gestão da qualidade total_a excelência do modelo toyota na prestação de serviços
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GESTÃO DA QUALIDADE TOTAL:
A EXCELÊNCIA DO MODELO TOYOTA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
Benhur Palini1
Valéria Koch Barbosa2
RESUMO
Este artigo aborda a adaptação dos conceitos da Qualidade à prestação de serviços, com base nos
14 princípios de Deming, os quais são considerados os princípios fundamentais do TQC,
Controle da Qualidade Total, que deu origem ao que se chama, no Brasil, de Gestão da Qualidade
Total. Apesar de ter origem nos Estados Unidos, em 1950, o TQC só recebeu maior atenção no
final da década de 80, com o case da Toyota. Muitos autores têm se dedicado ao assunto desde
então, no entanto muitas abordagens têm se mostrado superficiais, uma vez que enfatizam a parte
técnica do Sistema Toyota de Produção e negligenciam a filosofia que o sustenta. No setor de
prestação de serviços, o qual tem se mostrado mais importante para a economia brasileira a cada
ano, são verificados altos níveis de insatisfação dos clientes. Muitas tentativas de implementação
de um Sistema de Gestão da Qualidade nessas organizações têm fracassado pela falta de
compreensão dos conceitos que lhe servem de base. Portanto, este estudo reúne embasamento
teórico referente aos conceitos da Qualidade praticados pela Toyota, contrastando-os com a
aplicação adaptada às suas próprias concessionárias através do estudo de caso de uma das suas
132 unidades no Brasil.
Palavras-chave: Gestão da Qualidade Total. Qualidade nos Serviços. Sistema Toyota de
Produção. TSM. TSW.
ABSTRACT
This article discusses the adaptation of the concepts of Quality to service delivery, based on
Deming's 14 principles, which are considered the basic principles of TQC, Total Quality Control,
which gave rise to what is called in Brazil, Management Total Quality. Despite having originated
in the United States in 1950, the TQC only received more attention in the late 80's, with the case
of Toyota. Many authors have been devoted to the subject since then, although many approaches
have been shown to be superficial, since they emphasize the technical part of the Toyota
Production System and neglect the philosophy that sustains it. In the service sector, which has
been more important for the Brazilian economy each year, there are high levels of customer
dissatisfaction. Many attempts to implement a Quality Management System in these
organizations have failed for lack of understanding of the concepts that underpin it. Therefore,
this study brings together theoretical concepts relating to quality practiced by Toyota, contrasting
them with the application for its own car dealerships through a case study of one of its 132 units
in Brazil.
Keywords: Total Quality Management. Quality in Services. Toyota Production System. TSM.
TSW.
1Acadêmico do Curso de Gestão da Produção da Universidade Feevale.
2Professora orientadora, bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais, licenciada em Letras –
Português/Inglês. Docente da Universidade Feevale.
2
INTRODUÇÃO
O TQC, Controle da Qualidade Total, já é amplamente conhecido e aplicado em
organizações do mundo todo, tendo-se mostrado como um fator fundamental à sobrevivência
destas, no disputadíssimo mercado global. Os métodos e conceitos do TQC ganharam maior
atenção a partir dos anos 80, com o evidente sucesso da montadora de automóveis Toyota.
Mas, apesar dos inúmeros cases de sucesso na indústria, a Gestão pela Qualidade Total
não é tão conhecida e aplicada fora do ambiente industrial.
No Brasil, a Prestação de Serviços, especialmente, tem se tornado, a cada ano, mais
representativa para o desenvolvimento do país. Contudo, não é difícil se constatar altos índices de
insatisfação relacionados à falta de qualidade nesse setor. Grande parte das empresas parece estar
focada nos resultados (fins) de curto prazo, geralmente gerenciando seus negócios através de
metas mensais e concorrendo pela diferenciação de preço, pelas condições de pagamento e
promoções.
Assim, a filosofia da qualidade, que está focada na melhoria dos processos (meios) para
conquistar a preferência do cliente através da satisfação, apostando em resultados de longo prazo,
parece se contrapor à lógica culturalmente predominante no setor. Certamente esse fato está
relacionado com a não compreensão dos conceitos da Qualidade. Muitas tentativas de
implantação de um Sistema de Gestão da Qualidade têm fracassado, por enfatizarem o uso das
ferramentas isoladamente, ou tratarem o TQC como um programa motivacional, ou ainda, como
uma estratégia de marketing.
Portanto, este trabalho estuda como os conceitos da Gestão da Qualidade Total podem
ser adaptados e aplicados ao setor de serviços, gerando resultados significativos por meio da
melhoria dos processos, a partir do envolvimento das pessoas numa nova cultura organizacional
direcionada à satisfação do cliente.
Com base nesse contexto, a relevância deste trabalho consiste no estudo e no
entendimento dos conceitos da Qualidade, portanto, a proposta não é enfatizar o mecanismo de
implantação da Qualidade nos serviços como também não é escrever um manual de ferramentas.
Dessa maneira, o estudo teve como objetivo geral descrever a adaptação dos conceitos
da Qualidade ao contexto de atuação da concessionária CarHouse. Como objetivos específicos,
pretendeu-se descrever os conceitos aplicados, os métodos de aplicação, demonstrar a evolução
3
de alguns indicadores e reunir relatos sobre fatores qualitativos, a fim de fazer uma articulação
teórico-prática com os conceitos estudados ao longo do curso de graduação.
Para tanto, realizou-se uma pesquisa bibliográfica, com vistas a buscar um embasamento
teórico que pudesse dar suporte ao estudo de caso, o qual, posteriormente, foi realizado na
empresa escolhida.
1 GESTÃO DA QUALIDADE TOTAL
A história da Qualidade Total é repleta de detalhes relevantes, impossíveis de relatar
num artigo como este, no entanto procurou-se descrever apenas alguns conceitos fundamentais
que possam retratar o assunto de maneira simples. Portanto, a parte teórica descrita nesta seção
apresenta uma breve introdução à história do TQC (Controle da Qualidade Total), em seguida, a
abordagem de Deming, considerado a principal referência no assunto, após, a aplicação desses
conceitos pela Toyota, tratada como o maior case no assunto, e, finalmente, uma sucinta
abordagem dos conceitos de qualidade nos serviços. Porém, inicialmente, observam-se alguns
conceitos preliminares.
Qualidade – A definição de qualidade é muito subjetiva. A palavra qualidade vem do
latim “qualitate”, que significa propriedade ou características que podem distinguir umas coisas
das outras, no entanto verificam-se as seguintes abordagens (NETO SHIGUNOV; CAMPOS,
2004).
Abordagem transcendente: a qualidade é sinônimo de excelência, portanto, não pode ser
medida, apenas reconhecida pelos critérios de cada indivíduo.
Abordagem baseada no produto: sinônimo de mais durabilidade, maior número ou mais
características, refere-se às propriedades físicas, portanto, pode ser medida com previsão. De
acordo com Juran (1995), qualidade é adequação ao uso.
Abordagem baseada no consumidor: é o nível de atendimento às necessidades do
consumidor, somente este pode avaliá-la.
Abordagem baseada na produção: qualidade é conformidade com as especificações do
projeto. Essa variação em relação às especificações pode ser medida por controle estatístico.
4
Abordagem baseada no valor: é o valor atribuído ao produto pelo consumidor em
relação ao preço. É o que vale ou não a pena. “O verdadeiro critério de boa qualidade é a
preferência do consumidor” (CAMPOS, 2004, p. 2). (grifos do autor)
“O Controle da Qualidade são todas as técnicas e atividades operacionais utilizadas para
atender aos requisitos para a qualidade” (NETO SHIGUNOV; CAMPOS, 2004, p. 61).
Processo: é o conjunto de atividades necessárias para transformar “entradas” (insumos)
em “saídas” (produtos). Observa-se que o produto de um processo pode ser um serviço, sendo
que “[...] temos usado a palavra „produto‟ como um termo genérico para qualquer coisa que se
produza, bens ou serviços” (JURAN, 1995, p. 9). Na abordagem da Qualidade, a organização é
considerada um sistema aberto, composto do inter-relacionamento de processos, assim, todas as
ações causam efeitos com maior ou menor intensidade em todo o sistema. Na Qualidade a
entrada é a necessidade do cliente e a saída é a satisfação.
1.1 EVOLUÇÃO DA QUALIDADE
A partir do século XX, a administração deixou de se preocupar somente com a
produtividade e passou a dar atenção à qualidade. Na década de 20, surgiu sua primeira fase,
conhecida como “Inspeção da Qualidade”, a qual estava concentrada em inspecionar todos os
produtos, para garantir que não saíssem da fábrica com defeito. A segunda fase, nos anos 30,
denominou-se “Controle da Qualidade” dedicando-se ao monitoramento estatístico dos
processos, eliminando a causa dos defeitos (NETO SHIGUNOV; CAMPOS, 2004).
Após o fim da II Guerra Mundial, o TQC, Controle da Qualidade Total, surgiu no Japão
estimulado pela JUSE - União dos Cientistas e Engenheiros Japoneses - a partir das idéias de
Deming e Juran. No entanto, destaca Neto Shigunov e Campos (2004), estes permaneceram
quase totalmente desconhecidos no Ocidente até os anos 80.
Aspectos culturais, sociais e políticos do Japão ofereceram as condições necessárias para
o nascimento do TQC (GOUNET, 1999). O país estava destruído e sua imagem estava sendo
associada a produtos de péssima qualidade. O senso de disciplina, a escassez de recursos naturais
e um sentimento de responsabilidade pela reconstrução do país foram combinados com as
melhores técnicas de administração praticadas no Ocidente, resultando no que é considerado uma
filosofia de administração (WALTON, 1989).
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O TQC é baseado em elementos de várias fontes: emprega o método cartesiano,
aproveita muito do trabalho de Taylor, utiliza o controle estatísticos de processos, cujos
fundamentos foram lançados por Shewhart, adota conceitos sobre comportamento
humano lançados por Marslow e aproveita todo o conhecimento ocidental sobre
qualidade, principalmente o trabalho de Juran (CAMPOS, 2004, p. 13).
O TQC foi se tornando mais abrangente, surgindo, assim, novos autores, literaturas,
ferramentas e práticas. Atualmente, a evolução da Qualidade encontra-se na quinta fase, Garantia
da Qualidade, abrangendo o planejamento completo de uma organização. Muitos autores
mencionam Sistema de Gestão da Qualidade, Filosofia da Qualidade, Administração da
Qualidade Total, Gerenciamento por Diretrizes, Qualidade Total ou simplesmente Qualidade,
para se referirem ao assunto. “No Brasil utiliza-se muito o termo Gestão da Qualidade Total”
(NETO SHIGUNOV; CAMPOS, 2004, p. 110).
Já Oakland (1994) cita, além de William Edwards Deming e Joseph M. Juran, Philip B.
Crosby como “gurus americanos da qualidade”, inclusive apresentando uma comparação entre os
principais pontos em comum e de divergência. Armand Feigenbaum também é considerado
referência no assunto. Porém, Campos (2004, p. 13) destaca: “[...] os japoneses preferem usar a
sigla CWQC („Company Wide Quality Control‟) para diferenciá-lo do TQC pregado pelo Dr.
Armand Feigenbaum”.
Sob essa ótica, este artigo limitou-se a descrever, de maneira mais detalhada, apenas a
abordagem de Deming, por ser a que melhor contextualiza a essência e história do TQC e
suficiente para o objetivo deste trabalho. De acordo com Campos (2004), este é o TQC
consagrado no Brasil, o TQC ao estilo japonês.
1.1.1 Os 14 Princípios de Deming
William Edwards Deming nasceu no ano de 1900, no Oeste dos Estados Unidos. Em
1921, formou-se em Matemática, fazendo mestrado em Matemática e Física e, posteriormente, no
ano de 1924, obteve o Ph.D. em Física. Em 1940, Deming realizou o primeiro censo por amostra
dos Estados Unidos, aplicando as técnicas do controle estatístico dos processos desenvolvido por
Walter A. Shewhart. Em 1947, fora recrutado para realizar o censo do Japão. E, em 1950, a JUSE
convidou Deming para ensinar o CEQ - Controle Estatístico da Qualidade - aos engenheiros
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japoneses empenhados na reconstrução do país, conforme parte da bibliografia detalhada de
Walton (1989). Porém Deming conclui o seguinte:
É um erro supor que uma produção eficiente do produto e do serviço manterá a empresa
solvente e à frente da concorrência. É possível e, para dizer a verdade, bastante fácil para
uma organização ir ladeira abaixo e desaparecer do mercado fazendo o produto ou
prestando o serviço errado, mesmo que todos os membros da organização se
desincumbam de suas tarefas com dedicação, utilizando métodos estatísticos e todos os
demais instrumentos propiciadores de eficiência. (DEMING, 1990, p. 20).
De acordo com o autor, era necessário mudar também a forma de administrar as
empresas, principalmente mudar o pensamento, então, passou a ensinar os conceitos da
Qualidade a partir dos 14 princípios básicos da qualidade na administração (WALTON, 1989).
Esses princípios deram origem ao prêmio Deming de Qualidade em 1951 no Japão e,
posteriormente, influenciaram os critérios do Prêmio Malcon Baldrige criado em 1987 (HART,
1994). “A influência de Deming tem sido tão permanente que qualquer programa implicará,
inevitavelmente, a inclusão de alguns elementos de sua filosofia” (HART, 1994, p. 8). Aqui no
Brasil, o Prêmio Nacional da Qualidade segue a orientação do MEG, Modelo de Excelência da
Gestão da FNQ, Fundação Nacional da Qualidade, baseada nos Prêmios citados anteriormente
(FNQ, 2010). No Rio Grande do Sul, o Prêmio “Qualidade RS” do PGQP3 segue os mesmos
critérios.
Abaixo, estão descritos, resumidamente, os “14 princípios de Deming”, considerados os
fundamentos iniciais da Qualidade e citados em grande parte das obras referentes ao assunto
(DEMING, 1990) (WALTON, 1989).
1. Estabeleça constância de propósitos para a melhoria do produto e do serviço,
objetivando tornar-se competitivo e manter-se em atividade, bem como para criar emprego.
Na abordagem da Qualidade, o principal objetivo de uma organização é satisfazer às
necessidades dos clientes. Clientes “[...] são todas as pessoas afetadas por nossos processos ou
nossos produtos” (JURAN, 1995, p. 9) (grifos do autor) ou todos aqueles que, de qualquer
maneira, sejam afetados direta ou indiretamente pelas ações da organização.
3 O Programa Gaúcho de Qualidade e Produtividade conta com a adesão de 8.882 organizações e
1.221.825 pessoas, tornando o Rio Grande do Sul reconhecido em todo o Brasil como o Estado que mais avançou na
disseminação dos conceitos e na aplicação dos conceitos da Qualidade (PGQP, 2010)
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Dessa maneira, além dos consumidores, os fornecedores, os funcionários, a sociedade e
os próprios acionistas (proprietários ou investidores) são considerados clientes. Campos (2004, p.
11) afirma que “uma empresa honesta só pode sobreviver dentro de uma sociedade se for para
contribuir para satisfação das pessoas”.
A compreensão desse princípio é fundamental para o raciocínio da Qualidade, porque é
ele que dá sentido a essa abordagem. Ter lucro é o objetivo principal de um dos clientes, no
entanto, somente se as necessidades de todos os outros também foram satisfeitas, a Qualidade
será Total.
Portanto, a organização deve elaborar um planejamento de longo prazo, observando
todos os aspectos necessários para garantir um futuro sustentável: treinamento, conhecimento,
inovação, tecnologia, meio ambiente. A organização deve declarar publicamente seus objetivos e
os princípios que a conduzirão a atingi-los, assumindo sua responsabilidade com todos os
clientes. Este é o primeiro passo para estabelecer as condições indispensáveis à nova cultura.
Diante do contexto ambiental em que vivemos, a adoção a ISO 140014 tem se tornado
requisito obrigatório a muitas organizações, porém muitas delas têm buscado a certificação
ambiental como forma de demonstrar seu comprometimento social e até como estratégia de
marketing.
2. Adote a nova filosofia. Estamos numa era econômica. A administração ocidental
deve acordar para o desafio, conscientizar-se de suas responsabilidades e assumir liderança no
processo de administração.
Em 1950, quando esse princípio foi escrito, Deming já considerava o pensamento
predominante nos Estados Unidos ultrapassado. No entanto esse princípio não perde a relevância,
visto que sempre surgem novas necessidades e, consequentemente, novas filosofias e técnicas
eventualmente mais adequadas ao novo contexto. Contudo, até a década seguinte, não havia tanta
preocupação com qualidade, nessa época, os Estados Unidos passavam por um período de
riqueza, o consumismo estava impulsionado pelos efeitos pós-guerra e as novas técnicas de
marketing. Os produtos apenas precisavam funcionar como o prometido por algum tempo,
4 A sigla ISO refere-se à ONG International Organization for Standardization ou Organização
Internacional de Normas Técnicas sediada em Genebra na Suíça. De acordo com Maranhão (2006, p. 29), o objetivo
da ISO é “estabelecer as normas técnicas essências de âmbito internacional, seja para consolidar uma nova
tecnologia, abrindo acesso a todos, especialmente aos países mais pobres, seja para evitar abusos econômicos ou
tecnológicos dos países mais desenvolvidos sobre os países menos desenvolvidos”. A ISSO 14001 é a norma
internacional de qualidade ambiental.
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oferecer conforto e status, pois logo seriam substituídos por um mais moderno (MARAMALDO,
2000).
Naquela época, as abordagens Clássica e Neoclássica da Administração eram
predominantes. Tais abordagens foram revolucionárias em suas épocas, muitos dos seus
conceitos foram aproveitados no TQC, porém muitos aspectos negativos se destacaram. A Teoria
Científica da Administração, de Taylor, em 1909, enfatizava as tarefas. Os trabalhadores eram
considerados incapazes, preguiçosos, sendo que apenas recompensas financeiras poderiam
motivá-los. Acreditava-se que aspectos físicos eram o principal fator de produtividade. A
filosofia era produzir o máximo sem parar (CHIAVENATO, 2000).
Os ganhos de produtividade conseguidos na época foram impressionantes [...]. Esta
escola atendia as necessidades do final do século XIX e início do século XX nos países
desenvolvidos, uma vez que a indústria se expandia rapidamente, empregando pessoal
com baixo nível de qualificação, sendo a maioria oriunda da zona rural. À medida que as
pessoas foram se qualificando e as disponibilidades de capital e de tecnologia aumentam,
seus princípios começam a se tornar cada vez menos importantes para as novas
necessidades. (LACOMBE; HEIBRN, 2003, p. 38)
Na abordagem da Qualidade, o pensamento é exatamente o oposto: os colaboradores são
criativos e capazes de gerar melhoria contínua. Aspectos relacionados ao Clima Organizacional
são muito mais relevantes para a produtividade do que incentivos financeiros. No TQC, as
pessoas são o fator de competitividade mais importante.
Observa-se que, em 1930, a abordagem Humanista da Administração já comprovara,
através das experiências científicas, que questões de Clima Organizacional, relacionamentos e
fatores psicológicos eram muito mais relevantes para a motivação e a produtividade do que
aspectos biológicos e recompensas financeiras. Essa abordagem nasceu da “[...] necessidade de
humanizar e democratizar a Administração [...]. O moral é uma decorrência do estado
motivacional provocado pela satisfação ou não satisfação das necessidades individuais das
pessoas” (CHIAVENATO, 2000, p. 132). (grifos do autor)
3. Deixe de depender da inspeção para atingir a qualidade. Elimine a necessidade de
inspeção em massa, introduzindo a qualidade no produto desde seu primeiro estágio.
“A qualidade não deriva da inspeção, e sim da melhoria do processo produtivo”
(DEMING, 1990, p. 22). É preferível investir recursos na melhoria do processo a investir na
inspeção final, pois o custo da qualidade é sempre menor que o custo da não qualidade.
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Heldt (apud NETO SHIGUNOV; CAMPOS, 2004, p. 134) afirma que, “para cada dólar
gasto com prevenção e avaliação da qualidade, pode-se ganhar quatro dólares na diminuição de
falhas internas ou externas”. De acordo com os estudos de Juran (1995), os “Custos da
Qualidade“ são todos os custos indispensáveis para a manutenção da Qualidade: estrutura,
treinamento, programas etc.; e “Custos da não Qualidade” são todos os custos que não ocorreriam
se o processo fosse realizado com qualidade desde o início: inspeções, retrabalho, reposição de
materiais etc. Observa-se que quanto mais próximo ao início do processo ocorrer o defeito, maior
será o prejuízo desencadeado. Existem ainda custos intangíveis, como insatisfação dos clientes ou
degradação da marca, que dificilmente são mensurados. Deming enfatiza as técnicas de Controle
Estatístico da Qualidade para eliminar a inspeção em massa, mas o CEQ utilizado como
ferramenta de inspeção e isoladamente também não gera melhoria, conforme atenta Ohno e
Antunes Júnior (apud LIKER e MEIER, 2005).
4. Cesse a prática de aprovar orçamentos apenas com base no preço. Ao invés disso,
minimize o custo total. Desenvolva um único fornecedor para cada item, num relacionamento de
longo prazo fundamentado na lealdade e na confiança.
Observa-se que os fornecedores também são considerados clientes e que têm
necessidades para realizar o seu trabalho. O primeiro fator que deve ser avaliado é a capacidade
do fornecedor em atender às necessidades da organização, pois não é possível produzir qualidade
com insumos sem a qualidade necessária. Deve-se desenvolver uma relação de confiança e
respeito mútuo. Observando o princípio anterior, conclui-se que esse comportamento reduz a
necessidade de inspeção de recebimento, reduzem-se os defeitos ao longo do processo e,
consequentemente, os custos, assim, o resultado global tende a ser sempre positivo em longo
prazo, visto ainda que a matéria-prima é a primeira parte do processo e, frequentemente,
compromete o todo.
Cada um deve contribuir para ao desenvolvimento de ambos e essa relação deve ser
estendida por toda a cadeia de valor, gerando sinergia, visto que todos são clientes e fornecedores
e todos agregam valor ao produto. Em longo prazo, é produzida uma reação em cadeia. Os
consumidores ficam mais satisfeitos, a demanda aumenta, aumentam os empregos, a qualidade de
vida melhora (DEMING, 1990).
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5. Melhore constantemente o sistema de produção e prestação de serviços, de modo a
melhorar a qualidade e a produtividade e, consequentemente, reduzir de forma sistemática os
custos.
Essa é outra diferença em relação à Abordagem Clássica da Administração. Na Teoria
Clássica da Administração, de 1916, Fayol propôs que as funções de responsabilidade da
administração são: planejar, organizar, comandar, coordenar, controlar (CHIAVENATO, 2000).
Na abordagem da Qualidade, Deming (1990) propõe uma, aparentemente, pequena
modificação, porém fundamental. As atribuições da administração são: planejar, executar,
verificar e melhorar. De acordo com o autor, esse processo é cíclico e espiral, a cada ciclo, a
organização atinge um nível mais alto. Juran (1995) reforça esse conceito com a “Trilogia de
Juran”: Planejamento da Qualidade; Controle da Qualidade; Melhoria da Qualidade.
A melhoria contínua é realizada através do método PDCA, que significa Plan (Planejar),
Do (Fazer), Check (Verificar), Action (Agir para corrigir). Esse método deve ser praticado em
todos os níveis da empresa. Em 1962, sob o patrocínio da JUSE, o prof. Kaoru Ishikawa criou as
sete ferramentas da qualidade: Gráfico de Pareto; Diagrama de Causa e Efeito; Histograma; Folha
de Verificação; Gráfico de Dispersão e Carta de Controle. Essas ferramentas facilitaram a
aplicação do PDCA no chão de fábrica. Ishikawa também criou o CCQ, Círculo de Controle da
Qualidade. O CCQ é um pequeno grupo criado com integrantes de múltiplos setores, para
resolver problemas utilizando as Ferramentas da Qualidade (NETO SHIGUNOV; CAMPOS,
2004). No Japão, os concursos de CCQs mobilizam toda a empresa. Aqui no Rio Grande do Sul,
por exemplo, acontece, anualmente, o concurso de CCQs promovido pela AGQ - Associação
Gaúcha pela Qualidade.
6. Institua treinamento no local de trabalho.
As pessoas não podem realizar o processo da maneira certa na primeira vez, se não
souberem o que devem fazer, como devem fazer e não tiveram um padrão de comparação.
Devem-se instituir programas de treinamentos sistemáticos na própria organização.
7. Institua liderança. O objetivo da chefia deve ser de ajudar as pessoas, as máquinas
e os dispositivos a executarem um trabalho melhor. A chefia administrativa necessita de uma
revisão geral, tanto quanto a chefia dos trabalhadores de produção.
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Liderança é envolver a equipe na atmosfera da Qualidade, é disseminar os conceitos e o
conhecimento, é fomentar melhorias. Ser líder é ser um modelo pelo qual a equipe se orienta, que
admira e reconhece como tal. A Qualidade não pode ser imposta, tem que ser conquistada.
8. Elimine o medo, de tal forma que todos trabalhem de modo eficaz para a empresa.
Não há Qualidade em um ambiente de insegurança. As pessoas têm muitos medos: medo
de assumir responsabilidades e fracassar, medo de errar e serem punidas, medo de se sentir
humilhadas, medo de perder o emprego, medo do futuro da organização e do futuro da própria
família. Remover o medo é o primeiro passo para estabelecer o clima organizacional necessário
para a nova cultura. Os princípios 1, 6 e 7 são fundamentais para remover o medo.
9. Elimine as barreiras entre os departamentos. As pessoas engajadas em pesquisas,
projetos, vendas e produção devem trabalhar em equipe, de modo a preverem problemas de
produção e de utilização do produto ou serviço.
Essa é outra herança da abordagem Clássica da Administração que deixou sinais
negativos como o desalinhamento de propósitos. A organização deve ser analisada como um
sistema e os departamentos, como inter-relacionamentos. Na abordagem da Qualidade, o trabalho
é organizado em processos, em vez de departamentos. Os departamentos devem trabalhar em
conjunto desde o projeto do produto. O projeto deve iniciar na pesquisa do mercado e das
necessidades do cliente. Essas necessidades devem ser traduzidas para a linguagem da
organização. Para tanto, Oakland (1994, p. 54) sugere o Desdobramento da Função Qualidade:
O Desdobramento da função Qualidade (QFD) é um „sistema‟ para projetar um produto
ou serviço, baseado nas exigências do cliente, com a participação de membros de todas
as fusões do fornecedor. Converte as necessidades do cliente em requisitos técnicos
adequados para cada estágio.
Observa-se que essa ferramenta pode ser muito complexa e inadequada em alguns casos,
como pequenos prestadores de serviço. Talvez métodos mais simples de rodadas de ideias
estruturadas (brainstorming) possam ser interessantes para estimular o envolvimento, sem gerar
atritos. À medida que os conceitos da Qualidade vão se fortalecendo dentro da cultura
organizacional, essas barreiras vão gradualmente se fragilizando. Ferramentas como
“macrofluxo” ou “fluxograma” e outros tipos de diagrama facilitam a visão global e o
entendimento da organização como um sistema.
10. Elimine lemas, exortações e metas para a mão-de-obra que exijam nível zero de
falhas e estabeleçam novos níveis de produtividade.
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De acordo com Juran (apud SCHOLTES et al, 1992), essa atitude só gera conflitos, pois
apenas 15% dos problemas podem ser evitados na produção, assim, programas do tipo “nível
zero de defeitos” para o pessoal da produção não fazem sentido algum. Não há como fazer um
produto sem defeitos com matéria-prima defeituosa, equipamentos inadequados, sem treinamento
adequado ou sem as pessoas saberem exatamente o que devem fazer e como fazer. É papel da
chefia providenciar essas condições, então, os produtos terão menos defeitos.
11. Elimine metas numéricas.
De acordo com Deming (1990), metas numéricas (fins) não melhoram a capacidade,
apenas a melhoria do processo (meios) pode fazê-la. A meta da qualidade é a satisfação do cliente
através da melhoria contínua. A melhoria é medida a partir de itens de controle. “Os itens de
controle de um processo são índices numéricos estabelecidos sobre os efeitos de cada processo
para medir a qualidade total” (CAMPOS, 2004, p. 21). Scholtes et al (1992, p. 1-5) afirma que:
O uso de metas numéricas para julgar e dir igir a performance causa uma
série de problemas:
Pensamento a curto prazo
Foco mal dirigido
Conflitos internos
Falseamento de números
Mais medo
Cegueira quanto às preocupações do cliente.
De acordo com Deming (1990), metas para o pessoal da produção só geram inimizades,
quando se estabelecem padrões a partir da média de um grupo, obviamente, metade ficará abaixo
da média e a outra metade, acima. Os que estão acima, frequentemente, pressionam os debaixo
para não perderam premiações. Em outros casos, os que querem manter um padrão confortável
pressionam novatos dispostos a mostrar trabalho para não elevar o padrão. Quando se paga por
peça ou produtividade, então, a tendência é a qualidade piorar cada vez mais. Metas para
departamentos são incompatíveis com a abordagem da Qualidade. As metas devem ser globais e
de qualidade, declaradas conforme o primeiro princípio.
12. Remova as barreiras que privam as pessoas de se orgulharem de seu trabalho.
Deming refere-se a avaliações de desempenho de curto prazo. De acordo com autor, tais
avaliações forçam situações em que as pessoas são obrigadas a produzir produtos ou serviços sem
qualidade, para atingirem boas avaliações. Certamente, um vendedor não pode se orgulhar de ter
um comportamento antiético com o cliente, para seguir o procedimento da organização, atingir
sua meta e obter uma boa avaliação. Normalmente, as pessoas preferem fazer um serviço bem
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feito e orgulham-se quando alguém reconhece esse produto, fazendo questão de dizer que faz
parte daquela organização. O papel dos líderes é criar as condições para que isso aconteça.
13. Institua um forte programa de educação e autoaprimoramento.
Deming (1990, p. 39) observa que: “Um gerente japonês inicia sua carreira como um
longo estágio (quatro a doze anos) no setor fabril [...]” e que “[...] qualquer progresso na posição
competitiva terá suas raízes no conhecimento” (DEMING, 1990, p. 64).
De acordo com Campos (2004), se forem considerados somente os fatores que a
empresa controla (fatores internos), a produtividade apenas pode ser aumentada de duas
maneiras: aporte de capital e aporte de conhecimento. O aporte de capital tem retorno de curto
prazo, mas é inseguro e variável (10% a 20% ao ano). O aporte de conhecimento traz benefícios
de longo prazo, no entanto muito superior ao aporte de capital, conforme o seguinte relato:
“fizemos junto com companheiros de duas empresas brasileiras uma avaliação do retorno do
aporte de conhecimento em um programa de Qualidade Total e encontramos algo em torno de
30.000%” (CAMPOS, 2004, p. 6).
14. Engaje todos da empresa no processo de realizar a transformação.
Significa envolver todos no processo de transformação, contagiá-los com os novos
conceitos, criar constância e unidade de propósitos. De acordo com Campos (2004), isso deve ser
feito através de programas de qualidade: inicialmente, o 5S, para melhorar o ambiente de
trabalho, estabelecer organização visual e abrir caminho para as mudanças (limpar a mente);
após, o Gerenciamento da Rotina do Dia-a-Dia, para que todos saibam usar o PDCA e todas as
atividades; em seguida, o Programa de Gerência Pelas Diretrizes, que orienta as pessoas a partir
das diretrizes estabelecidas no primeiro princípio; e, finalmente, o Programa de Melhoria
Contínua.
O Gerenciamento pelas Diretrizes é um sistema administrativo, praticado por todas as
pessoas da empresa, que visa a garantir a sobrevivência da empresa à competição
internacional: a. Por meio da visão estratégica estabelecida com base em análise do
sistema empresa-ambiente e nas crenças e valores da empresa e que fornece o rumo para
o estabelecimento das diretrizes [...] (CAMPOS, 2004, p. 75) (grifos do autor).
Observa-se que “visão estratégica” ou “visão de futuro” são termos usados para referir-
se à situação na qual a organização deseja estar no futuro, com base na análise do contexto
presente e em conseqüência de seu planejamento de estratégico. Frequentemente encontram-se
placas divulgando a “missão, visão e princípios” nas organizações, no entanto, apesar de serem
belas frases, muitas vezes não são reflexo de análise e tão pouco de planejamento.
14
1.2 TQC AO ESTILO TOYOTA
A Toyota, sem dúvida, é o case de sucesso mais conhecido do TQC. Muitos estudos
foram realizados para entender como uma organização numa situação tão desfavorável conseguiu
se transformar na maior montadora de automóveis do mundo e num modelo de gestão. Contudo,
percebe-se que muitas abordagens dão ênfase ao sistema de produção, esquecendo-se da filosofia
da Qualidade, o “Modelo Toyota”. Dennis (2008) descreve o resultado de utilizar as ferramentas
do STP, isoladamente, como um Frankstein, esperando que algo lhe dê vida.
Então, o TQC complementa o STP e a própria filosofia administrativa da Toyota, da
mesma maneira que muitos elementos destes foram incorporados ao TQC em outras
organizações. Mas essa não é uma tarefa fácil, a própria Toyota tem dificuldades para manter a
essência do “Modelo Toyota” em todas as unidades (OSONO et al, 2008). Dessa forma, observa-
se ainda que “O Sistema Toyota de Produção não é não é o Modelo Toyota. O STP é o exemplo
mais sistemático e mais altamente desenvolvido daquilo que os princípios do modelo Toyota
podem atingir” (LIKER; MEIER, 2005, p. 47) e essa combinação é chamada de “DNA Toyota”.
O Sistema Toyota de Produção é um sistema flexível e enxuto, desenvolvido para
atender às necessidades impostas pelo contexto do Japão a partir de 1945. O país estava em crise,
havia escassez de recursos e o mercado era muito limitado para o modelo de produção em massa
da Ford. Do início das atividades, em 1937, a 1950, a Toyota consegue produzir apenas 2.685
automóveis, enquanto a Ford produzia 7.000 por dia (DENNIS, 2008). Em 1945 o presidente da
Toyota, Kiichiro Toyoda (apud GOUNET, 1999, p. 25) declara que é vital “alcançar os norte-
americanos em três anos, sem o que será o fim da indústria automobilística japonesa”. Em 1950 a
Toyota faz um acordo sindical e demite um quarto do seu pessoal. Nesse acordo, trabalhadores
que permaneceram, passaram a ter contrato vitalício e a ocupar instalações da própria empresa
para moradia, em contrapartida, assumiram o compromisso de se dedicar ao novo modelo de
produção (LIKER; MEIER, 2005).
Nesse contexto, a Toyota estabelece sua estratégia e diretrizes. Abaixo estão descritos os
14 princípios administrativos do Modelo Toyota, conforme o autor Liker e Meier (2005).
1. Basear as decisões administrativas em uma filosofia de longo prazo, mesmo em
detrimento d e m e t a s f i n a n c e i r a s d e c u r t o p r a z o .
2. Criar um fluxo de processo contínuo, para trazer os problemas à tona.
15
3. Usar sistemas puxados, para evitar a superprodução.
4. Nivelar a carga de trabalho.
5. Usar somente tecnologia confiável totalmente testada.
6. Usar controle visual, para que os problemas não passem despercebidos.
7. Padronizar tarefas para melhoria contínua.
8. Parar quando houver problema de qualidade (autonomação).
9. Respeitar, desafiar e auxiliar os fornecedores.
10. Respeitar, desenvolver e desafiar o pessoal e as equipes.
11. Desenvolver líderes que vivenciem a filosofia.
12. Tomar decisões lentamente, através de consenso, considerando completamente
todas as opções; implementá-las com rapidez.
13. Ver por si mesmo, para compreender a situação
14. Aprendizagem organizacional contínua através do Kaizen.
Esses princípios representam a própria adaptação dos conceitos do TQC às necessidades
da Toyota no contexto da época e que permanecem até hoje. Devido à proposta deste trabalho e
às limitações já observadas anteriormente, este estudo se limitou à descrição de alguns conceitos
que sustentam o Sistema Toyota de Produção e o caracterizam, porém não dependem dele. De
acordo com Liker e Meier (2005), a produção enxuta é o “resultado” da aplicação do STP. Ou
seja, uma organização pode aplicar tais conceitos e obter um resultado “enxuto” sem usar as
ferramentas do STP.
Um sistema enxuto é um sistema sem excessos, que utiliza apenas os recursos
indispensáveis para atingir o objetivo a que se destina. Do ponto de vista de um sistema enxuto,
“[...] a única coisa que agrega valor em qualquer tipo de processo – de produção, de marketing
ou de desenvolvimento – é a transformação, física, ou de informações, do produto, serviço ou
atividade em algo que o cliente deseja” (LIKER; MEIER, 2005, p. 31) (grifos do autor), o resto
são perdas. Conclui-se que o valor é aumentado na proporção em que as perdas são reduzidas.
Nesse contexto, Lead Time ou tempo de atravessamento é a linha de tempo entre o
pedido e a entrega ao cliente. O lead time é determinado pela eficiência dos processos. Numa
primeira análise, pode-se concluir que quanto menor for o lead time, mais rápido o investimento
se transformará em retorno. Também se pode concluir que o cliente ficará mais satisfeito.
“Lead time = tempo de processamento + tempo de retenção” (DENNIS, 2008, p. 41).
16
Parece claro que o tempo de processamento representa o “valor” e que o tempo de
retenção representa as “perdas”. Porém aumentar o tempo de processamento implica aumentar
lead time, portanto, conclui-se que excesso de processamento também pode representar perdas.
Reduzi-lo implica redução de lead time, todavia, eventualmente, também implica perda de
qualidade. Assim, a melhor aplicação é determinada pela necessidade do cliente.
Os principais objetivos do sistema enxuto são: gerar valor, reduzir o lead time, eliminar
perdas, reduzir custo e satisfazer o cliente, simultaneamente, através da melhoria contínua.
Conforme a literatura, as principais perdas podem variar, dependendo da aplicação do
sistema, no entanto Liker e Meier (2005) destacam:
Estoques: é o principal sintoma de ineficiência de um sistema, onde tem estoque, há
oportunidade de melhoria. Além, é claro, de representar custos de manuseio, manutenção e
investimento parado na linha de tempo. Muitas vezes, o assunto é tratado com superficialidade.
Geralmente, quando há problemas, instabilidade de demanda ou de abastecimento, ou ainda,
imprevisibilidade de paradas para manutenção, aumentam-se os estoques para a produção não
parar. O principal objetivo de se eliminar estoques é fazer os problemas aparecerem, para
promover a melhoria e aumentar a eficiência.
Superprodução: é considerada a pior perda, pois o excesso de produção aumenta todas as
outras fontes de desperdício. Frequentemente nessa abordagem, é preferível deixar a mão-de-obra
e as máquinas ociosas a produzir antes do tempo. Talvez esse seja o maior paradoxo em relação à
abordagem clássica. Se há pessoas ou máquinas ociosas é porque não são necessárias ou porque o
sistema não é eficiente. Observa-se o caso da Ford, que produzia 7.000 unidades do Ford T preto
por dia, em 1949 (DENNIS, 2008). O que será que aconteceu quando a GM começou a produzir
um modelo para cada classe social, além de colorido, nos anos seguintes?
Espera: essa perda normalmente acontece quando a demanda é agrupada em lotes.
Quanto menores forem os lotes, menor será o intervalo de espera entre um processo e outro.
Nessa abordagem, o fluxo perfeito é o fluxo unitário. Uma estratégia operacional decisiva para o
STP foi a organização das máquinas em grupos (ou células), em vez de seções. Por exemplo: em
vez de ter cinco seções com 100 máquinas executando a mesma função, é preferível ter 100
células com cinco máquinas cada. O layout das máquinas é em forma de “U” ou “L”. Esse
esquema permite fabricar a peça inteira num único lugar, estabelecendo um fluxo unitário e
eliminando a espera de lotes (LIKER; MEIER, 2005). Um fato significativo foi que, em 1945, os
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sindicatos, nos Estados Unidos, eram organizados em categorias, os operadores não podiam ser
multifuncionais e cada seção tinha suas próprias regras. Em uma única área, poderia haver 100
tornos (GOUNET, 1999). Esse exemplo poderia ser interessante em “repartições” públicas.
Desperdício de transporte: o transporte pode ser surpreendentemente reduzido
simplesmente reorganizando o layout. E o transporte externo pode ser reduzido aproximando os
fornecedores da fábrica. Muitas vezes, fornecedores e clientes podem ocupar a mesma área. O
layout em células também implicou redução de espaço, redução de empilhadeiras e de pessoas
para esse trabalho. Um bom exemplo nos serviços públicos são os centros administrativos.
Desperdício de movimento: movimentos humanos que não são necessários para a
realização de uma operação. Estes podem ser reduzidos através da melhoria contínua e com a
padronização dos processos. Taylor contribuiu muito com o estudo de “tempos e movimentos” e
economia de movimentos, contudo, ele pressupôs que só havia uma maneira certa de realizar uma
tarefa, a qual, uma vez determinada por um profissional capacitado, o padrão deveria ser
estabelecido. No entanto a padronização, na abordagem da Qualidade, tem sentido de referência à
melhoria. E o padrão de tempo de execução é determinado pelo próprio sistema.
Desperdício de Processamento: processos que não transformam o produto são
desnecessários. Máquinas desreguladas e ferramentas gastas aumentam o tempo de
processamento desnecessário para a mesma operação. Mais qualidade do que o especificado para
um determinado produto também pode representar perda.
Defeitos: Como observou-se anteriormente na abordagem de Deming, defeitos geram
retrabalho, desencadeando uma série de custos relacionados à reposição do produto.
Desperdício de Criatividade: quando não se aproveita a criatividade das pessoas, essa é
uma perda incalculável. Frequentemente, as pessoas têm ideias úteis, mas têm medo de falar. A
criatividade pode ser estimulada através dos CCQ, “equipes Kaizen” no STP.
De acordo com os autores consultados, Liker e Meier (2005), Dennis (2008), Ohno e
Antunes Júnior (1997) e Osono et al (2008), o fundamento principal desse sistema é o fluxo, do
ponto de vista da gestão da produção, sua forma ideal é alcançada quando se torna contínuo.
Isso significa que o fluxo deve ser: “unitário”, “puxado”, “nivelado” e “sincronizado”.
Fluxo unitário significa produzir um de cada vez. Nesse estado, não há lotes nem
estoque e os problemas são rapidamente localizados. Se o fluxo sofre qualquer tipo de restrição,
logo se formam pequenos estoques e os gargalos são atacados. Se o fluxo for interrompido, o
18
sistema pára imediatamente, pois não há estoque de segurança, então, o problema tem que ser
resolvido. À medida que os problemas vão sendo eliminados, o fluxo vai ficando mais eficiente.
Fluxo “puxado” ou “produção puxada” significa produzir somente a quantidade certa no
momento certo. A quantidade a ser produzida é determinada pela demanda do cliente.
Combinado com o fluxo unitário, quando o cliente puxa “um”, o fornecedor abastece “um”,
eliminando espera. Isso elimina o superprocessamento. Esse conceito se aplica desde o cliente
consumidor até o fornecedor. Ou seja, só se produzem pedidos confirmados (que já foram
vendidos).
Nivelamento do fluxo significa distribuir as quantidades de itens a serem produzidos
pela linha de tempo de forma proporcional e homogênea. Dessa maneira, não há sobrecarga
(muri, em japonês) das pessoas nem das máquinas num período, como também não há
ociosidade. Denniz (2008) relata que ele demorou em perceber outro conceito muito importante
para a estratégia da Toyota. Por exemplo: se uma empresa produz quatro modelos, um em cada
mês, a fim de evitar longas paradas para adaptação da linha de montagem e troca de ferramentas.
Nesse caso, um cliente poderia ter de esperar quatro meses pelo produto. No caso do
nivelamento, todos os dias, produz-se um pouco de cada modelo, proporcionalmente, à
quantidade total. Assim, todos os dias, qualquer um dos clientes poderá ser atendido.
Sincronizar o fluxo significa fazer com que tudo seja realizado no tempo certo, nem
antes nem depois. Somente se todos os conceitos são aplicados com sincronia é que geram
sinergia, caracterizando um sistema de produção realmente “enxuto” e revelando seu incrível
potencial. Deve-se ressaltar que a aplicação isolada dos conceitos pode gerar benefícios
consideráveis, todavia, também podem causar um desastre. Talvez a sincronização seja o aspecto
mais difícil de ser alcançado e é justamente aí que a Toyota revela uma das suas ferramentas mais
impressionantes: o Kanban (LIKER; MEIER, 2005).
O Just-in-time, ou JIT, pode ser traduzido como “apenas-a-tempo”, sua descrição mais
comum é: o produto certo, na hora certa e na quantidade certa, pois é essa a sua função. O JIT é
composto por um conjunto de métodos, técnicas e ferramentas utilizadas em conjunto para
colocar o conceito de enxuto em funcionamento. Abaixo, seguem as principais ferramentas:
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Kanban5: é o sistema nervoso do JIT, é um sistema de cartões que permite o controle
visual das operações, da sincronização e do nivelamento. É ele que indica os níveis e os limites
de estoque mínimo entre os processos, indica a solicitação de abastecimento e puxa o fluxo.
Observa-se que o Kanban não teria muita utilidade fora de um sistema enxuto. No sistema
tradicional (“empurrado”), o fluxo é determinado pela capacidade produtiva e acionado pela
programação. Nesses casos, o controle visual é usado apenas para sinalizar o que já foi feito.
Também se observa que, numa prestadora de serviços, esse sistema pode ser aplicado por outras
ferramentas, como computadores ou mensagens sonoras. Um bom exemplo seria o semáforo que
controla e sincroniza o fluxo de automóveis.
Setup Rápido: é a ferramenta utilizada para reduzir perdas com a troca do ferramental das
máquinas. Setup é o tempo de parada, ele pode ser interno ou externo. Setup interno é aquele que
só pode ser realizado com a máquina parada, pode ser reduzido fazendo adaptações nas máquinas
e nas ferramentas, como encaixes no lugar de parafusos. O setup externo é toda a preparação que
pode ser realizada antes da parada, como reunir todas as ferramentas necessárias para a operação
próximas da máquina momentos antes da parada. À primeira vista, é difícil imaginar a utilização
dessas ferramentas nos serviços. No entanto, se forem esquecidas as ferramentas e focar-se nos
conceitos, fica mais fácil. O objetivo é reduzir o setup. Por exemplo: em um supermercado, um
momento crítico é o da troca da fita da impressora do caixa. Formam-se filas de espera e o cliente
fica insatisfeito. Reduzir o setup de troca da fita significa reduzir perdas. A aplicação é muito
mais simples e, mesmo assim, pode significar um grande diferencial, pois é muito difícil de
encontrar um caixa sem fila. Outro exemplo é o aquecimento de pneus no pit stop da formula 1.
A Autonomação ou automatização com um toque humano é o pilar humano do STP,
porém, muitas vezes, é abordada com superficialidade. Numa primeira abordagem, significa que
cada operador tem a autonomia para parar o processo. Justamente ao contrário da abordagem
tradicional. Porém, numa abordagem mais ampla, pode-se perceber que é a parte responsável por
aplicar as ferramentas do Just-in-Time. Propõe-se a seguinte abordagem:
Autonomia para interromper o fluxo: a qualidade é verificada em cada estação de
trabalho. Cada operador verifica a qualidade da operação anterior e, após, sua própria operação.
5 A palavra japonesa “kanban” pode ser traduzida como “cartão” (DENNIS, 2008). Neste trabalho,
“Kanban” com a primeira letra maiúscula, refere-se ao sistema de controle visual desenvolvido pela Toyota,
enquanto “kanban”, com letra minúscula, refere-se ao cartão utilizado neste sistema.
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Se ele perceber qualquer não conformidade com o padrão estabelecido, ele aciona o andon6 e
interrompe o fluxo. Nesse caso, o líder de equipe tem alguns minutos para resolver o problema,
se isso não for possível, o processo é paralisado até que o problema seja resolvido. Isso evita
perdas (desperdício ou reprocessamento) e garante a qualidade.
Autonomia multifuncional: a Toyota prefere investir em pessoas, ao invés de
robotização. Os operadores estão sempre aprendendo novas habilidades. Eles são capacitados a
operar várias máquinas e executar várias funções. Os operadores têm a responsabilidade de fazer
a manutenção preventiva das máquinas, bem como manter o local de trabalho limpo e organizado
(5s).
Automação com um toque humano: as máquinas são equipadas com dispositivos à prova
de erros, que interrompem seu funcionamento em caso de falhas, evitando que uma operação
automática seja realizada centenas de vezes antes que se perceba. Isso interrompe o fluxo e evita
perdas. As máquinas também param no final da operação. Assim, só é necessária a presença
humana quando as máquinas param.
É a combinação dessas características com o esquema de layout em células que permite
adaptação dinâmica e imediata a qualquer situação, dando a flexibilidade do STP. A flexibilidade
da Autonomação com processo enxuto do Just in Time complementa o STP.
1.3 QUALIDADE NOS SERVIÇOS
O setor dos serviços vem crescendo ano a ano no Brasil, representando, em 2009, 68,5%
do PIB brasileiro (ÉPOCA NEGÓCIOS, 2010). No entanto, verifica-se que muitos prestadores de
serviços não perceberam que se está numa nova era, que é necessário adotar uma nova filosofia e
que somente a satisfação do cliente pode garantir a sobrevivência nesse novo contexto.
“Hoje não se pode mais dizer de produtos independentes ou separados dos serviços,
porque o consumidor sabe, que ao comprar um produto, está na realidade comprando um serviço”
(MARAUMADO, 2000, p. 24).
6 Alerta que permite interromper o fluxo. Ex.: uma corda ou botão que aciona uma luz ou campainha
(LIKER e MEIER, 2005).
21
Administração de Serviços é o termo referente à administração com foco na qualidade
do ponto de vista do cliente. Nessa perspectiva, o cliente é considerado o principal ativo da
organização, sendo que seu valor para a empresa vai aumentado ao longo do tempo. Dessa
maneira, a administração deve fazer um planejamento de longo prazo com vistas no ciclo de vida
do cliente. Todas as pessoas que entram em contato com a organização são consideradas clientes
e devem sentir-se satisfeitas, pois, nesse momento, começam a projetar a imagem da organização
que será levada em conta quando estas assumirem o papel consumidor.
Excelência de Serviço: Um nível de qualidade de serviço, comparado ao de seus
concorrentes, que é suficientemente elevado, do ponto de vista de seus clientes, para lhe
permitir cobrar um preço mais alto pelo serviço oferecido, conquistar uma participação
de mercado acima do que seria considerado natural, e/ou obter uma vantagem de lucro
maior do que a de seus concorrentes (ALBRECHT, 2003, p. 13).
De acordo com o autor acima referido, “a qualidade dos serviços está nos detalhes”
(ALBRECHT, 2003, p. 26), pois o serviço é fabricado na hora da entrega, não há como
inspecionar previamente a sua qualidade, sendo o próprio evento do contato entre a organização e
o cliente o produto da prestação de serviços. A “Hora da Verdade” (H.D.V.) é “qualquer episódio
no qual o cliente entra em contato com qualquer aspecto da organização e obtém a impressão da
qualidade de seu serviço” (ALBRECHT, 2003, p. 27) e a soma das H.D.Vs. forma a imagem da
Organização.
A Administração de Serviços apoia-se no chamado “Triângulo do Serviço”: Visão
Estratégica do Serviço; Pessoal da linha de frente orientada para o cliente; Cultura.
Visão Estratégica do Serviço. Toda a organização deve ter uma Visão global orientada à
relação com o cliente e ver cada H.D.V. como decisiva para o sucesso da organização, pesquisar
e analisar o comportamento e as tendências do público e dos grupos de relacionamento, conhecer
seus desejos e suas necessidades, a fim de planejar uma estratégia eficaz e superar suas
expectativas. Muitas organizações investem seus recursos em ações que, do seu ponto de vista,
parecem ter valor para o cliente e acabam não tendo o retorno esperado, enquanto ações simples,
como um atendimento simpático e atencioso, podem ser o que o cliente gostaria de receber.
Pessoal da linha de frente orientada para o cliente. O pessoal que tem contato direto com
o cliente é fundamental para a excelência nos serviços. Cada funcionário é o administrador das
H.D.Vs. e precisa entender a importância que ele tem no “ciclo de serviço”. “Um ciclo de serviço
é a cadeia contínua de eventos pela qual o cliente passa à medida que experimenta o serviço
prestado por você” (ALBRECHT, 2003, p. 34).
22
Sistema voltado para o cliente. Normalmente, os sistemas são planejados para atender às
necessidades da organização. Quando acontece algo inesperado, os clientes são empurrados de
um departamento para o outro e ninguém está preparado para resolver o seu problema. O sistema
existe em função do cliente (ALBRECHT, 2003).
Apesar de esses conceitos parecerem simples, a sua implementação se mostra bastante
complexa. A adaptação da organização depende do comprometimento dos profissionais de todos
os níveis e da quebra de paradigmas, para se assumir a postura de Administração de Serviços com
foco no cliente. Essa nova postura está fundamentada em três eixos chamados de “Triângulo de
Serviço Interno”, descrito a seguir.
Cultura: é preciso compreender a cultura organizacional, “o modo pelo qual os
funcionários se sentem é o modo pelo qual seus clientes vão se sentir” (ALBRECHT, 2003, p.
68). Os funcionários precisam ser educados antes de treinados, eles precisam entender os novos
conceitos, perceber a importância dessa nova postura e acreditar no comprometimento da
organização, para que se sintam seguros e tenham condições de assumir o papel de
administradores de “horas da verdade”.
Se seus funcionários não estiverem convencidos da qualidade do serviço proporcionado
por sua organização na importância de seus papéis na prestação de serviços, então eles
nunca serão capazes de convencer seus clientes (ALBRECHT, 2003, p. 123).
É importante lembrar que os funcionários são clientes internos e também precisam ter
suas necessidades satisfeitas, pois, “quando as pessoas sofrem, qualquer que seja o motivo,
encontram dificuldades para se entusiasmar com qualquer coisa, muito menos por algo tão
abstrato e tênue como „serviço excelente‟” (ALBRECHT, 2003, p. 67).
Liderança: esse é um aspecto muito importante. A gerência deve se transformar em
liderança. Em vez de simplesmente controlar o desempenho dos funcionários, deve lhes dar
suporte, para que possam desempenhar, adequadamente, a função de administradores das
H.D.Vs. Os líderes devem se mostrar engajados no projeto e ser referência ao pessoal da linha de
frente.
Organização: a organização é simbolizada por uma pirâmide de cabeça para baixo. Na
parte mais alta e mais larga da pirâmide, estão os clientes; na segunda parte, vem o pessoal de
frente, que deve satisfazer às necessidades dos clientes; em seguida, na parte menor e inferior,
vem a liderança, responsável pelo suporte ao pessoal de frente.
De acordo com Barros (1999), estes são os principais princípios dos serviços:
23
1. Seja um exemplo de Qualidade. O exemplo deve vir de cima.
2. Avalie constantemente o atendimento das necessidades básicas. Recomenda-se
manter um relacionamento próximo com os funcionários, demonstrando interesse.
3. Incentive para que os funcionários criem. Desafie-os.
4. Agregue conhecimento sistematicamente. Faça rodízios, avaliações, estabeleça um
calendário de treinamentos.
5. Reconheça e incentive os talentos.
6. Promova uma comunicação eficaz.
7. Demonstre comprometimento.
8. Fomente a melhoria contínua.
9. Mobilize todos sem exceção.
2 METODOLOGIA DA PESQUISA
Pesquisar é o ato de realizar atividade que contribua para o entendimento de um
fenômeno. Toda pesquisa deve apresentar a sua metodologia. Nesse sentido, “metodologia” é
técnica de pesquisa e geração de conhecimento. De acordo com Prodanov e Freitas (2009, p. 20),
a palavra tem origem grega “„meta’=ao largo; „odos’=caminho; „logos’=discurso, estudo”. E
método pode ser definido como o caminho seguido para se atingir a meta.
Método de pesquisa é definido como um conjunto de atividades sistemáticas e racionais
que orientam a geração de conhecimentos válidos, indicando um caminho a ser seguido
(LAKATOS; MARCONI, 1991).
Em relação ao método, Prodanov e Freitas salientam (2009, p. 35):
Por método podemos entender o caminho, a forma, o modo de pensamento. É o conjunto
de processos ou operações mentais empregados na pesquisa. [...] Esses métodos
esclarecem procedimentos lógicos que deverão ser seguidos no processo de investigação
científica dos fatos da natureza e da sociedade.
Os métodos são classificados de acordo com os diferentes tipos de pesquisa. Um
processo de classificação usual é o que divide a pesquisa entre básica (também chamada de
pesquisa pura) e aplicada. A primeira tem como objetivo principal gerar conhecimento novo e útil
para o avanço da ciência e, a priori, não tem pretensão de aplicação prática. Já a pesquisa
aplicada objetiva gerar conhecimento para aplicações práticas e objetivos específicos.
24
Outro critério de classificação utilizado é quando à abordagem, que pode ser qualitativa
ou quantitativa. A pesquisa qualitativa ocorre quando os dados são analisados indutivamente e há
um processo de interpretação dos fenômenos estudados. Para Sellitto (2007), a pesquisa
qualitativa é aquela que opera dados resultantes de julgamentos e opiniões de especialistas no
objeto em estudo. Não são utilizados dados estatísticos como o foco da análise do problema. Já a
pesquisa quantitativa é decorrente de estudos estatísticos que visam à quantificação do objeto de
estudo, sendo que seus dados estatísticos são originados de cálculos e medições. Para Prodanov e
Freitas, esse tipo de pesquisa “considera que tudo pode ser quantificável, o que significa traduzir
em números opiniões e informações para classificá-las e analisá-las” (2009, p. 80).
As pesquisas também podem ser classificadas quanto ao seu objetivo. Um deles pode ser
a pesquisa explicativa; outro é a descritiva, isto é, objetiva-se descrever as características de uma
determinada população ou fenômeno. Visa a responder perguntas do tipo “o que é?”. E há a
prescritiva, a qual se propõe a apresentar soluções para uma situação específica e responde a
questões do tipo “o que pode ser feito?” ou “como pode ser feito?”
Nessa perspectiva, este estudo, do ponto de vista da natureza, é uma pesquisa aplicada, a
qual, conforme a definição de Prodanov e Freitas, “objetiva gerar conhecimentos para aplicação
prática dirigidos à solução de problemas específicos. Envolve verdades e interesses locais” (2009,
p. 62). Ou seja, a ideia é produzir conhecimentos que se destinem à efetiva aplicação dos
conceitos de qualidade aos serviços.
Quanto aos objetivos, trata-se de uma pesquisa exploratória, a qual, conforme Prodanov
e Freitas (2009), “assume, em geral, as formas de pesquisa bibliográfica e estudos de caso” (p.
63). Trata-se, assim, de uma pesquisa que, a princípio, faz uma revisão bibliográfica acerca do
tema proposto e, ainda, um estudo de caso na empresa CarHouse. A revisão bibliográfica objetiva
reunir o máximo de informações para um efetivo embasamento teórico, com busca em livros,
reportagens, revistas, artigos e sites que tratem do tema ora em análise. O estudo de caso consiste
em coletar e analisar informações variadas sobre um indivíduo ou empresa, com objetivo de
aprofundar-se num determinado assunto, seguindo os seguintes aspectos: severidade, objetivação,
originalidade e coerência (PRODANOV; FREITAS, 2009). Nesta pesquisa, o estudo de caso
também foi feito por meio de entrevista não estruturada, contatos por e-mail, análise dos
documentos da empresa etc. Nesse sentido, “entendemos por documento qualquer registro que
possa ser usado como fonte de informação [...]” (PRODANOV; FREITAS, 2009, p. 70). Os
25
dados obtidos através da entrevista serão analisados, buscando-se construir um texto que
evidencie as percepções do entrevistado, de forma a verificar como está sendo desenvolvido o
processo na empresa, permitindo confrontá-lo com os referenciais estudados.
Trata-se de uma pesquisa com abordagem qualitativa. Esta não requer o uso de métodos
e técnicas estatísticas, “o ambiente natural é a fonte direta para coleta de dados e o pesquisador é
o instrumento-chave” (PRODANOV; FREITAS, 2009, p. 81). Ainda nessa perspectiva, vale
lembrar as lições de Freitas e Prodanov, quando dizem: “A interpretação dos fenômenos e a
atribuição de significados são básicas no processo de pesquisa qualitativa. [...] Tal pesquisa é
descritiva. [...] O processo e seu significado são os focos principais da abordagem” (2009, p. 81).
Objetiva entender, descobrir e generalizar, podendo ser feita com uma amostra pequena
(PRODANOV; FREITAS, 2009), como é a situação proposta para este estudo.
3 ESTUDO DE CASO NA EMPRESA CARHOUSE
Com o objetivo de descrever uma aplicação prática mais próxima possível do
embasamento teórico, buscou-se realizar o estudo de caso em uma concessionária da própria
Toyota. Essa oportunidade permitiu descrever a adaptação dos conceitos da Qualidade pela
Toyota através dos seus programas, TSW (Toyota Sales Way) e TSM (Toyota Service
Management).
3.1 DESCRIÇÃO DA ORGANIZAÇÃO
O estudo foi realizado na Matriz da CarHouse, em Porto Alegre, uma das 132
concessionárias da Toyota no Brasil. A CarHouse foi fundada em 1992, com apenas 20
funcionários. Atualmente, conta com 450 funcionários distribuídos em cinco unidades: em Novo
Hamburgo, Passo Fundo e Santa Maria, além da Matriz e da unidade Praia de Belas, em Porto
Alegre.
Em 2002, a Matriz da CarHouse obteve pela primeira vez o certificado TSM,
posteriormente, em 2007, as demais unidades também certificaram-se nos sistemas de qualidade,
TSM e TSW, tendo a marca homologada junto à Toyota. Em março de 2008, a empresa obteve o
26
certificado de qualidade ambiental ISO 14001. Nesse mesmo ano, recebeu o prêmio de destaque
ambiental de Porto Alegre, concedido pela SEMAM, e o prêmio de reconhecimento “Distribuidor
Padrão A” da Toyota do Brasil.
Abaixo, observam-se as diretrizes da CarHouse.
Visão: “Ser o melhor e mais bem sucedido grupo empresarial do setor de distribuição de
veículos automotores da América Latina”.
Missão: “Comercializar veículos e serviços que superem as necessidades de mobilidade
dos clientes, agregando valor aos acionistas e respeitando a sociedade e o meio-ambiente”.
VALORES CARHOUSE OBSERVAÇÕES
1. O cliente é nossa razão de ser. Foco no Cliente (consumidor)
2. Comprometimento com resultados. Comprometimento (cliente acionista)
3. Espírito de Equipe. Remover Barreiras – Sinergia
4. Desenvolvimento de nossos colaboradores. Liderança – Treinamento – (cliente interno)
5. Melhoria Contínua nos processos. Kaizen
6. Respeito aos parceiros e fornecedores. Cadeia de Valor – (cliente fornecedor)
7. Respeito ao meio ambiente e à qualidade de vida. Sustentabilidade – (cliente sociedade)
Quadro 1: Comparação dos valores da CarHouse com o embasamento teórico.
Fonte: Elaborado pelo autor.
Aqui, já se podem observar os primeiros sinais dos conceitos da Qualidade. Observa-se
claramente a preocupação da organização com todos os tipos de clientes e com a melhoria
contínua. A visão de futuro é desafiadora e pressupõe planejamento de longo prazo, semelhante à
da Toyota. Também se verifica, claramente, o foco direcionado ao cliente consumidor.
Outro fator que reforça sua responsabilidade social e planejamento de longo prazo é a
preocupação com o crescimento sustentável e a qualidade de vida. Em 2008, quando a CarHouse
obteve a certificação da ISO 14001, esta não era uma exigência da Toyota. Entre as melhorias
obtidas, destacam-se:
o uso da água da chuva em todas as lavagens, com economia de 120 mil litros por mês;
o uso de gerador de energia no horário de pico, com economia de 18% no consumo;
reciclagem de 60% de todos os resíduos.
De acordo com o responsável ambiental da organização, o processo de implantação
levou um ano e meio. A principal dificuldade foi implementar uma verificação sistemática do
atendimento das legislações municipal, estadual e federal. Ele descreve alguns detalhes, como o
sistema de descarte de óleo, que é coletado por dutos em cada posto de trabalho e transportado
diretamente ao local de reciclagem, evitando qualquer tipo de contado com o meio ambiente. A
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água usada nos postos de lavagem também é diretamente direcionada ao sistema de tratamento.
Além disso, o sistema de coleta da água da chuva pode ter a capacidade dobrada no caso de
necessidades futuras.
3.2 DESCRIÇÃO DA ABRANGÊNCIA DO ESTUDO
O principal ponto de estudo foi o sistema de atendimento dos serviços de pós-vendas,
por ser neste que se concentra a maior parte dos conceitos abordados, representando um dos
grandes diferenciais que caracterizam o atendimento da CarHouse e a própria Toyota,
conferindo-lhes identidade reconhecida pelos clientes consumidores e pela sociedade em geral.
Contudo, como se observou anteriormente, na abordagem da Qualidade, a orientação é por
processos, portanto, focou-se na descrição dos processos e, consequentemente, no inter-
relacionamento entre os setores envolvidos.
A aplicação dos conceitos estudados acontece através do TSW - Toyota Sales Way
(Qualidade Toyota em Atendimento) e do TSM - Toyota Service Management (Gerenciamento
de Serviço Toyota). A implantação desses sistemas é pré-requisito para a homologação da marca
Toyota junto às concessionárias. A Toyota realiza auditorias de dois em dois anos nas unidades
para renovação do certificado. Para tanto, essas devem atender a 100% dos requisitos, a fim de
manter a certificação.
De acordo com o representante da CarHouse, em síntese, esses sistemas têm como
principal objetivo “estabelecer padrões superiores de atendimento da equipe de vendas e pós-
vendas da rede de distribuidores Toyota, em todos os momentos de contato com os clientes,
buscando proporcionar-lhe a melhor experiência durante todos os processos”.
Observa-se a presença dos conceitos de “Horas da Verdade”. Nota-se que as definições
apresentadas referem-se à de melhoria dos “meios” (processos), não mencionando nada sobre os
“fins” (resultados), pressupondo entendimento do conceito de causa e efeito. Essa análise é
complementada pelo principal indicador desses sistemas, o ISC, índice de satisfação do cliente.
Retomando-se a definição de índice como medida dos efeitos e não como meta numérica,
percebe-se, claramente, que o objetivo é a satisfação do cliente. Para melhor compreensão, faz-se
necessária a observação da estrutura do TSW e do TSM, brevemente abordadas a seguir.
28
O TSW abrange questões referentes aos processos de vendas e marketing a partir de três
pilares descritos conforme seguem.
PVT (Processo de Vendas Toyota): esse pilar descreve as melhores práticas para o
processo de vendas, como etapas, procedimentos e padrões. Em resumo: atender prontamente no
tempo estabelecido; estabelecer um clima de confiança; em seguida, captar a real necessidade do
cliente e conduzi-lo a um test drive no veículo apropriado e na rota predefinida. Portanto, esse é
um exemplo em que o conceito de lead time deve ser adaptado, pois a satisfação aumenta junto
com o lead time. Eventualmente, encontram-se situações em que a meta é atender o cliente no
menor tempo possível, evitar o test drive e oferecer-lhe o produto mais caro. Então, os esforços
são na redução do tempo de espera e entrega, enquanto o tempo de atendimento deve ser
adequado às necessidades de cliente. Ou seja, o produto certo no tempo certo.
ISC (Índice de Satisfação dos Clientes): esse índice determina a qualidade do
atendimento do ponto de vista do cliente, através de pesquisas regulares realizadas pela própria
Toyota. De acordo com o entrevistado, “A análise do resultado da pesquisa possibilita a
elaboração de Planos de Ação, reforçando a cultura de Melhoria Contínua (Kaizen)”. Atualmente,
a matriz da CarHouse está na 32ª posição entre as 132 concessionárias Toyota do Brasil. Vale
destacar que a 6ª posição é ocupada pela filial de Novo Hamburgo.
SVT (Sistema de Vendas Toyota): sistema apoiado pelo Software de Gestão que permite
a concentração e o gerenciamento das informações dos clientes. Nesse sentido, o entrevistado
relata as dificuldades superadas: “Quando implantamos o STV, a principal dificuldade enfrentada
foi com a troca de sistema, pois tivemos alguns contratempos até ensinar toda a equipe como
proceder com os registros”. E prossegue: “O TSW impactou significativamente em duas frentes
fundamentais para a Concessionária: o primeiro e mais imediato é a evolução da satisfação dos
clientes, que percebem uma "identidade" no atendimento da CarHouse; segundo, com o
complemento do TSW avançado, enriquecemos o planejamento das vendas e das ações de
marketing, com base em sólidas informações sobre as variáveis externas que atingem o nosso
negócio”.
O TSM abrange as questões referentes aos processos de pós-vendas a partir de cinco
pilares:
1. Estrutura: é definida no manual de instalações fornecido pela Toyota. Esse manual
define como deve ser a fachada, as dimensões e as quantidades das vagas, demarcações e
29
dimensões em geral, o padrão da área de recepção, os padrões de sanitários e todos os padrões
técnicos relacionados à mecânica, entre outras especificações.
2. Operação: descreve os procedimentos referentes aos processos do setor de
mecânica. Observa-se que cada concessionária deve ter, no mínimo, um técnico “Nível Master”,
com certificado TSA21-TSM, emitido pela Toyota. Para atingir o nível master, o técnico precisa
passar por 20 treinamentos. Esse processo leva cinco anos e custa, aproximadamente, cem mil
reais.
3. Recursos Humanos: esse abrange, principalmente, a Matriz de responsabilidade,
que define requisitos e responsabilidades de cada função, bem como o plano de qualificação e
liderança. Atualmente, a CarHouse conta com nove consultores técnicos, todos certificados. Cada
unidade também deve ter um responsável ambiental certificado. As qualificações são realizadas
pela própria Toyota num centro de treinamento em São Paulo.
4. Peças: descreve os padrões de estocagem, logística e abastecimento.
5. Procedimentos: descreve os métodos e os procedimentos do atendimento dos
serviços de pós-vendas e de utilização do painel visual. Esse é o principal ponto de semelhança
com as práticas do Sistema Toyota de Produção, pois é justamente nele que se estabelece o inter-
relacionamento entre o fluxo dos processos dos outros pilares. Normalmente, é exatamente nesse
ponto que acontecem as principais “Horas críticas da Verdade”. Muitas vezes, um cliente pode
estar plenamente satisfeito com a compra do produto e, na hora de uma revisão, ele se sente
desamparado ou inseguro. Muitas dessas situações acontecem justamente em momentos
importantes da vida do cliente, como a revisão para uma viagem que passou muito tempo
planejando. Os relatos de situações desagradáveis nesses momentos são cotidianos e de
conhecimento comum. Descrita a relevância desse contexto, observa-se como a adaptação do
controle visual pode colaborar para a satisfação do cliente.
A parte principal desse sistema é um quadro que demonstra a sua capacidade disponível,
representada em forma de matriz muito semelhante a uma agenda de atividades do dia. As
colunas representam as horas disponíveis no dia e cada coluna, um técnico disponível. À medida
que os clientes ligam a para agendar revisões, o quadro vai sendo preenchido com “chips”
semelhantes a imãs de geladeira, conforme a carga horária necessária para cada tipo de
atendimento. Isso evita que sejam agendados mais serviços do que a capacidade disponível,
eliminado a “sobrecarga” e as perdas do tipo “espera”. Automaticamente, o fluxo é nivelado.
30
Observa-se que o conhecimento da capacidade disponível de cada técnico, dos padrões e tempos
de atendimentos do processo é indispensável para o sucesso desse sistema. A experiência
acumulada nos atendimentos mostra que é necessário reservar 20% da capacidade de atendimento
para clientes “passantes” (aqueles que aparecem sem marcar hora).
A segunda etapa desse processo é acionada (“puxada”) pela primeira. A atendente
realiza duas ações: primeiro, verifica a necessidade e a disponibilidades de peças indispensáveis
para operação, se for preciso, solicita reposição ao setor de peças, pelo computador, e coloca a
ordem “kanban” no quadro “Aguardando Peças”; segundo, imprime as ordens de serviço
“kanban” com todas as informações referentes ao serviço e coloca no segundo quadro
“Aguardando Serviço”, para informar o consultor. Quando o responsável tiver realizado todos os
procedimentos pertinentes, sinaliza com o “kanban” de recebimento que as peças estão
disponíveis. Dessa forma, evita-se a “dessincronização” entre os processos.
Os outros controles visuais são diretamente relacionados com o quadro principal,
representando cada etapa do fluxo e sendo acionados respectivamente, como o sistema descrito
anteriormente. O quadro “Aguardando Trabalho” indica os serviços que estão na fila da
mecânica. O quadro “Aguardando Inspeção” indica os serviços que estão prontos. Observa-se
que todos os carros são revisados pelo consultor, para verificar se todos os procedimentos foram
realizados adequadamente. Em seguida, os “kanban’s” referentes aos serviços aprovados na
inspeção são repassados para o quadro “Aguardando Lavagem” e, finalmente, é acionada a última
etapa “Aguardando Entrega”, em que todo o procedimento realizado no veículo é descrito ao
cliente. Existe ainda outro quadro “Aguardando Serviço”, que indica os serviços agendados para
as próximas três semanas, ele não é detalhado, mas serve para a previsão de demanda.
A perfeita sincronização desse sistema, combinada com a qualificação técnica e os
procedimentos do setor de mecânica, permitiu reduzir o lead time para um quarto do tempo
médio de atendimento praticado no mercado.
A seguir, ao se proceder às considerações finais, apresentam-se mais algumas
conclusões advindas da realização deste estudo de caso, bem como são apresentadas algumas
sugestões de melhorias.
31
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No início deste artigo, estabeleceram-se os seguintes objetivos: descrever a adaptação do
Modelo Toyota aos serviços através do estudo de caso da concessionária CarHouse; descrever os
conceitos aplicados e os métodos de aplicação; evidenciar os efeitos desses conceitos na
satisfação dos clientes; e reunir relatos sobre fatores qualitativos, a fim de fazer uma articulação
teórico-prática com os conceitos estudados ao longo do curso de graduação.
Para tanto, buscou-se sustentação teórica em vários autores. No entanto a principal
referência foi a abordagem de Edward Deming, a partir dos seus 14 princípios, que, de acordo
com Campos (2004), deram origem ao TQC - Controle da Qualidade Total - praticado no Japão e
no Brasil. Buscou-se ainda descrever a prática do TQC pela montadora Toyota e alguns conceitos
específicos da Administração de Serviços.
Todavia algumas dificuldades limitaram a abrangência deste trabalho. Uma dessas
dificuldades foi conseguir autorização de uma organização adequada aos objetivos do trabalho. A
disponibilidade da CarHouse oportunizou uma ótima combinação entre a teoria relacionada à
Toyota e a prática, através do TSM e do TSW, no entanto a limitação de tempo não permitiu uma
análise aprofundada.
Considerando-se o contexto citado, concluiu-se que, apesar de os conceitos da Qualidade
terem fundamento num ambiente industrial de grandes organizações e em condições históricas
relevantes, menciona-se, frequentemente, a abrangência dos serviços. Portanto, não há dúvidas de
que tais conceitos podem ser aplicados a qualquer tipo de organização com as devidas
adaptações. Também ficou evidente que o Modelo Toyota está fundamentado nos conceitos do
TQC e que o sucesso de seu sistema de produção depende de tais conceitos. Assim, não é
possível replicar o Sistema Toyota de Produção sem o entendimento e aplicação dos conceitos.
Esse fato é reforçado, também, em obras consultadas, embora talvez não tenha ficado bem
explícito neste trabalho devido às limitações já mencionadas.
Quanto ao estudo de caso, constatou-se perfeitamente o relacionamento da teoria
contemplada pelo Curso de Formação Específica em Gestão da Produção. O alinhamento entre o
TQC, o Modelo Toyota e as diretrizes da CarHouse é evidente, embora não seja possível afirmar
a prática de todos os aspectos devido à natureza deste trabalho. Contudo é indiscutível a redução
dos impactos ambientais e o forte investimento na qualificação do pessoal. Embora as
32
informações relacionadas a indicadores tenham sido restritas devido à sua confidencialidade, a
32ª posição da unidade pesquisada entre as 132 unidades da Toyota no Brasil é suficiente para
constatar um altíssimo nível de satisfação. Fato esse, reforçado pela sexta posição da unidade de
Novo Hamburgo.
Quanto aos métodos de aplicação dos conceitos, trata-se dos próprios pilares do TSW e
do TSM. Talvez a comparação desses com o STP, para efeito de exemplo de adaptação, seja
considerada insatisfatória, no entanto, por tratar-se de programas desenvolvidos e auditados pela
própria Toyota, considerou-se como satisfatória.
Ainda é pertinente trazer constatações sobre a cultura da Qualidade, ponto que não foi
possível analisar consistentemente, devido às limitações de tempo dentro da organização, visto
que cultura é algo do dia-a-dia. Porém percebeu-se o ciclo PDCA implícito nas ações da
organização, também se verificou a presença de equipes Kaizen de melhoria contínua, no entanto
não foi possível verificar a intensidade de suas ações nem melhorias específicas decorrentes da
atuação desses grupos. Essa perspectiva pressupõe que o fato de o TSM e o TSW terem um status
de requisito e serem desenvolvidos fora da organização dificulta o desenvolvimento da cultura
organizacional genuína da CarHouse.
Assim, seguindo a metodologia do estudo de caso, que, por natureza, prevê sugestões de
melhoria, resta comentar os aspectos relacionados à cultura organizacional, que tende a ser o
ponto de maior dificuldade na manutenção de um Sistema de Gestão da Qualidade consistente.
Portanto, sugerem-se iniciativas como adesão ao Programa Gaúcho de Qualidade e Produtividade
como complemento à cultura da organização, semelhantemente à combinação do TQC com o
Modelo Toyota. Essa iniciativa pode dar um toque regional, além de ajudar a fomentar o
movimento no Rio Grande do Sul. Sugere-se, ainda, a participação em congressos e concursos de
CCQs anualmente realizados pela AGQ, Associação Gaúcha de Qualidade e Produtividade.
Finalmente, sugere-se que novas pesquisas sejam feitas acerca do tema, pois ainda se
trata de uma área que carece de pesquisas aprofundadas, embora os serviços sejam de extrema
relevância e integrem o cotidiano de boa parte das empresas. No cenário de extrema competição
em que se vive, a qualidade dos serviços pode e deve ser o grande diferencial, mas, para isso, há
um longo percurso a ser trilhado, que não se faz com base em improvisações, mas que requer,
sim, um olhar direcionado e devidamente embasado em pressupostos teóricos e experiências bem
33
sucedidas. Nesse sentido, espera-se que esta pesquisa possa contribuir, integrando-se ao rol dos
estudos já existentes.
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