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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Maria de Lourdes Couto Nogueira
Formação profissional e emprego: o caso das egressas do
curso técnico em vestuário do Cefet-MG, campus Divinópolis
MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
SÃO PAULO
2010
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Maria de Lourdes Couto Nogueira
Formação profissional e emprego: o caso das egressas do
curso técnico em vestuário do Cefet-MG, campus Divinópolis
MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
SÃO PAULO
2010
ii
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Maria de Lourdes Couto Nogueira
Formação profissional e emprego: o caso das egressas do
curso técnico em vestuário do Cefet-MG, campus Divinópolis
MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Ciências Sociais, sob a orientação da Profª Doutora Leila Maria da Silva Blass
SÃO PAULO
2010
iii
Banca Examinadora
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________________________________________
________________________________________
iv
DEDICATÓRIA
A Deus pela proteção e amparo nos momentos difíceis e por me mostrar o caminho a seguir nas horas incertas, suprindo todas as minhas necessidades.
À Júlia, Marina e Marcos por aceitarem a minha ausência, principalmente, nos momentos mais preciosos de nossa convivência.
A minha família, especialmente a minha mãe pela confiança, incentivo e apoio incondicional nos momentos necessários e ao meu avô Zózimo que se faz presente a todo momento.
v
AGRADECIMENTOS
A todos que de uma forma ou de outra, colaboraram para essa conquista, especialmente
à profª Leila Blass que muito contribuiu com a sua orientação;
à profª Marisa Borin e ao prof. Aurélio Nascimento por aceitarem participar da banca examinadora e pelas contribuições na qualificação;
à diretoria do Cefet-MG, sobretudo ao prof. Flávio Antônio dos Santos que não mediu esforços para que o curso se efetivasse;
aos colegas do Cefet-MG Campus Divinópolis pelo estímulo constante;
aos professores do mestrado por compartilharem momentos de sabedoria e enriquecimento;
às coordenações do Mestrado da PUC-SP e do CEFET-MG, em particular ao prof. Chasin e a colega Ana Lúcia pelo empenho para que o curso ocorresse;
aos colegas do mestrado que sempre ajudaram e incentivaram, especialmente Eliane Marchetti, Joanice, Regina, Sancha, Vanessa e Verinha que tive o privilégio de conviver de forma mais próxima;
ao prof. Antônio Guimarães e ao Vinícius pela contribuição através da pesquisa sobre egressos que desmembrou na proposta desta dissertação;
ao Maurício Faria pela competência na correção ortográfica e pelo carinho de sempre;
à Rosely Soares pela dedicação e empenho na tradução do resumo;
à Jussara Biagini pela avaliação crítica e pelo valioso tempo de nossas trocas de experiências;
às egressas entrevistadas que ao participarem da pesquisa, me propiciaram estímulo e encorajamento;
a todos que direta ou indiretamente colaboraram para esta conquista, o meu muito obrigada.
vi
Formação profissional e emprego: o caso das egressas do curso técnico em vestuário do Cefet-MG, campus Divinópolis
Maria de Lourdes Couto Nogueira
RESUMO
Esta dissertação de mestrado aborda as relações entre formação profissional e
a inserção no mercado de emprego de um grupo de egressas do curso técnico
em vestuário do Cefet-MG, de 2002 a 2008. A significativa presença das
mulheres no curso se manifesta desde o momento da inscrição no processo
seletivo até a sua conclusão, o que reflete a expressão da forte presença
feminina na indústria do vestuário.
Um dos nossos objetivos é refletir sobre a visão de que o correspondente
diploma de conclusão do curso garantiria a obtenção de emprego, sem
quaisquer mediações.
No CEFET-MG, o aluno precisa cursar as disciplinas e o estágio curricular para
obter a certificação como técnico de nível médio. O diploma garantia ou
facilitaria a obtenção de emprego? Esse é um dos focos da nossa pesquisa.
O aluno do curso diurno possui projeções futuras de continuidade em sua
trajetória escolar e o aluno do curso noturno, por sua vez, nem sempre prioriza
a continuidade, preferindo a inserção no curto prazo no mercado de emprego.
Aquele que já está inserido procura melhor qualificação.
Para a análise foram coletados dados relativos às trajetórias profissionais
das entrevistadas. A seleção das onze egressas foi definida a partir do critério
de estarem inseridas no mercado de emprego. O principal resultado obtido com
a análise dos dados se refere às dissonâncias entre formação profissional e o
emprego realizado, pois o conhecimento de todo o processo produtivo não é
apreendido.
Palavras-chave: Divinópolis/MG; Egressas; Formação Profissional Técnica;
Indústria do vestuário; Mercado de emprego.
vii
ABSTRACT
This work addresses the relationship between professional training course and
job market insertion of a group of alumni of the technical clothing course at
Cefet-MG, from 2002 to 2008. The significant presence of women in the course
is evident from the time of enrollment in the selection process until its
conclusion, which reflects the expression of strong female presence in the
clothing industry.
One of our goals is to reflect on the view that the corresponding diploma of the
course would be the guarantee of getting a job, without any mediation.
At CEFET School, a student must attend the courses and traineeship to obtain
certification as a technical level. The diploma would facilitate the acquisition or
guarantee of employment? This is one of the focuses of our research.
The future projections of the student of daytime have continuity in their school
career and night school student, in turn, does not always prioritize continuity,
preferring to enter the job market. One who is already inserted in the job
market demands better qualifications.
For analysis, data concerning the professional careers of the interviewees were
collected. The selection of the eleven former students was defined from the
criterion of being inserted in the job market. The main result obtained with the
analysis of the data refers to discrepancies between training and jobs done,
because knowledge of the entire production process is not seized.
Keywords: Divinópolis MG. Alumni. Technical Training Course. Clothing
Industry. Job Market.
viii
ABREVIATURAS E SIGLAS
BIC Jr.
CAD
CAGED
Cefet-MG
CLT
Copeve
CPE
DIE-E
DRS
Fitedi
IBGE
IDH
IEMI
IPEA
MTE
OEVA
PIB
RAIS
RFET
Senac
Senai
Sesi
Setec/MEC
Soac
Bolsa de Iniciação Científica Júnior
Computer Aided Design/Projeto Assistido por Computador
Cadastro Geral de Empregados e Desempregados
Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais
Consolidação das Leis do Trabalho
Comissão Permanente de Vestibular
Coordenações de Programas de Estágio
Departamento de Integração Escola-Empresa
Diagnóstico e Plano de Negócios da Gerência de
Desenvolvimento Regional Sustentável
Fiação e Tecelagem de Divinópolis
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
Índice de Desenvolvimento Humano
Instituto de Estudos e Marketing Industrial
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
Ministério Público do Trabalho e Emprego
Observatório de Entradas da Vida Activa
Produto Interno Bruto
Relação Anual de Informações Sociais
Rede Federal de Educação Tecnológica
Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial
Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial
Serviço Social da Indústria
Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica
Sindicato dos Oficiais Alfaiates, Costureiras, Trabalhadores na
Indústria de Confecção de Roupas, Estamparias, Cama, Mesa e
Banho de Divinópolis
ix
TABELAS E DIAGRAMAS
Tabela 1 – Distribuição de homens e mulheres nos Seminários de Conclusão
dos Cursos Técnicos da Educação Profissional e Tecnológica do Cefet-
MG/Campus Divinópolis, no período de 2002 a 2008, no curso técnico em
vestuário............................................................................................................08
Tabela 2 – Situação dos alunos egressos do Curso Técnico em Vestuário que
fizeram o Seminário de Conclusão....................................................................09
Diagrama 1 – Cadeia produtiva têxtil.................................................................14
Diagrama 2 – Processo produtivo de uma indústria de confecção...................31
x
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 01
CAPÍTULO I – A INDÚSTRIA DO VESTUÁRIO: ASPECTOS GERAIS ..................... 13
1. O setor do vestuário em Divinópolis (MG) ................................................................. 13
2. A indústria da confecção: características principais .................................................. 20
3. Etapas do processo produtivo da confecção ............................................................. 26
CAPÍTULO II – O CURSO TÉCNICO EM VESTUÁRIO DO CEFET – MG (DIVINÓPOLIS) ..............................................................................................................................39
1. O Curso Técnico em Vestuário ................................................................................. 39
2. O estágio curricular ................................................................................................... 42
3. O lugar das egressas no processo produtivo da confecção ...................................... 47
CAPÍTULO III – FORMAÇÃO PROFISSIONAL E A INSERÇÃO NO MERCADO DE EMPREGO DO PONTO DE VISTA DAS EGRESSAS DO CURSO TÉCNICO EM VESTUÁRIO DO CEFET-MG ...........................................................49
1. O ingresso no setor industrial: obstáculos e facilidades ............................................ 49
2. As dissonâncias entre a formação profissional e as exigências para obter
emprego no caso em estudo ......................................................................................... 55
3. A situação profissional e salarial das entrevistadas e expectativas futuras............... 56
CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................... 60
REFERÊNCIAS ............................................................................................................. 64
ANEXOS ...................................................................................................................... 67
Algumas informações sobre as entrevistadas ................................................................67
Roteiro de entrevistas......................................................................................................69
1
INTRODUÇÃO
Na visão de muitos dirigentes educacionais e mesmo docentes em
cursos técnicos, considerados profissionalizantes, esses cursos seriam
condição ou pré-requisito para inserção no mercado de emprego. Quando isso
não se verifica, coloca-se em dúvida a eficácia da própria formação profissional
oferecida.
Essa visão está baseada na relação direta entre a formação profissional
e o emprego, ou seja, o diploma seria um documento que garante ou facilita a
obtenção do emprego. Essa relação aparece entre os objetivos do curso
técnico em vestuário, tematizado nesta dissertação. Conforme o projeto deste
curso, editado em 2006, seria um dos seus objetivos “formar profissionais
capazes de intervir desde a etapa de industrialização na fábrica ou do produto,
até sua gerência e/ou comercialização”.
Os egressos são consultados, nesse sentido, para verificar se os
objetivos definidos para os cursos profissionalizantes foram ou não cumpridos.
Contudo, ignoram-se as mediações que se operam entre as propostas de
cursos profissionalizantes e as regras para obtenção de emprego ou mesmo os
motivos da escolha do curso. Esses pontos não serão analisados neste estudo,
mas considerados quando se busca conhecer quem são os egressos1, qual
sua trajetória profissional, como ocorre sua inserção no mercado de emprego e
quais suas expectativas, no caso do curso técnico em vestuário do CEFET-
MG/Divinópolis.
Por isso, importa recuperar os motivos que levaram muitos egressos a
fazer o curso técnico em vestuário. Os motivos citados pelos ingressantes para
a escolha do curso se alternam entre a realização de um sonho, o atendimento
a um desejo da mãe, a afinidade e o interesse pela área da moda, a mudança
da profissão na busca por um novo emprego e salário melhores.
Para uma das entrevistadas sua escolha se deu por
[...] gostar tanto de desenhar, de fazer, porque pra mim não tinha coisa
melhor do mundo do que ir para a casa da minha avó entrar no atelier
1 A concepção de aluno egresso diz respeito ao aluno que concluiu e foi aprovado em todas as disciplinas, inclusive o estágio na área referente a sua formação profissional, no Seminário de Conclusão dos Cursos Técnicos da Educação Profissional e Tecnológica e na Colação de Grau.
2
e ficar lá no meio daqueles panos, tudo colorido, com tesouras, nossa
não tinha coisa melhor para mim não.2
Das egressas3 entrevistadas, uma delas afirma que decidiu estudar
junto com uma amiga para mudar de profissão: “eu era empregada doméstica,
fomos fazer a prova de seleção para melhorar a questão do emprego e do
salário.”4
A busca pela melhoria da profissão é uma realidade de quem entra no
mercado de emprego. A melhoria não ocorre somente no aspecto profissional,
mas também no pessoal. Ao aprimorar os conhecimentos, há também aumento
da autoestima, o que pode colaborar para obter autonomia em suas escolhas.
A escolha feita em busca da mudança na profissão foi um dos motivos
de outra entrevistada que não optou especificamente pelo curso ou área, mas
pela necessidade de deixar de fazer o que não gostava e ter uma nova opção
para a sua escolha profissional. Diz ela:
Eu terminei o ensino fundamental e fui procurar o Cefet porque estava
trabalhando em casa de família e não gostava e achei que fosse uma
opção nova para eu entrar no mercado.5
As escolhas feitas pelas entrevistadas são também diferenciadas em
função dos turnos escolhidos e uma das justificativas mais pertinentes se refere
à necessidade de trabalhar.
O ingresso no curso ocorre através de processo seletivo anual e os
ingressantes nos cursos destinados à formação de técnicos industriais se
diferenciam também nos turnos diurno e noturno. Entretanto, a proposta
curricular e o arranjo formativo pedagógico são os mesmos. Alunos dos dois
turnos vão indistintamente para o estágio curricular.
Os alunos do diurno geralmente são concluintes do ensino
fundamental, com idade aproximada de 15 anos, enquanto os alunos do
2 Entrevista realizada por mim com Jeniffer trabalha em uma confecção na área de marketing.
3 Como não houve participação masculina na pesquisa, uma vez que só as mulheres participaram das
entrevistas, o termo utilizado para alunas concluintes do curso será “egressas”, o que justifica inclusive
o título desta dissertação.
4 Entrevista realizada com Sandra, gerente de produção de uma confecção.
5 Entrevista realizada com Sivani, que trabalha como chefe de produção e costureira em uma confecção. Após o seu trabalho regular na confecção, trabalha em casa na sua facção prestando serviços para seu patrão, inclusive.
3
noturno podem ser estudantes da 2ª ou 3ª séries do ensino médio ou
concluintes. No curso noturno, a maioria dos alunos já está inserida no
mercado de emprego e procura melhor qualificação.
O aluno do curso diurno possui projeções futuras de continuidade em
sua trajetória escolar e o aluno do noturno, por sua vez, nem sempre prioriza a
continuidade nos estudos, preferindo, contudo, a inserção no curto prazo no
mercado de emprego.
Apesar dos alunos que frequentam o curso noturno visarem
prioritariamente a inserção no mercado do emprego, a formação profissional
não é garantia de que tal fato ocorra.
Conforme Pais (2001), “a educação não deveria ser entendida como
um simples instrumento de mobilidade social, mas, preponderantemente, como
uma possibilidade de enriquecimento pessoal e de dignificação da pessoa. A
pura instrumentalização do saber acaba por o adulterar. E, mesmo quando a
formação é dirigida à inserção profissional, não é certo que atinja sempre os
seus objetivos”. (idem: 44)
Os cursos técnicos destinados à formação profissional não garantem,
como indica esse autor à inserção no mercado de emprego. As dificuldades
podem se relacionar com o processo seletivo que opera no âmbito da
sociedade.
Por isso, lembra Pais (2001) que “a formação profissional nem sempre
tem contribuído para eliminar ou atenuar alguns dos aspectos mais negativos
do sistema de emprego.” (idem: 49).
O autor apresenta ainda alguns dados, mostrando que a formação
profissional está à margem dos projetos formativos e das trajetórias
profissionais de muitos jovens. Certamente as mudanças estruturais no mundo
do trabalho assalariado colocam outras exigências para a força de trabalho e
para os cursos de formação profissional. Contudo, os problemas de inserção
no mercado de emprego não derivam apenas, nem tampouco, da profecia que
sustenta uma inadequação dos sistemas educativo e formativo ao sistema
produtivo.
No caso do curso técnico em vestuário, a distribuição de homens e
mulheres nos seminários de conclusão revela no vestuário, por exemplo, que a
4
escolha desse curso remete aos lugares sociais definidos para homens e
mulheres na sociedade.
Nesse sentido, lembra Duru-Bellat (1995) que as diferenças de gênero
continuam a existir “[...] a partir do momento em que os currículos se
diversificam, com uma clivagem muito forte entre linhas de formação femininas
e masculinas. Vemo-lo nas formações profissionais das actividades de operário
e empregado: em cada 100 jovens do sexo feminino que as procuram, 85
escolhem as formações terciárias, e 15 as secundárias (71% por cento, neste
caso, referem-se ao ramo do vestuário)” (idem: 146).
Nos cursos técnicos industriais, a maior parte das mulheres escolhe
realizar a sua formação profissional no ramo do vestuário, indicando o
processo de divisão sexual do trabalho. Nesse caso, aparecem as
desigualdades das posições e atividades ocupadas por homens e mulheres na
sociedade, onde as mulheres realizam principalmente o trabalho doméstico. As
mulheres fazem o trabalho invisível e de rotina dos afazeres de casa e a
criação e a educação dos filhos, sem remuneração.
De modo geral, o ofício da costura foi passado através das gerações
quando as avós ensinavam às filhas, que ensinavam às netas. Desta forma,
perpetuou-se a arte de costurar.
Em Divinópolis a história não é diferente. As primeiras costureiras, além
de fazerem as roupas para toda a família, passaram a fazer também para os
vizinhos tendo mantimentos como moeda de troca pelas roupas
confeccionadas.
A assimilação da influência feminina nas trajetórias de vida das egressas
entrevistadas aparece nitidamente nos depoimentos, reforçando essa
passagem de geração para geração, como relata uma das entrevistadas.
[...] eu brincava de fazer roupas para as bonecas, então este gosto pela
moda, pela costura, pelo vestir, pelo mundo da moda é desde criança,
então é uma coisa que eu carrego comigo. E também de família
porque minha avó tem um atelier, então eu pegava os retalhos e fazia
roupas para as minhas bonecas, primeiro eu desenhava sem saber,
desenhava num papel e coloria e depois fazia o que estava no papel e
minha avó me ajudava. Esta questão de gostar tanto de desenhar, de
fazer, porque pra mim não tinha coisa melhor do mundo do que ir para
5
a casa da minha avó entrar no atelier e ficar lá no meio daqueles
panos, tudo colorido, com tesouras, nossa não tinha coisa melhor para
mim não.6
A mesma percepção está presente no depoimento de outra egressa ao
relembrar sua trajetória de vida. O presente – uma máquina de costura –
recebido em seu aniversário de 8 anos foi o incentivo para começar a criar e a
confeccionar suas próprias roupas.7
Um dos elementos importantes para o desenvolvimento da indústria da
confecção em Divinópolis pode se relacionar à caracterização da cidade como
polo comercial regional pelo incentivo de se produzir o que já se vendia de
terceiros. A história da indústria da confecção8 em Divinópolis teve seu início a
partir da segunda metade da década de 1960, de forma artesanal e utilizando
tecidos populares como o brim, a lona e a chita.
As mulheres tiveram um papel primordial na história da confecção. Com
as demissões dos trabalhadores ocorridas em função da crise econômica da
indústria siderúrgica, elas iniciam as atividades de costura em suas casas
movidas pela necessidade de sustento da família, pela manutenção do
casamento e até mesmo, objetivando rendimento próprio para sua participação
como consumidora.
A situação dos egressos do curso técnico em vestuário, em Divinópolis/
MG pode mostrar esses aspectos, mas este estudo surgiu da experiência
adquirida através do exercício de doze anos em atividades acadêmicas na área
de formação profissional, além do interesse pessoal em conhecer o egresso
para verificar se existe uma relação entre a formação profissional oferecida
pelo curso técnico em vestuário do Cefet-MG e a sua inserção nas empresas
do setor do vestuário da cidade de Divinópolis, onde se localiza esse centro
educacional.
O Cefet-MG é uma instituição de ensino público e gratuito que
completou no dia 8 de setembro de 2010, cem anos de existência. Possui
6 Jeniffer teve experiência na produção e na expedição e está concluindo o curso superior na mesma área.
7 Janaína trabalha em uma loja com vendas e criação de bijuterias, acessórios e acabamentos de roupa para confecções.
8 Neste contexto, a indústria da confecção se refere à indústria de transformação do tecido em peça
confeccionada, seja uma confecção tradicional ou uma facção.
6
aproximadamente 13 mil alunos regularmente matriculados em seus 70 cursos
distribuídos entre os níveis técnico, graduação e pós-graduação lato sensu e
stricto sensu, nas mais diversas áreas de conhecimento. A instituição está
distribuída em onze unidades localizadas no estado de Minas Gerais, sendo
três delas situadas em Belo Horizonte e as demais no interior do estado. Neste
estudo, abordaremos apenas as egressas do Campus Divinópolis.
A criação do Campus V na cidade surgiu como uma demanda
decorrente da expansão das indústrias de confecção e o principal objetivo era
suprir a formação da força de trabalho para essa atividade econômica.
O crescimento acelerado do setor confeccionista na cidade exigia cada
vez mais uma formação técnica adequada, fator preponderante para a criação
e instalação da unidade V do Cefet-MG e do único curso na área específica da
confecção na instituição.
O curso é composto por disciplinas nas áreas de criação, produção e
gestão e tem a duração de dois anos para o turno noturno. O curso do turno
diurno tem as mesmas disciplinas e ainda as disciplinas da formação geral,
totalizando três anos.
O estudo abrange o período de 2002 a 2008. A partir de 2002 se
formaram técnicos especificamente em vestuário, pois antes eram do curso
técnico de confecção de roupas e calçados. A presente pesquisa ganha
relevância na medida em que pretende contribuir para refletir sobre o processo
de formação profissional, através do levantamento de informações a respeito
da sua situação no mercado de emprego.
Poucos estudos já foram realizados neste sentido. Dentre eles,
destaca-se pesquisa realizada em 2009 pela Secretaria de Educação
Profissional e Tecnológica SETEC/MEC intitulada Pesquisa Nacional de
Egressos dos Cursos Técnicos da Rede Federal de Educação Profissional e
Tecnológica (2003-2007). A referida pesquisa objetivou analisar a formação
técnica de nível médio ofertada por instituições da rede federal no que se refere
à empregabilidade e à continuidade dos estudos dos egressos. Destaca-se
também a pesquisa feita por Oliveira (2004) intitulada O ensino técnico na
Rede Federal de Educação Tecnológica, segundo egressos, que trata do
processo de formação profissional a partir da análise da concepção que os
egressos dos cursos técnicos têm sobre a formação profissional recebida.
7
As informações sistematizadas naqueles estudos inspiraram essa
dissertação cuja questão norteadora é perceber se a formação oferecida pelo
curso técnico em vestuário do Cefet-MG/Campus Divinópolis facilita ou não a
inserção dos egressos no mercado de emprego no setor, atendendo a uma das
expectativas dos ingressantes que seria obter emprego em um prazo mais
curto de tempo.
Os dados e as informações obtidos através do projeto “Criação do
programa de acompanhamento dos alunos egressos dos cursos técnicos do
Cefet-MG/Campus Divinópolis” e das entrevistas feitas com as alunas egressas
do curso técnico em vestuário serviram de base para as análises aqui
apresentadas sobre a formação profissional oferecida pelo curso e a inserção
das egressas nas empresas do setor do vestuário, em Divinópolis.
A Pesquisa Nacional de Egressos dos Cursos Técnicos da Rede
Federal de Educação Profissional e Tecnológica (2003-2007) realizada pela
SETEC/MEC também serviu como base para esta dissertação através da
constatação de informações que tratam da situação do aluno egresso no
mercado de emprego.
A principal fonte de dados foram as informações sobre os participantes
do projeto “Criação do programa de acompanhamento dos alunos egressos
dos cursos técnicos do Cefet-MG/Campus Divinópolis”, aprovado em 2008,
através do Programa de Bolsa de Iniciação Científica (BIC Júnior), no qual
orientei um aluno no biênio 2008/2009.
Um dos seus resultados quanto ao perfil dos egressos dos cursos
técnicos do Cefet-MG/Campus Divinópolis, no período de 2000 a 2008, refere-
se à significativa predominância das mulheres, particularmente, no curso
técnico em vestuário. De um total de 126 inscritos nos Seminários de
Conclusão dos Cursos Técnicos da Educação Profissional e Tecnológica9,
foram respondidos 42 questionários. Somente as mulheres responderam ao
questionário, embora, conforme os dados apresentados na tabela 1 havia
quatro homens participantes na atividade didática, ou seja, 3,17% do total de
9 A partir da reorganização administrativa ocorrida no Cefet-MG em 2007, os Seminários de Graduação dos Técnicos Industriais passam a ser intitulados Seminários de Conclusão dos Cursos Técnicos da Educação Profissional e Tecnológica.
8
alunos inscritos. Essa predominância feminina se manifesta desde o momento
da inscrição no processo seletivo para ingresso no curso até sua conclusão.
TABELA 1
Distribuição de homens e mulheres nos Seminários de Conclusão dos Cursos Técnicos da Educação Profissional e Tecnológica do Cefet-MG/Campus Divinópolis, no período de 2002 a 2008, no curso técnico em vestuário.
ANO HOMENS MULHERES TOTAL
2002 0 2 2
2003 0 2 2
2004 1 17 18
2005 1 21 22
2006 0 7 7
2007 1 36 37
2008 1 37 38
TOTAL 4 122 126 Fonte: Tabela elaborada por mim com dados retirados dos arquivos do Cefet- MG/Campus Divinópolis.
Diante deste quadro, surgiram alguns questionamentos como, por
exemplo, quais egressos pesquisar? Todos aqueles que responderam os
questionários? Se fossem todos, a pesquisa talvez perderia seu foco que era
verificar se a formação profissional obtida no curso técnico em vestuário
facilitaria a inserção, a curto prazo, de egressos no mercado de emprego.
Partindo dessas questões, decidi que apenas os alunos concluintes do
curso técnico em vestuário que participaram dos Seminários de Graduação,
entre 2002 e 2008 e que se encontravam no mercado de emprego no momento
da pesquisa seriam entrevistados. Como indicavam os dados apresentados na
tabela 1, seguindo esses critérios, predominam as mulheres. Essa
predominância revela, obviamente, a significativa presença feminina na
indústria do vestuário, em geral.
Coleta e análise de dados e informações
A pesquisa desenvolvida nesta dissertação foi realizada através de
entrevista semiestruturada com onze alunas concluintes do curso técnico em
vestuário que estavam inseridas, naquele momento, no mercado de emprego
na área de atuação.
9
As entrevistadas estão na faixa entre 21 e 37 anos e nove delas têm
menos de 30 anos. Quanto ao estado civil, apenas três são casadas e entre
elas somente uma tem filho, as demais são solteiras. Das onze entrevistadas,
dez não tinham experiência na área antes de ingressar no curso e o ingresso
no setor industrial ocorreu durante ou após o curso.
A seleção das egressas a serem entrevistadas foi realizada a partir do
projeto “Criação do programa de acompanhamento dos alunos egressos dos
cursos técnicos do Cefet-MG/Campus Divinópolis”. Com isso, deparamo-nos
com o fato de que algumas alunas participaram de projetos como parte das
suas atividades de estágio, como no caso da Bolsa de Iniciação Científica (BIC
Júnior). Assim, entre os egressos que participaram dos Seminários de
Conclusão dos Cursos Técnicos da Educação Profissional e Tecnológica,
estavam alguns do BIC Júnior da área ou não de vestuário. No levantamento,
percebemos que 7 alunas faziam parte deste universo, portanto não
participariam como entrevistadas deste estudo, pois ainda não haviam
ingressado no mercado de emprego da região.
Após levantamento das informações no banco de dados através do
questionário BIC, foi feita a seleção dos alunos que atuavam no mercado de
emprego. O primeiro contato foi através de e-mail, cujo retorno foi pouco
expressivo. Apenas 3 alunas responderam, sendo nula a participação
masculina, apesar da insistência para obter contato.
Assim, foi feito novo levantamento dos alunos concluintes e seus
contatos no setor de Registro Escolar e feita a revisão dos questionários
respondidos anteriormente, definindo a situação dos egressos conforme mostra
a tabela a seguir.
TABELA 2
Situação dos alunos egressos do Curso Técnico em Vestuário que fizeram o Seminário de Conclusão
Egressas que fizeram o projeto BIC 07
Egressos que não foram contatados por terem seus dados desatualizados no cadastro da escola
64
Egressos que estão fora do mercado de emprego 44
Egressas que estão atuando no mercado de emprego e na área
11
Fonte: Tabela elaborada por mim a partir dos arquivos do Cefet-MG/Campus Divinópolis.
10
A tabela 2 mostra que dos 126 concluintes do Curso Técnico em
Vestuário, 7 alunas fizeram iniciação científica, 64 alunos não foram
contatados, pois os dados não estavam atualizados, 44 alunos não estavam
atuando no mercado de emprego na área e 11 alunas estavam atuando na
área. Estas últimas foram selecionadas para a pesquisa e se propuseram a
participar da entrevista.
Em relação ao perfil específico destes alunos, o projeto apresentou
dados que mostram a predominância significativa das mulheres. De um total de
126 inscritos nos seminários de conclusão dos cursos técnicos foram
respondidos 42 questionários somente por mulheres, embora houvesse 4
homens participantes nessa atividade didática, ou seja, 3,17% do total de
inscritos. A predominância feminina é aparece desde o momento da inscrição
no processo seletivo para ingresso no curso.
Na construção do roteiro de entrevistas, percebemos que deveríamos
propor questões que permitissem conhecer a trajetória profissional das
entrevistadas, a escolha pelo curso e pelo turno, os motivos da escolha, como
ocorreu o ingresso no setor industrial, os obstáculos e as facilidades
encontradas, a atual situação profissional e salarial, as expectativas em relação
ao futuro profissional, as questões referentes à distinção entre homens e
mulheres no processo produtivo das empresas e a relação do curso técnico em
vestuário com a inserção no mercado de emprego.
A partir do pré-teste feito para avaliar se o roteiro estava adequado,
percebeu-se a necessidade de refazer a questão relacionada ao ingresso no
setor industrial, pois havia a possibilidade da entrevistada ter se inserido no
mercado também durante o ingresso no curso e não apenas antes ou depois.
A partir da seleção das onze entrevistadas, foi feito um novo contato
via e-mail e/ou telefone e foram repassadas informações sobre a pesquisa
desenvolvida no mestrado, o objeto da pesquisa, o questionário respondido
para a pesquisa sobre egressos, a seleção para participação na atual pesquisa
e o possível agendamento do dia e horário para entrevistas.
Conforme sugerido por Alves-Mazotti e Gewandsznajder (2000), o
pesquisador deve ter a capacidade de estabelecer uma relação de confiança
entre os sujeitos de sua pesquisa.
11
A apresentação da pesquisadora não foi necessária, uma vez que
todas as entrevistadas foram suas alunas, fato que possivelmente facilitou o
acesso às entrevistadas e a aceitação em participar da pesquisa, pois todas as
ex-alunas contatadas estavam atuando no mercado de emprego aceitaram
participar.
Depois de apresentada a parte inicial mostrando a importância da
participação da pesquisadora no momento da entrevista, foi solicitada a
liberação da gravação e a possível identificação da entrevistada através dos
relatos feitos. Todas as entrevistadas concordaram e assinaram termo de
compromisso liberando a divulgação das informações.
Assim, dava-se início a gravação da entrevista com o objetivo de
ampliar o poder de registro, captar elementos de comunicação importantes
para melhor compreensão da narrativa, preservar o conteúdo original, além de
permitir uma maior atenção à entrevistada e também aproveitar as
oportunidades para ampliar as informações fornecidas.
As entrevistas ocorreram de fevereiro a maio de 2010 e a data, horário
e local onde elas ocorreram foram definidos em função da preferência e
disponibilidade das entrevistadas. Das onze entrevistas feitas, apenas três
ocorreram fora da escola, duas na empresa em que as entrevistadas trabalham
e uma na residência de uma delas que é também seu local de trabalho quando
não está na empresa.
A primeira entrevista realizada foi onde ocorreu o primeiro impasse.
Sem confirmar se a entrevistada estava ou não inserida no setor industrial, foi
agendada a entrevista. Além de não estar inserida no setor, a entrevistada
havia feito seu estágio através do Programa de Bolsa de Iniciação Científica e
não era na área específica do curso. Diante do fato e da expectativa criada
pela entrevista, optamos por fazer a entrevista como estava planejado. A partir
dessa situação, continuamos a fazer os contatos com as demais egressas,
tendo o cuidado de perguntar primeiramente se estavam inseridos no mercado
de emprego e se era na área em questão.
Para garantir a validade das informações coletadas sempre que
necessário, voltávamos às gravações das entrevistas e também discutíamos
com outros pesquisadores as reflexões que surgiam.
12
A análise dos dados coletados foi feita através de uma abordagem
qualitativa. Na visão de Bauer e Gaskell (2002: 65), “a compreensão dos
mundos da vida dos entrevistados e de grupos sociais especificados é a
condição sine qua non da entrevista qualitativa”.
Esta dissertação está estruturada em três capítulos, além da introdução
e das considerações finais.
O primeiro capítulo apresenta os aspectos gerais da indústria do
vestuário, que constitui o contexto onde a pesquisa foi desenvolvida, bem como
as etapas do processo produtivo de uma confecção a fim de conhecer onde
estão as egressas do curso técnico em vestuário.
O segundo capítulo descreve os principais aspectos do curso técnico
em vestuário, as principais informações a respeito das escolhas e o lugar que
ocupam as egressas no processo produtivo das empresas de confecção.
O terceiro capítulo trata da formação profissional e a inserção no
mercado de emprego, do ponto de vista das entrevistadas, destacando-se os
principais obstáculos e as facilidades encontradas, bem como as dissonâncias
entre a formação profissional e as exigências para a obtenção de emprego no
setor do vestuário em Divinópolis/MG.
Nas considerações finais são abordados alguns aspectos relevantes
que surgiram com a pesquisa e os limites e possibilidades para pesquisas
futuras relacionadas ao tema.
13
CAPÍTULO 1 – A INDÚSTRIA DO VESTUÁRIO: ASPECTOS GERAIS
Neste capítulo, apresentarei os principais aspectos do contexto deste
estudo situado na cidade de Divinópolis, em Minas Gerais e as principais
características do setor do vestuário, da indústria da confecção e as etapas do
processo produtivo de uma confecção.
1. O setor de vestuário10 em Divinópolis/MG
A cidade de Divinópolis, fundada, em 1767, está situada na região
Centro-Oeste de Minas Gerais, a aproximadamente 110 quilômetros da capital,
Belo Horizonte. A cidade é ponto de interseção de uma excelente malha
rodoviária que a aproxima dos principais centros urbanos do país.
Divinópolis é considerada uma cidade essencialmente industrial que se
tornou referência nas áreas de indústrias siderúrgicas, metalúrgicas e de
confecções, abrindo oportunidades de emprego a diversos segmentos da
sociedade.
No final da década de 1970, a grave crise econômica da indústria
siderúrgica, considerada até então a principal fonte de renda da cidade e da
região, culminou na demissão e fechamento de várias empresas do setor.
Pode-se dizer que essas dificuldades provocaram o surgimento da indústria de
confecção do vestuário que contribuiu com o desenvolvimento local através da
quebra da hegemonia da siderurgia e significou novas formas de geração de
trabalho e renda.
A estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para
a população residente no município de Divinópolis em 2009 é de 216.100
habitantes, sendo que 110.765 se referem à população feminina e 105.335 à
população masculina11.
A cidade é considerada polo da região Centro-Oeste de Minas Gerais e
está entre os 10 principais melhores municípios do estado. É considerada
10 Neste contexto, o setor do vestuário compreende empresas de confecção, estamparias, lavanderias, entre outros.
11 Dados obtidos no Anuário Estatístico de Divinópolis – 2009.
14
também a 5ª cidade com melhor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do
estado12.
No Brasil, a partir de 1970, a indústria da confecção se expandiu e seu
crescimento pode ser justificado tanto pelo mercado consumidor que foi
favorecido em função da urbanização da população brasileira quanto pela
entrada das mulheres no mercado de emprego. Possivelmente, com a crise da
produção em massa deste período, foram criadas inúmeras pequenas
empresas, provavelmente pelo baixo custo de montagem e utilização de pouca
tecnologia.
A indústria da confecção compreende desde produtos fabricados em
grande escala e distribuição, até produtos de moda variados e diferenciados
com produção reduzida e ciclo de vida curto. Todos voltados para a satisfação
do cliente que necessita acompanhar os movimentos cíclicos da moda.
Para melhor entendimento do processo produtivo de uma confecção,
torna-se necessário conhecer seu vínculo com a cadeia produtiva têxtil.
A cadeia produtiva têxtil é composta pelos produtores de matérias-
primas e insumos, pelos fabricantes de máquinas e equipamentos têxteis,
pelas indústrias têxteis e pelos comerciantes varejistas e atacadistas, conforme
apresentado no diagrama a seguir.
DIAGRAMA 1
12 Dados obtidos no Anuário Estatístico de Divinópolis – 2009.
15
A indústria têxtil é dividida basicamente em fiação, tecelagem – que se
subdivide em tecidos planos e tecidos de malha –, beneficiamentos e
confecção, e possui também setores administrativos, de manutenção e apoio.
A indústria da confecção se refere à indústria de transformação do tecido em
peça confeccionada.
A produção industrial têxtil abrange várias etapas que estão inter-
relacionadas. A primeira delas se refere à preparação das fibras têxteis, de
origem natural (como as fibras vegetais, animais e minerais) ou químicas
(produzidas em laboratórios e denominadas artificiais ou sintéticas). A segunda
etapa trata do processo de fiação, ou seja, da transformação da fibra têxtil em
fios. A terceira etapa se refere à tecelagem onde são produzidos os tecidos
planos, de malha e/ou os tecidos-não-tecidos (TNT). A quarta etapa inclui as
diversas operações de acabamentos que conferem aos produtos tingimento,
estampagem, conforto, durabilidade e características específicas para o seu
uso final. A última etapa é a confecção da peça de roupa ou de artigos têxteis.
A década de 1970 marcou o setor do vestuário de Divinópolis através da
chamada “Era do Jeans”, quando as principais confecções, como a Savage,
Mac Look, Badson, Toniel, Dobus e Jullier, utilizavam praticamente somente o
jeans em suas produções.
O final da década de 1980 e o início da década de 1990 foi um marco
para as confecções que, com o processo de modernização das oficinas de
costura e o aprimoramento das atividades, aumentaram significativamente a
produção. Esta fase foi marcada por grandes feiras que contavam com a
participação de compradores de todo o país que vinham em ônibus fretados
especialmente para este fim. Em 1990, a cidade recebia uma média de 20
ônibus/dia, a maioria deles com mulheres interessadas em compras para
revendas. Estas “consumidoras” foram denominadas “sacoleiras”. O setor
imobiliário percebe este crescimento e passa a investir em shoppings
atacadistas e lojas, construídos em pontos estratégicos, próximos às áreas da
rodoviária e de acesso fácil à capital do estado.
A indústria da confecção foi responsável também por colaborar para a
chegada em Divinópolis de ramificações complementares ao setor como
empresas atacadistas de tecidos, acessórios e aviamentos, lavanderias
industriais, fábricas de etiquetas, fornecedores de máquinas e equipamentos,
16
bem como demais prestadores de serviços. A formação profissional também
ocupa lugar de destaque através do Cefet-MG e de outras escolas
profissionalizantes como Senai e Senac.
Em 2007, o Banco do Brasil elaborou, em conjunto com organizações
sindicais, patronais e de trabalhadores, o Diagnóstico e Plano de Negócios da
Gerência de Desenvolvimento Regional Sustentável (DRS), do Setor da
Confecção. Os dados do diagnóstico mostram a existência de cerca de 2.250
empresas formais e/ou informais atuando na cadeia produtiva da confecção em
Divinópolis e que o setor gera cerca de 30 mil empregos diretos e indiretos, o
que representa 32% do Produto Interno Bruto (PIB) do município. Isto significa,
em média, que cerca de 10% da população ativa empregada está no setor de
confecção.
Em relação à mão de obra, o Cadastro Geral de Empregados e
Desempregados (CAGED) mostra que 4.800 pessoas estão trabalhando
registradas no setor.
Em maio de 2009, o perfil confeccionista de Divinópolis ganhou novos
indicadores a partir das informações obtidas pelo estudo realizado pelo Instituto
de Estudos e Marketing Industrial (IEMI). Os dados deste diagnóstico afirmam
ainda que o estado de Minas Gerais responde por 12% do consumo brasileiro
de peças do vestuário e Divinópolis com cerca de 0,15%.
No que se refere ao polo confeccionista de Divinópolis, os dados
levantados pelo IEMI junto à Receita Federal através da Relação Anual de
Informações Sociais (RAIS) afirmam que 570 empresas estão atualmente
ativas e cadastradas como confeccionistas na cidade, sendo que 90% delas
têm menos de 20 funcionários e que são 500 os postos de venda de
confecção. Na pesquisa feita com 52 empresas, que respondem por 25% da
produção na cidade, o IEMI focalizou a comercialização e o desenvolvimento
de produtos.
Segundo dados referentes às empresas pesquisadas, 90% delas são
efetivamente produtoras, com uma média de 4,7 milhões de peças ao ano, o
que gera uma receita de R$123 milhões.
O levantamento mostrou que 23% da mão de obra empregada dedica-se
à área comercial, 98% das empresas pesquisadas vendem a própria marca e
que somente três delas exportam, em média, apenas 5% da produção total.
17
A pesquisa destaca também que 90% das empresas desenvolvem suas
próprias coleções, 10% delas terceirizam tudo o que vendem, 56% têm
estilistas próprios e 69% modelistas, e que apenas 4% da mão de obra
empregada atualmente é utilizada no desenvolvimento de coleções. De acordo
com a média das empresas, anualmente são feitos três lançamentos.
A pesquisa mostra ainda que 2.582 pessoas atuam nas empresas com
empregos diretos ou indiretos. Cada empresa ocupa em média 50 pessoas (30
de forma direta). Ao todo operam 92 pontos de venda próprios, 78 deles
somente em Divinópolis.
Em relação ao perfil operacional das empresas pesquisadas 90% delas
são produtoras de vestuário, sendo que 6% faccionam para terceiros. Nelas
94% do corte, 60% da costura e 74% do acabamento são feitos pelas próprias
empresas. Na época da pesquisa, a capacidade instalada das empresas se
encontrava ocupada em 85%, que 96% delas operava em apenas um turno de
trabalho e que 54% da mão de obra ocupada estava na produção.
A criação de novas indústrias na área do vestuário tem proporcionado a
melhoria nas condições sociais da cidade e da região. O setor de tecidos e
confecções de roupas é composto por empresas com amplo predomínio do
capital privado nacional. Uma importante característica do setor é a acentuada
verticalização das empresas que reúne em seu sistema de produção as etapas
de fiação, tecelagem e acabamentos de tecidos, consideradas as melhores do
ramo têxtil, destacando as empresas Santanense e a Fiação e Tecelagem de
Divinópolis (FITEDI).
O polo de Divinópolis é considerado o maior do interior do estado de
Minas de Gerais e agrupa em sua cadeia produtiva têxtil13 lavanderias,
estamparias, bordados14, confecções, entre outros. Com o apoio da prefeitura,
o setor confeccionista de Divinópolis está passando por um planejamento
estratégico, tendo como proposta a criação de um diagnóstico do setor, com o
objetivo de apontar os gargalos e indicar que soluções devem ser
implementadas para a superação dos problemas.
13 A cadeia produtiva têxtil diz respeito à indústria têxtil, aos produtores de matérias-primas e insumos, aos fabricantes de máquinas e equipamentos têxteis e aos comerciantes varejistas e atacadistas.
14 As lavanderias, estamparias e empresas de bordados estão ligadas à subdivisão da indústria têxtil
denominada Beneficiamentos Têxteis, que são os acabamentos dados aos materiais têxteis.
18
Na indústria da confecção de Divinópolis existem confecções tradicionais
e facções. As confecções tradicionais são aquelas que fazem todo o processo
produtivo da peça, ou seja, compram a matéria-prima, criam, cortam, costuram
e comercializam os modelos produzidos. Possuem marcas próprias e suas
peças são comercializadas por lojas ou representantes. Os funcionários
geralmente possuem registro em carteira de trabalho. Não é possível obter um
registro preciso do número de confecções e facções existentes, pois muitas
ainda funcionam na informalidade. Em relação às facções, a falta de registro
em carteira provavelmente ocorre pela característica de invisibilidade desse
tipo de atividade.
Algumas confecções não fazem todo o processo de produção, pois
encaminham às facções algumas etapas do processo produtivo. Geralmente as
facções desenvolvem a montagem das peças cortadas, o que favorece
principalmente aquelas confecções que, por algum motivo, apresentam
dificuldades de investimento em maquinários especializados.
As facções em Divinópolis geralmente são compostas por mulheres de
idades variadas e membros da família, pessoas próximas e vizinhas que
executam o trabalho manual em seus domicílios ou em locais próximos
alugados. Por ser uma atividade não legalizada normalmente, seus
proprietários não costumam registrar seus funcionários.15
Assim ocorre com uma de nossas entrevistadas16 que além das
atividades de costureira/chefe de produção que desempenha em uma
confecção durante o dia, no turno noturno, presta serviços como faccionista,
inclusive para seu patrão. A entrevista foi realizada em um quarto dentro de
sua residência com a participação da mãe e do namorado.
As facções encontram-se distribuídas por toda a cidade. Sua maior
concentração está na região central. No entanto, os pontos de venda de
confecção, denominados pronta-entregas, estão localizados em pontos
estratégicos da cidade.
15 Segundo as informações obtidas no Sindicato dos Oficiais Alfaiates, Costureiras, Trabalhadores na Indústria de Confecção de Roupas, Estamparias, Cama, Mesa e Banho de Divinópolis (Soac) estão cadastradas 638 facções.
16 Entrevista realizada com a egressa Sivani.
19
A terceirização das atividades ocorre fundamentalmente com o objetivo
de reduzir custos, eliminar riscos de produção e transferir o pagamento de mão
de obra às facções. Assim as confecções se livram dos encargos sociais e
trabalhistas, da manutenção e da aquisição de equipamentos, das despesas
com aluguel, água, energia, telefone, entre outros.
Os avanços tecnológicos, a mão de obra especializada e o
desenvolvimento organizacional são importantes para o ramo têxtil de
confecções da região. O setor é formado em sua maioria por médias e
pequenas empresas, que mesmo atingindo o mercado de exportação, não
possuem um processo mais acentuado de modernização, que envolva a
automação de seu processo têxtil, o que poderia contribuir para a consolidação
e diversificação de suas atividades, além de assegurar a ampliação de novos
mercados.
O mercado de emprego é fundamentalmente dinâmico e diversificado.
Percebe-se que quanto mais a sociedade se desenvolve, com maior rapidez se
diversificam as funções e ocupações, além da exigência de versatilidade e
adaptabilidade cada vez maior por parte das pessoas.
A indústria do vestuário pode ser considerada uma evolução para a
cidade. A partir do seu desenvolvimento outras indústrias se instalaram e o
comércio se viu na necessidade de acompanhar e de se estruturar para
atender essa demanda para o fornecimento de produtos e mercadorias.
Entre os estudos desenvolvidos sobre a origem da indústria da
confecção de Divinópolis existem controvérsias. Alguns pesquisadores afirmam
que seu desenvolvimento ocorreu em virtude da queda do setor siderúrgico,
outros, como Pedrosa (2005), justificam que não existe comprovação de que
estes empresários foram originados do setor metalúrgico. A autora comprova
seus argumentos através de sua pesquisa e afirma que “a atividade
anteriormente exercida pelos empresários entrevistados do setor que aparece
com maior incidência é a de comerciário, ou seja, pessoas que atuavam como
vendedores, provavelmente no comércio de confecções, resolveram abrir seu
próprio negócio. A segunda atividade com maior incidência é a de empresário
de outro ramo e em terceiro lugar destacam-se os vendedores-viajantes. As
20
costureiras faccionistas aparecem em quarto lugar, as sacoleiras17 em quinto e
os desempregados e as domésticas aparecem nos últimos lugares. Ou seja,
com exceção dos empresários de outros ramos, 64,5% das atividades
exercidas anteriormente pelos empresários do segmento de confecção
relacionam-se com o próprio setor” (idem, p. 96).
Se a origem das confecções em Divinópolis ocorreu ou não a partir da
crise do setor siderúrgico, o que nos interessa saber é que “o processo de
desenvolvimento da indústria da confecção em Divinópolis, mesmo que tenha
surgido de forma espontânea e desprovido de orientação estratégica, foi
suficientemente forte para legitimá-la como um segmento relevante da
economia do município a fim de dotá-lo de potencialidades para a inclusão em
esferas mais amplas da economia local” (FERREIRA, 2006: 62).
2. A indústria da confecção: características principais
Com sua origem no século XX, a indústria têxtil é considerada uma das
mais antigas e tradicionais do Brasil, além de um dos marcos do processo de
industrialização do país.
Até a metade do século XX, a manufatura do vestuário tinha como foco
principal a produção de uniformes. As demais peças de uso social eram
desenvolvidas e produzidas em ateliês de alta costura ou em residências por
costureiras.
As “modistas” eram profissionais que desenvolviam, de forma artesanal,
as peças de roupa sob medida e de acordo com as necessidades e
preferências da cliente. A função por elas desempenhada exigia destreza
manual, domínio técnico e intelectual de todo o processo de produção da peça
e não se utilizava praticamente nenhum recurso de automação. A década de
1960 marcou o início da industrialização da moda, quando as marcas francesas
começaram a vender grande quantidade de modelos repetidos e com
numerações diferenciadas, favorecendo a compra por parte de clientes de
tamanhos e formas de corpos diferentes.
17 Sacoleiras são comerciantes que vão até as residências vendendo produtos, principalmente roupas.
21
Essas demandas estimularam o aparecimento de outros tipos de
profissionais. As modistas se subdividiram em costureiras e modelistas.
Enquanto algumas costureiras trabalhavam em conjunto nos processos de
montagem das peças, cada uma realizando uma parte das etapas da costura,
outras trabalhavam em suas residências fazendo reformas e ajustes,
adequando a peça de roupa comprada pronta às medidas da cliente.
As modelistas se especializaram no desenvolvimento dos moldes,
conforme modelos e tamanhos. Desta forma, as medidas do corpo humano
foram agrupadas e a partir daí foi criada por essas modelistas uma tabela de
medidas por manequim.
A modista, que cortava o tecido de acordo com o molde por ela criado,
foi substituída pelo “cortador” que, com o intuito de economizar tecido e tempo,
verificava a melhor forma de encaixar as partes do molde na largura do tecido e
empilhar o maior número de tecido para que o corte de várias peças fosse feito
através de uma só operação, dentro da própria fábrica. Após esse processo, as
“costureiras de produção” faziam a junção das partes dos tecidos em etapas e
repassavam as peças para as “arrematadeiras” que realizavam as tarefas
manuais e de limpeza dos fios. Em seguida, as peças eram encaminhadas aos
“passadores” que alisavam as peças de roupas, preparando-as para serem
encaminhadas ao varejo.
No momento em que as costureiras passaram a realizar somente
algumas etapas da produção da peça de roupa na indústria do vestuário,
ocorreu um evidente empobrecimento do trabalho individual executado.
Em toda esta trajetória, as funções descritas se referem, em sua maioria,
às ocupações femininas. A ocupação da mulher em postos de trabalho nas
indústrias de confecção tem seu percurso, desde a Primeira Guerra Mundial
quando produziam uniformes para os soldados, artigos têxteis diversificados
como, por exemplo, paraquedas, além de artigos para o vestuário. Essa
situação levou algumas mulheres para o meio rural na busca pela
sobrevivência da população. Esses primeiros trabalhos executados pelas
mulheres em substituição aos homens, mesmo reconhecidos pela sociedade,
tinham como moeda de troca uma refeição ou uma quantia mínima em
dinheiro.
22
No decorrer dos tempos, a separação entre as atividades destinadas às
mulheres e aos homens ficou ainda mais visível. Enquanto à elas cabia o
chamado trabalho doméstico, a eles cabia o trabalho fora do domicílio. Os
homens eram distribuídos nas várias unidades de produção, onde suas
atividades eram reconhecidas e remuneradas. No entanto, as mulheres
ficavam no interior dos domicílios cuidando dos afazeres da casa, da criação e
educação dos filhos, sem qualquer remuneração
De acordo com Hirata e Kergoat (2007), o termo “divisão sexual do
trabalho” teve início da década de 1970 na França e vários trabalhos
forneceram bases teóricas para seu conceito, através de dois significados
distintos, ou seja, a constatação de desigualdades e a criação de um sistema
de gênero. Para elas “trata-se, de um lado, de uma acepção sociográfica:
estuda-se a distribuição diferencial de homens e mulheres no mercado de
trabalho, nos ofícios e nas profissões, e as variações no tempo e no espaço
dessa distribuição; analisa-se também como ela se associa à divisão desigual
do trabalho doméstico entre os sexos” (idem: 596).
Para essas autoras, a análise deveria ir além da simples constatação
das desigualdades entre homens e mulheres nas sociedades contemporâneas,
ela deveria mostrar a questão da divisão sexual do trabalho. Escrevem elas:
“falar em termos de divisão sexual do trabalho é: 1. mostrar que essas
desigualdades são sistemáticas e 2. articular essa descrição do real como uma
reflexão sobre os processos mediante os quais a sociedade utiliza essa
diferenciação para hierarquizar as atividades, e, portanto os sexos, em suma,
para criar um sistema de gênero” (idem: 596).
A perspectiva de análise proposta pela “divisão sexual do trabalho”
denuncia as desigualdades entre atividades masculinas e femininas, mas
permite também repensar o “trabalho”, principalmente o trabalho doméstico e
não apenas somar trabalho assalariado e doméstico.
As mulheres inseridas na ocupação doméstica conseguem aliar as
tarefas de casa com o trabalho produtivo, muitas vezes temporário e cujas
tarefas não têm qualificação reconhecida.
Souza-Lobo (1991) mostra o que diferencia, em termos de espaços e
relações, o trabalho doméstico do trabalho assalariado. Para ela “o trabalho
doméstico faz parte da condição de mulher, o emprego faz parte da condição
23
de mulher pobre”, ou seja, o trabalho assalariado não é fruto de uma escolha
ou de uma necessidade (idem:75).
Segundo essa autora, o lugar que o trabalho ocupa nas experiências das
mulheres pesquisadas em seu texto “Experiências de mulheres, destinos de
gênero” tem um valor inestimável. A relação com o trabalho é permanente e
determinante na organização de suas vidas. A análise das práticas sugere uma
distinção em dois tempos: o tempo para o trabalho, ligado à sobrevivência, ao
cotidiano, ou seja, o trabalho doméstico; e o tempo de trabalho assalariado que
remete a um emprego (idem: 74).
A divisão sexual do trabalho é, portanto, uma construção histórica e
social que revela uma relação de “submissão-resistência” das mulheres. Assim,
o trabalho das mulheres integra várias dimensões onde as desigualdades na
divisão das tarefas do trabalho doméstico parecem como natural, porém aos
homens cabem a escolha e a criatividade e às mulheres cabe a rotina. Além de
naturalizado, invisível e restrito à rede feminina, o trabalho doméstico é
repassado às gerações.
O trabalho possui dimensões distintas como, por exemplo, quando é
visto como experiência de vida, ou seja, um espaço de ação autônoma e de
controle sobre o destino. Outra dimensão seria a construção de identidade,
pois não pode ser considerado apenas um instrumento para ganhar a vida, ele
articula uma identidade, no caso da pesquisa desenvolvida por Souza-Lobo
(1991), a identidade de mulheres trabalhadoras.
O trabalho em uma confecção é considerado assalariado e tem uma
dimensão múltipla e plural. Na indústria da confecção, a produção não está
restrita ao espaço da fábrica, pois também acontece nas casas como “trabalho
terceirizado”, realizado pelas faccionistas. Nesse caso, se mistura com o
trabalho doméstico e está intimamente ligado à família, à casa e às relações
entre seus membros. As atividades das mulheres são múltiplas, embora se
observe trajetórias diferenciadas de experiências e de vivências entre as
faccionistas. Elas estão, em geral, submetidas às extensas jornadas de
trabalhos nos períodos de pico de demanda, pois a facção precisa ter produção
e o valor pago é por peça confeccionada.
No entanto, é importante refletir mais profundamente sobre a
precariedade do trabalho domiciliar, pois as mulheres trabalhadoras também
24
conseguem adquirir um considerável patrimônio, ou seja, todo o maquinário
utilizado no processo produtivo por essas trabalhadoras geralmente foi
adquirido a partir de seu trabalho. Tal como a experiência vivida por uma das
entrevistadas ao declarar:
Não quero ficar trabalhando só para os outros não, futuramente, eu
tenho um espaço na minha casa e quem sabe eu posso me tornar uma
empresária. Eu tenho esse objetivo, na minha casa tem um espaço para
isso e eu já tenho o maquinário e o conhecimento eu tenho porque já
sei muita coisa. 18
A percepção apresentada pela entrevistada deve-se ao fato de
o trabalho doméstico ser pouco valorizado. Ele se caracteriza, muitas vezes,
como um segmento dos empregos instáveis, como é o caso das facções,
que enfrentam as oscilações de demandas, típicas do setor do vestuário.
Para Souza-Lobo (1991, p.151), “as pesquisas questionam a existência
de uma lógica da divisão sexual do trabalho no interior do processo de trabalho
ou no mercado de trabalho. Tampouco as teorias sobre o mercado de trabalho
dual, que distinguem os dois segmentos no mercado de trabalho – o dos
estáveis, com altos salários e estrutura de carreira bem definida, característicos
das grandes empresas, e o dos empregos instáveis, de baixos salários, sem
carreira definida, característicos das pequenas empresas e onde se situam as
mulheres – são suficientes para explicar o conjunto da problemática da divisão
sexual do trabalho. Trazem um argumento para justificar o comportamento do
mercado, mas não para entender a divisão sexual das tarefas (apud HIRATA ,
HUMPHREY, 1984).”
O que a autora diz, expressa as expectativas relatadas pela
entrevistada. Além das características em relação à divisão sexual no trabalho citadas
anteriormente, há também de se considerar outro aspecto apresentado
por Blass (2002), “O emprego das mulheres constitui uma dimensão importante
das metamorfoses do trabalho nas sociedades contemporâneas,
principalmente no que se refere ao debate internacional sobre a flexibilização
das relações de trabalho e a implementação dos empregos a tempo parcial. As
18 Entrevista realizada por mim, em 5 abr. 2010, com Sivani em sua residência.
25
questões e os temas sobre as perspectivas de desenvolvimento nestes tempos
de globalizações devem contemplar, conforme Hirata e Le Doaré (1998), esses
aspectos, considerando que as mulheres preferem, em geral, os empregos a
tempo parcial. Estes oferecem-lhes uma forma alternativa de trabalho
assalariado que pode ser reversível, adequadamente remunerado e protegido
pelos mesmos benefícios sociais dos contratos a tempo integral” (idem: 848-
849).
Continua Blass (2002), em seu artigo “Mulheres fora do lugar?”, ao
analisar as mulheres que estão nas linhas de montagem dos automóveis,
inclusive por causa da automação industrial, percebe-se que elas ocupam a
mesma função, ganham o mesmo salário, fazem rodízios e, no entanto, as
diferenças não desaparecem. O que poderia então justificar tal diferença? Para
a autora, a questão está além do local de trabalho, está na sociedade e se
relaciona ao serviço doméstico, pois quem continua cuidando da casa são as
mulheres.
Na visão de Blass (2006), na vida cotidiana as práticas de trabalho
ocupam lugares e significados múltiplos de acordo com o contexto dos
indivíduos e do contexto social no qual estão inseridos. Especificamente nesta
dissertação, esse contexto social compreende o setor da indústria da
confecção.
O trabalho sempre esteve presente na vida das mulheres, seja em
espaços públicos ou privados. O trabalho doméstico realizado pelas mulheres
dentro de suas casas continua sendo o local prioritário para a sua atuação.
Tradicionalmente, a presença das mulheres trabalhadoras teve seu início na
indústria têxtil, nos processos de fiação, tecelagem, bordados e vestuário em
geral. A partir da participação das mulheres trabalhadoras nas fábricas em
geral, o espaço no mercado de emprego foi sendo conquistado.
A partir das primeiras participações como trabalhadoras na indústria
têxtil, verificou-se o aumento da presença feminina no mercado de emprego,
conforme nos relata Teixeira (2009), “no período da industrialização, as
mulheres se inseriram no mercado de trabalho, sendo delas grande parte das
funções e lugares não qualificados. A divisão do trabalho estabeleceu-se assim
com a justificativa de que as mulheres não detinham o conhecimento técnico
para supervisionar os serviços. São essas posições fragmentadas do saber
26
fazer e do ter o conhecimento técnico para determinado ofício, e,
conseqüentemente, a valorização e remuneração dos respectivos trabalhos,
que fazem com que as mulheres se organizem na tentativa de estabelecer
relações igualitárias entre homens e mulheres no mundo do trabalho. A
presença das mulheres no mercado de trabalho representou uma mudança
significativa na história. O trabalho, fora de casa, constituiu um importante
mediador para que as mulheres exercessem atividades além dos muros de
suas residências, ocupando posições sociais e determinadas atividades
profissionais até então permitidas e validadas única e exclusivamente para
homens” (idem: 238).
Entretanto, as mulheres continuam a buscar espaço no mercado de
emprego como mostra Abramo (2000) em sua análise sobre o período de 1970
a 1990. Segundo o autor, na América Latina ocorreu um aumento da
participação feminina no mercado de trabalho e nas horas diárias e semanais
trabalhadas. Verifica-se também nesse período, que no mercado de trabalho o
nível de instrução das mulheres é superior ao dos homens e a segregação
ocupacional e a diferença salarial ainda estão presentes só que em menor
escala. Mas, em contrapartida, a taxa de desemprego das mulheres ainda é
superior à dos homens e há um aumento da presença feminina em postos de
trabalho precários e socialmente pouco valorizados.
3. Etapas do processo produtivo da confecção
Para situar o lugar que as egressas ocupam nas confecções, torna-se
necessário conhecer as etapas do seu processo produtivo. A produção de uma
peça do vestuário pode ser feita de forma praticamente artesanal por uma
costureira particular que conhece todas as etapas do processo de fabricação
ou através da produção industrial. A produção em escala é feita por várias
costureiras e com separação das diferentes etapas de produção,
estabelecendo especializações profissionais para a modelagem, o corte, a
costura, o arremate, entre outros.
A maior parte da terceirização das atividades de uma confecção ocorre
na etapa da confecção da peça, ou seja, as peças cortadas são encaminhadas
às facções para que sejam montadas.
27
Ainda nos dias atuais, o processo produtivo básico da maioria das micro
e pequenas confecções é feito de forma tradicional com as atividades da
costura completamente dependentes da mão de obra para manusear os
tecidos e movimentar as máquinas de costura. Sendo assim, o operador das
máquinas é capaz de desenvolver suas tarefas sem necessitar de qualquer
especialização intelectual sofisticada.
Essa realidade ocorre com a maioria das empresas do segmento da
confecção que necessita apenas de poucas costureiras ou operadoras de
máquinas para operacionalizar a produção. Nestas empresas, as máquinas de
costura reta são as mais utilizadas, pois possuem uma concepção de baixo
conteúdo tecnológico.
No Brasil, a indústria da confecção não tem como característica a
inovação tecnológica. Isto ocorre, principalmente, em função do baixo custo de
mão de obra neste segmento, que tem como opções de competitividade a
redução de custos através da terceirização. O que muitas vezes passa
despercebido é que o processo de terceirização tem como consequência seu
elevado custo social em função da forma precária como é realizado, o que
compromete a qualidade do trabalho, pois as costureiras não têm como investir
em tecnologia e qualificação.
A inovação do processo produtivo na indústria têxtil fez com que o
parque industrial têxtil se modernizasse e a produção passasse por um
processo de informatização de máquinas e equipamentos, muitos deles
importados, como, por exemplo, os filatórios, teares, máquinas de costura e
máquinas para acabamentos etc.
Na primeira metade do século XX, com o aparecimento do nylon
utilizado como matéria-prima na produção da malharia, foram criadas máquinas
específicas para o uso desse tipo de produto, como por exemplo, a máquina
overloque, utilizada para a junção de tecidos de malhas e acabamentos de
tecidos planos. Posteriormente surgiram as máquinas “interloque” e galoneira
que, junto com as “máquinas retas” compõem ainda nos dias de hoje os quatro
tipos principais de maquinário utilizados nos processos produtivos básicos de
uma confecção.
Esse maquinário é definido a partir do produto a ser confeccionado. Por
exemplo, se o tecido for a malha, as principais máquinas utilizadas são a reta
28
para as costuras aparentes, a overloque para fechamento e montagem da peça
e a galoneira para os acabamentos. Esse tipo de maquinário não necessita de
grandes investimentos de capital, pois tem custo de produção mais baixo se
comparados aos da indústria de tecidos planos. Pode-se justificar assim a
popularização dos tecidos de malha.
Se o tecido for o jeans, além da necessidade de maquinário específico e
diversificado, o custo é mais alto e a mão de obra precisa ser especializada,
como é o caso das operadoras das máquinas pespontadeira, de braço e de
cós, onerando assim o custo final do produto confeccionado.
Atualmente no mercado, encontram-se máquinas com tecnologias cada
vez mais avançadas, geralmente computadorizadas, que realizam operações
específicas, agilizando o processo e favorecendo, consequentemente, a melhor
qualidade do produto.
As máquinas e os equipamentos incorporam tecnologias cada vez mais
avançadas. As tesouras foram substituídas por máquinas de corte, antes eram
com navalhas, atualmente são a laser. O computador está presente em quase
todo o processo produtivo, seja no CAD19, permitindo o desenvolvimento de
moldes, com otimização da matéria-prima e do tempo, seja no enfesto e no
corte de forma cada vez mais eficiente ou na produção através de máquinas
computadorizadas que agilizam a produção.
Com essas tecnologias avançadas, os moldes, além de manuais,
passaram a ser executados também pelo sistema computadorizado CAD,
responsável pela informatização das etapas de modelagem, ampliação e
redução dos moldes. O avanço da tecnologia favoreceu a criação de softwares
capazes de capturar e digitar os moldes manuais através de fotos obtidas com
o auxílio de câmera digital e de quadro específico para esse fim. O software faz
a digitação automaticamente e, se necessário, é possível fazer modificações no
molde e imprimi-lo em tamanho natural.
O uso dessas tecnologias aprimorou a qualidade das tarefas, reduzindo
o tempo gasto em equipamentos e a quantidade de tarefas efetuadas por cada
máquina. No entanto, todo esse enriquecimento não foi acompanhado pelo
19 O sistema computadorizado Computer Aided Design (CAD)/Projeto Assistido por Computador utiliza técnicas gráficas computadorizadas, através do uso de softwares de apoio que auxiliam resolução dos problemas.
29
aprimoramento intelectual dos operadores, que apenas se adaptaram ao
funcionamento dos equipamentos.
Esses sistemas integrados de informação geralmente são pouco
empregados em sua totalidade nas pequenas e médias empresas, em
decorrência do alto custo e da complexidade da tecnologia que exigiria
habilidades e conhecimentos de seus operadores, o que normalmente não se
encontra nestas empresas.
Na indústria da confecção de Divinópolis, o processo informatizado é
utilizado apenas pelas maiores empresas que produzem mais de mil peças/dia
e utilizam de pouca variedade de modelos. As pequenas empresas que
produzem em pequena escala uma enorme variedade de modelos ainda
utilizam as formas artesanais na elaboração de seus moldes, o que implica na
não uniformidade de tamanho entre as fábricas.
As mudanças no mercado consumidor internacional repercutiram
também no setor confeccionista, em Divinópolis. Visando atender as
expectativas dos consumidores, aumentou o volume de produção e a
diversificação das peças. Com isso, acentua ainda mais a fragmentação do
processo produtivo.
As atividades de uma confecção, muitas vezes, resumem-se na
montagem de peças por partes individuais, como por exemplo, na confecção
de uma camisa que é feita por partes. Primeiramente a parte da frente, a
colocação do bolso e da parte destinada ao fechamento, a união dos ombros;
depois as mangas e seus acabamentos; a gola e seus acabamentos, e no final
a união de todas as partes para composição final do produto. Um trabalho
repetitivo e rotineiro em que o operador da máquina é avaliado pela sua
produção/dia, ou seja, um trabalho totalmente mecanizado.
O próprio processo industrial da costura mostra um trabalho mecânico,
repetitivo e fragmentado, quando define operações individuais para as
costureiras e máquinas específicas para desempenhar cada função. Para
Braverman (1987), há “o deslocamento do trabalho como o elemento subjetivo
do processo do trabalho e a transformação num objeto” (idem: 57). Para o
autor, é a separação entre concepção (trabalho mental) e execução (trabalho
manual), mantendo os mesmos pressupostos da produção fabril, determinados
pela mudança da produção artesanal para a produção fabril, no século XVIII,
30
principalmente na Inglaterra. O trabalhador não teria, portanto, iniciativa e
estaria totalmente afastado da concepção humanística do trabalho, sendo
apenas mais uma engrenagem que se somaria às máquinas.
No trabalho mecânico executado pelas costureiras, especialmente pelas
faccionistas, pode ser vista a separação a que Braverman (1987) se refere,
entre a concepção e a execução. Às costureiras cabe apenas executar as
tarefas que lhes são determinadas.
Esta separação pode ser vista claramente em uma produção em série,
como é o caso das confecções, em que cada operação ao ser reduzida ao
menor movimento se compara a movimentos padronizados, repetitivos e
rotineiros de uma máquina, ou seja, o operador sofre as consequências da
parcialização das tarefas. Como afirma Braverman, é o “controle do processo
de trabalho sobre massas de homens” (idem: 167).
As mulheres ocupam postos de rotina na operação de novos tipos de
equipamentos e a chegada da informática com empregos considerados limpos,
leves e sedentários e a crença de que ela romperia a segregação é muito
complexa, pois a informatização não favoreceu o trabalho feminino, pois as
mulheres ainda são consideradas tecnicamente incompetentes.
Para Sennett “o que falta ao trabalhador da rotina é qualquer visão mais
ampla de um futuro diferente, ou o conhecimento de como fazer a mudança”
(2002: 49). Ele afirma estarmos numa linha divisória em relação à rotina, em
que a flexibilidade sugere a morte da rotina nos setores dinâmicos da
economia, entretanto percebe-se que a maior parte da mão de obra ainda
segue os preceitos do fordismo.
Para que se entenda melhor a distribuição de trabalhadores e
trabalhadoras no processo de produção em uma indústria de confecção, torna-
se necessário recompor as diferentes etapas e setores da cadeia produtiva
desta indústria.
O diagrama a seguir sintetiza as informações. Nestas etapas, algumas
atividades são feitas manualmente, outras são automatizadas e ainda outras
atividades são realizadas manual e automaticamente. No entanto, a tecnologia
cada vez mais avançada envolve a maior parte das etapas da produção na
confecção. Algumas delas – a separação das partes das peças de roupas
31
cortadas, a costura, a passadoria, a embalagem e a expedição – ainda são
feitas manualmente.
DIAGRAMA 2
CRIAÇÃO MODELAGEM PILOTAGEM
CORTE ENFESTO RISCO E ENCAIXE
SEPARAÇÃO DAS PARTES
BENEFICIAMENTOS COSTURA
PASSADORIA CONTROLE DE QUALIDADE FINAL
ACABAMENTO / ARREMATE
EMBALAGEM EXPEDIÇÃO
Antes de se iniciar a confecção de qualquer peça do vestuário, é definido
o tema para determinada coleção, o que orienta o processo de criação com
croquis ou fotos dos modelos. A seguir é feita a modelagem das peças. Esse
trabalho geralmente é desenvolvido por mulheres que são especialistas
reconhecidas pelos proprietários das empresas através da prática e
experiência acumulada como costureiras particulares. Nas confecções, são as
que recebem os salários mais altos.
A próxima etapa é o corte da peça-piloto ou protótipo, que servirá de
parâmetro para toda a produção. Feita a peça-piloto (pilotagem), segue-se para
a prova a fim de verificar a necessidade ou não de ajustes e correções no
protótipo. Se aprovada é elaborada uma ficha técnica do produto contendo
todas as informações e detalhes da peça a ser confeccionada. Essas tarefas,
consideradas relevantes para a qualidade do produto, ficam a cargo de
pessoas especializadas e muitas vezes qualificadas para a função.
32
Após aprovada a peça-piloto, realiza-se a ampliação e a redução dos
moldes para que se possa ser feito o risco marcador que serve como um
gabarito para o corte. Posteriormente é feito o encaixe que é a disposição dos
moldes de forma a aproveitar ao máximo o tecido, para que assim possa ser
feito o mapa/risco.
A próxima sequência é o enfesto, ou seja, a colocação de camadas de
tecido sobrepostas para facilitar e aumentar e/ou otimizar o número de peças a
serem cortadas. Com o enfesto pronto, inicia-se o processo de corte das peças
e depois a separação das partes em blocos para que possa ser distribuída para
a produção.
O trabalho de riscar o molde, enfestar o tecido e cortar as partes das
peças exige conhecimento especializado, pois qualquer deslize em uma destas
tarefas pode comprometer toda a produção.
A próxima etapa do processo produtivo é a separação dos aviamentos
necessários para a produção das várias peças já cortadas com as marcações
correspondentes para os diferentes tamanhos da modelagem das peças.
Neste momento, são separadas também as partes das peças que precisam de
acabamentos especiais como, por exemplo, estamparia, bordados etc. A
seguir, as várias partes das peças são preparadas para a costura, conforme
alguns detalhes como, por exemplo, a colagem das entretelas, a preparação
dos bolsos, as marcações de piques.
A seguir, é feita a montagem das peças, ou seja, a costura unindo as
partes cortadas. Nas pequenas confecções, o trabalho de montagem das
peças é feito individualmente por cada costureira que faz todo o processo. Nas
confecções de grande porte, a montagem é dividida entre as várias costureiras
com o acompanhamento permanente de um chefe de produção que tem o
domínio do conhecimento para desenvolver a sua função.
Como foi afirmado anteriormente, na confecção de grande porte as
etapas do trabalho são parceladas, cada costureira se encarrega de uma parte
da produção ou pelo serviço que faz uma determinada máquina. Algumas
empresas não veem esta questão como um empecilho para que a costureira
possa trocar de máquina quando falta uma delas, por exemplo. Este processo
tem a vantagem de que todas as costureiras sabem trabalhar em todas as
máquinas, pois dominam a montagem e a confecção da peça. Essa nova
33
organização da produção utiliza mão de obra qualificada e polivalente e é
capaz de responder à variabilidade e à complexidade da demanda.
Uma das entrevistadas tem atividade profissional bem diversificada, pois
é contratada como costureira em uma confecção, mas desenvolve tarefas de
chefe de produção, além de modelar e ajudar no corte. Após o trabalho na
confecção, vai para casa onde tem uma facção e presta serviços para o próprio
patrão e para outras pessoas. Ela teve a oportunidade de mudar de função
dentro da empresa para trabalhar como encarregada de produção. Durante
certo período, trabalhou em duas empresas, durante o dia com modinha infantil
jeans e à noite com modinha feminina, foi quando pode colocar em prática o
que havia aprendido no curso. Com mais experiência, conseguiu montar sua
facção. Para ela não era apenas a troca no uso do maquinário que ocorria no
seu cotidiano.
Eu sou contratada como costureira, mas não fico só nisso, eu mexo
com tudo um pouquinho, na parte da modelagem, eu faço piloto, eu
ensino quem vai trabalhar lá (na empresa). Acaba que eu fico sendo
chefe de produção.20
Após a montagem, a peça recebe alguns acabamentos como botões,
casas, travetes e depois é encaminhada aos setores de arremate e
revisão/inspeção da costura. No entanto, algumas peças necessitam de
acabamentos especiais depois de confeccionadas, como é o caso do jeans em
que a maioria dos modelos passa pela lavanderia, tinturaria, às vezes recebe
também bordados.
Para uma boa garantia do produto confeccionado, o controle de
qualidade deve ser uma constante em todo o processo produtivo,
principalmente, quando a peça está completamente acabada. Após a
aprovação do controle de qualidade final, os produtos são encaminhados para
a passadoria, para o estoque de produtos acabados e para a expedição,
finalmente.
A organização do trabalho de uma confecção está diretamente ligada ao
tipo de peça a ser confeccionada, ou seja, o modelo, o tecido, a quantidade e a
diversidade do maquinário. É exatamente na montagem das partes das peças
20 Entrevista realizada com Sivani, em sua residência.
34
de roupa que se percebe as formas de organização da produção, diferenciando
uma confecção de pequeno porte de uma de grande porte.
No entanto, o que tem ocorrido muito frequentemente nas confecções é
um processo totalmente flexibilizado das relações de trabalho e de produção.
Em uma das entrevistas realizadas, a egressa que trabalha como vendedora
afirmou que a loja não possui fábrica montada no sentido físico, mas só a
“etiqueta”, ou seja, compra as peças prontas e coloca a sua identificação
através da etiqueta21.
O vendedor mostra para ele (o proprietário da loja) a peça. Ele escolhe
o que quer naquele modelo e coloca a etiqueta (da sua loja) dele. Os
vendedores são de São Paulo e do Sul. Eles têm um mostruário, você
escolhe e coloca a sua etiqueta e tem também ternos, cintos, sapatos,
acessórios. Tudo vem com a logomarca da loja. Porque a logomarca é
patenteada, vem tudo na caixa, com etiqueta interna, tudo
igualzinho.22
Diante desse processo flexibilizado das relações de trabalho e de
produção em uma confecção, percebe-se que a maior parte da produção é
realizada predominantemente por mulheres, principalmente a etapa da costura.
No entanto, as tarefas administrativas e de risco/encaixe/enfesto/corte, quando
se trata de tecidos pesados como brim e jeans, tradicionalmente são realizadas
por homens, mesmo quando os processos são informatizados. Como justificar
a presença predominantemente masculina nessa etapa do processo? A
justificativa geralmente usada é que por ser um trabalho que exige maior
esforço físico, é indicado ao sexo masculino. Mas seria somente essa a
questão? Qual o lugar dos homens na produção? Alguns participam, por
exemplo, da criação, fazendo uso, principalmente, das tecnologias de
computação gráfica, o que não se caracteriza como um trabalho que exige
maior esforço físico. Na expedição também existe a presença marcante
masculina, além do processo pós-expedição, onde a maioria dos
representantes é do sexo masculino e exercem atividades de comercialização
21 Este processo é conhecido como private label, ou seja, um tipo de confecção de roupas por encomenda.
22Fernanda é vendedora em uma loja que trabalha com private label. Ingressou nesta loja durante o
curso como estagiária do setor de estoque e sua função atualmente é de vendedora.
35
das mercadorias fora do ambiente da empresa, muitas vezes, em outros
estados brasileiros.
Segundo as entrevistadas, os homens se inserem no processo produtivo
das empresas, às quais elas se vinculam nos setores de tecelagem,
modelagem, corte, logística, administrativo, expedição e vendas. Alguns destes
setores têm a participação exclusivamente masculina. No caso da empresa de
malharia retilínea onde uma das entrevistadas trabalha como designer de
moda, os homens estão na tecelagem que é considerada uma parte pesada e
com horários definidos por turno, inclusive no noturno; no setor administrativo,
transportando os produtos às facções que fazem a parte terceirizada da
empresa e que [...] geralmente são homens porque têm que carregar, é pesado, então
eles preferem homens para fazerem esta parte do processo.23
O trabalho terceirizado feito pelas facções fora das empresas é
considerado um trabalho a domicílio que incorpora novos personagens no
universo do processo de produção, estendendo suas tarefas ao restante da
família ou pessoas próximas. Nas facções, quando existe a presença
masculina, os lugares que os homens ocupam não se diferem das confecções,
pois, com raríssimas exceções, ocupam a função de costureiros, como relata
umas de nossas entrevistadas que tem experiência como costureira/chefe de
produção de uma confecção e tem a sua facção.
Na primeira empresa que eu trabalhei como costureira não tinha
homens, depois é que foram contratados, mas era somente na seção de
acabamento, para arrematar e no corte, mas na máquina nunca teve
ninguém.24
No caso específico dessa egressa, sua experiência como
faccionista, faz com que ela tenha uma visão diferenciada da maioria
das pessoas em relação ao homem estar na etapa da costura, pois seu
namorado colabora nas atividades da facção como pode ser observado
no relato a seguir.
Eu trago serviço do meu trabalho para casa porque eu faço facção para
ele (o proprietário). Em casa meu namorado me ajuda. Aos poucos ele
23 Entrevista realizada com Cristiane.
24 Entrevista realizada com Sivani em sua residência, no espaço destinado à facção.
36
está pegando o jeito de tudo, ele ajuda costurando. Acho que é
preconceito das pessoas, não há nada que uma mulher faça que um
homem não dê conta de fazer ou que um homem faça e que a mulher
não tenha capacidade de fazer. Eles pensam que quem costura é só
gay, não é coisa de homem. Tem fábricas aqui que eles preferem
homens para trabalhar, porque não tem licença maternidade, eles
levam mais lucros, tem as vantagens.
Ao serem questionadas sobre o lugar que as entrevistadas ocupam na
indústria da confecção, elas afirmam que estão nas três áreas: criação,
produção e gestão.
Nos depoimentos das entrevistadas a seguir, as egressas afirmam que
ocupam os setores de criação, modelagem, enfesto/corte, costura e
administração/marketing, sendo que nas áreas da criação e produção, estão
90% das entrevistadas. Cabe aqui ressaltar que uma das entrevistadas estava
em substituição no setor de corte, considerado predominantemente de mão de
obra masculina.
Duas das entrevistadas que fizeram o curso técnico em vestuário e o
curso superior de Design de Moda trabalham no início do processo, ou seja, no
desenvolvimento do produto e mostram em seus depoimentos a importância de
se conhecer todo o processo produtivo da peça, aliando o conhecimento
técnico à experiência adquirida na profissão.
Estou bem no início da cadeia, no começo deste produto é onde
observo o conhecimento técnico que tive dentro do Cefet e o
conhecimento técnico da área. Por isso é importante conhecer todos os
setores, para saber se este produto vai demorar a ser produzido, se ele
vai ser rápido, se ele realmente é viável ou não.25
A separação existente entre criação/concepção e produção/execução
citada por Braverman (1987) se contrapõe a experiência vivenciada por uma
das egressas ao afirmar que mesmo estando no início do processo produtivo,
trabalhando com desenvolvimento de produto e por ter a experiência da
supervisão de produção, entende de todo o processo e acompanha toda a
produção, ao criar “com a cabeça na produção”. A entrevistada afirma trabalhar
25 Entrevista realizada com Cristiane, em 5 abr. 2010, no CEFET-MG Campus Divinópolis.
37
com a “compra de tecidos, desenvolvimento de produto, pesquisa de tendência e o
pezinho na produção.”26
Tal como a como a experiência vivida pelas duas designers, outra
entrevistada, estudante de marketing e administração, destaca a importância
da pesquisa para a criação de uma peça do vestuário.
Antes da estilista criar o produto, ela precisa saber para quem ela está
criando, os gostos, as preferências, adaptar a cor e a modelagem, fazer
um produto de acordo com o público que a gente vende, porque senão
não adianta. Nós atentamos para esta realidade e então eu trabalho
junto com ela (a estilista) na parte de pesquisa e depois após o produto
ficar pronto, na parte da divulgação.27
Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) mostram
que nos últimos 10 anos a participação feminina no mercado de emprego no
Brasil aumentou de 52% para 57,6%. Em contrapartida, a participação
masculina oscilou muito pouco nesse mesmo período, passando de 80,5%
para 81%.
O estudo aponta ainda que, nos últimos 10 anos, houve uma diminuição
na precarização dos postos de trabalho, que pode ser visto pela diminuição dos
locais onde as mulheres recebiam baixos salários, não tinham carteira
assinada ou trabalhavam em péssimas condições, se comparados à última
década.
Outro questionamento levantado pelo IPEA refere-se às diferenças
salariais entre homens e mulheres que desempenham a mesma função. A
pesquisa mostra que em 2002, as trabalhadoras recebiam 62,6% da renda
masculina. Em sete anos, essa renda subiu para 65,5%, em decorrência do
aumento no número de profissionais em posição de prestígio social e com boas
remunerações. Houve também um aumento significativo da mão de obra
feminina em profissões que eram antes predominantemente masculinas, como
é o caso da construção civil.
No caso específico das empresas em que as entrevistadas trabalham,
não existem homens e mulheres que desempenham a mesma função, exceto
26 Entrevista realizada com Cíntia, em 4 mai. 2010, designer de moda de confecção, na qual ingressou no setor industrial como estagiária de produção e mudou de cargo em função de qualificação adquirida.
27 Entrevista realizada com Jeniffer, em 4 mai. 2010, na empresa na qual trabalha.
38
na empresa de malharia retilínea onde a maioria dos trabalhadores da
tecelagem é do sexo masculino, mas mesmo que em menor número existe a
presença feminina. Neste setor, os salários são diferenciados para homens e
mulheres que desempenham a mesma função.
Tem uma parte da empresa que é bem masculina, poderia até não ser,
mas é, são os tecelões. Lá (no setor de tecelagem) os salários são
diferenciados, mesmo que a função não seja a mesma de outro setor.
Tirando a tecelagem é bem misto, tem homens e mulheres e os
salários são equiparados.28
Através dos relatos das entrevistadas, podemos observar que nas
confecções os homens ocupam principalmente o setor de corte, no entanto os
demais setores por eles ocupados são característicos de espaços masculinos
como é o caso da gerência/administração, expedição e acabamentos.
28 Entrevista realizada com a designer de moda Cristiane, em 5 abr. 2010.
39
CAPÍTULO 2 – O CURSO TÉCNICO EM VESTUÁRIO DO CEFET/MG
(DIVINÓPOLIS)
Neste capítulo, descrevo os principais aspectos do curso técnico em
vestuário do CEFET-MG, Campus Divinópolis, as informações referentes ao
estágio curricular e o lugar que ocupam as egressas no processo produtivo das
empresas.
1. O Curso Técnico em Vestuário
O ingresso no curso ocorre através de processo seletivo anual e o perfil
dos alunos se difere em relação ao turno, pois os alunos do diurno geralmente
são concluintes do ensino fundamental, com idade aproximada de 15 anos
enquanto os alunos do turno noturno podem ser estudantes da 2ª ou 3ª séries
do ensino médio ou concluintes. O que se percebe no curso noturno é que a
maioria dos alunos está inserida no mercado de emprego e procura melhor
qualificação.
As modalidades ofertadas para o curso técnico em vestuário são
Integrada para o turno diurno, em que a aluno tem as disciplinas da formação
geral e da formação técnica durante os 3 anos do curso; e a modalidade
Concomitância Externa/Subsequente para o turno noturno, em que o aluno tem
somente as disciplinas da formação técnica durante 2 anos.
Os alunos do Cefet/MG se diferenciam em função da modalidade do
curso escolhido, mas também por turno, isto é, se fazem o curso no período
diurno ou noturno. Esse ponto é importante porque pode inviabilizar o estágio
obrigatório para os alunos concluírem seus cursos.
Ao serem questionadas sobre o turno escolhido, as justificativas
apresentadas pelas entrevistadas para a escolha do turno noturno foram a
necessidade de trabalhar durante o dia e/ou terem concluído o ensino médio.
Aquelas que escolheram o turno diurno, fizeram-no em função de não terem
concluído o ensino médio e a escola só ofertar a modalidade neste turno.
O aluno do turno diurno estuda em tempo integral, ou seja, manhã e
tarde, e tem somente a noite livre para fazer o estágio. Fator que se agrava
pela exigência da conclusão do estágio e dificulta sua aplicação no decorrer do
40
curso, pois a maioria das empresas não tem turno noturno. Geralmente, este é
um dos principais motivos para que o aluno do diurno consiga fazer seu estágio
depois de concluídas as disciplinas. Em contrapartida, o aluno do noturno tem
a opção de fazer o estágio concomitantemente ao seu curso profissional,
podendo confrontar o conhecimento oferecido na escola e a experiência diária,
pois já está inserido do mercado de trabalho. O aluno do diurno tem que fazer o
esforço de olhar para trás a fim de avaliar seu aprendizado e, quase sempre,
questionar-se quanto a essa separação e porque ela ocorre.
A matriz curricular da formação técnica é composta por disciplinas nas
áreas de criação (História da Moda e da Indumentária, Desenho de Moda e
Técnico), produção (Modelagem e Prática Profissional Básica, Modelagem e
Prática Profissional Avançada, Máquinas e Equipamentos, Risco e Corte
Informatizado) e gestão (Relações Interpessoais, Informática Industrial,
Pesquisa de Mercado, Pesquisa e Criação de Projetos, Planejamento e
Controle de Produção).
A carga horária das disciplinas da formação técnica é de 1.600
horas/aula (h/a) o que equivale a 20 h/a semanais. Cada aula tem a duração de
50 minutos. O ano letivo tem 200 dias, divididos em dois semestres de 100
dias.
O curso exige instalações físicas específicas e seus laboratórios são de
Informática, Prática Profissional Básica e Avançada (maquinário especializado),
Modelagem e Corte Industrial, além do de Máquinas e Equipamentos. Em
relação ao corpo docente das disciplinas técnicas, são 11 professores – 6
efetivos e 5 contratados.
O curso é procurado por vários motivos e os ingressantes se diferenciam
pelo turno escolhido. Os motivos da escolha das entrevistadas se alternam
entre: realização de um sonho, gosto e afinidade pela área, necessidade de
trabalhar, falta de perspectiva e, até mesmo, melhoria da profissão, como
mostra uma das egressas.
Eu terminei o ensino fundamental e fui procurar o Cefet porque estava
trabalhando em casa de família e não gostava e achei que fosse uma
opção nova para eu entrar no mercado.29
29 Entrevista realizada com Sivani.
41
A realização de um sonho se concretiza ao fazer o curso técnico e
também o superior na área da moda e se tornar uma designer de moda, como
relata uma das entrevistadas [...] Porque era um sonho de menina continuar a fazer
vestuário, acho que é uma coisa bacana, pessoal mesmo [...].30
A questão da procura do curso para a melhoria da profissão é um dos
motivos citados por duas das entrevistadas. Isto é uma realidade em
Divinópolis, onde empregadas domésticas trabalham meio período e vão para
as facções, até que ganhem prática e possam ser aceitas como costureiras nas
fábricas.
Podemos observar, portanto, que a escolha profissional pode vir através
das influências de familiares, do desejo, da aptidão, das circunstâncias
materiais e imateriais, como relata uma das entrevistadas
Eu comecei a trabalhar numa loja com acabamentos de roupas,
acessórios para bijuterias e então vi a necessidade de fazer um curso
profissionalizante, para melhorar um pouco o salário, porque o salário
do comércio é baixo, então você tem que buscar melhorias. Eu fiz o
curso e a partir desse momento tive aumento de salário e comecei a
ver oportunidades, pois começou a ficar mais fácil, porque o pessoal
não dá credibilidade a quem não tem um curso para orientá-los. Era
um sonho de menina continuar a fazer vestuário, acho que é uma coisa
bacana, pessoal mesmo.31
Do ponto de vista da formação escolar e em atendimento às
necessidades do mercado de emprego, Divinópolis oferece cursos específicos
na área da moda, sejam eles técnicos, de curta duração, superiores e de
especialização. A oferta dos cursos na cidade contribui, em certa medida, para
manter o polo confeccionista regional em Divinópolis, diminuindo sua fama de
“cidade da cópia”.
30 Entrevista realizada com Cíntia.
31 Entrevista realizada com Janaína.
42
2. O Estágio Curricular
No Cefet-MG, além das disciplinas cursadas, o aluno deverá ser
aprovado no estágio curricular obrigatório, que é abordado adiante como pré-
requisito no projeto pedagógico do curso para a aprovação e obtenção do
diploma.
O estágio curricular é exigência curricular para os cursos técnicos do
Cefet-MG, ou seja, é considerada uma disciplina obrigatória para a certificação
ao final do curso. É possível que a visão de que o diploma possa garantir ou
facilitar a obtenção de um emprego esteja baseada na relação direta entre a
formação profissional e o emprego, sem considerar as distâncias ocorridas
entre as propostas dos cursos profissionalizantes, as regras para a obtenção
de emprego ou mesmo os motivos que levaram os alunos a escolherem o
curso.
O estágio é para o aluno ótima oportunidade de conhecer melhor o
cotidiano da profissão escolhida. É considerado, portanto, fator primordial na
confirmação da escolha feita ou pretendida ou, em alguns casos, o estágio dá
novo rumo a suas carreiras, radicalmente. Ele favorece também a melhoria do
currículo, principalmente, no momento de disputa pelas vagas oferecidas pelo
mercado de emprego.
O estágio é um elo entre a vida na escola e a vida no mercado de
emprego, podendo ser considerado o principal rito da iniciação profissional.
Do ponto de vista escolar, acreditamos que o estagiário deva passar por
todo o processo produtivo, pois assim é dada ao aluno a oportunidade de
conhecer todo o processo, tendo assim melhores condições para definir e fazer
a escolha na área de atuação que melhor atenda as suas expectativas.
Mas nem sempre as empresas dão abertura para estagiários. No
entanto, o dono da empresa na qual uma das entrevistadas estagiou,
reconhece a importância do estagiário percorrer todos os setores do processo
produtivo da empresa. O relato desta entrevistada mostra como o estágio
colaborou para seu ingresso no mercado de emprego.
Até então não tinha trabalhado. Este foi o meu primeiro emprego.
Neste lugar que eu fazia estágio, fazia de tudo um pouco, separava o
corte, trabalhava na parte da costura, toda hora fazia uma coisa. O
43
dono da empresa dizia „já que você está fazendo estágio, pega um
pouquinho de cada coisa‟.32
As empresas têm a vantagem de ter nos estagiários talentos em
formação que poderão se tornar importante força de trabalho para o seu
desenvolvimento futuro. Ao receber o estagiário, a empresa tem a
oportunidade de experimentar um profissional de bom nível técnico e
intelectual e, caso o estagiário satisfaça a empresa com seu desempenho, esta
poderá prepará-lo dentro de sua cultura, para no futuro aproveitá-lo em seu
quadro de funcionários.
Nos depoimentos das entrevistadas, pode-se perceber que o estágio foi
realmente utilizado como um trampolim para a inserção no setor industrial e
também para o emprego direto, pois foi a partir dele que as egressas se
inseriram nas empresas e se mantiveram em seus empregos, como é relatado
a seguir.
Nesse lugar que estou hoje tive uma proposta de pós-contratação feita
desde o início, que seria um estágio, mas ia depender de mim para eu
ficar ou não. Se eu demonstrasse que estava fazendo as coisas todas
certas, eu ficaria na empresa.33
O estágio curricular é considerado uma etapa importante na formação
educacional e profissional do técnico, pois é a oportunidade que o aluno tem
de colocar em prática os conhecimentos adquiridos na escola e ter contato
com o mercado de emprego, pois amplia sua visão de mundo e possibilita
crescimento profissional ao conviver com problemas técnicos e científicos do
trabalho produtivo, além de oportunizar a inserção em novo ambiente
sociocultural.
Apesar da legislação existente, muitas vezes o objetivo pedagógico do
estágio costuma ser esquecido. Algumas empresas veem no estagiário uma
mão de obra barata, pois ele pode substituir um profissional formado, tendo as
mesmas responsabilidades, com salário bem inferior e sem o risco do vínculo
empregatício com a empresa, ou seja, esta se esvai das obrigações
32 Entrevista realizada com Raquel, em 4 mai. 2010, no Cefet-MG Campus Divinópolis.
33 Entrevista realizada com Fernanda, em 2 mar. 2010, no Cefet-MG Campus Divinópolis
44
trabalhistas. Uma das entrevistadas mostra isso claramente ao afirmar que
“Alguns lugares achavam que eu era mão de obra barata e queriam que eu ficasse.”34
Existe ainda a questão do desvio de função a que vários estagiários são
submetidos ao serem contratados para desempenharem determinada
colocação. Ocorre que depois de estar dentro da empresa, esta o desvincula
integralmente da sua real função.
Para a empresa que admite o estagiário, seus ganhos estão além da
redução das despesas, pois ela não paralisa suas atividades, tendo como
única obrigação acobertar os estagiários em caso de acidente de trabalho.
O estágio, muitas vezes, é considerado um local de encontros e
frustrações, pois o estagiário coloca todas as suas expectativas naquela
oportunidade e ao se deparar com a realidade, percebe as dificuldades que
terá que enfrentar. A primeira delas se refere ao processo seletivo, em sua
maioria minucioso, com provas para verificação de conhecimento e seleção via
entrevista.
Após passar pelo processo seletivo, o estagiário ao chegar à empresa
se depara com a dificuldade de aceitação e de receptividade dos demais
funcionários, isto porque muitas vezes é visto como ameaça, ou seja, aspirante
a uma vaga futura.
É necessário que se tenha o entendimento de que o estagiário é um
aprendiz e está na empresa em busca de subsídios para enfrentar a realidade
da sua profissão. Cabe à escola fazer o papel de interventora na relação
estagiário/empresa e verificar se o estágio está efetivamente cumprindo seus
objetivos legais de permitir ganhos educacionais e profissionais aos
estudantes.
A nova lei que trata da questão do estágio é a Lei nº 11.788, de 25 de
setembro de 2008 e o define como o ato educativo curricular supervisionado,
desenvolvido no ambiente de trabalho, que visa à preparação para o trabalho
produtivo do estudante.35
34 Idem.
35 Informação contida no art. 1º da Lei nº 11.788/2008 que trata dos estágios para estudantes.
45
A referida lei traz na íntegra as informações pertinentes ao vínculo da
escola com a empresa e pode ser vista como uma alternativa para frear a atual
crise e a distorção da função do estagiário.
A fim de esclarecer as normas para os alunos que iniciam sua carreira
profissional e as empresas contratantes, o Ministério Público do Trabalho e
Emprego (MTE) publicou uma cartilha36 com as inovações trazidas pela lei.
Como principais mudanças estão as contratações que não são mais regidas
pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e não criam vínculo
empregatício com a empresa. A lei se aplica a alunos com idade de dezesseis
anos ou mais e que estejam cursando o final do ensino fundamental
profissional, ensino médio regular ou profissional e estudantes de nível
superior; o seguro de acidentes pessoais em nome do estagiário passa a ser
uma obrigação das empresas e caso haja falta do termo de compromisso de
estágio ou do seguro de acidentes pessoais, o estagiário passa a ser
considerado funcionário da empresa que estará sujeita a leis da CLT. Todos os
estagiários passam a ter direito a um mês de férias remuneradas por ano, a
jornada de trabalho dos estagiários é limitada a, no máximo, seis horas de
trabalho por dia e trinta horas semanais, o que favorece o tempo de dedicação
aos os estudos.
No caso específico do Cefet-MG, a jornada de trabalho é estabelecida
pela empresa, sem prejuízo das atividades escolares e não poderá ser inferior
a 20 (vinte) horas semanais, nem tampouco ultrapassar as 30 (trinta) horas
semanais.37
A lei define ainda que o número máximo de estagiários por empresa
passa a ser determinado pelo número de funcionários que a empresa possui,
acabando com as empresas que para diminuir os gastos com a folha de
pagamento só contratavam estagiários. Os contratos dos estagiários podem
ser rescindidos a qualquer momento, sem que haja prejuízos para qualquer
uma das partes.
No Cefet-MG, os setores responsáveis pelas atividades de estágio são
as Coordenações de Programas de Estágio (CPE) que têm o objetivo de
36 Disponível em. <www.mte.gov.br/politicas_juventude/Cartilha_Lei_Estagio.pdf> Acesso em: 3 fev. 2010.
37 Informação contida no Guia do Estagiário do CEFET-MG.
46
promover e gerenciar as ações de integração escola-empresa no que se
relaciona ao ensino e a profissionalização do aluno. É o principal contato entre
a escola e a comunidade externa, pois visa o processo de estágio e de
encaminhamento do aluno egresso ao mercado de emprego.
Através de acordos e convênios feitos entre o Cefet-MG, as empresas e
o estagiário, o aluno é matriculado na disciplina de estágio. Durante o estágio,
o aluno participa das atividades de orientação feitas por um professor que o
acompanha no decorrer do processo, através de encontros agendados em
datas pré-estabelecidas. As avaliações das atividades de estágio são feitas
através de fichas preenchidas pela empresa, pelo próprio aluno-estagiário e
pelo professor-orientador. O trabalho de conclusão é um relatório das
atividades desenvolvidas durante o estágio e esta etapa é concluída após a
participação no Seminário de Conclusão dos Cursos Técnicos da Educação
Profissional e Tecnológica.
Estes seminários ocorrem em todas as unidades do Cefet-MG com o
objetivo de reavaliar seus procedimentos didático-pedagógicos, avaliar o curso
e a instituição a partir do olhar do aluno que já tem experiência no mercado de
emprego.
A inscrição no seminário é feita por via eletrônica, através do
preenchimento de um questionário individual que trata de questões
relacionadas ao perfil, às características acadêmicas e pessoais, à trajetória
estudantil e profissional e às perspectivas futuras; além de atividades em que
são avaliadas a Instituição, o que possibilita uma visão panorâmica do
processo educacional.
Foi a partir da participação dos alunos do curso técnico em vestuário no
seminário que foi levantada a listagem com o nome dos possíveis egressos a
serem entrevistados nesta pesquisa.
Após este levantamento foi possível definir quais seriam as
entrevistadas e a partir das informações coletadas em seus depoimentos
fossem levantados dados sobre a formação técnica por elas recebida e o
mercado de emprego, conforme será apresentado no próximo capítulo.
47
3. O lugar das egressas no processo produtivo da confecção
O egresso do curso deveria estar preparado para criar e desenvolver
coleções; modelar e orientar o corte das diferentes partes das roupas; cortar,
preparar e unir as partes das roupas; programar a produção industrial
estabelecendo fluxos e cronogramas; programar, executar e controlar a
qualidade da produção e da matéria-prima no processo de industrialização e
executar função gerencial, ou seja, deve estar preparado para intervir em todo
o processo produtivo da confecção.
No caso específico das egressas entrevistadas, elas se situam nas
indústrias de confecção e nas facções, ocupando áreas de criação, de
produção e gestão e também no marketing.
Durante a implantação do curso foi difícil a relação com as empresas e
até os próprios alunos tinham dificuldade para saber o que era um técnico em
vestuário e quais funções deveria desempenhar, tal como relata uma das
entrevistadas.
As próprias empresas não sabiam o que era o técnico e, às vezes, a
gente também não sabia para que servia o técnico dentro da empresa.
Às vezes, a gente ficava só em um setor, por exemplo, só desenhando
ou só modelando.38
Algumas empresas têm reconhecido a importância deste profissional e
procuram a escola em busca da melhoria da qualidade do seu produto, através
da contratação de estagiários. É possível que os estagiários sejam contratados
posteriormente como funcionários, como afirma uma das entrevistadas.
Se eu não tivesse feito o curso eu não estaria nessa empresa, porque eu
entrei pelo estágio. E é uma empresa que valoriza muito o estagiário,
todos lá praticamente estudaram no Cefet e foram estagiários.39
Para outra entrevistada, o egresso do curso adquire um bom
conhecimento, no entanto ela percebe a necessidade de melhoria na área da
administração.
38 Entrevista realizada por mim com a designer da moda Cristiane.
39 Entrevista realizada em 25 fev. 2010, no Cefet-MG Campus Divinópolis, com Kelcy, supervisora de produção em uma confecção na qual ingressou no setor industrial, por intermédio do estágio, como auxiliar de produção.
48
Para o aluno sair completo, precisa de ajuda na parte da administração,
porque o aluno que estuda no Cefet no Vestuário tem condição de sair
dali e abrir uma fábrica para ele, pela base que o Cefet dá. Tem um
colega que estudou comigo que já está com a sua fábrica e já tem a
parte de corte, de modelagem, a costura, tudo. Só com o curso do
Cefet, trabalha como técnico e dono.40
No caso dessa egressa, ao mesmo tempo em que ela afirma a
necessidade de maiores conhecimentos na área da administração, cita o
exemplo de seu ex-colega que montou a sua própria confecção, ou seja, atua
como administrador.
Os depoimentos das entrevistadas mostram que a formação adquirida
nos cursos técnicos permitiu aliar teoria e prática tanto para o mercado de
emprego quanto para os cursos superiores.
Todas as pessoas que já haviam passado por um curso técnico tinham
um conhecimento melhor, tiveram mais facilidade em unir a teoria à
prática. O que não acontecia com o aluno que entrava muitas vezes
sem noção alguma do que era, por exemplo, uma máquina de
costura.41
Tal como a experiência citada anteriormente, outra egressa se refere à
importância do conhecimento adquirido na escola frente ao mercado de
emprego. Ela argumenta que não ter esse conhecimento antes de ingressar no
mercado dificulta inclusive o entendimento do que são as suas funções e
afirma que “[...] quando você entende um pouco do processo, você tem mais facilidade
de lidar com a sua profissão e com os equipamentos”.42
Estas diferenças entre os egressos vêm reforçar a ideia de que embora
a educação profissional pretenda ser homogeneizadora não é isto o que
ocorre, pois ela está atravessada por classes sociais e por questões de gênero
que não permitem que sua função seja igualitária, dependendo do interesse,
da dedicação e dos objetivos de cada aluno, a partir do ingresso no curso.
40 Entrevista realizada com Janaína, em 31 mar. 2010, no Cefet-MG Campus Divinópolis.
41 Entrevista realizada com Cristiane.
42 Entrevista realizada com Raquel em 4 mai. 2010, no Cefet-MG/Campus Divinópolis, que trabalha como costureira de máquina reta eletrônica e que passou pelos vários setores da empresa com o intuito de conhecer todo o processo produtivo de uma confecção.
49
CAPÍTULO 3 – FORMAÇÃO PROFISSIONAL E A INSERÇÃO NO
MERCADO DE EMPREGO DO PONTO DE VISTA DAS EGRESSAS DO
CURSO TÉCNICO EM VESTUÁRIO
Partindo das informações coletadas nas entrevistas com egressas do
curso técnico em vestuário, foram levantados os principais aspectos que
permitem analisar as relações entre os cursos destinados à formação técnica
profissional e o mercado de emprego, seus impasses e suas perspectivas.
1. O ingresso no setor industrial: obstáculos e facilidades
A inserção no mercado de emprego, embora vista com grande
expectativa por parte dos ingressantes, apresenta obstáculos. Os relatos das
egressas entrevistadas destacam como principais dificuldades, a saber: a falta
de entendimento da função do técnico em vestuário por parte das empresas, a
falta de experiência profissional dos ingressantes, a exigência de experiência
antes de ingressar no setor, a resistência ao novo, a insegurança e o medo de
errar.
No que se refere às facilidades encontradas quando ingressaram no
setor produtivo, afirmaram que a indicação por parte de conhecidos ainda é um
fator presente também neste segmento. Os conhecimentos adquiridos no curso
também foram destaque na fala das entrevistadas, além da experiência com o
desenho, o uso e aplicação da informática como ferramenta de auxílio.
As dificuldades encontradas pelas egressas são iguais às enfrentadas
pelo próprio curso desde o início, quando foi criado. Os cursos, até então,
destinavam-se apenas à formação de costureiras. A proposta de um curso em
que o aluno tivesse conhecimento do processo produtivo da empresa,
passando por todos os setores da produção de vestuário, sofreu resistência por
parte dos empresários, que desacreditavam no setor e preferiam trabalhar
isoladamente.
No início do curso, as empresas de confecção de Divinópolis não
contratavam este técnico. Os próprios alunos tinham dificuldade de saber qual
era a função de um técnico em vestuário. Este fato foi relatado por uma das
50
entrevistadas, com experiência na área como professora de desenho e
modelista.
No começo, o obstáculo maior foi a questão de inserir na empresa o
técnico em vestuário. As próprias empresas não sabiam o que era o
técnico e às vezes a gente também não sabia para que servia o técnico
dentro da empresa, às vezes a gente ficava só em um setor, por
exemplo, só desenhando ou só modelando, então a empresa não
valorizava financeiramente como profissional. Foi só a partir do
momento que eles começaram a ver o meu potencial dentro da
empresa foi que eles começaram a valorizar e realmente me pagar o
salário compatível.43
No que se relaciona à experiência na área da confecção, anterior ao
ingresso no curso de vestuário, apenas uma das entrevistadas, citada
anteriormente, afirmou ter trabalhado como autônoma, desenhando, fazendo
modelos para algumas empresas.
Sempre gostei muito de desenhar e em 1989 fiz um curso de
figurinista pelo Senac e assim comecei minha carreira relacionada à
moda. Depois que eu fiz este curso, fui convidada a dar um curso de
Desenho de Moda pelo Sesi, então comecei a minha trajetória na área
da moda e com isto eu fui fazendo outros cursos de costura industrial,
modelagem e me aperfeiçoando nesta área. [...] No momento estou
trabalhando no Cefet como professora de Modelagem Industrial, mas
já trabalhei com Tecnologia Têxtil, História da Moda e com a Prática
Profissional que seria trabalhar com as máquinas de costura, trabalhar
os processos produtivos, células de produção. É interessante porque a
gente conhece também o processo dentro das empresas. Eu consigo
me inserir no processo produtivo da empresa nos setores de criação,
modelagem, produção e no gerenciamento.44
As demais entrevistadas afirmaram não possuir experiência na área
antes de ingressar no curso de vestuário, ou seja, provavelmente foi o
43 Entrevista realizada com Cristiane.
44 Idem.
51
primeiro contato e ainda estão inseridas no ramo. Como diz uma das
entrevistadas:
Foi através do estágio da escola, até então não tinha trabalhado não,
este foi o meu primeiro emprego. Eu entrei no estágio e foi onde eu
consegui (o emprego).
Em relação à falta de experiência profissional, ocorre uma contradição.
Se para o curso o estágio curricular é obrigatório, para o mercado de emprego,
a obrigatoriedade de estágio não é condição para obtenção de emprego. Para
as empresas, a certificação não é necessariamente um pré-requisito para a
ocupação de vaga. Muitas empresas exigem a comprovação de experiência,
até mesmo para a função de estagiário. Este fator é desestimulante,
principalmente para alunos que frequentaram/frequentam o curso diurno, pois
além de estarem em uma faixa etária menor, não dispõem de horários para
fazer o estágio.
A cobrança interna do estudante na época da conclusão do curso
também colabora para o aumento da insegurança. O que antes era próximo da
conclusão do curso, torna-se presente, trazendo com isso, medos, dúvidas e
angústias. Surgem sentimentos comuns diante do “novo”, do que está por vir,
como relata uma das egressas
Hoje eu vejo como um obstáculo porque tudo que é novo é um
pouquinho difícil. A gente fica com um pouco de receio de errar, fica
com medo, mas eu tive bastante apoio aqui na empresa, dos diretores,
do setor de Recursos Humanos, das pessoas que já trabalhavam aqui e
eu sempre fui muito aberta a coisas novas, sempre fui muito
comunicativa.45
Outra questão importante vista como um obstáculo, principalmente para
os jovens que nunca trabalharam, é a exigência de experiência profissional
para estágio. Esta preocupação se mantém após a conclusão do curso, como
exigência para a contratação, repetindo o que ocorre nos demais setores da
produção.
Uma das exigências que as empresas colocam para a contratação de
um estagiário é a experiência profissional. No entanto, este fato é incompatível
45 Entrevista realizada com Jeniffer, em 4 mai. 2010, na empresa em que trabalha.
52
com a realidade de grande parte dos alunos do curso, que na maioria, tem o
estágio como primeira experiência profissional.
Este questionamento quanto à exigência de experiência profissional foi
relatado por grande parte dos alunos que buscam emprego ou estágio.
Os obstáculos encontrados foram mais na questão da prática, porque,
às vezes, eles exigiam muito experiência e como era o meu primeiro
emprego, eu não tinha, é porque no estágio eles não acreditavam
muito na capacidade que a gente tinha. Muitas meninas falavam que
iam pedir para fazer estágio e eles as colocavam para arrematar ou
outras coisas assim. O próprio setor não acredita muito no potencial
que a gente tem.46
Tal como a experiência relatada, outra egressa afirma que começou
suas atividades profissionais como arrematadeira e “por uma brecha que eu fui
para as máquinas, porque até então eles queriam sempre com prática, só prática e eles
não davam oportunidade.”47
Para outra entrevistada, as oportunidades se fecham diante da tentativa
de buscar uma ocupação, “você chega na porta e eles te pedem experiência e como
você é estagiário, não tem.”48
Como quebrar esse ciclo vicioso que exige experiência para o primeiro
emprego? Cada vez mais a falta de oportunidades de emprego, faz com que
jovens trabalhadores, a maioria dos egressos dos cursos técnicos de nível
médio, sintam-se em desvantagem na disputa por um posto de trabalho no
mercado de trabalho assalariado.
Outro obstáculo encontrado no ingresso, relatado pelas entrevistadas no
setor industrial, refere-se à insegurança em função da idade e da pouca
experiência. Por outro lado, estes fatores podem também colaborar para a
autonomia, como pode ser comprovado no relato de uma das entrevistadas ao
afirmar que desde quando era estagiária da produção, quando ainda não
possuía experiência e até chegar a sua função atual, ela continua enfrentando
obstáculos. Para ela “a gente vai aprendendo mesmo com o tempo”. E cita como um
46
Entrevista realizada com Raquel.
47 Entrevista realizada com Sivani.
48 Entrevista realizada com Fernanda.
53
de seus obstáculos “[...] mostrar para mim mesma que sou capaz e depois mostrar
para os outros, para o diretor, para as pessoas que sou capaz. Porque eu comecei muito
nova e até atingir um cargo de confiança exige um certo tempo, responsabilidade para
mostrar que é capaz.”49
Os depoimentos das entrevistadas mostram que o ingresso no setor
industrial do vestuário ocorreu durante ou após o curso técnico. No caso de
uma das entrevistadas, seu ingresso no mercado de emprego ocorreu não
como estagiária, mas como profissional contratada, “[...] eu comecei o curso e em
questão de 2 meses eu consegui um emprego numa fábrica como arrematadeira. Não era
estágio, comecei contratada como arrematadeira”.50
Tal como a experiência descrita acima, outra egressa afirmou ter se
inserido no mercado de emprego logo que ingressou no curso, ainda no
primeiro ano. Ela destacou também sua experiência em setores distintos da
produção, “[...] na época eu entrei como auxiliar de corte, mas eu não dei muito certo e
fui para assistente de produto.”51
A experiência da indústria é completamente diferente do que ocorre na
sala de aula. Por mais que as instituições tenham laboratórios e espaços
similares aos da indústria, as atividades realizadas na indústria são bem
diferentes. Na escola é visto a teoria e um pouco da prática, mas é na fábrica
que se tem o processo produtivo completo.
Na escola, o erro, geralmente, é visto como possibilidade de
aprendizagem, sem consequências negativas, ao contrário, ele representa
aquisição de conhecimento. Entretanto, para a indústria o erro não deve existir.
Principalmente em função da exigência de maior produção em menor tempo
possível.
No entanto, mesmo diante dos obstáculos enumerados, em
contrapartida, foram percebidas algumas facilidades como, por exemplo, a
indicação ao posto por pessoas conhecidas; a experiência com o desenho; o
uso e aplicação da informática como ferramenta de auxílio e os conhecimentos
adquiridos no curso antes do ingresso no setor industrial. Como pode ser
49
Entrevista realizada com Cíntia, em 4 mai 2010, na empresa em que atua.
50 Entrevista realizada com Sivani.
51 Entrevista realizada com Karine, em 2 mar. 2010, no Cefet-MG Campus Divinópolis.
54
comprovado no relato de uma das entrevistadas, que deixa claro que além dos
obstáculos que surgem, existem também algumas facilidades para contrapor.
Quando eu comecei não encontrei nenhuma facilidade. Enquanto eu
não quebrei esta barreira de ter que pegar e fazer, não tive facilidade
nenhuma não, porque ninguém vai te dar nada mastigado, você tem
que procurar, se esforçar, porque as coisas não vêm de bandeja. Acho
que para todo mundo é um pouco difícil, mas é só insistir. Porque toda
pessoa que forma tem aquele negócio: „nossa, acabou de formar‟, mas
a gente tem que ter confiança ali na hora e tentar ingressar de todo
jeito. Hoje em dia está muito fácil, porque para pesquisar você tem o
computador, as revistas de moda, você tem as pessoas mais antigas da
área que são aquelas costureiras antigas que trabalham com o
verdadeiro molde e que se você for atrás delas, elas te ajudam
também.52
Outra facilidade encontrada foi o fato de ter algum conhecido
que possa fazer o primeiro contato na empresa, através de indicação.
Apesar desse fator não significar a permanência no emprego, facilita o
ingresso, como mostra a experiência de uma das egressas
entrevistada
O meu primeiro contato nesta empresa foi feito pela minha mãe que já
conhecia a dona da fábrica há algum tempo. Entregou o meu currículo
e depois quando ela descobriu que eu estava fazendo vestuário e que
eu iria entrar na área, ela me chamou para trabalhar na empresa e me
disse que eu correspondi todas as expectativas dela e que ela não
imaginava o que eu iria fazer, achava que eu ficaria ali como qualquer
outro funcionário para desempenhar uma função. Mas na realidade
não foi bem assim, acho que ela não imaginava que eu sabia tanta
coisa e aprendia com tanta facilidade. 53
Quando questionadas sobre a permanência no emprego, todas as
entrevistadas responderam que não mudaram muito de emprego, no entanto
afirmaram que mudaram de setor e função dentro de uma mesma empresa
52 Entrevista realizada com Janaína.
53 Entrevista realizada com Liliane.
55
como, por exemplo, de estagiária de produção para supervisão de produção e
para designer de moda. Uma das entrevistadas que continua empregada na
mesma empresa desde seu ingresso como estagiária de produção, afirma que
após o estágio curricular foi contratada.54
Mudanças de setor são positivas, pois proporcionam ao estagiário o
conhecimento do processo produtivo, o que colabora para a aquisição de mais
experiência.
2. As dissonâncias entre a formação profissional e as exigências
para obter emprego no caso em estudo
A discussão a respeito da formação profissional do trabalhador está
cada dia mais presente no cotidiano. Somos todos produtores de
conhecimentos, sejam nas relações estabelecidas nos diferentes grupos
sociais, nos processos de trabalho ou nas relações construídas entre seus
pares.
Espera-se que o egresso do curso técnico em vestuário tenha
conhecimento e seja capaz de intervir em todo o processo produtivo da
indústria da confecção, mas o que ocorre é que a maioria das empresas insere
este trabalhador em apenas uma parte do processo produtivo. Assim, cabe ao
trabalhador mostrar seu conhecimento e a necessidade de passar por todos os
setores, para que possa assim desenvolver suas atividades de forma mais
eficaz, a fim de favorecer a empresa com a possibilidade de maior
produtividade.
A pesquisa desenvolvida por Pais (2003), já citada anteriormente,
apresenta questões pertinentes à formação profissional e afirma que esta
reproduz a segmentação do mercado de trabalho em função do gênero, fator
claramente visível neste estudo. A área da moda é predominantemente
composta por mulheres, mesmo que homens e mulheres tenham acesso ao
curso. Contudo, a inserção é predominantemente de mulheres, desde o
processo seletivo. Ao verificarmos esta situação no mercado de emprego, o
54 Entrevista realizada com Jeniffer.
56
fato se repete, pois a maioria das confecções tem seu grupo formado por
mulheres.
Pais (2003) afirma ainda que a formação profissional é indiretamente
uma alternativa mais fácil para a entrada no mercado de trabalho em
comparação com a universidade, principalmente quando se pensa no tempo de
espera, que parece ser longo, da obtenção do diploma ao emprego.
No entanto, o autor alerta para a possibilidade de se criar com a
formação profissional um mercado secundário caracterizado por condições de
trabalho bastante diferenciadas no setor produtivo e por baixos salários pagos
aos egressos dos cursos de formação profissional. Além disso, mesmo os
cursos profissionalizantes direcionados às pessoas que já estão empregadas,
não garantem, em caso de desemprego, que elas consigam a reinserção no
mercado de emprego após concluir seu curso de formação profissional.
3. A situação profissional e salarial das entrevistadas e expectativas
futuras
Sobre a satisfação em relação à situação profissional das entrevistadas,
principalmente, quando se percebem valorizadas nas empresas em que atuam
é evidente. Veja declaração de uma entrevistada:
Eu sinto que é uma situação profissional boa, a empresa que eu
trabalho tem valorizado aquilo que eu faço. Por Divinópolis ter
passado por uma crise financeira muito grande nestes últimos três
anos, por causa dos produtos da China, as empresas também tiveram
crise, mas mesmo assim, estão valorizando este profissional. O que eu
sinto é que precisa ter este profissional que entenda para fazer um
produto valorizado, com valor agregado. Assim este profissional
agora, tanto técnico como designer, é mais valorizado, porque a
empresa sente falta dele por ter um produto melhor, com mais
qualidade e tudo mais.55
55 Entrevista realizada com Cristiane.
57
No que se refere à situação salarial, as entrevistadas acreditam que há
uma compatibilidade com o mercado de emprego na cidade de Divinópolis e na
região. Comenta uma das egressas
Em relação ao mercado de Divinópolis acho que está no padrão, talvez
um pouco superior ao que vejo e ao que tenho contato com os
designers, se eu não me engano, são freelancer. Eu sou mais segura,
tenho estabilidade, trabalho com mais tranquilidade e tenho salário
fixo todo mês.56
As egressas elencaram vários fatores por estarem satisfeitas com a
situação salarial, destacando a segurança do emprego com carteira assinada,
pagamento do salário no final do mês, o horário favorável e o fato de trabalhar
próximo à moradia como revela uma das entrevistadas
Eu acho que não ganho bem, mas também não ganho mal não. Mas eu
olho pela praticidade que eu tenho. Eu vou trabalhar com qualquer
roupa, eu vou de chinelo de dedo, eu venho almoçar na minha casa, eu
não tenho o transtorno de pegar ônibus, é próximo da minha casa, são
só 4 quarteirões da minha casa e em questão de 8 minutos eu estou lá
e não tenho que andar meia hora de ônibus para trabalhar. Eu não
tenho esse estresse de perder ônibus e em 5 minutos eu estou lá se eu
apertar o passo. Eu gosto de trabalhar lá por isso, acho que é o
costume de trabalhar próximo de casa, facilita.57
Quando questionadas sobre expectativas em relação ao futuro
profissional e o interesse em dar continuidade aos estudos, as opiniões das
entrevistadas se diversificam. A maioria delas percebe a necessidade da
continuidade dos estudos para ampliar os conhecimentos, para isso pretendem
fazer graduação e pós-graduação na mesma área, áreas afins ou até mesmo
em áreas diferentes como Sistema de Informação, Serviço Social, Fisioterapia,
Educação Física ou Matemática.
Quanto à obtenção de um emprego na área de formação profissional em
vestuário, ou seja, arranjar um emprego que esteja de acordo com as
qualificações adquiridas, é complicado. Talvez este possa ser um dos fatores
56 Entrevista realizada com Cíntia.
57 Entrevista realizada com Sivani.
58
determinantes para as egressas decidirem, muitas vezes, sair da sua área de
formação para tentar encontrar emprego em outras áreas.
O relato de uma das entrevistadas aponta nesse sentido e confirma a
busca por outras oportunidades. Comenta ela:
Pretendo estudar, fazer uma faculdade só que não pretendo fazer na
área da moda. Estou pensando em fazer Sistema de Informação ou
Serviço Social. Mas do mesmo jeito que eu penso em sair da área, eu
tenho vontade de montar algo pra mim na área da confecção, estou
estudando esta hipótese ainda.58
Uma das entrevistadas egressas é professora e designer de moda de
uma empresa de malharia e expõe suas expectativas futuras. Diz ela:
Pretendo continuar nesta área, tanto nas empresas como dando aulas,
que é uma área que eu gosto muito, sempre gostei e pretendo
continuar estudando, se tiver outros cursos na área quero fazer e quero
me aperfeiçoar. Eu não penso em largar o mercado e ficar só como
docente, quero juntar as duas coisas, porque quando estamos no
mercado de trabalho podemos levar experiências para a sala de aula,
aquilo que realmente o mercado quer e precisa. Quando eu comecei eu
não tinha conhecimento total do mercado de trabalho e agora tenho.
Eu posso dizer com segurança, por exemplo, para os meus alunos:
olha isso é importante vocês aprenderem porque é o que o mercado
quer. Eu não quero abandonar o mercado, quero estar sempre por
perto, mesmo que não seja um trabalho direto, quero estar dento do
mercado para saber o que realmente a empresa quer, para levar isso
para a sala de aula.59
Cada profissão requer aptidões particulares e conhecimentos
específicos. As escolhas feitas pelas egressas para se manterem ou não na
área de formação profissional é de caráter individual.
Assim, a educação profissional, mesmo sendo regida por princípios
igualitários e com função homogeneizadora, verificamos que esses princípios
não ocorrem, na realidade, pois existem desigualdades no processo.
58 Entrevista realizada com Liliane.
59 Entrevista realizada com Cristiane.
59
A proposta do curso técnico em vestuário pode ser vista como
homogeneizadora, no entanto, a forma como ela será usada pelos alunos ou
mesmo as opções que virão a partir dela são individuais e heterogêneas.
Alguns alunos irão se manter na área, outros farão do estágio apenas uma
passagem, como podemos comprovar, por exemplo, nos depoimentos das
entrevistadas em relação aos planos sobre a continuidade dos estudos.
Portanto, a formação profissional não tem uma relação direta com o
emprego e muito menos o diploma pode garantir a obtenção de um emprego.
Existem mediações que se operam entre as propostas dos cursos
profissionalizantes e as regras definidas para obtenção de emprego.
60
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A questão de pesquisa que orientou a sistematização dos dados e as
informações apresentadas nesta dissertação de mestrado refere-se à relação
entre a formação profissional oferecida pelo curso técnico em vestuário do
Cefet/MG e a inserção no setor industrial, em Divinópolis, na visão do aluno
egresso.
Não cabe somente à educação profissional a responsabilidade pelas
dificuldades de inserção no mercado de emprego, que podem se referir à
diminuição da oferta de emprego. Assim, a eficácia da formação profissional
não pode ser aferida pelo número de egressos que estão inseridos nas
empresas, no caso, de confecção em sentido restrito.
A educação profissional não tem ligação direta com o mercado de
emprego, pois o diploma não garante, necessariamente, a obtenção de um
emprego no setor produtivo. Existem mediações que se operam entre as
propostas dos cursos profissionalizantes e as regras que norteiam o
recrutamento pelas empresas, além dos motivos que levam o aluno a escolher
o curso.
Os egressos dos cursos técnicos buscam, em geral, uma oportunidade
para o exercício profissional, mas, ao mesmo tempo, deparam-se com
obstáculos e dificuldades e sentem, inclusive, certa insegurança quanto ao
conteúdo pedagógico dos cursos realizados e a sua preparação para a atuação
profissional, sejam em cursos de técnicos, superiores ou de qualificação60.
Um dos atrativos dos cursos técnicos se refere a sua duração, que
parece favorecer o ingresso mais rápido no mercado de emprego, além de
possibilitar a continuidade de sua formação na universidade. O curso técnico
permitiria ainda, conforme o caso, oferecer um período para requalificação do
trabalhador, contribuindo para a sua reinserção no setor produtivo.
As entrevistas apontaram alguns aspectos relevantes. Ao nos
depararmos com o fato da presença significativa de mulheres como egressas,
60 Entende-se por cursos de qualificação os cursos livres, sem exigência de nível escolar e que visam capacitar e atualizar alunos para atuação no mercado de emprego. Cursos técnicos são entendidos como cursos de nível médio, regulamentados pelo MEC com direito a diploma e que visam proporcionar aos alunos conhecimentos teóricos e práticos nas diversas atividades do setor produtivo. Cursos superiores são cursos de graduação direcionados a alunos concluintes do ensino médio ou equivalente.
61
particularmente, no curso técnico em vestuário, atentamos para o fato que
ocorre desde o momento da inscrição no processo seletivo para ingresso no
curso. Mas em que medida a predominância das mulheres no curso revelaria a
significativa presença feminina na indústria do vestuário, em geral?
As egressas procuraram o Cefet-MG não somente pela formação
profissional, mas também pelo ensino médio. A pesquisa feita por Oliveira
(2004) revela que na concepção dos egressos entrevistados, “busca-se o
Cefet-MG, enquanto uma instituição da RFET61, para uma formação
profissional de nível técnico pelo fato de ele ser uma instituição de tradição,
com o nome reconhecido pela qualidade do ensino que oferece, envolvendo
qualificação profissional bem aceita pelo mercado e condições para bom
desempenho no vestibular” (idem, p.136).
Assim, o Cefet-MG é considerado uma referência educacional em todo o
estado de Minas Gerais e a grande procura pelos cursos técnicos pode ser
confirmada pelo elevado índice de inscrições feitas para os exames de seleção.
No 1° semestre de 2010 foram ofertados, em todas as unidades do Cefet-MG,
18 cursos técnicos, totalizando 2.228 vagas, para as quais se inscreveram
18.400 candidatos, ou seja, uma média geral de 8,26 candidatos/vaga. Para o
Campus Divinópolis a média geral foi de 7,43 candidatos/vaga para os cursos
diurnos e 5,11 para os cursos noturnos.62
As alunas entrevistadas fizeram a escolha pelo curso técnico em
vestuário também pelo interesse, pelo gosto e afinidade com a área, pela
necessidade de trabalhar e pela busca de melhoria da profissão. O que elas
parecem buscar é um aprimoramento profissional para que possam assegurar
sua permanência no mercado de emprego.
A contribuição do curso técnico em vestuário para o setor vem
primeiramente através do estágio curricular por ser considerada uma disciplina
do curso e obrigatória para a certificação do aluno. Algumas empresas já
reconhecem a importância deste profissional e procuram a escola em busca da
melhoria da qualidade do seu produto, primeiramente, através da contratação
61 Rede Federal de Educação Tecnológica
62 Informações do CEFET-MG obtidas no site da COPEVE. Disponível em:
<http://copeve.cefetmg.br/noticias/2009/12/noticia0006.html>. Acesso em: 24 mar. 2010.
62
de estagiários, que possivelmente são contratados posteriormente como
funcionários, como afirma a entrevistada Kelcy
“Se eu não tivesse feito o curso eu não estaria nessa empresa, porque
eu entrei pelo estágio. E é uma empresa que valoriza muito o
estagiário, todos lá praticamente estudaram no Cefet e foram
estagiários.”63
No final das entrevistas foi colocada a palavra livre para comentários e
sugestões das entrevistadas. Em seus comentários, pode-se perceber o quanto
elas valorizam o curso em relação à credibilidade no setor, à aplicação dos
conhecimentos adquiridos no decorrer do curso, ao crescimento profissional e
pessoal e à importância da troca de experiências, como mostra uma das
entrevistadas
Eu acho que todo aprendizado é válido. O curso em si me ajudou
muito e ele ajuda qualquer pessoa que queira trabalhar. Eu acho que
ajudou muito como pessoa também. A gente acaba convivendo com
outras pessoas, vê as dificuldades de cada um, acho que melhora a
gente também, ocupa a mente e troca experiências. Hoje eu falo que
não quero ficar trabalhando só para os outros não, futuramente, eu
tenho um espaço na minha casa e quem sabe eu posso me tornar uma
empresária. Eu tenho esse objetivo, na minha casa tem um espaço para
isso e eu já tenho o maquinário, conhecimento eu tenho porque já sei
muita coisa. O Cefet me ajudou muito a ter uma noção boa, com
certeza.64
Dentre as que permaneceram no setor produtivo da confecção, elas
mencionam a importância do curso técnico em vestuário e a sua inserção no
mercado de emprego. Como pode ser percebido na fala de uma das
entrevistadas, ao ser questionada se o curso contribuiu para seu ingresso no
mercado de emprego
“Com certeza, porque se eu não tivesse feito o curso eu não estaria
nessa empresa, porque eu entrei pelo estágio. Então se eu não tivesse o
63 Entrevista realizada com Kelcy, em 25 fev. 2010, no Cefet-MG Campus Divinópolis.
64 Entrevista realizada com Sivani, em 5 de abril de 2010, em sua residência.
63
estágio... e lá é uma empresa que valoriza muito o estagiário, todos lá
praticamente estudaram no Cefet e foram estagiários.”65
Os dados e informações apresentados nesta dissertação podem, em
certa medida, apontar a importância de se acompanhar os egressos e a sua
situação no mercado de emprego, no setor de confecções em Divinópolis.
Contudo, é importante frisar que se torna difícil avaliar a formação técnica
oferecida pelo Cefet-MG para a inserção do aluno egresso no mercado de
emprego.
65 Entrevista realizada com Kelcy.
64
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
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65
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66
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Instituto de Estudos e Marketing Industrial - IEMI. Relatório de pesquisa sobre o mercado e planejamento estratégico para fomento comercial do pólo de vestuário de Divinópolis. São Paulo, 2009.
Prefeitura Municipal de Divinópolis. Anuário Estatístico de Divinópolis, 2009. Secretaria Municipal de Planejamento e Gestão. Divinópolis, MG
SITES
http://copeve.cefetmg.br
http://www.cefetmg.br
http://www.ibge.gov.br
http://www.ipea.gov.br
http://www.mte.gov.br
67
ANEXOS
Anexo A Algumas informações sobre as entrevistadas
CÍNTIA – 23 anos, solteira, designer de moda de uma confecção. Tem formação técnica e superior na área da moda. Estudou no turno diurno, na concomitância interna e sua escolha foi feita por causa da idade e pelo interesse em fazer o ensino médio. Ingressou no setor industrial como estagiária de produção logo após se formar e continua trabalhando na mesma empresa, mudando apenas de cargo em função das qualificações adquiridas. Pretende dar continuidade aos estudos fazendo pós-graduação na área. CRISTIANE – 37 anos, casada, mãe de um filho e conta com apoio da mãe e do marido no cuidado com a criança. É designer de moda de uma malharia retilínea. Possui formação técnica e superior na área. Estudou no turno noturno, porque já trabalhava como professora de costura durante o dia. Seu ingresso na área da moda ocorreu antes do curso técnico em vestuário, como freelancer de desenho e modelagem e dando aulas, inclusive no referido curso. Seu ingresso no setor industrial foi após o curso técnico e em sua trajetória profissional trabalhou em 3 empresas, estando nesta última há 3 anos. Pretende continuar trabalhando na área dentro das empresas e dando aulas. FERNANDA – 21 anos, solteira, vendedora em uma loja que trabalha com private label. Estudou no turno noturno porque já trabalhava durante o dia criando bijuterias. Ingressou na loja durante o curso como estagiária do setor de estoque e sua função atualmente é de vendedora. Pretende continuar os estudos em área totalmente diferente, como fisioterapia ou educação física. JANAÍNA – 26 anos, solteira, trabalha a 10 anos em uma loja com vendas e criação de bijuterias, acessórios e acabamentos de roupas para as confecções. A partir de seu trabalho na loja, percebeu a necessidade de fazer um curso na área para ganhar a credibilidade dos clientes e aprimorar seus conhecimentos. Pretende fazer curso superior na área da Administração para complementar suas atividades, pois nas demais áreas criação e produção, o Cefet já proporcionou boa formação. JENIFFER – 23 anos, solteira, está fazendo o Curso Superior de Marketing e Administração e pretende fazer o mestrado na mesma área. Atualmente trabalha na área de marketing de uma confecção. Estudou no turno diurno, na modalidade de concomitância interna e escolheu este turno porque queria fazer o curso técnico e o ensino médio juntos. Seu ingresso no setor industrial ocorreu após o curso, primeiro como estagiária de produção, após conclusão do estágio foi contratada para o setor de expedição. Teve a experiência de trabalhar na administração da recepção da empresa e ao aliar os conhecimentos acadêmicos obtidos no curso técnico com os do curso superior, teve a oportunidade de trabalhar com marketing de moda, sua atuação função. Pretende concluir o curso superior e ingressar no mestrado na mesma área.
68
KARINE – 21 anos, solteira, está em processo de transição na confecção em que trabalha para o setor de corte. Estudou no turno noturno, porque já havia concluído o ensino médio. Ingressou no setor industrial durante o curso como auxiliar de corte, foi assistente de produto, trabalhou na área da criação com desenho e modelagem informatizados e está retornando ao setor de corte agora informatizado, para complementar seus conhecimentos sobre todo o processo produtivo. Pretende fazer curso superior em Matemática para trabalhar na área administrativa, com contabilidade. KELCY – 24 anos, solteira, supervisora de produção. Estudou no turno diurno, pois não tinha o ensino médio. Ingressou no setor industrial há 5 anos após ter concluído seu curso, por intermédio do estágio, com a função de auxiliar de produção. Pretende fazer curso superior em Engenharia de Produção. LILIANE – 25 anos, solteira, operadora de CAD. Estudou no turno noturno porque já tinha o ensino médio e trabalhava em outra área, durante o dia. Seu ingresso no setor industrial ocorreu durante o curso como auxiliar de corte. Pretende fazer curso superior em Sistemas de Informação ou Serviço Social e tem vontade de montar uma empresa na área da confecção. RAQUEL – 25 anos, casada, sem filhos. Trabalha como costureira de máquina reta eletrônica. Estudou no turno noturno, na modalidade pós-médio, pois já havia concluído o ensino médio. Seu primeiro emprego e ingresso no setor industrial ocorreram através do estágio, durante o curso, concluindo ambos juntos. Com o apoio do dono da empresa e com o intuito de conhecer todo o processo produtivo de uma confecção, passou pelos vários setores da empresa. Pretende continuar na área da moda, pois tem muita afinidade com a área de design. SANDRA – 35 anos, casada, sem filhos. Trabalha como gerente de produção. Estudou no turno noturno, porque trabalhava durante o dia. Ingressou no setor industrial através do estágio, durante o curso. Pretende continuar seus estudos para complementar os conhecimentos adquiridos. SIVANI – 29 anos, solteira, contratada como costureira em uma confecção, mas desenvolve tarefas de chefe de produção, além de modelar e ajudar no corte. Após o trabalho na confecção vai para casa onde tem uma facção e presta serviços para o próprio patrão e para outras pessoas. Estudou no turno noturno, porque trabalhava durante o dia e não podia deixar o emprego. Ingressou no setor industrial no início do curso como arrematadeira, mas a ocupação não era considerada estágio. Teve a oportunidade de mudar de função dentro da empresa e passou a trabalhar como encarregada de produção. Trabalhou durante certo período em duas empresas, durante o dia com modinha infantil jeans e à noite com modinha feminina, quando pode colocar em prática o que havia aprendido no curso. Com isso ganhou experiência e conseguiu montar sua facção. Pretende fazer faculdade no futuro quando estiver casada e com a vida mais estabilizada. No momento, seu foco é a construção da casa própria com espaço reservado a sua futura confecção.
69
Anexo B
Roteiro de entrevistas
- Comente um pouco sobre a sua trajetória profissional. Como você chegou ao Cefet-MG?
- O que te levou a escolher o curso técnico em vestuário?
- Em qual turno você estudou? Qual foi o motivo que te levou a fazer esta escolha?
- Como ocorreu seu ingresso no setor industrial? Antes, durante ou após a conclusão do curso? Que tipo de emprego era?
- Você trabalha em uma área específica na indústria da confecção? Qual?
- Quais foram os obstáculos encontrados no ingresso no setor industrial?
- E quais foram as facilidades encontradas?
- Você mudou de emprego? Quantas vezes? Como ocorreu?
- Como está a sua situação profissional? Por quê?
- Como você avalia a sua situação salarial em relação ao mercado?
- Quais as suas expectativas em relação ao seu futuro profissional? Pretende continuar seus estudos? Onde?
- Você é casada? Tem filhos? Quantos? Quem cuida dos filhos?
- Há diferenças de salário na empresa que você trabalha pra homens e mulheres que desempenham a mesma função?
- Onde estão os homens no processo produtivo da empresa?
- Onde você se insere no processo produtivo da empresa que você trabalha?
- Você acredita que o curso técnico em vestuário colaborou para a sua inserção no mercado de emprego?
- Você deseja fazer mais algum comentário ou sugestão?