excelentíssimo senhor ministro joaquim barbosa · antes daquele e como questão de ordem , ao...
TRANSCRIPT
Excelentíssimo Senhor Ministro JOAQUIM BARBOSA, Digníssimo
Relator da Ação Penal nº 470
JOSÉ ROBERTO SALGADO , denunciado na
ação penal em epígrafe, vem à elevada presença de Vossa
Excelência, por seu defensor, expor, arguir e requerer:
1. À leitura dos presentes – e
incomparavelmente extensos – autos, empreendida para deles se
inteirar, haja vista ter sido recentemente contratado para assumir
o patrocínio da defesa do supracitado acusado1, divisou o
advogado signatário matéria que, por guardar natureza
essencialmente constitucional, revestindo-se, ademais e por
conseguinte, de transcendental relevo jurídico-processual, 1. Instrumento de substabelecimento de mandato anexo.
2
máxime no que concerne à prejudicialidade sobre o julgamento
do mérito, impõe pronta e autônoma arguição.
1.1. Sobretudo, para que Vossa Excelência,
no compasso do disposto no artigo 21, III, do RISTF, submeta-a,
antes daquele e como questão de ordem, ao colendo Plenário,
poupando-se – e aos demais Ministros – do trabalho, por conta
dela eventualmente desnecessário, a despeito de vultosamente
árduo e arduamente vultoso, de analisar e julgar, no tocante ao
ora peticionário e, eventualmente, também a muitos dos demais
denunciados, o objeto material do processo e seu vastíssimo
conteúdo.
2. Cuida-se, com efeito, da
INCONSTITUCIONALIDADE da ampliação da competência
por prerrogativa de função do STF para “processar e julgar,
originariamente”, quem não exerça, como o ora peticionário,
nenhum dos cargos ou funções relacionados na alíneas b e c do
inciso I do artigo 102 da Constituição, precipuamente em face
da inexistência da impreterível previsão normativa,
necessariamente, quanto mais não fosse, explícita e de matriz
constitucional e da decorrente supressão do direito
fundamental – e, como tal, presentemente às expressas
3
incorporado ao ordenamento jurídico pátrio – ao duplo grau de
jurisdição.
3. Dadas a densidade e a espessura do tema
e a correlatamente inafastável injunção de esquadrinhá-lo com o
quanto possível de clareza, precisão e rigor técnico, cumpre fazê-
lo ponto por ponto, a saber:
1. Prefacialmente:
1.1. Matéria não debatida no julgamento, pelo Plenário, da
questão de ordem alusiva ao desmembramento do processo.
Manutenção da unidade processual por razões de conveniência
e oportunidade prática e sob a ótica, apenas, de preceitos
infraconstitucionais.
1.2. Inocorrência, portanto, de preclusão relativamente à
inconstitucionalidade da extensão da competência especial por
prerrogativa de função ao processo e julgamento de quem não a
titularize.
2. Ratio essendi, natureza e caráter da competência especial por
prerrogativa de função instituída pelo art. 102, II, b, da
Constituição. Cancelamento do enunciado 394 da Súmula do
STF.
3. Decorrente necessidade de norma constitucional expressa
para a válida ampliação dessa competência especial. Declaração
de inconstitucionalidade dos §§ 1º e 2º do artigo 84 do CPP,
acrescentados pela Lei nº 10.628/2002.
4
4. CPP – Conexão e continência: inidoneidade jurídico-
normativa dos preceitos comuns que as definem e regulam para
alargar competência de natureza constitucional e caráter
excepcional, sobretudo no que tange ao processo e julgamento
de quem seja estranho à sua ratio iuris.
5. Inexistência, no tocante à especialíssima competência penal
originária do STF por prerrogativa de função, de espaço para, à
base da teoria das “competências implícitas complementares”,
estendê-la, por conexão ou continência, a quem não a detenha.
6. O enunciado nº 704 da Súmula do STF: nenhum dos
precedentes que inspiraram sua edição versava sobre
competência originária do STF e, portanto, sobre julgamento em
única instância. Decorrente impertinência à espécie. Máxime e
definitivamente, ante sua incompatibilidade com o regramento
constitucional da matéria: formalmente, pela
imprescindibilidade, para dilatar a competência originária do
STF, de norma expressa e de estatura constitucional;
substancialmente, pelo antagonismo com a leitura constitucional
determinante do cancelamento da Súmula 394 e, ademais, por
suprimir direitos e garantias processuais fundamentais,
notadamente o juiz natural e o duplo grau de jurisdição (artigo
8, nº 2, h, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos -
Pacto de São José da Costa Rica).
7. Pacto de São José. Status normativo quando menos
“supralegal”. Suficiência para tornar inaplicáveis, por
conflitarem com a “garantia mínima”, por ele estabelecida, de
“recorrer da sentença para juiz ou tribunal superior”, os
dispositivos infraconstitucionais (conexão e continência)
determinantes do deslocamento da competência penal
5
originária para o STF. A condição de fator determinante da
derrogação implícita, pela Súmula Vinculante 25, de norma
genuinamente constitucional (art. 5º, LXVIII, última parte:
admissibilidade da prisão civil por depósito infiel), confere-lhe,
todavia, força constitucional.
8. Plena compatibilidade entre o reconhecimento da
inconstitucionalidade ora apontada – e finalisticamente
atrelada apenas à asseguração do direito fundamental ao juiz
natural e ao duplo grau de jurisdição – e o aproveitamento de
todos os atos processuais.
9. A abalizada análise do constitucionalista ALEXANDRE DE
MORAES.
10. Conclusão e pedido.
1. No julgamento a que alude o artigo 6º
da Lei nº 8.038/90, Vossa Excelência, no que tange ao que neste
passo impende destacar, anotou:
1.1. Matéria não debatida no julgamento da questão de
ordem alusiva ao desmembramento do processo.
Manutenção da unidade processual por razões de
conveniência e oportunidade e sob o influxo, apenas, de
institutos e preceitos infraconstitucionais
6
“Foi sustentada, em primeiro lugar, a
preliminar de incompetência do STF para
julgar a acusação formulada contra os 34
Acusados que não são detentores de
prerrogativa de foro, pedindo que se fixe a
competência, quanto a estes, do juiz
federal prevento para o caso - juiz federal
da 4 a Vara de Belo Horizonte (por todos, v.
(fls. 09/16 da resposta de MARCOS
VALÉRIO; fls. 3/5 da resposta de ANITA
LEOCÁDIA - Apenso 90).
Destaco, desde logo, que o tema já foi
decidido em questão de ordem, por
votação majoritária deste plenário, no
sentido da necessidade de se manter um
processo único, a tramitar perante o
Supremo Tribunal Federal. Assim, está
preclusa a matéria”2
2. A seu turno, sobredita questão de
ordem, relatou-a Vossa Excelência, ao submetê-la ao c. Tribunal
Pleno, nos seguintes moldes:
“Senhora Presidente, submeto ao
colegiado a presente questão de ordem,
nos termos do inciso III do artigo 21 do
2. Fls. 11776/11777, volume 55.
7
RISTF, a fim de que o Plenário decida
acerca do desmembramento, ou não, do
presente feito, em relação a todos ou
alguns dos denunciados no Inquérito nº
2245 que não possuem a prerrogativa de
foro prevista no artigo 102, I, b da
Constituição Federal.
A questão foi suscitada, em primeiro lugar,
pelos denunciados Anita Leocádia (Apenso
nº 90), Marcos Valério (Apenso nº 115),
Simone Reis Vasconcelos (Apenso nº 114),
nas suas respectivas peças de defesa
preliminar. Em segundo lugar, tramita na
Corte, sob a relatoria do Ministro Carlos
Britto, o Habeas Corpus nº 88.842,
impetrado pelo advogado Carlos Victor
Muzzi, que também tem como objeto o
desmembramento do presente feito.
A denúncia do Inquérito nº 2245 foi
oferecida em março do corrente ano,
imputando aos 40 denunciados os mais
diversos tipos penais, como os previstos
nos artigos 288, 312, 317 e 333 do Código
Penal e no artigo 1º da Lei nº 9.613/98.
Determinei a notificação dos denunciados,
mediante a expedição de carta de ordem,
para que oferecessem resposta nos termos
do artigo 40 de Lei nº 8.038/90. A exceção
do denunciado Carlos Alberto Quaglia,
8
todos os outros apresentaram a resposta
preliminar.
Atualmente o feito se encontra concluso
em meu gabinete aguardando a solução
da presente questão de ordem, para que
seja aberta vista ao Procurador-geral da
República, nos termos do artigo 5º da Lei
nº 8.038/90.”3
3. Nenhum dos mencionados suscitantes,
entretanto, feriu, na raiz – ou seja, na perspectiva direta e
imediata da Lei Fundamental – , o tema da ampliação da
competência penal originária do STF para o processo e
julgamento de quem não detenha a denominada prerrogativa de
foro e sua compatibilidade ou não com os postulados
fundamentais do juiz natural e do duplo grau de jurisdição,
entre outros.
3.1. Diga-se, pois: ninguém aduziu a
imprescindibilidade, para determiná-la validamente, de preceito
constitucional expresso. Tampouco, a inocuidade jurídica de
regras infraconstitucionais de modificação da competência,
como as que versam sobre conexão e continência, para, à sua
3. Acórdão publicado no DJ de 09/11/2007
9
falta, estendê-la a quem não preencha a ratio essendi da norma
esculpida no artigo 102, I, b e c, do Pacto Republicano.
3.2. Menos ainda, a
inconstitucionalidade, por injustificável garroteamento, nesse
contexto, da garantia fundamental do duplo grau de jurisdição
(artigo 8, nº 2, h, da Convenção Americana sobre Direitos
Humanos – Pacto de São José da Costa Rica, c/c artigo 5º, § 2º,
da CR), dos respectivos processo e julgamento em única e
derradeira instância.
4. Tanto assim que o voto de Vossa
Excelência, conquanto longo e denso, sequer menciona aludidos
pontos. Compreensivelmente, porém, já que assim identificou e
demarcou o objeto da controvérsia:
“Senhora Presidente, a solução a ser dada
à presente questão de ordem reveste-se
de altíssima relevância, na medida em que
ela será determinante para a garantia da
efetiva prestação jurisdicional por esta
Corte no caso sob exame.
A denúncia oferecida com suporte no
presente inquérito dirige-se contra 40
(quarenta) denunciados, sendo certo que
destes, apenas 6 (seis) possuem a
10
prerrogativa de foro prevista no artigo
102, I, b, da Constituição Federal.
Devo dizer inicialmente quo não ignoro a
circunstância de que os fatos narrados pelo
eminente Procurador-Geral da República
na denúncia são de tal forma intrincados
que, pelo menos no que diz respeito a boa
parte das condutas delitivas que deles se
podem extrair, haveria fundamentos
suficientes a justificar a incidência das
modalidades de competência por conexão
mencionado nos incisos I e III do art. 76 do
Código de Processo Penal e também da
continência, constante do inciso I do
artigo 77 do CPP.
Mas, por outro lado, considero igualmente
relevantes as alegações feitas por alguns
dos denunciados acerca da possibilidade
de desmembramento do feito, sobretudo
com vistas a viabilizar a instrução e
julgamento da eventual futura ação penal
em tempo razoável, conforme assegura o
inciso LXXVIII do artigo 5º da Constituição
Federal, acrescentado ao texto
constitucional pela Emenda Constitucional
nº 45/04.
Antes de passar ao encaminhamento que
pretendo sugerir ao colegiado com relação
a esta questão de ordem, creio ser de todo
11
conveniente proceder a uma análise, ainda
que sucinta, das questões expostas na
denúncia, não com o objetivo de aferir
neste momento a plausibilidade das
alegações (o que será feito no momento
oportuno, nos termos do artigo 6º da Lei nº
8.038/90), mas tão-somente com o intuito
de avaliar em que medida o
desmembramento é conveniente ao
julgamento de eventual futura ação
penal.”4
5. E, ao final, Vossa Excelência, depois de
rever o entendimento inicialmente manifestado sobre o
desmembramento, averbou:
“A minha proposta de desmembramento,
como procurei frisar em diversos
momentos, teve como norte um critério
puramente objetivo. Ou seja, na
impossibilidade de obtermos - com o
desmembramento proposto, sob esse
prisma - uma redução substancial do
número de acusados que permaneceriam
em julgamento perante o Supremo
Tribunal Federal, não vejo, numa análise
4. Páginas 01/02. Realces gráficos pela transcrição.
12
pragmática, nenhuma vantagem em se
desmembrar para permanecer quase o
mesmo número de denunciados.
(...)
Senhora Presidente, a proposta é coerente.
Ou se faz um desmembramento segundo o
critério subjetivo e, aí, teríamos cinco
denunciados apenas perante esta Corte, e
a outra alternativa, que é de se fazer um
desmembramento objetivo, não resultaria
em nenhuma vantagem à luz do artigo 80
do Código de Processo Penal, já que
diminuiria em um ou dois o número de
acusados. No máximo cinco. Não vejo
nenhuma vantagem prática em termos de
instrução do feito”5
6. Conveniência ou não, em “análise
pragmática” e à luz do “artigo 80 do CPP”, do
desmembramento do processo. Esta, a tônica do julgamento da
questão de ordem em apreço, como, aliás, assinalou o ínclito
Ministro CARLOS BRITTO ao julgar prejudicado o HC referido
por Vossa Excelência:
“O pedido que se contém neste habeas
corpus se encontra prejudicado. Isto
5. Fls. 1395 (primeiro trecho) e 1401 (segundo). Destaques gráficos por conta da transcrição.
13
porque o Plenário desta colenda Corte, ao
apreciar Questão de Ordem no Inquérito
2.245 (Relator o Ministro Joaquim
Barbosa), revisou deliberação anterior
(tomada na Sessão Plenária de
09.11.2006). Ao fazê-lo, afastou a
aplicação do art. 80 do CPP, para manter
íntegro o feito. Decisão essa que foi
motivada sobretudo por “não haver
vantagem prática, em termos de instrução
do feito, na adoção do critério objetivo de
desmembramento...”6
6. É o que se depreende, outrossim, da
síntese do quanto suscitado, debatido e decidido – a ementa do
acórdão relativo à questão de ordem:
“EMENTA: QUESTÃO DE ORDEM:
INQUÉRITO. DESMEMBRAMENTO. ARTIGO
80 DO CPP. CRITÉRIO SUBJETIVO
AFASTADO. CRITÉRIO OBJETIVO.
INADEQUAÇÃO AO CASO CONCRETO.
MANUTENÇÃO INTEGRAL DO INQUÉRITO
SOB JULGAMENTO DA CORTE.
Rejeitada a proposta de adoção do critério
subjetivo para o desmembramento do
6. DJ nº 38, de 26/02/2007. Nossos os destaques gráficos.
14
inquérito, nos termos do artigo 80 do CPP,
resta o critério objetivo, que, por sua vez, é
desprovido de utilidade no caso concreto,
em face da complexidade do feito.
Inquérito não desmembrado.
Questão de ordem resolvida no sentido da
permanência, sob a jurisdição do Supremo
Tribunal Federal, de todas as pessoas
denunciadas.”
7. E “resolvida” , destarte, sem qualquer
discussão ou mesmo apenas mera alusão à matéria
constitucional que empolga e respalda a arguição vertente.
8. Nem mesmo os votos vencidos,
proferidos pelos insignes Ministros SEPÚLVEDA PERTENCE e
MARCO AURÉLIO, abalaram-se a perscrutar a possível
inconstitucionalidade da dilatação da competência especial
originária do STF para o julgamento de pessoas desprovidas da
“prerrogativa de foro”.
8.1. Notadamente, acrescente-se, ante o
que aqui informa e embasa a respectiva increpação: dualismo
entre a inexistência e a necessidade de norma constitucional
expressa a contemplá-la, sobretudo em face das razões
determinantes da declaração de inconstitucionalidade dos §§ 1º
15
e 2º do artigo 84 do CPP e do cancelamento do enunciado nº 394
da Súmula do STF, assim como da consagração, como direito
individual fundamental de índole no mínimo supralegal e,
portanto, hierarquicamente superior aos institutos da conexão e
da continência, do duplo grau de jurisdição7.
8.2. O preclaro Ministro MARCO AURÉLIO,
após a ponderação de que “a reunião de ações penais pela
continência e a reunião pela conexão se fazem a partir de uma
óptica ligada, acima de tudo, à conveniência e também
direcionam a não haver decisões conflitantes a partir do mesmo
quadro delitivo, a partir dos mesmos elementos que devem ser
coligidos”8, sublinhou, é fato, que a “competência do Supremo é
estrita e está demarcada na Constituição Federal, surgindo a
famigerada – perdoem-me o vocábulo – prerrogativa de foro”9.
Deteve-se, entretanto, nessa premissa. Não marchou adiante para
versar, por exemplo, sobre o antagonismo entre a sua ampliação
por conta do que na sequência denominou de “vis attractiva” e o
caráter estrito de que afirmou revestir-se.
7. Ver-se-á, adiante, que a Súmula Vinculante 25, ao soterrar o preceito inscrito no artigo 5º, LXVIII,
da Constituição, na parte em que admitia a prisão civil de depositário infiel, por força do Pacto de San
Jose da Costa Rica, a este – e, portanto, às demais cláusulas que o compõem, uma das quais a que
solenemente assegura o duplo grau de jurisdição – a rigor confere graduação normativa equivalente
à das normas de índole constitucional. 8. Fl. 1364. Nossos os realces gráficos. 9. Idem supra. Também nossos os destaques.
16
9. Em suma, eminente Ministro relator,
nada se articulou sobre a multifária questão constitucional que
agora se agita. Rigorosamente nada.
10. Demonstra-o, à exuberância e em
definitivo , a verificação de que NÃO há, em nenhuma das cento
e vinte laudas pelas quais se espraia a v. decisão sobre a questão
de ordem em tela, nem mesmo uma única menção à
“inconstitucionalidade” , “duplo grau de jurisdição” , “Pacto
de San Jose da Costa Rica”, “direito de recorrer para
tribunal superior” , “reserva constitucional à definição da
competência especial por prerrogativa de função do STF” .
Tampouco ao enunciado 704 da Súmula 704 do STF!
1. “Como falar em preclusão sem mostrar
a identidade de partes, pedido e causa de pedir?”10
10. SUANNES, Adauto. Desembargador aposentado do TJ/SP e Membro do Conselho Consultivo do
IBCCRIM. Lei, ora a lei!. Disponível na internet: www.ibccrim.org.br - 17.05.2002.
1.2. Inocorrência, portanto, de preclusão relativamente à
inconstitucionalidade da extensão da competência especial
por prerrogativa de função ao processo e julgamento de que
não a detenha
17
2. Efetivamente, se “ (...) em qualquer das
modalidades logo acima numeradas, relativamente aos atos
decisórios proferidos pelo juiz, a preclusão nada mais é do que
a coisa julgada formal, cujo conceito absorve, impedindo as
partes de discutir e apreciar questão já decidida no mesmo
processo” 11, soa incontendível que a preclusão consumativa –
modalidade da qual deriva, para as decisões de “cunho
exclusivamente formal”12, a denominada pro iudicato – , funda-
se na “regra do ne bis in idem” e pressupõe, portanto, “que a
mesma coisa (eadem res) seja novamente pedida pelo mesmo
autor contra o mesmo réu (eadem personae) e sob o mesmo
fundamento (eadem causa petendi)”.13
3. Por aqui, todavia, identidade nenhuma
– evidenciou-se, à exaustão, no capítulo antecedente – há entre os
fundamentos da presente arguição de inconstitucionalidade da
submissão do ora peticionário à competência originária do STF
e os da decisão em face da qual, no julgamento da
admissibilidade da ação penal, a colenda Corte, ao entendimento
11. TUCCI , Rogério Lauria, Do julgamento conforme o estado do processo. São Paulo: Saraiva, 1982, p.
82. Nossos os realces gráficos. 12. M ARQUES, José Frederico, Elementos de direito processual penal. São Paulo: Bookseller, 1997, vol.
III, 1997, p. 90. 13. TORNAGHI , Hélio, Instituições de processo pena. Rio de Janeiro: Forense, 1959, v. I, p. 463. Realces
pela transcrição.
18
de que “o tema já foi decidido em questão de ordem, por votação
majoritária deste plenário, no sentido da necessidade de se
manter um processo único, a tramitar perante o Supremo
Tribunal Federal. Assim, está preclusa a matéria”, rejeitou a
“preliminar de incompetência do STF para julgar a acusação
formulada contra os 34 acusados que não são detentores de
prerrogativa de foro”.
4. A valer, enquanto a resolução da
questão de ordem “no sentido da permanência, sob a jurisdição
do Supremo Tribunal Federal, de todas as pessoas denunciadas”,
assentou-se, declaradamente, na valoração, balizada por
institutos e critérios confinados à legislação subalterna, da
“vantagem prática” de eventual desmembramento processual
(“ Rejeitada a proposta de adoção do critério subjetivo para o
desmembramento do inquérito, nos termos do artigo 80 do CPP,
resta o critério objetivo, que, por sua vez, é desprovido de
utilidade no caso concreto, em face da complexidade do feito.
Inquérito não desmembrado” ) – abstraindo-se, pois, de qualquer
perquirição, por mais rasa que fosse, sobre sua adequação
constitucional – , a pretensão ora deduzida (reconhecimento da
incompetência do STF para processar e julgar, originariamente, o
peticionário) estriba-se, não em razões de conveniência ou
utilidade, mas, bem antes e acima delas, na própria
19
inconstitucionalidade, sob vários aspectos – todos, ademais, de
extração constitucional – do alargamento da competência
especial por prerrogativa de função à base de regras processuais
(conexão e continência) desprovidas de categoria e de força
normativas aptas a tanto.
5. Não bastasse, também distintos, e em
larga medida, os “pedidos” alhures e agora deduzidos.
5.1. Alguns dos codenunciados (ANITA ,
SIMONE e MARCOS VALÉRIO, em suas respostas preliminares;
GEIZA, ENIVALDO e BRENO em petições cujo indeferimento
motivou o 3º e o 11º agravos regimentais), sob alegações como “
(...) possibilidade de desmembramento do feito, sobretudo com
vistas a viabilizar a instrução e julgamento da eventual futura
ação penal em tempo razoável, conforme assegura o inciso
LXXVIII do artigo 5º da Constituição Federal (...)”14; “(...) após o
recebimento da denúncia ocorreram fatos supervenientes que
justificariam o reexame do pedido de desmembramento do
feito, pelo plenário desta Corte. Tais fatos supervenientes,
segundo a recorrente, consistiriam na "pluralidade de defensores"
e no "elevado número de testemunhas" (...)”15; “(...) o elevado
14. Pg. 02 do voto de Vossa Excelência no acórdão da segunda questão de ordem. 15. Relatório do acórdão do 3º Agravo Regimental, pg. 04.
20
número de réus e de testemunhas, aliado a certas manobras
protelatórias praticadas por alguns dos denunciados têm
dificultado sobremaneira a conclusão da instrução do processo, a
evidenciar que, no caso, a apuração conjunta de todos os fatos
narrados na denúncia, não obstante a conexão existente entre eles,
está a servir de obstáculo à efetiva prestação de tutela
jurisdicional (...)”16, requereram – pura, simples, direta,
imediata e exclusivamente – o desmembramento ou a “cisão
processual da ação penal”.
5.2. Já o ora peticionário, bem
diversamente, requer a declaração da incompetência desse c.
STF para processá-lo e julgá-lo em única instância, porquanto –
antes, por sobre e independentemente da “conveniência”, por
tal ou qual motivo, da “unidade processual” – a prorrogação, em
virtude de regras menores, da estrita e restrita competência
estabelecida pelo art. 102, I, b, da Carta Maior ressente-se de
fulgurante, multifacetada e irremissível antinomia com o texto
e o contexto da Constituição.
5.2.1. Logo, “desmembramento”, aqui,
não constitui o pedido, mas apenas consequência, meramente
procedimental, do acolhimento da proposição de 16. Relatório do acórdão do 11º Agravo Regimental, pgs. 07/08.
21
inconstitucionalidade da submissão do peticionário, por
extensão, à competência penal originária dessa augusta Suprema
Corte.
6. Nesse lineamento, a matéria agora
aventada, na medida em que de todo alheia e estranha ao objeto
da questão de ordem em foco e da decisão nela proferida pelo c.
Plenário “no sentido da necessidade [que não se confunde com o
cabimento constitucional e, por óbvio, não o supre] de se
manter um processo único, a tramitar perante o Supremo Tribunal
Federal”, não se deixa apanhar pela preclusão:
“A doutrina, tradicionalmente, aponta três
elementos de identificação:
Petitum, o que o autor pede ao juiz. A res
petita.
Personae são as partes em litígio.
Causa petendi, a razão de pedir.
Se o mesmo autor, com o mesmo
fundamento, pede a mesma coisa, contra
o mesmo réu, a demanda é a mesma que a
anterior. Se varia qualquer dêsses
22
elementos, já não há identidade de
demanda”17
“Para que a coisa julgada, porém, atue
como impeditiva do processo, é preciso
que a segunda demanda seja idêntica à
primeira, isto é, tenha o mesmo pedido, as
mesmas partes e o mesmo fundamento
jurídico do pedido.”18
“Ainda que ocorra identidade de partes e
de pedido, não na havendo em relação à
causa de pedir, inatendível é a argüição de
coisa julgada”19
“COISA JULGADA. NÃO HÁ COISA JULGADA
QUANDO DIVERSAS AS CAUSAE PETENDI.
AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA
PROVIMENTO.”20
17. TORNAGHI , Helio, Instituições de processo penal. Rio de Janeiro: Forense, 1959, v. I, p. 414. Nossos
os destaques. 18. GRECO FILHO , Vicente, Manual de processo penal. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 61. 19. STJ, Resp 2.074-RJ, 4ª T., Rel. Min. FONTES DE ALENCAR, j. 20.03.90, DJ 30.04.1990. p. 3.529. 20. STF, AI 67168 AgR / SP, Pleno, Rel. Min. MOREIRA ALVES, j. 08.04.1976, DJ 03.09.1976.
23
“A decisão denegatória de habeas-corpus
não faz coisa julgada e, portanto, não
impede a renovação do pedido, salvo -
conforme a jurisprudência - se constituir
mera reiteração de impetração
anteriormente denegada, segundo
critérios que não têm a rigidez da
identificação das ações (precedentes). De
qualquer sorte, não se identificam – dado
que inconfundíveis os fundamentos
jurídicos respectivos – a impetração
anterior – baseada na ilicitude de
determinada prova utilizada no processo –
e o presente habeas corpus, lastreado na
preclusão da inadmissibilidade da mesma
prova”21
7. Mais não fosse, preclusão – tanto a
consumativa ou pro iudicato, como a temporal – não incide
sobre matéria de ordem pública, como o é, por natureza e
21. STF, HC 80.620-1/PE, 1ª T., Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, j. 06/03/2001, unânime. DJ
27/04/2001. Realces pela transcrição.
24
excelência, a alusiva à competência jurisdicional que, definida
ratione materiae ou personae, reveste-se de caráter absoluto:
“Eugênio Pacelli, em capítulo sobre
Jurisdição e Competência, após dissertar
sobre a especialização do Poder Judiciário a
ditar a repartição constitucional de
competências assevera relativamente à
competência em razão da pessoa do
acusado:
"Em outra via, atendendo a outro critério que
não o da especialização e, por isso, não mais
em relação à matéria, mas já ao próprio
agente do crime, é prevista a jurisdição
colegiada, ou competência originária dos
Tribunais, estabelecidas em razão das
relevantes funções públicas exercidas pelo
autor – ou acusado da infração penal, ou
seja, foros privativos ratione personae.
Em todas estas situações impõe-se o
relevante princípio do juiz natural, a ser
entendido como o órgão da jurisdição cuja
competência, estabelecida anteriormente ao
25
cometimento do fato, derive de fontes
constitucionais, legitimando a partir da
vedação, imposta ao legislador
infraconstitucional da instituição do juízo ou
tribunal de exceção (art. 5°, XXXVII, CF).
Legitimado ainda pela exigência de
julgamento da causa pelo juiz ou tribunal ali
indicados (órgão ou juiz especializado em
razão da matéria e órgão ou tribunal
colegiado em razão da função do imputado).
Em uma e outra hipótese, estaremos
diante de competências absolutas, cuja
determinação independe da vontade das
partes processuais, acusação e defesa,
diante da rigidez e da estatura da fonte
normativa de uma e outra espécie, qual
seja, a Constituição da República."
(OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de
Processo Penal. Belo Horizonte: Del Rey,
2004, p. l96).
(...)
Cabe aqui trazer a lição de Tourinho Filho
acerca da nulidade em face da
incompetência do juízo:
26
“A lei exige, para a validade do processo, a
competência do Juiz. Em se cuidando de
incompetência relativa, cumpre à parte, na
oportunidade da defesa prévia, atacá-la por
meio da exceção própria, sob pena de ter
lugar a prorrogatio jurisdiccionis. ( ... ) Sendo
absoluta, a qualquer tempo pode ser
alegada (...). Enfim: se o Juiz não tiver
competência ratione personae ou ratione
materiae, a incompetência é absoluta.”
(...)”22
“EM SE TRATANDO DE CONDIÇÕES DA
AÇÃO E DE PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS,
NÃO HA PRECLUSÃO PARA O
MAGISTRADO, MESMO EXISTINDO
EXPRESSA DECISÃO A RESPEITO, POR
CUIDAR-SE DE MATÉRIA INDISPONÍVEL,
INAPLICÁVEL O ENUNCIADO N. 424 DA
22. STF, Inq 2.051 – QO/TO, Tribunal Pleno, Rel. Min. GILMAR MENDES, j. 16/06/2005, DJ 19/08/2005.
Destaques gráficos pela transcrição.
27
SUMULA/STF A MATÉRIA QUE DEVE SER
APRECIADA DE OFICIO.”23
“Há, porém, casos em que, mesmo tendo
ocorrido decisão sobre a questão
processual, continuará franqueado o juízo
de reexame pelo Magistrado. As questões
ligadas aos pressupostos processuais e às
condições da ação, bem como todas as
demais que, sendo de ordem pública,
devem ser conhecidas de ofício pelo Juiz,
não podem sofrer os efeitos da preclusão
temporal.
Nem mesmo a preclusão consumativa é
de ser aplicada na espécie, pois aquilo que
diz respeito à legitimidade e eficácia da
própria função jurisdicional tem que ser
aferido sempre enquanto não proferida
questão de mérito (CPC, art. 267, §3º).
‘Acerca dos pressupostos processuais e das
condições da ação’ – decidiu o STF –, não
23. STJ, REsp 43.138, 4ª T., Rel. Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO, j. 19/08/1997, DJ 29/09/1997, p. 48.208.
Nossos os realces.
28
há preclusão para o Juiz enquanto não
acabar o seu ofício jurisdicional na causa
pela prolação da decisão definitiva". In
casu, a perda do poder de decidir sobre a
questão processual preliminar só ocorre
pela preclusão maior, ou seja, a coisa
julgada’24.
A preclusão pro iudicato, enunciada no art.
471 do CPC, veda ao Juiz reapreciar o que
já decidiu em torno de matéria disponível
pelos litigantes. Não aquilo que diga
respeito à ordem pública, como os
pressupostos processuais e as condições
da ação. A jurisprudência, em torno do
tema, é no sentido de que, na sistemática
do §3.° do art. 267 do CPC, não preclui,
para o Juiz, o exame dos pressupostos
processuais e condições da ação, em
qualquer grau de jurisdição, sendo-lhe
lícito "reexaminá-los", em qualquer
“ 24. STF, Pleno, Ac 268, rel. Min Alfredo Buzaid, RTJ 101/901. No mesmo sentido: STJ, 4ª T., REsp
24.258-0 RJ, rel. Min. Sálvio de Figueiredo, ac. 03.05.1994, RSTJ 64/156.”
29
tempo e grau de jurisdição, enquanto não
se exaurir o seu ofício na causa.25”26
1. Em voto sufragado, à unanimidade,
pelo colendo Plenário dessa augusta Suprema Corte, com peso e
tomo consignou o eminente Ministro CELSO DE MELLO :
“Nada pode autorizar o desequilíbrio
entre os cidadãos da República. Isso
significa, na perspectiva da pretensão
recursal deduzida pelo Deputado Federal
Vittorio Medioli, que as atribuições
constitucionais do Supremo Tribunal
“ 25. STJ, 4.ª T., REsp 18.711-0-SP, Rel. Min. Barros Monteiro, ac. 31.05.1993, DJU 30.08.1993, p.
17.296; REsp 60.110-0-GO, rel. Min. Sálvio de Figueiredo, ac. 05.09.1995, DJU 02.10.1995, p. 32.377.” 26. THEODORO JR, Humberto, A preclusão no processo civil, p. 22. In: RT 784/11.
2. Ratio essendi, natureza e caráter da competência especial
por prerrogativa de função instituída pelo art. 102, II, b, da
Constituição. O cancelamento do enunciado nº 394 da
Súmula do STF
30
Federal devem merecer interpretação que
impeça a expansão indevida da
competência originária desta Alta Corte,
para que não se transgrida com a – com a
concessão de prerrogativa de foro a ex-
ocupantes de cargos públicos ou a ex-
titu1ares de mandatos eletivos – um valor
fundamental à própria configuração da
idéia republicana, que se orienta pelo vetor
axiológico da igualdade, em ordem a
viabilizar, desse modo, em relação a
quem não mais detém certas titularidades
funcionais no aparelho de Estado, a
aplicação ordinária do postulado do juiz
natural , cuja importância tem sido
enfatizada, em sucessivas decisões, por
esta Corte Suprema (RTJ 149/962-963 –
RTJ 169/557 – RTJ 179/378-379, v.g.)
(...)
“É inquestionável que a prerrogativa de
foro, instituída em nosso sistema
constitucional, tem a sua existência
justificada pela necessidade de
preservar-se a dignidade de função de
31
proteger-se a independência de seu
exercício.
Assinale-se, no entanto, que a prerrogativa
de foro – que traduz matéria de direito
estrito – tem por destinatários,
unicamente, aqueles se encontrem "in
officio", não se estendendo, por isso
mesmo, àqueles que não mais detenham
certas titularidades funcionais no aparelho
de Estado.
(...)
É por tal razão que esta Suprema Corte já
se manifestou no sentido de que, tratando-
se de determinados ocupantes de cargos
públicos, inexiste, quanto a eles, situação
de privilégio de caráter pessoal. Trata-se,
ao contrário, de uma prerrogativa de ordem
estritamente funcional, que, prevista em
sede constitucional, destina-se a proteger
– enquanto derrogação extraordinária
dos postulados da igualdade e de juiz
natural – aquele que se acha e ainda se
encontra no desempenho de determinado
ofício público
32
(...)
Nada deve conduzir à preservação dessa
competência originária, ainda que
mediante invocação da "perpetuatio
jurisdictionis", quando cessado, como na
espécie, o desempenho funcional do cargo
ou de mandato cuja titularidade justificava
a aplicação, sempre excepcional, da regra
constitucional concernente à
prerrogativa de foro.
Cabe relembrar, neste ponto, por
necessário, que a Súmula 394 do Supremo
Tribunal Federal foi cancelada quando do
julgamento do Inq 687-QO/SP, Rel. Min.
SYDNEY SANCHES (RTJ 179/912-913),
ocasião em que esta Corte, fundada no
princípio republicano, corretamente
assinalou que "as prerrogativas de foro,
pelo privilégio que, de certa forma,
conferem, não devem ser interpretadas
ampliativamente, numa Constituição que
pretende tratar igualmente os cidadãos
comuns, como o são, também, os ex-
33
exercentes de tais cargos ou mandatos"
(grifei ).”27
2. Competência penal originária do STF por
prerrogativa de função: “matéria de direito estrito” ,
“excepcional”, visto implicar e traduzir “derrogação
extraordinária dos postulados da igualdade e de juiz natural”.
3. Estas, por sinal, as premissas
determinantes do cancelamento, também por votação unânime,
do supracitado enunciado sumular, por descabida ampliação da
competência especial por prerrogativa de foro28:
“Não há dúvida de que, no caso, se trata
de jurisdição excepcional, que afasta o juiz
natural de qualquer pessoa, chegando-se a
dizer que se trata de foro privilegiado.
(...)
A prerrogativa de foro é, sem dúvida,
excepcional. Ela afasta o Juiz natural nos
termos estritos da Constituição, ou seja,
27. Inq 1.376-AgR/MG, j. 15/02/2007. DJ 16/03/2007. Maior parte de destaques gráficos no original. 28. Inq-QO 687, Rel. Min. SIDNEY SANCHES, j. 25/08/1999, DJ 09/11/2001.
34
em favor do parlamentar que permaneça
no exercício do mandato durante o
processo e por ocasião do julgamento por
esta Corte. A Constituição não diz que essa
prerrogativa persiste, depois de o
parlamentar deixar de sê-lo, se o crime de
que ele é acusado for cometido durante o
exercício do mandato, nem que tenha sido
em decorrência desse exercício”29
“Os cidadãos devem ser julgados pelo juiz
natural de todos eles. Assim, as normas
que estabelecem foro privilegiado, que é
o nome correto do foro por prerrogativa
de função, devem ser interpretadas em
sentido estrito, sem possibilidade de
ampliação, certo que a Súmula 394
amplia, consideravelmente, esse foro,
quando não mais existente a sua razão,
segundo os que o imaginaram, porque já
não ocorrente o exercício do cargo, função
29. Ministro M OREIRA ALVES, fls. 282 (primeiro excerto) e 285 (segundo). Nossos os destaques.
35
ou mandato, pelo simples fato de que esse
exercício já fora extinto”30
1. “ Jurisdição excepcional, que afasta o
juiz natural de qualquer pessoa” , a competência criminal especial
originária do STF – tanto mais porquanto primariamente
instituída pela própria Constituição – não comporta alteração
senão por meio de norma também e necessariamente
constitucional:
“A competência originária da Corte, para o
processo e julgamento de delitos, decorre
da Constituição. Somente se altera a
30. Ministro CARLOS VELLOSO, fl. 295. Também nossos os realces gráficos.
3. Decorrente necessidade de norma constitucional expressa
para a válida ampliação dessa competência especial. Motivo e
fundamento da declaração de inconstitucionalidade dos §§ 1º
e 2º do artigo 84 do CPP, acrescentados pela Lei nº
10.628/2002
36
competência originária do Tribunal,
modificada a sede normativa.”31
2. Em consagrada monografia sobre
competência criminal, MARIA LÚCIA KARAM , depois de
enfatizar que “em regra são os órgãos jurisdicionais de 1º grau
que conhecem originalmente da causa, só excepcionalmente
cabendo aos órgãos superiores este conhecimento originário. É o
que ocorre quando, diante da necessidade de resguardar a
dignidade e a importância para o Estado de determinados cargos
público, a Constituição Federal estabelece a competência
originária dos tribunais em processos onde figurem como partes
ocupantes daqueles cargos, assim definindo a chamada
competência por prerrogativa de função. Deve se ressaltar que, na
realidade, não se tem aqui propriamente uma prerrogativa,
operando o exercício da função decorrente do cargo ocupado
pela parte como o fator determinante da atribuição da
competência aos órgãos superiores, não em consideração à
pessoa, mas ao cargo ocupado”, coerentemente adverte não
31. Ministro NÉRI DA SILVEIRA no julgamento em que se decretou o cancelamento da Súmula 394; fl.
305. Nossos os destaques.
37
estar “(...), evidentemente, o legislador ordinário autorizado a
excepcionar ou ampliar regras constitucionais” 32
3. Em questão de ordem proposta no bojo
do Inquérito 2.010-9/SP e também submetida ao Plenário, o
Exmo. Ministro MARCO AURÉLIO , relator, expressivamente
pontuou:
“A competência do Supremo Tribunal
Federal está delimitada na Constituição
Federal. Preceitua a alínea "b" do inciso I
do artigo 102, competir ao Supremo
processar e julgar, originariamente, nas
infrações penais comuns, o Presidente da
República, o Vice-Presidente, os membros
do Congresso Nacional, seus próprios
ministros e o Procurador-Geral da
República. A definição constitucional tem
como móvel o cargo ocupado e não a
proteção deste ou daquele cidadão. Esse
enfoque, calcado no princípio do juiz
32. Competência no processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 23 (primeiro trecho) e p.
67 (último). Realces pela transcrição.
38
natural, prevaleceu na ocasião em que a
Corte, apreciando questão de ordem no
Inquérito n° 687-4, a envolver o indiciado
Jabes Pinto Rabelo, veio a rever, para
cancelá-lo, o Verbete n° 394, que integrava
a Súmula da respectiva jurisprudência
predominante com o seguinte teor:
‘Cometido o crime durante o exercício funcional, prevalece a competência especial por prerrogativa de função, ainda que o inquérito ou ação penal sejam iniciados após a cessação daquele exercício’
Ora, a Lei nº 10.628/2002, ao dispor sobre
a persistência da competência especial por
prerrogativa de função, acabou
discrepando da ordem natural das coisas. É
que o Supremo Tribunal Federal, ao
cancelar o citado enunciado, procedeu à
interpretação da Carta da República, do
que se contém nas alíneas "b" e "c" do
inciso I do artigo 102 da Constituição
Federal, revelando-as definidoras da
competência maior apenas quando
39
ocupado o cargo. Em síntese, o legislador
ordinário acabou por aditar as citadas
alíneas para nelas incluir, em detrimento
de interpretação consagrada pelo Plenário
desta Corte, a continuidade do foro dito
especial por prerrogativa de função, em
que pese a cessação do exercício desta
última.
(...)
Ora, firmada a premissa de que definidora
da competência do Supremo Tribunal
Federal é a Constituição Federal, tem-se
que lei ordinária que venha alterá-la, para
elastecer ou diminuir o âmbito de
atuação, surge manifestamente
inconstitucional.”33
4. Ao julgar, em conjunto, as ADI s 2.797-
2/DF e 2.860-0/DF, ambas propostas contra os §§ 1º e 2º do artigo
84 do CPP, incluídos pela citada Lei nº 10.628/2002, esse c. STF,
por votação majoritária, pontificou, em síntese:
33. Julgamento em 23/05/2007. Unânime. DJe nº 102. Divulgação: 05/06/2008. Publicação: 06/06/2008.
Realces gráficos por conta da transcrição.
40
“III. Foro especial por prerrogativa de
função: extensão, no tempo, ao momento
posterior à cessação da investidura na
função dele determinante. Súmula
394/STF (cancelamento pelo Supremo
Tribunal Federal). Lei 10.628/2002, que
acrescentou os §§ 1° e 2° ao artigo 84 do
C. Processo Penal: pretensão
inadmissível de interpretação autêntica
da Constituição por lei ordinária e
usurpação da competência do Supremo
Tribunal para interpretar a
Constituição: inconstitucionalidade
declarada.
1. O novo § 1º do art. 84 CPrPen constitui
evidente reação legislativa ao cancelamento
da Súmula 394 por decisão tomada pelo
Supremo Tribunal no Inq 687-QO, 25.8.97,
rel. o em. Ministro Sydney Sanches (RTJ
179/912), cujos fundamentos a lei nova
contraria inequivocamente.
2. Tanto a Súmula 394, como a decisão do
Tribunal, que a cancelou, derivaram de
41
interpretação direta e exclusiva da
Constituição Federal.
3. Não pode a lei ordinária pretender
impor, como seu objeto imediato, uma
interpretação da Constituição: a questão é
de inconstitucionalidade formal, ínsita a
toda norma de gradação inferior que se
proponha a ditar interpretação da norma de
hierarquia superior.
4. Quando, ao vício de
inconstitucionalidade formal, a lei
interpretativa da Constituição acresça o
de opor-se ao entendimento da
jurisprudência constitucional do
Supremo Tribunal - guarda da
Constituição - , às razões dogmáticas
acentuadas se impõem ao Tribunal razões
de alta política institucional para repelir a
usurpação pelo legislador de sua missão de
intérprete final da Lei Fundamental: admitir
pudesse a lei ordinária inverter a leitura
pelo Supremo Tribunal da Constituição
seria dizer que a interpretação
constitucional da Corte estaria sujeita ao
42
referendo do legislador ou seja, que a
Constituição como entendida pelo órgão
que ela própria erigiu em guarda da sua
supremacia só constituiria o correto
entendimento da Lei Suprema na medida da
inteligência que lhe desse outro órgão
constituído, o legislador ordinário, ao
contrário, submetido aos seus ditames.
5. Inconstitucionalidade do § 1º do art. 84
do C.Pr.Penal, acrescido pela lei
questionada e, por arrastamento, da
regra final do § 2° do mesmo artigo, que
manda estender a regra à ação de
improbidade administrativa.
IV. Ação de improbidade administrativa:
extensão da competência especial por
prerrogativa de função estabelecida para
o processo penal condenatório contra o
mesmo dignitário (§ 2° do art. 84 do C Pr
Penal introduzido pela L. 10.628/2002):
declaração, por lei, de competência
originária não prevista na Constituição:
inconstitucionalidade”
(...)
43
3. Acresce que a competência originária
dos Tribunais é, por definição,
derrogação da competência ordinária
dos juízos de primeiro grau, do que
decorre que, demarcada a última pela
Constituição, só a própria Constituição a
pode excetuar.
4. Como mera explicitação de competências
originárias implícitas na Lei Fundamental, à
disposição legal em causa seriam oponíveis
as razões já aventadas contra a pretensão de
imposição por lei ordinária de uma dada
interpretação constitucional.”34
5. Saliente-se que, em sobredito
julgamento, Vossa Excelência – por voto, aliás, não registrado no
“extrato de ata” – concluiu pela constitucionalidade do § 1º do
art. 84 do CPP. Não, porém, por estimar juridicamente possível a
modificação de competência originária do STF mediante
preceito infraconstitucional. Mas por entender que “(...) esse
dispositivo traduz com acerto a exata finalidade da
34. Ementa do acórdão alusivo à ADI 2.797-2/DF. DJ 19/12/2006. Alguns realces por conta da
transcrição. Registre-se haver Vossa Excelência, em referido julgamento, concluído pela
constitucionalidade do § 1º do art. 84 do CPP
44
prerrogativa de foro prevista na Constituição de 1988,
vinculando-a unicamente aos atos administrativos do agente e
restringindo-a à circunstância objetivamente verificável de ser o
ato relacionado ao exercício do cargo sem que dessa disciplina
resulte acréscimo algum de competência dos Tribunais além do
que fixado pela Constituição Federal (...)”35
6. Tanto assim que, no encerramento do
voto, colacionou Vossa Excelência escólio do Min. CELSO DE
MELLO a teor do qual:
“É importante rememorar, neste ponto,
que o Supremo Tribunal Federal, em
decisão proferida em 17 de agosto de 1895
(Acórdão n. 5, Rel. Min. JOSÉ HYGINO), já
advertia, no final do século 19, não ser
lícito ao Congresso Nacional, mediante
atividade legislativa comum, ampliar,
suprimir ou reduzir a esfera de
competência da Corte Suprema, pelo fato
de tal complexo de atribuições
jurisdicionais derivar, de modo imediato,
35. Página 04 do voto lançado na ADI 2.797-2/DF.
45
do próprio texto constitucional,
proclamando, então, naquele julgamento,
a impossibilidade de tais modificações por
via meramente legislativa, por não poder
qualquer lei ordinária aumentar nem
diminuir as attribuições do Tribunal (...)'
('Jurisprudência/STF', p. 100/101, item n.
89, 1897, Rio de Janeiro, Imprensa
Nacional- grifei)."36
7. Conseguintemente:
1. Institutos processuais que, além de
confinados, em matéria de contemplação normativa primária ,
à legislação infraconstitucional, não constituem fator de
36. Página 05 do voto proferido na ADI 2.797-2/DF.
4. CPP – Conexão e continência: inidoneidade jurídico-
normativa para alargar competência de natureza
constitucional e caráter excepcional
46
definição de competência jurisdicional, mas, tecnicamente, de
mera modificação.37
2. Não encerram, portanto, nem força
normativa nem – e por conseguinte – aptidão jurídica para
alterar competência que, fixada pela própria pela Lei das leis, o
é, ademais, estritamente em razão da relevância de
determinados cargos e funções públicas (art. 102, I, b e c).
3. Menos ainda para estendê-la ao
processo e julgamento de quem não guarde relação com a ratio
essendi do preceito maior; ou seja, não ocupe nenhum dos
cargos ou não exerça qualquer das funções por ele relacionadas.
37. “ Nos artigos 76 a 82, o Código de Processo Penal prevê normas sobre a competência por conexão ou
continência. Estas, porém, não são causas determinantes da fixação da competência, como o são o lugar
do crime, o domicílio do réu etc., mas motivos que determinam sua alteração, atraindo para a
atribuição de um juiz ou juízo o crime que seria da atribuição de outro.” (M IRABETE , Processo penal.
São Paulo: Atlas, 1991, p. 173); “ (...) Também entram no conceito de prorogatio fori, os casos de
conexão e continência, pois neles, como notou Carnelutti, há um desvio de competência para tornar
possível a acumulação processual. Sucede assim que um juiz, ‘normalmente incompetente para
conhecer de uma causa, quando proposta isoladamente, torna-se competente para conhecer dela, pelo
fato de dever unir-se semelhante causa a outra, para a qual ele é competente, a fim de terem decisão
simultânea (simultaneus processus), ao mesmo tempo que outro juiz perde, correspondentemente, sua
competência na primeira causa. Em hipótese tal, a competência do juiz não se funda num título
originário e existente por si mesmo: é, antes, a conseqüência da união de várias causas’ (...)”
(FREDERICO M ARQUES, Elementos de direito processual penal. Campinas: Bookseller, 1997, p.
243/244).
47
4. Sobretudo – e definitivamente – , porque
esta competência de matriz constitucional e, mais do que
especial, excepcional mesmo, ao consagrar, como inafastável
corolário lógico-jurídico, julgamento em instância única,
suprime do acusado extraneus, a par da garantia essencial do juiz
natural , o direito , igualmente fundamental, ao duplo grau de
jurisdição.
5. Se privação tal afigura-se razoável
relativamente ao imputado que, por ostentar a condição
determinante dessa competência jurisdicional diferenciada
(“prerrogativa de foro”), sujeita-se à decorrentemente inevitável
“ coordenação e combinação dos bens jurídicos em conflito, de
forma a evitar o sacrifício total de uns em relação aos outros” 38, a
nenhum título, todavia, justifica-se no tocante àquele, qual o ora
peticionário, a ela absolutamente alheio e estranho, tanto
quanto, à consequência, ao correlato confronto de valores
constitucionais.
6. Não por acaso, pois, doutrina e
jurisprudência atentas à excepcionalidade da competência por
38. DE M ORAES, Alexandre, Constituição do Brasil interpretada e legislação infraconstitucional. São
Paulo: Atlas, 2002, p. 109.
48
prerrogativa de função e aos seus drásticos efeitos processuais,
bem como à supremacia da Constituição, proclamam:
“Naturalmente, a competência
estabelecida em regras constitucionais é
improrrogável, não comportando
modificação de qualquer natureza,
inexistindo qualquer dúvida de que o
exercício da jurisdição sem adequação ao
disposto naquelas regras acarreta a
incompetência absoluta do órgão ou
grupo de órgãos jurisdicionais que assim
atue.
(...)
“O respeito à garantia do juiz natural
certamente repercute ao mesmo tempo
que condiciona a atribuição da
competência pela vinculação de causas,
limitando o alcance dos dispositivos
estabelecidos nas regras contidas na lei
processual penal, limitações estas impostas
pela necessidade inafastável de assegurar a
presença no processo do órgão
49
constitucionalmente competente, assim
assegurando a legitimidade do exercício da
função jurisdicional.
As regras infraconstitucionais que
disciplinam a atribuição da competência
pela vinculação de causas, em nenhuma
hipótese, podem se sobrepor às regras
constitucionais concretizadoras do
princípio do juiz natural. Quando em
confronto com regra constitucional sobre
competência, a conexidade de causas
deixa de ser fator determinante da
competência, não podendo levar à reunião
de ações. Aqui, a atuação de órgãos
jurisdicionais diversos, em diferentes
processos, irá decorrer de imposição do
próprio texto constitucional, a
necessariamente resultar na consideração
isolada das causas.
(...)
Da mesma forma, a incidência da regra
contida no inciso III do artigo 78 do Código
50
de Processo Penal, que estabelece a
prevalência do órgão jurisdicional
superior, há que se condicionar ao que
dispõem as regras constitucionais que
definem a competência originária dos
órgãos de diferentes categorias, só se
podendo considerar a vinculação entre
causas como fator determinante da
reunião das ações se com esta não se
vulnerar o princípio do juiz natural
concretizado por aquelas regras.
Inobstante a cotidiana aceitação da
competência de órgãos jurisdicionais
superiores para processar cidadãos
comuns a quem se imputa a prática de
crimes alegadamente realizados em
concurso com réus que, por ocuparem
determinados cargos públicos, estão
originariamente sujeitos à jurisdição
exercida por aqueles órgãos jurisdicionais
superiores, não parece tal entendimento
51
se harmonizar com a necessária presença
no processo do juiz natural.
O Supremo Tribunal Federal vem decidindo
que o envolvimento de co-réus em crime
doloso contra a vida, havendo em relação a
um deles a prerrogativa de foro definida
constitucionalmente, não afasta quanto ao
outro a competência do júri – seu juiz
natural (posição tomada em julgamento
pelo Tribunal Pleno, em 17.06.92, no HC
69325-3, RTJ 143/925, sendo relator para o
acórdão o Ministro Marco Aurélio). Firmou-
se o entendimento de que a continência
não conduz à reunião das ações, porque
disciplinada mediante normas de índole
instrumental comum que não poderiam se
sobrepor ao preceito contido na alínea d
do inciso XXXVIII do artigo 5º da
Constituição Federal, assim se impondo a
bipartição da competência entre órgãos
jurisdicionais diversos, para que seja o
cidadão comum processado perante o júri
52
e aquele que tem a prerrogativa de foro
pelo órgão superior (no caso concreto
decidido no HC referido, o Superior
Tribunal de Justiça, já que se tratava de
conselheiro de Tribunal de Contas de
Município).
Não parece, no entanto, haver razão para
que tal entendimento se limite aos casos
de pretensão punitiva fundada em alegada
prática de crime doloso contra a vida,
igualmente havendo que se impor a
partição da competência entre órgãos
jurisdicionais diversos no caso de
envolvimento de co-réus em quaisquer
outros crimes quando não se manifeste
em relação a todos a prerrogativa de
função, ainda mais diante do entendimento
que a natureza da regra contida na alínea d
do inciso XXXVII do artigo 5º da
Constituição Federal não lhe daria um valor
superior que a fizesse se sobrepor a
quaisquer outras regras constitucionais
53
sobre competência, negando-se, naquela,
como em outras decisões que a seguiram39,
sua prevalência sobre as regras
atribuidoras da competência por
prerrogativa de função, questão a que se
tornará mais adiante.
Por ora, o que importa ressaltar é que da
mesma forma que não se pode afastar
quanto ao cidadão comum acusado da
prática de crime doloso contra a vida a
competência do júri – seu juiz natural,
tampouco se poderia afastar quanto ao
cidadão comum acusado de infração penal
diversa a natureza e competência de outro
órgão jurisdicional de 1º grau –
igualmente seu juiz natural, nenhuma
diferença havendo no fato de não estar tal
competência, no que se refere aos juízes
estaduais, explicitada em regra
constitucional específica. A competência
originária dos órgãos jurisdicionais de 1.º
39. “ Veja-se, por exemplo, o HC 70581-2, 2. T., rel Min. Marco Aurélio, j. 21.09.93, DJ 29.10.93, p.
22.935.”
54
grau das Justiças Estaduais é, tanto quanto
a competência do júri,
constitucionalmente estabelecida, sendo
apenas, porque residual, implícita e não
explicitamente atribuída. Induvidoso que o
cidadão comum tem como seu juiz natural
o órgão jurisdicional de 1.º grau, não
podendo a vinculação de causas levá-lo a
ser originariamente processado perante
órgão superior.
Os órgãos jurisdicionais superiores têm
sua competência originária atribuída em
regras constitucionais indicadoras das
hipóteses em que particularidades
encontradas em elementos da causa
(como a qualidade especial da parte que
ocupa determinados cargos públicos)
levam a um excepcional conhecimento
originário daquela pelo órgão superior,
fugindo à regra geral de serem os órgãos
jurisdicionais de 1.º grau aqueles a quem
cabe conhecer originariamente de
55
qualquer causa. A competência originária
dos órgãos superiores não pode se
estender ao exame de causas, que,
embora conexas àquelas possuidoras das
particularidades consideradas, não as
possuem, pois tal ressalva a Constituição
Federal não faz – e, não o fazendo,
mantém e impõe a competência originária
implicitamente atribuída aos órgãos
jurisdicionais de 1.º grau para toda e
qualquer causa não excepcionada nas
regras constitucionais.
Necessária, assim, a partição da
competência, em todos os casos em que,
havendo causas conexas, as regras
constitucionais atribuam a competência
originária para o exame de umas e outras
a órgãos jurisdicionais de diferentes graus,
impondo-se, para a determinação do juízo
competente a consideração isolada
daquelas causas, vedada, portanto, a
reunião das ações, deixando aqui de
56
incidir as regras infraconstitucionais que
fazem a conexidade funcionar como fator
determinante da competência, não
estando, evidentemente, o legislador
ordinário autorizado a excepcionar ou
ampliar regras constitucionais.”40
6.1. No julgamento, pelo Pleno, de medida
cautelar no HC 91.347-4/RJ, unanimemente decidiu esse
excelso Pretório:
Ementa: “INQUÉRITO – REMEMBRAMENTO
– ACUSADOS SEM PRERROGATIVA DE
FORO – CONEXÃO – CONTINÊNCIA –
SUPREMO. Não concorre a indispensável
relevância da causa de pedir do
remembramento de inquérito, presente a
competência do Supremo definida na
Constituição Federal, considerada a
disciplina legal da conexão e da
continência.”
40. KARAM , Maria Lúcia . Obra anteriormente citada, pgs. 64/67. Nossos os destaques gráficos.
57
Voto: “ (...) No mais, as normas definidoras
da competência do Supremo são de
Direito estrito. Cabe ao Tribunal o respeito
irrestrito ao artigo 102 da Constituição
Federal. Sob o ângulo das infrações penais
comuns, cumpre-lhe processar e julgar
originariamente o Presidente e o Vice-
Presidente da República, os membros do
Congresso Nacional, os próprios ministros
que o integram e o Procurador-Geral da
República, mostrando-se mais abrangente
a competência, a alcançar infrações penais
comuns e crimes de responsabilidade,
considerados os ministros de Estado, os
comandantes da Marinha, do Exército e da
Aeronáutica, ressalvado o disposto no
artigo 52, inciso I, da Carta da República,
os membros dos Tribunais Superiores, os
do Tribunal de Contas da União e os chefes
de missão diplomática de caráter
permanente alíneas "b" e "c" do inciso I do
artigo 102 da Constituição Federal.
58
Então, forçoso é concluir que, em se
tratando do curso de inquérito voltado à
persecução criminal, embrião da ação a ser
proposta pelo Ministério Público, a
tramitação sob a direção desta Corte,
presentes atos de constrição, pressupõe o
envolvimento de autoridade detentora da
prerrogativa de foro, de autoridade
referida nas citadas alíneas "b" e "c".
Descabe interpretar o Código de Processo
Penal conferindo-lhe alcance que, em
última análise, tendo em conta os
institutos da conexão ou continência,
acabe por alterar os parâmetros
constitucionais definidores da
competência do Supremo. Argumento de
ordem prática, da necessidade de evitar-
se, mediante a reunião de ações penais,
decisões conflitantes, não se sobrepõe à
competência funcional estabelecida em
normas de envergadura maior, de
envergadura insuplantável como são as
59
contidas na Lei Fundamental. O
argumento calcado no pragmatismo pode
ser refutado considerada a boa política
judiciária, isso se possível colocar em
segundo plano a ordem natural das coisas,
tal como contemplada no arcabouço
normativo envolvido na espécie.
(...)
Em síntese, somente devem tramitar sob a
direção do Supremo os inquéritos que
envolvam detentores de prerrogativa de
foro, detentores do direito de, ajuizada
ação penal, virem a ser julgados por ele,
procedendo-se ao desdobramento
conforme ocorrido na espécie”41
41. Re. Min. M ARCO AURÉLIO , j. 20/06/2007, DJ 14/09/2007. Realces pela transcrição.
5. Inexistência, no tocante à especialíssima competência penal
originária do STF por prerrogativa de função, de espaço para a
extensão, à base da teoria das “competências implícitas
complementares”, ao processo e julgamento de quem não
corporifique sua razão de ser. O artigo 52, I, da Constituição
como parâmetro interpretativo
60
1. No voto proferido no julgamento das
supracitadas ações declaratórias de inconstitucionalidade, o
insigne Min. GILMAR MENDES, depois de ressalvar, com
CANOTILHO , que "a força normativa da Constituição é
incompatível com a existência de competências não escritas,
salvo nos casos de a própria Constituição autorizar o legislador
a alargar o leque de competências normativo-
constitucionalmente especificado. No plano metódico, deve
também afastar-se a invocação de 'poderes implícitos', de
'poderes resultantes' ou de 'poderes inerentes' como formas
autônomas de competência (...)”, com ele também aduziu: “É
admissível, porém, uma complementação de competências
constitucionais através do manejo de instrumentos metódicos de
interpretação (sobretudo de interpretação sistemática ou
teleológica). Por esta via, chegar-se-á a duas hipóteses de
competências complementares implícitas: (1) competências
implícitas complementares, enquadráveis no programa
normativo-constitucional de uma competência explícita e
justificáveis porque não se trata tanto de alargar competências
mas de aprofundar competências (ex.: quem tem competência
para tomar uma decisão deve, em princípio, ter competência para
a preparação e formação de decisão); (2) competências
implícitas complementares, necessárias para preencher lacunas
61
constitucionais patentes através da leitura sistemática e
analógica de preceitos constitucionais." (...)” 42
2. E, reproduzindo passagem de sua
prestigiosa obra Curso de direito constitucional, concluiu: “o
sistema constitucional não repudia a idéia de competências
implícitas complementares, desde que necessárias para colmatar
lacunas constitucionais evidentes” 43
3. Lacuna nenhuma, entretanto, permeia a
concepção constitucional da especial competência penal
originária do STF por prerrogativa de foro. Ao menos, mas
inequivocamente, no que concerne à sua ratio essendi e à
necessariamente correlata delimitação do seu alcance.
3.1. De fato, superlativamente clara, a par
de conclusiva, a demarcação de sua causa determinante, do seu
fundamento:
“É certo que a prerrogativa de foro – cuja
existência é justificada pela necessidade
de preservar-se a dignidade da função e
42. Páginas 28/29 do voto pronunciado na ADI 2.797-2/DF. 43. Página 30 do voto e 1093 da 5ª edição do livro. Realces pela transcrição.
62
de proteger-se a independência de seu
exercício – acha-se instituída em nosso
sistema constitucional”44
“A instituição da prerrogativa de foro,
relativamente a esses agentes, não traduz
favorecimento pessoal, pois contempla as
exigências de garantia constitucional
pertinentes aos respectivos cargos e
funções, pela relevância que representam
nos Poderes correspondentes e nos
escalões hierárquicos, cuja dignidade
funcional cumpre resguardar”45
3.2. Id est: o critério informativo da
competência penal originária do STF em tela reside – e se
exaure – na relevância das funções públicas enumeradas no
artigo 102, I, letras “b” e “c” , e na necessidade de se lhes
resguardar a dignidade. Tudo quanto não se revele
intrinsecamente atado às funções públicas em face das quais
instituída a garantia constitucional da prerrogativa de foro
44. Min. CELSO DE MELLO , ADI 2.797-2/DF. 45. Des. M ÁRCIO BONILHA no voto do Min. GILMAR MENDES na ADI 2.792-2/DF.
63
afigura-se-lhe estranho e, pois, impertinente ao balizamento do
alcance da respectiva competência:
“Doutro turno, se, por razões particulares
de conveniência ou de utilidade social, o
ordenamento abre exceção ao tratamento
genérico de uma ordem de fatos, para
disciplina autônoma de certa categoria,
está claro, à míngua de razão normativa
que o legitime, que se não pode estender,
por interpretação, o regime especial a
outras hipóteses. Ao lado do regime geral
é que se acham as forças sociais
preponderantes na reconstituição
semiológica e na aplicação de toda regra
de direito positivo, sobretudo quando
hospede garantias fundamentais ou
valores individuais supremos.”46
"Do que foi dito, já se apura que o principal
critério para determinar se um dispositivo
46. Min. CEZAR PELUSO, p. 15 do voto proferido no RE 466.343-1/SP, Tribunal Pleno, j. 03.12.2008,
unânime. DJe nº 104, divulgação 04/06/2009, publicação 05/06/2009. Realces pela transcrição.
64
legal é excepcional, é sua inextensibilidade.
Quando tratarmos da interpretação
extensiva e da analogia desenvolveremos
esse ponto, e concluiremos que a "ratio
legis" de caráter geral pode estender-se
aos casos omissos, ao passo que a "ratio
legis" de caráter excepcional, há de ficar
confinada aos casos que especifica"47
3.3. De mais a mais, se, como propugna a
teoria dos “poderes implícitos”, a “(...) outorga de competência
expressa a determinado órgão estatal importa em deferimento
implícito, a esse mesmo órgão, dos meios necessários à integral
realização dos fins que lhe foram atribuídos”48, evidente
sobreleva não se inserir, entre as eventuais “competências
complementares implícitas” à expressamente prevista e
delimitada no art. 102, I, b, da Constituição, a de processar e
julgar esse c. STF, nas hipóteses de conexão ou continência,
pessoas estranhas à “prerrogativa de foro” que a determina.
47. SILVEIRA , Alípio, Hermenêutica no direito brasileiro. Apud: Voto citado na nota nº 46 retro, p. 16.
Destaques igualmente por conta da transcrição. 48. Apud: Voto do Min. CELSO DE MELLO na supracitada ADI, p. 07.
65
3.4. Apoteose do óbvio à parte, pura e
simplesmente, porque – é irrefragável – a competência originária
para julgar os acusados que a detêm em nada e por nada
pressupõe o julgamento, pelo próprio STF, dos denominados
extranei nos delitos timbrados por conexão ou continência.
3.5. Noutra formulação, sequer em tese
necessita o STF, para exercer, em sua plenitude, essa
competência penal originária, estendê-la, por conta de conexão
ou continência, ao processo e julgamento de acusados que, como
o ora peticionário, jamais hajam ostentado o status funcional que
a inspira, justifica e baliza.
3.6. É o que concretamente retratam e
demonstram os inúmeros casos em que essa colenda Suprema
Corte, sem embargo da conexão ou continência com delitos
atribuíveis a terceiros, processou e processa somente as
persecuções penais intentadas contra detentores de prerrogativa
de função. E, mais, independentemente da instauração e do
estágio, perante outros juízos, dos processos correlatos49.
49. Verbi gratia: além dos revelados pelos precedentes citados, a própria AP 536 (desdobramento do
Inq 2280, com ênfase referido nos presentes autos pelo MPF ao divagar sobre o suposto “mensalão
mineiro”): embora assentada em fatos declaradamente entrelaçados, por conexão ou continência, aos
atribuídos, noutros autos (ação penal nº 0024.09.681796-0 – 9ª V. Crim. de B. Horizonte; ação penal
66
4. Situação diversa apresenta-se, é certo, no
tocante a ex-ocupantes dos cargos públicos relacionados nos
preceitos constitucionais em foco. Mas, precisamente porquanto,
se a prerrogativa de foro “ (...) é justificada pela necessidade de
preservar-se a dignidade da função e de proteger-se a
independência de seu exercício (...)” , razoável a exegese de que a
competência criminal originária do STF, expressamente
instituída em razão dessas funções e desses cargos públicos,
compreenda, implicitamente, a de processar e julgar os que,
embora não mais os exerçam, sejam acusados por fatos
supostamente delituosos praticados ao tempo em que os
desempenhavam, a fim de que, como salientou Vossa
Excelência, se traduza, “(...) com acerto a exata finalidade da
prerrogativa de foro prevista na Constituição de 1988”.50
4.1. Prima facie perceptível, porém,
repousar essa virtual “competência implícita” em dado
substancialmente inerente ao próprio suporte causal e
teleológico do conteúdo explícito da norma constitucional da
qual extraída pelos que a enxergam.
nº 2008.38.00.034953-0 – 4ª V. Federal de B. Horizonte; ação penal nº 2009.38.00.033498-3 – 4ª V.
Federal de B. Horizonte), tramita no STF apenas em face do detentor da prerrogativa de foro. 50. “Finalidade” – cabe gizar e descabe refutar – com a qual não mantêm, sob qualquer ângulo,
afinidade nenhuma os institutos processuais da conexão e da continência.
67
4.2. E não em fator externo, estranho, de
todo alheio à sua etiologia, funcionalidade e escopo, como o
são, fora de dúvida, a conexão e a continência.
4.3. Expressiva, a esse respeito, a
verificação de que, dentre todos os casos de “interpretação
extensiva ou compreensiva do texto constitucional”, “no que se
refere à competência do STF” 51, referidos no julgamento das
mencionadas ADIs, nenhum abrange ação penal condenatória
atraída por conexão ou continência; todos, antes, tratam de
remédios heroicos constitucionais!
5. Noutro giro, importa – e muito – ter-se
em conta a expressiva circunstância de que a Carta da
República, quando efetivamente pretendeu encampar a
conexão ou continência como fator de alargamento de
competência por ela instituída, fê-lo às expressas.
5.1. Deveras. O único dispositivo da
Constituição que encerra alusão ao instituto processual em tela,
o artigo 52, depois de outorgar ao Senado Federal competência
privativa para “processar e julgar o Presidente e o Vice-
Presidente da República nos crimes de responsabilidade”, 51. Voto do Exmo. Min. GILMAR MENDES na ADI 2.797-2/DF, pgs. 29/30.
68
explicitamente adotou a conexão para expandi-la: “bem como os
Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e
da Aeronáutica nos crimes da mesma natureza conexos com
aqueles” (inciso I).
5.2. Ao empregar, assim, fórmula expressa
para ampliar competência por ela primariamente estabelecida,
categoricamente assinala a própria Lei Fundamental
consubstanciar-se esse “querer constitucional” 52 em
linguagem normativa explícita.
5.3. Outro não é, por sinal, o padrão
linguístico por ela empregado para exprimir o efetivo desígnio
de deixar campo à legislação infraconstitucional para definir
competência no âmbito das Justiças Militar, Eleitoral e do
Trabalho:
“(...)‘Cumpre asseverar, de pronto, a
evidente inconstitucionalidade das
inovações introduzidas pela Lei nº
10.628/2002 uma vez que não é possível
estender as hipóteses de competência
52. COELHO , Inocêncio Mártires. Obra ant. cit., p. 180.
69
originária ratione personae do Supremo
Tribunal Federal, do Superior Tribunal de
Justiça e dos Tribunais Regionais Federais,
previstas taxativamente na Constituição
Federal (arts. 102, 105 e 108), através de
lei ordinária. Nessa linha, é importante
perceber que sempre que a Constituição
Federal desejou cometer ao legislador
ordinário a disciplina do tema fez-se
expressa referência neste sentido,
bastando verificar, por exemplo, o que
estabelecem os seus arts. 111, § 3º, 121 e
124, parágrafo único, relativamente à
competência das Justiças do Trabalho,
Eleitoral e Militar. Em resumo, somente por
intermédio de emenda ao texto
constitucional tornar-se-á possível o
disciplinamento do foro por prerrogativa de
função em moldes diversos dos atuais,
havendo caudalosa jurisprudência do STF
no sentido de seu caráter de direito estrito
(previsão numerus clausus).
70
Relativamente aos "Tribunais de Justiça,
também é vedado à lei ordinária federal
ampliar sua competência originária, sendo
o § 1º do art. 125 da Constituição Federal
bastante claro ao estabelecer que 'A
competência dos tribunais será definida na
Constituição do Estado, sendo a lei de
organização judiciária de iniciativa do
Tribunal de Justiça', o que decorre da
própria conformação federativa.’ (grifei)”53
6. Inelutável, outrossim, a percepção de
que o cancelamento da Súmula 394 (que estendia a competência
por prerrogativa de função para inquérito ou ação penal iniciados
após a cessação do exercício funcional) – na medida em que
inspirado pela intelecção de que “a tese consubstanciada nessa
Súmula não se refletiu na Constituição de 1988, ao menos às
expressas, pois, no art. 102, I, "b", estabeleceu competência
originária do Supremo Tribunal Federal, para processar e julgar
os “membros do Congresso Nacional”, nos crimes comuns.
Continua a norma constitucional não contemplando os ex-
53. ALVES, Rogério Pacheco, Improbidade administrativa. Apud: Voto do Min. CELSO DE M ELLO na
ADI 2.797-2/DF, pgs. 09/10.
71
membros do Congresso Nacional, assim como não contempla o e
ex-Presidente, o ex-Vice-Presidente, o ex-Procurador-Geral da
República, nem os ex-Ministros de Estado (art. 102, I, “b” e “c”).
(...) Ademais , as prerrogativas de foro, pelo privilégio, que, de
certa forma, conferem, não devem ser interpretadas
ampliativamente, numa Constituição que pretende tratar
igualmente os cidadãos comuns, como o são, também, os ex-
exercentes de tais cargos ou mandatos. (...)54 – traduz, com
inexcedível clareza, a inexistência, no atual Pacto Constitucional,
de autorização “implícita” para a ampliação interpretativa da
competência penal especial por prerrogativa de função.
6.1. E se esta é a compreensão
constitucional fixada pelo Pleno dessa augusta Suprema Corte
para “ex-exercentes” dos cargos ou mandatos em virtude dos
quais a concebeu a Lei Maior, redobradamente deve sê-lo para o
cidadão que, por jamais tê-los exercido, situa-se, desde sempre e
por inteiro , à margem de sua própria razão de ser.
7. Nessa tessitura e, ressalte-se novamente,
ante a natureza e o caráter da norma que a institui (art. 102, I, b),
bem como – e em razão deles – a impossibilidade, formal e
54. Inq 687-4, Questão de Ordem, Tribunal Pleno, Rel. Min. SIDNEY SANCHES, j. 25/08/1999. DJ
09/11/2001. Ementário nº 2051-2.
72
substancial, de albergar ela “competência complementar
subjacente”, máxime porque, não é ocioso repetir, a competência
primária por ela expressamente fixada e delimitada suprime
direito fundamental, axiomático mesmo não comportar a
competência especial por prerrogativa de função em apreço
alargamento para, por força de critérios meramente
procedimentais e, de resto, sequer implicitamente presentes no
preceptivo constitucional em foco, alcançar, prejudicando-o
em larga medida, quem, na essência e no essencial, nada tenha
em comum com seu específico motivo determinante.
8. Destarte, a extensão da competência
especial em testilha a este acusado, pela via da atração, por
continência ou conexão, ao foro por prerrogativa de função dos
parlamentares denunciados, ressente-se de flagrante e
irremissível inconstitucionalidade. Tanto mais, por lhe
subtrair a garantia no mínimo supralegal – e, pois,
hierarquicamente superior às normas que preveem e regulam a
conexão e a continência55 – do duplo grau de jurisdição, às
expressas assegurada pelo Pacto de San José da Costa Rica, por
sua vez devida e vigorosamente incorporado à ordem jurídica
pátria.
55. STF, HC 88.240, Min. ELLEN GRACIE; HC 94.702, Min. ELLEN GRACIE; HC 90.172, GILMAR
MENDES.
73
9. E, como se já não fosse o bastante, a
distensão da competência penal especial em pauta à força de
critérios (conexão e continência) alienígenas, por assim dizer,
ante o texto e o contexto da norma constitucional que a institui,
também solapa, sim, o postulado do juiz natural , especialmente
na perspectiva do mandamento a teor do qual “ninguém será
processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”
(art. 5º, LIII, da CR).
9.1. É dizer: aquela “abstratamente
designada na forma da lei anterior” 56. E não há lei alguma que,
revestida da categoria normativa necessária e idônea à
modificação de competência especial definida por norma
constitucional, outorgue ao STF a de julgar, originariamente e,
pois em única instância, cidadão comum por crime conexo a
praticado por detentor de prerrogativa de função.
9.2. Particularmente relevante, no ponto,
a aferição de que esse excelso STF, ao decidir que o § 1º do art.
84 do CPP, acrescentado pela Lei 10.628/20002 e a dispor sobre
“a extensão do foro por prerrogativa de função”, “seria
incompatível com a Constituição em virtude do vício formal de
56. Apud: Constituição da República Federativa do Brasil anotada e legislação complementar. BARROSO,
Luís Roberto. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 35.
74
ter sido instituído por meio de lei ordinária ” 57, põe de
manifesto a imprescindibilidade, para a válida ampliação da
competência especial em pauta, de “norma de hierarquia
constitucional”58. Mesmo que – acresça-se – apenas para
conservá-la relativamente a ex-titulares dos cargos e funções que
a informam.
9.3. E, conseguintemente, a
impossibilidade jurídica – centuplicada, ao demais, na hipótese
de alcançar ela pessoas alheias ao móvel e ao propósito da
norma maior – de promovê-la (a ampliação) por meio de lei
infraconstitucional59. Tanto quanto e, portanto, a fortiori, de
Súmula.
57. Apud: Curso de direito constitucional. M ENDES, Gilmar Ferreira et alli. 5ª ed. São Paulo, Saraiva,
2010, p. 678. Realces gráficos pela transcrição. 58. Excerto do voto proferido pelo eminente Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE no julgamento da ADIs
2.797 e 2.860 e parcialmente transcrito na nota de rodapé nº 238 da obra anteriormente citada, p. 689. 59. Como aquela (CPP), cabe remarcar, à qual pertencem as regras da conexão e continência, institutos
sem os quais jamais competiria ao c. STF processar e julgar originariamente o ora peticionário.
6. O enunciado nº 704 da Súmula do STF: nenhum dos
precedentes que inspiraram sua edição versava sobre
competência originária do STF e, portanto, sobre julgamento
em única instância. Decorrente impertinência à espécie
75
1. A par de nem mesmo apenas
mencionado nos arrazoados e nas decisões formalmente
relacionados à “incompetência do STF”, mas substancialmente
adstritos à conveniência e oportunidade, ou não, da “cisão
processual da ação penal” vertente, o enunciado sumular em
epígrafe – a teor do qual “não viola as garantias do juiz natural,
da ampla defesa e do devido processo legal a atração por
continência ou conexão do processo do co-réu ao foro por
prerrogativa de função de um dos denunciados” – , ressente-se de
congênita inaplicabilidade à espécie.
1.1. Não por outra razão, decerto, nenhum
dos doutos Ministros, no julgamento da questão de ordem em
que se deliberou manter a unidade processual, a ele sequer se
referiu.
2. Pudera. Entre os julgados oficialmente
relacionados como “precedentes” desse verbete (RE 170125
– Publicação: DJ 9/6/1995; HC 68846
Publicações: DJ de 16/6/1995, RTJ 157/563;
HC 75841 – Publicação: DJ de 6/2/1998; HC
74573 – Publicação: DJ de 30/4/1998 60) – todos a
60. Conforme planilha detalhada exibida em consulta específica no serviço eletrônico de “Pesquisa de
Jurisprudência” desse c. STF.
76
proclamarem a “I . - Competência do Tribunal de Justiça para
julgar ação penal em que figure juiz de direito como um dos
acusados. CF, art. 98, III. II. - Competência do Tribunal de
Justiça para julgar os demais acusados, tendo em vista os
princípios da conexão e da continência e em razão da jurisdição
de maior graduação. CPP, art. 78, III.”61 – , nenhum,
literalmente nenhum, portanto, tratou de competência
originária do STF.
2.1. Tampouco – e conseguintemente – , de
julgamento em única instância; valha dizer: pelo órgão máximo
do Poder Judiciário e, pois, inapelavelmente sem “direito de
recorrer da sentença para juiz ou tribunal superior” (artigo 8,
nº 2, letra h, do Pacto de São José da Costa Rica).
3. Ostensiva, assim, a impertinência do
enunciado 704 da Súmula do STF ao quadro jurídico-
processual que, delineado, no caso vertente, pela extensão da
competência originária por prerrogativa de foro dessa augusta
Suprema Corte ao processo e julgamento de quem não a detém
e a decorrente supressão, ante a inexistência de “juiz ou tribunal
superior”, da possibilidade de manejar qualquer recurso,
61. Ementa do acórdão lavrado em um dos precedentes: HC 74.573-3/RJ, 1ª T., Rel. Min. CARLOS
VELLOSO, j. 10/03/98, DJ 30.04.98.
77
sequer tangenciado fora, em real verdade e ante a já descrita – e
radicalmente distinta – moldura fática dos casos nos quais
produzidos, por seus precedentes: competência originária de
órgãos de segunda instância, conquanto soterre a primeira, não
elimina, embora de certo modo o “afunile”, o “direito de
recorrer para juiz ou tribunal superior”.
4. Noutra formulação, o enunciado 704 da
Súmula do STF, na medida em que geneticamente atrelado a
decisões laudatórias de vis attractiva que, atinente à órgão
jurisdicional de segundo grau, estreita, mas não suprime a
possibilidade de recorrer para “tribunal superior”, não quadra,
de modo algum, à competência originária do STF, cuja
supremacia na estrutura judiciária, ao reverso, faz natimorta a
possibilidade de recurso.
5. Afora a já remarcada indeclinabilidade,
para distender essa excepcional competência penal originária, de
norma expressa e de envergadura constitucional –
especialmente por e para hipóteses estranhas à sua configuração
causal e teleológica – , os motivos determinantes do
cancelamento da Súmula 394 cunham óbice intransponível à
incidência da Súmula 704 em processo de quem não seja
detentor de “prerrogativa de foro” no âmbito do c. STF.
78
5.1. Efetivamente, se a respectiva
competência não alcança nem mesmo aqueles que, por já
haverem exercido as funções ou mandatos ou ocupado os cargos
públicos listados no preceito constitucional que a contempla,
guardam ou pelo menos guardaram relação direta e imediata
com a ratio juris dessa “derrogação extraordinária dos
postulados da igualdade e de juiz natural”62, por motivos infinitas
vezes mais óbvios e ponderosos não há fomento – lógico,
jurídico e axiológico – nenhum para estendê-la, à conta de mera
conexão ou continência – fatores de todo estranhos à sua
conformação genética e finalística e dos quais nem em tese
depende o STF para exercê-la plena e escorreitamente – a
quem, assim o ora peticionário, com ela (ratio juris) jamais
manteve qualquer vínculo, subtraindo-se-lhe, ademais e não
obstante – leia-se: sem qualquer contrapartida constitucional
(v.g.: arts. 53, caput e §§ 2º ao 6º; art. 86, §§ 2º e 3º) – , o
fundamental direito ao duplo grau de jurisdição.
5.2. Em pouquíssimas palavras e
eufemismos à parte: para ele, só ônus, sem “bônus” (imunidade
material: inviolabilidade penal por palavras, votos e
manifestações; imunidades formais: impossibilidade de prisão,
62. Min. CELSO DE MELLO , p. 09 do voto exarado no Inq 1.376 – AgR/MG, Pleno, j. 15/02/2007,
unânime. DJ 16.03.2007.
79
salvo em flagrante por crime inafiançável e, ainda assim, ad
referendum da respectiva Casa Legislativa; possibilidade de
sustação da ação penal até o término do mandato, hipótese em
que, cessada a competência originária do STF, devolve-se a
pluralidade de instâncias e, com ela, o direito de recorrer para
órgão superior)!
6. Extraordinária , inelutável convir, a
enormidade, a absurdez do quadro à luz e em face da
Constituição.
7. Pacto de São José. Status normativo, quando menos,
“supralegal”. Suficiência para tornar inaplicáveis, por
conflitarem com a “garantia mínima”, por ele estabelecida, de
“recorrer da sentença para juiz ou tribunal superior”, os
dispositivos infraconstitucionais (conexão e continência)
determinantes do deslocamento da competência penal
originária para o STF. A condição de fator determinante da
derrogação implícita, pela Súmula Vinculante 25, de norma
genuinamente constitucional (art. 5º, LXVIII, última parte:
admissibilidade da prisão civil por depósito infiel), confere-lhe,
todavia, força constitucional
80
1. Promulgada pelo Decreto nº 678, de 06
de novembro de 1992, a Convenção Americana de Direitos
Humanos – Pacto de São José da Costa Rica, à qual já havia
aderido o Governo brasileiro em 25 de setembro daquele mesmo
ano, solenemente – e, no ponto, sem qualquer reserva ou
declaração interpretativa do Brasil – estatui:
“ARTIGO 8
Garantias Judiciais
(...)
2. Toda pessoa acusada de
delito tem direito a que se
presuma sua inocência
enquanto não se comprove
legalmente sua culpa. Durante
o processo, toda pessoa tem
direito , em plena igualdade,
às seguintes garantias
mínimas :
(...)
h) direito de recorrer da
sentença para juiz ou
tribunal superior ”
81
2. Escusaria dizer que essa garantia
mínima, o direito de recorrer a juiz ou tribunal superior,
fulmina-a, na raiz, a competência penal originária do colendo
STF enquanto Tribunal postado, com efeito, no cume da estrutura
judiciária brasileira.
3. Competência especial tal – a rigor, por
esta e outras razões igualmente notórias, especialíssima – , uma
vez circunscrita ao processo e julgamento de titulares das
funções e dos cargos em face dos quais primária e estritamente
instituída por normas de envergadura maior, assenta-se,
portanto, na própria Constituição e dela diretamente decorre,
justificando, aos olhos dos que advogam sua preponderância
sobre os tratados internacionais de direitos humanos que não
preencham os requisitos de seu art. 5º, § 3º, o sacrifício do
direito de recorrer para órgão superior, a despeito de
internacionalmente consagrado como garantia mínima de toda
pessoa.
4. Na hipótese, porém, de atrair essa
competência originária, por força de dispositivos única, exclusiva
e meramente ordinários (conexão e continência), o processo e
julgamento de pessoas estranhas à sua regência constitucional –
tal e qual, exatamente, no caso vertente – , impõe-se, ante o
82
decorrente e radical conflito com o supracitado preceito do pacto
internacional em foco, o afastamento das regras
infraconstitucionais, a ele hierarquicamente inferiores,
determinantes dessa modificação da competência e, com ela, da
supressão do direito de recorrer para tribunal superior.
5. Precisamente, porque, como aduziu
Vossa Excelência, em termos mais amplos, no julgamento de um
dos precedentes da Súmula Vinculante 25:
“(...) o essencial é que a primazia conferida
em nosso sistema constitucional à
proteção à dignidade da pessoa humana
faz com que, na hipótese de eventual
conflito entre regras domésticas e normas
emergentes de tratados internacionais, a
prevalência, sem sombra de dúvidas, há
de ser outorgada à norma mais favorável
ao indivíduo.”63
63. Página 03 do voto proferido no RE 466.343-1/SP, Pleno, Rel. Min. CEZAR PELUSO, j. 03/12/2008,
unânime. DJe nº 104, 05/06/2009. Realces pela transcrição
83
6. Equivale a afirmar e o afirmou
incisivamente o Plenário no julgamento do outro precedente:
“Desde a adesão do Brasil, sem qualquer
reserva, ao Pacto Internacional dos Direitos
Civis e Políticos (art. 11) e à Convenção
Americana sobre Direitos Humanos- Pacto
de San José da Costa Rica (art. 7 Q, 7),
ambos no ano de 1992, não há mais base
legal para prisão civil do depositário infiel,
pois o caráter especial desses diplomas
internacionais sobre direitos humanos lhes
reserva lugar específico no ordenamento
jurídico, estando abaixo da Constituição,
porém acima da legislação interna. O
status normativo supralegal dos tratados
internacionais de direitos humanos
subscritos pelo Brasil torna inaplicável a
legislação infraconstitucional com ele
conflitante, seja ela anterior ou posterior
ao ato de adesão.”64
64. RE 349.703-1/RS, Rel. p/ acórdão Min. GILMAR MENDES (art. 38, IV, b, do RISTF), j. 03/12/2008.
DJe nº 104, 05.06.2009. Nossos os realces gráficos.
84
7. Para além, entretanto:
“EMENTA: PRISÃO CIVIL. Depósito.
Depositário infiel. Alienação fiduciária.
Decretação da medida coercitiva.
Inadmissibilidade absoluta. Insubsistência
da previsão constitucional e das normas
subalternas. Interpretação do art. 5º, inc.
LXVII e §§ 1º, 2º e 3º, da CF, à luz do art.
72, § 7, da Convenção Americana de
Direitos Humanos (Pacto de San José da
Costa Rica). Recurso improvido.
Julgamento conjunto do RE nº 349.703 e
dos HCs nº 87.585 e nº 92.566. É ilícita a
prisão civil de depositário infiel, qualquer
que seja a modalidade do depósito.”65
8. Ora. Decretar-se a insubsistência de
“previsão constitucional” (“art. 5º, LXVII”) em virtude,
declaradamente, de cláusula da Convenção Americana de
Direitos Humanos, “(...)ainda quando não se queira
comprometer o Tribunal com a tese da hierarquia constitucional
65. Rel. Min. CEZAR PELUSO, j. 03/12/2008, unânime. DJe nº 104, 05/06/2009. Realces pela transcrição.
85
dos tratados sobre direitos fundamentais ratificados antes da
Constituição (...)”66, substantivamente corresponde a
reconhecer ao Pacto internacional em apreço energia
constitucional67: sem ela, impotente seria ele para derrogar,
como derrogou, preceito da Lei Fundamental.
9. Nesse contexto, avulta, sobremodo, a
insustentabilidade jurídico-constitucional da submissão do ora
peticionário – por efeito, unicamente, de regras processuais
adstritas à legislação infraconstitucional, à competência criminal
que, originária do STF, sonega-lhe a “garantia mínima” de
“recorrer para tribunal superior”.
10. Mais ainda, se já não bastasse, porque a
irretorquível “insubsistência” normativa resultante desse
conflito com o art. 8, nº 2, h, do Pacto de São José não recai, ao
contrário da proclamada pelo v. julgado colacionado, sobre
66. Trecho de voto do Min. SEPÚLVEDA PERTENCE exarado na ADI 1.675 – MC e coligido ao proferido
pelo Min. LEWANDOWSKI (p. 05) no HC 88.420-2/PR, 1ª T., j. 17.04.2007, unânime. DJ 08/06/2007. 67. Admitida e defendida, com ponderosa fundamentação, pelos eminentes Ministros CELSO DE
MELLO , EROS GRAU, ELLEN GRACIE , CARLOS VELLOSO , entre outros. Para mais, “a tese da
constitucionalidade dos tratados emana de um consolidado entendimento doutrinário (Sylvia Steiner,
A convenção americana, São Paulo: RT, 2000, Antonio Cançado Trindade, Flávia Piovesan, Valério
Mazzuoli, Ada Pellegrini Grinover, Luiz Flávio Gomes etc.), que já conta com várias décadas de
existência no nosso país (...)” (A hierarquia dos tratados internacionais, SYLVIO M OTTA , professor da
Escola de Magistratura do Rio de Janeiro, Revista eletrônica CONJUR, Artigos, 18/09/2009).
86
“previsão constitucional”, visto não haver nenhuma a lastrear
ou mesmo apenas sinalizar a verberada extensão da competência
originária do STF, mas somente sobre dispositivos inferiores,
mais precisamente – e consoante o teor do voto de Vossa
Excelência, eminente Relator – , os que, contidos no CPP, versam
sobre conexão, continência, reunião e separação de processos:
“(...) haveria fundamentos suficientes a justificar a incidência das
modalidades de competência por conexão mencionado nos incisos
I e III do art. 76 do Código de Processo Penal e também da
continência, constante do inciso I do artigo 77 do CPP.”; “(...)
não resultaria em nenhuma vantagem à luz do artigo 80 do
Código de Processo Penal (...)”
12. Nesta ordem de ideias e como, na
algébrica síntese de LUIZ FLÁVIO GOMES, “(...) os tratados de
Direitos Humanos contam com status diferenciado. Possuem
valor constitucional (CF, art. 5º, § 2º) ou, no mínimo,
supralegal (voto do Min. Gilmar Mendes). Esse é o fundamento
principal do direito ao duplo grau de jurisdição no âmbito
criminal (...)”68, expletivas quaisquer outras ponderações para
que por incoercível se tenha a conclusão de que a submissão do
processo e julgamento do ora peticionário à competência
originária desse colendo STF, máxime porquanto fundada, 68. Direito de apelar em liberdade. Migalhas, 29/05/2007. Nossos os realces.
87
exclusivamente, em normas da legislação subalterna, por colidir
de chofre com o cânone, “no mínimo supralegal”, que assegura,
como “garantia mínima”, o direito de recorrer para tribunal
superior, não escapa à implacável solução de continuidade
imposta pela superioridade hierárquica do “fundamento
principal do direito ao duplo grau de jurisdição no âmbito
criminal ”.
1. A arguição de impertinência
constitucional da extensão da competência penal originária do
STF ao processo e julgamento do ora peticionário – concreta e
objetivamente alicerçada, como o demonstram as razões antes
deduzidas, no dicção da própria Lei Fundamental pela voz
dessa excelsa Corte Suprema – , antes e ao reverso de visar,
ainda que secundariamente, à nulificação de qualquer ato
8. Plena compatibilidade entre o reconhecimento da
inconstitucionalidade ora apontada – e finalisticamente
atrelada apenas à asseguração do direito fundamental ao
duplo grau de jurisdição – e o aproveitamento de todos os
atos processuais
88
processual, colima apenas a concreção dos irrecusáveis
consectários do juiz natural e do duplo grau de jurisdição, do
“direito de recorrer da sentença para juiz ou tribunal
superior” .
2. Não importa prender-se o tema, na
origem, à delimitação de competência definida ratione muneris ou
personae, posto haver esse colendo STF, ao dirimir questão
direta e imediatamente vinculada à matéria, decidido pela
validade dos processos a ela – competência originária por
prerrogativa de foro – submetidos por força de extensão de
alcance que proclamou descabida:
“3. Questão de Ordem suscitada pelo
Relator, propondo cancelamento da
Súmula 394 e o reconhecimento, no caso,
da competência do Juízo de 1° grau para o
processo e julgamento de ação penal
contra ex-Deputado Federal.
Acolhimento de ambas as propostas, por
decisão unânime do Plenário.
4. Ressalva, também unânime, de todos os
atos praticados e decisões proferidas pelo
89
Supremo Federal, com base na Súmula
394, enquanto vigorou.”69
3. Prévia e inteiramente resguardada,
assim, a possibilidade de aproveitamento de todos os atos
processuais perante e pelo juízo de primeira instância ratione
materiae e ratione loci competente para julgar, originariamente, o
ora peticionário.
1. Consultado pelo signatário sobre as
“características, abrangência e aplicação da competência penal
originária do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, bem como da
possibilidade ou não de sua ampliação pela legislação ordinária”
e, ainda, sobre “a aplicabilidade ou não das regras processuais
penais ordinárias (conexão e continência) em face da previsão
constitucional de prerrogativa de foro em razão de função (CF,
69. Ementa do acórdão lavrado no Inq. 687-4/SP, Pleno, Rel. Min. SIDNEY SANCHES, j. 25/08/1999, DJ
09.11.2001.
9. A abalizada análise do constitucionalista ALEXANDRE DE
MORAES
90
art. 102, I, “b” e “c”) e dos Princípios do Juiz Natural e do Devido
Processo Legal”70, ALEXANDRE DE MORAES, constitucionalista
cujo transcendente conceito no mundo acadêmico, doutrinário e
forense dispensa referências adicionais, esquadrinhou o tema
sob os mais variados aspectos – histórico, comparativo,
hermenêutico, entre outros – e, na esteira dos múltiplos e
indefectíveis fundamentos jurídico-constitucionais coligidos,
anotou:
“11. Esse posicionamento – previsão
constitucional taxativa das competências
originárias da CORTE SUPREMA – tem
mais de 200 anos no Direito Constitucional
norte-americano e mais de 115 anos na
doutrina e jurisprudência nacionais, pois,
igualmente, foi consagrado no Brasil desde
nossos primeiros passos republicanos (RTJ
43/129, RTJ 44/563, RTJ 50/72, RTJ
53/776), uma vez que, o SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL, que nasceu
republicano com a Constituição de 1891 e
com a função precípua de defender a
70. “Consulta Jurídica” anexa.
91
Constituição em face, principalmente, do
Poder Legislativo, por meio da revisão da
constitucionalidade das leis, jamais
admitiu que o Congresso Nacional
pudesse alterar suas competências
originárias por legislação ordinária
(AFONSO ARINOS. Curso de direito
constitucional brasileiro. Rio de Janeiro:
Forense, 1960, p. 98), pois, como
salientado por nossa CORTE SUPREMA seu
“complexo de atribuições jurisdicionais de
extração essencialmente constitucional,
não comporta a possibilidade de
extensão, que extravasem os rígidos
limites fixados em numerus clausus pelo
rol exaustivo inscrito no art. 102, I, da
Carta Política” (STF – Petição no 1.026-
4/DF – Rel. MINISTRO CELSO DE MELLO,
Diário da Justiça, Seção I, 31 maio 1995, p.
15855. No mesmo sentido: RTJ 43/129; RTJ
44/563; RTJ 50/72; RTJ 53/776).
92
12. No exercício de suas competências
originárias, que extravasam as tradicionais
competências de TRIBUNAIS ou CORTES
CONSTITUCIONAIS, o SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL analisará a questão em única
instância, desde que haja expressa e
taxativa previsão constitucional; devendo
processar e julgar originariamente os casos
em que os Direitos Fundamentais das mais
altas autoridades da República estiverem
sob ameaça ou concreta violação, ou
quando essas autoridades estiverem
violando direitos fundamentais dos
indivíduos, entre eles (CF, art. 102, I, “b” e
“c”).
(...)
16. A definição de competência em relação
à prerrogativa de foro em razão da função
rege-se, porém, pela regra da atualidade
do cargo/mandato, ou seja, tratando-se de
crime comum praticado por detentores de
foro privilegiado na vigência do
93
cargo/mandato, seja ou não relacionado
com o exercício das funções, enquanto
durar o cargo/mandato, a competência
será do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.
17. Encerrado o exercício do
cargo/mandato e, conseqüentemente,
cessada a prerrogativa de foro, não mais
subsistirá a competência de nossa CORTE
SUPREMA para o processo e julgamento,
uma vez que o próprio TRIBUNAL, por
unanimidade, cancelou sua Súmula no 394
(“Cometido o crime durante o exercício
funcional, prevalece a competência
especial por prerrogativa de função, ainda
que o inquérito ou a ação penal sejam
iniciados após a cessação daquele
exercício.”) por entender que:
“o art. 102, I, b, da CF – que estabelece a
competência do STF para processar e
julgar originariamente, nas infrações
penais comuns, o Presidente da República,
o Vice-Presidente, os membros do
94
Congresso Nacional, seus próprios
Ministros e o Procurador-Geral da
República – não alcança aquelas pessoas
que não mais exerçam mandato ou cargo”
(STF – Pleno – Inquérito no 687/SP –
questão de ordem – Rel. Min. Sydney
Sanches; STF – Pleno – Inquérito no
881/MT – questão de ordem – Rel. Min.
Sydney Sanches; STF – Pleno – Ações
Penais nos 313/DF, 315/DF, 319/DF, 656/AC
– questão de ordem – Rel. Moreira Alves,
25-8-1999 – todos no Informativo STF no
159. Conferir, ainda, nesse mesmo
sentido: STF – Inquérito no 1.461-3/AL –
Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Diário da
Justiça, Seção I, 8 set. 1999, p. 24; STF –
Pleno – Ação Penal no 313-8/DF – questão
de ordem – Rel. Min. Moreira Alves, Diário
da Justiça, Seção I, 9 set. 1999, capa; STF –
Pleno – Ação Penal no 315-4/DF – questão
de ordem – Rel. Min. Moreira Alves, Diário
da Justiça, Seção I, 9 set. 1999, p. 2; STF –
95
Pleno – Ação Penal no 319-7/DF – questão
de ordem – Rel. Min. Moreira Alves, Diário
da Justiça, Seção I, 9 set. 1999, p. 2; STF –
Inquérito no 656-4/AC – questão de ordem
– Rel. Min. Moreira Alves, Diário da Justiça,
Seção I, 9 set. 1999, p. 2; STF – Inquérito no
881-8/MT – questão de ordem – Rel. Min.
Moreira Alves, Diário da Justiça, Seção I, 9
set. 1999, p. 2).
18. O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
decidiu que não mais ocorreria a
perpetuação de sua competência para o
processo e julgamento dos crimes comuns
praticados pelas autoridades previstas no
art. 102, I, b e c, quando cessarem seus
mandatos/cargos, deixando de ser
aplicação a regra da contemporaneidade
da infração penal comum com o exercício
do mandato/cargo e, conseqüentemente,
os autos passaram a ser remetidos à
Justiça de 1o grau (Nesse sentido, conferir:
STF – Inquérito no 2.252-7/DF – Rel. Min.
96
CELSO DE MELLO, Diário da Justiça, Seção I,
25 maio 2006, p. 8; STF – Inquérito no
2.277/DF – questão de ordem – Rel. Min.
MARCO AURÉLIO, decisão: 24-5-2006,
Informativo STF no 428).
(...)
20. Dessa forma, não mais foi admitida a
perpetuação da competência do
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL para o
processo e julgamento dos crimes comuns
praticados pelas autoridades previstas no
art. 102, I, “b” e “c”, , quando cessarem
seus cargos/mandatos.
O Congresso Nacional, ignorando a
interpretação dado ao artigo 102, I, “b” e
“c”, da Constituição Federal pelo
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, editou a
Lei nº 10.628, de 24 de dezembro de 2002,
alterando a redação do artigo 84 do Código
de Processo Penal (§§ 1º e 2º); e,
estabelecendo, não só que a ação de
improbidade deveria ser proposta perante
97
o tribunal competente para processar e
julgar criminalmente o funcionário ou
autoridade na hipótese de prerrogativa de
foro em razão do exercício de função
pública; mas também, que essa
competência especial por prerrogativa de
função, tanto penal quanto por
improbidade administrativa, deveriam
prevalecer ainda que o inquérito ou a ação
se iniciassem após a cessação do exercício
da função pública (§2º, do art. 84 do CPP),
revigorando a antiga regra da
contemporaneidade fato/mandato
prevista na Súmula 394 do STF.
22. Essa extensão de competência ao
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL para o
processo e julgamento de ações penais e
ações de improbidade administrativa feriu
frontalmente a definição taxativa de
competências da CORTE SUPREMA
prevista no artigo 102, I, b da Constituição
Federal, usurpando sua função de
98
“guardião e intérprete da Constituição” e,
conseqüentemente, foi declarada
inconstitucional (STF – Pleno – Adin no
2797/DF e Adin no 2860/DF, Rel. Min.
SEPÚLVEDA PERTENCE, decisão: 15-9-2005
– Informativo STF no 401, p. 1) ...
(...)
32. As competências originárias do
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL são
expressas e taxativamente previstas pela
Constituição Federal, não se admitindo
ampliação pelo legislador ordinário, nem
tampouco com base em supostas
competências originárias implícitas.
33. Observe-se que inexistem
competências originárias implícitas no
texto constitucional, tendo sido fixado
desde logo, em relação às competências
originárias da CORTE SUPREMA
AMERICANA, assim como do SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL, não ser possível a
aplicação da Teoria dos Poderes
99
Implícitos, também criada pela CORTE
AMERICANA, pois se encontram em rol
taxativamente descrito no texto
constitucional, diversamente do que
ocorreu com o artigo II da Constituição
norte-americana, que, ao prever os
poderes e funções presidenciais, foi a
norma mais indefinida do texto, deixando
de estabelecer todos os poderes
presidenciais de antemão, permitindo,
assim, como salientado por Edward
Corwin, maior liberdade para o jogo de
forças políticas (El poder ejecutivo. Buenos
Aires: Editorial Bibliográfica Argentina,
1959. p. 42 ss.).
(...)
45. Conforme analisado anteriormente, em
Marbury v. Madison (1 Cranch 137 – 1803),
o CHIEF JUSTICE MARSHALL, após afirmar
que “a Constituição é um chefe superior,
do Direito, imutável por meios ordinários,
ou estará num mesmo nível com as leis
100
ordinárias e, como as outras, poderá ser
alterada quando o Legislativo quiser”, e
que, “certamente, todos os que têm
fundado Constituições escritas
contemplam-nas como formadoras do
Direito fundamental e supremo da Nação,
conseqüentemente, abraçam a teoria de
que cada governo deve aceitar que uma
lei ordinária em conflito com a
Constituição é inoperante”, concluiu que
estava terminantemente proibido ao
Poder Legislativo ampliar, por meio de
legislação ordinária, as competências
originárias da CORTE SUPREMA, em face
de sua previsão taxativa no texto
constitucional.
46. A mesma conclusão é inteiramente
aplicável ao SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL, cujo rol de competências
originárias é expresso e taxativamente
previsto no texto de nossa CARTA
MAGNA, sendo pacífico o posicionamento
101
do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL sobre a
impossibilidade de ampliação do rol
taxativo de suas competências
constitucionais originárias por
LEGISLAÇÃO ORDINÁRIA bem como não
sendo possível a aplicação da TEORIA DOS
PODERES IMPLÍCITOS – “inherent
powers”.
(...)
47. Tendo o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
pacificado a impossibilidade de ampliação
do rol expresso e taxativo de suas
competências constitucionais originárias
por legislação ordinária, não guarda lógica
e razoabilidade a possibilidade de se
permitir essa ampliação por aplicação
interpretativa de lei ordinária já existente,
ou seja, NÃO SE PODE EDITAR, MAS SE
PODE APROVEITAR LEI JÁ EDITADA.
48. Dessa forma, não encontra respaldo
no PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE
qualquer interpretação da legislação
102
ordinária, que, visando garantir maior
alcance à institutos infraconstitucionais
(como na espécie, conexão e continência),
acabe por permitir, que, de maneira
reflexa, o rol taxativo de autoridades
submetidas à competência penal
originária da CORTE SUPREMA possa ser
ampliado sem qualquer limitação por
simples lei ordinária.
(...)
51. O que se espera do SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL, na presente hipótese,
é uma COERÊNCIA LÓGICA entre O
PACÍFICO POSICIONAMENTO SECULAR DA
IMPOSSIBILIDADE DE AMPLIAÇÃO DE
SUAS COMPETÊNCIAS ORIGINÁRIAS POR
LEGISLAÇÃO ORDINÁRIA e A
IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DAS
REGRAS DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
(CONEXÃO E CONTINÊNCIA) AO ARTIGO
102, I, “b” e “c” DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL (FORO PRIVILEGIADO), pois como
103
apontado por AUGUSTIN GORDILLO
(Princípios gerais do direito público. São
Paulo: RT, 1977, p. 183), a decisão do
Poder Público será sempre ilegítima, desde
que sem racionalidade, mesmo que não
transgrida explicitamente norma concreta
e expressa, ou ainda, no dizer de ROBERTO
DROMI (Derecho administrativo. 6. Ed.
Buenos Aires: Ciudad Argentina, 1997, p.
36), a razoabilidade engloba a prudência, a
proporção, a indiscriminação, a proteção,
a proporcionalidade, a causalidade, em
suma, a não-arbitrariedade.
(...)
56. Na presente hipótese, portanto, o
tratamento exigível, adequado e não
excessivo exige a integral aplicação do
entendimento pacífico do SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL pela
inconstitucionalidade da ampliação de
suas competências originárias por lei
104
ordinária, também em relação às normas
ordinárias já existentes.
57. A taxatividade do rol de competências
constitucionais originárias do SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL é absoluta, não
havendo possibilidades de ampliação
direta e expressa por meio de edição de lei
ordinária, ou mesmo, indireta e reflexa,
pela aplicação da Teoria dos Poderes
Implícitos ou interpretação de lei ordinária
já existente.
58. Sob essa exegese deve ser analisada a
impossibilidade da aplicação das regras
legais de conexão e continência previstas
no Código de Processo Penal à previsão de
foro privilegiado (CF, art. 102, I, “b” e “c”),
uma vez que, estaríamos de forma
inconstitucional ampliando as
competências originárias do SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL.
(...)
105
61. Ocorre, porém, que tanto na sessão
Plenária do dia 6 de dezembro de 2006,
quanto na sessão Plenária de 28 de agosto
de 2007, o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
analisou juridicamente a questão sob a
ótica do Direito Processual Penal, ou seja,
aplicação dos critérios subjetivo ou
objetivo ao caso concreto, não tendo
ocorrido análise frontal da questão sob o
ângulo Constitucional, ou seja, sobre a
inconstitucionalidade de ampliação das
competências constitucionais da CORTE
SUPREMA por norma legal (conexão e
continência).
62. A necessidade de análise, pelo
PLENÁRIO DA CORTE, da
inconstitucionalidade de ampliação das
competências constitucionais da CORTE
SUPREMA por norma legal (conexão e
continência) se torna imprescindível
quando vários pronunciamentos
posteriores da CORTE demonstram que 8
106
(oito) dos atuais Ministros (MINISTROS
CELSO DE MELLO, MARCO AURÉLIO,
GILMAR MENDES, CEZAR PELUSO, CARLOS
BRITTO, JOAQUIM BARBOSA, RICARDO
LEWANDOWISKI e CARMEM LÚCIA) já se
manifestaram, EM DECISÕES
POSTERIORES A QUESTÃO DE ORDEM DO
INQUÉRITO 2245-QO/MG, pelo
desmembramento de inquérito, em casos
semelhantes, em face da taxatividade
constitucional das competências
originárias do STF e os 2 (dois) outros
Ministros (MINISTROS DIAS TOFFOLI e
LUIZ FUX), ainda não tiveram
possibilidade de se manifestar sobre o
assunto, conforme verificamos abaixo.
(...)
71. A presente hipótese, portanto,
apresenta-se substancialmente análoga
aos vários pronunciamentos do SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL, em especial de 8 de
seus atuais MINISTROS, e, – como
107
ressaltado por EDWARD H. LEVI, devem
levar A CORTE ao apreciar
comparativamente os argumentos
principais dos casos concretos, bem como
seus motivos, afastando eventuais
distinções consideradas razoáveis e
idôneas para a conservação de ambos
(The Nature of Judicial Reasoning, In: The
University of Chicago Law Review, v. 32, n.
3, spring 1965, p. 400); e, escolhendo os
fatos determinantes e convertendo-os em
hipótese abstrata e geral (FREDERICK F.
SCHAEUR, Playing by the rules: a
philosophical examination of rule-based
decision-making in law and in life, Oxford-
New York, Clarendon, p. 183; A. SIMPSON,
The ratio decidendi of a case and the
doctrine of binding precedent, p. 156-159),
para, então, concluir pela plena
inconstitucionalidade de ampliação das
competências constitucionais originárias
(foro privilegiado) do SUPREMO
108
TRIBUNAL FEDERAL por norma legal
(conexão e continência); bem como, por
fiel observância ao Princípio da
Razoabilidade.
72. Ressalte-se, por fim, a inaplicabilidade,
na presente hipótese, da SÚMULA 704 do
STF (“não viola as garantias do juiz natural,
da ampla defesa e do devido processo legal
a atração por continência ou conexão do
processo do co-réu ao for por prerrogativa
de função de um dos denunciados”), uma
vez que:
a)Não se refere às competências
constitucionais originárias do SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL, como flagrantemente
perceptível ao analisarmos os precedentes
desse enunciado;
b) Em relação às competências
constitucionais originárias do SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL, na hipótese, o
denominado “foro privilegiado”, 8 (OITO)
dos atuais MINISTROS já se manifestaram
109
em casos ANÁLOGOS e POSTERIORES,
conforme verificado, pela impossibilidade
de ampliação por normas legais e os
outros 2 (DOIS) atuais MINISTROS não
tiveram possibilidade de manifestação; o
que demonstra o entendimento da própria
CORTE pela inaplicabilidade da Súmula 704
à presente hipótese.
(...)
87. Importante ressaltar que as garantias
do JUIZ COMPETENTE E IMPARCIAL e do
DIREITO DE RECURSO A INSTÂNCIA
SUPERIOR quando previsto pelo
ordenamento jurídico estão consagradas
em nosso ordenamento jurídico, não só
pela previsão expressa do princípio do Juiz
Natural e do Devido Processo Legal,
Contraditório e Ampla Defesa no texto
constitucional, mas também pela
Convenção America de Direitos Humanos
– Pacto de São José da Costa Rica,
devidamente incorporada em 1992; que,
110
conforme decidiu o SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL tem status supralegal:
(...)
90. Não será possível, sob pena de grave
ferimento à Constituição Federal e a
Declaração Americana de Direitos
Humanos, APLICAR NORMA LEGISLATIVA
ORDINÁRIA (CPP – conexão ou
continência) às hipóteses de “foro
privilegiado”, de maneira a subtrair réus,
cuja competência penal originária não seja
do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, de seu
JUÍZO NATURAL, sob pena de – além das
inconstitucionalidades já citadas – efetivar-
se GRAVE RESTRIÇÃO PROTETIVA AOS
DIREITOS HUMANOS, referente ao
DEVIDO PROCESSO LEGAL, em especial ao
DIREITO DE RECORRER.
91. O próprio SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL já consagrou que, no âmbito
protetivo dos Direitos Humanos, o
princípio hermenêutico básico é a
111
aplicação da norma mais favorável à
pessoa humana:
(...)
94. A plena compatibilidade do artigo 102,
I, “b” e “c” da Constituição Federal (REGRA
EXCEPCIONAL DO “FORO PRIVILEGIADO”)
com os princípios do DEVIDO PROCESSO
LEGAL, inclusive o DIREITO DE RECORRER,
e do JUIZ NATURAL guardará sua
“coerência lógica” (GORDILLO), sua
“prudência, proporção, indiscriminação,
proteção e não-arbitrariedade” (DROMI),
com a aplicação de “critérios racionais,
sensatos e coerentes” (JOSÉ EDUARDO
CARDOSO), que determinem o A
INCOMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL para o processo e julgamento de
réus que NÃO CONSTEM taxativamente
nas previsões constitucionais de suas
competências penais originárias.”
112
1. “Os cidadãos devem ser julgados pelo
juiz natural de todos eles. Assim, as normas que estabelecem
foro privilegiado, que é o nome correto do foro por prerrogativa
de função, devem ser interpretadas em sentido estrito, sem
possibilidade de ampliação, certo que a Súmula 394 amplia[va],
consideravelmente, esse foro, quando não mais existente a sua
razão, segundo os que o imaginaram, porque já não ocorrente o
exercício do cargo, função ou mandato, pelo simples fato de que
esse exercício já fora extinto”71
2. “ Cessado esse exercício, defrontamo-
nos com acusação dirigida contra um cidadão comum. E, ele,
cidadão comum, deve ser julgado pelo juiz natural, pelo juiz
de primeira instância.”72
3. Certa e válida relativamente “ àqueles
que não mais detenham certas titularidades funcionais no
71. Voto do Ministro CARLOS VELLOSO na Questão de Ordem no Inq 687-4 (fl. 295), Pleno, j.
25/08/1999, unânime, DJ 09/11/2001. 72 . Voto do Ministro M ARCO AURÉLIO no mesmo julgamento (fl. 300).
10. CONCLUSÃO E PEDIDO
113
aparelho de Estado”73 – assim decidiu, por unanimidade, o Pleno
desse excelso STF no julgamento do qual resultou o
cancelamento da Súmula 394 – , à categoria de autêntico e
inabalável axioma erige-se a equação no tocante àqueles que,
como o ora peticionário, jamais as detiveram e que, portanto,
nunca mantiveram relação alguma com a estrita e restrita
razão determinante dessa “jurisdição excepcional, que afasta o
juiz natural de qualquer pessoa” 74
4. Ante o exposto – e exposto em plena
sintonia com a radiografia da própria Constituição estampada
nas múltiplas e expressivas decisões desse c. STF colacionadas
ao longo deste arrazoado, assim como no acurado parecer de
ALEXANDRE DE MORAES – , a esta altura cabe apenas, à guisa de
conclusão e em face da incontornável impropriedade
constitucional da extensão, ao ora peticionário, da competência
penal originária por prerrogativa de função do STF – cujo
reconhecimento aspira, espera e neste passo requer – ,
asseverar que a “racionalidade dos trabalhos do Judiciário [mas,
antes dela – e enfaticamente, como à saciedade demonstrado –
a letra, o espírito e os desígnios da Lei Fundamental] 73. Ministro CELSO DE MELLO , Inq 1.376-AgR/MG (fl. 119), Pleno, j. 15/02/2007, unânime, DJ
16.03.2007. 74. Voto do Ministro M OREIRA ALVES (fl. 282) no julgamento em que se decretou o cancelamento da
Súmula 394.
114
direciona[m] ao desmembramento do processo para remessa à
primeira instância, objetivando a seqüência no tocante aos que
não gozem de prerrogativa de foro, preservando-se com isso o
princípio constitucional do juiz natural” 75 e a “garantia
mínima do direito de recorrer da sentença para juiz ou tribunal
superior”.
Na Constituição, com a Constituição, pela Constituição,
Pede deferimento.
De São Paulo para Brasília, em 30 de agosto de 2011.
MÁRCIO THOMAZ BASTOS
OAB/SP. 11.273
75. Ministro M ARCO AURÉLIO , AP 351/SC, Pleno, j. 12/08/2004, unânime, DJ 17.09.2004.