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Geografia das Drogas: a atual política de drogas e a violência
nas periferias urbanas do Brasil1
Daniel Bruno Vasconcelos2
RESUMO
O artigo busca trazer uma reflexão sobre o desenvolvimento urbano do Brasil no
século XX e a criminalização da pobreza nas periferias das cidades, sobretudo
com a atividade de produção, circulação, venda e consumo de entorpecentes
ilícitos. Buscamos mostrar, através dos dados coletados dos institutos nacionais
de pesquisas, questões referentes ao número de homicídios e encarceramentos
no Brasil, tendo como ponto de discussão o atual modelo de política de drogas
no país, principalmente com seu caráter institucional racista e segregacionista.
O texto busca trazer ao leitor um olhar do ponto de vista de quem está na linha
de frente dessa guerra urbana traçada entre Estado e pessoas que trabalham
com ilícitos.
Palavras-chave: Geografia das Drogas; Periferias Urbanas; Criminalização da
pobreza; Racismo; Brasil.
INTRODUÇÃO
A realidade das cidades brasileiras, principalmente os grandes centros
metropolitanos, capitais e cidades médias estão marcadas pela violência de
todos os tipos, psicológica, física, estrutural, estatal, dentre outros. Essa
violência tem seus princípios baseados na formação do território brasileiro com
o poderio militar e privado (MORAES, 2005), enraizado na sua história de
1 Este artigo visa discutir um tema que está relacionado com a pesquisa de doutorado em andamento no Programa de Pós-Graduação em Geografia Humana da Universidade de São Paulo, cujo o tema é “Geografia e Geopolítica das Drogas: a política de Estado nas Américas”. A tese está sendo orientada pelo Prof. Titular Wanderley Messias da Costa. 2 Contato: [email protected].
torturas e genocídios ao longo de mais de 500 anos. Desde o início da
colonização europeia, a banalização da violência é marcada no Brasil por um
processo de muito sofrimento das pessoas pobres, principalmente os povos
descendentes de matriz africana e indígena (OLIVEIRA, 2018).
É fato e notório para os pesquisadores da área, que a violência nas
cidades brasileiras é produto de uma dialética histórica entre classes,
entrelaçado com uma desigualdade social produzida pelas classes dominantes,
sobretudo na política de Estado, causando de fato uma espoliação urbana nas
últimas décadas (KOWARICK, 1993). A política de drogas no Brasil surge, assim
como nos Estados Unidos, com um caráter racista e segregacionista
(ALEXANDER, 2017; VALOIS, 2017). Foi a forma que as classes dominantes,
por via do Estado, encontraram para segregar ainda mais a sociedade. O público
alvo para lei de drogas são os sujeitos periféricos pobres, majoritariamente,
pessoas negras no Brasil.
O recorte temporal para compreender nossa análise está entrelaçado nos
últimos 50 anos, quando houve uma intensificação no processo do êxodo rural
no Brasil e as cidades tiveram um boom urbano. As cidades não estavam
nenhum pouco preparadas para esse processo, tanto na questão da
infraestrutura quanto na questão social. O Estado criou uma política de
urbanização, mas em termos de planejamento, não soube planejar ou controlar
esse avanço do campo para cidade, causando um crescimento desordenado no
espaço urbano.
Simultaneamente, a política de drogas nesse momento se intensifica para
criminalizar a pobreza, e hoje esse processo evoluiu em todas as instâncias, até
mesmo na cultura equivocada de achar que todo favelado ou periférico é bandido
ou traficante. A política neoliberal desenfreada por parte do Estado retira muitos
direitos dos trabalhadores, ocasiona baixos salários e vem causando altas taxas
de desemprego. Isso reflete assiduamente nas periferias, onde as corporações
do narcotráfico cooptam pessoas em situação de vulnerabilidade para trabalhar
no processo de produção, circulação e venda de entorpecentes ilícitos, no
atacado e no varejo.
Contudo acreditamos que grande parte da violência nas grandes cidades
nada tenha a ver com o tráfico de drogas, apesar de parte significativa se
relacionar com o tráfico de varejo enquanto estratégia de sobrevivência ilegal
(Souza, 1998).
“Nos espaços segregados controlados por quadrilhas de traficantes de drogas, a população pobre se vê exposta não apenas à nada incomum arbitrariedade por parte dos criminosos, mas também ao risco de ser, acidentalmente, vitimada quando de enfrentamentos entre quadrilhas rivais ou entre os bandidos e a polícia” (SOUZA, 1998, p. 13).
Nesse sentido, vemos a necessidade de debater a violência dentro do
espaço urbano, no sentido de compreender os processos socioespaciais de
cada lugar, sobretudo, nas grandes cidades brasileiras que tem uma marca forte
de territórios do narcotráfico.
MÉTODO E METODOLOGIAS
Para traçar essa discussão que estamos propondo, nosso método será o
analítico dedutivo, na qual percorremos bibliografias e dados já criados por
instituições de pesquisas. Essas bibliografias e dados trazem consigo
informações nas quais vemos a necessidade de aprofundamento no debate
científico.
A corrente da ciência que percorremos está no campo da Geografia
Crítica, pois acreditamos que esse campo de discussão está amparado
conceitualmente e categoricamente para explanar assuntos dessa natureza,
onde discutiremos questões sociais, de violência, de periferias, circulação, etc.
A produção científica geográfica brasileira nos traz para o debate uma
multiplicidade de temas, na qual coube a seleção de referências para nossas
discussões.
DISCUSSÃO E ANÁLISE DO TEMA
No Brasil, todas as capitais estaduais possuem de certa forma
aglomerados urbanos intensos (regulares e irregulares) e em quase todas foram
formadas regiões metropolitanas, com conurbações urbanas, conexões de vias,
etc. Essa descrição se refere ao modelo padrão de urbanização implantado no
Brasil. Porém, essa estrutura urbana e esses aglomerados populacionais não
necessariamente são a melhor forma de habitar, tanto do ponto de vista da
qualidade de vida das pessoas que ali vivem, quanto dos problemas que esses
aglomerados podem gerar, sobretudo as desigualdades sociais, raciais, de
gênero e a violência.
Partindo do pensar a forma e modelo da urbanização brasileira, nossa
discussão começa com os dados do Atlas da Violência de 2019, publicado pelo
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e o Fórum Brasileiro de
Segurança Pública (FBSP), onde tentaremos fazer um cruzamento de dados e
informações da realidade cotidiana das cidades brasileiras.
A seguir, trazemos o Infográfico do Atlas da Violência 2019, onde mostra
os principais resultados pesquisados de forma sintética, na qual, referencia
nossa discussão.
Figura 1: Infográfico Atlas da Violência 2019
Fonte: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP)
O Infográfico do Atlas da Violência 2019 se refere aos dados obtidos no
ano de 2017 e, mostra diversas informações que é importante ressaltar, como o
peso da desigualdade racial, da violência contra a mulher e contra as pessoas
LGBTI+3. No ano de 2017, o Brasil registrou oficialmente 65.602 homicídios,
esse número tende a ser bem maior, pois nem todos os homicídios que
aconteceram, e acontecem no Brasil, são registrados. Nesse cenário, os piores
índices estão nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste do país. Foram
mortos, entre homens e mulheres considerados jovens (de 18 a 29 anos), 35.783
pessoas, uma taxa de 69,9 pessoas por 100 mil habitantes. O peso da
desigualdade racial é muito grande dentro desses dados, onde 75,5% das
3 Lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, intersexuais e outras identidades de gênero e sexualidade não contempladas na atual sigla adotada, representadas pelo “+”.
vítimas eram negras. Em 2017, foram 4.936 mulheres assinadas, sendo 66%
delas negras, uma média de 13 vítimas por dia no Brasil, um verdadeiro
feminicídio. Entre as pessoas LGBTI+ foram registrados 193 casos de
homicídios em 2017, muitos por casos de intolerância a diversidade de gênero.
No ano de 2016, foram registradas 5.930 notificações de violência contra as
pessoas LGBTI+ (violência física, psicológica, tortura e outras).
Todos esses dados são alarmantes e muito preocupantes do ponto de
vista da segurança pública nacional. Em 2017, 72,4% das vítimas foram mortas
por arma de fogo. É notório que a sociedade civil brasileira não está preparada
e muito menos tem condições psicológicas e técnicas para obter porte de armas
de fogo, pois são elas a grande causadora das mortes no país. Os militares que
teoricamente são treinados e deveriam ter um aporte sociopsicológico para
manusear armas de fogo, são os que mais matam pessoas, quem dirá uma
sociedade com baixa escolaridade, desigual socialmente, racista e homofóbica,
lidar com armas no cotidiano. Diante dos dados e pesquisas desenvolvidas sobre
o porte de armas para os cidadãos brasileiros, somos contra o porte de armas
para a sociedade!
Para ficar mais nítido a distribuição geográfica dos homicídios cometidos
no Brasil, traremos a seguir o mapa com as taxas por Unidade da Federação,
os dados são referentes ao ano de 2017. As taxas por 100 mil habitantes que
em 2017 se situavam entre 10,3 (São Paulo4) e 62,8 (Rio Grande do Norte),
possuem uma grande heterogeneidade. Na sequência, traremos uma tabela
com os números absolutos de homicídios por Unidade da Federação entre 2007
4 “A taxa de homicídios de São Paulo deve ser observada com alguma cautela, tendo em vista o alto índice de mortes violentas com causa indeterminada (MVCI), que pode estar ocultando óbitos não classificados como homicídios. Para se ter uma ideia, a taxa de MVCI aumentou 13,4% no último ano, o que redundou num índice de 5,8 MVCI para cada 100 mil habitantes” (IPEA; FBSP, 2019).
e 2017.
Fonte: IBGE/Diretoria de Pesquisas. Coordenação de População e Indicadores Sociais. Gerência de Estudos e Análises da Dinâmica Demográfica e MS/SVS/CGIAE - Sistema de
Informações sobre Mortalidade – SIM. O número de homicídios na UF de residência foi obtido pela soma das seguintes CIDs 10: X85-Y09 e Y35-Y36, ou seja: óbitos causados por agressão mais intervenção legal. Elaboração Diest/Ipea e FBSP.
Para fazer uma análise do mapa é preciso lembrar que o Brasil ocupa um
dos piores lugares nos rankings mundiais na questão da segurança pública,
nossos dados são comparados com países que estão em conflitos de guerra
armada. Em 2016, os índices de homicídios no Brasil chegaram a ser 30 vezes
mais do que a soma de todos os países da Europa juntos (IPEA; FBSP, 2018, p.
3), maior até do que a guerra na Síria. Os dois maiores índices de homicídios
em porcentagem ocorrem nas regiões norte e nordeste do país, esses números
são fruto de um processo histórico que o Brasil viveu ao longo de séculos.
Regiões estas que não foram assistidas socialmente por políticas
governamentais de bem-estar social para a população durante séculos,
tampouco foram desenvolvidas políticas econômicas de desenvolvimento
massivo.
A falta de assistência social e econômica, desemprego, leva de antemão
as pessoas a procurarem por alternativas que possam trazer benefícios para sua
sobrevivência, e também para mínima ascensão econômica, saindo da miséria.
Isso está ligado diretamente ao que Milton Santos (2008) chama de circuito
inferior da economia. Uma dessas alternativas econômicas, na segunda metade
do século XX no Brasil, para muitas pessoas foi trabalhar como varejista na
venda de entorpecentes ilícitos, pela lei chamado de traficante de drogas. Porém,
naquele momento histórico, o país estava se urbanizando e não existia de fato
um crime organizado. Muito menos estrutura para isso, com uma rede ampla de
produção, circulação e pontos de venda de entorpecente ilícitos. O Brasil do
século XX era um verdadeiro bang-bang na disputa de território para implantação
de pontos de venda de entorpecentes. As corporações do narcotráfico brasileiro
começam a se estruturar no final do século, já na década de 1980. A partir deste
ponto, os territórios de vendas de entorpecentes passam a ter dono não de
pessoas físicas, mas sim dessas corporações do narcotráfico, um novo sistema
é criado pelas organizações do narcotráfico. As pessoas que estão trabalhando
nessa atividade econômica passam a ter que obedecer a uma ordem para entrar
e permanecer no sistema e, fazer pagamentos mensais para as corporações de
ilícitos. Quando determinado território não está gerando tanto lucro, algumas
corporações entram em conflito armado com outras para dominar seus territórios
e estabelecer um ponto de venda melhor de entorpecentes, inclusivo os
milicianos.
O papel do Estado representado pela polícia militar é fazer a máquina
funcionar, as corporações do narcotráfico fazem o pagamento para os policiais
mercenários (milicianos) e a venda pode continuar sem conflito algum, mas
quando o pagamento não é feito, a polícia entra no território para matar tanto os
vendedores de ilícitos quanto os moradores do local, que não tem nada a ver
com esse tipo de atividade. Normalmente esses territórios são nas periferias e
nas favelas das cidades.
A seguir temos na Tabela 1 os dados em número de homicídios por Unidade
da Federação entre os anos de 2007 e 2017, mostrando a variação nesse período.
É importante pensar esses índices fazendo uma relação com o momento histórico
que o país viveu nesse período, onde o Brasil de certa forma teve uma ascensão
econômica e de desenvolvimento estrutural, com índices de desempregos
relativamente baixos e um avanço na ampliação de vagas no ensino superior.
A ocupação das pessoas com emprego digno e estudos fazem parte de uma
política de estado de bem-estar social que a sociedade deveria ter e manter com
identificadores positivos, pois esses são fatores decisivos para diminuição dos
índices de criminalidade e, respectivamente, homicídios. Pelo menos em tese, essa
seria a regra modelo, caso que também não aconteceu no Brasil.
Tabela 1: Brasil – Número de homicídios por Unidade da Federação (2007-2017)
Número de Homicídios Variação %
Brasil
2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2007 a 2017
48.219 50.659 52.043 53.016 52.807 57.045 57.396 60.474 59.080 62.517 65.602 36,1%
Acre 137 133 153 165 164 208 234 232 217 363 516 276,6%
Alagoas 1.836 1.887 1.873 2.087 2.244 2.046 2.148 2.085 1.748 1.820 1.813 -1,3%
Amapá 172 210 190 260 209 253 225 256 293 381 383 122,7%
Amazonas 715 830 916 1.082 1.292 1.344 1.191 1.240 1.472 1.452 1.674 134,1%
Bahia 3.659 4.819 5.432 5.844 5.549 6.148 5.694 6.052 6.012 7.171 7.487 104,6%
Ceará 1.933 2.019 2.165 2.688 2.792 3.841 4.473 4.626 4.163 3.642 5.433 181,1%
Distrito Federal 711 812 882 786 902 954 837 843 742 760 610 -14,2%
Espírito Santo 1.877 1.947 1.985 1.792 1.672 1.667 1.622 1.609 1.450 1.270 1.521 -19,0%
Goiás 1.521 1.792 1.902 1.979 2.272 2.793 2.975 2.887 2.997 3.036 2.901 90,7%
Maranhão 1.127 1.277 1.398 1.519 1.591 1.777 2.163 2.462 2.438 2.408 2.180 93,4%
Mato Grosso 889 937 1.000 972 1.009 1.074 1.158 1.358 1.203 1.180 1.102 24,0%
Mato Grosso do Sul 710 699 725 656 673 683 630 700 634 671 659 -7,2%
Minas Gerais 4.125 3.889 3.742 3.646 4.262 4.562 4.717 4.724 4.532 4.622 4.299 4,2%
Pará 2.194 2.860 2.989 3.521 3.073 3.236 3.405 3.446 3.675 4.223 4.575 108,5%
Paraíba 864 1.029 1.263 1.455 1.614 1.525 1.551 1.551 1.522 1.355 1.341 55,2%
Paraná 3.105 3.445 3.698 3.586 3.376 3.489 2.936 2.980 2.936 3.080 2.759 -11,1%
Pernambuco 4.557 4.446 3.963 3.473 3.471 3.327 3.124 3.358 3.847 4.447 5.419 18,9%
Piauí 383 361 385 411 440 525 598 717 650 701 626 63,4%
Rio de Janeiro 6.551 5.662 5.365 5.667 4.781 4.772 5.111 5.718 5.067 6.053 6.416 -2,1%
Rio Grande do Norte 589 714 800 810 1.054 1.124 1.447 1.602 1.545 1.854 2.203 274,0%
Rio Grande do Sul 2.199 2.380 2.242 2.085 2.077 2.382 2.322 2.724 2.944 3.225 3.316 50,8%
Rondônia 432 480 538 546 450 526 483 578 600 703 554 28,2%
Roraima 116 105 118 121 95 144 214 158 203 204 248 113,8%
Santa Catarina 632 802 820 823 811 821 789 905 957 984 1.066 68,7%
São Paulo 6.437 6.332 6.557 6.039 5.842 6.566 6.035 6.185 5.427 4.870 4.631 -28,1%
Sergipe 522 555 653 676 731 879 965 1.097 1.303 1.465 1.313 151,5%
Tocantins 226 237 289 327 361 379 349 381 503 577 557 146,5%
Fonte: MS/SVS/CGIAE - Sistema de Informações sobre Mortalidade - SIM. O número de homicídios na UF de residência foi obtido pela soma das seguintes CIDs 10: X85- Y09 e Y35-Y36, ou seja: óbitos causados por agressão mais intervenção legal. Elaboração Diest/Ipea e FBSP.
A partir do ano de 2015, o Brasil entra numa crise política e,
consequentemente econômica. O Partido dos Trabalhadores que começava o
seu quarto mandato no poder executivo sofreu um golpe jurídico-parlamentar
apoiado pela mídia e por uma parcela significativa do empresariado nacional e
internacional. Essa crise refletiu significativamente na sociedade, no qual as
taxas de desemprego em 2017 atingiram o índice de 13,7%, cerca de 14 milhões
de desempregados (IBGE, 2018). Isso levou muitas pessoas para informalidade
e criminalidade. Consequentemente, as vagas de trabalho oferecidas e
disponíveis para uma grande parte da sociedade, com baixo índice de
escolaridade e sem experiência formal de emprego, muitas vezes acaba sendo
serviços ilegais, sobretudo, com o narcotráfico, que pode ser considerado hoje o
único ramo de trabalho que aceita pessoas de todas as classes sociais, gênero,
idade e baixa formação educacional, sem discriminação. Pois, é preciso de
pessoas dos mais variados tipos para trabalhar nessa informalidade, hoje
considerada criminosa. Contudo, trabalhar nesse ramo tem seu risco, muitas das
vezes é correr o risco de ser preso (a) ou ser assassinado (a).
A guerra do narcotráfico é intensa, afeta toda a sociedade e,
principalmente, os mais pobres. As pessoas que mais sofrem com esse conflito
são jovens negros com baixa escolaridade, que vivem nas periferias das cidades
brasileiras. Em outras palavras, é a criminalização da pobreza por parte do
Estado, por uma falta no desenvolvimento de estado de bem-estar social para a
população. São as classes dominantes usurpando cada vez mais os pobres,
deixando-os sem saída para uma vida digna. Isso é o reflexo do Estado mínimo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com o modelo de urbanização que o Brasil passou a ter na segunda
metade do século XX e uma explosão desenfreada nas taxas de natalidade
nesse mesmo período, sem controle do Estado para um planejamento urbano e
social, o que aconteceu foi um boom populacional urbano e a periferização da
pobreza nas cidades brasileiras. Contudo, a falta de políticas públicas para os
mais pobres nesse período de crescimento populacional e urbano levou muitas
pessoas para as atividades ilegais. Somando também com a atuação criminosa
do Estado brasileiro de torturar e exterminar as populações pobres, sobretudo,
a população negra. São milhares de relatos e noticiários todos os anos
mostrando a atuação violenta dos militares brasileiros sobre essa população
periférica. O racismo institucional sobreposto através da política de drogas,
copiado do modelo estadunidense, que Michele Alexander (2017) relata no seu
livro “A Nova Segregação: racismo e encarceramento em massa” mostra um
pouco da realidade social. O Estado em relação à segurança pública é autoritário
e defende os interesses da burguesia. “Não escorre sangue nobre porque bala
perdida só encontra pobre” (Autor desconhecido).
Diante de tantos problemas sociais e estruturais no Brasil, que perdura
durante séculos, uma das possíveis saídas da crise estrutural seria a
regulamentação as atividades de produção, circulação, venda e consumo de
ilícitos. Não refiro aqui somente aos entorpecentes, e sim, aos mais diversos
produtos que se encontram no mercado ilegal, pois, esses gerariam empregos
formais, produção e circulação de produtos com arrecadação de impostos,
sobretudo, beneficiaria a camada social mais pobre. Agora falando
exclusivamente sobre os entorpecentes, na qual muitos causam dependências
químicas, físicas e psíquicas, a regulamentação poderia servir como um marco
para alteração nas substâncias produzidas, na qual passaríamos a ter um
controle sanitário rigoroso das substâncias que hoje são vendidas e consumidas
sem nenhum controle de qualidade. O mercado de entorpecentes
regulamentado ajudaria a melhorar a saúde pública dos usuários que estão na
dependência dessas substâncias. Esse problema com os entorpecentes deve
ser tratado como caso de saúde pública e não como caso de segurança pública.
O modelo que estamos seguindo, tratando a questão dos entorpecentes
como caso de segurança pública, mostra através dos dados, os altos índices de
homicídios e de encarceramento que o país vem sofrendo ao longo dos anos.
Em junho de 2016, o Brasil tinha registrado segundo o INFOPEN - Levantamento
Nacional de Informações Penitenciárias (2017), 726.712 presos entre homens e
mulheres. Na qual 64% eram pessoas de cor de pele negra, 55% de pessoas
entre 18 e 29 anos. Dentro desse total são 45.989 mulheres, das quais 62%
delas estão presas por tráfico de drogas. No total entre homens e mulheres,
cerca de 30% estão presos por tráfico de drogas, o equivalente a 220 mil
pessoas. O transtorno que o Estado causa na vida dessas milhares de pessoas
que estão ou que foram presas é irreparável, sua ressocialização na sociedade
está fadada muitas vezes ao retorno das atividades ilícitas por falta de
oportunidades, salve às exceções com alguns acidentes sociais (pobre na
universidade pública e emprego com carteira assinada).
É fato e notório que o custo dessa política genocida e de encarceramento
é muito alto tanto do ponto de vista econômico quanto do ponto de vista social,
não podemos continuar aplicando as mesmas leis e regras que estão sendo
utilizadas a décadas. É preciso mudança e essa mudança parte de uma decisão
política dos três poderes nacionais, judiciário, legislativo e executivo. Enquanto
não houver uma transformação de pensamento nesses três poderes, nossa
sociedade estará fadada ao fracasso e a criminalização da pobreza estará
vigente. A sociedade não pode aceitar a continuação dessa política nacional
criminalista, é preciso um novo modelo política, menos punitivista e com mais
políticas públicas para o desenvolvimento de um estado de bem-estar social.
REFERÊNCIAS
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massa. Tradução: Pedro Davoglio; Revisão técnica e notas: Silvio Luiz de
Almeida. 1. Edição. São Paulo: Boitempo, 2017.
INFOPEN – LEVANTAMENTO NACIONAL DE INFORMAÇÕES
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e Segurança Pública. Brasília 08 de dezembro de 2017. Acessado em:
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INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Desemprego
volta a crescer no primeiro trimestre de 2018. Agência IBGE Notícias. Editoria
Estatísticas Sociais, Marcelo Benedicto. Arte: J. C. Rodrigues. Publicado em 27
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INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA; FÓRUM BRASILEIRO
DE SEGURANÇA PÚBLICA. Atlas da Violência 2018. Brasília: Rio de Janeiro:
São Paulo: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada; Fórum Brasileiro de
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INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA; FÓRUM BRASILEIRO
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MORAES, Antonio Carlos Robert. Território e História do Brasil. São Paulo:
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