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Faces das práticas inovadoras:

da creche aos anos iniciais da alfabetização

Este trabalho foi licenciado com a Licença Creative Commons Atribuição – Não Comercial – Sem Derivados 3.0 Não Adaptada. Para ver uma cópia desta licença, visite http://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/3.0/ ou envie um pedido por carta para Creative Commons, 444 Castro Street, Suite 900, Mountain View, California, 94041, USA.

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Faces das práticas inovadoras:

da creche aos anos iniciais da alfabetização

Wagner Antonio Junior

Organizador

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edição Carlos Eduardo Vieira Fendel

diagramação

Wagner Antonio Junior

capa Carolina Vaitiekunas Pizarro

supervisão e apoio

Daniela Melaré Vieira Barros

impressão e acabamento Viena Gráfica e Editora Ltda

F138 Faces das práticas inovadoras: da creche aos anos

iniciais da alfabetização. / Organizador Wagner Antonio Junior - Bauru, SP : Canal 6, 2008.

206 p. ; 16 x 23 cm.

CDD 372.21

Canal6 Projetos Editoriais

Rua Engenheiro Alpheu Ribas Sampaio, 3-40 17012-631 – Bauru – SP

Tel.: (14) 3313-7968 / 8115-5068 www.editoracanal6.com.br

Inclui Bibliografia ISBN 978-85-99728-59-8 1. Edução Infantil 2. Alfabetização I. Antonio Junior,

Wagner (org)

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SUMÁRIO

PREFÁCIO ................................................................................ 8

APRESENTAÇÃO ...................................................................... 13

FACE 1

PRÁTICAS PEDAGÓGICAS DA CRECHE AOS ANOS INICIAIS DA

ALFABETIZAÇÃO....................................................................... 17

UM INÍCIO DE CONVERSA: OS JOGOS E AS BRINCADEIRAS NA

EDUCAÇÃO INFANTIL

Maria do Carmo Monteiro Kobayashi........................... 19

EDUCAÇÃO INFANTIL: O JOGO NA CONSTRUÇÃO DO CONCEITO

NUMÉRICO

Elaine Cristina Feijó Kelly Cristina Ducatti-Silva........................................... 36

A EDUCAÇÃO MORAL: DIMENSÃO EDUCATIVA NECESSÁRIA

PARA A INFÂNCIA

Marta de Castro Alves Corrêa Antonio Francisco Marques ......................................... 54

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FACE 2

PRÁTICAS PEDAGÓGICAS DA ALFABETIZAÇÃO............................. 76

ALFABETIZAÇÃO: EXPECTATIVAS DA PROFESSORA E A

APRENDIZAGEM DOS ALUNOS

Carmem Ligia Coutinho Santos Faria Maria da Glória Minguili................................................ 78

ERA UMA VEZ... OS CONTOS DE FADAS E A ALFABETIZAÇÃO

Vera Lúcia Messias Fialho Capellini Edson Alexandre de Lima Célia Regina F Bortolozo............................................. 101

AS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS E O EDUCADOR: UMA PRÁTICA

PEDAGÓGICA EM CONSTRUÇÃO

Ana Maria Lombardi Daibem Mariana Vaitiekunas Pizarro........................................ 121

HISTÓRIAS LEGAIS E REAIS DA EDUCAÇÃO DO SURDO NA

REDE ESTADUAL DE ENSINO DO ESTADO DE SÃO PAULO

Eliana Marques Zanata Enicéia Gonçalves Mendes....................................... 136

FACE 3

PRÁTICAS PEDAGÓGICAS COM O USO DE TECNOLOGIAS.............. 157

ESTRATÉGIAS EDUCACIONAIS PARA O ENSINO DE

INFORMÁTICA COM CRIANÇAS CEGAS

Naiana Paula Bocardo Thaís Cristina Rodrigues Tezani.................................. 159

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OBJETOS DE APRENDIZAGEM VIRTUAIS: INOVAÇÃO PARA A

PRÁTICA PEDAGÓGICA

Daniela Melaré Vieira Barros Wagner Antonio Junior................................................. 179

CONCLUSÕES......................................................................... 201

COLABORADORES ................................................................... 203

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Faces das práticas inovadoras: da creche aos anos iniciais da alfabetização

8

PREFÁCIO

O estudo organizado por Wagner e que inclui o pensamento

de vários autores com posições teóricas diferenciadas sobre a

criança, tem por síntese três conceitos-chave que abrem ao leitor a

compreensão da obra como um todo: Educação Infantil, Práticas

Pedagógicas da Alfabetização e Formação de Professores de

Educação Infantil.

1- Educação Infantil: a maioria dos autores estudiosos da

Infância são unânimes em afirmar que a Educação Infantil, como

direito da criança brasileira, se configura como conquista a partir de

muitas e longas lutas na sociedade brasileira.

De 1975, quando se realizou o 1o Diagnóstico Nacional da

Educação Pré-Escolar, feito pelo MEC, e 1979, quando se

comemorou o Ano Internacional da Criança, passando pela

Constituição Federal de 1988, pelo Estatuto da Criança e do

Adolescente [ECA] de 1990 e, por último, pela Lei de Diretrizes e

Bases da Educação Nacional de 1996.

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Prefácio

9

Nunca, na História do Brasil, a criança brasileira foi

contemplada com tantas leis garantindo seus direitos. Apesar da

quantidade das leis em vigor, na prática, o cumprimento da lei na

sociedade e nas instituições, principalmente a Escola, deixa muito a

desejar, “há um verdadeiro divórcio”, como diz Maria Malta

Campos (2002, pág. 77)1 entre a legislação e a realidade da criança

brasileira, isto porque nossa tradição cultural e política sempre foi

marcada pela distância e até pela oposição entre o que colocamos no

papel e o que fazemos na realidade.

Basta observar a vida nacional: o ECA, considerado uma

das leis mais avançadas no mundo, convive com cenas de extrema

violência a crianças e adolescentes, cenas de abandono, fome,

miséria, falta de conquista dos direitos básicos de cidadania.

Poderíamos nos estender em análise a outras omissões nacionais,

mas este espaço não é propício a estas críticas...

Pensar a Infância no prisma que os autores desse livro

pensam é manter viva a esperança de que mais cedo do que se pensa,

seremos capazes de conciliar a realidade caótica da Educação

Infantil brasileira e o imperativo urgente de oferecer às nossas

crianças um atendimento que integre os aspectos físicos, cognitivos,

afetivos e sociais, entendendo que a criança é um ser indivisível

(KRAMER, 2002, pág. 120)2.

2- As Práticas Pedagógicas da Alfabetização: as práticas

pedagógicas, particularmente as que se referem à pré-alfabetização e

às práticas de alfabetização, são o marco basilar da entrada da

1 MACHADO, M. L. de A. (org.) Encontros e desencontros em Educação Infantil. São Paulo: Cortez Editora, 2002. 2 KRAMER, S. Encontros e desencontros em Educação Infantil. São Paulo: Cortez Editora, 2002.

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Faces das práticas inovadoras: da creche aos anos iniciais da alfabetização

10

criança no universo cultural do adulto. Os estudiosos da Infância

afirmam na maioria de suas obras a importância dessa prática

pedagógica para o desenvolvimento psíquico-social da criança.

Ao pensar no processo de alfabetização das crianças, os

professores alfabetizadores devem ter presentes as experiências de

Luria que associa a aprendizagem da escrita ao desenho infantil e à

linguagem. Em suas experiências, Luria (1989, pág. 129)3 observa:

...Para isso a criança precisa fazer uma descoberta básica – a que se pode desenhar, além de coisas, também a fala. Foi esta descoberta, e somente ela, que levou a humanidade ao brilhante método da escrita por letras e frases, a mesma descoberta conduz às crianças à escrita literal. Do ponto de vista pedagógico, essa transição deve ser propiciada pelo deslocamento da atividade da criança do desenhar coisas para desenhar a fala. É difícil especificar como esse deslocamento ocorre, uma vez que somente pesquisas adequadas a serem feitas poderão levar a conclusões definitivas e o método geralmente aceito do ensino da escrita não permitem a observação dessa transição. No entanto, uma coisa é certa – o desenvolvimento da linguagem escrita nas crianças se dá, conforme já foi descrito, pelo deslocamento do desenho de coisas para o desenho de palavras. De uma maneira ou de outra, vários métodos existentes de ensino da escrita realizam isso. Muitos deles empregam gestos auxiliares como meio de unir o símbolo falado ao símbolo escrito. Outros empregam desenhos que representam os objetos apropriados. Na verdade, o segredo do ensino da linguagem escrita é preparar e organizar adequadamente essa transição natural. Uma vez que ela é atingida, a criança passa a dominar o princípio da linguagem escrita, resta então, simplesmente, aperfeiçoar o método4.

Os estudos e as pesquisas do autor citado refletem a

sociedade e o grau de civilização que a sociedade russa atingiu no

3 LURIA. A formação social da mente. 3.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1989. [citado por Vygotski à pág.129]. 4 VYGOTSKI, L. S. A formação social da mente. 3.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1989.

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Prefácio

11

início do século XX. É preciso refletir que o modo de medir o grau

de civilização ou de barbárie que uma sociedade atingiu é só medir o

tipo de atenção, educação e cuidados que esta sociedade destina às

suas crianças. Como é a saúde das crianças? E a Educação? E as

Escolas? E a Formação dos Professores?

Que grau de civilização atingiu a sociedade brasileira? Se

pensarmos desde a entrega e abandono das crianças recém-nascidas

nas “rodas” dos conventos no período da colonização, até a

violência, o abandono, o tráfico de drogas, a prostituição nas ruas,

no período contemporâneo?

3- Formação de Professores de Educação Infantil: este é o

ponto crucial de quem pensa e reflete sobre a Infância, a Educação

Infantil – a formação de educadores infantis.

Algumas reflexões, colocadas nos textos desse livro,

precisam ser feitas para se compreender a complexidade da

formação de professores de Educação Infantil:

• É preciso considerar o saber educativo, como uma área

de saber específico, não genérico.

• É preciso pensar que um curso de Pedagogia, à moda

antiga, extremamente acadêmico, talvez represente, o ir

“além” da Educação Infantil. O “aquém” também não

garante, por si só o equilíbrio, dará respostas às questões:

- Quais as concepções de criança e de Educação

Infantil;

- Quais as formas de organização e gestão das escolas

infantis;

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Faces das práticas inovadoras: da creche aos anos iniciais da alfabetização

12

- A organização e gestão de questões curriculares que

devem servir de base à formação profissional de

Educação Infantil;

- O processo de aprendizagem infantil.

• Pensar no perfil do Profissional da Educação Infantil: Só

professor? Só educador?

• A prática pedagógica precisa se tornar área científica

com um corpo próprio de conhecimento. Não pode se

confundir com procedimento de ensino, técnicas

didáticas. Colocar a prática pedagógica no final do curso

de formação, baseada no engano de que precisa teoria, é

não entender a relação dialética reflexão-ação-reflexão e

fazer da prática pedagógica uma prática vazia de

conteúdo, alienada, sem compromisso e sem paixão.

Quem lê este livro, reflita sobre esses elementos que os

autores destacam nos seus artigos e reflexões.

Profa Dra Adriana J. F. Chaves

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Apresentação

13

APRESENTAÇÃO

“Faces das práticas inovadoras: da creche aos anos

iniciais da alfabetização” é obra coletiva de alunos e professores,

organizada por Wagner Antonio Junior. Trata-se de livro com a

produção de estudos e pesquisas de pequena parcela de partícipes do

Curso de Pedagogia da Faculdade de Ciências da UNESP, campus

de Bauru (SP).

O texto e estruturado com base em práticas pedagógicas

relacionadas diretamente à educação infantil, alfabetização nos anos

iniciais do ensino fundamental, ao uso de tecnologias no ensino de

crianças cegas e a aprendizagem escolar pela via virtual.

Maria do Carmo Monteiro Kobayashi evidencia a

importância dos jogos e brincadeiras na educação infantil. Evidencia

a necessidade de se “estabelecer grandes categorias correspondentes

às principais formas da atividade lúdica”, como E (para jogos de

exercícios), S (para simbólico), A (para acoplagem) e R (para

regras) com base nas etapas de desenvolvimento do jogo, segundo a

teoria psicogenética de Piaget sobre a formação do símbolo na

criança.

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Faces das práticas inovadoras: da creche aos anos iniciais da alfabetização

14

Elaine Cristina Feijó e Kelly Cristina Ducatti-Silva chamam

a atenção para a importância das atividades lúdicas na construção do

conceito numérico. O jogo em seu aspecto lúdico, segundo o estudo,

favorece a aprendizagem do aluno da educação infantil em relação

aos conceitos da matemática elementar, alicerçados na capacidade

de abstração e autonomia do sujeito que aprende.

Marta de Castro Alves Corrêa e Antonio Francisco

Marques argumentam, apoiados em Cambi, que “é na idade pré-

escolar que se desenvolve o germe da personalidade humana”,

quando a criança absorve valores importantes que a guiarão por toda

vida. Pesquisa com professoras revela que a dimensão moral é vital

para a formação dos estudantes, para a definição de projetos

coletivos de vida e para a atualização pedagógica de professores.

Carmem Lígia Coutinho Santos Faria e Maria da Glória

Minguili focam a séria questão da alfabetização em função das

expectativas da professora e a aprendizagem dos alunos. Evidenciam

que nem sempre as professoras alfabetizadoras utilizam, na prática,

as teorias estudadas durante o curso de graduação. Trabalham de

forma tradicional sem levar em conta a realidade física, humana,

pedagógica e política da sala de aula. Idealizam o aluno e usam

estratégias repressivas na busca do aluno imaginário. Concluem

afirmando que a análise da realidade, reflexão sobre ela e

planejamento da ação podem ser uma saída para o trabalho dinâmico

da professora.

Vera Lúcia Messias Fialho Capellinni, Edson Alexandre de

Lima e Célia Regina F. Bortolozo tratam dos contos de fadas

articulado ao processo de alfabetização. Os autores afirmam que o

uso dos contos de fada na alfabetização corresponde ao uso de

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Apresentação

15

recurso expressivo importante e, ao mesmo tempo, necessário ao

desenvolvimento do ser humano e elemento facilitador no processo

de aquisição da leitura e da escrita.

Ana Maria Lombardi Daibem e Mariana Vaitiekunas

Pizarro abordam a relação entre as histórias em quadrinho (HQ) e o

educador. Além de veículo eficiente de comunicação a HQ é,

também, recurso a serviço da educação. A questão central é

“permitir um olhar pedagógico” que permita a sua inserção no

espaço escolar, pois, em futuro não distante, a HQ será “sinônimo de

diversão, entretenimento e também educação”.

Eliana Marques Zanata e Enicéia Gonçalves Mendes

trabalham a história legal e real da educação do surdo na rede

estadual de ensino de São Paulo. Mostram como na última década as

políticas públicas dirigiram a atenção para o aluno com necessidades

especiais, objetivando incluí-lo ao sistema regular de ensino

mediante o acesso e permanência na escola.

Naiana Paula Bocardo e Thaís Cristina Rodrigues Tezani

procuram estratégias educacionais para o ensino de informática com

crianças cegas comparando dois softwares para deficientes visuais,

Dosvox e Virtual Vision. A intenção e apontar o meio apropriado

para trabalhar com esse segmento populacional que freqüenta a 1ª

série do ensino fundamental. A falta de acesso à tecnologia impede o

uso da informática na educação dos deficientes visuais. Dosvox e

Virtual Vision, sintetizadores de voz, permitem aos alunos de

necessidades especiais a oportunidade única de manuseio do

computador em condições favoráveis a sua aprendizagem, ademais,

a capacitação do professor para o trabalho com software específico

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Faces das práticas inovadoras: da creche aos anos iniciais da alfabetização

16

em sala de aula favorece, e muito, o processo de inclusão digital no

âmbito escolar.

Daniela Melaré Vieira Barros e Wagner Antonio Junior

abordam a questão dos objetos de aprendizagem virtuais como

recursos potencializadores da ação pedagógica em sala de aula.

Resultados da pesquisa indicam que é possível e desejável a

construção de materiais didáticos com objetos de aprendizagem

virtuais na educação básica, embora a inserção deles na escola

pública seja tarefa difícil e problemática diante das condições

materiais e financeiras, tanto da escola como dos professores.

Como se nota o conteúdo desta publicação é variado e

contém quantidade enorme de informações que pode, quando bem

assimilada, redundar em ensino de qualidade intelectual e social.

Penso que seria este o desejo dos autores, os quais, palidamente,

tentei sintetizar nesta apresentação.

Por fim, posso afirmar que o Curso de Pedagogia da

UNESP/Bauru cumpre com esta publicação a função maior de

formação de professores para a educação infantil e primeiras séries

do ensino fundamental ao incentivar a produção científica de seus

alunos. Oxalá este trabalho coletivo seja seguido de muitos outros

que venham a atestar o empenho de alunos e professores no

desenvolvimento da cultura pedagógica tão necessária ao ensino dos

conteúdos e à aprendizagem significativa dos alunos.

Bauru, 29 de outubro de 2007.

Professor Doutor José Misael Ferreira do Vale

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Apresentação

17

FACE 1

PRÁTICAS PEDAGÓGICAS DA CRECHE AOS ANOS

INICIAIS DA ALFABETIZAÇÃO

Daniela Melaré Vieira Barros

As práticas de educação no século XXI se tornaram alvo de

análises, experiências e reflexões, originando várias modalidades de

pesquisa, tais como a pesquisa-ação. Essa metodologia de

investigação possibilitou à prática docente formas de atualização e

melhoria dos processos educativos. Partindo dessas reflexões, os

trabalhos aqui apresentados têm percepções críticas de experiências

e ações diretamente das práticas pedagógicas desenvolvidas por

docentes com experiência e docentes iniciais. Essas experiências nos

auxiliam a compreender os olhares da prática e os olhares dos

profissionais recém formados, que fazem a análise direta da prática

com os conhecimentos adquiridos na graduação.

Esses olhares são críticos e fundamentados pela literatura

acadêmica. Não são somente experiências em si, mas ações que

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Práticas pedagógicas da creche aos anos iniciais da alfabetização

18

podem constituir eixos para estratégias em diferentes séries e áreas

de atuação.

Para tanto, temos textos que contemplam temas como: as

creches, os brinquedos e as estratégias educativas.

Esses textos são abordagens inovadoras de temas que são

comuns, mas ainda pouco explorados pelas práticas educativas. São

temas contemplados nas áreas de metodologia e recursos didáticos,

mas que não foram ainda observados em sua essência para o

processo de ensino e aprendizagem. O que se pretende com estes

temas é ampliar as formas transdisciplinares de ver os recursos

educativos na atualidade, formas que podem ser inusitadas, mas

podem revolucionar idéias e ampliar qualitativamente os

procedimentos para desvendar os mistérios da aprendizagem.

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Maria do Carmo Monteiro Kobayashi

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UM INÍCIO DE CONVERSA: OS JOGOS E AS BRINCADEIRAS

NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Maria do Carmo Monteiro Kobayashi

Agora eu era o rei [...] Era bedel era também juiz,

E pela minha lei a gente era obrigado a ser feliz [...] [...] Não, não fuja não, finja que agora eu era o seu brinquedo

o seu bicho preferido [...] No tempo da maldade acho que gente ainda não tinha nascido.

Chico Buarque e Sivuca

Muitos de nós ainda pudemos desfrutar do prazer de brincar

na rua, no quintal, nas praças, nos terrenos vazios, enfim, em lugares

escolhidos por quem deles se utilizava, assim determinado pelas

próprias crianças. No entanto, essa realidade mudou. A necessidade

do trabalho feminino fez com que a família reivindicasse instituições

educativas para deixar seus filhos, e as transformações no mundo do

trabalho com a exclusão dos que não atendem ao perfil necessário

que é almejado a um profissional, e uma sucessão de problemas

políticos, sociais e econômicos, tem levado a uma onda de violência

que assola nossas cidades inviabilizando esses espaços de liberdade

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Um início de conversa: os jogos e as brincadeiras na educação infantil

20

destinados ao brincar, que cada vez mais se constituem em

ambientes artificialmente criados e destinados às crianças, sendo

verdadeiras “ilhas” para que os pais ou responsáveis deixem-nas

enquanto realizam várias atividades.

Hoje em shopping centers, supermercados e lojas, são

reservadas áreas para as crianças, para que seus responsáveis possam

gozar de tranqüilidade e segurança durante suas compras. Muitas

vezes, esses espaços são construídos sem conhecimentos sobre a

criança, sua natureza e suas necessidades; algumas mesinhas e

cadeiras com jogos de armar, outros com sofás e tapetes e vídeos de

Walt Disney ou da Xuxa, e, em sua maioria, com pessoas pouco

habilitadas para tão importante função. Mas também, para a criança

brincar, jogar ou “ver um filminho” não precisa muito. Brincar é

próprio da criança. Mas será mesmo? Não. Segundo os estudos de

Brougère (2001, p. 98), aprende-se a brincar; as brincadeiras, os

jogos e os brinquedos nos mostram o perfil da nossa sociedade, mas

como? “A criança entra progressivamente na brincadeira do adulto,

de quem ela é inicialmente o brinquedo, o espectador ativo e, depois,

o real parceiro”.

Assim como a crença de que o brincar é espontâneo e

natural da criança, é comum ouvirmos que a escola de educação

infantil é para brincar, mas o brincar precisa ser mais estudado.

Iremos fazer uma retrospectiva histórica sobre o brincar, os teóricos

e as teorias do brincar e como esta atividade pode ser utilizada na

área da Matemática na educação infantil.

Page 22: Faces das práticas inovadoras: da creche aos anos iniciais da alfabetização1

Maria do Carmo Monteiro Kobayashi

21

BRINCAR, BRINCADEIRA, BRINQUEDO E JOGOS

A infância, “período do crescimento, no ser humano, que

vai do nascimento até a puberdade; meninice, puerícia”

(FERREIRA, 1995, p. 360), é marcada por novos olhares sobre as

particularidades desses seres a partir do século 18. A obra Emílio,

de Rousseau, mostra-nos como deve ser a educação do nascimento à

maturidade. Brougère (2003), ao buscar os vínculos entre jogo e

representação da criança faz uma análise mostrando como o conceito

de criança e o jogo evoluem e como o jogo passa a ser um recurso

educativo.

Os estudos sobre a criança e a infância têm em Philipe

Ariès (1981, p.8) um referencial que não pode ser ignorado. Sua

obra realiza um estudo sobre a evolução do sentimento de infância

que vai da sociedade tradicional à sociedade industrial para mostrar

como esse sentimento foi alterado nesse período: do anonimato à

conquista de um lugar de destaque na sociedade, do sentimento de

“paparicação”, como o autor denomina, ao centro da preocupação da

família, da sociedade e da mídia:

[...] reservado à criancinha em seus primeiros anos de vida, enquanto ela ainda era uma coisinha engraçadinha. As pessoas se divertiam com a criança pequena como um animalzinho, um macaquinho impudico. Se ela morresse então, como muitas vezes acontecia, alguns podiam ficar desolados, mas a regra geral era não fazer muito caso, pois outra criança logo a substituía. A criança não chegava a sair de uma espécie de anonimato.

Segundo Áries, a partir do século 17 ocorre uma alteração

considerável em função de duas abordagens distintas na primeira; a

aprendizagem deixa de ocorrer no seio da família e da sociedade e a

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Um início de conversa: os jogos e as brincadeiras na educação infantil

22

criança deixa o mundo adulto para permanecer “resguardada” na

escola, que “substitui a aprendizagem como meio de educação”. Mas

essa mudança não seria possível sem o aval e a cumplicidade

sentimental da família, sendo esta a segunda abordagem. A família

passa a ser um lugar de afeição entre os cônjuges e entre os pais e

filhos, assim, a escola passa a ter um papel decisivo na sociedade,

como nos dias atuais, em que nossos horários são em função da

escolarização dos nossos filhos. A rotina familiar gira, normalmente,

em função da escola e a educação escolar passa a ser uma área de

pesquisas que arrebanham profissionais das mais diversas

especialidades, tanto que o brincar passa a ser não mais algo

assistemático, ao acaso, e se torna objeto de estudo para se

transformar em recurso de aprendizagem.

Mas a história da infância no Brasil nos remete a um quadro

um tanto quanto diferente da visão eurocêntrica descrita por Ariès,

posto que, quando os portugueses aqui chegaram, nossas crianças

tinham uma vida muito diferente das crianças européias; porém esse

não é o nosso tema, mas para pontuarmos que podemos estudar a

história da criança pelos seus brinquedos e jogos, o que, aliás, seria

um belíssimo trabalho se fôssemos tomar as brincadeiras das nossas

crianças no período do Descobrimento e da colonização; poderíamos

até imaginar que seria tudo o que Rousseau pregou em sua educação

negativa.

VAMOS JOGAR? VEM BRINCAR COMIGO?

Esse convite é muito comum, brincar é próprio da criança,

usamos no dia-a-dia a palavra jogo em várias situações: jogo do

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Maria do Carmo Monteiro Kobayashi

23

mercado, jogo financeiro, a vida é um jogo, jogo de interesses, jogo

de chaves, jogo de cartas... Em relação ao brinquedo e às

brincadeiras, a utilização é mais pejorativa – “não foi sério, foi só de

brincadeira”, mas o que dizem os estudiosos do lúdico?

Usamos essa terminologia – brincar, brinquedo, jogar e

jogo indiscriminadamente, num jogo de palavras sem sabermos

quais são as similaridades e diferenças entre brincar, brincadeira,

brinquedo, jogar e jogos. O que essas palavras têm em comum?

Tomaremos o Dicionário Aurélio para iniciarmos uma conversa

sobre o lúdico e suas possibilidades educativas.

Brincar: “1. Divertir-se infantilmente; entreter-se em jogos de criança. 2. Divertir-se, recrear-se, entreter-se, distrair-se, folgar. 3. Agitar-se alegremente; foliar, saltar, pular, dançar. [...]” (FERREIRA, 1995, p. 105).

De origem latina, brincar, como aponta Fortuna (2004, p.

49), resultou das transformações que ocorreram da palavra vinculum,

vinclu, vincru e vrinco; podemos constatar que de vínculo – laço

passa por um enfeite, uma jóia que adorna as orelhas femininas até

chegar ao brincar e ao brinquedo. “[...] Na mitologia grega, Brincos

eram pequenos deuses que ficavam voando em torno de Vênus,

alegrando-a e enfeitando-a”.

• Brincadeira “Ato ou efeito de brincar; brinco. 2.

Divertimento, sobretudo entre crianças; brinquedo, jogo.”

• Brinquedo “1. Objeto que serve para as crianças

brincarem. 2. Jogo [1] de crianças; brincadeira. 3.

Divertimento, passatempo, brincadeira.”

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Um início de conversa: os jogos e as brincadeiras na educação infantil

24

• Jogar “1. Entregar-se ao, ou tomar parte no jogo de;

executar as diversas combinações de [um jogo]. 2.

aventurar ou arriscar ao jogo; perder no jogo. 3. Manejar

com destreza ou habilmente. 4. Pôr em risco; arriscar [...]

14. Entregar-se ao jogo; ter hábito ou vício do jogo”.

Nesse verbete, encontramos dezessete possíveis

definições sobre jogar, mas como podemos verificar a

maior parte delas tem um aspecto pouco recomendável

(FERREIRA, 1995, p. 377).

• Jogo “1. Atividade física ou mental organizada por um

sistema de regras que definem a perda ou o ganho.

2. Brinquedo, passatempo, divertimento [...]”. De origem

latina, jocus significa brinquedo.

Kishimoto (2001, p. 18) mostra a diferença entre o

brinquedo e o jogo. O primeiro supõe uma relação íntima com a

criança, pois é ela quem lhe atribui o significado, o que lhe dá

liberdade para criar no seu uso. Um cabo de vassoura vira um

cavalo; um enrolado de pano vira um bebê; ao passo que o jogo

possui regras que lhes são definidas pela própria estrutura do objeto

com suas regras. Segundo essa autora, “um dos objetivos do

brinquedo é dar à criança um substituto dos objetos reais, para que

possa manipulá-lo”.

O LÚDICO NA EDUCAÇÃO

Os estudos sobre o lúdico e a educação criam grande

interesse, o que pode ser constatado com a quantidade de

publicações sobre o tema, mas essa preocupação não é algo recente.

Page 26: Faces das práticas inovadoras: da creche aos anos iniciais da alfabetização1

Maria do Carmo Monteiro Kobayashi

25

Se brincar é próprio da criança e se o ser humano necessariamente

passa por essa etapa da vida, ele brinca, e o brincar, conforme

Kishimoto (2002), aparece no diálogo As Leis, de Platão, o

“aprender brincando”, como uma indicação pedagógica opondo-se à

violência e à repressão. Seu discípulo Aristóteles nos fala em Ética a

Nicômaco sobre a recreação como descanso do espírito.

Falar de jogos e brincadeiras na educação infantil não é

algo recente. Friedrich Froebel (1782-1852) foi o primeiro a se

preocupar com valor pedagógico do jogo. Alemão, nascido na

floresta da Turíngia, em uma pequena aldeia, órfão de mãe muito

pequeno, teve no contato com a natureza a primeira escola e as

influências recebidas dos ideais educacionais de Pestalozzi podem

ser vistas em sua obra, mas o criador dos kindergarten nos legou

também os brinquedos que até hoje são pouco conhecidos pelos

professores – os dons.

[...] Froebel delineia a metodologia dos dons e ocupações, dos brinquedos e jogos, propondo: 1 dons, materiais como bola, cubo, varetas, anéis etc., que permitem a realização de atividades denominadas ocupações, sob a orientação da jardineira, 2 brinquedos e jogos, atividades simbólicas livres, acompanhadas de música e movimentos corporais, destinados a liberar a criança para a expressão das relações que estabelece sobre objetos e situações do seu cotidiano (KISHIMOTO, 2002, p. 64).

Por que a criança brinca? As explicações do brincar da

criança, segundo Nelson Rosamilha (1979, p. 49), podem ser

sintetizadas em seis tendências:

• Aristóteles, Claparède, Freud e Erikson: as crianças

brincam para descarregar suas emoções.

Page 27: Faces das práticas inovadoras: da creche aos anos iniciais da alfabetização1

Um início de conversa: os jogos e as brincadeiras na educação infantil

26

• Spencer: as crianças brincam por terem excesso de

energia; para Groos, brincam porque é um instinto que as

leva à preparação para a vida futura.

• Stanley Hall: o brincar é fruto da hereditariedade e do

instinto que as leva a recapitular as atividades ancestrais

importantes para o indivíduo.

• Hurlock e Sutton-Smith: o brincar é agradável à criança;

a criança joga por seu caráter hedônico [pelo prazer].

• Piaget: “o brincar é um aspecto de todo o

comportamento. Ele está implícito na assimilação que o

indivíduo realiza em relação à realidade”.

Duas obras de Piaget nos mostram o desenvolvimento do

jogo infantil: O Juízo moral na criança e A formação do símbolo na

criança. O primeiro, como o próprio título sugere, é referente aos

julgamentos morais das crianças, suas atitudes em relação às regras e

à justiça ao comportamento ético e Piaget usa o jogo de bolas de

gude para saber como as crianças se submetem e aprendem as

regras. A segunda faz um estudo detido e minucioso sobre a

passagem da inteligência prática ou sensório-motora2 à inteligência

representativa e nos mostra as etapas de desenvolvimento do jogo:

do exercício, jogo simbólico ou faz-de-conta, os jogos de regras e de

construção:

2 Para Piaget, o desenvolvimento da inteligência ocorre em fases, a primeira sensório-motora, “termo que caracteriza o desenvolvimento da criança do nascimento até a idade de dois anos aproximadamente [...], pode ser descrita como desprovida de pensamento ou representação, sem linguagem e sem conceito. [...]. Mas essa inteligência, cujo desenvolvimento se processa de forma extraordinariamente rápida, elabora, nesse nível, as subestruturas cognitivas da inteligência ulterior. Isso constitui prova bastante a sua importância no desenvolvimento genético” (DOLLE, 1995, p.59).

Page 28: Faces das práticas inovadoras: da creche aos anos iniciais da alfabetização1

Maria do Carmo Monteiro Kobayashi

27

Existem três categorias principais de jogo e uma quarta que faz a transição entre o jogo simbólico e as atividades não lúdicas ou adaptações “sérias”. A forma primitiva do jogo, a única representada no nível sensório-motor, mas que se conserva em parte com o passar do tempo é o “jogo do puro exercício”, [...] que consiste em repetir por prazer das atividades adquiridas. [...]. Depois vem o jogo simbólico, cujas características se viram, e que encontra seu apogeu entre os 2-3 e 5-6 anos. Em terceiro lugar, aparecem os jogos de regras (bolas de gude, amarelinha, etc.) que se transmitem socialmente de criança para criança e aumentam, portanto, de importância com o progresso da vida social da criança. (PIAGET; INHELDER, 1994, p. 52-53).

As categorias dos jogos apontadas por Piaget nos mostram

inicialmente que o período sensório-motor não comporta ainda

nenhum simbolismo, a criança repete por prazer as atividades

realizadas ao acaso, como por exemplo, ao tocar um objeto

pendurado e balançá-lo e depois voltar a repetir o mesmo ato, o que

não é um jogo propriamente dito, mas a repetição pelo prazer.

O jogo simbólico, que sucede ao jogo do exercício, tem seu apogeu no período que coincide com a educação infantil. A criança, como mostra Piaget, obrigada a se adaptar ao mundo adulto tem no jogo do faz-de-conta um instrumento “indispensável ao seu equilíbrio afetivo e intelectual” (1994, p. 51) e é no jogo simbólico que a criança pode transformar-se no que quer. É o espaço privilegiado em que ela aprende a lidar com as funções e relações sociais; brincando, a criança exterioriza seus sentimentos e pensamentos.

Paulatinamente, o jogo simbólico vai cedendo lugar ao jogo

de regras, pois, para que a criança possa pertencer a um grupo social,

é preciso que se submeta às regras do grupo e os jogos e as

brincadeiras irão impor situações em que deverá haver um contrato

entre os seus participantes. Assim, por volta dos sete anos, as

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Um início de conversa: os jogos e as brincadeiras na educação infantil

28

crianças passam a brincar e participar dos jogos que requerem a

compreensão de regras; estes são transmitidos socialmente no

convívio com o grupo em que as regras serão construídas e,

portanto, passam a ter um papel importante no convívio social [jogos

de amarelinha, de bafo, de pião, de gude etc.].

Contemporâneo de Piaget, Vygotsky, vai falar sobre o

brinquedo e sua relação com o aprendizado. Segundo Oliveira

(1993, p.66): “A brincadeira de ‘faz-de-conta’, estudada por

Vygotsky, corresponde ao jogo simbólico de Piaget”. Para ele,

[...] no brinquedo, a criança segue o caminho do menor esforço – ela faz o que mais gosta de fazer, porque o brinquedo está unido ao prazer – e, ao mesmo tempo, aprende a seguir os caminhos mais difíceis, subordinado-se a regras e, por conseguinte, renunciando ao que ela quer, uma vez que a sujeição a regras e a renuncia à ação impulsiva constitui o caminho para o prazer no brinquedo. (VYGOTSKY, 1994, p.130).

Ao brincar, a criança tenta ser o que ela pensa que deveria

ser o comportamento esperado ou o papel que deveria assumir; as

crianças, ao brincarem, tentam encarnar corretamente os papéis que

assumem – o que passa despercebido no dia-a-dia, na situação do

brinquedo, torna-se regra de comportamento; “a situação imaginária

contém regras ocultas” (VYGOTSKY, 1994, p.126) que vai criar

uma zona de desenvolvimento proximal3.

3 “[...] é a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração de um companheiro mais capaz” (VYGOTSKY, 1994, p.112).

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Maria do Carmo Monteiro Kobayashi

29

BRINCAR E A EDUCAÇÃO ESCOLAR

A criança hoje tem os mais diversos tipos de brinquedos,

dos objetos simples que ela elege e atribui funções, aos brinquedos

eletrônicos. Mas os brinquedos produzidos industrialmente têm ao

seu favor a força da mídia, o apelo aos dias eleitos para se

presentear: dia da criança, Natal, aniversário, e outros contratos

realizados entre pais e filhos. Para Oliveira (1986, p. 59): “O

brinquedo produzido na sociedade capitalista procura seduzir tanto

os filhos quanto os pais. Os primeiros para sentirem-se atraídos; os

segundos, para que adquiram os brinquedos a seus filhos.”

Mas como bem no mostra Ariès (1981), a família moderna,

que limitou sua prole para oferecer condições ideais de cuidado, tem

exagerado algumas vezes na dose do amor, do proteger, do zelar e

do agradar incessantemente as suas crianças, oferecendo-lhes

“desmedidamente” as “coisas”. Em artigo recentemente publicado

em Folha de São Paulo, no Caderno Mais, intitulado “De olhos bem

fechados”, a superproteção dos pais e responsáveis que suprimem a

possibilidade de erro das crianças e dos jovens leva à formação de

indivíduos inseguros e em estado de dependência permanente. “Na

estufa em que se transformou o processo de criação das crianças, o

brincar é algo que praticamente desapareceu. Mais de 40 mil escolas

americanas não tem mais recreio e o pouco de tempo que resta para

brincar foi corrompido”.

Segundo a escritora do artigo, Hana E. Marano, editora da

Psychology Today, o brincar ajuda a criança a se controlar e a

interagir com outras crianças. Quando se “rouba a infância (e a

brincadeira) de alguém, o resultado em última análise, é que a

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Um início de conversa: os jogos e as brincadeiras na educação infantil

30

infância se prolonga para sempre”. Para a autora, quando se remove

a brincadeira da fase inicial do desenvolvimento, ela surge no final,

prolongando-a mais do que o desejado. Assim, temos visto a

adolescência se prolongar cada vez mais.

O brincar como vimos, em Vygostsky, cria situações em

que as crianças podem e devem experimentar situações futuras. “É

brincando que aprendemos a dar e a tomar, que forma o ritmo

fundamental de todos os relacionamentos”.

SALA DE AULA É LUGAR DE BRINCAR?

O título do artigo de Fortuna (2000) por si só é bem

sugestivo, mas o que impede o educador de usar o brincar nas ações

educacionais? E se a sala de aula for lugar de brincar, qual o seu

papel? Nesse ponto, Freud sabiamente afirmava que o educador

deve se reconciliar com a criança que há dentro dele e que ele foi,

não para voltar a ser criança, mas para entender que para se querer

aprender é necessário que algo nos mova para tanto e o brincar pode

fazer a criança querer aprender. Como afirma Cunha (2000, p. 24), a

Psicanálise nos mostra que a aprendizagem não está restrita aos

aspectos técnico-metodológicos, mas muito mais aos aspectos

interpessoais.

Uma aula lúdica é uma aula que se assemelha ao brincar – atividade livre, criativa, imprevisível, capaz de absorver a pessoa que brinca, não centrada na produtividade. Como “brincar”, na concepção de Winnicoti, “é um modo particular de viver”, é preciso aprender a brincar para ver com prazer e, por extensão aprender com prazer. Assim como um jogo é tanto melhor quanto maior for o potencial instigador e seu espaço para a ação, a aula lúdica é aquela que desafia

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Maria do Carmo Monteiro Kobayashi

31

o aluno e o professor e situa-os como sujeitos do processo pedagógico (FORTUNA, 2000, p. 161).

O jogo e a brincadeira passam a ser então um espaço

privilegiado de confiança em que o professor é autorizado pelo

aluno a saber algo a seu respeito, a conhecê-lo e em que ele pode

identificar as dificuldades dos seus alunos na vida intelectual, social

e afetiva para auxiliá-los, mas diferente da postura diretiva, em que o

professor controla as variáveis da aprendizagem e escolhe o que, e

como fazer; ou da postura espontaneísta, que deixa o jogo correr

livremente; o professor deve posicionar-se com respeito ao rumo que

vai tomar a atividade, considerando o fator acaso no desenrolar do

jogo.

Para que o brincar e o jogar se tornem ações aliadas ao

processo de aprendizagem e, portanto, seja a sala de aula também o

seu lugar, os professores precisam saber quais os objetivos das

propostas de trabalho, quer sejam advindas dos alunos ou propostas

por ele, para ter condição de julgar e saber como utilizar o lúdico no

processo ensino-aprendizado.

Para que possamos nos valer do jogo e do brinquedo – das

atividades lúdicas não só como instrumento de entretenimento

infantil, mas como um valioso recurso pedagógico, é preciso que

conheçamos formas de agrupá-los, pois somente saberemos para

quem, como, quando e onde utilizá-los se soubermos agrupá-los por

diferentes quesitos que servirão de parâmetros para sua utilização.

Várias são as classificações que podem ser realizadas, mas usaremos

como referência as classificações de André Michelet e de Denise

Garon (FRIEDMANN, 1998).

Page 33: Faces das práticas inovadoras: da creche aos anos iniciais da alfabetização1

Um início de conversa: os jogos e as brincadeiras na educação infantil

32

Por que classificar os jogos e brinquedos? A classificação

vai auxiliar a mantê-los organizados de forma funcional. Quando

conhecemos cada brinquedo, poderemos fugir às “tentações” de

escolhermos um brinquedo para nós e nos centrarmos nossas

atenções a quem eles se destinam, num mundo onde os fabricantes e

vendedores estão à espreita no sentido de convencer sobre a sua

última criação classificar o objeto lúdico é primordial para os

educadores e pais.

Os jogos e as brincadeiras podem ser classificados de várias

maneiras, segundo as características etnológicas ou sociológicas, em

função do papel que lhes é atribuído nas diversas sociedades;

filogenéticas, quando analisamos sua evolução no decorrer da

humanidade; psicológicas, em função do desenvolvimento da

criança; e pedagógicas, quando consideramos os aspectos relativos

aos métodos educativos.

André Michelet (FRIEDMANN, 1998) classifica os

brinquedos e jogos segundo os critérios do ICCP [Internacional

Council for Chilgren’s Play], que são relativos a quatro qualidades:

valor funcional, ou seja, sua adaptação em relação ao uso que a

criança vai fazer dele; valor experimental, o que a criança vai fazer e

aprender com ele; valor de estruturação, que é relativo ao “conteúdo

simbólico” que, para Michelet, concerne à elaboração da área afetiva

e, finalmente, o valor de relação que está centrada na possibilidade

de seu usuário estabelecer relações com crianças e adultos, propondo

o aprendizado de regras. “Cada brinquedo encerra estas quatro

qualidades num maior ou menor nível; geralmente, uma delas é

dominante e esta será utilizada para a classificação básica”

(FRIEDMANN, 1998, p. 163).

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Maria do Carmo Monteiro Kobayashi

33

A classificação e catalogação de material lúdico de acordo

com o Sistema ESAR, criado por Denise Garon, em Quebec, no

Canadá, entre 1980 e 1985, passando depois por novas versões

(GARON, 2002), baseia-se nas grandes etapas do desenvolvimento

da criança e nas principais características do brinquedo.

Apresentando de forma simplificada, esta abordagem agrupa os

termos mais comuns no domínio da psicologia e os apresenta em

grandes categorias correspondentes às principais formas da atividade

lúdica. E – exercício; S – simbólico; A – acoplagem; R – regras.

Como podemos verificar, esse sistema é baseado na teoria de Piaget

e nas etapas de desenvolvimento do jogo apresentados na obra A

formação do símbolo na criança.

Os jogos e brinquedos classificados como E – exercício são

aqueles sensoriais ou motores em que a criança repete pelo prazer de

exercitar a ação que lhe produziu resultados interessantes, agitar um

chocalho, pular corda etc. Os simbólicos estão ligados aos

brinquedos que possibilitam atribuir novos significados aos objetos,

aos personagens, aos acontecimentos, como quando as crianças

brincam com bonecas, com personagens de seriados; montam

estruturas cuja imaginação flui e elas podem criar situações reais no

mundo do faz-de-conta. Os de acoplagem são relativos aos

brinquedos de armar, tais como Lego, que consistem em combinar,

construir, montar com vários elementos tendo em vista um objetivo,

a construção de um avião, por exemplo. Finalmente, os de R –

regras, podem ser subdivididos em regras simples e complexas. São

aqueles que comportam as regras relativas às ações, aos objetos, às

estratégias para que se desenvolva o brincar ou jogar; os de

estratégias simples e as complexas que envolvem a combinação e

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Um início de conversa: os jogos e as brincadeiras na educação infantil

34

submissão às regras que têm várias implicações. Aqui, podemos

exemplificar com os jogos de múltiplas estratégias como o War,

Banco imobiliário e RPG4, voltados aos maiores, que já entendem e

podem jogar em grupo.

Não vamos mencionar os jogos eletrônicos tão em moda,

este é um outro assunto que daremos continuidade no estudo dos

jogos e brinquedos futuramente.

Como tão sabiamente nos fala Drumond: “Brincar com a

criança não é perder tempo, é ganhá-lo; se é triste ver meninos sem

escola, mais triste ainda é vê-los sentados enfileirados, em salas sem

ar, com exercícios estéreis, sem valor para a formação do homem”.

Mas como afirmamos no início, esse é um começo de

conversa necessário para que se conheça a possibilidade do jogar e

do brincar na Educação, muito mais temos a aprender sobre o

brincar da criança, pois, como elas, ainda estamos na infância do

conhecimento sobre os processos de aprendizagem.

REFERÊNCIAS

ABRINQ. Associação Brasileira dos fabricantes de brinquedos. Guia dos brinquedos e do brincar. [2004]

ABERASTURY, A. A criança e seus jogos. Porto Alegre: ARTMED, 1992.

ARIÈS, P. A história social da criança e da família. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1981.

4 RPG é a sigla de Role Playing Game, o que significa “Jogo de Interpretação de Papéis”. É um jogo surgiu por volta de 1974, nos EUA, baseado em jogos de estratégia e literatura fantástica, e rapidamente ganhou vários adeptos pelo mundo todo.

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Maria do Carmo Monteiro Kobayashi

35

BROUGÈRE, G. Jogo e educação. Porto Alegre: Artes Médicas, 2003.

______ . Brinquedo e cultura. São Paulo: Cortez, 2001.

DOLLE, J. M. Para compreender Piaget. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1991.

FARIA, A. L. G.; PALHARES, M. S (Orgs.). Educação Infantil Pós-LDB: rumos e desafios. São Carlos: Editora UFSC, 2003.

FERREIRA, A. B. H. Dicionário básico da língua portuguesa. Folha/Aurélio. São Paulo: Nova Fronteira, 1988.

FORTUNA, T. Vida e morte do brincar. In: ÁVILA, I. (Org.) Escola e sala de aula. Mitos e ritos. Um olhar pelo avesso do avesso. Porto Alegre: Editora da UFRG S, 2004.

______ . Sala de aula é lugar de brincar? In: XAVIER, M. L. et al. Planejamento em destaque: análises menos convencionais. Porto Alegre: Mediação, 2004.

FRIEDMANN, A. et al. O direito de brincar. São Paulo: Edições Sociais; Abrinq, 1998.

GARON, D. Le système ESAR. Guide d’analyse, de classification et d’organisation d’une collection de jeux et jouets. Paris: Éditions Asted inc. et Éditions du Cercle de la Librairie, 2002.

KISHIMOTO, T. M. (Org.) Jogo, brinquedo, brincadeira e a educação. São Paulo: Cortez, 2001.

______ . O brincar e suas teorias. São Paulo: Pioneira, 2002.

OLIVEIRA, M. K. Vygotsky. Aprendizado e desenvolvimento um processo sócio-histórico. São Paulo: Scipione, 1993.

MARANO, H. E. De olhos bem fechados. Folha de São Paulo, São Paulo, 20 fev. 2005. Caderno Mais, p. 4-5.

ROSAMILHA, N. Psicologia do jogo e aprendizagem infantil. São Paulo: Pioneira, 1979.

PIAGET, J.; INHELDER, B. A psicologia da criança. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1994.

VYGOTSKY, S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1994.

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Educação infantil: o jogo na construção do conceito numérico

36

EDUCAÇÃO INFANTIL: O JOGO NA CONSTRUÇÃO DO

CONCEITO NUMÉRICO

Elaine Cristina Feijó

Kelly Cristina Ducatti-Silva

“Aprender é a única coisa que a mente nunca se cansa,

nunca tem medo e nunca se arrepende”.

Leonardo da Vinci

RESUMO

Trabalhar o conceito de número desde a Educação Infantil significa estar atento às mudanças que ocorrem no meio social em que vivemos atualmente. Desta forma, iniciar o trabalho de numeralização das crianças também contribui para um melhor processo de abstração e autonomia, que elas passam a adquirir desde os anos iniciais, favorecendo seu desenvolvimento lógico e cognitivo. Este estudo qualitativo pretendeu investigar metodologias que favorecem o trabalho do professor com as crianças enquanto colaborador no processo de desenvolvimento numérico. Os resultados da pesquisa mostram que o trabalho do professor de Educação Infantil deve estar integrado às atividades voltadas para o desenvolvimento do lúdico com a criança, uma vez que, trabalhando com ela jogos que estimulem o seu desenvolvimento e, ao mesmo tempo, lhes dêem prazer, favorece não somente o desenvolvimento lógico-matemático da criança, mas também de todo seu aspecto cognitivo, biológico, sociológico e afetivo, possibilitando a aquisição de habilidades e capacidades, reveladas como essenciais para o desenvolvimento pleno do indivíduo, aprendiz.

PALAVRAS-CHAVE: matemática; jogos; educação infantil.

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Elaine Cristina Feijó

Kelly Cristina Ducatti-Silva

37

INTRODUÇÃO

Os conteúdos da Matemática se fazem importantes no

cotidiano escolar desde a mais tenra idade, ou seja, já no percurso da

criança inserida na Educação Infantil.

Sendo um dos componentes curriculares importantes para

nossa vida, a preocupação e motivação que impulsionaram este

estudo partiu da forma como a Matemática é desenvolvida [de

maneira exaustiva] na maioria dos espaços escolares. Observou-se

que as metodologias adotadas para o ensino de Matemática, muitas

vezes, se resumem à resolução de problemas e nas famosas

“continhas”. Quer-se, com esse recorte, resgatar os aspectos

positivos no ensino da Matemática. Em se tratando de Educação

Infantil, vale ressaltar a importância dos trabalhos lúdicos, que além

de proporcionarem momentos de prazer às crianças nesta faixa

etária, também estimulam seu desenvolvimento. Utilizando-se do

exemplo de jogos, vemos que ao jogar, várias estruturas internas são

acionadas: a memória, a atenção, o contexto social e afetivo, o

processo de resolução de problemas e as primeiras planificações

geométricas.

E para afirmar a importância desse trabalho, vemos que

trabalhar o conceito de número com as crianças na Educação Infantil

significa estar atento às mudanças submetidas à sociedade pós-

moderna. Vivemos tempos cujo predomínio da tecnologia exige

cada vez mais diferentes competências dos sujeitos e enfatiza a

tomada de consciência para o exercício da cidadania.

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Educação infantil: o jogo na construção do conceito numérico

38

Nesse contexto, é fundamental iniciar, já no cenário

infantil, a familiarização da criança com o “mundo” numérico e com

a construção de conceitos matemáticos.

De acordo com estudos de Nunes e Bryant (1997), o

conceito de “ser numeralizado” remete a idéia de:

ser capaz de pensar sobre e discutir relações numéricas e espaciais utilizando as convenções (ou seja, sistemas de numeração e medida, terminologia como volume de área, ferramentas como calculadores e transferidores, etc) da nossa própria cultura (NUNES; BRYANT, 1997, p.19).

Diante deste saber, se faz necessária uma reflexão particular

do professor, à medida que este desempenha papel nuclear no

processo de formação do sujeito-cidadão. Valorizar o ensino do

conceito de número parece ser um dos conceitos fundamentais para

instrumentalizar as crianças no processo de aquisição de um

conteúdo que auxilia na forma do pensar, do compreender, de

simbolizar as relações numéricas.

De acordo com Moro (2004), uma das primeiras idéias de

Jean Piaget foi que os conceitos numéricos mais elementares surgem

de toda uma complicada e rica atividade da inteligência da criança

em suas relações interativas com seu meio-ambiente. As relações ou

idéias que ela, desde pequena, pode retirar de suas ações sobre as

coisas do mundo real; por exemplo, quando conta uma coleção de

coisas quaisquer, quando compara coleções nos termos

bastante/pouco, mais/menos.

Para garantir o desenvolvimento autônomo da criança, é

necessário um estudo mais aprofundado sobre o caminho que ela

percorre para chegar ao conceito de número, partindo das

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Elaine Cristina Feijó

Kelly Cristina Ducatti-Silva

39

quantidades e designando-lhes símbolos. É importante que o

conceito de número seja trabalhado pelo professor considerando os

mecanismos desse processo cognitivo infantil. A elaboração da

relação quantidade-numeral, os signos operatórios, as representações

gráficas do tipo pictóricas, a oralidade são conceitos que deverão ser

construídos e entendidos pelas crianças de forma mais significativa,

podendo levá-las a uma aprendizagem mais satisfatória e, sobretudo,

permitindo aguçar cada vez mais a curiosidade da criança que se

lança a um novo conhecimento.

Tendo em vista os Referenciais Curriculares Nacionais

(BRASIL, 1998), a aprendizagem significativa implica sempre em

alguma ousadia: diante de um problema proposto, o aluno precisa

elaborar hipóteses e experimentá-las. Fatores e processos afetivos,

motivacionais e relacionais são importantes nesse momento. Os

conhecimentos gerados na história pessoal educativa têm um papel

determinante na expectativa que o aluno tem da escola, do professor

e de si mesmo, nas suas motivações e interesses, em seu

autoconceito e sua auto-estima. Assim como significados

construídos pelo aluno estão destinados a serem substituídos por

outros no transcurso das atividades. Diante disso, o jogo tem um

papel importante nesses aspectos, pois irá proporcionar a criança o

aprendizado através do concreto, viabilizando assim com que ela

realize a própria construção do seu conhecimento.

O CONCEITO DE NÚMERO

As crianças estão cada vez mais participando da vida de

seus pais e o mundo em que vivem é hoje extremamente

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Educação infantil: o jogo na construção do conceito numérico

40

“numeralizado”, conforme afirmações de Tancredi (2006). O

número, segundo a autora, é uma forma de expressão que está

presente na sociedade e, independente da classe social, as crianças

estão em contato com ele e vão construindo esse conceito dia-a-dia,

através da imitação, do levantamento e do teste de hipóteses.

Moro (2004) nos relata que instigar a criança a contar e

deixá-la contar conforme sua capacidade é algo indispensável para

que ela tenha progressos com os números. Somente assim ela estará

construindo suas primeiras idéias quantitativas: de que o mundo real

pode ser quantificado, pode ser medido, avaliado numericamente.

O conceito de ser “numeralizado”, ou seja, estar

familiarizado, fazer uso das habilidades matemáticas e de ser

alfabetizado vem mudando significativamente na sociedade

contemporânea.

A CRIANÇA E A CONTAGEM

Figura 1: A representação das primeiras contagens feita pelas crianças

Fonte: TAXA-AMARO, 2004, p.30.

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Elaine Cristina Feijó

Kelly Cristina Ducatti-Silva

41

Dessa forma, vale ressaltar que estamos cercados por um

ambiente de números e quantidades; e para funcionarmos de maneira

apropriada e eficiente nesse ambiente é necessário que sejamos

numeralizados. Tomamos como exemplo o caso de uma criança que

não foi alfabetizada. De acordo com Spinillo (2006), essa criança,

apesar de não dominar a leitura e a escrita, utiliza as convenções e

estruturas lingüísticas apropriadas a cada situação de uso,

conhecendo as funções e as práticas de uso da escrita. Desta forma,

pessoas pouco escolarizadas que não dominam a matemática escrita

[armar contas, usar algoritmos] são capazes de realizar cálculos

mentais complexos em atividades de compra e venda, nas ruas ou na

feira: passam o troco de forma apropriada, calculam o aumento dos

produtos que vendem ou o desconto que podem dar ao freguês.

Essas pessoas, apesar das limitações com a matemática escrita,

demonstram certo nível de numeralização.

Neste caso, ser numeralizado requer familiaridade com o

mundo dos números, pensar matematicamente em situações

diversas, empregando sistemas eficientes de representação e

compreendendo as regras lógicas que regem os conceitos

matemáticos inseridos nessas situações. Dessa forma, tornar-se

numeralizado, segundo Nunes e Bryant (1996), é algo que está

fortemente relacionado ao que a literatura tem denominado “sentido

de número”, ou seja, termo que requer uma análise teórica, mais do

que uma definição, visto que este termo refere-se a domínio

conceitual dos números e das quantidades, podendo ser considerado

um ambiente [no sentido metafórico] no qual as pessoas aprendem a

atuar.

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Educação infantil: o jogo na construção do conceito numérico

42

Podemos considerar as idéias da autora Spinillo (2006):

O sentido de número pode ser entendido como uma habilidade cognitiva que permite que o indivíduo interaja de forma bem-sucedida com os vários recursos que o ambiente fornece, de maneira que se torne capaz de gerar soluções apropriadas para realizar as atividades do cotidiano que envolve a matemática (SPINILLO, 2006, p. 85).

Diante deste cenário, se faz necessária uma reflexão

particular do professor, à medida que este desempenha papel nuclear

no processo de formação do sujeito-cidadão, ou seja, o ensino do

conceito de número parece ser um dos conteúdos conceituais

fundamentais para instrumentalizar nossas crianças no processo de

aquisição de um conteúdo que auxilia na forma do pensar, do

compreender, do simbolizar as relações numéricas.

De acordo com estudos feitos por Rangel (1992), sendo a

matemática uma ciência hipotético-dedutiva, deve ser apresentada

dessa maneira desde as fases iniciais. Assim, professores que

oferecem um nível de abstração e formalização que está acima da

capacidade dos seus alunos dificultam o aprendizado, pois os

quadros lógicos de seus pensamentos não estão desenvolvidos o

suficiente. A saída encontrada pelos alunos é memorizar alguns

procedimentos que lhes permitem chegar aos resultados exigidos

pelo professor.

Segundo estudos feitos por Cerquetti-Aberkane e

Berdonneau (1997), é possível explorar muitas das situações vividas

em aula, utilizando-as como base para o aprendizado da Matemática;

contudo, não devemos ignorar a dificuldade de “matematizar” uma

situação concreta, ou seja, partir de um contexto material, extrair

através de simplificação, de abstração e de diversos outros processos

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Elaine Cristina Feijó

Kelly Cristina Ducatti-Silva

43

intelectuais, um modelo matemático, que é uma estrutura abstrata,

passando a raciocinar dentro do modelo matemático, isto é, dentro

desta estrutura matemática.

Além dessas questões, destacamos o ritmo acelerado das

mudanças tecnológicas, o que nos leva a refletir quais seriam os

conteúdos de Matemática mais úteis aos alunos no futuro.

Deparamo-nos com uma questão de difícil resposta, porém,

podemos nos certificar de que estamos no caminho certo à medida

que preparamos as crianças para enfrentar situações novas com

criatividade e entusiasmo diante do desafio, em vez de ser apenas

instrumentalizadas com fórmulas e modelos-padrão para aplicar em

situações conhecidas e específicas.

Algumas propostas de trabalho para o ensino da

Matemática nos dias de hoje, como nos exemplifica Brito (2001),

estão relacionados aos conteúdos de interesse dos alunos e que se

tornam de importante papel para a aprendizagem matemática. Dentre

eles podemos destacar a “resolução de problemas”, que é uma

proposta mais atual e visa à construção de conceitos matemáticos

pelo aluno através de situações que estimulem sua curiosidade

matemática. Nesse processo o aluno envolve-se com o “fazer”

Matemática no sentido de criar hipóteses e conjecturas e investigá-

las a partir da situação-problema proposta.

Conforme o Referencial Curricular Nacional (BRASIL,

1998), as situações lúdicas, competitivas ou não, são contextos

favoráveis de aprendizagem, pois permitem o exercício de uma

ampla gama de movimentos que solicitam a atenção do aluno na

tentativa de executá-los de forma satisfatória e adequada. Eles

incluem, simultaneamente, a possibilidade de repetição para

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Educação infantil: o jogo na construção do conceito numérico

44

manutenção e por prazer funcional, segurança e oportunidade de ter

diferentes problemas a resolver. Além disso, pelo fato de construir

um momento de interação social bastante significativa, as questões

de sociabilidade constituem motivação suficiente para que o

interesse pela atividade seja mantido (BRASIL,1998).

Dentro desse contexto, vemos a importância dos jogos na

educação matemática e seguindo a teoria piagetiana que vê o jogo

como uma atividade em que prevalece a assimilação, o jogo reveste-

se de um significado funcional, por meio do qual a realidade é

incorporada pela criança, quer em função das necessidades do “eu”

[jogo simbólico], quer em função das exigências de reciprocidade

social [jogo de regras].

Tomamos como exemplo, as idéias de Dias (2005):

É nesse sentido que podemos dizer que o jogo simbólico constitui a gênese da metáfora, possibilitando a própria construção do pensamento e aquisição do conhecimento. Apontamos a importância do trabalho com o jogo e as linguagens artísticas na formação do educador pré-escolar como caminho para a construção de uma pedagogia da criança (DIAS, 2005, p. 47).

Cabe também esclarecer, como nos alerta Mariani (2006),

que não somente os objetos estruturados, inventados pelos

fabricantes que servem como jogos ou brinquedos. Utilizando o

imaginário, a criança “dá vida” a outros objetos simples que a

rodeiam. E isso ocorre muitas vezes quando alguns aspectos sociais

também estão envolvidos, como podemos citar as crianças do sertão

nordestino brincando com “ossinhos de animais”, como se fossem

carrinhos, bonecos, jogos etc.

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Elaine Cristina Feijó

Kelly Cristina Ducatti-Silva

45

A IMPORTÂNCIA DOS JOGOS NA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA

Na educação hoje, um dos temas que tem merecido atenção

dos estudiosos é o das relações entre as brincadeiras e os processos

de desenvolvimento e aprendizagem dos alunos. Em virtude disto

busca-se analisar e constituição e a emergência do jogo e seu papel

no contexto educativo, tendo em vista a questão da ludicidade, que

tem papel importante, tanto no desenvolvimento cognitivo quanto no

desenvolvimento social da criança. Os jogos trazem oportunidade

para o desenvolvimento e aprendizagem do aluno. Neste contexto,

também permitem a autonomia do aluno, que é entendida pelo ato de

ser governado por si mesmo, sendo que passam a fazer suas escolhas

mediante a prática de tomada de decisões, que pode ser por uma

pessoa ou por um grupo. A essência da autonomia é que as crianças

se tornam capazes de tomar decisões por elas mesmas, porém

autonomia não é a mesma coisa que liberdade completa. Kamii e

Clark (1991) defendem a idéia de que autonomia significa ser capaz

de considerar os fatores relevantes para decidir qual deve ser o

melhor caminho da ação. Isso vale tanto para os materiais a serem

usados como para as atividades a serem realizadas. Para o professor,

é importante ressaltar que quando ele não perde de vista a autonomia

com fim maior da educação, ele sempre favorece a própria iniciativa

da criança.

Para ampliar esta discussão, é enfatizado no RCN

(BRASIL, 1998):

A progressiva independência na realização das mais diversas ações, embora não garanta a autonomia, é condição necessária para o seu desenvolvimento. Esse processo valoriza o papel do professor como

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Educação infantil: o jogo na construção do conceito numérico

46

aquele que organiza, sistematiza e conduz situações de aprendizagem (BRASIL, 1998, p. 39).

E neste enredo, no que se refere aos jogos, vemos que os

mesmos não funcionam por si, eles necessitam de uma intervenção

importante do professor, antes, durante e após o momento do jogo e

incentivar as crianças a participarem de todas as atividades.

Devemos ressaltar a importância do jogo em grupo, pois é no jogo

que as crianças praticam a adição, pois são motivadas a pensar e a

lembrar combinações numéricas. Também permitem que as crianças

decidam qual jogo querem jogar e incentivam a interação social e

competição, ou seja, quando as crianças têm a permissão de

tomarem suas próprias decisões, elas negociam regras e vêem as

conseqüências de suas próprias decisões. A interação social é

valorizada na abordagem piagetiana por causa de sua importância

para a construção do conhecimento lógico-matemático.

De acordo com as idéias de Piaget (1978), que se refere

dizendo que primeiramente, o jogo é simples assimilação funcional

ou reprodutora, ou seja, em vez do pensamento objetivo, que procura

submeter-se às exigências da realidade exterior, o jogo da

imaginação constitui, com efeito, uma transposição simbólica que

sujeita as coisas à atividade do indivíduo, sem regras nem

limitações. Porém, não devemos concluir que o jogo se constitui

após a imitação ou que se diferencie menos depressa do que ela em

relação às condutas de adaptação propriamente ditas. É

simplesmente mais fácil de interpretar.

Segundo Kamii e Clark (1991), o jogo é uma forma natural

de atividade humana que desabrocha aos cinco anos de idade e

continuam a ser de interesse durante toda a vida. Justificam dizendo

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Elaine Cristina Feijó

Kelly Cristina Ducatti-Silva

47

que as crianças são mais ativas mentalmente enquanto jogam o que

escolheram e que lhes interessa do que quando preenchem folhas de

exercícios.

Para Moura (2005), a análise dos elementos incorporados

ao ensino de matemática não pode deixar de considerar o avanço das

discussões a respeito da educação e dos fatores que contribuem para

uma melhor aprendizagem. O jogo aparece, deste modo, dentro de

um amplo cenário que procura apresentar a educação, em particular

a educação matemática, em bases cada vez mais científicas.

De acordo com essa idéia, Moura (2005) nos relata que:

ao analisar o jogo no ensino da matemática, podemos fazer uma retrospectiva sobre como este foi sendo incorporado às atividades educativas para que, a partir daí, tenhamos claramente a justeza de seu uso. Não é nossa pretensão fazer uma história do jogo na educação matemática. O nosso objetivo é buscar razões do uso do jogo na educação matemática, atentos aos cuidados a serem tomados com os modismos adotados, sem uma análise prévia das condições em que aparecem as propostas de ensino e das bases teóricas que as sustentam (MOURA, 2005, p.77).

Ainda segundo a autora, o raciocínio decorrente do fato de

que os sujeitos aprendem através do jogo é de que este possa ser

utilizado pelo professor em sala de aula. As primeiras ações de

professores apoiados em teorias construtivistas foram no sentido de

tornar os ambientes de ensino bastante ricos em quantidade e

variedade de jogos, para que os alunos pudessem descobrir conceitos

inerentes às estruturas dos jogos por meio de sua manipulação.

Essas concepções têm como principal característica a

crença de que o desenvolvimento cognitivo é a sustentação da

aprendizagem, isto é, que para haver aprendizagem é necessário que

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Educação infantil: o jogo na construção do conceito numérico

48

o aprendiz tenha um determinado nível de desenvolvimento. Tal

crença pode colocar o educador na posição dos que apenas

promovem situações desafiadoras para os sujeitos em situação

escolar.

Para afirmar essa idéia, tomamos como exemplo as idéias

de Moura (2005):

o jogo, ainda segundo essa concepção, deve ser usado na educação matemática obedecendo a certos níveis de conhecimento dos alunos tidos como mais ou menos fixos. O material a ser distribuído para os alunos deve ter uma estruturação tal que lhes permita dar um salto na compreensão dos conceitos matemáticos. É assim que materiais estruturados, como blocos lógicos, material dourado, Cuisinare e outros - na maioria decorrentes destes -, passaram a ser veiculados nas escolas (MOURA, 2005, p.78).

Desta forma, o jogo, na educação Matemática, passa a ter o

caráter de material de ensino quando considerado promotor de

aprendizagem. A criança, colocada diante de situações lúdicas,

apreende a estrutura lógica da brincadeira e, deste modo, apreende

também a estrutura matemática presente.

Nesta perspectiva, o jogo será conteúdo assumido com a

finalidade de desenvolver habilidades de resolução de problemas,

possibilitando ao aluno a oportunidade de estabelecer planos de ação

para atingir objetivos, executar jogadas segundo este plano e avaliar

sua eficácia nos resultados obtidos.

Para facilitar o trabalho do educador, Kamii e Clark (1991)

nos propõem cinco aspectos seqüenciais dos jogos, que são: escolhê-

los, ou seja, não escolha jogos que não sejam nem muito difíceis,

nem muito fáceis, mas não se preocupe muito sobre esse aspecto e

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Elaine Cristina Feijó

Kelly Cristina Ducatti-Silva

49

sobre a questão de ser ou não apropriados. As próprias crianças

acabam por decidir se elas gostam ou não de um jogo.

Já na introdução dos jogos em sala de aula, podemos seguir

algumas sugestões:

• Jogar com poucas crianças em frente da classe para

demonstração, pois fomenta a interação entre jogadores e

espectadores, que trocam idéias sobre estratégias para

vencer o jogo. Obviamente não é bom para jogos com

regras muito complicadas.

• Jogar com várias crianças e dizer ao restante da classe

que poderiam aprender com elas. Neste caso, o professor

deve escolher para primeiros jogadores as crianças que

sejam hábeis e altruístas para que expliquem as regras a

seus companheiros, tendo em vista, que o professor tem

certeza de que estes jogadores entenderam bem as regras

e estão passando corretamente para os companheiros.

• Jogar em pequenos grupos até que todas as crianças

chegassem a jogar com o professor. Embora leve mais

tempo, é o melhor meio de introduzir jogos com regras

muito complicadas.

• Mostrar um jogo para as crianças e perguntar se ele

precisava ser explicado, tendo em vista que alguns jogos

por serem mais simples, já são de conhecimento das

crianças e porque também contribuem para desenvolver a

autonomia, resolvendo suas próprias disputas e

inventando regras para os jogos.

Com relação à participação nos jogos, a teoria de Piaget

mostra-nos a necessidade de agir de forma diferente daquela que os

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Educação infantil: o jogo na construção do conceito numérico

50

adultos em geral têm quando jogam com crianças. Eis os princípios

a serem seguidos:

• Concorde com as idéias das crianças e sua forma de

pensar, mesmo que elas lhe pareçam estranhas. Quando a

construção da autonomia das crianças é valorizada, é

importante que elas mesmas façam suas próprias regras.

• Dê às crianças muito tempo para pensar. A perda de

interesse no jogo, às vezes, acontece quando uma criança

avançada joga com uma mais lenta. Tentemos fazer com

que a vez de todos seja respeitada.

• Interfira sempre de forma indireta, nunca corrigindo

respostas erradas ou jogadas pouco inteligentes, ou seja,

o professor deve agir sempre como se fosse apenas um

dos jogadores.

• Incentive a interação, ou seja, é bom para as crianças

trocar pontos de vista.

Para encerrar um jogo, desestimule a competição e

simplesmente pergunte às crianças o que elas querem fazer em

seguida. Ganhar não é a coisa mais importante. Uma boa regra é o

professor perguntar: “Quem ganhou?” e em seguida “O que vocês

querem fazer agora?”.

A avaliação dos resultados deve ser feita posteriormente

aos jogos com uma espécie de discussão, levando em conta

acontecimentos durante os jogos, como uma forma de raciocínio de

algum jogador participante.

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Elaine Cristina Feijó

Kelly Cristina Ducatti-Silva

51

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As considerações acerca das reflexões sobre o jogo na

construção do conceito numérico das crianças na Educação Infantil

revelam-se como nova possibilidade de desenvolver concepções

numéricas, utilizando-se de atividades lúdicas que favoreçam tal

aquisição.

É constatado, a partir da literatura pesquisada e da

observação dos jogos em sala de aula, que o trabalho do professor de

Educação Infantil também deve estar voltado para o

desenvolvimento de atividades lúdicas que favoreçam o aprendizado

do aluno, pois tais atividades, além de prazerosas para crianças nessa

faixa etária, também contribuem para o desenvolvimento da

autonomia, valores e habilidades.

Neste sentido, o jogo, como material lúdico é de grande

função para a educação e deve ser explorado de forma produtiva e

intencional, ou seja, o trabalho realizado em sala de aula deve ter a

intervenção do professor e apresentar um contexto didático que ele

possa estar trabalhando com os alunos, como podemos citar os

conceitos numéricos, por exemplo.

Quando se trabalha questões matemáticas, desde a

Educação Infantil, valendo-se da questão lúdica e prazerosa que o

jogo proporciona às crianças, oportunizando um contato voltado aos

seus interesses de modo que atenda às necessidades da faixa etária

em questão, o contexto ensino-aprendizagem apresenta um melhor

resultado e novas possibilidades de abstração e de autonomia por

parte das crianças. Trata-se de um cenário favorece a provocação de

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Educação infantil: o jogo na construção do conceito numérico

52

novos conhecimentos e a constituição de sujeitos críticos, a partir

das relações estabelecidas com a vida cotidiana.

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Elaine Cristina Feijó

Kelly Cristina Ducatti-Silva

53

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RANGEL, A. C. R. Educação matemática e a construção do número pela criança: uma experiência em diferentes contextos sócio-econômicos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1992.

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Educação moral: dimensão educativa necessária para a infância

54

A EDUCAÇÃO MORAL: DIMENSÃO EDUCATIVA NECESSÁRIA

PARA A INFÂNCIA

Marta de Castro Alves Corrêa

Antonio Francisco Marques

RESUMO Este artigo procura a partir do contexto de contemporaneidade discutir o papel da educação infantil no processo de formação humana, focando de modo específico a formação moral das crianças. A educação moral que é vista de forma secundária, ignorada ou mesmo negada nas escolas, é colocada como uma necessidade para a educação infantil.

PALAVRAS-CHAVE: Educação infantil, formação humana, educação

moral.

INTRODUÇÃO

Ao defrontar com o limiar do século XXI, quando as

sociedades parecem caminhar de modo inexorável para o caos e a

barbárie, com o risco sério para a sobrevivência da vida no Planeta

Terra, se impõe a necessidade de formação de um novo homem. A

constituição desse novo sujeito humano impõe a superação de uma

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Marta de Castro Alves Corrêa Antonio Francisco Marques

55

formação fragmentada, decorrente de uma visão positivista e

materialista, por uma perspectiva de educação integral que

possibilite o desenvolvimento total de todas as dimensões humanas,

seja corporeidade, inteligência, sensibilidade, sentido estético,

responsabilidade pessoal, consciência social e espiritual.

A necessidade da escola contribuir para a construção social

de novo projeto humanista, que leve a superação desmedida da

competitividade e do economicismo, demanda urgência de

transformar-se em um espaço de reflexão e mudanças das relações

ético-morais em uma sociedade em crise. Assim, nos parece

pertinente que o ensino de valores se edifique nas instituições

educativas, posto que são espaços privilegiados de geração de

comportamentos e atitudes construídos pelos alunos desde a

infância. Portanto, as escolas de Educação Infantil devem cada vez

mais voltar-se para o ensino intencional desses conteúdos para que

seus sujeitos educativos cresçam convencidos da necessidade de

uma cultura de paz, fundada nos princípios de respeito, solidariedade

e responsabilidade para consigo mesmo e com os outros.

A INFÂNCIA E A ESCOLA

A contemporaneidade será definida, segundo o historiador

da educação Franco Cambi (1999), pela afirmação, desenvolvimento

e centralidade de novos sujeitos educativos: a criança, a mulher, o

deficiente, as etnias e as minorias culturais. No caso específico da

criança, esta passa a ser descoberta já nas primeiras manifestações

da Modernidade [entre Humanismo e Renascimento], reclamando a

construção de instituições educativas voltadas ao atendimento

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Educação moral: dimensão educativa necessária para a infância

56

específico desta faixa etária. Esse reconhecimento se dá de forma

gradativa pelos séculos posteriores, sendo ainda no presente desafio

em muitas sociedades.

Hoje, “os direitos das crianças estão claramente

regulamentados, seus maus tratos perseguidos e punidos; a

mortalidade infantil foi reduzida de maneira drástica; a escolarização

obrigatória está sendo ampliada” (PALÁCIOS, 2004, p.20). Embora

muito ainda há que ser feito, a educação escolar assume um papel

imprescindível no/e/pelo processo de construção social da infância.

Isso quer dizer que, se por um lado, o reconhecimento da infância

como fase específica da vida humana com seu papel e com suas

necessidades demandou por espaço próprio para ação educativa

formal e intencional - a escola-; por outro, pautadas nas práticas

educativas desenvolvidas nestes locus levaram ao progresso das

idéias sobre a criança com seu potencial, necessidades humanas e

sociais.

É importante salientar que as transformações da infância

não ocorrem de modo tranqüilo ou sem conflitos e contradições.

Esta realidade se fez presente na sociedade brasileira de modo

nítido. Se a escola para todos representa, nas sociedades

contemporâneas, a expressão do seu estado civilizatório, no caso

específico do Brasil a educação escolar ainda constitui, a partir de

uma análise mais apurada e crítica, um direito social usurpado

(MARQUES, 2000).

Mesmo com o início da implantação do Fundo de

Manutenção e Valorização dos Profissionais da Educação Básica -

FUNDEB5, que em si já representa uma imensa conquista, pelo fato

5 Lei Nº. 9.424, de 24 de dezembro de 1996.

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Marta de Castro Alves Corrêa Antonio Francisco Marques

57

de ampliar os recursos financeiros aos outros níveis da educação

básica, a escola obrigatória ainda se reduz ao ensino fundamental,

para crianças de sete a quatorze anos, que neste momento ainda não

pode ser considerada uma escola para todos, mesmo que os números

das estatísticas oficiais desde o final do século passado falem na

universalização desse nível de escolaridade, a realidade tem

apontado que a democratização ainda está distante, pois não basta

garantir o acesso de todos à escola, sem garantir a permanência e

aprendizagem dos conteúdos curriculares.

Porém, não seria justo deixar de reconhecer que, com muito

esforço e luta, com avanços e recuos, aos poucos as classes

populares vão conquistando para suas crianças e jovens o direito

efetivo de acesso e permanência à escolarização. Podemos destacar

o ensino infantil, o qual, foi nos últimos anos reconhecido como

atividade pedagógica de extrema relevância. A riqueza do ensino

formal nos primeiros anos de vida está no fato de que, “[...] é

justamente na idade pré-escolar que se desenvolvem o germe da

personalidade humana” (CAMBI, 1999, p. 387). Entretanto, há uma

necessidade de superar a visão predominante apenas de cuidado,

deste nível de ensino, por uma compreensão mais educativa que leve

a superação das práticas pedagógicas marcadas pelo laissez-faire,

diante da exigência de conhecimentos e habilidades precisas e

profundas na ação dos educadores, a fim de garantir um

desenvolvimento pleno da criança que se encontra em acelerado

processo de formação, devendo ser atendida nos aspectos: cognitivo,

afetivo, social e cultural. Sendo, portanto, a responsabilidade destes

profissionais as funções de educar e cuidar.

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Educação moral: dimensão educativa necessária para a infância

58

Como já salientado, o ensino da criança menor de sete anos,

nem sempre foi visto dessa forma. Devido a forte influência de uma

concepção higienista de cuidados assistenciais que tinha o intuito de

atender exclusivamente as crianças de baixa renda, e advindos da

incorporação da mulher no mercado de trabalho, emergindo a

necessidades de espaços destinados ao atendimento de crianças desta

faixa etária (OLIVEIRA, 2002).

Neste contexto, foi a partir das décadas de 60 a 80 do

século XX que as transformações ocorreram de forma mais

significativas em âmbito da preocupação com a Educação Infantil,

na qual se efetiva no Brasil na Constituição Federal de 1988,

defendendo a criança de zero a seis anos, o direito a esta modalidade

de ensino, sendo dever do Estado e facultativo a família. Também o

Estatuto da Criança e do Adolescente [ECA], de 1990, menciona

este atendimento, no sentido de acatar a Constituição quanto ao

direito da criança pequena à educação formal, conforme destaca

Montenegro (2001).

A Lei nº. 9.394, de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional – LDBEN de 1996 estabeleceu de forma normativa a

vinculação da criança de zero a seis anos, como primeira etapa da

Educação Básica. Desse modo, a Educação Infantil passa a fazer

parte da Estrutura e Funcionamento da Educação Escolar Brasileira

com a finalidade explícita de “cuidar e educar”, como expressa seus

objetivos no Referencial Curricular Nacional para a Educação

Infantil (BRASIL, 1998).

Contudo, o binômio cuidar e educar ainda não estão muito

claros entre os profissionais da educação, os quais vêem o cuidar

como atividade de menos prestígio, como salienta Montenegro

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Marta de Castro Alves Corrêa Antonio Francisco Marques

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(2001). A escola de educação infantil tem oscilado entre estas duas

funções. Acredita-se que o cuidar está mais voltado ao cotidiano das

creches, e o educar, está ligado à pré-escola, ou seja, instituições de

meio período que atendem crianças de três a seis anos, apresentando

uma clara dificuldade de integrar as duas funções, que na realidade

não se separam.

Seguindo este raciocínio, vários municípios, formalmente,

não separam mais creches de pré-escola, mas incluem-nas como

modalidades de ensino infantil, distinguindo apenas na questão do

período de permanência da criança na escola, podendo ser matutino,

vespertino ou integral, para melhor atender as necessidades da

criança e da família. Contudo os aspectos educacionais devem

permear na garantia das mesmas oportunidades, dentro de uma

proposta pedagógica que segundo Oliveira (2002, p. 48)

[...] deve considerar a atividade educativa como ação intencional orientada para a ampliação do universo cultural das crianças, de modo que lhes sejam dadas condições para compreender os fatos e os eventos da realidade, habilitando-as a agir sobre ela de modo transformador.

É notória a importância que a educação assume diante das

vivências das práticas sociais e culturais. O imperativo que impõe

para a sociedade brasileira com relação a infância é que trata-se de

um voltar-se aos direitos da pessoa, isto é, reconhecimento do tempo

da infância atrelado a "um tempo humano, social, cultural e

identitário" a exemplo que Arroyo (2005, p. 21) defende para a

juventude e os adultos. Contrariamente, as políticas públicas para a

infância a nível concreto não têm atentado para a efetivação desse

direito, mesmo que as convenções internacionais assinadas pelo país

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Educação moral: dimensão educativa necessária para a infância

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imponha esse imperativo. Dessa forma, mudanças políticas,

pedagógicas e culturais devem ser implementadas para que garantam

as crianças, educação infantil necessária ao seu desenvolvimento

humano.

Segundo Oliveira (2002), muitas escolas de educação

infantil que se julgam progressistas6, orientam-se primordialmente

nos pressupostos do desenvolvimento cognitivo, e ainda assim, de

modo muito restrito, ignorando a função do afeto e do cuidado neste

processo, a ênfase está em conteúdos e ações didáticas, muitas

vezes, próprios do ensino fundamental.

Não queremos aqui dizer, que tais conhecimentos não

sejam possíveis de serem trabalhados, desde que, estejam dentro de

vivências significativas das crianças, que propiciem a ampliação da

leitura do mundo e seus fenômenos, num trabalho que inicie a

formação de atitudes mais elaboradas de compreensão da realidade.

Sem a pretensão de generalizar, hoje, a educação infantil

mesmo buscando uma identidade própria no sistema de ensino, tem

muitas vezes, seguindo rígidas rotinas com turmas seriadas, fazendo

prevalecer a idéia de período preparatório para o ensino

fundamental. A educação infantil não surge como base prévia para

o ensino fundamental e nem esta constitui continuidade daquela. A

origem do ensino fundamental é anterior a educação infantil.

Dessa forma entendemos que a educação infantil necessita

buscar a justa medida, a qual, na procura de se institucionalizar não

acabe por regular demais a infância, cerceando sua natureza. Por

6 Comprometida com a transformação social, de inspiração socialista. A este respeito consultar, SNYDERS, Georges. Pedagogia progressista. Portugal: Almedina, 1974.

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Marta de Castro Alves Corrêa Antonio Francisco Marques

61

outro lado, não pode torná-la um espaço da espontaneidade do

laissez faire, na qual, as dominações e os interesses pessoais

prevaleçam.

Neste sentido, é necessário ao educador o conhecimento do

Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (BRASIL,

1998), os Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação

Infantil e os Parâmetros Básico de Infra-estrura para Instituições de

Educação Infantil (BRASIL, 2006) que visam subsidiar o trabalho

educativo e técnico dos professores e demais profissionais da

educação infantil, considerando-se as especificidades afetivas,

emocionais, sociais e cognitivas das crianças de zero a seis anos.

Estabelecendo objetivos, conteúdos e orientações didáticas que

devem nortear os espaços físicos e os projetos político pedagógico

das escolas de Educação Infantil.

Deve-se buscar, neste contexto, uma visão ampliada dos

conteúdos escolares:

Os conteúdos abrangem, para além de fatos, conceitos e princípios, também os conhecimentos relacionados a procedimentos, atitudes, valores e normas como objetos de aprendizagem. A explicitação de conteúdos de naturezas diversas aponta para a necessidade de se trabalhar de forma intencional e integrada com conteúdos que, na maioria das vezes, não são tratados de forma explícita e consciente (BRASIL, 1998, p. 49).

É nesta perspectiva que o ensino de valores deve edificar-se

nas instituições educativas, posto que são espaços geradores de

atitudes transmitidas aos alunos, mesmo que implicitamente, porém,

“[...] conceber valores normas e atitudes como conteúdos, implica

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Educação moral: dimensão educativa necessária para a infância

62

torná-los explícitos e compreendê-los como passíveis de serem

aprendidos e planejados”(idem p. 51).

Esta prática exige reflexão dos educadores sobre os valores

que são transmitidos cotidianamente e os valores que pretende-se

desenvolver, afim de promover a gradativa autonomia do aluno.

Uma educação que busca a autonomia vê na criança seres

com vontade própria, com capacidade para serem sujeitos de suas

aprendizagens, e uma vez estimulados em situações cotidianas, serão

também capazes nas questões valorativas.

Desse modo, oportunizar atividades nas quais as crianças

sejam estimuladas a realizarem suas próprias ações e julgamentos,

gerenciando-as por princípios que não sejam os da simples

obediência, mas antes, de um entendimento das regras e sanções

como co-partícipe de suas elaborações, promovendo assim, o avanço

da heteronomia para a autonomia, que envolve tanto os aspectos

cognitivos e afetivos como os sócio-culturais. Neste ínterim, a

criança passa a ter noção da importância da cooperação e

reciprocidade em um ambiente humano que se propõe à construção

do bem comum.

O EDUCADOR E A FORMAÇÃO MORAL DA CRIANÇA

Diante da confusão valorativa sobre o certo e o errado, o

bem e o mal, que se vivencia, não há mais clareza entre os limites do

permitido e do proibido. A violência e o desrespeito à pessoa

humana vêm se tornando ao mesmo tempo insustentável para muitos

e paradoxalmente comum e corriqueiro a outros, que se encontram

apáticos diante de fatos que deveriam ser combatidos.

Page 64: Faces das práticas inovadoras: da creche aos anos iniciais da alfabetização1

Marta de Castro Alves Corrêa Antonio Francisco Marques

63

A escola se vê envolta, nesse quadro que parece

encaminhar as sociedades para a violência, o caos ou a barbárie,

sendo cobrada a sua contribuição para superação desse drama social.

Por um lado há considerações analista sociais de que a sociedade

contemporânea está marcada pela incapacidade de socialização das

instituições educativas tradicionais, como a família e a escola, para

"garantir e transmitir com eficácia valores e normas culturais de

coesão social” (TEDESCO, 2004, p. 30).

Porém, se impõe a necessidade das escolas criarem uma

nova cultura da aprendizagem para se dar conta desses desafios, o

que é visto como deterioração da aprendizagem resulta das

exigências de "novos conhecimentos, saberes e habilidades que

propõe a seus cidadãos uma sociedade com ritmos de mudança

muito acelerados” (POZO, 2002, p.23). Quando se fala em educação

moral ou formação ética do educando acaba sendo visto como uma

prática educativa impossível ou mesmo indesejável.

Num contexto de desumanização, como Paulo Freire diria

de "desgentificação" em sua análise existencial-fenomenológica,

suscita-se a premente análise e a reflexão sobre quais contribuições

o professor dará para a formação de sujeitos humanizados? Está

trabalhando os valores humanos de forma que façam sentido à vida,

a introspecção e à ação dos alunos? Que função a educação formal

assume frente à realidade posta? Neste sentido, Marina Subirats

(2000) coloca sobre a necessidade de que a educação no século XXI

tem a urgência de uma educação moral.

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Educação moral: dimensão educativa necessária para a infância

64

Para Puig (1998, p. 16), a educação moral deve:

a) Converter-se em âmbito de reflexão individual e coletiva que permita elaborar racional e autonomamente princípios de valor, princípios que ajudem a defrontar-se criticamente com realidades como a violência, a tortura ou a guerra. b) Ajudar a analisar criticamente a realidade cotidiana e as normas sócio-morais vigentes, de modo que contribua para idealizar formas mais justas e adequadas de convivência. c) Aproximar os educandos de condutas e hábitos mais coerentes com os princípios e normas que vão construindo. d) Formar hábitos de convivência que reforcem valores como a justiça, a solidariedade, a cooperação ou o cuidado com os demais.

Sabemos, no entanto, que a formação de valores não é

responsabilidade única da família e/ou da escola, uma vez que a

criança está inserida num contexto sócio-cultural mais amplo, que

repercute na formação da personalidade moral do aluno por sofrer

influências informais bastante marcantes através da mídia, grupos de

lazer, do convívio comunitário, entre outros, que embora não tenham

finalidades educativas explícitas são amplamente formativas. Tais

influências são classificadas por Puig (1998) como práticuns morais,

que se configuram em situações habituais da vida, que transmitem os

“guias culturais” de valor. Assim, por não viver alheia a este

processo a criança reproduz o sistema de valores que lhes são

transmitidos.

O educador atento deve utilizar-se das situações de

práticum moral como estratégias eficientes para transmitir os

recursos morais que norteiam uma comunidade, além de ensaiar

novas formas de comportamentos frente às intervenções educativas,

através da instituição de práticas cooperativas de trabalho, situações

de debate coletivo, entre outros.

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Marta de Castro Alves Corrêa Antonio Francisco Marques

65

Desse modo, os conflitos cotidianos, tão presentes nas

relações escolares como: tomar um brinquedo de um amigo, agredir,

romper acordos, podem e devem ser resolvidos através da reflexão e

do diálogo, no qual os julgamentos morais não dependam

exclusivamente dos valores convencionados, mas de princípios e

critérios que variam conforme as exigências de uma situação,

marcada pela compreensão que avalia as peculiaridades.

Neste sentido os jogos e as brincadeiras devem ser

entendidos como um grande aliado, onde a partir da detecção de

conflitos os quais as crianças não conseguem resolverem por si

mesmas, possam ser explorados em situações de brincadeiras,

principalmente as que envolvem trocas de papéis, pois as levam a

refletir sobre outras possibilidades e pontos de vistas, como enfatiza

Elkonin (apud, ALVAREZ; DEL RIO, 1996).

É nas relações com os companheiros em sala de aula que as

crianças vêm a conhecerem mais claramente a si mesmas e aos

outros. A tomada de consciência das diferentes intenções é fator

crucial ao desenvolvimento moral, que se dá como um processo e

não como um produto, onde as crianças enfrentam questões sobre o

que acreditam ser bom ou mau, certo ou errado, enfim, “constroem

seu senso de moral a partir das experiências da vida cotidiana”

(DEVRIES; ZAN, 1998, p. 37). Ao mesmo tempo em que a

consciência moral é pessoal, também é sócio-cultural.

Embora pareça simples este processo não ocorre de forma

natural entre as crianças, há que se promover às intervenções

necessárias que encoraje o grupo a gradativamente assumir uma

postura comunicativa de resolução de conflitos, o professor

representa neste contexto o grande mediador e exemplo, do qual é

Page 67: Faces das práticas inovadoras: da creche aos anos iniciais da alfabetização1

Educação moral: dimensão educativa necessária para a infância

66

possível manter a coerência entre os valores morais que são

pregados e os que realmente são praticados. Ele deve intervir na

realidade escolar rejeitando certos valores e reforçando outros.

Puig (1998) entende a educação moral como um ato de dar

forma moral à própria identidade partindo da reflexão e da ação em

situações próprias do universo do sujeito, construindo

gradativamente sua personalidade. É nesta perspectiva de relacionar

a moral e a personalidade que o autor avança na discussão sobre a

moralidade proposta por Piaget. Haja vista que o homem não é

apenas um ser natural, mas principalmente social, e a sua

personalidade se forma na ação conjunta destas forças.

Montenegro (2001) observa que a síntese de personalidade

moral que Puig propõe é de que ela apresenta-se como uma junção

da consciência pessoal do indivíduo, somada a aquisição dos

modelos externos enfatizados nos convívios sociais.

A autora salienta ainda, que o educador necessita

compreender que o desenvolvimento moral contempla vários

aspectos, cognitivos, emocionais, pessoais e universais, os quais dão

fundamento à formação para o cuidado delas próprias e de seus

alunos. O cuidado está intimamente atrelado ao desenvolvimento da

personalidade moral do sujeito, a este respeito afirma que ”[...] não

só é possível, mas também necessário, educar para o cuidado”

(MONTENEGRO, 2001, p. 140).

O desafio dos educadores que buscam esta perspectiva deve

ter como base a vivência prática da moral que se almeja como

referência de educação sistemática e possível. Mas para que isso

ocorra é preciso tratar da formação do professores de modo que se

sintam aptos para exercer a educação moral com seus alunos.

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Marta de Castro Alves Corrêa Antonio Francisco Marques

67

Metaforicamente a educação moral como construção da

personalidade se assemelha a uma oficina onde se pratica um ofício.

Assim, descreve Puig:

[...] a educação como construção supõe um processo no qual o educando adota o papel de um aprendiz que trabalha junto a um especialista ou tutor, e este, no mesmo ato de produzir bens, lhe transmite conhecimentos e o ajuda a adquirir capacidades, em suma, forma-o como um novo especialista nas tarefas próprias da oficina [no nosso caso, nas tarefas próprias da vida moral] (PUIG, 1998, p. 229).

Nunca é tão cedo para que a criança adentre ao mundo dos

valores morais, e assim como a família, a escola desempenha um

importante papel neste processo. "As escolas vão se tornando cada

vez mais agentes primários de socialização, instituições totais,

porque incidem na globalidade do indivíduo" (SACRISTAN, 2000,

p.56).

É neste sentido, que apontando para a formação de sujeitos

mais autônomos e reflexivos, bem como, afirmando a importância

da cooperação, pautada em uma relação dialógica e dialética, como

estratégia a conceber a construção de formas de vida mais humanas

do ponto de vista ético, que se dá, o papel fundamental de mediação

do professor, o qual deve conduzir sistemática e intencionalmente a

criança, a fim de:

Estabelecer e ampliar cada vez mais as relações sociais, aprendendo aos poucos a articular seus interesses e pontos de vista com os demais, respeitando a diversidade e desenvolvendo atitudes de ajuda e colaboração (BRASIL, 1998, p. 63).

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Educação moral: dimensão educativa necessária para a infância

68

Para que este objetivo se concretize é premente que a

questão dos valores ocupe um espaço privilegiado na formação dos

professores, descentrado do foco exclusivo dos conteúdos

curriculares tradicionais. É preciso um novo olhar que radicalize os

fundamentos deste pensar na educação das novas gerações, que não

seja tão somente transmissora de conhecimentos acadêmicos

avaliáveis, mas acima de tudo, transmissora de valores que conduza

o indivíduo a agir com autonomia e responsabilidade necessárias,

condizentes a uma educação que possibilite aos educandos e ao

educador apropriação de características humanas e humanizadoras.

Ao postular o eu na conquista da autonomia por parte do

educando se faz necessário colocar a experiência de autonomia

como meta básica. DeCharms, em um projeto desenvolvido com

crianças, coloca que para que esse processo aconteça há a

necessidade de que se leve em conta aspectos motivacionais internos

do formando, pois assim este assume os objetivos educativos

propostos como seus, e não como algo estranho e imposto

externamente, não passando de uma marionete nas mãos dos adultos.

Para isso os professores que trabalharam no projeto procuraram

levar as crianças a tomar consciência de:

1) suas próprias motivações; 2) a necessidade de ser sensível ao direito e à necessidade que os demais têm de ser autônomos; 3) o que significa aprender e a satisfação que isso comporta; 4) o que significa ser autônomo, comparado a ser marionete; 5) como se pode incrementar a própria autonomia, impondo-se metas realistas e trabalhando para sua consecução; e 6) a importância de assumir a própria responsabilidade (in TAPIA e GARCIA-CELAY, 1996, p. 166).

Page 70: Faces das práticas inovadoras: da creche aos anos iniciais da alfabetização1

Marta de Castro Alves Corrêa Antonio Francisco Marques

69

Em um trabalho anterior7 realizou-se um estudo qualitativo

com alguns professores de educação infantil sobre suas

representações quanto à formação moral das crianças em suas

práticas pedagógicas cotidianas. Partia-se do pressuposto de que

embora exista uma grande preocupação com a formação moral da

criança em instituições de educação infantil, este processo se dá de

forma assistemática e paliativa, com ênfase na informação. Isso se

dá, por desconhecimento do professor de uma teoria pedagógica que

sustente suas práticas e mesmo pela falta de consciência da função

social da educação escolar. E, dentro da dimensão de formação

moral da criança, podemos ainda somar o papel das relações

interpessoais, habilidades aprendidas que muitas vezes os

professores não dominam. Tal fato pouco possibilita uma mudança

de comportamento do sujeito e conseqüentemente das relações

sociais que estão postas.

Para Tavares (2001, p. 59e 64):

[...] as relações interpessoais deverão ser reflexivas, flexíveis, resilientes por natureza pelo que a resiliência deverá ser considerada não apenas como um dos pontos de convergência do desenvolvimento pessoal e social das pessoas, mas também como um fator de equilíbrio interior e exterior do sujeito. [...] a reflexibilidade, a flexibilidade e resiliência serão o novo rosto da sociedade emergente que pretende ser mais esclarecida, autêntica, cordial, tolerante, solidária, humana, em que as relações pessoais e interpessoais assumirão o seu verdadeiro sentido e relevância em todas as formas de manifestação da ação humana.

7 CORRÊA, Marta de Castro Alves. O desenvolvimento moral da criança na instituição de Educação Infantil. Trabalho de Conclusão de Curso (Licenciatura em Pedagogia) – Faculdade de Ciências, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Bauru, 2006, 71f.

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Educação moral: dimensão educativa necessária para a infância

70

Os resultados das análises indicaram, que de modo geral, as

professoras carecem de suporte teórico consistente quanto ao

desenvolvimento e formação da personalidade moral da criança,

podendo esta ser autônoma ou heterônoma, dependendo das

situações objetivas que forem mediadas neste processo. Tal fato

verifica-se pelas colocações superficiais apresentadas e suas

desvinculações de estudos científicos. A maioria das professoras

reproduz aquilo que viveram e tiveram como exemplos, baseadas no

senso comum, pautam-se então em “achismos” ou apegam-se a

preceitos religiosos como parâmetro.

Reiteramos aqui, que não dá para ignorar que a religião

pode ter um papel importante no processo de formação humana e os

valores morais colocados pelas crenças dos professores influenciam

as suas práticas educativas.

Este fato em si, não traria nenhum estranhamento se a

escola que estivéssemos nos referindo fosse confessional, e mesmo

se a professora tenha discernimento suficiente para utilizar-se de

referenciais ético-morais comuns aos educandos. Aliás, não se pode

perder de vista que a escola que se está referindo é uma pública,

laica, aberta democraticamente a todos, independentes de credo. O

risco está em impor aos alunos uma perspectiva que Vidal (2007)

denomina de "fundamentalismo religioso" da moral. Para ele “A

articulação correta entre moral e religião é que estabelece

respeitando a peculiaridade de cada uma das formas de expressão do

mundo pessoal e integrando-as numa síntese superior”. Ela dará

origem a uma ética civil que para o autor é “dimensão moral da

sociedade em seu conjunto”, isto é, o “mínimo moral”, enquanto

marca a quota de aceitação moral da sociedade mais abaixo da qual

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Marta de Castro Alves Corrêa Antonio Francisco Marques

71

não pode situar-se nenhum projeto válido de sociedade” (VIDAL,

2007, pg 6-8).

Assim, ao fazer essa consideração não se quer negar as

contribuições das grandes tradições religiosas ao longo da história as

questões ético-morais, porém que as visões religiosas nestes campos

"devem estar submetidos a análise crítica, na mesma maneira que

outras propostas devem sê-lo. [...] Sem conhecimento, sem

sentimento, sem isenção e sem liberdade para decidir, não há moral

possível" (ALMEIDA, 2007, p. 4 e 5).

Apesar de quatro, entre as cinco professoras, sujeitos da

pesquisa, citada acima, terem nível superior ou estarem na etapa

final desta formação, evidenciaram que não se garantiu um

conhecimento mais aprimorado quanto ao desenvolvimento moral da

criança e as práticas educativas da escola, o que levou a supor que

seria aconselhável uma reflexão sobre a maneira como estes cursos

vem sendo ministrados, pois, parece ter muito pouco, contribuído

para uma concepção mais comprometida com a formação urgente de

pessoas morais.

Em alguns casos a formação foi útil apenas para tomar

conhecimento superficial da temática. O suporte teórico pareceu

bastante insuficiente à medida que as professoras mostraram

desconhecer autores ícones desta área de formação, como Piaget,

Kolberg, Vigotysky, Puig, La Taille, entre outros, os quais

elaboraram estudos e procedimentos para a construção da

moralidade.

Percebeu-se também uma certa tendência dos professores

em atribuir a responsabilidade da formação moral da criança à

família, colocando a escola num segundo plano e apontando-a

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Educação moral: dimensão educativa necessária para a infância

72

apenas como aquela que reforça ou nem interfere no que já está

posto, dando a impressão que pouco pode contribuir, como se a

questão ético-moral ficasse definida apenas num ambiente menor, a

família. Principalmente dentro de um contexto social, como já foi

apontado, em que cada vez mais a escola se vê obrigada a assumir

funções de socialização primária da criança que antes era próprio da

família.

Por outro lado, o que pareceu um fato de extrema

importância é que todas as professoras desta pesquisa reconheceram

a necessidade de trabalhar a perspectiva moral dos alunos, bem

como o urgente acesso à atualização pedagógica nesta área. Este fato

demonstra um ponto de partida para um ensino e aprendizagem mais

engajados na edificação de princípios norteadores de um projeto de

vida coletivo.

Dessa forma seria interessante que os dirigentes dos cursos

de formação inicial e continuada, voltassem a atenção para a

importância deste conhecimento pelo professor, na busca de garantir

uma formação global da criança, para que esta não aceite e nem se

conforme com a banalização da existência, e caminhe para a

construção de uma sociedade mais humana, justa e com potencial de

transformação.

Enfim, podemos afirmar que as práticas educativas infantis

devem ser orientadas no sentido de que deve expressar o

reconhecimento da criança como sujeito educativo e indivíduos

independentes não subordinados aos interesses e desejos dos adultos,

através de uma ação educativa que dentro da filosofia freiriana que

levem todos os envolvidos no processo pedagógico - sejam as

crianças, sejam os adultos - a dinâmicas dialógicas que possibilitem

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Marta de Castro Alves Corrêa Antonio Francisco Marques

73

aprendizagens instrumentais, bem como o desenvolvimento da

solidariedade entre todos.

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Page 77: Faces das práticas inovadoras: da creche aos anos iniciais da alfabetização1

76

FACE 2

PRÁTICAS PEDAGÓGICAS DA ALFABETIZAÇÃO

Daniela Melaré Vieira Barros

Alfabetizar é um dos temas mais discutidos e pensados no

âmbito educacional, mas também nos parece algo encantador de se

refletir em outras áreas e um grande espaço para inovar. A

alfabetização, atualmente, tem diversas facetas e interpretações,

além das teorias e métodos que a subsidiam.

Propor práticas na alfabetização requer peculiar

conhecimento e experiência na área, mas também requer teorização

e aprofundamento acadêmico. Portanto, o que apresentaremos aqui

se refere ao trabalho desenvolvido por alunos e docentes com

práticas iniciais e experiências teóricas que auxiliam a entender e

ampliar as formas de alfabetizar.

A alfabetização abrange, hoje, campos como a inteligência

emocional, a inteligência ambiental, o uso de tecnologias, a busca de

informação, dentre outras. Esses são campos que requerem novas

Page 78: Faces das práticas inovadoras: da creche aos anos iniciais da alfabetização1

Práticas pedagógicas da alfabetização

77

competências e que expõem, no conceito de alfabetização, suas

necessidades básicas para o cidadão do contexto atual.

Portanto, alfabetizar requer mais do que conteúdos e formas

a serem aprendidos, mas sim elementos que se estruturam em

competências e habilidades a serem desenvolvidos ou adquiridos.

A seguir veremos textos que contemplam temas como o

processo de alfabetização e o trabalho com conceitos base de

alfabetização. Ambos voltados aos conhecimentos de conteúdos,

mas ampliados às necessidades da sociedade.

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Alfabetização: expectativas da professora e a aprendizagem dos alunos

78

ALFABETIZAÇÃO: EXPECTATIVAS DA PROFESSORA E A

APRENDIZAGEM DOS ALUNOS

Carmem Ligia Coutinho Santos Faria

Maria da Glória Minguili

RESUMO Este artigo tem como ponto de partida a prática didático-pedagógica de professores em relação aos alunos que não correspondem aos seus modelos pré-estabelecidos, ou seja, suas expectativas e percepções trazidas antes mesmo de conhecerem os alunos concretos, reais. Isto se reflete em sala de aula, nas situações em que o professor exclui o aluno que “não aprende”, considerado “indisciplinado” etc. Foi realizada uma investigação qualitativa cujos instrumentos de coleta de dados foram a entrevista, mediante questionário e a observação, pela pesquisadora, da prática pedagógica dos professores entrevistados. O resultado da pesquisa apontou que os alunos excluídos pelos professores são aqueles que apresentam agressividade e comportamentos considerados inadequados. Dos professores analisados, destacamos para este artigo apenas a professora alfabetizadora, embora na pesquisa original tenhamos trabalhado com professores da 1ª a 4ª série. Tal destaque se deve à necessidade de nos aprofundar mais detalhadamente na questão da alfabetização, uma vez que a

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Carmem Lígia Coutinho Santos Faria Maria da Glória Minguili

79

avaliação nacional da educação brasileira apontou um certo fracasso no desempenho dos alunos da escola pública.

PALAVRAS CHAVES: Professora alfabetizadora; sala de aula; ensino e

aprendizagem.

A INFLUÊNCIA DAS EXPECTATIVAS NA EDUCAÇÃO ATUAL

Desde que ingressei na profissão como professora eventual

em escola da Rede Estadual de Ensino e, posteriormente, como

estagiária do curso de Pedagogia da UNESP, apresentei uma

inquietude em relação aos alunos que se isolam, se excluem, são

indisciplinados, tem atitudes agressivas, desinteresse por aprender

etc. Sempre quis compreender porque reagem desta maneira no

processo de ensino e aprendizagem.

Percebi que muitos destes comportamentos poderiam ser

explicados através dos reforços dados pelos próprios professores em

sala de aula, que reproduzem suas concepções pré-estabelecidas

dentro do espaço pedagógico, ou seja, apresentam expectativas e

percepções em relação à aprendizagem de seus alunos, sem ao

menos conhecê-los anteriormente. Esta percepção da realidade deu

origem ao meu interesse em pesquisar a questão e se transformou em

um Trabalho de Conclusão de Curso [TCC], sob orientação da

professora Maria da Glória Minguili. Foi destacada para este artigo a

questão da alfabetização por conta da discussão a respeito do fraco

desempenho dos alunos na avaliação realizada em nível nacional.

O aluno que se difere da concepção que o professor

idealizou é deixado à margem, considerado indisciplinado,

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Alfabetização: expectativas da professora e a aprendizagem dos alunos

80

desinteressado, demonstrando assim, vestígios de uma concepção

tradicional de prática educativa, época em que o professor dizia para

justificar a reprovação do aluno: “Eu ensinei, se o aluno não

aprendeu, é problema dele”; essa concepção tradicional é bem

definida por FLEURI (1990), como uma prática educativa de

professor que pensa poder oprimir, reprimir, sem ser contestado em

momento algum, criando estratégias para a solidificação de tal

modelo educacional, exemplos: castigos aos que recusam o

autoritarismo e prêmios aos passivos; provas, notas, como meios de

controles; permissão de participação dos alunos em situações

irrelevantes, evitando participações em decisões fundamentais. A

conclusão é sempre do “chefe”, no caso, do professor.

Foi possível perceber a divisão existente em algumas salas

de aula: à frente os alunos considerados “modelos” participando da

aula, com todos os conteúdos no caderno e sua aprendizagem sendo

estimulada o tempo todo; ao fundo, os alunos com dificuldades de

aprendizagem, que não gostam ou não conseguem anotar conteúdos

no caderno, nem recebem atividades individualizadas de acordo com

seus graus de dificuldade em relação ao seu desenvolvimento, sendo

esquecidos, abandonados e, na maioria das vezes, repreendidos o

tempo todo da aula pelo professor, restando-lhes alienação às aulas,

bem como possíveis ações de indisciplina e agressividade. Percebe-

se, também, que muitos professores, logo na primeira semana de

aulas, já emitem considerações [pré-conceitos] sobre o desempenho

final do aluno naquele ano.

Quando os professores verificam que há grandes diferenças

em sala, tendem a reforçá-las ainda mais, demonstrando todo

preconceito que incorporou durante sua vida.

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Carmem Lígia Coutinho Santos Faria Maria da Glória Minguili

81

Com tais posturas, o professor consegue convencer o aluno

da incapacidade que acredita que tenha e a criança passa a ser

realmente incapaz; a isso se dá o nome de profecia auto-realizadora,

bem definida por Rosenthal e Jacobson (1986):

as expectativas do professor sobre o desempenho dos alunos podem funcionar como uma profecia educacional que se auto-realiza. O professor consegue menos porque espera menos [...].(ROSENTHAL; JACOBSON, 1986, p.258).

Rosenthal e Jacobson (1986), afirmam que as expectativas

negativas dos professores são a causa do insucesso, do fracasso e da

mediocridade de seus alunos:

Se um médico prediz o progresso de um paciente, não podemos dizer se ele fez um prognóstico sofisticado ou se o progresso do paciente baseia-se em parte do otimismo gerado pela previsão do médico. Se os escolares que apresentam um desempenho pobre, são aqueles que seus professores esperam que apresentem este nível de desempenho, a expectativa dos professores é a causa da realização medíocre de seus alunos [...] (ROSENTHAL; JACOBSON, 1986, p.260-261).

Quando o educador procura ver os alunos de maneira

uniforme em relação ao desenvolvimento psicológico, físico,

cognitivo etc., está reforçando seus pré-conceitos, sentenciando a

crianças ao fracasso, apoiando-se a uma prática “tradicional”.

Nos dias de hoje, esse cenário histórico-cultural, demonstra

ainda, as principais características do educador, dos alunos e do

espaço físico, como tais características se manifestam dentro do

espaço escolar e na realização do processo de educação:

expectativas, preconceitos, padronizações, organização do horário e

do espaço etc.

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Alfabetização: expectativas da professora e a aprendizagem dos alunos

82

AS RAÍZES TRADICIONAIS E A SALA DE AULA HOJE: O OLHAR

DOS PROFESSORES

A prática docente no contexto de educação tradicional está,

ainda nos dias de hoje, muito presente na relação ensino e

aprendizagem, apesar das correntes e propostas pedagógicas que

foram surgindo nos determinados períodos da história brasileira do

século XX.

Na prática tradicional, os professores sentem-se seguros,

pois exercem domínio sobre os alunos, com o objetivo de manter a

ordem, o respeito, independentemente de quais mecanismos serão

necessários para alcançar esses objetivos.

O papel do professor nesta concepção pedagógica

manifesta-se de diversas maneiras e facetas. Primeiramente, ele é o

responsável pela organização do conteúdo escolar, da linguagem

etc.; ou seja, é quem retêm o conhecimento científico e o sistematiza

para transferi-lo ao aluno. Ele ensina e o aluno aprende. O professor

é um “depositante de saberes”. E, o aluno um depósito de

conhecimentos recebidos, que muitas vezes não tem nenhum

significado para sua vida ou para a realidade social em que está

inserido.

O professor tem o dever de desempenhar a função de

facilitador do processo de ensino e aprendizagem do educando,

minimizando o quanto puder o trabalho dele em relação às

atividades e suas soluções. Segundo esta concepção, o professor

nunca irá propor atividades nas quais o aluno deverá pesquisar,

refletir, construir, discutir ou debater, buscando suas próprias

respostas, construindo conceitos e tomando decisões. Nesta teoria, o

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Carmem Lígia Coutinho Santos Faria Maria da Glória Minguili

83

aluno é dependente do seu professor, pois este representa a

“verdade” pronta e acabada, portanto, indiscutível.

O professor deve dar garantias aos seus alunos em relação à

aprendizagem de conceitos, ou seja, o principal foco do professor

nesta corrente pedagógica é fazer o aluno ter domínio de conteúdos,

confundindo-os com “conceitos”. E isto é alcançado através de pura

memorização, sem compreensão do que está sendo estudado.

A postura do docente nesta concepção é autoritária, com

utilização de métodos disciplinadores, pois acredita que a

aprendizagem só ocorrerá se tomar atitudes de treino, correção,

perseguição, aconselhamento e, até mesmo, de castigos quando

necessário, pois há obrigação em utilizar severidade, rigor, objetivo;

isto tudo para a manutenção da ordem, da obediência e da disciplina.

Para tanto, há que ser: “severo, rigoroso, objetivo, distante e

exigente, preservando a disciplina escolar – via de acesso aos

valores essenciais.” (SILVA,1986, p.85).

Todos estes meios são utilizados para manter os alunos

“disciplinados” não atrapalhando o percurso do processo pedagógico

em sala, pois o conhecimento será assim alcançado com sucesso,

sem interferências no meio do caminho, sem desordem, indisciplina,

somente com obediência.

O fundamento de sua prática docente é a impessoalidade,

não havendo envolvimento afetivo com os alunos, não conhecendo

suas histórias, o espaço social ao qual estão inseridos, seus desejos,

suas tristezas, suas particularidades, suas potencialidades, seus

limites etc. O comportamento do professor restringe-se à exposição

de conteúdos, numa tentativa de transmitir conhecimentos

socialmente construídos, mesmo que não haja nenhuma significação

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Alfabetização: expectativas da professora e a aprendizagem dos alunos

84

aos alunos. Nada além disso. Desta forma, o professor tem que se

limitar à reprodução de conteúdos, sem se envolver afetivamente

com seus os alunos.

Na pedagogia tradicional, o aluno é visto como imaturo,

considerado uma “tábula rasa”, ou seja, desempenha um papel

fragilizado na escola, sem história nenhuma, passível de realizar as

ações propostas, inexperiente, em contraposição ao poder do adulto

e sua importância quanto a deter o saber e, conseqüentemente, o

“poder”.

Nesta proposta, o aluno deve ser guiado pelo adulto ao

caminho do conhecimento científico, recebendo um quadro

referencial que o direcionará e orientará na organização dos

conteúdos e dos meios que garantam a aprendizagem.

O aluno é considerado um adulto em potencial, que deverá

deixar sua curiosidade natural [da infância], para concentrar-se e

aprender através da atenção, utilizando a disciplina e o esforço

[características dos adultos]. É valorizado por recitar, ler, memorizar

e copiar, pois essa é a concepção de “aluno educado”.

Outro aspecto marcante na concepção tradicional é a

organização do espaço físico, que é um aliado do educador para o

reforço da impessoalidade em sala, havendo distanciamento nos

relacionamentos humanos, tanto entre os alunos quanto entre o

professor e os alunos, pois as salas de aula são organizadas com as

carteiras em filas indianas, ou seja, um aluno olhando para o pescoço

[nuca] do outro, sem poder olhar nem conversar com os colegas de

classe.

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Carmem Lígia Coutinho Santos Faria Maria da Glória Minguili

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Esta organização facilita o controle do professor, pois,

consegue observar todo movimento da classe, controlando e

chamando a atenção dos alunos.

A disposição do professor na sala de aula é sempre à frente:

em pé, expondo os conhecimentos teóricos oralmente e escrevendo

os conteúdos na lousa para serem copiados pelos alunos. E

repreendendo o tempo todo os que não se enquadram e não se

comportam de acordo com o método tradicional, utilizando meios

para ser o centro do processo de ensino e aprendizagem e os alunos,

meros expectadores, sem palavra. E, quando a palavra é dada a eles,

é porque a participação será sem peso nas decisões sérias para o

processo educacional, pois a última palavra sempre será do docente.

Os professores ainda esperam dos seus alunos um

comportamento ideal; aguardam que os alunos correspondam às suas

expectativas e percepções justamente por terem incorporado a

concepção tradicionalista de educação ao longo da infância e

adolescência.

Vêem no processo de ensino e aprendizagem algo vertical,

de cima para baixo, ou seja, eles ensinam e os alunos aprendem. E

aqueles que não aprendem são considerados indisciplinados,

desinteressados, desajustados etc.

As expectativas que apresentam sobre o aluno não são

correspondidas pelos alunos concretos no cotidiano da escola,

podendo trazer conseqüências negativas ao processo educativo: ao

chegar em sua nova sala de aula, inicia o trabalho da mesma forma

dos anos anteriores, não respeitando a realidade afetiva, histórico-

social, cultural e existencial daquelas crianças, bem como, não

percebendo e nem respeitando a diversidade humana. Até hoje,

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Alfabetização: expectativas da professora e a aprendizagem dos alunos

86

cientificamente está comprovado que nenhuma pessoa é igual à

outra e, portanto, nenhum aluno é igual ao outro; vale dizer que

nenhuma classe de alunos será idêntica à outra do ano anterior ou do

ano vindouro.

Quando se procura uniformizar os alunos a um mesmo grau

de compreensão, de desenvolvimento psicológico, físico, de

apreensão de conhecimentos, o professor está reforçando o

preconceito e o tradicionalismo, porém o faz para atender ao padrão

do aluno ideal dentro das regras impostas pela sociedade. Isto nos

remete à teoria de Émile Durkheim (apud MEKSENAS, 1995), que

influenciado pelas Ciências Físicas e Naturais propõe em sua

Ciência Social aspectos biológicos, como demonstra Meksenas

(1995):

A sociedade se apresenta como um corpo social [...] Ela possui vários órgãos, cada qual desempenhando sua função, e cada órgão desempenhando uma função específica [...] Entretanto, à partir do momento que um desses órgãos ficar doente, todo corpo se ressente. (MEKSENAS, 1995, p.33).

Desta maneira, coube à Educação a transmissão da Moral

Social, ou seja, dos valores e ideais compartilhados como

verdadeiros e que servem como mantenedores da ordem. E muitos

professores ainda acreditam que uma forma de manter a ordem é não

respeitando a individualidade, trabalhando com os alunos como se

fossem todos iguais e, desta forma, a comunidade escolar não terá

transgressores e a sociedade não padecerá.

Quando os professores percebem que há grandes diferenças

em sala, trabalham apenas com os alunos que se enquadram no

discurso atual da sociedade e excluem os que se distanciam desse

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Carmem Lígia Coutinho Santos Faria Maria da Glória Minguili

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discurso e prática social. No Funcionalismo, há um exemplo clássico

de pessoa que não se enquadra no padrão social: o ladrão; como não

é capaz de viver em sociedade e desestabiliza o corpo, há um lugar

apropriado para excluí-lo, a cadeia. Com o professor ocorre quase a

mesma coisa, como não pode colocar o aluno diferente na “cadeia”,

prende-o de outra maneira, dentro da falta de afetividade, do

desrespeito, da insignificância, da baixa-estima etc.; excluindo-o do

processo de ensino e aprendizagem, rotulando-o de ignorante.

Todos estes comportamentos elencados até aqui, são

conseqüência da concepção pedagógica tradicional, reforçada pelos

“preconceitos” que cada professor apresenta, como ser humano

inserido em um espaço social: “a vivência do preconceito pode ser

notada pela prática da diferença, que é muito presente no cotidiano

brasileiro” (ITANI, 1998, p.120)

Esses preconceitos podem ser expostos de várias maneiras

por parte do educador em sala de aula; pode ser pelo tom de voz, na

fala, pelo movimento do corpo etc.; isto tudo manifesta o

pensamento dos professores em relação aos alunos que não se

enquadram ao seu modelo padrão:

O preconceito é latente na fala, seja na palavra, seja pelo tom de voz, seja pelo cochicho, a linguagem do corpo serve como um instrumento de distinção entre os diferentes, deixando suas marcas pela expressão. (ITANI, 1998, p.123).

Os preconceitos, na maioria das vezes, não são claramente

declarados e sim camuflados pelo professor através de belos

discursos, cheios de termos técnicos e pedagógicos decorados nos

cursos de formação. Mas ao observar a sala de aula, este mesmo

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Alfabetização: expectativas da professora e a aprendizagem dos alunos

88

professor comporta-se diferente em relação a um ou outro aluno: o

aluno com uma situação sócio-econômica mais elevada, com hábitos

de higiene e uma certa facilidade na aprendizagem é tratado de uma

maneira mais amigável, mais paciente, mais cordial do que um aluno

sem hábitos de higiene, bem “sujinho”, sem condições financeiras

nenhuma etc.

Muitas vezes, este professor acha mais conveniente e

prático esquecer que estes alunos diferentes existem, anulando-os do

processo educativo, cometendo um crime, pois sua condição sócio-

econômica, moral, física, sexual etc., não pode ser fator

determinante para o processo de aprendizagem.

a violência do preconceito não está na diferença que realizamos mentalmente, mas na forma como agimos com base nessa noção. Ou, pior, na estratégia apoiada na possibilidade de eliminar o outro que é diferente.[...] é a atitude de recusa de aceitação do outro tal como é. (ITANI,1998, p. 128).

É preciso compreender que todos aprendem, o que

diferencia é que cada um tem particularidades e potencialidades

diferenciadas, respondem de uma determinada maneira: uns com

mais facilidade, outros, com dificuldades. Assim, cabe ao professor

criar meios para atingir a todos, mecanismos diversificados.

Não deve negar o que é visível, evidente, pois diferenças

realmente existem. O que não é correto acontecer é eliminar, agredir

e até destruir o outro, porque não é como imaginava, baseando essa

atitude excludente na proposta tradicional de educação.

A negação ao diferente, esse comportamento de

intolerância, de recusa, nada mais é do que a insegurança ao lidar

com alguém diferente de si próprio e de seus ideais:

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Carmem Lígia Coutinho Santos Faria Maria da Glória Minguili

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As atitudes de intolerância que realizamos ou que podem ser notadas em nosso cotidiano são, nesse contexto, compreendidas como práticas de defesa contra nossa fragilidade diante do outro. (ITANI,1998,p.131) Tolerar é admitir a liberdade de existência desse outro, o direito desse outro ser diferente de mim, seja na maneira de pensar, de agir, de crer e, enfim, da liberdade de ser. A prática da tolerância como prática de liberdade, por conseguinte, não pode ser trabalhada com indiferença, e não há dúvida de que, em certos momentos, requer um desempenho com responsabilidade, e sobretudo com muita paciência por parte do professor. (ITANI,1998, p.134)

Somando à prática docente, seus preconceitos construídos

durante toda vida, suas inseguranças, seus anseios, sua formação

enraizada em fundamentos tradicionalistas etc.; teremos uma

transferência, mesmo que inconsciente, das expectativas em relação

aos seus alunos.

Desta maneira, a tendência é o aluno reproduzir e ser o que

seu professor espera que seja. Isto não é um processo visível, mas

perceptível dentro das salas de aula. O aluno percebe o que o

professor pensa a seu respeito, e sem notar, está sendo o que

realmente seu educador profetizou.

A este comportamento profético do educador denominamos

“profecias auto-realizadoras”, pois o professor obterá em sala tanto

sucessos como fracassos, determinados por ele próprio.

As profecias auto-realizadoras funcionam como um pré-

diagnóstico ao aluno, pois o professor, ao invés de conhecê-lo,

avaliar seu desenvolvimento dentro do processo de ensino e

aprendizagem, detectar suas dificuldades para planejar e aplicar

estratégias didáticas e superá-las, prefere apoiar-se em conclusões

fundamentadas em preconceitos e expectativas sem fundamento,

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Alfabetização: expectativas da professora e a aprendizagem dos alunos

90

somente pelas primeiras impressões construídas nos primeiros dias

de aula: “Esse será burro”; “Não vai passar de ano, pois não sabe

nada”; “Esse além de educado, é inteligentíssimo” etc.

Todo este comportamento existe até os dias de hoje porque

o professor, apesar de ter uma formação em nível médio e superior e

conhecer, muitas vezes, diversas teorias, ainda tem a ilusão de

moldar e alcançar o modelo-padrão de aluno, o “aluno ideal”.

Este aluno ideal, tão desejado pelos educadores, é algo

inexistente, que atrapalha o próprio trabalho pedagógico: ”A

expectativa dos professores é a causa da realização medíocre de seus

alunos.” (ROSENTHAL e JACOBSON, 1986, p.261).

Isto é tão real que pesquisas comprovam que o educador

trata bem quem ele acredita que desempenhará um bom papel,

mesmo que tenha sido enganado. Um exemplo é uma pesquisa

realizada por Rosenthal em 1964: aplicou testes a diversos sujeitos e

expôs aos examinadores quais os que demonstravam maior

competência intelectual, porém escolheu aleatoriamente as pessoas,

sem nenhum fundamento. O resultado foi o seguinte:

Evidenciou-se que quando os examinadores constatavam sujeitos que supostamente haviam recebido notas altas, comportavam-se de maneira mais amigável, simpática, interessada e encorajadora, mostrando uma face mais expressiva e valendo-se de mais gestos anuais. (ROSENTHAL; JACOBSON, 1986, p.268)

Portanto, as expectativas criadas pelos educadores em

relação ao desempenho intelectual dos educandos funcionam como

profecias auto-realizadoras.

Eis porque esta pesquisa tem como principais objetivos: a)

detectar as expectativas construídas pelos professores nos primeiros

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Carmem Lígia Coutinho Santos Faria Maria da Glória Minguili

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meses de aula e quais conseqüências vêm trazendo dentro da sala de

aula, tanto no espaço físico quanto nas relações interpessoais e

didáticas; b) verificar se, apesar dos professores terem uma formação

teórica, na maioria das vezes acadêmica, ainda desejam ter em sala

de aula o aluno dos seus “sonhos”, motivo pelo qual apresentam, às

vezes, posturas extremamente rigorosas e agressivas para com os

alunos, assemelhando-se à prática da pedagogia tradicional.

EM BUSCA DA COMPREENSÃO ANALÍTICA: A

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICO-METODOLÓGICA

Buscou-se embasamento nos estudos de Verônica Edwards

(1997), educadora chilena que desenvolveu sua pesquisa no México,

sob a orientação da professora Justa Ezpeleta, educadora que

trabalha com pesquisa qualitativa do cotidiano escolar. Edwards

publicou o livro Os sujeitos no universo da escola (1997); seu

trabalho foi realizado em salas de aula do México para investigar as

relações entre os sujeitos envolvidos no espaço escolar no contexto

mexicano dos anos 1970/1980, uma época que ela mesma definiu

como “prenhe de sonhos”, na qual os educadores queriam

reconstruir o sujeito educativo: do plano do “dever ser”, para o plano

do “ser”; do ideal para o real.

A partir dos estudos de Edwards (1997), embora as

circunstâncias da América Latina e do Brasil serem outras, foram

levantadas três categorias para a análise dos dados coletados para a

atual pesquisa sobre os sujeitos, o espaço educativo, a organização e

as relações interpessoais:

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Alfabetização: expectativas da professora e a aprendizagem dos alunos

92

• Categoria A – Sujeitos do Espaço Escolar:

identificação do professor [idade, anos de carreira etc] e

também dos alunos [quantidade por classe, idade média

etc].

• Categoria B – Espaço físico e organização do tempo: a

possibilidade de compreensão das posturas pedagógicas e

didáticas implícitas sobre a organização do tempo e

espaço.

• Categoria C – Relação interpessoal e didática entre os

sujeitos do espaço escolar: disponibiliza uma análise em

função dos relacionamentos dentro da sala de aula, entre

professor e alunos - expectativas, necessidades,

percepções, relações.

Foram utilizados os seguintes instrumentos para a coleta de

dados: 1) elaboração do questionário aplicado aos educadores, cujas

questões procuraram contemplar as categorias levantadas; 2)

observação, pela pesquisadora, das relações pedagógicas em sala de

aula, com registro das informações; 3) confronto destas informações

com as respostas obtidas nos questionários buscando as possíveis

relações [contradições ou não] ocorridas entre a teoria e a prática e

suas conseqüências na sala de aula, com os alunos.

A pesquisa foi realizada em meados do ano letivo de 2005

[Maio e Junho]; o estudo tem um relato descritivo, expondo

informações que enriqueceram o processo de investigação e as

conclusões posteriores. Desta maneira, a investigação qualitativa,

baseada no método dialético, consistiu na preocupação de estudar e

pesquisar as pessoas reais, o sujeito concreto que se constrói e é

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Carmem Lígia Coutinho Santos Faria Maria da Glória Minguili

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construído na interação com os outros, suas circunstâncias e o

mundo.

INVESTIGAÇÃO DA REALIDADE: O ESTUDO DE CASO

Tomamos como sujeitos da pesquisa quatro professores e

suas respectivas classes de alunos, correspondendo à séries iniciais

do Ensino Fundamental. Os educadores e respectivas classes foram

numerados seqüencial e aleatoriamente de 1 a 4 para não permitir a

identificação dos sujeitos analisados.

No presente artigo, fazemos um pequeno recorte no estudo

de caso, para analisarmos apenas a questão da alfabetização. Iremos

analisar as expectativas, percepções, conceituações e concepções

que envolvem a postura e prática da professora alfabetizadora

pesquisada em relação aos alunos de sua classe segundo as

categorias elencadas inicialmente.

CATEGORIA A – SUJEITOS DO ESPAÇO ESCOLAR

O número de alunos da sala de aula, variava entre 30/35

alunos, a maioria com 7 anos e alguns com 8 anos. A professora, na

época da pesquisa, tinha 56 anos e estava trabalhando com

alfabetização havia 3 meses e na profissão docente há mais ou

menos 20 anos. Possui curso Superior em Pedagogia, porém não

cursou o Magistério em nível médio [antiga habilitação de

magistério no 2º Grau].

O motivo que a levou optar pela profissão foi: “sempre foi

meu sonho”. Assim, pode-se concluir que ela optou pela profissão

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Alfabetização: expectativas da professora e a aprendizagem dos alunos

94

para sua auto-realização e não por vontade de contribuir na

formação dos alunos e humanizá-los.

Esta resposta demonstrou o contexto histórico em que esta

educadora vivenciou como aluna: um período em que a Educação

era algo “mágico”, e o educador simbolizava o “poder” [Pedagogia

Tradicional]. Questionada se pudesse voltar ao tempo, faria a mesma

opção, a resposta foi afirmativa.

CATEGORIA B - ESPAÇO FÍSICO E ORGANIZAÇÃO DO TEMPO

Em relação ao espaço físico da sala de aula, a professora

alfabetizadora afirmou ser um espaço satisfatório. Isso se justifica

pela forma que organiza a sala de aula: “em filas indianas”, sem

mudanças. Assim, não há necessidade de um espaço diferente, uma

vez que todas atividades são centralizadas na pessoa da professora,

não favorecendo o dinamismo e movimento dos alunos em classe.

Foi possível comprovar práticas tradicionais, exatamente

como Saviani (2002) exemplifica, pois a educadora organiza a sala

em filas, utiliza mecanismos de controle para manter os alunos em

silêncio, disciplinados [repreensão].

Sobre os mecanismos de controle utilizados, pode-se

observar a “pressão verbal”: chamava a atenção dos alunos, não

parava de falar. Permaneceu em pé o tempo todo e passava em todas

as carteiras, não para verificar o desenvolvimento dos alunos e sim

para manter o silêncio na sala.

Interrogada em relação a um espaço ideal de aprendizagem,

atribui a ele a existência de recursos materiais, pois afirma que

“espaço ideal seria aquele em que houvessem computadores

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Carmem Lígia Coutinho Santos Faria Maria da Glória Minguili

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para todos os alunos”. Dessa forma, inutiliza o papel preponderante

da relação didática interpessoal entre professor e aluno.

Quanto à organização do tempo, ainda objeto de análise

desta categoria, afirmou organizá-lo de acordo com a necessidade da

classe. Porém, durante as observações, detectou-se uma rotina pré-

estabelecida e, algumas vezes, a “improvisação” de atividades sem

planejamento prévio.

Durante as observações, a professora não procurou

acompanhar as dificuldades dos alunos e seus progressos, dando

mais importância ao cumprimento do tempo e atividades

[cronograma] que ao processo de aprendizagem.

O educador deve organizar o seu tempo à sua maneira, pois

não há ninguém que conheça melhor o contexto da classe que ele

mesmo, fugindo do risco de cair no cronometrismo educativo, ou

seja, evitando que isto passe a ser mais importante no lugar de

vivenciar os processos educativos dentro da sala de aula (SEKKEL;

GOZZI, 2003)

CATEGORIA C - RELAÇÃO INTERPESSOAL E DIDÁTICA ENTRE OS

SUJEITOS NO ESPAÇO ESCOLAR

A professora afirmou ter expectativas em relação aos

alunos logo nos primeiros dias de aula. Cinco meses após o início

das aulas, pôde-se verificar que as expectativas construídas no início

do ano letivo permaneceram. Comportava-se em função dos

preconceitos que havia construído sobre os alunos, utilizando a

repreensão para fazê-los acomodarem-se nos tais pré-conceitos.

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Alfabetização: expectativas da professora e a aprendizagem dos alunos

96

No entanto, em relação às mudanças nas expectativas

iniciais, a professora afirmou terem ocorrido mudanças: “o grau de

desafios e do conteúdo trabalhado diminuiu”. Porém, o que foi

observado pela pesquisadora é que quando as expectativas iniciais

não são correspondidas, sofrem transformações negativas, ou seja,

os alunos são nivelados “por baixo”. Ao invés da educadora buscar

novas estratégias e metodologias para alcançar os alunos que

demonstraram dificuldades iniciais na alfabetização, preferiu igualar

toda a sala em um mínimo necessário.

Em relação ao conceito de “aluno ideal”, não demonstrou

nenhum tipo de definição. À respeito da didática, percebe-se que a

realidade vivenciada por ela, o que foi registrado pela observação,

bem como pelas respostas que apresentou, indicam falta de clareza

teórico-metodológica, pois não conseguiu definir a concepção que

permeia sua prática pedagógica em sala. As atividades que

desenvolveu em classe com sua turma restringiram-se a cópias e

memorização.

Afirmou manter um bom relacionamento com seus alunos,

porém utiliza uma postura punitiva e não educativa: além de

atrapalhar seu próprio trabalho pedagógico, uma vez que cortou

várias vezes a atividade de leitura coletiva e outras, para chamar a

atenção dos alunos e repreendê-los.

Essa professora é um exemplo de postura tradicional de

educação e organização social: “visa formar gente que saiba repetir

as idéias do chefe, e cumprir as ordens dadas por ele”.

(FLEURI,1990)

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PROPOSTAS E CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após os estudos, observações e análises dos dados, pode-se

concluir que a professora-alfabetizadora analisada, apesar de ter

formação em nível de Educação Superior no Curso de Pedagogia,

não utiliza em sua prática as teorias que estudou no curso de

Graduação.

Possui expectativas em relação aos alunos, pois quando

afirmou que “diminuiu o grau de dificuldades das atividades

para os alunos”, demonstrou que havia idealizado uma classe de

alunos homogêneos, sem dificuldades de aprendizagem e problemas

de disciplina. Por isso utilizava meio punitivo para manter a ordem e

igualar a turma, ou seja, não resolver as dificuldades de

aprendizagem dos alunos, mas “discipliná-los” para não ela,

professora, ter problemas.

Não apresentou conceitos alternativos em relação ao espaço

físico, humano, pedagógico e político da sala de aula. Ainda trabalha

de uma maneira tradicional, baseada em expectativas e preconceitos,

acreditando na existência de um aluno ideal. Essa expectativa não

permitiu, aos alunos, um aprofundamento pedagógico na questão da

alfabetização.

A professora pesquisada viveu sua juventude num período

em que o país estava mergulhado na ditadura, mas “prenhe de

sonhos” de liberdade. Os educadores, estudantes, artistas e

intelectuais formaram uma grande massa de resistência à ditadura,

gestaram a transição democrática. No entanto, mesmo vivenciando

esse período de abertura política da qual a Educação era um dos

suportes, manifestou, na prática pedagógica do cotidiano escolar,

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Alfabetização: expectativas da professora e a aprendizagem dos alunos

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hoje [2005], uma postura tradicional, fundamentada na expectativa

do “aluno ideal” e estratégias repressivas, bem como excludentes,

para alcançar esse aluno ideal. Não o alcançando, deixa-se de lado,

sem ensiná-lo a vencer as possíveis dificuldades, muitas vezes

criadas pelo próprio professor.

Ao concluir este trabalho de estudo de caso, sem querer

generalizar, podemos afirmar que o tradicionalismo é algo muito

forte, que está ainda enraizado no cotidiano escolar. Cabe a nós,

educadores, buscarmos a superação desta prática, através do

processo ação/reflexão/ação, fundamentada numa clareza teórico-

metodológica que contemple o ser humano por inteiro, dentro de

suas possibilidades biológicas, cognitivas, afetivas e sócio-

históricas: o sujeito que se constrói na inter-relação consigo mesmo,

com os outros e com o mundo.

Ao educador compete analisar a realidade onde atua, para

poder modificá-la mediante um planejamento de ação inteligente.

Não é algo imediato, de improviso, ou então, uma rotina copiada ano

após ano, fundamentada num “ideal” a atingir. O trabalho do

educador tem que ser, na verdade, um processo dinâmico, que

envolve reflexão sobre a realidade, conhecimento teórico-prático e

sensibilidade ao interagir com pessoas, particularmente com alunos

em desenvolvimento.

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REFERÊNCIAS

EDWARDS, V. Os sujeitos no universo da escola. 1.ed. Trad. Josely Vianna Baptista. São Paulo: Ática, 1997.

FLEURI, R. M. Educar para quê ? 3.ed. São Paulo: Cortez, Uberlândia, 1990 (Biblioteca da Educação. Série 1. Escola, v. 12)

FREIRE, P. Ensinar exige tomada consciente de decisões. In: FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 14.ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996

ITANI, A. Vivendo o preconceito em sala de aula. In : AQUINO, J. G. (Org.) Diferenças e preconceito na escola: alternativas teóricas e práticas. 3.ed. São Paulo: Summus, 1998. p. 119-134

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Vera Lúcia Messias Fialho Capellini Edson Alexandre de Lima Célia Regina F. Bortolozo

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ERA UMA VEZ... OS CONTOS DE FADAS E A

ALFABETIZAÇÃO

Vera Lúcia Messias Fialho Capellini

Edson Alexandre de Lima

Célia Regina F Bortolozo

RESUMO Toda criança se encanta com contos de fadas. Por isso a importância de utilizá-los dentro do processo de alfabetização, principalmente nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Este estudo tem por objetivo possibilitar a formação dos professores que atuam na Educação Infantil e nas séries iniciais do Ensino Fundamental, apresentando-lhes uma metodologia de alfabetização baseada nos contos de fadas, capaz de estimular, de forma prazerosa, os alunos provenientes destas séries, bem como contribuir muito para um maior desenvolvimento das capacidades de leitura e escrita dos mesmos.

PALAVRAS CHAVES: Contos de fadas; alfabetização; leitura e escrita.

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Era uma vez... os contos de fadas e a alfabetização

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INTRODUÇÃO

Ao iniciar um trabalho sobre a leitura e a escrita muito pode

vir à cabeça, especialmente porque ambos os termos são assuntos

muito discutidos e debatidos no meio acadêmico, em inúmeros

congressos e livros. Mesmo assim, é certo que há muito que discutir

a respeito, ainda mais quando se olha para o sistema educacional

brasileiro atual e percebe-se a grande problemática de alunos com

idade própria para já estarem alfabetizados e que ainda mostram-se

com muitas dificuldades, tanto em leitura quanto em escrita. Muitas

vezes até conseguem ler, mas não conseguem entender ou interpretar

aquilo que lêem.

O Brasil dispõe hoje de uma das legislações mais avançadas

do mundo em termos de proteção aos direitos da infância e da

adolescência: o Estatuto da Criança e do Adolescente - Lei 8069, de

13 de junho de 1990 (BRASIL, 1990). Infelizmente, vemos que tal

legislação não conseguiu modificar a terrível realidade do

analfabetismo brasileiro. Segundo o Censo de 2004, ainda temos em

torno de 15% da população considerada analfabeta (BRASIL, INEP,

2006).

É neste contexto histórico-social que faz surgir uma

inquietação pedagógica no sentido de querer banir esta deficiência

do sistema educacional brasileiro, ou seja, de nossas escolas. Como

professor, o convívio com esta realidade tão triste e ao mesmo

tempo tão instigante é inevitável. Não se trata, simplesmente, de

alguns dados estatísticos, mas sim de uma realidade muito comum e

que, de tão comum, acaba se tornando incômoda.

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Vera Lúcia Messias Fialho Capellini Edson Alexandre de Lima Célia Regina F. Bortolozo

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Não há como entrar numa sala de aula e simplesmente

despejar nos alfabetizandos todo o conteúdo alienado que se propõe

a trabalhar com o alfabeto e as famílias silábicas, sem nenhum

contexto. Não tem como se acomodar dentro de um orgulho

pedagógico, vendo o aluno como aquele que não sabe e que, por

isso, tem que aceitar tudo o que lhe é proposto. Assim, já que o

aluno é tido como alfabetizando e não como analfabeto, se insere

num processo criador, de que ele é também sujeito (FREIRE, 1999,

p. 29).

Pode se afirmar sobre a necessidade de se levar em

consideração a realidade histórico-social na qual os alfabetizandos

se encontram. Antes de lhes mostrar e lhes cobrar as letras, há que

despertá-los para que possam ler o mundo no qual vivem. Faz-se

necessário trazer para a sala de aula o universo vocabular que lhes é

significante. Nestes termos “leitura da palavra foi à leitura da

palavramundo”, neologismo perfeito criado por Freire (1999), que

resume de forma singular e precisa esta dialética existente entre

leitura da palavra e leitura do mundo, numa visão histórico-social de

Educação.

Para Pinto (1993), uma visão crítica de educação é aquela

que se propõe a praticar mais que simples conteúdos escolares, a

matéria propriamente dita. O conteúdo da Educação vai muito mais

além.

O conteúdo da educação não está constituído somente pela “matéria” que se ensina, mas incorpora a totalidade das condições objetivas que concretamente pertencem ao ato educacional, assim, são parte do conteúdo da educação: o professor, o aluno, ambos com todas suas condições sociais e pessoais, as instalações da escola, os livros e

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Era uma vez... os contos de fadas e a alfabetização

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materiais didáticos, as condições locais da escola, etc (PINTO, 1993, p. 42).

Não se trata aqui de negar a função social da escola de

sistematizar o saber elaborado construído historicamente. Nem ao

menos deixar que o aluno entre e saia da escola da mesma forma que

entrou. A escola tem, por excelência, que possibilitar oportunidades

de ampliação dos conhecimentos por parte do educando. Porém,

sempre o respeitando e partindo daquilo que o mesmo traz consigo,

sua bagagem cultural. Neste sentido, o aluno é encarado como

sujeito de sua própria aprendizagem.

O processo de aprendizagem de uma escrita que nega a funcionalidade desta forma de interlocução, nega a subjetividade de autor e leitor e, sobretudo, nega o direito de usar a escrita para dizer a própria palavra (SOARES, 2004, p. 81).

De acordo com César Coll (2004), a alfabetização, dentro

de uma perspectiva construtivista de educação, é encarada como um

processo de aprendizagem e desenvolvimento que se inicia antes

mesmo da escolarização formal e acompanha o indivíduo durante

toda a sua vida.

Para Azevedo (1997) o objetivo final da alfabetização está

em fazer com que todas as crianças construam uma teoria que esteja

em consonância adequada em relação ao fonema–grafema, o falado

e o escrito na língua portuguesa, ou seja, alfabetizar é o mesmo que

fazer com que todos cheguem ao domínio da hipótese alfabética.

A alfabetização está vinculada à luta pela conquista da

cidadania, porém, ainda assim a alfabetização “não é condição

imprescindível ao exercício ou à conquista da cidadania” (SOARES,

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2004, p. 57). A autora completa afirmando que há também que situar

a alfabetização no tempo histórico e no espaço político–social em

que a mesma ocorre ou deve ocorrer. Nestes termos:

A alfabetização é um instrumento necessário à vivência e até mesmo à sobrevivência política, econômica, social, e é também um bem simbólico, um bem cultural, instância privilegiada e valorizada de prestígio e de poder (SOARES, 2004, p. 58).

Soares afirma que a alfabetização não é condição

imprescindível para a conquista da cidadania, mostra também que

esta só acontecerá quando, ao promover a alfabetização, seja

propiciado ao educando condições que faça com que os indivíduos

se tornem conscientes de seu direito à leitura e à escrita, ou seja,

perceber-se com direitos de reivindicar o seu acesso à leitura e a

escrita.

É dentro desta perspectiva de alfabetização que Pinto

(1985) afirma que alfabetizar está relacionado à constituição de uma

consciência crítica no educando, ou seja, conclui que alfabetizar é

[...] constituir no educando uma consciência crítica de si e de sua realidade, e admite que, como elemento, como parte dessa consciência, surge espontaneamente a compreensão da necessidade de alcançar um plano mais elevado do saber, o plano letrado. (PINTO, 1985, p. 98).

Segundo Moura

a alfabetização consiste num processo pedagógico e epistemológico e deve possibilitar ao sujeito, a apropriação do sistema de representação da linguagem escrita e a sua conseqüente reconstrução e utilização para si como objeto possibilitador da apropriação de novos

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conhecimentos e de intervenção em diferentes situações sociais (MOURA, 1999, p. 140).

Diante de todas estas afirmações a respeito do termo

alfabetização, fica evidente o papel social, político e transformador

que a mesma exerce na vida do educando de um modo geral. Por

outro lado, não há como desprezar a função alienadora e dominadora

que a alfabetização pode exercer sobre a vida das pessoas, uma vez

que

[...] a introdução, tanto da criança quanto do adulto no mundo da escrita vem-se fazendo, quase sempre, mais para controlar, regular o exercício da cidadania que para liberar para esse exercício. Alfabetiza-se para que o indivíduo seja mais produtivo ao sistema, não para que se aproprie de um bem cultural fundamental à conquista da cidadania (SOARES, 2004, p.59).

Caberá ao professor reorganizar essa função politicamente

distorcida que os programas de acesso à leitura e à escrita vêm quase

sempre exercendo. Há que se colocar caminhos para que o acesso à

alfabetização seja marcado pelo significado que o vincula à

conquista e ao exercício da cidadania.

CONTOS DE FADAS E A ALFABETIZAÇÃO

Embora os contos de fadas terminem logo depois da décima página, o mesmo não acontece a nossa vida. Somos coleções com vários volumes. Em nossa vida, ainda que um episódio possa terminar mal, sempre há outro em nossa espera e depois desse, mais outro. Sempre há novas oportunidades para consertar o estrago, para moldar nossa vida da forma que emocionalmente merecemos. Não perca tempo odiando um insucesso. O insucesso é um mestre melhor do que o sucesso. Escute. Aprenda. Continue. Essa é a essência de todo conto. Quando prestamos

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atenção a essas mensagens do passado, aprendemos que há ladrões desastrosos, mas também aprendemos a prosseguir com a energia de quem percebe as armadilhas, jaulas e iscas antes de depararmos com ela ou de sermos nelas ou por elas capturados (ÉSTES, 2005, p. 11).

É fato que na literatura sobre educação muito se encontre a

respeito de metodologias para se enfrentar o problema das

“dificuldades de aprendizagem”, muito também se fala a respeito de

metodologias de alfabetização. Todas estas estratégias podem ser

utilizadas e apresentarem sucesso ou não, dependendo de cada

contexto, de cada aluno, de cada professor.

Este trabalho tem como objetivo propor uma intervenção

por meio de contos de fadas, visando minimizar os problemas de

aprendizagem na alfabetização, não será mencionado aqui as outras

tantas possibilidades de intervenções existentes.

Era uma vez... uma criança que adorava ouvir histórias... ela mais nada esperava que viver cada momento, mas a cada passo dado nesse mundo de sonho e fantasia, pouco a pouco, sem o perceber, está encontrando um sentido para a vida... E quanto àquela criança que adorava ouvir histórias?... O mais importante que resta disso tudo é que nunca esqueçamos a lição... crianças, jovens e adultos, no mundo das fadas, todos seguimos encantados e ... FELIZES PARA SEMPRE! (URBAN, 2001, p.17).

A literatura infantil surgiu somente no século XVII, com a

descoberta da imprensa. As histórias infantis e os contos populares,

no entanto, existem desde que o ser humano adquiriu a fala. Há

notícias de histórias antigas na África, na Índia, na China, no Japão e

no Oriente Médio — como a coleção de contos árabes As Mil e Uma

Noites. A fantasia é um mecanismo inventado pelo homem na Era

Medieval para superar as dificuldades da vida real, conta Canton

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(1984), especialista em contos de fadas pela Universidade de Nova

York.

A origem dos contos de fadas parece residir em uma

potencialidade humana arquetípica [aliás, não somente os contos de

fadas, como todas as fantasias]. Antigamente os pastores, lenhadores

e caçadores passavam bom tempo de suas vidas sozinhos nas

florestas, campos e montanhas. Acontecia que, repentinamente, eram

assaltados por uma visão interior muito forte, que os alvoroçava por

inteiro. Corriam, então, de volta a suas aldeias e relatavam o que

lhes tinha acontecido a todos que quisessem ouvir.

Daquela visão inicial, iam-se formando lendas e, mais

tarde, “contos maravilhosos”. O pensamento mítico, no caso dessas

visões espontâneas, é compreendido como um pensamento

essencialmente pré-lógico, elementar e arquetípico. Os arquetípicos,

por definição, são fatores e motivos que ordenam os elementos

psíquicos em imagens, de modo típico (CANTON, 1984).

Como afirma Giglio (1991), os contos de fadas

constituíram, através dos séculos, instrumentos para a expressão do

pensamento mítico, perpetuando-se no tempo por desempenharem

uma função psíquica importante relacionada ao processo da

individuação, por meio deles toma-se consciência e vivenciam-se

arquétipos do inconsciente coletivo.

Em Giglio (1991), os contos de fadas numa visão

junguiana, são uma representação simbólica de problemas gerais

humanos e suas soluções possíveis, ou seja, as representações da

fantasia são tão primárias e originais como os próprios desejos e

instintos. Nos conteúdos dos contos de fadas, é possível ver uma

projeção dos estágios originais e arquetípicos do desenvolvimento

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da consciência humana. Nos símbolos do inconsciente, nos sonhos e

fantasias, encontram-se os mesmos princípios da expressão dos

mitos e contos de fadas, o que representa um recurso fundamental no

processo do desenvolvimento humano.

Conforme Araújo (1980), para Jung, certas lendas, mitos e

símbolos têm origem na infância da humanidade em que, faltando

recursos intelectuais, o homem apresentava uma disposição natural

para aceitar o sobrenatural. Seria, assim, uma necessidade

psicológica de buscar soluções mágicas e de criar seres fantásticos

para superar uma realidade que lhe impunha limitações. O

inconsciente coletivo guardaria, assim, uma necessidade de retorno

às origens do homem revivendo experiências anteriores da

humanidade.

De acordo com Canton (1984), quem lê Cinderela não

imagina que há registros de que essa história já era contada na

China, durante o século IX d.C. E, assim como tantas outras, tem-se

perpetuado há milênios, atravessando toda a força e a perenidade do

folclore dos povos, sobretudo, mediante a tradição oral.

Pode-se dizer que os contos de fadas, na versão literária,

atualizam ou reinterpretam, em suas variantes, questões universais,

como os conflitos do poder e a formação dos valores, misturando

realidade e fantasia, no clima do "Era uma vez...”. Por lidarem com

conteúdos da sabedoria popular, com conteúdos essenciais da

condição humana, é que esses contos de fadas são importantes,

perpetuando-se até hoje. Neles encontramos o amor, os medos, as

dificuldades de ser criança, as carências materiais e afetivas, as

autodescobertas, as perdas, as buscas, a solidão e o encontro

(CANTON, 1984).

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Os contos de fadas, segundo Canton (1984), caracterizam-

se pela presença do elemento "fada". Etimologicamente, a palavra

fada vem do latim fatum [destino, fatalidade, oráculo]. Tornaram-se

conhecidas como seres fantásticos ou imaginários, de grande beleza,

que se apresentavam sob forma de mulher. Dotadas de virtudes e

poderes sobrenaturais, interferem na vida dos homens, para auxiliá-

los em situações-limite, quando já nenhuma solução natural seria

possível.

Podem, ainda, encarnar o mal e apresentarem-se como o

avesso da imagem anterior, isto é, como bruxas. Vulgarmente, se diz

que fada e bruxa são formas simbólicas da eterna dualidade da

mulher, ou da condição feminina.

Algumas histórias tratam de temas que fazem parte da

tradição de muitos povos e apresentam soluções para problemas

universais. É o caso de O Pequeno Polegar. O personagem

representa o desejo de vingança do mais fraco contra o mais forte.

Os pequenos se identificam com os heróis e experimentam diversas

emoções. Que criança não fica com medo ao imaginar o Lobo Mau

devorando a Vovozinha? Ou odeia a bruxa quando ela prende

Rapunzel na torre?

Para a escritora Ana Maria Machado, os contos de fadas

pertencem ao gênero literário mais rico do imaginário popular.

"Essas histórias funcionam como válvula de escape e permitem que

a criança vivencie seus problemas psicológicos de modo simbólico,

saindo mais feliz dessa experiência”.

A idéia foi difundida após a divulgação dos estudos do

psicólogo austríaco Bruno Bettelheim [1903-1990]. Para ele,

nenhum tipo de leitura é tão enriquecedor e satisfatório do que os

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contos de fadas, pois eles ensinam sobre os problemas interiores dos

seres humanos e apresentam soluções em qualquer sociedade. Ou

seja, a fantasia ajuda a formar a personalidade e, por isso, não pode

faltar na educação. "A criança aumenta seu repertório de

conhecimentos sobre o mundo e transfere para os personagens seus

principais dramas", diz a terapeuta Mariúza Pregnolato Tanouye, de

São Paulo.

Uma obra é clássica e referência em qualquer época quando

desperta as principais emoções humanas. O que os pequenos mais

temem na infância? A separação dos pais; e esse drama existencial

aparece logo no começo de muitas histórias consideradas referências

na literatura. Para Bettelheim (1980), a agressividade e o

descontentamento com irmãos, mães e pais são vivenciados na

fantasia dos contos: o medo da rejeição é trabalhado em João e

Maria, a rivalidade entre irmãos em Cinderela e a separação entre as

crianças e os pais em Rapunzel e O Patinho Feio.

A leitura das histórias no passado tinha um propósito muito

claro: apontar padrões sociais para as crianças. O objetivo das moças

ingênuas era encontrar um príncipe, como mostrado em A Bela

Adormecida e Cinderela. Em A Polegarzinha, de Andersen, a

recompensa final da protagonista, Dedolina, também era o

casamento. Já garotas desobedientes, como Chapeuzinho Vermelho,

deparavam com situações dramáticas, como enfrentar o Lobo Mau.

Essa história tinha forte caráter moral na sociedade rural do século

17: camponesas não deviam andar sozinhas. "Isso mostra como os

contos serviam para instruir mais que divertir”, afirma Mariúza.

O enredo básico dos contos de fadas expressa os

obstáculos, ou provas, que precisam ser vencidas, como um

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verdadeiro ritual iniciático, para que o herói alcance sua auto-

realização existencial, seja pelo encontro de seu verdadeiro "eu",

seja pelo encontro da princesa, que encarna o ideal a ser alcançado.

De acordo com Oliveira (2006) a estrutura básica dos

contos de fadas é:

• Início: nele aparece o herói [ou heroína] e sua

dificuldade ou restrição. Problemas vinculados à

realidade, como estados de carência, penúria, conflitos

etc., que desequilibram a tranqüilidade inicial;

• Ruptura: é quando o herói se desliga de sua vida

concreta, sai da proteção e mergulha no completo

desconhecido;

• Confronto e superação de obstáculos e perigos: busca

de soluções no plano da fantasia com a introdução de

elementos imaginários;

• Restauração: início do processo de descobrir o novo,

possibilidades, potencialidades e polaridades opostas;

• Desfecho: volta à realidade. União dos opostos,

germinação, florescimento, colheita e transcendência.

Canton (1984) afirma que é fácil reconhecer um conto de

fadas. Animais que falam, fadas madrinhas, reis e rainhas não

podem faltar, assim como a introdução "era uma vez". As narrativas

se passam em um lugar distante — "muito longe daqui" — e têm

personagens com nomes comuns ou apelidos, como João e

Chapeuzinho Vermelho. Esses elementos facilitam a memorização e

tornam a narrativa apropriada à oralidade.

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Por que histórias de reis e rainhas e de moçoilas à espera de um príncipe ainda fazem sentido hoje em dia? "Os contos são um patrimônio da humanidade. Eles foram escritos em outra época e a criança consegue compreender isso. Clássicos são clássicos porque se perpetuam, e as obras infantis devem ser respeitadas como a literatura para adultos". [...] no entanto, que as histórias mudam de acordo com a cultura e a época. Canibalismo e incesto, por exemplo, foram retirados de histórias antigas. Na versão original de Chapeuzinho Vermelho, o Lobo devora a Vovó e a própria Chapeuzinho, e o Caçador não existe. A vida da menina foi poupada na versão dos irmãos Grimm (CANTON, 1984, p. 89).

A tendência de retirar o mal, o medo e o castigo das

narrativas é forte atualmente. As mudanças de enredo apaziguam as

emoções que precisam ser vividas. Canton (1984) explica que não é

saudável evitar que as crianças enfrentem os conflitos.

Assim, é possível usar e abusar de filmes que recontam A

Bela e a Fera e O Patinho Feio, por exemplo, mas é preciso

apresentar primeiro as obras que mais se aproximam dos originais.

Um critério é escolher livros traduzidos por um escritor conhecido.

Fazer paródias, promover uma visão crítica dos temas tratados e

indicar a época em que as novas versões foram escritas ajudam a

garotada a refletir.

Para Lajolo e Zilberman (2001), o mais importante é que

pais e professores se sintam confortáveis ao contar uma história.

Todos os estudiosos do assunto afirmam que as crianças gostam de

violência. Aliás, um dos prazeres da arte, para crianças e adultos,

parece ser exatamente a sensação de viver por empréstimo grandes

aventuras, grandes amores e... grandes crueldades também.

Os contos de fadas não surgem na sala de aula como uma

ação mágica, por meio de uma varinha de condão, sendo assim o

responsável pela resolução dos problemas identificados dentro do

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sistema educacional brasileiro. No entanto, os contos de fadas

surgem como uma alternativa, dentre as muitas existentes, como um

facilitador do processo de aprendizagem (BETTELHEIM, 1980).

Bettelheim (1980, p.13) comenta que os contos de fadas são

muito ricos quando aplicados à educação e, com toda certeza, os

mesmos poderão garantir o desenvolver em sala de aula de trabalhos

muito ricos, uma vez que “nada é tão enriquecedor e satisfatório

para a criança, como para o adulto, do que o conto de fadas”.

Neste sentido, autores consagrados, como é o caso de

Bruno Bettelheim, justificam o uso dos contos de fadas como

recurso didático em sala de aula. Esta arte tão rica não deve ser

simplesmente reduzida a uma arte menor que se limitava a um

simples recurso pedagógico, mas sim explorar toda a sua riqueza

estrutural e psicológica, as quais, na atualidade, são amplamente

discutidas, reconhecidas e valorizadas.

Ainda que este trabalho proponha o uso do conto de fadas

como recurso de trabalho, não se pretende reduzi-los ou segregá-los

à condição única de recurso didático, e sim ampliar suas

potencialidades, de modo a transcender os limites da escola.

O prazer que experimentamos quando nos permitimos ser suscetíveis a um conto de fadas, o encantamento que sentimos não vêm do significado psicológico de um conto... mas das suas qualidades literárias (BETTELHEIM, 1980, p. 20).

Mas para que um conto de fadas possa verdadeiramente

cumprir sua função de encantamento, de magia, de construção da

personalidade, há que ser muito bem ouvido, o que necessariamente

exigirá que o mesmo seja muito bem contado.

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Se o adulto não tiver condições emocionais para contar a história inteira, com todos os seus elementos, suas facetas de crueldade, de angústia (que fazem parte da vida, senão não fariam parte do repertório popular...), então é melhor dar outro livro para a criança ler (ABRAMOVICH, 1989, p. 121).

Quando a questão da magia presente nos contos de fadas é

mencionada pela autora, fica claro que “a magia não está no fato de

haver uma fada já anunciada no título, mas na sua forma de ação, de

aparição, de comportamento, de abertura de portas, na sua

segurança” (ABRAMOVICH, 1989, p. 121).

É na infância que o ser humano constrói sua personalidade,

e os contos vêm para facilitar ou contribuir com sugestões em forma

simbólica sobre a forma como este indivíduo poderá lidar com

algumas situações que aparecerem durante a vida, crescendo, assim,

a salvo para a maturidade (BETTELHEIM, 1980).

Afinal nos contos de fadas o mal é tão presente quanto a virtude. Em praticamente todo conto de fadas o bem e o mal recebem corpo na forma de algumas figuras e de suas ações, já que bem e mal são onipresentes na vida e as propensões para ambos estão presentes em todo homem (BETTELHEIM, 1980, p. 15).

Ainda que os contos estejam recheados de questões

relacionadas à formação psicológica do ser e de despertar para uma

vida adulta mais saudável a respeito de como lidar com as questões

cotidianas, não há como desprezar a magia, já citada, e o

maravilhoso, nos quais os contos de fadas estão contidos. E por que

os contos de fadas estão contidos no maravilhoso?

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Porque se passam num lugar que é apenas esboçado, fora dos limites do tempo e do espaço, mas onde qualquer um pode caminhar. Porque as personagens são simples e colocadas em inúmeras situações diferentes, onde têm que buscar e encontrar uma resposta de importância fundamental, chamando a criança a percorrer e a achar junto uma resposta sua para o conflito (ABRAMOVICH, 1989, p. 120).

É nesse sentido que Éstes (2005) afirma que

quando as pessoas ouvem os contos, não estão propriamente “ouvindo”, mas lembrando; lembrando ideais inatos. Quando o corpo ouve contos, algo ecoa em seu interior. Um forte “viento dulce”, o sopro doce que carrega o conto, revela os sentimentos íntimos que se escondem sob sua superfície (ÉSTES, 2005, p. 12).

Assim, os educadores necessitam de uma consciência tal

que os faça perceber a necessidade de ter os contos de fadas não

simplesmente como um recurso didático em sala de aula, mas

também como uma forma rica de entretenimento, que deverá

transcender às paredes da sala de aula e aos muros da escola.

O uso das histórias para entreter tem suas raízes na palavra latina “intertenere” que significa “inter”, entre + ‘tenere”, deter. “Entreter” significa deter alguma coisa mutuamente, unir entrelaçando. A palavra contém a idéia de reciprocidade, ou seja, que cada um mantém o outro no estado ou condição desejada (ÉSTES, 2005, p.14).

O mais mágico de tudo o que há nos contos de fadas,

quando se faz referência à questão do entretenimento, é que os

mesmos não mostram respostas prontas e acabadas para as situações

apresentadas. Assim, a lógica dos contos de fadas caminha por um

terreno que não é o mesmo da lógica de outros tipos de literaturas,

pois “a preocupação do conto de fadas não é uma informação útil

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sobre o mundo exterior, mas sobre os processos interiores que

ocorrem num indivíduo” (BETTELHEIM, 1980, p. 34).

Os contos têm o poder de suscitar esquemas nos diferentes

ouvintes, de formas tão particulares e singulares que deixam a

impressão de serem histórias personalizadas, dirigidas a cada

ouvinte em particular. Desta forma, os contos de fadas tornam-se

atemporais e de suma importância à vida de cada ouvinte, seja este

criança ou adulto.

As estórias de fadas não pretendem descrever o mundo tal como é, nem aconselham o que alguém deve fazer... Os contos de fadas dirigem a criança para a descoberta de sua identidade e comunicação, e também sugerem as experiências que são necessárias para desenvolver ainda mais o seu caráter. (BETTELHEIM, 1980, p. 32-33).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É por estes e muitos outros motivos que o presente trabalho

mostra-se no dever de propor uma experiência de motivação para o

desenvolvimento da alfabetização e da aprendizagem com um

recurso tão rico e tão necessário à vida de qualquer ser humano, do

ponto de vista literário. Recurso este que nada mais é do que uma

das mais fabulosas formas de expressão artística: os contos de fadas.

É nesta dimensão de análise e de estudo pedagógico dos

contos de fadas que fica claro que, a partir da motivação suscitada

pelos contos, a aprendizagem se tornará muito mais interessante e

muito mais estimulante. Ainda mais se o conto conseguir atingir

profundamente a emoção do educando.

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Era uma vez... os contos de fadas e a alfabetização

118

Desde a descoberta do fogo, os seres humanos se sentem atraídos pelos contos místicos. Por quê? Porque apontam para um fato importante: embora a alma em sua viagem possa tropeçar ou se perder, no fim ela encontrará seu coração, sua natureza divina, sua força, seu caminho para Deus em meio à floresta sombria – ainda que leve vários episódios ou “dois passos à frente e um atrás” para descobri-los e recuperá-los (ÉSTES, 2005, p. 11).

Assim acontece com cada uma das pessoas, seja no setor

pessoal de suas vidas, seja durante o processo de alfabetização

durante o período de suas vidas escolares. Portanto, que seja mágico,

porém que não deixe de ser real, consistente e eficiente, o processo

de desenvolvimento da aprendizagem e da aquisição de leitura e

escrita, para que todos, após concluírem este processo, da melhor

forma possível, possam dizer de suas próprias vidas... “e viveram

felizes para sempre”...

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Ana Maria Lombardi Daibem Mariana Vaitiekunas Pizarro

121

AS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS E O EDUCADOR: UMA

PRÁTICA PEDAGÓGICA EM CONSTRUÇÃO

Ana Maria Lombardi Daibem

Mariana Vaitiekunas Pizarro

INTRODUÇÃO

A sala de aula torna-se um espaço cada vez mais plural e

inovador. Os educadores, em sua maioria, buscam inserir em sua

prática uma grande variedade de materiais e linguagens que possam

contribuir de maneira significativa para o processo ensino-

aprendizagem.

As histórias em quadrinhos surgem na realidade escolar de

maneira tímida, após muitos anos de marginalização e censura,

especialmente por parte dos mais tradicionais que viam nesse

veículo um perigo para a mente fértil de crianças e adolescentes.

Aos poucos se desfaz aquela visão extremamente deturpada

que se tinha dos quadrinhos entre os anos de 1950 e as últimas

décadas do século XX, onde se acreditava que os mesmos poderiam

comprometer seriamente o hábito de leituras mais sérias,

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As histórias em quadrinhos e o educador: uma prática pedagógica em construção

122

corrompendo “...as inocentes mentes de seus indefesos leitores.”

(VERGUEIRO, 2004).

No momento em que as historias em quadrinhos, ou

simplesmente “HQs”, como são chamadas, se tornam populares e

começam a despertar o interesse infantil, conseguimos perceber,

com muita clareza, qual era o receio e a aflição de pais e educadores

da época. Como poderia uma leitura popular e, de certa maneira,

marginal e que surgiu nos jornais como forma de entretenimento

puro, ocupar o lugar de clássicos no interesse das crianças? Como

uma criança poderia adquirir cultura e, talvez, até um pouco de

conhecimento com esses quadrinhos coloridos?

Neste panorama, as histórias em quadrinhos nunca foram

vistas como possível alternativa para a prática pedagógica e, sim,

como ressalta Vergueiro:

responsáveis por todos os males do mundo, inimigas do ensino e do aprendizado, corruptoras das inocentes mentes de seus indefesos leitores. Portanto, qualquer idéia de aproveitamento da linguagem dos quadrinhos em ambiente escolar seria, à época, considerada uma insanidade (VERGUEIRO, 2004)

Esse movimento anti-quadrinhos, fortemente endossado por

pais e educadores da época, provocou a criação do Comic Code ou

“Código de Ética”8 dos quadrinhos, que exerceu uma verdadeira

ditadura contra muitos desenhistas e suas produções. Contudo, ao

longo dos anos, sem a existência de pesquisas respeitáveis que

8 Criado em 1940 nos Estados Unidos e posteriormente adotado também no Brasil, o Comic Code ou Código de Ética consistia em regras para publicações e criação de “selos” de censura, visando filtrar os quadrinhos ditos nocivos ao público. Esta medida acabou gerando o desaparecimento de muitos desenhistas e revistas que não se adequavam às exigências do código.

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Ana Maria Lombardi Daibem Mariana Vaitiekunas Pizarro

123

comprovassem o real efeito “subversivo” dos quadrinhos em seus

pequenos leitores e com o surgimento de histórias e personagens

voltados para o público infantil, além da entrada massiva dos meios

de comunicação no cotidiano familiar, essa posição equivocada

atribuída aos quadrinhos se dissipa. E, nesse momento, surgem

pesquisadores, desenhistas, leitores e educadores que partem em

defesa dos quadrinhos, como o pedagogo Abrahão Aziz, que

destaca:

Não é, portanto, a literatura em quadrinhos que faz mal à infância; é tôda e qualquer literatura mal orientada, são todos os livros e revistas que caem nas mãos da criança, quando não lhe servem (ABRAHÃO, 1972, p. 169-70)

Assim, as histórias em quadrinhos passam a ser vistas não

mais como puro entretenimento, mas também como transmissora de

mensagens. Timidamente, começam a ser inseridas nos livros

didáticos, vistas agora como um instrumento pedagógico plausível já

que se tornam presentes no material indicado oficialmente para a

sala de aula.

A maior prova da evolução na aceitação dos quadrinhos

enquanto material contribuinte à prática pedagógica está

concretizada nos documentos oficiais do Estado que apresentam as

diretrizes para a Educação Infantil [RCN – Referencial Curricular

Nacional] e o Ensino Fundamental [PCN – Parâmetros Curriculares

Nacionais], mais especificamente os de Língua Portuguesa e Artes,

que recomendam o uso de várias linguagens incluindo as histórias

em quadrinhos em sala de aula.

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As histórias em quadrinhos e o educador: uma prática pedagógica em construção

124

No RCN, as histórias em quadrinhos são sugeridas como

um importante material didático no que se refere à prática de leitura

e escrita na educação infantil desde 0 a 6 anos, sendo incluídas

também nos conteúdos pertinentes a essa faixa etária, como um

importante material para observação, manuseio e para a prática de

leitura. Para a faixa etária de 4 a 6 anos especificamente, o

documento apresenta como orientação didática, a promoção de

“...situações em que as crianças precisam descobrir o sentido do

texto apoiando-se nos mais diversos elementos, como nas figuras

que o acompanham, na diagramação, em seus conhecimentos

prévios sobre o assunto, no conhecimento que têm sobre algumas

características próprias do gênero etc.” (BRASIL, 1998), ressaltando

a importância de serem escolhidos materiais que “... possibilitam às

crianças deduzir o sentido a partir do conteúdo, da imagem ou

foto...”.

No PCN de Artes, as histórias em quadrinhos aparecem

como conteúdo presente durante o trabalho com artes visuais, como

meio de expressão, comunicação e também como objeto de

apreciação. Já no PCN de Língua Portuguesa, elas surgem nos

objetivos específicos, como gênero para o trabalho com a linguagem

escrita. De maneira mais geral, o documento salienta que a

“diversidade textual que existe fora da escola pode e deve estar a

serviço da expansão do conhecimento letrado do aluno”. (BRASIL,

2000). Entende-se, portanto, que a presença de textos sociais em sala

de aula devem figurar a preocupação dos professores e também de

seu planejamento, conforme aponta Smoka:

... a leitura e a escrita ganham, fora da escola, outras marcas e se realizam de outras formas no contexto da indústria cultural: não só

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Ana Maria Lombardi Daibem Mariana Vaitiekunas Pizarro

125

suas funções, mas seus usos se modificam, se transformam [...]. São as marcas da modernidade, que a escola tem medo de assumir, mas não pode impedir que se revelem. (SMOKA, 2003, p. 80)

Na área de Comunicação notamos que, pela falta de

educadores que apresentassem seu ponto de vista acerca do assunto,

muitos comunicadores acabaram assumindo esse papel em defesa

das histórias em quadrinhos como recurso em sala de aula, tentando

preencher essa lacuna. Como exemplo, podemos citar Sonia Maria

Bibe Luyten, que publicou dois artigos sobre “HQ” e educação

presentes no livro História em Quadrinhos – Leitura Crítica que

reúne vários artigos de outros autores, Flávio Calazans que publicou

História em Quadrinhos na Escola, apresentando uma abordagem

muito mais juvenil do que infantil e, finalmente, Waldomiro

Vergueiro e Ângela Rama que organizaram o livro Como usar

histórias em quadrinhos em sala de aula, onde apontam possíveis

trabalhos com quadrinhos em aulas de Língua Portuguesa,

Geografia, História e Artes.

Contudo, nota-se uma real lacuna de produções

pedagógicas voltadas para a reflexão do uso de quadrinhos em sala

de aula e para a busca da melhor forma de fazê-lo, pois a criança tem

cada vez mais contato com diversos tipos de texto e linguagens no

seu dia a dia, especialmente fora da escola. Os meios de

comunicação exercem cada vez mais influência no processo de

formação da criança e a escola não pode negar essa realidade na

aprendizagem de seus alunos.

Portanto, o papel do educador é fundamental no tocante ao

trabalho com quadrinhos em todos os sentidos, desde a pesquisa

científica no meio acadêmico apresentando um olhar pedagógico

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As histórias em quadrinhos e o educador: uma prática pedagógica em construção

126

sobre esse material [que até o presente momento possui poucas

produções realizadas por pedagogos] até a análise e escolha do

material para a sala de aula, o que se pretende com ele, qual é o seu

papel no plano de ensino e, principalmente, na aprendizagem dos

alunos.

UMA PESQUISA COM QUADRINHOS: A TURMA DA MÔNICA E

SEU PAPEL EM SALA DE AULA

A busca por caracterizar o real papel dos quadrinhos em

sala de aula e por compreender a maneira como o educador

incorpora este meio em sua prática pedagógica nos levou a

realização de um estudo sobre essa temática.

O objetivo principal desse estudo foi o de analisar

criticamente a produção de histórias em quadrinhos de Maurício de

Sousa, identificando conteúdos pertinentes ao Ensino Fundamental,

as práticas pedagógicas com histórias em quadrinhos existentes,

visando propor sua aplicação em sala de aula através de formas

didáticas que contribuam para aprimorar qualitativamente o processo

ensino-aprendizagem, tendo em vista também subsidiar programas

de formação continuada para professores.

Para analisar a prática pedagógica de alguns educadores e o

real uso de quadrinhos como um importante recurso para essa

prática, tornou-se condição fundamental conhecer a historicidade

desse material, visando encontrar o momento exato no qual o

caminho dos quadrinhos e da educação se cruzam. Esse resgate

histórico foi de vital importância para compreender o surgimento

dessa nova linguagem comunicacional que tem origem nas pinturas

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Ana Maria Lombardi Daibem Mariana Vaitiekunas Pizarro

127

rupestres e foi evoluindo juntamente com as sociedades e sua

cultura. É dentro desse cenário que surge Maurício de Sousa e sua

criação genuinamente brasileira que, no futuro, se tornaria a

mundialmente famosa Turma da Mônica.

Dessa forma, o estudo teve como foco principal o uso das

histórias em quadrinhos Turma da Mônica em sala de aula,

especialmente pelo fato de, mesmo com a concorrência de outros

quadrinhos, ainda ser preferência maciça na faixa etária que

compreende as séries iniciais do ensino fundamental9. Para a

realização desse estudo, além do resgate histórico, foi

imprescindível o estudo sobre a relação quadrinhos e educação,

ensino e aprendizagem, leitura e escrita, que foi elaborado através de

estudos teóricos preliminares.

A escolha da terceira série do ensino fundamental para a

realização desse estudo se deu pelo fato de ser uma série

intermediária entre primeira-segunda séries onde as crianças ainda

se habituam ao uso da leitura e escrita, e a quarta série, onde se

pressupõe que esse aprendizado já esteja mais avançado e autônomo.

Como metodologia de pesquisa, optou-se pela pesquisa

qualitativa com enfoque dialético, que fornece subsídios teórico-

metodológicos para a elaboração de um estudo qualitativo, buscando

o confronto entre teoria e prática e visando a transformação da

realidade através de reflexões sobre a mesma e sobre a prática

humana, como salienta Chizzotti:

9 Essa afirmação foi baseada em recente pesquisa do jornal Folha de São Paulo, no caderno infanto-juvenil Folhinha de 12/06/2004 onde, numa amostragem de 167 crianças, 108 crianças [na faixa etária de 5 a 11 anos] apontaram a Turma da Mônica como preferência, mesmo com concorrentes como Homem Aranha de Stan Lee e Mickey Mouse de Walt Disney.

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As histórias em quadrinhos e o educador: uma prática pedagógica em construção

128

A pesquisa qualitativa objetiva, em geral, provocar o esclarecimento de uma situação para uma tomada de consciência pelos próprios pesquisados de seus problemas e das condições que os geram, a fim de elaborar os meios e estratégias para resolvê-los. (CHIZZOTTI, 2001, p. 104)

Na busca por contribuir para essa tomada de consciência e

transformação no tocante ao trabalho com quadrinhos, inicialmente,

foi realizada a análise de alguns gibis de Maurício de Sousa,

procurando localizar nos mesmos historinhas que apresentassem

conteúdos relevantes e que pudessem ser explorados em sala de aula.

Constatada essa potencialidade dos quadrinhos, partimos para a

observação da realidade, participando de aulas com quadrinhos em

três terceiras séries do ensino público estadual e, posteriormente,

realizando uma entrevista com as educadoras observadas, para

conhecer suas idéias e sugestões sobre o uso de quadrinhos em sala

de aula.

Após essa coleta de dados na realidade, foi feita, através do

levantamento de categorias, a análise qualitativa desses dados

encontrados, confrontando-os com a bibliografia estudada ao longo

da pesquisa.

Assim, ao realizar o resgate histórico através do estudo

bibliográfico preliminar, observar a prática pedagógica, entrevistar

as educadoras e analisar os dados encontrados, constatou-se que os

educadores possuem grande clareza sobre a riqueza pedagógica da

linguagem quadrinizada. Contudo, não conseguem efetivar suas

idéias pelo receio de se lançar ao “novo”.

Sabe-se sobre a presença dos quadrinhos em sala de aula,

mas muito pouco sobre essa linguagem. Sabe-se que a leitura de

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Ana Maria Lombardi Daibem Mariana Vaitiekunas Pizarro

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quadrinhos agrada aos alunos, mas não se sabe como transpor a

linguagem quadrinizada em atividades realmente significantes para o

processo ensino-aprendizagem. Pensa-se sobre os quadrinhos como

linguagem a ser estudada na disciplina de Língua Portuguesa, mas

dificilmente relaciona-se essas histórias com as demais disciplinas.

O professor que trabalha com quadrinhos possui ótimas idéias e

sugestões, mas também tem muitas dúvidas.

O papel do educador no uso de quadrinhos como alternativa

didática vai além das atividades corriqueiras. Ele deve se sentir

responsável por apresentar aos alunos uma outra maneira de ler

quadrinhos. Ir além de descobrir “qual é o personagem principal” é o

grande desafio no uso de quadrinhos em sala de aula.

AS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS E O PROFESSOR: UMA

RIQUEZA DE RELAÇÕES

A relação quadrinhos - prática pedagógica ainda é vista

como novidade. Embora existam muitos estudos comunicacionais a

esse respeito, o estudo na dimensão pedagógica ainda necessita de

muitas contribuições. Contudo, ao final da pesquisa (PIZARRO,

2005) relatada acima, pôde-se fazer algumas considerações que

tendem a contribuir de maneira inicial para as futuras reflexões que

se espera serem realizadas por pedagogos de forma efetiva a partir

destas aqui apontadas. Vale ressaltar ainda que, mesmo estando

apresentadas em pequenos tópicos, as sugestões a seguir são

complementares, visando um trabalho interdisciplinar, portanto, não

são atividades isoladas ou individuais:

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As histórias em quadrinhos e o educador: uma prática pedagógica em construção

130

A ESCOLHA DO MATERIAL

A escolha da historinha que será utilizada em sala de aula

depende do conteúdo que o professor irá abordar e dos objetivos que

pretende atingir com suas atividades. Definidos esses dados, o

trabalho na escolha da historinha se dá na banca de jornal ou em

sebos. Na pesquisa aqui relatada, abordamos mais especificamente

as histórias de Maurício de Sousa. São gibis fáceis de serem

encontrados em bancas toda a semana e também em grande

quantidade nos sebos.

O educador, tendo em mente o que pretende trabalhar, deve

buscar em meio às revistinhas aquilo que mais atende aos seus

objetivos pedagógicos. É uma atividade trabalhosa, mas que

certamente culmina em escolhas bem pensadas e adequadas.

É importante ressaltar, portanto, que este momento é crucial

para a decisão do tipo de material que o educador pretende levar

para a sala de aula. É aí que o olhar crítico faz a diferença por conta

da ideologia presente neste tipo de material.

OLHAR CRÍTICO E IDEOLOGIA

Quando falamos sobre a importância de analisar

criticamente todo e qualquer material que se pretende levar para a

sala de aula, sabemos que não é uma tarefa fácil e que requer muita

atenção e preparação para perceber inclusive o caráter ideológico

presente nos meios de comunicação e, por conseguinte, nos

quadrinhos.

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Ana Maria Lombardi Daibem Mariana Vaitiekunas Pizarro

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Há literatura que aborda essa temática e que esclarece ao

leitor sobre a gravidade da ideologia implícita nos quadrinhos e

também a importância de percebê-la e refletir sobre ela. Contudo,

sendo inviável abarcar esses conhecimentos neste pequeno espaço

de reflexão, mesmo porque os estudos sobre ideologia e consumo

requerem profundidade, salientamos aqui alguns cuidados que

devem ser tomados pelos educadores na escolha das historinhas e

que não fogem muito à prática de todo educador crítico e

preocupado com a qualidade dos recursos que utiliza em sala de

aula:

• Procure ler a historinha também em suas entrelinhas. Não

se contente com deduções à primeira vista. Os alunos são

extremamente atentos à muitas mensagens que para os

educadores passam desapercebidas.

• Evite levar historinhas que promovam algum tipo de

produto ou brinquedo. Leve em conta que nem todas as

crianças possuem o mesmo grau sócio-econômico e,

portanto, o que para algumas será trivialidade, para

outras será apenas vontade e sentimento de incapacidade

por não poder possuir certos pertences. Além disso, essas

histórias podem promover o consumo e a aceitação de

padrões e estereótipos.

• Procure evitar o uso de histórias que reforcem os

estereótipos vigentes. Nem sempre aquilo que é certo ou

errado é percebido da mesma maneira em uma escola no

centro da cidade ou em uma escola de periferia. O

educador deve escolher as historinhas sempre de acordo

com o contexto no qual seus alunos estão inseridos e

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As histórias em quadrinhos e o educador: uma prática pedagógica em construção

132

problematizar com os mesmos, em constantes discussões,

aquilo que lhes é apresentado na história estudada.

• Busque sempre o estudo de textos ou livros que reflitam

e analisem a questão ideológica presente não só nos

quadrinhos, mas também em muitas outras áreas de

conhecimento. Somos muito mais influenciados pela

ideologia vigente do que imaginamos. Nada é neutro em

nossa sociedade. Nem mesmo nossa própria prática está

isenta de direcionamentos e ideologias.

HISTORICIDADE

Trabalhar com a historicidade da história em quadrinhos é

um bom motivo para aproximar os alunos da linguagem

quadrinizada. Sugerir pesquisas em diversos meios como jornais,

internet, livros e enciclopédias, sobre a história dos quadrinhos, seu

surgimento, sua evolução, seus autores, é um excelente primeiro

passo para um estudo mais aprofundado sobre o tema e permite aos

alunos a aquisição de um conhecimento de quadrinhos além das

onomatopéias. Conhecer os quadrinhos no mundo, o surgimento dos

quadrinhos no Brasil, o processo de criação de uma historinha, entre

outros, são elementos muito importantes para o conhecimento dessa

linguagem.

A LINGUAGEM

Estudar a historicidade dos quadrinhos inevitavelmente

levará ao conhecimento mais aprofundado dessa linguagem. O

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Ana Maria Lombardi Daibem Mariana Vaitiekunas Pizarro

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estudo da linguagem visual do quadrinho [ou vinheta], da

montagem, dos planos e ângulos de visão, dos enredos

[protagonistas e personagens] pode ser um excelente material para as

aulas de Artes, onde o educador pode explorar esses elementos

apresentando aos alunos outros tipos de quadrinhos existentes

[mangás, clássicos, hq de cunho político, social, tiras de jornal etc.],

a influência dos quadrinhos nas obras de arte, entre muitas outras

atividades que podem surgir no cotidiano escolar.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Entre muitos pontos importantes destacados no trabalho

com quadrinhos está a busca por uma metodologia que dê conta de

elucidar o que é “certo ou errado” no uso desse material. Contudo,

importa ressaltar que não existe uma receita que indique a melhor

maneira de conduzir o trabalho com quadrinhos em sala de aula, até

mesmo porque esse debate [e as sugestões existentes] têm sido

fomentado muito mais por comunicadores do que por educadores

que seriam responsáveis por preencher essa lacuna, afinal tudo o que

diz respeito à sala de aula, conseqüentemente, diz respeito ao

educador. Daí a importância de pedagogos e educadores em geral se

engajarem nesse propósito de estudo, pois, embora este seja

considerado um veículo de comunicação, em sala de aula o mesmo

se torna também um recurso à serviço da educação e ninguém

melhor do que o próprio educador para conhecer o espaço escolar,

suas dinâmicas e práticas.

No espaço escolar, os educadores encontram as mais

criativas e diversas formas de trabalhar com este material, mas

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As histórias em quadrinhos e o educador: uma prática pedagógica em construção

134

compartilhar essas experiências com os demais educadores têm se

tornado extremamente difícil por uma série de fatores, entre eles, o

fato de os mesmos colocarem em xeque a qualidade daquilo que

aplicam, fatores esses que puderam ser notados durante o

desenvolvimento da pesquisa aqui relatada.

Portanto, a formação do educador para o trabalho com os

quadrinhos pode ser um importante passo para aproximá-lo desse

estudo e, conseqüentemente, do debate na busca da construção

contínua de uma metodologia para o uso consciente, crítico e

socialmente engajado dos quadrinhos como auxílio didático.

O diálogo sobre o uso das histórias em quadrinhos em sala

de aula pode e deve ir além da esfera comunicacional e permitir um

olhar pedagógico que se torna elemento-chave na seleção e inserção

desse material no espaço educativo. Cabe, novamente, aos

educadores, avançar nesse conhecimento e compartilhar através dos

diversos meios possíveis [sejam eles publicações, pesquisas, grupos

de estudos entre outros] a sua prática e as alternativas, sucessos e

também fracassos que encontram no caminho que percorrem, com o

uso de quadrinhos como auxílio didático, pois, conforme ressalta

Luyten (1984) “...No momento em que pais e pedagogos

considerarem as histórias em quadrinhos como seus aliados, isso

virá a possibilitar um número ilimitado de práticas a seu serviço”.

Assim, a presença das histórias em quadrinhos em sala de

aula pode ser vista como sinônimo de diversão, entretenimento e

também educação. Depende exclusivamente do uso que se faz dela

dentro e fora do espaço escolar.

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Ana Maria Lombardi Daibem Mariana Vaitiekunas Pizarro

135

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HISTÓRIAS LEGAIS E REAIS DA EDUCAÇÃO DO SURDO NA REDE ESTADUAL DE ENSINO DO ESTADO DE SÃO PAULO

Eliana Marques Zanata

Enicéia Gonçalves Mendes

O caminho da Educação Especial no contexto da história da

Educação Brasileira vem sendo trilhado sob a égide de um

paradigma excludente. Pessoas que não são producentes na

sociedade tendem a ser excluídas do contexto social e,

conseqüentemente, do contexto educacional.

As preocupações educacionais em relação aos alunos com

deficiência, então clientela da Educação Especial, estiveram

centradas no paradigma institucional. Nesta perspectiva, acreditava-

se que a educação destas pessoas deveria ocorrer em instituições

fechadas e segregadas de forma que os cuidados e atendimentos ali

prestados enveredassem tanto para o desenvolvimento clínico quanto

educacional. Contudo, estas pessoas manteriam-se separadas das

pessoas ditas normais, não causando assim contradições e

constrangimentos.

No decorrer da história da educação especial houve sensível

mudança neste paradigma, de forma que a sociedade buscou,

gradativamente, encontrar caminhos que trouxessem os deficientes

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Eliana Marques Zanata Enicéia Gonçalves Mendes

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cada vez mais próximos ao convívio social e educacional. Este

paradigma passa a ser conhecido por Integração. Assim, soma-se a

preocupação em formar e capacitar profissionais que pudessem

desenvolver um trabalho qualitativo em termos de habilitação e

reabilitação da pessoa com deficiência. Até então, as atenções

estavam voltadas para uma abordagem muito mais clínica do que

educacional.

Durante décadas houve a preocupação por parte do governo

em capacitar professores da educação especial, com o intuito de que

estes “preparassem” os alunos surdos para que pudessem

“acompanhar” o ensino em classes comuns, para que estes

apresentassem resultados bem próximos daqueles dos alunos

ouvintes. Os anos se passaram e os resultados esperados nem sempre

foram atingidos.

Segundo documento da Secretaria de Estado da Educação,

no Estado de São Paulo, em 19 de dezembro de 1917 foi promulgada

a Lei n.º 879, cujo artigo 39 criava na capital a primeira “escola de

anormais” que, entretanto, não chegou a ser instalada. Anos mais

tarde, em 1930, foi instalada no Largo do Arouche uma “Escola de

Anormais”, local onde hoje funciona a Coordenadoria de Ensino do

Interior, parte da Secretaria da Educação (SÃO PAULO, 1972).

Em 1938, a Secção de Higiene Mental Escolar, subordinada

ao Serviço de Saúde Escolar, é incumbida da orientação técnica do

pessoal docente das classes especiais e de promover a habilitação e o

aperfeiçoamento de técnicos especializados, pela Lei n.º 9.872 de 28

de dezembro de 1938. Segundo documento da Secretaria de

Educação, o atendimento de surdos iniciou-se em 1959, depois de

criado e regulamentado o Serviço de Educação de Surdos-Mudos

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Histórias legais e reais da educação do surdo na rede estadual de ensino do Estado de São Paulo

138

pelo Decreto n.º 380, de 29 de dezembro de 1958 (SÃO PAULO,

1972).

A Educação Especial no Brasil aparece pela primeira vez

em forma de lei no ano de 1961, com a promulgação da LDB

4.024/61, apontando que a educação dos excepcionais deveria, no

que fosse possível, ajustar-se no sistema geral da educação (Art. 88).

Surge então a idéia de que a pessoa com deficiência poderia

freqüentar a escola da mesma forma que os demais, desde que sua

condição permitisse que se adaptasse às condições que a escola

comum lhe oferecesse. Eis a justificativa para o termo “sempre que

possível”, ou seja, se o indivíduo não tivesse condições de se adaptar

ao ambiente escolar, o ambiente escolar não seria adaptado a ele,

situação esta que impediria seu acesso ao ensino regular, ficando o

aluno restrito a freqüentar Instituições ou Escolas Especiais, as quais

receberiam subvenções do governo (Art. 89).

No ano de 1961, segundo registros oficiais do livro de

matrícula, foi instalada a primeira classe especial para deficientes

auditivos numa escola pública na cidade de Bauru, com sete

meninos e três meninas, na faixa etária de 5 a 15 anos. Dados

obtidos no livro de matrícula apontam que nesta época a classe

especial passava pelos mesmos processos de avaliação das classes

do então Ensino Primário. Os alunos recebiam ao final do ano letivo

a menção “aprovado” ou “conservado”. O aluno permanecia na

mesma classe especial com repetição dos mesmos conteúdos, se sua

menção tivesse sido “conservado”, ou, com aprendizagem de novos

conteúdos, caso sua menção tivesse sido “aprovado”.

O Decreto 47.186, de 21 de novembro de 1966, criou o

Serviço de Educação Especial em cumprimento ao estabelecido

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Eliana Marques Zanata Enicéia Gonçalves Mendes

139

pelos artigos 88 e 99 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional nº 4.024/61. O referido setor passou, então, a responder

pelo atendimento de deficientes mentais, auditivos e físicos.

A partir de 1967, conforme o documento da Secretaria de

Estado da Educação, nas classes especiais para surdos, os alunos

passam o período escolar sob a responsabilidade de um professor

especializado; entretanto, em alguns momentos, os alunos

participam de atividades comuns à escola (SÃO PAULO, 1972).

No que diz respeito à educação primária e secundária, a

educação dos alunos que apresentam deficiências passa a ter os

mesmos fins da educação geral, encarnando o princípio democrático

de que cada indivíduo deve receber atendimento educacional

adequado, de acordo com as normas fixadas pelos Conselhos

Estaduais de Educação.

No Estado de São Paulo, os serviços de Educação Especial

passam a ser incorporados pelo Departamento de Ensino Básico,

após a publicação do Decreto 52.324, de 1º de dezembro de 1969,

sendo que sua primeira estruturação e definição de funções só foi

regulamentada pela Resolução SE n.º 8/7, publicada em 2 de

fevereiro de 197110.

De acordo com a Resolução SE nº. 8/7, caberia ao serviço

de Educação Especial, através da Equipe Técnica de Estudos

Pedagógicos:

10 Em se tratando de nomenclatura para designação de uma Resolução da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, a notação utilizada refere-se ao número da resolução, seguindo-se os dois últimos dígitos do ano de publicação. No documento original produzido por esta Secretaria de Estado em 1972, a nomenclatura da Resolução SE n.º 8, de fevereiro de 1971, não apresenta a forma de notação prevista, referente ao ano de publicação, sendo a mesma referenciada como resolução SE n.º 8/7.

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Histórias legais e reais da educação do surdo na rede estadual de ensino do Estado de São Paulo

140

Artigo 7º [...] organizar e orientar serviços educacionais destinados aos excepcionais, organizar currículos e programas adequados, orientar procedimentos metodológicos, orientar a avaliação do rendimento escolar, elaborar e executar programas de ensino e estudar e se pronunciar sobre os pedidos de instalação de unidades de educação especial estaduais, municipais e particulares (SÃO PAULO, 1972).

Os dados da Secretaria da Educação indicavam que, para o

ano de 1972, estava previsto o funcionamento de serviços como

classe especial, sala de recursos, ensino itinerante, classes

hospitalares e ensino domiciliar. Também havia registros de que, na

década de 1970, o Serviço de Educação Especial respondia por cerca

de 930 classes especiais.

A regulamentação específica desse serviço ocorre através

da Deliberação CEE n.º 13/73 do Conselho Estadual de Educação, a

qual fixa as normas gerais para a educação de excepcionais, segundo

previsto no artigo 9º da LDB 5.692/71.

Em julho de 1973, a equipe técnica do Serviço de Educação

Especial promove uma orientação para professores das classes

especiais de surdos, abordando como tema central um texto de Maria

Cecília Bevilacqua intitulado Desenvolvimento do Trabalho em

Qualquer Abordagem Auditiva, envolvendo orientações aos

professores, aos pais e à escola (BEVILACQUA, 1973)11.

Nos anos de 1976 e 1977, o Serviço de Educação Especial

propõe e executa o Projeto 02/SEE/DS, intitulado Aperfeiçoamento

de Professores de Deficientes Auditivos para utilização de Recursos

11 O conteúdo do referido texto está pautado na abordagem oral, ainda que seu título sugira que o trabalho possa ser desenvolvido em qualquer abordagem.

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141

Técnicos Específicos. Tal projeto estava totalmente pautado nos

princípios de métodos da abordagem oral, tendo como texto base

Aural Reabilitation de Dereck Sanders, um dos referenciais desta

abordagem. O aperfeiçoamento dos professores ocorreu tendo por

base treinamento auditivo, treinamento de discriminação da fala e

atividades de sala de aula (SÃO PAULO, 1976).

Em 23 de junho de 1978, é homologada a Resolução SE n.º

73/78, estabelecendo, entre outras providências, as modalidades de

atendimento do serviço de educação especial [classe especial, sala

de recursos e ensino itinerante], além de regulamentar as formas de

instalação destes serviços, bem como a formação do professor e os

critérios de elegibilidade da clientela. Já postula em seu Artigo 9º

que o aluno deveria, sempre que possível, ser transferido para a

forma de atendimento mais integradora e, somente quando mais

necessário, para a segregadora. Também foi nesta Resolução que

surgiu a caracterização do alunado. Era considerado eletivo para o

atendimento especializado em classe especial, sala de recursos ou

ensino itinerante na modalidade referente à deficiência auditiva,

aqueles com perda auditiva acima de 45 dB, nas freqüências da fala

em ambos os ouvidos. A instalação de salas para surdos dependia de,

pelo menos, cinco alunos devidamente caracterizados, com idade

entre 3 e 11 anos [quando se tratava da primeira matrícula], em sala

de, no mínimo, 30m², com tomadas para instalação de equipamento

audiovisual12. Esta legislação esteve em vigor até 1999.

12 Professoras que trabalhavam na época lembram que as classes especiais contavam com aparelhos de amplificação sonora coletivos com oito saídas de fones de ouvido e vibradores. Relatam ainda que as classes contavam com gravador K7, sonata, discos e fitas, inclusive com gravações de sons ambientais e de fala para treinamento auditivo.

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Histórias legais e reais da educação do surdo na rede estadual de ensino do Estado de São Paulo

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Em uma das escolas da rede pública que contava,

antigamente, com classe especial para surdos, havia uma cópia, em

carbono datilografada, de um documento em forma de relatório de

desenvolvimento individual, datado de dezembro de 1978, transcrita

a seguir:

“BVB, foi matriculada nesta escola, em março de 1976, na classe especial para deficientes auditivos. Através de técnicos especializados para o ensino da fala, e tratamento adequado, hoje ela está apta a freqüentar uma classe comum de crianças ouvintes de 1ª série. É uma criança que goza de boa saúde, possui reações normais, e se adapta muito bem a outras crianças. Participa de atividades lúdicas com as crianças ouvintes, entende e se faz entender. Fala um número razoável de palavras, com dicção própria de criança portadora de tal deficiência, possui boa leitura labial, isto é, percebe palavras olhando nos lábios de quem fala, fator essencial na compreensão da fala e ditados. Acha-se no início da alfabetização, e já conhece e domina os fonemas p, b, t, m, l, f, v, d. Conhece diversas palavras com esses fonemas, principalmente ligadas à alimentos, necessidades pessoais e familiares. Entende sentenças simples, com os verbos ser, comer, beber, ver; sabe completar orações, faz ditado com palavras aprendidas, lê, forma orações simples, tem noções de singular e plural. Quanto a parte matemática domina os numerais de 1 a 15, representa as quantidades, tem noção de conjunto, faz adição. Aconselha-se que ela freqüente a classe comum, à fim de que se integre em seu meio e seja um elemento útil a sua comunidade, e não alguém dependente. A nossa preocupação para que logo freqüente classes comuns, reside no fato de coloca-la junto com crianças de sua idade, cujos interesses são comuns. Tal fato beneficiará para melhor se comunicar, e às crianças normais será um estímulo e uma forma de orienta-las no auxílio ao próximo torna-las mais humanas e desprendidas. Esta criança continuará recebendo um reforço da classe especial, e atendimento na parte da fala, e dúvidas que apresentar. Sugerimos que a coloquem na primeira carteira, para melhor observar a professora, e que a ela seja dispensado um tratamento normal sem diferenciações, o mesmo a ser dado a classe. Caso haja alguma dúvida ou dificuldade estaremos sempre prontas a atende-las”. (Profª. L.L.S).

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143

Nas classes especiais e salas de recursos para surdos no

Brasil e, especificamente, no Estado de São Paulo, dentre as diversas

filosofias educacionais destacou-se por muitos anos o oralismo,

abordagem esta que defende o uso da língua oral como linha de

trabalho das instituições públicas de atendimento ao deficiente

auditivo. O relatório acima transcrito oferece subsídios suficientes

para a identificação da abordagem oral como orientadora do trabalho

desenvolvido pela professora.

Na abordagem unisensorial o enfoque está voltado para o

treinamento de habilidades auditivas, iniciado em programas de

estimulação precoce, visando, a partir daí, o desenvolvimento da

linguagem do deficiente auditivo. Dentro dessa visão podemos citar

a abordagem acupédica de Pollack (1970).

Ainda em referência ao relatório, a intenção primeira dele

nos parece ser o encaminhamento da aluna para uma classe comum

do então 1º Grau. Fica clara a posição da professora quanto ao

princípio da integração no sentido de “preparar” a aluna surda para

que ela possa “acompanhar” a classe de 1ª série, de forma bem

próxima aos alunos ouvintes. Além disso, a professora da 1ª série

não terá a necessidade de propor modificações na dinâmica da sala

de aula, devendo dispensar o mesmo tratamento que dispensa aos

demais alunos da classe à aluna surda. Havia apenas a recomendação

de que a mesma fosse colocada na primeira carteira.

Encontramos neste posicionamento ramificações nas

abordagens uni e multisensoriais. Na abordagem multisensorial, a

recepção da linguagem pela criança se dá com a leitura orofacial,

além da estimulação e treinamento das habilidades auditivas e do

resíduo, através de instrumentos como sistemas de amplificação

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Histórias legais e reais da educação do surdo na rede estadual de ensino do Estado de São Paulo

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sonora individual e coletiva. Podemos citar como principais

expoentes desta abordagem Sanders (1971), Perdoncini (1980),

Guberina (1983), entre outros.

Em 1979, Ano Internacional da Criança, foi publicada a

Proposta Curricular para Deficientes Auditivos, pelo MEC em

conjunto com a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,

Centro Nacional de Educação Especial e Divisão de Educação e

Reabilitação dos Distúrbios da Comunicação - DERDIC. A

publicação foi composta de oito volumes abrangendo as oito séries

do então Ensino de 1º Grau, com base na Lei de Diretrizes e Bases

da Educação Nacional n.º 5.692/71. Esta proposta teve como modelo

o ensino comum e como objetivo ser um instrumento de trabalho

para o professor

Nas décadas de 1970/80, no Brasil, é marcante na Educação

Especial a iniciativa governamental e da comunidade científica,

ainda que discreta, referente à política de integração13. Entretanto,

este perfil do estigma social em relação ao deficiente imperou e

ainda impera na sociedade até os dias de hoje e surte efeitos no

momento em que estes cidadãos passam a exigir seu lugar e respeito

na vida social. Muito se tem feito para que isso mude no plano

teórico; entretanto, na prática de sala de aula, esta ação ainda não se

efetivou.

13 Entende-se o conceito de integração como “um processo dinâmico de participação das pessoas num contexto relacional, legitimando sua interação nos grupos sociais. A integração implica em reciprocidade. E, sobre o enfoque escolar é processo gradual e dinâmico que pode tomar distintas formas de acordo com as necessidades e habilidades dos alunos”. CARVALHO, Rosita Edler. Integração e inclusão: do que estamos falando? In: BRASIL. Educação Especial: tendências atuais. TVE – texto de apoio pedagógico da Série Salto para o Futuro. Ago. 1998, p.35.

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145

A Secretaria de Estado da Educação publica, no ano de

1981, o livro A educação do deficiente auditivo: escola, família e

comunidade, coordenado por Marcos José da Silveira Mazzota e

pelo Serviço de Documentação e Publicações da CENP -

Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas (SÃO PAULO,

1981). Esta publicação configura-se num tipo de manual para a

educação do surdo, com definição e classificação da surdez,

modalidades de ensino, orientações à família e à comunidade, bem

como orientações para encaminhamento de crianças e jovens surdos.

No ano de 1982, a CENP publica o livro Você e os problemas da

linguagem, com um capítulo específico sobre a linguagem do aluno

surdo. Tal publicação referia-se a questões diagnósticas referentes à

época da perda e suas conseqüências, bem como as atividades

possíveis de se realizar em sala de aula com base na abordagem oral.

Em 1985, a CENP promove o Encontro de Professores de

Deficientes Auditivos, no qual a temática central diz respeito à

estrutura da linguagem. Em dezembro do mesmo ano, o relatório de

atividades do Serviço de Educação Especial indica 1.288 surdos

matriculados na Grande São Paulo e 848 no Interior, totalizando

2.136 matrículas. Naquele ano foram criadas 17 classes especiais

para surdos e colocados 23 alunos em cursos profissionalizantes do

SENAI. O relatório destaca como “problemas no desenvolvimento

de suas atividades” a falta de professores habilitados em nível

superior e a dificuldade de integração do aluno egresso de classe

especial, dentre outros (SÃO PAULO, 1985).

O ano de 1986 foi marcado pelo investimento em

publicações da CENP específicas para a área. Foram publicados os

livros: O deficiente auditivo entra na escola: elementos para um

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Histórias legais e reais da educação do surdo na rede estadual de ensino do Estado de São Paulo

146

trabalho pedagógico, o qual apresentava sugestões de acolhimento

do aluno pela escola e comunidade, bem como de atividades

voltadas para o desenvolvimento da fala e da linguagem; Posso

entrar?... uma reflexão sobre o início da vida escolar, livro que

aborda de forma geral a acolhida do aluno na escola, resgata a

questão social e a bagagem cultural que ele trazia; Psicologia, lar,

escola, que tratava especificamente do convívio e dos princípios de

educação que a criança deve receber na escola e no lar, tornando-se

indiretamente extensivo às orientações gerais para que o aluno surdo

seja tratado da mesma forma que os demais alunos na escola. Outra

publicação relevante, Você e os problemas da audição, abordava

questões sobre a prevenção, a importância da audição e o trabalho

específico do professor da classe comum. Todas essas publicações

estavam embasadas na abordagem oral e enfatizavam a integração

escolar.

Em 1988 é promulgada a nova Constituição Brasileira que,

no Artigo 208, garantiu o atendimento educacional especializado aos

portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de

ensino. E, em 1989, a Constituição do Estado de São Paulo acolhe

esta garantia em seu Artigo 239, mantendo o pressuposto da

Constituição Federal.

Na Conferência Mundial de Educação para Todos, em

Jomtien, na Tailândia, ocorrida em 1990, o Brasil fixou metas

básicas para melhorar o sistema educacional nacional. Entre tais

metas constava a necessidade de melhorar a educação de crianças e

jovens com necessidades educacionais especiais. Entretanto, essa foi

uma das metas não cumpridas até o ano 2.000, como era esperado.

Segundo estimativa do próprio MEC, só 5% dos cerca de 6 milhões

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receberam atendimento especializado em 1997 (MENDES, 2001,

p.11)

Não há, contudo, como negar a existência de

intencionalidade para efetivação e cumprimento destas metas, pelo

menos no que diz respeito ao campo teórico. Segundo relatório da

Secretaria de Estado da Educação, no ano de 1994 havia 2.163

classes especiais e salas de recursos em funcionamento, 144

professores das diversas áreas [DA, DM, DV e DF] foram

capacitados em nove cursos de “Informática na Educação Especial”,

entre outras ações do governo do Estado.

Chega ao Estado de São Paulo, surgida no final do século

passado, nas décadas de 1980 e 1990, a abordagem da Comunicação

Total. Sua proposta visa valorização dos mais variados recursos que

possam facilitar o acesso do surdo à linguagem. É apoiada em

práticas bimodais/simultâneas, sinais e fala, com base na língua

falada sinalizada, visando com isso possibilitar ao surdo acesso às

modalidades oral e escrita da língua. Foi bastante defendida nos

trabalhos de Ciccone et. al. (1990).

Tanto na abordagem oral quanto na Comunicação Total,

podemos imprimir um ponto em comum: ambas defendem uma

perspectiva monolingüe, na qual a aprendizagem das modalidades

oral e escrita da língua são condições sine qua non para a integração

do surdo na sociedade, vindo ao encontro da política de

normalização e integração. Ambas apóiam a necessidade de um

trabalho terapêutico com o surdo que venha a habilitá-lo a falar, pois

a perda auditiva é entendida como uma patologia.

Nos documentos publicados pelo MEC, na Série Diretrizes

(BRASIL, 1995), foram indicadas as alternativas de atendimento

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Histórias legais e reais da educação do surdo na rede estadual de ensino do Estado de São Paulo

148

que os deficientes auditivos14 poderiam vir a receber. As orientações

estavam divididas de acordo com o grau da perda auditiva,

denominando os educandos como “portadores de surdez”. Consta

ainda desta Série Diretrizes que a opção inicial da educação do

aluno deficiente auditivo pela Abordagem Oral, pela Comunicação

Total, pelo Bilingüismo ou por qualquer outra forma de atendimento

educacional deve ser feita pelos pais15.

No Brasil, as questões referentes a teorias e práticas

inclusivas vêm sendo discutidas com maior ênfase e abertura por

meio da mídia, na última década. Desde a Conferência Mundial de

Educação de 1990 e deflagrado pela Declaração de Salamanca em

1994, firma-se o conceito de inclusão16. É notório que apenas leis e

declarações, por mais pertinentes e apropriadas que sejam, por si só

não revertem situações e crenças arraigadas na consciência social

dos indivíduos.

14 Em referência a terminologia, na Série Diretrizes, volume 6, encontramos uma divergência conceitual. O título da publicação indica Subsídios para Organização e Funcionamento de serviços de Educação Especial: área de deficiência auditiva. Entretanto, no interior do referido volume, o item I, intitulado Caracterização dos tipos de educandos portadores de deficiência auditiva, descreve detalhadamente, com base no BIAP e na Portaria Interministerial n.º 186 de 10/03/1978, a classificação da perda auditiva, sendo o sujeito classificado como portador de surdez. Parece, assim, não haver por parte da SEESP, preocupação com a especificidade da terminologia empregada em seus documentos [grifos do autor]. 15 No Brasil, nos parece que esta é uma opção fictícia, uma vez que os pais não têm acesso a informação sobre a abordagem, não tem opção de escolha e a abordagem acaba sendo determinada pelo serviço que tem disponível no município [quando tem]. 16 Entende-se o conceito de inclusão como “um processo de educar conjuntamente de maneira incondicional, nas classes do ensino comum, alunos ditos normais com alunos – portadores ou não de deficiências, que apresentem necessidades educacionais especiais”. CARVALHO, Rosita Edler. Integração e inclusão: do que estamos falando? In: BRASIL. Educação Especial: tendências atuais. TVE – texto de apoio pedagógico da Série Salto para o Futuro. Ago. 1998, p.37.

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149

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - Lei nº.

9394/96, dedicou um capítulo para a Educação Especial, a qual

passou a fazer parte do Sistema Educacional Brasileiro, mas não se

inseriu especificamente na estrutura didática da educação básica,

como deveria ser, permeando desde a Educação Infantil até o Ensino

Superior. A nova LDB prevê que os Sistemas Estaduais assegurem

currículos, métodos, técnicas, recursos educativos específicos e

terminalidade específica para o Ensino Fundamental.

Também está previsto em Lei a provisão de professores com especialização adequada em nível médio ou superior para atendimento especializado do alunado com necessidades educacionais especiais. Assim, de acordo com as Diretrizes da Educação Especial (BRASIL, 2001) a formação deste profissional esta prevista em cursos de graduação e pós-graduação. Mesmo assim, a procura por esses cursos ainda parece bastante insuficiente para atender a demanda escolar.

O Conselho Estadual de Educação do Estado de São Paulo

aprovou, em 12 de dezembro de 1999, a Indicação n.º 12/99 que

prevê a inclusão do aluno deficiente na classe comum, bem como

propõe algumas medidas que possam garantir sua permanência;

entretanto, não é descartada a hipótese da existência de alunos que

não venham a se beneficiar do ambiente da classe comum e a

previsão que a estes deverá ser garantido atendimento em classe

especial. Na declaração de voto, há uma única restrição, que é a

permanência da nomenclatura “classe especial” o que pode colocar

em risco, segundo o relator17, a idéia de inclusão presente no

conjunto do texto e abrir uma perigosa possibilidade de continuidade

das práticas vigentes de não inclusão.

17 A restrição diz respeito ao Conselheiro Francisco José Carbonari.

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Histórias legais e reais da educação do surdo na rede estadual de ensino do Estado de São Paulo

150

Em 5 de maio de 2000, é publicada a Deliberação n.º 05/00,

fixando as normas gerais para a Educação Especial no sistema de

ensino do Estado de São Paulo, revogando a Resolução 13/73.

Mediante esse documento, o aluno com necessidades educacionais

especiais deverá preferencialmente estar matriculado em classe

comum do sistema regular de ensino. Entretanto, as outras formas de

atendimento ainda permanecem asseguradas por lei.

Entre as mudanças estabelecidas pela nova LDB nº

9.394/96 (BRASIL, 1996), encontramos o processo de

municipalização do Ensino Fundamental a partir das classes de 1ª a

4ª séries (Inciso V, art. 9º) que, paulatinamente, deverão passar para

a responsabilidade dos governos municipais. Durante essa transição,

que não é uniforme em todos os municípios, as classes especiais e as

salas de recursos também deverão ser municipalizadas. Torna-se

passível uma possibilidade acerca do entendimento do texto da

Deliberação nº. 05/00, quando diz que “o educando com

necessidades educacionais especiais deve ser educado

preferencialmente nas classes comuns do ensino regular”. Este, por

sua vez, tem conduzido ao raciocínio de que as classes especiais e as

salas de recursos não são mais necessárias, na linha da inclusão, pois

esta só se verificará se todos freqüentarem classes comuns. Assim,

corre-se o risco de que as classes especiais e as salas de recursos

sejam fechadas e o atendimento, que anteriormente não supria a

demanda, passe a restringir ainda mais as possibilidades de inserção

educacional, se nenhuma outra forma de apoio for prevista.

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Eliana Marques Zanata Enicéia Gonçalves Mendes

151

Nos anos de 2003 e 2004, a Secretaria de Estado vem

promovendo, pela CENP18, capacitação continuada para professores

de surdos. A capacitação está centrada no ensino de Português para

surdos.

Por fim, a última iniciativa do governo do Estado de São

Paulo ocorreu em 26 de janeiro de 2006 com a publicação da

Resolução SE nº 8/06, que altera a Resolução SE n º 95/00. Ela

dispõe sobre o atendimento de alunos com necessidades

educacionais especiais nas escolas da rede estadual de ensino e dá

providências correlatas referentes a instalação de serviço de ensino

itinerante e possibilidade de terminalidade de estudos para os alunos

com necessidades educacionais especiais, ficando a escola

responsável pelo encaminhamento social deste aluno.

§ 3º - A escola deverá articular-se com os órgãos oficiais ou com as instituições que mantenham parceria com o Poder Público, a fim de fornecer orientações às famílias no encaminhamento dos alunos a programas especiais, voltados para o desenvolvimento de atividades, que favoreçam sua independência e sua inserção na sociedade. (RES. SE n º. 8/06)

A população do Estado de São Paulo hoje é de cerca de

39.6 milhões de habitantes, dado este que indicaria uma população

de 59.400 pessoas com algum tipo de perda auditiva, tendo-se por

referência a estimativa da OMS19. No Estado de São Paulo, as

matrículas dos alunos com necessidades educacionais especiais

devem ser distribuídas pelas várias classes da série em que estes 18 CENP – Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas, órgão vinculado à Secretaria de Estado de Educação do Estado de São Paulo. 19 OMS – Organização Mundial de Saúde.

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Histórias legais e reais da educação do surdo na rede estadual de ensino do Estado de São Paulo

152

forem classificados [por idade e série]. Acredita-se que o objetivo

seja tirar vantagens das diferenças e ampliar positivamente as

experiências de todos os alunos, dentro do princípio de educar na

diversidade (BUENO, 2004).

Segundo dados do INEP, o Estado de São Paulo conta com

1.476 alunos surdos matriculados em classes comuns do ensino

regular com o apoio da sala de recursos e 1.644 alunos, também

matriculados em classes comuns do ensino regular sem o apoio da

sala de recursos. Vale ressaltar aqui que estes dados não são

específicos da rede estadual de ensino, mas sim comportam as redes

Estaduais, Municipais e Privadas.

Mediante o processo histórico traçado pela Educação

Especial, é latente que as influências internacionais estiveram e

continuam presentes nos textos legais e nas proposições de políticas

públicas. A dicotomia Educação Comum e Educação Especial,

embora ainda bastante presente, começa a apresentar sinais de

convergência. Entender a Educação Especial como parte do sistema

educacional e não como um apêndice é algo ainda novo para a

comunidade escolar. Tratada durante décadas de forma segregada,

não será apenas a garantia e o embasamento legal os responsáveis

por garantir os processos inclusivos de forma efetiva. Muito mais

que uma mudança legal esta iniciativa requer mudanças de

paradigmas e concepções de homem, sociedade e produção.

Page 154: Faces das práticas inovadoras: da creche aos anos iniciais da alfabetização1

Eliana Marques Zanata Enicéia Gonçalves Mendes

153

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No Estado de São Paulo, as políticas públicas para

educação do surdo sempre estiveram ancoradas na filosofia de

integração e normalização, de forma que sempre era de

responsabilidade do aluno surdo buscar as condições mais

favoráveis possíveis para sua permanência no ensino comum. Ao

professor da classe especial cabia o papel de ensinar esse aluno a fim

de garantir seu ingresso e permanência futura na classe comum. Ao

professor da classe comum, por outro lado, pouco era solicitado em

termos de formação para atuar com o aluno surdo, pois era o aluno

quem deveria adaptar-se à rotina de sua sala de aula e, não o

professor se adaptar às necessidades educacionais do aluno surdo.

Por meio desta breve retrospectiva histórica, é possível

apontar que as políticas públicas, na última década voltadas para a

atenção do aluno com necessidade educacional especial do Ensino

Fundamental e Médio, sejam embasadas em princípios inclusivos de

forma que todo aluno tenha oportunidade não só de acesso, mas

também de permanência na escola. Pelo menos em termos de

intencionalidade.

É imprescindível atentar para que, nesta nova perspectiva

de escola para todos, não se permita que a Educação Especial seja

entendida como um sistema paralelo ou um sub-sistema no contexto

do Sistema Geral de Educação. Para este novo tempo é inexorável a

ação conjunta da Educação Regular com a Educação Especial.

Page 155: Faces das práticas inovadoras: da creche aos anos iniciais da alfabetização1

Histórias legais e reais da educação do surdo na rede estadual de ensino do Estado de São Paulo

154

REFERÊNCIAS

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BRASIL. Proposta Curricular para Deficientes Auditivos. Elaborada pela Divisão de Educação e Reabilitação dos distúrbios da Comunicação – Convênio CENESP/PREMEN. Brasília: MEC/Departamento de Documentação e Divulgação,1979.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, Centro Gráfico, 1988.

BRASIL. Secretaria de Educação Especial. Subsídios para organização e funcionamento de serviços de educação especial: área da deficiência auditiva. Ministério da Educação. Série Diretrizes. Brasília: MEC/SEESP, 1995.

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CICCONE, M. M. C. et. al. Comunicação total: introdução estratégia a pessoa surda. Rio de Janeiro: Editora Cultura Médica, 1990.

GUBERINA, P. Método verbotonal. Publicação do Centro de Reabilitação Sydinei Antônio com autorização de Western

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Eliana Marques Zanata Enicéia Gonçalves Mendes

155

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MENDES, E. G. O planejamento de serviços para indivíduos com necessidades educacionais especiais no Brasil. Texto em elaboração para uso interno e exclusivo da disciplina "Educação Especial no Brasil". UFSCar, São Carlos, Abril de 2001.

PERDONCINI, G. Précis de psycologie et de réeducation infantiles. Trad. em Espanhol de José Gisbert Alós (Manual de Psicología y Reeducación) Paris: Flamarion, 1980.

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SANDERS, D. A. Aural rehabilitation. 2.ed. New Jersey: Pretince – Hall, 1971.

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SÃO PAULO (Estado). Secretaria da Educação. Resolução SE n.º 73/78. D.O.E. de 23/06/1978.

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SÃO PAULO (Estado). Secretaria da Educação. Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas. Você e os problemas da linguagem. São Paulo, 1982.

SÃO PAULO (Estado). Secretaria da Educação. Serviço de Educação Especial. Escolas que formaram professores de

Page 157: Faces das práticas inovadoras: da creche aos anos iniciais da alfabetização1

Histórias legais e reais da educação do surdo na rede estadual de ensino do Estado de São Paulo

156

Educação Especial nível de 2º Grau a partir de 1972 e Ensino Superior a partir de 1973. São Paulo, 1983.

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SÃO PAULO (Estado). Secretaria da Educação. Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas. O deficiente auditivo entra na escola: elementos para um trabalho pedagógico. São Paulo, 1986.

SÃO PAULO (Estado). Secretaria da Educação. Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas. Posso entrar?... uma reflexão sobre o início da vida escolar. São Paulo, 1986.

SÃO PAULO (Estado). Secretaria da Educação. Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas. Psicologia, lar, escola. São Paulo, 1986.

SÃO PAULO (Estado). Secretaria da Educação. Indicação CEE n.º12/99, publicada no D.O.E. de 14/12/1999.

SÃO PAULO (Estado). Secretaria da Educação. Deliberação CEE n.º 05/00, publicada no D.O.E. de 05/01/2000.

SÃO PAULO (Estado). Secretaria da Educação. Resolução SE n.º 95/00, publicada no D.O.E. de 21/11/2000.

Page 158: Faces das práticas inovadoras: da creche aos anos iniciais da alfabetização1

157

FACE 3

PRÁTICAS PEDAGÓGICAS COM O USO DE

TECNOLOGIAS

Daniela Melaré Vieira Barros

Inovação é a palavra de ordem nos âmbitos educacionais.

Inovar com qualidade é o desafio que as tecnologias trouxeram ao

contexto das práticas em sala de aula. Inovar na educação não

significa somente utilizar tecnologias ou materiais diferenciados no

processo de ensino e aprendizagem. Além disso, significa ter uma

postura inovadora, estar conectado à inovação e, o mais difícil, saber

realizar uma junção da inovação aos antigos processos e

conhecimentos-base que fazem parte das funções da educação.

A teoria que sustenta esta inovação esta presente nas

tecnologias digitais e interativas que se desenvolvem de forma

assustadora e que a educação não consegue acompanhar. Iniciativas

e tentativas de trabalho são desenvolvidas com êxito e possibilitam

idéias para que outras formas possam ser realizadas.

Page 159: Faces das práticas inovadoras: da creche aos anos iniciais da alfabetização1

Práticas pedagógicas com o uso de tecnologias

158

Para tanto, temos textos que contemplam temas como: o

uso das tecnologias para crianças com necessidades especiais e uso

de objetos educacionais para o trabalho docente com os alunos.

São trabalhos que abordam a tecnologia, não na técnica

embutida em sua constituição, mas nas possibilidades e mudanças

que esses meios realizam ao trabalho educativo. Mudanças que

passam pela reestruturação pedagógica e conceitual dos mecanismos

de ensino e aprendizagem.

A tecnologia é hoje um espaço de inovação, mas a

educação tem por desafio ser o objeto da criatividade pedagógica e

didática dos docentes e que ainda não foi. A tecnologia esta na

educação não por opção ou escolha. O conceito de tecnologia é algo

inserido na vida cotidiana de qualquer cidadão, independendo da

cultura ou do poder aquisitivo; ela está à margem dessas diferenças

que sempre foram temas de luta de classes, mas está na história da

própria condição humana.

Page 160: Faces das práticas inovadoras: da creche aos anos iniciais da alfabetização1

Naiana Paula Bocardo Thaís Cristina Rodrigues Tezani

159

ESTRATÉGIAS EDUCACIONAIS PARA O ENSINO DE

INFORMÁTICA COM CRIANÇAS CEGAS

Naiana Paula Bocardo

Thaís Cristina Rodrigues Tezani

RESUMO

O presente trabalho buscou apontar estratégias educacionais para o ensino de informática com crianças cegas, comparando dois softwares para deficientes visuais, o Dosvox e o Virtual Vision, com a intenção de apontar qual é o mais apropriado para trabalhar com esse segmento populacional na primeira série do Ensino Fundamental. Este trabalho caracterizou-se pela pesquisa qualitativa, desenvolvendo-se por meio de pesquisas bibliográfica e de campo. Com os resultados obtidos após a aplicação da pesquisa de campo foi possível verificar qual o software mais adequado para a utilização com essas crianças. O uso deste aplicativo pelo professor em sala de aula é uma poderosa ferramenta para o ensino e a aprendizagem, contribui para o desenvolvimento, principalmente das pessoas com necessidades educativas especiais, além de facilitar o processo de inclusão social e educacional.

PALAVRAS-CHAVE: Ensino de informática; softwares para

deficientes visuais; inclusão.

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Estratégias educacionais para o ensino de informática com crianças cegas

160

INTRODUÇÃO

A visão é de extrema importância para a obtenção de

informações sobre o mundo em que vivemos, e a falta deste canal

sensorial faz com que a percepção da realidade de um cego seja

diferente da percepção daqueles que enxergam, trazendo

conseqüências para o desenvolvimento, fazendo com que os alunos

deficientes visuais utilizem os demais sentidos como canais para

entrar em contato com o ambiente.

Devemos levar em conta a natureza e o grau de dificuldade

ou deficiência para adequar os recursos, a fim de auxiliar no seu

desenvolvimento. Nesse sentido é importante utilizar o computador

como recurso pedagógico; levar o deficiente visual a desenvolver

habilidades de exploração e utilização; capacitar crianças deficientes

visuais para tal aprendizagem. Por isso este trabalho buscou apontar

estratégias educacionais para o ensino de informática com crianças

cegas.

E se a escola não aceitar as novas tecnologias, estará fadada

ao fracasso, ao insucesso, pois isso significa desprezar os avanços

científicos, a possibilidade de avançar para algo novo. O computador

é um recurso a mais para o professor dinamizar suas aulas. Ao

ignorar as tecnologias a escola fica parada no tempo, enquanto seus

alunos vivem o presente e vêem no futuro novas possibilidades e

necessidades às quais a escola parece não ter condições de atender.

A tecnologia educacional está na nossa sociedade e não apenas pode ser usada por qualquer indivíduo, seja qual for a sua capacidade sensorial, intelectual ou motora, mas para muitos, os recursos tecnológicos da informática possibilitam o único caminho conhecido

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Naiana Paula Bocardo Thaís Cristina Rodrigues Tezani

161

até o momento de realizar tarefas tão importantes como expressar-se, comunicar-se, trabalhar ou aprender (SANCHO, 1993, p. 239).

Assim, o computador, com a mediação do professor, torna-

se uma valiosa ferramenta no processo de ensino e aprendizagem, no

qual os indivíduos com necessidades especiais podem utilizar este

recurso a seu favor para facilitar a aprendizagem, no sentido de

propiciar oportunidade de desenvolverem atividades estimulantes,

desafiantes e que tenham propósitos educacionais. Neste caso, os

computadores dão oportunidades, principalmente para as pessoas em

que a aprendizagem não segue os padrões normais de

desenvolvimento. Assim, limitadas pelas deficiências, não são

menos desenvolvidas, mas se desenvolvem de forma diferente.

Assim:

quando falamos em tecnologias e recursos que auxiliam a criança ou adolescente com deficiência na sala de aula, devemos lembrar que eles não são recursos que magicamente farão o aluno superar suas dificuldades. Qualquer que seja o auxílio pensado, sempre passa pela percepção que o professor tem sobre as dificuldades e possibilidades do aluno. O auxílio só faz sentido a partir desta relação. Por isso, dizemos que não há regras, existem sugestões para ajudar o professor a pensar em possibilidades, mas isto sempre será posterior a este primeiro contato e conhecimento prévio em relação à criança ou adolescente (GIL, 2005, p.53).

As adaptações essenciais para que os indivíduos com

deficiência possam se beneficiar da tecnologia vão depender da

necessidade educacional especial que este indivíduo possui. Um

exemplo são as adaptações para o deficiente visual, que podem ser

um teclado adaptado em Braille, software sintetizador de voz,

impressora Braille etc., um conjunto de recursos que podem

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Estratégias educacionais para o ensino de informática com crianças cegas

162

contribuir para proporcionar, ou melhor, ajudar na independência,

qualidade de vida e até uma maior inclusão social.

SOFTWARES SINTETIZADORES DE VOZ

São recursos desenvolvidos especialmente para trabalhar

com aplicativos. Tem por objetivo o acesso à informação que

aparece na tela do computador, mediante a leitura, por voz, dos

textos selecionados pelo usuário, permitindo à pessoa cega explorar

a tela, situar-se na mesma, acionar os comandos de leitura etc.

Entre eles estão os softwares: Dosvox e Virtual Vision,

sintetizadores de voz que permitem aos deficientes visuais a

oportunidade de manusear o computador em condições o mais

próximo possível daqueles considerados normais.

DOSVOX

Muitas pessoas acreditam que não podem ter acesso ao

computador por uma dificuldade que vai além da financeira: a

deficiência visual. No entanto, nos dias de hoje, a falta da visão não

impede que estes indivíduos participem da tecnologia, o que impede

é a falta de acesso.

O Dosvox disponibiliza um sistema completo para

deficientes visuais, incluindo desde edição de textos até navegação

na Internet e utilitários, o que possibilita aos seus usuários uma

grande variedade de opções. O que diferencia o Dosvox de outros

Page 164: Faces das práticas inovadoras: da creche aos anos iniciais da alfabetização1

Naiana Paula Bocardo Thaís Cristina Rodrigues Tezani

163

sistemas voltados para uso por deficientes visuais, de acordo com

Borges (2005) é que nele, a comunicação homem-máquina leva em

conta as especificidades e limitações dessas pessoas.

Grande parte das mensagens sonoras emitidas pelo Dosvox

é feita em voz humana gravada. O programa é composto por:

sistema operacional que contém os elementos de interface com o

usuário, sistema de síntese de fala, editor, leitor e

impressor/formatador de textos etc.

Apresenta diversos programas de uso geral para o cego,

como: jogos, programas sonoros para acesso à Internet, como

Correio Eletrônico, acesso a Homepages, Telnet e FTP, leitor

simplificado de telas para Windows.

O Dosvox abriu novos caminhos a uma parte importante da

população brasileira, que tem um potencial imenso a ser explorado,

caso lhes sejam fornecidas as ferramentas e oportunidades

convenientes.

VIRTUAL VISION

O programa facilita o ensino do uso do computador para

deficientes visuais por meio do leitor de tela com tecnologia de

síntese de voz, contribui com a capacitação do indivíduo e

proporciona uma integração melhor na sociedade. É por meio do

monitor que normalmente obtemos o retorno que desejamos do

computador. Enviamos as informações via mouse, teclado etc. e

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Estratégias educacionais para o ensino de informática com crianças cegas

164

recebemos a resposta através daquilo que vemos na tela. No entanto,

no caso da pessoa com deficiência visual a resposta virá por meio de

áudio [caixa de som ou fone de ouvido]. A distância entre um

usuário de computador com perfeita visão e um deficiente visual

reside apenas na forma com que ambos obtêm resposta para as

informações que enviam à máquina.

É uma aplicação da tecnologia de síntese de voz, um "leitor

de telas" capaz de informar aos usuários quais os controles [botão,

lista, menu,...] estão ativos em determinado momento. Pronuncia as

palavras digitadas letra por letra, palavra por palavra, linha por linha,

parágrafo por parágrafo ou todo o texto. O próprio usuário pode

determinar suas preferências. Seu sintetizador de voz é em

português, podendo ser utilizado em inglês. Permite a localização do

cursor na tela através de teclas de atalho. É auto-instalável,

permitindo a operação do sistema/aplicativos via teclado ou mouse.

Então, podemos perceber que o computador, aliado a uma

prática pedagógica comprometida com a formação de cidadãos, é

uma poderosa ferramenta para o processo de ensino-aprendizagem,

contribui fortemente para o desenvolvimento, principalmente das

pessoas com necessidades especiais. Contudo este recurso é apenas

um mediador do processo que deve estar associado com a prática do

professor.

Tendo no contexto um professor comprometido com as

práticas pedagógicas auxiliadas pelo computador, a fim de criar

ambientes de aprendizado e desenvolvimento por meio da facilitação

do processo, levando em conta sempre a realidade do aluno, seus

desejos, necessidades e vontades pelo qual o aluno tem possibilidade

de contribuir, enfrentar desafios. Desta forma, o sujeito do

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Naiana Paula Bocardo Thaís Cristina Rodrigues Tezani

165

aprendizado passa a ter condições de exercer sua criatividade, ter

autonomia, então podemos dizer que as vantagens que a informática

nos propicia são inúmeras. No entanto, vale lembrar que existem

limitações, entre elas está o acesso a essa tecnologia, no caso o

computador.

RELATO DA PESQUISA DE CAMPO

Trata-se de uma pesquisa qualitativa que, segundo Bogdan

e Biklen (1994, p.76.), “conduzir investigação qualitativa assemelha-

se mais ao estabelecimento de uma amizade do que um contrato”. A

pesquisa qualitativa tem em sua fonte direta de dados o ambiente

natural e o pesquisador como seu principal instrumento. Além de

poder desempenhar um papel ativo na realidade analisada, fazer

desta uma ação planejada em que há uma grande interação entre as

pessoas e o pesquisador, possibilitando aumentar o nível de

conhecimento e consciência das pessoas estudadas.

Assim, buscou-se a realização da pesquisa-intervenção, que

é um grande desafio por intervir e ajudar na própria realidade da

pessoa. De acordo com Pereira (2006, p.56) “a pesquisa –

intervenção consiste em movimentos de diagnóstico-ação-avaliação,

de modo que o participante tenha condições de rever sua prática,

compartilhar com seus pares, avaliar e buscar novas possibilidades

de atuação”.

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Estratégias educacionais para o ensino de informática com crianças cegas

166

O LOCAL DA PESQUISA E OS PARTICIPANTES

O trabalho foi realizado na sala de recursos para deficientes

visuais, na Escola Estadual “Mercedes Paz Bueno”, município de

Bauru, período vespertino. Quatro alunos da primeira série do

Ensino Fundamental. com média de 7 anos, participaram da

pesquisa. Os atendimentos eram individuais, porém alguns dias

foram realizados em dupla. A pesquisadora é quem dava as aulas de

informática. Os recursos disponíveis eram um computador

[Windows 98, com 64 Mb de memória RAM], CPU, monitor,

teclado, caixa de som, mouse, alfabeto e numerais em EVA, sulfite,

softwares Dosvox e Virtual Vision com síntese de voz, além dos

softwares com músicas para entretenimento.

A EXPERIÊNCIA VIVIDA EM CAMPO: DELINEAMENTO

ETAPA 1

Foi elaborado o planejamento inicial, por meio de um

questionário investigativo, contendo o perfil dos alunos e

informações iniciais para melhor conhecê-los e dar início à

elaboração do planejamento.

ETAPA 2

Aconteceu com a intervenção, a fim de oportunizar ao

aluno, com o auxílio de estratégias educacionais, o aprendizado de

informática, além de desenvolver habilidades de exploração e

utilização do computador; capacitar crianças deficientes visuais para

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Naiana Paula Bocardo Thaís Cristina Rodrigues Tezani

167

tal aprendizagem e apontar estratégias educacionais para o ensino de

informática com crianças cegas. Esse processo foi registrado no

diário de campo e no planejamento das aulas.

Assim, com a questão de como se dava o ensino de

informática com crianças cegas e com a efetiva apropriação da teoria

fui à prática.

A experiência de campo foi significativa, houve uma

relação entre a alegria necessária à atividade educativa e a esperança

(FREIRE, 1996). As atividades foram planejadas após o

conhecimento melhor do público alvo e de suas necessidades. Foram

programados os dias dos atendimentos e as etapas pelas quais as

crianças iriam passar, claro que levando em conta o ritmo de

aprendizagem de cada criança. De acordo com Minayo (1993,

p.101) “não se pode ir para a atividade de campo sem se prever as

formas de realizá-lo. Improvisá-lo significaria correr o risco de

romper os vínculos com o esforço de fundamentação, necessário e

presente em cada etapa do processo de conhecimento”. Assim, as

atividades eram planejadas de acordo com os objetivos propostos,

não deixando de levar em conta a necessidade e as idéias das

crianças.

De acordo com Oakeshott, (1968 apud RIOS, 2002, p.52)

“o ensino não é, portanto, um movimento de transmissão que

termina quando a coisa que se transmite é recebida, mas o começo

do cultivo de uma mente de forma que o que foi semeado crescerá”.

Então o ensino de informática visou essa sementinha que, por menor

que seja, dará bons frutos por meio da sua capacidade de aprender.

As aulas [intervenção] foram divididas nas seguintes fases:

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Estratégias educacionais para o ensino de informática com crianças cegas

168

1ª Fase

No primeiro dia foram apresentados os componentes

básicos do computador, o monitor, a CPU, teclado, caixa de som,

mouse, estabilizador, deixando os alunos conhecerem,

primeiramente, com o uso do tato. Segundo Coll (1995) o tato

permite a coleta de informações bastante precisa, no entanto, é muito

mais lento que a visão. Assim, a exploração dos objetos precisa ser

potencializada com a sensação, a percepção, a audição e imaginação,

oportunizando, assim, o conhecimento nominal e físico da

ferramenta na qual irão trabalhar.

O monitor foi desligado e ligado várias vezes para saber se

as crianças tinham percepção de claro e escuro. Elas chegavam bem

perto do monitor, quase que encostavam a testa nela e respondiam se

estava claro ou escuro. Foi feito teste com desenhos e letras enormes

para ter certeza que eles não enxergavam. Então, pode-se perceber

que elas tinham apenas percepção de claro e escuro, também de

acordo com o laudo médico.

Expliquei qual o botão que liga o computador e falei um

pouco do software que iríamos trabalhar. Em seguida demos início

ao primeiro software utilizado, o Virtual Vision.

Com o computador ligado, trabalhei o som, para o

reconhecimento do timbre [do som], acionando a caixa de controle

do Virtual Vision, para a criança escolher se prefere o tom de voz

feminino ou masculino e a velocidade da fala.

É bom lembrar que “cada aluno é diferente no que se refere

ao estilo e ao ritmo de aprendizagem” (GIL, 2005, p.26). Assim,

essa diferença foi respeitada em todas as etapas e objetivos do

trabalho.

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Naiana Paula Bocardo Thaís Cristina Rodrigues Tezani

169

2ª Fase

Nas primeiras atividades, entramos no Microsoft Word para

trabalharmos digitação, com a intenção da criança se familiarizar

com o som, para associação que, a cada letra teclada, ela ouvirá e

escreverá ao mesmo tempo. Depois os alunos foram digitando as

teclas no teclado aleatoriamente para o conhecimento da disposição

das teclas do teclado. Digitamos o nome da criança, dos pais,

amigos, para trabalhar com sua realidade, levando em conta o

conhecimento prévio, assim ao apertar a barra de espaço ou a tecla

tab era falado o que havíamos escrito.

Por intermédio do gesto de ensinar, o professor, na relação com os alunos, proporciona a eles, num exercício de mediação, o encontro com a realidade, considerando o saber que já possuem e procurando articulá-lo a novos saberes e práticas. Possibilita aos alunos a formação e o desenvolvimento de capacidades e habilidades cognitivas e operativas (LIBÂNEO, 1991, p. 100).

Com relação ao teclado, optei por não utilizar um teclado

adaptado, devido à maioria dos lugares não possuir teclados em

Braille, já que o nosso objetivo também era dar independência a esta

pessoa para utilizar o computador em qualquer lugar, não apenas na

escola ou em casa.

O teclado comum possui as teclas f, j e o número 5 da

calculadora numérica no lado esquerdo do teclado com um risco em

elevação para facilitar a localização das teclas pelos deficientes

visuais. Foi dessa maneira que ajudei os alunos a localizarem as

outras teclas, utilizando estas três teclas como referência padrão. A

criança também pode construir as teclas de sua referência, não

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Estratégias educacionais para o ensino de informática com crianças cegas

170

precisa padronizar, vai depender do que ela achar mais fácil para sua

localização.

É importante que a criança tenha o referencial, da ordem de

contagem para facilitar a localização das teclas. Para ensinar a

criança o local que fica a letra A, ela vai até a parte inferior do

teclado, conta primeira, segunda, até chegar à terceira fileira, depois

anda uma tecla para a direita. Também podemos localizar através da

letra F que tem relevo [tecla de referência padrão], anda três teclas

para a esquerda e, assim, chega até a letra A, entre outras

possibilidades. Lembramos que cada criança tem seu tempo e modo

de aprender; foram ensinadas várias maneiras de identificar as

teclas, a partir daí cada uma escolheu a de sua preferência.

3ª Fase

Depois de cada atividade executada, salvávamos no

disquete ou CD e, sempre, explicando para as crianças o que

estavam fazendo, elas ajudavam nas atividades, colocavam o

disquete ou CD no driver. Assim, dava-se uma boa oportunidade

para a criança saber a função. Em todas as aulas eram os alunos que

ligavam o computador e eu os ajudava a desligar. Trabalhamos

muito no Word, digitação para reconhecimento das letras e som. No

final das aulas era colocado um software que contava historinhas, ou

outro que cantava músicas conforme manipulavam o mouse ou

apertavam a barra de espaço. Foi interessante para motivar os

alunos.

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Naiana Paula Bocardo Thaís Cristina Rodrigues Tezani

171

4ª Fase

Uma vez familiarizados com o computador e com o

software que trabalhamos, comecei a direcionar as atividades. Por

exemplo, a professora da primeira série estava trabalhando a música

da Copa do Mundo em sala de aula, então trabalhávamos tal música

no computador. Depois que a música foi escrita, demos o comando

Alt + Tecla 4 [para falar desde o início do parágrafo atual], depois

Ctrl + Tecla “.” [para falar o texto todo] e assim foram aprendendo

alguns comandos do Virtual Vision e, claro, trabalhamos a música e

seu significado, quando e por quem foi feita. No entanto, com o

decorrer das aulas, pude perceber que as crianças ficaram cansadas,

desestimuladas, talvez pela complexidade do software. Então, depois

dessas cinco aulas com o Virtual Vision, decidi iniciar as atividades

com o software Dosvox.

5ª Fase

Início da utilização do software Dosvox. No começo das

aulas, foi ensinada a função básica para trabalhar no Dosvox, por

exemplo, entramos no sistema pelas teclas Ctrl + Alt + D; logo que

entramos ouvimos “Dosvox o que você deseja?” e, para saber quais

eram as opções, tínhamos de apertar a tecla F1, aí o sistema dizia

quais eram elas. Para iniciar as atividades, optou-se por testar o

teclado, assim as crianças iriam treinando as teclas que ainda não

sabiam localizar e os nomes das teclas e eu ia falando sobre suas

funções.

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Estratégias educacionais para o ensino de informática com crianças cegas

172

6ª Fase

Trabalhamos alguns jogos, entre ele o Letravox: um

programa sonoro para auxiliar na alfabetização de crianças com

deficiência visual, conforme você aperta uma letra, por exemplo, a

letra A , o sistema falava “A , A de avião...”

Para dar um reforço no reconhecimento das letras que

trabalhávamos foi escolhido um material com letras e números de

EVA e, embaralhados, a criança deveria pegar uma peça e dizer qual

era, se era letra ou número e procurar no teclado onde estava a letra

que havia pegado.

Outro jogo foi o da forca, no qual trabalhamos atenção,

escolhas, pensamento dedutivo. Esta atividade foi interessante, pois

tivemos oportunidade de trabalhar com os alunos em duplas, sempre

interagindo.

Outros jogos também foram trabalhados em dupla, para

interação com o amigo, a espera da vez, a socialização.

7ª Fase

Foram trabalhados com as crianças diversos jogos e

atividades do software Dosvox, por exemplo, digitar texto, fazer

cálculos e brincar com números por meio do jogo Calculadoravox,

ouviram historinhas, assim as crianças iam aprendendo ludicamente.

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Naiana Paula Bocardo Thaís Cristina Rodrigues Tezani

173

8ª Fase

Deixei as crianças explorarem um pouco do software

Virtual Vision e depois o Dosvox e perguntei para elas qual software

eles queriam utilizar.

ETAPA 3

Avaliação das aulas pelos alunos para optar pelo software

preferido. Todos escolheram o software Dosvox por ser um software

interativo, com jogos, brincadeiras e além de ser mais “adaptado”

para a faixa etária.

ETAPA 4

Avaliação da validade social, esta etapa buscou saber por

parte dos pais e da professora da sala de recursos qual a importância

da criança deficiente visual aprender informática. E o resultado foi

bem positivo, visto que os pais e a professora avaliaram ser muito

importante tal aprendizagem.

PROPOSTA PEDAGÓGICA

Ainda na literatura, percebi que para as pessoas cegas

utilizarem o computador era necessário um software sintetizador de

voz, ou melhor, um software com emissão de som, para o aluno

saber e entender o que faz, quais atividades ele executa. São poucos

os sintetizadores de voz, mas, entre os que existem, escolhi dois para

analisar, que são de fácil acesso e, na dúvida de qual era o mais

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Estratégias educacionais para o ensino de informática com crianças cegas

174

adequado, decidi iniciar as atividades por um que era possível

utilizar no ambiente Windows, o Virtual Vision e, depois, utilizei o

Dosvox.

Já em campo, pude perceber que o computador era pouco

utilizado no ensino dessas crianças, era mais utilizado para crianças

com baixa visão. Um dos motivos era a falta de conhecimento de

softwares para trabalhar com crianças cegas, até porque são poucos

os materiais disponíveis para esse público-alvo ter acesso ao

computador e também era pouca a utilização do computador como

instrumento para reforçar a prática pedagógica.

No entanto, os computadores se popularizam cada vez mais

e, em algumas escolas, já é um meio para reforçar as estratégias de

ensino. Então, pensando na possibilidade de ampliação dessas aulas

com o uso do computador e, se na sala de aula tiver crianças com

deficiência visual e não tiver um software especializado que atenda

suas necessidades, as mesmas não se beneficiarão dessas aulas,

podendo, assim, serem excluídas das atividades.

Por isso, este trabalho buscou apontar estratégias

educacionais no ensino de informática com crianças cegas, com a

intenção de identificar qual o mais apropriado para a utilização

dessas crianças da primeira série do Ensino Fundamental de uma

escola pública de Bauru, além de dar a oportunidade de conhecer o

computador e saber utilizá-lo, podendo facilitar o processo de

inclusão social em relação às tecnologias.

Para uma proposta pedagógica de qualidade,

primeiramente, é necessário que as escolas adotem computadores e

os softwares sintetizadores de voz, depois, que os professores

busquem por meio de bibliografias ou trabalhos que possam ajudar

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Naiana Paula Bocardo Thaís Cristina Rodrigues Tezani

175

na utilização de tais softwares. E o próprio professor deverá

manipular o software para aprender a utilizá-lo para, depois, ensinar

ao seu aluno. Também é necessário utilizar um software adequado à

realidade do aluno, oferecer primeiro o conhecimento da ferramenta

a ser trabalhada, no caso o computador, por meio da percepção tátil,

auditiva, levar ao conhecimento do aluno à importância de tal

aprendizagem.

As atividades utilizadas no ensino de informática deverão

ser funcionais ao aluno e garantir a finalidade da utilização do

computador na sala de aula, que é mais um recurso didático que veio

para contribuir com a educação escolar. Assim, conceber uma

prática de ensino preocupada com a educação integral do aluno e

com o compromisso social desta formação.

No que se refere a deficiência visual, a importância dos

ambientes computacionais é inquestionável. Segundo Borges (2005),

a pessoa cega pode ter certas limitações, as quais poderão trazer

empecilhos ao seu aproveitamento produtivo na sociedade. Ele

aponta que grande parte destas limitações pode ser eliminada com a

adoção de duas ações: uma educação adaptada à realidade destes

sujeitos e o uso da tecnologia para diminuir as barreiras. Claro que

não só pensando no seu aproveitamento produtivo, mas em sua

inserção na sociedade como um ser de direitos e oportunidades.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho buscou apontar estratégias educacionais no

ensino de informática com crianças cegas, assim comparou dois

softwares para deficientes visuais, com a intenção de identificar qual

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Estratégias educacionais para o ensino de informática com crianças cegas

176

o mais apropriado para a utilização, pelas crianças, na primeira série

do Ensino Fundamental de uma escola pública de Bauru, além de

dar a oportunidade de conhecer o computador e saber utilizá-lo,

podendo facilitar o processo de inclusão social em relação às

tecnologias.

De acordo com Freire (1996, p.47), “ensinar não é transferir

conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria

produção ou a sua construção”. Foi dessa forma a realização desse

trabalho, com compromisso, dedicação, acreditando sempre na

capacidade desses alunos, criando possibilidades para ajudar na

construção do conhecimento, na autonomia.

Assim, por meio da prática, da convivência no dia-a-dia,

das respostas dos alunos, podemos perceber que o software Virtual

Vision é muito complexo para essa idade. Então chegamos a

identificar que o software mais adequado para se trabalhar com

crianças cegas da primeira série do Ensino Fundamental é o Dosvox,

por ser um software interativo que contém jogos, ao mesmo tempo

podendo trabalhar alguns conteúdos, apesar de alguns problemas e

de não ter sido desenvolvido com a finalidade de servir a escola.

A informatização escolar poderá também atenuar

problemas sociais presentes no ensino, contribuir para a

aprendizagem e potencializar o indivíduo cego a utilizar tal

ferramenta, possibilitando uma inclusão real na sociedade. De

acordo com Gil (2000, p.47) “o enorme avanço na área de

informática vem proporcionado recursos valiosos para o processo de

ensino-aprendizagem do portador de deficiência visual”. Nesse

sentido, a tecnologia se torna chave para ajudar no processo de

inclusão.

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Naiana Paula Bocardo Thaís Cristina Rodrigues Tezani

177

Entendemos, então, que é necessária uma capacitação para

professores, a fim de trabalhar com este software na sala de aula,

facilitando o processo de inclusão.

“Há uma relação entre a alegria necessária à atividade

educativa e a esperança. A esperança de que o professor e os alunos

juntos podemos aprender, ensinar, inquietar-nos, produzir e juntos

igualmente resistir aos obstáculos” (FREIRE, 1996, p.72).

REFERÊNCIAS

BOGDAN, R.; BIKLEN, S. Investigação qualitativa em educação: uma introdução à teoria e aos métodos. Trad. Maria João Álvares, Sara Bahia dos Santos e Telmo Mourinho Baptista. Porto: Porto-Portugal, 1994.

BORGES, J. A. Manual do Dosvox. Núcleo de Computação Eletrônica da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Disponível em <http://www.nce.ufrj.br>. Acesso em: 04 out. 2005.

COLL, C.; PALACIOS, J. MARCHESI, Á. (Orgs.). Desenvolvimento psicológico e educação: necessidades educativas especiais e aprendizagem escolar. 3.vol. Trad. Marcos A. G. Domingues. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

GIL, M. (Coord.). Educação inclusiva: o que o professor tem a ver com isso? São Paulo: Imprensa Oficial, 2005.

______. (Org.). Deficiência visual. Brasília: MEC. Secretaria de Educação à Distância, 2000. (Cadernos da TV na Escola).

LIBÂNEO, J. C. Didática. São Paulo: Cortez, 1991. (Coleção Magistério 2º grau).

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Estratégias educacionais para o ensino de informática com crianças cegas

178

MICROPOWER . Virtual vision 2.2. Disponível em <http://www. micropower.com.br/v3/pt/acessibilidade/vv2/index.asp> Acesso em: 27 jul. 2006.

MINAYO, M. C. S. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 2.ed. São Paulo: Hucitec-Abrasco, 1993.

PEREIRA, V. A. A contaminação por chumbo em crianças: subsídios para ação educativa em alfabetização científica. Dissertação de Mestrado. Bauru: UNESP, 2006.

RIOS, T. A. Compreender e ensinar: por uma docência da melhor qualidade. 3.ed. São Paulo: Cortez, 2002.

SANCHO, J. M. Para uma tecnologia educacional. Porto Alegre, Artmed, 1993.

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Daniela Melaré Vieira Barros Wagner Antonio Junior

179

OBJETOS DE APRENDIZAGEM VIRTUAIS: INOVAÇÃO PARA

A PRÁTICA PEDAGÓGICA

Daniela Melaré Vieira Barros

Wagner Antonio Junior

RESUMO

O presente artigo traça uma análise sobre o conceito de Objetos de Aprendizagem virtuais, buscando comprovar sua aplicabilidade na educação básica em instituições públicas de ensino. Este trabalho baseia-se em uma pesquisa desenvolvida para elaboração do Trabalho de Conclusão de Curso [TCC], como exigência do Curso de Licenciatura em Pedagogia da UNESP, campus de Bauru. A metodologia baseou-se na construção e aplicação de módulos educacionais com docentes de escolas públicas na cidade de Bauru/SP, seguindo os princípios de aprendizagem orientada a objetos [learning objects], através dos recursos disponíveis no PowerPoint, software da plataforma Windows, com foco na ação do professor na elaboração e construção do material. Os resultados viabilizaram comprovar a aplicabilidade do material produzido e a possibilidade de produção de um material de qualidade pelos professores com os recursos disponíveis na plataforma Windows, bem como a aplicação nas escolas públicas.

PALAVRAS-CHAVE: Objetos de Aprendizagem virtuais; educação

básica; tecnologias aplicadas à educação; prática pedagógica.

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Objetos de aprendizagem virtuais: inovação para a prática pedagógica

180

TECENDO A ESTRUTURA DO TEMA

A tecnologia sempre esteve presente na realidade humana,

sob diversas formas e em distintos contextos. Desde sua gênese, o

homem buscou a perpetuação de sua espécie sob as condições hostis

que a natureza lhe ofereceu, utilizando-se de instrumentos criados

para atender às diversas necessidades, prática essa que se estendeu

por todos os períodos da evolução humana.

Atualmente, as tecnologias exercem um papel de

verdadeiras extensões do cérebro humano. No cenário atual, vemos

isso expresso nas inteligências artificiais, nos sintetizadores de som

e na profusão multiforme das imagens técnicas. Neste profundo

universo, os recursos tecnológicos vão cedendo lugar às conexões

mais fluidas das interfaces, por meio das quais vão crescendo e se

potencializando para novas interações.

Nesta discussão, não podemos deixar de fora a instituição

escolar, cuja prática de ensino permanece na contra-mão à

velocidade frenética da evolução tecnológica, prevalecendo calcada

na cultura rigorosa da linguagem escrita. A aplicação pedagógica de

recursos tecnológicos no ambiente educacional assume valor

estratégico imediato, pois, em plena era digital, a maioria dos

professores em todos os níveis educacionais têm nos livros, nas

cartilhas e na exposição oral os principais instrumentos pedagógicos

e didáticos, em uma constante reprodução de velhas técnicas.

Algumas estruturas ideológicas, que já começam a demonstrar certa

fragmentação, necessitam ser revistas.

Entre essas inovações, damos aqui destaque aos Objetos de

Aprendizagem virtuais, um novo paradigma educacional baseado na

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Daniela Melaré Vieira Barros Wagner Antonio Junior

181

mediação das tecnologias no processo de ensino e aprendizagem.

Este artigo abordará o conceito de objetos de aprendizagem virtuais

e seu impacto como potencializadora da ação pedagógica nos anos

iniciais da educação básica. A fundamentação teórica, bem como os

resultados práticos que seguem, são frutos de uma pesquisa realizada

entre os anos de 2003 a 2006, durante o desenvolvimento de um

Trabalho de Conclusão de Curso, exigência do Curso de Pedagogia

da UNESP de Bauru.

OBJETOS DE APRENDIZAGEM VIRTUAIS: CONCEITOS E

CARACTERÍSTICAS

Objetos de Aprendizagem virtuais constituem-se em um

novo parâmetro tecnológico que utiliza a elaboração de um material

didático envolvendo conteúdos, interdisciplinaridade, exercícios e

complementos. Isso tudo com os recursos das tecnologias. Esse novo

tipo de material educativo tem padrões e formas para ser

desenvolvido. Além disso, possibilita repensar o processo educativo

considerando o espaço da virtualidade e suas possibilidades.

CONCEITOS E DEFINIÇÕES SOBRE O TEMA

No Brasil, os Objetos de Aprendizagem têm uma história

recente pela Rede Internacional de Educação Virtual [ou Red

Internacional de Educación Virtual para el Mejoramiento del

Aprendizaje en Ciencias y Matemáticas en América Latina] –

RIVED, que pode ser definido como um projeto de cooperação

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Objetos de aprendizagem virtuais: inovação para a prática pedagógica

182

internacional entre países da América Latina, em que atualmente

trabalham de forma colaborativa Brasil, Peru e Venezuela. Esse

programa, no Brasil, é desenvolvido pelo Ministério da Educação,

pela Secretaria de Educação a Distância [SEED], em parceria com a

Secretaria de Ensino Médio e Tecnológico [SEMTEC]. É uma

iniciativa para criação de material didático digital para potencializar

o processo de ensino das ciências da natureza e da matemática no

ensino médio presencial. O material produzido são módulos

educacionais que abordam unidades curriculares das áreas de

conhecimento.

A definição de Objetos de Aprendizagem ainda é

considerada vaga. Talvez por ser um objeto de estudo relativamente

novo, ainda não existe um conceito que seja universalmente aceito.

Segundo Muzio, “existem muitas diferentes definições para Objetos

de Aprendizado e muitos outros termos são utilizados. Isto sempre

resulta em confusão e dificuldade de comunicação, o que não

surpreende devido a esse campo de estudo ser novo” (MUZZIO,

2001, p.02). Dentre os conceitos acadêmicos, destacamos o de Wiley

(apud BECK, 2002, p.1):

Qualquer recurso digital que possa ser reutilizado para o suporte ao ensino. A principal idéia dos Objetos de Aprendizado é quebrar o conteúdo educacional em pequenos pedaços que possam ser reutilizados em diferentes ambientes de aprendizagem, em um espírito de programação orientada a objetos.

South e Monso (apud MUZIO et al., 2001) utilizam o termo

Objeto de Aprendizado e o definem como: objeto que é designado

e/ou utilizado para propósitos instrucionais. Esses objetos vão desde

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Daniela Melaré Vieira Barros Wagner Antonio Junior

183

mapas e gráficos até demonstrações em vídeos e simulações

interativas.

CARACTERÍSTICAS DOS OBJETOS DE APRENDIZAGEM

Longmire (2001) destaca que os Objetos de Aprendizagem

possuem características e elementos que procuram resolver diversos

problemas existentes atualmente quanto ao armazenamento e

distribuição de informação por meios digitais. Segundo Longmire

(2001), são elas:

• A flexibilidade: é constituída de forma que possua

início, meio e fim. Os objetos já nascem flexíveis,

podendo ser reutilizados sem nenhum tipo de

manutenção.

• A facilidade para atualização.

• Customização: como os objetos são independentes, o

uso em qualquer das diversas áreas e objetivos é possível.

• Interoperabilidade: reutilização dos objetos em

plataformas e ambientes em qualquer espaço mundial.

• Aumento de valor de um conhecimento: a partir do

momento em que um objeto é reutilizado diversas vezes

em diversas especializações, ao longo do tempo ele

melhora e a sua consolidação cresce de maneira

espontânea.

• Indexação e procura: a padronização dos objetos

também facilitará a idéia de se procurar por um objeto

necessário, quando um conteudista necessitar de

determinado objeto.

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Objetos de aprendizagem virtuais: inovação para a prática pedagógica

184

Todas essas características mostram que o paradigma

Objetos de Aprendizagem vem para facilitar e melhorar a qualidade

do ensino, proporcionando aos tutores, alunos e administradores

diversas ferramentas facilitadoras.

ESTRUTURAÇÃO DE UM OBJETO DE APRENDIZAGEM

A partir destas caracterizações, destacamos que, segundo

Bettio e Martins (apud SINGH, 2000, p.4), um Objeto de

Aprendizagem deve ser bem estruturado e dividido em três partes

bem definidas:

• Objetivos: lista de conhecimentos prévios necessários

para um bom aproveitamento de todo o conteúdo

disponível;

• Conteúdo instrucional: aqui deverá ser apresentado

todo o material didático necessário para que o aluno

possa atingir os objetos citados;

• Prática e feedback: avaliação do aprendiz sobre seu

desempenho, suas expectativas sobre o aprendizado.

Além de definir estes três aspectos, a IMS20 também definiu

um padrão de armazenamento de informações necessárias para uma

indexação dos Objetos de Aprendizagem, de tal modo que a

propriedade de indexação e procura possa ser cumprida. A maneira

encontrada pelos pesquisadores envolvidos no consórcio IMS foi a

20 Instructional Management Systems Global Learning Consortium, Inc. é um consórcio mundial de empresas e pesquisadores que tem como intenção padronizar o armazenamento e distribuição de objetos de aprendizagem em um repositório [Learning Content Repository], de modo a viabilizar a interoperabilidade.

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Daniela Melaré Vieira Barros Wagner Antonio Junior

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criação de metadados utilizando-se a tecnologia XML21. Estes

metadados podem ser considerados como dados contendo

informações sobre outros dados, ou como define Wiley (2002, apud

TORI, 2003, p. 33-34), “metadados são informações descritivas

sobre um recurso”.

MODELO DE PLANEJAMENTO DE UM OBJETO DE

APRENDIZAGEM

Esses padrões deram origem aos roteiros denominados

“Encomendas”, as quais são realizadas para serem posteriormente

transformadas em formatos digitais. Tais “Encomendas” são

diretrizes pedagógicas para explicação e desenvolvimento do objeto

de aprendizagem. Para a elaboração técnica, são empregadas

diversas mídias ou formatos, como: applet java, animação flash,

vídeo ou áudio clip, foto, apresentação PowerPoint, website. Essa

característica torna este paradigma universal, pois pode ser utilizado

em qualquer plataforma. No contexto desta pesquisa, a opção mais

viável para as escolas públicas é a elaboração dos Objetos de

Aprendizagem com os recursos do aplicativo Microsoft PowerPoint,

visto ser este um recurso presente na grande maioria dos

computadores e de maior facilidade de uso.

Os conceitos e a delimitação dos objetos nos possibilitam

delinear a forma de estruturá-los e os elementos necessários para

esse processo.

21 eXtensible Markup Language, linguagem digital proposta pelo W3C [Word Wide Web Consortium] como padrão de representação de dados.

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Objetos de aprendizagem virtuais: inovação para a prática pedagógica

186

Os princípios para a construção dos Objetos de

Aprendizagem buscam integrar a usabilidade do design e a

usabilidade pedagógica. Segundo Martins (2004) a usabilidade de

design engloba estudos na área da ergonomia, focados em usuário-

interface-sistema, conceito que busca definir as características da

utilização, do desempenho na interação e leitura das - e nas -

interfaces computacionais pelo usuário. Já a usabilidade pedagógica

se refere à necessidade de aprendizagem significativa e à utilização

de ambientes para aprendizagem construtivista. As características da

aprendizagem e o uso da tecnologia são inter-relacionados,

interdisciplinares, interativos e interdependentes.

A interdisciplinaridade, para Fazenda (1991), está

fundamentada na intersubjetividade, mostrando-se presente

mediante a linguagem como forma de expressão humana. A

interdisciplinaridade possibilita o diálogo entre as diversas

disciplinas e uma formação mais completa, na medida em que

viabiliza traçar conexões entre os saberes.

A interatividade, nas análises de Silva (2001) expressa a

bidirecionalidade entre emissores e receptores, a troca e a

conversação. O autor distingue duas acepções: 1) a interatividade

tecnológica, na qual prevalece o diálogo, a comunicação e a troca de

mensagens; 2) a interatividade situacional, definida pela

possibilidade de agir-interferir no programa e/ou conteúdo. Essas

características da interatividade, transferidas para o espaço da

tecnologia, são possíveis e plenamente viáveis.

O planejamento dos objetos tem como referência a teoria do

instrucional design ou, melhor definindo, sistema de técnicas que

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Daniela Melaré Vieira Barros Wagner Antonio Junior

187

envolvem a análise, planejamento, desenvolvimento, implementação

e avaliação (FILATRO, 2003).

BASES PEDAGÓGICAS E DIDÁTICAS DE UM OBJETO DE

APRENDIZAGEM

O paradigma utilizado para a elaboração de objetos deve ser

o da virtualidade, um paradigma que tem por princípio: o pensar em

rede, a conectividade, o processo interdisciplinar, o uso da imagem,

a competência em informação e, principalmente, a competência na

virtualidade, aqui caracterizada pela virtual literacy.

O que sustenta o paradigma da virtualidade e sua

aplicabilidade diretamente ao trabalho pedagógico, utilizando o

computador, denomina-se virtual literacy. Tal competência é o uso

dos aplicativos das tecnologias para transformar o conhecimento em

informações, dados e imagem, com os recursos da plataforma

Windows, no processo de uso como ferramenta e mediação da

construção do conhecimento (BARROS, 2007).

A partir desses princípios e considerando a virtual literacy,

utilizaremos especificamente o aplicativo PowerPoint, cuja maior

vantagem é a facilidade de acesso e manuseio, que o torna uma

opção acessível para o trabalho com os Objetos de Aprendizagem

nas escolas públicas, pois além de ser um programa facilmente

encontrado, não exige do professor um conhecimento especializado.

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Objetos de aprendizagem virtuais: inovação para a prática pedagógica

188

O OBJETO DE APRENDIZAGEM COMO MEDIADOR DO

PROCESSO EDUCACIONAL

Apresentaremos a seguir os resultados de uma pesquisa

realizada pelos autores em 2006, cuja intenção foi comprovar tanto a

possibilidade de construção como de aplicação dos Objetos de

Aprendizagem virtuais pelos professores da rede pública de ensino.

Este trabalho foi realizado na cidade de Bauru/SP, diretamente com

docentes que lecionam nas séries iniciais da Educação Básica.

O trabalho se dividiu em dois momentos: o primeiro deles,

de caráter diagnóstico, investigou 59 docentes, por meio de um

questionário misto, o qual teve por objetivo colher dados referentes à

ambiência destes com o uso das tecnologias em sua prática

educativa. Em um segundo momento, foi elaborado um módulo

educacional em caráter experimental, baseado em Objeto de

Aprendizagem, o qual foi construído pelos pesquisadores com uso

do PowerPoint, a ser analisado por uma parte da amostra inicial,

com auxílio de um roteiro avaliativo. Para esta segunda fase, foram

selecionados, da amostra inicial de 59 professores, apenas 5.

RESULTADOS E ANÁLISES DA PESQUISA DESENVOLVIDA

Os resultados da pesquisa de campo, em seus dois

momentos, foram organizados mediante estatística descritiva, o que

possibilitou uma visão abrangente dos resultados. No primeiro

momento da pesquisa, reservada ao diagnóstico, o instrumento

utilizado para a coleta de dados foi um questionário, que de acordo

com a metodologia proposta por Lakatos e Marconi (2001),

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Daniela Melaré Vieira Barros Wagner Antonio Junior

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constitui-se de uma série ordenada de perguntas a serem respondidas

por escrito e sem a presença do pesquisador.

O resultado do questionário revelou que a grande maioria

dos professores possui conhecimentos limitados em relação às

tecnologias, bem como não possuem as competências e habilidades

necessárias para a aplicação didática destas tecnologias no processo

educacional.

Após a fase diagnóstica, foi construído um módulo didático

em forma de Objeto de Aprendizagem virtual, o qual foi submetido

a avaliação de alguns docentes investigados, com base em critérios

técnicos e pedagógicos. Por critérios técnicos, considerou-se os

fatores de estética e funcionalidade. Já os critérios pedagógicos

consideraram a adequação dos conteúdos didáticos à idade e/ou

série, os desafios pedagógicos existentes, se o mesmo proporciona

motivação e interesse nos alunos. Este material foi centrado na ação

interativa do educando com os recursos disponíveis.

Esta avaliação foi realizada com base em um roteiro,

contendo tópicos que versam sobre aspectos do módulo e sobre o

perfil do docente. Com os dados obtidos nesta avaliação, foi possível

analisar o grau de aplicabilidade dos Objetos de Aprendizagem nas

escolas de Educação Básica, na rede pública de ensino.

Apresentamos a seguir uma breve descrição do módulo

construído em caráter experimental, em forma de Objeto de

Aprendizagem virtual, que foi submetido a avaliação dos docentes

selecionados na pesquisa. Este material é composto por 51 slides em

modo de apresentação. Em sua elaboração, foram utilizados recursos

multimídia [sons, imagens, arquivos de vídeo, pequenos textos].

Didaticamente, foi dirigido à 1ª série do Ensino Fundamental, na

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Objetos de aprendizagem virtuais: inovação para a prática pedagógica

190

disciplina Ciências e contempla conceitos referentes às relações

entre o homem e o meio ambiente, especificamente os recursos

hídricos. O título do módulo é O Homem e a Água.

Apresentamos, na figura 01, a Encomenda referente ao

módulo experimental, contendo as diretrizes pedagógicas e algumas

especificações técnicas.

Na ilustração do módulo, iniciamos pela tela de

apresentação [figura 02]. Neste momento podemos ter uma idéia

inicial do conteúdo a ser abordado. O módulo desenvolve-se em uma

seqüência coerente e coesa, com enfoque na ação do aluno. Esta

primeira tela antecipa o conteúdo que será abordado. A

movimentação das figuras, o contraste das cores e os textos curtos

em tamanho, mas com profundidade de conteúdo científico,

proporcionam atratividade ao aluno. Na seqüência, o módulo

apresentou conceitos sobre as possibilidades de utilização da água,

informações sobre higiene e cuidados com o corpo. Além destes

conceitos científicos, o módulo conta com atividades interativas,

curiosidades e links relacionado a este assunto. Com as informações

na tela, que estão em diferentes linguagens [textuais, imagéticas,

sonoras], é possível para o aluno abstrair diferentes informações

sobre o tema.

Após a elaboração deste módulo, submetemos o mesmo a

um teste informal, realizado com algumas professoras, o que nos

possibilitou passar ao estágio seguinte, uma avaliação formal cujos

resultados apresentamos a seguir. Além dos dados relativos ao

módulo em si, também obtivemos conceitos que os docentes

possuem em relação ao uso das tecnologias.

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Daniela Melaré Vieira Barros Wagner Antonio Junior

191

ENCOMENDA INFORMAÇÕES GERAIS SOBRE O MÓDULO Área de Conhecimento: Ciências Nível: Ensino Fundamental Série / Bimestre: 1ª série / 4º bimestre Título do módulo: O Homem e a Água Conceitos: • Fontes de abastecimento de água; • Utilidades do recurso hídrico; • Formas de preservação. Pré-requisitos: • Possuir noções do meio ambiente a partir do próprio contexto. Objetivos: • Ler, articular e interpretar informações a partir de situações do seu cotidiano; • Construir conceitos sobre água e recursos hídricos; • Criar uma consciência para preservação do meio ambiente. Tecnologias utilizadas: • O computador.

Contexto: • Esta aula deverá ser ministrada em sala de informática, com um computador para

cada dois alunos.

Tempo previsto: • 20 minutos. METODOLOGIA Aluno: • Realiza a leitura as orientações explicitadas pelo próprio módulo, por meio da

interação de recursos (sons, imagens, textos escritos); • Interage com o sistema na realização de atividades e jogos contextualizados; • Responde às perguntas expostas nas atividades. Professor: • Orienta os alunos na realização das atividades, intervindo quando necessário. Avaliação: • A avaliação será realizada a critério do professor, com base nos resultados obtidos

nas atividades e nas questões levantadas; • O aluno tem a liberdade de retornar e realizar as atividades quantas vezes achar

necessário.

DESCRIÇÃO TÉCNICA DO MÓDULO O módulo será realizado em formato de apresentação PowerPoint, com inserção de textos escritos, sons, imagens e gifs, contendo 51 (cinqüenta e um) slides. O módulo deverá ser construído de modo que o aluno possa interagir com os objetos constantes.

Figura 01: Encomenda referente ao Módulo Experimental

Fonte: elaborado pelos autores (2006)

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Objetos de aprendizagem virtuais: inovação para a prática pedagógica

192

Figura 02: Módulo experimental, tela de apresentação.

Fonte: ANTONIO JUNIOR, Wagner, 2006.

No quadro 01, apresentamos os resultados obtidos nas

questões fechadas da avaliação em relação a aspectos técnicos e

pedagógicos. Os aspectos técnicos se subdividem em estéticos e de

funcionalidade.

Os critérios levantados foram fundamentados em Lévy

(1993) e Oliveira (2001), considerando as capacidades de ordem

cognitiva superiores e de que forma as tecnologias podem

potencializar tais capacidades. Todos os critérios gerais do módulo,

expostos acima, foram avaliados pelos docentes de forma positiva,

com conceitos ótimo e bom. O único item que não foi bem avaliado

por uma das professoras foi a questão da existência de desafios

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Daniela Melaré Vieira Barros Wagner Antonio Junior

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pedagógicos no material, que segundo essa docente o material é

desprovido destes desafios. Isso demonstra que o módulo atingiu os

objetivos em seus critérios mais gerais.

Os docentes foram questionados sobre possíveis falhas do

módulo, bem como convidados a darem sugestões para a melhoria.

Todos responderam que o módulo não necessita de mudanças, pois

atende às expectativas didático-pedagógicas e técnicas. Em seguida,

discorreram sobre as possibilidades da aprendizagem com os

Objetos de Aprendizagem e de que forma eles poderiam

potencializar o ensino.

QUADRO 01: CRITÉRIOS IDENTIFICADOS NA AVALIAÇÃO GERAL DO

MÓDULO

Técnicos Estética • Layout da tela. • Cores. • Figuras. • Tamanhos. • Tipos sociais.

Funcionalidade • Recursos multimídia [imagens, efeitos e sons] adequados.

• Mapeamento [esclarecimento de localização dentro do módulo].

• Clareza nas instruções. Pedagógicos Didática • Objetivos do conteúdo explicado.

• Coerência e coesão [na seqüência de apresentação em relação ao conteúdo].

• Adequação da linguagem. • Série/faixa etária abordados está de acordo

com a realidade. • Atratividade [capacidade em despertar

interesse no aluno]. • Interdisciplinaridade. • Possui desafios pedagógicos.

Fonte: organizado pelos autores (2006) a partir dos resultados da avaliação.

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Objetos de aprendizagem virtuais: inovação para a prática pedagógica

194

Estes elementos foram levantados das respostas dos

docentes em relação às potencialidades que este material poderia

proporcionar ao ensino. De acordo com os professores investigados,

os elementos potencializadores dos objetos de aprendizagem

virtuais, sob uma perspectiva pedagógica, são: a) interatividade; b) atratividade; c) motivação; e) desafios pedagógicos. Na assertiva de

Sá Filho e Machado (2004), os recursos por si sós não poderiam

gerar tais inovações, porém oferecem ferramentas que potencializam

as ações da mente humana e as estratégias didáticas. Através desses

itens, os alunos respondem melhor aos estímulos proporcionados

pelos Objetos de Aprendizagem.

Os docentes participantes da avaliação foram investigados

quanto a alguns conceitos que os mesmos trazem em relação às

tecnologias. O quadro a seguir mostra as idéias dos professores em

relação à Internet:

QUADRO 02: CONCEITO DOS PROFESSORES EM RELAÇÃO À INTERNET

• Uma grande “rede”. • Ferramenta para busca de informações. • Vasta fonte de informações. • Utilidade. • Meio de comunicação. • Lazer e distração. • Meio de compras, consultas e pagamentos. • Meio de pesquisa. • Fonte de conhecimentos gerais. • Meio com muitos recursos. • Oportunidade para professores e alunos. • É muito boa, porém necessita de dosagem.

Fonte: organizado pelos autores (2006) a partir dos resultados da avaliação.

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Daniela Melaré Vieira Barros Wagner Antonio Junior

195

Estes conceitos levantados mostram que os professores, em

sua maioria, concebem a Internet como um meio de busca de

informações, lazer e entretenimento. Apenas um deles destacou que

a rede pode ser utilizada como oportunidade didática a professores e

alunos. Os docentes também foram questionados quanto ao conceito

que trazem em relação a competências e habilidades, o que está

expresso no quadro a seguir:

QUADRO 03: CONCEITOS DOS PROFESSORES EM RELAÇÃO A

COMPETÊNCIAS E HABILIDADES

Competências Habilidades

• Capacidade para se fazer. • Aptidão. • Capacidade de saber. • Capacidade decorrente do profundo

conhecimento em determinado assunto.

• Algo a ser desenvolvido. • Preparação. • Aptidão. • Agilidade, destreza. • Qualidade de fazer algo.

Fonte: organizado pelos autores (2006) a partir dos resultados da avaliação.

Apesar de todos os docentes saberem o que significam

competências e habilidades, a maioria externou o que sabe pelo

senso comum. As competências e habilidades, para Perrenoud

(2002) compreendem as capacidades em agir de forma eficaz em

determinada situação por meio de conhecimentos, porém não se

limitando a eles. A partir dessa discussão, os docentes foram

questionados sobre qual competência acreditam ser necessária ao

professor no uso das tecnologias: a competência técnica ou a

competência pedagógica. Todos os professores responderam que as

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Objetos de aprendizagem virtuais: inovação para a prática pedagógica

196

duas competências são necessárias, pois uma não pode atuar sem a

outra.

Finalmente, indagamos aos professores sobre as possíveis

mudanças que a introdução das tecnologias pode trazer à educação,

no contexto brasileiro. As opiniões estão descritas no quadro 04.

QUADRO 04: POSSIBILIDADES DECORRENTES DA INTRODUÇÃO DAS

TECNOLOGIAS NA EDUCAÇÃO

• Apoio na construção do conhecimento. • Desperta interesse nas aulas. • Pesquisa de informações atualizadas. • Realização e diversificação de trabalhos. • Incentivar o rendimento da criança pela facilidade do manuseio. • Aulas mais dinâmicas. • Desenvolvimento do raciocínio lógico-matemático. • Possibilidade de os professores prepararem melhor suas aulas. • Cooperação. • Compreensão do mundo.

Fonte: organizado pelos autores (2006) a partir dos resultados da avaliação.

Todos os docentes acreditam na melhoria do ensino com a

introdução dos recursos tecnológicos, desde as estratégias didáticas

nos processos de ensino e aprendizagem até a elaboração de

trabalhos mais ricos e diversificados. Hutmacher (1995) aponta a

importância das inovações com a introdução de tecnologias na

instituição escolar, porém este processo requer novas práticas, a

serem construídas de forma coletiva, além de investimentos na área

e mudanças nas atuais políticas públicas.

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Daniela Melaré Vieira Barros Wagner Antonio Junior

197

PROPOSTA PEDAGÓGICA COM OS OBJETOS DE

APRENDIZAGEM NA ESCOLA PÚBLICA

Através da avaliação do material pelos docentes, pudemos

analisar que o módulo experimental construído em forma de Objeto

de Aprendizagem virtual atingiu os objetivos dentro dos critérios

técnicos e pedagógicos propostos na ficha avaliativa. Os professores

consideraram que os recursos tecnológicos e didáticos deste material

podem potencializar a ação pedagógica em sala de aula. Analisamos

ainda que os docentes que participaram dessa avaliação possuem

conhecimentos limitados em relação ao uso das tecnologias, o que

dificulta o trabalho desses docentes com os objetos de aprendizagem

virtuais.

Os resultados obtidos nessa etapa da pesquisa de campo

foram importantes na medida em que possibilitaram comprovar a

qualidade do módulo experimental a partir da análise dos

professores. A relevância dessa parte da pesquisa também se deve ao

levantamento das opiniões desses mesmos docentes em relação aos

aspectos das tecnologias que não foram abordados através do

questionário diagnóstico. Juntos, o diagnóstico e a avaliação dos

professores puderam oferecer subsídios para comprovação do

problema dessa pesquisa.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo que norteou essa pesquisa foi comprovar a

viabilidade dos Objetos de Aprendizagem virtuais como recurso

potencializador da ação pedagógica em sala de aula, sendo que o

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Objetos de aprendizagem virtuais: inovação para a prática pedagógica

198

cenário deste trabalho foi a rede pública de ensino. A hipótese

levantada foi se realmente é possível a aplicabilidade desse tipo de

material na educação básica dentro das condições em que se

encontra a escola pública. As questões que nortearam esta pesquisa

foram: 1) o professor não possui acesso à máquina; 2) o professor é

resistente quanto ao seu uso; 3) o professor não consegue ver

utilização do computador para finalidades didáticas.

Os docentes investigados durante essa pesquisa

demonstraram limitações no conhecimento técnico básico para o

trabalho com esse material. Além disso, apesar da maioria concordar

que as tecnologias podem ser utilizadas no contexto escolar, muitos

deles possuem dificuldades em definir formas para o trabalho

didático com uso de recursos tecnológicos, em especial com Objetos

de Aprendizagem virtuais.

Concluímos, baseados nos resultados deste trabalho, que a

construção de materiais didáticos com Objetos de Aprendizagem

virtuais é viável para a educação básica, visto que oferecem novas

possibilidades ao trabalho pedagógico, potencializando o

aprendizado do aluno, ao mesmo tempo em que é de fácil acesso ao

docente. Porém, sua inserção na rede pública de ensino não é uma

tarefa fácil, considerando as condições em que a escola pública se

encontra, tanto em recursos materiais e financeiros como em corpo

docente preparado para trabalhar com este tipo de material.

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Daniela Melaré Vieira Barros Wagner Antonio Junior

199

REFERÊNCIAS

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FAZENDA, I (Org.). Práticas interdisciplinares na escola. São Paulo: Cortez, 1991.

FILATRO, A. Design instrucional contextualizado: educação e tecnologia. São Paulo: Senac, 2004.

HUTMACHER, W. A escola em todos os seus estados: das políticas de sistemas às estratégias de estabelecimento. In: NÓVOA, A. (org.). As organizações escolares em análise. Lisboa: Dom Quixote, 1995.

LAKATOS, E. M.; MARCONI, M. A. Fundamentos de metodologia científica. 4.ed. São Paulo: Atlas, 2001.

LÉVY, P. As tecnologias da inteligência. São Paulo: Editora 34, 1993.

LONGMIRE, W. A primer on learning objects. American Society for Training & Development. Virgínia, USA, 2001

MARTINS, M.de L. O. O papel da usabilidade no ensino a distância mediado por computador. Dissertação de Mestrado. Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais – CEFET, 2004.

MUZIO, J; HEINS, T; MUNDELL, R. Experiences with reusable e learning objects: from theory to practice. Victória, Canadá, 2001.

OLIVEIRA, C. C. Ambientes informatizados de aprendizagem: produção e avaliação de software educativo. Campinas: Papirus, 2001.

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Objetos de aprendizagem virtuais: inovação para a prática pedagógica

200

PERRENOUD, P. Construir competências desde a escola. Porto Alegre: ArtMed, 2002.

SÁ FILHO, C. S.; MACHADO, E. de C. O computador como agente transformador da educação e o papel dos objetos de aprendizagem. Disponível em: <http://www.google.com.br>. Acesso em 30 mai. 2004

SILVA, M. Sala de aula interativa. 2.ed. Rio de Janeiro: Quartet, 2001

SINGH, H. Introduction to learning objects. Disponível em: <http://www.elearningforum.com/july2001/singh.ppt>. Acesso em 15 mar. 2000.

TORI, R. Tecnologias interativas na redução de distância em educação: taxonomia da mídia e linguagem de modelagem. Tese (Livre Docência). Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Departamento de Engenharia de Computação e Sistemas Digitais. São Paulo, 2003.

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Colaboradores

201

CONCLUSÕES

Esta obra teve por objetivo oferecer reflexões teórico-

práticas sobre temas articulados à prática de ensino nos anos iniciais

da educação básica.

Os artigos aqui apresentados são frutos de pesquisas

acadêmicas que tiveram como foco uma prática pedagógica que

considera a criança, seu universo e suas necessidades. Alguns destes

trabalhos são propostas, em face das necessidades da educação hoje.

Todos foram elaborados por ex-alunos de graduação, orientados por

docentes com reconhecida experiência acadêmica, do Curso de

Pedagogia da UNESP, campus universitário de Bauru.

Ao se pensar na composição de informações, conceitos e

saberes que estruturaram esta obra, nos remetemos à questões

educacionais em um contexto que exige inovação, pois a sociedade, a

política e a cultura estão em acelerada evolução, e a escola não pode

ficar à margem deste processo. Também percebemos que a formação

docente, inicial ou continuada, deve considerar os novos paradigmas

que estamos vivenciando.

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Faces das práticas inovadoras: da creche aos anos iniciais da alfabetização

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Temas inerentes à criança, como jogos e brincadeiras, o

lúdico, o processo de alfabetização, a inclusão e o uso de tecnologias

estão intrinsecamente ligados à realidade educativa. Quando os

autores, em conjunto, pensaram nessas questões, enfatizou-se em

oferecer contribuições à educação brasileira, em dois aspectos.

Primeiramente, possibilitar reflexões sobre a importância desses

campos de atuação e, segundo, oferecer propostas concretas como

subsídios para estratégias didáticas do professor na realidade

educativa.

Ressaltamos que a intenção dos autores não foi elaborar um

referencial para um grupo fechado de intelectuais acadêmicos, mas

oferecer contribuições pensadas, construídas e articuladas à uma

prática pedagógica que vá de encontro às reais necessidades da

educação básica brasileira, devolvendo à sociedade os frutos colhidos

na universidade pública. Procuramos, desta forma, aproximar a

universidade da realidade social.

Bauru, 12 de dezembro de 2007

Prof. Wagner Antonio Junior

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Colaboradores

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COLABORADORES

ANA MARIA LOMBARDI DAIBEM – [email protected] Doutora em Educação pela UNESP de Marília. Professora Assistente Doutora voluntária da UNESP de Bauru. Atualmente é Secretária da Educação Municipal da cidade de Bauru/SP.

ANTONIO FRANCISCO MARQUES – [email protected] Doutor em Educação pela UNESP, campus de Marília. Professor Assistente Doutor do Departamento de Educação da Faculdade de Ciências – UNESP de Bauru.

CARMEM LÍGIA COUTINHO SANTOS FARIA – [email protected] Pedagoga graduada pela UNESP de Bauru. Professora efetiva na rede estadual de Educação Básica em São Paulo.

CÉLIA REGINA F. BORTOLOZO – [email protected] Pedagoga graduada pela Uniaras. Professora da rede pública municipal de educação de Santa Bárbara D’Oeste/SP.

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Faces das práticas inovadoras: da creche aos anos iniciais da alfabetização

204

DANIELA MELARÉ VIEIRA BARROS – [email protected] Doutora em Educação Escolar – UNESP/Araraquara Pós-doutora – UNICAMP – Brasil / UNED – Espanha, Bolsista Fapesp. Ex-docente do Curso de Pedagogia da UNESP / Bauru na disciplina Educação e Tecnologias

EDSON ALEXANDRE DE LIMA – [email protected] Pedagogo graduado pela UNESP de Bauru. Professor do Ensino Fundamental na rede municipal em Bauru e Agudos/SP.

ELAINE CRISTINA FEIJÓ – [email protected] Pedagoga graduada pela UNESP, campus de Bauru.

ELIANA MARQUES ZANATA – [email protected] Doutora em Educação Especial pela UFSCar. Professora da Faculdade de Ciências – Departamento de Educação da UNESP de Bauru.

ENICÉIA GONÇALVES MENDES – [email protected] Doutora em Psicologia pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. Professor associado da UFSCar – Depto. de Psicologia e Programa de Pós-graduação em Educação Especial.

KELLY CRISTINA DUCATTI-SILVA – [email protected] Doutoranda em Educação pela UNICAMP. Professora na UNESP de Bauru. Professora do Ensino Fundamental na rede municipal de Bauru.

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Colaboradores

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MARIA DA GLÓRIA MINGUILI – [email protected] Doutora em Educação pela UNICAMP. Professora aposentada da Faculdade de Ciências da UNESP de Bauru. Membro da Comissão Gestora do Projeto Institucional de Formação Continuada de Docentes da UNESP, junto à Pró-Reitoria de Graduação (PROGRAD), UNESP, São Paulo. 2005-2008.

MARIA DO CARMO MONTEIRO KOBAYASHI – [email protected] Doutora em Educação pela UNESP / Marília Docente da Faculdade de Ciências – Departamento de Educação da UNESP / Bauru e na Universidade do Sagrado Coração – USC.

MARIANA VAITIEKUNAS PIZARRO – [email protected] Pedagoga graduada pela UNESP de Bauru. Mestranda do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Ciências – UNESP/Bauru. Área de concentração: Ensino de Ciências. Professora efetiva da educação básica do Governo do Estado de São Paulo.

MARTA DE CASTRO ALVES CORRÊA – [email protected] Pedagoga graduada pela UNESP de Bauru. Professora da Educação Infantil da rede pública municipal de Bauru. Atualmente está junto ao Departamento Pedagógico na Secretaria Municipal de Educação de Bauru.

NAIANA PAULA BOCARDO – [email protected] Pedagoga graduada pela UNESP de Bauru. Especializanda em Educação Especial pela Faculdade de Ciências da UNESP de Bauru. É professora do Ensino Fundamental na rede municipal de Bauru e atua na Educação Especial junto à APAE de Bauru.

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Faces das práticas inovadoras: da creche aos anos iniciais da alfabetização

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THAÍS CRISTINA RODRIGUES TEZANI – [email protected] Doutora em Educação pela UFSCar. Professora do Departamento de Educação – Faculdade de Ciências, UNESP de Bauru e na Faculdade Fênix. Professora do Ensino Fundamental da rede pública municipal em Bauru, atuando no cargo de coordenadora pedagógica.

VERA LÚCIA MESSIAS FIALHO CAPELLINNI – [email protected] Doutora em Educação Especial pela UFSCar. Professora Assistente Doutora do Departamento de Educação da UNESP de Bauru.

WAGNER ANTONIO JUNIOR – [email protected] Pedagogo graduado pela UNESP de Bauru e especialista em Gestão Escolar. Professor na Faculdade de Agudos - FAAG.

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Colaboradores

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