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ISCTE LICENCIATURA EM ANTROPOLOGIA MÉTODOS E LABORATÓRIO 5 22.Jan.2009 As fotografias coloniais de Edmundo Canhoto: o percurso de um marinheiro de guerra retratado num pequeno álbum fotográfico ANA CANHOTO N.º 27685 TURMA AC2

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Um maravilhoso trabalho sobre as fotografias coloniais que o meu avô, como marinheiro de guerra, me deixou.

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ISCTE

LICENCIATURA EM ANTROPOLOGIA

MÉTODOS E LABORATÓRIO 5

22.Jan.2009

As fotografias coloniais de Edmundo Canhoto: o percurso de um

marinheiro de guerra retratado num pequeno álbum fotográfico

ANA CANHOTO

N.º 27685

TURMA AC2

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Introdução

«Photography is, first of all, a way of seeing. It is not seeing itself.» (Sontag 2008: 124)

Encetamos este ensaio com uma pequena frase de Susan Sontag, a qual consideramos não ter

tradução directa, mas sim uma interpretação. Ou seja, referimo-nos à fotografia como uma visão

nossa e não como a visualização do objecto em si.

Foi, com base nesta ideia, que partimos para a análise de um pequeno álbum fotográfico, cujas

fotografias nele expostas nos permitem produzir uma história. Revelam ser mais do que meros

pedaços de papel onde se encontra impressa uma imagem, por meio de um processo químico e

óptico. Parecem querer verbalizar algo, contudo não somos capazes de entender exactamente o que

pretendem e somos levados a imaginar o seu percurso biográfico.

As fotografias que versam no nosso trabalho contam-nos uma

história de quem viveu e experienciou o colonialismo português.

Trata-se do percurso de um marinheiro de guerra que aos 17 anos

iniciou as suas viagens pelo mundo.

Encaminhamo-nos para o mesmo reconhecendo que estamos a actuar

num terreno que nos revela muita ambiguidade. Para além de se

tratar da nossa intimidade familiar, concretamente do avô paterno,

não nos foi possível trocar com este quaisquer ideias ou

interpretações, dado o seu falecimento em 1996. Para colmatar esta

falta, optámos por recolher algumas informações através de um

pequeno diário e dialogámos com a sua filha e respectivo marido.

Bem como, recorremos da nossa memória, fazendo uso das histórias

de vida que nos contou.

Quanto às fotografias não obtivemos conhecimento sobre quem as terá executado e apenas nos foi

indicado que não teriam sido realizadas pelo criador deste álbum, pois não possuía qualquer

máquina fotográfica nem conhecimentos sobre fotografia.

No que concerne ao nosso olhar decidimos centrarmo-nos nas fotografias coloniais. Porém, dado se

tratar de um álbum pessoal não nos foi possível alhear das fotografias de família e amigos, pois

estas têm uma existência no seu percurso de vida.

Foi também nossa escolha nos referir ao autor utilizando o seu nome – Edmundo Canhoto, e dar a

conhecer um pouco da sua biografia.

2

Fig. 1 – Nossa legenda:

Edmundo Canhoto como

Grumete de Manobra n.º 5336,

aos 17 anos

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Um pequeno historial de um marinheiro de guerra português

Como já referimos, o nosso objecto de estudo consiste num pequeno álbum fotográfico pertencente

a um marinheiro de guerra. Filho de camponeses do Ribatejo, alistou-se na Armada Portuguesa

como voluntário em 24 de Setembro de 1931. Não sabemos de que modo ou por quem foi

influenciado, apenas temos conhecimento, através de sua filha, que trabalhou numa serralharia até

aos 16 anos, tendo ingressado na Marinha aos 17 anos.

De acordo com a única entrada do seu diário, realizou a primeira viagem em 8 de Janeiro de 1932 a

S. Vicente de Cabo Verde, como grumete de manobra do Navio Escola “Sagres”. No mesmo refere

que efectuou seguidamente outras cinco viagens no mesmo navio. Estas foram, por ordem temporal:

uma viagem a Itália, Malta e Norte de África, ao Porto, aos Açores, ao norte de Europa, «…

visitando Inglaterra, Holanda e França …» e, por último, a Casablanca e Madeira. Regressou a

Lisboa em Outubro de 1933 (Canhoto s.d.).

Estas viagens foram o princípio de uma carreira como militar ao serviço da Armada Portuguesa e

muitas outras se seguiram até à sua passagem à reserva, em 1970. Nestas incluem-se várias

deslocações às colónias portuguesas em África, bem como à Índia. De grumete foi subindo de posto

chegando a sargento-ajudante de Artilharia. Foi-nos também comunicado que terá tocado caixa na

Fanfarra da Marinha. Aos 65 anos reformou-se.

De acordo com a análise por nós realizada e corroborada pela sua filha, Edmundo Canhoto terá

aplicado no álbum as últimas fotografias durante os anos 50 do século XX, encontrando-se algumas

fotografias dentro de um saco plástico fixo na última folha deste álbum.

A análise de um álbum fotográfico

De acordo com informação verbal de sua filha, o álbum que versa neste ensaio terá sido adquirido

em Moçambique, provavelmente durante a Primeira Viagem Presidencial às Colónias, entre 1938 e

1939. Dado que o mesmo é parte integrante do nosso ensaio, considerámos importante fotografá-lo.

O álbum reproduzido na Fig. 2 tem a dimensão de 21 cm de largura, 15 cm de altura e 3 cm de

espessura. É composto de duas capas duras em cartão, que protegem as folhas, e uma lombada em

papel castanho. Esta chama-nos a atenção por se assemelhar a muitos livros antigos que se

encontram nas nossas estantes. A sua capa encontra-se decorada com desenhos em relevo e com um

estilo oriental, provavelmente chinês1. Desconhecemos a razão pela qual Edmundo Canhoto terá

1 O facto de Macau ter sido, até ao final de 1999, administrada por Portugal, leva-nos a pensar que este item poderá ter a

China como região de origem. Bem como, foi referido pela sua filha que o proprietário terá trazido de Moçambique

outros objectos de origem chinesa, dada a existência de um elevado comércio entre ambas as regiões, China e

Moçambique.3

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comprado este álbum, tendo sido transmitido pela sua filha que existiria talvez um gosto pelo

exótico, pelo que era diferente do existente na sua terra natal.

Fig. 2 – Vista da frente do álbum

Das suas 24 folhas somente 10 estão preenchidas com fotografias. Algumas fotografias encontram-

se dentro de um saco plástico agarrado à última folha deste álbum. Por desconhecermos a razão pela

qual estas fotografias não foram distribuídas pelo restante espaço livre, indagámos junto da sua

filha, tendo esta informado que provavelmente ter-se-á desinteressado pela continuação da

colocação das mesmas.

Quando abrimos o álbum destaca-se, na primeira folha, uma fotografia única, a qual não tem

qualquer indicação ou legenda. Foi-nos possível apurar se tratar de uma fotografia tirada durante a

missão do N.R.P. Gonçalves Zarco2 na Índia, a qual decorreu entre os anos de 1947 e 1949.

Chamou-nos a atenção o facto da mesma se encontrar ligeiramente solta da folha do álbum e por

debaixo desta a referência à existência de uma outra fotografia de dimensões mais pequenas, através

de cantos autocolantes. Esta sido retirada e posteriormente foi colada a fotografia constante na Fig.

3, não tendo sido possível averiguar o motivo pelo qual terá ocorrido esta substituição.

2 N.R.P. significa Navio da República Portuguesa.4

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Destacamos também, a nosso ver e de acordo com a legendagem no verso de algumas fotografias,

que as primeiras folhas remetem para os anos 30 e princípios de 40 do século XX, encontrando-se a

fotografia em questão, e primeira do álbum, deslocada em tempo.

Fig. 3 – À escala real da fotografia, o N.R.P. Gonçalves Zarco, na Índia Portuguesa

Assim, uma primeira questão que nos chama a atenção remete para a razão da existência desta

como primeira fotografia. E, não obtendo resposta a esta pergunta, resta-nos imaginar estarmos

perante um momento relevante no percurso de vida de Edmundo Canhoto. É de referir ser de nosso

conhecimento que este marinheiro esteve em Goa, Damão e Diu durante dois anos consecutivos,

tendo regressado a Lisboa apenas no final de 1949.

Mas outras questões se colocam. Podemos constatar que o seu promotor se encontraria

exteriormente ao navio, mas desconhecemos as suas motivações. Contudo, sentimos que o nosso

olhar é conduzido a verbalizar a presença do exótico, através da visualização de uma densa floresta

e várias palmeiras. Esta imagem parece querer veicular a existência de um modo de viver distinto da

nossa vida de todos os dias. Podemos afirmar, referindo-nos a Paul S. Landau, que a imagem torna-

se, neste pedaço de papel, uma palavra algo «promíscua», pois não é mais que uma representação

na nossa mente (2002a: 2, tradução nossa). O que nela figura está como congelado no tempo e no

espaço, pois desconhecemos se existe no presente ou é do passado, porém tem a capacidade de nos

levar atribuir um significado. Este, por sua vez, mostra-se desigual aos olhos de quem o vê, na

5

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medida em que, neste álbum parece estar espelhado o gosto do autor no que concerne aos navios

militares (ver Fig. 4 e 5), contrariamente ao nosso, o qual não se abstrai de lhe atribuir uma

interpretação relacionada com um significado social.

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Fig. 4 – Fotografia legendada no verso: «Contra Torpedeiro “Tejo”. Em Tanger a 12-09-1936».

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As fotografias que se seguem remetem para a temática da família e amigos. Destacamos uma de sua

esposa com a filha ao colo, uma com um amigo de infância na sua terra natal e de seus primos de

Lourenço Marques3. Mas também de seus vizinhos e amigos de Lisboa.

Sobressaem, entre as várias fotografias desta temática, duas imagens que consideramos estarem

relacionadas com a vida de marinheiro. Referimo-nos às Fig. 6 e 7 abaixo expostas, sobre as quais

desconhecemos a razão da sua inserção nestes espaços.

3 Lourenço Marques corresponde à actual Maputo, capital de Moçambique.7

Fig. 5 – Fotografia legendada no verso: «Navio Escola Sagres com iluminação de gala. Horta».

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Fig. 7 – Fotografia legendada no verso: «I Viagem

presidencial às Colónias. Chegada a Lisboa 30-08-938».

Fig. 6 – Fotografia legendada no verso: «Cabo

Espartel. 20-9-936. Passeio às Colunas e

Grutas de Herculos em Marrocos».

De outras fotografias é feito este álbum, porém as que seguidamente nos chamam a atenção são as

que Edmundo Canhoto referia como sendo os Bijagós.

Como já foi referido anteriormente, viajou na comitiva da Primeira Viagem Presidencial às

Colónias e, em 1939 visitou o Arquipélago dos Bijagós, na actual Guiné-Bissau. Neste, observando

o álbum, constatamos que as fotografias terão sido reveladas por duas entidades distintas, mas não

nos é possível averiguar sobre o olhar de quem fotografou.

No entanto, não podemos deixar de frisar que estas são para nós imagens que merecem um certo

destaque. É assim que nós olhamos para elas, atribuindo-lhes um significado distintivo. A sua

importância leva-nos a dar conhecimento das mesmas ampliando-as, pois tratam-se de fotografias

de pequena dimensão, não atingindo os 7 cm de largura e 5 cm de altura (ver Fig. 8, 9, 10, 11 e 12).

Bem como, considerámos importante dar conhecimento do modo como o autor deste álbum as

organizou numa única folha (ver Fig. 13).

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Fig. 8 – Fotografia não legendada pelo autor. Por nós: a dança dos Bijagós.

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Fig. 9 – Fotografia não legendada pelo autor. Por nós: um marinheiro entre os Bijagós.

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Fig. 10 – Fotografia não legendada pelo autor. Por nós: os jovens Bijagós.

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Fig. 11 – Fotografia não legendada pelo autor. Por nós: dois homens e uma mulher trajados de palha.

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Fig. 12 – Fotografia não legendada pelo autor. Por nós: três marinheiros e dois Bijagós.

Fig. 13 – A escolha do autor quanto ao modo de colocação das fotografias dos Bijagós (organizadas da

esquerda para a direita Fig. 7, 8, 9 ao centro e abaixo 10 e 11)

Novamente o nosso olhar remete-nos para o exotismo, para o modo como as interpretação destas

fotografias podem originar discursos de legitimação de uma primitividade. Citando Paul S. Landau, 13

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«… a fotografia congela a imagem dos “primitivos” cujos movimentos de universalização e

homogeneização de outro modo teriam feito desaparecer.» (2002b: 144, tradução nossa). Assim se

exibem estas ao nossos olhos, como se pretendessem veicular a imagem de um povo que se

mostrava no passado e se apresenta no presente do modo como está nestas exposto.

Deste modo, fazem-nos questionar sobre o intento das mesmas, no sentido em que não nos é

possível compreender sem especular qual a razão da sua existência. Podemos afirmar se tratarem de

fotografias inseparáveis de uma conjuntura histórica, a qual está directamente interligada a

ideologias de dominação e colonização. Mas também, podemos dizer que são apenas representações

de pessoas que trocam experiências e vivências.

Reconhecendo que as fotografias não são mais que objectos culturalmente construídos, os seus

reais significados encontram-se obscurecidos pela diversidade de imaginários visuais. Estas «…

fotografias estão investidas de significados circunscritos e produzidos dentro de condições culturais

específicas e circunstâncias históricas.» (Ryan, 1997: 19), concretamente do colonialismo

português.

O mesmo se verifica nas fotografias que seguidamente apresentamos. As duas primeiras situam-se

espacialmente na Índia Portuguesa e a última no continente africano, concretamente no Parque

Nacional da Gorongosa, em Sofala, Moçambique.

Fig. 14a – Fotografia legendada no verso: ver

Fig. 14b

Fig. 14b – Verso da fotografia da Fig. 14a

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Fig. 15 – Fotografia não legendada pelo autor. Por nós: encantador de cobras indiano.

Fig. 16 - Fotografia legendada na frente e no verso: «Gorongosa. Moçambique. Agosto de 1964»

De acordo com as respectivas legendas, as quais apresentamos nas Fig. 14a, 14b e 15, estas

fotografias são temporalmente distintas da apresentada na Fig. 16; as fotografias da Índia

Portuguesa datam de 1949 e as de Moçambique situam-se entre 1964 e 1965.

Apela à nossa atenção a existência, nesta última, de uma clara modificação no modo como o autor

atribuiu a legenda, conferindo importância à sua referenciação na frente da fotografia.15

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Retomando o nosso olhar sobre estas imagens e desconhecendo o modo como Edmundo Canhoto

compreenderia estas fotografias, referimo-nos novamente às mesmas como representações

relacionadas com um contexto histórico específico; um arco em Goa que marca a presença

portuguesa neste território, o exotismo de um encantador de cobras indiano, a relação maternal e

naturalizada entre uma irmã e um irmão moçambicanos. Esta objectificação da fotografia torna-se

central no modo como as culturas se identificam como o nós diferenciado do outro (Ryan 1997).

Fig. 17 - Fotografia legendada no verso: «Gorongosa. Moçambique. Julho de 1964»

Fig. 18 - Fotografia não legendada pelo autor. Por nós: a caça ao crocodilo africano no rio Zaire, entre

Angola e o enclave de Cabinda, a bordo do N.R.P. “Vasco da Gama”, em 1965.Mencionamos que, muito embora as fotografias constantes das Fig. 16, 17 e 18 tenham sido,

provavelmente, tiradas por uma distinta pessoa e com a certeza reveladas em outras circunstâncias,

através da análise de várias outras fotografias pudemos confirmar que estas estão datadas entre 1964

e 1965 e situadas espacialmente em Moçambique e em Angola. Quanto às Fig. 16 e 17, ambas se 16

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referem ao Parque Nacional da Gorongosa, enquanto a Fig. 18 foi tirada no rio Zaire, entre Angola

e o enclave de Cabinda, a bordo do N.R.P. “Vasco da Gama”.

Parafraseando Paul S. Landau, na introdução do livro Images and Empires: Visuality in Colonial

and Postcolonial Africa, parece existir uma aproximação entre a fotografia e a caça, tal como já o

referira Susan Sontag.

É, partindo dessa relação de proximidade, que relacionamos as fotografias acima indicadas – Fig.

16, 17 e 18, argumentando que a fotografia em África mostra-se como um outro modo de caçar

«”specimens”». Ou seja, quer os seres humanos quer os animais aparentam existir nestas imagens

como «troféus de caça» (2002b: 147, tradução nossa).

As fotografias como construções culturais

Na análise do pequeno álbum de fotografias de Edmundo Canhoto pudemos constatar a existência e

veiculação de um discurso ligado ao colonialismo. Porém, consideramos que este é apenas o modo

como nós olhamos estas fotografias, dado o nosso conhecimento histórico e a directa relação com o

seu produtor. Não nos é possível alhear da representação estatuída pela história do colonialismo

nem das histórias que nos terá contado, apenas questionamos se correspondem a acontecimentos

reais num tempo e num espaço.

Concordamos com Elizabeth Edwards quando refere que desconhecemos os silêncios que

enformam estas fotografias, pois o seu carácter estático pode não condizer com a realidade do

momento. As suas margens físicas retêm uma imagem, encontrando-se esta aparentemente

congelada no tempo. Contudo, por serem analisadas no presente envolvem referenciais históricos e

culturais, e há medida que se operam transformações culturais e societais, a aparente aura de

veracidade tende a desmoronar e dão-se modificações nos discursos anteriormente legitimados

(2001).

As fotografias que apresentámos neste trabalho poderão ter tornado legítima a dominação europeia

perante a África e a Índia, porém hoje fazem-nos levantar outras questões, entre as quais

destacamos o facto da fotografia parecer querer espelhar uma aparente negociação entre colonos e

colonizadores.

Este é o carácter dinâmico da fotografia. Representam objectos que na superfície transportam uma

determinada história, porém a possibilidade de lhe atribuir vários significados conforme as

conjunturas históricas e culturais, permite evidenciar as diferentes narrativas que podemos construir

baseando-nos apenas numa imagem.

A nossa narrativa das fotografias do avô paterno

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À medida que fomos analisando este álbum pessoal do nosso avô paterno, recorrendo ao discurso da

sua filha e à nossa memória, fomos percepcionando que tendemos a representar estas fotografias

com base no pressuposto de um domínio colonial português em África e na Índia.

Questionámos qual seria o modo como o nosso avô compreenderia estas imagens, imaginando que

terá vivido no momento histórico, mas não no olho da máquina fotográfica. Porém, a nossa análise

está completamente centrada no nosso olhar, na forma como nós, vivendo num distinto momento

histórico, construímos uma história sobre as mesmas.

Podemos, deste modo, afirmar que as fotografias estão carregadas de subjectividade. Não nos

contam uma história, mas sim várias e aquelas que nós escolhermos. Não têm voz, mas têm a

capacidade de nos apelar à imaginação.

Perguntamo-nos de que modo o imaginário do Edmundo Canhoto o terá influenciado a escolher

quais fotografias para o seu albúm, pois a sua presença é reduzida e apenas conhecemos as suas

influências na nossa imaginação. Temos a sensação que o nosso avô paterno se refugiava para lá do

ângulo da câmara.

Bibliografia:

CANHOTO, Edmundo s.d. Diário do meu avô paterno. Lisboa.

EDWARDS, Elizabeth 2001 «Introduction: Observations from the Coal-Face» in: Edwards,

Elizabeth Raw Histories: Photographs, Anthropology and Museums. Oxford: Berg. pp. 1-23.

LANDAU, Paul S. 2002a «Introduction. An Amazing Distance: Pictures and People in Africa» in:

Landau, Paul & Kaspin, Deborah D. (Ed.) Images and Empires: Visuality in Colonial and Post

Colonial Africa. Berkeley: University of California Press. pp. 1-40.

LANDAU, Paul S. 2002b «Chapter 5. Empires of the Visual: Photography and Colonail

Administration in Africa» in: Landau, Paul & Kaspin, Deborah D. (Ed.) Images and Empires:

Visuality in Colonial and Post Colonial Africa. Berkeley: University of California Press. pp. 141-

171.

PARQUE NACIONAL DA GORONGOSA, s.d. «Guia de campo. História: origens». Disponível

em: http://www.gorongosa.net/pt/page/history/histria (acedido em 20 de Janeiro de 2009).

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RYAN, James R. 1997 Picturing Empire: Photography and the Visualization of the British Empire.

London: Reaktion Books.

SONTAG, Susan 2008 At the Same Time. London: Penguin Books Ltd.

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