fichamento nietzsche escritos sobre historia e politica 27 10 2015

42
III.1 HH 249 Sofrer pelo passado da civilização Aquele que tem uma ideia clara do problema da civilização sofre portando do mesmo sentimento do herdeiro de uma fortuna adquirida por meios ilícitos, ou do príncipe que reina graças aos atos de violência cometidos pelos seus ancestrais. Ele pensa com tristeza na sua origem e fica frequentemente irritadiço. A soma de energia, de querer-viver, de alegria que ele consagra ao seu patrimônio é frequentemente contrabalançada por um cansaço profundo: ele não pode esquecer sua origem. O futuro, ele o vê com melancolia; os seus descendentes, ele sabe de antemão que, como ele, sofrerão com o passado.’’ P.208 III. 2 32[21] 405 A história procura superar o que é estranho, o homem se irrita contra o passado, tudo deve ser para ele ‘Eu’, ‘biografia’ e ‘conhecido de longa data’. P.208 IV AU 197 (...) ‘‘A tendência maior dos alemães se opunha inteiramente ao Iluminismo e à revolução da sociedade, que, por um erro grosseiro, passava como sendo a consequência daquele: amar em piedade por tudo o que tinha existido, simplesmente para que o coração e o espírito recobrassem mais uma vez a sua plenitude e não mais abrisse qualquer espaço para os fins futuros e inovadores. O culto do sentimento foi erigido no lugar do culto da razão, e os músicos alemães, enquanto artista do invisível, do onírico, do lendário, do nostálgico, realizaram a construção do novo templo com mais sucesso do que todos os artistas da palavra e do pensamento. Mesmo levando em consideração o fato de que muitas boas coisas fossem ditas, e descobertas no detalhe e que mais de uma tenha sido julgada desde então com mais equidade do que nunca, não permanece menos verdadeiro, quando se considera o todo, que o risco geral não era negligenciável, sob a aparência de um conhecimento em geral e definitivo do passado, de sujeitar o conhecimento em geral à dominação do sentimento, e – para falar como Kant, que definia assim sua própria tarefa – ‘reabrir o caminho para a fé, mostrando para o conhecimento os seus limites’. Respiremos novamente um ar livre: o tempo desse

Upload: mateus-perez

Post on 04-Jan-2016

216 views

Category:

Documents


1 download

DESCRIPTION

Fichario do livro ''Escritos sobre história''

TRANSCRIPT

Page 1: Fichamento Nietzsche Escritos Sobre Historia e Politica 27 10 2015

III.1 HH 249

Sofrer pelo passado da civilização

Aquele que tem uma ideia clara do problema da civilização sofre portando do mesmo sentimento do herdeiro de uma fortuna adquirida por meios ilícitos, ou do príncipe que reina graças aos atos de violência cometidos pelos seus ancestrais. Ele pensa com tristeza na sua origem e fica frequentemente irritadiço. A soma de energia, de querer-viver, de alegria que ele consagra ao seu patrimônio é frequentemente contrabalançada por um cansaço profundo: ele não pode esquecer sua origem. O futuro, ele o vê com melancolia; os seus descendentes, ele sabe de antemão que, como ele, sofrerão com o passado.’’ P.208

III. 2 32[21] 405

A história procura superar o que é estranho, o homem se irrita contra o passado, tudo deve ser para ele ‘Eu’, ‘biografia’ e ‘conhecido de longa data’. P.208

IV AU 197

(...) ‘‘A tendência maior dos alemães se opunha inteiramente ao Iluminismo e à revolução da sociedade, que, por um erro grosseiro, passava como sendo a consequência daquele: amar em piedade por tudo o que tinha existido, simplesmente para que o coração e o espírito recobrassem mais uma vez a sua plenitude e não mais abrisse qualquer espaço para os fins futuros e inovadores. O culto do sentimento foi erigido no lugar do culto da razão, e os músicos alemães, enquanto artista do invisível, do onírico, do lendário, do nostálgico, realizaram a construção do novo templo com mais sucesso do que todos os artistas da palavra e do pensamento. Mesmo levando em consideração o fato de que muitas boas coisas fossem ditas, e descobertas no detalhe e que mais de uma tenha sido julgada desde então com mais equidade do que nunca, não permanece menos verdadeiro, quando se considera o todo, que o risco geral não era negligenciável, sob a aparência de um conhecimento em geral e definitivo do passado, de sujeitar o conhecimento em geral à dominação do sentimento, e – para falar como Kant, que definia assim sua própria tarefa – ‘reabrir o caminho para a fé, mostrando para o conhecimento os seus limites’. Respiremos novamente um ar livre: o tempo desse perigo passou! E coisa estranha: os espíritos que os alemães evocaram com tanta eloquência se tornaram exatamente com o tempo os adversários daqueles que os evocaram – a história, a compreensão da origem e da evolução, a simpatia para com o passado , a paixão novamente desperta do sentimento e do conhecimento, depois de parecerem todas por algum tempo emprestar o seu concurso compassivo ao espírito obscurantista, visionário e retrógrado, envolveram um dia uma natureza diferente, elas voam hoje com asas bem maiores, deixando longe, atrás e acima de si, os seus antigos evocadores, para se tornarem os gênios novos e mais fortes destas ‘luzes’ contra as quais, justamente, se tinha feito a evocação. Estas luzes, devemos hoje fazê-las progredir – sem nos preocupar com o fato de ter havido uma ‘grande revoluação’ depois uma ‘grande reação’ contra esta, nem com o fato de que uma e outra ainda perdurem: elas são apenas um movimento de ondas, em comparação com o fluxo verdadeiramente grande no qual somos levados, e queremos sê-lo.’’ p.211

Page 2: Fichamento Nietzsche Escritos Sobre Historia e Politica 27 10 2015

I V 4 [43] 387

Os homens da ação não teriam desconhecido necessariamente a contemplação? É preciso então ouvir uma profunda compreensão da história? Mas existem homens desiludidos da ação: esta é a sua ocupação?p.211

IV 6 [428] 554

A assimilação do passado – o quanto é preciso de simpatia, de paixão, de esquecimento e mesmo de desprezo de si para fazer renascer a alma do passado! Este é um começo, há aí um entusiasmo desenfreado, muita falação e fanatismo. Com os alemães à cabeça – o que isto indica?! – Comparar com a Reforma de Lutero (que é também a reforma da história!): aversão contra a razão, contra a lucidez de piedade e de tradição, contra a falta de apoio sólido.

Mas a história praticada pelas razões expostas carrega consigo uma consequência não desejada! O passado não comprovou o que se procurava?

V GC 337 – O ‘sentimento de humanidade’ do futuro

Quando eu considero este século com os olhos de um século longíquo, não encontro coisa mais estranha na natureza do homem contemporâneo do que esta singular virtude, esta doença singular que se chama ‘sentido histórico’. Há aí uma sedimentação de algo completamente novo e estranho na história: se concedermos a esse germe ainda mais alguns séculos, poderia ser que ele acabasse por produzir uma planta maravilhosa com um não menos maravilhoso aroma, adequada para tornar a terra mais agradável de ser habitada do que ela foi até agora. Nós, contemporâneos, começamos exatamente a formar, elo por elo, a cadeia de um sentimento futuro muito forte – mal sabemos o que fazemos. Pareceria quase que se tratava não de um sentimento novo, mas da diminuição de todos os velhos sentimentos – o sentido histórico é ainda algo tão pobre, de tão frio, e há muitos entre nós que são atacados por ele como por uma geada, e por isso se acham ainda mais pobres e mais frios.’’ P.214

V 12 [76] 457

A ciência nos dá a nossa árvore genealógica de nobreza, a nossa heráldica: ela nos dá os ancestrais. Comparados conosco, todos os homens foram até agora ‘efêmeros’, homens do populacho que só têm visões curtas.

O sentimento historiador é o que há de novo, nele algo de totalmente grande está em vias de crescer! Primeiramente nocivo, como tudo o que é novo! É preciso que ele venha a se aclimatar, antes de se tornar sadio e produzir uma grande floração. Pretendemos falar de tudo o que possuíam os nossos ancestrais – os heróis – é preciso que renunciemos a muitas coisas, mas também compensar qualquer perda pelas mais elevadas aquisições.

A razão e a justiça são o que há de mais difícil de avaliar, porque são jovens e frágeis, e frequentemente nocivas!

V 15 [51] 527

Não tens a menos compaixão para com o passado? Não vês como ele está à tua disposição e depende da graça, do espírito e da equidade de cada geração, como uma pobre mulher? A todo

Page 3: Fichamento Nietzsche Escritos Sobre Historia e Politica 27 10 2015

instante, um demônio malvado não ameaça surgir, um demônio que nos obrigaria a desconhecer completamente o passado, que tornaria surdos os nossos ouvidos e nos colocaria inclusive um chicote nas mãos para maltratá-los? O passado não tem a mesma sorte da música, a melhor música que temos? Um novo e mau Orfeu que a qualquer momento poderia engendrá-la estaria talvez em condições de nos convencer com as suas tonalidades de que não temos ainda uma música, e que o melhor a fazer seria fugir de tudo o que se chamou com esse nome até agora.’’p.215

Sobre Zaratustra

IX 15 [6] 498 > Do Outono de 1884

Zaratustra não quer ser privado de nenhum passado da humanidade, ele não quer tudo dissolver num mesmo crisol. Metamorfose da força. P.226

XI 34 [180] 209-210

Não colocar na totalidade da história do homem mais razão do que há no resto do universo: há muitas possibilidades, mas não se poderia querê-las numa duração muito longa. O acaso rompe tudo novamente.

XI 35 [2] 239 (o verdadeiro espírito historiador para Nietzsche!)

O espírito historiador: a faculdade de representar rapidamente a hierarquia das avaliações em função das quais vive um povo, uma sociedade, um homem – a relação entre estas avaliações e as condições de vida, a relação entre a autoridade dos valore se a autoridade das forças efetivas (a maior parte da vezes, uma autoridade mais presumida do que real): ser capaz de reproduzir tudo isso em si mesmo,é isto que faz o espírito historiador.’ P.228

III. 1 HH 24

Possibilidade do progresso

Quando um erudito da cultura antiga faz o juramento de não mais estabelecer relações com pessoas que acreditam no progresso, ele tem razão. Pois esta cultura antiga não tem mais a grandeza e a virtude que tinha no passado, e a formação histórica nos obriga a reconhecer que ela não retornará jamais à sua jovialidade; para negar isso, é preciso ter um espírito insuportavelmente limitado ou também intolerantemente exaltado.Mas os homens podem com plena consciência decidir orientar a sua evolução para uma nova cultura, mesmo que até agora eles se tenham desenvolvido apenas inconscientemente e ao acaso: eles podem hoje criar melhores condições para a geração de homens, para a sua alimentação, educação, instrução, podem governar a economia da terra na sua totalidade e de uma maneira geral colocar em movimento e equilíbrio as energias humanas. Esta nova cultura, consciente de si mesma, matará antiga, que, vista na sua totalidade, levará uma vida inconsciente de animal e vegetal; ela matará também a desconfiança em relação ao progresso – isto é possível. Quer dizer: é prematuro e quase absurdo acreditar que o progresso deva ocorrer necessariamente; mas como negar que seja possível? Ao contrário, um progresso no sentido e pela via da cultura antiga não é mesmo concebível. Sempre ocorre que, quando o irrealismo romântico emprega também a palavra ‘progresso’ aplicada às visões que tem deste termo (por exemplo, as culturas nacionais, originarias e fechadas), é sempre do passado que ele pede emprestada esta imagem; o seu pensamento e a sua imaginação são carentes de qualquer originalidade neste domínio.’’p.253

Page 4: Fichamento Nietzsche Escritos Sobre Historia e Politica 27 10 2015

HH 25 – Moral privada e moral universal: sobre a queda dos valores superiores e sua relação com moral

Neste excerto verificamos uma estreita relação com a possibilidade de compreender historicamente o desenvolvimento da crítica nietzschiana a moral ocidental no contexto da modernidade. Richard Sennet é um historiador que têm muito a contribuir na configuração da situação histórica presenciada por Nietzsche.

HH 26 - A reação como progresso / Diagnóstico sobre personagens que se mostraram reacionários ante o progressso. Personagens da modernidade de do Renascimento que ''têm a aparência de uma primavera precoce, quase logo ressecada pela neve.'' Porém, mesmo na modernidade de sua época, isto é, o século XIX, havia indício de que a metafísica de Shopenhauer expunha as deficiências inerentes do próprio espírito científico que não fora capaz de abarcar todos num sentimento único de otimismo em relação ao progresso que prometia. Pois,

a metafísica de Sschopenhauer mostrara que o espírito científico não é sempre muito forte: portanto, foi toda a concepção do mundo, toda a imagem do homem medieval cristão que, apesar da destruição que acometeu por muito tempo todos os dogmas cristãos, pôde festejar a sua ressurreição na doutrina de Schopenhauer. A ciência está muito presente nesta doutrina, mas não é ela que a domina, é antes a velha e bem conhecida ‘necessidade metafísica’. Certamente, um dos maiores e impagáveis proveitos que extraímos de Schopenhauer é sobretudo que ele às vezes leva irresistivelmente a nossa sensibilidade para antigas e supremas maneiras de considerar o mundo e os homens para cujos alvos nenhum outro caminho nos conduziria tão facilmente. Há aí um grande benefício para a história da justiça; acredito que atualmente ninguém obteria com tanta facilidade um sucesso tão grande em fazer justiça ao cristianismo e a seus irmãos asiáticos sem o auxílio de Schopenhauer: (…).

Às vezes aparecem espíritos rudes, violentos e arrebatadores, mas ao mesmo tempo atrasados, que ressuscitam por encanto uma fase cumprida da humanidade; eles dão a prova de que as novas tendências contra as quais eles se opõem não são ainda bastante fortes, que falta algo e elas: senão, elas resistiriam mais as estes encantadores. Assim, a Reforma de Lutero, por exemplo, testemunha que todos os impulsos da liberdade de espírito eram na sua época ainda incertos, frágeis, muito jovens; a ciência não podia ainda erguer a cabeça. Ou melhor, todo o Renascimento tem a aparência de uma primavera precoce, quase logo ressecada pela neve. Mas, no nosso século mesmo, a metafísica de Sschopenhauer mostrara que o espírito científico não é sempre muito forte: portanto, foi toda a concepção do mundo, toda a imagem do homem medieval cristão que, apesar da destruição que acometeu por muito tempo todos os dogmas cristãos, pôde festejar a sua ressurreição na doutrina de Schopenhauer. A ciência está muito presente nesta doutrina, mas não é ela que a domina, é antes a velha e bem conhecida ‘necessidade metafísica’. Certamente, um dos maiores e impagáveis proveitos que extraímos de Schopenhauer é sobretudo que ele às vezes leva irresistivelmente a nossa sensibilidade para antigas e supremas maneiras de considerar o mundo e os homens para cujos alvos nenhum outro caminho nos conduziria tão facilmente. Há aí um grande benefício para a história da justiça; acredito que atualmente ninguém obteria com tanta facilidade um sucesso tão grande em fazer justiça ao cristianismo e a seus irmãos asiáticos sem o auxílio de Schopenhauer: o que é totalmente impossível quando alguém se coloca no campo do cristianismo atual. Somente depois desta grande vitória da justiça, somente depois de ter corrigido num ponto essencial a

Page 5: Fichamento Nietzsche Escritos Sobre Historia e Politica 27 10 2015

concepção histórica introduzida pelo século das Luzes, poderemos, para conduzi-lo mais adiante, retomar a bandeira das Luzes – esta bandeira com os três nomes, de Petrarca, Erasmo e Voltaire. Da reação, dizemos um progresso.’’ P.255

HH 239 – Justiça para com um deus em devir > crítica a sacralização do devir > devir temporal, eternidade no mundo mesmo. A busca de um novo Deus como consequência do infortúnio da humanidade….

Quando toda a história da civilização se apresenta diante dos nossos olhos num entrelaçamento de ideias malignas e nobres, verdadeiras e falsas, e quando o espetáculo deste desaferramento dá quase enjoo na alma, se compreende que consolo pode ser encontrado na concepção de um deus em devir: este se revela cada vez mais nas transformações e nos infortúnios da humanidade, nada se reduz a um mecanismo cego, a uma interação de forças sem objetivo ou razão. A sacralização do devir é uma perspectiva metafísica – como do alto de um farol bordando o mar da história – na qual uma geração de eruditos violentamente apaixonados pela história encontrou o seu consolo; não se deve ficar irritado com isso, por mais errônea que possa a ser esta concepção. Unicamente aquele que, como Schopenhauer, nega a evolução, nada mais sente da miséria deste desaferramento histórico e por conseguinte não sabe e não pressente nada desse deus em devir e da necessidade de admitir a sua existência, somente ele pode justamente dar livre curso ao seu escárnio.

IV AU 554

Progressão

Quando se elogia o progresso, se elogia apenas o movimento e aquelas coisas que nos impedem de ficar no mesmo lugar – e certamente em alguns casos, isto já é muito, sobretudo quando se vive no meio de egípcios. Mas na movimentada Europa onde o movimento é ‘algo de compreensivo’ como se diz, -ah, se pelo menos com isso entendêssemos algo! – eu aceito a marcha para frente e aqueles que progridem, quer dizer, aqueles que se deixam ficar permanentemente para atrás e que não se preocupam absolutamente com saber se alguém mais os segue. ‘Lá onde eu me detenho, me encontro só:para que parar! O deserto é ainda vasto!’ – este é o sentimento daquele que marcha assim para frente.

IV 6 [225] 512-513

Fala-se em ‘progresso’, mas se pensa na evolução, quer dizer, no devir e no desaparecimento. O próprio desaparecimento, podemos senti-lo somente como progressão: pois ele está ligado ao prazer como toda evolução. Somente a interrupção da evolução provoca a dor.

IV 1{63}303

Princípio: em toda a história da humanidade, não houve até agora nenhuma fim, nenhum secreto sentido racional, nenhum instinto, mas somente acasos e acasos – e alguns inclusive favoráveis. É preciso trazê-los à luz. Não devemos ter uma falsa confiança e sobretudo não devemos continuar a nos entregar ao acaso. Ele é muito frequentemente um demolidor insano.

IV 1 {70} 305

Page 6: Fichamento Nietzsche Escritos Sobre Historia e Politica 27 10 2015

Tudo aquilo que vive se move; esta atividade não responde a fins precisos, isto é a própria vida. A humanidade inteira está, nos seus movimentos, desprovida de fins e de objetivos; nela não há sobretudo qualquer vontade: ao contrário, não seria impossível que, em algum momento, o homem fixasse para ela um fim: assim como certos movimentos dos animais, desprovidos originariamente de fim, são finalmente utilizados para a sua alimentação.

IV 4 [55]389

Princípios: não há qualquer fim na natureza, não há espírito, exceto aquele dos homens e dos seres semelhantes ao homem, não há milagres ou qualquer providência, não há criador, não há legislador, não há culpa, não há punição.

V 12 [76] 457

A ciência nos dá nossa árvore genealógica de nobreza, a nossa heráldica: ela nos dá os ancestrais. Comparados conosco, todos os homens foram até agora ‘efêmeros’, homens do populacho que só têm visões curtas.

O sentimento historiador é o que há de novo, nele algo de totalmente grande está em vias de crescer! Primeiramente nocivo, como tudo o que é novo! É preciso que ele venha a se aclimatar, antes de se tornar sadio  e produzir uma grande floração! Pretendemos falar de tudo o que possuíam os nossos ancestrais – os heróis – é preciso que renunciemos a muitas coisas, mas também compensar qualquer perda pelas mais elevadas aquisições.

A razão e a justiça são o que há de mais difícil de avaliar, porque são jovens e frágeis, e frequentemente nocivas!

V 15 [51] 527 reflexão sobre o passado ! Compaixão pelo passado?

Não tens a menor compaixão para com o passado? Não vês como ele está à tua disposição e depende da graça, do espírito e da equidade de cada geração, como uma pobre mulher? A todo instante, um demônio malvado não ameaça surgir, um demônio que nos obrigaria a desconhecer completamente o passado, que tornaria surdos os nossos ouvidos e nos colocaria inclusive um chicote nas mãos para maltrata-los? O passado não têm a mesma sorte da música, a melhor música que temos? Um novo e mau Orfeu que a qualquer momento poderia engendrá-la estaria talvez em condições de nos convencer com as suas tonalidades de que não temos ainda uma música (...)” p.215

IX 5 [1] [201] 220 > destruição da representação do passado como forma de retornar a si mesmo!

Amo eu o passado? Eu o destruí para viver. Amo eu os meus contemporâneos? Desvio deles o olhar para poder viver?

IX 15 [6] 498

Zaratustra não quer ser privado de nenhum passado da humanidade, ele não quer tudo dissolver num mesmo crisol. Metamorfose da força.

X 25 [145] 64

Page 7: Fichamento Nietzsche Escritos Sobre Historia e Politica 27 10 2015

Retorno do homem à natureza naturelle, onde as velhas culturas se refrescam – Ruptura com a paisagem histórica.

XI 34 [180] 209-210

Não colocar na totalidade da história do homem mais razão do que há no resto do universo: há muitas possibilidades, mas não se poderia querê-las numa duração muito longa. O acaso rompe tudo novamente.

XI 35 [2]239

O espírito historiador: a faculdade de representar rapidamente a hierarquia das avaliações em função das quais vive um povo,uma sociedade, um homem – a relação entre estas avaliações e as condições de vida, a relação entre a autoridade dos valores e a autoridade das forcas efetivas (a maior parte das vezes, uma autoridade mais presumida do que real): ser capaz de reproduzir tudo isso em si mesmo, é isto que faz o espírito historiador.

XI 37 [13] 321

Atualmente, os historiadores querem muito e todos pecam, quem quer que sejam eles, contra o bom gosto: eles penetram nas almas de pessoas cuja hierarquia e a sociedade não são as suas. Por exemplo, por que um plebeu excitado e esforçado como Michelet precisa se preocupar com Napoleão?! (...). Admiro mais aquele que, mesmo sendo um historiador, nos faz compreender quando o domínio que investiga é acalorado e sagrado o bastante para que ele ouse aí colocar os pés; mas um historiador que sabe no momento preciso ‘retirar as suas sandálias’, ou se calça e se vai, este é nos nossos dias, nesta época da inocente impudicícia, uma ave rara. Na Alemanha, os eruditos que inventaram o espírito ‘historiador’ – e agora também os Franceses estão empenhados nisso – revelam todos sem exceção que sua a origem não é de maneira nenhuma uma casta de senhores; na medida em que são homens do conhecimento, são enfadonhos e a fineza do tato está ausente neles.

X 26 [388] 280 > crítica ao racionalismo hegeliano que quis introduzir a razão na evolução.

A maneira gótica de Hegel quando toma o céu de assalto (- Epigonalidade). Tentativa de introduzir uma espécie de razão na evolução – eu estou no extremo oposto, vejo inclusive na própria lógica uma espécie de desrazão e de acaso. Esforçamo-nos para compreender como foi na maior desrazão, quer dizer, na ausência de qualquer razão, que se produziu a evolução que leva até o homem. p.243

XI 34 [22]156

Taine tinha a capacidade inventiva para descobrir entre Hegel e Henri Beyle o que era típico de ambos, isto é, o seu método, que significa essencialmente o seguinte: a história não pode ser concebida senão pelos conceitos, ou seja, os conceitos é o homem histórico quem deve criá-los; e história onde somente operam quatro ou cinco fatores é a mais fácil de conceber.

XI 34 [83] 174-175

O que os escritos dos espíritos desprovidos de clareza,mal instruídos e não filosóficos têm de mais incômodo não é propriamente a sua falta de rigor e a marcha frágil e vacilante da sua lógica. É a fragilidade dos próprios conceitos e das palavras correspondentes de que eles fazem uso: estes homens só têm na cabeça borrões informes e fluidos de conceitos. – Porém, o bom

Page 8: Fichamento Nietzsche Escritos Sobre Historia e Politica 27 10 2015

autor não exprime apenas a força e a nitidez da sua frase, mas se adivinha, se fareja, quando se é um homem de olfato sensível, que um tal escritos se obriga constantemente e trabalha principalmente para estabelecer solidamente os seus conceitos unívocos; e antes que isto esteja feito, ele não pode escrever! – De resto, há muito encanto também no incerto, no inequívoco, no luscofusco: foi talvez assim que Hegel trabalhou com o estranho, principalmente com todas as mais austeras e mais frias. Esta arte foi efetivamente no grande reino da embriaguez uma das coisas mais raras que foi descoberta – e verdadeiramente um elemento da genialidade alemã! Pois introduzimos e levamos também conosco, a todo lugar onde somente penetraram os alemães e as virtudes ‘alemães’, a voluptuosidade e o desejo de álcool tão grosseiros quanto refinados. – É talvez a isto que se deve também o pode sedutor da nossa música alemã.

XII 2 [165] 148-149

Para o Prefácio de Aurora

Tentativa de reflexão sobre a moral sem sucumbir a seu encanto, desconfiando diante da armadilha das suas belas atitudes e das suas olhadelas.

Um mundo que possamos venerar, de acordo com a nossa necessidade de adoração – um mundo que se comprova permanentemente de adoração – um mundo que se comprova permanentemente – pela derivação do singular e do universal – esta é a concepção cristã de onde todos nós saímos.

Como consequência de um aumento de rigor, de desconfiança, de cientificidade (como consequência também de um instinto de verdade que visa ao mais elevado e portanto ainda sob a influência cristã), esta interpretação se tornou para nós cada vez menos permitida.

A mais sutil escapatória: o criticismo kantiano. O intelecto se proíbe ele próprio o direito de interpretar num sentido dado, assim como recusa uma interpretação nesse sentido. Fica-se contente com preencher o vazio com a ajuda de um aumento da confiança e da fé, com uma renúncia a qualquer possibilidade de provar a sua fé, com um ‘ideal’ incompreensível e superior (Deus).

A escapatória hegeliana, ao lado de Platão, bom pedaço de romantismo e de reação e ao mesmo tempo sintoma do sentido histórico, de uma nova força : no ‘processo’ , no ‘devir’ se revela cada vez mais este ideal no qual acreditamos – então, o ideal se realiza, a fé se volta para o futuro onde ela encontra matéria para adoração, segundo a sua nobre exigência. Em suma:

1. Deus é para nós incognoscível e indemonstrável – sentido de fundo do movimento da teoria do conhecimento

2. Deus é demonstrável , mas como algo que dévem – e nós fazemos parte dele, precisamente por nossa aspiração do ideal – plano de fundo do movimento historicizante.

Mas este mesmo sentido histórico que, passando pela natureza, tem ---

Pode-se ver: a crítica nunca se declarou contra o próprio ideal, mas somente lidou com o problema de saber de onde vem a sua contradição com ele, porque ele não foi ainda alcançado ou porque ele não é demonstrável, no particular e no geral. (...)

Page 9: Fichamento Nietzsche Escritos Sobre Historia e Politica 27 10 2015

XIII 11[74] 235

- Que no ‘processo da totalidade’ o trabalho do homem não é levado em consideração, porque não há absolutamente um processo de conjunto [concebido como sistema]

- que não há ‘totalidade’ que qualquer avaliação da existência humana, das finalidades humanas, não poderia ser feita em relação a algo que simplesmente não existe...

- que a necessidade, causalidade, a conformidade a um fim são somente aparências úteis

- que não é o aumento da consciência que é o fim, mas a intensificação do poder em cuja intensificação a utilidade da consciência está compreendida, assim como o prazer e o desprazer

- que não se tomem os meios como o supremo critério do valor [portanto, não os estados de consciência tais como prazer e a dor, já que a consciência é ela própria um meio -]

- que o mundo não é absolutamente um organismo, mas um caos: que a evolução do ‘intelecto’ é um meio para a duração relativa da organização...

- que todo ‘desejo’ não tem qualquer sentido em relação ao caráter de conjunto do ser.

III. 1 HH 24 > desagregação da vontade > diagnóstico

Possibilidade do progresso

Quando um erudito da cultura antiga faz o juramento de não mais estabelecer relações com pessoas que acreditam no progresso, ele tem razão. Pois esta cultura antiga não tem mais a grandeza e a virtude que tinha no passado, e a formação histórica nos obriga a reconhecer que ela não retornará à sua jovialidade; para negar isso, é preciso ter um espírito insuportavelmente limitado ou também intolerantemente exaltado. Mas os homens podem com plena consciência decidir orientar a sua evolução para uma nova cultura, mesmo que até agora eles se tenham desenvolvido apenas inconscientemente e ao acaso: eles podem hoje criar melhores condições para a geração de homens, para a sua alimentação, educação, instrução, podem governar a economia da terra na sua totalidade e de uma maneira geral colocar em movimento e equilíbrio as energias humanas. Esta nova cultura, consciente de si mesma, matará a antiga, que, vista na sua totalidade, levara uma vida inconsciente de animal e vegetal; ela matará também a desconfiança em relação ao progresso – isto é possível. Quer dizer: é prematuro e quase absurdo acreditar que o progresso deva ocorrer necessariamente; mas como negar que ele seja possível? Ao contrário, um progresso no sentido e pela via da cultura antiga não é mesmo concebível. Sempre ocorre que, quando o irrealismo romântico emprega também a palavra ‘progresso’ aplicada às visõe que tem deste termo (por exemplo, as culturas nacionais, originárias e fechadas), é sempre do passado que ele pede emprestada esta imagem; o seu pensamento e a sua imaginação são carentes de qualquer originalidade neste domínio.

III. 1 HH 25

Moral privada e moral universal

Desde que desapareceu a crença num Deus que dirigia integralmente os destinos do mundo e que, apesar de toas as oscilações aparentes do caminho trilhado pela humanidade, a

Page 10: Fichamento Nietzsche Escritos Sobre Historia e Politica 27 10 2015

guiaria até a emergência do seu esplendor, são os próprios homens que devem fixar os fins ecumênicos que englobam toda a terra. A antiga moral, especificamente aquela de Kant, exigia dos indivíduos estas ações que são esperadas de todos os homens: isto era tão belo quanto ingênuo; como se cada um soubesse absolutamente qual seria o comportamento mais proveitoso para o conjunto da humanidade, por conseguinte, quais seriam as ações geralmente desejáveis; esta é uma teoria comparável com aquela do livre-comércio, com o seu postulado de que a harmonia universal deve se estabelecer por si própria, necessariamente, em virtude de suas leis inatas de aperfeiçoamento. Mas na perspectiva futura das necessidades da humanidade, poderia não parecer desejável que todos os homens agissem identicamente, poderia mesmo ocorrer que, no interesse dos fins ecumênicos, se devesse fixar tarefas especiais, ou seja, eventualmente más, para setores inteiros da humanidade. – Em todo caso, na medida em que não se queira que a humanidade se veja diante da sua própria ruína nesse governo conscientemente universal, é preciso sobretudo, para servir como regra científica para os fins ecumênicos, adquirir um conhecimento das condições da cultura para além de todas as circunstâncias atuais. Esta é a tarefa imensa destinada aos grandes espíritos do próximo século.

III 1 HH 26

A reação como progresso

Às vezes aparecem espíritos rudes, violentos e arrebatadores, mas ao mesmo tempo atrasados, que ressuscitam por encanto uma fase cumprida da humanidade; eles dão a prova de que as novas tendências contra as quais eles se opõem não são ainda bastante fortes, que falta algo a elas: senão, elas resistiriam mais a estes encantadores. (...). Todo o Renascimento tem a aparência de uma primavera precoce, quase logo ressecada pela neve. Mas, no nosso século mesmo, a metafísica de Schopenhauaer mostrar que o espírito científico não é sempre muito forte: portanto, foi toda a concepção do mundo, toda a imagem do homem medieval cristão que, apesar da destruição que acometeu por muito tempo todos os dogmas cristãos, pôde festejar a sua ressurreição na doutrina de Schopenhauer. A ciência está muito presente nesta doutrina, mas não é ela que a domina, é antes a velha e bem conhecida ‘necessiadade metafísica’.”p.254

III. 1 HH 39

Justiça para com o deus em devir

Quando toda a história da civilização se apresenta diante dos nossos olhos num entrelaçamento de ideias malignas e nobres, verdadeiras e falsas, e quando o espetáculo deste desaferramento dá quase enjoo na alma, se compreende que consolo pode ser encontrado na concepção de um deus em devir: este se revela cada vez mais nas transformações e nos infortúnios da humanidade, nada se reduz a um mecanismo cego, a uma interação de forças sem objetivo ou razão.A sacralização do devir é uma perspectiva metafísica – como do alto de um farol bordando o mar da história – na qual uma geração de eruditos violentamente apaixonados pela história encontrou o seu consolo (...). Unicamente aquele que, como Schopenhauer, nega e evolução, nada mais sente da miséria deste desaferramento histórico e por conseguinte não sabe e não pressente nada desse deus em devir e da necessidade de admitir a sua existência, somente ele pode justamente dar livre curso ao seu escárnio.

III. 1 HH 247

A humanidade gira em círculo

Page 11: Fichamento Nietzsche Escritos Sobre Historia e Politica 27 10 2015

Talvez toda a humanidade não seja senão uma fase da evolução de uma certa espécie animal de duração limitada: o homem saído do macaco seria novamente macaco e não haveria mais ninguém que se interessaria minimamente com este bizarro devotamento à comédia. Da mesma maneira que a decadência da civilização romana e a sua causa principal, a expansão do cristianismo, trouxeram consigo um desvirtuamento generalizado do homem no Império Romano, seria também possível que a decadência provável da civilização na terra na sua totalidade tivesse como consequência uma desfiguração muito mais nítida do ser humano, que recairia finalmente no animal e no primata. – Mas é exatamente porque podemos divisar esta perspectiva que estejamos talvez em condições de impedir esta realização do futuro.

III. 1 HH 248

Consolo de um progresso desesperado

A nossa época tem a aparência de um estado provisório; as antigas concepções do mundo, as velhas culturas em parte ainda permanecem; as novas não estão ainda consolidadas pelo hábito, carentes por conseguinte de unidade e coerência. Parece que tudo retorna ao caos, que o antigo se perde, que o novo não vale nada e se enfraquece cada vez mais. Contudo, ocorre o mesmo com o soldado que aprende a marchar; durante um certo tempo, ele é hesitante e desajeitado como nunca, porque os seus músculos se movem de acordo com o antigo sistema e também com o novo, e enfim nenhum dos dois o conduzem. De resto, é impossível que retornemos ao antigo, chegamos a um lugar sem volta do qual não podemos mais recuar; só nos resta ser corajosos diante de qualquer coisa que venha daí. – Coloquemo-nos em marcha , mudemos de lugar, isto é tudo o que se precisa! Talvez um dia a nossa caminhada vá parecer mesmo com um progresso; caso contrário, se poderá sempre repetir a palavra de Frederico, o Grande, mas agora a título de consolação: Ah, meu caro Sulzer, você não conhece o bastante essa raça maldita a que pertencemos. p.257

IV AU 554

Quando se elogia o progresso, se elogia apenas o movimento e aquelas coisas que nos impedem de ficar no mesmo lugar – e certamente em alguns casos, isto já é muito, sobretudo quando se vive no meio de egípcios. Mas na movimentada Europa onde o movimento é ‘algo de compreensivo’ como se diz – ah, se pelo menos com isso entendêssemos algo! – eu aceito a marcha para frente e aqueles que progridem, que dizer, aqueles que se deixam ficar permanentemente para atrás e que não se preocupam absolutamente com sabe se alguém mais os segue. ´Lá onde eu me detenho, me encontro só: para que parar! O deserto é ainda vasto!’ – este é o sentimento daquele que marcha assim para frente.

IV 6 [225] 512-513

Fala-se em ‘progresso’, mas se pensa na evolução, quer dizer, no devir e no desaparecimento. O próprio desaparecimento, podemos senti-lo como progressão: pois ele está ligado ao prazer como toda evolução. Somente a interrupção da evolução provoca a dor.

IV 1 [63] 303

Princípio: em toda a história da humanidade, não houve até agora nenhum fim, nenhum secreto sentido racional, nenhum instinto, mas somente acasos, acasos e acasos – e alguns inclusive favoráveis. É preciso trazê-los à luz. Não devemos ter uma falsa confiança e sobretudo não devemos continuar a nos entregar ao acaso. Ele é muito frequentemente um demolidor insano.

Page 12: Fichamento Nietzsche Escritos Sobre Historia e Politica 27 10 2015

IV 1[70] 305

Tudo aquilo que vive se move; esta atividade não responde a fins precisos, isto é a própria vida. A humanidade inteira está, nos seus movimentos, desprovida de fins e de objetivos; nela não há sobretudo qualquer vontade: ao contrário, não seria impossível que, em algum momento, o homem fixasse para ela um fim: assim como certos movimentos dos animais, desprovidos originariamente de fim, são finalmente utilizados para a sua alimentação.

IV 4 [55] 389

Princípios: não há qualquer fim na natureza, não há espírito, exceto aquele dos homens e dos seres semelhantes ao homem, não há milagres ou qualquer providência, não há criador, não há legislador, não há culpa, não há punição.

IV 4 [73] 393

Assim como a natureza não se comporta de acordo com fins, o pensador também não deveria pensar de acordo com fins, quer dizer, nada buscar, nada querer provar ou refutar, mas escutar, como se escuta um trecho de música: (...).

IV 4 [73] 427

A infelicidade da humanidade, a razão da lentidão do seu progresso é que deu maior importância ao que exalta e excita do que àquilo que nutre.

IV 6 [59] 473

A humanidade não tem uma finalidade diferente daquela que têm os répteis, mas ela tem uma evolução: quer dizer, o seu termo não tem mais importância do que um ponto qualquer do seu percurso! Por conseguinte, não se pode definir a justiça fazendo dela o meio de atingir o ‘fim da humanidade’. Seria isto que prolongaria durante o período mais longo a evolução? Ou melhor, seria isto que a levaria a seu ponto mais alto (entre a ascensão e a decadência, o devir e o desaparecimento)? Mas isto pressuporia novamente um critério para avaliar este ponto mais elevado! E por que durante a maior parte do tempo? Isto supõe também um elemento positivo, por exemplo, o prazer de existir. – Tomar como fim o máximo de prazer? Mas isto já não basta para a condução de uma vida individual, pois não conhecemos as fontes do prazer nem os instintos ao nível de suas necessidades mais íntimas, não sabemos, por exemplo, se o máximo de prazer não pressupõe um enorme desprazer! – Ou o mínimo de desprazer na evolução! – É isto que hoje todos desejam – mas isto indica também geral, um terno adeus à humanidade anterior, até o limiar em que os animais se tornariam novamente senhores! Além disso, o torpor da apressão não é um ideal capaz de suscitar grandes sacrifícios – e no entanto seria preciso exigir uma monstruosa renúncia, se a humanidade quisesse se elevar até este nível! Porém, isto poderia muito bem, sem ser o alvo buscado, constituir um dia o nosso fim! A menos que um astro que erra ao acaso tenha compaixão pela humanidade!

IV 6 [158] 497

Quando desejamos determinar o fim do homem, colocamos em primeiro lugar um certo conceito de homem. Porém, somente os indivíduos existem: a partir destes que já são conhecidos, não se pode alcançar este conceito de homem que elimina o individual – fixar o fim do homem seria portanto impedir os indivíduos na sua ascenção ao individual e os obrigar a se

Page 13: Fichamento Nietzsche Escritos Sobre Historia e Politica 27 10 2015

tornar generalidades. Cada indivíduo não deveria ser, ao contrario, uma tentativa para alcançar uma espécie superior ao homem, com a ajuda dos seus traços mais individuais? Minha moral consistiria em despojar cada vez mais o homem do seu caráter geral e especificá-lo, torná-lo até certo ponto incompreensível para os outros (tornando-o assim, para estes, objeto de experiências, de espanto e de instrução).

IV 10 [B37] 658

Não acreditamos no Fatum a propósito das pessoas fracas e das coisas instáveis.

As nossas opiniões sobre o Fatum são Fatum.

O mundo da finalidade é na sua totalidade um fragmento do mundo irracional da ausência de finalidade.

1ª Se quisermos avaliar o valor intelectual, ou 2º: a moral da existência real: ela nos pareceria intelectualmente baixa e moralmente baixa. E teríamos desprezo pela vida! Expulsemos então os predicados que vêm de fora do mundo! Mesmo o indivíduo enquanto todo é tão animal e também tão imoral quanto o resto do mundo, mesmo sendo ele o melhor individuo!

Portanto, ou querer morrer! Ou desaprender o elogio e a censura. Indiferença.

Valor do mundo morto: Os instintos e o seu desenvolvimento mostram FINALMENTE a sua desrazão, eles se contradizem (sob a forma de um intelecto que não gosta da existência) como o demonstra a dor.

Nossa sabedoria está à altura da existência.

V 11 [292]419-420

Suponhamos que se possa voltar atrás. Se o mundo tivesse um fim, este já deveria ter sido alcançado: e houvesse para o mundo um estado final (não intencional), este já deveria também ter sido alcançado. Se o mundo fosse absolutamente capaz de constância e até de fixação, e não houvesse no seu curso senão um único instante de ‘ser’ no sentido rigoroso do termo, não poderia mais haver devir, portanto, qualquer pensamento ou qualquer observação sobre um devir. Se o mundo se renovasse eternamente no seu devir, ele seria assim posto como algo de milagroso em si, algo divino que se cria livremente. A renovação eterna do devir pressupõe que a própria força aumente espontaneamente, que ela não tenha somente a intenção, mas também os meios de se resguadar da repetição, ou seja, de uma recaída numa antiga forma, e portanto nos meios de controlar a cada momento cada um dos seus próprios movimentos para preservá-la da repetição – ou antes a sua incapacidade de retornar para a mesma situação: o que significaria que a quantidade de energia não seria absolutamente mais fixa do que as propriedades da energia. Um tipo de força desprovida de fixidez, algo de ondulatório, é para nós totalmente inconcebível. No entanto, não queremos dar livre curso à nossa imaginação no inconcebível, nem recair no velho conceito de um Criador (aumento ex nihilo, diminuição exnihilo, arbitrariedade e liberdade absolutas no crescimento e nas propriedades).

IX 5 [28] 234

Page 14: Fichamento Nietzsche Escritos Sobre Historia e Politica 27 10 2015

O ser humano é estranho e permanece sempre desprovido de sentido: ele pode ter como destino ser um polichinelo. Por que este vive? Por que aquele morre? Ninguém pode saber, pois não há aí um porquê.

Antigamente, se estendia a mão quando chegava a morte, dizendo que ela era ‘um presente vindo do alto’.

Um tal doador não existia absolutamente, a prenda era somente uma telha do telhado: no momento de morrer, toda razão era ignorância.

Quero ensinar aos homens o sentido da sua vida: que é o superhomem.

IX 7 [21] 256-257

(...) Princípios: não existem ações morais. E toda moral é impossível: assim como toda ação moral.

Mas a história do que até agora pode valer como uma ação: e sua significação verdadeira. E a história da gênese destes valores.

Eles têm todos como base a crença de que a crença de que a própria moral existiria, pelo menos a título de critério consciente (como em Kant), de que se saberia o que é bem e mal.

O incognoscível essencial.

Algo é necessariamente alcançado: mas um saber do que seria o objeto é impossível, a fortiori, um saber antecipatório!

Ponto de vista mais importante: atingir a INOCÊNCIA do devir excluindo as FINALIDADES. Necessidade, causalidade – nada mais! E designar tudo isso como engano, falar de ‘fim’ quando existe sempre um resultado necessário! A história não pode jamais demonstrar que exista ‘fins’: pois só é claro o fato de que aquilo que os povos e os indivíduos QUISERAM foi sempre algo de fundamentalmente diferente do que foi alcançado – em suma, que tudo isto que foi alcançado é absolutamente incompatível com o que foi desejado (por exemplo, mastigar como ‘intenção’ e como ‘ação’).

A história das intenções é diferente da história dos ‘fatos’: - como moral. Trata-se do PRECONCEITO MAIS COMUM não ver na ação senão o que nela coincide com os objetivos projetados. Esta maneira de visar aos fins é sinal de um estado arcaico do intelecto – tudo o que é essencial, a própria ação e seu resultado são NEGLIGENCIADOS!

IX 7 [57] 271

O homem gostaria mesmo de possuir algo como um fim supremo, um fim último, uma obrigação absoluta, um dever absoluto: este desejo é a causa de muitas moralidades. Mas qual é a causa deste desejo? Sem dúvida, a pluralidade, por exemplo, - todo instante humano tomado isoladamente tem certamente o desejo, quando se apodera do intelecto, de ser o senhor supremo e o último legislador dos objetivos de todos afazeres. As diferentes moralidades são os monumentos erigidos pelos instintos mais diversos.

X 25 [120] 57

Page 15: Fichamento Nietzsche Escritos Sobre Historia e Politica 27 10 2015

Possuímos o esboço de MUITAS personalidades em nós: o escritor se denuncia nas figuras que ele produz. As circunstâncias produzem de nós uma figura: se as circunstâncias mudam muito, se acha em si duas ou três outras figuras. – Em qualquer momento da nossa vida, há sempre muitas possibilidades: o acaso está sempre presente! – E mesmo na história: os destinos de cada povo não se alinham necessariamente nas vias de uma Razão (Vernunft) qualquer: e acham em cada povo muitas características nacionais e cada acontecimento fomenta uma mais do que a outra.

X 25 [127] 59

(...) Os acasos mais grosseiros foram geralmente determinantes – e ainda são.

Por mais intencional que uma atividade possa ser, a parte que ela contém de acaso, de ausência de utilidade ou de consciência de utilidade é largamente predominante, comparável À irradiação inútil do calor do sol: aquilo que teria sentido tende ao infinitamente pequeno.

X 25 [136] 61-62

Apresentação da máquina ‘homem’

Cap. 1. No destino global da humanidade o acaso reinou absoluto: mas virá o tempo em que será preciso que tenhamos fins!!

Cap. 2. Os fins não existem, os ideais se contradizem – eles são as consequências de situações muito mais limitadas e nascidas de muitos erros. Críticas dos valores – autodestruição da morral.

Cap.3 O equívoco cometido pela arte até agora: voltada para trás. Mas ela é a força criadora do ideal – manifestação visível das esperanças e dos desejos mais íntimos.

X 25 [166] 70

Não se deve de maneira nenhuma procurar na história a necessidade que se aplicaria a uma relação de fim e meio! É a desrazão do acaso que é a regra! A soma global dos acontecimentos representa as aspirações fundamentais de um povo, de uma classe, isto é verdade! Mas no detalhe todo se passa cegamente, estupidamente. Como uma folha morta faz o seu caminho num arroio, não importando que ela se detenha aqui ou ali.

X 25 [505] 164

Este mundo da perspectiva, este mundo para o olho, o tato e a audição é muito falso, quando comparado com um mundo percebido por um aparelho sensório muito mais delicado. Mas a sua compreensibilidade, a sua clareza de conjunto, a sua praticidade, a sua beleza começam a desaparecer logo que afinamos os nossos sentidos: de mesmo modo, cessa toda beleza quando examinamos de perto os episódios que constituem a história; a ordem que parece resultar da perseguição de um fim é já uma ilusão. Em suma, quanto mais o resumo que fazemos dela é superficial e grosseiro, mais o mundo parece possuir valor, precisão, beleza, significação . E quanto mais se olha para ele profundamente, mais os nossos julgamentos de valor desaparecem – nos aproximamos da ausência de qualquer significação. Fomos nós que criamos o mundo que possui valor! Reconhecendo isto, reconhecemos também que o respeito que temos pela verdade

Page 16: Fichamento Nietzsche Escritos Sobre Historia e Politica 27 10 2015

é já a consequência de uma ilusão – e que se tem aí mais algo para prezar do que a força de construção, de simplificação, de formação, de invenção – que Deus foi, ‘Tudo é falso! Tudo é permitido!’

Foi preciso uma certa insensibilidade do olhar, uma vontade de simplicidade para que aparecesse a ‘beleza’, o ‘valor’: em si, isto é um ‘não-sei-o-quê’.

X 26 [82] 193

Os nossos maiores esforços de atenção e de prudência fazem eles próprios parte do fatum de todas as coisas; e cada tolice também. Aquele que se enterra para não ver esta ideia é, à sua maneira, fatum como qualquer outra coisa. Não há refugio contra o pensamento da necessidade.

XI 36 [15] 287-288 p.273

Se o mundo tivesse um fim...

XI 38 [12] 343-344

E sabem bem vocês o que é ‘o mundo’ para mim? p.275

XII 6 [9] 235-236

Se não há nenhum fim em toda a história do destino humano, devemos no entanto impor um fim a ela: supondo, bem entendido, que um fim nos seja necessário e que por outro ladoa ilusão de um fim e de um objetivo imanentes se torne para nós transparente. E temos necessidade de fins porque temos necessidade de uma vontade – que é a nossa coluna vertebral. ‘Vontade’ como compensação que substitui a ‘fé’, quer dizer, que substitui a ideia de que existe uma vontade divina , um ser que tem projetos a nosso respeito...

XII 7 [4] 257-265

Os metafísicos

(...) Desde Platão, a filosofia se encontra submetida à moral: nos seus predecessores também, as interpretações morais desempenharam um papel decisivo (em Anaximandro, a destruição de todas as coisas como castigo por sua emancipação do Ser puro; em Heráclito, a regularidade dos fenômenos como comprovação do caráter moral e legítimo do Devir no seu conjunto).

A questão de saber se a humanidade possui uma tendência para o bem é preparada pela questão de saber se existe um acontecimento que não possa ser explicado diferentemente desta disposição moral da humanidade. Este acontecimento é a Revolução:

Page 17: Fichamento Nietzsche Escritos Sobre Historia e Politica 27 10 2015

Um tal fenômeno na história da humanidade não se esquece mais, porque ele revelou na natureza humana uma disposição e uma faculdade para o melhor, de tal maneira que nenhum político poderia com uma sutiliza qualquer livrá-la da marcha dos acontecimentos até agora1.

Se a humanidade se torna cada vez pior, o seu fim é o mal absoluto: tipo de representação terrorista, por oposição ao tipo de representação eudemonista ou ao ‘quiliasmo’. Se a história oscila alternativamente entre o progresso e a regressão, toda a sua agitação é sem objetivo ou fim, é somente uma atividade inepta; por conseguinte, bem e mal se neutralizam mutuamente e a totalidade aparece como tolice risível: Kant chama isso de tipo de representação abderitano.

Kant só vê na história um processo moral (...).

XII 9 [43] 31-33

A questão do niilismo ‘para quê’ procede do velho hábito de considerar o fim como posto, como dado, exigido do exterior – quer dizer, por uma autoridade sobre-humana qualquer. A partir do momento em que se deixou de acreditar nisso, se procurou também, seguindo este velho hábito, uma outra autoridade que pudesse falar absolutamente, comandar os fins e as tarefas. A autoridade da consciência passa agora para o primeiro plano [(....)]: enquanto sucedâneo compensatório da perda de uma autoridade pessoal. Ou é a autoridade da RAZÃO. Ou é o instinto social (o rebanho). Ou ainda a CIÊNCIA histórica com um espírito imanente, que tem seu fim em si mesma, à qual se pode apelar. Gostar-se-ia poder contornar a vontade, o fato de querer um fim, o risco de fixar um si-mesmo, gostar-se-ia de se desonerar de toda responsabilidade ( - aceitar-se-ia o fatalismo). Enfim: a felicidade e, com alguma tartufaria, a felicidade da maioria.

Fins individuais e seu conflito

Fins coletivos em luta contra os fins individuais. Fazendo isso, cada um toma um partido, também os filósofos.

E se diz:

1)um fim determinado não é absolutamente necessário

2) não é absolutamente previsível

No momento mesmo em que a força suprema da vontade fosse exigida, ela estaria no seu grau mais fraco e mais pusilânime.

Desconfiança absoluta em relação à força organizadora da vontade para a totalidade.

Época em que todas as ‘apreciações de valor intuitivas’ passam, sucessivamente, ao primeiro plano, como se pudesse receber delas as diretrizes, das quais se fica por outro lado privado.

1 Immanuel Kant., Der Streit der Fakultaten, seiter Abschnitt: (...). 1968, Vol. VII, p.91

Page 18: Fichamento Nietzsche Escritos Sobre Historia e Politica 27 10 2015

XIII 11 [72] 233-234 – pp. 280-281

Se o movimento universal tivesse um estado final, este já deveria ter sido alcançado. (...)

Como todos os julgamentos de valor que se baseiam sobre a hipótese de que haveria o ser se encontram desvalorizados?

Mais a partir daí se reconhece que esta hipótese do ser é a fonte de todas as calúnias em relação ao mundo.

‘o mundo melhor, o mundo verdadeiro, o mundo do ‘além’ a coisa em si’.

1. O devir não tem qualquer estado final, não desemboca num ‘ser’.

2. O devir não é um estado aparente: talvez o mundo existente seja uma aparência

3. O devir tem valor igual em todos os momentos: a soma do seu valor aparente permanece igual a si mesma: em outras palavras: não há qualquer valor pois falta algo, segundo o quê ele seria avaliado e relativamente ao quê a palavra ‘valor’ teria um sentido.

O valor total do mundo é não mensurável, por conseguinte, o pessimismo filosófico existe em nome de coisas cômicas.

XIII 11 [226] 275-277

1.Afirmar que a humanidade precisa resolver uma tarefa global, que enquanto totalidade ela tende para um fim, esta representação bastante obscura e arbitrária é absolutamente recente. Talvez seja se livrar dela antes que ela se torne uma ‘ideia fixa’...Ela não é absolutamente uma totalidade, esta humanidade, mas uma pluralidade indissociável de processos vitais ascendentes e declinantes – ela não conhece estados sucessivos primeiramente de juventude, depois de maturidade, enfim de velhice. De fato, os seus níveis de estratificação estão em completa desordem – e no final de alguns milênios, poderia ser que houvesse tipos humanos mais jovens do que podemos apontar hoje. Por outro lado, a décadence é própria a todas as épocas da humanidade: se encontra em todo canto os resíduos e os rejeitos; a eliminação das formações de declínio e de decréscimo constitui o processo mesmo da vida.

(...)

Por conseguinte, um fim parece afirmar-se na evolução da humanidade: em todo caso, a crença num progresso para um ideal é a única forma na qual se concebe atualmente uma espécie de fim na história da humanidade. Sobretudo: o advento do ‘Reino de Deus’ no futuro, na terra, no humano foi transfigurado, - mas no fundo foi mantida a crença no antigo ideal...

XIII 11 [413] 363-364

O super-homem: não é minha questão saber o que virá para substituir o homem: mas que espécie de homem deve ser escolhida, desejada, educada...

a humanidade não apresenta uma evolução para o melhor, para o mais forte, ou para o superior; no sentido em que ela é pensada hoje: o Europeu do século XIX está, na sua avaliação própria, bastante acima dos Europeus do Renascimento; a busca da evolução não

Page 19: Fichamento Nietzsche Escritos Sobre Historia e Politica 27 10 2015

tem absolutamente nada a ver com uma necessidade, um crescimento, uma intensificação, um fortalecimento...

(...) Esquece-se como a humanidade está longe de pertencer a um único movimento e que juventude, velhice e declínio não são absolutamente conceitos aplicáveis a ela na sua totalidade.

Esquece-se, para dar um exemplo, como a nossa cultura europeia somente agora chega a se aproximar novamente deste estado de frieza filosófica e de cultura tardia, a partir do qual a formação de um budismo se torna compreensível.

O dia em que for possível traçar as linha isocrômicas das culturas através da história, o nosso conceito moderno de progresso se econtrará totalmente totalmente invertido: - e o índice mesmo segundo o qual ele é avaliado, isto é, o democratismo.

XIV 14 [188] 149-150

A nova concepção do mundo

1. O mundo se conserva; não há qualquer coisa que devenha, qualquer coisa que passe. Ou melhor: ele devém, ele passa, mas ele jamais começou a devir e não cessará de passar – ele se mantém nestes dois processos... ele vive de si mesmo: os seus excrementos são a sua alimentação...

2. A hipótese de um mundo criado não deve nos preocupar nem mais um momento sequer. O conceito de ‘criação’ é agora absolutamente indefinido, inaplicável: é somente uma palavra que permanece no estado rudimentar, desde os tempos da superstição; numa palavra, com ele não se explica nada. A última tentativa para conceber um mundo que começa foi feita recentemente, a partir de diversos pontos de vista, com a ajuda de um procedimento lógica – a maior parte das vezes, como se pode adivinhar, a partir de um preconceito teológico.

O eterno retorno – Filosofia

3. Recentemente, de diferentes pontos de vista, se quis encontrar uma contradição na concepção de uma infinitude temporal do mundo para trás: ela foi mesmo encontrada, mas para tanto, é verdade, foi preciso confundir a cabeça com o rabo. Nada me impedira de dizer, contando a contrapelo a partir de agora: ‘nunca alcançarei um fim’, tal como, a partir desse mesmo momento, eu posso contar ‘para frente’ até o infinito. Somente se eu cometesse o erro – e eu vou me abster dele – de identificar esta ideia correta de um regressus in infinitum à ideia completamente inaplicável de um progressus infinito até agora, somente se eu colocasse a direção ( para frente ou para trás) como logicamente indiferente – é que eu poderia tomar, nesse exato momento, a cabeça pelo rabo: isto, meu querido Sr. Duhring, eu deixo para você...

4. Debrucei-me sobre este pensamento nos filósofos do passado: em cada um deles, este pensamento era determinado por preconceitos diferentes ( - a maioria das vezes teológicos, a favor do creator spiritus). Se o mundo pudesse ser fixado, ser ressecado, morrer, virar Nada, se ele pudesse alcançar um estado de equilíbrio, ou se ele possuísse um fim qualquer que pudesse incluir a duração, a imutabilidade, o ‘de-uma-vez-por-todas’ ( em suma, em termos metafísicos: se o devir pudesse desembocar no ser ou no

Page 20: Fichamento Nietzsche Escritos Sobre Historia e Politica 27 10 2015

nada), este estado já deveria ter sido alcançado. Mas não foi alcançado. De onde se pode deduzir isso...Esta é a única certeza que temos que pode servir de corretivo a um grande número de hipóteses em si possíveis sobre o mundo. Se, por exemplo, o mecanicismo não escapar daquela consequência lógica de um estado final que Thompson extraiu dele, o mecanicismo se encontra por isso refutado.

Filosofia.

5. Se o mundo pode ser pensado como constituindo uma grandeza determinada de força e como um número determinado de centros de força – qualquer outra representação permanece imprecisa e por conseguinte inutilizável – resulta disso que ele deve passar por um número calculável de combinações, no grande jogo de dados da sua existência. Num tempo infinito, obter-se-ia qualquer combinação possível num momento ou noutro; melhor ainda: ela seria obtida um número infinito de vezes. E assim como, entre cada ‘combinação’ e o seu ‘retorno’ seguinte, todas as outras combinações possíveis deveriam se apresentar e cada uma destas combinações determinaria toda a sequência das combinações na mesma série, também ficaria comprovada a existência de um ciclo de séries exatamente idênticas: o mundo enquanto ciclo que se repete um número infinito de vezes e que joga o seu jogo in infinitum.

Esta concepção não é absolutamente uma simples concepção metafísica, pois, se ela o fosse, não levaria a um retorno infinito dos casos idênticos, mas a um estado final. Na medida em que o mundo não alcançou este fim, o mecanicismo só pode se apresentar4 para nós como uma hipótese incompleta e apenas provisória.

XIV 15 [8] 177

Progresso

Não nos enganemos! O tempo ‘progride’ – Gostaríamos de acreditar que tudo o que está no tempo também ‘progride’, ‘vai adiante’...que a evolução é uma marcha para frente...Esta é uma aparência enganadora que seduz os espíritos mais ajuizados: mas o século XIX não representa um progresso em relação ao XVIII: e o espirito alemão de 1888 está em regressão quando comparado ao espírito alemão de 1788...A ‘Humanidade’ não avança, ela própria não existe...O quadro conjunto é o de um imenso laboratório de experiências, onde algumas coisas têm sucesso, espalhadas através de todos os tempos, e onde em grande parte outras malogram, quando falta uma ordem, uma lógica, uma ligação e um engajamento...Como poderíamos não ver que a emergência do cristianismo é um movimento décadence?...O homem não constitui um progresso em relação ao animal: o civilizado afeminado é um aborto comparado com os árabes e com os corsos; os chineses são um tipo realizado, mais apto para a duração do que os europeus...

Sobre a objetividade na história:

I. 1 7 [185] 317

Page 21: Fichamento Nietzsche Escritos Sobre Historia e Politica 27 10 2015

O conhecimento histórico é somente uma nova experiência vivida. Não há caminho que conduza do conceito ao ser das coisas. Só há meio de compreender a tragédia grega: ser Sófocles.

II. 1 19 [40] 186

A livre invenção dos gregos fazem prova diante dos seus deuses!

Estamos demasiadamente habituados à oposição entre verdade e não-verdade histórica. É curioso como os mitos devem ser absolutamente históricos!

III. 1 29 [40] 374-375

Mas eis agora a história como ciência! Trata-se imediatamente de leis, as pessoas não entram absolutamente em linha de conta: não se se deve procurar tirar delas a coragem e o entusiasmo, que são antes uma tortura para o historiador. A supor que se pudesse extrair leis da história, obteríamos como resultado o determinismo, e o homem de ação seria novamente reduzido à passividade, sem que nenhum sentimento moral lhe fizesse encontrar consolo. As leis, além disso, não vale grande coisa, pois elas são deduzidas das massas e das suas carências, elas comandam os movimentos das camadas inferiores, as camadas da turba e do barro. A ignorância e a fome estão sempre nelas imiscuídas, como la femme em todos os processos criminais na França. Além disso, por que se deveria conhecer estas leis, quando todos, há milênios, as obedecem sem conhecê-las! Os homens grandes e fortes sempre se impuseram apesar destas leis: somente estes homens é que deveriam ser na verdade o problema. As massas não devem ser levadas em consideração senão 1) como cópias confusas dos grandes homens, impressas num papel ordinário e com placas de impressão usadas, 2) como obstáculos à ação dos grandes homens, 3) como instrumentos nas mãos dos grandes homens. Para todo o resto, que vão para o diabo.

II. 1 29 [41] 375-376 > fase 1874-78

A estatística prova que existem leis na história. Ela prova inclusive a vulgar e repugnante uniformidade da massa. Por que não vão praticar a estatística em Atenas?! Vocês sentiriam logo a diferença! Quanto mais a massa é vil de indiferenciada, mais a lei estatística é rigorosa. Mas logo que a multidão é de uma liga metálica fina e mais nobre, a lei vai para o diabo. E exatamente (...) no mundo dos grandes espíritos, vocês não podem mais contar (...). Abandonem toda a esperança, vocês que procuram aqui uma lei! Assim, ainda que existam leis na história, elas não têm nenhum valor, não mais do que a própria história, ela não têm nenhum valor, não mais do que a própria história, quer dizer, aquilo que aconteceu.

(…) O que significa então o termo 'leis'? Designam elas algo que se assemelhe de algum modo a uma lei da natureza ou à lei de um código? Porém, a 'lei' histórica não diz: 'vocês devem', mas 'foi assim'. Ela é somente a expressão de um estúpido dado de fato, a propósito do qual ninguém pode mais perguntar 'por quê?'' (…). p.292

IV AU 307

Page 22: Fichamento Nietzsche Escritos Sobre Historia e Politica 27 10 2015

Facta! Sim, facta ficta!2

Qualquer época da história aque venhamos a escolher nela sempre encontraremos um momento de profunda fermentação , quando os novos conceitos triunfam aem todo lugar: isto não data de hoje.

IV 4 [212] 421-422

Uma época de transição: é assim que todo mundo chama a nossa época, e todo mundo tem razão. Mas não no sentido de que este termo conviesse mais à nossa época do que a qualquer outra. Onde quer que coloquemos o pé na história, em todo lugar encontramos uma fermentação, os velhos conceitos em luta com os novos e os homens dotados de uma intuição sutil, que se chamavam antigamente de profetas, mas que se contentavam com sentir e ver o que se passava com eles – eles o sabiam e em geral se aterrorizavam muito com isto. Se isto continuar assim tudo vai cair em pedaços e o mundo terá de morrer. Mas ele não morreu, na floresta os velhos tonéis se quebraram, mas uma nova época, houve um mundo em decomposição e um mundo em devir.'' p.303

IX 7 [268] 333

1.Inocência do devir: sem objetivo. (…)

A apropriação da história sob a condução das excitações e dos instintos – não há 'ciência histórica objetiva'.

X 25 [396] 132

O passado é diferente para cada um de nós: na medida em que cada um extrai um fio condutor através deste passado, uma simplificação (também para os meios e os fins).

XI 34 [229] 226

Erro fundamental de todos os historiadores: os fatos são todos demasiadamente pequenos para que se possa apreendê-los.

XI 40 [67] 403

No passado, e somente no passado, tive um olhar para a história: Ranke. A ignorância das ciências da natureza e da medicina faz dos nossos historiadores advogados dos faits: como se 'deles' se pudesse extrair algo que fosse bom para nós; pelo menos um pequeno 'dedo de Deus' qualquer.

II. 5 - O valor da História e dos estudos históricos

II. 1 19 [10] 174-175

No mundo da arte e da filosofia, o homem trabalha pela 'imortalidade do intelecto'.

2 Em latim no texto: 'Fatos! Sim, fatos fictícios'.

Page 23: Fichamento Nietzsche Escritos Sobre Historia e Politica 27 10 2015

Somente a vontade é imortal! - em comparação com a lamentável imortalidade que é alcançada pela cultura individual e que pressupõe os cérebros humanos.

Vê-se o que importa isso para a natureza.

Obs. Continua pagina 308

III.2 30 [60] 373-374

Na verdade, a minha maneira de relatar os fatos históricos é contar as experiências vividas pessoalmente a propósito de épocas e homens passados. Nada de imitação – os detalhes que me apareceram, o resto não. Os nossos historiadores de literatura ficam aborrecidos porque se obrigam a falar e julgar tudo, mesmo não tendo qualquer experiência pessoal das coisas.

III. 2 32 [24] 406

O desenvolvimento mais ou menos uniforme da razão e do sentimento é o fim da civilização (como base da compreensão, do auxílio e do sustento coletivos). É nisso que reside a importância dos poderes mundiais organizados, como foram o Império Romano, o cristianismo e sobretudo a ciência. Em geral e em menores proporções, predomina o mal-entendido: o egoísmo excêntrico vem daí, não de uma natureza malvada. - Uma grande perda está ligada a esta cultura niveladora. A 'história' é a narração dos meios, das canonizações e das vias de transmissão que leva pouco a pouco à uniformidade.

IV AU 159

Aqueles que despertam os mortos

Os vaidosos estimam mais um fragmento do passado, na medida em que eles podem ressuscitá-los sentimentalmente (sobretudo se isto é difícil); eles querem inclusive, se possível, ressuscitá-los dos mortos. E como há sempre um número incomensurável de vaidosos, o perigo dos estudos históricos não são na verdade menores, quando se aplicam a um período inteiro: dissipa-se muita força para despertar todos os mortos imagináveis. Talvez seja este o melhor ponto de vista para compreender todo o movimento romântico.

IV 4 [86] 396

A história apareceu como potência reacionária depois da Revolução (Cf. Stuart Mill sobre Coleridge). E agora? -

V 15 [17] 517-518

(…) - Meu orgulho ao contrário consiste em que 'conheço a minha origem' – esta é a razão por que não tenho qualquer necessidade de glória. Em tudo o que podia comover Zoroastro, Moisés, Maomé, Jesus, Platão,Brutus, Spinoza, Mirabeau, eu também já estava presente e para muitas coisas é somente em mim que vem à luz o que precisaria de alguns milênios para passar do estado embrionário ao de plena maturidade. Somos os

Page 24: Fichamento Nietzsche Escritos Sobre Historia e Politica 27 10 2015

primeiros aristocratas na história do espírito – é somente a partir de agora que começa o espírito historiador.

V 15 [70] 533

Quero ter a minha heráldica e conhecer toda a nobre genealogia do meu espírito – somente a história pode me oferecer isto. Sem esta última, somos somente efêmeros mosquitos e canalhas: as nossas lembranças só remontam até os nossos avôs – neles se detém o mundo.

V 17 [4] 547

Quero reviver a história inteira na minha própria pessoa e me apropria de todo o poder e de toda autoridade, eu não me inclinaria diante de nenhum rei nem diante de qualquer grandeza. (Emerson).3

V 17 [5] 548

O instinto criador da alma se mostra no proveito que extraímos da história: somente há biografia. É preciso que cada um reconheça perfeitamente a sua própria tarefa. - Este lá e Outrora desordenado, grosseiro e absurdo deve desaparecer para deixar lugar ao hic et nunc. (em latim 'aqui e agora.').

V 17 [34] 553

A história é somente absurdo e injúria, quando pretende ser mais do que uma divertida narrativa e uma parábola do meu ser e do meu devi. - Lançando o seu olhar para trás, o homem lamenta o passado, ou antes se levanta na ponta dos pés, na esperança de conseguir ver algo do futuro. Mas ele deveria viver com a natureza no presente, acima do tempo. (Emerson, 47; Baumgarten, 27-28.)

X 26 [100] 200

O que Falta aos filósofos:

a) ao sentido histórico

b) o conhecimento da fisiologia

c) um objetivo orientado para o futuro.

Fazer uma crítica sem qualquer ironia nem condenação moral.

3 Emerson, p. 5; Braumgarten, 26. [NF] Ralph Waldo Emersona (1803a- 1882), filósofo norte-americano fundador do transcendentalismo; o seu livro mais famoso intitula-se Representantes da Humanidade, que se encontra traduzido para o português pela editora Imago (Rio de Janeiro, 1996)

Page 25: Fichamento Nietzsche Escritos Sobre Historia e Politica 27 10 2015

XI 34 [74] 171-172

O horizonte humano. Pode-se conceber os filósofos como pessoas que fazem o esforço mais evidente para experimentar até onde o homem pode crescer, sobretudo Platão: até onde se estende a sua força. Mas eles o fazem enquanto indivíduos; talvez o instinto dos Césares, dos fundadores de Estados, etc. fosse mais poderoso, eles que pensavam no fato de saber até onde o homem pode ser levado na evolução e nas 'circunstâncias favoráveis'. Mas eles não compreendem muito o que são as 'circunstâncias favoráveis'. Grande questão: até onde a planta 'homem' foi levada até agora com mais esplendor? O estudo histórico comparativo é necessário neste ponto.' p.338

XII 2 [131] 132-133

Plano do primeiro livro

Eis que se manifesta o oposição do mundo que veneramos e do mundo em que vivemos, em que – existimos. Só resta eliminar as nossas venerações e a nós mesmos. A última solução é o niilismo (…).

8. Também na história: o fatalismo, o Darwinismo, as últimas tentativas para implicar a Razão e a Divindade na interpretação: equívocos. Sentimentalismo diante do passado: não se suportaria uma biografia! - [o fenomenalismo aqui também: caráter como máscara, não há fatos]. (…)

A história no contexto das 'ideias modernas'

IV 10 [D88] 668-669

ci) Século XIX, reação: buscava-se os princípios fundamentais de tudo o que tinha conhecido estabilidade e procurava-se comprovar a verdade disso. A estabilidade, a fecundidade e a boa consciência passavam como indicadores da verdade! Esta é a mentalidade conservadora: estes juntam tudo o que não tinha sido ainda abalado, o egoísmo dos proprietários estes juntam tudo o que não tinha sido ainda abalado, o egoísmo dos proprietários constituía o seu argumento mais forte contra a filosofia do século XVIII: para os não-proprietários e os descontentes, se tinha ainda a Igreja, ou, a rigor, as artes (aos raros indivíduos bem dotados se oferecia em agradecimento uma homenagem ao gênio, se eles trabalhassem em prol dos interesses conservadores). Com a ajuda da história (fato novo!!!), experimentava-se com os grandes e fecundos complexos denominados culturas (nações). E se transportava para o passado uma quantidade enorme do ardor pela pesquisa e do sentido da veneração: a filosofia moderna e a ciência da natureza ficavam frustradas por este lado! - Agora, um EFEITO REFLEXO! A história finalmente provou uma coisa diferente do que se queria: ela se revelou como o mais seguro agente de destruição destes famosos princípios. Darwin. Por outro lado, o historicismo cético como contragolpe, o sentimento de reviver o passado. Aprende-se na história a conhecer melhor as forças motrizes e não as nossas 'belas' ideias! O socialismo se funda na história, assim como as guerras nacionais.

Page 26: Fichamento Nietzsche Escritos Sobre Historia e Politica 27 10 2015

XIII 9 [183] 101-102

O século XVII PADECE do homem como de uma soma de contradições (l´amas de contradicitions4) que somos, ele deseja descobrir o homem, regulá-lo, exumá-lo: ao passo que o século XVIII procura esquecer o que se sabe da natureza do homem, para adaptá-lo à sua utopia. ‘Superficial, mole, humano’ – fica entusiasmado com ‘o homem’ -.

O século XVII procura a arte na arte, um pedaço de cultura: o século XVIII se utiliza da arte para fazer propaganda a favor das reformas sociais e políticas.

A ‘utopia’, o ‘homem ideal’, o idólatra da natureza, a vaidade de se colocar no palco, a subordinação à propaganda para fins sociais , o charlatanismo – é isto que obtemos com o século XVIII.

O estilo do século XVII: propre, exact el libre5 o indivíduo forte que se contenta consigo mesmo e que se esforça zelosamente perante Deus – e esta impertinência, esta ingerência agressiva do auto moderno – quantos contrastes. ‘Produzir-se’ – que se compare com isso o eruditos de Port-Royal.6

Alfieri7tinha o sentido do grande estilo. o ódio pelo burlesco pertencem ao século XVII.

XIII 9 [186] 104

O problema do século XIX. Ambos os lados, o forte e o fraco, se pertencem mutuamente? É ele o talhado com uma só peça? A diferença de seus ideais a sua contradição são condicionadas por um fim superior, enquanto algo superior? – Pois poderia tratar-se de uma predestinação à grandeza acreditar até esse nível numa tensão violenta. A insatisfação, o niilismo poderia ser um bom sinal.

XIII 10 [14] 111

Como o ideal de Renascimento foi dominado? O homem do século XVII, o homem do século XVIII, o homem do século XIX. Recrudescimento do cristianismo (=Reforma) o jesuitismo e a monarquia indo ao concerto.

4 Cf. Em Francês no texto: ‘um monte de contradições’.

5 Cf. Em Francês no texto: ‘’próprio, exato e livre’.

6 Cf. Port-Royal: abadia criada na França no século XIII; foi frequentada por intelectuais e constituiu o foco do jansenismo no século XVII; foi fechada por intelectuais e constituiu o foco do jansenismo no século XVII; foi fechada por Luís em 1709 e destruída em 1712. Ver nota 48 da Parte II.

7 Vittorio Alfieri [1749-1803]: o primeiro poeta trágico da Itália. Por um breve período, ele depositou esperanças na Revolução Francesa, mas logo passou a odiá-la profundamente. Nas suas poesias, ele manifesta já os tormentos dos românticos diante do mundo e o trato com a morte. Nos seus escritos políticos, ele ataca o despotismo, ele ataca o despotismo em todas as suas formas e faz a defesa do constitucionalismo inglês; para ele o grande conflito se dá entre o tirano e o indivíduo livre. Alfieri apresenta uma concepção a-histórica e aristocrática do mundo.

Page 27: Fichamento Nietzsche Escritos Sobre Historia e Politica 27 10 2015

XIII 10 [7] 112

Para refletir: em que medida permanece ainda a funesta crença na Providência Divina – a crença mais paralisante que já houve para a mão e para a razão; em que medida o pressuposto e a interpretação cristãs sobrevivem ainda nas fórmulas de ‘natureza’, ‘progresso’ ‘aperfeiçoamento’, ‘darwinismo’, ou seja, na superstição de uma certa coincidência entre a felicidade e a virtude, entre a infelicidade e a culpa. Esta absurda confiança no curso das coisas, na ‘vida’, no ‘instinto de vida’, esta resignação burguesa que tem origem na crença de que basta que alguém faça pelo menos o seu dever para que tudo saia bem – tudo isso só tem sentido quando se admite uma direção das coisas sub specie boni. Inclusive o fatalismo, a forma atual da nossa sensibilidade filosófica, é ainda uma consequência desta crença persistente nas disposições ou nos decretos divinos, consequência inconsciente; como se o curso de todas as coisas não dependesse absolutamente de nós [ - como se nos fosse lícito deixá-las seguir o seu curso: cada indivíduo particular somente como um modo da realidade absoluta -]

É devido ao cristianismo:

a ingerência do conceito de culpa e de castigo em todos os conceitos

a covardia diante da moral

a confiança estúpida no curso das coisas (para ‘melhor’)

a falsidade psicológica em relação a si mesmo.

XIII 10 [105] 156

Relativamente à força do século XIX

Nós somos MEDIEVAIS do que o século XVIII; e não somente mais curiosos ou mais excitantes ou mais excitantes em relação ao que é estranho ou raro. Estamos revoltados contra a Revolução...

Libertamo-nos do medo de la raison, o espectro do século XVIII: ousamos ser novamente líricos, absurdos e infantis...numa palavra: ‘somos músicos’

- e não tememos mais o ridículo do que o absurdo

- o diabo coloca a tolerância de Deus a seu favor: mais ainda, ele tem interesse de passar por desconhecido, caluniado desde a noite dos tempos – somos os vingadores das injustiças do diabo.

- não separamos mais o que é grande do que é terrível

- computamos as boas coisas na sua complexidade e as piores juntamente; superamos o absurdo ‘desejo’ recente (querer a crença do Bem sem a crença do Mal)

- a covardia diante do ideal do Renascimento diminuiu – ousamos inclusive almejar os seus costumes – a intolerância em relação aos sacerdotes e à Igreja acabaram ao mesmo tempo: ‘é imoral acreditar em Deus’, mas é exatamente isso que vale para nós como sendo a melhor forma de justificação desta crença.

Page 28: Fichamento Nietzsche Escritos Sobre Historia e Politica 27 10 2015

Acolhemos tudo isso em nós como um direito. Não tememos mais o avesso das ‘boas coisas’ (- procuramos por elas...somos bastante corajosos e curiosos para tanto) por exemplo, o avesso do helenismo, da moral, da razão, do bom gosto ( - computamos as perdas que arrastam consigo os tesouros desta espécie: quase ficamos empobrecidos com estes tesouros -). Assim também, não dissimulamos o avesso das coisas más...

XIV 15 [53] 204-205

As duas ideias mais monstruosas produzidas pelo século XVIII:

é o sujeito que cria o mundo que nos concerne, ainda que seja pouco –

é a razão que cria a sociedade na qual ----

as duas farsas cheias de consequências, a revolução e a filosofia kantiana,a práxis da razão revolucionária e a revolução da razão prática;

a Natureza negada, moral dualista em Kant que um conceito de pretenso saber deve substituir a Natureza e, como um criador, queira construir e dar forma o ódio do devir, da observação escrupulosa do devir é comum à toda moral e à Revolução: - - -

XIV 15 [68] 210

As duas grandes tentativas que foram feitas para super o século XVIII:

Napoleão, despertando o homem, o soldado e a grande luta pelo poder – concebendo a Europa como uma unidade política

Goethe, imaginando uma cultura europeia, que recolhe toda a herança, do grau de humanidade já atingido.