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1 Exilados e o debate sobre a anistia no jornal do brasil 1 BÁRBARA ALMEIDA 2 SÔNIA MENESES 3 RESUMO Este artigo desenvolve uma discussão em torno das narrativas produzidas no Jornal do Brasil acerca do processo de anistia política no período de 1975 a 1985, tendo como ponto de central os debates dos exilados políticos. O Jornal do Brasil possibilita um campo de investigação extenso para se analisar o processo de anistia política, o mesmo abriu suas páginas para as discussões de diferentes segmentos sociais, de políticos a movimentos liderados por civis. A pesquisa pretende compreender a importância e os significados da produção midiática na construção da escrita histórica contemporânea. Para tal exploraremos matérias e colunas que tratem a situação dos exilados, assim como, os próprios debates elaborados por esses atores nas páginas do Jornal do Brasil sobre a Anistia Política e as reformas que conduziam o processo de redemocratização do país. PALAVRAS-CHAVES: Anistia, exilados políticos, Jornal do Brasil, esquecimento, produção midiática. INTRODUÇÃO Em estudo intitulado “Versões e controvérsias sobre 1964 e a ditadura militar”, Carlos Fico parte da ideia de “controvérsia” para explicar os processos ocorridos no período do regime civil militar. A Anistia Política, principalmente quando se analisa este evento pela produção midiática, enquadra-se nessa premissa de ‘’controvérsia’’. São inúmeras as interpretações e opiniões que se desenrolam nas páginas dos periódicos, vemos então que é uma temática que está longe de seu esgotamento. Tendo como ponto inicial a produção midiática acerca da anistia política, analisamos discussões elaboradas no Jornal do Brasil para compreender esse contexto histórico. O presente trabalho tem como objetivo compreender a narrativa produzida sobre o processo de anistia política produzida pela imprensa, entre 1975 1985. Assim, pretendemos explorar a relação entre a produção midiática e sua influência na construção do conhecimento histórico. Refletindo a contribuição dos meios de comunicação na construção de sentido, e o 1 Este trabalho é parte do projeto de Iniciação Científica intitulado: ‘’A Anistia Política nas páginas do Jornal do Brasil 1975-1985’’, financiado pelo CNPq. O projeto é ligado ao Laboratório de Imagem, História e Memória – LABIHM da Universidade Regional do Cariri URCA e que tem sob coordenação a professora Sônia Meneses. 2 Graduanda do curso de História da Universidade Regional do Cariri - URCA, Bolsista do CNPQ e membro do Laboratório de Imagem, História e Memória LABIHM. ([email protected]). 3 Profª Drª do departamento de História da Universidade Regional do Cariri URCA, coordenadora do projeto “A Anistia Política nas páginas do Jornal do Brasil 1975-1985’’. ([email protected]).

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Exilados e o debate sobre a anistia no jornal do brasil1

BÁRBARA ALMEIDA 2

SÔNIA MENESES3

RESUMO

Este artigo desenvolve uma discussão em torno das narrativas produzidas no Jornal do Brasil

acerca do processo de anistia política no período de 1975 a 1985, tendo como ponto de central

os debates dos exilados políticos. O Jornal do Brasil possibilita um campo de investigação

extenso para se analisar o processo de anistia política, o mesmo abriu suas páginas para as

discussões de diferentes segmentos sociais, de políticos a movimentos liderados por civis. A

pesquisa pretende compreender a importância e os significados da produção midiática na

construção da escrita histórica contemporânea. Para tal exploraremos matérias e colunas que

tratem a situação dos exilados, assim como, os próprios debates elaborados por esses atores

nas páginas do Jornal do Brasil sobre a Anistia Política e as reformas que conduziam o

processo de redemocratização do país.

PALAVRAS-CHAVES: Anistia, exilados políticos, Jornal do Brasil, esquecimento,

produção midiática.

INTRODUÇÃO

Em estudo intitulado “Versões e controvérsias sobre 1964 e a ditadura militar”,

Carlos Fico parte da ideia de “controvérsia” para explicar os processos ocorridos no período

do regime civil militar. A Anistia Política, principalmente quando se analisa este evento pela

produção midiática, enquadra-se nessa premissa de ‘’controvérsia’’. São inúmeras as

interpretações e opiniões que se desenrolam nas páginas dos periódicos, vemos então que é

uma temática que está longe de seu esgotamento. Tendo como ponto inicial a produção

midiática acerca da anistia política, analisamos discussões elaboradas no Jornal do Brasil

para compreender esse contexto histórico.

O presente trabalho tem como objetivo compreender a narrativa produzida sobre o

processo de anistia política produzida pela imprensa, entre 1975 – 1985. Assim, pretendemos

explorar a relação entre a produção midiática e sua influência na construção do conhecimento

histórico. Refletindo a contribuição dos meios de comunicação na construção de sentido, e o

1 Este trabalho é parte do projeto de Iniciação Científica intitulado: ‘’A Anistia Política nas páginas do Jornal do

Brasil 1975-1985’’, financiado pelo CNPq. O projeto é ligado ao Laboratório de Imagem, História e Memória –

LABIHM da Universidade Regional do Cariri – URCA e que tem sob coordenação a professora Sônia Meneses. 2 Graduanda do curso de História da Universidade Regional do Cariri - URCA, Bolsista do CNPQ e membro do

Laboratório de Imagem, História e Memória – LABIHM. ([email protected]). 3Profª Drª do departamento de História da Universidade Regional do Cariri – URCA, coordenadora do projeto

“A Anistia Política nas páginas do Jornal do Brasil 1975-1985’’. ([email protected]).

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seu suporte na formação de uma memória histórica e sua ligação tênue com o processo de

esquecimento.

Utilizamo-nos para isso os discursos que se encontram de formas mais variadas no

Jornal do Brasil. Privilegiando fala de um segmento específico do período, os exilados, assim

como elementos políticos que fizeram uso da causa destes para reforça sua luta por um projeto

de anistia ampla.

O Jornal do Brasil vai atuar como um formador de opiniões ao trazer em suas

páginas posições diferentes, o que contribuiu no processo de redefinição de sentido do tema

em análise. O periódico cede espaço para que setores distintos da sociedade brasileira

exponham suas opiniões. De movimentos sociais como o Movimento Feminino Pela Anistia

(MFPA), Comitê Brasileiro pela Anistia (CBA), representantes da igreja ligados a

Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), instituições como a OAB, assim como,

pessoas afastadas da vida pública, como os cassados políticos e os exilados ou representantes

dos dois partidos da época, MDB e Arena.

É possível compreende o desenrolar do processo através de opiniões

diversificadas, mais especificamente a partir dos anseios de quem foi obrigado a deixar o país.

Estes são os que mais desejam a aprovação da lei, sendo que a volta dos exilados é encarada

também como a volta da normalidade democrática. Normalidade que se vê desfeita na década

de 1980 com a insatisfação dos que foram excluídos da lei 6.683 e continuaram a luta pela

abrangência da anistia, enquanto que os ex-exilados ocupava-se das questões políticas do

período, como a reorganização partidária.

A ANISTIA POLÍTICA NAS PÁGINAS DO JORNAL DO BRASIL

O Jornal do Brasil foi fundado em 9 de abril de 1891 por Rodolfo de Souza Dantas

e possuiu uma grande influência na produção de acontecimentos e notícias no século passado.

No ano de 2010 teve sua versão impressa extinta permanecendo apenas no formato digital.

Fonseca (2008) afirma que a história do periódico está associada à história da República, pois

o jornal identificado como monarquista nasce em um momento conturbado na consolidação

do novo sistema de governo. Ainda segundo essa autora, o JB vê sua trajetória se

transformando de acordo com as circunstâncias comerciais e políticas que emergem na

sociedade brasileira, assim como, o posicionamento político e ideológico das diversas

direções que estiveram à frente do periódico.

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Na década de 1930 em decorrência de crise financeira viu-se obrigado a ceder

mais espaço aos anúncios, o que o levou a ser tratado pejorativamente de o “Jornal das

Cozinheiras”. Em momento posterior, passa por nova reforma, voltando-se para o debate

político e cultural, tornando-se novamente formador de opinião, o que se revela na boa

aceitação do público leitor ao ser denominado de o “Popularíssimo”.

O Jornal do Brasil mostrou-se mais do que um mero difusor de noticias, revelou-se

um instrumento importante na difusão de ideias políticas, nos quais se evidenciava sempre

opiniões antagônicas acerca de uma mesma temática. Suas páginas estamparam o

posicionamento dos mais diferentes setores da sociedade, políticos, militares, indivíduos

ligados à igreja e a entidades sociais, evidenciando uma heterogeneidade político-ideológica.

No presente trabalho exploraremos as matérias referentes ao projeto de Anistia.

Para tal nos debruçaremos sobre as narrativas produzidas, principalmente, pelos

exilados e por agentes políticos representativos naquele momento. Destacam-se entre estes, o

Movimento Democrático Brasileiro – MDB oposicionista e a Aliança Renovadora Nacional -

ARENA situacionista, representantes da igreja, de entidades sociais como a Ordem dos

Advogados do Brasil – OAB, movimentos criados justamente neste período para lutar pela

anistia como o Comitê Brasileiro Pela Anistia - CBA’s e o Movimento Feminino Pela Anistia

– MFPA espalhados pelo território brasileiro. Nas palavras de um dos seus colunistas,

Barbosa Lima Sobrinho, já no fim de 1985 se constatara que a anistia foi um dos temas mais

discutidos na sociedade brasileira, até mais que em outros locais onde também tramitava

projeto semelhante, como na Bolívia.

As colunas do Jornal do Brasil são outro elemento para se compreender a política

do período, dentre seus colunistas destacam-se dois nomes: Castello Branco4 e Tristão de

Athayde5. Esses dois escritores buscam em suas narrativas informar a sociedade brasileira

sobre as movimentações do cenário político do país sendo importantes críticos do regime

civil-militar.

Os debates em torno do projeto de anistia começam a se intensificar por volta de

1977, anteriormente os debates se voltavam prioritariamente para outros países, suscitando

discussões acirradas, debate de ideias políticas, críticas ou mesmo sugestões de projetos que

atenderiam aos anseios da sociedade civil como um todo, dentre outros. Durante todo esse

4 Carlos Castello Branco, jornalista e escritor, responsável pela ‘’Coluna do Castello’’, no qual se desenvolveram

debates acerca da política nacional. 5 Pseudônimo Alceu de Amoroso Lima escritor, advogado e jornalista que atuou como colunista nos jornais:

Folha de São Paulo e o Jornal do Brasil. Através das colunas escritas para esses jornais ele fazia críticas ,de

forma e indireta e direta, a falta de liberdade de pensamento.

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processo a anistia personificou-se em significados que traduziam os mais distintos interesses e

qualificações: generosa, pacificadora e reconciliadora da nação, humilhação, solidária,

discriminatória, etc. Antes de sua aprovação ganhou espaço junto à outras reivindicações,

como o processo de redemocratização do país que também vinha sendo alvo de intensos

debates após as promessas de reabertura política, ainda na gestão do Presidente Geisel. Em

outras palavras, a sanção da lei seria encarada como o pontapé inicial para a reabertura

política.

A volta dos exilados era encarada como os primeiros passos para a reabertura

política. Através das narrativas desses agentes busca-se compreender a forma como esse

processo vinha se desenrolando na sociedade brasileira, assim como, outros discursos que

ajudam a estabelecer uma linha tênue entre anistia e exilados, ressaltando o papel da imprensa

na difusão de tais ideias na mobilização da opinião pública em prol da luta pelo regresso

desses indivíduos.

De forma geral as maiores divergências em torno dos debates que se elaboravam

no Jornal do Brasil anteriores a aprovação da lei da anistia centrava-se na abrangência desta:

ampla, geral e irrestrita ou parcial. Em sua forma mais abrangente incluía até mesmo aqueles

acusados de terrorismo – com fins políticos -, e tinha como maiores expoentes na sua defesa o

partido oposicionista MDB e entidades como AOB, os movimentos do CBA’s e o MFPA,

afirmando que apenas uma lei mais ampla apagaria as injustiças cometidas, até mesmo para

aqueles que participaram de movimentos armados, pois estes também lutavam por ideais

políticas.

O projeto parcial tinha como defensores o próprio governo e os membros políticos

da ARENA e ressaltava a impossibilidade de se perdoar aqueles que cometeram crimes de

sangue, assaltos, sequestros, os terrorismo, por mais que alegassem ser movidos por ideais

políticas. Inicialmente esse grupo mostra-se favorável a uma revisão das possíveis injustiças

que a “Revolução de 1964” - como era tratada a ditadura civil-militar - pudesse ter cometido

por atos de exceção. E partindo desse pressuposto, um mesmo grupo da ARENA defendia que

era apenas necessária uma a revisão das punições injusta em casos específicos, alegando que a

própria anistia em si poderia trazer a tona outras injustiças ao conceder o perdão a quem,

segundo eles, fora condenado corretamente.

No decorrer do processo, outros significados vão se agregando a luta pela anistia,

dentre esta, já na década de 1980, a necessidade de se reparar as injustiças e arbitrariedades

cometidas pelo regime ditatorial, não permiti que a lei as apague como foi pensada

inicialmente ao se embasar na premissa do esquecimento.

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A anistia e o retorno dos exilados foram abordados no discurso dos agentes

políticos e dos próprios exilados como medida inicial para conciliação nacional. Poder-se-ia

afirma ainda que, a aprovação da lei, visando principalmente à volta dos exilados era um

ponto de convergência entre os mais distintos setores sociais. Entretanto, não era regra geral.

Havia ainda quem afirmasse nas páginas do jornal que a volta de alguns lideres políticos

exilados causaria problemas ao processo de reabertura política iniciado pelo Presidente

Geisel. Fato que fica explicito na declaração do Deputado Edson Guimarães (ARENA) ao se

referir à volta de Leonel Brizola: “Pelo mal que ele fez ao Brasil, devia ficar lá onde ele está,

fora do país”6. Acrescentando que o Brizola “estava querendo se pintar de vítima”, pois, para

o deputado, o ex-governador era um criminoso e o mesmo só teria direito à liberdade - direito

de retorna ao país - após cumprir sua pena.

O PROJETO DE ANISTIA POLÍTICA E A NECESSIDADE DA VOLTA DOS

EXILADOS.

“Velho e feio7”, foi essa a expressão que Severina Ferreira, uma vendedora de

rapadura, utilizou-se para caracteriza Miguel Arraes após a volta do exílio. Expressão

simplória, mas que é possível representar o longo período que essas pessoas foram obrigadas

a permanecer longe de tudo que conheciam. Segundo Denise Rollemberg (1999) o exílio na

história “tem função de afastar, excluir, eliminar grupos ou indivíduos que, manifestando

opiniões contrárias ao status quo, lutam para alterá-la.” Para autora o exílio não se deu de

forma homogênea, ela distinguiu o de “tipo de exilado”:

Houve os atingidos pelo banimento; houve quem decidiu partir, às vezes até

com documentação legal, por rejeitar o clima em que se vivia no país; houve quem,

pessoalmente, não era alvo da polícia política, mas se exilou ao acompanhar o

cônjuge ou os pais; houve os diretamente perseguidos, envolvidos, uns mais, outros

menos, no confronto com o regime militar; houve quem foi morar no exterior por

outras razões que não políticas e, através do contato com exilados integrou-se às

campanhas de denúncia da ditadura e já não podiam voltar com tanta facilidade. Os

casos são inúmeros. Neste universo tão diverso, são todos exilados.

(ROLLEMBERG, 1999, p.52).

Nas páginas do JB predominava um tipo de exilado, o ligado ao campo da política

de forma mais direta. São deles e sobre eles a maioria dos debates travados no periódico. Pois,

6 Jornal do Brasil, ed. n°329, 7/3/1979, p.3: Assembleia debate retorno.

7 Jornal do Brasil, ed. n°292, 27/1/1980, p.8: Arraes visita zona açucareira.

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é delegada a volta desses indivíduos o retorno da “conciliação nacional”, e da normalidade

democrática. Nesse cenário, destacamos três personagens: Brizola, Arraes e Prestes, são deles

a maioria das matérias que trazem o olhar do exílio e o desejo do retorno. Os representantes

políticos do MDB ressaltavam a impossibilidade de reconciliação da nação sem a presença

daqueles que se encontravam fora do país por decisão do governo, em sua maioria líderes

políticos que poderiam auxiliar nesse processo de reorganização. Logo, podemos afirmar que

a imagem dos exilados foi usada exaustivamente na fala desses agentes políticos a fim de

mobilizar a opinião pública ao seu favor.

Uma das preocupações dos dirigentes que estavam à frente da elaboração da lei da

anistia era possibilitar a volta dos exilados como um meio de pacificação da nação. No

entanto, havia também a preocupação em se evitar “problemas” que poderiam ocorrer com

essa volta. Argumentos sobre agitação política e “revanchismo” eram comuns nesse período.

Esse discurso fica explicito nas declarações de pessoas ligadas ao governo situacionista.

Assim, algumas matérias associavam o processo da anistia a um “ato benevolente

do governo 8”, expressão do senador Dinarte Mariz (ARENA/RN), conduzido pelo Presidente

Figueiredo uma vez que permitiria a volta dos exilados. Exemplo disso tem-se o

agradecimento do pai do Deputado Márcio Moreira Alves, considerado pelo próprio JB o

estopim do AI-5, ao convidar a população a não prestigiar as comemorações do 7 setembro

em 1968. Márcio Alves, pai do deputado, agradece “como cidadão a luta do presidente pela

anistia e como pai a volta do seu filho 9”.

No que toca a fala dos próprios exilados, eles acreditavam e defendiam que o ideal

para o país seria uma lei ampla, geral e irrestrita, porém, os mesmos reconheciam a

impossibilidade de tal fato e logo tratam de conduzir os seus discursos à aceitação de um

projeto parcial, o que o governo pretendia aprovar, é o caso de Luís Carlos Prestes, Miguel

Arraes e Leonel Brizola, nomes recorrentes nessas discussões.

Luís Carlos Prestes acreditava que anistia parcial seria o primeiro passo para se

estimular a luta pela anistia irrestrita10. Leonel Brizola, em entrevistas ao JB, fazia questão de

afirmar e reafirmar o seu interesse de regressar ao país e participar de forma efetiva no

processo de “conciliação nacional”. Em suas declarações ao JB sempre afirmava que o ideal

para ele era uma anistia ampla, total e irrestrita sendo essa a melhor maneira para se esquecer

8 Jornal do Brasil, ed. n°289, 24/1/1979, p.4: Dinarte já tem projeto para anistia que acha irreversível. 9 Jornal do Brasil, ed. n°102, 19/7/1979, p.3: Pai de Márcio Alves agradece a Figueiredo. 10 Jornal do Brasil, ed. n°349, 27/3/1979, p 5: Prestes aceita anistia parcial como primeiro passo.

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dos “fatos anteriores e posteriores a 196411” e reconciliar a nação, entretanto, admitia que

qualquer medida democratizante que pudesse representar uma “etapa real e concreta” na

busca de plena democracia era importante. O ex-governador salientava o desejo de regressar

ao país e participar efetivamente no processo de redemocratização, “sem vencidos e nem

vencedores, sem nenhuma espécie de revanchismo”. Completando que sua volta mostrava-se

como um “fator positivo para o processo de redemocratização e desarmamento dos

espíritos12’’.

Em um encontro realizado em Paris um grupo de 14 exilados discutiu o projeto de

anistia encaminhado pelo Presidente Figueiredo. Os mesmos, que não faziam parte desse

campo político mais enfatizado, tinham a esperança que a oposição do MDB pudesse ampliar

o projeto de anistia em curso. Nas discussões entre esse grupo, as opiniões divergiam. Havia

aqueles que defendiam que o MDB deveria repudiar a anistia restrita, outros afirmavam que o

partido não deveria rejeitar o projeto, mas procurar amplia-lo, completando que se assim fosse

feito o mesmo teria apoio popular. Por último, havia ainda os que defendiam que anistia não

foi “concedida” mas, conquistada, então seria uma vitória fosse ela ampla ou parcial.

Jean Marc Van Der Weid, ex-presidente da UNE banido em 1971, afirmou que “o

regime tentou esvaziar as pressões que estavam incomodando13’’.Ao contrário dos renomados

políticos exilados, como Brizola e Arraes, ele não considera a anistia parcial um passo para

reconciliação nacional, mas uma manobra política do governo, uma “liberdade provisória”.

E mesmo levantando a bandeira da anistia ampla, geral e irrestrita, a oposição e os

movimentos sociais davam com vitória a aprovação de uma lei parcial, sempre completando

que a luta pela sua abrangência continuaria. Acreditavam que a aprovação do parcial e o

retorno dos exilados seria um bom começo para se lutar por sua ampliação.

O RETORNO DOS EXILADOS E A INSATISFAÇÃO COM A LEI 6.683.

A mesma página que estampa a sanção da Lei nº 6.683, traz também a revogação

das penas de Miguel Arraes, Francisco Julião e Gregório Bezerra. Estava anunciado o

regresso dos líderes políticos. A Lei da Anistia beneficiou todos os presos ou exilados por

crimes políticos atingidos a partir de 2 de setembro de 1961, ficando de fora do indulto os

11 Jornal do Brasil, ed. n°295, 30/1/1979, p.5: Brizola aceita qualquer medida democratizadora. 12 Jornal do Brasil, ed. n°294, 29/1/1978, p.26: Brizola que regresso sem revanche. 13 Jornal do Brasil, ed. n°105, 22/7/1979, p.26: Exilados esperam que MDB amplie anistia.

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acusados por “atos de terrorismo” e aqueles que participaram de movimentos armados contra

o governo. Restabeleceu também os direitos políticos dos que os haviam perdido através dos

atos institucionais.

O que se vê nas páginas seguintes são os efeitos da anistia. Cassados reassumindo

seus postos, pessoas sendo libertadas e exilados retornando. Imagens que capturam o

momento exato do encontro dessas pessoas com seus amigos e familiares, revelando toda

emoção de retornar ao país, não só nas imagens, mas em declarações ao JB. Esse regresso dos

exilados, principalmente, dos envolvidos com o movimento político, é marcado pela promessa

de continuar a luta por uma anistia ampla.

Dos três líderes, apenas Prestes e Arraes contestam a anistia que foi aprovada. Luís

Carlos Prestes vai mais longe: coloca-se contra os termos em que foi concedida e reclama da

“impunidade dos que torturaram e mataram14”. Conclui afirmando que a “anistia parcial é

uma distorção histórica, pois o Governo que se instalou com violência absolve a si mesmo,

mas não os que agiram da mesma forma”.

Ao ser concedida a anistia política, mesmo com restrições e seu caráter de

reciprocidade, os dirigentes do regime militar alegavam que sua abrangência mostrava-se

mais ampla do que a lei previa. Entretanto, é possível perceber que os debates continuavam a

girar em torno dos que tiveram seus direitos políticos cassados e dos exilados políticos, era

como se a anistia não tivesse ultrapassado o campo da política, mesmo depois de sua

aprovação. A volta de inúmeros indivíduos ligados à luta política permitiu que essa ideia de

amplitude da lei ganhasse espaço nas matérias expostas pelo JB, a volta do pluripartidarismo

tendo a frente ex-exilados e ex-cassados foi outro fator crucial para que essa premissa

ganhasse força – mesmo que momentaneamente - nas páginas do JB.

Os debates tomam novos rumos, após a euforia do regresso dos exilados, outra

questão emergiu com maior força, o caráter extremamente político da lei 6.683. Os próprios

militares afastados do exercicio de sua prifissão e excluidos pela lei, organizam movimentos

contestando o valor do indulto, dentre estes, uma passeata em 1985. Reividicam anistia ampla,

geral e irrestrita e afirmava em folhetos distribuidos que a anistia concedida pelo governo era

uma farsa, vejamos:

Entre as mentiras e farsas impostas ao país pelo regime ditatorial, tais como

Subversão em marcha, perigo comunista, o revanchismo,etc., figura como carro

chefe a anistia. Que, na verdade nunca ocorreu. Houve isto sim uma manobra para

(fato inédito na história política dos povos) absolver previamente torturadores e

14 Jornal do Brasil, ed. n°161, 16/9/1979, p.8: Prestes arruma malas mas hesita em voltar.

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assassinos. Em contrapartida, liberaram políticos para o retorno ao exercício da

profissão e/ou ao País. Assim a opinião pública julgaria ter acontecido a anistia no

Brasil15.

O argumento mais utilizado pelos excluídos era o de que as injustiças e limitações

não deixaram de existir após a sanção da lei 6.683, pois permitiu a volta de políticos

renomados a vida nacional e à cena pública como Leonel Brizola, Miguel Arraes, Luiz Carlos

Prestes, Waldir Pires, entre outros, enquanto uma parcela considerável da sociedade foi

colocada à margem, tendo como única via continuar a lutar por uma anistia ampla e irrestrita

que não fosse apenas para apaziguar o cenário político. Assim, tentavam mobilizar e

sensibilizar a opinião pública, revelando que a anistia não foi tão generosa quanto se vinha

pregando. O próprio Miguel Arraes, em declarações ao JB, afirmava que a anistia foi

“meramente política”, e defendia uma revisão na lei.

Nos deparamos aqui com um processo denomidado por Reis Filho de

“deslocamento de sentido” em torno das discussões referentes a anistia política. Os debates

dentro do JB sofrem um processo que comumente vai se invertendo, e ligando-se a novas

temáticas. Após a aprovação da lei da anistia foram muitas as matérias em que se

direcionavam positivamente a iniciativa do governo Figueiredo, o próprio presidente fazia

questão de expor sua satisfação com os rumos de seu governo e ao se referir a lei da anistia,

afirmava frequentemente que ela mostrava-se mais ampla do que se imaginava.

No entanto, o processo gradualmente foi tomando novos destinos. A euforia de ver

o regresso de muitos exilados ao país - fato que contribuiu significativamente para se

construir uma imagem positiva do indulto - dá espaço para duras críticas à anistia que vão de

“ meramente política” a “farsa do governo” . A lei passa a ser encarada como um processo

para ludibriar a sociedade, sendo utilizada como instrumento para se esquecesse os vinte e um

anos de regime militar, alicerçado na privação e supressão das liberdades, represão política e

policial, apropriando-se até mesmo nas leis para legitimar as mais variadas formas de

arbitrariedades. O próprio termo para se definir o regime militar alterou, nas páginas do JB, ao

passo em que se encaminhava o Brasil para a Abertura Política, de “Revolução de 1964” para

“ditadura militar”. Ousa-se até mesmo a questionar o processo de transição que estava se

desenrolando na década de 1980.

15 Jornal do Brasil, ed. n°30, 8/5/1985, p.9: Militares Cassados em 64 vão pedir anistia em manifestação.

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Anteriormente associada ao retorno da normalidade democrática, agora estava

ligada às injustiças que se pretendiam apagar. A lei que antes foi denominada de genorosa,

pacificadora e reconciliadora, começa a dividir espaço com palavras como tortura, manobra

política, injustiça, caracterizando-se claramente a insatisfação de parte da sociedade brasileira.

No período anterior a aprovação da lei, as discussões e a luta por uma anistia

ampla, geral e irrestrita poderiam ser facilmente caracterizadas como monopólio do partido

oposicionista, de movimentos e entidades sociais. Após a sanção da lei, a luta por sua

abrangência ganha atores até então pouco visualizados em tal processo, trocam de mãos,

agora são bandeiras recorrentes de militares e civis excluídos que, como outros segmentos da

sociedade, utilizaram-se das páginas do JB para mobilizarem a opinião pública. As discussões

não se centravam mais no caráter “generoso do indulto”, mas voltou-se para seu lado

discriminatório, segundo os militares afastados de suas funções por atos institucionais. Os

“excluídos” tomaram a frente nas pressões por uma anistia ampla, geral e irrestrita. Contavam

nos movimentos organizados por tal setor, cerca de 7 mil militares punidos, dentre estes

marinheiros, fuzileiros navais e cabos da FAB16.

A luta pela ampliação do projeto de anistia que outrora se encontrava a cargo,

principalmente, de políticos ligados ao MDB e se configurava como uma promessa dos

exilados, muda completamente de mãos após sua sanção. Os militares recorrem

frequentemente, na década de 1980, às páginas do Jornal do Brasil tentando mobilizar a

opinião e o poder público. Processo similar aconteceu com o caso de Flávia Schilling.

Uma campanha iniciada em setembro de 1978 ocupou por algum tempo as páginas

do JB, principalmente após a sanção da lei em 1979, foi realizada em prol da libertação de

Flávia Schilling que se encontrava presa no Uruguai por cerca de sete anos, acusada de

envolvimento com o grupo do Movimento de Libertação Nacional Tupamaros. De denúncias

de tortura sofrida pela jovem a encontros com familiares e seu advogado Décio Freitas, o caso

de Flávia passou a ser anunciado com frequência, tendo como principal suporte a imprensa.

As colunas do JB, que como já foi mencionado, mostram-se como elemento

importante para se analisar as conjunturas políticas da época, principalmente quando se

estabelece a ligação da lei da anistia o esquecimento das atrocidades cometidas ao longo de

todo regime militar. A reciprocidade da lei teria como foco primordial a proteção daqueles

16 Jornal do Brasil, ed. n°196, 21/10/1985, p.12. Ex-Militares vão hoje ao Congresso Nacional reivindicar

anistia.

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que o colunista Barbosa Lima Sobrinho denominou de “algozes” do regime17. O colunista,

escritor e psicanalista, Hélio Pellegrino afirmava que a anistia, como estatuto político e

jurídico, foi decretada com o objetivo principal de garantir a impunidade dos torturadores,

tanto militares quanto civis, responsáveis por acionar a máquina repressiva do Estado. Para

ele a anistia também tentou criar o “tabu do revanchismo”.

Pellegrino acrescenta ainda que a utilização da tortura contra presos políticos, ou

qualquer outro, constituiu-se em um crime que lesa – humanidade, sendo que há coisas que

não devem e nem podem ser anistiadas em nome dos princípios éticos - cujo exercício

impediria o esquecimento -, e não uma tentativa de se evitar a emergência do sentimento

revanchista. Para Hélio Pellegrino, esquecer é um ato de covardia ou cumplicidade18. Para

esse colunista, a lei da anistia impediu que os torturadores sentassem no banco dos réus. Um

dos argumentos mais recorrentes ao se tratar da tortura é afirmar que a lei foi formulada para

impedir a condenação dos torturadores, daí a maior intenção de torna-lá reciproca. O “perdão

mútuo” impedia até mesmo a investigação das denúncias.

A partir daí, os debates acerca da anistia se desenvolvem em um caráter de cunho

contestatório. Matérias sobre pessoas vítimas de tortura começam a aparecer com maior

frequência, nas quais se ressaltava o desejo de fazer justiça, esta última, encontra como maior

obstáculo, a própria lei 6.683. E são os torturados que vem a necessidade de não esquecer, de

não aceitar que o Estado continue a legitimar instrumentos de repressão, pois afinal, a lei não

permite sequer a investigação dos casos. O fato de se conceder o indulto aos torturadores

mostra o quanto se foi conivente com a tortura institucionalizada.

Os militares, diante das constantes denúncias de tortura e nos questionamentos

perante a Lei da Anistia, que essa teria sido elaborada com maior intuito de protegê-los,

continuam a insistir na tese de “revanchismo”. E é exatamente assim que o General Leônidas

Pires Gonçalves, então Ministro do Exército em 1985, caracteriza as acusações feitas no JB

“manobras de caráter pretensamente revanchista”, afirmando que o Exército não as teme. Os

representantes da ala militar alegavam em comunicado que “os excessos cometidos por

integrantes de ambas as partes envolvidas foram sepultados pela lei da anistia”, negavam

ainda ter se utilizado em algum momento de “métodos de violação dos direitos humanos no

cumprimento de suas missões, inclusive no combate à subversão”. Por fim, afirmavam que

17 Jornal do Brasil, ed. n°139, 25/8/1985, p11: A hora da verdade. 18 Jornal do Brasil, ed. n°135, 21/8/1985, p 11: Tortura, nunca mais.

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“Os que querem reabri as cicatrizes de uma luta ultrapassada19” estão contra o processo de

normalização política em curso.

Segundo Fico (2004), a “tese dos excessos”, tão propalada pela ala militar, pode

ser encarada como uma tópica de um discurso fraudulento, a tortura e o extermínio foram

instrumentos oficializados com a autorização de oficiais-generais e dos próprios presidentes

militar.

São trazidas nessa fase dos debates as questões ambíguas da lei, dentre estas a

impossibilidade de se condenar responsáveis por crimes políticos ou conexos e por traz desse

instrumento da lei escondem-se os torturadores, os que ficavam a cargo do trabalho sujo. A

volta dos exilados não garantiu a “satisfação geral” nem o apaziguamento dos ânimos, como

se pretendia. Ocorreu processo inverso, revelou a fragilidade da lei.

CONCLUSÃO

Nosso estudo ainda está na fase inicial. Até aqui, foram analisadas edições do

Jornal do Brasil no pediodo que abrange 1975 a 1985 buscando compreender as narrativas

produzidas por exilados e a forma como estes foram usados nos discursos de quem se

encontrava no Brasil e levantava a bandeira da anistia. O que revela o papel importante e

decisivo da imprensa na difusão e formação de opiniões.

De 1975 a 1985 a temática da anistia sofreu um processo ascendente, o que no

inicio do périodo era tratado de forma timida, gradualmente vai ligando-se à novas questões e

reforçando as discussões sobre o tema, até ser caracterizada, no final desse período, como um

dos temas mais explorados do regime civil-militar.

Através das próprias matérias do JB fica claro que a aprovação da anistia não foi

um ato de generosidade do “governo revolucionário” – como ala conservadora defendia -

para com a sociedade civil, muito menos que essa foi uma conquista do partido oposicionista

MDB, como se pretendia fazer acredita. Contudo, um ato que veio mediante o degaste do

próprio governo militar que já não possui força para controlar a insatisfação do povo, que

pode ser visualizada nas mátérias expostas pelo Jornal do Brasil ao se debater a necessida de

“encaminhar” o país ao Estado de Direito . A posição do MDB foi importante, porém não foi

o único fator. A própria imprensa ao dar lugar enfático a tais discussões sobre a temática, foi

19 Jornal do Brasil, ed. n°140, 26/8/1985, p 3: Leônidas afirma que Exército não teme revanchismo.

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crucial nesse movimento de pressão, bem como, a organização civil em entidades espalhadas

pelo país, como o CBA’s e MFPA.

A lei trazia consigo o signo da pacificação nacional, tal adjetivo usado

constantemente nos mais variados discursos, junto de perdão e esquecimento, sendo esse

processo efetivo com a volta dos exilados políticos. Estes eram tratados como a volta da

recociliação nacional. Reconciliação que talvez não tenha ultrapassado o campo do discurso,

pois as reivindicações e insatisfação continuaram após a sanção da lei, bandeira levantada por

elementos até então anônimos e excluidos do indulto. Militares e civis desconhecidos, que

desejavam de forma geral retornar às suas antigas funções ou serem ressarcidos de todas as

perdas que tiveram com as punições injustas dos atos administrativos e institucionais.

O projeto de anistia, em síntese, veio concerder o perdão aos que ousaram

contraria-lo politicamente e fazer o resto da sociedade esquecer o fantasma do autoritarismo

que assolou a sociedade por vinte e um anos. Reciprocidade, palavra que garantia benificios a

ambos os lados, como acreditava o governo, como se pretendia fazer acreditar o resto da

sociedade como um todo. O próprio Presidente civil eleito após a ditadura militar, Tancredo

Neves, defendia a ideia de que a anistia vigente no Brasil era ampla e reciproca; enfatizando

que ela teria posto um fim nos anos mais nebulosos da sociedade brasileira. O que reforça a

ideia, ou até mesmo a necessidade de se esquecer aqueles anos, que como o próprio Tancredo

afirma, teria ficado no passado.

Podemos concluir que a Anistia Política passou por processos de ressignificação

distintos que vão ao encontro de determinados segmentos sociais. Em um primeiro momento

é utilizada como estratégia política pelo MDB e como ferramenta de pressão por movimentos

sociais, dos quais se evidenciava a necessidade de reabrir as portas do país para a volta dos

exilados. Com a aprovação da lei, a sociedade brasileira vive um período que poderíamos

caracterizar como eufórico, a esperança que a redemocratização do país se efetivaria pode ser

percebida nas páginas do JB através dos relatos dos ex-exilados e ex-cassados, e com a

reorganização dos partidos, legitimava-se tais pretensões. Porém, outro processo implanta-se

de maneira imperceptível nas discussões acerca da anistia em vigor, personagens antes

totalmente anônimos nesse processo utilizam-se do periódico para relatar toda insatisfação

com a lei 6.683, dentre estes, os próprios militares, cassados por motivos políticos e pessoas

torturadas por indivíduos a serviço da máquina repressora estatal. Tratada por polêmica, a

anistia não apaziguo os ânimos como se pretendia, ao contrario, relaciona com a emergência

de novas questões, dentre estas, a tortura.

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Apesar de existir uma supremacia do discurso político sobre anistia no JB, há

outras formas de explorar tais debates, olhar sobre o mesmo problema através de diferentes

prismas. A temática da anistia está longe de seu esgotamento, principalmente se nos

apropriamos da produção midiática do período.

Edições do Jornal do Brasil consultadas.

Jornal do Brasil, ed. n° 168,23/9/1976, p.3: Governador diz que anistia desencadearia uma crise.

Jornal do Brasil, ed. n° 56, 3/6/1977, p.2: Projeto do MDB que propõe anistia por crimes políticos está

na Comissão de Justiça.

Jornal do Brasil, ed. n° 242, 6/12/1977, p.3: Bonifácio é contra anistia.

Jornal do Brasil, ed. n° 259, 23/12/1977, p.5: Aureliano admite concessão de anistia parcial.

Jornal do Brasil, ed. n° 261, 26/12/1977, p.4: Thales Ramalho considera anistia o passo inicial para a

pacificação do país.

Jornal do Brasil, ed. n° 264, 29/12/1977, p.4: Costa Cavalcanti acha que não é hora de anistia.

Jornal do Brasil, ed. n° 265, 30/12/1977, p.2: Arenista apoia proposta de Aureliano porque considera

inviável uma anistia total.

Jornal do Brasil, ed. n° 297, 1/2/1978, p.3: Aureliano insiste na tese de que anistia a cassados será

parcial.

Jornal do Brasil, ed. n°282,17/1/1978, p.5: Rangel Reis admite rever punições.

Jornal do Brasil, ed. n° 285, 20/1/1978, p.3: Délio quer rever penas da Revolução.

Jornal do Brasil, ed. n°292, 27/1/1978, p.2: ‘’Revisão das injustiças’’, Coluna do Castello.

Jornal do Brasil, ed. n°294, 29/1/1978, p.26: Brizola que regresso sem revanche.

Jornal do Brasil, ed. n° 302 8/2/1978, p. 3: Thales dá receita da anistia.

Jornal do Brasil, ed. n° 308,14/2/1978, p.9: General faz lançamento público de Comitê para Anistia.

Jornal do Brasil, ed. n° 316,22/2/1978, p.4: Petrônio promete reintegrar punidos.

Jornal do Brasil, ed. n° 316,22/2/1978, p.4: Sarney adverte que anistia pode prejudicar a abertura.

Jornal do Brasil, ed. n° 317,23/2/1978, p.1: Figueiredo aprova revisão, mas rechaça anistia ampla.

Jornal do Brasil, ed. n° 330,8/3/1978, p.2: Passarinho acha que campanha da anistia dificulta abertura.

Jornal do Brasil, ed. n° 331,9/3/1978, p.4: Tancredo pede ao Governo que seja sábio e dê anistia.

Jornal do Brasil, ed. n°102, 19/7/1979, p.3: Pai de Márcio Alves agradece a Figueiredo.

Jornal do Brasil, ed. n°361, 8/4/1979, p 2: Thales vê país sair de 15 anos de ‘’anestesia’’ sem prática

democrática.

Jornal do Brasil, ed. n°105, 22/7/1979, p.26: Exilados esperam que MDB amplie anistia.

Jornal do Brasil, ed. n°107, 24/7/1979, p.6: Prestes decide voltar ao país mesmo com anistia parcial.

Jornal do Brasil, ed. n° 143,28/8/1979, p.5: Figueiredo sanciona lei da anistia com o n° 6.683.

Jornal do Brasil, ed. n°143, 29/8/1979, p.5. Auditor liberta anistiados e revoga prisão de Arraes.

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Jornal do Brasil, ed. n°144, 30/8/1979, p.4. Márcio regressa junto com Arraes.

Jornal do Brasil, ed. n°144, 30/8/1979, p.6: Exilado volta a Pernambuco.

Jornal do Brasil, ed. n°146, 1/9/1979, p.4: Exilados desembarcam no Galeão.

Jornal do Brasil, ed. n°158, 13/9/1979, p.5: Arraes se despede da Argélia e inicia volta ao Brasil.

Jornal do Brasil, ed. n°158, 13/9/1979, p. 6: Ex- Deputado anistia volta do exílio e se filia ao MDB.

Jornal do Brasil, ed. n°160, 15/9/1979, p.5: Exilados voltam com festa e lembram os que ficaram no

exterior sem anistia.

Jornal do Brasil, ed. n°161, 16/9/1979, p.8: Preste arrumas as malas mas ainda hesita em voltar.

Jornal do Brasil, ed. n°192, 17/10/1979, p.8: Neiva Moreira retorna do exílio reclamando contra

‘’democracia pela metade’’.

Jornal do Brasil, ed. n°292, 27/1/1980, p.8: Arraes visita zona açucareira.

Jornal do Brasil, ed. n°301, 5/2/1980, p.15: A família de Flávia apoia anistia.

Jornal do Brasil, ed. n°321, 22/2/1980, p.25: Anistia faz campanha pró-Flávia.

Jornal do Brasil, ed. n°322, 28/2/1980, p.6: Campanha por Flávia se amplia.

Jornal do Brasil, ed. n°349, 26/3/1980, p.10: Uruguai aprova projeto de lei que prevê liberdade para

Flávia Schilling.

Jornal do Brasil, ed. n°07, 15/4/1980, p.20: Flávia desembarca lembrando os que ficaram na prisão.

Jornal do Brasil, ed. n°322, 28/2/1985, p 12: Ex- líder sindical rural de volta do exílio depõe e faz

apelo por anistia ampla.

Jornal do Brasil, ed. n°324, 15/3/1985, p.67: Abertura consolidada é maior legado de Figueiredo.

Jornal do Brasil, ed. n°30, 8/5/1985, p.9: Militares Cassados em 64 vão pedir anistia em manifestação.

Jornal do Brasil, ed. n°127, 20/10/1985, p 9: Militares, de terno, dialogam no congresso.

Jornal do Brasil, ed. n°202, 27/10/1985, p 11: A Anistia e seus problemas.

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