fragmentaÇÃo e ecologia de...

25
1 FRAGMENTAÇÃO E ECOLOGIA DE PAISAGENS Autores: Renato Torres Pinheiro e Luis Antonio de Pinho Sumário I. Introdução II. Fragmentação de Habitats III. Ecologia de Paisagem IV. Referências V. Glossário

Upload: phamque

Post on 09-Nov-2018

218 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

1

FRAGMENTAÇÃO E ECOLOGIA DE PAISAGENS

Autores: Renato Torres Pinheiro e Luis Antonio de Pinho

Sumário I. Introdução II. Fragmentação de Habitats III. Ecologia de Paisagem IV. Referências V. Glossário

2

I. Introdução

Quando os primeiros descobridores desembarcaram no Brasil ficaram

estarrecidos com a exuberância e a vastidão das nossas florestas. Hoje em

dia, por onde quer que andemos, dificilmente encontraremos áreas com

vegetação nativa contínua. Da próxima vez que você for fazer uma viagem,

preste bem atenção no seu entorno, ou melhor, imagine agora mesmo: o que

você poderia encontrar?

Em geral o que vemos é algo semelhante a uma colcha de retalhos, ou

seja, um mosaico de ambientes formados, por exemplo, de áreas com

vegetação nativa, pastagens, campos agrícolas e áreas urbanizadas.

Qualquer processo que resulte na redução de uma área contínua, em

um ou vários habitats de menor tamanho, com manchas isoladas do

habitat original circundado por ambientes modificados, é denominado

fragmentação do habitat.

A fragmentação pode ocorrer naturalmente ou como consequência

das atividades humanas. Se pararmos para pensar nas atividades

socioeconômicas de nossa espécie, veremos que realmente somos grandes

modificadores dos habitats naturais (Figura 1). Afinal, precisamos retirar

matéria-prima do subsolo, suprimir a cobertura vegetal para produção de

alimentos, construção de estradas, cidades, entre muitas outras atividades

inerentes ao nosso modo de vida. No entanto, a degradação ambiental

promovida pelo homem chegou a tal ponto que ameaça a sobrevivência de

muitas espécies, sendo considerada uma das principais ameaças à

biodiversidade global.

Figura 1: Ilustração de uma paisagem modificada pela atividade humana.

Como veremos à frente, o processo de fragmentação do habitat pode

trazer consequências imediatas, a médio e a longo prazo. Imaginando

o que acontece quando reduzimos um ambiente contínuo em outros

menores de diferentes tamanhos, diversas questões surgem à tona,

como: “qual deles terá um maior número de espécies, os maiores ou

os menores?” ou “será que as espécies mais comuns se distribuem

igualmente entre os fragmentos”?

Saiba mais sobre

biodiversidade no glossário ao final desta

unidade.

3

Esse cenário fez emergir uma nova área de conhecimento denominada

ecologia da paisagem, que, entre outras coisas, estuda a influência do

homem sobre a paisagem, numa perspectiva geográfica e ecológica,

lidando com a relação entre a heterogeneidade espacial e os processos

ecológicos.

Dando continuidade às perguntas acima, será que todos os animais

conseguem se movimentar entre os fragmentos remanescentes? Isso

dependerá apenas das condições intrínsecas a cada espécie ou a

paisagem do entorno do fragmento pode influenciar? Antes de

tratarmos desse tema, pense: como você reagiria a essa situação?

A ecologia de paisagens é, portanto, uma disciplina contemporânea e

muito importante no contexto ambiental atual, promovendo extraordinários

avanços nos estudos sobre fragmentação e conservação da natureza em

função da sua aplicabilidade na solução dos problemas ambientais atuais.

II. Fragmentação de Habitat

Fragmentação de habitat e o modelo de biogeografia de ilhas

Num habitat fragmentado, geralmente encontramos fragmentos

isolados semelhantes a ilhas de habitat, distribuídas em um “mar” de

paisagem modificada pelo homem. Tal fato gera uma situação que pode ser

estudada por meio do modelo de biogeografia de ilhas (MACARTHUR;

WILSON, 1967).

A Teoria da Biogeografia de Ilhas está baseada em três observações

(Figura 2):

1) comunidades insulares são mais pobres, em número de espécies, do

que as comunidades continentais equivalentes (SPc > I1);

2) a riqueza aumenta com o tamanho da ilha;

3) a riqueza diminui com o isolamento da ilha.

SPC

I1

I3

I2

I4

I1 > I2

I3 > I4

I1 > I3 I2 > I4

Figura 2: Representação esquemática da variação do número de espécies em ilhas pequenas e grandes, próximas e distantes do continente, sendo SPc = Comunidades do continente, I = Comunidades insulares (I1 = Ilha 1; I2 = Ilha 2; I3 = Ilha 3 e I4 = Ilha 4).

Saiba mais

sobre imigração e extinção no glossário ao final

desta unidade.

4

No Quadro 1.1 encontramos uma descrição mais detalhada

da teoria do equilíbrio da biogeografia de ilhas, que basicamente

diz que o número de espécies presentes em uma ilha é

representado por um balanço entre a taxa de imigração e a de

extinção da mesma.

Quadro 1.1 - Teoria do Equilíbrio da Biogeografia de Ilhas A ideia fundamental da teoria do equilíbrio da biogeografia de ilhas de MacArthur e Wilson (1967) diz que o número de espécies em uma ilha representa um balanço entre a imigração e a extinção. A taxa de imigração é determinada em grande parte pelo grau de isolamento da ilha: quanto mais isolada, menor a taxa de imigração. Abaixo vemos que a curva representativa da imigração em ilhas distantes situa-se abaixo da curva representativa das ilhas próximas ao continente. A taxa de extinção é uma função do tamanho da ilha. Veremos na próxima Unidade que diversos fatores levam populações pequenas à extinção. As populações de ilhas pequenas tendem a ser menores e consequentemente mais vulneráveis à extinção e, por isso, temos valores da taxa de extinção maiores para ilhas pequenas do que para ilhas grandes. Para qualquer ilha existirá uma taxa de extinção e uma taxa de imigração que entrarão em equilíbrio e, assim, manterá o número total de espécies relativamente constante. Nesse exemplo, I é a taxa de imigração, E a taxa de extinção e o número de espécies S para os quatro pontos de equilíbrio são representados por: Ssm = número de espécies em uma ilha pequena; Slg = ilha grande; Snear = ilha próxima; Sfar = ilha distante (Fonte: http://www.okstate.edu/artsci/botany/bisc3034/lnotes/islands.htm).

5

Atividade Complementar 2 Selecione quatro animais da fauna brasileira. Identifique dois que

necessitam de grandes áreas de vida e dois que necessitem de

pequenas áreas de vida. Eles conseguiriam viver em pequenos

fragmentos? Justifique sua resposta.

Tamanho e isolamento do fragmento

Vimos que na „Teoria da Biogeografia de Ilhas‟ as ilhas grandes

possuem mais espécies que ilhas pequenas.

Existem algumas razões pelas quais um fragmento grande possui

mais espécies do que um fragmento pequeno:

1o) Grandes fragmentos quase sempre terão uma maior variedade de

habitats que os fragmentos menores. Parece óbvio, mas nem sempre

paramos para pensar nos diferentes tipos de ambientes que podemos

encontrar em uma área, por exemplo: solos, cursos d‟água, rochas,

superfícies alagadas ou recém-queimadas, etc. Cada um desses

ambientes ou microambientes, individual ou conjuntamente, formam

nichos para algumas espécies, as quais não estariam presentes na

ausência deles.

2o) Grandes fragmentos possivelmente terão tanto espécies comuns

como raras. No entanto, fragmentos pequenos tendem a ter apenas

espécies comuns. Não é necessário realizar um inventário de fauna

para chegar a essa conclusão. Imagine, por exemplo, uma onça-

pintada: qual a sua área de vida, ou seja, o tamanho da área necessária

para sua sobrevivência? Dificilmente ela seria encontrada em um

fragmento pequeno. Existe ainda o caso de espécies com áreas de vida

pequenas, mas que evitam os pequenos fragmentos.

3o) Fragmentos menores terão, em média, populações menores do que

os fragmentos maiores. Um detalhe importante relacionado às

pequenas populações é que estas são mais susceptíveis à extinção que

as populações maiores.

4o) Fragmentos, de tamanhos semelhantes, isolados por grandes

distâncias ou por terrenos inóspitos, tendem a ter menos espécies que

fragmentos menos isolados, por duas razões:

a) relativamente poucos indivíduos de uma determinada espécie

Atividade Complementar 1 Será que isso também se aplica aos fragmentos de habitat das regiões

continentais? Sim/Não e por quê?

Saiba mais Para responder à atividade utilize a referência: BERGALLO, H. G. Fatores determinantes do tamanho da área de vida em mamíferos. Ciência e Cultura, Cidade, n. 42, p. 1067-1072, 1990.

Saiba mais sobre nichos no glossário ao final desta unidade.

Saiba mais

Inventário de fauna é o levantamento do número de espécies animais de uma determinada área amostrada. Essa amostragem pode ser feita visualmente ou por outros métodos, como captura/recaptura.

6

irão imigrar para um fragmento isolado. Os indivíduos imigrantes

são extremamente importantes por dois motivos: porque podem

“ajudar a salvar” populações pequenas da extinção, e repovoar

populações desaparecidas localmente;

b) espécies que são móveis o suficiente para usar um conjunto de

fragmentos ou “arquipélago” de pequenas manchas de habitat, que

coletivamente formam uma área grande o suficiente, que

corresponda à sua área de vida, são menos propensas a usar

fragmentos isolados, pela simples razão de não haver necessidade

de visitá-los.

Veja no Quadro 1.2 o que os cientistas tem feito para entender os

efeitos das mudanças causadas pela fragmentação de habitats.

Causas da Fragmentação

A fragmentação do habitat pode ocorrer naturalmente ou pela ação do

homem. No entanto, a fragmentação provocada pelo ser humano pode

ocorrer rapidamente e em grande escala. Para entender melhor esse

processo, preste atenção no seu entorno. É bem provável que você

encontrará áreas de vegetação nativa, cultivos, pastagens, etc.

O processo de fragmentação de habitats, provocado pelo ser humano,

observado na figura 3, pode ter como exemplo geral a seguinte sequência:

a) construção de uma via de circulação/transporte (trilha, estrada,

ferrovia), a qual permite o acesso a áreas do interior do habitat;

b) o processo de ocupação do interior do habitat e sua transformação

pela ação humana;

c) o número e tamanho dos fragmentos é cada vez maior;

Quadro 1.2 – Projeto de Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais (PDBFF) O Projeto PDBFF iniciou-se no final da década de 1970, em uma área situada ao norte da cidade de Manaus/AM. Por meio de incentivos governamentais, grandes fazendas de 10.000 a 50.000 ha foram instaladas em áreas de floresta primária. De acordo com a lei, deveriam ser mantidos 50% da área preservada. Com a colaboração dos fazendeiros, conseguiu-se a elaboração de um desenho de estudo experimental em que as áreas a serem desmatadas puderam ser inventariadas antes do isolamento e monitoradas posteriormente. Foram criados fragmentos de 1 ha, 10 ha e 100 ha. A principal meta do PBDFF é modelar e prever os efeitos das mudanças causadas pela fragmentação, sobre a integridade dos ecossistemas de floresta tropical, o qual inclui a diversidade e composição das espécies, estrutura da floresta, microclima, funcionamento da floresta e os processos ecológicos responsáveis pela manutenção de um ecossistema florestal dinâmico (GASCON et al., 2001). Para obter informações mais detalhadas sobre o projeto, seus resultados e perspectivas futuras consultem o site: http://www.pdbff.inpa.gov.br/

7

d) a descaracterização do habitat original, onde predominam habitats

construídos pelo ser humano e uns poucos fragmentos do habitat original

isolados.

Figura 3: Representação esquemática do processo de fragmentação promovido a partir da construção de uma via de circulação (adaptado de HUNTER, 1996).

Para visualizar melhor o processo de fragmentação, faremos um

sobrevôo. Se você tem medo de altura, não se preocupe. Por sorte, hoje

encontramos ferramentas gratuitas na internet que nos auxiliam a fazer esse

sobrevôo sem sair do lugar.

Vamos fazer esta viagem juntos?

1) Num computador, faça o download do programa Google Earth.

2) Selecione uma localidade (por exemplo: Lucas do Rio Verde, MT –

Figura 4).

Figura 4: Imagem de satélite da cidade de Lucas do Rio Verde, Mato Grosso, obtida por meio do programa Google Earth.

3) Vemos na imagem um ambiente onde o habitat foi fragmentado,

restando parcelas de vegetação nativa, isoladas umas das outras,

imersas em uma paisagem modificada, onde predominam os cultivos,

áreas urbanizadas, etc.

(a) (b) (c) (d)

Internet O programa “Google Earth”pode ser obtido gratuitamente por meio do site: http://www.earth.google.com/intl/pt-BR/

8

Na atualidade, temos presenciado processos como estes ocorrendo em

diversos biomas brasileiros. Na região amazônica, onde ainda existem áreas

extensas e contínuas de floresta, a construção de estradas tem promovido a

fragmentação da floresta, conforme visualizado na imagem de satélite

(Figuras 5 e 6). Nelas, vemos claramente como uma via de circulação

representa um dos principais elementos indutores do processo de

fragmentação de habitats.

Figura 5: Imagem de satélite mostrando o processo de fragmentação (estágio inicial) desencadeado pela abertura das rodovias BR 163 e BR 230 no estado do Pará.

Atividade Complementar 3

Pergunte ao seu pai, ao seu avô ou a alguma pessoa mais idosa, como

era o entorno da sua cidade no tempo que eles tinham a sua idade.

Procure saber se as alterações ocorridas se deram lentamente ou se

houveram momentos de maior ou menor destruição.

Aproveite e pergunte se naquela época havia mais animais e plantas,

se era mais fácil encontrá-los.

Saiba mais sobre bioma no glossário ao final desta unidade.

9

Figura 6: Imagem de satélite mostrando o processo de fragmentação (estágio avançado) desencadeado pela abertura da rodovia BR 419 no estado de Rondônia, no entorno da cidade de Alvorada D‟Oeste.

Consequências da Fragmentação

A destruição dos ecossistemas é uma consequência da fragmentação.

Portanto, é inevitável que a fragmentação exerça um efeito extremamente

negativo sobre a biodiversidade. Para as comunidades naturais, os efeitos

são diversos e variam de acordo com o táxon estudado, as características do

habitat e o próprio processo de fragmentação. São duas as consequências

imediatas da fragmentação: a redução (perda) de área e a subdivisão do

habitat. No entanto, a permanência ou não das espécies em um habitat

depende da interação de diversos fatores, como o tamanho dos fragmentos

remanescentes, da heterogeneidade ambiental, dos habitats ao redor do

fragmento, da distância, da conectividade entre eles e do efeito de borda

(PAGLIA et al., 2006). No item III, veremos como alguns desses fatores

podem afetar a distribuição e deslocamento das espécies.

Redução da Área

A primeira consequência da redução da área ou da perda de habitat é a

diminuição na riqueza de espécies (BIERREGAARD et al., 1992). Isso

ocorre porque algumas espécies – principalmente aquelas raras ou

que se distribuem em manchas – poderão ser excluídas rapidamente, e

a redução das populações as torna vulneráveis à extinção.

Um dos conceitos mais antigos na Ecologia diz respeito à relação

espécie-área, em que a riqueza de espécies estaria diretamente relacionada à

área ocupada por uma comunidade, demonstrado matematicamente pela

equação abaixo:

Internet Saiba mais sobre o desmatamento na Amazônia pelo artigo de Soares-Filho e colaboradores, 2005. “Cenários de desmatamento para a Amazônia”. Disponível em http://www.scielo.br/pdf/ea/v19n54/07.pdf

Saiba mais sobre táxon no glossário ao final desta unidade.

Saiba mais sobre riqueza de

espécies no glossário ao final desta unidade.

10

S = cAz

onde S é o número de espécies; A é a área; c é o ponto onde a reta intercepta

o eixo y (corresponde ao número de espécies de uma comunidade de área

mínima) e z é a inclinação da reta, que pode ser definida como a taxa de

aumento do número de espécies com o aumento da área ou o inverso: a taxa

de redução do número de espécies com a diminuição da área (PIRES et al.,

2006).

No caso de ilhas reais, os valores de z variam entre 0,18 e 0,35

(DIAMOND; MAY, 1976). Felizmente, esses valores mostram que a redução

na riqueza de espécies diminui numa taxa menor que a redução da área. Em

se tratando de “ilhas” de habitat continentais a relação espécie-área também

é positiva, ou seja, o número de espécies aumenta com o tamanho da área.

No entanto, os valores de z normalmente são menores, variando entre 0,12 e

0,17. Isso se deve ao fato da ilha estar verdadeiramente isolada e o

fragmento de habitat é apenas uma amostra da área original (PIRES et al.,

2006).

Característica da Área

Outra explicação para a relação entre riqueza de espécies e área está

relacionada a uma redução do número de espécies em função da

diminuição na heterogeneidade do habitat. Nesse sentido, a

qualidade ambiental do fragmento é muito importante. Como os

habitats se distribuem de forma heterogênea, a fragmentação não

ocorre de forma aleatória, fazendo com que muitas espécies

especialistas sejam eliminadas devido a sua forte associação com um

habitat particular (ZIMMERMAN; BIERREGAARD, 1986).

Assim, os efeitos da fragmentação relacionados à heterogeneidade

ambiental podem estar ligados a mudanças na riqueza das espécies, mas

também a variações na abundância e a composição dessas. Isso ocorre

porque as espécies apresentam características ecológicas singulares que as

fazem responder de maneira específica às mudanças no habitat.

Ribon e colaboradores (2003) mostraram que em aves florestais,

algumas guildas tróficas, como a dos frugívoros/granívoros e carnívoros,

são muito mais sensíveis aos efeitos da fragmentação (Figura 7). Lembre-se

de que a natureza das relações entre as diferentes espécies e destas com seu

habitat é muito ampla e, da mesma maneira, as possibilidades de respostas

das espécies à fragmentação também são diversas (OLIFIERS; CERQUEIRA,

2006).

Saiba mais sobre a relação espécie-área em comunidades naturais. Leia a publicação: “Fragmentação de Ecossistemas: causas e efeitos sobre a biodiversidade e recomendações de políticas públicas.” RAMBALDI, D. M.; OLIVEIRA, D. A. S. (Ed.), MMA/SBF, Brasília, 508 p., 2003.

11

Figura 7: Porcentagem de espécies ameaçadas em diferentes guildas de aves florestais (V = frugívoro/granívoro; C = carnívoro; O = onívoro; I = insetívoro; N = nectarívoro). (Fonte: RIBON et al., 2003).

Isolamento da Área

O isolamento ou “insularização” do habitat pode originar uma

redução na quantidade de habitats e, consequentemente, uma redução do

número de espécies. Conforme vimos na Teoria da Biogeografia de Ilhas, o

grau de isolamento da ilha afeta diretamente o número de espécies, uma vez

que nas ilhas mais isoladas a taxa de colonização ou recolonização por

espécies provenientes de outras áreas é normalmente menor. O isolamento

também promove redução no fluxo gênico, o que pode levar as espécies à

extinção (OLIFIERS; CERQUEIRA, 2006).

Um ponto importante a se considerar sobre o isolamento é a

dificuldade de certas espécies se movimentarem entre os fragmentos, sendo

até mesmo impossível para muitas. Isso é importante principalmente para

espécies migratórias. Kerr e Kharouba (2007) relataram o caso de espécies

que tiveram de imigrar devido a efeitos do aquecimento global, e a

fragmentação das áreas a serem percorridas impediram sua mobilização.

O Projeto de Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais mostrou

que o isolamento não necessariamente leva a extinções locais imediatas.

Bierregaard e colaboradores (1992), estudando a dinâmica das populações

de pássaros, encontraram um aumento inicial nas taxas de capturas nos

fragmentos logo após o seu isolamento da floresta, sugerindo que esse

aumento seria resultado dos pássaros se refugiando nesses fragmentos. A

riqueza de espécies em fragmentos isolados também aumentou no caso de

pequenos mamíferos (MALCOLM, 1997) e anfíbios (TOCHER et al., 1997).

Nesses casos, o incremento na riqueza de espécies no fragmento deveu-se ao

aparecimento de espécies associadas às áreas abertas. No entanto, em muitos

casos as taxas de captura e riqueza de espécies em fragmentos são menores

que aquelas encontradas no período anterior ao isolamento (STOUFFER;

BIERREGAARD, 1995).

Em geral, quanto menor for o tamanho e o número de fragmentos

remanescentes maior será o grau de isolamento dos fragmentos. O

isolamento também promove alterações nos processos ecológicos,

afetando, por exemplo, a sobrevivência de espécies em diferentes

estágios de vida. Scariot (1996) mostrou que no caso de algumas

espécies de palmeira, as plântulas são mais sensíveis ao isolamento

que indivíduos adultos.

12

Efeito da Borda

A fragmentação do habitat faz com que os novos habitats tenham um

tamanho menor e consequentemente uma borda maior. A porção de

vegetação adjacente à área aberta (ou borda) experimenta novas condições

ambientais que resultam da maior exposição à radiação solar, vento, chuva,

bem como ao efeito de pesticidas e fertilizantes, formando um

microambiente diferente daquele do interior do fragmento (RODRIGUES,

1993).

Uma das principais características que tornam a borda de uma

paisagem natural diferente da borda de um habitat fragmentado (promovido

pela ação humana) é o grau de contraste entre os dois habitats, sendo maior

nos habitats fragmentados.

No Quadro 1.3 encontramos uma descrição detalhada do processo de

formação das bordas.

Quadro 1.3 – Processo de formação de Bordas Imagine uma unidade de conservação quadrada, com mil metros de cada lado (mostrado em A). Calcula-se a área total da reserva multiplicando-se as medidas de seus lados, no caso: 1.000m x 1.000m = 1.000.000m2. Se a luz que incide lateralmente na floresta penetrasse 100m a partir da borda da floresta e, desse modo, essa porção (em cinza, na figura A) da floresta fosse dominada por espécies pioneiras, então somente 640.000m² (800m x 800m) no interior da reserva teriam uma composição de espécies típicas de florestas bem preservadas.

Agora, imagine a reserva sendo dividida em quatro quadrantes iguais por uma rodovia de norte a sul de 10m de largura e por uma ferrovia de leste a oeste também de 10m de largura (representado em B). Essas vias ocupariam uma área de 20.000m² (2 x 1.000m x 10m), totalizando apenas 2% da reserva. Assim sendo, os planejadores governamentais poderiam argumentar que os efeitos na reserva são irrelevantes. Entretanto, a reserva foi agora dividida em quatro fragmentos, cada um deles com lados de 495m. Agora, a luz penetra na floresta através da rodovia e da ferrovia, tanto quanto do perímetro, e tomando-se novamente 100m para a borda, o habitat propício para espécies climáxicas se restringe ao interior de cada um dos quatro fragmentos (em branco, na figura B). Cada uma dessas áreas interiores tem 87.025m² (295m x 295m), para um total de 348.100m² (4 x 87.025m²). Assim, embora a rodovia e a ferrovia tenham ocupado apenas 2% da área de reserva, elas reduziram o habitat disponível para espécies climáxicas em cerca da metade (de 640.000m² em A para 348.100m² em B). Fonte: PRIMACK; RODRIGUES, 2001.

Saiba mais sobre espécies climáxicas no glossário ao final desta unidade.

13

Os efeitos da formação de bordas podem ser divididos em três

categorias: efeitos físicos ou abióticos, efeitos biológicos diretos e efeitos

provenientes das interações biológicas (MURCIA, 1995).

Efeitos abióticos incluem alterações nas condições ambientais

(radiação solar, umidade, vento) em função da sua proximidade com

um habitat estruturalmente distinto.

Efeitos biológicos diretos resultam da ação dos efeitos abióticos

sobre as comunidades, promovendo alterações na abundância e

distribuição de espécies, como o aumento na densidade de plantas

pela maior incidência da radiação solar.

Efeitos biológicos interativos, os quais envolvem mudanças nas

interações ecológicas entre as espécies como a competição, predação,

herbivoria, etc.

Analisando passo a passo o que acontece com uma área fragmentada,

inicialmente a vegetação remanescente se torna exposta a novas

condições microclimáticas que normalmente resultam em um

aumento na temperatura e diminuição da umidade. Essa nova

condição pode exercer influencia no novo ambiente até algumas

dezenas de metros para o interior do fragmento, promovendo o

crescimento de espécies vegetais secundárias, principalmente as

trepadeiras, que acabam por criar uma barreira resguardando o

interior do fragmento.

Espécies animais dependentes de ambientes mais sombreados e

sensíveis à umidade são eliminadas; por outro lado, espécies mais

generalistas, nativas ruderais e exóticas, se beneficiam, mudando a

composição das espécies da comunidade, tanto na borda como no interior do

fragmento. O contato com novas espécies também pode favorecer o

aparecimento de doenças as quais podem se espalhar facilmente pelas

espécies silvestres pouco imunes e mais estressadas.

A modificação dos habitats do entorno também aumenta a incidência

de incêndios que afetam diretamente a borda. Essa nova dinâmica torna a

borda cada vez mais alterada, fazendo com que os incêndios penetrem mais

profundamente no fragmento.

A Matriz

Quando a fragmentação do habitat ocorre, os fragmentos passam a ser

circundados por novos ambientes que são denominados de matriz. Quando

fizemos aquele sobrevôo (Figura 4), vimos que os fragmentos de habitat

ficavam isolados e imersos em novos ambientes, formados por pastagens,

campos de cultivo, cidades, entre outros. Portanto, em uma paisagem com o

predomínio de cultivos de soja e uns poucos remanescentes de mata, a soja

passa a ser a matriz ou o ambiente dominante, mais comum. Lembre-se de

que o habitat original (floresta, cerrado, caatinga) também pode ser

denominado de matriz, no entanto, para o entendimento dos efeitos da

fragmentação estamos considerando apenas os casos em que a matriz é

Saiba mais sobre herbivoria

no glossário ao final desta unidade.

Saiba mais sobre espécies

ruderais no glossário ao final desta unidade.

Saiba mais Para saber mais sobre como o efeito de borda afeta populações silvestres leia o artigo: PAGLIA et al. “Heterogeneidade estrutural e diversidade de pequenos mamíferos em um fragmento de mata secundária de Minas Gerais, Brasil”. Revista Brasileira de Zoologia, Cidade, n. 12, p. 67-79, 1995.

14

formada por habitats transformados.

O novo habitat matriz exerce uma grande influência nos fragmentos

de vegetação nativa remanescentes. Segundo Willianson e colaboradores

(1997), a matriz poderá filtrar os movimentos de espécies; permitir que

espécies típicas de áreas perturbadas penetrem nos fragmentos; e a própria

matriz evoluirá de acordo com o uso do solo.

No entanto, a magnitude dos efeitos que a matriz exercerá no

fragmento dependerá da proporção e do tipo de habitat que forma a matriz.

Quanto maior a similaridade estrutural entre a matriz e o fragmento, maior

será a capacidade de cada espécie atravessar a matriz. No entanto, essa

também depende das características biológicas de cada espécie, como a

capacidade de dispersão, preferência de habitat e dos aspectos

comportamentais. Em geral, espécies com menor exigência de habitat, ou

seja, que conseguem explorar os habitats da matriz possuem populações

maiores e mais estáveis nos fragmentos. Nesses casos, a similaridade dos

habitats pode implicar o cruzamento entre as populações maiores e outras

congêneres menores, promovendo o processo de hibridização, que pode

levar à extinção da população pequena. A próxima Unidade irá tratar

melhor desse tema.

Estudos realizados com diversas espécies animais (formigas, anfíbios,

aves, pequenos mamíferos) em fragmentos na Amazônia encontraram uma

correlação significativa e negativa entre abundância na matriz e

vulnerabilidade à fragmentação (GASCON et al., 1999). No caso de animais

que dependem de recursos alimentares específicos em determinados

períodos do ano (como frutos, por exemplo), podem ter sua dieta

empobrecida devido a limitações na transposição de áreas modificadas. A

matriz pode ainda ser um fator determinante na probabilidade de extinção

de algumas espécies, conforme demonstrado para populações de marsupiais

e roedores (VIVEIROS DE CASTRO; FERNANDEZ, 2004).

De maneira geral, podemos considerar que a maioria dos fragmentos

que encontramos não foi delineada experimentalmente para estudar os seus

efeitos. Isso quer dizer que grande parte das variáveis que atuam na

determinação das comunidades não pode ser controlada ou conhecida. No

entanto, vimos que o processo de fragmentação, com a perda e isolamento

de habitats, promove perturbações na estrutura dos habitats, aumentando a

sua complexidade.

Os exemplos acima demonstraram a variedade de respostas que

podem ocorrer após a fragmentação de um habitat, evidenciando que as

modificações decorrentes do processo de fragmentação são muito mais

complexas que as previstas pela Teoria da Biogeografia de Ilhas.

III. Ecologia de Paisagem

Definição

A ecologia da paisagem estuda as causas e consequências da

heterogeneidade espacial, ou seja, as interações entre os padrões

espaciais e os processos ecológicos. Como dissemos anteriormente, a

disciplina lida também com os efeitos antrópicos sobre essas

interações. Diversos fatores, entre os quais, a escala cada vez maior

Saiba mais Correlação, em estatística, indica o quanto duas variáveis (x e y) se relacionam entre si, sem indicar uma relação de causalidade. Quando dizemos que uma correlação é significativa, indica que ela está fora da aleatoriedade, ou seja, dentro dos níveis de significância, que, normalmente, é 0,05 ou 5%. No caso do exemplo exposto, é correto afirmar que um aumento na abundância da matriz diminui a vulnerabilidade das espécies à fragmentação.

15

dos problemas ambientais, o desenvolvimento dos conceitos

ecológicos e o avanço tecnológico com respeito às ferramentas de

obtenção e análise de dados espaciais (sensoriamento remoto e

geoprocessamento), contribuíram para o desenvolvimento dessa

disciplina.

Essa nova disciplina tem o mérito de dar aos estudos ecológicos uma

dimensão geográfica, ligando as ciências humanas e biológicas, promovendo

dessa forma uma quebra de paradigma na ecologia, que se baseava em

modelos que, até então, desconsideravam a heterogeneidade da paisagem

(FARINA; BELGRANO, 2006). Para a ecologia de paisagens, a variação

espacial é tão importante quanto a variação temporal, tanto enfatizada

outrora na ecologia (PICKETT; CADENASSO, 1995).

Muitas são as aplicações dessa disciplina. Ela auxilia, por exemplo, no

planejamento e desenvolvimento de projetos para a conservação da natureza

e na elaboração de políticas de manejo. Ademais, a interface entre a ecologia

de paisagens e a paleoecologia, que lida com o estudo de processos antigos

para a formação de paisagens, é uma das áreas mais promissoras para o

entendimento dos impactos das mudanças climáticas atuais e na descoberta

da extensão dos impactos humanos passados (GILLSON, 2009).

De acordo com Metzger (2001) a palavra paisagem pode ter diferentes

conotações que variam de acordo com o contexto ou a pessoa que a usa, mas

que convergem à noção de espaço aberto, vivenciado, ou da inter-relação do

homem com o ambiente onde ele vive, sempre com a noção de amplitude e

distanciamento. No entanto, enquanto disciplina, teve sua origem baseada

em um ponto de vista geográfico e outro ecológico, o que levou a definições

diferenciadas de acordo com a abordagem mais geográfica ou ecológica,

dependendo do autor. Por exemplo:

Risser e colaboradores (1984): a ecologia da paisagem tem seu foco

principalmente nos padrões espaciais. Especificamente, a ecologia da

paisagem considera o desenvolvimento e dinâmica da

heterogeneidade espacial, interações temporais, espaciais e mudanças

através da paisagem, influências da heterogeneidade espacial nos

processos bióticos e abióticos e o manejo da paisagem.

Forman e Godron (1986): a ecologia da paisagem tem seu foco na

estrutura, função e dinâmica de áreas heterogêneas compostas por

ecossistemas interativos.

Urban e colaboradores (1987): a ecologia da paisagem é motivada

pela necessidade de entender o desenvolvimento e a dinâmica de

padrões em fenômenos ecológicos, o papel dos distúrbios nos

ecossistemas e as características em escala temporal e espacial de

eventos ecológicos.

Turner (1989): a ecologia da paisagem dá ênfase às escalas amplas

e aos efeitos ecológicos do padrão de distribuição ambiental dos

ecossistemas.

Wiens e colaboradores (1993): a ecologia da paisagem está

relacionada com os efeitos da configuração espacial de mosaicos

dentro de uma ampla gama de fenômenos ecológicos.

Naveh e Lieberman (1994): uma ciência interdisciplinar que lida

com as interações entre a sociedade humana e seu espaço de vida

16

natural e construído.

Na Ecologia da Paisagem encontramos uma terminologia específica

que descreve os elementos que a compõe e sua função na paisagem.

Paisagem

A formação ou desenvolvimento da paisagem emerge a partir de três

mecanismos: ação dos processos geomorfológicos ao longo do tempo,

padrões de colonização dos organismos e alterações locais e de curto

prazo promovidas pelos indivíduos.

Como vimos anteriormente, a paisagem pode ter diferentes

conotações. Na tentativa de facilitar o seu entendimento, a ecologia da

paisagem tem seu foco em três características da paisagem:

Estrutura: o relacionamento espacial entre os diferentes

ecossistemas presentes, ou seja, a distribuição de energia, materiais e

espécies com relação ao tamanho, forma, número, tipos e

configurações dos ecossistemas.

Função: é a interação entre os elementos espaciais, ou seja, o fluxo

de energia, matéria e espécies entre os componentes do ecossistema.

Mudança: alterações na estrutura e função do mosaico ecológico

através do tempo.

De acordo com Forman e Godron (1986), apesar da grande diferença

entre as paisagens, todas elas compartilham uma estrutura comum, formada

por manchas, corredores e matriz.

Mancha

Normalmente, as manchas em uma paisagem são representadas por

comunidades vegetais ou animais.

Uma mancha é definida como uma superfície não linear, que difere

em aparência do seu entorno. Podem variar em tamanho, forma, tipo,

heterogeneidade e fronteira. Normalmente estão imersas em uma matriz

com estrutura e composição de espécies diferente.

Em geral, a formação das manchas está relacionada a um distúrbio

que pode ser de origem antrópica (mineração, fogo) ou natural

(deslizamento de terra, fogo); à heterogeneidade ambiental (em função da

Na tentativa de unificar todos esses conceitos, Metzger (2001) propõe a

seguinte definição: “um mosaico heterogêneo formado por unidades

interativas, sendo esta heterogeneidade existente para pelo menos um

fator, segundo um observador e numa determinada escala de

observação”. Farina e Belgrano (2006) afirmam que a ecologia de

paisagens é uma ciência que ainda procura a sua identidade, dada sua

recente criação, e que ainda terá de se afirmar com uma maior

robustez de seu arcabouço teórico.

17

distribuição de nutrientes, água, relevo); e manchas introduzidas pela ação

humana (cultivos, áreas urbanas).

Atividade Complementar 4

No capítulo anterior estudamos o significado ecológico das manchas

ou fragmentos de habitat. Agora responda:

Olhando a área em que você vive, é possível reconhecer diferentes

manchas na paisagem? Como uma mancha formada por um

mecanismo poderia mudar suas características? Dê um exemplo.

Corredores

Os corredores são faixas estreitas de terra que diferem da matriz

(Figura 8). Podem estar isolados, mas normalmente estão conectados a

manchas de vegetação similar. A origem dos corredores pode ser semelhante

à das manchas. De uma maneira geral os corredores podem estar dividindo

ou conectando paisagens, sendo esta uma das principais propriedades que

caracterizam um corredor.

Figura 8: Ilustração de um corredor ecológico.

Os corredores variam de acordo com sua origem, comprimento,

largura, grau de conectividade, quantidade de curvas, presença ou não de

curso d‟água e se está interconectado, formando um mosaico de corredores.

Existem três tipos básicos de corredores, que se independem quanto à

origem, uso humano e tipo de paisagem. Podem ser encontrados

isoladamente ou haver algum solapamento, havendo fluxo de espécies entre

eles (Quadro 2.1).

Corredores em linha: definidos como faixas contínuas e estreitas,

essencialmente dominados por espécies de borda. Ex: estradas, limites

de propriedades, canais de irrigação, diques, linhas de transmissão.

Corredores em faixa: são bandas mais largas, cujo ambiente central

possui maior abundância de espécies típicas de interior.

18

Corredores de Córregos: são as bordas de cursos d‟água, que

variam de acordo com a largura do curso d‟água. São responsáveis

por controlar a entrada e saída de minerais, inundações, assoreamento

e perda de fertilidade do solo.

Quadro 2.1: Representação ilustrada de cada um dos tipos de corredores.

Atividade Complementar 5

O que é melhor para a fauna: um corredor em linha, um corredor em

faixa ou a borda de um fragmento? Por quê?

Matriz

A matriz é o elemento mais extenso e conectado da paisagem e exerce

um papel fundamental no funcionamento da paisagem. No entanto, quando

observamos a paisagem, é difícil perceber o papel desempenhado por cada

elemento que a compõe. O primeiro passo para seu entendimento é

distinguir a matriz dos demais elementos, manchas, corredores.

19

Ela é facilmente distinguível por ser o elemento da paisagem de

maior tamanho. As espécies que predominam na matriz também

predominam na paisagem. São componentes de uma matriz: a porosidade,

conectividade e a borda.

Porosidade: é uma medida da densidade de manchas em uma

paisagem. Para avaliar a porosidade de uma matriz, basta contar o

número de manchas presentes, que corresponde ao total de manchas

fechadas incluídas na área da matriz. Nesse caso, o tamanho das

manchas não é importante.

Conectividade: relaciona-se à capacidade de comunicação entre a

matriz e a(s) macha(s). Considera-se que há conectividade total entre

matriz e mancha quando a borda da mancha comunica-se apenas com

essa matriz e não com outro espaço.

Borda: é o limite entre a matriz e a mancha ou com o exterior da área

da matriz.

A figura 9 ilustra o exposto acima. O exemplo mais simples de uma

matriz está representado em (a) onde a paisagem estudada é atravessada por

uma única borda que intercepta o perímetro em ambas as extremidades.

Neste caso a porosidade é zero. Se tivermos apenas uma mancha com borda

fechada (b), esta se encontra dentro da matriz. Quanto maior o número de

manchas com bordas fechadas, maior porosidade terá a matriz. Nos

diagramas b-e temos matrizes com porosidade 1, 2, 3 e 8. Esses exemplos

mostram que a porosidade é um conceito independente da conectividade.

Quando temos um caso onde a área é ocupada tanto por uma borda aberta e

uma mancha fechada (f), nesse caso deve-se estimar cada uma

separadamente. Os diagramas g e h ilustram como o nível de conectividade

pode variar sem mudar a porosidade (FORMAN; GODRON, 1986).

Figura 9: Porosidade e conectividade da matriz. M = matriz, P = mancha. (a) o caso mais simples, porosidade = 0; (b) Porosidade = 1; (c) Porosidade = 2; (d) Porosidade = 3; (e) Porosidade = 8; (f) Porosidade = 2 e a conectividade da matriz completa, mas incerta quando o tipo M ou tipo P se tornam a matriz; (g) Porosidade = 2, mas a conectividade não está completa; (h) Porosidade = 2 e a conectividade é completa (Adaptado de Forman e Godron, 1986).

M

M

P P P

M P

P

P

M

P2

1

1

1

P1

1

1

1

M

P2

1

1

1

M2

P1

1

1

1

M1 P1

1

1

1

P2

1

1

1

M

(a) (b) (c) (d)

(e) (f) (g) (h)

20

Atividade Complementar 6

Imagine que você trabalha com planejamento ambiental. Faça o

diagrama de algumas paisagens que combinem cada uma das duas

características abaixo:

a) Alta conectividade e área mínima da matriz.

b) Borda mínima do fragmento e baixa conectividade.

c) Elevada porosidade e área mínima da matriz.

Dinâmica da Paisagem

Até agora vimos que a paisagem é formada por diferentes elementos,

padrões espaciais e funções. Mas, como a paisagem funciona? Como a

energia, água, nutrientes minerais, plantas e animais se comportam

em uma paisagem tão complexa?

O fluxo dos componentes bióticos e/ou abióticos em uma paisagem

ocorre por interações entre seus componentes principais: entre a matriz e

a(s) mancha(s) e, ainda, por meio de interações entre as manchas de tipo

semelhante e as de caracteres diferentes. Para que essa dinâmica ocorra,

muitas vezes é necessária a transposição de um ou mais corredores. Eles

servem como habitat para certas espécies, caminho para a movimentação,

barreira ou filtro separando áreas que podem influenciar ambientalmente as

proximidades da matriz. Todas essas funções envolvem o fluxo de animais,

plantas, energia e nutrientes minerais (Figura 10).

Uma matriz de alta conectividade é aquela subdividida por poucas

ou nenhuma barreira que interrompa o movimento de um objeto através

dela. As características estruturais da paisagem que afetam a taxa no fluxo

dos componentes bióticos e/ou abióticos são chamadas de resistência da

paisagem ao movimento. A Figura 10 ilustra como os diferentes tipos e

estruturas dos corredores podem interferir na movimentação dos elementos

bióticos e abióticos.

Atividade Complementar 7

Um corredor pode variar em sua forma e função ao longo de uma

paisagem? Como isso acontece? Dê exemplos.

O fluxo dos componentes na paisagem muitas vezes determina sua

mudança estrutural. Por exemplo, uma situação em que havia dispersão de

sementes da matriz para uma mancha, mas que agora não mais ocorre, pode

mudar a característica da mancha e da paisagem. Esse seria um caso de

mudança natural da paisagem. Bürgi e outros autores (2004) destacam

também outros fatores de mudança intrínsecos à paisagem, mas que não

correspondem necessariamente a fluxos. Entre estes estão o clima (e a

mudança climática global), a topografia, as características do solo e os

desastres naturais. Já as causas antrópicas para as mudanças têm

características socioeconômicas, políticas, tecnológicas e/ou culturais. Dito

21

isso, vamos agora ver mais detalhadamente a relação entre homem e

paisagem.

Figura 10: Efeitos da largura e de interrupções no movimento através de uma paisagem (Fonte: FORMAN; GODRON, 1986).

O Homem e a Paisagem

A maioria dos chamados ecossistemas naturais e as numerosas

espécies que fazem parte dele têm sido por um longo período de tempo

influenciadas pelo ser humano. Quanto mais a população humana cresce,

mais escassos se tornam os ecossistemas sem a influência humana. Essa é a

nossa realidade e não podemos e nem devemos ignorar a presença humana

e sua influência nos ecossistema e espécies.

Ainda que no tempo histórico as consequências da ação do homem

tenham promovido profundas modificações na paisagem, de acordo com os

historiadores o fogo, usado para a caça e abertura de clareiras, foi no

passado o elemento de maior impacto na alteração da paisagem.

No mundo contemporâneo, a heterogeneidade da paisagem sofre

influência do ser humano de três maneiras: primeiro, o ritmos dos distúrbios

naturais foram modificados pela agricultura e práticas florestais; segundo,

os métodos de modificação da paisagem (extração mineral, desenvolvimento

da agricultura, vias de comunicação, etc.); terceiro, o processo de agregação

com a formação de cidades cada vez maiores e mais centralizadoras de suas

necessidades e a diversificação de suas funções.

Atividade Complementar 8

Quais as mudanças na diversidade de espécies podem ocorrer em

habitats modificados? Quais espécies da fauna seriam favorecidas e

quais seriam eliminadas com a transformação de uma área florestal

em um cultivo? E no caso de uma área urbana, os efeitos seriam os

mesmos?

Corredor de

Faixa

Corredor de

Linha

Corredores com interrupções

Largura e área

interrompida permitem

a passagem

Largura e área

interrompida inibem

a passagem

Facilita o movimento

ao longo do corredor

Facilita o movimento

através do corredor

Inibe o movimento

através do corredor Inibe o movimento

ao longo do corredor

Facilita o movimento

tanto ao longo e

através do corredor

Inibe o movimento

tanto ao longo e

através do corredor

22

IV. Referências

BIERREGAARD, R. O.; JR. LOVEJOY, T. E.: KAPOS, V.; DOS SANTOS, A.

A.; HUTCHINGS, R. W. The biological dinamics of tropical rainforest

fragments. BioScience, n. 42, p. 859-886, 1992.

BÜRGI, M.; HERSPERGER, A. M.; SCHNEEBERGER, N. Driving forces of

landscape change. Landscape Ecology, n. 19, p. 857-868, 2004.

DIAMOND, J. M.; MAY, M. Island Biogeography and the design of natural

reserves. In: MAY, R. M. (Ed.). Theoretical ecology: principles and

applications. Oxford: Blackwell, 1976, p. 228-252.

FARINA, A.; BELGRANO A. The eco-field hypothesis: toward a cognitive

landscape. Landscape Ecology, n. 21, p. 5-17, 2006.

FORMAN, R. T. T.; GODRON, M. Landscape Ecology. New York: Wiley e

Sons Ed., 1986.

GASCON, C.; LOVEJOY, T. E.; BIERREGAARD, R. O. JR.; MALCOLM, J. R;

STOUFFER, P. C.; VASCONCELOS, H. L.; LAURANCE, W. F.;

ZIMMERMAN, B.; TOCHER, M.; BORGES, S. Matrix habitat and species

richness in tropical forest remnants. Biological Conservation, n. 91, p. 223-229,

1999.

GASCON, C.; LAURENCE, F.; LOVEJOY, T. E. Fragmentação florestal e

biodiversidade na Amazônia Central. In: GARAY, I.; DIAS, B. F. S. (Ed.).

Conservação da Biodiversidade em Ecossistemas Tropicais: avanços conceituais e

revisão de novas metodologias de avaliação e monitoramento. Petrópolis:

Vozes, 2001, p. 112-127.

GILLSON, L. Landscape in Time and Space. Landscape Ecology, n. 24, p. 149-

155, 2009.

HUNTER Jr., M. L. Fundamentals of Conservation Biology. Cambridge:

Blackwell Science, 1996.

KERR, J. T.; KHAROUBA, H. M. Climate Change and Conservation Biology.

In: MAY, R. M.; MCLEAN, A. R. (Ed.). Theoretical Ecology: Principles and

Applications. New York: Oxford University Press, 2007, p. 190-204.

MACARTHUR, R. H.; WILSON, E. O. The Teory of Island Biogeography. New

Jersey: Princenton University Press, 1967.

MALCOLM, J. R. Biomass and diversity of small mammals in Amazonian

Forest fragments. In: LAURENCE, W. F. BIERREGAARD, R. O. Jr. (Ed).

Tropical Forest Remnants: ecology, management and conservation of

fragmented communities. Chicago: University of Chicago Press, 1997, p. 207-

221 .

METZGER, J. P. O que é ecologia de paisagens? Biota Neotropica, n. 1, p. 1-9,

23

2001.

MURCIA, C. Edge effects in fragmented forests implications for

conservation. Trends in Ecology and Evolution, n. 10, p. 58-62, 1995.

NAVEH, Z.; LIEBERMAN, A. Landscape ecology: theory and application.

New York: Springer-Verlag, 1994.

OLIFIERS, N.; CERQUEIRA, R. Fragmentação de habitat: efeitos históricos e

ecológicos. In: ROCHA, C. F. D. et al. (Ed.). Biologia da Conservação: essências.

São Carlos: RiMa, 2006, p. 261-279.

PAGLIA, A. P.; FERNANDEZ, F. A. S.; DE MARCO Jr., P. Efeitos da

fragmentação de habitats: quantas espécies, quantas populações, quantos

indivíduos, e serão eles suficientes? In: ROCHA, C. F. D. et al. (Ed.). Biologia

da Conservação: essências. São Carlos: RiMa, 2006, p. 281-316.

PICKETT, S. T. A.; CADENASSO, M. L. Landscape Ecology: Spatial

Heterogeneity in Ecological Systems. Science, n. 269, p. 331-334, 1995.

PIRES, A. S.; FERNANDEZ, F. A. S.; BARROS, C. S. Vivendo em um Mundo

em Pedaços: efeitos da fragmentação florestal sobre comunidades e

populações animais. In: ROCHA, C. F. D. et al. (Ed.). Biologia da Conservação:

essências. São Carlos: RiMa, 2006, p. 231-260.

PRIMACK, R. B.; RODRIGUES, E. Biologia da Conservação. Londrina: Editora

Planta, 2001.

RIBON, R.; SIMON, J. E.; MATTOS, G. T.Bird extinctions in Atlantic Forest

fragments of the Viçosa region, Southeastern Brazil. Conservation Biology, n.

17, p. 1827-1839, 2003.

RISSER, P. G.; KARR, J. R.; FORMAN, R. T. T. Landscape ecology, directions

and approaches. Hillinois Natural History Surveis. Special Publications, n. 2, p.

1-18, 1984.

RODRIGUES, E. Edge effects on the regeneration of forest fragments in South

Brazil. 1998. (Tese) Doutorado em Filosofia (Biologia), Harvard University,

Estados Unidos da América, 1998.

SCARIOT, A. O. Forest fragmentation effects on palm diversity in central

Amazonia. Journal of Ecology, v. 87, n. 1, p. 66-76, 1999.

STOUFER, P.; BIERREGAARD, R. O. Jr. Use of Amazonian Forest fragments

by understory insectivorous birds: effects of fragment size, surrounding

secondary vegetation, and time since isolation. Ecology, n. 76, p. 2429-2443,

1995.

TOCHER, M.; GASCON, C.; ZIMMERMAN, B. Fragementation effects on a

central Amazoniam frog community: a ten-year study. In: LAURENCE, W.

F.; BIERREGAARD, R. O. Jr. (Ed). Tropical Forest Remnants: ecology,

24

management and conservation of fragmented communities. Chicago:

University of Chicago Press, 1997.

TURNER, M. G. Landscape ecology: the effect of pattern on process. Annual

Review of Ecology and Systematics, n. 20, p. 171-197, 1989.

URBAN, D.; O‟NEILL, R. V.; SHUGART, H. Jr. Lanscape ecology: a

hyerarchical perspective can help scientists understand spatial patterns.

BioScience, n. 37, p. 119-127, 1987.

VIVEIROS DE CASTRO, E. B.; FERNANDEZ, F. A. S. Determinants of

differential extinction vulnerability of small mammals in Atlantic Coastal

fragments in Brazil. Biological Conservation, n. 119, p. 73-80, 2004.

WIENS, J. A.; STENSETH, N. C.; VAN HORNE, B.; IMS, R. A. Ecologycal

mechanisms and landscape ecology. Oikos, n. 66, p. 369-380, 1993.

WILLIANSON, G. B.; MESQUITA, R. de C. G.; ICKES, K.; GANADE, G.

Estratégias de árvores pioneiras nos Neotrópicos. In: GASCON, C.;

MOUTINHO, P. (Ed.). Floresta Amazônica: dinâmica, regeneração e manejo.

Manaus: MCT-INPA, 1997.

ZIMMERMAN, B. L.; BIERREGAARD, R. O. Jr. Relevance of the equilibrium

theory of island biogeography with na example from Amazonia. Journal of

Biogeography, n. 13, p. 133-143, 1986.

V. Glossário

Antrópico: tudo aquilo relativo ao homem, relativo ao homem em relação à

natureza, ou ligado à presença humana.

Biodiversidade: termo relacionado à diversidade biológica e genética de

seres vivos num determinado local ou na Terra como um todo (p. ex.:

biodiversidade terrestre).

Bioma: uma área que pode ter até mais de um milhão de quilômetros

quadrados com um macroclima, fitofisionômia e fauna associada definidos,

conferindo ao bioma uma estrutura e uma funcionalidade própria.

Espécies Climáxicas: espécies vegetais que têm maior capacidade de

germinar em ambiente mais denso, com maior tolerância ao sombreamento,

e que geralmente é observada uma autofacilitação nesse processo, ao

contrário do que ocorre com espécies pioneiras.

Extinção: o fim de uma espécie e/ou de um grupo taxonômico.

Herbivoria: ato de se alimentar de material vegetal.

Imigração: a chegada de indivíduos a um novo lugar, que não fazia parte de

25

sua área de vida anterior.

Nicho ecológico: termo que designa a posição geográfica e funcional de uma

espécie no ecossistema em que vive.

Riqueza de espécies: número absoluto de espécies em uma determinada

área.

Espécies Ruderais: espécies vegetais, geralmente pioneiras, que vivem

associados aos habitats humanos, geralmente áreas perturbadas pela ação

humana, como beira de estradas e terrenos baldios.

Táxon: uma população ou grupo de populações de organismos que tem uma

relação filogenética e de características que as igualam entre si e as

diferenciam das demais populações e/ou organismos. Uma unidade

taxonômica.