e foi um colaborador e

assistente muito próximo de Giorgio Strehler. Com a Fundação da Escola do Piccolo Teatro, em 1986, passou a

exercer a função de professor. No processo de A tempestade foi assistente de Strehler e registrou os ensaios por

meio de diários de encenação. 231 RESTIVO, G; CRIVELLI, R.S e ANZI, A., 2010, p.176-177.

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Figura 27 − imagens dos registros de ensaio feitos por Enrico D’Amato232

Esse modo de tratamento do texto ocorreu em vários momentos da

encenação. Outro exemplo é a última cena, na qual, como uma metáfora simbólica233

“o desmoronamento dos andaimes e a exposição de toda a maquinaria cênica aludem

à queda das utopias renascentistas e, simultaneamente, ao fracasso do teatro como

possibilidade de melhorar a vida humana em tempos tão difíceis”.234

Assim, como no início tudo aparece sendo montado para que a encenação

se desenvolva, no final tudo está em ruína e desmorona subitamente. Ariel, em meio

233 Remetendo ao sistema de Stanislávski, este momento do espetáculo corresponderia ao “acontecimento

principal”, por meio do qual a ideia do diretor se concretiza em uma imagem final. 233 Remetendo ao sistema de Stanislávski, este momento do espetáculo corresponderia ao “acontecimento

principal”, por meio do qual a ideia do diretor se concretiza em uma imagem final. 234 COLOMBO, 2007, p.372.

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à ruina, se retira entre os espectadores e Próspero pronuncia o epílogo: “e meu fim

será o desespero”. Próspero assume sua impossibilidade de intervir sobre a realidade

e, ilustra esse pensamento, partindo ao meio sua vara mágica. Nas palavras de

Strehler isso simboliza “um projeto humano e maravilhoso não alcançado”.235

De acordo com a atriz Giulia Lazzarini, encenar Shakespeare foi uma

necessidade para Strehler, pois através das suas obras ele conseguia abordar as

questões humanas com maior propriedade e reacender sua paixão pelo teatro. Foi

assim com A Tempestade, pois, de certa forma, Strehler se identificava com

Próspero.236

No que concerne à sua semelhança com Próspero, o próprio Strehler

chegou a afirmar que essa talvez pudesse ter se dado pela busca de sua teatralidade.

Em relação a essa questão, Agostino Lombardo destaca que a identificação com

Próspero aconteceu já no momento em que Strehler iniciou sua investigação da obra

de Shakespeare e dos modos como poderia compreender e expandir seus inúmeros

significados.237

Giulia Lazzarini também relata a respeito da importância que Strehler dava

ao espetáculo. Após a temporada na Itália, e de algumas apresentações nos Estados

Unidos, a atriz havia decidido não continuar a atuar o papel de Ariel pela sobrecarga

que as ações causavam em sua coluna (“A Tempestade é o espetáculo do meu

coração e da minha coluna”238). Naquele momento estavam prestes a fazer a

temporada em Paris, no projeto Teatro da Europa. Em um primeiro momento Strehler

aceitou sua decisão. No entanto, em seguida escreveu uma carta a ela na qual

explicava que era imprescindível fazer a temporada de A Tempestade em Paris e que

isso iria acontecer com ou sem ela, pois para ele era fundamental que a abertura do

Projeto Teatro da Europa fosse realizada com essa encenação, por inúmeras razões

sociais e políticas239.

Em sua entrevista Giulia cita essa passagem como meio de ilustrar a

persistência de Strehler e a importância que ele dava para o espetáculo. De acordo

235 GRIGA, 2003, p. 24. 236 LAZZARINI, Giulia. Entrevista concedida à autora desta pesquisa. Milão: 2015. 237 1992.p. 65. 238 LAZZARINI, op.cit. 239 Idem

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com ela: “Strehler me provocou, jogou com minhas paixões e minha coragem diante

o teatro, foi inevitável não retornar A Tempestade”240.

A Tempestade do Piccolo Teatro teve seu reconhecimento, quase

inesperado, quando foi transmitida em 1981 pela RAI, sob a direção televisiva de Carlo

Battistoni.241 De acordo com Giulia Lazzarini, a transmissão de A Tempestade para

TV242 foi feita sem aviso prévio a Giorgio Strehler, o que causou uma certa tensão,

mas para sua surpresa, em uma ligação a Battistoni, Strehler manifestou sua alegria

por ele ter mantido a linha cênica da encenação de A Tempestade sem cortes,

respeitando as interferências da iluminação que o espetáculo necessitava para as

passagens de tempo243.

A tempestade teve enorme repercussão na cena italiana e mundial e foi

objeto de inúmeros estudos críticos que reverberam até hoje. Muitos desses estudos

se fundamentaram nos relatos dos apontamentos de direção de Strehler, nas cartas

trocadas entre ele e seus colaboradores (que explicitam os questionamentos surgidos

no decorrer do processo) e nos diários de Ettore Gaipa e Enrico D’Amato que

acompanharam todos os ensaios.

Percebe-se que Strehler se utilizou de procedimentos conjugados, isto é,

continuou com o processo de redescoberta da tradição teatral e se apropriou dela para

dialogar com suas necessidades artísticas em seu tempo. Isto fez com que ele se

consolidasse como um referencial nas artes cênicas da segunda metade do século

XX e com que suas criações tivessem grande repercussão dentre seus

contemporâneos.

Em A Tempestade Strehler repete alguns modos de feitura e soluções de

cena, mas também questiona o próprio fazer teatral que havia vivenciado até aquele

momento e faz desse espetáculo uma espécie de revisitação a seus princípios

artísticos, éticos e sociais.

240 LAZZARINI, Giulia. Entrevista concedida à autora desta pesquisa. Milão: 2015. 241 Carlo Battistoni (1935-2004): Diretor e grande colaborador de Giorgio Strehler nas produções do Piccolo

transpostas para a TV. 242 Sobre essa transposição do espetáculo para a TV, Strehler afirmou: “uma obra de teatro transposta para TV [...]

deve manter-se íntegra e não manipulada”. In GRIGA, 2003, p. 30. 243 LAZZARINI, op.cit.

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A TRADIÇÃO, A RENOVAÇÃO E A DISPOSIÇÃO PARA O DIÁLOGO

“Eu sei e não sei por que faço teatro mas sei que devo fazê-lo, que devo e quero fazê-lo fazendo entrar no teatro a totalidade de mim mesmo, homem político e não, civil e não, ideólogo, poeta, músico, ator, palhaço, amante, crítico, eu em suma, com aquilo que sou e penso ser e aquilo que penso e creio que seja a vida. Pouco sei, mas esse pouco o digo244[...]”

(Giorgio Strehler)

As encenações escolhidas para fazer parte desta tese marcam a

maturidade de Giorgio Strehler como encenador. Em todas elas, ele foi além da mera

ilustração da obra e gerou modos de tratamento, análise e apropriação do texto para

a concepção de um processo criativo intenso e espetacular (grandioso) no qual foi

mantida uma atenção refinada à artesania do fazer teatral. Tais aspectos estavam

também vinculados à preservação de um compromisso ético, já que a produção teatral

de Strehler esteve ligada à sua obstinação, e a de seus colaboradores, em popularizar

as artes cênicas e buscar a transformação da sociedade através da arte teatral. Paolo

Bosisio, em entrevista, afirma que no final dos anos 70, Strehler atinge a maturidade

artística e define seu modo de dirigir como a herança de seus mestres, como uma

síntese única dos legados teatrais de K. Stanislávski e B. Brecht. Bosisio afirma que

existe um modo unicamente strehleriano de dirigir e, para caracterizá-lo, lança a

imagem de que Strehler teria sido capaz de fazer Stanislávski e Brecht se darem as

mãos e conduzi-lo a uma abordagem particular da arte da encenação245.

Segundo Paolo Bosisio, professor e diretor teatral, o período pós-guerra na

Itália foi um momento no qual tudo era possível, um momento cultural “mágico” em

244 “[...] io so e non so perché lo faccio il teatro ma so che devo farlo, che devo e voglio farlo facendo entrare nel

teatro tutto me stesso, uomo politico e no, civile e no, ideologo, poeta, musicista, attore, pagliaccio, amante, critico,

me insomma, con quello che sono e penso di essere e quello che penso e credo sia vita. Poco so, ma quel poco lo

dico[...]”. In Giorgio Strehler e la storia del “Piccolo”. Documentário. Direção: Pino Galeotti. Disponível em

https://www.youtube.com/watch?v=y7ZVjyRQRTM 245 BOSÍSIO, Paolo. Entrevista concedida a autora desta pesquisa. Milão: 2015.

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que os sonhos poderiam se tornar realidade e, isso certamente ajudou Strehler na

realização do sonho de criar um teatro de arte para todos. Bosisio ressalta que os

ingredientes necessários para a implementação de um projeto teatral com tais

características eram: o estudo minucioso do texto, que sempre foi indispensável para

Strehler e a interpretação individual e sensível. Eram elementos assim que davam a

chave para a totalidade do espetáculo. Os outros ingredientes eram os recursos

próprios da composição da encenação: o cenário, a música, o figurino e a iluminação

que seriam criados plenamente em função das propostas e das exigências específicas

de cada trabalho. Foi com Strehler, por exemplo, que pela primeira vez, na Itália, a

iluminação assumiu um grande peso estético e psicológico na apresentação de um

espetáculo. Ainda de acordo com Bosisio, ele diz ter tomado de herança para sua vida

de artista, a descoberta de que o trabalho cuidadoso e atento de iluminação era uma

das partes determinantes da linguagem visual de uma montagem teatral246. Os

espetáculos de Strehler caracterizavam-se, enfim, pela perfeição dos detalhes, pela

dedicação minuciosa e extremada que tinha com todos os elementos da encenação.

No modo de dirigir de Strehler, os componentes cênicos (iluminação,

objetos, músicas, cenografia e figurino) adquiriam grande relevância como um recurso

fundamental para introduzir os atores às circunstâncias da obra e da encenação.

Desde os primeiros ensaios coletivos, Strehler já procurava auxiliar a adaptação dos

atores colocando-os na atmosfera da cena, motivo pelo qual os elementos, mesmo

que provisórios, (já que eram modificados e aprimorados ao longo dos ensaios), eram

cuidadosamente elaborados e construídos.

O ambiente do teatro, e o comportamento dos participantes durante os

ensaios, também deveriam favorecer a oportunidade de imersão na atmosfera que,

aos poucos, tomava conta do espaço cênico. Com isto Strehler conseguia estimular o

imaginário dos atores, dar início à construção concreta das situações e esboçar

propostas estéticas. A música também era um recurso primordial em seus processos

criativos, pois por intermédio dela ele conseguia enfatizar as tensões da obra e dar

aos atores uma percepção rítmica importante na elaboração das personagens.

Nas encenações de Strehler, o interesse pelo resgate da commedia

dell’arte acaba por nos revelar um diálogo com os fundamentos da teatralidade,

246 BOSÍSIO, Paolo. Entrevista concedida a autora desta pesquisa. Milão: 2015.

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principalmente no que se refere à valorização da presença do ator/atriz, por meio de

suas possibilidades corporais e vocais, e a disponibilidade ativa para o jogo e para a

improvisação no contexto do roteiro ou da obra. Nos processos criativos de Strehler a

improvisação não acontecia como resultado de um “espontaneísmo” sem a

determinação de elaborações prévias, mas como resultado de um domínio preciso do

desenvolvimento da ação por parte do ator/atriz.

No momento em que se resgata e se vivencia as experiências provocadas

pela utilização das máscaras dell’arte, por exemplo, está sendo também acionado, ou

melhor, retomado, elementos constituintes dos fundamentos da teatralidade e não

apenas do gênero cômico.

Sob tal perspectiva, o trabalho de Strehler propõe uma centralidade do

ator/atriz que extrapola sua presença cênica e que se efetiva na compreensão e no

domínio concreto de todos os elementos que compõem o espetáculo. Era de uma

clareza absoluta para Strehler, a importância da abertura do espetáculo para a relação

com os espectadores, concretizando-se através do jogo dos atores com a intenção de

estabelecer envolvimento ativo do espectador com o espetáculo. Tal enfoque gera

também uma aproximação entre as poéticas de Strehler e as diversas propostas

cênicas de hoje em dia.

Em suas encenações ele mobilizava um amplo e complexo conjunto de

elementos que servia de base para o processo de criação. O estudo minucioso das

situações e das circunstâncias propostas pela obra dramatúrgica consolidava-se

como o ponto inicial de sua criatividade, o qual se somava um conjunto de referências

imagéticas, iconográficas e musicais que também amparavam a concepção da

encenação. Ao artista que fazia parte do elenco era dada total liberdade nos processos

improvisacionais e maior concretude para o jogo teatral, ainda que seu campo, de

certa forma, estivesse delimitado pela proposta do encenador, sua concretização em

elementos estéticos da encenação era sendo criada durante o processo de atuação.

Talvez em razão dos elementos de cena serem concretamente manipulados desde o

início dos ensaios, configuravam-se tanto como suportes para a atuação, quanto como

recursos operacionais de investigação sobre a obra e a concepção do espetáculo que

se dava, fundamentalmente, na concretude do palco.

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Em relação à compreensão do texto, Bosisio recorda sua herança

strehleriana:

Strehler me ensinou a não me contentar com a palavra, a recuar, antes e, entre cada palavra; a ler entre as palavras, entre as palavras247, sem jamais ir direto às palavras. Ensinou-me a descobrir o que tem dentro e entre cada palavra do texto; a encontrar outra dimensão, e esta dimensão é o subtexto248.

A atenção detalhada de Strehler a uma análise que não se esgota nos

aspectos literários e linguísticos, mas que se dirige, particularmente, a uma

abordagem aprofundada do desenvolvimento da ação e de criação de outras camadas

de significado não explícitos no texto, nos leva diretamente à herança stanislavskiana.

Segundo Banu, para encenadores como Copeau, Jouvet, Stanislávski e depois

Strehler, o texto ”existe como material cujo subtexto deve ser progressivamente

descoberto, aquele fluxo interior que dá vida ao texto, aquelas forças que o dirigem,

aquele segredo que a encenação deve revelar” 249.

O interesse pelo sistema de Stanislávski se dá pelo fato de ter sido um forte

alicerce ao fazer teatral do início do século XX que ecoa até hoje nos processos de

formação cênica. Muitos diretores daquela época, e de hoje em dia, se utilizam de

alguns dos procedimentos elaborados por Stanislávski como uma diretriz que norteia

suas propostas em construção, o que reforça os indícios de que as pesquisas desse

mestre russo são atemporais e ainda necessárias para a reflexão sobre processos de

criação em encenação. Evidentemente, isto não implica em uma reprodução exata

dos procedimentos utilizados por Stanislávski, mas em um diálogo renovador com os

fundamentos lançados por ele, para que a criação de outras poéticas cênicas seja

pleiteada e acompanhe as inquietações de cada momento.

Em relação à abordagem da dramaturgia nos processos desenvolvidos por

Strehler, destaco a proposta de entendimento sensorial do texto que se tornou uma

marca de seu estilo de direção. Por meio dela, se abria um complexo campo de

possibilidades, de entrosamento entre texto dramatúrgico e dramaturgia cênica, já que

247 A repetição porposital e o grifo buscam reproduzir a ênfase dada por Bosísio a essa expressão durante sua

entrevista. 248 BOSÍSIO, Paolo. Entrevista concedida a autora desta pesquisa. Milão: 2015. 249 BANU, Georges. Strehler and Art Theatre. In TIAN, Renzo e MARTINEZ, Alessandro (orgs). Giorgio

Strehler or a passion for theatre. Prix Europe pour le Théâtre, 2007, p.114.

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o texto, ao ser trabalhado durante o processo dos ensaios em conjunto com os demais

elementos cênicos, poderia sofrer, em diferentes contextos e períodos, modificações,

críticas e valores, que certamente, serviriam para enriquecer a atuação de todos. Com

isto, o espetáculo refletia, não somente a criação do autor da obra dramática, mas

também daqueles que se permitiam criar a partir dela e com ela.

Strehler tinha como hábito apresentar aos atores e à equipe, imagens,

poesias e outras obras de temática semelhante àquela que iriam encenar e que, por

algum motivo específico, poderiam vir servir de diálogo ou, então, simplesmente, os

apresentava motivado por um impulso de ilustração a ser compartilhada com os

atores. Assim, não havia uma única regra ou modelo de como iniciar um novo trabalho

baseado na escolha da obra, já que esse contato podia acionar diferentes ligações

com outras referências que eram utilizadas para engrandecer a atuação teatral.

Embora todos os processos, aqui descritos e analisados, tenham se

apoiado em textos dramatúrgicos que antecediam aos processos de criação, parece

pertinente supor a validade desse mesmo modelo criativo em procedimentos, ainda

em fase de criação teatral, que não tenham textos teatrais ou literários como seus

pontos de partida. Os exemplos de Strehler sobre como estruturar a encenação e os

diálogos com a tradição teatral permitem que todos estejam envolvidos ativamente na

arte da criação, e não somente na execução de tarefas, fazendo com que o espetáculo

tenha vitalidade e alcance uma integração efetiva entre os que o produzem e o público

que o assiste.

Era talvez uma das constantes intervenções de Strehler: o incentivo à

improvisação teatral, como já citado aqui algumas vezes. Para provocá-lo, ele se

colocava em cena para jogar com os atores. Esse seu fascínio pelo jogo da cena, em

cena, o levava efetivamente a dividir o palco como ator em alguns dos trabalhos sob

sua direção. Em Elvira ou a Paixão Teatral, feita em 1986 para a inauguração do

Teatro Estúdio, Strehler dizia as palavras de Jouvet, interpretando o papel de um

encenador, ou melhor, seu próprio papel. Outro espetáculo no qual Strehler atuou foi

na primeira parte de Faust Frammenti, realizado em 1989, após dois anos de estudo.

No entanto, seu grande projeto era atuar em as Memórias de Goldoni250,

que havia começado a escrever em 1960. O projeto consistia em apresentar três fases

250 O texto, escrito por Giorgio Strehler em cinco episódios e um epílogo, foi publicado em 2005.

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da vida de Goldoni (juventude, idade adulta e maturidade). A última fora a escolhida

para sua atuação, pois era como ele mesmo se sentia frente à realidade. A obra

apresentava uma reflexão de Strehler sobre o teatro e a vida, tendo como propósito

se basear na biografia e nas obras de Goldoni, no formato parecido de um diário.

Strehler tentou realizá-lo em diversos momentos, mas por contingências variadas,

teve que desistir dele repetidas vezes. Ele estava preparando esta encenação para

estrear no verão de 1998, mas faleceu antes que pudesse ver realizado seu grande

sonho no papel de dramaturgo e ator.

Foi de um volume impressionante a produção teatral de Strehler. Durante

sua vida, dirigiu mais de duzentos espetáculos somente no Piccolo Teatro, além de

diversas produções operísticas e colaborações com outros teatros. A reflexão

constante sobre seu momento histórico e seu engajamento político também se deram,

como não podia deixar de ser, como consequência de suas atividades no teatro.

A pluralidade de seus talentos fez com que Strehler, como encenador,

transitasse de um extremo ao outro da arte teatral assinando tanto as obras

extremamente luxuosas e grandiosas de caráter lírico, quanto os espetáculos que

dialogavam com a tradição popular da commedia dell’arte italiana. Foi um dos

responsáveis pela popularização do teatro italiano, pelo seu repertório de obras de

seus compatriotas e de clássicos mundiais que por ele foram encenadas por toda a

Europa e pelo mundo.

Seu aspecto pluralista de ideias e de concepções se destaca nas

entrevistas que realizei com seus colaboradores. Giorgio Bongiovanni afirma que

Strehler “era teatro puro”, pois, pela sua concepção, “Strehler transformava em teatro

qualquer coisa que tocasse. Ele gostava de contar histórias, desde as coisas mais

simples e cotidianas às mais eruditas. Vivia para contá-las e tudo era motivo para uma

narrativa de fatos reais ou fictícios. Era como uma criança; jogava o tempo todo” 251.

Giulia Lazzarini também recorda a importância do jogo nos trabalhos

criativos de Strehler. De acordo com ela, “o jogo era fundamental [...]. O jogo e a

humanidade eram características imprescindíveis nas obras de Strehler”. Lazzarini

ainda destaca o enorme conhecimento de Strehler em literatura, em poesia, em obras

251 BONGIOVANNI, Giorgio. Entrevista concedida à autora desta pesquisa. Milão: 2015.

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teatrais e em música, e afirma que todo esse conhecimento se transformava em um

recurso que o auxiliava a contar suas histórias, a realizar suas aventuras252.

O ator Enrico Bonavera, afirma que “trabalhar no Piccolo Teatro foi, e é,

uma belíssima experiência que deu dignidade e sentido ao meu trabalho (também nas

pequenas coisas), pelo respeito ao trabalho e pela valorização da arte” 253.

Sobre a formação, ou equalizando diferenças

Um dos fatores que cabe ser ressaltado no percurso de Strehler como

encenador é o respeito às formações diversas dos atores e atrizes que com ele

trabalharam e a maestria em equalizar as diferenças em função de um processo de

montagem equilibrado. Durante sua trajetória como encenador, Strehler teve a

colaboração de atores e atrizes que já tinham uma projeção na cena teatral italiana;

artistas com formação em diferentes escolas e conservatórios de arte da Itália; atores

que já haviam se dedicado ao estudo das máscaras; estudantes em formação na

escola ligada ao Piccolo Teatro e até mesmo pessoas sem uma formação artística

definida. Isto não impedia que todas as pessoas trabalhassem juntas, muito pelo

contrário, era um dos desafios que o encenador encarava como meio de agregar

artistas, difundir trocas e desafiar-se em seus processos de elaboração dos

espetáculos.

No que dizia respeito à sua visão sobre formação teatral, pode-se observar

seu principal desejo quanto à escola do Piccolo Teatro na entrevista dada por Strehler

à Myrian Tanant. Embora longa, a citação é necessária, pois permite revelar aspectos

fundamentais da pedagogia proposta por Strehler.

[…] não há disciplina reservada à direção em minha escola, simplesmente porque eu penso que aquele que se destina à encenação deve dominar a fundo todas as disciplinas que constituem a profissão: a interpretação, a cenografia, a técnica, a iluminação, os figurinos, a música. Do contrário, não se pode possuir a arte da composição do conjunto que caracteriza toda boa encenação é por isso que todas essas disciplinas são ensinadas na escola junto à arte do ator e à história do teatro. É por isso também que penso que uma boa escola de teatro não deveria nunca estar separada de um teatro. Creio que uma escola, para ser ser eficaz, deve colocar imediatamente o aluno, tão logo esteja em condição de se movimentar e falar, em

252 LAZZARINI, Giulia. Entrevista concedida à autora desta pesquisa. Milão: 2015. 253 BONAVERA, Enrico. Entrevista concedida à autora desta pesquisa. Milão: 2015.

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contato com a realidade do teatro. Consequentemente, quis criar uma escola que fosse uma companhia teatral em devir e instaurar aí a disciplina do teatro e não a da escola. Desejei colocar os alunos em contato com o espetáculo vivo, todas as noites. Todos os alunos são, na realidade, membros de um coletivo ligado ao palco, atuando, provavelmente, apenas com uma fala ou auxiliando uma atriz a decorar seu papel. Portanto, estão sempre em contato com o teatro vivo e naturalmente recebem pequenos papéis às vezes até papéis importantes bem rapidamente. Todos eles são trabalhadores e trabalhadoras regulares: um trabalho muito humilde que, no entanto, possibilita aos jovens uma relação direta com o público. Por turnos individuais, eles ajudam os maquinistas ou os eletricistas, e isto também lhes é útil: aprender a bater com um martelo nos dedos ao pregar pregos, o que nunca farão na vida depois de se tornarem atores, mas saberão o que significa montar um cenário. Naturalmente, assistem aos ensaios dos espetáculos: aos meus e aos dos encenadores convidados do Piccolo, quando isso é possível254.

No que concerne à dimensão ética da formação dos estudantes da escola

do Piccolo Teatro, Strehler afirma:

Os alunos da minha escola aprendem rapidamente a se dirigir uns aos outros, porque eu os conduzo à observação ao mesmo tempo objetiva e sensível do outro. [...]. Eu gostaria também de instruir o ator, portanto, o futuro encenador a não renunciar a nada do que deve ou quer saber sobre o mundo ao seu redor, nem renunciar, pelo teatro, à vontade de transformar o mundo, atuando aí em seu papel qualquer que seja sua importância255.

Observa-se nessas citações uma compreensão da formação do artista e

da cena completamente centrada nos processos práticos relacionados à artesania do

ofício. Com essa concepção, valoriza-se a experiência direta de todos os elementos

envolvidos no complexo processo de criação de um espetáculo. “Bater um martelo”,

“montar um cenário”, conquistar experiência, enfim, participar do trabalho cotidiano

profissional do teatro em todas as suas dimensões, não está hierarquicamente

separado da reflexão sobre as dimensões estéticas, éticas e políticas da criação

teatral, mas, pelo contrário, é ressaltado como uma de suas bases.

No entanto, destaca-se a grande importância dada à atuação, tanto no que

se refere à criação dos espetáculos, quanto às propostas pedagógicas que estão

envolvidas no fazer teatral. Torna-se claro que Strehler não concebia uma

254 STREHLER apud TANANT, 2015, p.95-96. 255 Ibidem, p.97.

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possibilidade de formação em encenação que não passasse por uma vivência

aprofundada em atuação. Neste sentido, evidencia-se a necessidade de

conhecimento, da prática e experimentação da arte de atuar, já que ela pode ser

considerada um elemento que transversaliza todos os demais e propicia o diálogo

entre o encenador, os elementos que constituem o espetáculo e o público. Por este

motivo, a formação prática na atuação era um componente imprescindível para a

formação de diretores, segundo Strehler.

A particularidade de Strehler em relação ao cenário mundial das artes

cênicas está ligada à forma como desenvolveu seus processos criativos que

encontraram eco em muitas propostas de criação atuais.

Strehler manteve uma postura autocrítica atenta que o fez rever suas

crenças, na arte e na vida (talvez esse seja um dos principais motivos do meu

interesse em desenvolver essa pesquisa) criou muito, destruiu e reformulou tantas

vezes quanto sentia necessária a transformação de seus conceitos, bem como

questionou sua posição diante do mundo e de sua própria arte; desistiu, reformulou e

resistiu, tendo como objetivo o renascimento e a recriação de seus próprios meios de

ver e de fazer teatro.

Sob a direção de Strehler e Grassi, o Piccolo Teatro teve, como um de seus

focos, a formação de público. Neste sentido, alcançaram sua meta, pois construíram

um grande projeto de arte que alcançou rapidamente o público e desenvolveu o gosto

pelo teatro. Até hoje as produções do Piccolo Teatro fazem parte do imaginário cultural

da Itália e repercutem em outros países que com elas tiveram contato.

Encenadores contemporâneos a Strehler mantiveram profunda admiração

por seu engajamento com o teatro e suas incansáveis tentativas de reformulá-lo para

um melhor desempenho. Robert Wilson. (1941), costuma dizer que tem Strehler como

seu “pai” no teatro. De acordo com ele, após ter assistido seus espetáculos, o próprio

trabalho se modificou.

A primeira encenação de Strehler que assisti foi a de Bodas de Fígaro,

em Paris. E raramente, em trinta anos de trabalho teatral, lembro-me

de ter visto alguém que tivesse uma compreensão tão pessoal da cena

quanto ele, que tivesse uma marca pessoal, um modo seu de fazer as

coisas, um léxico seu para cada aspecto da cena: o comportamento

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dos atores, os figurinos, as luzes, a cenografia, a dramaturgia: um

sentido completo do teatro256.

O estudo apresentado permitiu estabelecer conexões entre as encenações

aqui estudadas e as bases de formação do teatro do século XX, principalmente no

que se refere ao entendimento e aos desenvolvimentos da arte da encenação.

Evidencia-se aqui um modo de direção que não negligencia o passado, mas cria e

personaliza o modo de criação do espetáculo com base em um diálogo efetivo com a

tradição teatral, valorizando a potência transformadora da interlocução com os

conhecimentos teatrais já estabelecidos e assim, princípios da teatralidade e da arte

da encenação não ficam restritos aos seus contextos históricos e/ou poéticos, mas

alavancam novos processos criativos e renovam os possíveis desajustes das relações

entre texto, encenação, atuação e recepção do espetáculo.

Dentre os elementos resgatados da tradição e ressignificados no

desenvolvimento do teatro da encenação, destaco: a valorização do jogo e do

processo improvisacional como elementos transversais no processo de criação da

encenação; tanto o estudo aprofundado da obra, de suas circunstâncias e de suas

relações com o contexto histórico (da época de sua redação ao momento da

encenação), quanto à consideração dos aspectos sociais, culturais e políticos como

componentes que ampliam as perspectivas do encenador.

Como também é fator de destaque a criação, baseada em processos

improvisacionais, que possibilita a ampliação das metodologias decorrentes do

trabalho do ator/atriz para que não permaneçam fechadas em si mesmas, tornando

maior a integração com o contexto e com a vitalidade da pesquisa e da criação. Assim,

a estruturação do espetáculo, quando parte de processos improvisacionais é uma das

principais heranças adquiridas por Strehler, e difundidas por ele, como um elemento

resgatado da tradição em sua tentativa de renovação da cena teatral italiana.

256 “La prima regia di Strehler che vidi fu quella per Le nozze di Figaro a Parigi. E raramente, in trent’anni di

lavoro teatrale, mi è capito di vedere qualcuno che come lui avesse un senso così personale della scena, che avesse

una sua sigla, un suo modo di fare le cose, un suo lessico, per ogni aspetto della scena: il comportamento degli

attori, i costumi, le luci, la scenografia, la drammaturgia: un senso completo del teatro” (tradução nossa). WILSON

In STAMPALIA, 1997, p.11.

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O que vejo em Strehler é uma proposta de formação ampla e generalista,

não especializada, do encenador que deve agregar conhecimentos relacionados à

arte teatral; apropriar-se de outras linguagens artísticas em função da encenação;

manter-se em constante jogo com a criação; ter o entendimento básico de todos os

aspectos da construção da cena e dominar a concretude artesanal do seu ofício. Ao

proceder desta forma, os limites das formas teatrais instituídas rompem as fronteiras

e geram um teatro em constante fluxo de atualização que se confronta ou até mesmo

propõe as mudanças de seu tempo, pois a direção não pode ser vista como uma área

do conhecimento das artes que ficou estagnada. Ela é uma arte da transição, que

necessita de constante movimento e renovação.

Na prática strehleriana afirma-se, portanto, uma compreensão da direção

(e de sua aprendizagem) totalmente fundada na concretude do acontecimento cênico.

Nesta perspectiva, o diretor não pode ser compreendido como um criador de ideias e

conceitos, como um demiurgo cuja criação se dá em um universo cênico idealizado,

mas sim como um “artesão da cena” cujas ideias surgem do/e no confronto com a sua

materialidade. Por esse motivo, só é possível compreender os traços de um

encenador, os fios condutores de seus processos de criação, quando nos colocamos

frente a frente com suas obras e com o curso de sua criatividade.

Os principais aspectos da poética strehleriana destacados ao longo desta

tese se mantêm presentes nas produções cênicas de grupos e encenadores da

atualidade. Podemos constatar as reapropriações de elementos de tradições teatrais

(bem como a valorização da teatralidade), de forma bastante clara, nas criações de

Ariane Mnouchkine com o Théâtre du Soleil. Nas peças dirigidas por Peter Brook, por

sua vez, observa-se a atualização constante dos clássicos em função dos contextos

das produções e das inquietações sociais. A recriação da tradição da commedia

dell’arte, pela qual Strehler foi um dos principais responsáveis, é utilizada por

criadores, grupos e pedagogos teatrais das últimas décadas e da contemporaneidade

(o já citado Théâtre du Soleil, Dario Fo e Franca Rame, Enrico Bonavera, Carlo Boso,

Philipp Gaulier, Jacques Lecoq, Barracão Teatro, Moitará, e tantos outros). A

preocupação com a manutenção da união de uma refinada elaboração artística da

obra com uma contato amplo e horizontal do espetáculo com seu público, além de ser

uma característica do trabalho de todos os criadores já citados, também é observável

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nos trabalhos do Grupo Galpão, do Teatro Tascabile di Bergamo , do Teatro de Los

Andes e de diversos artistas da cena da atualidade.

Um possível legado teatral deixado por Strehler, não deve se resumir,

portanto, nem na continuidade de seus modos de dirigir, nem na reprodução das

formas de seus espetáculos, mas com maior propriedade, em um desafio ético e

artístico baseado na necessidade de gerar respostas pessoais a um confronto

simultâneo entre a tradição teatral e as questões urgentes da atualidade. De certa

forma, a pesquisa aqui apresentada reforçou e ampliou o que, inicialmente, me

mobilizou a realizá-la e termino por concluir que o que me comove é o modo de

resistência e crença num teatro que não negligencia o passado, mas que procura, em

função disso, reinventar o presente e permitir, constantemente, a abertura de

possibilidades que possam trazer o frescor da novidade nas formas de se dirigir e de

criar um espetáculo teatral.

***

Paradoxalmente, encerro este texto retornando às motivações iniciais que

me levaram ao desenvolvimento desta pesquisa. Paradoxalmente, também, busco um

“fechamento” desta tese apontando para as aberturas que ela pode propiciar no

campo relativo ao meu trabalho pedagógico na área da direção teatral. Realizo aqui

aproximações pessoais com os elementos da poética strehleriana apresentados que,

embora extrapolem os limites da minha pesquisa, se constituíram como um “subtexto”,

ou como um “superobjetivo” ao longo da realização do estudo ao qual me propus. No

mesmo contexto, um dos elementos que norteou a estruturação do meu pensamento

sobre o legado strehleriano aqui apresentado foi a tentativa de problematizar e

repensar, no confronto com a tradição, aspectos de minhas práticas atuais. Embora

eles permaneçam como aspectos que serão abordados em possíveis trabalhos

derivados da pesquisa que lhes apresento, parece-me pertinente pontuar alguns

deles.

De certa forma, minha identificação pessoal com esse tipo de abordagem

está ligada à minha formação e ao desenvolvimento das minhas atividades

pedagógicas com os estudantes na Universidade, seja no decurso de projetos que

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faço ou da disciplina de direção teatral. Em ambos, a artesania teatral constitui a base

do percurso, e a união de todos os processos experienciados leva os estudantes a

começarem a traçar um perfil próprio de sua maneira de encenar.

Além disso, no contexto das disciplinas de direção teatral do Curso de Artes

Cênicas da Universidade Estadual de Londrina, a proposição do diálogo entre as

metodologias abordadas para a criação da cena ou do espetáculo definiu um modo

de exploração que busca a constante reflexão sobre a formação dos estudantes e as

perspectivas que eles têm em relação ao teatro, bem como a aproximação com outras

linguagens artísticas. Por mais que se parta do entendimento das situações e das

circunstâncias propostas, e de uma aproximação à criação por meio da concretude

das ações físicas em uma metodologia de base stanislavskiana, agrupar a esse

entendimento outras práticas de trabalho vivenciadas pelos estudantes, é ponto

fundamental. Somente assim é possível se evitar o risco da cristalização de quaisquer

pretensos “métodos” de direção e fazer que, com base nos elementos que sustentam

essas práticas como por exemplo, o jogo, a valorização do coletivo e o

desenvolvimento da encenação fundamentado no trabalho sobre as ações físicas,

surjam a cada turma formas específicas de abordagem vinculadas aos interesses e

às inquietações dos estudantes participantes.

O espaço do coletivo é um dos primeiros passos no desenvolvimento de

um trabalho cênico. O estabelecimento dele é fundamental para que se entenda a

criação do espetáculo como um fenômeno colaborativo em que todos comungam em

função do que se realiza na encenação. Assim, ele também acaba por se constituir

como um espaço onde são colocados em movimento diversos conhecimentos

adquiridos ao longo da formação do estudante, na medida em que se tem por objetivo

desenvolver a capacidade de integrá-los em seu contexto pessoal de criação.

Este espaço, muitas vezes incômodo ao impor o confronto com as

diferenças, acaba por alimentar e transformar os desejos de criação dos estudantes.

Ao serem desafiados a se verem defronte de suas inquietações artísticas nos

processos integrados de criação cênica dos quais são participantes, um grande jogo

começa a ser jogado: o da arte com a vida, da própria descoberta do jogar, do estar

fora de cena e colocar-se em jogo com os elementos que compõem o fazer teatral.

Um jogo, enfim, que muito se aproxima das heranças deixadas por Strehler e por

tantos outros encenadores.

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Tal abordagem do ensino da direção e das descobertas de outras ordens

relacionadas à organização do espetáculo, ainda que desenvolvidas no contexto de

um bacharelado em Interpretação, fazem com que a direção passe a ser vista sob

outro aspecto (mesmo por aqueles estudantes que, inicialmente, não se interessam

diretamente por ela). O ator continua sendo o centro do processo de criação em

constante jogo com os elementos do espetáculo, o que possibilita aprendizagens

significativas em todas as áreas envolvidas na criação cênica. Trata-se de um

aprendizado completamente mediado pelo fazer (um fazer questionador, cheio de

observação) que vai sendo particularizado por cada estudante. Muitos dos processos

de criação desenvolvidos na disciplina de direção teatral acabaram gerando trabalhos

de conclusão de curso, ou incentivaram a formação de grupos e a elaboração de

projetos independentes.

Desde que me lancei ao desenvolvimento desta pesquisa tive como

impulso tanto a tentativa de gerar novos materiais para subsidiar o desenvolvimento

de reflexões acerca da encenação, quanto à necessidade pessoal de me mobilizar e

questionar meu próprio trabalho como artista-pedagoga desta área. A imersão neste

“universo” criativo estabelecido por Strehler me impulsiona, neste momento, a retornar

à sala de aula e a continuar a busca por novos modos de direção. Hoje, revendo a

trajetória que foi feita, penso que a simplicidade no fazer teatral e o constante

movimento de transformação exigem um confronto com a atualidade e com os

próprios anseios de criação artística, com um olhar atento e aberto para aquilo com

que a tradição segue a nos acenar, como Strehler parece estar nos ensinando, neste

momento. Assim, cada proposta, ou cada nova criação, devem estar relacionadas às

inquietações pessoais e à busca por modos particulares de investigação em relação

à arte, em constante troca com os outros e com os conhecimentos adquiridos até o

momento, mantendo total abertura às experiências, às ampliações e às redescobertas

que por ventura venham a enriquecer nosso horizonte.

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Programas dos Espetáculos Produzidos pelo Piccolo Teatro di Milano:

Programa do Espetáculo – Quarantesimo anniversario del Piccolo Teatro di

Milano.Arlecchino Servitori di due padroni, regia di Giorgio Strehler. Stagione

1987/88. 42ªdalla fondazione. Edizione dell’addio.Milano.

Programa do Espetáculo – La Tempesta, regia di Giorgio Strehler. Piccolo Teatro

di Milano. American Tur.1984.

Programa do Espetáculo – Arlecchino Servitori di due padroni, regia di Giorgio

Strehler. I Giovani Del Piccolo. Stagione 1990/1991.Milano

Programa do Espetáculo – Arlecchino Servitori di due padroni, regia di Giorgio

Strehler. Stagione 2015. Milano.

Catalogo da Scuola di Teatro - del Piccolo Teatro di Milano (a cura di: Giovanni

Soresi, Sara Russino, Silvia Colombo, Marco Fusar Poli, Silvia Finotti) 2009.

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Filmes de espetáculos e documentários:

300 anni di Carlo Goldoni - Le Barufe chiozzotte. Direção de Giorgio Strehler.

(Ripresa Televisiva del 1966).01 Distribution.2005.

Arlecchino servitore di due patroni, narrato da Giorgio Strehler e Ferruccio

Soleri. Direção: Chiara Boeri. Disponível no youtube em

https://www.youtube.com/watch?v=RLBV9ihDtYI

Arlecchino servitore di due padroni:

https://www.youtube.com/watch?v=C1ltGSs6OGU

La Tempesta: https://www.youtube.com/watch?v=aVN94wgXRd4

Strehler, il Maestro. Ultima intervista (prima parte):

https://www.youtube.com/watch?v=7fHqfTAD5HQ

Strehler, il Maestro. Ultima intervista (seconda parte):

https://www.youtube.com/watch?v=vxdlmp6nYys

Arlecchino, Servo Vostro!

https://www.youtube.com/watch?v=y4V93Ax8hpk

A colloquio con... Giorgio Strehler:

https://www.youtube.com/watch?v=xS00FGPAKLU

Giorgio Strehler e la storia del "Piccolo”:

https://www.youtube.com/watch?v=y7ZVjyRQRTM

Il giardino dei ciliegi:

https://www.youtube.com/watch?v=DRBdCO03n7U

https://www.youtube.com/watch?v=Nk1FxwCAaa0

Cenas de Valentina Cortese:

https://www.youtube.com/watch?v=8E8_XH3YfxU

Intervista con Arlecchino, Ferruccio Soleri:

https://www.youtube.com/watch?v=bKyHpgxwkU4

Arlecchino servitore di due padroni - Carlo Goldoni:

https://www.youtube.com/watch?v=SNWlW-pABQs

Arlecchino servitore di due padroni - edizione 1992:

https://www.youtube.com/watch?v=YflQ_gVA4n8

Arlecchino servitore di due padroni in tournée in Russia nel 2011:

https://www.youtube.com/watch?v=O1maq8aJbpE

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Sipario: Ferruccio Soleri:

https://www.youtube.com/watch?v=5bTO3X_Qwts

Elvira o la Passione Teatrale- G. STREHLER:

https://www.youtube.com/watch?v=1wN7KeTnUF4

Profilo di un maestro - Omaggio a G. Strehler:

https://www.youtube.com/watch?v=p8TEr4HVa4I

Strehler Cosi' Fan Tutte. Addio al teatro e alla vita:

https://www.youtube.com/watch?v=GO-8yrEtM5g

Alla morte di Strehler:

https://www.youtube.com/watch?v=f-D443lx5nU

Milva e Giorgio Strehler cantano insieme Ma Mi:

https://www.youtube.com/watch?v=UT3dLxpEUMo

.

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APÊNDICE

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APÊNDICE

CRONOLOGIA DAS ENCENAÇÕES DE GIORGIO STREHLER REALIZADAS NO

PICCOLO TEATRO DI MILANO

Ano: 1947

Ralé, de M. Gorki

Il Mago dei Prodigi (O mágico prodigioso), de Calderón de La Barba

Le notti dell’ira (As Noites de Ira), de Armand Salacrou

Arlequim Servidor de Dois Patrões, de Carlo Goldoni

O gigante da Montanha, de Luigi Pirandello

L’Uragano (O furacão), de Aleksandr Nikolaevic Ostrovskj

Ano: 1948

Crime e Castigo, de Gaston Baty (a partir do romance homônimo de

Dostoiévski)

Ricardo III, de William Shakespeare

A Tempestade, de William Shakespeare

A Gaivota, de Anton Tchékhov

A Família Antropus, de Thornton Wilder

Ano: 1949

A Megera Domada, de William Shakespeare

O pequeno Eyolf, de Henrik Ibsen

Ano: 1950

La Parigina (A parisiense), de Henry Becque

Ricardo III, de William Shakespeare

Don Juan, de Mollière

Os Justos, de Albert Camus

Alcesti di Samuele (Alceste de Samuel), de Alberto Savinio

La puta onorata (A prostituta honrada), de Carlo Goldoni

Estate e fumo (Almas de Pedra), de Tennese Williams

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A Morte de Danton, de Georg Büchner

Ano: 1951

L’Oro Matto (O Ouro dos Tolos), de Silvio Giovaninetti

Non giurare su niente (Não jure sobre nada), de Alfred de Musset

Frana allo scalo Nord (Deslizamento na Estação Norte), de Ugo Betti

L’amante Militare (O Amante Militar), de Carlo Goldoni

Oplà, noi viviamo (Eia, nós vivemos), de Ernest Toller

Ano: 1952

Macbeth, de William Shakespeare

Emma, de Federico Zardi

Il cammino sulle acque (O caminho sobre as águas), de Orio Vergani

O Inspetor Geral, de Nikolai Gogol

A Engrenagem, de Jean-Paul Sartre

Ano: 1953

Sacrilegio massimo (Sacrilégio Máximo), de Stefano Pirandello

Lulù, de Carlo Bertolazzi

Um caso clínico, de Dino Buzzati

Júlio Cesar, de William Shakespeare

La sei giorni (Os seis dias), de Ezio D’Errico

Ano: 1954

O Corvo, de Carlo Gozzi (segunda edição)

L’imbecille; La Patente; La giara (O imbecil; A licença; O jarro), de Luigi

Pirandello

La folle di Chaillot, de Jean Giradoux

A mascarada, de Alberto Moravia

La moglie ideale (A mulher ideal), de Marco Praga

La línea di condotta (A linha de conduta), de Bertold Brecht

Nostra Dea (Nossa Deusa), de Massimo Nontempelli

La trilogia dela Villeggiatura (A trilogia do feriado), de Carlo Goldoni

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Ano: 1955

O Jardim das Cerejeiras, Anton Tchékhov

A Casa de Bernarda Alba, Federico Garcia Lorca

Tre quarti di luna (Três quartos de lua), Luigi Squarzina

El nost Milan, Carlo Bertolazzi

Ano: 1956

A Ópera dos Três Vinténs, de Bertolt Brecht

Dal tuo al mio (Do teu ao meu), Giovanni Verga

Arlequim Servidor de Dois Patrões (3ª Edição)

Ano: 1957

I giacobini (Os Jacobinos), de Federico Zardi

Coriolano, de William Shakespeare

Goldoni e le sue sedici commedie nuove (Goldoni e as suas dezesseis

comédias novas), de Paolo Ferrari

Ano: 1958

A alma boa de Setsuan, de Bertolt Brecht

Ano: 1959

Platónov e outros, de Anton Tchékhov

Ano: 1960

A Visita da Velha Senhora, de Friedrich Dürrenmatt

L’egoista (O Egoísta), de Carlo Bertolazzi

Ano: 1961

Schweyk na segunda guerra mundial, de Bertolt Brecht

Ano: 1962

A exceção e a regra, de Bertolt Brecht

Ricordo di due lunedí (Recordação de duas segunda-feiras), de

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Ano: 1963

A vida de Galileu, de Bertolt Brecht

Arlequim Servidor de Dois Patrões, de Carlo Goldoni (4ªedição)

Ano: 1964

Le notti dell’ira (As noites de ira), de Armand Salacrou (2ª edição)

Ano: 1965

Poesia e Canções, de Bertolt Brecht

Ano: 1966

Duecentomila e uno (Duzentos mil e um), de Salvato Cappelli

O Gigante da Montanha, de Luigi Pirandello (2ª edição)

Ano: 1967

Eu, Bertolt Brecht nº I (canções e poesias), de Bertolt Brecht

Ano: 1969

Cantata di um mostro lusitano (A balada de um fantoche lusitano), de Peter

Weiss

Ano: 1972

Rei Lear, de William Shakespeare

Ano: 1973

A Ópera dos três Vinténs, de Bertolt Brecht (2ª edição)

Arlequim Servidor de Dois Patrões (5ª Edição)

Ano: 1974

O Jardim das Cerejeiras, de Anton Tchékhov (2ª edição)

Ano: 1975

Il campiello, de Carlo Goldoni

O Balcão, de Jean Genet

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165

Ano: 1976

La storia della bambola abbandonata (A história da boneca abandonada),

de Giorgio Strehler, a partir de Alfonso Sastre e Bertolt Brecht.

Ano: 1977

Arlequim Servidor de Dois Patrões, de Carlo Goldoni (6ª edição)

Ano: 1978

A Tempestade, de William Shakespeare (2ª edição)

Ano: 1979

Eu, Bertolt Brecht nº III (poesias e canções), de Bertolt Brecht

Ano: 1980

Temporale (Temporal), de Johan August Strindberg

Ano: 1982

Ato sem palavras e Dias Felizes, de Samuel Beckett

Ano: 1983

Minna von Barnhelm, de Gotthold Ephraim Lessing

Ano: 1985

A grande magia, de Eduardo Filippo

Ano: 1986

Elvira, ou a Paixão teatral, de Louis Jouvet

Ano: 1987

Arlequim Servidor de Dois Patrões, de Carlo Goldoni (Edição de Adeus)

Ano: 1988

Come tu mi vuoi (Como tu me desejas), de Luigi Pirandello

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Il tempo stringe (O tempo está se esgotando), de Antonio Tabucchi e Livre,

de Renato Sarti

Ano: 1989

Faust Frammenti (Faust Fragmentos) - 1ª Parte, de Johann Wolfgang

Goethe

Ano: 1990

Arlequim Servidor de Dois Patrões, de Carlo Goldoni (Edição de Bom Dia)

Ano: 1991

Faust Frammenti - 2ª Parte, de Johann Wolfgang Goethe

Ano: 1993

Il Campiello, de Carlo Goldoni (2ª Edição)

Ano: 1995

Non sempre splende la luna, Milva canta un nuovo Brecht (Nem sempre

brilha a lua, Milva canta um novo Brecht), textos de Bertolt Brecht

Ano: 1997

Arlequim Servidor de Dois Patrões, de Carlo Goldoni (Edição do

Cinquentenário)

Durante sua carreira de encenador Strehler também dirigiu, como

convidado, em outros teatros italianos e em outros países (principalmente Alemanha

e França). Teve também uma extensa produção como diretor de óperas.

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ANEXOS

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ANEXO A

Fichas Técnicas das Edições do Espetáculo Arlequim Servidor de Dois Patrões

Primeira Edição - julho de 1947

Pantalone Antonio BattisteÌla

CIarice Maria Marchi

Dottor Lombardi Armando Alzelmo

Silvio Roberto Villa

Beatrice Elena Zareschi

Florindo Gianni Santuccio

Brighella Franco Parenti

Smeraldina Anna Maestri

Arlecchino Marcello Moretti

Um garçom Dino Riefolo

Un carregador Otello Zago

Cenografia Gianni Ratto

Figurinos Ebe Colciaghi

Música Fiorenzo Carpi

Coreografia Rosita Lupi

Giorgio Strehler substituiu Antonio Battistella em algumas apresentações devido a problemas de saúde do ator.

1947/1948

Pantalone Antonio Battistella

Clarice Liana Casartelli

Dottor Lombardi Armando Alzelmo

Silvio Ettore Conti

Beatrice Mirella Pardi

Florindo Gianni Santuccio

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Brighella Franco Parenti

Smeraldina Dedi Rizzo

Arlecchino Marcello Moretti

Um garçom que fala Dino Riefolo

Um carregador Otello Zago

1949/50

Pantalone Antonio Battistella

Clarice Adriana Sivieri

Dottor Lombardi Checco Rissone

Silvio Renzo Giovampietro

Beatrice Edda Albertini

Florindo Antonio Pierfederici

Brighella Franco Parenti

Smeraldina Vittoria Martello

Arlecchino Marcello Moretti

Um garçom que fala Marcello Bertini

Um carregador Arrigo Cominotto

Assistência de direção Flaminio Bollini

Máscaras (em papel machê) Amleto Sartori

Segunda Edição - 1951/52

Pantalone Antonio Battistella

Clarice Adriana Sivieri

Dottor Lombardi Checco Rissone

Silvio Nino Cestari

Beatrice Lia Zoppelli

Florindo Raoul Grassilli

Brighella Franco Parenti

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Smeraldina Vittoria Martello

Arlecchino Marcello Moretti

Um garçom que fala Marcello Bertini

Um carregador Giulio Bosetti

Cenografia Gianni Ratto

Figurinos Ebe Colciaghi

Música Fiorenzo Carpi

Coreografia Rosita Lupi

Máscaras (em couro) Amleto Sartori

1952/53

Pantalone Carlo Bagno (1)

Clarice Adriana Sivieri (2)

Dottor Lombardi Checco Rissone

Silvio Nino Cestari

Beatrice Lia Zoppelli

Florindo Antonio Pierfedaici (3)

Brighella Franco Parenti

Smeraldina Vittoria Martello (4)

Arlecchino Marcello Moretti

Um garçom que fala Marcello Bertini

Um carregador Giulio Bosetti (5)

2º garçom (a partir de 3/3/53) Camillo Milli

3º garçom (a partir de 3/3/53) Antonio Cannas

1) a partir de 3/3/53 Agostino Contarello

2) a partir de 3/3/53 Adriana Asti

3) a partir de 3/3/53 Achille Millo

4) a partir de 3/3/53 Marina Bonfigli

a partir de 20/4/53 Vittoria Martello

5) a partir de 20/4/53 Antonio Cannas

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1953/54

Pantalone Agostino Contarello (1)

Clarice Adriana Asti (2)

Dottor Lombardi Nino Cestari

Beatrice Edda Albertini (3)

Florindo Achille Millo (4)

Brighella Franco Parenti (5)

Smeraldina Vittoria Martello (6)

Arlecchino Marcello Moretti

Um garçom que fala Marcello Bertini (7)

Um carregador Antonio Cannas (8)

2º garçom (a partir de 3/3/53) Camillo Milli (9)

3º garçom (a partir de 3/3/53) Antonio Cannas (10)

Assistência de direção Checco Rissone

1) a partir de 4/6/54 Tino Carraro

2) a partir de 4/6/54 Marisa Perciavalle

3) a partir de 4/6/54 Lia Angeleri

4) a partir de 4/6/54 Giorgio De Lullo

5) a partir de 4/6/54 Ferruccio De Ceresa

6) a partir de 4/6/54 Stella Aliquò

7) a partir de 4/6/54 Franco Graziosi

8) a partir de 4/6/54 Ottavio Fanfani

9) a partir de 4/6/54 Giulio Chazalettes

10) a partir de 4/6/54 Francesco Pettenati

1954/55

Pantalone Tino Carraro

Clarice Marisa Perciavalle (1)

Dottor Lombardi Checco Rissone

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Silvio Nino Cestari (2)

Beatrice Lia Angeleri (3)

Florindo Giorgio De Lullo (4)

Brighella Ferruccio De Ceresa (5)

Smeraldina Stella Aliquò (6)

Arlecchino Marcello Moretti

Um garçom que fala Franco Graziosi

Um carregador Ottavio Fanfani

2º garçom (a partir de 3/3/53) Giulio Chazalettes (7)

3º garçom (a partir de 3/3/53) Franco Pettenati (8)

1) a partir de 14/6/55 Giulia Lazzarini

2) a partir de 14/6/55 Giulio Chazalettes

3) a partir de 14/6/55 Edda Albertini

4) a partir de 14/6/55 Achille Millo

5) a partir de 14/6/55 Franco Parenti

6) a partir de 14/6/55 Vittoria Martello

7) a partir de 14/6/55 Raoul Consonni

8) a partir de 14/6/55 Roberto Pistone

1955/56

Pantalone Agostino Contarello

Clarice Giulia lazzarinni

Dottor Lombardi Checco Rissone

Silvio Giulio Chazalettes

Beatrice Edda Albertini

Florindo Achille Millo

Brighella Ermanno Roveri (1)

Smeraldina Vittoria Martello

Arlecchino Marcello Moretti

Um garçom que fala Marcello Bertini

Um carregador Raoul Consonni

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2º garçom (a partir de 3/3/53) Raoul Consonni

3º garçom (a partir de 3/3/53) Roberto Pistone

1) a partir de 23/9/55 Franco Parenti

Terceira Edição de Edimburgo - 1956/57

Pantalone Antonio Battistella

Clarice Relda Ridoni

Dottor Lombardi Checco Rissone

Silvio Nino Cestari

Beatrice Valentina Fortunato (1)

Florindo Tino Carraro (2)

Brighella Gianfranco Mauri (3)

Smeraldina Marina Bonfìgli (4)

Arlecchino Marcello Moretti

Um garçom que fala Franco Graziosi (5)

Um garçom Ottavio Fanfani (6)

2º garçom (a partir de 3/3/53) Raoul Consonni (7)

3º garçom (a partir 3/3/53) Ezio Marano

Cenografia e Figurinos Ezio Frigerio

Assistêncai de direção Virginio Puecher

1) a partir de 23/4/57 Lydia Alfonsi

2) a partir de 23/4/57 Antonio Pierfederici

3) a partir de 27/12/56 Franco Parenti

4) a partir de 27/12/56 Narcisa Bonati

s) a partir de 23/4/57 Marcello Bertini

6) a partir de 23/4/57 Raoul Consonni

7) a partir de 23/4/57 Angelo Corti

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1957/58

Pantalone Antonio Battistella

Clarice Nicoletta Rizzi

Dottor Lombardi Checco Rissone

Silvio Giancarlo Dettori

Beatrice Relda Ridoni

Florindo Luigi Vannucchi

Brighella Gianfranco Mauri

Smeraldina Narcisa Bonati

Arlecchino Marcello Moretti

Um garçom que fala Marcello Bertini

Um carregador Raoul Consonni

garçom (a partir de 3/3/53) Angelo Corti

Assistente de direção Virginio Puecher

Foi incluído no espetáculo um quarteto de instrumentos, executados ao vivo, composto por duas trompas (vindas do Scalla) um bumbo (Angelo Corti) e um violão (Raoul Consonni)

1958/59

Pantalone Nico Pepe

Clarice Maiagrazia Antonini

Dottor Lombardi Bruno Lanzaini

Silvio Mauro Carbonoli

Beatrice Lydia Alfonsi

Florindo Luigi Vannucchi

Brighella Gianfranco Mauri

Smeraldina Narcisa Bonati

Arlecchino Marcello Moretti

Um garçom que fala Marcello Bertini

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Um carregador Angelo Corti

2º garçom (a partir de 3/3/53) Ferruccio Soleri

1959/60

Pantalone Gianrico Tedeschi

Clarice Giulia Lazzarini

Dottor Lombardi Bruno Lazzarini

Silvio Giancarlo Dettori

Beatrice Relda Ridoni (1)

Florindo Warner Bentivegna

Brighella Gianfranco Mauri

Smeraldina Narcisa Bonati

Arlecchino Marcello Moretti*

Um garçom que fala Vincenzo De Toma

Um carregador Angelo Corti

2º garçom (a partir de 3/3/53) Ferruccio Soleri (2)

3º garçom (a partir de 3/3/53) Augusto Salvi (3)

Assistente de direção Francesco Carnelutti

Diretor Assistente Mario Missiroli

1) em substituição na turnê nos EUA e Canadá Liliana Zoboli

2) a partir de 8/7/60 Raoul Consonni

3) turnê nos EUA e Canadá Giuliano Mariani

Ferdinando Mazzola

Quarta Edição - Edizione di Villa Litta (Affori) 1962/63

Pantalone Nico Pepe

Clarice Mariagrazia Antonini

Dottor Lombardi Checco Rissone

Silvio Mauro Carbonoli

Beatrice Valentina Cortese

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Florindo Franco Graziosi

Brighella Gianfranco Mauri

Smeraldina Narcisa Bonati

Arlecchino Ferruccio Soleri

Um garçom da hospedaria Ivan Cecchini

Um carregador Giancarlo Cajo

Um garçom Vittorio Bertolini

Músicos Vito Calabrese

Ferdinando Mazzola

Edmondo Sanchini

Cenografia e Figurinos Ezio Frigerio

Música Fiorenzo Carpi

Máscaras Amleto e Donato Sartori

Assistente de direção Gianfranco Mauri

Roberto Pallavicini

1963/64

Pantalone Nico Pepe

Clarice Mariagrazia Antonini

Dottor Lombardi Bruno Ianzarini

Silvio Mauro Carbonoli (1)

Beatrice Anna Nogara

Florindo Franco Graziosi

Brighella Gianfranco Mauri

Smeraldina Narcisa Bonati (2)

Arlecchino Ferruccio Soleri

Un garçom que fala Ivan Cecchini

Um carregador Giancarlo Cajo

2º garçom Vittorio Bertolini

Músicos Vito Calabrese

Ferdinando Mazzola

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Edmondo Sanchini

1) a partir de 12/5/64 Giancarlo Dettori

2) a partir de 12/5/64 Anna Priori

1966/67

Pantalone Nico Pepe

Clarice Mariagrazia Antonini

Dottor Lombardi Bruno Lanzarini

Silvio Mauro Carbonoli

Beatrice Relda Ridoni

Florindo Mario Valdemarin(1)

Brighella Gianfranco Mauri

Smeraldina Graziella GaÌvani

Arlecchino Ferruccio Soleri (2)

Um garçom que fala Ivan Cecchini

Um carregador Giuseppe Pambieri

2º garçom Salvatore Aricò

Músicos Attilio Casiero (3)

Antonio Cavazzuti (4)

Vincenzo Porsio

1) a partir de 10/4/67 Franco Graziosi

2) na Espanha Angelo Corti

3) a partir de 5/4/67 Giampaolo Grecchi

4) a partir de 5/4/67 Renato Grimaldi

1967/68

Pantalone Nico Pepe (1)

Clarice Luciana Luppi

Dottor Lombardi Bruno Lanzarini

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Silvio Mauro Carbonoli

Beatrice Anna Saia

Florindo Gianfianco Ombuem

Brighella Renzo Fabris

Smeraldina Graziella Galvani (2)

Arlecchino Ferruccio Soleri

Um garçom que fala Ivan Cecchini

Um carregador Carlo Boso

2º garçom Salvatore Aricò

Músicos Vincenzo Brandi

Angelo Mai

Giorgio Oltremari

Assistente de direção Nico Pepe

1) a partir de 2/4/68 Gianfranco Mauri

2) a partir de 4/12/67 Ginella Bertacchi

1968/69

Pantalone Gianfranco Mauri

Clarice Luciana Luppi

Dottor Lombardi Bruno Ianzarini

Silvio Mauro Carbonoli

Beatrice Relda Ridoni

Florindo Ettore Conti

Brighella Renzo Fabris

Smeraldina Graziella Galvani

Arlecchino Ferruccio Soleri

Um garçom que fala Ivan Cecchini

Um carregador Domenico Negri

2º garçom Roberto Colombo

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Músicos Vincenzo Brandi

Tolmino Marianini

Giorgio Oltremari

Quinta Edição - 1972/73 Edizione di Villa Reale (Milano)

Pantalone Gianrico Tedeschi

Clarice Ginella Bertacchi

Dottor Lombardi Andrea Matteuzzi (1)

Silvio Giancarlo Dettori

Beatrice Anna Saia

Florindo Franco Graziosi

Brighella Gianfranco Mauri

Smeraldina Marisa Minelli

Arlecchino Ferruccio Soleri

Um garçom que fala Cip Barcellini

Um carregador Angelo Corti

2º garçom Giorgio Naddi

Músicos Vincenzo Brandi

Tolmino Marianini

Giorgio Oltremari

Assistente de direção Gianfranco Mauri

Assistente musical Raoul Ceroni

1) a partir de ?/?/73 Giorgio Naddi

1974/75

Pantalone Gianrico Tedeschi

Clarice Ginella Bertacchi

Dottor Lombardi Enzo Tarascio

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Silvio Giancarlo Dettori

Beatrice Anna Saia

Florindo Franco Graziosi

Brighella Gianfranco Mauri

Smeraldina Marisa Minelli

Arlecchino Ferruccio Soleri

Um garçom que fala Cip Barcellini

Um carregador Angelo Corti

2º garçom Angelo Corti

3º garçom Guido Gagliardi

Músicos Franco Baudo

Tolmino Marianini

Giorgio Oltremari

Assistente musical Raoul Ceroni

Sexta Edição - 1975 Cooperativa Attori del PiccoloTeatro di Milano

Pantalone Gianfranco Mauri

Clarice Ginella Bertacchi

Dottor Lombardi Andrea Matteuzi

Silvio Fulvio Ricciardi

Beatrice Anna Saia

Florindo Umberto Ceriani

Brighella Carlo Boso

Smeraldina Graziella Galvani

Arlecchino Ferruccio Soleri

Um garçom que fala Lorenzo Grechi

Um carregador Ernesto M. Rossi

2º garçom Guido Gagliardi

Músicos Franco Baudo

Tolmino Marianini

Giorgio Oltremari

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O ponto [Il suggeritore] Enrico D'Amato

Sétima Edição 1977/78 Edizione dell'Odéon

Pantalone Nico Pepe

Clarice Pamela Villoresi

Dottor Lombardi Enzo Tarascio

Silvio Roberto Chevalier

Beatrice Anna Saia

Florindo Franco Graziosi

Brighella Gianfranco Mauri

Smeraldina Marisa Minelli

Arlecchino Ferruccio Soleri

Um garçom que fala Elio Veller

Um carregador Carlo Boso

2º garçom Piergiorgio Fasolo

O ponto [Il suggeritore] Armando Benetti

Músicos Raoul Emarten

Antonio Cavazzutti

Leonardo Cipriani

Cenografia e figurinos Ezio Frigerio

Música Fiorerzo Carpi

Movimento mímico Marise Flach

Máscaras Amleto Sartori

Diretor Assistente Carlo Battistoni

Enrico D'Amato

Assistente de direção Gianfranco Mauri

Assistente musical Raoul Ceroni

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1978/79

Pantalone Gianfranco Mauri (1)

Clarice Susanna Marcomeni

Dottor Lombardi Enzo Tarascio

Silvio Roberto Chevalier

Beatrice Anna Saia

Florindo Umberto Ceriani (2)

Brighella Renzo Fabris (3)

Smeraldina Marisa Minelli

Arlecchino Ferruccio Soleri

Um garçom que fala Elio Veller

Um carregador Carlo Boso

2º garçom Francesco Cosenza (4)

O ponto [Il suggeritore] Armando Benetti (5)

Músicos Giovanni Bertocchi

Antonio Cavazzuti

Leonardo Cipriani

Tolmino Marianini

Assistente de direção Enrico D'Amato

Assistente musical Raoul Ceroni

1) a partir de 10/1/79 Ettore Conti

2) a partir de 10/1/79 Franco Graziosi

3) a partir de 10/1/79 Gianfranco Mauri

4) a partir de 10/1/79 Riccardo Magherini

5) a partir de 16/3/79 Alighiero Scala

1979/80

Pantalone Ettore Conti

Clarice Susanna Marcomeni

Dottor Lombardi Enzo Tarascio

Silvio Roberto Chevalier

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Beatrice Anna Saia

Florindo Umberto Ceriani

Brighella Renzo Fabris

Smeraldina Marisa Minelli

Arlecchino Ferruccio Soleri

Um garçom que fala Elio Veller

Um carregador Augusto Di Bono

2º garçom Riccardo Magherini

3º garçom Natale Russo

O ponto [Il suggeritore] Alighiero Scala

Músicos Giovanni Bertocchi

Antonio Cavazzuti

Leonardo Cipriani

Raoul Emarten

Virgilio Neri

Assistentência de direção Gianfranco Mauri

Assistência musical Raoul Ceroni

1982/83

Pantalone Tino Carraro (1)

Clarice Susanna Marcomeni

Dottor Lombardi Enzo Tarascio

Silvio Stefano Onofri

Beatrice Valentina Fortunato

Florindo Franco Graziosi

Brighella Gianfranco Mauri

Smeraldina Marisa Minelli

Arlecchino Ferruccio Soleri

Um garçom que fala Enrico Maggi

Um carregador Ettore Gaipa

2º garçom Mauro Cerana (2)

3º garçom Rocco Mortelliti

O ponto [Il suggeritore] Alighiero Scala

Músicos Giovanni Bertocchi

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Antonio Cavazzuti

Leonardo Cipriani

Tolmino Marianini

Virgilio Neri

Diretores assistentes Carlo Battistoni

Enrico D'Amato

Assistência de direção Gianfranco Mauri

Assistência musical Raoul Ceroni

1) a partir de 13/4/83 Ettore Conti

2) a partir de 13/4/83 Riccardo Magherini

1983/84

Pantalone Ettore Conti

Clarice Susanna Marcomeni

Dottor Lombardi Enzo Tarascio

Silvio Stefano Onofri

Beatrice Valentina Fortunato

Florindo Franco Graziosi

Brighella Gianfranco Mauri

Smeraldina Marisa Minelli

Arlecchino Ferruccio Soleri

Um garçom que fala Mario Porfito

Um carregador Ettore Gaipa

2º garçom Roberto Petrolini

3º garçom Domenico VaÌente

O ponto [Il suggeritore] Alighiero Scala

Músicos Walter Battagliola

Mario Ciuffolini

Giovanna Correnti

Anna Ferraresi

Valerio Geroldi

Diretores Assistentes Carlo Battistoni

Enrico D'Amato

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Assistência de direção Gianfranco Mauri

Assistência musical Raoul Ceroni

1986/87

Pantalone Ettore Conti

Clarice Giulia Lazzarini

Dottor Lombardi Enzo Tarascio

Silvio Giancarlo Dettori

Beatrice Andrea Jonasson

Florindo Mario Valdemarin

Brighella Gianfranco Mauri

Smeraldina Marisa Minelli

Arlecchino Ferruccio Soleri

Um garçom que fala Enrico Bonavera

Um carregador Ettore Gaipa

2º garçom Antonio Carlucci

3º garçom Sergio Lomazzi

O ponto [Il suggeritore] Alighiero Scala

Músicos Walter Battagliola

Anania Battagliola

Anna Ferraresi

Valerio Geroldi

Cenário Ezio Frigerio

Figurinos Franca Squarciapino

Músicas Fiorerzo Carpi

Movimentos mímicos Marise Flach

Máscaras Amleto Sartori

Diretores Assistentes Carlo Battistoni

Enrico D'Amato

Assistência de direção Gianfranco Mauri

Assistência musical Raoul Ceroni

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Oitava Edição - 1987/88 Edizione dell'Addio

Pantalone Ettore Conti

Clarice Giulia Lazzarini

Dottor Lombardi Enzo Tarascio

Silvio Giancarlo Dettori

Beatrice Andrea Jonasson

Florindo Franco Graziosi

Brighella Gianfranco Mauri

Smeraldina Marisa Minelli

Arlecchino Ferruccio Soleri

Um garçom que fala Enrico Bonavera

Um carregador Ettore Gaipa

2º garçom Antonio Carlucci

3º garçom Sergio Lomazzi (1)

O ponto [Il suggeritore] Alighiero Scala

Músicos Walter Battagliola

Anania Battagliola

Anna Ferraresi

Ivo Meletti

Cenografia Ezio Frigerio

Figurinos Franca Squarciapino

Música Fiorerzo Carpi

Movimento mímico Marise Flach

Máscaras Amleto Sartori

Diretores Assistentes Carlo Battistoni

Enrico D'Amato

Assistência de direção Gianfranco Mauri

Assistência musical Raoul Ceroni

1) a partir de 9/7/89 (Brasil) Mario Guariso

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Nona Edição - 1990/91 (outubro de I990) Edizione del Buongiorno

Pantalone Giorgio Bongiovanni

Paolo Calabresi

Leonardo De Colle

Clarice Gabriella Campanile

Marta Comerio

Gaia De Laurentiis

Nicoletta Maragno

Laura Pasetii

Dottor Lombardi Paolo Calabresi

Stefano De Luca

Sergio Leone

Silvio Stefano Guizzi

Stefano Quatrosi

Beatrice Sara Alzetta

Sonia Bergamasco

Simona Fais

Simona Ferraro

Paola Morales

Rossana Piano

Marica Roberto

Victoria S. Villalba

Florindo Umberto Carmignani

Leonardo De Colle

Mario Guariso

Sergio Leone

Mace Perlman

Brighella Giorgio Bongiovanni

Luca Criscuoli

Silvano Torrieri

Smeraldina Nicoletta Maragno

Claudia Negrin

Ilaria Onorato

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Maria Teresa Sintoni

Laura Torelli

Arlecchino Ferruccio Soleri

Um garçom que fala Stefano De Luca

Um carregador Mace Perlman

Músicos Walter Battagliola

Anania Battagliola

Anna Ferraresi

Ivo Meletti

Cenografia Ezio Frigerio

Figurinos Luisa Spinatelli

Música Fiorerzo Carpi

Movimento mímico Marise Flach

Máscaras Amleto Sartori

Natale Panaro

Assistência musical Raoul Ceroni

1990/91 (abril de 1991)

Pantalone Giorgio Bongiovanni

Paolo Calabresi

Leonardo De Colle

Clarice Gabriella Campanile

Marta Comerio

Gaia De Laurentiis

Nicoletta Maragno

Laura Pasetii

Dottor Lombardi Paolo Calabresi

Stefano De Luca

Leonardo De Colle

Silvio Stefano Guizzi

Stefano Quatrosi

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Beatrice Sara Alzetta

Sonia Bergamasco

Simona Fais

Paola Morales

Rossana Piano

Marica Roberto

Florindo Umberto Carmignani

Leonardo De Colle

Mario Guariso

Brighella Giorgio Bongiovanni

Luca Criscuoli

Silvano Torrieri

Smeraldina Nicoletta Maragno

Claudia Negrin

Ilaria Onorato

Maria Teresa Sintoni

Laura Torelli

Arlecchino Ferruccio Soleri

Um garçom que fala Stefano De Luca

Um carregador Stefano Quatrosi

Músicos Paolo Bettoli

Fabio Carlucci

Leonardo Cipriani

Anna Ferraresi

Ilaria Onorato

1992/93

Pantalone Giorgio Bongiovanni

Paolo Calabresi

Leonardo De Colle

Clarice Gabriella Campanile

Marta Comerio

Nicoletta Maragno

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Dottor Lombardi Paolo Calabresi

Sergio Leone

Enrico Maggi

Silvio Fabio Balasso

Leonardo De Colle

Silvano Torrieri

Beatrice Simona Fais

Rossana Piano

Marica Roberto

Florindo Umberto Carmignani

Leonardo De Colle

Mario Guariso

Sergio Leone

Brighella Giorgio Bongiovanni

Luca Criscuoli

Silvano Torrieri

Smeraldina Nicoletta Maragno

Claudia Negrin

Ilaria Onorato

Laura Torelli

Um garçom que fala Enrico Maggi

Um carregador Luca Criscuoli

Mimi Carlo Ottolini

Piero Varetto

Músicos Alessandro Castelli

Paolo Cotti Cometti

Anna Ferraresi

Giovanni Mandunzio

Franz Piatto

Cenografia Ezio Frigerio

Figurinos Luisa Spinatelli

Música Fiorerzo Carpi

Máscaras Amleto Sartori

Natale Panaro

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Assistência musical Raoul Ceroni

Décima Edição - 1997 Edizione del Cinquantesimo

Pantalone Giorgio Bongiovanni

Clarice Laura Pasetti

Dottor Lombardi Paolo Calabresi

Silvio Stefano Quatrosi

Beatrice Giorgia Senesi

Florindo Sergio Leone

Brighella Gianfranco Mauri

Smeraldina Nicoletta Maragno

Arlecchino Ferruccio Soleri

Um garçom da hospedaria Maxmilian Mazzotta

Garçom Francesco Cordella

Maria Grazia Solano

O ponto [Il suggeritore] Alighiero Scala

Um carregador Luca Criscuoli

Músicos Alberto Bertolotti

Gianni Bobbio

Alessandro Castelli

Ivo Meletti

Celio Regoli

Direção Giorgio Strehler

Cenografia Ezio Frigerio

Figurinos Franca Squarciapino

Música Fiorerzo Carpi

Movimento mímico Marise Flach

Diretor assistente Gianfranco Mauri

Máscaras Amleto Sartori

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Temporada de 2015

Pantalone Giorgio Bongiovanni

Clarice Giulia Valenti

Dottor Lombardi Tommaso Minniti

Silvio Stefano Onofri

Beatrice Annamaria Rossano

Florindo Sergio Leone

Brighella Enrico Bonavera / Stefano Guizzi

Smeraldina Alessandra Gigli

Arlecchino Ferruccio Soleri / Enrico Bonavera

Garçom da hospedaria Francesco Maria Cordella

Garçom Frabrizio Martorelli

Davide Gasparro

O ponto [Il Suggeritore] Stefano Guizzi

Fabrizio Martorelli

Músicos Gianni Bobbio/ Leonardo Cipriano

Francesco Mazzoleni/ Valerio Mazzucconi

Valerio Panzolato

Elisabetta Pasquinelli

Celio Regoli

Cenografia Ezio Frigerio

Figurino Franca Squarciapino

Música Fiorenzo Carpi

Iluminação Geraldo Modica

Movimento mímico Marise Flach

Máscaras Amleto e Donato Sartori

Mise èn scene Ferruccio Soleri com a colaboração de Stefano de Lucca

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ANEXO B

FICHA TÉCNICA DA SEGUNDA EDIÇÃO DE O JARDIM DAS CEREJEIRAS, DE

ANTON TCHÉKHOV

Liubov Andreievna Ranescaia( proprietária) Valentina Cortese

Ania, sua filha Monica Guerritore

Firs, velho mordomo Renzo Ricci

Leonid Andreievitch Gaev Renato di Carmine

Vania, filha adotiva Giulia Lazzarini

Piotr Sergeievitch Trofimov (Petia), estudante Pierro Sammataro

Charlotta Ivanovna- Governanta Claudia Lawrence

Duniacha- empregada Marisa Minelli

Iermolai Alexeievitch Lopakhine- mercador Franco Graziosi

Tradução Luigi Lunari e Giorgio

Strehler

Música Fiorenzo Carpi

Cenografia e Figurinos Luciano Damiani

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ANEXO C

FICHA TÉCNICA DA SEGUNDA EDIÇÃO DE A TEMPESTADE, de WILLIAM

SHAKESPEARE

Alonso, Rei de Nápoles Claudio Gora

Sebastião, seu irmão Luciano Virgilio

Prospero, legítimo Duque de Milão Tino Carraro

Antônio, seu irmão, o usurpador Duque de Milão Osvaldo Ruggieri

Ferdinando, filho do Rei de Nápoles Massimo Bonetti

Gonçalo, um velho conselheiro e honesto Mario Carrara

Adriano, um Lorde Fabrizio Bentivoglio

Francisco, um Lorde Franco Sangermano

Calibã, um escrevo selvagem e deformado Michele Placido

Trínculo, um bufão Armando Marra

Stefano, um despenseiro bêbado Mimo Craig

Capitão do Navio Bruno Noris

Miranda, filha de Próspero Fabiana Udine

Ariel, um espírito do etéreo Giulia Lazzarini

Outros espíritos: Massimo Bagliani, Ivano Borra, Mauro Cerana, Maria

Cioffi, Patrizia Cipriani, Claudio Lobbia, Riccardo Magherini, Marco Marelli, Manuela

Massarenti, Luciano Mastellari, Caterina Mattea, Massimo Petronio, Lucia Pozzi,

Renato Sarti, Giuliana Soldani, Andrea Tidona, Adriano Todeschini, Manuela Verchi

Tradução Agostino Lombardo

Música Fiorenzo Carpi

Cenário e Figurinos Luciano Damiani

Assistentes de direção Carlo Battistoni, Enrico

D’Amato e Walter Pagliaro

Movimento Mímico Marise Fach

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ANEXO D

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ANEXO E

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ANEXO F