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Pág. 1 de 11 Faculdade de Medicina da Universidade do Porto Biopatologia 2006/2007 – 16º Seminário: 14/02/07 Cancro e lesões pré-cancerosas do esófago e do estômago “O esófago junta-se ao estômago no cárdia, constituindo o ângulo de Hiss e talvez corresponda histologicamente a um epitélio diferente. Há quem diga que a passagem do epitélio pavimentoso do esófago para o epitélio cilíndrico simples do estômago (mucoso-fúndico) não se resume sempre, em indivíduos normais, a uma mucosa tipo cárdia; outros dizem que se trata de uma mucosa normal da junção gastroesofágica, sem nada de diferente. O importante é perceber que as funções (e condições adversas) do esófago e do estômago são completamente diferentes, o que justifica muito do que vamos tratar nesta aula.” Caso 1 Um homem de 34 anos tem sintomatologia de refluxo esófagogástrico. Na figura 1 observa o aspecto da mucosa esofágica normal (1A) e o aspecto endoscópico e histológico da lesão identificada neste doente (1B e C). Qual o nome da lesão? Trata-se de uma situação de refluxo gastroesofágico (acontece no sentido contrário ao que é normal). O refluxo gastroesofágico causa agressão no esófago devido às enzimas, à constituição ácida do suco gástrico e à ausência de muco no esófago. O epitélio do esófago é mais resistente às agressões externas porém essa “resistência” depende do contexto da situação. O epitélio pavimentoso estratificado não queratinizado do esófago resiste melhor à agressão mecâncica (é protector). Este tipo de epitélio seria incompatível no estômago devido à secreção de ácido/enzimas e à necessidade de uma camada de muco protectora (mucosa com glândulas gástricas que se estendem para a muscular mucosa, abrindo no lúmen do estômago por fossetas gástricas ou fovéolas).

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Faculdade de Medicina da Universidade do Porto Biopatologia 2006/2007 – 16º Seminário: 14/02/07

Cancro e lesões pré-cancerosas do esófago e do estômago

“O esófago junta-se ao estômago no cárdia, constituindo o ângulo de Hiss e talvez

corresponda histologicamente a um epitélio diferente. Há quem diga que a passagem

do epitélio pavimentoso do esófago para o epitélio cilíndrico simples do estômago

(mucoso-fúndico) não se resume sempre, em indivíduos normais, a uma mucosa tipo

cárdia; outros dizem que se trata de uma mucosa normal da junção gastroesofágica,

sem nada de diferente.

O importante é perceber que as funções (e condições adversas) do esófago e do

estômago são completamente diferentes, o que justifica muito do que vamos tratar nesta

aula.”

Caso 1

Um homem de 34 anos tem sintomatologia de refluxo esófagogástrico. Na figura 1

observa o aspecto da mucosa esofágica normal (1A) e o aspecto endoscópico e

histológico da lesão identificada neste doente (1B e C).

Qual o nome da lesão?

Trata-se de uma situação de refluxo gastroesofágico (acontece no sentido contrário

ao que é normal).

O refluxo gastroesofágico causa agressão no esófago devido às enzimas, à

constituição ácida do suco gástrico e à ausência de muco no esófago.

O epitélio do esófago é mais resistente às agressões externas porém essa

“resistência” depende do contexto da situação.

O epitélio pavimentoso estratificado não queratinizado do esófago resiste melhor à

agressão mecâncica (é protector). Este tipo de epitélio seria incompatível no estômago

devido à secreção de ácido/enzimas e à necessidade de uma camada de muco

protectora (mucosa com glândulas gástricas que se estendem para a muscular mucosa,

abrindo no lúmen do estômago por fossetas gástricas ou fovéolas).

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Figura 1A – esófago normal: epitélio pavimentoso

estratificado não queratinizado

Figura 1B – lesão: única; atinge a junção esófagogástrica;

tem expressões diversas com espessuras diferentes, envolvendo

circunferencialmente o perímetro do órgão.

Tem o aspecto típico das situações de refluxo gastroesofágico, tomando a designação

de Esófago de Barrett. É uma condição de risco para desenvolver uma lesão esofágica

terminal; tem expressão endoscópica (figura) e histológica (semelhante à mucosa

intestinal típica).

Verifica-se portanto a passagem de um epitélio pavimentoso para um epitélio

glandular intestinal – Metaplasia Intestinal (alteração reversível em que um tipo de

célula adulta epitelial/mesenquimatosa é substituída por outro tipo de célula adulta).

Quando ocorre a agressão há células estaminais que possibilitam a ocorrência da

metaplasia.

Teria muito mais lógica que a “tranformação” se desse para epitélio gástrico e não

intestinal (o que provavalmente poderá ocorrer muito precocemente), porém,

primariamente ocorre uma esofagite com mais ou menos actividade, depois metaplasia

intestinal. Em alguns casos pode desenvolver-se um carcinoma (adenocarcinoma).

Figura 1C – lesão: estrutura glandular com extensa

atipia e com múltiplas mitoses.

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Se este doente vier a desenvolver uma neoplasia esofágica qual das neoplasias,

documentadas na figura 2 espera vir a encontrar (2A ou 2B)? Como se designa essa

neoplasia?

Figura 2A – Carcinoma epidermóide [que

normalmente se desenvolveria num esófago

normal]

Figura 2B – Adenocarcinoma.[o caso do

nosso doente em que o Esófago de Barrett

evoluiu para uma situação de carcinoma]

Quanto ao refluxo gastroesofágico [que a Ana teve ]:

o Condiciona pirose (ardência retroesternal)

o Recomendações: deixar de fumar, evitar alimentos que promovam o refluxo,

usar 2 almofadas no decúbito...

o Geralmente há relaxamento do esfíncter esofágico inferior

o O esófago de Barrett está a ter uma incidência cada vez mais elevada nos EUA

devido a erros alimentares (dieta hipercalórica)

Concliu-se que:

1- Em alguns indivíduos passa-se de um epitélio pavimentoso normal para um

adenocarcimoma;

2- É uma patologia que se desenvolve ao longo dos anos;

3- É preciso fazer o necessário para evitar o agravamento da situação.

Em geral, os indivíduos com esófago de Barret são poucos.

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Se a extensão da metaplasia for considerável, os indivíduos são aconselhados a fazer

endoscopias e biópsias regularmente para evitar a progressão.

A infecção por H. pylori, por exemplo, dá inflamação e metaplasia; alguns estudos

demonstram que com a erradicação da H. pylori há regressão da metaplasia.

É possível reverter um Esófago de Barrett mas é necessário ter em conta os factores

de risco e fazer prevenção secundária.

Resumindo...

Um outro exemplo de uma situação de metaplasia:

No epitélio respiratório (epitélio pseudo-estratificado com células colunares ciliadas

e células caliciformes), certos componentes são fundamentais para a sua função; os

cílios, por exemplo, empurram as partículas, o muco funciona como camada

protectora… O fumo do tabaco é prejudicial para este epitélio assistindo-se à perda de

cílios e à conversão do epitélio ciliado em epitélio pavimentoso mais resistente ao

tabaco.

Pode surgir posteriormente um carcinoma epidermóide das vias aéreas ao nível dos

brônquios.

Epitélio pavimentoso

Refluxo gastroesofágicoResitência a conteúdos com

componentes biliares...

Stem cell Epitélio pavimentoso

Esófago de Barrett

Epitélio gástrico/intestinal

Stress

Stem cell Célula adulta tipo A C é lula adulta tipo B

Epitélio respiratório Metaplasia pavimentosa

Tabaco Deficiência de vit A Resistência

Stem cell Epitélio pavimentoso (mais resistente ao tabaco)

Epitélio ciliado

Epitélio respiratório Metaplasia pavimentosa

Carcinoma epidermóide

… …

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Temos, então, dois tipos de carcinoma: no pulmão, o adenocarcinoma é periférico

enquanto que o epidermóide é central, onde a exposição ao fumo do tabaco é maior.

Caso 2

Na figura 3 pode ver uma glândula gástrica com microrganismos corados pelo

Giemsa. Alguns microrganismos estão assinalados com uma seta. Como se chamam?

Figura 3 – setas: Helicobacter pylori numa

coloração de Giemsa modificado.

Como se chama a lesão provocada por estes microrganismos que observa na figura 4?

O que identifica na área assinalada com setas?

Figura 4 – lesão: gastrite crónica

superficial com glândulas atípicas

(não existem glândulas gástricas);

setas: glândulas atróficas com

infiltrado inflamatório (PMN),

sinónimo de gastrite crónica com

actividade inflamatória aguda.

É uma microscopia do corpo do

estômago (embora no antro a infecção

por H. pylori seja mais frequente) uma vez que as fovéolas são pouco profundas e as

glândulas são tubulares ramificadas e longas (?).

[É de salientar que as técnicas de rastreio são cada vez mais eficazes e a esperança

média de vida tem vindo a aumentar, consequentemente o número de casos

diagnosticados tem vindo a aumentar… cerca de 50% da população tem um quadro

semelhante a este...]

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H. Pylori

mucosa gástrica normal gastrite crónica (fig 4)

Dieta

gastrite crónica atrófica

linfoma tipo MALT

úlcera peptíca

carcinoma gástrico

Resumindo...

Caso 3

Um indivíduo de 35 anos apresenta, numa biópsia gástrica, a lesão documentada na

figura 5. Como se chama a lesão? Como se designam as células assinaladas com setas?

Figura 5 – setas: metaplasia intestinal com células

caliciformes (típicas do epitélio intestinal)

Caso 4

Nas figuras 6, 7 e 8 estão documentados três tipos de pólipos gástricos: um adenoma,

um pólipo hiperplásico e um pólipo hamartomatoso. Qual é qual?

Figura 6 - Pólipo hiperplásico

Figura 7 - Adenoma

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Figura 8 - Pólipo hamartomatoso

(com muitos eixos conjuntivos;

Síndrome Peutz-Jeghers)

Hamartoma refere-se a um crescimento (excessivo mas focal) de células e tecidos

nativos do órgão onde ocorre. Apesar dos elementos celulares serem maduros e

idênticos ao do restante órgão, não reproduzem a arquitectura normal do tecido

"normal". Pode ser considerado o elo entre a malformação e a neoplasia. A linha de

demarcação entre um hamartoma e uma neoplasia benigna é frequentemente ténue e

com diferentes interpretações. Alguns consideram hemangiomas, linfangiomas,

rabdomiomas cardíacos e adenomas hepáticos como hamartomas, outros como

verdadeiras neoplasias (in Robbins, 7ª edição página 251). Tecidos normais mas com

organização diferente.

Qual destas lesões tem maior risco de transformação maligna?

A lesão que tem maior risco de transformação maligna é o adenoma visto ser aquele

que já apresenta displasia.

[Hiperplasia não é sinónimo de Neoplasia! Na primeira, o crescimento pára quando

se retira o estímulo enquanto, na segunda, o crescimento é autónomo.]

Caso 5

Na figura 9 está documentada a expressão imunocitoquímica, na mucosa gástrica

normal, das mucinas MUC5AC e MUC6. Na figura 10 estão documentadas as

alterações de expressão de mucinas em situações de metaplasia intestinal - note que há

expressão da mucina MUC2, que em circunstâncias normais só se exprime no intestino.

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Na mesma figura 10 preste atenção aos dois grandes tipos de metaplasia intestinal. Na

figura 11 está documentada a presença de Helicobacter pylori em mucosa gástrica

normal (setas) e em diferentes tipos de metaplasia intestinal. Resuma: qual o perfil de

mucinas na mucosa gástrica normal? E nos diferentes tipos de metaplasia intestinal? E

que consequências têm essas alterações na adesão/infecção por Helicobacter pylori?

Na mucosa gástrica normal, figura 9, está

representada a MUC5AC no epitélio e a MUC6

nas glândulas.

Há dois tipos de metaplasia intestinal:

completa e incompleta. Na figura 11, a

colonização com H. pylori só se verifica na

incompleta, sendo neste tipo que se verifica

maior risco de cancro.

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Caso 6

Nas figuras 12, 13 e 14 pode ver um conjunto de observações que parecem ligar a

gene CDX2, um gene homeobox intestinal, à diferenciação intestinal normal e

patológica. Como interpreta os três documentos no seu conjunto?

Genes homeobox são genes que codificam

factores de transcrição importantes para o

desenvolvimento. CDX2 está envolvido no

desenvolvimento e manutenção das células do

epitélio intestinal. É expresso constitutiva-

mente no intestino. Quando expresso no

estômago, induz metaplasia e, o seu desapa-

ecimento no intestino, provoca alterações

perdas das características normais.

Gastrite crónica por H. pylori

Metaplasia intestinal

Adenocarcinoma

30%

7%

Mucosa gástrica normal

Infecção por H. pylori

Gastrite crónica atrófica

Metaplasia intestinal

completa

Metaplasia intestinal

incompleta

Carcinoma gástrico MUC2

MUC1

MUC5AC

MUC6

MUC2

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Caso 7

Uma mulher de 29 anos apresenta-se clinicamente com um quadro de ascite. O estudo

do líquido ascitico mostrou a presença de células neoplásicas e o estudo endoscópico do

tubo digestivo, com biópsias gástricas, mostrou a presença de uma neoplasia gástrica.

Qual dos dois grandes tipos de carcinoma gástrico, documentados na figura 15, terá esta

doente?

Esta doente deverá ter carcinoma

difuso porque é jovem, com ascite

causada pelas células soltas que se

disseminam até atingir o peritoneu.

O carcinoma intestinal é um carci-

noma de células malignas que formam

glândulas intestinais neoplásicas, faz

lembrar o adenocarcinoma cólico, invade a mucosa gástrica e está associado a doentes

mais velhos.

O carcinoma difuso é um carcinoma de células mucosas do tipo gástrico que não

formam glândulas mas antes permeabilizam a mucosa e a parede com clusters de

células, possui células malignas que contêm muco. Tem um crescimento infiltrativo e

maior capacidade de invasão.

Caso 8

Um homem de 72 anos, com metástases hepáticas, tem a neoplasia gástrica que se

documenta na figura 16. Qual será o tipo histológico desta neoplasia?

Figura 16 – carcinoma intestinal, neoplasia

ulcerada.

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Na figura 17 está a ver uma imagem histológica com uma coloração de orceina para

fibras elásticas. Qual o significado desta imagem?

Figura 17 - esta imagem evidencia a invasão

venosa, metástase via hematogénea.

Coleguinhas,

Este seminário teve montes de problemas e foi super difícil de desgravar.

O gravador do seminário das 8.30h fez o favor de não gravar e o do seminário das 16h

tem um barulho maravilhoso do retroprojector…

Esta desgravação tem, então, por base as nossas respostas do seminário das 8.30h

(dado pela Prof.ª Leonor David), alguns conceitos do nosso “querido” livro e a possível

desgravação do seminário das 16h (dado pela Prof.ª Fátima Carneiro).

Para quem já desgravou aulas, compreendem que, se é difícil desgravar uma aula em

que se esteve presente, desgravar uma aula em que não se esteve é um inferno… Sendo

assim, tentamos fazer o nosso melhor e pedimos desde já desculpas por qualquer erro…

Qualquer coisa errada que detectem por favor avisem, principalmente os colegas do

seminário da tarde, o seminário da Rosa, do Zé, etc…difícil de esquecer! lol

Obrigado também aos meninos que ajudaram a gravar à tarde

Maria João Silva

Maria Miguel Gomes

Teresa Pena