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FORMAS DE PROTEÇÃO JURÍDICA DO TRABALHO NO MUNDO
MODERNO
Alberto Rocha Cavalcante1
RESUMO
Este artigo apresenta algumas considerações sobre a questão do trabalho e do
emprego no sistema capitalista atual, procurando demonstrar as formas de proteção
jurídica do trabalho no mundo moderno, abordando especialmente o papel do Welfare
State keynesiano e sua posterior falência segundo Claus Offe e Jürgen Habermas.
Palavras-chave: Trabalho; Emprego; Estado Providência; Proteção Jurídica.
1 INTRODUÇÃO
O trabalho nas formas hoje conhecidas é produto do sistema capitalista de
produção e com ele interage constantemente. São fenômenos imbricados e
interdependentes. Portanto, compreender como se coloca o trabalho e seus paradoxos
na modernidade é compreeder o próprio sistema capitalista. O direito do trabalho é
produto dessa interdependência entre capital e trabalho e surge como forma de
proteção jurídica do fenômeno trabalho.
Segundo Delgado, em seu brilhante Curso de direito do trabalho,
O direito do trabalho é produto do capitalismo, atado à evolução histórica desse sistema, retificando-lhe distorções econômico-sociais e civilizando a importante relação de poder que sua dinâmica econômica cria no âmbito da sociedade civil, em especial no estabelecimento e na empresa. A existência de tal ramo especializado do Direito supõe a presença de elementos socioeconômicos,
1 Alberto Rocha Cavalcante é licenciado e bacharel em Filosofia e Bacharel em Direito pela PUC-MG, Mestre em Filosofia Social e Política pela FAFICH/UFMG, professor de graduação na Faculdade Promove / Soebras e Advogado atuante em BH-MG. Autor dos livros: O Projeto da Modernidade em Habermas (2001/2006) e Dilemas da Sociedade do Trabalho (2005/2008).
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políticos e culturais que somente despontaram, de forma significativa e conjugada, com o advento e evolução capitalistas. Porém, o Direito do Trabalho não apenas serviu ao sistema econômico deflagrado com a Revolução Industrial, no século XVIII, na Inglaterra; na verdade, ele fixou controles para esse sistema, conferiu-lhe certa medida de civilidade, inclusive buscando eliminar as formas mais perversas de utilização da força de trabalho pela economia. (DELGADO, 2006: 81).
Ainda segundo Delgado (2006:84-85), a categoria central, imprescindível
para a existência do Direito do Trabalho é precisamente a relação empregatícia, o
trabalho assalariado e subordinado. “Trabalhador separado dos meios de produção
(portanto juridicamente livre), mas subordinado no âmbito da relação empregatícia ao
proprietário (ou possuidor, a qualquer título), desses mesmos meios produtivos”.
As fases históricas do direito do trabalho tendem a coincidir em vários
pontos. Dentre eles, os autores tendem a apontar o Manifesto do Partido Comunista de
Marx e Engels de 1848 como o marco na luta pelo direito do trabalho como uma forma
de proteção jurídica dos trabalhadores. Além desta obra, pode-se destacar: a Encíclica
Católica Rerum Novarum, de 1891, a formação da OIT (Organização Internacional do
trabalho, de 1919, e a promulgação da Constituição Mexicana (1917) e Constituição
Alemã de Weimar (1919).
Sobre essas constituições, Delgado (2006:92) afirma: as duas cartas
constitucionais mencionadas foram, de fato, pioneiras na inserção em texto
constitucional de normas nitidamente trabalhistas ou, pelo menos, pioneiras no
processo jurídico fundamental de constitucionalização do Direito do trabalho, que seria
uma das marcas distintivas do século XX.
Na classificação de Delgado (2006:94-98), ambas as constituições são
colocadas na terceira fase, isto é, na institucionalização do Direito do Trabalho (1917-
1970), sendo a primeira o momento das manifestações incipientes ou esparsas (1802);
a segunda sistematização e consolidação (1848), e a quarta fase o momento da crise e
transição do Direito do Trabalho (1979/1980).
Mais precisamente sobre a constituição de Weimar, estava Bismarck à frente
do governo imperial de Guilherme I e sentiu, com genialidade, que o terreno lhe fugia
sob os pés, pelo crescente domínio das massas operárias exercido pelos sociais-
democratas. Certo do valor histórico de suas observapções, Bismarck elaborou a
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célebre mensagem de guilherme I instituindo os seguros sociais em caráter geral e
obrigatório.
Segundo Russomano (op. cit. Freitas Jr: 1999:60), Bismarck compreendera
que a repressão, por si só, não o sustentaria no poder; mas, por formação ideológica,
não abria mão dela, quando se tratava de enfrentar, diretamente, o movimento operário.
Vale aqui registrar a ambiguidade da intervenção do Estado na economia
para a proteção dos trabalhadores na institucionalização de normas e leis protetoras do
direito dos trabalhadores contra os processos de exploração do capital.
Nas palavras de Freitas Júnior, tanto o protecionismo de Bismarck quanto o
protecionismo populista de alguns governos sul-americanos (Vargas, por exemplo),
como ainda o protecionismo promocional do Estado-Providência europeu do segundo
Pós-Guerra, em todas as experiências acima elencadas,
A ambigüidade parece vir na razão direta de um processo de modificação do Estado que vai muito além da mera implementação de políticas intervencionistas. Minha hipótese de trabalho é que não foi esse o momento em que o Estado começou a “intervir” na atividade econômica, ou seja, no mercado. Esse foi o momento em que inaugurou uma especial modalidade de intervenção caracterizada pela ambigüidade, ou seja, pela intervenção destinada, de um lado, a minorar o impacto potencialmente desagregador das crises cíclicas do próprio mercado (de que vejo exemplos as políticas do New Deal bem como o plano de reconstrução confeccionado por Keynes), e de outro a incluir as camadas subalternas, em especial os trabalhadores, já àquela altura organizados em sindicatos e partidos contestatórios, no cenário da competição política institucional.
Ambigüidade não apenas em seus propósitos como, de igual modo, em seus resultados. Dessa linha evolutiva foi possível desenvolver não apenas um processo de gradual ampliação de direitos como também, tornar a opção da revolução política virtualmente inviabilizada (ao menos no que se refere à revolução desenhada para o enfrentamento de um Estado tipo “comitê executivo da burguesia”, na conhecida caracterização do repertório marxiano); ao mesmo tempo, engendrar um itinerário de progressivas concessões sociais, como parâmetro e mecanismo para a legitimação do próprio sistema.(FREITAS JÚNIOR, 1999:61)
Em síntese, pode-se afirmar que o modelo previdenciário típico do Estado
protetor clássico, que marcou o período compreendido entre as reformas de Bismarck e
o segundo Pós-Guerra (entre 1919 a 1945), tem as seguintes características:
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Destina-se prioritariamente –quando não exclusivamente- ao trabalhador visto como sujeito individual, sob vínculo empregatício tópico, em suas relações com o empregador; o desenho jurídico da proteção é construído em torno da figura do operário, aqui entendido como o empregado industrial de baixa qualificação (o que se explica por conhecidas razões históricas que remontam ao fato de ter sido ele a protagonizar os movimentos sociais que estão nas raízes do nascimento da legislação trabalhista) – tendo sido apenas “por extensão” (ou expansão), legal ou jurisprudencial, aplicado não sem reservas a outros segmentos de trabalhadores; o conteúdo das normas jurídicas de proteção possui natureza predominantemente material, ou seja, recai diretamente sobre a disciplina do vínculo empregatício – conferindo, se tanto, modesta atenção às regras instrumentais de fomento à autonomia coletiva, tais como as relativas à proteção da organização e à promoção da ação e da negociação sindicais; as técnicas de promoção usualmente empr3egadas consistem no oferecimento de disposições cogentes, quanto às quais, quer individual quer coletivamente, é restrita quando não inviabilizada qualquer modalidade de transação; e por último, mas não menos importante, o Estado, seja como legislador, seja no exercício do poder de polícia administrativo, seja mesmo na qualidade de provedor jurisdicional, desempenha o papel de protagonista da ação protetora; restando à negociação coletiva, à ação sindical e à auto-defesa uma função meramente complementar e coadjuvante, quando não de todo postas à margem da legalidade. A esse paradigma de proteção jurídica, explicitamente destinada não a um cidadão no âmbito do trabalho, mas a um certo “indivíduo”, titular de certos direitos e pelo Direito chamado “hipossuficiente”, designo, em sua homenagem e à falta de melhor termo: paradigma da proteção do “hipossuficiente”. (FREITAS JÚNIOR, 1999:67-68)
O Estado-Providência tem muitas de suas pré-condições (nessas incluídas
suas ambigüidades), no fértil terreno legado pelo Estado protetor que nasce com a
previdência social bismarckiana.
2 O WELFARE STATE OU ESTADO PREVIDÊNCIA
Segundo Freitas Júnior (1999:62), o Estado-Providência ou Welfare State,
que vai na Europa de 1945 a 1970, a despeito de ser uma consequência do Estado-
Providência de Birmarck, não é uma simples continuidade daquele já que aparece
num momento de exuberância – e não de incipiente gestação- do princípio republicano.
Em outras palavras:
O desenvolvimento e a afirmação do welfare state coincide com um momento de fragilidade no cenário partidário; de estabilidade das instituições da democracia competitiva e de consenso em torno da preservação das liberdades públicas; e de amplo reconhecimento da autonomia coletiva aos grupos sociais organizados, em particular os trabalhadores, num cenário histórico específico
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de grande vitalidade na atuação sindical e de acentuada capacidade de arregimentação e de conflito (FREITAS JÚNIOR, 1999:62).
Pode-se perguntar: a proteção jurídica dispensada ao trabalhador pelo
Welfare State ou Estado-Providência é semelhante ou diferente da proteção do Estado
Bismarkiano? Certamente é uma proteção diferente e pode ser explicitada por meio dos
seguintes aspectos ou características:
Ainda que o objetivo mediato permaneça sendo, reconhecidamente, o da proteção do empregado individual – já não mais como “hipossuficiente” mas como “cidadão” – o alvo imediato consiste nos organismos sindicais constituídos dentro de um quadro de ampla autonomia organizativa; mesmo que por um itinerário relativamente lento de mudanças, a figura do operário não especializado cede lugar, num primeiro momento, ao operário qualificado, e num momento posterior ao trabalhador do setor de serviços, com crescente realce para o serviço público e à atividade, até mesmo econômica, desempenhada pelo setor público; sob o ângulo da natureza das normas, a ênfase passa a recair no estímulo à organização, na proteção da atuação e na indução da função negocial dos organismos coletivos de representação de interesses, em especial os sindicatos; a técnica da proteção compreende a fixação de normas genéricas, de conteúdo negociável na esfera coletiva; e o Estado, como agente diretamente regulador e promotor da proteção, cede lugar às próprias organizações sindicais às quais se confere ampla margem de negociação e extensa legitimidade na condução das ações de auto-tutela, particularmente pela via da ampliação do direito de greve e da simultânea ampliação dos assim chamados “direitos de informação”, com vistas ao fomento de atmosferas de relações coletivas aptas ao desenvolvimento da negociação coletiva. (FREITAS JÚNIOR, 1999:62).
Objetivando estabelecer uma análise comparativa entre o protecionismo
clássico (Estado Birmarckiano) e o protecionismo promocional do Welfare State ou
Estado-Providência, Freitas Júnior (1999:69-70) oferece o seguinte quadro:
Elementos comparativos entre o protecionismo clássico (Estado
Bismarckiano) e o promocional do Welfare State ou Estado-Providência
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CRITÉRIOS
DIFERENCIAIS
PROTECIONISMO
CLÁSSICO
PROTECIONISMO
PROMOCIONAL
ALVO DA PROTEÇÃO Trabalhador empregado,
enquanto sujeito individual
“hipossuficiente”
Liberdade sindical e,
indiretamente, o
empregado enquanto
cidadão
TIPICIDADE DO
TRABALHADOR
Operário não-qualificado,
somente por extensão
aplicável a outras
categorias
Empregado qualificado,
industriário ou do setor de
serviços (inclusive no
setor público)
NATUREZA DAS
NORMAS
Predominantemente
materiais, incidentes
diretamente sobre a
disciplina do vínculo
empregatício, escassa –
ou nenhuma – atenção à
autonomia coletiva
Predominantemente
instrumentais, visando ao
fomento da autonomia
coletiva como cenário de
regulação das relações
trabalhistas
TÉCNICAS DE
PROTEÇÃO
Ênfase em normas
cogentes, restringindo
quando não vedando
transações
Fixação de normas
genéricas, susceptíveis de
transação por via da
negociação coletiva
PROTAGONISTA DA
AÇÃO PROTETORA
Estado Organismos autônomos
de representação dos
trabalhadores
A discussão que segue referente ao Welfare State ou Estado-Providência
pode ser encontrada em Cavalcante, et al, (2005:47-55).
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3 ESTADO-PROVIDÊNCIA E SUA FALÊNCIA SEGUNDO CLAUS OFFE
Claus Offe (1984) afirma que a emergência do welfare state na Europa no
período pós segunda guerra mundial e sua aceitação por operários e capitalistas tinha
como pressuposto o binômio “crescimento-segurança”, o qual tem uma base teórica na
teoria econômica de keynes, no sentido de que, para o keynesianismo, a economia
capitalista é um jogo de soma positiva (e não zero como afirmam outros autores).
Dessa forma,
Jogar um jogo de soma zero seria jogar contra os próprios interesses. Isto quer dizer que cada classe tem que levar em consideração os interesses da outra classe: os operários, a lucratividade, porque somente um nível de lucro e de investimento razoável garantirá o emprego no futuro e o aumento da renda, e os capitalistas, os salários e as despesas do welfare state, porque são eles que garantirão uma demanda efetiva e uma classe operária saudável, bem treinada, sem problemas de moradia e feliz. (OFFE, 1984: 373-374)
O welfare state como um “conjunto de habilitações legais dos cidadãos para
transferir pagamentos dos esquemas de seguro social compulsório para os serviços
organizados do Estado” (OFFE, 1984: 374), intervém na sociedade por meio de “regras
burocráticas e regulamentações legais, transferências monetárias e a experiência
profissional de professores, médicos, assistentes sociais” (OFFE, 1984: 374),
objetivando dispersar os motivos e as razões do conflito social entre o capital e o
trabalho.
Nesse sentido, o welfare state vai desempenhar as funções de:
Remover algumas das necessidades da classe operária da arena da luta de classes e do conflito industrial, prover os meios de atender a essas necessidades de forma mais coletiva e, portanto, com maior eficiência, tornando a produção mais regular e previsível ao aliviá-la de temas e conflitos importantes, e fornecendo um aditamento, um estabilizador embitido na economia através da desconexão entre mudanças na demanda efetiva e mudanças no emprego. Como ocorre no caso das doutrinas keynesianas de política econômica, também o welfare state pode ser visto como oferecendo uma medida da comunidade de interesses entre as classes, de forma que praticamente não sobra espaço para os temas e conflitos fundamentais sobre a natureza da economia política (OFFE, 1984: 374-375).
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Pelo exposto acima, parece que a atuação do Estado de bem-estar social na
regulação da atividade econômica e na implementação das políticas sociais parece
ainda ser o caminho ideal para as sociedades hoje. No entanto, não mais é. Esta é a
tese defendida por Claus Offe, ao afirmar que “essas inovações e seus efeitos
saudáveis parecem ter atingido seus limites”. Dentre os vários problemas apontados por
esse autor, dois vão se destacar: 1. Os problemas da produção / exploração; 2. O
problema da demanda efetiva / realização, sabendo que existe uma troca entre eles:
quanto mais efetivamente um dos dois é solucionado, mais dominante e premente se
torna o outro. Essa contradição entre os dois problemas leva o welfare state a um
paradoxo que consiste no seguinte:
Na medida em que o problema da demanda é resolvido, o problema da oferta começa a ampliar-se (...). Longe de estimular mais a produção, a prática do governo de promover déficits a fim de combater o desemprego contribui para taxas ainda mais altas de desemprego. Segundo o argumento de alguns economistas, essa prática estimula a subida das taxas de juros e torna o capital dinheiro escasso e oneroso. Ocorre também (...) que o estado do welfare contribui para um parcial desestímulo ao trabalho. Seus esquemas de seguro compulsório e habilitação legal oferecem uma proteção institucional tão forte aos interesses materiais dos trabalhadores assalariados que a mão-de-obra torna-se menos preparada e/ ou pode ser menos facilmente forçada a ajustar-se às contingências das mudanças estruturais, tecnológicas, de locação e outras da economia. Os salários são não apenas “rígidos” e “inflexíveis ao declíneo” mas, além disso, as provisões do estado do welfare “desmercantilizaram” em parte os interesses dos trabalhadores, substituindo o “contrato” pelo “status” e os “direitos de propriedade” pelos “direitos do cidadão”. Esta mudança das relações industriais efetuada pelo WSK (welfare state keynesiano) não apenas ajudou a incrementar e estabilizar a demanda efetiva (como pretendia), mas tornou o emprego mais oneroso e mais rígido, também. Mais uma vez, o problema central do mercado de trabalho é o problema da oferta: como contratar e despedir as pessoas certas, no lugar certo, com a habilidade certa e, o mais importante, a motivação certa e a demanda salarial certa. Na minha opinião, o welfare state é visto pelos setores empresariais, numa grande medida, não como parte da solução, mas como parte do próprio problema. (OFFE, 1984: 376-377).
As políticas intervencionistas na economia promovidas pelo welfare state, se
no primeiro momento conseguiram produzir efeitos benéficos na regulação das crises
entre o capital e o trabalho, aos poucos foi solapando a dinâmica do crescimento
econômico, afetando as motivações e expectativas tanto dos investidores quanto dos
trabalhadores.
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Como o capital, tanto o pequeno como o grande, passou a depender dos efeitos estimulantes e reguladores das políticas intervencionistas aplicadas a ambos os lados, da demanda e da oferta, e como a mão-de-obra depende do welfare state, os parâmetros dos incentivos, das motivações e das expectativas dos investidores e dos trabalhadores, igualmente, foram afetados de forma que alterou e solapou a dinâmica do crescimento econômico. As pressões para o ajuste às forças do mercado em mutação foram reduzidas tanto para o capital como para a mão-de-obra, graças à disponibilidade dos recursos providos pelo Estado, que ajuda tanto a evitar quanto a retardar a adaptação, ou as expectativas de que uma grande parte dos custos da adaptação deve ser subsidiada pelo Estado. As indústrias em crescimento, como as de defesa, aviação civil, energia nuclear e telecomunicações, tipicamente, dependem tanto dos mercados criados pelo Estado (e muitas vezes com capital fornecido por ele) quanto as indústrias estagnadas (como do aço, dos têxteis e, cada vez mais, a indústria eletrônica) dependem da proteção do Estado e do abrigo dos mercados subsidiados. O crescimento econômico, quando ocorre, torna-se assunto de desígnio político, ao invés de ser matéria das forças espontâneas do mercado. (OFFE, 1984: 377).
Ainda segundo Offe (1984: 378), enquanto a intenção estratégica da política
econômica keynesiana é promover o crescimento e o pleno emprego, a intenção
estratégica do welfare state é proteger aqueles que são afetados pelos riscos e
contingências da sociedade industrial e criar uma medida de igualdade social. Ocorre
que somente se a primeira estratégia der certo é que a segunda também dará, já que a
primeira é responsável por transferir à segunda os recursos necessários para as
políticas de bem-estar social e limitando a extensão das reivindicações relativas a esses
recursos.
Ocorre que um dos pilares do fracasso do welfare state é precisamente o
fracasso da primeira estratégica já que no atual estágio da economia mundial, os
Estados Nacionais têm um poder limitado tanto de regular as intervenções na economia
como de promover o crescimento econômico. Conseqüentemente, seu poder de
arrecadar impostos é inferior à demanda da população por políticas de assistência
social.
É nesse sentido que Offe afirma:
O efeito combinado das duas estratégias, porém, resultou em taxas elevadas de desemprego e inflação. Para dizer o mínimo, nem a política econômica, nem a política social foram capazes de evitar o desemprego e a inflação simultâneos. Mas pode-se dizer mais do que isto, seguramente. As ligações causais plausíveis entre o WSK e a condição atual de “pior de ambos os mundos” são sugeridas não apenas pelos ideólogos conservadores da política econômicas, que defendem o retorno a algum tipo de direção monetária de uma
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economia de mercado pura; embora com alguma relutância, elas são reconhecidas também pela prática e, em parte, pelas teorias da esquerda. Os argumentos relevantes são: 1) O welfare state keynesiano é uma vítima do seu sucesso. Pelo fato de eliminar (parcialmente) e acomodar as crises, ele inibiu a função positiva que as crises geralmente desempenhavam no processo capitalista da “destruição criativa”.
2) O welfare state keynesiano envolve a conseqüência, inintencional mas inegável, de solapar tanto os incentivos ao investimento como os incentivos ao trabalho. 3) Não existe um mecanismo equilibrador ou uma “regra de parada” que permita ajustar a extensão da política social, de forma a eliminar suas conseqüências autocontraditórias: a lógica da competição partidária democrática e a aliança social-democrata com os sindicados que continuam indisciplinadas por “razões econômicas”. (OFFE, 1984: 378-379).
Offe (1984: 380) vai concluir com a tese de que o welfare state keynesiano
“parece ter exaurido seu potencial e sua viabilidade hoje” já que o “setor público não-
produtivo tornou-se uma carga intolerável para o setor privado, levando a uma carência
crônica de capital de investimentos”. Além do mais, a “ética do trabalho está em
processo de solapamento e a classe média independente está sufocada,
economicamente, pelas taxações elevadas e pela inflação”.
Seguindo os passos de Claus Offe, Freitas Júnior (1999:80-81) vai falar do
“círculo vicioso” da crise fiscal, no tocando à crise de legitimação do Estado nos paises
de economia central, particularmente naqueles tipicamente influenciados pelo
paradigma do Estado-Providência, que teve lugar durante os anos setenta e início da
década de oitenta na Europa ocidental. Pode-se perceber essa crise pela tabela abaixo
por ele descrita:
Círculo vicioso da crise fiscal e de legitimação do Estado-Providência
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1. Déficit de legitimidade produzido pela crise do Estado
protetor clássico:
2. Expansão das políticas sociais pelo Estado Providência;
3. Elevação da carga tributária com transitório ganho de
legitimidade;
4. Surgimento de novas demandas por políticas sociais de
segunda geração, déficit de legitimidade;
5. Déficit de legitimidade, contornado por nova expansão
das políticas sociais, com a necessária elevação da carga
fiscal;
6. surgimento de demandas por políticas sociais de terceira
geração – déficit de legitimidade;
7. Esgotamento da capacidade de novas elevações na carga
tributária;
8. Tentativas de elevação na carga tributária produzindo:
a) Aumento da evasão fiscal;
b) Redução de excedentes;
c) Perda de competitividade externa; e;ou nova
expansão nas políticas sociais, custeadas pelo
desequilíbrio das contas públicas, seguido de
crescente endividamento externo e interno,
elevação nas taxas de juros para novos
endividamentos e aumento da inflação com
déficit de legitimidade.
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4 A CRISE DO WELFARE STATE OU ESTADO-PROVIDÊNCIA E O ESGOTAMENTO
DAS ENERGIAS UTÓPICAS SEGUNDO JÜRGEN HABERMAS
Seguindo a mesma linha de raciocínio de Offe, Habermas (1987) propugna a
tese de que a “ininteligibilidade” do contexto atual vivido por todos nós
É própria de uma situação na qual um programa de Estado social, que se nutre reiteradamente da utopia de uma sociedade do trabalho (à semelhança do pensamento marxista), perdeu a capacidade de abrir possibilidades futuras de uma vida coletivamente melhor e menos ameaçada. (HABERMAS, 1987: 106).
Habermas levanta duas questões fundamentais nesse contexto: Dispõe o
Estado intervencionista de poder bastante, e pode ele trabalhar com eficiência
suficiente para domesticar o sistema econômico capitalista no sentido do seu
programa? Será que o emprego do poder político é o método mais adequado para
alcançar o objetivo substancial do fomento e proteção de formas de vida mais
emancipadas de vida dignas do homem?
Alicerçando-se nas teses de Claus Offe, Habermas vai mostrar os limites de
atuação do Estado nacional frente ao mercado mundial e às multinacionais, tanto no
âmbito externo quanto no interno.
Defende a tese de que frente à primeira questão, o Estado do welfare state
hoje encontra-se impotente para domesticar o sistema econômico capitalista e para
continuar implementando as políticas sociais. Isto porque o Estado, por não ser um
“manancial de abastança”, por não gerar nenhuma riqueza, está dependente dos
proprietários privados do modo de produção, culminando na impossibilidade de o
Estado não poder assegurar o lugar ao trabalho como um direito civil. Nesse sentido,
Desde o princípio, o Estado nacional mostrou-se uma moldura demasiado apertada para assegurar adequadamente a política econômica keynesiana ante os imperativos do mercado mundial e das políticas de investimento das multinacionais. Porém, é no âmbito interno que os limites do poder e da capacidade de intervenção do Estado estão mais evidentes. Nesse ponto, o Estado social esbarra na resistência dos investidores privados, fato tão mais claro quanto mais exitosa a implementação de seus programas. Naturalmente há mais causas para a diminuição da rentabilidade das empresas, para a contração da disposição de investir e para a queda da taxa de crescimento. Mas as condições de valorização do capital são afetadas pelas políticas do Estado de bem-estar não apenas de fato, mas sobretudo na percepção
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subjetiva das empresas. Além disso, os custos crescentes dos salários e dos encargos trabalhistas aumentam a tendência para investimentos em racionalização, a qual, sob o signo da segunda revolução industrial, intensifica a produtividade do trabalho tão consideravelmente e diminui o tempo de trabalho socialmente necessário tão significativamente que torna a força de trabalho mais e mais ociosa, apesar da tendência secular para a redução da jornada de trabalho. Seja como for, nessa situação – em que a falta de disposição para investimentos e a estagnação econômica, o desemprego crescente e a crise do erário público também podem ser trazidos à percepção da opinião pública numa sugestiva ligação com os custos do Estado de bem-estar --, nessa situação fazem-se as limitações estruturais sob as quais o compromisso sócio-estatal foi criado e mantido. Como o Estado social tem de deixar intacto o modo de funcionamento do sistema econômico, não lhe é possível exercer influência sobre a atividade privada de investimentos senão através de intervenções ajustadas ao sistema. Ele não teria de forma alguma poder para isso também porque a redistribuição de renda limita-se, no essencial, a um realinhamento horizontal dentro do grupo de trabalhadores dependentes e não toca na estrutura específica do poder de classe, especialmente na propriedade dos meios de produção. Assim, o Estado social bem-sucedido perde o pé em uma situação na qual tem de ascender à consciência o fato de que ele próprio não é um “manancial de abastança” autônomo e não pode assegurar o lugar ao trabalho como um direito civil”. (HABERMAS, 1987: 108).
Quanto à segunda questão, os reformadores tinham como ponto pacífico que
o Estado interviesse, não só no ciclo econômico como também no ciclo vital de seus
cidadãos para dar-lhe um alto grau de justiça. Em parte isso ocorreu, mas ao preço da
monetarização da vida e da burocratização das relações vitais, ocorrendo uma
colonização do mundo da vida pelo sistema econômico e burocrático-jurídico.
Assim,
As deformações de um mundo da vida regulamentado, analisado, controlado e protegido são, certamente, mais refinadas do que formas palpáveis de exploração material e empobrecimento. Mas nem por isso os conflitos sociais deslocados e internalizados no psíquico e no corpóreo são menos destrutivos. Em suma, o projeto sócio-estatal como tal aloja uma contradição entre os fins e os meios. Seu objetivo é a criação de formas de vida estruturadas igualitariamente, garantindo liberdade de movimentos para a auto-realização e a espontaneidade individuais. Mas obviamente esse objetivo não pode ser diretamente alcançado pela transposição jurídico-administrativa de um programa político. A produção de novas formas de vida está além das forças de que o medium poder dispõe. (HABERMAS, 1987: 109).
Portanto, o desenvolvimento do Estado social acabou num beco sem saída:
esgotaram-se, com ele, as energias da utopia de uma sociedade do trabalho.
Face a esse contexto, Habermas advoga a necessidade de construção pelos
indivíduos de uma nova relação entre os três recursos que as sociedades modernas
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dispõem para satisfazer suas necessidades no exercício do governo: o dinheiro, o
poder e a solidariedade. Essa nova relação consiste em que:
O poder de integração social da solidariedade deveria ser capaz de resistir às “forças” dos outros dois recursos, dinheiro e poder administrativo. Pois bem, os domínios da vida especializados em transmitir valores tradicionais e conhecimentos culturais, em integrar grupos e em socializar crescimentos, sempre dependeram da solidariedade. Mas desta fonte também teria de brotar uma formação política da vontade que exercesse influência sobre a demarcação de fronteiras e o intercâmbio existente entre essas áreas da vida comunicativamente estruturadas, de um lado, e Estado e economia, de outro lado. Aliás, isto não está muito longe das representações normativas de nossos manuais de ciências sociais, segundo os quais a sociedade atua sobre si mesma e sobre seu desenvolvimento através do poder democraticamente legitimado (...). As esferas públicas autônomas teriam de alcançar uma combinação de poder e autolimitação meditada que poderia tornar os mecanismos de auto-regulação do Estado e da economia suficientemente sensíveis diante dos resultados orientados-a-fins, da formação radicalmente democrática da vontade. Provavelmente isso só pode dar certo se os partidos políticos renunciarem irremediavelmente (isto é, sem dar lugar sequer a um equivalente funcional) a uma de suas funções: a produção da lealdade de massas. (HABERMAS, 1987: 112-114).
Diante dos impasses e contradições da política do welfare state ou do
Estado-Providência, fica a pergunta: não há saída para os impasses gerados pela
modernização capitalista? Deve-se abdicar da utopia de alcançar uma sociedade mais
justa e solidária? De um sistema jurídico-político de proteção aos trabalhadores diante
do processo de exploração do capital que se alastra em escala global com o fenômeno
da globalização?
O Estado-Providência chegou ao Brasil no governo de Getúlio Vargas, na
criação de uma legislação trabalhista de proteção ao trabalhador, da qual pode-se citar
como exemplo a CLT (Consolidação da legislação trabalhista) de 1943. Também pode
ser citada como exemplo a CF/88 no tocando aos direitos sociais, presentes no Art. 7º e
incisos da Carta Magna.
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5 FORMAS DE PROTEÇÃO JURÍDICA DO TRABALHO NO BRASIL NA
CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO (CLT) DE 1943 (Arts. 9º,
444, 468)
Segundo Delgado (2006:105), se a relação de emprego (com o trabalho
subordinado) é a categoria básica do ramo justrabalhista, se a existência do trabalho
livre (juridicamente livre) é pressuposto histórico-material para o surgimento do trabalho
subordinado, da relação empregatícia, apenas após a abolição do trabalho escravo no
Brasil a partir de 1888 pode-se falar em formação e consolidação histórica do Direito do
Trabalho no Brasil.
Segundo o autor acima citado, após as manifestações incipientes ou
esparsas (que vai de 1888 a 1930), vem a fase de institucionalização do Direito do
Trabalho no Brasil (que vai de 1930 a 1945), período esse que coincide com o primeiro
governo Vargas. Sobre esse período, pode-se afirmar que:
A fase de institucionalização do Direito do Trabalho consubstancia, em seus primeiros treze a quinze anos (ou pelo menos até 1943, com a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT), intensa atividade administrativa e legislativa do Estado, em consonância com o novo padrão de gestão sociopolítica que se instaura no país com a derrocada, em 1930, da hegemonia exclusivista do segmento agroexportador de café. O Estado largamente intervencionista que ora se forma estende sua atuação também à área da chamada questão social. Nesta área implementa um vasto e profundo conjunto de ações diversificadas mas nitidamente combinadas: de um lado, através de rigorosa repressão sobre quaisquer manifestações autonomistas do movimento operário; de outro lado, através de minuciosa legislação instaurando um novo e abrangente modelo de organização do sistema justrabalhista, estreitamente controlado pelo Estado (....). O modelo justrabalhista então estruturado reuniu-se, anos após em um único diploma normativo, a Consolidação das Leis do Trabalho (Decreto-lei n. 5.452/1943). Embora o nome reverenciasse a obra legislativa anterior (consolidação), a CLT, na verdade, também alterou e ampliou a legislação trabalhista existente, assumindo, desse modo, a natureza própria a um código de trabalho. (DELGADO, 2006:111-112)
A ditadura Vargas vai construir um modelo justrabalhista extremamente
centralizador, passando o Estado a controlar todas as organizações sociais, em
espeical, os sindicatos, retirando esse papel da sociedade civil. A unicidade sindical e
seu controle pelo Estado vai levar o movimento sindical a uma dependência do Estado.
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Objetivando mostrar esse modelo autoritário e concentracionista de poder
do Estado sobre a organização dos trabalhadores, o qual vai perdurar de 1930 até a
carta constitucional de 1988, Delgado afirma que:
Na verdade, o conjunto do modelo justrabalhista oriundo do período entre 1930 e 1945 é que se manteve quase intocado. À exceção do sistema previdenciário que, na década de 60, foi afastado da estrutura corporativa sindical e dissociado desse tradicional modelo justrabalhista, não se assiste, quer na fase democrático-populista de 1945-1964, quer na fase do regime militar implantado em 1964, à implementação de modificações substantivas no velho modelo justrabalhista autoritário-corporativo imperante no país. (DELGADO: 2006:113-114).
Sobre a CLT, resumidamente, pode-se dizer que os pilares normativos deste
corpo jurídico de proteção ao trabalhador pode ser sintetizado em três artigos: o 9º, o
444 e o 468, sem desconsiderar os demais artigos.
O art. 9º afirma que: “Serão nulos de pleno direito as atos praticados com o
objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na
presente consolidação”. O campo de aplicação desse artigo ocorre quando existe
alteração ou descumprimento dos artigos da lei que rege o contrato.
Seguindo essa linha de proteção ao trabalhador (a parte mais fraca na
relação de emprego), dispõe o art. 444 da CLT: “As relações contratuais de trabalho
podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não
contravenha às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhes
sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes”.
Em outros termos, as partes são livres para contratar o objeto da relação de
trabalho, desde que não venham a desrespeitar as disposições de proteção ao
trabalho, os contratos coletivos e as decisões das autoridades competentes. Portanto, a
liberdade de contratar não é absoluta nem aceita renúncia por parte dos direitos do
trabalhador protegidos por lei.
Já o art. 468 da CLT disciplina: “Nos contratos individuais de trabalho só é
lícito a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim
desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de
nulidade da cláusula”. O campo de aplicação do art. 468 da CLT ocorre quando existe
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alteração das cláusulas presentes nos contratos ajustadas pelas partes. Se a alteração
contratual se der de forma unilateral, ela, por si só, já é ilícita, pois a lei não lhe dá
guarida. A alteração bilateral é permitida, mas somente quando não retirar direitos
previstos em lei (art. 9º CLT).
Portanto, pode-se concluir destes artigos que nem toda alteração bilateral é
permitida (quando houver prejuízo para o trabalhador, mesmo com sua anuência), e
nem toda alteração unilateral é proibida (eis as três situações legais de alteração
unilateral contempladas no art. 468 da CLT: quando a transferência é benéfica para o
trabalhador; quando há uma necessidade premente, rápida, passageira; e as situações
previstas em lei – hora-extra, transferência, cargo de confiança). Dispõe o art. 469, & 3º
da CLT que é lícito a transferência provisória unilateral. “Em caso de necessidade de
serviço o empregador poderá transferir o empregado para localidade diversa da que
resultar do contrato, não obstante as restrições do art. Anterior, mas, nesse caso, ficará
obrigado (o patrão) a um pagamento suplementar, nunca inferior a 25% dos salários
que o empregado percebia naquela localidade, enquanto durar essa situação”.
A jornada de trabalho (quantidade de horas) não pode ser alterada
unilateralmente, exceto por uma necessidade premente e imediata, pagando-se hora-
extra (jus variandi extraordinário – alteração no contrato permitido por lei), o que não
ocorre no jus variandi ordinário (neste caso a alteração ocorre segundo as cláusulas
contratuais). Seguindo o mesmo raciocínio, o patrão não pode reduzir o salário (nem
direta nem indiretamente), salvo as exceções previstas em lei (Acordo coletivo ou
negociação coletiva – art. 7º da CF/88).
Retornando ä discussão sobre o controle do Estado face às instituições
sindicais e ä manipulação dos trabalhadores, pode-se afirmar que somente a CF/88 vai
romper parcialmente com esse modelo autoritário do governo Vargas, qual seja, o
rompimento com um dos pilares do velho modelo: o controle político-administrativo do
Estado sobre a estrutura sindical. Parcialmente porque, paradoxalmente, apesar dos
avanços democráticos, “a referida carta preservará e aprofundará institutos e
mecanismos autoritários-corporativos oriundos das bases do velho modelo
justrabalhista, como, ilustrativamente, a antiga estrutura sindical corporativista”
(DELGADO, 2006: 114-115). A despeito desse viés corporativista, a CF/88 traz
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inúmeros avanços no que diz respeito aos direitos dos trabalhadores, especialmente
nos arts. 7 e 8.
Segundo Delgado (2006:117), o Brasil apresenta um patamar civilizatório
mínimo ancorado em três grupos convergentes de normas trabalhistas heterônomas:
As normas constitucionais em geral (respeitadas, é claro, as ressalvas parciais expressamente feitas pela própria Constituição: art. 7, VI, XIII e XIV, por exemplo); as normas de tratados e convenções internacionais que asseguram patamares de cidadania ao indivíduo que labora (preceitos relativos ä saúde e segurança no trabalho,normas concernentes a bases salariais mínimas, normas de identificação profissional, dispositivos antidiscriminatórios, etc).
6 FORMAS DE PROTEÇÃO JURÍDICA DO TRABALHO NO BRASIL NA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 (Arts. 7º ao 11º): avanços e
retrocessos
Segundo Delgado (2006:124-125), o Direito do Trabalho no Brasil nunca teve
uma recepção constitucional tão expressiva como na CF/88, a qual veio consolidar uma
constitucionalização do Direito do Trabalho e “impor” ao restante do universo jurídico
uma influência e inspiração justrabalhistas até então desconhecidas na história do país.
Foi precisamente esta carta constitucional que possibilitou a construção de uma visão
coletiva dos problemas em contraposição a uma visão individualista preponderante no
Direito Civil.
É a mais importante Carta de Direitos já escrita na história jurídico-política do
país. Estabelece um rol de garantias individuais, mas sem esquecer os direitos sociais,
coletivos e sociotrabalhistas.
Nessa direção, já em seu Preâmbulo, a Constituição (Delgado, 2006:123)
fala em exercício de direitos sociais e individuais, faz menção a uma sociedade
pluralista e defende a solução pacífica de conflitos. Nos Princípios Fundamentais,
refere-se a valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, a uma sociedade livre, justa e
solidária, reiterando a noção de solução pacífica de conflitos.
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A carta constitucional vai dar um papel de destaque aos mecanismos
democráticos de participação dos trabalhadores nas decisões trabalhistas, enfatizando
a importância do papel da negociação coletiva do trabalho, do contrato coletivo e do
acordo coletivo, possibilitando meios mais democráticos de administração dos conflitos
sociais no país.
É inegável que a CF/88 teve como objetivo “valorizar formas autônomas de
exercício do poder” (Delgado, 2006: 123), com o plebiscito e o referendum (art. 14,
CF/88), com a institucionalização de mecanismos de produção autônoma do Direito,
acentuando a importância das convenções e acordos coletivos (arts. 7º, XXVI, e 8º, VI,
CF/88).
Nas análises de Delgado, é possível visualizar os avanços trabalhistas no
texto constitucional estatuídos nos artigos 6º ao 11.
No Capítulo II, do titulo II (arts. 6º ao 11), a Carta de 1988 insculpiu seus principais preceitos de natureza trabalhista. Nesse espectro de normas, ressaltam-se aquelas que favorecem o caminho da normatização autônoma, em especial: artigo 7º, incisos VI, XIII, XIV, XXVI, artigo 8º; artigo 9º; artigo 10 e, finalmente, artigo 11. Todos são preceitos que valorizam a atuação sindical, a participação obreira nos locais de trabalho e a negociação coletiva. O inciso VI do artigo 7º autoriza, inclusive, em certa medida, a redução salarial, mediante convenção ou acordo coletivo, dado que excepciona, nos casos de normas autônomas expressas contrárias, o princípio de irredutibilidade salarial. Embora este poder redutor não seja, evidentemente, ilimitado, nem deva ser exercido contrariamente aos fins sociais do Direito do Trabalho, sua presença denota a força conferida pela Carta Magna à negociação coletiva trabalhista. Proíbe a Constituição, ainda, coerentemente com sua manifesta intenção democrática, qualquer interferência e intervenção do Estado nas organizações sindicais (art. 8º, VIII). Estende-a, porém, ao empregado eleito para cargo de direção em CIPA (art. 10, II, “a”, ADCT, CF/88) – figura criada, originalmente, pelo mesmo texto constitucional de 1988. (DELGADO, 2006: 124).
Ainda na linha da construção da isonomia ou igualdade, a CF/88 vai igualar
os direitos dos empregados urbanos e rurais (art. 7º, caput), estendendo esta conduta
aos trabalhadores avulsos (art. 7º, XXXIV) e aumentando o rol de direitos à categoria de
empregados domésticos (art. 7º, par. único CF/88)
Outro setor que também foi beneficiado pela ampliação das proteções
constitucionais trabalhistas diz respeito à empregada gestante (Delgado, 2006, 127),
com o prazo de licença previdenciária sendo estendido para 120 dias (art. 7º, XVIII,
CF/88), com a garantia de emprego estendendo-se para até 5 meses após o
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nascimento do filho (art. 10, II, “b”, ADCT, CF/88). Seguindo a mesma linha de
raciocínio, estendeu a interrupção do contrato de trabalho para o pai, no período de
nascimento do filho de um para cinco dias (art. 7º, XIX e art. 10, § 1º, ADCT,
combinados com o art. 473, III, CLT). O aviso prévio passou de oito para trinta dias (art.
7º, XXI, CF/88), estendendo também o prazo bienal de prescrição de dois para cinco
anos dos trabalhadores urbanos para os trabalhadores rurais, alterando a sistemática
jurídica do art. 11 da CLT (art. 7º, XXIX, “a”, CF/88).
Também o FGTS foi estendido a todo empregado, exceto o doméstico, (art.
7º, III, CF/88), ampliando o acréscimo rescisório (art. 10, I, CF/88) no caso da dispensa
sem justa causa. Em contraponto, extingue a indenização celetista (art. 7º, I, CF/88; art.
477, caput, CLT), remetendo à legislação complementar a fixação de indenização
compensatória.
A despeito de todos os avanços democráticos mostrados acima produzidos
pela Carta Constitucional de 1988 no Brasil, podem-se destacar alguns aspectos de
retrocesso, principalmente no tocante à organização sindical e sua forma de atuação.
Delgado, em seu Curso de Direito do Trabalho mostra que os aspectos
antidemocráticos presentes na Carta Magna são heranças oriundas dos modelos
autocráticos do governo Vargas iniciado na década de 30 no Brasil, influência essa
herdada dos modelos italianos (Mussolini) e alemão (Hitler). Trata-se, segundo o autor
citado, dos seguintes mecanismos:
a) a contribuição sindical obrigatória, de origem legal (artigo 8º, IV, in fine, CF/88), que permite ao sindicato manter-se independente da vontade e decisões efetivas de seus associados, elidindo das burocracias e direções sindicais a fundamental (do ponto de vista democrático) responsiveness (na verdade, o artigo 8º, IV, da Constituição, fala até mesmo em duas contribuições); b) a representação corporativa no seio do Poder Judiciário (arts 111 a 117, CF/88), (suprimida pela E.C. n. 24 em dezembro de 1999), que cristaliza a burocratização das direções sindicais e do aparelho sindical, em sua integralidade, retirando todos do controle de seus representados; c) o poder normativo do Judiciário Trabalhista (art. 114, § 2º, CF/88), que suprime, de um só plano, tanto a responsibility, como a responsiveness
2das entidades sindicais. Finalmente, na mesma linha,
2 “(...) não há Democracia que se consolide e se mantenha sem o eficaz tratamento institucional à equação liberdade/responsabilidade. A noção democrática de responsabilidade é bilateral e dialética, envolvendo o detentor do poder institucionalizado e aquele a quem se reporte o poder (responsability e responsiveness). Como já foi afirmado, quem está representando ou detendo alguma fatia de poder
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d) preceitos que mantêm a unicidade e o sistema de enquadramento sindical (art. 8º, II, CF/88). (DELGADO, 2006: 128-129).
Verifica-se, portanto, ao lado de um grande movimento de democratização
dos direitos justrabalhistas, a presença de estruturas corporativistas antidemocráticas
herdadas dos sistemas políticos autoritários da década de 30 no Brasil. Nas palavras de
Delgado (2006: 135),
normas inegavelmente inovadoras, que tangenciam o futuro e criam condições à normatização democrática desse futuro. A seu lado, normas e figuras jurídico-institucionais que encarnam um direcionamento antitético à intenção renovadora manifestada pelo mesmo texto constitucional, lançando um véu de incerteza sobre a própria possibilidade de sucesso histórico concreto da intenção democrática sugerida. (Delgado, 2006: 135).
A permanência dos mecanismos autoritário-corporativos na CF/88 referentes
aos sindicatos e suas relações com seus representados tem como objetivo central
manter as direções sindicais imunes à pressão e controle de seus representados e
manter-se um vínculo de dependência do Estado, fato esse que revela uma vertente
pouco democrática da organização sindical.
7 CONCLUSÃO
Abordar as formas de proteção jurídica do trabalho e do emprego é falar do
Welfare State ou do Estado de Bem-Estar Social, ou ainda, Estado Providência. É
evidente que existem duras críticas, por parte de alguns autores, a este Estado
Providência no sentido de que ele está falido no mundo moderno em função de não
mais dar conta das inúmeras demandas da sociedade, passando por um endividamento
crescente e uma crescente carga tributária que sufoca os setores produtivos da
sociedade.
Existem ainda aqueles autores, como Claus Offe e J. Habermas que
defendem o fim das utopias e a falência completa do Estado de Bem-Estar Social.
Parcialmente, somos a favor de algumas das críticas que se fazem a esse Estado
institucionalizado tem de responder perante seus representados, de modo institucional e permanente. Sem esse mecanismo de reporte e controle permanente pelo representado, é inviável construir-se experiência democrática sólida e eficaz – logo, experiência democrática permanente” (Delgado, 2006: 128).
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interventor. Mas não concordamos com uma crítica radical ou a proposta de instauração
de um Estado Mínimo como querem os neoliberais.
O Estado, principalmente nos países em desenvolvimento, tem um papel
importante na proteção das pessoas mais carentes e necessitadas, na proteção do
trabalho e do emprego como forma de promover o desenvolvimento humano. Deixar o
trabalho e o emprego entregue às regras do mercado é minar qualquer possibilidade de
ascensão social para os setores hipossuficientes da sociedade.
FORMS OF LEGAL PROTECTION OF WORK IN THE MODERN
WORLD
ABSTRACT
This article presents some considerations on the issue of work and employment in the
current capitalist system, seeking to demonstrate the forms of legal protection of labor in
the modern world, especially addressing the role of the Keynesian welfare state and its
subsequent bankruptcy second Claus Offe and Jürgen Habermas.
Keywords: Labor, Employment, Welfare State, Legal Protection.
REFERÊNCIAS
CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO. São Paulo: Lex Editora S. A, 2006. DELGADO, M. G. Capitalismo, trabalho e emprego: entre o paradigma da destruição e os caminhos de reconstrução. São Paulo: LTr, 2006. DELGADO, M. G. Curso de direito do trabalho. 5 ed. São Paulo: LTr, 2006. FREITAS JÚNIOR, A. R. de. Direito do trabalho na era do desemprego: instrumentos jurídicos em políticas públicas de fomento à ocupação. São Paulo: LTr, 1999. GILPIN, R. O desafio do capitalismo global. Rio de Janeiro/São Paulo: Record, 2004.
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HABERMAS, J. A nova intransparência. São Paulo: Novos Estudos CEBRAP, n. 18, set. 1987: 103-106. MACCALÓZ, S. M. et. al. Globalização, neoliberalismo e direitos sociais. Rio de Janeiro: Destaque, 1997. OFFE, Claus. Problemas Estruturais do Estado Capitalista. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,1984. SÜSSEKIND, A. (et. al.). Instituições de direito do trabalho. 22 ed. São Paulo: Ltr, 2005, Vol. I e II.