experiÊncias e vivÊncias no cenÁrio da educaÇÃo...
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EXPERIÊNCIAS E VIVÊNCIAS NO CENÁRIO DA EDUCAÇÃO
PROFISSIONAL EM MATO GROSSO
Este painel apresenta relatos de experiências didáticas e de reflexão sobre a prática
docente no contexto da Educação Profissional e Tecnológica de nível médio. Evidencia
as ações realizadas na rede de Escolas Técnicas Estaduais de Mato Grosso, a qual é
mantida pela Secretaria de Estado, Ciência, Tecnologia e Inovação – SECITECI/MT.
Destaca os trabalhos de pesquisadores que integram o Núcleo de Estudos e Pesquisa,
Interdisciplinar e Aplicada em Educação Profissional e Tecnológica do estado de Mato
Grosso (NEPIA/EPT/SECITECI-MT), envolvendo alunos, professores e comunidade.
Aborda, inicialmente, os resultados de uma pesquisa abrangendo os docentes em seu
agir cotidiano e suas relações com os instrumentos materiais e simbólicos que permeiam
sua prática em sala de aula. Também, apresenta um trabalho sobre os aspectos da prática
profissional do Curso Técnico Profissionalizante de Nível Médio em Agropecuária,
realizado no Centro de Treinamento Sindical Rural (CENTRESIR) em Várzea Grande -
MT em parceria entre a Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Mato
Grosso (FETAGRI-MT) e a SECITECI-MT, via Escola Técnica Estadual de Educação
Profissional e Tecnológica de Diamantino; e uma terceira pesquisa destacando as
experiências pedagógicas na abordagem da temática racial como disciplina dos cursos
técnicos e atividade de extensão, pelo viés cultural.
Palavras-chave: Educação Profissional. Didática. Interdisciplinaridade.
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CONSTRUINDO IDENTIDADES SE “SER NEGRO” E SUPERANDO
RACISMO NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL PELO VIÉS CULTURAL
Autora:
Maria Luiza TROIAN
Escola Técnica Estadual de Sinop – SECITEC/MT
Coautora:
Gislaine Dias Florentino FERREIRA
Escola Técnica Estadual de Sinop – SECITEC/MT
A partir da Lei 10.639/03 que estabelece a inclusão no currículo escolar da história e
cultura afrobrasileira, surge a questão: como trabalhar o tema provocando a construção
de conhecimentos, com mudanças na afirmação e construção de identidades de ser
negro e a superação de comportamentos racistas. Neste sentido, esta pesquisa buscou
avaliar duas experiências pedagógicas, uma desenvolvida durante a disciplina de
‘Educação Afrobrasileira’ com os alunos dos cursos técnicos da Escola Técnica
Estadual, outra como atividade de extensão com alunos de uma escola do campo. Com
uma abordagem qualitativa, utilizou para coleta de dados à observação participante,
questionários e entrevista semiestruturada com os alunos envolvidos. As leituras que
fundamentaram os trabalhos consideraram autores que: no processo educativo considera
as relações humanas, o aluno como sujeito do processo, formação humana multilateral e
emancipatória (Freire); que trazem a história de lutas dos negros no Brasil (Gennari), o
racismo na constituição da sociedade brasileira (Schwarcz; Guimarães) e a cultura
afrobrasileira (Munanga; Gomes). Inicialmente os alunos rejeitaram discutir a temática
racial, mas com o encaminhamento das atividades, a participação ganha um perfil em
que os mesmos querem falar sobre o tema fazendo a leitura da sociedade, dos aspectos
culturais afrobrasileiros que estão presentes na nossa linguagem, culinária, danças,
musicas, cuidados e prevenção da saúde, agricultura, artesanato, religião. Refletem
sobre as histórias de vida e a organização da sociedade com o racismo e desigualdade
racial. Percebe-se que a pedagogia utilizada e os conhecimentos construídos provocam
mudanças de comportamentos, quando há a assunção dos alunos, assumindo-se como
ser social e histórico, pensante e transformador. Relatam identificar ações de racismo
que antes não percebiam, sua atual indignação e mobilização por coibir os tratamentos
racistas no seu meio social. Também, a afirmação de sua identidade de “ser negro”,
valorizando os aspectos físicos e culturais de sua origem.
Palavras-chave: Educação profissional. Etnicoracial. Cultural.
1. INTRODUÇÃO
Este trabalho discorre sobre uma pesquisa desenvolvida no cenário da Educação
Profissional na região do médio norte do Mato Grosso, município de Sinop, que avaliou
o resultado do trabalho pedagógico na implementação da Lei 10.639/03 que estabelece a
inclusão no currículo escolar da história e cultura afrobrasileira.
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A proposta do estudo foi avaliar o trabalho pedagógico da temática racial em
duas situações e espaços distintos, que teve como objetivo a construção de
conhecimentos e provocar mudanças na afirmação e construção de identidades de ser
negro e a superação de comportamentos racistas. Uma desenvolvida durante a disciplina
de ‘Educação afrobrasileira’ com os alunos dos cursos técnicos da Escola Técnica
Estadual, outra, como atividade de extensão com alunos da escola do Estadual do
Campo Florestan Fernandes.
A pesquisa de abordagem qualitativa utilizou para a coleta de dados a
observação participante, aplicação de questionário e perguntas pontuais aos
participantes, desenvolvida durante o trabalho pedagógico dos professores
pesquisadores no ano de 2014 e 2015. Na Escola Técnica a pesquisa foi desenvolvida
pela professora da escola, que trabalhou a disciplina de vinte horas de ‘Educação
afrobrasileira’ nos cursos técnicos de Eletrotécnica, Administração, Informática e
Floresta, envolvendo sessenta alunos. A atividade de extensão foi coordenada pela
pedagoga da SECITEC, na oficina de “africanidades e cultura do campo”, com cento e
dez horas, envolvendo trinta alunos e três professores da escola do Campo.
2. DESENVOLVIMENTO
As duas experiências, ao trabalhar a temática racial, consideram que o racismo
ainda está presente nas relações sociais, definindo racismo como “sendo um corpo de
atitudes, preferências e gostos instruídos pela ideia de raça e de superioridade racial,
seja no plano moral, estético, físico ou intelectual” (GUIMARÃES, 2004, p. 17). E, raça
na perspectiva sociológica da palavra, como:
Uma construção histórica e social [...] uma das formas de identificar pessoas
[...]. É uma categoria classificatória que deve ser compreendida como uma
construção local, histórica e cultural, que tanto pertence à ordem das
representações sociais – assim como são as fantasias, mitos e ideologias –
como exerce influencia real no mundo, por meio da produção e reprodução
de identidades coletivas e de hierarquias sociais politicamente poderosas
(SCHWARCZ, 2012, p. 33-34).
A pesquisa mencionada por Schwarcz (2012, p. 31) mostra que “ninguém nega
que existe racismo no Brasil, mas sua prática é sempre atribuída a ‘outro’. Seja da parte
de quem age de maneira preconceituosa, seja daquela de quem sofre com o preconceito,
o difícil é admitir a discriminação e não o ato de discriminar.” Se apresenta como algo
externo às nossas ações e relações sociais, impessoal. Aqui, faz-se importante
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mencionar Freire, quando escreve sobre a ‘assunção’, que é o sujeito que assim se
assume, como ser social, histórico, reflexivo, participante e transformador. Lembra que,
“Não é possível à assunção que o sujeito faz de si numa certa forma de estar sendo sem
a disponibilidade para mudar. Para mudar e de cujo processo se faz necessariamente
sujeito também” (FREIRE, 2004, p.46).
O cenário em que foi desenvolvida a pesquisa, região médio norte do Mato
Grosso, é uma região politicamente direcionada para o agronegócio, com um histórico
de exploração dos trabalhadores e de racismo. No processo de colonização, nos anos 70,
divulgava-se a ideia que esta era uma terra de progresso, por receber pessoas brancas e
sulistas (SOUZA, 2004). No entanto, o município de Sinop tem um percentual de 51%
de negros (IBGE de 2010); na Escola Técnica, nos cursos técnicos do ano de 2004 até
2008, 42% alunos matriculados se autodeclaram negros (TROIAN, 2011); e na Escola
do campo Florestan Fernandes, 72% das 120 pessoas pesquisadas, se autodeclaram
negras (PAULA, 2015). Pessoas que são ‘invisibilizadas’ no processo de
desenvolvimento da região, estão excluídas dos bens construídos neste processo, sem
valorização de suas culturas.
Neste sentido, as propostas pedagógicas para trabalhar a temática racial, nas duas
situações pesquisadas, consideraram que:
Para chegarmos a ter uma sensibilidade pedagógica para com os conteúdos
da docência, ou para novas didáticas ou para com os tempos de formação e
socialização, teremos que começar por termos sensibilidade humana para
com os educandos(as) como sujeitos sociais e culturais, éticos e cognitivos
(ARROYO, 2004, p.61).
Também, seguindo os objetivos que, além de construir novos conhecimentos
sobre o tema, o aluno faça a leitura da realidade em que vive, e “a percepção de que a
realidade pode ser mudada, na medida em que, no ‘hoje’ em que se está verificando o
antagonismo entre mudança e permanência, este antagonismo começa a se fazer um
desafio” (FREIRE, 2001, p. 47). Que a construção de conhecimentos provoque
indignações e combate ao racismo e contribua para afirmações de identidades de “ser
negro”.
Ainda, segundo Paulo Freire (2001), a ação cultural para a libertação se
caracteriza pelo diálogo do ato do conhecimento, problematizar a realidade e considerar
os saberes dos educandos. Então, as duas experiências pedagógicas pesquisadas partem
da tática de encaminhar os trabalhos em que os alunos sejam sujeitos deste processo,
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que possibilite assumirem o papel de sujeitos, que não se reduz a conhecimentos
referentes às informações apresentadas pelo professor, e sim, uma relação com o
mundo, com sua realidade individual e social.
Experiência pedagógica como atividade de extensão
Esta experiência pedagógica resultou do desenvolvimento da Oficina de
‘Africanidades e cultura do campo’, pertencente ao Projeto Educação Científica,
Agroecológica e Cultural do Campo (Novos Talentos/CAPES/UNEMAT-MT/Escola
Estadual Florestan Fernandes). A escola Florestan Fernandes está inserida em um
assentamento de reforma agrária, organizado pelo Movimento Sem Terra (MST).
A oficina foi desenvolvida em duas etapas com turmas distintas, a primeira com
60 horas e a segunda com 50 horas. Como uma atividade extraclasse os alunos da escola
é que escolheram fazer parte da oficina. A maioria dos alunos que fiz a primeira etapa
escolhe fazer a segunda, envolvendo aproximadamente 30 alunos e três professores. Os
encontros tinham uma carga horária de três a quatro horas e aconteciam em média duas
vezes por mês.
As atividades desenvolvidas envolveram:
Rodas de conversa - que aconteceram em diferentes momentos, em que os
alunos, no coletivo, relacionavam a temática com suas trajetórias de vida, aspecto
históricos, econômico e cultural de sua comunidade e de suas famílias. Foram os
momentos em que, os alunos perceberam-se como sujeitos do processo, e despertaram-
se para a ‘assunção’ que percebe parte da história dos negros no Brasil, dos quem
sofrem o racismo e de quem é racista.
Estudos da história e cultura – O livro Em busca da liberdade foi uma das bases
para os estudos desenvolvidos pelos alunos desta pesquisa. O autor escreve que o
passado é muito mais do que um momento distante, e sim, é um passo fundamental para
entender a realidade atual, identificarem-se neste processo sustentar a mobilização
individual e coletiva por igualdade de direitos e oportunidades. É uma abordagem
histórica dos negros no Brasil contada na perspectiva dos sujeitos, que organizados,
lutaram pela liberdade, com valorosos exemplos de produção, solidariedade e gestão
(GENNARI, 2008). Um grande envolvimento dos alunos foi conhecer, a partir da luta
dos negros, a organização dos quilombos no estado do Mato Grosso que compararam
com a realidade da comunidade escolar, a cultura afro-brasileira, história dos negros no
Brasil e a desigualdade racial.
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Outro livro utilizado como base para os estudos foi “para entender o negro no
Brasil de hoje”, elaborado “com respeito à dignidade humana, à igualdade de direitos, à
participação e corresponsabilidade pela vida social” (KABENGELE; GOMES, 2006,
p.5) faz uma abordagem cultural afro brasileira, suas religiões, danças, vestuários e
apresenta os homens e mulheres negos(as) que fizeram história.
Os alunos percebem e relataram que a história do Brasil tem muitas outras
informações sobre os negros no Brasil, e não somente sobre o período da escravidão e
abolição pela Princesa Isabel, que os mesmo relataram que foi o que aprenderam na
escola.
Lendas e contos africanos – Trabalhamos com literaturas escritas e filmes.
Ambos possibilitaram conhecer heróis, reinados, que não fazem parte das tradicionais
lendas e contos que conheceram na escola. Cito aqui os filmes: Kirikou e a Feiticeira e,
Kirikou e os bichos da floresta. Identificaram-se com o herói Kirikou, sua vida no
campo e com outras pessoas da comunidade, com suas constantes lutas pelo direito da
terra e condições para trabalhar e viver no campo. Foi um despertar para as
possibilidades que o assentamento tem enquanto organização econômica para suas
famílias, considerando suas riquezas ambientais e conhecimentos das pessoas. As
observações feitas pelos alunos foram debatidas, e envolveu a produção familiar,
descobrimento do artesanato em argila, respeito aos anciãos, preservação da natureza,
uso das ervas medicinais e a mulher no trabalho do campo. Os filmes foram os
provocadores da temática, que resultou no olhar para seu mundo, perceber riquezas de
cultura, como também, possibilidade de intervenção no mundo, nos espaços da escola,
da comunidade e da região.
Documentários – Quesito cor foi o provocador para conversarmos sobre, qual
minha raça/cor? Fez parte do nosso primeiro encontro, e possibilitou debatermos sobre
o tema e mobilizar os alunos para os próximos estudos. Eles se identificaram com o
tema, perceberam que estaríamos estudando sobre suas histórias, perceberam-se sujeitos
do processo. Um segundo documentário foi Vista minha pele, que traz situações
pertinentes para percebermos como o racismo apresenta-se nos diferentes espaços,
como faz parte das nossas relações sociais e passa despercebido pela naturalidade que se
apresenta. Outro documentário foi, Viajando aos extremos, ‘viajamos’ para a África,
para conhecermos a origem e a cultura dos jogos Mancala, em específico, o KALAH,
que foi um dos recursos utilizado na oficina.
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Imagem 1: Roda conversa. Imagem 2: Elaboração dos jogos e conversas.
Fonte: E.E. Florestan Fernandes. Fonte: E.E. Florestan Fernandes.
Jogos africanos – Outro momento forte da oficina foi da confecção e o brincar
dos jogos africanos de origem mancala, que são praticados pelos povos africanos das
aldeias do campo e tem forte ligação com a mitologia, política e região. Trabalhamos
com três jogos: kakah da região do Norte da Africa; yoté dos países da África Ocidental
e; fanorona de Madagascar. O momento da confecção dos jogos e do jogar propiciou
um ambiente de lazer, arte, e conversas sobre a cultura africana a afrobrasileira.
Percebem que, mesmo sendo obrigatório estudar história e cultura afrobrasileira e
africana nas escolas, pouco acontece principalmente no aspecto cultural.
Musica e dança do siriri – A musica e dança do siriri é parte da cultura
matogrossense, muito presente nos quilombos do estado. Assim, para estudarmos a
história e cultura afrobrasileira do estado, utilizamos do siriri como viés para conhecer
mais a história, cultura e dados estatísticos dos negros no estado.
Imagem 3: Siriri. Imagem 4: beleza do cabelo negro.
Fonte: E.E. Florestan Fernandes. Fonte: E.E. Florestan Fernandes.
Beleza do cabelo negro – esta foi uma demanda que surgiu durante a oficina.
Com uma significativa representação de negros no grupo e na afirmação de identidades,
surgiu à necessidade de um momento específico para falarmos da beleza, cuidados e
adornos para o cabelo negro. A participação foi marcante, envolvendo diferentes idades
e gênero.
O viés cultural criou um ambiente propício e convidativo para abordarmos
vários aspectos relacionados à temática racial. No momento em que pesquisávamos e
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percebíamos a presença da cultura afrobrasileira nos costumes, culinária, danças,
adornos, vestes, palavras, tecnologias, religião, jogos, entre outros, surge também o
debate sobre a desigualdade racial, as diferentes manifestações de racismo, o racismo no
mercado de trabalho, com a religião de origem africana, o desconhecimento sobre os
jogos e outros aspectos culturais africanos, origem da maioria da população brasileira.
Apresentamos alguns relatos dos alunos: “A oficina me fez entender o que é ser negro, e
morar no assentamento, onde boa parte das pessoas que mora aqui e são negros,
conhecer o contexto histórico, as, características culturais e passei a me valorizar, não
aceitar ações de preconceito” (Aluna A).
Neste processo, os alunos negros que fizeram parte da oficina, reafirmam sua
identidade de ‘ser negro’, valorizando suas características físicas, a beleza do cabelo
negro. “Gostei de me conhecer as minhas origens, respeitar minha raça, antes eu achava
que cabelo liso e olhos azuis eram mais bonitos do que os meus. Aprendi isso desde
crianças, porém, era o que eu ouvia” (Aluna B).
Identificam às manifestações de racismo, e fazem intervenções nas relações da
comunidade escolar, conscientizando para romper com as ações provindas de racismo.
“Percebi que os colegas mudaram sua opinião sobre o que é ser negro. Hoje, na escola
essa relação com os colegas mudou, parou de chamar o outro com apelido e quando
chama nós falamos que não podemos tratar as pessoas com preconceito” (Aluna C).
Enfim, constituíram-se como provocadores para implementar a Lei 10.639/03 na
escola e para a superação do racismo nos seus espaços de convivência, como também,
reafirmam suas identidades de ‘ser negro’.
Experiência pedagógica nas disciplinas dos cursos técnicos
Em 2006, foram encaminhadas ações na Educação Profissional para
implementar a Lei 10.639/03, assim na proposta pedagógica dos cursos técnicos tem
uma disciplina de vinte horas, no curso denominada como eixo tecnológico, sobre a
educação afrobrasiliera. Observe parte da matriz curricular de um dos cursos técnico
revisado e aprovado em 2015 pelo Conselho Estadual de Educação do MT.
Quadro 01: Trecho da Proposta Curricular do Curso Técnico em Floresta, 2015.
Educação Afro-Brasileira
Competência: Habilidade: c/h Bases Tecnológicas:
Abordar o Analisar os dados que História da África
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desenvolvimento
do Brasil também a
partir das
influências da
cultura Africana e
Afro-brasileira e
considerar a
temática racial no
contexto de
segregação e
preconceito racial,
histórico, social e
econômico dos
afro-brasileiros.
apontam as desigualdades
entre “brancos” e “negros”
na educação e no mundo do
trabalho; refletir sobre os
aspectos de preconceito e
discriminação racial;
conhecer a cultura e a
história dos afro-brasileiros
e Africana no
desenvolvimento do Brasil;
20
h
História do Afro Latino
Brasileiro
Bases legais: Lei nº
10.639/03 e 11.645/08
Diretrizes Nacionais para
Educação das Relações
Étnico-Raciais e para o
ensino da História e Cultura
Afro-Brasileira e Africana
Parecer nº 234/2006 –
Conselho Estadual de
Educação de Mato Grosso
Dados estatísticos quanto aos
negros no Brasil;
Conceito de raça e racismo;
Tribos brasileiras e seus
aspectos culturais;
Influências na alimentação
brasileira pelo indígena e
africano. Fonte: Escola Técnica de Sinop/MT.
A matriz curricular sofreu algumas alterações desde a implantação, acrescentou
a obrigatoriedade de trabalhar a Lei 11.645/08, que acrescenta o estudo sobre os povos
indígenas, entretanto a quantidade de horas trabalhadas não alterou, permaneceram as
mesmas vinte horas. As atividades pedagógicas são distribuídas em dois momentos, o
primeiro estuda a história e cultura abrobrasileira e o segundo a identificação e cultura
indígena do Brasil. Para fins desse estudo o recorte para análise se ateve ao primeiro
momento.
Segue a descrição das atividades realizadas em sala nos cursos técnicos em
Floresta, em Informática, em Administração e em Eletrotécnica nos estudos realizados
da temática afrobrasileira, onde se buscou adotar a mesma estratégia didática. Que
ficaram distribuídas em:
Reconstruindo a história - Para provocar a reflexão sobre a história, foram
distribuídas imagens da cultura negra em diferentes contextos históricos, em seguida foi
solicitado aos alunos para fazerem uma reconstrução histórica a partir de seus
conhecimentos empíricos e narrar aos colegas. Momento em que se percebe que muitos
não se dão conta da marginalização que acontece no decorrer da história, nem percebem
que são herdeiros desse processo histórico. Discorrem como se fosse uma história longe
de sua realidade.
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Imagem 5: Reconstruindo a história. Imagem 6: Personalidade Afrobrasileiras.
Fonte: Própria. Fonte: Própria.
A prática pedagógica foi buscando fazer os estudantes fossem sujeitos de
reformulações de conceitos e acontecesse o aprendizado conforme Arroyo (2004, p.61)
defende “para chegarmos a ter uma sensibilidade pedagógica para com os conteúdos da
docência, ou para novas didáticas ou para com os tempos de formação e socialização,
teremos que começar por termos sensibilidade humana para com os educandos (as)
como sujeitos sociais e culturais, éticos e cognitivos”.
História da África - As discussões seguintes foram sobre a história da África,
onde se verificou a composição geográfica, que propiciou a divisão sociocultural, como
a escravidão se deu com a expansão marítima, a formação dos movimentos em busca da
independência. Nos debates, os alunos conseguiram perceber situações semelhantes a
nossa história, até perceberam que a “independência do Brasil” foi um acordo comercial
para atender os interesses do capitalismo, identificaram algumas personalidades negras
que buscaram a igualdade social, mas não conseguem romper o racismo e não constrói a
afirmação de ser negro, uma vez que discursavam ainda com distancia da realidade de
cada um.
Conhecendo Mato Grosso negro – ao estudar o Parecer 234/2006 do Conselho
Estadual de Educação de Mato Grosso, onde apontam dados sobre dados do IBGE da
população negra de Mato Grosso, os Quilombos existentes e regularização das terras,
informações discutidas fazendo reflexões sobre o racismo e preconceito e legislações
criadas para resgatar e valorizar aspectos culturais da cultura afro-brasileira e buscando
mostrar o quanto a herança cultural está em nosso cotidiano, em nossos hábitos e
postura como cidadão. O resultado desta discussão no curso de Floresta, sala que tem
dois alunos negros, pode ser percebido por meio de perceber maior participação nas
discussões e posicionamento com autoconfiança dos dois alunos, que perceberam a
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existência de atitudes racistas e preconceituosas, as quais não percebiam anteriormente.
Nesta sala houve maior união, despois dos debates.
Porém a construção cultural que motivava a mudança de postura e valorização
do ser negro, na escola, neste último recorte foi prejudicada, consequentemente a
participação de docentes e discentes desestimulada.
Ao implantar os estudos da Educação e cultura Afrobrasileira como parte da
grade curricular, realizadas em forma de disciplina, teve como proposta, e assim foi
desenvolvido até o ano de 2013, ações interdisciplinares em conjunto com coordenação
pedagógica que culminava na semana da consciência Negra, onde se realizavam
apresentações culturais, exposição artísticas, realização de jogos africanos, palestras,
danças e músicas afrobrasileiras e degustação de alimentos de origem africana, período
em que constatou que quase metade dos alunos se autodeclaravam negros. Assim
percebia-se uma mudança de postura do ‘ser negro’, tanto por parte dos alunos e
professores que atuavam na escola, naquele período. Foi tão significante que a
festividade passou a fazer parte do calendário escolar.
Entretanto, no ano de 2014 e 2015, período que representa o recorte para análise
desta pesquisa, não percebemos o mesmo resultado. A população de negros e
descendentes aparece em menor número, professores que atuavam na Educação
Profissional outrora, já não fazem parte da equipe de professores. Consequentemente as
ações pedagógicas foram isoladas como atividade de ensino em sala de aula, e o
momento Cultural, que culminaria de ações conjuntas, não aconteceu, nem a mudança
de postura que buscava a reafirmação do ser negro.
Freire (2004) diz que a prática pedagógica educativo-crítica proporciona
condições aos educando e professores para ensaiarem a experiência de assumir-se como
ser social e histórico, pensante e comunicativo que transforma, cria, realiza sonhos
capaz de amar e assumir a radicalidade do meu eu. Portanto prática pedagógica em sala,
sem ações conjuntas da coordenação pedagógica e professores, não atende ao principio
de formar cidadãos críticos, conscientes de sua história cultural e atuantes em sua
realidade capazes de transformar a sua realidade para melhor.
3. CONCLUSÃO
Após análise das duas experiências pedagógicas, com os diferentes grupos,
percebemos que, os objetivos de provocar mudanças na afirmação e construção de
identidades de ser negro e a superação de comportamentos racistas não aconteceram nas
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duas situações. Avaliamos que as diferenças envolvem muito mais que a carga horária
destinada à temática, mas também, o envolvimento da coordenação da escola para que
este trabalho seja uma proposta da escola, envolvendo os demais professores e
diferentes momentos. Ainda que a postura e autoconfiança de alguns alunos tenham
melhorado, não foi o suficiente para desejarem mudar o contexto social em que vivem.
Nas duas situações os conhecimentos foram construídos, os alunos se
envolveram com as atividades, porém, somente na atividade de extensão é que os alunos
relatam mudanças de atitudes. Eles querem a mudança do seu espaço social. Ocorre a
‘assunção’ segundo Freire.
O viés cultural foi fundamental para este processo. Por ser algo que
apresentamos na perspectiva da riqueza cultural, da beleza, sabedoria, organização,
entre outros, enfim, sempre na perspectiva positiva encorajou os alunos a identificarem-
se com este grupo, e a partir desta identificação, trazíamos as reflexões do racismo e
desigualdade racial, ainda, sempre enfatizando as lutas dos negros por liberdade e
superação do racismo. Porém, o trabalho com o viés cultural demandou da participação
da equipe pedagógica da escola e de encontros que foram distribuídos em vários
encontros distribuídos em longo período, o que deu abertura para o diálogo, estudos,
reflexões individuais e coletivas, possibilitando que os alunos percebessem-se como
seres sociais, históricos, e mobilizassem-se para a participação e transformação.
Ao mesmo tempo, avaliamos que se não fosse à disciplina nos cursos técnicos, o
estudo da temática racial poderia ser comprometido. A existência de uma disciplina é
uma garantia para acontecer os estudos, porém, não pode ser uma ação isolada de
disciplina, e sim, fazer parte da proposta pedagógica da escola, que considere os alunos
sujeitos da escola e possibilite um ambiente favorável a reflexões, mobilizações e
transformações.
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incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e
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PRÁTICA PROFISSIONAL EM FORMAÇÃO DA EDUCAÇÃO
PROFISSIONAL: VIVÊNCIAS E CONVIVÊNCIAS COM A AGRICULTURA
FAMILIAR
Jurandir Benedito de Arruda (SECITECI/MT)
Loraci Verdi Lamb (SECITECI/MT)
Resumo
Na forma de relato de vivências e convivências, este trabalho apresenta aspectos da
prática profissional do Curso Técnico Profissionalizante de Nível Médio em
Agropecuária, realizado no Centro de Treinamento Sindical Rural (CENTRESIR) em
Várzea Grande -MT no período de março de 2013 a dezembro de 2014, totalizando
1440 horas de aulas, uma parceria entre a Federação dos Trabalhadores na Agricultura
do Estado de Mato Grosso (FETAGRI-MT) e a Secretaria de Estado de Ciência,
Tecnologia e Inovação (SECITEC-MT) via a Escola Técnica Estadual de Educação
Profissional e Tecnológica de Diamantino. O currículo da formação foi estruturado em
módulos, competências e bases tecnológicas. A formação ocorreu seguindo os
princípios formativos freirianos e os preceitos da Pedagogia da Alternância, na qual o
educando provindo da Agricultura Familiar, obteve atividades teóricas e práticas no
CENTRESIR no decorrer dos 19 encontros mensais e presenciais de dez dias,
alternados com atividades práticas na unidade de produção familiar, outros 20 dias. Para
cada competência profissional, estabelecida na matriz curricular foi proposta, pelo
menos uma atividade de campo na unidade de produção familiar do educando. O
acompanhamento das atividades de campo, ou prática profissional foi realizada por
extensionistas da Empresa de Pesquisa e Extensão Rural do Estado de Mato Grosso
(EMPAER -MT). Estas, após a avaliação do docente ministrante da competência,
passou a fazer parte de um portfólio individualizado de cada educando. Ao final da
formação o educando, escolheu uma prática profissional e realizou um aprofundamento
teórico na forma de Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). O portfólio de cada
discente consistiu na apresentação de 54 práticas de campo. De uma turma de 39
iniciantes, finalizaram a formação 27, com apresentação de TCC. O estudo interessa a
disseminação de experiências formativas do ensino médio profissionalizante, mais
especificamente ao jovem agricultor familiar.
Palavras Chave: Ensino Profissionalizante, Prática Profissional no Campo, Pedagogia da
Alternância.
1.Introdução
A formação em regime de alternância tem como base teórica e prática os
princípios da educação do campo. Esta é fruto das lutas dos movimentos sociais que
almejam pelo amplo acesso à educação dos sujeitos, como também por uma forma de
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ensino que possa contribuir na compreensão dos processos sociais, técnicos,
econômicos, políticos e ambientais da realidade vivenciada por esses sujeitos. Segundo
Molina (2010, p. 140), a Educação do Campo não é somente um projeto educativo, mas
perspectiva de transformação social, um horizonte de mudança nas relações sociais do
campo.
Para a maioria das competências trabalhadas na formação desta turma, foi
relacionada pelo menos uma prática profissional. Este estudo tem por finalidade
apresentar as vivências e convivências da prática profissional de uma turma do Curso
Técnico Nível Médio em Agropecuária, realizado no Centro de Treinamento Sindical
Rural (CENTRESIR) em Várzea Grande - MT, no decorrer dos anos de 2013 e 2014,
em uma parceria entre a Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Mato
Grosso (FETAGRI-MT) e a Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e Inovação
(SECITEC-MT) via Escola Técnica Estadual de Educação Profissional e Tecnológica
de Diamantino.
2. O currículo por competências e a prática profissional
O Curso Técnico em Agropecuária, em foco, teve como principal meta a
formação integral para a promoção ser humano comprometido com o desenvolvimento
de suas comunidades e assentamentos, como também da região onde estão inseridos. A
ideologia que orienta a prática profissional nasceu da consideração do homem e da
mulher rural como ponto central e convergente da realidade que o circunda. Assim se
primou pela junção de forças sociais e parcerias, tendo em vista a realização de uma
formação o mais integral possível da pessoa, isto é, formar pessoas que se sintam
capazes de encontrar em si e em sua comunidade as forças necessárias para o
envolvimento em mudanças políticas, sociais, técnicas e econômicas.
A integração das competências da matriz curricular e a prática profissional,
estabelecendo para cada competência pelo menos uma prática profissional aproximou a
escola das vivências e convivências dos educandos. Desta forma foi imprescindível
estabelecer estratégias de configurassem um currículo fundamentado nos princípios da
integração, unitária, politécnica e unilateral, tendo o trabalho como princípio educativo.
Nesta concepção, o trabalho é considerado como produção de todas as dimensões da
vida humana (FRIGOTTO, et al., 2005).
A Resolução nº 06 do CNE/CEB, de 20/09/2012 define a organização curricular e
explicita a prática profissional intrínseca ao currículo, desenvolvida nos ambientes de
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aprendizagem, orientada pela pesquisa, como princípio pedagógico que possibilita ao
educando enfrentar o desafio do desenvolvimento. A prática na Educação Profissional
compreende diferentes situações de vivência, aprendizagem e trabalho, como
experimentos e atividades específicas em ambientes especiais, tais como laboratórios,
oficinas, empresas pedagógicas, ateliês e outros, bem como investigação sobre
atividades profissionais, projetos de pesquisa e/ou intervenção, visitas técnicas,
simulações, observações dentre outras.
Os docentes desta formação se envolveram com a prática profissional dos
educandos no sentido de planejar e acompanhar a execução de todas as atividades
relacionadas ao processo de ensino. No processo de concepção, acompanhamento e
avaliação das atividades de campo e elaboração do Trabalho de Conclusão de Curso
(TCC), aqui tidas como a prática profissional, os professores constantemente se
deparavam com obstáculos, fragilidades e potencialidades. Uma situação natural do
processo de ensino os conduzia a todo o momento, assim, precisavam significar e
ressignificar a sua prática, no ambiente de trabalho. Acredita-se que os alunos devem
desenvolver a capacidade de utilizar, utilizar na prática e inovar conhecimentos a partir
da prática desenvolvida, para isto se faz necessário permitir que seus educandos
compreendam de forma reflexiva e crítica, o mundo do trabalho, dos objetos e dos
sistemas tecnológicos dentro dos quais estes evoluem (MACHADO, 2008 p.18).
Desta forma, é essencial o relacionamento dialógico entre o docente e o discente
para que o processo de ensino aprendizagem se consolide, com autonomia, emancipação
e independência dos educandos. Segundo Freire (2003, p. 22), a práxis é a integração
entre pensamento e ação. É preciso saber equilibrar a relação teoria/prática, pois quando
se desenvolve intervenções pedagógicas com o objetivo de o educando produzir ou
construir conhecimentos se faz necessária a participação e reflexão com os estudantes.
O docente que tem envolvimento com o educando, participa de sua caminhada, do
processo de aprendizagem, compreende melhor as fragilidades e potencialidades de
maneira individualizada, e assim consegue estimular a construção do saber com
melhores resultados. Desse modo, precisa estar atendo às particularidades de cada
educando, buscando o diálogo entre todos os envolvidos no processo. (MANTOAN,
2003).
Os discentes provindos da agricultura familiar precisam ter acesso a cursos de
educação profissional diferenciados, em termos de infraestrutura material (física, por
exemplo alojamentos no ensino por alternância), em termos de competência e
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qualificação dos professores; e desenvolvimento nos mesmos de uma interação, afeto e
emoção (desenvolvimento de competências interpessoais e culturais). A aprendizagem
deve considerar as habilidades e potencialidades de cada educando. Percebe-se que o
ensino profissionalizando vem acontecendo com pouca expressividade no meio rural.
Esta situação apresenta a dificuldade dessa população acessar os cursos que possam lhe
dar uma qualificação profissional e que atenda aos seus interesses em termos de
desenvolvimento de suas unidades produtivas e ou as exigências do mundo do trabalho.
2.2. Registros da prática profissional
No processo de ensino aprendizagem da educação profissional a prática
profissional precisa ser registrada, pois este registro transforma o docente em autor de
sua teoria e assim mais capaz de agir satisfatoriamente em relação ao aprendizado de
sua turma, permite a este construir uma memória do processo, com suas dificuldades e
sucessos.
Lazzari (2013 s/p) expressa a necessidade de registros, os quais podem ser
realizados de várias formas e para diferentes funções. O mesmo visa guardar a memória
do processo de ensino-aprendizagem e possibilita retornar às práticas ocorridas no
passado. Este registro pode ocorrer na forma de diário de classe, de caderno de
reflexões, fichas avaliativas, portfólio e outras formas. Ao registrar o docente organiza o
seu fazer e documenta sua história, o processo em seus momentos e movimentos.
Segundo Hernández (1998, p.100), o portfólio consiste na reunião de diversas
classes de documentos (notas pessoais, experiências de aula, trabalhos pontuais,
controle de aprendizagem, conexões com outros temas fora da escola, representações
visuais, etc.) que apresentam indícios do processo de construção do conhecimento, das
ferramentas didáticas usadas e da motivação de quem o elabora em continuar seu
aprendizado. Para Hilzendeger (2013, p. 96) “é uma ferramenta diagnóstica e contínua
de acompanhamento e avaliação de um trabalho pedagógico”. Também o considera
como instrumento avaliativo transformador do cotidiano escolar por meio da reflexão
do fazer pedagógico em forma de relatos e registros.
3. Estratégias: vivências e convivências da formação
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Para efetivar a matriz curricular, trabalharam-se nos encontros mensais as
competências previstas no plano de curso. Após estes encontros os discentes
executaram atividades de campo em suas unidades de produção familiares e ou em suas
comunidades.
As atividades de campo foram acompanhadas pelos técnicos e extensionistas
municipais da Empresa Mato-grossense de Pesquisa e Extensão Rural, a EMPAER -
MT do município de origem do educando. Este acompanhamento foi expresso via
preenchimento de fichas de avaliação da prática profissional, considerando 15 critérios,
com relação aos parâmetros: muito bom, bom, regular, suficiente e insuficiente. Dentre
os critérios pode-se exemplificar a capacidade de empreender do educando.
Os docentes acompanharam e avaliaram as práticas considerando os relatos dos
extensionistas e dos discentes, expressos na forma escrita ou sistematizada, que no
decorrer do processo se constituiu no portfólio para cada discente.
A maioria das competências e habilidades tiveram subsídios teóricos, sempre
acompanhadas da prática profissional ou atividades de campo, primando pelos
princípios agroecológicos. De um total de 66 competências da matriz curricular, 54
tiveram atividades de campo. A prática profissional, no decorrer da formação foi
registrada na forma de portfólio.
Figura 01 - Alunos em aula prática de topografia, CENTRESIR, Várzea Grande -MT, 2013.
A prática de ensino foi embasada no processo de construção do saber (método
construtivo de Paulo Freire) no qual os conceitos são construídos pelos educandos,
complementados pelo professor e suplementados pelos subsídios teóricos de outros
autores (apostilas, artigos científicos, internet, etc.). Sempre se considerou as vivências
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e experiências dos educandos e, por isso, o relato das vivências e convivências da
turma. Também se trabalhou no decorrer das competências os temas instantâneos de
motivação, conforme interesses dos educandos.
Figura 02: Discentes selecionando sementes para plantio no jardim medicinal, aula prática com
Biólogo Claudemir Claudemir Clóvis de Campos do Horto Florestal, CENTRESIR, 2014.
No decorrer dos encontros, os educandos se envolveram em aulas teóricas e
práticas, palestras técnicas, montagem de coleção de folder, coleção de insetos, coleção
de inseticidas/fungicidas naturais, coleção de sementes crioulas, coleção artigos
científicos e também participaram de:
- Visitas técnicas: no Laticínio Piracanjuba em Santa Helena – GO; na
Minhocultura Estrela Maior 7 em Santo Antônio de Leverger –MT, entre outras;
- Participação em eventos: exposição de trabalhos na Semana Estadual de Ciência
e Tecnologia, edição 2013 e 2014 no Centro de Eventos do Pantanal, entre outros;
- Implementação de projetos: horta convencional e mandala, compostagem,
produção de mudas, preparo de biofertilizantes, inseticidas naturais, entre outras.
4. Resultados da formação: a prática profissional registrada
A matriz curricular do Curso Técnico em foco contém 66 competências, para as
quais se desenvolveu 54 atividades de campo, portando 81,8% das competências
tiveram atividades de campo registradas na forma de portfólio.
A prática profissional ou atividade de campo de cada competência trabalhada,
após a correção e avaliação pelo professor foi arquivada em uma pasta individualizada
de cada aluno (a). Ao final do curso, todas as atividades de campo realizadas por todos
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os professores da formação passaram por um processo de encadernação e foram
devolvidas aos educandos na forma de portfólio.
Outra forma de registrar a prática profissional desta formação foi a elaboração dos
Trabalhos de Conclusão do Curso. O Quadro 01 apresenta a lista dos Trabalhos de
Conclusão de Cursos dos alunos concluintes, bem como os locais onde foram
desenvolvidos. TCC).
QUADRO 01: Temas da Prática profissional expressa na forma de TCC da Turma 2013/2014 e
município de origem dos formandos, CENTRESIR, Várzea Grande - MT.
Temas do Trabalhos de Conclusão de Curso - TCC Origem dos
formandos 1 Utilização do plantio de refúgio e coexistência em área com milho
bt/safrinha em Ipiranga do Norte - MT
Ipiranga do
Norte 2 Avaliação da predominância da raça nelore na região de Nova
Bandeirantes (Comunidade São Jorge).
Nova
Bandeirantes
3 Qualidade de mudas cítricas em condições de viveiro- ênfase a enxertia Cuiabá 4 Viabilidade para implantação do confinamento de gado nelore Paranatinga 5 Manejo alimentar alternativo para o peixe pacu caranha (Piaractus
mesopotamicus) na unidade de produção familiar.
Bom Jesus
do Araguaia 6 Raspa integral da raiz de mandioca para frangos de corte Guarantã do
Norte 7 Processo e beneficiamento do mel na (APA) Associação Portence dos
Apicultores de Porto Esperidião-MT
Porto
Esperidião 8 Aspectos da ensilagem em uma unidade familiar Nova
Bandeirantes 9 Ocorrência de mastite bovina em três propriedades produtoras de leite em
Acorizal - MT
Acorizal
1
0
Aspectos agronômicos do plantio da mandioca na unidade de produção
familiar da Comunidade Santa Bárbara - município de Porto Esperidião -
Mato Grosso
Porto
Esperidião
11 Sistema de manejo rotacionado, uma proposta para o Sítio Luz Divina em
Brasnorte - Mato Grosso
Brasnorte
12 Reaproveitamento da cama aviária por meio de compostagem Cuiabá 13 Procedimentos de ordenha em uma propriedade leiteira na Comunidade
Sadia III
Várzea
Grande 14 Uso do extrato alcoólico de nim (Azadirachta indica a. Juss.) no controle
de insetos em couve.
Cláudia
15 Aspectos das instalações e equipamentos para frangos semi caipira na
Chácara São Miguel, Porto Esperidião - MT
Porto
Esperidião 16 Efeito do biofertilizante liquido no desenvolvimento da batata doce
(Brazlândia roxa batatas)
Brasnorte
17 Aspectos da criação de tabatinga e pintado na comunidade Cabeceira do
Mutum, Acorizal - MT
Acorizal
18 Aspectos da produção de banana na comunidade Chapada de Vacaria,
Acorizal - MT
Acorizal
19 Prestação de serviço de consultoria para minhocário Cuiabá 20 Aproveitamento da produção de cana de açúcar na agricultura familiar e o
desenvolvimento de novos sabores de rapadura
Jangada
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21
Aspectos do desenvolvimento de duas novas cultivares de banana nanica na comunidade Chapada de Vacaria, em Acorizal - MT.
Acorizal
22 As principais perdas da silagem Brasnorte 23 Efeito da adição de mandioca ´in natura´´ na dieta alimentar de vacas
leiteiras
Nortelândia
24 Efeito do extrato de tiririca no enraizamento de estacas de acerola Cuiabá 25 Aspectos do controle da cigarrinha das pastagens na comunidade Novo
Brasil - Brasnorte- MT
Brasnorte
26 Confinamento bovino: Aspectos da destinação de dejetos, Fazenda
Arrossensal Agropecuária e Industrial S.A, Grupo Camargo Correa,
Nortelândia - MT.
Nortelândia
27 Aspectos da produção de silagem na Arrossensal Agropecuária e
Industrial S.A., Nortelândia - MT.
Nortelândia
Como se percebe no Quadro 01, os 27 Trabalhos de Conclusão de Curso tiveram
seus temas relacionados à unidade de produção familiar ou as comunidades dos
concluintes, fato que confirma uma integração entre a teoria e a prática vivencial dos
formandos, concordando com o referencial de Lazzari (2013 s/p), no qual a memória do
processo de ensino-aprendizagem pode ser registrada e, se necessário, avalizada e
pensada de forma diferenciada com projeções futuras modificadas e ou melhoradas.
A demonstração da localização da residência, também apresentada no Quadro 01,
apresenta a necessidade da metodologia de ensino em alternância, uma vez que os
educandos provindos de 13 municípios de Mato Grosso e residem a até 1055 km do
CENTRESIR, como ocorrer com o discente residente em Nova Bandeirantes - MT.
Neste caso o tempo deslocamento para escola chega ser de mais de dez horas.
Dos 39 alunos matriculados em 2013, receberam certificados no dia 12/12/2014,
27 novos Técnicos em Agropecuária. Percebe-se uma evasão de 30,7%.
5. Considerações finais:
As vivências e convivências apresentadas podem nos remeter a significância da
prática profissional integrada, como foco da desfragmentação curricular e o almejado
envolvimento do educando como sujeito de seu processo histórico, buscando respostas
às indagações de seu contexto sócio comunitário. O estudante no decorrer deste
processo se mostrou envolvido motivado. Pode-se perceber um aprofundamento cada
vez maior de conhecimentos em contato com a prática real de trabalho, constituindo a
unidade de produção familiar do educando como um espaço permanente de ação,
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reflexão e integração com a escola, o que converge para os referenciais de Frigotto
(2001), formando os sujeitos para a autonomia e o mundo do trabalho.
O portfólio pode ser uma ferramenta didática utilizada no ensino
profissionalizante para a agricultura familiar em regime de alternância.
A ampliação desta modalidade de ensino é um desafio para futuros gestores. A
política de educação profissional para a agricultura familiar carece e de fortalecimentos
e desconcentração ou interiorização. O relato das vivências e convivências no decorrer
desta formação é umas das iniciativas, ainda que modesta, para efetivação de ação
governamental concreta no sentido de empoderar o homem e a mulher do campo.
As vivências e convivências relatadas no decorrer desta formação contribuíram
para um almejar de um meio rural, dos envolvidos, mais autônomo e sustentável.
6. Referências bibliográficas
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REFLEXÕES SOBRE A PRÁTICA E O AGIR DOCENTE NA
EDUCAÇÃO PROFISSIONAL DE MATO GROSSO
ALENCAR, Eliana M. de Almeida (UFMT)
RESUMO:
Este artigo aborda questões a respeito do agir docente no contexto da Educação
Profissional e Tecnológica (EPT) em Mato Grosso, considerando as relações entre os
professores e as prescrições institucionais, como também seu coletivo de trabalho, os
alunos, a organização curricular e os instrumentos incorporados em sua prática. Diante
disto, assume-se como pressuposto central a atividade de linguagem, sob o ponto de
vista que as “práticas linguageiras situadas (ou os textos-discursos)” constituem-se
instrumentos principais do desenvolvimento humano (BRONCKART, 2006). A
pesquisa apresenta a semiologia do agir do professor da EPT e as formas de agir
atribuídas a ele em sua prática (trabalho docente). O percurso fundamentou-se nos
aportes teóricos do Interacionismo Sociodiscursivo no campo das Ciências Humanas
(BRONCKART, 2004, 2006, 2009; BULEA, BRONCKART e FRISTALON, 2004;
MACHADO 2004, 2005, 2009), bem como as contribuições da Ergonomia da atividade
(AMIGUES 2002; 2004) e da Clínica da atividade (CLOT, 1999, 2001, 2007; CLOT e
FAÏTA, 2000). Foram selecionados quatro sujeitos dentre o quadro de professores,
sendo três destes contratados e um da classe dos efetivos, em duas escolas do interior do
estado. Entre os procedimentos de coleta de dados foi escolhida a Instrução ao Sósia,
concebida pela Psicologia do Trabalho e introduzida na França por Yves Clot no quadro
da Clínica da Atividade. Os resultados das análises evidenciaram as figuras
prefigurativas do agir desses docentes. A compreensão do trabalho educacional é
necessária, não somente pela via individual e subjetiva, pensando em suas
representações, mas também considerando os sistemas sociais e coletivos de
representações, compreendendo o agir na sua dimensão de temporalidade, seu processo
de desenvolvimento e os resultados que a intervenção humana pode produzir no mundo.
Palavras-chave: Trabalho docente, Educação Profissional, artefatos de ensino.
INTRODUÇÃO
A educação e a qualificação profissional foram eleitas como fatores
fundamentais do desenvolvimento de nações menos favorecidas, além de incentivar a
manutenção da hegemonia econômica e política dos países industrializados. A história
da educação profissional no Brasil passa por inúmeras questões de ordem especialmente
econômica e política (OLIVEIRA, 2003, p. 7).
Embora possuindo um imenso potencial econômico reconhecido
internacionalmente, o Estado de Mato Grosso não avançou muito em seus investimentos
na área da Educação Profissional e Tecnológica. Apenas recentemente novas
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perspectivas apontam para transformações nas políticas e na construção desta área e
nível de ensino no estado.
A Educação Profissional do estado apresenta-se inicialmente na Lei
Complementar Nº 49, de 1º de outubro de 1998. O artigo 79 da seção V define a
Educação Profissional e a concepção adotada: trata-se de uma modalidade de ensino,
complementar à Educação Básica, que tem por finalidade qualificar, requalificar,
profissionalizar e reprofissionalizar jovens, adultos e trabalhadores.
A história das Escolas Técnicas Estaduais inicia-se com a criação dos Centros Públicos
de Formação Profissional – CENFORs, através da Lei N° 7.819, de 09 de dezembro de
2002, publicada no D.O. 11.12.2002, na estrutura da Secretaria Estadual de Ciência
Tecnologia e Educação Superior.
Em 09 de janeiro de 2004 foi criado o Centro Estadual de Educação Profissional
e Tecnológica – CEPROTEC, pela LC 153/2004, tendo por finalidade a implementação
das políticas do Estado para a Educação Profissional e Tecnológica. Em seu texto surge
a preocupação de conjugar no ensino a teoria com a prática.
O CEPROTEC/MT estava subordinado à SECITEC, consistindo-se em uma
autarquia dotada de autonomia administrativa, patrimonial, financeira, didática e
disciplinar, sendo regida, dessa forma, por um Estatuto e Regimento próprios. Em seu
escopo, surgem as Unidades de Ensino Descentralizadas (UNEDs), com quatro
unidades iniciais, localizadas nas cidades de Alta Floresta, Barra do Garças,
Rondonópolis e Sinop, sendo ainda prevista a criação de mais 5 unidades nas cidades de
Confresa, Diamantino, Matupá, Pontes e Lacerda, e Tangará da Serra.
Na época de sua criação houve ainda o primeiro e único concurso público para o
provimento de cargos nas unidades descentralizadas, configurando-se a carreira dos
profissionais da educação profissional do estado.
Atualmente, a rede estadual de escolas técnicas é formada pelas Escolas
Técnicas Estaduais de Educação Profissional e Tecnológica, sediadas nos municípios de
Alta Floresta, Barra do Garças, Rondonópolis, Sinop, as quais iniciaram suas atividades
em 2004, além de Diamantino e Tangará da Serra, inauguradas posteriormente. Outras
foram acrescentadas, criadas pela Lei Complementar nº374, de 15 de dezembro de
2009, publicada em D. O. de 15/12/2009: Água Boa, Cáceres, Campo Verde, Cuiabá,
Juara, Lucas do Rio Verde, Matupá, Primavera do Leste, Poxoréu, Sorriso e Várzea
Grande.
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Trabalho e trabalho docente: as diferentes dimensões do conceito de
trabalho
O conceito de trabalho tem variado muito de acordo com o contexto histórico e
as condições econômicas e sociais. Segundo Bronckart (2004) o senso comum
considera o trabalho como uma das formas de agir própria da espécie humana. As
definições inúmeras não são suficientes para abarcar as diversas formas de trabalho que
coexistem na atualidade, por isso há hoje um intenso debate sobre seu conceito nas
Ciências Humanas e Sociais.
Além disso, o ensino como atividade desenvolvida pelo professor passa a ser
considerado “verdadeiro trabalho”i (BRONCKART, 2006, p.203) e se torna objeto de
estudo. Porém, não se trata de retomar um objeto já dado apenas, mas de considerá-lo a
partir de um novo olhar, como um “novo objeto de estudo” (MACHADO, 2007, p.78).
Clot (2007) em suas reflexões a respeito do trabalho sob a perspectiva da
psicologia destaca que é preciso considerar o trabalhador não como mero executor de
uma tarefa prescrita. Enquanto realiza suas tarefas ele também busca a realização de
objetivos pessoais. Ele redefine sua tarefa levando em consideração a qualidade da vida
coletiva e influenciando na eficácia de suas ações. “A atividade de trabalho é dirigida
aos outros depois de ter sido destinatária da atividade destes e antes de o ser de novo.
Ela é sempre resposta a atividade dos outros, eco de outras atividades” (CLOT, 2007, p.
97).
No seio da tradição vygotskiana, Clot (2007, p. 24) destaca a constituição de
uma teoria da consciência que une, na atividade, o pensamento, a linguagem e as
emoções do sujeito. Ele parte de um referencial comum de conhecimentos operativos,
que fazem parte do gênero de atividades exigidas na situação.
O coletivo se constitui a partir da produção de regras que servem para estruturar
a relação obrigatória de cooperação para se realizar o trabalho. Essas regras são “não
escritas e não imutáveis” (CLOT, 2007, p.37). A formalização coletiva da ação
individual (de que o grupo profissional se torna o sujeito) ocorre enquanto os
trabalhadores colocam sua ação em ordem, na organização do trabalho real por parte
deles próprios. Essa “ordem” também comporta regras que organizam a relação dos
sujeitos entre si e que se apoia no que é considerado justo ou injusto, bom ou mau.
A noção de trabalho adotada nesta pesquisa é aquela apresentada no contexto
das pesquisas do grupo ALTERii, a qual se trata de uma atividade, realizada em um
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contexto específico socialmente marcado, num aspecto mais amplo bem como numa
ocorrência imediata. Por tais razões, conforme Machado (2009) caracteriza-se por
(...) ser pessoal e única; plenamente interacional; mediada por
instrumentos materiais ou simbólicos; interpessoal; impessoal na
medida em que se executam tarefas prescritas por instâncias externas e
transpessoal, pois é guiada por “modelos de agir” específicos de cada
métier. (MACHADO, 2009, p.36)
Entende-se, assim, que ao realizar sua tarefa, o professor como trabalhador
enfrenta conflitos diversos, com o outro, com o meio, com as regras (expressas ou
implícitas), com as prescrições e com os artefatos que dispõe. Sobretudo, acredita-se
que na produção dos textos sobre e no trabalho educacional, seja possível detectar as
figuras interpretativas desse agir, as quais podem explicitar seus motivos e intenções,
como também os recursos e as capacidades mobilizadas através desse agir pela e na
linguagem. (MACHADO, 2009, p.38)
Desse modo, por se constituírem elementos essenciais para a compreensão do
conceito de trabalho e, especialmente, do trabalho docente, torna-se necessário
compreender melhor os conceitos de artefato e instrumento.
Artefatos e instrumentos no trabalho docente
Em seus textos, Rabardel (1999; 2001) afirma que muito antes das áreas que se
dedicam ao ensino, campos como a psicologia e a filosofia já tinham demonstrado a não
neutralidade dos instrumentos. Contribuições de Kant, Piaget, Vygotsky e Leontiev,
bem como das abordagens histórico-culturais da psicologia, levam Rabardel a
considerar que os artefatos, ferramentas e sinais contribuem para a formação das
funções psíquicas e dos conhecimentos (RABARDEL, 1999, p.204). A natureza
mediadora dos artefatos é compartilhada nas obras de diversos autores. Nesse aspecto,
Rabardel (2001) destaca que artefatos são mediadores da ação de seus usuários e da
atividade “finalizada” (que tem um fim determinado).
Artefatos possuem um elemento social e cultural, eles são compartilhados dentro
das comunidades e contribuem para a acumulação e transmissão da cultura. Artefatos de
mediação passam por um processo de apropriação e desenvolvimento pelos usuários.
Assim, a atividade mediada por instrumentos é sempre situada e as situações têm uma
influência determinante na atividade. (RABARDEL, 2001, p.18)
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Os instrumentos constituem formas que estruturam e mediam nossa relação com
situações e conhecimentos, e, portanto, exercem uma influência considerável na
construção do conhecimento. Em resumo, a apropriação do instrumento por aqueles que
se utilizam dele, influenciando sobre a atividade cognitiva e de conceptualização,
resulta num processo que Rabardel denomina de gênese instrumental. (RABARDEL,
1999, p. 206). O instrumento pode ser definido como uma entidade mista, produto
simultâneo do sujeito e do objeto.
Finalmente, podemos inferir que ao realizar uma tarefa, o sujeito associa um
artefato (objeto) a sua ação, bem como recorre à utilização de esquemas que permitem a
introdução de um instrumento como um componente funcional na realização desta ação.
Isto significa que a constituição da entidade instrumental é produto da atividade do
sujeito. O instrumento não é meramente uma parte do mundo externo do sujeito ou algo
disponível para ser associado a uma ação, é, sobretudo, uma produção ou construção
deste sujeito, a apropriação do artefato. (Op. Cit. p.84)
Nesse sentido, Machado (2009) explica que o artefato
(...)designa, de modo neutro, toda coisa finalizada de origem humana, que
pode ser material (o objeto, o utensílio, a máquina), imaterial (o programa de
computador) ou simbólica (signos, regras, conceitos, metodologias, planos,
esquemas, etc.) sócio-historicamente construída, presente no processo
operatório e inscrita nos usos. O instrumento, por sua vez, sóexiste se o
artefato for apropriado pelo e para o sujeito, com a construção de esquemas
de utilização (Rabardel 1995 e 1999). Essa apropriação é resultado de um
duplo processo que é constitutivo das gêneses instrumentais: de um lado, são
atribuídas funções ao artefato e, de outro, há a acomodação de competências
do actante, que permite que ele se adapte ao objeto e que dele faça o melhor
uso, de acordo com seus próprios objetivos. (Op. Cit. 2009, p. 38)
Logo, no quadro das pesquisas empreendidas pelo Interacionismo
Sociodiscursivo (ISD), a autora propõe um esquema que sintetiza e orienta a noção de
trabalho educacional, agora considerando as múltiplas relações que o cercam, dentro de
um contexto: contexto socio-histórico, sistema educacional, sistema de ensino.
Machado (2007) define que o trabalho docente consiste, dessa maneira, em uma
mobilização que o professor realiza de seu ser integral, nas diversas situações (do
planejamento a avalição da aula) e contextos em que se insere. O objeto (objetivos) de
seu trabalho envolve a criação ou organização de um espaço que possibilite a
aprendizagem dos conteúdos disciplinares, bem como o desenvolvimento de
capacidades específicas dos alunos.
Nesse sentido, o professor é orientado pelas “instâncias superiores” de ensino e
seus projetos, mas também se utiliza de instrumentos “obtidos do meio social e na
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interação com diferentes outros que, de forma direta ou indireta, estão envolvidos na
situação”. (MACHADO, 2007, p. 93) Em sala de aula, o professor mobiliza diferentes
dimensões de seu trabalho (físicas, linguageira, de cognição, afetivas, entre outras) no
alcance de seu objeto. (Op. Cit. p. 39)
Assim, o trabalho comporta uma dimensão subjetiva e coletiva, sendo
reorganizado por aqueles que o realizam, ele comporta as prescrições indispensáveis à
realização do trabalho real, ao alcance dos próprios objetivos dos sujeitos. Por essa
razão, é importante também abordar essas dimensões de forma mais abrangente, como
será tratado a seguir.
Ao viver na coletividade, o indivíduo também se caracteriza por uma renúncia
pessoal, na medida em que se acha engajado em uma atividade, que é apenas um
segmento, uma parte do todo em que vive. É isso que lhe confere o caráter de
coletividade, esse “fazer” em sociedade (CLOT, 2007, p. 81).
Tipos de agir
No curso das pesquisas envolvendo a esfera praxiológica, especialmente a partir
dos estudos do grupo Langage, Action, Formation (Linguagem, Ação, Formação –LAF)
de Genebra, Bronckart (2004, 2006), Bronckart, Bulea e Fristalon (2004) e Bulea
(2010) ressaltam também algumas questões terminológicas importantes. Nesse sentido,
Bronckart (2006) considera relevante distinguir os termos agir, ação e atividade, além
dos diferentes tipos de agir. Essas noções são importantes para compreender os
procedimentos de análise do ISD.
O termo agir (também chamado de agir-referente) designa qualquer intervenção
orientada no mundo, por um ou vários indivíduos, podendo ser observado. De forma
genérica, é entendido “como conjunto de condutas individuais mediatizadas pela
atividade coletiva, concomitante com a atividade de trabalho.” (BULEA, 2010, p. 82)
A atividade designa uma leitura do agir que considera as “dimensões
motivacionais e intencionais e os recursos mobilizados por um coletivo organizado.” A
ação, então, designa “uma leitura do agir que implica as mesmas dimensões
mobilizadas por uma pessoa particular.” (BRONCKART, 2006, p.213)
Conforme observado por Mazzillo (2006), o agir não pode ser analisado somente
sob os pontos de vistas e abordagens destacadas, considerando sua temporalidade e sua
organização lógica ou cronológica. Em sua pesquisa a respeito do trabalho do professor
de língua estrangeira, ela analisou o agir docente considerando os predicados e verbos e
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suas diferentes representações, distinguindo três categorias: figuras do agir
linguageiro, figuras do agir com instrumentos e a figura do agir mental (cognitivo).
Para tanto, considerou a realização prática e as condutas observáveis dos sujeitos
pesquisados, isto é, o ponto de vista da práxis. Reforça o que Bronckart (2006, p. 137)
destaca a respeito da ênfase principal, central, do posicionamento assumido no ISD, o
que ele considera como a primazia das práticas. A tentativa de compreensão do
funcionamento do humano deve, necessariamente, implicar em uma análise das
características do agir coletivo, pois nesse âmbito “se constroem tanto o conjunto dos
fatos sociais, quanto as estruturas e os conteúdos do pensamento consciente das
pessoas”.
O agir linguageiro apresenta verbos de dizer que representam o caráter
interacional do agir, implicando ora uma ação imediata dos alunos ou não ora indicando
uma reação do professor ao agir dos alunos. O agir com instrumentos indica um agir
individual do professor com o uso de instrumentos simbólicos ou materiais. O agir
mental (cognitivo) envolve uma atividade mental ou alguma capacidade.
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
A pesquisa em destaque vincula-se ao cenário da Linguística Aplicada,
desenvolvendo a análise dos textos-discursos sob a ótica do Interacionismo
Sociodiscursivo. O quadro de análise do ISD considera a problemática do agir a partir
dos textos. Essa perspectiva teórico-metodológica implica em uma interpretação das
ações humanas em relação às ações de linguagem e aos textos que as materializam.
Foram selecionados quatros sujeitos, do quadro de professores da rede de
Escolas Técnicas Estaduais de Mato Grosso, sendo dois homens e duas mulheres, três
em regime de trabalho com contrato temporário e uma servidora efetiva.
O método utilizado foi a Instrução ao Sósia, a qual consiste em uma interação
face-a-face entre o pesquisador e o trabalhador. Neste caso, o pesquisador solicita que o
trabalhador, imaginando ser substituído por outro no dia seguinte, instrua seu sósia,
transmitindo-lhe o que fazer da maneira mais fiel possível para que as pessoas no seu
contexto de trabalho não sintam a menor diferença. Esta interação é gravada em áudio
ou pode ser descrita em forma de texto escrito (LOUSADA, 2006).
Surgiu no quadro teórico da psicologia do trabalho, proposta por Oddone (1981
apud Clot 1999/2007). Bulea (2010, p.31) explica que, nos anos de 1970-1980, Ivar
Oddone utilizou este método dentro do contexto de formação de operários da empresa
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Fiat. Oddone concebeu o método, mas foi Yves Clot quem o introduziu na França,
dentro do quadro da Clínica da Atividade.
A instrução ao sósia é considerada um método mais leve, que outros métodos
como a autoconfrontação (simples e cruzada), mas que obedece aos mesmos objetivos,
isto é, a transformação do trabalho do sujeito mediante o deslocamento de suas
atividades (CLOT, 1999, p. 144).
Após a coleta dos dados, os vídeos foram transcritos e os registros analisados. A
análise incidiu sobre a infraestrutura global do texto, desde seu conteúdo temático até os
mecanismos linguísticos e enunciativos presentes nas sequências textuais.
O objetivo mais amplo dessa pesquisa é esboçar um novo cenário para a
compreensão do trabalho do professor, visto como um verdadeiro trabalho, no contexto
da Educação Profissional e Tecnológica. Trata-se de um olhar que surge no próprio
sujeito da pesquisa, o professor, o qual reconfigura e reflete sobre seu agir por meio de
sua atividade de linguagem.
DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Tipos de agir mobilizados pelo texto de IAS
Após a análise dos tipos de discursos e dos segmentos temáticos verificados nos
textos de instrução ao sósia, realizada de forma ampla em outras etapas da pesquisa, os
dados apontaram pelo menos as prefigurações de 3 tipos de agir: agir com instrumentos
simbólicos e materiais; agir linguageiro direcionado a outros e um agir cognitivo.
O recorte desta análise apresenta alguns exemplos, registrados nos textos. As
figuras de agir (MAZZILLO,2006) mais evidenciadas nos segmentos foram aquelas que
envolvem:
a) Um agir linguageiro dirigido a outros;
T1-S2: (...) você falar...que você vai falar sobre isso...mas também mostrar pra ele qual que é
o objetivo... em que ele vai usar aquele conteúdo no seu dia a dia...porque a pessoa só aprende o que
gosta...
T11- S3: Após isso você faz a correção na lousa e...perguntando (normalmente) pra eles qual
que é a palavra...pode ler a música e quando chegar na palavra...falar... ou pode colocar uma terceira
vez e pausar após a palavra e perguntar qual que é...ou na segunda vez você ver que já conseguiram
fazer ... com a segunda escucha que a gente fala...
T19-S4: Exatamente... Eles estão com dificuldade de reconhecer História do Brasil... que é
necessária e leitura também... de compreensão do que que é....então você precisa sentar com calma... você
precisa explicar de uma outra faz uma pequena avaliação pra ver o que que foi forma mais
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direcionada... Feito isso... você retoma como a turma novamente...... o que que ficou marcante pra ele
naquelas aulas... naquela aula...
P: A avaliação é exercício... pergunta oral?
T20-S4: Pergunta oral...pergunta oral...nessa aula específica...néh::::...éh:::.... E aí... até então
depois que você verifica isso... pede pra que eles providenciem uma atividade de pesquisa pra que
eles possam entrar na aula seguinte...
Nos exemplos expostos o objetivo sempre demanda uma resposta do aluno em
virtude da atividade abordada: responder a uma pergunta, ler com o professor, pesquisar
um assunto, ouvir uma explicação, etc. Isto quer dizer que este agir prefigurado no texto
de IAS implica uma ação de linguagem evidenciada nos verbos em destaque: explicar,
perguntar, falar, ler, etc. O professor, em sua prática tem a expectativa de que ao
direcionar seu discurso receberá uma resposta do interlocutor ao qual se dirige e diante
desta resposta ele pode prosseguir, parar ou modificar sua ação: uma atividade
triplamente dirigida – para si, para o outro e para a coletividade.
b) Um agir com instrumentos simbólicos e materiais;
T9-S3: Após falar sobre as línguas... éh:: você pode (também) usar o mapa que tem na
biblioteca ou então você pode desenhar na lousa o mapa da Espanha... ou trazer também um data
show... usar alguns recursos visuais... mostrando então onde táh as regiões que falam as quatro línguas
que a Espanha tem....
T11- S3: Certo? Então após mostrar as línguas da Espanha... er:::...com o auxílio do mapa
ilustrativo...você vai entregar a eles...então... uma música pra que eles tenham contato...néh::: com a
língua... ( ) possam ouvi-la...Essa música é Para tu amor de...
T11-S4: Não... As vezes tem aula a noite toda... então quando acontece isso é porque tem algum
vídeo que vai passar... néh:::...e como a gente programou pra amanhã... pra você dar aula de História do
MT... é só no segundo horário... então... você tem esse tempo... Mas... se fosse no primeiro horário ou as
duas aulas... ou normalmente tem uma dinâmica... ou um filme... ou alguma visita. Né:::...
T2-S1: A partir desse momento você já vai começar a ligar os equipamentos...
televisão::...data-show...colocar o pendrive... já selecionar {colocar} já preparar o material que
você já deixou... já pra abordar na aula...enquanto isso os alunos vão...vão chegando....
Nos segmentos anteriores é possível reconhecer o uso de instrumentos
simbólicos (o conteúdo da aula, o planejamento, a visita técnica), mas, sobretudo, dos
instrumentos materiais (equipamentos eletrônicos, mídias diversas, mapa, etc.). Isto
quer dizer que este agir prefigurado implica uma apropriação dos artefatos evidenciada
nos verbos em destaque: selecionar, preparar, ligar, programar, mostrar e entregar, etc.
c) Um agir cognitivo;
T2-S1: Você vai perceber que eles já estão quase todos em sala de aula....Geralmente:: no
primeiro momento néh: ... você vai cumprimentá-los e vai enfatizar a questão das faltas...(né...) que eles
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tem uma porcentagem de frequência e vai colocar éh:::: de repente um ponto que você percebeu
néh:::....chegar atrasado...
T1-S2: essa série de exercícios é possível fazer uma análise néh:: digamos que diagnóstica de
como está a situação de cada um...e...se::
T25-S3: Você pode preparar a sua aula... pode planejar o que vai fazer na aula seguinte...
além da tarefa que deixou...você tem liberdade de fazer qualquer outra coisa... acessar emails... planejar
aulas de OUTRAS unidades também...
T14-S4: Relembro... depois desse momento que eu registro... eu relembro... você tem que
relembrar...éh::::....o que que foi dado na aula passada... fala...porque a História de MT... eles estão com
uma dificuldade muito grande de memorização... então você faz o esquema da aula passada... pergunta
pra eles o que que eles lembram... aí você vê... faz uma avaliação... o que que eles conseguiram éh:::
compreender... Baseado nisso... você reforça ou não... Reforçando... você já parte pra aquilo que você já
programou... Néh::::...
Neste caso, o agir prefigurado mobiliza uma ação mental, um agir cognitivo
marcado pelos verbos: perceber, relembrar, memorizar, compreender, planejar, fazer
uma análise diagnóstica. Percebe-se a importância do estímulo cognitivo nas atividades
do e para o professor-aluno, principalmente considerando o caráter por vezes
equivocado de privilegiar a competência instrumental nos cursos profissionalizantes,
que exigem do aluno preparo para o mercado de trabalho.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como argumentado, tomamos como pressuposto a defesa de uma análise dessa
semântica do agir de forma integral, ou seja, incorporando não somente as propriedades
psíquicas do agente e suas dimensões subjetivas, mas contemplando os diversos
sistemas de representações que se fundamentam no coletivo, visando compreender
também as dimensões sociais. É preciso também analisar a dimensão de temporalidade
e o processo de desenvolvimento desse agir e observar quais são os resultados
produzidos por ele no mundo.
Nosso interesse maior, retomando os autores em que ancoramos esta análise,
centra-se num debate que envolve os próprios trabalhadores, os professores da
Educação Profissional e Tecnológica, considerando quais são as representações e
concepções que se manifestam nos textos. Assim, podemos nos aproximar do trabalho
do professor: o trabalho prescrito e o trabalho realizado (ou pelo menos a prefiguração
desse realizado). Não é, portanto, um simples olhar do pesquisador sobre o trabalho e
nem o que pensa ser o trabalho do professor, mas é a prefiguração de um agir a partir do
olhar e da representação do próprio agente, do ponto de vista do profissional que atua
nesta modalidade de ensino e evidenciado na linguagem.
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Ora, neste sentido, trata-se de uma inovação ou, pelo menos, uma tentativa de
inovar, de possibilitar o desenvolvimento pela conscientização e no apreciar essa prática
docente, assim, consequentemente, intervir para transformar.
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