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EDERSON NASCIMENTO
GEOPROCESSAMENTO APLICADO AO MAPEAMENTO E ANÁLISE DAS ÁREAS DE
USO E OCUPAÇÃO IRREGULAR DA TERRA URBANA EM PONTA GROSSA (PR)
PONTA GROSSA
2005
EDERSON NASCIMENTO
GEOPROCESSAMENTO APLICADO AO MAPEAMENTO E ANÁLISE DAS ÁREAS DE
USO E OCUPAÇÃO IRREGULAR DA TERRA URBANA EM PONTA GROSSA (PR)
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado para obtenção do título de bacharel em Geografia, na Universidade Estadual de Ponta Grossa, Setor de Ciências Exatas e Naturais, Departamento de Geociências.
Orientador: Prof. Dr. Lindon Fonseca Matias
PONTA GROSSA
2005
EDERSON NASCIMENTO
GEOPROCESSAMENTO APLICADO AO MAPEAMENTO E ANÁLISE DAS ÁREAS DE
USO E OCUPAÇÃO IRREGULAR DA TERRA URBANA EM PONTA GROSSA (PR)
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado para obtenção do título de bacharel em Geografia, na Universidade Estadual de Ponta Grossa, Setor de Ciências Exatas e Naturais, Departamento de Geociências.
Ponta Grossa, 1º de dezembro de 2005.
Prof. Dr. Lindon Fonseca Matias – Orientador
Doutor em Geografia Humana
Universidade Estadual de Campinas
Profª. Drª. Cicilian Luiza Löwen Sahr
Pós-doutora em Geografia
Universidade Estadual de Ponta Grossa
Profª. Msc. Sandra Maria Scheffer
Mestre em Ciências Sociais Aplicadas
Universidade Estadual de Ponta Grossa
Àqueles que indicaram a direção, iluminaram o caminho,
e me possibilitaram chegar até aqui: meus pais.
AGRADECIMENTOS
Ao Prof. Dr. Lindon Fonseca Matias, pela maneira atenciosa, segura e rigorosa com
que orientou a realização deste trabalho e, sobretudo, pelos ensinamentos efetuados ao longo
de toda a trajetória de pesquisa, os quais contribuíram significativamente para minha
formação acadêmica.
À Flávia, companheira e incentivadora, que com sua dedicação e atenção, foi minha
cúmplice na realização da pesquisa, participando ativamente de todos os momentos da
mesma.
À Luana, irmã de sangue e de coração, pela companhia às visitas às áreas irregulares,
momento cuja contribuição foi de inestimável valia na realização da pesquisa.
À Ana Seres Leite e Marcelo José Gonçalves, profissionais da Prefeitura Municipal de
Ponta Grossa, pelas informações fornecidas, imprescindíveis para a conclusão deste estudo,
bem como pela forma atenciosa e prestativa que sempre me atenderam.
À amiga Rubiane, pelas discussões frutíferas e pelas trocas de informações, de textos e
de idéias, que muito auxiliaram na concretização deste trabalho.
E a todos aqueles que, direta ou indiretamente, sabendo ou não, construíram comigo
esta pesquisa.
“Para entender a cidade, não basta apenas observá-la ou viver nela. É preciso verificar a sua dinâmica, a sua geografia e a sua história.”
Eliseu Savério Spósito
RESUMO
O geoprocessamento constitui importante instrumento para realização do mapeamento da ocupação e uso da terra em áreas urbanas. Permite a coleta, o armazenamento, o tratamento e a análise dos dados de forma georreferenciada. Essa tecnologia foi empregada na elaboração do mapeamento das áreas de uso e ocupação irregular da terra existentes na cidade de Ponta Grossa (PR) no ano de 2004. A realização do trabalho resume-se nas seguintes etapas: levantamento e revisão bibliográfica; levantamento da legislação que regula o uso e a ocupação da terra urbana; elaboração de uma base cartográfica; análise de correlações entre mapas para a obtenção das áreas em condição irregular quanto à propriedade da terra, à declividade de terreno e às faixas de domínio das ferrovias, dos cursos d’água e das redes de alta tensão elétrica, e; elaboração de visitas em campo, bem como de entrevistas com profissionais do poder público e com moradores de áreas irregulares, a fim de caracterizar a sua organização espacial e entender melhor o seu processo de surgimento e evolução. Entre os principais resultados obtidos, constatou-se um grande número de usos e ocupações irregulares localizados nas faixas de drenagem dos cursos d’água; a ocorrência de vários usos irregulares tipicamente rurais, como áreas de cultivo e de chácaras, e, sobretudo, um predomínio dos usos residenciais entre as ocupações irregulares, em especial das áreas faveladas, fato que revela a dificuldade de acesso à moradia vigente em Ponta Grossa, bem como a precarização das condições de vida de parcela significativa da população urbana. Palavras-chave: Mapeamento. Espaço urbano. Uso e ocupação irregular. Ponta Grossa.
ASBTRACT
The geoprocessing constitutes an important instrument for accomplishment of mapping of the land use and occupation in urban areas. It allows the collection, the storage, the treatment and analysis of the data in georreferenced form. That technology was used in the elaboration of mapping of the areas with irregular use and occupation of the land existents in the urban space of Ponta Grossa (PR) in 2004. In general words, the study was accomplished in the following stages: research and bibliographical revision; research of the legislation that regulates the use and the occupation of the urban land; construction of a cartographic base; analysis of correlations among maps to obtain the areas in irregular condition as for the land property, to the land steepness and the domain strip of railroads, rivers and streams and also high electric tension nets, and; elaboration of visits in the places, as well as of interviews with professionals of public administration and with residents of irregular areas, in order to characterize the space organization and to understand the appearance process and evolution of those areas better. Among the obtained results, it was verified a great number of irregular uses and occupations located in the strips of drainage of the rivers; the occurrence of several irregular uses typically rural, as cultivation areas and of small farms, and, above all, a prevalence of the residential uses among the irregular occupations, especially of the slum dwellers areas, fact that reveals the access difficulty to the home that is in force in Ponta Grossa, as well as the worsening of the conditions of life of great part of the urban population. Keywords: Mapping. Urban space. Irregular use and occupation. Ponta Grossa.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Mapa 1 - Tipo de ocupação da terra na área urbanizada de Ponta Grossa, em 1960.............................................................................................................
70
Mapa 2 - Tipo de ocupação da terra na área urbanizada de Ponta Grossa, em 1980.............................................................................................................
72
Mapa 3 - Tipo de ocupação da terra na área urbanizada de Ponta Grossa, em 2004.............................................................................................................
73
Figura 1 - Representação do universo do geoprocessamento......................................
80
Figura 2 - Organograma de representação das principais áreas de aplicação dos Sistemas de Informações Geográficas........................................................
82
Figura 3 - Fotografia aérea do loteamento irregular Ouro Verde, registrada em 2001.............................................................................................................
86
Figura 4 - Imagem de satélite IKONOS, passagem de 2004, exibindo o loteamento irregular Ouro Verde...................................................................................
86
Figura 5 - Cálculo da faixa de drenagem do arroio do Padre, no software ArcView GIS, utilizando a função buffer...................................................................
88
Mapa 4 - Localização e área total (em hectares) das bacias hidrográficas existentes na área urbana de Ponta Grossa.................................................
89
Mapa 5 - Largura das faixas de drenagem adotadas para cada bacia hidrográfica....
90
Figura 6 - Modelo digital de elevação (MDE) com as declividades das vertentes do arroio Lajeado Grande e afluentes.........................................................
92
Figura 7 - Residência com propriedade jurídica fundiária regular, localizada ao lado do arroio Pilão de Pedra......................................................................
96
Mapa 6 - Ocupação, em 1960, das áreas correspondentes às atuais faixas de drenagem.....................................................................................................
97
Mapa 7 - Ocupação, em 1980, das áreas correspondentes às atuais faixas de drenagem.....................................................................................................
98
Mapa 8 - Condição da propriedade da terra nas áreas de uso e ocupação irregular em faixas de drenagem – 2004....................................................................
101
Mapa 9 - Áreas irregulares predominantemente residenciais – 2004........................
107
Figura 8 - Vistas de uso misto (residencial e comercial), localizado às margens de um curso d’água, na vila Baronesa........................................................ 109
Figura 9 - Imagem da favela da vila Senador Flávio Carvalho Guimarães.................
114
Figura 10 - Favela em encosta com acentuada declividade, localizada na vila Nossa Senhora das Graças.....................................................................................
114
Figura 11 - Ocupações irregulares na faixa de domínio de uma rede de alta tensão elétrica, na vila Santa Mônica.....................................................................
115
Figura 12 - Posto de saúde em área de várzea, localizado na vila Princesa dos Campos.......................................................................................................
117
Figura 13 - Detalhe da poluição do arroio Lajeadinho..................................................
118
Figura 14 - Vista do Jardim Jundiaí, loteamento irregular com vários lotes desocupados................................................................................................
118
Mapa 10 - Áreas irregulares com predominância de chácaras e usos industrial e agrícola - 2004............................................................................................
120
Figura 15 - Área de cultivo em faixa de drenagem, localizada nas proximidades da vila 31 de Março.........................................................................................
121
Figura 16 - Detalhe em imagem de satélite, de uma chácara em condição irregular de ocupação, localizada ao lado de um curso d’água na vila Pinheiro.......
123
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Áreas de bacias hidrográficas e faixas não edificáveis correspondentes, conforme a lei municipal n° 4.842/1992.....................................................
45
Tabela 2 - População urbana, rural e total, em número absoluto, crescimento relativo e taxa de urbanização para o município de Ponta Grossa, no período de 1940 a 2000...............................................................................
63
Tabela 3 - Participação percentual dos principais tipos de ocupação da terra na área urbanizada de Ponta Grossa, nos anos de 1960, 1980 e 2004..............
69
Tabela 4 - Questionamentos básicos a serem respondidos por um SIG.......................
83
Tabela 5 - Categorias de uso e ocupação irregular e área ocupada, segundo diferentes critérios de irregularidade...........................................................
94
Tabela 6 - Condição da propriedade da terra e área ocupada pelas irregularidades de uso e ocupação da terra existentes nas faixas de drenagem em 2004.....
100
Tabela 7 - Classes de uso e ocupação da terra em condições de irregularidade...........
103
Tabela 8 - Participação percentual das diversas classes de uso da terra em cada categoria de irregularidade..........................................................................
104
Tabela 9 - Evolução da população favelada em Ponta Grossa no período de 1960 a 2004.......................................................................................................... 112
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO....................................................................................................... 13 2 A REPRODUÇÃO CONTRADITÓRIA DO ESPAÇO URBANO.................... 162.1 ESPAÇO GEOGRÁFICO E ESPAÇO URBANO: PRIMEIRA
APROXIMAÇÃO..................................................................................................... 162.2 ESPAÇO URBANO: CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS............................. 192.3 O USO DESIGUAL DA TERRA URBANA........................................................... 222.3.1 A terra urbana enquanto mercadoria......................................................................... 242.3.2 A segregação urbana e o surgimento de áreas de uso e ocupação irregular.............. 29 3 A EVOLUÇÃO DA IRREGULARIDADE DO USO E DA OCUPAÇÃO
DA TERRA URBANA............................................................................................ 353.1 USO E OCUPAÇÃO IRREGULAR DA TERRA: DEFINIÇÃO E CAUSAS
GERAIS DE SUA EXPANSÃO............................................................................... 363.2 USO E OCUPAÇÃO IRREGULAR E DANOS SÓCIO-AMBIENTAIS................ 403.3 PRINCIPAIS LOCALIZAÇÕES DAS IRREGULARIDADES .............................. 413.4 O MARCO JURÍDICO............................................................................................. 433.4.1 Legislação referente ao parcelamento da terra urbana.............................................. 433.4.2 Legislação de proteção da rede de drenagem............................................................ 443.4.3 Normatização da ocupação nas proximidades de linhas de transmissão elétrica...... 473.5 TIPOS DE USO E OCUPAÇÃO IRREGULAR E PRÁTICAS SOCIAIS
ASSOCIADAS.......................................................................................................... 473.5.1 Loteamentos irregulares............................................................................................ 483.5.2 Favelas....................................................................................................................... 513.5.3 Usos rurais irregulares da terra urbana...................................................................... 563.5.4 Ocupações regulares em desacordo com leis específicas.......................................... 58 4 URBANIZAÇÃO E EVOLUÇÃO DAS IRREGULARIDADES DE
OCUPAÇÃO E USO DA TERRA EM PONTA GROSSA: BREVE HISTÓRICO............................................................................................................ 60
4.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA E PRINCIPAIS CONDICIONANTES DA URBANIZAÇÃO PONTA-GROSSENSE............................................................... 60
4.2 CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS SOBRE AS IRREGULARIDADES DE PONTA GROSSA..................................................................................................... 68
5 ELABORAÇÃO DO MAPEAMENTO DAS ÁREAS DE USO E
OCUPAÇÃO IRREGULAR................................................................................... 775.1 GEOTECNOLOGIAS: UM INSTRUMENTAL EFICIENTE PARA
ANÁLISES DO ESPAÇO URBANO....................................................................... 775.2 O PROCESSO DE LEVANTAMENTO E ANÁLISE DAS ÁREAS
IRREGULARES........................................................................................................ 83 6 ANÁLISE DOS TIPOS DE USO E OCUPAÇÃO IRREGULAR DA
TERRA URBANA EM PONTA GROSSA........................................................... 936.1 QUANTIFICAÇÃO E CLASSIFICAÇÃO DAS IRREGULARIDADES............... 936.1.1 Quanto às categorias de irregularidade...................................................................... 946.1.2 Quanto às classes de uso e ocupação da terra............................................................ 102
6.2 LOCALIZAÇÃO, NATUREZA OCUPACIONAL E ORGANIZAÇÃO ESPACIAL DAS IRREGULARIDADES................................................................ 105
6.2.1 Áreas irregulares residenciais: favelas, loteamentos irregulares e ocupações em desacordo com a legislação urbana...................................................................... 106
6.2.2 Os terrenos amplos: áreas de uso industrial, agrícola e chácaras.............................. 119 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................. 124 REFERÊNCIAS.................................................................................................................. 127 APÊNDICE A – Formulário de observação..................................................................... 132 APÊNDICE B - Formulário utilizado nas entrevistas com moradores de áreas irregulares........................................................................................................................... 135 APÊNDICE C – Formulário utilizado na entrevista com o técnico da Divisão de Controle Ambiental, da prefeitura municipal.................................................................. 138 APÊNDICE D – Formulário utilizado na entrevista com a assistente social do Departamento de Assuntos Comunitários, da prefeitura municipal.............................
140
APÊNDICE E – Mapa final de áreas de uso e ocupação irregular da terra na cidade de Ponta Grossa...................................................................................................... 142
1 INTRODUÇÃO
O processo de produção e reprodução do espaço apresenta-se intimamente vinculado à
dinâmica de (re)produção geral da sociedade, a qual se realiza dia-a-dia a partir das ações
engendradas pelos grupos sociais, que viabilizam a própria sobrevivência e reproduzem as
diversas classes e grupos da sociedade. Nesse contexto, o acesso à terra urbana assume
importância fundamental, uma vez que esta se apresenta como condição essencial para a
realização de qualquer atividade, seja ela referente à obtenção de renda monetária, seja para a
simples função da moradia. Por essa razão, a terra passa a ser disputada pelos diversos atores
sociais para diversos fins, como residenciais, industriais, de preservação ambiental, para
especulação imobiliária, entre outros.
Em decorrência desse fato, aliado à carência de uma gestão urbana que garanta um
maior equilíbrio na apropriação social do espaço na cidade, visando minimizar a especulação
imobiliária e a seletividade no acesso à terra urbana, vários grupos sociais vêem restringido o
seu acesso à terra, tendo dificultada a satisfação de suas necessidades e de seus interesses, seja
por limitações de ordem jurídica, seja pela barreira imposta pela propriedade privada da terra,
que vigora na sociedade capitalista. Nessas condições, surgem no espaço urbano várias áreas
com formas de uso e de ocupação que confrontam as determinações estabelecidas pelo
arcabouço jurídico regulador do uso e da ocupação fundiária no espaço urbano.
Em Ponta Grossa, tal realidade tem se mostrado bastante dinâmica. Verifica-se na
cidade a ocorrência de várias áreas em situação irregular de uso e ocupação fundiária,
localizadas em áreas ambientalmente frágeis, como em terras marginais a cursos d’água e
encostas com acentuada declividade, além de outros locais que oferecem grandes riscos à
ocupação humana, como sob redes de alta tensão elétrica e ao lado de ferrovias, e ainda em
terras que apresentam plenas condições para a edificação e uso urbano, mas que a ocupação
ou o uso praticado não possui o respaldo da propriedade jurídica da terra.
13
A importância assumida por tal processo na dinâmica de (re)produção do espaço
urbano ponta-grossense torna imprescindível o levantamento e a caracterização de tais áreas
em situação de irregularidade, com vistas à subsidiar uma melhor compreensão do processo
de organização dessa parcela informal da cidade e, por essa via, possibilitar a proposição de
medidas e a elaboração de estratégias de intervenção em tais áreas.
No entanto, perante a grande heterogeneidade apresentada pelas irregularidades
ocorridas na cidade, bem como à dificuldade de sua identificação em campo, fruto da
complexidade inerente a alguns parâmetros legais que restringem a ocupação e uso da terra –
como, por exemplo, a declividade topográfica e a largura da faixa marginal de proteção de
cursos d’água -, faz-se necessária a utilização de um instrumental eficiente, que permita, de
forma ágil e simples, a captura e o processamento de uma ampla gama de dados espaciais.
Esta tarefa é possibilitada através da aplicação de tecnologias de geoprocessamento, mais
precisamente de dados cartográficos digitais, de produtos de sensoriamento remoto, dados de
Sistema de Posicionamento Global (GPS) e principalmente, da utilização de Sistema de
Informações Geográficas (SIG).
Nesse sentido, a pesquisa teve como objetivo principal realizar o mapeamento e
análise da organização espacial das áreas de uso e ocupação irregular da terra, existentes na
cidade de Ponta Grossa no ano de 2004, por meio da utilização de geotecnologias. Para tanto,
em linhas gerais, efetuou-se a definição dos tipos de irregularidade de uso e ocupação da terra
existentes na cidade e construiu-se uma base de dados georreferenciados, contendo mapas,
imagens e dados estatísticos diversos sobre essa temática. Buscou-se ainda identificar as
principais características sócio-econômicas dos grupos sociais ocupantes das áreas, bem como
examinar as principais conseqüências socioambientais decorrentes dessas formas de
ocupação.
14
O trabalho foi organizado na seguinte estrutura. No capítulo 2, realiza-se uma
exposição sobre a natureza contraditória do processo de produção e reprodução do espaço
urbano, enfocando a importância do acesso à terra na estruturação segregada do espaço na
cidade e no advento e consolidação de áreas irregulares de uso e ocupação fundiária urbana.
Em seguida, apresenta-se uma abordagem teórica geral do fenômeno da irregularidade
fundiária no espaço urbano, definindo os principais tipos (com base na realidade ponta-
grossense), estabelecendo suas características mais comuns quanto à distribuição espacial,
discutindo os danos socioambientais mais relevantes desencadeados por tais irregularidades e,
ainda, caracterizando-as perante a legislação competente.
No capítulo 4, realiza-se uma abordagem histórica sobre os principais fatores e agentes
sociais que conduziram o crescimento e a estruturação do espaço urbano de Ponta Grossa.
Procura-se também examinar a evolução histórica das principais irregularidades de ocupação
e uso da terra, observadas no contexto de urbanização e dinamização econômica da cidade e
de transformações na estrutura agrária no Estado. No capítulo seguinte efetua-se,
primeiramente, uma breve exposição sobre as características do instrumental geotecnológico
empregado na pesquisa e, num segundo momento, realiza-se um detalhamento das etapas
cumpridas no processo de mapeamento e de análise das áreas em situação de irregularidade.
Finalmente, no capítulo 6, apresenta-se os resultados estatísticos e analíticos da
pesquisa, enfocando as diferentes categorias de irregularidade fundiária, os tipos de uso e
ocupação irregular identificados, bem como a natureza de sua ocupação e as principais
características de sua organização espacial.
15
2 A REPRODUÇÃO CONTRADITÓRIA DO ESPAÇO URBANO
Uma sociedade não pode viver senão através de um determinado espaço. A relação
entre a sociedade e a natureza se dá mediante um processo de trabalho situado dentro de um
quadro mais amplo, aquele da produção de bens para atender a existência humana.1 E desse
modo, “ao produzirem sua existência os homens produzem não só sua história, conhecimento,
processo de humanização mas também o espaço.”2
Neste capítulo será abordada a natureza contraditória do espaço social, através do qual
se dá o desenrolar da vida humana. Primeiramente serão tecidas algumas considerações gerais
sobre o espaço na visão da ciência geográfica e em seguida será realizada uma análise sobre o
processo de (re)produção do espaço urbano, objeto de nossa análise.
2.1 ESPAÇO GEOGRÁFICO E ESPAÇO URBANO: PRIMEIRA APROXIMAÇÃO
O espaço é, antes de qualquer coisa, um produto social, engendrado no seio das
relações estabelecidas no interior da sociedade, relações tais que, conforme Castells, conferem
ao espaço “uma forma, uma função, uma significação social.” O espaço, portanto, “não é uma
pura ocasião de desdobramento da estrutura social, mas a expressão concreta de cada conjunto
histórico, no qual uma sociedade se especifica.”3
O processo de produção e reprodução desse espaço social interessa diretamente à
ciência geográfica. Tal espaço – o espaço geográfico - pode ser caracterizado, de acordo com
Carlos, como sendo “o produto, num dado momento, do estado da sociedade, portanto, um
produto histórico”, configurando-se como o “resultado da atividade de uma série de gerações
que através de seu trabalho acumulado têm agido sobre ele, modificando-o, transformando-o,
1 CARLOS, A. F. A. A cidade. 6. ed. São Paulo: Contexto, 2001. p. 31. 2 Ibid., p. 28. 3 CASTELLS, M. A questão urbana. Tradução de Arlene Caetano. 2. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2000. p. 181.
16
humanizando-o, tornando-o um produto cada vez mais distanciado do meio natural”. Por este
viés, é o espaço, no dizer da autora, “um produto social em ininterrupto processo de
reprodução.”4
O espaço geográfico, na acepção de Santos, compõe-se de sistemas de objetos
espaciais e também de sistemas de ações sociais, sistemas estes que se entrelaçam,
constituindo um conjunto solidário, inseparável e contraditório. Os diferentes sistemas se
influenciam mutuamente, condicionando, num movimento único, a organização espacial e da
vida social.5
Nessa perspectiva, como afirma Corrêa6, uma localização, um bairro, uma forma
espacial é produto das relações sociais historicamente estabelecidas e é, simultaneamente,
condição para a reprodução das relações sociais. No processo de produção – em sentido
amplo - cria-se condições que permitam a sua reprodução e também das diferentes classes
sociais. Assim, os objetos produzidos pelo trabalho social possibilitam que as atividades
realizadas por eles perpassem no tempo. Permitem, da mesma forma, a reprodução do próprio
grupo social, ligado a tal lógica produtiva.
E na atualidade, o principal local onde tais relações se dão é, sem dúvida, o espaço
urbano. Este aparece como a expressão mais aguda do processo de produção da humanidade
engendrado pela formação econômica e social capitalista. Como discutiremos mais à diante,
as cidades, em sua maioria, crescem e se organizam a partir de diferentes lutas sociais,
travadas por diferentes atores sociais concretos, com interesses distintos e, muitas vezes,
antagônicos.
4 CARLOS, op. cit., p. 32. 5 SANTOS, M. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: EDUSP, 2002. p. 63. Na mesma página, o autor nos explica melhor esse movimento único: “Sistemas de objetos e sistemas de ações interagem. De um lado, os sistemas de objetos condicionam a forma como se dão as ações e, de outro lado, o sistema de ações leva à criação de objetos novos ou se realiza sobre objetos pré-existentes. É assim que o espaço encontra a sua dinâmica e se transforma.” 6 CORRÊA, R. L. Região e organização espacial. 6. ed. São Paulo: Ática, 1998. p. 74-75.
17
Devido a tal fato, o espaço urbano é produzido tendo como característica principal a
desigualdade social, pois esses conflitos geram “vencedores” e “vencidos”, os primeiros
usufruindo de uma maneira ou de outra das benesses existentes no espaço urbano – tanto na
esfera da produção de mercadorias, como no plano do consumo do espaço - e os segundos
constituindo a parcela da população a quem é privado o acesso pleno à cidade, tendo muitas
vezes surrupiados direitos absolutamente elementares, como por exemplo, o acesso à moradia,
fato que será examinado neste trabalho.
É importante destacar, como nos lembra Carlos, que refletir nos dias atuais sobre a
cidade no Brasil implica em pensá-la “enquanto materialização do processo de ‘urbanização
dependente’” ocorrido no país, no qual “as contradições emergem de modo mais gritante, e a
acumulação da riqueza [...] caminha pari passu com a miséria”. Por essa via, diferentemente
do que ocorre nos países ditos desenvolvidos, “Aqui ainda se trava uma árdua luta por
condições mínimas de vida, por direitos básicos já amplamente conquistados naqueles
países.”7
Frente a tal situação, Santos avalia que, “Deixado ao quase exclusivo jogo de mercado,
o espaço vivido consagra desigualdades e injustiças e termina por ser, em sua maior parte, um
espaço sem cidadãos.” De um modo geral, segundo o autor, consultando um mapa tanto do
país como do espaço urbano local, é fácil identificar-se amplas áreas sem serviços e
equipamentos de uso coletivo essenciais à vida social e à vida individual. “É como se as
pessoas nem lá estivessem”8, ressalta.
Nas seções seguintes serão tecidas considerações sobre o espaço urbano e o modo
como este é reproduzido pelos diversos segmentos sociais e as desigualdades desencadeadas
por tal reprodução, cenário a partir do qual as áreas de uso e ocupação irregular surgem e se
expandem na cidade.
7 CARLOS, p. 32 e 33. 8 SANTOS, M. O espaço do cidadão. São Paulo: Nobel, 1987. p. 43.
18
2.2 ESPAÇO URBANO: CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS
O espaço urbano capitalista apresenta-se como um importante objeto de estudo para
vários cientistas sociais, sobretudo para o geógrafo. Em linhas gerais, o interesse em entender
a cidade, como aponta Corrêa, justifica-se pelo fato dela concentrar uma parcela cada vez
maior da população. Além disso, a cidade é também “o lugar onde os investimentos de capital
são maiores, seja em atividades localizadas na cidade, seja no próprio urbano, na produção da
cidade”. E, principalmente, é na cidade que os conflitos sociais ocorrem de maneira mais
intensa.9 Sendo componente do espaço geográfico, esta forma de organização espacial – a
cidade – é também, como todo espaço, um produto da sociedade, organizado e condicionado
pela estrutura das relações sociais estabelecidas entre os diferentes grupos e classes sociais
que a compõem.10
Considerada como uma construção humana, a cidade aparece, antes de tudo, como
trabalho social materializado, acumulado no decorrer do processo histórico e desenvolvido
por uma sucessão de gerações. “Expressão e significado da vida humana, obra e produto,
processo histórico cumulativo, a cidade contém e revela ações passadas ao mesmo tempo, já
que o futuro se constrói a partir das tramas do presente”.11
É no espaço urbano, ou a partir dele, que as forças produtivas alcançam o seu maior
grau de desenvolvimento, permitindo que o capital se reproduza de maneira mais acelerada.
Desse modo, na cidade também encontra-se concentrada uma parcela significativa da
população, a qual, via produção de bens e como mercado consumidor, permite a perpetuação
do processo de acumulação capitalista. Isto se deve, segundo Rolnik, ao fato de que a
concentração populacional ocorrida no espaço urbano “intensifica as possibilidades de troca
9 CORRÊA, R. L. O espaço urbano. 4. ed. São Paulo: Ática, 2005. p. 5. 10 CAPEL, H. La definición de lo urbano. Scripta vetera. Disponível em: <http://www.ub.es/geocrit/sv-33.htm>. Acesso em 11 jan. 2005. 11 CARLOS, A. F. A. O espaço urbano: novos escritos sobre a cidade. São Paulo: Contexto, 2004. p. 7-8.
19
entre os homens, potencializando sua capacidade produtiva.”12 Nessa linha de análise, Silva
nos lembra que “os processos de urbanização refletem a dinâmica da acumulação e
concentração do capital através da intensificação das atividades econômicas no espaço urbano
e reproduzem a aglomeração necessitando cada vez de mais espaço.”13
Desta forma, a cidade torna-se também o principal local onde os diversos grupos
sociais vivem e se reproduzem, expondo seus valores, perseguindo seus objetivos, enfim,
construindo contraditoriamente o espaço citadino e a vida urbana.
Os diferentes atores sociais concebem a cidade de maneira diferente, principalmente
conforme o valor de uso que esse espaço lhe apresenta. Carlos nos explica que a visão em
relação à cidade difere, sobretudo, sob a ótica dos produtores de mercadorias e dos moradores.
Do ponto de vista dos primeiros, “a cidade materializa-se enquanto condição geral da
produção (distribuição, circulação e troca) e nesse sentido é o locus da produção (onde se
produz a mais-valia) e da circulação (onde esta é realizada).” Por outro lado, para os
segundos, enquanto consumidores, “a cidade é meio de consumo coletivo (bens e serviços)
para a reprodução da vida dos homens”. Fundamentalmente para esses, “É o locus da
habitação e tudo o que o habitar implica na sociedade atual: escolas, assistência médica,
transporte, água, luz, esgoto, telefone, atividades culturais e lazer, ócio, compras, etc.”14
Por este viés, o espaço urbano se reproduz a partir de conflitos e contradições sociais,
sendo o embate principal aquele travado entre os interesses do capital e os da sociedade em
geral. Em outras palavras, a contradição-motriz da organização do espaço urbano e da vida
social é “aquela entre a reprodução do espaço (que tende a se concretizar sob os interesses e
12 ROLNIK, R. O que é cidade. 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. p. 25. 13 SILVA, J. M. Valorização fundiária e expansão urbana recente de Guarapuava – PR. 1995, 181 f. Dissertação (Mestrado em Geografia) - Setor de Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 1995. p. 6. 14 CARLOS, A. F. A. A cidade. op. cit., p. 46.
20
necessidades da reprodução do capital e sobre o poder do Estado) e a reprodução da vida (que
diz respeito ao conjunto da sociedade e tem como objetivo a construção do humano).”15
Notadamente a cidade aparece também, como já se disse, como local fundamental da
habitação e da vivência humana em sua dimensão plena. É onde se estabelece o plano do
vivido, o local onde as práticas sociais se organizam reproduzindo as condições de existência
da própria sociedade, onde se dá, enfim, o desenrolar da vida cotidiana.16 Além disso, é o
local onde o plano do vivido se relaciona com o plano da produção capitalista de mercadorias,
revelando a reprodução das relações de produção da sociedade17, assim como das distintas
classes sociais que reproduzem diariamente o espaço urbano.
Em síntese, o espaço urbano capitalista constitui-se no locus da produção e no palco
principal da reprodução desigual da sociedade e sua reprodução, como afirma Carlos, “recria
constantemente as condições gerais a partir das quais se realiza o processo de reprodução do
capital”, bem como, da “vida humana em todas as suas dimensões.”18
Por outro lado, o modo de apropriação do espaço urbano pelos distintos segmentos
sociais é expresso através do uso da terra. A maneira pela qual se dará esse uso dependerá,
entretanto, dos fatores que condicionam o seu processo de produção. Ainda segundo Carlos,
em linhas gerais, na sociedade capitalista essa apropriação está vinculada ao “processo de
troca que se efetua no mercado, visto que o produto capitalista só pode ser realizado a partir
do processo de apropriação, no caso específico, via propriedade privada.”19
Essas condicionantes dos diferentes – e muitas vezes antagônicos – modos de uso da
terra urbana serão examinadas mais de perto a partir da próxima seção.
15 Id. O espaço urbano... op. cit., p. 48. 16 Ibid., p. 48-117 passim. 17 Ibid., p. 139. 18 Ibid., p. 57. 19 Id. A cidade. op. cit., p. 27.
21
2.3 O USO DESIGUAL DA TERRA URBANA
No espaço urbano muitas pessoas se relacionam e exercem diferentes atividades,
buscando atender às suas diversas necessidades. Uma dessas necessidades é o acesso à terra
urbana, o qual é condição sine qua non para a realização de toda e qualquer atividade. Afinal
de contas, seja para o lazer, seja para a moradia, seja igualmente para a produção de
mercadorias, é impossível fazê-lo sem se apropriar de um “pedaço de chão” na cidade, ou
seja, uma determinada fração da terra urbana. Com isso, de acordo com Scheffer20, a terra
passa a ser disputada pelos diferentes atores sociais para fins diversos, como residenciais,
industriais, de preservação ambiental, ou mesmo para ser retida com fins especulativos.
Nesse sentido, pode-se facilmente perceber que o uso da terra urbana é
inevitavelmente conflituoso, pois estão em jogo interesses distintos, muitos deles antagônicos,
engendrados por atores sociais igualmente distintos. Notadamente, os principais conflitos se
dão, como já se destacou, no âmbito da contradição existente entre os interesses do capital e
da sociedade de um modo geral, pois enquanto aquele busca se reproduzir por meio do
processo de valorização, a sociedade busca melhores condições de reprodução da vida de uma
maneira ampla.
Assim, concordamos com Carlos no sentido de que “a cidade é, antes de mais nada,
uma concentração de pessoas exercendo, em função da divisão social do trabalho, uma série
de atividades concorrentes ou complementares, desencadeando uma disputa de usos.”21 As
diversas atividades realizadas se materializarão na cidade em função de determinados fatores,
notadamente referentes à sua viabilização econômica.
As atividades produtivas, por exemplo, buscarão, via de regra, locais em que seja
possível a redução dos custos de produção. Já para as atividades comerciais, o acesso ao 20 SCHEFFER, S. M. Espaço urbano e política habitacional: uma análise sobre o programa de lotes urbanizados da PROLAR - Ponta Grossa. 2003, 122 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais Aplicadas) - Universidade Estadual de Ponta Grossa, Ponta Grossa, 2003. p. 11. 21 CARLOS, A. F. A. A cidade. op. cit., p. 40.
22
mercado será o principal aspecto a ser considerado. Para as atividades que dependem de
circulação de mercadorias, é fundamental o acesso às vias rápidas de transporte, que permitem
reduzir o tempo de percurso, reduzindo igualmente a tendência de desvalorização do capital.
Os setores prestadores de serviços também buscarão localizações que otimizem
economicamente a atividade ao máximo, de maneira que certos tipos tenderão a se localizar
nas proximidades dos centros de negócios, outros em áreas radiais, outros ainda em certas
zonas específicas. O uso residencial, por sua vez, depende da inserção social de seus
ocupantes, sendo sobretudo reflexo do “papel que cada indivíduo ocupará (direta ou
indiretamente) no processo de produção geral da sociedade e, conseqüentemente, o seu lugar
na distribuição da riqueza gerada.”22
No que tange à organização dos usos da terra urbana, Villaça argumenta que a
localização dos objetos espaciais ocupa papel de destaque na estruturação interna da cidade.
Tanto é verdade que, na opinião do autor, “Os produtos específicos da produção do espaço
intra-urbano não são os objetos em si [...] mas suas localizações. [...] A produção dos objetos
urbanos só pode ser entendida e explicada se forem consideradas suas localizações.” Nesse
contexto, a localização ocorre associada ao espaço urbano em sua totalidade, pois diz respeito,
nas palavras do autor, “às relações entre um determinado ponto do território urbano e todos os
demais.”23 Desse modo, sob sua ótica, “a força mais poderosa [...] agindo sobre a estruturação
do espaço intra-urbano tem origem na luta de classes pela apropriação diferenciada das
vantagens e desvantagens do espaço construído e na segregação espacial dela resultante.”24
Para Carlos, os modos de ocupação do espaço pela sociedade serão indicados pelas
necessidades de reprodução do capital em geral, apoiados nos mecanismos de apropriação
privada, onde o uso da terra é fruto da condição geral do processo de reprodução social,
22 Ibid., p. 46. 23 VILLAÇA, F. O espaço intra-urbano no Brasil. São Paulo: Studio Nobel/FAPESP/Lincoln Institute, 1998. p. 24. 24 Ibid., p. 45.
23
processo este que imprime uma certa configuração ao espaço urbano. Tal conformação resulta
de dois modos distintos de uso da terra: aquele “vinculado ao processo de produção e
reprodução do capital” e, por outro lado, aquele “vinculado à reprodução da sociedade, tanto
da força de trabalho (enquanto exército industrial de reserva), quanto da população em geral
(consumidores).”25
É imprescindível lembrar, no entanto, que frente ao respaldo jurídico dado pela
propriedade privada vigente na sociedade capitalista, para se ter acesso a certa parcela da terra
urbana é necessário remeter uma determinada renda ao seu proprietário, referente ao seu
valor. Apesar da terra – enquanto matéria – não ser produzida pelo trabalho humano,
enquanto condição indispensável para a produção e para a sobrevivência, a terra, sobretudo a
urbana, passa a ser valorizada, assumindo uma condição de mercadoria.
Na seqüência, examinaremos o caráter mercantil assumido pela terra na cidade - fator
decisivo na localização das atividades e dos indivíduos no urbano – e suas causas
fundamentais. Em seguida, será enfocada a segregação sócio-espacial que nasce em tal
contexto, a qual se constitui em fator fundamental para o surgimento e ratificação da
irregularidade de uso e ocupação da terra na cidade.
2.3.1 A terra urbana enquanto mercadoria
Singer ressalta que “Sendo a cidade uma imensa concentração de gente exercendo as
mais diferentes atividades, é lógico que o solo urbano seja disputado por inúmeros usos.” E
esta disputa é pautada “pelas regras do jogo capitalista, que se fundamenta na propriedade
25 CARLOS, A. F. A. A cidade. op. cit., p. 49.
24
privada do solo, a qual – por isso e só por isso – proporciona renda e, em conseqüência, é
assemelhada ao capital.”26
Conforme já adiantado, só se pode ter acesso a um pedaço de terra – legalmente
dizendo – pagando-se pelo mesmo, geralmente através de compra ou de aluguel. Isso se deve
ao fato de que na sociedade capitalista atual, “o uso é produto das formas de apropriação (que
tem na propriedade privada sua instância jurídica).”27
A importância assumida pela terra urbana enquanto condição essencial para a
realização de qualquer atividade28, aliada ainda às suas propriedades intrínsecas (sobretudo
amenidades físicas), confere a ela o caráter de mercadoria, assumindo assim um determinado
preço a ser pago pelos indivíduos desprovidos do direito de propriedade.
Enquanto simples matéria, elemento da natureza, a terra não possui valor, pois não
pode ser criada, não pode ser reproduzida pelo trabalho humano. Afinal, como nos coloca
Rodrigues, “Quando alguém trabalha na terra, não é para produzir a terra, mas sim o fruto da
terra, ou então as edificações sobre a terra.”29 Todavia, enquanto componente do espaço
urbano, a terra transcende a condição de mera superfície, sítio das edificações, e assume,
conforme Villaça, a condição de localização, como já se destacou anteriormente. É dessa
maneira que esse bem natural – a terra – se articula aos demais fragmentos da cidade e,
conseqüentemente, à lógica geral de produção do espaço urbano. Nesse sentido, portanto,
mesmo não sendo fruto do trabalho social, a terra se valoriza, porque o espaço do qual ela faz
parte é produzido socialmente. Nas palavras de Carlos, “a terra-matéria não pode ser
26 SINGER, P. O uso do solo urbano na economia capitalista. In: MARICATO, E. (Org.). A produção capitalista da casa (e da cidade) no Brasil industrial. 2. ed. São Paulo: Alfa-Ômega, 1982. p. 21. 27 CARLOS, A. F. A. A cidade. op. cit., p. 47. 28 Lembramos que, entre outras coisas, a terra urbana “pode ser suporte de processos de valorização de capitais, quando se trata de terrenos utilizados por indústrias, empresas comerciais e financeiras; ela pode ser suporte de atividades econômicas não-capitalistas quando se trata de locais usados pelo pequeno comércio, pelo artesanato e pelo camponês instalado nas fronteiras agrícolas da cidade; a terra pode também ser usada apenas como suporte de consumo, quando se trata de terrenos utilizados para moradias; finalmente, a terra pode servir como meio de reserva de valor, através da compra e retenção por um agente econômico”, conforme RIBEIRO, L. C. de Q. Espaço urbano, mercado de terras e produção da habitação. In: SILVA, L. A. M. da. (Org.). Solo urbano: tópicos sobre o uso da terra. Rio de Janeiro: Zahar, 1981. p. 42 29 RODRIGUES, A. M. Moradias nas cidades brasileiras. São Paulo: Contexto/EDUSP, 1988. p. 16.
25
reproduzida, mas o espaço o é constantemente, mudando de significado à medida que o
processo histórico avança.”30
Nessa condução argumentativa, é conveniente lembrar as considerações feitas por
Santos sobre os objetos espaciais, as quais enunciam que
São as propriedades de uma coisa que dizem como ela se relacionará com outras coisas. [...] Esta é a base em que os sistemas de objetos se constroem e obtêm um significado. [...] Essas condições relacionais incluem o espaço e se dão por intermédio do espaço. Nesse sentido é o espaço considerado em seu conjunto que redefine os objetos que o formam. Por isso, o objeto geográfico está sempre mudando de significação.31
Dessa forma, sendo a terra considerada como um objeto, elemento do espaço, ela tem
o seu valor regulado pela totalidade do espaço, pois é esta totalidade que define a sua maior
ou menor significação para os diferentes estratos sociais. Sob tal perspectiva, concordamos
com Villaça no sentido de que
há dois valores a considerar no espaço urbano. O primeiro é o dos produtos em si – os edifícios, as ruas, as praças, as infra-estruturas. O outro é o valor produzido pela aglomeração, dado pela localização dos edifícios, ruas e praças, pois é essa localização que os insere na aglomeração. A localização se apresenta, assim, como um valor de uso da terra – dos lotes, das ruas, das praças, das praias – o qual, no mercado, se traduz em preço da terra. Tal como qualquer valor, o da localização também é dado pelo tempo de trabalho socialmente necessário para produzi-la, ou seja, para produzir a cidade inteira da qual a localização é parte.32
A localização aparece como principal valor de um determinado fragmento do espaço
urbano em virtude da acessibilidade que a mesma pode ou não proporcionar, seja para a
realização da produção enquanto força de trabalho, seja para o próprio consumo do espaço.
Desse modo, ainda conforme Villaça, os diferentes pontos da cidade
30 CARLOS, A. F. A. A cidade. op. cit., p. 53. 31 SANTOS, M. A natureza... op. cit., p. 97. 32 VILLAÇA, op. cit., p. 334, destaque do autor.
26
condicionam a participação do seu ocupante tanto na força produtiva social representada pela cidade como na absorção, através do consumo, das vantagens da aglomeração. É esse o valor de uso do ponto – sua capacidade de fazer com que se relacionem entre si os diversos elementos da cidade.33
Segundo essa abordagem, o preço assumido por determinada parcela da terra urbana
no mercado de terras, vai depender das características físicas do terreno, mas principalmente
da sua inserção no espaço urbano como um todo. Assim, de acordo com Carlos34, influirão no
preço da terra principalmente a acessibilidade aos locais providos de serviços e equipamentos
urbanos (escolas, centros de saúde, shoppings etc); a infra-estrutura disponível (água, luz,
pavimentação, transporte) e, com menor importância, os fatores referentes à topografia, que
influirão nas possibilidades e custos da construção. E além dos citados, contribui um último
fator decisivo, que é o processo de valorização espacial.
Rodrigues, aproximando-se de Singer, afirma que um outro fator importante na
definição do preço da terra urbana é o seu monopólio, conferido pela propriedade privada da
terra, vigente na sociedade capitalista, a quem a possui. Isso se deve ao fato de que a terra, na
condição de bem indispensável à produção de qualquer atividade, valoriza-se sem grandes
investimentos, propiciando, por meio de sua concentração, a geração de uma renda adicional
ao seu proprietário. Assim declara a autora:
a terra é, também, uma espécie de capital, que está sempre se valorizando. [...] A valorização do capital dinheiro aplicado em terra está relacionada à ‘valorização’ do capital em geral. A terra é um equivalente de capital, porque se ‘valoriza’ sem trabalho, sem uso. Para produzir renda o ter e o usar não estão juntos. Pauta-se nas regras de valorização do jogo capitalista, que se fundamenta na propriedade privada. Mas é uma falsa mercadoria e um falso capital. É um valor que se valoriza pela monopolização do acesso a um bem necessário à sobrevivência e tornado escasso e caro pela propriedade.35
33 Ibid., p. 78. 34 CARLOS, A. F. A. A cidade. op. cit. p. 48. 35 RODRIGUES, op. cit. p. 17.
27
Vale ressaltar que esta concentração da propriedade fundiária é significativamente
danosa do ponto de vista social nos países ditos subdesenvolvidos, como o Brasil. Sobre este
fato, Spósito36 esclarece que tal concentração também ocorre nos chamados países de
primeiro mundo. Diferentemente da nossa realidade, no entanto, naqueles países o poder de
compra da população é satisfatório, o que lhe permite, sem maiores problemas, pagar aluguéis
e mesmo mudar-se de cidade, quando necessário.
Em síntese, pode-se afirmar, novamente em convergência com Villaça37, que o preço
da terra apresenta dois componentes principais: um decorrente do seu preço de produção
social e um outro derivado do monopólio de sua propriedade. A evolução dos preços da terra
mantém, no entanto, uma inter-relação com as condições de reprodução do espaço na cidade,
as quais são decorrentes, segundo Carlos,
da produção das condições gerais da reprodução do sistema e dos custos gerados pela aglomeração, pelo grau de crescimento demográfico, pela utilização do solo, pelas políticas de zoneamento ou de reserva territorial e pelas modificações do poder aquisitivo dos habitantes.38
Todavia, é muito importante destacar que essa reprodução geral do espaço urbano
possui um vínculo estreito com as práticas sociais das classes de alta renda. Na acepção de
Villaça, essas classes se constituem como o principal vetor que estrutura o espaço na cidade,
pois ao se instalarem num determinado setor dentro da mesma, atraem para próximo de si a
melhor infra-estrutura, uma ampla gama de serviços, bem como investimentos diversos, de
caráter privado e público.39 Isso acaba valorizando significativamente essas terras e, por
decorrência, influindo, de uma maneira ou de outra, no preço de todos os demais terrenos do
espaço urbano.
36 SPÓSITO, E. S. A vida nas cidades. 5. ed. São Paulo: Contexto, 2004. p. 25. 37 VILLAÇA, op. cit., p. 79. 38 CARLOS, A. F. A. A cidade. op. cit., p. 48. 39 VILLAÇA, op. cit., p. 318-320 passim.
28
É evidente que o preço que precisa ser pago para obtenção do direito à propriedade da
terra restringe o acesso a determinadas áreas e influi decisivamente em seu modo de ocupação
e uso. Tal processo, próprio do modo de produção capitalista, desencadeia e aprofunda na
cidade o surgimento de áreas fortemente segregadas socialmente, isto é, separa os indivíduos
economicamente, “reproduzindo no espaço, via tendência a ‘arranjos espaciais específicos’
(bairros de diferentes estratos ou classes sociais, ‘condomínios exclusivos’, favelas etc.) a
diferenciação social.”40 Esse processo de divisão social do espaço será objeto de uma análise
mais pormenorizada na seção a seguir.
2.3.2 A segregação urbana e o surgimento de áreas de uso e ocupação irregular
É impossível se falar em favelas ou em áreas de uso irregular da terra, sem abordar
antes o caráter díspar e segregado do espaço e da sociedade urbana e sua natureza, caráter esse
verificável, senão em todas, pelo menos numa extensa lista de cidades brasileiras, entre as
quais a cidade de Ponta Grossa - como se procurou demonstrar neste trabalho - está incluída.
Já se destacou que em seu processo de perpetuação, as sociedades, ao produzirem a
sua existência, produzem também o espaço. Em tal processo são construídos diferentes meios
de trabalho, como indústrias, lojas, vias de acesso, entre outros, os quais possibilitam a
realização tanto das atividades produtivas e não-produtivas, assim como a reprodução das
próprias atividades e das classes sociais. Na fixação das atividades produtivas e não-
produtivas e em sua continuidade, o espaço paulatinamente se diferencia, em decorrência da
natureza específica de cada atividade, aliada às qualidades locacionais daquele espaço.41
O’Neill nos explica que a fixação diferenciada das atividades no espaço é própria do
modo de produção capitalista, o qual “separa e isola as atividades e os indivíduos em funções
40 O’ NEILL, M. M. V. C. Segregação residencial: um estudo de caso. 1983, 182 f. Dissertação (Mestrado em Geografia) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1983. p. 34. 41 Ibid. p. 26-27.
29
específicas e os projeta no espaço dentro de uma certa racionalidade.” Sendo assim, “as
relações sociais, como os meios de trabalho, projetam-se e fixam-se no espaço fragmentando-
o e segregando-o.”42 Na verdade essa disparidade revela a maneira contraditória pela qual se
reproduz o espaço urbano, proveniente das diferenças socioeconômicas existentes entre os
distintos grupos sociais. “O uso diferenciado da cidade demonstra que esse espaço se constrói
e se reproduz de forma desigual e contraditória. A desigualdade espacial é produto da
desigualdade social.”43
Como afirma Santos44, por mais simples que seja a análise das características
referentes à distribuição da população no espaço urbano, conforme seus vários estratos, e à
distribuição dos serviços públicos, dos tipos de comércio, das amenidades e dos preços, há
uma relação bastante próxima entre a localização dos indivíduos e o seu nível social e de
renda. À primeira vista, essa posição ocupada pelo indivíduo dentro da escala social terá
efeito direto sobre o local que o mesmo ocupará no espaço urbano, à medida que o acesso à
terra urbana se dará conforme o maior ou menor poder aquisitivo e político do indivíduo, isto
é, conforme a sua possibilidade de transpor as barreiras impostas pela propriedade privada,
pagando pela terra para daí realizar a fixação das atividades. Na sociedade capitalista de
classes, todavia, é claro que há discrepâncias com relação a tal possibilidade de acesso à terra,
decorrentes sobretudo da distribuição desigual de renda no processo de produção geral da
sociedade. Com isso, surge e se intensifica na cidade o processo de segregação sócio-
espacial, com as classes sociais tendendo a se distribuir no espaço urbano em determinados
arranjos espaciais que consistem numa correspondência entre o nível social de renda e o preço
da terra ocupada.
Castells caracteriza a segregação urbana como sendo, em linhas gerais, “a tendência à
organização do espaço em zonas de forte homogeneidade social interna e com intensa 42 Ibid., p. 27. 43 CARLOS, A. F. A. A cidade. op. cit., p. 23. 44 SANTOS, M. O espaço do cidadão. op. cit., p. 83.
30
disparidade social entre elas, sendo esta disparidade compreendida não só em termos de
diferença, como também de hierarquia.”45
Para Villaça, a segregação é um processo engendrado no interior dos conflitos entre as
classes sociais da cidade, tendo como principal força motriz a “luta pela apropriação
diferenciada do produto ‘ponto’ ou localização, enquanto valor de uso do espaço produzido
ou construído.”46 Notadamente levam vantagem nessa luta os grupos de maior poder
econômico e político dentro do espaço urbano, os quais correspondem – salvo eventuais
exceções – às classes de alta renda. São esses segmentos sociais que, via de regra, desfrutam
das localizações mais privilegiadas, dotadas de melhor infra-estrutura e bens de consumo
coletivo, pois essas classes tanto podem pagar por tais bens, escolhendo as áreas da cidade
que mais lhe agradem, como também, e principalmente, atrair a instalação dessas melhorias
para os locais do espaço urbano nos quais elas se encontram, através da influência que tais
classes exercem sobre o mercado imobiliário e sobre o Estado.47
Inversamente, as demais classes que não podem de alguma forma pagar pelos meios
de consumo coletivo, ficam com as “sobras” do espaço urbano, ou seja, aquelas áreas
deixadas de lado pela população de alto poder aquisitivo. Quase sempre essas áreas
correspondem às localizações menos vantajosas no contexto geral da cidade, não por acaso,
com infra-estrutura precária ou inexistente e, na maioria das vezes, carentes de serviços
básicos como equipamentos de saúde e educação. O’Neill nos lembra, contudo, que tais áreas
segregadas apresentam-se em diferentes graus de segregação, diferenciando-se
conseqüentemente entre si.48 Assim, para alguns segmentos sociais, as opções de apropriação
de uma parcela do espaço se restringem a determinadas áreas periféricas, longe dos meios de 45 CASTELLS, op. cit., p. 250. 46 VILLAÇA, op. cit., p. 357. 47 Ibid., p. 320. Cabe acrescentar que, conforme CORRÊA, R. L. O espaço urbano. op. cit., p. 26-27, o Estado contribui para o desencadeamento da segregação das classes sociais e sua ratificação, na forma de determinados mecanismos que afetam os valores das diversas localizações, como a taxação diferenciada de imposto predial e territorial, que influem nos preços da terra e dos imóveis, além ainda da distribuição desigual dos investimentos públicos e suas conseqüências. 48 O’NEILL, op. cit., p. 39-40.
31
consumo e dos locais de emprego da classe trabalhadora, como os precários conjuntos
habitacionais criados pelo Estado para atender a demanda habitacional não-solvável. Àqueles
grupos sociais que sequer têm esta possibilidade, resta uma única alternativa de moradia: a
“invasão” de áreas desocupadas, como é o caso, por exemplo, das favelas.49
Em resumo, o que se quer dizer é que o espaço urbano capitalista se estrutura a partir
de relações sociais contraditórias, as quais estratificam a cidade conforme suas classes sociais,
por meio da apropriação desse espaço produzido socialmente – e tornado privado pelo
mecanismo jurídico da propriedade privada. Em tal processo, aos segmentos da população
com menor renda são negados quaisquer meios legais de acesso à terra urbana e à cidade. Na
passagem a seguir, Singer resume, em outras palavras, esse processo contraditório:
Em última análise, a cidade capitalista não tem lugar para os pobres. A propriedade privada do solo urbano faz com que a posse de uma renda monetária seja requisito indispensável à ocupação do espaço urbano. Mas o funcionamento normal da economia capitalista não assegura um mínimo de renda a todos. Antes, pelo contrário, este funcionamento tende a manter uma parte da força de trabalho em reserva, o que significa que uma parte correspondente da população não tem meios para pagar pelo direito de ocupar um pedaço do solo urbano. Esta parte da população acaba morando em lugares em que, por alguma razão, os direitos da propriedade privada não vigoram: áreas de propriedade pública, terrenos em inventário, glebas mantidas vazias com fins especulativos, etc., formando as famosas invasões, favelas, mocambos, etc... Quando os direitos da propriedade privada se fazem valer de novo, os moradores das áreas em questão são despejados, dramatizando a contradição entre a marginalidade econômica e a organização capitalista do uso do solo.50
Esta verdadeira “depressão social” que é a segregação sócio-espacial, se mantém e se
reforça ao longo da história em virtude da sua funcionalidade ao modo de produção
capitalista, afinal tal estruturação sócio-espacial viabiliza e reproduz a dominação social
exercida por parte das elites dirigentes no sistema. Na visão de Villaça, é por meio da
segregação que essas classes comandam “a apropriação diferenciada dos frutos, das vantagens
49 CARLOS, A. F. A. A cidade. op. cit., p. 48-49. 50 SINGER, op. cit., p. 33-34.
32
e dos recursos do espaço urbano.”51 Rodríguez e Arriagada52 assinalam que a segregação se
apresenta como um importante mecanismo na reprodução das desigualdades
socioeconômicas, à medida que restringe a esfera de interação dos diversos grupos sócio-
econômicos e assim danifica a vida comunitária, minando a capacidade de ação coletiva dos
mesmos. Corrêa complementa esclarecendo que, antes de qualquer coisa, a segregação
representa antes o contrário disso, isto é, viabiliza a reprodução da sociedade de classes e de
suas frações, surgindo assim, como um instrumento fundamental para a manutenção do status
quo:
A segregação assim redimensionada aparece com um duplo papel, o de ser um meio de manutenção dos privilégios por parte da classe dominante e o de um meio de controle social por esta mesma classe sobre os outros grupos sociais, especialmente a classe operária e o exército industrial de reserva. Este controle está diretamente vinculado à necessidade de se manter grupos sociais desempenhando papéis que lhe são destinados dentro da divisão social do trabalho, papéis que implicam em relações antagônicas de classe, papéis impostos pela classe dominante, não apenas no presente mas também no futuro, pois se torna necessário que se reproduzam as relações sociais de produção.53
É no contexto dessa segregação social empreendida no espaço urbano, “imposta”,
como diz O’Neill54, às classes de menor renda, que surge e cresce a maioria das áreas de uso e
ocupação irregular, áreas tais que, em geral, se apresentam como a alternativa mais simples -
senão a única - das classes de menor renda, perante a aguda seletividade ao acesso à terra,
vigente na cidade capitalista. Vale dizer, no entanto, que também há inúmeras irregularidades
no espaço produzido pelos outros estratos sociais, inclusive nas áreas “nobres” da cidade, tal
como constatado por Ferreira et al55, em investigação realizada sobre a cidade de Goiânia.
51 VILLAÇA, op. cit., p. 328. 52 RODRÍGUEZ, J.; ARRIAGADA, C. Segregación residencial en la ciudad latinoamericana. Eure, Santiago, v. 29, n. 89, p. 5-24, maio 2004. p. 6 e 19. 53 CORRÊA, R. L. O espaço urbano. op. cit., p. 64. 54 O’NEILL, op. cit., p. 35. 55 FERREIRA, D. F. et al. Impactos sócio-ambientais provocados pelas ocupações irregulares em áreas de interesse ambiental – Goiânia/GO. Disponível em <www.ucg.br/nupenge/pdf/0004.pdf> Acesso em 18 fev. 2005. p. 6. Esses autores lembram ainda que o próprio Estado, contraditoriamente “patrocina verdadeiros absurdos ao desrespeitar a legislação de forma flagrante, construindo de forma irregular ou mesmo cedendo áreas de interesse da comunidade para organizações diversas.”
33
Mas, comumente, são as classes menos favorecidas que mais têm sofrido física e
emocionalmente com os efeitos desse fenômeno.
No capítulo seguinte, examinar-se-á mais detalhadamente as características dessas
áreas irregulares – enfocando aquelas encontradas no espaço urbano ponta-grossense -, bem
como os processos e atores sociais envolvidos em sua constituição.
34
3 A EVOLUÇÃO DA IRREGULARIDADE DO USO E DA OCUPAÇÃO DA TERRA
URBANA
O processo de urbanização no Brasil tem apresentado, como uma de suas
características principais, a proliferação de processos informais de expansão urbana e de
ocupação da terra. Milhões de brasileiros só têm conseguido ter acesso à terra urbana, bem
como à moradia, por meio de mecanismos e processos irregulares diversos, o que acaba
ocasionando, muitas vezes, graves conseqüências socioeconômicas e ambientais.
A produção do espaço urbano se dá dentro das normas ditadas pelo jogo capitalista
que, segundo Fernandes, inclui mecanismos segregativos como mercados de terras centrados
na especulação imobiliária, além de “sistemas políticos clientelistas e regimes jurídicos
elitistas”56, mecanismos esses que têm cerceado o acesso formal à terra urbana,
principalmente para os mais pobres, e acelerando assim a ocupação e o uso irregular da terra
na cidade.
Tendo em vista tais considerações, o fenômeno do uso e da ocupação irregular da terra
na cidade reflete, de modos distintos e muitas vezes simultâneos, as necessidades e os
interesses de diferentes atores sociais produtores do espaço urbano. Algumas irregularidades
podem meramente representar a busca pela otimização do uso de uma área regularizada, como
em certas terras de uso agrícola situadas na cidade, onde se estende o cultivo para dentro das
faixas de proteção dos cursos d’água, estabelecidas por lei. Outras áreas irregulares expressam
também um outro tipo de obtenção de renda da terra por parte de determinados proprietários
fundiários, os quais loteiam e vendem a preços mais acessíveis, áreas sem a sua devida
regularização jurídica, terras essas, inclusive, que podem ser não edificáveis perante a
legislação vigente. Podem representar também a organização segregativa do espaço urbano
empreendida pelo Estado, em aliança com as classes dominantes, a qual se fundamenta 56 FERNANDES, E. Introdução. In: INSTITUTO PÓLIS. Regularização da terra e da moradia: o que é e como implementar. [São Paulo], 2002. p. 12.
35
essencialmente em mecanismos jurídicos e padrões urbanísticos que refletem os interesses
dessas classes. Mas também, além de simbolizar o injusto mecanismo de reprodução da
cidade e da vida urbana, baseado na segregação sócio-espacial e na apropriação diferenciada
dos meios de consumo urbanos, representa, ao mesmo tempo, a luta das classes sociais de
renda mais reduzida contra tal mecanismo, a luta para também se apropriar de uma parcela do
espaço urbano, a luta por um lugar na cidade.
Na seqüência do capítulo será melhor esclarecido o que são áreas de uso e ocupação
irregular, bem como a sua natureza e suas características gerais.
3.1 USO E OCUPAÇÃO IRREGULAR DA TERRA: DEFINIÇÃO E CAUSAS GERAIS DE
SUA EXPANSÃO
Já se destacou que, para o desempenho das mais diversas atividades dentro do espaço
urbano (e também fora dele, vale acrescentar), é necessário se apropriar de uma fração da
terra. E no bojo dessa apropriação para realização das atividades, seja de produção ou de
consumo, é que se caracteriza a sua ocupação e o seu tipo de uso. É evidente, no entanto, que
não são todas as áreas que podem ser ocupadas e/ou utilizadas de qualquer maneira. Há desde
locais que são restritos a determinados usos específicos, a outros que, perante a legislação,
sequer podem ser ocupados.
Todavia, perante o processo contraditório e excludente pelo qual a cidade é estruturada
no bojo do modo de produção capitalista, apoiando-se na propriedade privada, muitas pessoas
não têm possibilidades de adquirir um pedaço de terra legalmente no mercado imobiliário. Por
outro lado, há também vários locais onde, por razões diversas, são praticados usos que
confrontam a normatização do uso e da ocupação urbana, mesmo estando a terra devidamente
amparada, em certos casos, pela propriedade jurídica.
36
Com base nesse entendimento, pode-se considerar como áreas irregulares com relação
ao seu uso e/ou ocupação aquelas localidades que comportam determinadas atividades e
ocupações que infringem o uso determinado pela legislação urbana, além daquelas áreas
onde a ocupação não é respaldada por título de propriedade ou por qualquer outra forma
legal de cessão da terra urbana.
As causas da expansão dessas áreas irregulares se referem, de uma maneira geral, à
incapacidade estrutural, por parte de determinadas classes sociais, de pagar pela posse da
terra, assim como à incompatibilidade dos interesses dos diversos segmentos sociais, refletido
pelo conjunto jurídico e normativo urbano – elaborado também por, e para determinados
segmentos da sociedade, vale dizer, quase sempre as elites.
Oliveira e Chaves argumentam que uma parcela significativa das áreas de uso e
ocupação irregular da terra urbana, no Brasil, é desencadeada pelo crescente processo de
empobrecimento de parte da população, cujas causas principais são: o “padrão de acumulação
historicamente centrado no arrocho salarial; [o] desemprego e [a] precariedade das relações de
trabalho; [a] estrutura tributária regressiva; [o] redirecionamento do gasto público e [também]
os desníveis educacionais.” Com isso, ocorre uma queda generalizada na capacidade do poder
aquisitivo das famílias de comprar ou mesmo alugar imóveis.57
Analisando as irregularidades no plano residencial, Grostein58 argumenta que o seu
aumento se expressa tanto pela redução da oferta de loteamentos legalizados como também
pelo seu contraponto: a elevação da oferta de loteamentos ilegais. A produção de moradias
populares, no entanto, que poderia atenuar significativamente a evolução dessas
irregularidades, não encontra respaldo na economia capitalista. Como esclarece Corrêa59, isso
57 OLIVEIRA, N. B. de; CHAVES, T. S. Assentamentos de submoradias, segregação sócio-espacial e condições sócio-ambientais em Juiz de Fora, Minas Gerais – estudo de caso no Alto Santo Antônio. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE GEÓGRAFOS, 7, 2004, Goiânia. Anais... Goiânia, IESA/UFG/AGB, 2004. Disponível em: <http://www.igeo.uerj.br/VICBG-2004/Eixo1/e1%20398.htm>. Acesso em 12 jul. 2005. 58 GROSTEIN, M. D. Metrópole e expansão urbana: a persistência de processos “insustentáveis”. São Paulo em perspectiva, v. 15, n. 1, p. 13-19, jan./mar. 2001. p. 14. 59 CORRÊA, R. L. O espaço urbano. op. cit., p. 21.
37
ocorre porque não há interesse por parte do capital em produzir habitações para as classes
populares, em virtude, sobretudo, dos baixos níveis salariais das classes populares, o que,
segundo Castells, atrasaria sobremaneira a obtenção de lucros devido ao fato de ser bastante
longa a taxa de rotação do capital em tal produção.60 Por vezes, ocorre que o capital
imobiliário volta-se preferencialmente para produção à demanda solvável e, num segundo
momento, solicita a ajuda do poder público “no sentido de tornar solvável a produção de
residências para satisfazer a demanda não-solvável.”61
Frente a essas condições, a busca de outras alternativas à necessidade de moradia pela
classe trabalhadora, como afirma Gohn, configura-se como um fator necessário e
praticamente inevitável.
A análise histórica nos revela que a questão habitacional das camadas populares não tem sido resolvida no Brasil pelo simples jogo do mercado ou pelas políticas públicas. Trata-se de uma questão estrutural. O modelo de acumulação vigente não oferece alternativa ao trabalhador de arcar com os custos de aquisição ou locação de sua moradia. O próprio trabalhador sabe disso, e procura as soluções alternativas.62
Além disso, Fernandes esclarece que o próprio marco jurídico e urbanístico também
tem tido um papel fundamental na disseminação das irregularidades. Diz o autor que “a
ausência de leis urbanísticas — ou sua existência baseada em critérios técnicos irreais e sem
considerar os impactos socioeconômicos das normas urbanísticas e regras de construção”, tem
auxiliado a consolidação da segregação e da ilegalidade, “alimentando as desigualdades
provocadas pelo mercado imobiliário.” Existe também certa dificuldade para implementação
das leis vigentes, em parte decorrentes, na fala do mesmo autor, da “falta de informação e
60 Explica o referido autor que “a taxa de rotação do capital investido na construção é especialmente longa, devido à lentidão da fabricação, à carestia do produto a ser adquirido, que limita os compradores, e se faz com que se opte pela solução do aluguel, à extensão do prazo de obtenção de lucro.” CASTELLS, op. cit., p. 230. 61 CORRÊA, R. L. O espaço urbano. op. cit., p. 22. 62 GOHN, M. da G. Movimentos sociais e luta pela moradia. São Paulo: Loyola, 1991. p. 165.
38
educação jurídicas e ao difícil acesso ao Poder Judiciário para o reconhecimento dos
interesses sociais e ambientais”.63 Por fim, acrescenta ainda que
a definição doutrinária e a interpretação jurisprudencial dominantes dos direitos de propriedade, atuando de maneira individualista, sem preocupação com a função social da propriedade [se é que ela existe!], prevista na Constituição, têm resultado em um padrão essencialmente especulativo de crescimento urbano, que combina a segregação social, espacial e ambiental.64
Finalmente, a dinâmica da segregação é, como já se comentou, um dos fatores mais
importantes na evolução das irregularidades. As considerações de Fernandes65 nos indicam
que é notório que as irregularidades no uso e na ocupação da terra urbana são absolutamente
toleradas nas cidades, desde que estejam longe de áreas nobres, não “atrapalhando” a
dinâmica da valorização fundiária, e também fora das áreas mais visíveis, onde não possam
“denegrir” a imagem da cidade e da administração pública. Assim, nessa reprodução espacial
urbana sob a lógica das classes dominantes, as áreas irregulares, sobretudo as favelas, são
praticamente esquecidas pelo poder público (ou do capital). Villaça ressalta que comumente a
cidade “formal”, apanágio das classes mais favorecidas, passa a ser encarada como a
“verdadeira” cidade, devendo receber – e efetivamente recebendo – o maior volume de
investimentos e de melhorias por parte da administração pública. Contrariamente, a cidade
irregular passa a ser vista como uma “outra” cidade, a periferia, “por mais central que seja sua
localização”.66
Evidentemente há ainda outros fatores que auxiliam de uma maneira ou de outra o
surgimento e a consolidação de determinadas irregularidades no uso e na ocupação urbana.
Alguns desses fatores particulares serão comentados mais adiante, no item 3.5.
63 FERNANDES, op. cit., p. 13. 64 Ibid., p. 12-13. 65 Ibid., p. 13. 66 VILLAÇA, op. cit., p. 326.
39
3.2 USO E OCUPAÇÃO IRREGULAR E DANOS SÓCIO-AMBIENTAIS
Outra questão que merece ser abordada é aquela referente aos problemas ambientais
que certos modos irregulares de uso e ocupação da terra acarretam no espaço urbano. A
ocupação de margens de cursos d’água e fundos de vale por áreas residenciais, industriais e
agrícolas, que ocorre em larga escala em áreas urbanas bem drenadas como a de Ponta
Grossa, auxilia na geração de uma cadeia de impactos negativos, entre os quais se pode
mencionar, conforme Amorim e Cordeiro67, a remoção da vegetação ciliar e a conseqüente
perda de biodiversidade – a qual, freqüentemente, já é escassa nas cidades; a intensificação de
processos erosivos nas encostas, elevando o volume de sedimentos carreados para os cursos
d’água e aumentando o risco de escorregamentos das terras ocupadas. Com isso, há também o
aumento do escoamento superficial e o assoreamento do leito da drenagem, elevando as
possibilidades da ocorrência de inundações e enchentes. Essas, por sua vez, também podem
ocasionar sensíveis problemas à população ocupante, desde a proliferação de doenças como
leptospirose e verminoses diversas, como a destruição de moradias e bens dos moradores,
colocando inclusive a integridade física e mesmo a vida dos habitantes em risco.
Um outro sério problema comumente associado às irregularidades nas proximidades
da rede de drenagem é a poluição e contaminação das águas. Frente à precariedade sanitária
vigente em tais ocupações, tanto o esgoto quanto, em alguns casos, o lixo produzido no local,
são lançados diretamente nos cursos d’água, comprometendo a qualidade da água superficial e
também da subterrânea, podendo prejudicar o abastecimento da cidade.68
Tendo em vista a comum ocorrência desses danos, Grostein assinala que “A escala e a
freqüência com que estes fenômenos se multiplicam nas cidades revelam a relação estrutural
67 AMORIM, L. M. de; CORDEIRO, J. S. Impactos ambientais provocados pela ocupação antrópica de fundos de vale. Saneamento ambiental, [s. l.], n. 111, p. 40-46, jan./fev. 2005. p. 40. 68 BRASIL. Ministério das cidades. Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental. A questão da drenagem urbana no Brasil: elementos para formulação de uma política nacional de drenagem urbana. [Brasília], 2003. p. 4-6 passim.
40
entre os processos e padrões de expansão urbana da cidade informal e o agravamento dos
problemas socioambientais.”69
Embora esses impactos negativos sejam engendrados por distintas irregularidades e
praticadas por diferentes grupos sociais, Oliveira e Chaves observam que quem mais sofre
com esse processo é a população pobre assentada nas submoradias irregulares. Esclarecem os
autores que “Tanto essa parte da população tem menos acesso a serviços de infraestrutura
básica, como é a maior vítima, posto que as condições de renda e as políticas inadequadas não
permitem que a população tome atitudes defensivas.”70
3.3 PRINCIPAIS LOCALIZAÇÕES DAS IRREGULARIDADES
Até aqui viu-se que as formas irregulares de uso e ocupação da terra são cada vez mais
comuns na cidade, e que em tal processo, as classes e grupos sociais realizam, por motivos
distintos, a utilização de locais em que tais práticas acarretam problemas físicos e sociais aos
próprios ocupantes – e também a outras pessoas - e levam a sensíveis danos ao ambiente.
Neste item serão mostrados quais são esses lugares em que as irregularidades ocorrem,
priorizando as localidades características do espaço urbano ponta-grossense.
São vários os locais que comumente são utilizados irregularmente na cidade, mas de
um modo geral, tais irregularidades localizam-se principalmente nas áreas rejeitadas pelo
mercado imobiliário, que são normalmente aquelas atreladas a fortes restrições legais de uso,
como áreas de proteção permanente, cuja ocupação acarreta danos ambientais, e ainda locais
cuja ocupação torna-se de alto risco à integridade física.
69 GROSTEIN, op. cit., p. 16. 70 OLIVEIRA; CHAVES, op. cit.
41
Pode-se dizer que a maior parcela das irregularidades é identificada nas áreas com
finalidades residenciais, podendo ser regulamentadas ou não pela propriedade da terra. Os
locais mais ocupados irregularmente para a constituição de áreas residenciais são:
− Faixas de drenagem: são as áreas lindeiras aos cursos d’água, que devem ser
destinadas à preservação permanente da vegetação ciliar. Em geral a extensão lateral
da faixa varia de acordo com a lei adotada e com as características da drenagem.
Normalmente essas áreas apresentam vastas extensões de irregularidades. No caso de
“invasões”, isso se deve ao fato desses locais representarem aparentemente um menor
risco à segurança do ocupante e também pelo fato dessas áreas geralmente estarem
sob a tutela do Estado, órgão que representa aos ocupantes uma ameaça de expulsão
bem menor do que um proprietário particular. Há ainda irregularidades praticadas por
outros usos da terra, como indústrias, chácaras, etc., quando há cursos d’água nas
áreas ocupadas por tais usos;
− Terrenos com declividade acentuada: devido a riscos de escorregamentos de terras,
esses locais legalmente também são destinados à preservação permanente, com o fim
de manter a estabilidade da encosta;
− Faixas de domínio: são faixas de segurança, localizadas nas proximidades de
determinadas construções, como linhas de alta tensão elétrica, estradas de ferro e
rodovias, gasodutos, etc.;
− Áreas loteadas: é muito comum a existência de áreas loteadas em condições de
irregularidade, em sua totalidade ou em parte. Como será mostrado adiante, não é
difícil encontrar nas cidades áreas loteadas nas quais não há a posse jurídica
regulamentada dos terrenos, em função de irregularidades no processo de loteamento
ou pelo aglomerado estar assentado em algumas das áreas non aedificandi
mencionadas acima;
42
− Áreas destinadas à construção de obras públicas: são áreas internas aos loteamentos,
deixadas livres pelos loteadores para a construção, pelo poder público, de serviços e
equipamentos de uso coletivo (escolas, postos de saúde, praças, etc), áreas de lazer,
entre outras, mas que, antes disso, são ocupadas, principalmente, pelas classes de
menor renda para fins de moradia;
− Terrenos particulares ociosos: são normalmente glebas ainda não parceladas,
localizadas no interior ou na periferia do tecido urbano contínuo, que oferecem plenas
condições para comportar usos urbanos, e que são “invadidas” por outras famílias,
normalmente para uso residencial. Essa ocupação ocorre e se consolida, em geral, em
locais cujo proprietário da terra, por razões diversas - tais como dívidas tributárias, ou
mesmo interesse posterior na ocupação da área - não intervém no sentido de expulsar
os ocupantes.
3.4 O MARCO JURÍDICO
Considerando os locais acima citados como aqueles onde as irregularidades mais
ocorrem (em Ponta Grossa e em várias outras cidades), abordaremos neste item o arcabouço
jurídico aplicado às mesmas, cujas leis e normas forneceram os parâmetros para a realização
do mapeamento das irregularidades fundiárias utilizando geoprocessamento, que será
mostrado adiante.
3.4.1 Legislação referente ao parcelamento da terra urbana
Pode-se considerar que um dos mais importantes instrumentos jurídicos
normatizadores do parcelamento da terra para fins de urbanização, é a Lei federal n°
43
6.766/197971, também conhecida como “Lei Lehman”. Esta lei institui determinações
importantes para o assunto em análise, como a restrição do parcelamento e da ocupação de
terrenos nas proximidades de estradas de ferro. Entre outros requisitos, a lei estabelece que os
loteamentos deverão estar situados a uma distância máxima de 15 metros das vias férreas (art.
4°, inciso III).72
Essa lei regula ainda a ocupação com relação ao padrão de declividade do terreno,
enunciando, no seu art. 3°, que:
[...] Não será permitido o parcelamento do solo: [...] III - em terreno com declividade igual ou superior a 30% (trinta por cento), salvo se atendidas exigências específicas das autoridades competentes.
3.4.2 Legislação de proteção da rede de drenagem
São vários os instrumentos jurídicos que normatizam o uso e a ocupação dos fundos de
vales e áreas próximas dos mesmos. No caso de Ponta Grossa, o principal desses instrumentos
é a Lei municipal n° 4.842/199273, que é empregada pelo município para o estabelecimento
das chamadas faixas de drenagem, as quais são descritas no art. 2°, inciso I, como sendo “as
faixas de terreno que compreendem os cursos d’água, córregos ou depressões naturais
responsáveis pelo escoamento de águas pluviais das bacias hidrográficas”. A grande diferença
dessa lei para o chamado Código Florestal (Lei federal n° 4.771/196574), no que diz respeito à
proteção de áreas de drenagem, é que a lei municipal define a extensão das faixas de acordo
71 BRASIL. Lei n° 6.766, de 19 de dezembro de 1979. Dispõe sobre o parcelamento do solo urbano e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L6766.htm> Acesso em: 18 jul. 2005. 72 A redação atual do inciso é dada pela lei complementar federal n° 10.932/2004. Ver BRASIL. Lei no 10.932, de 03 de agosto de 2004. Altera o art. 4o da Lei no 6.766, de 19 de dezembro de 1979, que "dispõe sobre o parcelamento do solo urbano e dá outras providências". Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2004/Lei/L10.932.htm#art3>. Acesso em 18 jul. 2005. 73 PONTA GROSSA. Lei n° 4.842, de 29 de dezembro de 1992. Dispõe sobre a criação dos Setores Especiais de Preservação de Fundos de Vale e dá outras providências. Disponível em: <www.pg.pr.gov.br/legislacao/plano_diretor>. Acesso em 18 mar. 2005. 74 Ver BRASIL. Lei n° 4.771, de 15 de setembro de 1965. Institui o novo código florestal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L4771.htm>. Acesso em 11 jul. 2005.
44
com a bacia hidrográfica para a qual contribui o curso d’água. O valor da faixa, assim, é
variável de acordo com o tamanho de sua bacia (arts. 3° e 4°), conforme mostra a tabela 1.
Tabela 1 - Áreas de bacias hidrográficas e faixas não edificáveis correspondentes, conforme a lei municipal n° 4.842/1992
Área da bacia hidrográfica (ha) Faixa não edificável para cada lado (m)
De 0 a 25 6 De 25 a 50 8 De 50 a 75 10 De 75 a 100 15
De 100 a 200 20 De 200 a 350 25 De 350 a 500 30 De 500 a 700 35
De 700 a 1.000 40 De 1.000 a 1.300 50 De 1.300 a 1.500 60 De 1.500 a 1.700 70 De 1.700 a 2.000 80 De 2.000 a 5.000 100
Mais de 5.000
Variável conforme especificações de órgão competente
Fonte:
PONTA GROSSA (2005).
No entanto, essas determinações da lei em análise, geram dificuldades de
interpretação, principalmente no que diz respeito à correta delimitação da bacia hidrográfica.
Diferentes profissionais divergem nesse aspecto, sobretudo com relação à área e à hierarquia
fluvial - no sentido de se decidir em que condições um determinado sistema de drenagem
pode ser individualizado como uma bacia. Na verdade, mesmo no meio científico, ainda não
se chegou a um consenso sobre o que é uma bacia hidrográfica.75 Evidentemente esse fato
influirá diretamente no tamanho de faixa utilizada e na quantificação das terras em condição 75 Um dos principais trabalhos que abordam a discussão sobre o conceito de bacia hidrográfica é o de BOTELHO, R. G. M. Planejamento ambiental em microbacia hidrográfica. In: GUERRA, A. J. T.; SILVA, A. S. da; ______. (Orgs.). Erosão e conservação dos solos: conceitos, temas e aplicações. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999. p. 269-300. Esta autora nos fornece algumas contribuições importantes para a questão, em sua discussão sobre o conceito de microbacia hidrográfica – que corresponde, grosso modo, àquilo que é enunciado como bacia hidrográfica na lei em discussão. Para esta autora, historicamente o conceito de bacia (ou microbacia) hidrográfica tem mantido uma relação intrínseca com os projetos de planejamento e conservação ambiental. Desse modo, em sua opinião, caberia considera-la, antes de mais nada, como “uma área, cuja extensão é função da análise de alguns elementos que estarão envolvidos na pesquisa, como técnicas, recursos materiais, equipe de trabalho e tempo disponível.” (p. 273) Dizendo em outros termos, para a autora citada, não existem critérios objetivos e absolutos para a definição de bacia/microbacia hidrográfica, sendo mais prudente delimita-la conforme o trabalho que será realizado na/sobre a mesma.
45
de irregularidade de uso e ocupação. Frente a essas indecisões, muitas vezes a delimitação
acaba sendo feita pelos órgãos do poder público, de modo a priori e sem nenhuma
padronização.
Outro problema dessa normatização é que, da forma que está enunciada, apesar de
estabelecer faixas largas para as bacias maiores, ela pode, paradoxalmente, ser menos
restritiva que as determinações previstas no art. 2° do Código Florestal76, em certos casos,
mais precisamente nas bacias hidrográficas com área inferior a 350 hectares.
Esta confrontação legal foi minimizada em Ponta Grossa a partir de 1999, quando a
antiga Secretaria Municipal de Turismo e Meio Ambiente solicitou ao Instituto Brasileiro de
Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), um parecer normativo – o Parecer
n° 06/199977 - sobre quais valores efetivamente deveriam ser adotados para a delimitação das
faixas de preservação permanente. Tal parecer ratificou a supremacia da legislação federal
sobre a municipal, tornando “híbrida” a legislação de proteção da rede de drenagem ponta-
grossense. As determinações menos restritivas da Lei municipal n° 4.842/1992 foram
desconsideradas, passando a valer, a partir da expedição do referido parecer, a largura de faixa
marginal estabelecida pela Lei federal n° 4.771/1965 (30 metros), para os cursos d’água
pertencentes a bacias hidrográficas menores que 350 hectares. Por sua vez, naquelas bacias
com área igual ou superior a 350 hectares, os valores de faixas de drenagem estabelecidos
pela lei municipal, continuaram valendo.
76 Esse artigo foi reeditado pela Lei federal n° 7.803/1989. Ver BRASIL. Lei n° 7.803, de 18 de julho de 1989. Altera a redação da Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965, e revoga as Leis nºs 6.535, de 15 de junho de 1978, e 7.511, de 7 de julho de 1986. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L7803.htm#art2>. Acesso em 11 jul. 2005. 77 BRASIL. Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA). Dá parecer favorável à supremacia das normas estabelecidas pelo Código Florestal sobre a competência municipal para legislar sobre assuntos de interesse local. Parecer normativo n° 06, de 23 de fevereiro de 1999. Relator: Salvador Oliva Neto. Documento de circulação interna da Secretaria Municipal de Agricultura, Abastecimento e Meio Ambiente, da Prefeitura Municipal de Ponta Grossa.
46
3.4.3 Normatização da ocupação nas proximidades de linhas de transmissão elétrica
É bastante comum a ocorrência de ocupações irregulares, quase em sua totalidade por
favelas, em terras não edificáveis sob ou nas proximidades de linhas de transmissão de
energia elétrica (redes de alta tensão) que atravessam a área urbana. No entanto, não há uma
lei específica que restrinja e que limite a distância mínima para a ocupação e edificação de
locais adjacentes às redes.
Na verdade o mecanismo jurídico que regula essa ocupação é uma norma técnica para
instalação de redes de distribuição rural de energia elétrica, a chamada NTC 831.001, da
companhia de energia elétrica estadual. Segundo esta norma, diferentemente das
determinações legais para as outras irregularidades, não há uma largura fixa para as faixas não
edificáveis em torno das linhas de transmissão. Essa largura varia de acordo com o tipo de
rede elétrica (uma ou mais), do balanço das redes pelo vento, de determinados efeitos
elétricos e do posicionamento de equipamentos das mesmas, mais precisamente de suportes e
de estais.78
3.5 TIPOS DE USO E OCUPAÇÃO IRREGULAR E PRÁTICAS SOCIAIS ASSOCIADAS
A maior parte das irregularidades de ocupação e uso da terra está associada às áreas
residenciais da cidade, constituindo-se, além das próprias moradias, em estabelecimentos
diversos - como equipamentos de uso coletivo e estabelecimentos comerciais e de prestação
de serviços, por exemplo -, lotes desocupados etc., que aparecem junto com as residências,
numa localidade irregular. Essas irregularidades aparecem, nas cidades, distribuídas na forma
de favelas, loteamentos ilegais e mesmo áreas legalizadas do ponto de vista da propriedade
jurídica fundiária. Entretanto, há também outras irregularidades em áreas periurbanas 78 COMPANHIA PARANAENSE DE ENERGIA. Norma técnica COPEL - NTC: projeto de redes de distribuição rural. 4. ed. [Curitiba], 2002, p. 30-31.
47
utilizadas pela indústria (além daquelas áreas industriais existentes dentro da malha urbana
contínua), bem como locais com uso agrícola, como em chácaras e mesmo fazendas situadas
em terras da área urbana.
Nesta seção abordaremos essas diferentes formas de irregularidade. A divisão e a
classificação feita a seguir levam em conta apenas as irregularidades constatadas no espaço
urbano de Ponta Grossa, de modo que há inúmeras outras irregularidades fundiárias urbanas
nas cidades brasileiras, além daquelas aqui enfocadas.
3.5.1 Loteamentos irregulares
Sob a ótica da organização legal da cidade, o parcelamento da terra é o instituto
jurídico por meio do qual se realiza a primeira e mais importante etapa de organização do
tecido urbano, que é a sua urbanização. É nessa etapa que o desenho urbano é definido,
constituído pelo traçado do sistema viário, localização das áreas de uso público, destinadas à
construção de praças e equipamentos coletivos, além da divisão dos lotes. Estes definem a
localização das edificações que serão construídas, observando as determinações fixadas pelo
plano diretor do município.79
Para Grazia e Leão Júnior80, um loteamento é, juntamente com o desmembramento,
uma das formas de parcelamento da terra urbana, mas que se diferencia desse último porque,
com o loteamento há a abertura de novos logradouros públicos e vias de circulação, ou ainda a
modificação, prolongamento ou ampliação das ruas já existentes. Conforme enuncia a lei
federal n° 6.766/1979, nos seus artigos 50, 51 e 52, a realização de loteamentos ou
desmembramento de glebas para fins de urbanização, em dissonância com as disposições
79 PINTO, V. C. Ocupação irregular do solo urbano: o papel da legislação federal. Disponível em <http://www.senado.gov.br/web/conleg/artigos/direito/OcupacaoIrregulardoSoloUrbano.pdf>. Acesso em 18 jul. 2005. p. 1. 80 GRAZIA, G. de; LEÃO JÚNIOR, P. S. M. Loteamentos clandestinos e irregulares. In: INSTITUTO PÓLIS, op. cit. p. 61.
48
legais ou sem autorização do órgão público competente, constitui crime contra a
administração pública, sendo que os “loteadores irregulares” estão sujeitos a penas de
suspensão dos pagamentos ainda em débito pelos compradores, multa e reclusão de até 5
anos.81 Mesmo assim, segundo Pinto82, parcela significativa do tecido urbano no país tem sido
elaborada mediante parcelamento irregular da terra urbana.
Ainda na acepção de Grazia e Leão Júnior, pode-se resumir estes modos informais de
parcelamento da terra em dois tipos principais: os loteamentos irregulares (num sentido mais
restrito do termo) e aqueles ditos clandestinos. Considera-se um loteamento irregular strictu
sensu quando o seu projeto foi aprovado pela prefeitura municipal, mas não foi devidamente
executado pelo loteador da gleba. Em geral, são aqueles loteamentos sem obras de infra-
estrutura. Também pode ocorrer que o responsável pelo loteamento tenha apenas submetido o
projeto para aprovação pelo poder público, sem cumprir as demais etapas necessárias ao
cumprimento da lei n° 6.766/1979.83 Há que se destacar, todavia, que nem sempre o
loteamento é realizado por um determinado indivíduo ou empresa do setor privado. Há muitos
casos onde o loteador irregular é o próprio Estado, em geral promovendo precários
loteamentos para abrigar populações recém emigradas ou removidas de áreas de risco. Estes
loteamentos irregulares estatais, comumente conhecidos como assentamentos, normalmente
são carentes de serviços e da infra-estrutura necessária e exigida na legislação referente ao
parcelamento da terra urbana.
Por sua vez, um loteamento é considerado clandestino quando não há um projeto
referente ao mesmo apresentado ou aprovado pela prefeitura.84 Como argumenta Pinto, esses
loteamentos podem ser efetuados tanto pelos proprietários da gleba original, como também
81 Façamos nossas, para a realidade aqui analisada, as palavras de RODRIGUES, op. cit., p. 27, as quais declaram que “Embora as cidades estejam coalhadas destes loteamentos [irregulares e clandestinos] e alguns desses loteadores sejam bastante conhecidos, desconhece-se, até o momento, loteadores clandestinos que estejam cumprindo pena de prisão.” 82 PINTO, loc. cit. 83 GRAZIA; LEÃO JÚNIOR, loc. cit. 84 Id.
49
por terceiros. Diz este autor que a irregularidade permite, nos dois casos, a apropriação de
uma maior renda da terra. Com a primeira prática busca-se sobretudo “escapar dos
procedimentos e ônus contidos nas leis federais, estaduais e municipais, tais como destinação
de áreas públicas e realização de obras de infra-estrutura.” Por outro lado, no segundo caso,
trata-se de uma grilagem de terras urbanas, onde determinados indivíduos e empresas vendem
a posse de terrenos alheios – do poder público ou de outras pessoas.85
O que estas duas formas de loteamento têm em comum é a irregularidade do ponto de
vista da propriedade jurídica da terra, que permanece em vigor depois que os lotes são
comercializados. Embora essas parcelas da terra urbana tenham geralmente preços mais
acessíveis, todo o ônus dessas formas de loteamento tem recaído sobre os
compradores/moradores de tais lotes. Mesmo quando são loteados pelo proprietário da gleba
original, os compradores de terrenos irregulares e clandestinos não detém a sua propriedade
legal, pois, como bem afirma Pinto, “a regularidade urbanística do empreendimento é sempre
uma condição para seu registro em cartório, momento em que são individualizados os lotes,
mediante abertura das respectivas matrículas”. Como conseqüência, “antes do registro, os
lotes ainda não existem juridicamente e portanto não constituem objeto suscetível de ser
alienado.”86 E evidentemente, estando a terra nessa condição, seus moradores não conseguem
a aprovação da planta de sua casa, que também passa a ser irregular e, desse modo, mesmo
tendo pago pelo direito de propriedade privada, “não podem ter a documentação da
propriedade legalizada – a escritura definitiva”.87
Tais loteamentos, predominantemente voltados às classes de menor renda, são, como a
maioria das áreas residenciais populares, desprovidos de infra-estrutura e equipamentos
urbanos. Com o tempo, face à pressão exercida pela população ocupante, tais loteamentos são
legalizados e recebem do Estado alguns serviços de infra-estrutura. Corrêa considera que 85 PINTO, op. cit., p. 2. 86 Id. 87 RODRIGUES, loc. cit.
50
essas melhorias empreendidas alteram a dinâmica dos preços da terra, valorizando as áreas
adjacentes, beneficiando inclusive os proprietários de áreas deixadas intencionalmente vazias
com fins especulativos.88
Nesse sentido, como destaca Rodrigues89, a oficialização dos loteamentos em condição
de irregularidade, ao mesmo tempo em que atende às reivindicações dos moradores,
beneficiando-os, permite, por outro lado, a obtenção por parte dos loteadores, de “maiores
rendas e lucros a esta forma ilegal de parcelamento da cidade.” Entretanto, os loteadores
“clandestinos” comumente se defendem ponderando o próprio caráter elitista da legislação,
argumentado que com o atendimento aos padrões legais exigidos - que implicam no
provimento de uma infra-estrutura mínima, bem como num fracionamento menor da gleba -
os lotes teriam preços elevados, sendo inacessíveis a uma ampla parcela da população.
Dentro do marco jurídico legal, cabe ao poder público municipal tomar providências
contra o aumento do número de loteamentos dessa natureza, mas esse mesmo poder público
local, contraditoriamente, age na maioria das vezes de forma “omissa”, sob pressão de
determinados segmentos da classe política, interessados em formar um eleitorado junto aos
ocupantes das terras.90
3.5.2 Favelas
Dentre as irregularidades de uso e ocupação da terra existentes nas mais diversas
cidades, este é o tipo que merece mais atenção. Em primeiro lugar, por ser um dos mais
comuns nas grandes e médias cidades do país – e em Ponta Grossa, como veremos, não é
diferente. E principalmente, por ser o tipo de irregularidade mais hostil aos ocupantes, tanto
pelos grandes riscos oferecidos à saúde e à integridade física dos moradores, como pelos
88 CORRÊA, R. L. O espaço urbano. op. cit., p. 19. 89 RODRIGUES, loc. cit. 90 PINTO, loc. cit.
51
estigmas sociais que seus habitantes corriqueiramente sofrem. Além disso, como já se
comentou, no âmbito da ocupação por favelas também são desencadeados vários danos ao
ambiente.
Antes de qualquer coisa, cabe dizer que a favela, diversamente da maior parte das
outras formas de constituição do tecido urbano, é uma forma de produção da cidade e da
habitação sem vínculo direto com o circuito imobiliário. No processo de constituição da
favela, como constata Rodrigues, “Está ausente a legitimidade jurídica da propriedade da
terra, a incorporação imobiliária, a indústria de edificação e por vezes até a indústria de
construção relativa aos insumos; mas produzem casas e cidades.”91
Embora não haja um consenso na literatura sobre a definição do que vem a ser uma
área favelada92, em linhas gerais pode-se defini-la, no nosso entender, pelas duas
características que mais aparecem nas várias definições existentes. Assim, a favela pode ser
concebida como uma área ocupada diretamente pela população, normalmente apresentando
precárias condições de moradia, e cuja ocupação não é respaldada pela propriedade jurídica
da terra urbana.
Notadamente, sua origem advém da necessidade, por parte das classes sociais de
menor renda, de solucionar a questão de como e de onde morar. São várias as condicionantes
que levam a sua formação e crescimento, dentre as quais estão fatores de caráter mais geral,
assim como fatores de natureza intra-urbana. Notadamente tais fatores exercem maior ou
menor influência conforme a região e as ações dos atores sociais existentes.
Rodrigues analisa que a favela resulta, entre outras coisas, da conjugação dos
seguintes fatores:
91 RODRIGUES, op. cit., p. 24, grifos do original. 92 Um debate em torno do conceito de favela é realizado em LÖWEN, C. L. Favelas: um aspecto da expansão urbana de Ponta Grossa – PR. 1990, 174 f. Dissertação (Mestrado em Organização do Espaço Urbano) - Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – Campus Rio Claro, Rio Claro, 1990. p. 3-10.
52
da expropriação dos pequenos proprietários rurais e da superexploração da força de trabalho no campo, que conduz a sucessivas migrações rural-urbana e também urbana-urbana, principalmente de pequenas e médias para as grandes cidades. É também produto do processo de empobrecimento da classe trabalhadora em seu conjunto [...]. Resultado também do preço da terra urbana e das edificações – mercadoria inacessível para a maior parte dos trabalhadores – a favela exprime a luta pela sobrevivência e pelo direito ao uso do solo urbano de uma parcela da classe trabalhadora.93
Outro fator fundamental, frisado por Giacomini, Hayashi e Pinheiro, é o já exposto
mecanismo da segregação sócio-espacial vigente no espaço urbano, sendo também a favela,
por essa via, produto “de uma situação onde o solo é cada vez mais determinado pelo seu
valor, e onde o controle do espaço urbano é exercido pela, ou em nome das camadas
dominantes.”94
Um dos principais fatores que diferenciam as áreas faveladas das demais formas de
ocupação da terra urbana é que as favelas são áreas ocupadas diretamente pela população. É
nesse sentido que Corrêa enfatiza ser, sobretudo, na construção da favela, que os grupos
sociais excluídos na cidade assumem efetivamente a condição de agentes modeladores do
espaço urbano, produzindo da maneira que podem o seu próprio espaço. Considera ainda o
autor, que
A produção deste espaço é, antes de mais nada, uma forma de resistência e, ao mesmo tempo, uma estratégia de sobrevivência. Resistência e sobrevivência às adversidades impostas aos grupos sociais recém expulsos do campo ou provenientes de áreas urbanas submetidas às operações de renovação, que lutam pelo direito à cidade.95
A construção da favela é feita, em geral, de forma gradativa e individual. Rodrigues96
descreve este processo, explicando que ele se desenvolve com a busca dos indivíduos que não
têm onde morar. Sem recursos suficientes para adquirir um terreno no mercado imobiliário, 93 RODRIGUES, op. cit., p. 40. 94 GIACOMINI, M. R.; HAYASHI, M.; PINHEIRO, S. de A. Trabalho social em favela: o método da condivisão. 3. ed. São Paulo: Cortez, 1987. p. 33. 95 CORRÊA, R. L. O espaço urbano. op. cit., p. 30. 96 RODRIGUES, op. cit., p. 43.
53
estes normalmente conversam com os moradores do local e ao encontrar uma parcela de terra
desocupada, constroem seu barraco com a ajuda de amigos e familiares. É comum também a
compra de barracos já prontos. A ocupação e construção da favela podem ocorrer também de
maneira conjunta, quando determinado número de famílias se organiza e em bloco procuram
um local para se instalar. A ocupação da área é realizada num mesmo momento por todo o
grupo e a construção das casas é realizada em mutirões.
É devido à natureza de sua ocupação que, de acordo com Santos, as favelas são, “Por
definição, [...] um habitat clandestino”.97 Essas formas de ocupação da terra urbana são
construídas, quase sempre, em terrenos pouco valorizados e inadequados para a construção.
Normalmente são terras pertencentes ao poder público, como áreas deixadas livres para a
construção de equipamentos de uso público, e principalmente as non aedificandi, tal como
terrenos alagadiços e acidentados, margens de cursos d’água, áreas verdes, entre outras.
Evidentemente a ocupação desses lugares traz vários transtornos, comprometendo a qualidade
de vida dos ocupantes. Em primeiro lugar, porque muitos desses locais – sobretudo os últimos
– são os locais mais insalubres e inseguros, fato que, para Rodrigues, “também explica porque
as favelas ocupam as ‘piores’ terras, as que apresentam maiores problemas de enchentes, de
desabamentos, e que deixam seus moradores expostos ao risco de perder seu barraco, quando
não a sua vida.”98
Giacomini, Hayashi e Pinheiro destacam ainda a insegurança do habitante da favela,
esta sendo entendida além do plano da integridade física, mas também no sentido de
insegurança psicológica, reflexo principalmente do preconceito enfrentado dia após dia,
enfim, de um ambiente social que frustra e maltrata o indivíduo.99
97 SANTOS, M. Manual de geografia urbana. Tradução de Antônia Dea Erdens e Maria Auxiliadora da Silva. São Paulo: HUCITEC, 1981. p. 179. 98 RODRIGUES, op. cit. p. 39. 99 “Para o homem, o fator moradia é essencial na sua vida para que se realize plenamente enquanto pessoa.” Nesse sentido, na favela “Certamente a insegurança é um fator redutivo dos mais marcantes. A insegurança da própria construção física, muitas vezes localizada perto de córregos [...] nem sempre tem estrutura capaz de resistir às intempéries. A insegurança também é presente para ele enquanto trabalhador que vai sentindo na pele
54
Apesar de tudo, para muitas famílias a favela se apresenta como a única possibilidade
de sobrevivência na cidade, via acesso à terra e a pelo menos parte dos meios de consumo
produzidos pelo urbano. Löwen aponta que “A invasão de uma área já representa uma
economia nos gastos com a aquisição da terra urbana e com os impostos conseqüentes”, e
também a realização da construção pelo próprio favelado pode reduzir as despesas com a
habitação ainda mais.100 Além disso, embora insegura e insalubre, a localização da favela
pode também trazer vantagens de ordem econômica para seus moradores, fato que
dificilmente ocorre, por exemplo, com os loteamentos ilegais. Cabe destacar que estes, via de
regra, localizam-se na periferia da cidade, muitas vezes separados do tecido urbano contínuo
por glebas de terras ainda não loteadas, à espera de valorização, ocorrendo isolados de
serviços e infra-estrutura. Em contrapartida, as áreas de favelas estão dentro da malha urbana,
podendo se aproveitar, entre outras coisas, de um transporte de melhor qualidade e “de um
mercado de trabalho mais amplo, com maior variedade de demanda de serviços que a
periferia”101, principalmente, como ressalta Villaça102, via subemprego, que é o que viabiliza a
sobrevivência de muitas famílias faveladas.
No que concerne aos aspectos urbanísticos, a favela comumente se caracteriza,
segundo Löwen103, por traçados e padrões que fogem às normas convencionais, muitas vezes
contrastando com as áreas vizinhas. As vias internas são normalmente estreitas, delineadas
pela circulação de pedestres e suas dimensões dificilmente permitem o tráfego de veículos.104
Há uma elevada densidade de construções, as quais aparecem dispostas “ao acaso” visando
aproveitar ao máximo o espaço disponível, não havendo assim uma clara delimitação de lotes.
Entretanto, tais padrões não se constituem em regra. Há certas favelas, notadamente as mais
o peso das discriminações de pessoas que vivem em melhores condições de habitação. E eis que ele passa a negar a sua própria casa, o seu próprio chão.” GIACOMINI; HAYASHI; PINHEIRO, op. cit., p. 26-27. 100 LÖWEN, op. cit., p. 12. 101 Ibid., p. 9. 102 VILLAÇA, op. cit., p. 225. 103 LÖWEN, op. cit., p. 10. 104 Ibid., p. 20.
55
antigas, que apresentam uma maior organização urbanística, com “lotes” e vias mais largas, e
também com habitações de melhor qualidade. Geralmente estas são as favelas onde a
ocupação já se consolidou, os moradores, com menor receio de expulsão das terras, efetuaram
algumas melhorias nas moradias e mesmo o Estado pode ter implementado uma certa infra-
estrutura.
Internamente, as favelas, principalmente aquelas já “consolidadas”, também podem
apresentar uma diversificação de usos da terra além dos residenciais, como pequenos locais de
prestação de comércio, serviços e uso misto, com vias a abastecer a própria população. Mas
também é mais comum do que se possa imaginar, mesmo nessas áreas onde a propriedade da
terra não impera, o paradoxal (des)uso dos barracos com fins de obtenção de renda, via
monopólio de sua propriedade. Ou seja, mesmo na favela, há barracos que não são utilizados
por seus donos para o fim de moradia de sua família, mas sim como meio de obtenção de
renda adicional, por meio do aluguel. E como lembra muito bem Spósito, “Quando sabemos
que há pagamento de aluguel até nas favelas, podemos imaginar o grau de exploração entre os
próprios ‘despossuídos’, porque reproduzem, de maneira bem clara, as contradições do
sistema capitalista.”105
3.5.3 Usos rurais irregulares da terra urbana
Há diversos municípios brasileiros onde sua área urbana não é exclusivamente urbana,
mas é também rural, por mais paradoxal que isso possa parecer. Em outras palavras, o
perímetro urbano oficial, definido pelo poder público municipal tendo em vista interesses
diversos, não corresponde plenamente ao espaço urbano propriamente dito. Carlos106 nos
lembra que é comum o poder público local decretar como perímetro urbano áreas que
105 SPÓSITO, op. cit., p. 61. 106 CARLOS, A. F. A. O espaço urbano... op. cit., p. 133.
56
abrangem, por exemplo, plantações e pastagens. A partir das considerações tecidas por
Corrêa107 no tocante às práticas dos proprietários de terras do espaço urbano e periurbano,
esse fato pode ser em parte explicado pelo comum interesse que esses proprietários têm,
segundo o autor, de realizar a conversão da terra de rural para urbana, visando a sua
incorporação ao tecido citadino e conseqüentemente, a obtenção de uma renda fundiária mais
elevada. Para isso, agem junto ao legislativo municipal buscando intervir na definição do
perímetro urbano, ampliando-o até as suas terras. Cabe ainda complementar que essa
expansão perimetral urbana também traz benefícios ao próprio poder público municipal, à
medida que possibilita um aumento da arrecadação com o imposto predial e territorial.
Todavia, enquanto essa agregação não ocorre, os proprietários dessas terras periféricas
utilizam-nas predominantemente para determinadas atividades do tipo agropecuário.
Mas mesmo dentro do espaço urbano dito contínuo, verifica-se comumente a presença
de amplas áreas onde ocorre a produção agrícola em pequena escala, como em sítios e
chácaras, que visam normalmente o abastecimento local ou a própria subsistência. Pode-se
encontrar inclusive algumas plantações em glebas vazias e lotes desocupados, realizados pela
população que reside nas proximidades dessas áreas, para o próprio consumo (hortas).
Todavia, em alguns casos, esses tipos de uso da terra também se caracterizam como
irregulares quando avançam sobre faixas marginais dos cursos d’água - áreas que, como já
dito, são destinadas à preservação permanente de sua vegetação – e também para dentro da
área de domínio das linhas férreas. Veremos que na cidade de Ponta Grossa, esse tipo de
irregularidade é um dos mais presentes.
107 CORRÊA, R. L. O espaço urbano. op. cit., p. 16-17.
57
3.5.4 Ocupações regulares em desacordo com leis específicas
É comum em algumas cidades brasileiras, como é o caso de Ponta Grossa, a presença
de determinadas ocupações que contraditoriamente, embora sejam amparadas plenamente
pela propriedade jurídica fundiária, confrontam determinadas leis e normas que regulam a
ocupação e o uso da terra urbana. Um exemplo são os amplos terrenos das áreas industriais
das cidades, comumente cortados por elementos de rede de drenagem, nos quais não é
respeitado o limite das faixas marginais de proteção dos cursos d’água. As causas dessa
irregularidade podem estar associadas à própria negligência dos praticantes do uso irregular
com relação às determinações legais, bem como do próprio poder público para com esse fato.
Um outro caso típico é o de áreas residenciais que estão assentadas sobre locais que,
de acordo com a legislação ambiental em vigor, seriam destinadas à preservação permanente,
mas que não podem ser enquadradas como loteamentos irregulares, favelas ou qualquer outra
categoria de irregularidade, porque estão juridicamente regulamentadas pela propriedade da
terra. Esse desacordo pode ocorrer por diferentes razões, mas que mantém uma relação entre
si. Em primeiro lugar, nas áreas habitacionais, certas ocupações podem consistir em antigas
áreas em situação fundiária irregular, como loteamentos ilegais ou mesmo favelas, localizadas
principalmente em áreas de preservação ambiental – como em fundos de vale e encostas com
acentuada declividade -, mas que num momento posterior tiveram suas terras regularizadas
por algum mecanismo jurídico, como a “concessão especial de uso para fins de moradia” ou
as “zonas especiais de interesse social”, por exemplo.108
A diversidade de interesses políticos em jogo também constitui um importante fator a
ser considerado na análise desse tipo de irregularidade. É bastante comum tanto a “concessão 108 Sobre as características de tais instrumentos jurídicos e sua aplicação pelo poder público municipal, ver, entre outros, COSTA, F. C. V. da et al. Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS). In: INSTITUTO PÓLIS, op. cit., p. 92-96; ALFONSIN, B. de M. Concessão Especial de Uso para fins de Moradia. In: INSTITUTO PÓLIS, ibid., p. 98-106; BRASIL. Ministério das Cidades. Plano diretor e regularização fundiária. In: ______. Plano diretor participativo: guia para a elaboração pelos municípios e cidadãos. [Brasília]: CONFEA/Ministério das Cidades, 2004. p. 79-85.
58
irregular” do uso de terras – concessão essa que é, na verdade, uma permissão ou indicação do
agente político, baseado no poder que o mesmo possui na esfera política da cidade - como
também a sua posterior regularização. Ambas as práticas são realizadas sem observância a
quaisquer mecanismos jurídicos ou parâmetros urbanísticos e tem fins, sobretudo, de fornecer
ou elevar o prestígio do agente político junto às classes populares “beneficiadas”. Como
veremos adiante, a própria cidade de Ponta Grossa fornece alguns bons exemplos dessas
práticas.
59
4 URBANIZAÇÃO E EVOLUÇÃO DAS IRREGULARIDADES DE OCUPAÇÃO E
USO DA TERRA EM PONTA GROSSA: BREVE HISTÓRICO
A emergência das irregularidades de uso e ocupação da terra urbana em Ponta Grossa
guarda uma relação bastante próxima com o seu processo de urbanização. Neste capítulo será
realizado um resgate histórico da dinâmica da reprodução do espaço urbano ponta-grossense à
luz daquele processo, que vigorou durante praticamente todo o século XX.
4.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA E PRINCIPAIS CONDICIONANTES DA URBANIZAÇÃO
PONTA-GROSSENSE
O início do povoamento de Ponta Grossa remonta ao princípio do século XVIII,
quando o governo de Portugal fez a doação de sesmarias na região dos Campos Gerais –
terras estas localizadas, mais precisamente, entre os rios Itararé (ao norte) e Iguaçu (ao sul)109
-, a comerciantes interessados em utilizá-las para a criação de gado.110 Todavia, a ocupação da
região se intensificou no final daquele século, motivada por sua integração econômica ao
movimento do tropeirismo. Conforme aponta Lavalle111, o clima temperado e a vegetação
típica do local, composta por gramíneas, permitiram a fixação da atividade criatória na região,
e ainda a sua localização ao longo da rota das tropas, proporcionava boas condições para o
incremento do comércio entre compradores e criadores de gado. Com isso, Ponta Grossa foi
paulatinamente se transformando num centro polarizador de população, passando a atrair
tanto pessoas que buscavam realizar investimentos de capital em propriedades, como
populações sem recursos, que para aí se deslocavam à procura de emprego.
109 DITZEL, C. de H. M.; CHAVES, N. B. História da cidade. Disponível em: <http://www.pontagrossa.pr.gov.br>. Acesso em: 27 jun. 2005. 110 SCHEFFER, op. cit., p. 37. 111 LAVALLE, 1974 apud LÖWEN, op. cit., p. 35.
60
Ao longo do século XIX o povoado foi crescendo e a economia local se
desenvolvendo. Segundo Gonçalves e Pinto, tal dinâmica provocou sensíveis mudanças na
estrutura social e no perfil da economia local, verificando-se, sobretudo a partir de 1850, a
concentração de antigos proprietários de terras no espaço urbano, buscando ali o
desenvolvimento de novas atividades, tais como estabelecimentos industriais e casas de
comércio. Essas alterações sócio-econômicas ocorridas em Ponta Grossa estabeleceram a base
para a concentração da população no espaço urbano, em oposição às dispersões ocorridas nas
áreas rurais. Como constataram as autoras acima citadas, na segunda metade do século XIX,
“A economia gerada pela erva-mate, madeira, gado e outros produtos comercializados,
juntamente com a presença de migrantes nacionais e estrangeiros, aceleram o
desenvolvimento urbano.” 112
A urbanização de Ponta Grossa se intensifica ainda mais a partir na década de 1890,
com a instalação do transporte ferroviário no espaço urbano local. A extensão da ferrovia do
Paraná até Ponta Grossa, ocorrida em 1894, e a construção, dois anos mais tarde, da estrada
de ferro São Paulo-Rio Grande, conferiram à cidade a posição de importante entroncamento
ferroviário do sul do país, e acarretaram novas alterações na sua estrutura econômica.113 Essas
ferrovias ajudaram a aquecer a economia local, haja vista que possibilitou a ampliação das
possibilidades de comércio dos produtos.114 De acordo com Ditzel e Chaves115, nessa época
ocorre na cidade a instalação de diversas olarias, engenhos de erva-mate, de beneficiamento
de madeira e de couro.
Nessas condições, Ponta Grossa continua a atrair constantes fluxos populacionais para
a sua área urbana, de modo que já no princípio do século XX, o município apresentava a
112 GONÇALVES, M. A. C.; PINTO, E. A. Ponta Grossa: um século de vida. Ponta Grossa: UEPG, 1983. p. 31. 113 SCHEFFER, op. cit., p. 40. 114 GONÇALVES; PINTO, op. cit., p. 122. 115 DITZEL; CHAVES, op. cit.
61
maior parcela de sua população residindo na cidade e trabalhando em atividades
eminentemente urbanas.116
Nas duas primeiras décadas do século XX verifica-se uma intensificação, em Ponta
Grossa, das características de aglomeração urbana, sendo a cidade dotada de certa infra-
estrutura, como redes de água e esgoto, linhas telefônicas e calçamento, além de outros
benefícios, como associações beneficentes, hospitais, atrações culturais como cinema, teatro,
conjuntos musicais etc., características essas que, conforme Gonçalves e Pinto, faziam de
Ponta Grossa, no limiar da década de 1920, “a cidade mais próspera do interior paranaense,
cujo futuro era vislumbrado como grandemente promissor.”117
Como esclarecem Ditzel e Chaves, o crescimento de Ponta Grossa verificado nos
primeiros decênios do século XX “se inscreve num contexto nacional de desenvolvimento
econômico e urbanização que favorece, sobretudo, as regiões sudeste e sul do país.” Para
esses autores, “Esse desenvolvimento resulta de uma conjugação de fatores como capital,
mão-de-obra, mercado relativamente concentrado, matéria prima disponível e barata,
capacidade energética e um sistema de transportes ligando as zonas de produção aos
portos.”118
A partir de 1940 se acentua o crescimento populacional da cidade de Ponta Grossa,
mas até meados da década de 1960, esse crescimento também ocorria na área rural, embora
em menor proporção. A partir dessa década, no entanto, o espaço urbano ponta-grossense tem
um expressivo incremento populacional, em oposição à sua zona rural, que passa a apresentar
sucessivas quedas em sua participação percentual de população (TABELA 2).
116 PAULA, J. C. M. de. População, poder local e qualidade de vida no contexto urbano de Ponta Grossa – PR. 1993, 192 f. Dissertação (Mestrado em Geografia) - Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – Campus Rio Claro, Rio Claro, 1993. p. 69 e 86. 117 GONÇALVES; PINTO, op. cit., p. 46. 118 DITZEL; CHAVES, op. cit.
62
Tabela 2 - População urbana, rural e total, em número absoluto, crescimento relativo e taxa de urbanização para o município de Ponta Grossa, no período de 1940 a 2000
Ano
População urbana
População rural
População total
Taxa de
urbanização (a/b*100) Absoluta
(a) Crescimento relativo (%)
Absoluta
Crescimento relativo (%)
Absoluta (b)
Crescimento relativo (%)
1940*
30.220
43,9
11.021
6,7
40.608
36,0
74,4
1950* 43.486 80,6
11.757 4,9
55.243 64,5
78,7
1960 78.557 43,9
12.332 12,4
90.889 39,7
86,4
1970 113.074 52,9
13.866 -1,2
126.940 47,0
89,1
1980 172.946 28,2
13.701 -10,1
186.647 25,3
92,7
1991 221.671 20,2
12.313 - 43,8
233.984 16,9
94,7
2000 266.552
6.917
273.469
97,5
* Inclui dados do distrito de Guaragi, território pertencente ao município de Ponta Grossa entre os anos de 1900 e 1940, mas que permaneceu anexado ao município de Palmeira até 1957, quando foi reincorporado à Ponta Grossa. Fontes: IBGE (Censos demográficos de 1940 a 2000); LÖWEN (1990). Organização: NASCIMENTO, E. (2005)
Examinando os dados da tabela acima, pode-se constatar que a população total do
município de Ponta Grossa sofre um crescimento expressivo no período de 1940 a 1960
(123%), saltando de 40.608 para 90.899 habitantes. Nesses vinte anos ocorre também um
aumento sucessivo na participação percentual da população urbana, passando de 74,4 % para
86,4%. Já o crescimento da população rural, em termos absolutos, praticamente se manteve
estável no referido período, elevando-se de pouco mais de 11.000, em 1940, para 12.332 em
1960. Para Löwen119, entre as causas desse crescimento generalizado, verificado não só em
Ponta Grossa, mas em grande parte dos municípios paranaenses, estão o próprio crescimento
natural e, principalmente, os movimentos migratórios para o Estado, ocorridos no período.
119 LÖWEN, op. cit., p. 41.
63
Por outro lado, desde o início dos anos 1960 até a década atual, o crescimento da
população urbana contrasta com sucessivas quedas na participação percentual da população
rural, e também, a partir da década de 1970, no seu número em termos absolutos.
É importante salientar que a dinâmica populacional verificada no município a partir de
1960, esteve associada ao processo de industrialização e modernização produtiva que passava
a vigorar em determinadas regiões do país, entre as quais o Estado do Paraná e o município de
Ponta Grossa se inseriam. Vale lembrar também que é sobretudo desse decênio em diante que
as irregularidades no uso e na ocupação da terra urbana, principalmente as áreas de favelas,
tornaram-se notórias no espaço urbano ponta-grossense.
A partir do final da década de 1960 o poder público municipal passou a criar
condições favoráveis à industrialização local. O maior exemplo foi o chamado PLADEI –
Plano de Desenvolvimento Industrial de Ponta Grossa, proposto pelo executivo municipal em
1969, através do qual o poder público passou a subsidiar a instalação de indústrias na cidade,
criando nessa época o distrito industrial no bairro Cará-Cará e destinando também “parte da
receita tributária do município à reversão em estímulos para a instalação de indústrias”.120
Atraídas pelos incentivos fiscais e pela privilegiada localização do município como
importante entroncamento rodo-ferroviário do sul do Brasil, várias indústrias de capital tanto
nacional como estrangeiro se instalaram na cidade a partir dessa época, sobretudo nos grandes
eixos de circulação do espaço urbano, como a avenida Visconde de Mauá e a PR-151, além,
evidentemente, do distrito industrial.121 Também cabe ressaltar que a dinâmica de
industrialização vigente, “alterou o perfil da cidade na sua estrutura interna, com o
investimento nas pavimentações asfálticas, construção de praças e melhorias da iluminação
120 PAULA, op. cit., p. 49. 121 Dentre os estabelecimentos instalados em Ponta Grossa destacam-se aqueles vinculados ao complexo agro-industrial da soja, dentre as quais estão as empresas Anderson Clayton S. A. Indústria e Comércio, a Cargill Agrícola S. A., COINBRA – Comércio e Indústria Brasileira S. A., e INCOPA – Indústria de Óleos Vegetais, conforme LÖWEN, op. cit., p. 53.
64
pública nos bairros”122, fato que modificou a dinâmica de valorização da terra na cidade e
contribuiu para a intensificação da especulação imobiliária.
Outro fator que impulsionou o crescimento da população urbana se refere às
transformações ocorridas no espaço rural paranaense na época, que acarretaram um intenso
movimento migratório do campo para as áreas urbanas. Analisemos com mais calma esse
processo. De acordo com Moro123, tais modificações têm raízes na política nacional de
incentivo à modernização do setor agrícola, adotada pelo Estado brasileiro a partir da década
de 1960, a qual visava atenuar os impactos econômicos causados pela crise no mercado
mundial do café (na época, o principal produto agrícola da economia brasileira e também da
paranaense), bem como, segundo Oliveira124, melhorar as relações comerciais brasileiras,
intensificando as transações com os países da Comunidade Econômica Européia e com o
Japão. Tal política previa, entre outras medidas, investimentos na industrialização de produtos
agropecuários e o fornecimento de crédito rural facilitado.125 Beneficiada pelos altos preços
alcançados pelos produtos de exportação, essa política deu início a um processo de
modernização do setor agrícola paranaense, aumentando, a partir da década de 1970, o uso de
máquinas, adubos (químico e orgânico) e de outros insumos pelos produtores.126 Por outro
lado, as culturas mais tradicionais como o algodão, o feijão e, principalmente, o café,
altamente empregadoras de mão-de-obra, foram substituídas por atividades mais ligadas aos
complexos agro-industriais, sobretudo a soja, o trigo e o milho.127
As modificações ocorridas na base produtiva causaram profundas alterações na
estrutura fundiária. Como assinalam Istake e Bacha, “A escala de operação das unidades
produtivas expandiu-se, tornando inviável a produção de culturas como a soja e o trigo em 122 SCHEFFER, op. cit., p. 42. 123 MORO, D. Á. A modernização da agricultura paranaense. In: VILLALOBOS, J. U. G. (Org.). Geografia social e agricultura. Maringá: UEM, 2000, p. 28. 124 OLIVEIRA, A. U. de. Agricultura brasileira: transformações recentes. In: ROSS, J. L. S. (Org.). Geografia do Brasil. São Paulo: EDUSP, 1996. p. 469. 125 MORO, op. cit., p. 29. 126 Ibid., p. 30-31. 127 Ibid., p. 35-36.
65
pequenas áreas”128. Com isso, o trabalho assalariado passou a se expandir no campo,
paralelamente a uma elevação do preço da terra.129 Tais fatos intensificaram o processo de
concentração da propriedade fundiária no Estado, comprometendo cada vez mais a oferta de
empregos no meio rural. Assim, conforme Moro, grandes contingentes populacionais foram
espoliados do espaço rural paranaense, de modo que parte significativa dessa população se
dirigiu para os centros urbanos do Estado, principalmente para as cidades que atuavam como
pólos regionais, como era o caso de Ponta Grossa.130
Nas últimas duas décadas Ponta Grossa passou por melhorias em sua infra-estrutura,
com modificações no sistema viário da cidade e nas rodovias de acesso ao espaço urbano,
além da transferência da estação ferroviária e da retirada dos trilhos das áreas centrais, o que,
segundo Scheffer, “favoreceu a expansão da malha urbana, fazendo crescer a periferia da
cidade.”131
Ponta Grossa termina o século XX ainda em ritmo de crescimento urbano, com uma
população citadina superior a 266.000 habitantes e apresentando uma elevada taxa de
urbanização: 97,5 % (vide TABELA 2). Notadamente, esse aumento populacional da cidade
se dá juntamente ao que se pode chamar de uma expansão urbana “desordenada” territorial e
socialmente, característica essa que se deve tanto às práticas especulativas que há muito
vigoram em Ponta Grossa (as quais serão comentadas no item seguinte), além da inexistência
de um ordenamento da ocupação urbana socialmente mais equilibrado.
É importante ter em conta que esse crescimento “desordenado” mantém
historicamente uma relação com as próprias características físico-territoriais da cidade. Já é
bastante conhecido que a expansão da cidade foi - e ainda é - influenciada pela morfologia de
128 ISTAKE, M.; BACHA, C. J. C. Evolução da agropecuária e da agroindústria no Paraná no período de 1970 a 1996. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE ECONOMIA E SOCIOLOGIA RURAL, 37, 1999, Foz do Iguaçu. Anais... Foz do Iguaçu: SOBER/IAEE, 1999. Disponível em: <http://gipaf.cnptia.embrapa.br/itens/ publ/sober/sober.html#Area1>. Acesso em 19 abr. 2004. 129 PAULA, op, cit., p. 73. 130 MORO, op. cit., p. 50-51. 131 SCHEFFER, op. cit., p. 43.
66
seu sítio, o qual apresenta características particulares. Como lembram Medeiros e Melo132, o
centro da cidade localiza-se num alto topográfico do qual divergem radialmente vários cursos
d’água, sendo que a expansão horizontal da malha urbana se deu sobretudo a partir dos
divisores topográficos. As grandes disparidades hipsométricas e a densa rede de drenagem,
existentes na cidade, caracterizam o sítio urbano ponta-grossense como uma superfície repleta
de vales, muitos dos quais constituídos de encostas com declividades acentuadas. Tais
características conferem ao sítio local um caráter bastante heterogêneo no que diz respeito às
possibilidades de ocupação, ocorrendo amplas áreas impróprias para serem edificadas, fato
que influi na dinâmica de organização do espaço urbano na medida em que certas áreas serão
mais bem valorizadas pelo capital imobiliário, ao passo que outras serão desprezadas e/ou
retidas pelo Estado para fins de proteção ambiental.
Como afirma Scheffer, “A urbanização, como um processo social e histórico, expressa
a lógica do uso e ocupação do solo urbano.”133 Em Ponta Grossa, como se procurou
esclarecer, a urbanização há muito vem ocorrendo com grande intensidade, desvencilhada de
uma disponibilidade de terras – mercadologicamente dizendo - para todos, tampouco de uma
disciplinarização dos usos da terra empreendidos com vistas à satisfação das necessidades dos
grupos sociais de uma maneira mais abrangente. É em tal contexto que são produzidas a
maioria das irregularidades de ocupação e uso da terra na cidade, assunto este que será
analisado de modo mais próximo na seção seguinte.
132 MEDEIROS, C. V.; MELO, M. S. de. Processos erosivos no espaço urbano de Ponta Grossa. In: DITZEL, C. de H. M.; LÖWEN SAHR, C. L. (Orgs.). Espaço e cultura: Ponta Grossa e os Campos Gerais. Ponta Grossa: UEPG, 2001. p. 109. 133 SCHEFFER, op. cit., p. 47.
67
4.2 CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS SOBRE AS IRREGULARIDADES DE PONTA
GROSSA
O crescimento populacional apresentado pela cidade veio acompanhado também pela
expansão da área considerada urbanizada do município, principalmente nas últimas quatro
décadas. Em apenas vinte anos, no período de 1960 a 1980, a extensão da área urbanizada de
Ponta Grossa cresceu 40,6 %, passando de 43,06 para 60,55 km2. Se analisarmos o período
1980-2004, veremos que a expansão foi ainda mais significativa: nesse curto período de 24
anos, a área urbanizada do município deu um verdadeiro “salto”, totalizando, no final do
período, 138,5 km2, o que equivale a um acréscimo territorial de 128,7 % em relação à área
urbanizada de 1980 e de 321,64 % sobre a área existente em 1960.134
Tal crescimento se dá em proporção próxima ao percentual de crescimento da
população urbana, haja vista que, entre 1960 e 2000, o aumento da população urbana foi de
339,31 %. No entanto, Paula135 ressalta que, não obstante a proximidade entre os percentuais
de expansão do espaço urbano e de sua população, isto não significa de forma alguma que as
terras incorporadas tenham sido efetivamente ocupadas. Como se pode ver na tabela 3, na
área urbanizada do município existem, na verdade, amplas áreas desocupadas, bem como
extensos terrenos concentrados em poucas mãos, em sua maioria incorporados ao espaço
urbano na década de 1990, os quais são voltados para usos com características rurais
(chácaras e áreas de cultivo).
134 Dados obtidos no âmbito do projeto “Geoprocessamento aplicado ao mapeamento da evolução da ocupação e uso da terra na cidade de Ponta Grossa (PR)”, concluído em 2004, ao qual esta pesquisa esteve vinculada. As informações são advindas da interpretação de fotografias áreas dos anos de 1960 e 1980 e de imagem de satélite de 2004, além de levantamento de campo realizado nesse último ano. 135 PAULA, op. cit., p. 90-91.
68
Tabela 3 - Participação percentual dos principais tipos de ocupação da terra na área urbanizada de Ponta Grossa, nos anos de 1960, 1980 e 2004
Tipo de uso
Anos 1960 1980 2004
Edificações
29,44
49,74
51,78
Lotes e glebas desocupadas 60,12 44,07 17,01 Chácaras e áreas de cultivo 2,03 2,42 19,98 Mata 6,74 3,03 5,04 Outros 1,67 0,74 6,19
Total 100,00 100,00 100,00 Fontes: Interpretação de fotografias aéreas (1960/1980) e imagem de satélite IKONOS (2004); pesquisa de campo (2004). Organização: NASCIMENTO, E. (2005)
Pode-se observar que, em 1960, menos de 30 % da área urbanizada comportava
edificações, ao passo que as áreas desocupadas somavam mais de 60 % do tecido urbano.
Examinando o mapa 1, pode-se notar que em 1960, a ocupação urbana se dava
preferencialmente na área central e nos grandes espigões do relevo, localizados ao longo dos
eixos leste-oeste e sul. Verifica-se neste ano também uma ampla ocorrência de áreas loteadas
sem ocupação, situadas em praticamente toda a periferia da cidade. Tais loteamentos eram
produzidos em áreas distantes do centro (como aqueles localizados nas porções sudeste e
sudoeste da área urbanizada), mesmo existindo locais mais próximos do centro para serem
ocupados (MAPA 1). De acordo com Paula136, tal fato resulta da dinâmica de especulação
fundiária por meio da qual o espaço urbano ponta-grossense foi (re)produzido no decorrer da
segunda metade do século XX. Conforme aponta o autor, sempre foi comum em Ponta Grossa
a aprovação de loteamentos sem nenhuma infra-estrutura, muitos dos quais localizados em
locais bastante distantes do centro. Tal prática, não só colaborava na manutenção da
especulação fundiária vigente, mantendo as terras mais centrais em pousio social, como
também servia para ratificá-la, na medida em que atendiam aos interesses dos proprietários
das terras periféricas, que buscavam apenas a obtenção de renda da terra ao loteá-las sem
prover o mínimo de infra-estrutura, ou seja, aplicando o mínimo de capital possível. 136 Ibid., p. 96.
69
A partir das considerações do autor supramencionado, pode-se ainda tecer outra
consideração evidente e importante: vários desses loteamentos precários podem estar, sob os
olhos da legislação atual, em condição irregular de ocupação, uma vez que foram submetidos
à aprovação perante leis bem mais antigas e mais brandas que as atuais. Resta dizer ainda que
o poder público também se interessa pelo alargamento do perímetro urbano na medida em que
isso permite o aumento da arrecadação com impostos territoriais.137
Em 1980, apesar da densificação da ocupação ocorrida principalmente nas áreas mais
centrais, surgem ainda novos loteamentos, sobretudo nas porções norte e noroeste da área
urbanizada, acompanhando respectivamente as rodovias PR-151 e BR-376, além de alguns
loteamentos isolados no oeste e sudoeste da cidade. Pode-se notar que neste ano ainda era
significativa a participação das áreas desocupadas - notadamente nas áreas periféricas – as
quais respondiam por cerca de 44 % da área urbanizada total (vide TABELA 3 e MAPA 2).
Por sua vez, em 2004, a área urbanizada de Ponta Grossa apresentava uma
configuração peculiar, bastante diferenciada daquelas verificadas nas duas ocasiões anteriores.
No período 1980-2004 ocorre uma redução significativa, em termos percentuais, das áreas
desocupadas, que em 2004 somavam 17 % da área urbanizada total, estando estas
concentradas, predominantemente, nos novos loteamentos periféricos localizados nas porções
leste, nordeste, norte e noroeste da área urbanizada. Todavia, nesse período, a urbanização de
Ponta Grossa avança consideravelmente ao longo da BR-376 (sudoeste e sudeste da área
urbanizada), incorporando amplas áreas industriais e, principalmente, de chácaras e de uso
agrícola (MAPA 3). O avanço da área urbanizada sobre tais áreas caracteristicamente rurais –
muitas das quais já apresentando irregularidades de uso da terra, como veremos adiante -
também faz parte da dinâmica especulativa vigente no espaço urbano de Ponta Grossa, uma
vez que isso facilita uma eventual conversão do uso rural da terra para urbano e,
possivelmente, a produção de novos loteamentos periféricos - quiçá até irregulares. 137 Ibid., p. 88.
71
Enquanto a área urbanizada se expande regida principalmente pela lógica da
especulação, repleta de loteamentos em condição irregular de ocupação, as irregularidades
ligadas à escassez de terras contraditoriamente se avolumam na cidade. O exemplo mais cabal
dessa situação é a evolução ocorrida do tipo de irregularidade mais preocupante no contexto
urbano – pelas más condições de moradias que as populações estão sujeitas, como já se
salientou - que são as favelas.
Löwen138 constatou que as primeiras favelas surgiram na cidade em meados da década
de 1950, sendo que o número de áreas faveladas aumentou significativamente nos anos
seguintes, surgindo, em média, onze novas favelas em Ponta Grossa a cada cinco anos.
Afirma, contudo, que foi notadamente a partir da década de 1970, no âmbito da modernização
agrícola paranaense e da industrialização local, que as favelas tiveram seu período de maior
instalação de barracos.
Como afirma Singer139, neste processo de modernização e industrialização “tardia”,
comum a vários países latino-americanos, o número de empregos criados pela economia
urbana é insuficiente para absorver toda a mão-de-obra espoliada do campo, fato que propicia
o surgimento de grupos populacionais marginalizados, pelo menos no que diz respeito à
moradia. Entretanto, Löwen Sahr destaca que não se pode determinar claramente a causa
preponderante do crescimento das áreas faveladas em Ponta Grossa:
As causas do crescimento das favelas no espaço urbano são complexas. Pode-se atribuir o crescimento do fenômeno a diversos processos, bem como a conjugação deles. São os processos mais gerais, como o êxodo rural, o empobrecimento da população, ou aqueles mais ligados a fatores internos da cidade, com o crescimento urbano especulativo e a segregação espacial.140
138 LÖWEN, op. cit., p. 76. 139 SINGER, P. Economia política da urbanização. 10. ed. São Paulo: Brasiliense, 1985. p. 48. 140 LÖWEN SAHR, C. L. Estrutura interna e dinâmica social na cidade de Ponta Grossa. In: DITZEL, LÖWEN SAHR, op. cit., p. 32.
74
De uma maneira geral, as favelas ponta-grossenses há muito se localizam em áreas
impróprias à ocupação e à moradia. Conforme a autora acima mencionada, em Ponta Grossa
as áreas faveladas ocorrem, em sua maioria:
- em áreas destinadas para a construção de equipamentos de uso público, como praças e
escolas, por exemplo;
- em áreas de proteção ambiental (margens de cursos d’água, reservas florestais, etc.);
- em locais com características físicas desfavoráveis, que não podem ser ocupadas sem a
execução de obras de infra-estrutura, como em terrenos com acentuada declividade ou
sob risco de inundação, entre outros;
- em áreas que oferecem alto risco à função de moradia, como ao lado de ferrovias e sob
redes de alta tensão elétrica, etc.141
A maior parte das terras que abrigam favelas em Ponta Grossa é de propriedade do
poder público municipal. Ainda de acordo com Löwen Sahr, dentre as áreas públicas, as áreas
faveladas ocorrem predominantemente ao longo dos fundos de vale da cidade, pois a
ocupação desses lugares apresenta vantagens tanto para os favelados como para a
administração pública. Para os primeiros, tais áreas “significam uma relativa segurança por,
via de regra, pertencerem ao poder público municipal que representa uma menor ameaça de
expulsão do que os proprietários particulares.” Por sua vez,
Para o poder público municipal [...] também apresenta vantagens, sobretudo para a imagem da cidade e conseqüentemente para a imagem do governo local, pois como a administração municipal não dispõe de solução abrangente para o problema da moradia, deixar que se ocupem os vales “resolve” a situação emergencial e, ao mesmo tempo, “esconde” o problema.142
Como se pode ver, as irregularidades de uso e ocupação da terra urbana em Ponta
Grossa aparecem intimamente ligadas ao seu processo de urbanização, principalmente na sua
141 Ibid., p. 33. 142 Id.
75
última fase (a partir do final da década de 1960), quando a legislação reguladora do uso da
terra se torna mais restritiva143 e intensifica-se o poder da cidade em atrair população, em
virtude do maior dinamismo econômico advindo de sua industrialização, concomitantemente
à desarticulação do modo de vida rural, que ajudou a projetar o espaço urbano, aos olhos de
diversos grupos sociais, como a melhor (ou mesmo a única) opção de acesso à terra e à
satisfação de suas necessidades.
Em tal conjuntura e considerando o “descaso” do poder público para com essa
questão, é absolutamente compreensível que a irregularidade de uso e ocupação da terra
mantenha-se elevada na cidade. A partir do próximo capítulo passar-se-á ao relato do trabalho
realizado de mapeamento dessas áreas, bem como à discussão dos resultados obtidos.
143 Vale lembrar que as restrições legais para a ocupação e uso da terra na cidade se intensificaram só a partir de 1967, com a formulação do primeiro plano diretor de desenvolvimento do município, ocasião em que foram estabelecidas maiores exigências para a aprovação de loteamentos, inclusive a manutenção de faixas de preservação permanente (menores que as atuais) nas margens dos cursos d’água. Ver PONTA GROSSA. Prefeitura Municipal. Plano diretor de desenvolvimento de Ponta Grossa - 1967. Disponível em: <http://pontagrossa.pr.gov.br> Acesso em: 07 set. 2004.
76
5 ELABORAÇÃO DO MAPEAMENTO DAS ÁREAS DE USO E OCUPAÇÃO
IRREGULAR
Procurou-se mostrar neste trabalho que a expansão de áreas de uso e ocupação
irregular da terra vem ocorrendo rapidamente na cidade de Ponta Grossa. Para efetuar o
mapeamento desse processo dinâmico surge como alternativa satisfatória o emprego de
tecnologias de geoprocessamento, as quais constituem-se num eficiente instrumental
tecnológico para captura, tratamento e análise de informações acerca do espaço geográfico,
que facilita e racionaliza possíveis intervenções sobre o mesmo.
Na primeira seção deste capítulo serão tecidas algumas considerações sobre as técnicas
e as tecnologias de geoprocessamento e sua importância para o processo de produção de
informações acerca do espaço geográfico. No item seguinte, serão elucidadas as etapas do
trabalho de mapeamento das áreas de uso e ocupação irregular da terra no espaço urbano
ponta-grossense, realizado com o emprego de geotecnologias.
5.1 GEOTECNOLOGIAS: UM INSTRUMENTAL EFICIENTE PARA ANÁLISES DO
ESPAÇO URBANO
Lacoste estabeleceu, com muita razão, que é fundamental conhecer um determinado
espaço “para saber nele se organizar, para saber ali combater”.144 E um dos conhecimentos
mais valiosos para essa necessária compreensão do espaço, já anunciado na ocasião pelo
autor, é a cartografia. Esta, assim como o conhecimento geográfico de uma maneira geral,
assume o papel de saber estratégico, fundamental na elaboração de ações racionais no e sobre
o espaço geográfico.
144 LACOSTE, Y. A geografia – isso serve, em primeiro lugar, para fazer a guerra. Tradução de Maria Cecília França. 2. ed. Campinas: Papirus, 1989. p. 189.
77
Como esclarece Santos, na atualidade, sob a égide do período técnico do modo de
produção capitalista intitulado técnico-científico-informacional, a produção e a transmissão de
informações - e aí se incluem as informações espaciais - assume uma posição de importância
ainda maior na dinâmica de reprodução espacial.145
Sob tal processo, os instrumentos e as técnicas de obtenção e tratamento de
informações cartográficas tiveram um grande desenvolvimento tecnológico, evolução essa
que, segundo Pereira e Silva146, foi bastante impulsionada, entre outros fatores particulares,
por necessidades de ordem militar, para subsidiar processos de levantamento de recursos
naturais e também, mais recentemente, para monitorar e controlar as condições do ambiente.
O advento de novas tecnologias de coleta e tratamento de informações cartográficas, aliado ao
aperfeiçoamento de técnicas já existentes, impulsionou o desenvolvimento das chamadas
tecnologias de geoprocessamento – ou, reunindo numa única palavra, das geotecnologias.
Há diversas e divergentes definições sobre o que vem a ser o geoprocessamento, mas
em linhas gerais, o termo se refere a um conjunto de técnicas computacionais pertinentes à
obtenção, armazenamento e análise de informações espacializadas, bem como o
“desenvolvimento, e uso, de sistemas que as utilizam”, como enuncia Rodrigues.147 O
geoprocessamento abrange diferentes tecnologias de coleta e tratamento de dados espaciais,
dentre as quais se destacam:
145 Ver SANTOS, M. A natureza... op. cit., p. 169-310. O chamado meio técnico-científico-informacional, inicia-se depois da 2ª Guerra Mundial e se consolida (incluindo os países de capitalismo periférico) na década de 1970. Esse período se caracteriza fundamentalmente por uma profunda interação entre ciência e técnica no processo produtivo e pela existência de um mercado global. Neste período, na acepção deste autor, “os objetos técnicos tendem a ser ao mesmo tempo técnicos e informacionais, já que, graças à extrema intencionalidade de sua produção e de sua localização, eles já surgem como informação e [...] a energia principal de seu funcionamento é também a informação.” p. 238. 146 PEREIRA, G. C.; SILVA, B.-C. N. Geoprocessamento e urbanismo. In: GERARDI, L. H. de O.; MENDES, I. A. (Orgs.). Teoria, técnica, espaços e atividades: temas de Geografia contemporânea. Rio Claro: AGETEO, 2001. p. 97. 147 RODRIGUES, M. Introdução ao Geoprocessamento. Simpósio Brasileiro de Geoprocessamento. São Paulo: POLI/USP, 1990. p. 01.
78
− a cartografia digital, que consiste, grosso modo, na digitalização de dados espaciais148
e na “automação de tarefas cartográficas”;149
− o sensoriamento remoto, que “permite a aquisição de informações sobre objetos sem
contato físico com eles”150, via, por exemplo, fotografias aéreas e imagens de satélite;
− o Sistema de Posicionamento Global (GPS), que fornece, entre outras coisas,
informações sobre rumos e coordenadas, atualmente com precisão satisfatória, e ainda;
− as ferramentas computacionais para realização de operações de geoprocessamento: os
Sistemas de Informações Geográficas (SIG).151
Além das tecnologias mencionadas, as quais são de maior interesse frente aos
objetivos deste trabalho, vale ressaltar que faz parte do geoprocessamento uma infinidade de
outras técnicas referentes tanto à coleta, como ao armazenamento e trabalho com as
informações. De todas as técnicas, as mais relevantes são representadas adiante na figura 1.
Como apontam Câmara e Medeiros152, o geoprocessamento visa sobretudo contribuir
para a ampliação do conhecimento acerca do espaço geográfico, disponibilizando
instrumentos computacionais que forneçam subsídios para que os distintos analistas possam
identificar a evolução de um fenômeno geográfico no tempo e no espaço, bem como as inter-
relações mantidas entre os diferentes fenômenos.
148 Dado espacial é aqui entendido como “elementos definidos pelas variáveis x, y e [eventualmente] z, possuem localização no espaço e estão relacionados a determinados Sistemas de Coordenadas”, conforme SILVA, A. de B. Sistemas de informações geo-referenciadas: conceitos e fundamentos. Campinas: UNICAMP, 2003. p. 30. Os grifos são do texto original. 149 SANTOS, S. M. dos; PINA, M. de F. de; CARVALHO, M. S. Os sistemas de informações geográficas. In: CARVALHO, M. S.; PINA, M. de F. de; SANTOS, S. M. dos. (Orgs.). Conceitos básicos de Sistemas de Informação Geográfica e Cartografia aplicados à saúde. Brasília: Organização Panamericana da Saúde, Ministério da Saúde, 2000. p. 14. 150 NOVO, E. M. L. de M. Sensoriamento remoto: princípios e aplicações. 2. ed. São Paulo: Edgard Blücher, 1992. p. 1. 151 CÂMARA, G.; MEDEIROS, J. S. de. Princípios básicos em Geoprocessamento. In: ASSAD, E. D.; SANO, E. E. (eds.) Sistema de Informações Geográficas: aplicações na agricultura. Planaltina: Embrapa-CPAC, 1998. p. 8. 152 Id.
79
Figura 1 – Representação do universo do geoprocessamento. Fonte: FATOR GIS On Line (2005)
Uma dessas tecnologias de geoprocessamento que mais têm contribuído – e vale dizer,
pode ainda contribuir muito mais – para o entendimento da organização espacial é o Sistema
de Informações Geográficas (SIG). Não obstante as várias e distintas definições de SIG153, de
uma maneira mais ampla, pode-se caracterizar essa tecnologia, tomando por base as
contribuições de Matias154, como sendo um conjunto integrado de equipamentos, programas,
metodologias, dados geográficos e pessoas (usuários), destinado a tornar possível a captura, o
armazenamento, o processamento, a análise e a apresentação de dados referenciados
153 A bibliografia aponta uma diversidade de definições sobre o que vem a ser um SIG, fruto das distintas interpretações realizadas no âmbito do desenvolvimento e aplicação do sistema. Para ver algumas comparações entre diferentes conotações do termo SIG na literatura, consultar, entre outros, BRANCO, M. L. G. C. A geografia e os sistemas de informação geográfica. Território, Rio de Janeiro, v. 1, n. 2, p. 77-91, jan./jul. 1997. p. 89-91; MATIAS, L. F. Sistema de Informações Geográficas (SIG): teoria e método para representação do espaço geográfico. São Paulo, 2001. 314 f. Tese (Doutorado em Geografia Humana) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2001. p. 123-124; e SILVA, A. de B. op. cit., p. 42-45. 154 MATIAS, op. cit., p. 130-132.
80
geograficamente. A maior vantagem dos Sistemas de Informações Geográficas reside, de um
modo geral, na sua capacidade de otimizar a produção de informações espaciais. Na acepção
de Matias, isto é possível, sobretudo, pela versatilidade desse instrumental, que possibilita o
trabalho com uma ampla gama de dados de natureza e características distintas. Nas palavras
desse autor:
O uso da tecnologia SIG instaura-se nas últimas décadas como um importante instrumento de aquisição, produção de análises e representação de informações sobre o espaço geográfico. Reúne para isso os conhecimentos e as práticas tecnológicas oriundas de diversas áreas do conhecimento científico, característica manifesta das tecnologias modernas, representando uma síntese do poder de manipulação de dados disponibilizado pelo meio computacional. Em um mesmo ambiente de trabalho, [...] permite tratar dados provenientes de fontes diversas, como exemplo, redes de monitoramento por satélites (imagens, sinais GPS, etc.), levantamentos de campo (topográficos, censitários, etc.), mapeamentos sistemáticos, mapeamentos temáticos, com escala de abrangência que vai do local ao global. Os formatos dos dados, por sua vez, também são diversificados e podem ser adquiridos e manipulados na forma de mapa, imagens, relatórios, gráficos, vídeos, entre outros.155
De acordo com Santos, Pina e Carvalho, essa versatilidade que têm esses sistemas,
“torna-os úteis para organizações no processo de entendimento da ocorrência de eventos,
predição e simulação de situações, e planejamento de estratégias”, pois “permitem a
realização de análises espaciais complexas através da rápida formação e alternação de
cenários”.156 Portanto, sua aplicação possibilita a realização de várias análises sobre o espaço
geográfico, subsidiando estudos e atuações no ramo ambiental, de ordem sócio-econômica e,
também, no que concerne à gestão do espaço urbano, como mostra, de forma esquemática, a
figura 2.
No que diz respeito à análise da organização do espaço urbano, a tecnologia SIG tem
se mostrado ser um instrumental eficiente. Através da integração entre diferentes mapas
temáticos e dados não espaciais (como indicadores socioeconômicos da população, por
exemplo) e da sua espacialização, permite a produção e a análise de informações espaciais, 155 Ibid., p. 267. 156 SANTOS; PINA; CARVALHO, op. cit. p. 15.
81
proporcionando uma melhor compreensão da organização espacial da cidade, bem como
auxílio na elaboração de estratégias que possam melhorar a gestão do espaço urbano.157 Os
SIGs possibilitam a realização de inúmeras análises e correlações entre dados espaciais,
fornecendo respostas a vários questionamentos sobre as características de uma determinada
organização espacial, quais são as mudanças que estão acontecendo e quais são as tendências
de evolução dos fenômenos (TABELA 4).
Figura 2 – Organograma de representação das principais áreas de aplicação dos
Sistemas de Informações Geográficas. Fonte: adaptado de MATIAS (2005)
157 SIKORSKI, S. R. Geoprocessamento como instrumento de planejamento urbano. GIS BRASIL 96, Curitiba. Anais... Curitiba, 1996. p. 40 e 45.
USO DA TERRA
INFRA-ESTRUTURA
CENSO
MONITORAMENTO
RECURSOS NATURAIS
EIA/RIMA
PLANEJAMENTO URBANO
CONTROLE DE OBRAS
CADASTRO
SÓCIO-ECONÔMICAS
AMBIENTAIS
GERENCIAMENTO
APLICAÇÕES DE SIG
82
Tabela 4 – Questionamentos básicos a serem respondidos por um SIG
Objetivo Questionamento
Localização
O que está em...? Condição Onde está...? Tendência O que mudou...?
Rota Qual o melhor caminho...? Padrão Qual a melhor variável...?
Simulação Ocorrendo um evento... Modelamento
Se ocorrer...
Fonte:
RHIND apud SILVA (2003, adaptado)
Em síntese, os Sistemas de Informações Geográficas, bem como as geotecnologias de
um modo geral, constituem-se num conjunto de instrumentos eficazes para a elaboração de
estudos que busquem entender a organização do espaço geográfico, em especial o espaço
urbano, bem como para propor medidas e subsidiar a elaboração de estratégias de intervenção
no/sobre o mesmo.
5.2 O PROCESSO DE LEVANTAMENTO E ANÁLISE DAS ÁREAS IRREGULARES
Tendo em vista a heterogeneidade dos tipos de irregularidade de ocupação e uso
fundiário existentes no espaço urbano ponta-grossense, a etapa inicial da realização do
mapeamento consistiu na elaboração de uma tipologia de tais áreas, a fim de facilitar a
identificação e sua posterior caracterização em campo. Essa tipologia foi definida com base
em investigações de campo preliminares, além de consultas ao arcabouço jurídico que
normatiza a ocupação e uso da terra na cidade e estudos acerca das características da
organização espacial do espaço urbano de Ponta Grossa, como os já citados anteriormente no
capítulo 4. A tipologia estabelecida categoriza as áreas irregulares com relação aos seguintes
fatores:
83
− Quanto à propriedade da terra: abrange as localidades cujo uso ou ocupação não é
respaldada por título de propriedade legal da terra – as chamadas “invasões” de terras;
− Quanto às faixas de drenagem: diz respeito a usos e ocupações dentro das faixas
marginais dos cursos e corpos d’água, considerados incompatíveis com a proteção da
rede de drenagem e dos fundos dos vales. Incluem usos que provoquem a remoção da
vegetação ciliar e possam provocar danos ao ambiente, como edificações diversas,
usos agrícolas ou o parcelamento da terra para fins de loteamento;
− Quanto à declividade do terreno: agrega ocupações e usos inadequados em terrenos
com declividade igual ou superior à 30%;
− Quanto às faixas de domínio de ferrovias: abrange ocupações localizadas até o limite
de 15 metros para cada lado da estrada de ferro;
− Quanto às faixas de domínio de redes de alta tensão elétrica: compreende usos e
ocupações inadequados, localizados dentro de uma faixa de 25 metros de largura
localizada abaixo das linhas de transmissão de energia elétrica. Esse valor adotado
corresponde à largura mais freqüente adotada na cidade158, uma vez que não existe um
valor fixo para tal medida.
A seguir foi iniciada a construção da base de dados georreferenciados sobre o tema.
Utilizando os dados da base cartográfica digital da Prefeitura Municipal de Ponta Grossa
(PMPG, 2001), efetuou-se primeiramente a conversão dos arquivos contendo temas de
interesse – divisão de lotes, ferrovias, cursos d’água, linhas de transmissão elétrica etc. - do
formato .dxf (tipo AutoCAD) para o formato .shp, apropriado para o trabalho no ambiente
SIG. Obteve-se dados cartográficos - tanto na forma analógica como digital - também de
outras fontes, tais como cartas topográficas e bases cartográficas digitais do IBGE e de outros
158 Chegou-se a esse valor através de medições, realizadas via software de geoprocessamento, em fotografias aéreas e imagens de satélite.
84
projetos realizados pelo Departamento de Geociências da UEPG. Uma vez inseridos no SIG,
tais dados, quando houve necessidade, também foram adaptados ao formato .shp.
As análises de geoprocessamento foram executadas, empregando softwares da família
ArcView GIS®.159 É importante ressaltar que, sempre que possível, os procedimentos de
digitalização foram efetuados com o auxílio de fotografias aéreas do ano 2001, com escala
aproximada de 1:2.000160, bem como de uma imagem do satélite IKONOS®, com resolução
espacial de 1 metro e registrada em 2004161, todas em meio digital – arquivo tipo .tiff. Vale
complementar que as fotografias também auxiliaram a análise da evolução e da organização
espacial de várias áreas irregulares. A título de exemplo, as figuras 3 e 4 exibem,
respectivamente, uma fotografia aérea e uma parcela da imagem de satélite utilizada na
pesquisa, mostrando dois momentos da organização espacial da vila Ouro Verde, extenso
loteamento irregular localizado na porção sudoeste da cidade.
A etapa seguinte consistiu no levantamento de informações sobre os tipos de uso e
ocupação da terra urbana. Tais informações foram obtidas diretamente em campo, em
trabalho realizado de maneira conjunta com o projeto “Geoprocessamento aplicado ao
mapeamento e análise da evolução da ocupação e uso da terra na cidade de Ponta Grossa
(PR)”162, momento em que foi efetuada - para toda a área urbanizada do município - a
159 O software ArcView GIS, empregado como suporte para a realização desta pesquisa, destaca-se como um dos mais utilizados na área geotecnológica, pois “supre as principais funções para organização, consulta e análise de informações georreferenciadas, utilizando uma estrutura de dados gráficos vetorial e banco de dados relacional”. Além disso, também apresenta módulos que suportam, entre outras tarefas, a realização de análises espaciais com dados matriciais, modelagem tridimensional de superfície, por meio de redes triangulares irregulares (TIN) e ainda o “processamento de imagens de sensoriamento remoto”, como aponta MATIAS, L. F. Sistema de Informações... op. cit., p. 194-195. 160 Obtidas junto ao Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Ponta Grossa (IPLAN). 161 Cedida pela Prefeitura Municipal de Ponta Grossa. 162 Este projeto, do qual esta pesquisa é parte, foi realizado pelo Departamento de Geociências da Universidade Estadual de Ponta Grossa, com apoio científico-financeiro da Fundação Araucária, e executado no período de agosto de 2002 a dezembro de 2004 pela equipe do Laboratório de Geoprocessamento, sob a coordenação do Prof. Dr. Lindon Fonseca Matias. Seus objetivos principais consistiram em realizar o mapeamento do uso da terra urbana em Ponta Grossa nos anos de 1960, 1980 e 2004, bem como em avaliar a expansão da malha urbana e a evolução dos tipos de uso fundiário no decorrer das décadas, utilizando-se, para isso, de tecnologias de geoprocessamento.
85
Figura 3 – Fotografia aérea do loteamento irregular Ouro Verde, registrada em 2001. Fonte: IPLAN (2001)
Figura 4 – Imagem de satélite IKONOS, passagem de 2004, exibindo o loteamento irregular Ouro Verde. Fonte: PMPG (2004)
86
identificação do tipo de uso que era praticado predominantemente no lote ou, quando foi o
caso, na gleba.163
Finalizada esta etapa, iniciou-se a identificação das diferentes categorias de
irregularidade fundiária. As informações acerca das ocupações e usos em condição irregular
com relação à propriedade da terra no ano de 2004 foram extraídas de mapas analógicos
cedidos pelo Departamento de Assuntos Comunitários da Prefeitura Municipal de Ponta
Grossa (DEPAC/PMPG). Essas informações foram transferidas para o computador, através de
digitalização em tela sobre a base cartográfica.
As irregularidades existentes com relação às faixas de domínio e de drenagem foram
identificadas via software de geoprocessamento, utilizando a função “área de influência”
(buffer), que consiste no cálculo automático da área de influência (no caso, as faixas não
edificáveis) de um atributo qualquer (que aqui são as linhas de transmissão, as ferrovias e a
rede de drenagem). Visando facilitar a compreensão desse procedimento, a figura 5 exibe um
exemplo do mesmo, a qual representa o cálculo da faixa de drenagem do arroio do Padre,
utilizando a função buffer do programa ArcView GIS. A faixa de drenagem (em amarelo) foi
delimitada contando-se, a partir das margens do curso d’água (em azul), 30 metros para cada
lado do mesmo.
Na delimitação das faixas de domínio, utilizou-se os valores de 12,5 metros de cada
lado do eixo das redes elétricas e de 15 metros para as linhas férreas, contados a partir de cada
uma de suas margens. Por sua vez, para a rede de drenagem, empregou-se os mesmos
procedimentos atualmente utilizados pela Secretaria Municipal de Agricultura, Abastecimento
e Meio Ambiente da prefeitura municipal, para a delimitação das faixas marginais.164
163 Os trabalhos de campo contaram ainda com a participação dos acadêmicos Alex Caetano da Silva, Gustavo Conceição Bahr, Naomi Anaue Burda, Rafael Justus Braciak, Vagner Zamboni Berto e Wladimir Teixeira Schuster, além do professor Lindon Fonseca Matias. 164 Segundo informações do Sr. Marcelo José Gonçalves, técnico da Secretaria Municipal de Agricultura, Abastecimento e Meio Ambiente da Prefeitura Municipal de Ponta Grossa, obtidas em entrevista concedida ao autor no dia 22 de setembro de 2005. O entrevistado é um dos profissionais responsáveis pela delimitação das faixas de drenagem, bem como por sua observação em projetos de parcelamento e uso da terra e de edificação.
87
Realizou-se o cálculo de área de cada bacia hidrográfica e adotou-se, como faixa não
edificável, os valores enunciados pela lei municipal n° 4.842/1992, excluindo aqueles menos
restritivos do que a legislação federal (lei n° 4.771/1965). Em lugar destes, aplicou-se a
metragem de 30 metros, estabelecida pelo Código Florestal, seguindo as recomendações do
parecer jurídico n° 06/1999. As áreas obtidas para cada bacia hidrográfica, bem como a
largura das faixas de drenagem adotadas, são mostradas adiante, respectivamente pelos mapas
4 e 5.
Figura 5 – Cálculo da faixa de drenagem do arroio do Padre, no software ArcView GIS, utilizando a função buffer.
Organização: NASCIMENTO, E. (2005)
88
Finalmente, para a obtenção das áreas irregulares quanto à declividade do terreno,
construiu-se um modelo digital de elevação (MDE) a partir da triangulação entre as curvas de
níveis - como o exibido adiante pela figura 6 -, empregando-se o módulo Arc View GIS 3D
Analyst. O modelo foi classificado de acordo com as declividades do terreno calculadas na
triangulação e convertido do formato .tin (dado cuja estrutura é tridimensional) para .grid
(bidimensional), o qual é, na verdade, uma imagem do modelo. Utilizando um outro módulo
do sistema ArcView, o Image Analysis, realizou-se, em seguida, a vetorização da imagem
.grid, gerando-se um arquivo .shp e obtendo-se a representação das áreas de interesse
na forma de polígonos. Desses polígonos obtidos, calculou-se automaticamente a área somada
por aqueles correspondentes às declividades iguais ou superiores a 30%.
Cumpridas tais etapas, efetuou-se o cálculo da extensão territorial das áreas irregulares
para cada classe de uso e ocupação da terra e também para cada categoria de irregularidade.
Com essas informações em mãos, foram realizadas visitas em campo para observação,
registro e caracterização da organização espacial das áreas e de indicadores do perfil
socioeconômico dos habitantes e, quando foi o caso, dos impactos ambientais decorrentes de
tal forma de ocupação. Foram realizadas 50 entrevistas com moradores de diferentes áreas e
situações de irregularidade, orientadas com formulário contendo questões semi-abertas, com o
fito de obter algumas informações particulares às localidades e categorias de uso e ocupação
irregular. E ainda duas entrevistas com profissionais do poder público que atuam junto aos
locais de grande parcela das irregularidades: a assistente social do Departamento de Assuntos
Comunitários, Srª. Ana Seres Leite, e o técnico da Divisão de Controle Ambiental da
Secretaria Municipal de Agricultura, Abastecimento e Meio Ambiente, Sr. Marcelo José
Gonçalves, ambos da prefeitura municipal. Nos apêndices A, B, C e D apresenta-se,
respectivamente, um modelo de cada formulário aplicado: para observação e para as
entrevistas com os moradores e os diferentes representantes do poder público.
91
Figura 6 – Modelo digital de elevação (MDE) com as declividades das vertentes dos arroios da Prancha
(menor, em primeiro plano) e Lajeado Grande (mais extenso, ao fundo). Organização: NASCIMENTO, E. (2005)
6 ANÁLISE DOS TIPOS DE USO E OCUPAÇÃO IRREGULAR DA TERRA
URBANA EM PONTA GROSSA
Os resultados obtidos pela pesquisa mostram que o fenômeno da irregularidade de uso
e ocupação da terra apresenta-se de forma marcante no espaço urbano de Ponta Grossa. A
cidade contempla irregularidades de tipos e naturezas distintas, e produzidas por diferentes
grupos e classes sociais no transcorrer da história. Nesse processo complexo, notadamente os
mais pobres saem perdendo, “ficando” com as irregularidades mais danosas para si e para sua
família, como locais de moradia afastados dos meios de consumo e sem condições de
habitabilidade.
Neste capítulo procurar-se-á realizar um diagnóstico geral da irregularidade de uso e
ocupação da terra na cidade de Ponta Grossa na atualidade (mais precisamente referente ao
ano de 2004). Serão apresentados os principais indicadores estatísticos concernentes a tais
irregularidades no tocante à situação (categoria) de irregularidade existente e ao tipo de uso
e/ou ocupação praticado e, em seguida, será efetuada uma caracterização geral da organização
espacial de tais áreas irregulares.
6.1 QUANTIFICAÇÃO E CLASSIFICAÇÃO DAS IRREGULARIDADES
Os resultados de nossas investigações mostram que, no ano de 2004, 13,17 km2 (mais
precisamente 1.317,23 hectares) da área urbanizada apresentavam-se em irregular condição de
uso e/ou ocupação da terra, perante às determinações da legislação competente ou à situação
jurídica da propriedade fundiária. Esse valor equivale a aproximadamente 9,5% de toda a área
urbanizada do município (que naquele ano totalizava 138,5 km2).165
165 Dado este que consiste em um dos resultados do projeto maior, ao qual esta pesquisa esteve vinculada.
93
Essa irregularidade aparece bem distribuída e bastante diferenciada no bojo do espaço
urbano. Com o intuito de facilitar a exposição dos resultados e sua discussão, optou-se por
organizá-los em dois sub-itens: um enfocando as categorias de irregularidade, e outro,
priorizando o modo de utilização das terras.
6.1.1 Quanto às categorias de irregularidade
Dentre os diferentes critérios de identificação de áreas irregulares, constatou-se uma
expressiva maioria das irregularidades relacionada às faixas de drenagem (1.161,27 hectares),
valor bastante superior, inclusive, ao total de áreas com propriedade irregular da terra (favelas
e loteamentos irregulares), que é 3,5 vezes menor (327,14 hectares) (TABELA 5).
Tabela 5 – Categorias de uso e ocupação irregular e área ocupada, segundo diferentes critérios de
irregularidade
Categoria de irregularidade
Área (em hectares)
Faixas de drenagem 1.161,27 Propriedade da terra 327,14
Declividade do terreno igual ou superior a 30% 21,74 Faixas de domínio de ferrovias 4,74
Faixas de domínio de linhas de transmissão elétrica 2,66 Área total (excluindo-se as sobreposições entre as áreas)166 1.317,23
Organização: NASCIMENTO, E. (2005)
Tendo em vista a grande superioridade do total de áreas irregulares em faixas de
drenagem, frente ao somatório de terras com propriedade irregular, é evidente que há amplas
áreas de faixas de drenagem que estão ocupadas sob a proteção legal da propriedade jurídica
da terra. Esse fato merece uma atenção especial. Tal disparidade ocorre, em primeiro lugar,
pelo fato de que os loteamentos mais antigos da cidade, notadamente aqueles anteriores a
166 A diferença no total das áreas se deve ao fato de ocorrerem, em certas áreas, mais de um tipo de irregularidade, como no caso, por exemplo, de usos residenciais localizados ao lado de cursos d’água, quando os mesmos podem ser considerados irregulares tanto em relação ao limite da faixa de drenagem estabelecida para o local, como também em relação à propriedade jurídica da terra.
94
1967, eram aprovados – ou melhor, incorporados ao tecido urbano - sem nenhuma exigência
de reserva de faixa marginal de proteção dos cursos d’água ou de preservação de qualquer
depressão responsável pelo escoamento hidrográfico. Mesmo durante parte da década de
1970, quando já existiam alguns instrumentos jurídicos que normatizavam a ocupação
fundiária, era comum a produção de áreas residenciais sem o estabelecimento de qualquer
metragem de faixa marginal, fato que só passou a ser exigido com maior freqüência somente a
partir do final dessa década, com a elaboração da Lei federal n° 6.766/1979.167
Portanto, grande parte das áreas loteadas com propriedade fundiária legal que estão
atualmente dentro dos limites de faixas de drenagem, foi produzida e ocupada sobretudo antes
de 1980. Um exemplo é a residência mostrada na figura 7, localizada ao lado do arroio Pilão
de Pedra, na vila Ana Rita, que, conforme o próprio morador, tem a propriedade jurídica da
terra regularizada, cujo limite do terreno se estende até a margem do curso d’água.
Se fizermos uma correlação dos atuais limites das faixas marginais com o tipo de
ocupação da terra na cidade nos anos de 1960 e 1980, pode-se comprovar a expressiva
ocupação das atuais faixas de drenagem, ocorrida até o último ano mencionado. Analisando as
informações dos mapas 6 e 7, pode-se observar que em 1960 e principalmente em 1980,
várias das áreas que atualmente são consideradas como faixas de proteção da rede de
drenagem já estavam loteadas e abrigavam edificações. Em sua maioria, são essas as
localidades que, na atualidade, encontram-se em condição irregular de ocupação perante a
legislação ambiental, mas com a propriedade jurídica fundiária, em sua maioria,
regulamentada.
Nota-se que já em 1960 a maior parte das terras correspondentes às atuais faixas de
drenagem já tinha sido incorporada à malha urbana, mas até este ano a ocupação ocorrera com
167 GONÇALVES, M. J. Entrevista. 22. set. 2005; LEITE, A. S. Entrevista. 27. set. 2005.
95
Figura 7 – Residência com propriedade jurídica fundiária regular, localizada ao lado do arroio Pilão de Pedra. Foto: NASCIMENTO, E. (2005)
maior intensidade apenas nas áreas lindeiras às nascentes de alguns arroios, localizadas em
torno do centro da cidade. No entanto, grande parte das áreas restantes já estava loteada,
porém predominantemente desocupada, inclusive várias localidades distantes do centro. Tal
configuração espacial faz parte do processo de especulação fundiária que, como já se afirmou
no 4° capítulo, comandou a expansão urbana do município na segunda metade do século XX
(MAPA 6). Por sua vez, no período de vinte anos, a ocupação e a edificação dentro das atuais
faixas marginais se densifica, ao mesmo tempo em que o parcelamento da terra também
avança sobre algumas novas áreas, principalmente a sudeste da cidade. Em 1980 já aparecem
também algumas áreas de favelas, ocupando alguns terrenos desprezados pelo mercado
imobiliário, como nas porções norte (arroio da Prancha) e noroeste da área urbana (arroio
Lajeadinho), e também nas proximidades do centro (arroio do Padre) (MAPA 7).
96
O número de áreas irregulares em terras regulamentadas foi aumentado
consideravelmente nos anos 1990, década em que ocorreu, como já se afirmou, a
incorporação ao perímetro urbano de uma ampla área localizada no sudeste da atual área
urbanizada, ao longo da BR-376. Isso porque nesse novo setor da cidade havia, e ainda há, o
predomínio de grandes lotes de uso industrial e de glebas com uso agrícola, em tese, terras em
situação regular em relação à propriedade jurídica (ver mapa no APÊNDICE E).
Uma outra condicionante da ampla ocorrência de áreas legalizadas dentro de faixas
marginais é a já comentada natureza complexa da lei atual que normatiza a ocupação de
fundos de vale na cidade. A contradição em relação às determinações do Código Florestal,
aliada à falta de critérios mais simples e claros para a sua implementação, favoreceu a
ocupação legal de várias áreas dentro das faixas de drenagem, uma vez que antes de 1999,
seguia-se integralmente os parâmetros da lei municipal de setores de fundos de vale (lei n°
4.842), adotando-se inclusive os valores menos restritivos do que os 30 metros de distância
marginal, exigidos pela legislação federal. Evidentemente essas ocupações são tidas nos dias
atuais como conflitantes em relação aos parâmetros jurídicos utilizados para a delimitação de
tais faixas. Ademais, perante a ausência de critérios objetivos para se delimitar com clareza as
bacias hidrográficas – procedimento necessário para a elaboração da contagem da largura da
faixa -, essa delimitação é (e sempre foi) feita de maneira a priori, subjetiva, ficando
dependente dos conhecimentos e dos critérios adotados pelos diferentes profissionais
responsáveis.168
Constatou-se que no ano de 2004, apenas 15,42% das irregularidades referentes às
faixas de drenagem diziam respeito a usos e ocupações com propriedade jurídica em situação
irregular, ao passo que toda a área restante (84,58% do total) se encontrava amparada pela
propriedade legal da terra (TABELA 6).
168 GONÇALVES, op. cit.
99
O mapa 8 exibe as localidades das faixas de drenagem que apresentavam
irregularidade de uso ou de ocupação em 2004, sendo essas classificadas conforme a condição
da propriedade da terra. Pode-se observar que as irregularidades com propriedade fundiária
legal aparecem predominantemente nas áreas periféricas das faixas de drenagem, ao passo que
as ocupações com propriedade irregular se localizam notadamente nos fundos de vales,
justamente os locais que normalmente são ignorados pelo mercado imobiliário. Pode-se notar
ainda a ocorrência de várias outras áreas irregulares com a propriedade fundiária regularizada,
concentradas sobretudo no eixo de expansão urbana situado no sudeste da área urbanizada.
Tais irregularidades dizem respeito predominantemente a amplos terrenos com chácaras, uso
agrícola e industrial (ver também APÊNDICE E).
Tabela 6 - Condição da propriedade da terra e área ocupada pelas irregularidades de uso e ocupação da terra
existentes nas faixas de drenagem em 2004
Condição Área (em hectares) Participação percentual Favelas 166,61 14,35
Loteamentos irregulares 12,45 1,07 Usos e ocupações diversos com
propriedade jurídica regular 982,21 84,58
Total 1.161,27 100,00
Organização: NASCIMENTO, E. (2005)
A segunda categoria de irregularidade fundiária urbana corresponde às ocupações com
propriedade irregular da terra. Na análise dessas áreas é importante separar as favelas dos
loteamentos irregulares. As áreas de favelas correspondem à ampla maioria das
irregularidades com relação à propriedade fundiária - 81% -, enquanto que os 19% restantes
correspondem aos diferentes loteamentos informais.
100
Ainda sobre os dados das categorias de irregularidade identificadas (TABELA 5), as
demais – acentuada declividade topográfica e em faixas de domínio de ferrovias e linhas de
transmissão elétrica - aparecem ocupando áreas bem menores do que as duas anteriormente
comentadas. Isso ocorre principalmente porque esses locais se apresentam como aqueles que a
população mais tem receio de ocupar (principalmente para uso residencial), em virtude dos
riscos oferecidos serem mais “visíveis” do que nas margens de arroios, e ainda, no caso das
faixas de domínio, pelo medo de serem expulsos do local a qualquer momento, em virtude da
fiscalização periódica empreendida pelas empresas responsáveis pelo transporte ferroviário e
pela distribuição de energia elétrica – muito mais intensa, diga-se de passagem, do que aquela
(in)exercida pelo poder público municipal sobre os cursos d’água.
6.1.2 Quanto às classes de uso e ocupação da terra
As áreas irregulares apresentam uma variedade de tipos de uso e de ocupação da terra,
podendo ser verificados desde usos voltados para fins habitacionais, relativos à produção e
venda de mercadorias e à prestação de serviços, até usos com características eminentemente
rurais, como áreas de cultivo, hortas e algumas chácaras. A tabela 7, exibida adiante,
apresenta as classes de uso e ocupação irregular da terra identificadas no espaço urbano
ponta-grossense e a área total de cada uma.
Como se pode ver na referida tabela, 46,28% da área em condições de irregularidade
dizem respeito a usos residenciais. Este é um número expressivo, indicativo de que 20,4% de
toda a área ocupada por esse uso em Ponta Grossa no ano de 2004169, se encontravam em
condições inadequadas de ocupação, seja pelas más condições do local, seja pela carência da
regularização jurídica da terra que, como vimos, é condição essencial para a regularização da
construção. 169 Lembramos que o total de áreas com uso residencial unifamiliar na área urbanizada de Ponta Grossa era, em 2004, de 2.985,70 hectares.
102
Tabela 7 - Classes de uso e ocupação da terra em condições de irregularidade
Classe de uso/ocupação Área (em hectares) Participação percentual Residencial unifamiliar
609,59
46,28
Desocupado 210,63 15,99 Cultivo 185,30 14,07 Chácara* 141,63 10,75 Industrial 80,17 6,09 Equipamento coletivo privado(1) 25,32 1,92 Outros(2) 18,70 1,42 Equipamento coletivo público(3) 17,98 1,36 Misto(4) 9,73 0,74 Serviço Privado 8,48 0,64 Comercial 5,12 0,39 Horta 2,37 0,18 Residencial plurifamiliar 1,73 0,13 Serviço Público 0,48 0,04 Total
1.317,23 100,00
Notas: (1) Equipamento de uso coletivo pela comunidade mas de propriedade particular; (2) Usos diferentes daqueles da classificação estabelecida; (3) Equipamento de uso coletivo pela população e pertencente ao poder público, seja municipal, estadual ou federal; (4) Mais de um tipo de uso ocupando o mesmo lote.
* Considerou-se os usos inadequados praticados no interior das chácaras (edificações e construções diversas, usos agrícolas e remoção da vegetação).
Organização: NASCIMENTO, E. (2005)
Todavia, a participação das residências unifamiliares, embora ampla, é menor do que
comumente se costuma imaginar. Um quarto da superfície total irregular se encontrava
ocupada por estabelecimentos com características rurais: 185,30 hectares de áreas agrícolas,
141,63 hectares de chácaras, além de uma pequena extensão (0,48 hectares) ocupada por
hortas. Além disso, há outros 67,11 hectares (5,09%) ocupados por tipos de uso que ocorrem,
em sua maioria, associados aos locais das residências, que são os equipamentos de uso
coletivo, os estabelecimentos comerciais e de prestação de serviços, além dos usos mistos. Os
usos industriais também possuem uma participação significativa dentre as irregularidades,
respondendo por 6,09% delas (80,17 hectares). Sobre este uso, cabe frisar que a maioria
absoluta dessa área irregular – aproximadamente 80% - é produzida pelas grandes
companhias do complexo industrial do sul e sudeste da cidade, cabendo apenas cerca de um
103
quinto daquelas irregularidades aos pequenos estabelecimentos localizados nas áreas
residenciais.
Finalmente, uma classe de uso – poderíamos dizer, de “desuso” – da terra muito
importante e de participação significativa dentre as irregularidades é a de áreas desocupadas,
fato indicativo da especulação que vigora mesmo dentro das áreas irregulares da cidade. Esta
é a segunda maior classe de uso irregular, totalizando nada menos do que 210,63 hectares, o
equivalente a 16% da área irregular total.
As classes de uso também se distribuem entre as diferentes categorias de
irregularidade de uso e ocupação da terra, como pode ser visto na tabela 8.
Tabela 8 - Participação percentual das diversas classes de uso da terra em cada categoria de irregularidade
Classe de uso/ocupação
Categoria de irregularidade
Faixas de drenagem
Propriedade da
terra
Domínio de
ferrovias
Declividade igual ou
superior a 30%
Domínio de linhas de
transmissão elétrica
Residencial unifamiliar
41,32
90,69
35,44
56,49
99,25
Desocupado 16,58 6,95 4,85 31,05 - Cultivo 15,97 - 5,49 - X Chácara* 12,19 - 1,90 - - Industrial 6,79 - 19,62 4,87 0,75 Equipamento coletivo privado
2,13 0,10 1,69 1,20 -
Equipamento coletivo público
1,54 - - 0,92 -
Outros(2) 1,28 0,74 28,48 1,47 - Misto 0,77 1,07 0,21 0,83 - Serviço Privado 0,65 0,32 1,48 1,24 - Comercial 0,41 0,06 0,42 1,33 - Horta 0,20 0,05 - 0,09 X Residencial plurifamiliar 0,14 0,02 0,42 0,14 - Serviço Público 0,03 - - 0,37 - Total 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00
X – Não considerado como irregular * Considerou-se os usos inadequados praticados no interior das chácaras (edificações e construções diversas,
usos agrícolas e remoção da vegetação).
Organização.: NASCIMENTO, E. (2005)
104
Verificou-se que as residências unifamiliares predominam em todos os critérios de
irregularidade adotados, em especial nas faixas de domínio das redes de alta tensão elétrica e,
o mais importante (que predomina, evidentemente, nas ocupações residenciais dentro das
faixas de domínio): com relação à propriedade jurídica da terra. Isso exprime a dificuldade
das classes sociais - em especial daquelas mais carentes, pelo que se pôde observar - em
satisfazer a necessidade da moradia dentro do circuito imobiliário, que leva os indivíduos às
ocupações de terras “livres”, na maioria dos casos em condições impróprias para a habitação.
O item seguinte traz mais informações sobre a natureza dessa ocupação.
Os dados da tabela 8 mostram ainda que a maior variação de usos ocorre nas faixas de
drenagem – não por acaso, a categoria que abrange a maior extensão de irregularidades -,
onde há, desde o parcelamento da terra, como usos residenciais, industrial e lotes vazios,
dentre outros, até áreas com chácaras e uso agrícola.
6.2 LOCALIZAÇÃO, NATUREZA OCUPACIONAL E ORGANIZAÇÃO ESPACIAL DAS
IRREGULARIDADES
Nesta seção realizar-se-á uma discussão sobre as participações de cada uma dessas
classes de uso da terra dentre as irregularidades, avaliar-se-á as suas principais causas e a sua
evolução, e ainda serão tecidas algumas considerações sobre a organização espacial existente.
A análise foi organizada em duas partes, enfocando duas realidades diferentes: a primeira
engloba as áreas predominantemente residenciais, ao passo que a segunda enfoca as grandes
áreas de uso industrial e de características rurais.
105
6.2.1 Áreas irregulares residenciais: favelas, loteamentos irregulares e ocupações em
desacordo com a legislação urbana
Pode-se dizer que a análise dos fragmentos do espaço urbano voltados para a habitação
é de fundamental importância, pois são nesses locais onde se concentra a maior parcela da
população urbana e onde se dá o desenrolar da vida social e a reprodução dos grupos e classes
sociais. E nas localidades com irregularidade de uso e ocupação da terra, isso não é diferente.
Nas áreas irregulares residenciais de Ponta Grossa, além dos usos residenciais
propriamente ditos (uni e plurifamiliar), normalmente ocorrem também outros usos que têm a
função de servir a população residente nessas áreas, como os locais de serviços e
equipamentos de uso coletivo, terras em pousio social (lotes desocupados), e mesmo, em
algumas áreas, pequenos lotes com chácaras e usos industriais (ver APÊNDICE E).
Estes tipos de uso ocorrem diferenciados com relação à propriedade da terra e a sua
organização espacial, constituindo a maior parcela das áreas regularizadas em desacordo com
leis específicas, em especial a lei federal n° 6.766/1979 e a lei municipal de proteção de
fundos de vale (lei n° 4.842/1992), dos loteamentos irregulares e das favelas. As primeiras
ocorrem em vários locais onde existem áreas em situação fundiária legal, mas em dissonância
com as determinações das referidas leis. Pode-se observar no mapa 9, que esses usos
aparecem, em sua maioria, dentro das faixas de drenagem, mas também ocorrem, em número
bem menor, em alguns locais com acentuada declividade topográfica e ao lado de ferrovias.
Conforme já adiantado, a origem dessas áreas remonta, sobretudo, à elaboração de
loteamentos e conjuntos residenciais em épocas anteriores à consolidação da legislação que
disciplina o uso e ocupação da terra na cidade. Em geral, nesses locais a população dispõe de
melhores condições sócio-econômicas do que aquelas encontradas nos loteamentos irregulares
106
e nas favelas. As entrevistas realizadas com os moradores e as observações feitas in loco
indicam que naqueles locais, as edificações são constituídas de material de melhor qualidade
(alvenaria ou de madeira resistente), e melhor construídas, fato decorrente, em grande parte,
pela melhor situação sócio-econômica das famílias - se comparada àquela dos moradores dos
loteamentos e das favelas – e também por fatores derivados da condição regular da
propriedade fundiária, que tem garantido a permanência dos habitantes no local, motivando-os
a empreender melhorias junto ao mesmo. Anima alguns habitantes, inclusive, a investir
capital no imóvel para modificar o seu uso, transformando-o, entre outros estabelecimentos,
num local de prestação de serviços ou em um ponto de comércio, usos estes praticados, em
muitas ocasiões, conjuntamente ao uso residencial. Veja, por exemplo, o estabelecimento
exibido adiante pelas figuras 8a e 8b, um uso misto – com função residencial e comercial
(foto a) -, localizado nas proximidades de um curso d’água, cuja depressão pode ser
visualizada na porção central da foto b.
Vale dizer ainda que nas áreas irregulares com propriedade fundiária legalizada, a
população moradora normalmente dispõe de uma melhor infra-estrutura básica, sobretudo
com relação à rede interna de esgoto e pavimentação viária (como é o caso da ocupação
irregular da figura 8), além de uma maior disponibilidade de serviços e equipamentos de uso
coletivo.
Já os loteamentos irregulares têm como característica marcante a irregularidade no que
tange à propriedade jurídica da terra. Foram identificados oito loteamentos nessa condição de
ocupação: seis assentamentos realizados pelo poder público (Estrela da Colina, Estrela
Atlântica, Estrela Augusta, Jardim Bela Vista do Paraíso, Jardim Esperança e Ouro Verde) e
dois loteamentos irregulares stricto sensu (Jardim Jundiaí e Vila Romana). Em entrevista, a
assistente social do DEPAC nos informou que todas estas áreas foram loteadas recentemente,
108
(a)
(b)
Figura 8 – Vistas de uso misto (residencial e comercial), localizado às margens. de um curso d’água, na vila Baronesa.
Fotos: NASCIMENTO, E. (2005)
109
sendo a maioria delas construída entre os anos de 2001 e 2004. Ainda de acordo com a
entrevistada, o processo de produção se deu, em linhas gerais, em quatro processos diferentes:
− no caso dos loteamentos Ouro Verde e “Estrelas” Augusta, Atlântica e da Colina, o
poder público, pressionado por grupos populacionais organizados e incentivados pela
organização não-governamental “União por Moradia Popular”, adquiriu as terras
atualmente ocupadas e as transformou em assentamentos;
− as vilas Jardim Esperança e Jardim Bela Vista do Paraíso consistem em loteamentos
produzidos pelo próprio poder público, onde foram assentadas algumas famílias
removidas de antigas favelas localizadas em áreas de risco (proximidades de arroios e
estradas de ferro);
− as terras correspondentes a atual Vila Romana foram loteadas e vendidas sem que o
loteador realizasse toda a infra-estrutura exigida pela lei municipal de elaboração de
loteamentos (lei n° 6.326/1999)170, e;
− o loteamento Jardim Jundiaí, que foi invadido antes de ser concluído todo o processo
de loteamento.171
De um modo geral estes loteamentos se localizam em áreas periféricas da cidade (vide
MAPA 9) e estão assentados predominantemente em terras que oferecem condições para
edificação, embora existam parcelas de algumas dessas áreas inseridas em faixas de
drenagem, como ocorre, por exemplo, no loteamento Jardim Jundiaí, (exibido adiante na
figura 14), situado na porção noroeste da área urbanizada (APÊNDICE E). A disponibilidade
de meios de consumo e equipamentos coletivos dentro do próprio loteamento é praticamente
nula. A análise dos dados sobre o uso da terra aponta a existência de alguns poucos
170 Para conhecer tais parâmetros, consultar PONTA GROSSA. Lei n° 6.326, de 15 de dezembro de 1999. Consolida e atualiza a legislação que fixa as normas para a aprovação de arruamentos, loteamentos e desmembramentos de terrenos no município de Ponta Grossa. Disponível em: <www.pontagrossa.pr.gov.br>. Acesso em 07 set. 2004. 171 LEITE, op. cit.
110
estabelecimentos de uso misto nesses loteamentos. Não havia nenhum estabelecimento de
prestação de serviços e tampouco equipamentos coletivos, de maneira que torna-se impossível
freqüentar a escola ou ir a um posto de saúde, sem se deslocar a grandes distâncias.172 Outros
serviços como de transporte coletivo e de infra-estrutura, sobretudo de pavimentação e rede
de esgoto, também são praticamente inexistentes.
As favelas, finalmente, constituem um caso à parte dentre as irregularidades em áreas
residenciais, por estarem apresentando, sobretudo nos últimos 15 anos, um crescimento
significativo no espaço urbano local. A tabela 9 exibe alguns dados existentes e estimados
sobre o total de população habitante da área urbana de Ponta Grossa, bem como dos
percentuais de habitantes em favelas nos respectivos anos. Pode-se ver que em 1960, época
anterior ao grande afluxo de migrantes rurais para a cidade, a população favelada era inferior
a 1% do total da população urbana. Vinte anos mais tarde, após o auge do processo migratório
do campo para a área urbana local, esse percentual já era de 11%. Apesar da redução do fluxo
migratório, a população favelada continuou crescendo a taxas superiores do que a população
urbana em geral, de maneira que em 1996, os favelados já respondiam em mais de 16% do
total. Mas foi a partir de 1997 que a cidade teve o maior incremento de população habitante
em favelas. Considerando as médias de 30 domicílios por hectare e de 7,3 habitantes por
domicílio nas áreas faveladas173, pôde-se fazer uma estimativa em 2004 aproximadamente
58.730 pessoas viviam nesse tipo de moradia na cidade, o que equivale à cerca de 20,4% de
toda a população citadina.
172 Isso pôde ser constatado nos trabalhos de campo. Aliás, o “isolamento” provocado pela escassez de serviços básicos foi a principal queixa apresentada pelos entrevistados. 173 Médias relativas ao ano de 1996, provenientes de informações demográficas e de extensão territorial obtidas em levantamento de campo, realizado nas favelas de Ponta Grossa entre os anos de 1995 e 1996, pelo Departamento de Assuntos Comunitários da Prefeitura Municipal de Ponta Grossa. Ver PONTA GROSSA. Prefeitura Municipal. Secretaria Municipal de Assistência Social. Departamento de Assuntos Comunitários. Levantamento sócio-econômico de ocupações irregulares. Ponta Grossa, 1996. O dado referente à área das favelas em 1996 foi por nós obtido, através de digitalização de mapas analógicos pertencentes ao trabalho supramencionado, e posterior cálculo automático via software de geoprocessamento.
111
Tabela 9 - Evolução da população favelada em Ponta Grossa no período de 1960 a 2004*
Ano População urbana (A) População favelada (B) % de (B) em relação a (A)
1960 78.557 628 0,80 1980 172.946 19.024 11,00 1991 221.671 30.709 13,85 1996 244.248(1) 39.461(2) 16,16(2) 2004 287.757(3) 58.730(4) 20,40(4)
(1) Valor estimado pelo IBGE. (2) Estimativas realizadas a partir da média de habitantes/domicílio e de domicílios/hectare nas áreas faveladas. (3) Estimativa nossa, realizada aplicando-se a proporção de população urbana de 2000 à estimativa populacional do IBGE para o município, em 2004. (4) Estimativas realizadas a partir da aplicação das médias de habitantes/domicílio e de domicilio/hectare, obtidas para o ano de 1996 * As definições de favela utilizadas no decorrer dos anos não são necessariamente as mesmas.
Fontes: IBGE (censos demográficos 1960, 1980, 1991; Contagem da População 1996; Estimativa populacional 2004); LÖWEN (1990); LÖWEN SAHR (2001); DEPAC/PMPG (1996, 2004); PMPG (2004). Organização: NASCIMENTO, E. (2005)
Embora as causas do crescimento das favelas na cidade de Ponta Grossa sejam
complexas, como já foi lembrado no item 4.2, a assistente social do DEPAC174 nos revelou
que dois fatores têm sido de fundamental importância para a expansão desse tipo de ocupação
da terra urbana a partir de 1997. O primeiro deles – que também vale para os loteamentos
irregulares – se refere à origem de novas ocupações irregulares, que têm ocorrido, nos últimos
oito anos, impulsionadas por políticos da cidade interessados, sobretudo, na formação de
novos eleitorados. Nesse processo, tais políticos “concediam” a permissão para a população
ocupar determinados terrenos vazios. Só que no caso das favelas, as áreas ocupadas quase
sempre eram impróprias para serem habitadas, que oferecem risco à saúde e à vida dos
próprios ocupantes, como fundos de vale e faixas de domínio. O segundo fator, por sua vez,
que atua na consolidação das áreas ocupadas, se refere às relações de parentesco e de amizade
que geralmente existem entre os ocupantes. Normalmente os indivíduos migram para essas
174 LEITE, op. cit.
112
novas áreas porque lá já mora um parente ou conhecido seu, que o ajudará na adaptação ao
novo ambiente.175
A organização espacial das favelas ponta-grossenses não foge aos padrões comumente
consagrados:
− traçado urbanístico “aleatório”, apenas com alguns caminhos estreitos para
deslocamento de pedestres, contrastando com os loteamentos vizinhos (veja-se, por
exemplo, a favela da vila Flávio Carvalho Guimarães, mostrada a seguir pela figura 9);
− alta densidade de ocupação, raramente com divisão de lotes (a favela exibida pela
figura 9 – delimitada em vermelho - se apresenta como um bom exemplo);
− habitações em condições precárias, bastante vulneráveis às intempéries, fato que
aumenta o risco de acidentes em alguns fundos de vale com encostas íngremes, como
é o caso, por exemplo, de algumas ocupações da vila Nossa Senhora das Graças
(FIGURA 10).
A maior parte das favelas também está concentrada dentro das faixas de drenagem, ocupando
sobretudo as porções mais próximas dos cursos d’água. Mas há áreas faveladas em várias
outras localidades do espaço urbano. As favelas ocupam também a maior parte das
irregularidades existentes em terrenos declivosos e nas faixas de domínio de ferrovias e linhas
de transmissão de energia elétrica (FIGURA 11). Estes locais apresentam fortes restrições de
uso e de ocupação devido aos sérios riscos que oferecem, razão pela qual, quase sempre, são
mantidos vazios. Mesmo assim, não obstante essa periculosidade, tais locais aparecem como
mais uma possibilidade de acesso à terra urbana para algumas classes sociais, em geral as de
menor poder aquisitivo. Finalmente, há também áreas faveladas que são fruto de “invasões”
175 Singer nos ajuda a melhor esclarecer tal processo: “A adaptação do migrante recém-chegado ao meio social se dá freqüentemente mediante mecanismos de ajuda mútua e de solidariedade de migrantes mais antigos. Isto significa que o lugar que o novo migrante irá ocupar na estrutura social já é, em boa medida, predeterminado pelo seu relacionamento social, isto é, por sua situação de classe anterior.” SINGER, P. Economia política... op. cit., p. 55.
113
Figura 9 – Imagem da favela da vila Senador Flávio Carvalho Guimarães. Fonte: PMPG (2004)
Organização: NASCIMENTO, E. (2005)
Figura 10 – Favela em encosta com acentuada declividade, localizada na vila Nossa Senhora das Graças. Foto: NASCIMENTO, E. (2005)
114
Figura 11 – Ocupações irregulares na faixa de domínio de uma rede de alta tensão elétrica, na vila Santa Mônica. Foto: NASCIMENTO, E. (2005)
de algumas áreas plenamente edificáveis, como alguns terrenos abandonados, ou ainda certas
glebas mantidas em pousio por seus proprietários.
No que concerne aos usos da terra, as áreas faveladas, principalmente aquelas onde a
ocupação já se encontra “consolidada”, apresentam uma heterogeneidade interna bem maior
do que a mostrada pelos loteamentos irregulares, contando com uma maior disponibilidade de
pequenos serviços e estabelecimentos comerciais. Notadamente são atividades de pequeno
porte, como mercearias, pequenos estabelecimentos de prestação de serviço privado, como
salões de corte de cabelo e oficinas mecânicas. Tais estabelecimentos abastecem as
comunidades de mercadorias e prestam-lhes certos serviços que geralmente requerem pouca
especialização. Apesar de boa parte das mercadorias vendidas naqueles estabelecimentos
comerciais ter maiores preços do que nas grandes lojas, os diálogos com os moradores nos
115
esclareceram que em tais estabelecimentos a população local se aproveita de algumas
vantagens, como a compra com pagamento a posteriori (o popular “fiado”), além de permitir,
para certas ocupações distantes de áreas comerciais, a economia de tempo e de dinheiro com
deslocamento para consumir em estabelecimentos de maior porte, longe de casa.
Além desses estabelecimentos gerais de caráter privado, verifica-se também - em raros
casos, mesmo nos loteamentos – a presença de certos equipamentos estatais de uso coletivo,
como escolas e postos de saúde, resultado das reivindicações populares junto ao Estado ao
longo do tempo. Um exemplo no mínimo curioso é o posto de saúde da Vila Princesa dos
Campos, exibido pela figura 12, o qual foi construído recentemente sobre a área de várzea do
arroio da Olaria (que pode ser observada ao fundo e ao lado do posto), a poucos metros do
curso d’água, que corre do outro lado (FIGURA 12). Embora necessária, a disponibilidade de
serviços e equipamentos públicos nas favelas, assim como nas áreas irregulares em geral, a
sua existência não deixa de ser mais uma das várias contradições através das quais o espaço
urbano é (re)produzido, afinal, em tal situação, o próprio Estado, instância responsável pela
legislação (perante vários interesses, evidentemente), viola (novamente com vários interesses)
a mesma legislação por ele criada, ao fomentar determinadas irregularidades.
De um modo geral, as ocupações de locais destinados à preservação permanente por
áreas residenciais tem ocasionado sensíveis danos ao ambiente, principalmente nos fundos de
vale. Nestes locais freqüentemente observam-se impactos negativos como a remoção da
vegetação ciliar (cedendo lugar, predominantemente, para áreas faveladas), a erosão de
encostas e o assoreamento do leito dos cursos d’água. Estes, aliás, são os que sofrem os
maiores impactos, recebendo, além de sedimentos transportados das encostas, praticamente
todo o esgotamento sanitário das ocupações circundantes (inclusive, em vários casos, de
ocupações em áreas regularizadas, mais afastadas do fundo do vale, em alguns casos), em
decorrência, sobretudo, da inexistência das instalações sanitárias em tais ocupações – em sua
116
Figura 12 – Posto de saúde em área de várzea, localizado na vila Princesa dos Campos. Fonte: NASCIMENTO, E. (2005)
maioria improvisadas, que levam os resíduos diretamente dos domicílios para a rede de
drenagem. É comum ainda encontrar-se grandes quantidades de lixo doméstico, lançado
diretamente nos talvegues e nas encostas dos cursos d’água mais densamente ocupados. A
figura 13, exibida a seguir, mostra a poluição do arroio Lajeadinho, na favela da vila Flávio
Carvalho Guimarães. Além da evidente concentração de lixo doméstico, esse arroio tem
também uma grande quantidade de efluentes, fato denunciado pela cor escura da água.
Para finalizar a análise sobre as áreas residenciais, cabe tecer uma nota sobre os lotes
desocupados, que ocorrem em larga proporção nesses locais, exceção feita às favelas. Tal fato
é reflexo da própria dinâmica especulativa inerente ao processo de reprodução do espaço
urbano de Ponta Grossa, no qual várias áreas são deixadas vazias à espera de valorização.
Esse tipo de uso da terra ocorre nos loteamentos informais (ver, a título de exemplo, a figura
14) e principalmente nos locais com propriedade legal da terra - locais estes que são mais
117
Figura 13 – Detalhe da poluição do arroio Lajeadinho. Foto: NASCIMENTO, E. (2005)
Figura 14 – Vista do Jardim Jundiaí, loteamento irregular com vários lotes desocupados. Foto: NASCIMENTO, E. (2005)
118
valorizados dentro do conjunto do espaço urbano. A existência de lotes desocupados em áreas
irregulares, além de denunciar a especulação que vigora inclusive nessas áreas, pode ser um
indicativo de um possível aumento da população habitante de áreas irregulares num futuro
próximo, assim como, em certos casos, ser expressão de um aumento da apropriação indevida
de certas áreas non aedificandi.
6.2.2 Os terrenos amplos: áreas de uso industrial, agrícola e chácaras
Nesta seção examinar-se-á um outro lado da dinâmica da irregularidade de uso e
ocupação da terra em Ponta Grossa, que é aquele constituído pelas extensas áreas industriais e
de uso caracteristicamente rural.
Iniciemos a análise pelo mais extenso desses usos, as áreas de cultivo, as quais, como
já visto anteriormente, respondem por pouco mais de 14% do total de irregularidades, mesmo
inseridas na área urbanizada do município. A ampla maioria desses usos se localiza no sudeste
da área urbanizada, ao longo do eixo de expansão da cidade no entorno da BR 376, e também,
em menor número, nas porções sul e noroeste (MAPA 10), além dos inúmeros focos
distribuídos por todo o espaço urbano, internamente às áreas residenciais, como mostra a
figura 15.
A expressiva participação dessa classe de uso pode ser explicada por dois fatores. De
acordo com o técnico da Secretaria Municipal da Agricultura, Abastecimento e Meio
ambiente, o primeiro – e principal deles – é a grande ocorrência de terras com esse uso,
sobretudo em zonas periféricas da área urbana, que, para o profissional entrevistado, atendem
notadamente a interesses político-econômicos de determinados proprietários fundiários
interessados na conversão do uso da terra de rural para urbano e, para isso, estende-se o
119
Figura 15 – Área de cultivo em faixa de drenagem, localizada nas proximidades da vila 31 de Março. Foto: MATIAS, L. F. (2004)
perímetro urbano até essas áreas. Mas enquanto a incorporação à malha urbana contínua não
ocorre, utiliza-se as terras para determinados usos agrícolas, inclusive aquelas localizadas nas
faixas de drenagem.176
Ainda conforme o mesmo entrevistado, um outro fator que contribui – em menor
proporção - para a existência de áreas irregulares de uso agrícola na área urbanizada é o
mecanismo de gestão urbana denominado cessão de uso da terra, adotado pelo poder público
municipal, com o objetivo de resguardar áreas públicas – em especial, de preservação
permanente – contra determinados usos e ocupações considerados “mais impactantes”, como
é o caso, por exemplo, da ocupação para a construção de favelas. O profissional acima citado
afirma que é comum o Departamento de Meio Ambiente da prefeitura municipal, ceder o uso
176 GONÇALVES, op. cit. Sobre essas práticas, o entrevistado nos fornece um exemplo concreto. Ele revela que o proprietário de uma das áreas com uso agrícola irregular, localizada no sudeste da área urbanizada, está providenciando o parcelamento da área para fins urbanos e inclusive já solicitou informações à Divisão de Controle Ambiental da prefeitura municipal, para realizar o loteamento.
121
de determinadas áreas de faixas de drenagem para uso agrícola “doméstico” (sem o emprego
de insumos químicos), em troca de o beneficiado proteger o local contra futuras “invasões”.177
Dependendo do tipo de cultivo utilizado (com ou sem uso de insumos químicos), do
tipo de terreno (declividade, composição do solo etc.) e também da proximidade em relação à
drenagem, a ocupação de faixas de drenagem para uso agrícola pode acarretar sensíveis danos
ao ambiente, tais como a poluição de águas fluviais, comprometendo o abastecimento hídrico,
o transporte de sedimentos para dentro do curso d’água e conseqüente assoreamento do canal
fluvial, entre outros.
Por sua vez, as chácaras, com exceção das terras ao longo do grande “eixo-sudeste” da
área urbanizada, ocorrem em praticamente toda a cidade, em especial nos bairros Olaria e
Cará-Cará e no extremo oeste, no bairro Shangrilá (MAPA 10). A natureza irregular de sua
ocupação é semelhante a das áreas de cultivo: em geral se dá a ocupação de terras lindeiras à
rede de drenagem e a remoção da vegetação, para dar lugar principalmente a usos
agropecuários e de lazer. A diferença para com as áreas agrícolas é que geralmente os
proprietários das chácaras estão mais interessados no valor de uso dessas terras do que os
daquelas áreas, e assim, não concentram os seus esforços para loteá-las. A título de exemplo,
a figura 16 exibe, em imagem IKONOS, uma chácara em condição irregular de ocupação da
terra numa faixa de drenagem, onde notadamente a porção da chácara inserida na área de
preservação permanente (delimitada em vermelho) apresenta claras alterações de uso,
contrastando com o prolongamento da faixa de drenagem, em verde. Pode-se claramente
observar que houve a substituição da vegetação existente no local, para a construção de
galpões (FIGURA 16).
Finalmente, a significativa participação percentual das atividades industriais dentre as
irregularidades de uso e ocupação da terra (6,09%), também se deve quase integralmente a
localizações internas a faixas de drenagem, sobretudo de terrenos situados no sul da área 177 Id.
122
urbana e no grande eixo industrial da cidade existente na porção sudeste da mesma, ao longo
da BR-376 (MAPA 10). Dependendo da atividade desenvolvida e principalmente da infra-
estrutura que ela comporta para a disposição dos resíduos, a grande proximidade a cursos
d’água pode favorecer a contaminação da drenagem.
Figura 16 – Detalhe em imagem de satélite, de uma chácara em condição irregular de ocupação, localizada ao lado de um curso d’água na vila Pinheiro.
Organização: NASCIMENTO, E. (2005)
123
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho buscou contribuir com o conhecimento acerca do processo de
(re)produção e organização desigual do espaço urbano de Ponta Grossa, realizando um
diagnóstico geral da irregularidade de uso e de ocupação da terra em seu sentido mais amplo,
procurando abranger não somente as favelas e os loteamentos informais, mais abarcando
também outras formas de uso fundiário inadequado e ilegal existentes na área urbanizada do
município. Objetivou-se, com isso, ultrapassar a visão tradicional e equivocada que atribui
somente aos grupos sociais mais pobres a responsabilidade pelo modo caótico através do qual
a cidade cresce e se organiza.
Os resultados da pesquisa mostraram que, no espaço urbano de Ponta Grossa, a
propriedade jurídica fundiária e irregularidades de uso e ocupação da terra não mantém uma
relação estreita entre si. A ampla maioria das irregularidades diz respeito a terras
juridicamente regulamentadas, as quais são utilizadas por grupos sociais de renda mais
elevada do que os ocupantes de áreas não regularizadas.
Este estudo deixou clara também a grande variedade existente com relação à ocupação
e o uso da terra nas áreas em situação irregular, ocorrendo em tais áreas desde habitações
diversas, até estabelecimentos vinculados a atividades econômicas diferenciadas, tais como
estabelecimentos industriais (de pequeno e de grande porte), pontos de comércio, usos
voltados para a produção agrícola e/ou especulação imobiliária, chácaras com funções
diversas, entre outros. Por outro lado, não obstante tal heterogeneidade, é significativa nas
áreas irregulares a participação dos usos residenciais (em sua ampla maioria unifamiliares),
com destaque para as favelas, tipo de ocupação fundiária que vem apresentando, nos últimos
anos, um processo de crescimento em contínua aceleração. Considerando que são nos locais
de moradia que as populações efetivamente vivem o seu dia-a-dia e se reproduzem enquanto
sociedade, a ampla ocorrência de áreas habitacionais em situação fundiária irregular revela
124
uma precarização das condições de vida de parcela significativa da população ponta-
grossense, ocorrida no âmbito da expansão urbana, pois se mora-se mal, normalmente vive-se
mal.
Certos tipos de irregularidades de ocupação e uso fundiário ainda desencadeiam e/ou
aprofundam danos ao ambiente, como remoção da cobertura vegetal de áreas de preservação
permanente, desestabilização de encostas e poluição de cursos d’água, impactos estes que
trazem conseqüências sobretudo às próprias populações moradoras dessas áreas irregulares,
pois aprofundam ainda mais os riscos à saúde e à integridade física que a ocupação de tal
local oferecem, comprometendo a qualidade de vida dessa população.
Embora as irregularidades existentes no espaço urbano ponta-grossense, como se
procurou demonstrar, sejam bastante distintas entre si e propiciem benefícios e malefícios
para os grupos sociais igualmente distintos, o que igual para todas elas é o fato de que fazem
parte de um mesmo processo contraditório de (re)produção do espaço urbano. Antes de
qualquer coisa, tais irregularidades são o resultado histórico das lutas e estratégias de distintos
grupos e classes sociais – notadamente determinados proprietários de fundiários, grupos
sociais com baixos níveis aquisitivos e desprovidos de propriedade de terras, agentes políticos
e do próprio Estado – para ter acesso à terra, com vistas a fazer dela o uso mais satisfatório
e/ou rentável possível.
Cabe destacar que as reflexões apresentadas pela pesquisa são de caráter geral,
havendo ainda muito que ser investigado acerca do tema abordado. No caso das diferentes
irregularidades residenciais, entre outros fatores, podem ser melhor examinados o perfil dos
moradores das áreas juridicamente regulamentadas, das favelas e dos loteamentos irregulares
(procedência, estrutura familiar, escolaridade, renda etc), visando apreender possíveis
diferenças, bem como, no caso das favelas, os fatores específicos que levam à ocupação de
novas áreas e os diferentes atores políticos que atuam juntamente aos grupos ocupantes. Pode-
125
se também aprofundar a análise sobre a organização espacial dos terrenos amplos,
verificando, por exemplo, os tipos de cultivo efetuados e de insumos realizados em áreas
agrícolas irregulares, as características das atividades industriais desenvolvidas nos locais de
irregularidade, etc. É válido ainda investigar em maiores detalhes a participação do poder
público tanto no desencadeamento e ratificação de irregularidades, bem como no sentido de
procurar minimizá-las ou equacioná-las.
Conforme foi exposto neste trabalho, o fenômeno do uso e da ocupação irregular da
terra manifesta-se com grande intensidade no espaço urbano de Ponta Grossa. O pleno
conhecimento de tais formas ilegais e informais de produção da cidade pode fornecer
subsídios para a elaboração de medidas que visem uma gestão mais adequada do espaço
urbano, possibilitando compatibilizar a seletividade no acesso à terra urbana e a proteção de
determinadas áreas não edificáveis, e melhorando, por essa via, a qualidade de vida de
significativa parcela da população.
E nessa tarefa de identificação das irregularidades, a aplicação de tecnologias de
geoprocessamento, em especial, dos Sistemas de Informações Geográficas, se revelou ser de
bastante eficaz. Nesta pesquisa, esse instrumental permitiu a realização de tarefas complexas
com relativa facilidade e confiabilidade, além da verificação de certos parâmetros da
legislação que se apresentam grandes dificuldades para serem apreciados em campo –
sobretudo os cálculos da declividade do terreno e da extensão lateral das faixas de drenagem.
Desse modo, reafirma-se que as geotecnologias assumem uma posição de relevância no que
concerne à produção do conhecimento e à elaboração de estratégias sobre a organização do
espaço urbano.
126
REFERÊNCIAS
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APÊNDICE A - Formulário de observação
FORMULAÇÃO DE OBSERVAÇÃO
Local: Data: Coordenadas (x, y): 1 - Informações gerais: a) categoria(s) de irregularidade(s) existente(s): ( ) propriedade fundiária ( ) faixa de domínio de ferrovia ( ) faixa de drenagem ( ) faixa de domínio de linhas de transmissão ( ) declividade acentuada b) tipo predominante de uso da terra: ( ) áreas habitacionais regularizadas ( ) residencial ( ) loteamentos irregulares ( ) favelas ( ) terras desocupadas ( ) industrial ( ) chácaras ( ) cultivo 2 – Sobre possíveis riscos a que estão expostas as populações: a) há riscos de deslizamento de encostas? b) há riscos de enchentes? c) há riscos evidentes da ocorrência de acidentes relacionados à ferrovias ou linhas de transmissão de energia elétrica? Quais? Porque? 3 – Sobre possíveis danos ambientais em faixas de drenagem: a) o curso d’água aparenta estar poluído? Por que? b) há lixo jogado em curso d’água? De que tipo? c) ocorre o despejo de esgoto no curso d’água? De onde vêm os efluentes? d) há vegetação nas encostas e na margem do curso d’água? e) o curso d’água se mostra assoreado? f) há algum processo erosivo nas encostas? Qual? 4 – Sobre aspectos físicos das moradias e urbanísticos das vilas: a) existe arruamento? Como está organizado? b) há divisões de lotes? Como é o ordenamento das casas? c) de um modo geral, as casas são constituídas de que material?
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d) aparentam serem seguras quanto a chuvas e possíveis movimentos de massa? Por que? 5 - Sobre a disponibilidade de infra-estrutura e serviços: a) infra-estrutura disponível: ( ) luz elétrica regularizada Observações: ( ) pavimentação Observações: ( ) rede de esgoto pluvial Observações: ( ) rede de esgoto doméstico Observações: b) há disponibilidade, em locais vizinhos ou na própria área irregular, de serviços e acesso a áreas comerciais? 6 - Sobre áreas industriais, de cultivo e de chácaras: a) para que fim as terras em situação irregular estão sendo utilizadas? b) há danos ambientais aparentes em decorrência de tais ocupações? Quais? 7 - Outras observações importantes:
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APÊNDICE B - Formulário utilizado nas entrevistas com moradores de áreas
irregulares
FORMULÁRIO DE ENTREVISTA
Local: Data: Tipo de irregularidade: 1 - Nome do entrevistado: Idade: Escolaridade: Profissão: Ocupação atual: Onde trabalha? Onde fica o local de trabalho? Com que transporte vai ao trabalho? ( ) a pé/de bicicleta ( ) de ônibus da empresa ( ) de transporte coletivo ( ) Outro Renda Pessoal: Desempregado: Há quanto tempo: Como está sobrevivendo? ( ) Renda própria ( ) Ajuda de amigos/parentes ( ) Ajuda de programas governamentais ( ) Outro. Qual?
2 – Cônjuge: Idade: Escolaridade: Profissão: Ocupação atual: Onde trabalha? Onde fica o local de trabalho? Com que transporte vai ao trabalho? ( ) a pé/de bicicleta ( ) de ônibus da empresa ( ) de transporte coletivo ( ) Outro Renda Pessoal: Desempregado: Há quanto tempo: Como está sobrevivendo? ( ) Renda própria ( ) Ajuda de amigos/parentes ( ) Ajuda de programas governamentais ( ) Outro. Qual? 3 – Filhos: Total: Menores: Maiores: Quantos estudam: 4 – Agregados: Total: Menores: Maiores: Quantos estudam: 5 - Renda familiar mensal: 6 – O(A) sr(a) sempre morou em Ponta Grossa? ( ) Sim ( ) Não 7 – Há quanto tempo o(a) sr(a) mora nesta vila? 8 – Onde o(a) sr(a) morava antes de se mudar para esta vila? Outra Vila de Ponta Grossa: Município: UF: ( ) Área urbana ( ) Área rural 9 – Qual foi o principal fator que fez com que o(a) sr(a) se mudasse?
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10 – Qual a condição do lote? ( ) Próprio ( ) Invadido ( ) Cedido – Por quem? 11 – O (A) Sr(a) tem documentos do terreno? ( ) Sim ( ) Não 12 – Como você ficou sabendo do lote? ( ) Familiares ( ) Amigos ( ) Políticos ( ) Associações populares ( ) Propaganda ( ) Investigação própria ( ) Outra forma – Qual? 13 – Por que veio morar neste local? ( ) Proximidade de familiares/amigos ( ) Proximidade do emprego ( ) Baixo preço da área ( ) Menor chance de ter que deixar a área ( ) Outro motivo – Qual? 14 – Como ocorreu a ocupação da área? ( ) Individualmente pela família ( ) Coletivamente ( ) Foi outra família que fez a ocupação ( ) Área não “invadida” 15 – Gostaria de se mudar do local? ( ) Sim ( ) Não – Por que? 16 – Condição da moradia: ( ) Própria ( ) Alugada ( ) Cedida – Por quem? 17 – Material da residência: ( ) Alvenaria ( ) Madeira ( ) Mista ( ) Outro – Qual? 18 – Infra-estrutura disponível: Água encanada: ( ) Sim ( ) Não – De onde é coletada a água? Rede de esgoto ( ) Sim ( ) Não – Como é feito o esgotamento? Coleta de lixo ( ) Sim ( ) Não – Onde é despejado o lixo? ( ) Energia elétrica ( ) Telefone ( ) Pavimentação 19 – Há vantagens em morar nesta vila? Quais? 20 – Há problemas em morar neste local? 21 – Quais as principais melhorias que devem ser implementadas na vila? 22 – É comum a ocorrência de doenças nos integrantes da família? Quais? 23 – Algum integrante da família participa de alguma entidade comunitária? Qual? Assinatura/Rubrica do entrevistado:______________________________________________
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APÊNDICE C – Formulário utilizado na entrevista com o técnico da Divisão de
Controle Ambiental, da prefeitura municipal
FORMULÁRIO DE ENTREVISTA
1. A lei municipal de fundos de vale, da forma que está enunciada, pode confrontar o
Código Florestal. Com quais objetivos principais foi realizada aquela lei? 2. Até 1999, no processo de delimitação das faixas de drenagem, utilizava-se unicamente a
legislação municipal de proteção de fundos de vale, que era menos restritiva que a legislação federal. Como ficam as ocupações que antes não eram irregulares e depois passaram a sê-lo?
3. Como é feito, pela secretaria municipal, o processo de verificação das condições
adequadas para a realização de um loteamento? 4. Com quais parâmetros é feita a delimitação das bacias hidrográficas e a quantificação de
sua área? 5. Há várias ocupações dentro das faixas de drenagem que não são favelas (estão em
situação regular). Porque isso ocorre? 6. Como é feito o controle do uso em faixas de drenagem de áreas com uso rural,
localizadas dentro do perímetro urbano. Quais são as providências tomadas com relação aos usos em situação irregular?
7. Quais são as medidas a serem tomadas com relação às favelas e loteamentos clandestinos
existentes nas faixas de drenagem? 8. Quais são as medidas tomadas em relação a ocupações irregulares com grande
declividade topográfica?
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APÊNDICE D – Formulário utilizado na entrevista com a assistente social do
Departamento de Assuntos Comunitários, da prefeitura municipal
ROTEIRO DE ENTREVISTA
1. Dentre as ocupações irregulares de Ponta Grossa, algumas são loteamentos. Quais desses loteamentos são irregulares strictu sensu e quais são clandestinos? 2. Como se deu o processo de loteamento e de ocupação dessas áreas? Os lotes foram invadidos ou pagos pela população? 3. Quais são atualmente as ações do poder público perante esses loteamentos? E para com os loteadores? 4. Há várias áreas loteadas e ocupadas em locais que pela lei são não edificáveis. Por que isso ocorre? 5. As ocupações irregulares restantes são favelas. Como se dá a sua ocupação? É espontânea pela população ou motivada por interesses (políticos, econômicos etc)? Citar exemplos. 6. É (ou foi) comum a “concessão” irregular de terras por agentes políticos ou econômicos (seja ela não-edificável ou não) para fins de ocupação irregular? 7. Encontra-se muitas áreas irregulares que não são utilizadas (ou não somente) para fins de moradia – como estabelecimentos comerciais, mistos, igrejas. Como é o tratamento dessas áreas pelo poder público? 8. Quais são atualmente as ações do poder público para com as favelas?
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APÊNDICE E – Mapa final de áreas de uso e ocupação irregular da terra
na cidade de Ponta Grossa