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Eventos sociais e naturais na constituição do front agrícola no MATOPIBA
Glaycon Vinícios Antunes de Souza1
Universidade Federal de Uberlândia
INTRODUÇÃO
Nas últimas três décadas observamos a constituição do front2 agrícola nos
cerrados brasileiros em áreas do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia (MATOPIBA). A
área produzida, bem como a quantidade colhida de commodities agrícolas, sobretudo a
soja, vem crescendo de forma significativa nesta região. Devido à crescente importância
desta região na produção de grãos, o Estado brasileiro, através dos estudos do Grupo de
Inteligência Territorial Estratégica – GITE (vinculado à Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuária - EMBRAPA) e o Instituto de Colonização e Reforma Agrária – INCRA
(vinculado ao Ministério do Desenvolvimento Agrário), criou o Plano de
Desenvolvimento Agropecuário do MATOPIBA, decreto nº 8.447 de 6 de maio de 2015
(BRASIL, 2015). Tal plano tem como finalidade promover ações estrategicamente
planejadas para o desenvolvimento da agropecuária no MATOPIBA.
Diante deste quadro de expansão do agronegócio nesta porção do território
brasileiro, temos como objetivo apontar e discutir os eventos que propiciaram a abertura
deste novo front agrícola, e que favoreceram uma regionalização como ferramenta
(RIBEIRO, 2015). Para alcançar tal meta utilizaremos o pressuposto analítico proposto
por Santos (2002) que considera relevante avaliar os eventos que ocasionaram a
constituição da situação geográfica que se pretende avaliar. Este pressuposto é
fundamental para uma análise que leve em conta a compreensão dos sistemas de ações, e
1 Aluno da pós-graduação em Geografia/ UFU, nível mestrado. Bolsista do Fundo de Amparo à
Pesquisa de Minas Gerais – FAPEMIG. 2 Compreendemos front como a inserção de inéditos sistemas de ações e sistemas de objetos ao
lugar ou região, sobretudo em porções do território onde há menos resistência à incorporação do
novo, ou seja, áreas com menos rugosidades (SANTOS, 2002), proporcionando outras formas de
uso do território (SANTOS; SILVEIRA, 2011).
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dos sistemas de objetos, as intencionalidades, enfim, a dinâmica e as mudanças do uso do
território, visto que “[...] os eventos mudam as coisas, transformam os objetos, dando-
lhes, ali mesmo onde estão, novas características” (SANTOS, 2002, p.146).
O evento é o veículo das inúmeras possibilidades do mundo, podendo ser,
também, um vetor das possibilidades existentes. Os eventos tomam formas nos lugares,
e, por sua vez, “[...] o lugar, ao permitir, via espaço, que os eventos existam em momentos
históricos precisos, converte-se, em sua especificidade, na oportunidade para a realização
das potencialidades do mundo” (FIGHERA, 1996, p.270). Cada evento possui seu tempo
e espaço, “os eventos são, simultaneamente, a matriz do tempo e do espaço” (SANTOS,
2002, p.145). Santos (2002) afirma que não há evento sem ator, e, como os atores são
formuladores de ações, pode-se dizer que não existe evento sem ação. Ainda segundo o
referido autor, essa relação mútua entre ator, ação e evento é fundamental para a teoria
geográfica, visto que a cada nova ação uma nova situação geográfica se estabelece, pois,
“Os eventos dissolvem as coisas, eles dissolvem as identidades, propondo-se outras,
mostrando que não são fixas” (DIANO, 1994, p.91 apud SANTOS, 2002, p.146).
Os eventos históricos ou sociais são produtos das relações sociais, do
intercâmbio entre os homens e do homem com a natureza, sendo as diversificações do
trabalho e da informação as principais forças motrizes dessa categoria de evento
(SANTOS, 2002, p.147). Para nós, os eventos sociais são fundamentais para
demonstrarmos o processo de abertura do front agrícola no MATOPIBA, sobretudo as
ações políticas. Destacamos, também, que as condições físico-naturais possuem
elementos que nos ajudam a explicar a expansão do agronegócio para esta região.
CONDIÇÕES NATURAIS E EVENTOS SOCIAIS PARA CONFORMAÇÃO DO
FRONT AGRÍCOLA MODERNO NO MATOPIBA
Segundo relatório técnico do GITE (2014a, p.3), o bioma dos cerrados
predomina na região do MATOPIBA, representando 91% da área, sendo um dos
principais critérios para delimitação desta região agrícola moderna. Esta região ainda é
constituída pelo bioma Amazônia, que corresponde à aproximadamente 7,3%, e pelo
bioma Caatinga, cerca de 1,7%. As condições físicos-naturais do domínio morfoclimático
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dos cerrados como clima, relevo e hidrografia favoreceram a expansão da agricultura
moderna para esta região.
Segundo Ab’Saber (2003, p.39), o domínio de natureza dos cerrados possui uma
sazonalidade climática bem definida, com três a cinco meses com baixos índices
pluviométricos e seis ou sete meses com índices pluviométricos elevados, possuindo uma
precipitação média anual que varia de 1300 a 1800 mm, com temperaturas médias que
variam entre 20 a 24ºC (temperatura mínima), até um máximo de 24 a 26ºC, configurando
condições favoráveis para a produção agrícola. Uma das características deste domínio é
a forte presença de chapadões na paisagem, onde “ocorre a maior macissividade,
extensividade e homogeneidade relativa de forma topográficas planálticas do Brasil
intertropical” (AB’SABER, 2003, p. 122), muito favoráveis à utilização de máquinas e
implementos agrícolas.
No domínio morfoclimático dos cerrados, os cursos d’água principais e
secundários possuem drenagens perenes. Entre os principais rios presentes no
MATOPIBA estão o Tocantins, Araguaia, São Francisco, Gurupi, Parnaíba, Itapicuru
(GITE, 2014a, p. 21). Os cursos d’água de ordem menor desaparecem no período de seca,
contudo, permanece uma “espécie de linha molhada d’água em sub-superficial” (AB’
SABER, 2003, p. 119), ou seja, mesmo em período de seca há disponibilidade de água
em subsuperfície. Estas características hídricas dos cerrados são fatores que favorecem a
irrigação em seus diversos métodos, tais como aspersão, gotejamento, pivô central, entre
outros, no cultivo de diferentes produtos agrícolas que são extremamente dependentes de
água. Conforme Santos e Silveira (2011), devemos levar em consideração nas análises
geográficas o uso do território, pois é a partir do seu uso que o território é definido. Nesse
sentido, é importante compreendermos a atuação da Associação dos Agricultores
Irrigantes da Bahia (Aiba), visto que esta organização política representa o interesse dos
grandes produtores do Oeste baiano, que são os agentes que mais usam o sistema de
irrigação na produção agrícola.
A Aiba possui papel central, fundamentalmente no Oeste baiano, na articulação
política e econômica do agronegócio da região, representando cerca de 1.300 produtores
do Oeste baiano, que juntos possuem 2,25 milhões de hectares de terras plantadas (AIBA,
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2016), demonstrando a força da representatividade desta instituição no agronegócio
regional. Esta organização visa a modernização das práticas agrícolas a partir da
utilização de um conjunto de objetos técnicos como máquinas agrícolas modernas e
sistemas de irrigação, bem como a busca de produtos que são cada vez mais carregados
de conhecimento científico. O incentivo da utilização desse conjunto de objetos técnicos
para tornar a produção ainda mais competitiva pode ser percebida pela concentração de
pivôs centrais nesta região. Em 2013, cerca de 90% (1.261) dos pivôs centrais do
MATOPIBA estavam nos municípios baianos (EMBRAPA MILHO E SORGO, 2014,
p.4), esta densidade técnica deve-se às articulações da Aiba em estimular a produção com
alto grau de instrumentalização técnica e científica em busca de maior produtividade.
A associação influenciou diretamente na
[...] eletrificação rural de mais de 1.160 km, só na Bacia do Rio Grande,
durante as décadas de 1990 e 2000; a implantação de rodovias; a
utilização de créditos do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e
Serviços (ICMS) nos insumos da produção, como óleo diesel; isenções
do imposto em energia; ações movidas na justiça com ganho de causa
da AIBA. O caso, por exemplo, da suspensão da exigibilidade da
Contribuição Social Rural, o Funrural, para seus associados constitui
outro ganho da entidade. A AIBA também foi a responsável direta em
ações como o Plano Estadual de Adequação e Regularização Ambiental
dos Imóveis Rurais (PARA/Oeste Sustentável), que poderá eliminar o
passivo ambiental desses produtores junto aos órgãos ambientais
(MENEZES, 2014, p.133-134).
Cabe destacar que a Aiba é uma das responsáveis pela organização de uma das
“vitrines” do agronegócio do Oeste baiano, que é a Bahia Farm Show, uma das maiores
feiras do agronegócio do país que movimentou mais de um bilhão de reais, em 2016
(BAHIA FARM SHOW, 2016). Certamente essa associação é umas das organizações que
mais promove e incentiva a agricultura científica globalizada (SANTOS, 2001) no
MATOPIBA, exercendo “[...] seu poder de forma corporativa com total influência na
economia, na política e na produção do espaço regional” (PEQUENO; ELIAS, 2015,
p.17). Faz-se importante ressaltar que alguns ex-presidentes desta instituição foram
prefeitos de Luís Eduardo Magalhães, como apontam Pequeno e Elias (2015) e Menezes
(2014), nos indicando o quanto a organização política está intimamente ligada com o
agronegócio.
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As ações de modernização do campo, em porções que hoje correspondem ao
MATOPIBA, tomam maiores dimensões a partir da década de 1970, tendo como
exemplos os planos para ocupação da “Amazônia Tocantinense”, tais como o Programa
de Polos Agropecuários e Agrominerais da Amazônia – POLAMAZÔNICA, o Programa
de Redistribuição de Terras e de Estímulo à Agroindústria do Norte e Nordeste
(PROTERRA), e o Projeto de Desenvolvimento da Bacia do Araguaia-Tocantins e Grupo
Executivo de Terras do Araguaia-Tocantins. (LIMA, 2015, p.330). Também foram criados,
entre 1960 a 1970, programas para direcionados para o Nordeste tais como o Polonordeste,
Projeto Sertanejo, Programa de Irrigação do Nordeste, Fundos de Investimentos do Nordeste
(FINOR), de forma sintetizado tais ações políticas visavam disponibilizar “recursos para aqueles
agricultores que pudessem responder mais rapidamente o propósito definido pelo estado brasileiro
naquele momento garantindo, com isso, o equilíbrio da balança comercial, além de responder à
crescente pressão por alimentos do processo de urbanização em curso no país” (ALVES, 2006,
p.171).
Ainda podemos destacar o Programa para o Desenvolvimento do Cerrado
(POLOCENTRO) e o Programa Nipo-Brasileiro de Desenvolvimento dos Cerrados II e
III (PRODECER). De forma geral, este conjunto de eventos sociais via políticas públicas,
com destaque para o PRODECER, considerado por Inocêncio (2010) o grande programa
modernizador dos cerrados, propiciou a abertura do front agrícola para os cerrados do
Norte e Nordeste, aprofundando o capitalismo no campo nesta região a partir de subsídios
e incentivos fiscais, estimulando a produção agrícola de cultivos para exportação,
fundamentalmente a soja.
Segundo Hasbaert (2008), a migração de produtores do Sul e Sudeste para a
região do “novo nordeste” foi intensa, pois esses eram considerados os mais preparados
tecnicamente para produção agrícola moderna (INOCÊNCIO, 2010, p.97-98),
demonstrando a forma seletiva na escolha de produtores neste processo, impossibilitando
os produtores locais de integrarem-se a esta lógica. Na década de 1990, estima-se que 40
mil pessoas migraram para esta área, sobretudo para o Oeste baiano (HAESBAERT,
2008, p.368), lembrando que muitos produtores rurais do Sudeste e principalmente do Sul
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foram atraídos pelo baixo custo das terras desta região3. Conforme Haesbaert (2008),
“Alguns indivíduos personificam de maneira mais radical esta ‘condição moderna’,
agentes da globalização, da busca obsessiva pelo novo e de uma verdadeira paixão pelo
movimento, pela ‘abertura de novas fronteiras’” (HAESBAERT, 2008, p.374).
Consideramos que os investimentos realizados pelas ações políticas foram
importantes eventos sociais para a abertura do front agrícola no MATOPIBA, devido à
aplicação de capital no processo produtivo, na comercialização e industrialização, bem
como no incentivo à pesquisa científica com finalidade de melhorar os produtos agrícolas.
Assim, toda a articulação política realizada nas últimas três décadas do século XX
propiciaram a constituição de uma tecnosfera e uma psicosfera4 (SANTOS, 2002)
modernizantes na região, visto que o discurso e a ideologia de modernização agrícola,
bem como todo adensamento técnico, através da mecanização do processo produtivo e
criação de infraestrutura para circulação, propiciaram as bases para a constituição de uma
região agrícola moderna. Ressaltando que estas ações privilegiaram áreas, produtos e
segmentos sociais, demonstrando o caráter seletivo desta modernização.
PLANO DE DESENVOLVIMENTO AGROPECUÁRIO DO MATOPIBA,
INTENCIONALIDADES E REGIONALIZAÇÃO COMO FERRAMENTA
A partir dos anos de 1990, observamos o crescimento da quantidade de produtos
agrícolas para exportação, sobretudo a soja, que alcança significativo aumento nos anos
2000. A produção de soja na região cresceu cerca de 300%, entre 1990 e 2013
(PAM/IBGE, 2015), e aproximadamente 8% da soja produzida no Brasil em 2013 foi
colhida no MATOPIBA. Somando a esse fator, a região está sendo incorporada à
racionalidade do atual período técnico-científico-informacional (SANTOS, 2002), a
3 Na década de 1980, no atual município de Luís Eduardo Magalhães, 10 mil hectares de terra
poderiam ser trocados por um fusca. Em 2014, esta mesma área de terra equivalia à uma quantia
em torno de R$ 165 milhões (COURA, 2014). 4 Segundo Santos (2002, p.255) a psicosfera é a esfera da ação, que estimula o imaginário e
fornece regras à racionalidade, é o “[...] reino das idéias, crenças, paixões e lugar da produção de
um sentido” (SANTOS, 2002, p.256). Estas por vezes se objetivam em uma tecnosfera, mundo
dos objetos, pois estas duas esferas se condicionam de forma recíproca e indissociável.
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partir da instalação de grandes grupos do agronegócio em várias porções da região, tais
como Bunge, Cargill, Amaggi & Louis Dreyfus Trading, Multigrain, Monsanto, Galvani
Fertilizantes, entre outros, conferindo a extensão das modernas redes agroindustriais
(ELIAS, 2006) a esta porção do país e aprofundando a acumulação e os nexos territoriais
destes agentes.
Nos anos 2000 observamos o aprofundamento da especialização produtiva no
MATOPIBA, pois neste período há uma reorganização política econômica da atividade
agrícola no país, situação reconhecida por Delgado (2012) como “pacto da econômica
política do agronegócio”. Esta nova configuração é resultado de esforços públicos e
privados com o objetivo de gerar saldos comerciais para superar o déficit da balança
comercial, gerado na década de 1990. Neste contexto, o MATOPIBA é acionado dentro
de um novo contexto da divisão territorial e social do trabalho para alcançar um superávit
comercial, através da exportação de commodities agrícolas.
O Plano de Desenvolvimento Agropecuário (PDA) do MATOPIBA é o
reconhecimento do Estado sobre a importância desta região agrícola para o país,
demonstrando a necessidade de elaboração de ações hegemônicas para tornar as
condições materiais e imateriais ainda mais competitivas nesta região. Conforme
Limonad (2015), uma regionalização pode fundamentar reflexões teóricas ou servir para
o atendimento das necessidades impostas por ações políticas, uma prática para o
desenvolvimento do planejamento. Em nosso entendimento, o PDA – MATOPIBA é uma
ação do Estatal que visa criar uma região planejada para o desenvolvimento do
agronegócio, conformando o que Ribeiro (2015) denominou de regionalização como
ferramenta.
Segundo Ribeiro (2015), a regionalização como ferramenta é resultado das
forças econômicas e políticas que dominam o território, fomentadas principalmente pelo
Estado e pelas corporações. Assim, a regionalização como ferramenta é fruto de ações
hegemônicas com interesse político e econômico que estimule a competitividade regional
visando a inserção da atividade local à economia globalizada. A regionalização como
ferramenta é fundamentada quando recortes espaciais assumem “[...] forma-conteúdo,
historicamente determinada, do planejamento conduzido pelo Estado” (RIBEIRO, 2015,
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p.196). Ou seja, é quanto ações desenvolvidas pelo Estado através de políticas de
planejamento buscam tornar determinadas porções do território ainda mais racionalizadas
às necessidades dos agentes hegemônicos da economia e da política. Portanto, a
regionalização como ferramenta é resultante da relação de poder, de um agir estratégico
e instrumentalizado que busca o estabelecimento de nexos solidários cada vez mais
verticalizados (SANTOS, 2005) com lugares/regiões distantes.
Contudo, eventos sociais anteriores ao PDA - MATOPIBA, como as articulações
políticas e econômicas, foram fundamentais para a conformação do MATOPIBA
enquanto uma região como ferramenta. Desta forma, a regionalização como fato é
indispensável para regionalização como ferramenta, visto que esta “[...] depende do
conhecimento da regionalização como fato, já que desta advém recursos essenciais tanto
da vida como ao lucro” (RIBEIRO, 2015, p.197). A regionalização como fato é fruto das
relações historicamente construídas da reprodução social, que independe das ações
hegemônicas, e “encontra-se vinculada aos jogos dinâmicos da disputa de poder, inscritos
nas diferentes formas de apropriação (construção e uso) do território” (RIBEIRO, 2015,
p.195).
Diagnósticos detalhados sobre a região, feitos pelo GITE, foram a base para
delimitação do PDA – MATOPIBA. Tais diagnósticos levantaram informações sobre as
características físico-naturais, a quantidade de comunidades quilombolas, aldeias
indígenas, áreas de proteção ambiental e assentamentos de reforma agrária presentes na
região. Segundo o GITE (2014b), os critérios para delimitação do MATOPIBA foram
baseados na formação do bioma, questão agrária e agrícola, e infraestrutura. O
cruzamento destas informações via procedimentos computadorizados produziu o recorte
espacial que engloba mais de 337 municípios dos estados MA, TO, PI e BA.
O PDA – MATOPIBA possui o objetivo “promover e coordenar políticas
públicas voltadas ao desenvolvimento econômico sustentável fundado nas atividades
agrícolas e pecuárias que resultem na melhoria da qualidade de vida da população”
(BRASIL, 2015, p.1). O Plano vem com dois ideários característicos do capitalismo da
atualidade, que é o discurso de “desenvolvimento sustentável” e de competitividade, que
são duas lógicas totalmente opostas, mas que interagem para a promoção de uma
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psicosfera para a racionalidade global (CASTILLO, 2011). Em nosso entendimento, este
plano tem a finalidade de potencializar a atividade agropecuária a partir do
desenvolvimento de políticas públicas em setores estratégicos para aprofundar as relações
capitalistas no campo e tornar a produção ainda mais competitiva. Tais intencionalidades
são expressas nas seguintes diretrizes:
I - desenvolvimento e aumento da eficiência da infraestrutura logística
relativa às atividades agrícolas e pecuárias; II - apoio à inovação e ao
desenvolvimento tecnológico voltados às atividades agrícolas e
pecuárias; e III - ampliação e fortalecimento da classe média no setor
rural, por meio da implementação de instrumentos de mobilidade social
que promovam a melhoria da renda, do emprego e da qualificação
profissional de produtores rurais. (BRASIL, 2015, p.1)
A primeira diretriz demonstra a preocupação em melhorar e expandir a
infraestrutura logística da região, visto que no contexto da globalização as “esferas da
produção e da troca tornam-se geograficamente mais dispersas, fazendo da circulação
uma prioridade e um campo de atuação estratégica de Estados e empresas” (CASTILLO;
FREDERICO, 2010, p.461). Desta forma, as infraestruturas logísticas são um dos pontos
centrais do plano para o MATOPIBA. Esta região está inserida no eixo Centro-Norte de
exportação, possuindo importantes sistemas de movimentos (CONTEL, 2011), como a
Ferrovia Norte Sul que transporta volumosa quantidade de mercadorias com baixo valor
agregado, sobretudo commodities agrícolas, escoando a produção principalmente dos
estados do TO, MA e PI, e rodovias federais e estaduais que conectam a região a
importantes cidades como Brasília, Belém, São Luís e Salvador. Temos que destacar que
a FNS faz conexão com a Estrada de Ferro Carajás, o que possibilita o escoamento da
produção do MATOPIBA para o Porto de Itaqui – São Luís (MA), visto que a EFC liga-
se diretamente com este porto. É importante ressaltar que o porto de Itaqui estão fora da
delimitação do MATOPIBA. Mesmo com importantes sistemas de movimentos essa
região ainda é um front em expansão e a condição logística ainda está longe de uma
situação que possa ser classificada como consolidada (HUERTAS, 2015).
Ações para o melhoramento da condição logística na região já estão sendo
organizadas pelo Estado em conjunto com importantes agentes do agronegócio da região.
Em 2015, foi iniciado o projeto “Circuito MATOPIBA de Armazéns”, realizado em Luís
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Eduardo Magalhães (BA), a partir de representantes da Conab (Companhia Nacional de
Abastecimento) e da Aiba, que teve como objetivo discutir a necessidade de construção
de armazéns públicos na região, e traçar estratégias para o financiamento voltado para a
construção de silos. Foi anunciada a construção, em Luís Eduardo, de um armazém
graneleiro com capacidade estática de armazenar 100 mil toneladas, que custará, aos
cofres públicos, R$ 72,5 milhões (AIBA, 2015). Segundo informações da Aiba (2015),
estavam disponíveis para a safra 2015/16 dois bilhões de reais para financiamento
direcionado para o investimento em infraestrutura de armazenamento, via Programa para
Construção e Ampliação de Armazéns, com flexibilidade de pagamento, como carência
de três anos, juros de 7,5% ao ano e até 15 anos para quitar a dívida. Ou seja, há um
incentivo financeiro do Estado brasileiro para equipar o MATOPIBA com mais objetos
técnicos para viabilizar o uso corporativo do território, visto que muitos desses
investimentos ficaram sob o controle das corporações.
O conhecimento científico é um dos fundamentos básicos, juntamente com a
técnica e a informação, para estabelecer a produção agrícola e pecuária com a
racionalidade do atual período técnico-científico-informacional, visto que “[...] a ciência
e a tecnologia, junto com a informação, estão na própria base da produção, da utilização
e do fundamento do espaço e tendem a constituir o seu substrato” (SANTOS, 2002,
p.238). Por isso, observamos a preocupação dos agentes elaboradores do plano do
MATOPIBA no desenvolvimento de pesquisa para a agropecuária na região, não é por
descuido que o Ministérios da Educação e o Ministério da Ciência Tecnologia e Inovação
fazem parte do comitê gestor5 deste plano. Ressaltando que há um conjunto significativo
de unidades da Embrapa6 que estabelecem relações em porções do MATOPIBA com vista
5 Ainda compõem o comitê gestor o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,
Ministério do Desenvolvimento Agrário, Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio
Exterior, Ministério da Integração Nacional, bem como órgãos do executivo de cada estado que
compõem o MATOPIBA. Além de representantes do Estado, estão asseguradas cadeiras para
representantes do setor empresarial e de entidades sindicais patronais das agroindústrias e
agropecuária, e sindicato dos trabalhadores da agroindústria e agropecuária, bem como para
instituições de ensino e pesquisa atuantes na área de abrangência do MATOPIBA. 6 Embrapa Cerrado, Embrapa Meio Norte, Embrapa Cocais (possui uma unidade avançada de
pesquisa em Balsas – MA) e Embrapa Pesca e Aquicultura sediada em Palma (TO).
(MATOPIBA, 2014)
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em adensar o conhecimento científico para a produção agropecuária na região, sendo
instituições importantes para o fomento da tecnociência (SANTOS, 2001, p.64) do atual
período.
Este plano já surge carregado de uma intencionalidade que busca a
instrumentalização do território através da constituição de mais objetos técnicos no intuito
de aumentar a circulação da produção agrícola. Além disso, o plano reforça a necessidade
do conhecimento científico para a potencialização da produção agropecuária,
demostrando que cada vez mais a ciência e a informação são fatos indispensáveis para
realização de uma agricultura científica globalizada (SANTOS, 2001). Sem dúvidas,
quem mais sairá ganhando com este plano serão os grandes grupos do agronegócio,
sobretudo as tradings, visto que estas corporações demandam de uma logística favorável
para a redução de custo na circulação das commodities. Frisando que o Estado é o agente
organizacional que vem investido pesadamente em infraestrutura de circulação, ferrovias
e portos que são utilizados exclusivamente pelas corporações, e, desta forma, a ação
estatal vem dotando o território com novos fixos que aumentam a fluidez corporativa
(CASTILLO, 2011).
Há uma nítida escolha dos agentes que serão beneficiados neste processo, que
são os produtores de classe média, demonstrando o seu caráter seletivo que privilegia a
“ampliação e fortalecimento da classe média rural” (BRASIL, 2015). Assim, “devemos
recordar que a região a despeito de todas as adjetivações que a acompanham e perseguem,
é antes de qualquer coisa uma construção social que atende interesses políticos precisos,
mesmo se tratando de uma região funcional, ou de região natural” (LIMONAD, 2015,
p.57). Portanto, o MATOPIBA é uma região que surge a partir de articulações políticas,
de demandas exercidas pelos atores hegemônicos presente nesta região como associações,
sindicato patronais, tradings, conformando-se em uma regionalização como ferramenta.
Ressaltando que este recorte espacial também é fruto de um contexto externo à região,
principalmente no que confere à afirmação do Brasil enquanto um país agroexportador
dentro da divisão internacional do trabalho, sobretudo nos anos 2000.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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Os esforços de dotar o MATOPIBA com condições técnicas e políticas foram
alcançados através de ações do Estado brasileiro, bem como a iniciativa privada
desenvolvida desde meados da década de 1970. O conjunto de eventos históricos, via
política estatal, foram fundamentais para criação de um evento que é a constituição de um
front agrícola. As intencionalidades sobre essa área são carregadas de um pensamento
racional ao período técnico-científico-informacional (SANTOS, 2002), o pensamento de
tornar esta região ainda mais competitiva através da afirmação da especialização na
produção de commodities agrícolas, tornando o território fragmentado e ainda mais
vulnerável devido à prática de monoculturas (produção de commodities agrícolas,
fundamentalmente a soja), e pela impossibilidade de prever e controlar imprevistos da
ordem econômica, visto que tais informações ficam sob o controle das multinacionais
vinculadas ao agronegócio (CASTILLO; FREDERICO, 2010).
O estabelecimento do agronegócio no MATOPIBA vem incorporando áreas
consideradas de reservas, compreendidas por Morais (2008) como fundos territoriais,
dentro do circuito capitalista. A inserção da agricultura moderna, com um conjunto de
objetos técnicos, bem como a inserção cada vez maior do conhecimento científico na
produção, vem dotando a região com novos recursos, materiais ou não, de ideias, valores
e sentimentos (SANTOS, 2002, p.132), inserindo a região em uma nova racionalidade.
Este processo acarreta sérios problemas ambientais, principalmente o desmatamento dos
cerrados, que vem crescendo de forma assustadora no MATOPIBA: entre 2002 e 2010,
cerca de 50 mil hectares foram desmatados nos quatro estados que compõem esta região
(MMA, 2011). Essas são algumas das implicações das ações políticas que incentivaram
a todo custo a expansão do agronegócio pelo território em busca de equilibrar o saldo da
balança comercial externa, medidas adotadas na década de 1980 e sobretudo nos anos
2000.
Observamos a constituição de uma região agrícola que está sendo
cuidadosamente planejada pelo Estado brasileiro e também por agentes hegemônicos do
agronegócio da região, com destaque para as associações presentes no Oeste baiano, que
visam organizar políticas públicas em busca de incentivar a expansão do agronegócio
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globalizado nesta porção do território conformando em uma regionalização como
ferramenta. As diretrizes do PDA - MATOPIBA dão-se, sobretudo, em setores
estratégicos para tornar a produção regional mais competitiva, especialmente em
investimento em logística – rodovias, ferrovias, portos e armazéns, para viabilizar uma
circulação corporativa, bem como no desenvolvimento de pesquisa científica que também
atenda a demanda das corporações e grandes produtores. Assim, toda a elaboração deste
plano já surge com uma intencionalidade extremamente seletiva, pois privilegia
determinados segmentos sociais, diretamente os médios e grandes produtores e as grandes
corporações vinculadas ao agronegócio. Esta é uma das características perversas da
política brasileira que visa a criação de instrumentos materiais e imateriais para o
crescimento econômico com interesses corporativos e com vistas às demandas externas.
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