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ISSN: 2362-3365 II SEMINARIO INTERNACIONAL DE LOS ESPACIOS DE FRONTERA (II GEOFRONTERA): DIFERENCIAS E INTERCONEXIONES 1 5 – Naturaleza y ambiente en la Frontera/ Natureza e ambiente na fronteira GESTÃO DE FRONTEIRAS: BIODIVERSIDADES REGIONAIS NOS ESPAÇOS FISIOGRÁFICOS TERRITORIALIZADOS ENTRE DISTINTAS CULTURAS Yoshiya Nakagawara Ferreira UFPR- Dir. Pesq. CNPq [email protected] Carlos Roberto Ballarotti UNOPAR [email protected] Resumo : A palavra fronteira é uma expressão polissêmica, portanto, de múltiplos significados. O presente ensaio trata das fronteiras políticas internacionais e a sua problemática, não só na administração dos bens naturais coletivos, como também na problematização dos conteúdos socioeconômicos e políticos. O principal objetivo é levantar algumas questões fisiográficas, compreendendo desde a biodiversidade natural, como também o seu 1 Editor: Facultad De Humanidades y Ciencias Sociales (FHyCS) Universidad Nacional de Misiones (UNaM). Direccion: Oficina de Relaciones Internacionales – 1er piso Biblioteca, Calle Tucuman 1946, Posadas, Misiones, CPA: N3300BSP, Correo electrónico: [email protected] 1

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A palavra fronteira é uma expressão polissêmica, portanto, de múltiplos significados. O presente ensaio trata das fronteiras políticas internacionais e a sua problemática, não só na administração dos bens naturais coletivos, como também na problematização dos conteúdos socioeconômicos e políticos. O principal objetivo é levantar algumas questões fisiográficas, compreendendo desde a biodiversidade natural, como também o seu conteúdo social inerente às distintas regiões do bioma amazônico.

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Page 1: Gestão de Fronteiras: biodiversidades regionais nos espaços fisiográficos territorializados entre distintas culturas

ISSN: 2362-3365

II SEMINARIO INTERNACIONAL DE LOS ESPACIOS DE FRONTERA (II GEOFRONTERA):

DIFERENCIAS E INTERCONEXIONES1

5 – Naturaleza y ambiente en la Frontera/ Natureza e ambiente na fronteira

GESTÃO DE FRONTEIRAS: BIODIVERSIDADES REGIONAIS NOS ESPAÇOS

FISIOGRÁFICOS TERRITORIALIZADOS ENTRE DISTINTAS CULTURAS

Yoshiya Nakagawara Ferreira

UFPR- Dir. Pesq. CNPq

[email protected]

Carlos Roberto Ballarotti

UNOPAR

[email protected]

Resumo: A palavra fronteira é uma expressão polissêmica, portanto, de múltiplos

significados. O presente ensaio trata das fronteiras políticas internacionais e a sua

problemática, não só na administração dos bens naturais coletivos, como também na

problematização dos conteúdos socioeconômicos e políticos. O principal objetivo é levantar

algumas questões fisiográficas, compreendendo desde a biodiversidade natural, como

também o seu conteúdo social inerente às distintas regiões do bioma amazônico. As

dimensões e os distintos aspectos da fronteira amazônica, compreendendo nove países,

objeto principal deste trabalho, retratam problemáticas de diferentes amplitudes políticas,

geopolíticas e culturais. Como metodologia de abordagem foi feita uma breve análise dos

aspectos locacionais e principais problemas fronteiriços atuais, na tentativa de procurar

caminhos para compreender melhor as questões vinculadas à gestão de áreas fronteiriças,

com muitos bens naturais envolvidos. Trata-se de uma pesquisa de caráter bibliográfico com

abordagem evolutiva e crítica, na tentativa de ilustrar o processo de ocupação e conflitos

existentes nas regiões fronteiriças amazônicas. Ainda em fase de elaboração final,

1 Editor: Facultad De Humanidades y Ciencias Sociales (FHyCS) Universidad Nacional de Misiones (UNaM). Direccion: Oficina de Relaciones Internacionales – 1er piso Biblioteca, Calle Tucuman 1946, Posadas, Misiones, CPA: N3300BSP, Correo electrónico: [email protected]

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apresenta-se a caracterização regional dos fenômenos estudados e a observação dos

primeiros resultados.

INTRODUÇÃO

No imaginário popular nacional a floresta amazônica, muitas vezes, é lembrada como

uma porção verde localizada no estado do Amazonas (remetendo à sua nomenclatura). No

entanto, o bioma da floresta amazônica não reconhece fronteiras estaduais, pois está

presente nos estados do Mato Grosso, Goiás, Maranhão, Pará, Rondônia, Amapá, Acre,

Roraima, Tocantins e no já citado Estado do Amazonas.

O mesmo fator ocorre quando imaginamos que o bioma da floresta amazônica

termina nos limites de nossas fronteiras internacionais. A floresta amazônica está presente

em nove países da América Latina: Brasil, Venezuela, Colômbia, Peru, Bolívia, Equador,

Guiana, Suriname e Guiana Francesa, totalizando 7.783.345 milhões de km2 (imagem 1). A

Amazônia se divide em florestas montanhosas andinas, florestas de terra firme e florestas

fluviais alagadas (RAISG, 2009).

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Imagem 1: Limites da Amazônia Sul-americana. Fonte: RAISG (2009).

No Brasil se encontra 64% deste bioma. Neste artigo será feita uma breve

exploração da situação das fronteiras do restante da floresta amazônica (36%), que se

encontra nos demais países da América Latina. Para isso, foi realizado um levantamento de

materiais disponíveis sobre cada país amazônico. Os motivos que levam à perda da área

florestal em todas essas nações são parecidos, como o avanço da fronteira agrícola,

contudo, alguns países apresentam singularidades. Serão verificadas também ações para

criação de organismos integradores e de cooperação entre os países sul-americanos

localizados no bioma amazônico.

Zientara (1989) afirma que a origem da fronteira reside no movimento: “A fronteira

poderá ser avançada se as condições vitais mudarem nesse sentido, ou então se o

movimento em sentido contrário enfraquecer [...]”, mesmo “[...] se algumas sociedades

humanas tendem a fixar definitivamente as suas próprias fronteiras”. (p. 306). Para o autor,

a linha fronteiriça é uma abstração, que não possui existência real fora do mapa geográfico

e possui valores desiguais, “[...] mudam segundo a diferente importância assumida no

decorrer da história pelos múltiplos caracteres distintivos entre os homens” (p. 310).

Para as Ciências Sociais o termo “fronteira natural” designa um espaço ou limite

político, administrativo e legal que separa dois povos, duas nações ou dois países. Sob o

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ponto de vista da gestão ambiental, as fronteiras ou limites administrativos podem dividir um

sistema biológico e físico único, que faz parte de um sistema maior, como um bioma, um rio,

um lago (ANDERSEN, 2008, p. 4). A autora expõe que:

Experiências de planejamento e administração ambiental em vários países vêm demonstrando que a melhor maneira de se implantar projetos de desenvolvimento sustentável é através da gestão integral [...] tanto em sentido mais estrito, visando atenuar desequilíbrios num ecossistema, quanto em sentido amplo, para garantir que os valores intrínsecos das áreas naturais não sejam alterados (ANDERSEN, 2008, p. 5).

Essa é uma questão importante levantada pela pesquisadora, pois, no caso de uma

bacia hidrográfica, qualquer intervenção provocada no local poderá repercutir nos países

situados em suas margens. O mesmo vale para a grande floresta amazônica que não pode

ser preservada somente por alguns dos nove países inseridos nesse bioma.

A RELAÇÃO NATUREZA E SOCIEDADE EM FRONTEIRAS INTERNACIONAIS

Há muitas discussões sobre as noções de fronteira, zona de fronteira, limite

internacional, limite territorial, etc. Entre os vários pesquisadores que discutiram sobre o

assunto retomemos rapidamente o sentido de fronteira que será usado neste trabalho.

No estudo sobre a gênese da noção de fronteira, uma das maiores estudiosas do

Brasil sobre o assunto, Lia Osório Machado (1998) relata que este conceito é muito mais

antigo do que a concepção de limite internacional. “A literatura considera o Império Romano

e o Império da China como casos paradigmáticos na investigação das origens da concepção

de fronteira e da evolução de seu significado no tempo” (p.5).

Prosseguindo na sua explanação, Machado (1998) ilustra que os romanos, por

exemplo, não tinham interesse em estabelecer limites aos seus domínios, no entanto

criaram um sistema administrativo e defensivo de fronteira [...] para dificultar a expansão dos

povos bárbaros nas fimbrias do Império.

Citando Stephen Jones (1959), Machado introduz a expressão Limes, nome dado a

essas fronteiras, que designavam originalmente o caminho ao longo do limite de uma

propriedade.

Na análise da relação entre limite e fronteira, tomamos como referência a

observação de Machado, que propôs considerar,

[...] o limite entre unidades territoriais como uma solução [...] para estabilizar os movimentos de contração/expansão dos sistemas de povoamento, dos sistemas de intercâmbio, e dos sistemas de organização social, todos eles sistemas abertos, [...], caracterizados por um forte potencial de instabilidade. De acordo com essas premissas, nos períodos em que pelo menos um desses sistemas atinge um patamar de estabilidade, limite e fronteira

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tendem a convergir, e inversamente, quando qualquer um desses sistemas chega a um limiar de instabilidade, a tendência é a de divergência entre limite e fronteira territorial (MACHADO, 1998, p. 8).

Pode-se inferir que pela sua origem histórica, a palavra fronteira não estava

associada a nenhum conceito legal, nascendo como um fenômeno da vida social

espontânea.

Transpondo essa ideia para a atualidade, principalmente em relação aos conflitos

ambientais que surgem em áreas fronteiriças, no processo de desenvolvimento econômico,

Vanconcelos et al. (2011, p. 136) observam que através da prática social de um grupo se

estabelece as relações sociais de poder, neste caso “[...] o modo de produção e de

organização social e política do espaço representam a percepção e as significações que o

grupo tem sobre o espaço utilizado”. Por outro lado, a organização cultural, segundo os

autores “[...] representa um complexo sistema de valores, ideologias, significados de vida

que se desenvolveram ao longo da história e se especificam em diferentes contextos”. (p.

137).

Sendo a Amazônia uma fronteira geopolítica da biodiversidade, uma grande

realidade social, econômica e política brasileira é motivo de constantes conflitos

internacionais e regionais. A sua importância estratégica tem motivado a necessidade de

uma governabilidade mais ampla e global, pois a expressão “megadiversidade” tem sido

muito utilizada pela sua primazia, sobretudo pela vantagem comparativa, como sendo um

bioma com “[...] ampla disponibilidade de recursos biogenéticos, energéticos, além do

acervo de conhecimentos tradicionais acumulados pelas populações locais [...]” (ALBAGLI,

2001, p. 6).

Em 1992, durante a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e

Desenvolvimento, realizado no Rio de Janeiro, foi firmada a Convenção sobre Diversidade

Biológica (CDB), vigorando a partir de 29 de dezembro de 1993. Atualmente a principal

referência internacional para o debate e as ações relativas à área é a CDB, porque

considera a biodiversidade, também no nível genético; trata a conservação associada ao

uso sustentável; condiciona o acesso aos recursos genéticos à transferência de tecnologias.

Além disso, reconhece os direitos e deveres dos estados nacionais sobre seus recursos

genéticos e biológicos e incorpora a preocupação com os interesses e benefício das

populações tradicionais (ALBAGLI, 2001, p. 8).

Há muita legislação nacional em curso para regular o acesso aos recursos

biogenéticos amazônicos, para que esses não sejam explorados indefinidamente sem

retorno à região ou à população brasileira.

No que se refere ao bioma amazônico, uma das grandes dificuldades é a questão

das definições e redefinições de escalas espaciais, pois ao mesmo tempo, é muito

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importante pensarmos na população local, tanto do ponto de vista social, econômico, como

de sobrevivência, existindo muitos grupos sociais de várias naturezas convivendo nesse

bioma. Foi feita uma importante pesquisa por Dias e Santos (2003), sobre as produções

científicas da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano

e Regional (Anpur), nas quais consta a temática das escalas espaciais, particularmente

referentes à região, o território e o meio ambiente.

No trabalho realizado por esses autores, cujo recorte foi analisar a produção de 1986

a 2001 (portanto, no período de 16 anos), foram apontadas algumas tendências abaixo

explicitadas:

A reflexão ambiental articulada à organização territorial, a emergência das

experiências cotidianas e o meio ambiente como campo de diferentes

representações sociais desdobraram-se como possibilidades teóricas e tomaram o

seu lugar nas reflexões da Anpur.

Outras tarefas de ordem teórica e metodológica se colocam, e nesse ponto

consideramos que o conceito meio ambiente ainda deve estar aberto à reflexão,

principalmente no que se refere a uma mediação entre escalas.

Muitos estudos trazem análises que se fixam numa descrição e explicação de base

local. Em outras palavras, há justaposição entre a escala da área de estudo e a

escala de análise: as análises se estendem até a dimensão da ocorrência do

fenômeno e os conflitos sociais são descritos e explicados nos limites territoriais

onde ocorrem.

Redefinir meio ambiente implica não só dar-lhes historicidade e trazê-lo para o

campo da política, mas desvendar a configuração da ação do poder, tanto interna

quanto externa ao local onde os conflitos visivelmente ocorrem.

ALGUMAS DIVERSIDADES DO BIOMA AMAZÔNICO, ALÉM DA BIODIVERSIDADE

No caso dos países que compõem a Amazônia, encontramos situações onde as

políticas desenvolvimentistas prejudicam a manutenção e a proteção dessas áreas, como no

caso da Venezuela. Outros países amazônicos já promovem uma política totalmente

preservacionista, como o Suriname, casos que veremos nas observações seguintes.

Ao Brasil pertence a maior parte desse bioma, com aproximadamente 5.006.316

milhões de quilômetros quadrados, ou seja, 64% da floresta amazônica estão dentro do

território brasileiro. O desmatamento estimado, segundo a British Broadcasting Corporation

(BBC, 2013) é de 700.000 km2 desde 1970.

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Na tabela 1 apresentamos a distribuição por km2 da área amazônica de nove países,

com um breve comentário sobre a situação da preservação ou devastação da floresta,

expansão da fronteira agrícola e pecuária, exploração petrolífera e mineira, conforme dados

obtidos recentemente pela British Broadcasting Corporation (BBC, 2013) e pela Rede

Amazônica de Informação Socioambiental (RAISG, 2009).

Tabela 1: Distribuição da área Amazônica por países em km2 - 2009 (Fonte: RAISG, 2009).

A Venezuela possui 453.915 km2 dentro da área amazônica (5,8% do total) (RAISG,

2009). Entretanto, somente 51.000 km2 são de área florestal preservada, possuindo a taxa

de desmatamento anual a média de 2.876 km2. Mais de 35% do país está oficialmente

protegido num sistema de parques e reservas, mas segundo a BBC (2013), muitas destas

áreas existem apenas no papel. Segundo Oliveira-Miranda; Zambrano (2009), as principais

causas da perda da vegetação amazônica no país ocorrem por causa da extração ilegal da

madeira, mineração (imagem 2), queimadas, turismo, pressão populacional, criação de

hidroelétricas, mudanças nos padrões agrícolas, além da exploração de produtos naturais e

mudanças climáticas.

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Imagem 2: Garimpo ilegal localizado no meio da floresta amazônica, na Venezuela. A imagem foi feita em 17 de novembro de 2012, durante sobrevoo sobre a região (Foto: Jorge Silva/Reuters).

A Colômbia possui 483.119 km2 da floresta amazônica (6,2%). Segundo a ONG

Amazonas 2030 (2011), a principal causa da perda florestal no país seria motivada pelas

plantações de coca, sendo que desde 1998 o país perdeu 20.000 km2 de mata nativa.

Atualmente tem perdido anualmente a média de 2.000 km2 de suas matas. Outro fator

apontado são os assentamentos permanentes que surgem ao longo dos grandes rios da

região. Os departamentos de Caquetá, Putumayo e Guaviare são responsáveis pela maioria

da área desmatada. (COLÔMBIA, 2011).

O Peru contém 782.820 km2 (60,6% da área total do país) de floresta amazônica, ou

seja, 10,1% do total continental. Onde a preservação da mata também ocasiona a

preservação das cabeceiras dos grandes rios da Bacia Amazônica. A média anual de

desmatamento se encontra em 2.240 km2. Segundo a BBC, o índice de desmatamento é

relativamente baixo comparado com outros países da região, que ocorre como resultado de

atividades como a exploração de madeira, a agricultura comercial e a construção de

estradas.

A Bolívia apresenta 475.278 km2 (6,1%) de floresta amazônica, sendo a média anual

de desmatamento entre 2.700 km2. Segundo a RAISG, entre as principais causas do

desmatamento no país estão a expansão da fronteira agrícola, a pecuária e a atividade

madeireira. Na década de 1990, a Bolívia registrou elevados índices de desmatamento, por

causa da distribuição de terras para companhias madeireiras, contudo na década passada

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tornou-se líder mundial na promoção da gestão sustentável da floresta por meio de

catalogação das madeiras extraídas de uma floresta gerida (BBC, 2013).

O Equador totaliza 116.604 km2 do território dentro da área amazônica (1,5%) e

apresenta uma média anual de 2.864 km2 de desmatamento, sendo que o total de cobertura

florestal se encontra em 45,7% do seu território. Entre os principais causadores do

desmatamento estão a exploração petrolífera e mineira, sendo esta acompanhada pela

colonização dessas áreas, somando-se a isso a crescente demanda de terras para o

monocultivo de Dendê. (RAISG, 2009).

Na Guiana encontramos 214.969 km2 de área amazônica (2,8%), contudo a área

total da floresta é de 151.040 km2, ou seja, 70,03% (BBC, 2013). A média anual de

desmatamento se encontra em 450 km2, sendo a extração de bauxita e ouro a principal

causadora da devastação florestal. Ainda soma-se a isso o aumento nas exportações de

madeira e o crescente interesse nos biocombustíveis.

A Guiana Francesa possui 86.504 km2 (1,1%) dentro da área amazônica e a

estimativa de desmatamento de acordo com a BBC (2013) foi de 2,6% da área florestal

entre 1990 e 2005, deixando a área florestal do Departamento Francês com 81.573 km2

(94,3% do total de sua área). A extração de ouro e a expansão da fronteira de colonização

têm degenerado a floresta.

No Suriname são encontrados 163.820 km2 de área amazônica (2,1%). Segundo a

BBC (2013) a média de desmatamento anual é de 325 km2, um dos índices mais baixos de

desmatamento do mundo, sendo que atualmente a área florestal do país é de 90,2%

(147.760 km2). A principal ameaça é a atividade mineradora de pequena escala que polui o

meio ambiente com mercúrio. Somente 5% da sua população vive na floresta tropical

(indígenas e seis comunidades de descendentes de escravos fugidos que vivem no interior

da floresta e mantém o estilo de vida tradicional do oeste africano).

Um estudo pan-amazônico, com resultados impactantes sobre a região foi efetuado

pela Rede Amazônica de Informação Socioambiental (RAISG), que congrega 11 ONGs e

institutos regionais. O fruto desse estudo foi o atlas “Amazônia Sob Pressão” que mediu com

base em imagens de satélite, o desmatamento entre 2000 e 2010, em todos os países que

abrigam a floresta amazônica, além de mapear as principais ameaças ao ambiente e à

população local. Segundo este documento a Amazônia perdeu 240.000 km2 de floresta, ou

seja, 3% de sua área total em apenas 10 anos, o que seria equivalente ao território da Grã-

Bretanha. Segundo a RAISG (2013), nesse período o Brasil foi responsável pelo

desmatamento de 80,4% da Amazônia, seguido pelo Peru, que desmatou 6,2% e depois a

Colômbia que desmatou 5%. A pesquisa mostra também que o ritmo de desflorestamento

no Brasil e na maioria dos países sul-americanos tem se reduzido desde 2005, contudo a

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taxa de desmatamento tem se mantido estável no Peru e aumentado na Colômbia e na

Guiana Francesa.

Nos estudos da RAISG as principais pressões sofridas pela floresta são ocasionadas

pela abertura de estradas, a exploração de petróleo e gás, a mineração, hidrelétricas, focos

de calor e o desmatamento. A presença de estradas na Amazônia estaria associada à

exploração ilegal da madeira, ao avanço de atividades agropastoris e aos grandes projetos

de infraestrutura e urbanização. A pressão exercida por essas estradas aumenta à medida

que avança a Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA),

que seria um empreendimento conjunto de governos da região. Como exemplo teríamos

uma rodovia ligando o Oceano Pacífico com as áreas habitadas da Amazônia brasileira,

facilitando o escoamento de produtos e abrindo caminho para exploração do interior da

floresta. Ainda, de acordo com a RAISG, a expansão da pecuária e da produção agrícola,

também está entre as maiores ameaças à floresta e aos seus habitantes. No caso do Brasil,

em 93% das terras exploradas pela agropecuária, não existe a utilização de técnicas

intensivas para elevar a proporção da criação de bois por hectare (RAISG, 2009).

Na Amazônia Andina o Petróleo e a mineração são atividades que ameaçam a

floresta, pois estão ligadas à poluição da água e do ar, a contaminação do solo e a

destruição de ecossistemas naturais. A organização estima que há 327 lotes com potencial

de exploração de petróleo e gás em toda a floresta, que ocupam 15% de sua área. Cerca de

80% dos lotes se encontram na Amazônia Andina, local onde vive metade dos 385 povos

indígenas da região. (RAISG, 2009).

Andersen (2008) aponta as dificuldades na gestão compartilhada de um grande

bioma: os diferentes interesses na exploração dos recursos, as diferentes políticas públicas

de gestão, diversidade nos assuntos jurídicos e administrativos, além dos diferentes padrões

de qualidade ambiental entre esses países. Contudo, trata-se de uma negociação entre os

países envolvidos na expectativa de um acordo ou tratado de cooperação. Nesse caso, os

nove países amazônicos começam a colher os primeiros frutos de uma experiência de

gestão em conjunto.

O tratado de Cooperação Amazônica (TCA) foi assinado em 1978, por Bolívia, Brasil,

Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela, sendo este o instrumento jurídico

que reconhece a natureza transfronteiriça da Amazônia. (OTCA, 2013).

A Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) é um organismo

internacional criado para ser um instrumento integrador e de cooperação nos países sul-

americanos na questão de suas políticas referentes à região amazônica, fortalecendo a

construção de sinergias com outros atores nacionais, organismos multilaterais, agências de

fomento, movimentos sociais, comunidade científica, setores produtivos e da sociedade civil.

Sua sede (Secretaria Permanente) se localiza em Brasília e possui oito países membros

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localizados na região amazônica, sendo que a Guiana Francesa ainda não foi incluída como

membro da organização (OTCA, 2013).

A cooperação entre os países amazônicos para preservação em conjunto de suas

florestas ocorre lentamente. Uma parceria de pesquisa entre o Instituto Nacional de

Pesquisas Espaciais (INPE) e a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica

(OTCA) foi firmada para monitorar o desmatamento nesses países. Essa parceria também

recebeu o incentivo do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES),

que liberou fomento de 23 milhões de reais para a OTCA. Isso possibilitará a capacitação de

técnicos da Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela, que

aprenderão no Centro Regional da Amazônia do INPE, na cidade de Belém (PA), a manejar

as ferramentas que se tornaram referência mundial no monitoramento por satélites.

(BRASIL, 2013).

O monitoramento por satélites é hoje imprescindível na contenção do desmatamento

para proteger a biodiversidade e frear alterações no clima, além de gerar as informações

necessárias à implantação de políticas voltadas ao desenvolvimento sustentável. Está

prevista também a instalação de “Salas de Observação” nos países membros da

organização, os quais poderão acompanhar em tempo quase real, as informações sobre a

extensão e a qualidade da cobertura florestal nessa região. (BRASIL, 2013).

Como considerações finais assinalamos que, apesar de muitos estudos realizados

pelos pesquisadores e amplamente difundidos nas Universidades, como pela imprensa,

tanto de antropólogos, historiadores, geógrafos, geólogos e cientistas sociais e da natureza

de um modo geral, os resultados apontam para a necessidade de uma consciência nacional

mais profunda sobre a Amazônia. Apesar dos tratados internacionais, binacionais ou

regionais já existentes, um bioma como a Amazônia ainda necessita de muitos estudos

aprofundados, tanto no âmbito das ciências naturais, como humanas. O caráter geopolítico

dessa região requer não só tratamentos internacionais, mas principalmente a participação

mais efetiva dos países e da população envolvidos. Já houve uma grande perda das nossas

raízes históricas e arqueológicas, como também perdas da fauna e flora que ainda

continuam desconhecidas pela sua grande biodiversidade e diversidade sociocultural.

Não se trata mais, no caso do bioma amazônico, de uma questão geopolítica, ou

socioeconômica fronteiriça, mas de uma questão de escala planetária, solidária, filosófica e

sociocultural. Sem essas reflexões, dificilmente avançaremos em todas as direções

necessárias. Pois, a ecologia e a antropologia filosóficas devem preceder qualquer

pensamento “fronteiriço”.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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