exceção 03
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Exceção n.03, dezembro de 2008TRANSCRIPT
Publicação do Curso de Comunicação Social da UNISC - Santa Cruz do Sul - Ano 3 - Nº 3 - Distribuição gratuita
HERÓIàsavessas
Expediente 2008Exceção
Gelson Santos PereiraJornalismo - 8º [email protected]ção - Edição de Arte
Exceção 2006 Exceção 2007 Exceção 2008
Amanda MendonçaProd. em Mídia Audiovisual - 2º [email protected] - Ilustrações
Daniele HortaJornalismo - 8º [email protected]órter
Fernanda ZieppeJornalismo - 6º [email protected]órter
Guilherme Mazui Roesler Jornalismo - 8º [email protected]órter
Josiléri Linke CidadeJornalismo - 9º [email protected]órter - Revisão
Pedro Piccoli GarciaJornalismo - 4º [email protected]órter
Daiane Balardin Jornalismo - 8º [email protected]órter - Produção
Ana Flávia HanttJornalismo - 4º [email protected]órter - Opinião
Marisa Feuerborn LorenzoniJornalismo - 8º[email protected]órter - Revisão - Fotografia
Luana BackesJornalismo - 3º [email protected]órter
Letícia MendesJornalismo - 8° [email protected] - Repórter
Raisa MachadoJornalismo - 2º [email protected]órter
Sancler EbertJornalismo - 8º [email protected]órter
Rozana EllwangerJornalismo - 7° [email protected]ão
Thiago StürmerJornalismo - 5° [email protected]órter
Wesley Braga SoaresJornalismo - 6º [email protected]órter
Willian CeolinJornalismo - 3° [email protected]órter
Lázaro Paz FanfaPublicidade e Propaganda - 8° [email protected]ção de Arte
Demétrio [email protected] - Editor-chefe
UNISC - Universidade de Santa Cruz do SulAv. Independência, 2293Bairro UniversitárioSanta Cruz do Sul - RSCEP: 96815-900
Curso de Comunicação SocialBloco 15 - Sala 1506Fone: 3717-7383Coordenadora do curso: Ângela Felippi
Publicidade: Agência A4Impressão: GraphosetTiragem: 500 exemplaresAno 3 - Dezembro de 2008
O grande barato é ser fake
O dia em que o Avenida venceu o Grêmio de Ronaldinho
A cura que nasce das pirâmides
Quando o mocinho é um bandido
O lado humano do jornalismo
Quem disse que os papeleiros são todos iguais?
Dona Ondina deixou o hospital
O padre que duvida de milagres
Retratos do Santo Daime
Longe de todos e de lugar algum
O contador de histórias
No tempo em que as novelas eram no rádio
Como ser diferente em um mundo de iguais?
O afiador
Um esforço digno de notaOs professores de jornalismo opinativo costumam discutir as funções do editorial com seus alunos de duas formas. Na primeira, tradicional, usualmente se diz que o editorial representa uma polifonia de vozes que têm, no veículo em questão – revista, jornal ou qualquer outro suporte – uma espécie de lugar por meio do qual estas mesmas vozes estabelecem seus diálogos. O jornalista que escreve estes editoriais, por sua vez, interfere quase nada no texto: sua função é apenas escrever, ainda que, ao fazê-los, como sabemos, estabeleça sempre alguma interferência.
A outra forma de se explicar os editoriais, mais recente, leva em conta o fato de os sistemas, e nele o midiático, estabelecerem, também por meio dos editoriais, novos contratos de leitura a partir do que ocorre em seus interiores. Com isso, mais que dialogar com quem quer que seja, o que se faz ao escrever um editorial explicando o próprio conteúdo da publicação é oferecer aos leitores e leitoras uma espécie de contrato de credibilidade. Ou seja, a operação, ao revelar seu conteúdo, diz de seu valor.
Nesse sentido, para que esta edição da revista Exceção pudesse chegar às suas mãos, foi necessário mais que vontade de dar continuidade a um processo que se iniciou em 2006 - e seguiu em 2007 - quando alunos e professor acordaram que, ao final dos semestres letivos, fariam revistas, ao invés de provas convencionais. O conteúdo da publicação falaria pelo desempenho de cada um dos estudantes. O “mais que vontade” se explica à medida que, como não houve oferta regular da disciplina, a opção, neste 2008, foi reunir um grupo extra classe e, por meio dele, elaborar mais uma edição da Exceção.
Isso não apenas foi feito como revelou - e a revista que agora chega às suas mãos demonstra isso - o grau de maturidade alcançado pelos alunos da Unisc. Por meio deste grupo, que se reuniu após os períodos de aula, nos feriados e finais de semana para viabilizar o trabalho, a Exceção não apenas pôde ser realizada como o foi com qualidade. Quando isso acontece; quando alunos não medem esforços para dar continuidade a um projeto desta envergadura, é sinal que a universidade respira para além da sala de aula. E, se isso acontece, é porque ela está viva.
Ser cosplay é diferente
SUmário08
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1823
2630
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4045
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46
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Prometo que vou estudar libras
Freqüentemente somos bombardeados com esta história de inclusão. Óbvio, já que surdos, mudos, cadeirantes, caolhos e pernetas do mundo inteiro não só merecem, como devem estar inseridos em um cotidiano definido como “normal”. No entanto, essa história gera cada situação...
Quando eu iniciei a faculdade, meu meio de transporte para vir da querida Capital do Chimarrão Venâncio Aires era uma Topic. Uma maravilha, aliás. Te pega na porta de casa e te larga no fim do turno no mesmo lugar. Supimpa! O curioso era a viagem: além de levar alguns estudantes da Unisc, o veículo também transportava alunos que estudavam em uma escola de Santa Cruz do Sul para surdos-mudos. Não sei se você, leitor, tem a oportunidade de conviver com uma destas pessoas, mas, literalmente, elas falam mais do que qualquer um. Sério. Aquelas mãozinhas delas não param um segundo.
Nós, os “normais”, que temos naturalmente o dom da fala e da audição, passávamos a viagem ouvindo uma música, lendo alguma coisa, ou somente pensando na vida. Eles não. Eles tinham assunto para a viagem inteira. E nem a escuridão da noite atrapalhava. As luzes de néon dos celulares iluminavam as faces que se expressavam conforme as mãos iam e vinham, da direita para a esquerda, de cima para baixo, sem parar.
Uma certa tarde de domingoRozana EllwangerAna Flávia Hantt
O sol daquela tarde de 2007 iluminava tão bem a grama que por alguns momentos esqueci das minhas responsabilidades. Estava aproveitando o dia, curtindo a brisa morna como não fazia já há algum tempo. Nesse dia a grama parecia especialmente macia. Tudo estava tão perfeito que acabei perdendo a noção do tempo. Nem sei quantas horas fiquei simplesmente caminhando pelo gramado da Unisc. Até me distraí vendo alguns carros chegarem ao estacionamento – coisa que normalmente me passava despercebida.
Desses carros começaram a descer várias pessoas. Era um movimento incomum para uma tarde de domingo. De início, pensei que houvesse algum evento na universidade e os participantes estavam começando a chegar. Ledo engano. As pessoas, a maioria jovens e bonitas, começaram a tirar cordas finas e brilhantes de dentro dos seus automóveis. O brilho daqueles rolos quase transparentes sob o sol até me distraiu. Fiquei observando a movimentação, esperando que eles entrassem em algum prédio para eu poder continuar a minha deliciosa caminhada. Mas não foi isso que aconteceu.
Um grupo começou a se aproximar de mim. O olhar deles era ameaçador. Com aquela linha transparente sendo esticada e reluzindo com o sol da tarde a cena me pareceu ainda mais macabra. Tentei me acalmar, lembrando que nunca haviam feito mal para nenhum de nós, moradores tão pacíficos do câmpus. Foi então que lembrei dos meus filhos. Saí correndo de encontro ao grupo, na esperança de que seria possível passar entre eles e chegar enfim ao meu ninho. De repente, tombei no chão. Debati-me, mas não consegui mais caminhar. Minha perna estava presa naquela fina corda. Pensei que ia morrer.
O fim não chegou, mas sim uma jovem avisando: “Pode soltar. Outro grupo já conseguiu um vivo para gincana”. O ar alegre dos que seguravam as pontas da corda desapareceu e deu lugar ao desânimo. Eles então me soltaram, mas não se deram ao trabalho de tirar a corda da minha perna. Com o tempo, a dor deu lugar a uma dormência, até que um dia minha perna, já seca, desapareceu. Meus filhos cresceram e hoje têm suas próprias famílias, bem longe daqui. Eu continuo pelo câmpus. Só que agora, para procurar comida, não uso minhas patas como os outros quero-queros. Hoje, eu bato o chão com o que sobrou da minha perna.
Nesses momentos eu ficava me perguntando: o que eles estão falando? Ai, ai, ai, bichinho cruel da curiosidade... Eu ficava analisando as expressões deles. Às vezes, me parecia que estavam zangados, o semblante fechado. Em outras, um meio sorriso rasgava de entremeio o rosto, culminado com o ensaio de uma gargalhada. Talvez, sem eu saber, eles diziam entre si: “Tu viu a roupa que essa guria esta vestindo? Há, há, há... como é brega”. Ou então: “Por que ela fica olhando para a gente?”, obviamente se referindo a mim. Mas talvez não. Possivelmente conversavam coisas normais, como: “Amiga, nem te conto o que me aconteceu!”. Ou ainda: “Hoje eu comprei uma blusa ma-ra-vi-lho-sa na liquidação”.
Pois bem. O que aconteceu foi que uma certa noite, talvez por já não agüentarem mais me verem as observando, elas iniciaram uma conversa comigo. Sim, um diálogo, com todas aquelas mãozinhas se mexendo de um lado para o outro. Emudeci. O que eu faço agora? O que elas estão me dizendo? Para essa pergunta, eu nunca tive resposta. Sorri, concordei com a cabeça, sorri de novo. Fiquei olhando para elas com uma cara débil e elas, gesticulando, gesticulando, gesticulando... Até que as meninas se entreolharam, trocaram um sorriso cúmplice e sentaram eretas em seus bancos. Eu, continuei com a mesma cara de quem não entendeu nada. Desde aquele dia, prometi para mim mesma que ia estudar libras.
O beabá da vida de um
fake
A primeira tarefa é criar uma conta
no Orkut. A fantasia começa logo no
cadastro, quando é solicitado um nome
para o perfil. Os fakes costumam batizar
a si mesmos com apelidos enfeitados,
bem-humorados ou em inglês. Caso
falte criatividade, basta acessar uma
das comunidades especializadas,
administradas por pessoas que oferecem
longas listas de nomes e os enfeitam, se
solicitado. Alguns nomes: # blethi gossip,
.sentaeabaixa ♦, + shapadodecima,
chicken boy ! :)
A foto que estampa o perfil é um
elemento importante para facilitar a
formação da rede de relacionamentos.
Alguns fakes são atraídos pela beleza das
imagens. Há quem opte por celebridades
ou personagens de desenhos, mas a
maioria utiliza fotos de jovens em poses
sensuais.
Com o perfil pronto, a regra é
engordar a lista de relacionados. É
permitido adicionar qualquer um, sem
necessidade de autorização ou mesmo de
conhecer a pessoa.
Os fakes podem escolher os seus
familiares. Bastar selecionar alguém
com quem simpatize e a partir daquele
momento chamá-lo de pai, filho, primo ou
padrinho. É possível visitar uma agência
de famílias, onde não faltarão opções. E
se houver algum atrito, não há nada que
impeça o desmanche dos laços.
Os ambientes fakes estão sempre
muito movimentados. Para fazer amigos
ou arranjar namorados, o ideal é ir até
uma festa e convidar alguém para dançar.
A intimidade vai surgir aos poucos.
Provavelmente, alguém vai pedir para
falar por MSN ou convidar para ir a outro
espaço, como uma sorveteria ou motel.
O fake “morre” quando o perfil é
deletado, o que geralmente acontece no
momento em que os internautas enjoam
de seus personagens.
Nem Os cães escapamSe o que acontece no universo fake é fruto da imaginação criativa de internautas, aos poucos tudo passa a ser permitido. Até os cachorros ganharam o direito de ocupar as páginas do Orkut. O curioso é que, além dos perfis com foto e descrição, eles também interagem com outros cães cadastrados, arranjando amigos e namorados. As mensagens trocadas entre eles possuem algumas peculiaridades: o som do latido é incluído no meio de algumas palavras (“aubrigado”, “me aujudem”), e ao invés de enviar beijos ou abraços, mandam “lambidas”.
são vistas descrições de trocas de beijos, ca-
rícias e até relações sexuais.
O empenho em ser falso é tão gran-
de que a entrada nestes espaços de usuá-
rios que estejam sob suas reais identidades
não é aceita. O perfil verídico de cada fake
é chamado de off e raramente torna-se
pauta de alguma discussão entre eles. Os
internautas resistem em se deixarem co-
nhecer de verdade, pois gostam mesmo é
de estar atrás de suas máscaras virtuais. É
o caso da jovem Priscila (nome fictício), de
15 anos, que se diz viciada em manter per-
sonagens no Orkut. Em três anos já criou
16 perfis falsos e se diverte com o jogo ao
fazer coisas que na vida real não faz. “Eu
nunca fui em baladas nem fiz sexo, mas
meu fake já”, conta.
Ogrande
baratO é ser fake
Não é fácil saber exatamente quem eles são, de onde
vêm e qual sua lógica de funcionamento. O objetivo da
brincadeira, que se realiza no Orkut, é bastante simples:
criar um mundo paralelo. E acreditar que ele existe.
Pedro Garcia
Os ambientes virtuais que re-
produzem aspectos da vida
real são cada vez mais po-
pulares em todo o mundo.
Por meio de simuladores como o famoso
Second Life, internautas mantém existên-
cias paralelas, geralmente muito diferentes
das suas realidades. Atualmente, o exemplo
mais visível dessa mania é o universo dos
fakes, cuja lógica de funcionamento extra-
pola os limites da imaginação.
É difícil traçar o perfil dos adeptos do
fenômeno, já que o sentido da brincadeira
é apenas um: ser falso. O que antes eram
apenas brincalhões querendo se passar por
celebridades e pessoas mal-intencionadas
tentando difundir material ilegal, hoje é algo
muito maior e mais complexo. Os usuários
do Orkut registram-se com identidades fal-
sas e passam a interagir com outros que fi-
zeram o mesmo. O diferencial desta grande
comunidade de seres fictícios é que toda a
comunicação se dá apenas por meio do tex-
to, sem servidores ou animações tridimen-
sionais. Os espaços e as redes de relaciona-
mento são criados e simulados somente na
troca de mensagens entre os personagens,
que não é controlada nem regulamentada.
Encarnados em suas propriedades
fakes, os internautas estão a todo tempo
dialogando. Um dos principais objetivos
do jogo é atrair o maior número de amigos
possível. Por isso é comum que um usuário
seja adicionado à lista de relacionados de
outro com o qual nem sequer trocou quais-
quer palavras. Já a constituição de uma
família é um pouco mais complicada. Os
fakes necessitam conquistar uns aos outros
para poderem conviver e serem chamados
de pai, mãe, filho, filha etc. As agências de
adoção foram criadas para facilitar esse pro-
cesso. Os usuários costumam ir até elas e
fazer pedidos do tipo “quero uma família
bem bonita” ou “posso ser madrinha de
alguém?”.
Da mesma forma, os vínculos amo-
rosos surgem após um certo tempo de in-
teração. Os fakes se conhecem em festas
ou praias e acabam estreitando laços. Os
detalhes destes ambientes – e outros como
motéis, restaurantes, shoppings, salas de ci-
nema e parques aquáticos – são descritos
nos diálogos, assim como os movimentos e
ações dos personagens. A todo momento
Foto
s: M
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ex
Ceçã
O10 O dia em que O
avenida venceu O grêmiO de Ronaldinho
Em 27 de maio de 1999, o
Avenida, de Santa Cruz do Sul,
reestreou na primeira divisão
gaúcha derrotando o Grêmio,
capitaneado por ninguém menos
que Ronaldo de Assis Moreira.
fale a líNgua certa
Na festa‘[C]aííö - chegando sozinho bebendo Ice sentando olhando o movimentoCÁTÄPÕRÂ - chegando oi, quer dançar?===========================‘[C]aííö - mas é claro! levantando pegando na mão dançandoCÁTÄPÕRÂ - sorrindo dançando
vítima dOs fakesOs nomes, as características e os relacionamentos dos fakes são inventados, mas as fotos utilizadas por eles são arranjadas na internet. Isso significa que qualquer pessoa que poste uma imagem sua na rede pode acabar estampando um perfil falso no submundo do Orkut. Foi o que aconteceu com a estudante Marília Rohr, que se surpreendeu ao receber a mensagem de uma desconhecida avisando-a que alguém estava usando suas fotos. Assustada, ela foi investigar e descobriu que a fake chamada Marina tinha mais de 400 amigos, recebia muitas mensagens e até havia feito montagens com suas fotos. “Minha imagem ganhou um nome e uma personalidade que sei lá eu como era”, relata. Marília fez uma denúncia aos administradores do site e o perfil foi deletado.
O gol histórico começou com um escanteio para a equipe gremista, cobrado pelo camisa 10, Ronaldinho.
iLust
raçõ
es: g
iuse
pe Fo
ntan
ariToda a interação acontece por meio dos
textos nos quais são descritas as ações e os
ambientes. Confira alguns diálogos fakes:
Na pizzaria•sex.mashine• - entrando olhando para os lados, te procurando// - sentando numa mesa mascando chiclé===========================•sex.mashine• - Oi! dois beijinhos no rosto// - vamos pedir?===========================•sex.mashine• - vamos, to com fome! rindo do que vc prefere?// - 4 queijos! Eu amo gorgonzola!===========================•sex.mashine• - tô dentro! chamando o garçom vou querer uma pizza média de 4 queijos bem caprichada e pra beber uma coca. e vc amor?// - Coca Zero e sem limão por favor.
A bola pererecando na área
encontra os pés de Marqui-
nhos. Conduzida, atravessa
o gramado até ser rolada ao
centroavante. Com tiro seco, cruzado, Cley
a faz passear no fundo das redes. Assim,
o Avenida, o “esquadrão verde” da várzea
de Santa Cruz, fez história. Por 1 a 0, con-
sumou sua única vitória sobre o Grêmio. O
feito por si só já mereceria destaque, porém
havia algo mais. Trajava a camisa 10 tricolor
um tal Ronaldo de Assis Moreira, vulgo Ro-
naldinho Gaúcho.
Era 27 de maio de 1999, quinta-
feira. Irmãos, gremistas e avenidenses, Ro-
drigo e Renato Sperb tiveram certeza do
gol quando Marquinhos arrancou. “Nin-
guém marcou o cara, foi a falha mais bi-
sonha que já vi”, recorda o primeiro. “Eu
tava de sangue doce, usei uma camisa de
Guilherme MazuiMarisa Lorenzoni
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cor neutra, não torcia para ninguém, mas
o gol me tirou do sério e me deixou feliz
ao mesmo tempo”, completa Renato, 50%
furioso pelo fiasco gremista, 50% contente
pelo feito do seu Esporte Clube Avenida.
Após 21 anos de exílio na segunda divisão
gaúcha, o Periquito, fechado em 1991 e re-
aberto em 1998 na terceira divisão, voltava
ao grupo de elite com a mais importante
vitória dos seus 64 anos de vida.
O jornal Gazeta do Sul, na sua edi-
ção de sexta, resumiu a sensação geral em
uma frase: “Belisque-se torcedor Periqui-
to!” Era preciso. O santo avenidense jogou
demais. No domingo anterior, o time, com
um homem a menos desde os quatro minu-
tos do primeiro tempo, superou o Brasil de
Pelotas por 2 a 1 no Estádio dos Eucaliptos,
sua casa. O resultado deu-lhe o título da Di-
visão de Acesso e o direito de entrar direto
nas quartas-de-finais do Gauchão, diante
do dono da melhor campanha.
A conquista trouxe a Santa Cruz
o Grêmio de Celso Roth, conduzido pelo
goleiro Danrlei e o lateral Roger, campeões
da América e do Brasil; o lateral Zé Carlos,
ex-seleção brasileira; o volante Fabinho,
também campeão da América; e Ronaldi-
nho, futuro campeão mundial, campeão
europeu, melhor jogador do mundo. “O
comentário antes do jogo apontava gole-
ada, massacre. Não tinha como comparar
os times”, relembra Sérgio Rusch, outro
gremista e avenidense presente nos Euca-
liptos.
Os craques do Periquito, apelido ca-
rinhoso do Avenida, eram o meia Marqui-
nhos, ex-Caxias, e o centroavante Cley, ex-
Avaí. Para evitar que o grupo esmorecesse,
o técnico Vacaria, lateral do Inter nos anos
70, blindou o vestiário. A diretoria também
deu seu empurrãozinho. Vice-presidente na
época, Silvio Rech chamou o capitão Pedri-
nho para conversar. “Disse para ele que,
se vencessem, a renda do jogo era deles.
Deu uns R$ 35 mil, mais R$ 5 mil dos ex-
presidentes”, revela.
Depois de colocar o Avenida moti-
vado frente ao rival, o arcanjo verde apron-
tou mais uma. O carnê do Gauchão previa
a partida para quarta-feira. No entanto,
choveu torrencialmente em Santa Cruz. Às
15h30, o árbitro Vinícius Costa chamou os
presidentes das equipes ao centro do cam-
po. De sapatos encharcados, os dirigentes
foram informados do adiamento. Aí, apa-
receu Danrlei e a soberba. “Ele falou para o
Guerreiro (José Alberto, presidente tricolor)
que eles não iriam ficar ali, que aquilo (o es-
tádio) era um chiqueiro”, recorda Cláudio
Hansel, manda-chuva periquito na ocasião.
O jOgOA chuva que encharcou o gramado
com poças deu lugar ao céu azul na quin-
ta, que lotou o estádio. A diretoria preci-
sou colocar uma arquibancada móvel atrás
de uma das goleiras, espaço ocupado em
minutos. Para atender a demanda, um
caminhão estacionou ao lado. Feito pau-
de-arara, acomodou mais outra penca de
torcedores. “Nunca vi tanta gente naquele
campo. Era difícil caminhar. Tudo culpa do
Grêmio”, diz Renato Sperb, que assistiu ao
jogo em pé, agarrado no alambrado em
frente ao caminhão.
O interesse residia no Grêmio, em
especial no seu camisa 10. Ainda sem as
longas madeixas, o dentuço seria ao final
daquele Gauchão campeão e jogador de
A zaga do Avenida, com uma cabeçada, afastou o perigo da área alvi-verde.
A bola caiu nos pés de Marquinhos, que avançou pelo meio e passou por três advresários antes de tocar para Cley.
Carlos Mendes, Márcio Haubert, Ênio, Pedrinho e Cley (Avenida); Éder, Roger, Ronaldinho e Agnaldo (Grêmio)
AVENIDA
GRÊMIO
Samuel; Rodrigo (Carlos Mendes), Aládio, Márcio Haubert e Adílson (Jorjão); Ênio, Pedrinho, Daia e Leandro Somavilla; Marquinhos e Cley (Alessandro)Técnico: Vacaria
Danrlei; Zé Carlos (Gavião), Émerson, Éder e Roger; Capitão, Fabinho, Itaqui e Ronaldinho; Macedo (Rodrigo Graal) e Magrão (Agnaldo)Técnico: Celso Roth
Gol
Árbitro
Avenida: Cley aos 22 minutos do primeiro tempo
Vinícius Costa
RendaR$ 29.939,00 para 4.093 pagantes
LocalEstádio dos Eucaliptos, dia 27 de maio de 1999, em Santa Cruz do Sul
Cartões amarelos
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seleção brasileira. Seus dribles já carrega-
vam multidões. Em Santa Cruz, as escolas
liberaram os alunos, ávidos pelo craque.
Resultado: mais de quatro mil pessoas no
maior público que o estádio já registrou.
No aquecimento, nova mostra de
soberba tricolor. “Eles olhavam como quem
diz ‘o que vocês querem, seus assalariados?
Eu vou para o caviar e vocês para a galinha-
da’”, lembra Pepe Soares, repórter de rádio
no jogo. Às 15h30 Vinícius Costa abriu o
caminho do anjo-da-guarda avenidense.
Com quatro minutos o experiente Macedo
sente o joelho. Aos dez, gira cai e dá lugar
a Rodrigo Graal.
Aos 11, o zagueiro Aládio bate a
falta de longe, Danrlei solta e Cley emen-
da no rebote. Emerson salva de carrinho.
Ronaldinho é discreto. Por enquanto está
bem vigiado pelos volantes Ênio e Daia. “A
gente tentava marcá-lo. Acho que ele deu
balãozinho em todo nosso meio-campo”,
relembra Daia, incumbido da missão pelo
zagueiro Aládio. “Numa bola ele (Ronaldi-
nho) veio pedalando para tudo que é lado
e eu tive a felicidade de ceder o escanteio.
Daí falei para o Daia, ‘cola nele que o ho-
mem é ligeiro’.”
Aos 22, o ainda sorridente cami-
sa 10 encontra Graal, que aciona Itaqui.
O chute desvia na zaga e vira o escanteio
fatal. Ronaldinho ergue na segunda tra-
ve, quando a bola encontra Marquinhos.
“Lembro que o Pedrinho passou pedindo
e abriu o corredor. Dei nove toques na bola
até eu ver o Cley e tocar”, conta o prota-
gonista do lance. Solitário no meio da de-
fesa, Cley, que havia prometido gol, ajeita
e bate seco, certo do dever cumprido. “Eu
falei que era jogador de primeira divisão”,
avisou, no intervalo.
No minuto seguinte, a trave impe-
diu outro. O lençol de Ronaldinho termina
em contra-ataque. Cley invade a área, bate
firme e Danrlei solta. Adílson apanha o re-
bote, com o desvio que chega à testa de
Marquinhos e dela ao pé da trave. Quem
pensa que o santo verde saiu de campo,
engana-se. Ele segue afiado e tira mais três
gremistas de combate. Aos 22, Zé Carlos,
e aos 41, Magrão, sentem problemas mus-
culares. Gavião e Marco Antônio entram.
No começo do segundo tempo, o volante
Capitão também se lesiona. Como as subs-
tituições esgotadas, o Grêmio fica com um
a menos.
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a cuRa que nasce das piRâmides
Em Venâncio Aires existe um instituto
que busca o equilíbrio energético por
meio da canalização de energia cósmica.
Tudo se iniciou a partir das experiências
científicas de três estudantes, ainda
em 1978: eles descobriram que a mais
famosa invenção dos faraós ajudava a
conservar feijões.
Imagine a cena: você está com uma
enxaqueca terrível, ou então sofre de
uma doença grave. Para o tratamento,
senta-se em baixo de uma pirâmide e
espera que a energia cósmica canalizada
realize a cura. Isso mesmo. Em Venâncio
Aires, existe há 26 anos um instituto que
pesquisa exatamente isso: a energia das pi-
râmides e as suas propriedades benéficas.
Os estudos que levaram à funda-
ção do Instituto de Pesquisas Energéticas
de Venâncio Aires (Ipenva) iniciaram em
1978, quando três estudantes, montaram
um projeto para uma Feira de Ciências so-
bre a conservação de alimentos por meio
da energia canalizada pelas pirâmides. Eles
colocaram feijões, soja e outros alimentos
para secar sob pirâmides de diferentes ta-
manhos e em diversas posições em relação
aos pontos cardeais. No entanto, apenas
aquelas pirâmides que eram réplicas da de
Quéops – uma das pirâmides do Egito – é
que obtiveram o resultado almejado.
“Temos estes feijões guardados até
hoje no Ipenva; eles estão em perfeito es-
tado, sem odores e sem apodrecimento”,
narra a atual presidente do Ipenva, Glaci
Lima. Depois desta experiência, os profes-
sores chegaram à conclusão que a energia
que fazia bem para as plantas faria bem
também para os seres humanos. Junta-
mente com os conhecimentos adquiridos
nos cursos de Dinâmica Energética Mental,
nascia assim, o Ipenva.
dOres agudasEm fevereiro deste ano, o aposen-
tado Dyonísio Affonso Weschenfelder foi
hospitalizado para submeter-se a uma cirur-
gia que o livraria de um aneurisma alojado
junto a veia aorta. “Era um procedimento
de altíssimo risco. Depois da cirurgia, eu,
inconsciente, tinha fortes dores no local
dos cortes. Minha esposa então colocava a
pirâmide em cima da parte dolorida e a dor
ia amenizando”, conta.
Ana Flávia Hantt
ana FLávia Hantt
O centroavante dominou e tirou o zagueiro adversário do lançe com um só toque, depois bateu seco no canto de Danrlei.
adversáriO metia medO Mesmo abaixo do seu padrão, o
Grêmio metia medo. “O comentário antes
do jogo apontava goleada. Quando deu o
gol, todo mundo esperava a virada imedia-
ta, só que ela não vinha, não vinha e os
gremistas foram se desesperado. Os aveni-
denses pareciam não acreditar”, diz Sérgio
Rusch, ao relembrar o momento em que o
relógio passa a correr para os tricolores e
se arrastar para os alviverdes, agarrados em
uma esperança.
O argumento de que Ronaldinho
não decidiria todas as partidas ganha força
a cada minuto transcorrido. O craque sen-
te seu time travado. Dribla, pedala, olha e
chama com as mãos os companheiros, que
não aparecem. O desespero vira faltas, car-
tão amarelo, descontrole. O sorriso sempre
fácil segue no rosto, porém amarelado.
A marcação firme neutraliza o Grê-
mio e oferece o contragolpe ao Avenida,
que quase amplia três vezes. Primeiro Adíl-
son entra em velocidade e chuta cruzado,
para fora. Depois, o árbitro não vê o pênalti
cometido em Carlos Mendes. No final, qua-
se o 2 a 0. Aos 46 minutos, Jorjão fura o
peixinho a centímetros do gol. O zunido do
apito final, capaz de colocar o estádio em
frenesi, ainda reside na memória da dupla
que definiu aquela tarde. “Até hoje conto
que fiz gol em cima do melhor do mundo”,
diz Cley. “Ainda brinco que quem foi ver
Ronaldinho, acabou vendo Marquinhos”,
completa o meia.
A vitória dá ao Avenida o direito
do empate na partida de volta, em Porto
Alegre, porém os tricolores estão mordidos.
Aplicam 3 a 0 no tempo normal e 1 a 0
na prorrogação, tocando o caminho que
terminaria no título e no Gre-Nal de Ronal-
dinho, com direito a golaço e balãozinho
em Dunga. Se no Estádio Olímpico a quin-
ta-feira 27 de maio de 1999 é no máximo
um escorregão, em Santa Cruz, no Estádio
dos Eucaliptos, é o dia da consagração. É
o dia que o Avenida venceu o Grêmio de
Ronaldinho.
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17cOmO tudO
cOmeçOuO Instituto de Pesquisas Energéticas de
Venâncio Aires, o Ipenva, nasceu da amizade
de quatro professoras, Regina Tereza Naue,
Glaci Lima, Heloísa Seibt e Eloá Feix. Em
1976 um filho de Regina nasceu com um
problema grave de saúde e foi encaminhado
para especialistas na capital do Estado. Com
o tratamento o menino se recuperou, mas
ficou com seqüelas: à medida que crescia,
foram constados problemas auditivos. Ao ser
encaminhado novamente para especialistas
da capital detectou-se a ausência da audição.
O garoto também ficou com um grande
trauma hospitalar, nervoso e irriquieto,
ficando cada vez mais difícil o contato com
os médicos. Foi quando o grupo de amigas
tomou consciência da existência de um
paranormal, Piraju Nicola. “Consultei este
sensitivo com receio, pois não conhecia
o seu trabalho. Mas para surpresa minha,
ele sabia mais dos problemas do meu filho
do que eu. Nunca tinha visto, nem falado
com este senhor, e ele deu o mais correto
diagnóstico possível”, explica Regina.
Com a continuação do tratamento médico
tradicional, também continuaram com o
acompanhamento do parapsicólogo.
Durante o tratamento, Piraju Nicola
aconselhou Regina a fazer um curso
de “controle mental” para ajudar-se
emocionalmente e ao seu filho. Assim,
indicou os padres salesianos, Ervin José
Gonzatti e Dorival Altini. As quatro amigas
contataram com os sacerdotes, que
aceitaram vir a Venâncio Aires e assim
promover o primeiro curso de Controle
Mental nos dias 28, 29 e 30 de
novembro de 1980. Depois disso,
foi a vez de Glaci Lima, que, ao
visitar um filho em Curitiba,
conheceu, por meio de um curso,
a energia das pirâmides. Trouxe
então da cidade o curso de
Pirâmide e Aura Humana.
Atualmente, o Instituto possui uma sede
própria e tem registrado em seus arquivos
a passagem de mais de 130 mil pessoas.
Reúne oito profissionais, que trabalham
nas mais diversas áreas: acupuntura,
quiropraxia, reiki, massoterapia,
hipnose médica, entre outros. Além disso, o
Ipenva também foi decretado como um bem
de utilidade pública para o município de
Venâncio Aires.
Tamanha fé no método se explica
em uma trajetória de 20 anos. A professora
aposentada Nelda Weschenfelder, a esposa
de Dyonísio, conta que conheceu o Ipenva
em um período em que sofria de depressão
e um grave problema na coluna. Por sentir-
se deprimida e sem obter uma resposta sa-
tisfatória na medicina tradicional, chegou
até as pirâmides.
“Já tinha ouvido falar do método,
mas nunca havia dado importância. Quan-
do comecei a freqüentar o Ipenva, fui me
sentindo melhor e com um novo ânimo”,
explica, complementando que conhece
muitas pessoas que adotaram as pirâmi-
des em sua vida. “Cada um pode ter sua
pirâmide de cristal em casa, pois pode ser
colocada em cima de ferimentos, lugares
doloridos, ossos quebrados, entre outros.”
Carmem Schwaickardt, aposentada,
visita o Instituto desde 1988. Por meio de
uma irmã que a levou até o local, ficou sa-
bendo da técnica. “Desde aquele tempo eu
vou lá quando estou nervosa ou com dor
de cabeça, pois já sei que a minha energia
deve estar errada”, diz. O erro na energia a
que Marli se refere é o local por onde está
entrando a energia no corpo da pessoa.
“Para a pessoa estar equilibrada energeti-
camente, a energia precisa entrar no topo
da cabeça, no chacra coronário. Se a ener-
gia entra ali, passa então por todo o orga-
nismo, e sai por quatro pontos energéticos
na cabeça. Quando a energia não entra no
topo da cabeça, está desequilibrada”, expli-
ca a atual coordenadora do Ipenva, Regina
Tereza Naue. “Por isso, o Ipenva se utiliza
das pirâmides para corrigir a entrada desta
energia”, resume.
No Instituto há uma sala exclusiva
para o trabalho com as pirâmides. A prática,
gratuita e aberta para toda a comunidade,
é realizada diariamente. As pessoas podem
sentar-se em baixo das réplicas da pirâmide
de Koelps e ficar por aproximadamente 20
minutos ouvindo uma música relaxante. O
Ipenva também recebe a visita de muitas
escolas. “Os professores trazem os alunos
para aprenderem sobre o equilíbrio energé-
tico, além disso, mestres de áreas especí-
ficas, como matemática ou história, aliam
as pirâmides ao conhecimento passado em
sala de aula”, salienta Glaci Lima.
Pirâmides são usadas para captar energia cósmica
do universo, fazendo com que a pessoa que a utiliza sinta-se bem e cure-se de
doenças ana
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Uma das fundadoras do ipenva, Glaci Lima,
explica como a energia é canalizada pela ponta da
pirâmide
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ser cosplay é difeRente
Raisa MachadoSancler ebert
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a
A cultura japonesa moderna está
se incorporando rapidamente
ao imaginário da juventude. Os
mangás – desenhos com traços
visivelmente orientais –, começam a
ceder espaço para uma brincadeira
original: vestir as roupas do
personagem. Literalmente.
As folhas se desprendiam da
copa das árvores e caíam
vagarosamente até o chão.
A brisa entrava pela janela
e trazia o frio da tardinha para dentro da
casa. Mirando-se num espelho, um jovem
rapaz com uma bela camisa amarelo-ouro
com um traço na cor amarelo-claro que ia
da gola de mesma cor ao corte próximo ao
braço esquerdo, uma calça preta com fios
amarelos entrelaçados até um pouco acima
do joelho, uma faixa na testa, também da
cor amarela, mas com manchas pretas e
para completar um enorme porquinho pre-
to de pelúcia embaixo do braço. Seus olhos
pareciam maiores do que os normais e re-
fletiam toda a sua realização.
A cena descrita acima poderia mui-
to bem fazer parte de um anime, como
são conhecidos os desenhos animados ja-
poneses. No entanto, era apenas a roupa
de Pedro da Costa Klein, 21 anos. Mas, na-
quele momento, ele não era Pedro, o rapaz
tímido da escola, mas sim Ryoga, o grande
oponente do protagonista da série Ranma
½ e que se transformava em um pequeno
porco quando era molhado com água fria.
Era a primeira vez que Pedro expe-
rimentava seu cosplay, que vem do inglês
costume player, que significa fantasiar. A
roupa seria estreada em um evento de
anime em julho, mas como era um pre-
sente de aniversário, chegara em maio,
no mês em que Pedro trocava de idade.
Obviamente, não deu para esperar. Mal
chegou da costureira e o cosplay já es-
tava vestido e registrado em uma centena
de fotos que foram espalhadas via MSN e
postadas no Orkut.
Na manhã do evento, o jovem, na-
quela época com 18 anos, vestiu o seu cos-
play, rumou para a sala e avisou aos pais
que estava pronto. Quando dona Maria e
seu Carlos viram o filho, não tiveram outra
reação a não ser perguntar se ele iria sair
na rua daquele jeito. Para os pais de Pedro,
o cosplay parecia uma roupa estranha de-
mais para se usar de manhã, ainda mais
para sair na rua.
O jovem caminhou várias quadras
da casa de um amigo, onde seus pais lhe
deixaram, até o local onde uma van aguar-
dava para levar o grupo santa-cruzense
para o AnimeZ, em Porto Alegre. Seria um
dia para ficar na memória. Lá Pedro encon-
trou outros “iguais” a ele, também com
seus cosplays, fez inúmeras amizades, pode
conferir duelo de cotonetes, cantar em um
karaokê, comprar artigos de seus animes fa-
voritos, e ainda bottons e miniaturas, além
de conferir palestras com dubladores, assis-
tir a workshops sobre a cultura oriental, e o
mais importante: participar do desfile para
a escolha do melhor cosplay.
Sorte de principiante ou não, Pedro
foi eleito o terceiro melhor cosplay, sendo
que ele não queria nem participar do desfi-
le. Foi aí então que teve aquela que ele cha-
ma de sua maior revelação: descobriu que
não era tão tímido quanto achava. Pagou
os dois reais da inscrição e desfilou com o
seu cosplay na frente de todos. Foi um dia
para massagear o ego, todos queriam tirar
foto com ele, afinal seu cosplay estava tão
perfeito que não lhe faltavam elogios. Não
havia dúvidas, ele havia se encontrado.
O interesse de Pedro por cosplays
foi conseqüência dele ser um otaku, ou
seja, um apaixonado por animes. A história
de Pedro é a mesma da grande maioria: o
interesse por animes fez surgir o desejo de
vestir-se como os personagens favoritos dos
mesmos, resultando na prática do cosplay.
A idéia de fantasiar-se surgiu nos anos 70,
nas convenções de quadrinhos dos Estados
Unidos, quando foi feita uma promoção
dando entrada gratuita para quem estives-
se fantasiado de super-herói. E deu certo.
A paixão de jovem por animes nas-
ceu na sala de sua casa, em frente a tele-
visão, muito por influência do irmão João,
quatro anos mais velho e que assistia Cava-
leiros do Zodíaco na Rede Manchete . Mas
não foi amor à primeira vista. Foi com o
tempo que o jovem acabou se interessando
pelo desenho animado japonês, lendo re-
vistas especializadas e assistindo a versões
de baixa qualidade e dubladas na internet.
O anime conquistou Pedro e muitos
outros pelos mesmos motivos: a narrativa,
os traços, os sentimentos. Diferente do
desenho animado americano, como por
exemplo, do Pica-Pau de Walter Lantz, no
qual cada episódio é uma história e que
envolve sempre uma traquinagem do pro-
tagonista contra outro personagem, nos
animes os personagens tem sentimentos
mais complexos e os episódios seguem
uma linha narrativa, a história de um leva
a de outro.
Acrescentando a isso, os traços
japoneses chamam a atenção pela criati-
vidade no uso das cores nos cabelos, nas
roupas dos personagens. Outros sinais visí-
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21veis são produzidos de maneira exagerada
para expressar seus sentimentos, como, por
exemplo, uma gota de água escorrendo ao
lado do rosto quando o personagem está
constrangido ou veias se sobressaindo na
testa representando a raiva.
Contudo, entre todas as caracterís-
ticas, existe uma que não passa despercebi-
da, ou que, sem ela o anime passa a ser um
desenho como outro qualquer: os olhos.
Isso porque, para os japoneses os olhos são
as janelas da alma, por isso são desenhados
demasiadamente grandes e possuem um
brilho expressivo.
Hoje, Pedro confessa que perdeu
um pouco do entusiasmo, por ter participa-
do de vários eventos, um seguido do outro.
Mas a vontade de ter mais cosplays não
muda, nem diminui, basta ver uma anime
novo para sentir novamente o desejo de
vestir-se como um.
amigas até NO aNime Colegas desde o jardim de infância,
Luísa Horta e Myrella Algayer, ambas de 16
anos, foram por muito tempo de “paneli-
nhas” diferentes, até o dia em que surgiu
uma “cesta” que as uniu. Essa cesta foi o
mangá “Fruits Basket” (Cesta de Frutas),
apresentado a elas por uma colega cha-
mada Luiza dos Santos. Foi a leitura desse
mangá que as fez melhores amigas e foi o
ponto de partida para que elas se interes-
sassem mais por animes e conseqüente-
mente, por cosplays.
Até então o contato das duas com
o mundo anime se restringia aos desenhos
animados que passavam na TV, e que eram
vistos por elas de formas diferentes. En-
quanto Luísa assistia aos animes sentada no
O primeiro evento que as amigas
foram juntas foi o AnimeSul, em 2006,
acompanhadas pelos pais de Luísa, que
apreensivos com a novidade da filha, resol-
veram conhecer mais a respeito. No evento,
as garotas conheceram muitas pessoas e
puderam conversar sobre seus animes fa-
voritos. Também foi um dia de tirar muitas
fotos com pessoas, às vezes desconhecidas.
130 foi a quantidade de fotos contadas por
Myrella naquele dia.
A amizade Luísa e Myrella já rendeu
frutos: as duas, mais a Luiza que apresen-
tou o mangá para elas, participaram como
grupo no último evento de anime e saíram
de lá vencedoras do concurso, ganhando
o segundo lugar de Melhor Apresentação
em Grupo de Cosplay . Dinheiro elas nun-
ca ganharam com isso, mas também nem
querem, porque para elas é uma grande
diversão poder se vestir de seu personagem
de anime, game, ou filme favorito.
O desafiO de parecer O cOsplay Quando se trata da roupa dos per-
sonagens de anime, o assunto pode vir a
complicar e mais, a encarecer. Pois uma
de suas principais características é o estilo
inusitado e original, trazendo variadas co-
res em um só look, inclusive nos cabelos,
que podem ser rosa, laranja e até verde, ou
mesmo as vestimentas tradicionais, como o
quimono, e acessórios.
Quando Pedro decidiu fazer seu pri-
meiro cosplay, primeiramente a mãe o faria,
mas devido a complexidade do modelo es-
colhido pelo filho, preferiu não se arriscar
a errar e gastar dinheiro, confeccionando
apenas o porquinho de pelúcia com os re-
talhos da roupa de cosplay que ficou pronta
pelas mãos de uma costureira, totalizando
R$ 200,00.
Luisa também optou por uma costu-
reira, assim em duas semanas já estava com
a roupa pronta, mas o mais difícil veio antes
sofá da sala, o qual era estampado na cor
marfim, junto do seu gato, do seu irmão e
da “velha” Rede Manchete; Myrella assistia
sempre deitada no sofá rosa e floreado de
sua casa, bem em frente à televisão ou sen-
tada na cama da avó.
Como melhores amigas que se con-
sideram inseparáveis, elas vão sempre jun-
tas aos eventos e também se reúnem para
decidirem os seus cosplays. São momentos
em que elas se divertem muito, mas tam-
bém se estressam. Apenas após longas ho-
ras de combinações, de planos e de ensaios
realizados em suas casas, é que elas che-
gam a um consenso sobre qual cosplay vão
fazer. O resultado é que hoje elas possuem
seis cosplays, não por acaso, todas as per-
sonagens são amigas até no anime .
Amigas na realidade, Luisa (E) e myrella (D)
se divertem vestidas de Sakura e Tomoyo, amigas
no anime
Pedro na busca pela fidelidade na
caracterização do seu primeiro cosplay
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na escolha dos tecidos, para que ficassem
o mais semelhantes à roupa de seu anime.
Já a amiga Myrella entregou a imagem de
sua personagem à tia e pediu-a para fazê-
lo, como fez Priscila Midon, 26 anos, que
deixou a tia comprar os tecidos e mandou
suas medidas pelo telefone.
A idéia de fazer um cosplay partiu
dela e da prima, após participarem de um
evento de anime. Muito amigas, elas deci-
diram fazer cosplays juntas, e estabelece-
ram critérios para escolha dos personagens,
levando em conta o visual dos mesmos.
Não poderia ter um cabelo muito diferente,
porque nenhuma delas queria mudar o seu,
a roupa não poderia ser muito complexa
para não sair caro e também não ser muito
curta, como na maioria dos personagens
femininos de animes.
Para o seu segundo cosplay ela pro-
curou aproveitar o que já tinha em casa e
usou parte da roupa do outro personagem.
Quando a criatividade para economizar não
se torna possível é hora de procurar um
serviço barateado, assim como fez Priscila
quando foi à um marceneiro para enco-
mendar um boomerang para presentear à
sua prima, pois o acessório fazia parte de
sua produção.
A roupa do personagem escolhido
pode ser pouco ou muito quente para a
temperatura do dia, tornando a diversão,
por vezes incômoda ou até mesmo testan-
do as limitações de quem o faz, essa é uma
das realidades que muitos não sabem.
Mas a curiosidade é que após al-
guns percalços, a ansiosa espera e a so-
nhada apresentação, fazem que a roupa se
torne não só memorável e especial como
ganhe o lugar mais importante dentro do
guarda-roupa de alguns. Pedro e Luisa as
guardam na área mais “nobre”, no roupei-
ro de Pedro ela se localiza no meio, em ca-
bides, junto com os cobertores, embora ele
já pense em retirá-los e dar exclusividade às
roupas. No de Luisa, fica na porta do canto,
separadas em cabides com seus respectivos
acessórios, as roupas encontram-se no lu-
gar de maior espaço, que inclusive foi re-
formado sob medida para dar mais lugar à
seus cosplays.
Aliás não só o seu quarto passou
por transformações, Luisa faz aula de japo-
nês e já teve a oportunidade de conhecer
a China e o Japão. Myrella já aprendeu al-
gumas expressões nipônicas com os amigos
que fez durante as convenções de cosplay
e tem pintado na parede de seu quarto as
flores de cerejeira do anime Sakura Card
Captors. Pedro fez mais do que amigos, ele
mudou o visual, cortou os cabelos e fez a
barba, tudo pelo desafio de se parecer com
seu cosplay.
nO tempO em que as novelas eram nO Rádio
Quando a televisão recém engatinhava
no Brasil e o rádio estava no auge de sua
popularidade, as cenas tinham de ser
ouvidas e, principalmente, imaginadas.
Tanto por quem fazia como por quem
acompanhava as rádionovelas.
Josiléri Linke Cidade
Quando a televisão dava os
primeiros passos no cen-
tro do país, o rádio era o
grande entretenimento da
população no Brasil. A radionovela então
era o principal atrativo da programação
das emissoras. Em Santa Cruz do Sul, a
Rádio Santa Cruz transmitiu na década de
1950 diversas novelas, tudo ao vivo. Uma
das atrizes que recorda poucos, mas bons
momentos vividos na época, é Bromilda
Knak, 76 anos. “Muitos dos que faziam
as radionovelas já faleceram”, comenta,
justificando que os anos foram apagando
as lembranças da memória. Mesmo assim,
quando a Rádio fez 60 anos, em abril de
2006, Bromilda foi convidada para contar
sobre sua participação nas tramas.
Bromilda nasceu em Candelária,
onde estudou e mais tarde lecionou, de-
pois de passar em um concurso para pro-
fessora. Desde menina na escola sempre se
envolvia e era procurada para apresenta-
ções. “Eu cantava nas festas do colégio”,
confessa. A família mudou-se para Santa
Cruz do Sul. Quando terminou o período
letivo, Bromilda veio para casa e não quis
mais voltar para Candelária, já que a família
era bastante unida. Com isso, precisou ar-
rumar um novo trabalho. Como não havia
concurso na nova cidade naquele período,
tratou de procurar no jornal e conseguiu
emprego em um escritório. Tempos depois
um amigo do pai lhe ofereceu a oportuni-
aNtes dOs aNimes, Os maNgásOs mangás são as histórias em quadrinhos e começam a aparecer no século VII, quando eram basicamente rolos de pinturas junto a textos que, na medida em que eram desenrolados contavam uma história. Mas só surgem de maneira propriamente dita em 1814, quando a palavra mangá é criada para batizar uma coleção de gravuras.Os mangás devem ser lidos de trás para frente, da esquerda para a direita, as páginas em sua grande parte são em preto e branco, com alguns quadrinhos em colorido. A história muitas vezes não contém falas, sendo contada pela leitura corporal dos personagens.A seqüência de circulação comum começa em revistas, depois em volumes, a seguir em animação da série em OVA (Original Video Animation) e por último, animação da série para TV, mas a verdade é que não existe uma ordem correta. Exemplo disto, é Pokémon que inicialmente era um jogo, a partir do qual foi produzido em anime e depois em mangá. No Brasil, as editoras publicam mangás há oito anos e vendem para as bancas cerca de 200.000 exemplares por mês. Em São Paulo já existe uma escola de desenho de mangás, por onde já passaram 500 alunos.
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dade de ser balconista em uma joalheria.
Aceitou o trabalho para ter mais contato
com o público.
Alegre e bem disposta, Bromilda
sempre gostou muito de conversar e estar
no meio de pessoas. Foi na joalheria que
Arno Schmidt (já falecido), coordenador das
radionovelas na época, apareceu procuran-
do atores. Bromilda foi até a rádio fez testes
e passou. Ela recorda que fez as primeiras
novelas da emissora nos anos de 1950 e
1951, quando estava com 18 anos. Nes-
ta época também foi ao ar a mais famosa
radionovela brasileira: O Direito de Nascer,
pela Rádio Nacional. Na última radionovela,
da qual não recorda mais o nome, lembra
que a personagem morria, por isso saiu
antes da história ter fim. “Todos na família
ouviam, era muito alegre, mas o meu noivo
não gostava”, conta Bromilda, que desistiu
das novelas para se casar em 1952.
Na época, explica ela, as pessoas
tinham preconceito com os artistas, que ti-
nham fama de boêmios. Com as mulheres
esse preconceito era ainda maior. “Talvez
se tivesse continuado poderia ter seguido
carreira, mas o casamento me atrapalhou.
Atrapalhou não, porque fui muito feliz,
mas deixei de fazer uma coisa que gosta-
va”, completa. O marido de Bromilda, Egon
Knak, faleceu ao sofrer um infarto.
Também figuraram nas radiono-
velas José Paulo Rauber Filho, 71 anos, e
a esposa, Gilda Helena Rauber, 72 anos.
Ele era colega de Bromilda na joalheria e
conheceu Gilda quando faziam parte do
Departamento Artístico da Sociedade Gi-
nástica. Os integrantes foram convidados
para atuar nas novelas, pois mantinham
um grupo teatral, que mais tarde se des-
vinculou da entidade e passou a se chamar
Grupo de Amadores Teatrais Independente
(Gati). Além de Santa Cruz do Sul, os atores
se apresentavam em palcos da região e até
da Capital do Estado.
Paulo e Gilda entraram mais tarde
nas radionovelas, por volta de 1955. Se-
gundo eles, cada novela envolvia de 10 a
15 pessoas, não sempre, mas conforme o
capítulo. Eram entre 80 a cem capítulos.
E os atores faziam mais de um papel, mu-
dando o tom de voz. Os episódios eram
transmitidos às 20 horas, quando o público
já estava em casa depois do trabalho. “No
horário da novela se batia em um gongo
para marcar o horário e entrava a chama-
da, com um português rebuscado, anun-
ciando os patrocinadores. Hoje essas lojas
não existem mais”, conta Paulo, imitando
o locutor.
tia clOtildeUma das novelas era dedicada às
crianças, recorda Gilda, Histórias da Tia
Clotilde. “Era uma série e eu fazia o lobo
mau e como a minha voz era mais fina, eu
tinha que falar dentro de um regador para
dar um som diferente”, conta. Assim, arte-
sanalmente, se faziam os efeitos. Hoje os
recursos são inúmeros, mas eram escassos
na época. Conforme Paulo, o contra-regra
Belmiro Menezes (já falecido) era quem do-
minava as técnicas. “Para imitar o barulho
de uma porta se abrindo, ele abria a porta
do estúdio mesmo. O barulho do fogo era
papel amassado”, rememora.
“O interessante é que os capítulos,
um por um, vinham de ônibus de Porto
Alegre, com o Expresso Gaúcho, que tinha
que fazer a travessia do Guaíba de barca.
Às vezes demorava porque o ônibus che-
gava e a barca recém estava atravessando,
daí atrasava a chegada. Era um Deus nos
acuda! E às vezes não vinha, era uma coisa
na cidade, o pessoal não tinha outra coisa
para fazer a não ser escutar a novela”, des-
creve o experiente ator, que já contracenou
com Carmen Silva.
Para Gilda, as pessoas se sentiam
mais entrosadas com uma novela de rádio,
por causa da imaginação, hoje com a tevê
“vem tudo mastigado”. E Paulo concor-
da: “Se nós, em um grupo, olharmos uma
novela na tevê, todos vamos ver a mesma
coisa. Se esse mesmo grupo, hoje, escutar
uma novela, cada um vê uma novela dife-
rente. Um tem uma imaginação assim, ou-
tro tem uma imaginação assim”, explica.
Com a transmissão ao vivo não po-
diam faltar histórias engraçadas com os
textos. “Quando vinha o script, eu sempre
lia antes, para conseguir dar a entonação
certa, ponto e vírgula. A Gilda e o Maça-
rico não liam e ele se vangloriava disso.
Que ele não precisava ler antes, que ele fa-
zia na hora! Só que conforme a expressão
que tu utiliza a frase pode significar uma
coisa totalmente diferente. Então um dia,
o Maçarico tinha que dizer: ‘aiiii, aaiii, não
doutor!’ e ele disse ‘aiiii, aí não doutor!’
Foto
s: Jo
siLé
ri Ci
dade
arquivo pessoaL
(risos)”. Maçarico era o apelido de Elemar
Gruendling (já falecido).
Paulo conta ainda que as radionove-
las eram muito ouvidas, tanto que teve um
colega, que fazia papel de vilão em uma
novela, que apanhou de sombrinha de uma
mulher na rua. Mesmo assim, de acordo
com ele, “era tudo no amor, a gente não
recebia nada por isso”. Estrada Sem Fim foi
a última novela deles no rádio. “Conforme
a televisão foi vindo, a novela no rádio foi
terminando. A tevê foi tomando conta”, la-
menta, comentando que tantos anos depois
descobriu que Cláudio Monteiro, jornalista
apresentador da madrugada na Rádio Gaú-
cha e ator de radionovelas, está gravando
novelas para o rádio em Porto Alegre.
Bromilda Knak Gilda Helena rauber José Paulo rauber Filho
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João Guilherme Rodrigues
Estrella se tornou nacionalmente
famoso por vias pouco
convencionais: primeiro, por
se tornar um dos maiores
traficantes de cocaína do Rio
de Janeiro e ser preso por isso.
Depois, por estrelar o livro
“Meu nome não é Johnny”, de
Guilherme Fiúza, e um filme de
mesmo nome.
Daiane Balardin Letícia Mendes
Histórias, normalmente, pos-
suem um herói. Nesse caso,
o mocinho, chama-se João
Guilherme Rodrigues Estrella.
Essa história ficou conhecida na década de
90 pelos jornais cariocas que deram a Es-
trella a alcunha de Johnny. Mas, em 2006,
depois de muitas entrevistas, checagens,
conversas exaustivas, pelas mãos do jorna-
lista e primo, Guilherme Fiúza, a vida real
desse que foi um dos maiores traficantes
do Rio de Janeiro ficou conhecida em todo
o país. O livro Meu nome não é Johnny é
uma história movida a ação, limites ultra-
passados e muita superação, que deu ori-
gem ao filme, com o mesmo título, em uma
adaptação de Mariza Leão e Mauro Lima.
Nesta entrevista Fiúza conta à Ex-
ceção porque escolheu contar a história
de Estrella e as dificuldades que enfrentou
para escrever o livro, entre elas o risco de
ser processado.
quandO O mocinho é
um bandido
Fotos: divuLgação
Como você chegou até essa história?Eu estava procurando uma história para escrever uma reportagem em forma de livro e conheci a história do João. O João Estrella é uma figura bastante conhecida na boemia carioca, freqüentador do baixo Leblon, baixo Gávea e meu conhecido também. Tínhamos então essa história da prisão dele, o João foi um grande traficante de cocaína no Rio de Janeiro, embora uma boa parte dessas pessoas da boemia não soubessem a escala de negócio de tráfico que ele tinha chegado. E então depois que ele foi solto, ele ficou preso dois anos, passou-se um tempo e eu o procurei para saber se ele gostaria de me contar a história dele. E para mim só interessava contar a história, com o nome verdadeiro dele, fazer uma reportagem e não me interessava escrever apenas um romance, baseado numa história real. Eu gostaria de contar uma história real. E a minha dificuldade poderia ser convencer o João a aceitar que o nome dele fosse publicado em uma história de tráfico de drogas. Mas, para minha surpresa, ele aceitou de primeira e aí nós partimos para fazer.
Como foi resgatar uma história que faz parte da sua família? Na verdade, não tem nada familiar nessa história, porque nós éramos muito distantes nesse período. Eu tinha notícias remotas dele. Eu lamentava e estava esperando o pior. E aí veio à notícia trágica da prisão, não tão trágica quanto seria a morte ou outros delitos violentos que ele poderia cometer. Para contar a história, na verdade, eu precisei reconstituir um pouco a biografia dele, quer dizer, como uma pessoa comum, “bem nascida”, freqüentadora de boas escolas, com todas as influências positivas para ser uma pessoa bem sucedida na sociedade e como uma pessoa assim entra no crime. E aí tem o aspecto biográfico dele, como foi à relação com os pais, quando os pais não
perceberam o caminho que ele estava tomando, mas, para mim não tinha muito a ver com a minha família. É uma história que, inclusive, o narrador está inteiramente distanciável.
o que foi mais difícil no processo de produção do livro? Teve uma coisa bem difícil, que foi localizar o delegado federal que comandou a investigação e a prisão do João, o doutor Flávio Furtado. Porque nós começamos a trabalhar no livro em 2002 e o processo dele foi em 1995, então, já tinha passado sete anos. Consegui localizar um policial que me recebeu com certa desconfiança, mas que, aos poucos, eu conquistei e foi ele que meu deu a noção da participação do João no mundo do tráfico. Ele me explicou que durante seis meses, pelo menos, o João era o número um dos procurados da Polícia Federal no Rio. O João realmente era a ponta de lança de uma conexão grande dentro da Bolívia e que passava por dentro do Mato Grosso e ia parar na Europa.Outra parte difícil foi a relação do João com o pai dele, algo muito difícil e doloroso para ele. Repassar esses e outros aspectos da vida pessoal foi muito difícil para o próprio João e muito desgastante. Ele preferia que esses momentos não aparecessem no livro.
Eu gostaria de contar uma história real. E a minha dificuldade poderia ser convencer o João a aceitar que o nome dele fosse publicado em uma história de tráfico de drogas. Mas, para minha surpresa, ele aceitou de primeira e aí nós partimos para fazer.”
“
Guilherme Fiúza: dois anos de entrevistas para compor o seu primeiro livro-reportagem
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29E eu acho que mostrei a ele que o livro não era sobre um herói e sim sobre um cara, e para ser impactante tinha que ser real. Pois, se eu tentasse retocar a imagem dele ia perder essa força de um personagem real. Havia também um desafio de ordem policial também importante, porque o livro era em si uma grande prova contra o João. O processo dele, que eu estudei bastante, não tinha um décimo das “façanhas” dele contadas no livro. Eu tive que investigar com o advogado dele quais os riscos que havia do livro ensejar um novo processo contra o João e talvez contra mim também. E teve um risco que existia e nós optamos por correr esse risco calculado, que não era tão grande assim. Deu tudo certo, porque quase cem por cento da reação ao livro e depois ao filme foi positiva. Foi sendo reconhecida ali uma história dramática e de crimes, mas muito rica no aspecto humano e também apontando uma lição de superação e isso é muito raro e foi uma das coisas que me chamou muito a atenção para escrever o livro. A estatística é quase nula da ocorrência de pessoas que chegam ao ponto em que ele chegou no mundo do tráfico e conseguem voltar à vida normal.
Você não mostrou apenas a vida do João, mas também das pessoas que viviam com ele, como por exemplo, da esposa dele. Como foi isso?Em alguns personagens eu coloquei nomes fictícios, e a esposa é um desses personagens; o nome real dela não é Sofia. A Sofia, por exemplo, não sofreu nenhum processo, ela escapou completamente livre de tudo o que aconteceu e como para o João o caldo já tinha entornado a decisão dele era só tornar isso mais ou menos público. As pessoas que já conheciam ele sabiam que ele era traficante e tinha sido preso, já essas outras pessoas não. Tem um amigo do João, que faz uma das viagens com ele para a Europa, e que também
está com o nome trocado, pois são pessoas que não foram presas e nem processadas. Muita gente, inclusive, nem sabe que essas pessoas usavam drogas e por isso, elas foram preservadas.
o Estrella é um personagem pouco convencional. mas, ao mesmo tempo, ele conquista o leitor. o que lhe levou escolher esse personagem?Justamente por isso, por achar que é uma pessoa comum. Porque a cultura procura muito tematizar os excluídos, as pessoas que já nascem em condições massacrantes. E o que eu achava justamente interessante nessa história é que não tinha nenhuma caricatura de perversão ou de miséria, ou seja, não era mostrar a barra pesada da periferia ou a barra pesada da condição humana. É uma pessoa gente como a gente e acho que a graça está aí. Por isso essa identificação que as pessoas têm com o personagem, porque ele é uma pessoa que poderia ser como qualquer um, não estava marcado ali, socialmente ou psicologicamente, algum problema sério. Ele tinha tudo normal e durante toda a transgressão dele, ele permanece com o lado normal, eu digo, é um personagem fronteiriço. Porque mesmo no auge do crime, ele continua sendo um homem engraçado, carismático, com muitos amigos, um cara gostado mesmo na própria família. Isso fala muito das besteiras que as pessoas normais fazem também e da vontade de transgredir que é algo que está em todo mundo.
Você tinha algum objetivo em mostrar essa história? Não. Acho que, como jornalista, meu objetivo às vezes pode parecer meio elementar, meio fútil, mas meu objetivo é contar uma boa história. E uma boa história se ela desperta a atenção das pessoas é porque tem valor. Eu acho que a emoção é sempre um bom parâmetro, normalmente, onde tem emoção há algum conteúdo. Eu fui cobrado em algumas entrevistas por falar de narcotráfico que é um problema terrível da sociedade brasileira e mundial, por eu não trazer uma postura um pouco mais crítica ou acusatória. A minha resposta é que eu não queria fazer uma tese, um tratado, uma lei e nem um discurso, mas, sim, revelar uma história e a moral da história as pessoas que tem que extrair. Então, se o livro diverte, acho que boa parte do eu queria eu atingi.
E como foi pra você ver a história transformada em filme?Foi muito bom, porque o cinema, comparado com a literatura, é uma covardia, falando em termos de impacto, é impressionante como o audiovisual toca mais as pessoas. Mas, tudo bem, isso é um fato da sociedade moderna. E foi muito interessante ver as pessoas correrem para o livro depois do filme lançado. O livro já estava na quinta edição quando o filme saiu, mas depois do filme ele se tornou mesmo um best-seller e foi o livro mais vendido por três meses.
Acho que, como jornalista, meu objetivo às vezes pode parecer meio elementar, meio fútil, mas meu objetivo é contar uma boa história. E uma boa história se ela desperta a atenção das pessoas é porque tem valor.”“
Meu nome é João EstrellaLetícia Mendes
FiÚza, guilherme. Meu nome não é Johnny: a viagem real de um filho da burguesia à elite do tráfico. 3. ed. rio de Janeiro: record, 2006. 336 p.
Numa infância invejável, rica, de dinheiro
e liberdade, João Guilherme Rodrigues
Estrella foi um menino feliz. Na adolescência,
desregrada e elitizada, o jovem, aos 14 anos, teve o
primeiro contato com as drogas, no caso a maconha.
Naquele mundo fácil, do baseado à cocaína e o álcool
foi um passo. Aos 22 anos, João distribuía cocaína, em
bandejas, durante as festas com os amigos e em pacotes
para a Zona Sul do Rio de Janeiro.
A história, por si só, já é intrigante. Mas, é a escrita
de Fiúza exalando suor, sexo, álcool, celas úmidas e
cheiro de mar que a faz tão viciante quanto a droga,
vinda do Centro-oeste do país, vendida por João. Fica
difícil de parar. A mistura de ação, suspense, drama,
comédia e pitadas de romance prova que essa é uma
história real. É a vida de um personagem tão real,
que, às vezes, nos faz duvidar das ousadas aventuras
vividas para fazer a sua droga circular entre os narizes
europeus; em especial os holandeses. Mas, foi mesmo
assim, que João, filho do Estrella, passou a brilhar no
mundo das drogas.
O brilho do garoto, impulsivo e apaixonado, foi
apagado pela competência da polícia. Seis quilos de
cocaína, pura, foram suficientes para destituir o “barão”
e aos 24 anos, transformá-lo em Johnny. Na prisão,
um tempo de tensão, medos, amizades, descobertas
e expectativas. No manicômio, dor, amigos, futebol,
loucura, trabalho, pesadelos e grandes mudanças.
Aqui, a narrativa de Fiúza torna a história, ainda mais,
envolvente. Cada personagem, amigo ou inimigo de
João, traz uma história inusitada. Essas pessoas fizeram
parte desse mundo regrado onde o garoto rebelde,
finalmente, se transformou em homem.
O verdadeiro João Guilherme, muitas vezes, foi
confundido com um temido bandido, mas o personagem
desse livro, com certeza, não tem nada de feroz. O que
encontramos é um “herói”, com uma grande bagagem
de erros, mas disposto a provar que a “Estrella” que
carrega é mais intensa do que o brilho com
o qual ele, por anos, incendiou
as noites cariocas.
Aos 27 anos, João
Estrella encontrou
a liberdade. Uma
liberdade, conquistada
muito mais do que
pelo cumprimento da
pena e sim pelo desejo
de provar que o seu
nome, nunca foi, e não é
Johnny.
Resenha
João Guilherme Estrella
trocou a vida agitada de uma
estrela por choros, fraldas
e noites mal-dormidas.
Em meio à experiência do
primeiro filho, Antonio, o
apressado Estrella concedeu
uma entrevista por email,
para a Exceção.
o livro conta muitas histórias. Existe alguma que não entrou no livro?Acho o livro bem completo. Em relação ao filme, seria ótimo que pudesse durar 10 horas, mas não é o caso. Para você ter uma idéia foram cortadas muitas cenas, algo em torno de uma hora. Quanto ao livro tem muitas coisas que ficaram de fora. Acho que poderia se fazer um segundo com elas que incluem histórias mais recentes também.
E na prisão você viveu em um ambiente muito pesado. Você não tinha medo? Como você conseguiu resistir lá? Como era lá dentro?O maior inimigo sempre é a sua condição psicológica e era isso que mais tomava meu tempo e dedicação. As pancadarias e tentativas de assassinato foram mais fáceis de superar do que a minha própria existência. “Lá dentro” era lá dentro. Um lugar que você não sai quando bem entende e nem entra quando bem entende. Sua vida e o direito de ir e vir não está em suas mãos. Teve um maluco que fugiu e que quis voltar porque a rua para ele era pior e mais perigosa.
Quais são seus planos agora?Meus planos são: ter uma vida saudável, curtir muito o meu filho e participar bastante da vida dele, para que se torne uma boa pessoa. Pretendo continuar compondo, fazendo palestras, fazendo e produzindo shows, viajando, etc...
“lá deNtrO era lá deNtrO”
Após sair da cadeia, Estrella se dedica a música e lança em 2008 o primeiro CD
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cOmO ser difeRente em
um mundO de iguais
Amanda, Nelson e Patrícia são
pessoas comuns, como estas que se vê
nas ruas. A diferença, comparadas
com as demais, é que não é fácil deixar
de reparar quando eles passam.
Raisa Machado
Amanda Mendonça, 17
anos, Nelson Rodrigues, 22
anos e Patrícia Lovatto, 28
anos, são pessoas comuns,
das quais você pode esbarrar tranqüilamen-
te pela rua. Porém ambos compartilham de
um diferencial: são exceções, seja no jeito
de se vestir como no jeito de agir. Isso fará,
provavelmente, com que você vire uma se-
gunda vez para olhá-los.
Amanda é estudante do curso de
Produção em Mídia Audiovisual da Comu-
nicação Social da Universidade de Santa
Cruz do Sul (Unisc) e possui um visual que
a alguns encanta e a outros amedronta,
mas não passa despercebido de quem a
vê. Sempre inconstante, já mudou a cor e o
corte do seu cabelo várias vezes. Atualmen-
te usa um moicano, raspado nas laterais,
com maquiagem marcante, está sempre de
camiseta preta e o par de coturnos vêm à
arrematar a sua produção. Escolhe a roupa
que vai usar sem muita demora, procuran-
do respeitar suas limitações.
Nelson, por sua vez, é vendedor
em uma loja de roupas masculinas, sem-
pre gostou de moda, mas só procurou en-
tender e se antenar mais em 2004, quan-
do entrou para o atual emprego. É dono
de um black power que chama a atenção
aonde quer que vá, e é freqüente vê-lo na
básica e estilosa combinação composta por
jeans, camiseta, cinto, tênis e blazer. Suas
cores favoritas são o preto e os tons sóbrios
e sempre escolhe a roupa que vai usar de
acordo com seu estado de espírito.
Já Patrícia é bióloga e pesquisadora,
tem olhos verdes que não fogem ao falar
e não tem papas na língua, características
que revelam uma personalidade forte e sin-
cera. Com aversão a homogeneidade, para
ela a roupa funciona como uma narrativa
de si mesma: desde pequena optou pelo
estilo místico, ritualístico e ao mesmo tem-
po à vontade. Geralmente de calças jeans
boca-de-sino, a peça-chave do seu visual
são braceletes e, suas cores favoritas são os
tons terra. Na hora de escolher sua roupa
pensa em camuflagem, na adaptação.
a relaçãO eNtre estilO & músicaNão é de agora que existe uma sóli-
da relação entre a música que se escuta, o
estilo de se vestir e até mesmo o jeito de le-
var a vida. Mick Jagger, vocalista dos Rolling
Stones, já usava nos anos 60 as calças
skinny, que voltaram à moda no ano pas-
sado (e não sairão tão fácil), justíssimas dos
quadris à bainha, totalmente rock n’ roll.
Diferentemente das usadas por 50 Cent
ou qualquer outro cantor de Hip Hop, que
aparecem trajando modelos enormemente
largos, geralmente uns três a quatro núme-
ros maiores que o seu manequim usual.
Desta forma, em alguns casos, po-
de-se passar a conhecer uma pessoa, sa-
ber do que ela gosta ou não, ao fazer uma
AmAnDA mEnDonçA
o que mais gosta de fazer: fotografarAma: contradições
odeia: superficialidadesPersonalidade: tolerante e passional Palavra-chave do seu estilo: inconstânciaFilosofia de vida: de modo a não fazer com que ela seja só
tempo vividoComo define seu estilo: trash
PATríCiA LoVATTo
o que mais gosta de fazer: descobrir lugaresAma: a vida em todas as suas formas
odeia: onipotência humana e o superficial da racionalidade
Palavra-chave do seu estilo: diversidadePersonalidade: “Sou utópica da copa à raiz,
vivo perseguindo metas, com arco e flecha apontados sempre para o alvo, cheia de
esperança, acredito na plenitude.” Filosofia de vida: “A vida, acredito na energia
e em sua transformação.”Como define o seu estilo: sem
determinismo, plural, portanto, ausente
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Estilo é não só o que se veste, mas
também o modo como se age, o que se
faz e o que se fala, e o principal: como. As
pessoas geralmente passam a se recordar
de você quando o que você faz é sua
marca registrada, ou sua essência, ou seja,
aquilo que não muda. Como ter uma risada
engraçada ou oferecer um ombro amigo
sempre que precisam, por exemplo. Mas
o que pode fazer de você uma exceção à
regra? Essa é uma pergunta que certamente
não existe uma fórmula certa para se dar a
resposta e que para a qual muitos devem ter
uma opinião diversa.
estilO é difereNte
No embalo de ter uma marca registrada,
opte pelo diferencial, fazer à sua forma,
assim, mesmo igual aos outros você ainda
pode ser uma exceção.
Amanda acredita que o que faz de
alguém ser uma exceção é a criticidade,
pois quando alguém observa as coisas com
um certo distanciamento, instantaneamente
se coloca fora de tal contexto, aí então
torna-se uma exceção. Para Nelson, a
personalidade que se tem é o que o
diferencia do todo. Patrícia concorda que
para se tornar uma exceção basta ser
essencial, de essência.
leitura visual desta. O que não se pode
deixar acontecer é fazer pré-julgamentos
a partir disso e ainda deixar de usar o que
se está afim levando em conta que certo
acessório é de estilo rock, mas você prefe-
re jazz, por exemplo. Afinal o que importa
é você estar vestindo bem a roupa, e mais,
sentindo-se bem.
Amanda, Nelson e Patrícia acredi-
tam que o modo de se vestirem esteja li-
gado com a música. Para Amanda há uma
relação muito nítida entre música, amigos
e estilo, seu estilo musical é o Hard Rock
e Metal, e Metallica é a sua banda favori-
ta. Mudou seu estilo há aproximadamente
dois anos e por quê? A dita definição do
estilo musical.
Já Nelson adora Black Music, suas
cantoras prediletas são Duff e Amy Wi-
nehouse e também gosta de eletrônica.
Patrícia escuta rock n’ roll, e também gosta
de música celta, medieval e instrumental in-
dígena, ainda assim, acredita que as letras
da banda The Doors a traduzem.
nELSon roDriGUES
o que mais gosta de fazer: viajar, fazer festa, me divertir
Ama: famíliaodeia: arrogância
Palavra-chave do seu estilo: conceito
Personalidade: responsável, desenraizado
Filosofia de vida: não me conformo com tudo que está
posto, procuro sempre melhorarComo define o seu estilo:
clássico e contemporâneo
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Quem vê o trabalho do jornalista
Caco Barcellos, autor dos livros
“O Abusado” e “Rota 66”, não
imagina que por trás do profissional
premiado, se encontra uma pessoa
que mantém cuidados com a
alimentação e recorre à terapia.
O jornalismo não é a única face
de um homem que não faz uma
reportagem se o filho mais velho não
estiver com uma boa intuição.
O ladO humano dO joRnalismo
Ana Flávia Hantt
Gaúcho de Porto Alegre,
Cláudio Barcelos de Barce-
los, 58 anos, não costuma
cultivar as tradições do local
onde nasceu e viveu até sua juventude. Re-
centemente, leu que o chimarrão pode dar
problemas na garganta, e isso o deixou re-
ceoso. Adepto da alimentação naturalista,
o jornalista só come churrasco quando está
na casa da mãe. - Com uma tosse insistente
que fazia Caco Barcellos engasgar em mui-
tas de suas respostas, sorriu surpreso quan-
do comunicado de que a matéria não seria
sobre tráfico e favelas, tema tão recorrente
em sua palestra, até então.
Caco Barcellos nasceu na periferia
da capital do Rio Grande do Sul e quan-
do criança mantinha um medo peculiar,
que inclusive, virou tema de um dos seus
livros. “Naquele tempo, os pais da gente
ensinavam que devíamos respeitar a polícia.
Então, quando eu via um policial, sempre
dava um jeito de fugir”, conta, alegando
que a tortura era o que assustava. “Na-
quela época se usava muito o suador, que
consistia em deixar a pessoa em baixo do
sol quente por muitas horas”, destaca. O
que o livrou desse medo foi uma conversa
com um padre. Barcellos conta que o re-
ligioso lhe explicou que não precisava ter
medo da polícia, porque quem pagava os
impostos que financiavam o órgão eram os
seus pais. “Ele disse que eu sozinho podia
ser pouco perto da polícia, mas se o bairro
inteiro ficasse em volta da delegacia, eles
nada poderiam fazer comigo. Depois dessa
conversa, meu medo foi passando aos pou-
cos”, explica.
Ainda na infância, o jornalista
aprendeu a cultivar a admiração por um
político, o qual leva o título de seu ídolo até
os dias atuais. Fã confesso de Leonel Bri-
zzola, Barcellos diz que este foi o único que
realmente se preocupou com a educação
no país. E foi graças ao então governador
do Estado, que Caco Barcellos recebeu a
alfabetização, já com oito anos de idade.
Foi com o nome de Brizolão, que uma es-
cola de ensino fundamental foi instalada no
bairro onde morava.
famíliaApesar de ser pai de cinco filhos
que nasceram de dois casamentos, é com
o primogênito, também repórter, que o jor-
nalista tem muita ligação. Barcellos conta
que já ficou 40 dias negociando com guerri-
lheiros da Colômbia para que lhe cedessem
entrevistas e imagens para uma reporta-
gem. Quando conseguiu, ligou para contar
a boa notícia. Mas o filho apenas lhe disse:
“pai, você sabe que eu sempre te dou total
apoio, mas hoje eu estou com um aperto
no peito. Não vai fazer essa reportagem”.
O jornalista então ligou para o contato da
guerrilha e pediu para adiar a sua ida em
uma semana. “Aleguei que precisava fazer
um exame de sangue e ver o meu tipo san-
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37güíneo, para o caso de acontecer alguma
coisa comigo e eu precisar de transfusão”,
explica Barcellos. O guerrilheiro aceitou e
Caco usou a semana de prazo para con-
vencer o filho de que não havia perigo, ao
menos, não de vida. “Pesquisei na Internet
tudo o que podia sobre o grupo e descobri
que eles nunca haviam matado nenhum
jornalista. Então o único risco que eu corria
era de seqüestro”, ressalta, complementan-
do que após apresentar estes dados para o
filho, recebeu carta branca.
O jOrNalistaAs orientações recebidas do padre
quando ainda era criança, acabaram se re-
velando úteis por toda a sua vida. Mesmo
não sendo mais as dicas de um religioso,
em um determinado período, Barcellos
precisou contar com a ajuda de um profis-
sional. “Precisei fazer análise por me culpar
muito pelo meu ritmo de trabalho”, desta-
ca. O que aconteceu, foi que as constantes
viagens o faziam estar sempre longe das
pessoas que gostava. Barcellos conta com
detalhes uma das tantas vezes em que pre-
cisou desmarcar um compromisso. “Eu ha-
via marcado de jantar com uma pessoa de
quem gostava muito pela manhã, e acabei
ligando à tarde para desmarcar, pois estava
há dois mil quilômetros de distância”, re-
lembra.
No dia em que concedeu esta en-
trevista, Caco Barcellos participava como
palestrante na 12ª Feira do Livro de Vera
Cruz. No dia anterior, estivera participando
do evento Diálogos Universitários, na Uni-
versidade de Santa Cruz do Sul. No mesmo
dia, partiria para a Amazônia, onde gravaria
uma reportagem sobre as queimadas para
o programa Profissão Repórter.
No entanto, o próprio Barcellos dá
sinais de que a terapia surtiu efeito e de-
monstra estar mais tranqüilo com esta
questão: “hoje sei lidar melhor com isso”,
diz, enfático. - E férias? Você não tira? “Re-
centemente, depois de muito tempo e com
a parada do programa, consegui tirar qua-
renta dias de férias. Foi um bom descan-
so!”, finaliza.
quem disse que Os
papeleiRos sãO tOdOs iguais?
Em Santa Cruz existe um reciclador que
não apenas conquistou seu espaço como
conseguiu comprar carro e casa; tudo
isso fazendo aquilo que gosta.
Luana BackesWilliam Ceolin
Nilton Álvaro Costa Drochner,
49 anos, há 10 trabalha com
materiais recicláveis. Percorre
a cidade com a sua caminho-
nete vermelha todos os dias, dia após dia.
E a cada novo lugar que recolhe resíduos,
faz novos amigos e adquire a confiança das
pessoas pelo jeito alegre de ser. Hoje alguns
o chamam de “papeleiro”, outros de “tio
do papel” e até de “doutor” Nilton. Para
ele pouco importa. Quer apenas ser reco-
nhecido pelo que faz. Por isso, adverte:
“Rotular não é legal”.
Porém, ele não liga para os apelidos
que recebe. O que interessa mesmo é o tra-
balho (e a qualidade dele), que garantiu o
sucesso que tem hoje. Nilton recolhe prin-
cipalmente papéis e plásticos e todo dia faz
coletas, geralmente com horário marcado,
em escolas e empresas. Nilton fica feliz por
constatar que os empresários se conscien-
tizaram que estes materiais não são lixo,
mas dinheiro. “Antes eles eram queimados,
agora são reaproveitados.” Por isso, consi-
dera a atividade que exerce como social e
fica triste quando alguém diz que ele “cata
lixo”. “Lixo é o rejeito. O que eu recolho
são resíduos”, explica.
Mas Nilton não culpa as pessoas
pela desinformação. “Elas não tem a obri-
gação de saber”. Por esse motivo, ele co-
meçou a dar palestras para explicar o seu
trabalho e quebrar mitos. Já realizou apre-
sentações em escolas públicas e particula-
res e até na Universidade de Santa Cruz do
Sul. Assim, ele conscientiza a população e
todos ganham.
Outra coisa que o fascina é conhe-
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Estar a cada dia em um lugar diferente, seja fazendo reportagens ou em eventos, é rotina para o jornalista Caco Barcellos
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cer pessoas; não apenas “conhecê-las”,
mas estabelecer relações de confiança com
elas, inclusive amizades que leva junto con-
sigo não na caminhonete, mas no coração.
Pai de cinco filhos, dois homens e três mu-
lheres, e apaixonado pela esposa Elzira, ele
tem orgulho da família e vê nela o alicerce
para a sua vida. A filha mais velha, Carla, é
formada em Turismo. Cátia cursa Publicida-
de e Propaganda e Cássia faz Administra-
ção. Todas em universidades particulares,
com a participação de Nilton. Ele mesmo
estudou da sexta série até o ensino médio
no Colégio Marista São Luís.
tempOs difíceisNem sempre as coisas foram fáceis
para Nilton. Apesar da infância boa e sem
dificuldades financeiras, houve um tempo
em que a “imaturidade” o fez entrar em
crise. Morando em Santa Cruz do Sul, ele
trabalhava com obras, assim como o pai lhe
ensinara e fizera desde jovem. Associado a
outra pessoa, passou a comprar materiais
para trabalho em seu nome, com a promes-
sa de que receberia o dinheiro depois. Mas
isso nunca aconteceu e ele ficou endivida-
do.
Sem condições de pagar o que ha-
via comprado, precisou ir embora. Arrumou
as malas e foi morar em Brasília. Deixou a
família aqui, na esperança de conseguir um
futuro melhor para ela. Esposa e filhos fica-
ram sob amparo de seus pais, enquanto ele
tentava reconstruir a vida no centro do país.
Mas as coisas não foram fáceis e durante
cinco anos, amargou a agonia financeira.
Até voltar para Santa Cruz do Sul. Até en-
De bobo, Nilton não tem nada. Gosta
de pessoas e de aprender coisas novas.
Está sempre bem informado e entende de
muitos assuntos. Análise econômica? Ele faz
com base no comportamento das pessoas
e dá muito certo! Cita antropólogos em
suas falas e está aprendendo a lidar com
a Internet. Ao contrário da maioria dos
colegas de profissão, recolhe os resíduos
de caminhonete e é considerado por muitos
como “muito chique” pela condição de
vida que leva. Mas adverte: “Aqui não tem
nenhum coitadinho”.
Para ele, a imagem que as pessoas
fazem dos “papeleiros” é muito errada e diz
que tem gente que ganha muito dinheiro
com o negócio. E outros que não, mas
protagonizam cenas deprimentes como ou
comercializar os próprios filhos em troca
de dinheiro para se drogar. Ele nunca se
envolveu em negócios deste tipo e tem
orgulho do respeito que adquiriu com os
colegas e também com os fornecedores de
material. “Eles sabem que podem confiar
em mim”. Apesar disso, também sofre com
o preconceito e diz que é a pior coisa que
existe na profissão.
Se há algo que Nilton não tem vergonha
NiltON gOsta de apreNder cOisas NOvas
de dizer é o quanto ama a esposa, Elzira.
Por isso admite: “Sou dominado por ela”.
Mas já enfrentou problemas por causa
disso. Certa vez, quando trabalhava em um
posto de gasolina, deu o troco a um casal
que havia reabastecido o carro e o homem
pediu que entregasse o dinheiro à mulher.
Sorridente, Nilton perguntou: “Ah, o senhor
também é dominado pela esposa?” Mas
o outro respondeu: “Em nome do Senhor
Jesus Cristo. Proteja a alma deste homem...”
Ele era religioso e “dominado” significava
que estava possuído. Depois de muito rezar,
o homem disse que incluiria o nome de
Nilton em suas orações e partiu, enquanto
Nilton seguiu a vida. Não ligou para o
preconceito, fez seu caminho e conquistou
a sua independência. Provou que é possível
vencer mesmo diante das dificuldades.
Mostrou ser uma exceção num mundo de
falsas ilusões e de tanta gente igual. Isso
porque ele é “dominado” sim! Mas é um
refém da própria felicidade. E sabe, Nilton,
talvez você tenha razão. Rotular não é legal.
O que importa não é como chamam você e
sim o que você é: um vencedor. Vencedor
do jogo mais importante que existe: o jogo
da vida.
contrar na reciclagem o caminho para o
sucesso.
“Catando” papéis e plásticos ele re-
construiu a vida. Comprou carro e construiu
uma casa com os próprios braços. Oportu-
nizou estudo aos filhos e ganhou lições de
vida. Encontrou na família, principalmente
na esposa, a força de que tanto precisava.
Na dificuldade, mesmo na distância, eles se
mantiveram unidos e foi da mesma manei-
ra que conseguiram reorganizar o que pa-
recia irreparável.
Hoje Nilton colhe recompensas.
Quanto ele ganha? Pede para não revelar-
mos o valor. Mas não é pouco para quem
vende restos a centavos de real para a re-
ciclagem. O segredo? Ele diz que é a cre-
dibilidade. É “cumprir o combinado”, diz
ele. “Assim todos ficam satisfeitos”. Reco-
nhece que os erros do passado acontece-
ram por “ingenuidade” e acredita que a
sede de aprender o ajudou a se recuperar.
“Quem tem informação, conhecimento,
tem o poder”, afirma. Isso ele ensinou aos
filhos, que estão vencendo na vida. E isso
ele também ensinará ao neto Caio, de dois
anos, que terá muitos motivos para se or-
gulhar de vovô.
Luan
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41O padRe que duvida de milagRes
Hilário Dewes é um religioso diferente:
mora no bairro Bom Jesus, é secretário
da Associação de Hipnologia do
Rio Grande do Sul e psicoterapeuta
com formação em Psicanálise,
Parapsicologia, Reflexoterapia, Hipnose,
Teologia e Filosofia. Para ele, a maioria
dos mistérios passa pela mente dos
homens
Daniele Horta
A Igreja Católica é uma das
mais antigas instituições
religiosas conhecidas. Sua
história está repleta de mi-
lagres realizados por santos e exorcismos de
demônios. Mas o avanço das ciências e dos
estudos, especialmente da parapsicologia,
tem mudado este quadro. Alguns milagres
já não são mais tão milagres assim. No Bra-
sil, temos como exemplo Padre Quevedo,
conhecido pelo chavão “isso não existe”.
Mas padres estudando fenômenos
ditos sobrenaturais e desmentindo milagres
não parece algo muito comum. Em Santa
Cruz do Sul, o Padre Hilário Dewes, apren-
diz do Padre Quevedo, mora no Bairro Bom
Jesus. Ele realiza regressões, é secretário da
Associação de hipnologia do Rio Grande
do Sul, psicoterapeuta, com formação em
Psicanálise, Parapsicologia, Reflexoterapia,
Hipnose, Teologia e Filosofia. As nuances
deste trabalho, que parecem destoar da
figura de um padre, é o que tentamos des-
vendar nesta entrevista à Exceção.
hora o projeto de vida, uma hora de treino, de ensaio. Depois três a quatro horas de abordagem do inconsciente e daqui um tempo mais 2 horas de retomada. Depois ainda mais uma hora de retomada. Esse conjunto de atividades que eu chamo de regressão.
Essa regressão é consciente?Eu faço nos últimos tempos só consciente. Uma vez fazia também inconsciente, mas os resultados das conscientes em todos os casos foi muito maior, por isso não perco tempo. Se é pra fazer show, fazer fama, colocar uma pessoa inconsciente e fazer comer uma cebola achando que é maçã, ou chupar dedo, o pessoal bate palmas e acha bonito, mas fica por ali. Como quando um jogador acerta a bola na trave, as duas torcidas gritam e a festa é maior. Uns gritam de desespero e outros de felicidade pelo “quase”. A inconsciente funciona assim. E na consciente a pessoa pode seguir revendo aqueles atos.
mas este tipo de terapia sempre funciona?Se a pessoa não for dedicada, ou não apresenta sinais de mudança, eu encaminho para outros. Quando é questão de psiquiatra, eu encaminho pra eles. Quando é neurologista, psicólogo... Eu vou percebendo. Um pouco de percepção e bom senso ajuda.
Essas consultas que o senhor realiza, são pessoais ou da paróquia?Não, são minhas, é o meu trabalho.
Agora voltando a hipnose, qual é o objetivo dela?Qual é a idéia que você tem de hipnose?
Sei o popular, a pessoa inconsciente que faz coisas involuntárias.Como o que mostra na TV, 98% é truque. Se eu pegar você aqui e ensaiar 200, 500, mil vezes, quando eu colocar a minha mão na sua testa, você estará dormindo. É um sinal que se cria pra esses caras. Se você observar são sempre as mesmas
alguns pintam a igreja diferente você julga muito essa igreja ou aquela religião conforme a gente entende né? Muitos perguntam, mas padre e parapsicólogo? Olha, tirando apenas um, o resto todos que me ensinaram a parapsicologia eram padres. Então a parapsicologia tem muito a ver com a igreja católica.
o que se estuda dentro da parapsicologia como Padre?Como gente, vamos dizer assim, e não como padre. A parapsicologia é o quê? Ela estuda esses fenômenos que, como a palavra diz: “Para – além de, por fora de, ao redor de”. Ou seja, os fenômenos não bem comuns ou chamados normais. Por exemplo, casas que atendi, onde tu estás aqui e tem um vaso de flores ali, e quando tu menos espera estoura aquele vaso em migalhas a metros de distância. Ou coisas que pegam fogo sozinhas, pessoas que não dormem anos e sentem dores terríveis, e que com duas ou três sessões, dormem tranqüilas, ficam felizes.
E qual é o tratamento milagroso?Eu em resumo diria assim: é harmonizar a mente, é harmonizar essa energia que existe dentro do ser humano. Eu digo que todo ser humano em miniatura tem dentro de si uma usina elétrica e atômica. E ao entrar em sintonia com o universo, com a natureza, se tranqüiliza, se harmoniza e os problemas morrem.
Poderia nos dar um exemplo mais claro? Sim, o fumo por exemplo. Por que eu fumo? Tenho necessidade? Com certeza sei que o cigarro não faz bem, é só olhar os avisos, cartazes expostos, pessoas que morrem, os noticiários. A razão me diz “não convém que eu fume” mas meu inconsciente, meu leão interior me faz ter necessidade disso.
mas como funcionaria o tratamento?Eu começo sempre com uma análise, uma elaboração de projeto de vida que eu mesmo montei. Depois analiso uma
A compreensão de Deus é exatamente
aquilo que nós pregamos. Só que
como alguns pintam a igreja diferente você julga muito
essa igreja ou aquela religião conforme a gente entende né?
Muitos perguntam, mas padre e
parapsicólogo? ”
“
Para começar, o senhor poderia contar como acabou se tornando padre e parapsicólogo?Para ser padre eu me formei em filosofia e teologia. Depois sempre, desde criança, eu fui muito curioso com os fenômenos. Tudo que tinha de diferente eu lia, estudava, conversava e procurava saber das pessoas que estavam ali. Comecei com o Pe. Lauro Trevisan; aqueles livros dele da época eu li todos. Do Quevedo também li um monte, entre outros. Aí fui fazer curso de parapsicologia lá com o Quevedo.
Há quanto tempo o senhor era padre?Eu era padre fazia uns 12 ou 13 anos, mas
já estava nos meus projetos de vida fazer esse curso. Muitos padres do Brasil inteiro e exterior fizeram. Nós éramos, não lembro, 99 ou 199 alunos, e penso que uns 80% eram padres.
E onde entram a hipnose e a psicanálise?Depois sempre continuei estudando isso e depois tive a graça de encontrar um professor de hipnose que dizia que viajou por mais de 60 países dando cursos e encontros em Porto Alegre. Fizemos esse curso de hipnose com ele por 2 anos e no fim tive a sorte de fazer um doutorado em psicanálise. Muda a vida da gente.
É diferente a hipnose e psicanálise com o fato de você ser padre?Não, completa. Para o povo que olha de fora, que nos enxerga de jeito errado e deturpado, parece que sim. Mas no nosso jeito de ser Padre, os padres abertos, os bispos, que entendem do ser humano, eles vêem como um jeito de alargar os horizontes, de entender melhor. E se tu pegar a palavra religião na sua real significância nada mais é que religar o mais profundo do ser humano com o mais profundo que existe, que nós como cristãos chamamos de Deus.. Os muçulmanos chamariam Alá. A compreensão de Deus é exatamente aquilo que nós pregamos. Só que como
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43pessoas que saem do povão. Mas você só se apega aquele fato, àquele único programa e não enxerga o todo.
mas é uma técnica que funciona não é mesmo?Sim, inclusive em Porto Alegre conheci alguns dentistas que usam substituindo a anestesia e o paciente não sente dor. Se você assistir o Quevedo, ele pega aquelas agulhas enferrujadas e feias, e coloca no pescoço, na mão, e não faz efeito, e de fato.
Então o que afinal é hipnose?O nosso cérebro, ele tem vibrações. Tem alfa, beta, gama.. E quando você está em estado muito profundo, aí chama-se isso de sono induzido, ou hipnose. E nesse estado alterado de consciência, você consegue mudar os registros que têm em você. Até hoje, todas as experiências que você teve, temeu, alegrou, quis, são passíveis de ser registradas em você. Não necessariamente registra tudo. Principalmente aquilo que te chama atenção. Mas se você ouviu a mesma coisa, e a mãe vai ali e a filha vai aqui e escrevem sobre a mesma coisa, vai parecer situações diferentes. Porque a nossa mente é um conjunto onde nós guardamos os registros no córtex cerebral. A gente registra por ano cerca de um milhão de registros inclusive na gestação. Você me disse antes que tinha 24 anos. Você tem aproximadamente 25 milhões de registros guardados.
E o que faz a hipnose?Ela te coloca num estado profundo de concentração, elimina os registros ruins que você não quer. Os “vírus do computador que te infectaram”, passando um bom “antivírus”, você elimina o que estava afetando os arquivos bons. Meu computador que estava pronto pra entrar no caos com 97% da memória ocupada se tornou muito mais rápido e melhor depois que eliminei algumas coisas que não queria e tirei os vírus. Eu fiz uma regressão de
alguém que não subia nem em uma mesa. Três semanas depois ajudou a trocar um telhado. E não se deu conta de que subiu nas alturas.
regressão ou hipnose?A técnica para fazer a regressão é a hipnose. Porque a regressão é o trabalho do técnico. O que o técnico faz? Ele elimina as coisa duplicadas, passa o antivírus, tira os arquivos ruins, divide os discos. Esse conjunto é o que chamo de regressão. Hipnose é o estado de sono induzido. E as técnicas, cada um usa aquelas que tem.
Você poderia trabalhar apenas com isso, não é mesmo?Foi uma opção que me custa muita seriedade. Porque eu poderia ser alguém que faz esses shows de encher salão, mas eu já vi muita gente enchendo salão, chamando alguém pra servir de show em público. Meus orientadores diziam que isso vai quebrando a pessoa por dentro. É quase como eu te expor e você ficar mais exposto ao povo do que se estiver pelada. Você não vai querer o povo vendo você desse jeito. Porque o inconsciente desnuda muito mais a pessoa do que se ela tirar a roupa. Se eu tiro a roupa você só vê minha pele, mas se eu te hipnotizo, você mostra suas dores, seus medos, suas angústias, seus sentimentos, desesperos. Talvez até atitudes que você nunca falaria pra ninguém.
Então a hipnose por simples curiosidade estaria fora de questão...O que existe de possibilidade, conforme eles é, como eu te hipnotizar aqui, e pode ter alguém lá nos USA, China, São Paulo. Pelo que eles fizeram (eu nunca me dediquei a isso, posso um dia, se alguém se dispor a isso, como protagonista ou cobaia - protagonista se quiser aprender e nós fazemos um trabalho sério. Cobaia se você entra de pato, eu te uso, te manipulo e tu sai dali mais tonto, mais bobo do que veio. Essa
Se é pra fazer show, fazer fama, colocar uma pessoa inconsciente e fazer comer uma cebola achando que é maçã, ou chupar dedo, o pessoal bate palma e acha bonito, mas fica por ali.”
“
a diferença) mas a pessoa está lá longe e pelo que o Padre Quevedo e outros demonstraram, eles perguntam “qual é a roupa que o fulano usa” e você diz. Até o que a pessoa está fazendo, o que está passando na TV, se a pessoa estiver assistindo. Mas nunca ninguém disse o que o outro estava pensando.
mas como isso funciona?Comunicação pelo inconsciente é a explicação que eles dão. Nessas coisas qual é a questão entre a parapsicologia e o espiritismo? São muitos fenômenos que os espíritas dizem que é a alma do morto. Mas não posso falar muito sobre espiritismo porque eu não conheço muito e não acredito. Mas muitas coisas, dizem que é a alma do morto, mas quando você usa as técnicas de parapsicologia e orienta as pessoas, essas coisas deixam de acontecer.
E como se explica um lugar abandonado, como as chamadas casas assombradas onde não há ninguém mas as coisas “sobrenaturais” acontecem?Segundo o Padre Quevedo, nenhum fenômeno paranormal acontece com alguém mais longe do que 50 metros. Então muitas coisas se achava que era o Diabo na igreja católica, ou Deus ou Nossa Senhora. Daí agora a igreja católica parou de falar disso e surgiu o espiritismo que diz que são os espíritos. E a ciência dá a sua explicação. E isso é o mistério para o povo. Mas é porque se tu não sabe explicar... Eu atendi um caso em uma cidadezinha pra cá de Venâncio Aires, e eu de cara percebi que era o desequilíbrio de energia entre a vovó e uma menina que ia dormir lá. Brotava fogo do sofá, um dia um monte de tijolo que estava lá fora foi parar na sala e se você olhava, as janelas tinham grade e vidro e nada quebrado, mas tinha uns 30 tijolos no meio da sala.
isso é pelo pensamento? Voluntário? Não, é involuntário. Essas coisas sempre
são espontâneas, incontroláveis e imprevisíveis. E claro, primeiro queriam encher a casa de grade e eu disse “podem fechar de barra de aço a casa e vai continuar acontecendo”. Passa sempre. O nosso sangue fica no corpo porque quer. Tem tanto poro que se ele quisesse sair, saía. Então são fenômenos. Desde que a menina não foi mais lá não aconteceu mais.
mas como podem pedras entrar por uma janela fechada?Como funciona isso eu não sei. Aí vai pela física quântica. Seria algo parecido com hoje você estar cansada que não se suporta e chega uma visita que você gosta muito. Você prepara janta, faz tudo e lá pelas 2 da madrugada você se vê conversando animada e cadê o cansaço? E como as quatro da tarde você já não se suportava? Então existe coisas dentro de nós que podem se dar uma possível explicação, mas cada descoberta muda a explicação.
Você disse que esses fenômenos acontecem involuntariamente. Existe como fazê-los de forma voluntária? Focar minha energia para mover um tal objeto?Não, tão forte não. Isso comparando é como um raio. Até hoje não sei se existe no mundo capacidade de captar energia de um raio. Até hoje ao menos nunca vi nem ouvi ninguém falar.
Se essas curas são realmente possíveis, qual o segredo?Precisa amar a verdade, ter coragem de confrontar-se consigo mesmo e talvez dispor-se a fazer o parto do inconsciente. Essas coisas são necessárias.
A única conclusão que posso chegar é que nunca existiram milagres, e sim uso da própria mente...A própria igreja tem estudado muito isso antes de consagrar alguém como santo. Diferente de como era antigamente.
mas ainda consagra, como Frei Galvão há pouco tempo...É, mas é bem estudado...
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retratOs dO santO daime
Fernanda ZieppeO Santo Daime chegou em Santa Cruz do Sul. Ele não
só chegou como cresceu e se multiplicou rapidamente.
Localizada na Linha Áustria, a Igreja “Céu da Santa Cruz”
existe desde outubro de 2007. Os seguidores do Santo Daime
se reúnem de quinze em quinze dias para tomar a infusão
conhecida como chá de ayahuasca. O chá é um líquido
resultante da junção de duas plantas, o cipó jagube e a folha
chacrona (ambas originárias da floresta amazônica), que
juntas produzem uma expansão da consciência. A comunidade
também está plantando seu próprio ayahuasca, no total são
cerca de 760 cipós jabube e 1000 pés de rainhas, plantados ao
redor da igreja. O ritual que acontece na igreja é chamado de
trabalho de concentração e dura cerca de oito horas.
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longe de todos e de lugar algum
tiago StürmerLinha Natal, área entre as divisas de
Capitão e Travesseiro, já abrigou mais
de 60 famílias; hoje, possui apenas dois
moradores. Em meio às ruinas de uma
igreja e um cemitério abandonado,
Ilmar Boni e Nelcir Zambiasi seguem
uma vida, aparentemente, normal.
Da década de 1960 a 2008 o
mundo ganhou três bilhões
de habitantes. Só no Rio
Grande do Sul, o aumento foi
de cinco milhões de pessoas. Mas em uma
pequena comunidade, incrustada nos mor-
ros localizados entre Capitão e Travesseiro,
no Vale do Taquari, o êxodo nocauteou as
estatísticas demográficas tradicionais. Linha
Natal abrigava mais de 60 famílias e cente-
nas de moradores quando a Internet ainda
era um devaneio tecnológico. Hoje, são
apenas dois.
A palavra natal deriva do latim nas-
cer. Mesmo assim, o que ocorreu em Linha
Natal foi exatamente o contrário: o fim de
um pequeno grupo social e de toda sua
história. Em meio ao matagal, em uma área
inacessível a automóveis, a cerca de dez qui-
lômetros do Centro de Capitão, é possível
observar as ruínas de uma vila. Restaram as
paredes da antiga capela, os alicerces da es-
cola 25 de Dezembro e alguns túmulos no
cemitério. O campo de futebol que divertia
os moradores nos domingos já não existe.
Foi sufocado pela capoeira.
Na fachada da igreja lê-se data de
sua construção: 11 de janeiro de 1911. Na-
quele tempo ainda não se pensava em luz
elétrica na Linha Natal. Mas, 50 anos depois,
Fotos: tiago stürMer
ela, responsável por todo o desenvolvimen-
to do último século, seria o grande carrasco.
Quando a energia elétrica chegou às outras
áreas da região, os antigos moradores aban-
donaram Linha Natal. Optaram pela vida
longe da antiga comunidade para não con-
tinuar à luz das velas.
A maioria das propriedades ainda
pertence às mesmas pessoas. Os cabos da
companhia de energia foram instalados há
dois anos e agora as terras – antes totalmen-
te abandonadas – começam a abrigar alguns
aviários e abrem perspectivas econômicas e
sociais. Para o ex-morador Aventino Biasi-
betti, a recente construção de seu criatório
de frangos é mais do que uma fonte de ren-
da – é uma viagem ao passado. “Vou para
lá pelo menos uma vez por semana. Senão,
fico com saudades. Meu pai foi presidente
da comunidade de Linha Natal, ajudou na
construção da igreja e da escola. Aquele lu-
gar me traz lembranças do futebol nos po-
treiros, da história da minha família.”
Ilmar Boni e Nelcir Zambiasi são
os dois únicos moradores de Linha Natal.
Zambiasi é acanhado, não se entusiasma
em diálogos com estranhos (“Vai atrair os
ladrões”). Ele diz que já morou em cidades
maiores, mas preferiu o retorno ao interior
para uma vida tranqüila. Vive dos lucros
do aviário que tem ao lado de casa de al-
venaria.
Ilmar Boni é mais aberto ao papo.
Diferente de Zambiasi, passou todos os 42
anos de sua vida em Linha Natal. Ali estu-
dou – até a quarta série – e fez sua primeira
comunhão. A casa de madeira, sem pintura,
com quatro quartos e poucos móveis, tem
quase um século de existência. Pertencia
antes a seus pais. Por que não se casou? Por
que não teve filhos? Ele não fala. Talvez nem
saiba. Por que a vida tão solitária, não sente
saudades? “Em qualquer lugar do mundo
eu teria que trabalhar igual. Então não te-
nho vontade de sair daqui”, ele me respon-
de. E da morte o senhor não tem medo?
“Não adianta ter. Tudo vai ter um fim mes-
mo, não importa onde eu esteja”.
Seu realismo diante da vida impres-
siona. Faz lembrar Brás Cubas, personagem
de Machado de Assis, que não teve filhos
para “não deixar a nenhuma criatura o le-
gado da miséria humana”. Seus irmãos de-
bandaram de Linha Natal, foram à capital
em busca de emprego em restaurantes, mas
voltaram sem os objetivos cumpridos. Já ele
só sai para encontrar os amigos nas bode-
gas e para as esporádicas visitas à família. O
que Boni precisa para viver ele tem na velha
casa de Linha Natal. As paredes da quase centenária igreja de Linha natal, mesmo
semidestruidas, ainda resistem ao tempo.
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Boni é o tipo de pessoa que não se
importa com as roupas. Suas havaianas en-
cardidas são de cor diferente, uma azul e
outra preta. Sua camisa tem a manga ras-
gada no ombro direito e descosturada no
esquerdo. Apesar da despreocupação com
a aparência, Boni não gosta da idéia de ser
retratado. Cada vez que a máquina foto-
gráfica lhe é apontada, esconde o rosto
com o boné e solta: “Maah queee”, com
sotaque italiano.
O ermitão mantém seus poucos
gastos com a venda de lenha. Cobra 60
centavos pelo quilo dos troncos de eucalip-
to que ele passa o dia serrando. Em casa,
Boni tem vários animais. Gatos, cachorros e
galinhas adornam o pátio da velha residên-
cia. Quais os nomes dos bichos? “Eles não
tem nome. Não dou bola para eles.”
Seus companheiros em casa são
apenas um fogão a lenha, a geladeira e
o pequeno rádio de pilhas, sempre sinto-
nizado na Rádio Independente. O locutor
Paulo Rogério dos Santos e seu Bom Dia
Rio Grande são o contato diário entre o le-
nhador e o mundo externo. Boni bate de
frente nos conceitos-padrão de fraternida-
de e relacionamento em sociedade. E mes-
mo assim faz-nos refletir sobre o mundo
moderno. Sua única preocupação é vender
lenha. E a felicidade parece ser um item se-
cundário.
ONde fica liNha NatalO território de Linha Natal foi dividido entre Capitão e Travesseiro quando os distritos se emanciparam de Arroio do Meio, em 1992. A área onde ficava a igreja e a escola pertence a Travesseiro. O local onde moram Boni e Zambiasi fica em Capitão. Os dois municípios, junto com Pouso Novo e Nova Bréscia, formam uma filial da região serrana no Vale do Taquari, com clima úmido, montanhas e 500 metros de altitude em relação ao nível do mar. Segundo a última contagem de população do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Capitão tem 2.539 habitantes e Travesseiro 2.379. Os dois locais somam 156 quilômetros quadrados de territórios, mais do que o dobro da área
de Alvorada, na região metropolitana, que tem 207.142 moradores. A baixa densidade demográfica é explicada pela principal atividade econômica dali: a agropecuária. Mais de 80% das propriedades locais têm criatórios de porco. São cidades estranhas a quem mora nos centros urbanos. Neste locais, passam-se anos sem que aconteça algum crime e todos se conhecem.
O afiadoR
Wesley SoaresAdenir Alves de Almeida, aos 46 anos,
desafia as modernidades tecnológicas
e ganha a vida afiando ferramentas no
Centro de Rio Pardo, com uma daquelas
máquinas bem manuais, que lembra
uma bicicleta, com um esmeril à frente.
Ele já trabalhou como pedreiro,
lenhador e marinheiro. Já viajou
para outros estados, morou dois
anos em Florianópolis e, hoje,
seu sustento depende essencialmente dos
alicates de fazer unhas. Enquanto com os
pés pedala sua “bicicleta”, com as mãos
hábeis Adenir afia as mais diversas ferra-
mentas. Porém, os mais visados, segundo
ele, são os alicates utilizados pelos salões
de beleza para tirar cutículas de unhas. Por
um preço de R$ 3,00, todos os salões de
beleza do Centro de Rio Pardo são clientes
do afiador Adenir, o “Zé” como é conheci-
do pelos clientes.
Para conhecer essa história, é pre-
ciso voltar dez anos no tempo, para o ano
de 1998. Adenir, então marceneiro assala-
riado, ao tirar umas férias do seu serviço re-
solveu visitar o irmão mais velho, que mora
em Florianópolis. Ele chegou à ilha numa
sexta-feira para ficar apenas cinco dias. Não
sabia ele que a partir deste passeio sua vida
tomaria outro rumo.
Ao acompanhar o irmão, que pe-
rambulava pelas ruas catarinenses afian-
do facas e ferramentas em geral, Adenir
tomou gosto pela profissão. Relata que
“como uma destas peças que o destino
nos prega de vez em quando, meu irmão
se acidentou e não pôde trabalhar.” Esta
era a oportunidade que ele precisava para
assumir o cargo e se tornar um afiador de
ferramentas.
Após ver os cinco dias inicialmente
programados se transformar em quarenta
dias de muito trabalho no Estado vizinho,
Adenir voltou para casa. Mas, apenas, para
buscar a mudança e a esposa. Foi morar
em Florianópolis. Ele lembra que foi uma
surpresa muito grande para todos, princi-
palmente sua mulher, que no início relutou
para abandonar a cidade onde fora criada.
Ainda assim, acabou cedendo.
Com seu jeito malandro e cativan-
te, à beira do marrento, cheio de gírias,
falando “tri gente”, “quinhentão” e “dois
paus”, Adenir logo agregou uma conside-
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rável clientela. Após seis meses de trabalho
e muitas ferramentas afiadas, ele já conhe-
cia todo o lado sul da ilha e garante que
ganhava uma média de R$ 500,00 por dia.
Enfim, o afiador de ferramentas estava com
a vida encaminhada.
Tudo andava bem. Um bom salário,
a companhia da família e um lugar, como
ele mesmo definia, perfeito para morar. Foi
quando, após aproximadamente um ano
e meio em solo catarinense, uma nuvem
negra se alojou sobre a cabeça do Afiador
Adenir. Primeiro foi a esposa: a companhei-
ra de todas as horas, não resistiu à saudade
e à distância dos parentes e amigos de Rio
Pardo e voltou, abandonando o afiador no
estado vizinho.
Era o começo do fim. Os seis me-
ses seguintes foram de inferno astral para
Adenir. Com uma rígida fiscalização da
prefeitura de Florianópolis, eram seguida-
mente multados e impedidos de trabalhar:
“Foram várias multas. Eles nos perseguiam
e nos multavam pela falta do alvará. Estáva-
mos trabalhando apenas para pagar multas
para a prefeitura. Até que não deu mais”,
relata visivelmente emocionado.
Foi exatamente no dia 20 de no-
vembro de 2000 que Adenir desembarcou
na rodoviária rio-pardense, retornando à
sua cidade natal. Trouxe de Santa Catarina
apenas a velha máquina de afiar ferramen-
tas, comprada do irmão por R$ 400,00 e
algum dinheirinho que sobrou da estada de
dois anos junto com os “manézinhos”. Os
primeiros 15 dias no retorno a Rio Pardo fo-
ram movimentados. Adenir andou por toda
a cidade em busca de clientela.
Cumprida a primeira etapa, no mês
de dezembro de 2000, o afiador Adenir de-
marca território no lugar mais movimenta-
do do município, a esquina das ruas Andra-
de Neves e João Pessoa. Adenir novamente,
como já se acostumara, estava recomeçan-
do em um momento de dificuldade. Enten-
de ele, no entanto, que saiu vitorioso e for-
talecido em todos estes recomeços.
Dez anos após sua volta, o afiador
conta com uma grande clientela, que não
fica restrita aos limites municipais. Ele tem
muitos clientes em Pantano Grande e En-
cruzilhada do Sul. Em dias normais, durante
o verão, afia em torno de 50 ferramentas
por dia. O que lhe dá uma renda em torno
de R$ 500,00 por semana, bem menos que
os R$ 500,00 por dia que chegou a ganhar.
Salienta, no entanto, que no inverno a que-
bra chega a 50%, e ele tem uma explica-
ção para isso: “No inverno as pessoas usam
mais calçados fechados, com isso fazem
menos as unhas e os alicates são menos
usados.”
Figura emblemática na cidade, bate
o ponto todos os dias no horário comercial.
Ao mesmo tempo em que todos sabem da
sua existência, poucos o conhecem. Sequer
sabem seu nome. Chamam-no de seu Zé.
No entanto, nem mesmo os que o chamam
assim sabem exatamente por quê. Se é pro-
veniente de José ou, simplesmente, mais
um Zé... Um Zé Batalha, um Zé Ninguém,
enfim, um Zé Qualquer.
Pode-se dizer que o amolador de fa-
cas já faz parte da paisagem. Sua presença
costumeira, sempre no mesmo local, pode
ser comparada a uma árvore. Todos sabem
que ele está ali, mas quase ninguém sabe
exatamente o porquê, de onde veio e para
onde vai ao término do expediente. O que
ninguém sabe é que por traz daquela figura
alto astral, simpática e de bem com a vida,
há um homem batalhador, que enfrenta
a vida com a garra que só os vencedores
têm.
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O cOntadOr
de históRiasPara algumas pessoas, caso de Alex Riegel, viajar pelo mundo narrando aventuras
é bem mais que uma profissão: trata-se de um estilo de vida. Maneira esta que ele
divide, no palco, com seu personagem mais ilustre: Alaor.
Vestir uma roupa diferente,
pintar todo o rosto e viajar
pelo mundo contando histó-
rias. Esta é a vida de Alex Rie-
gel, 39 anos, um contador de contos que
se confunde com Alaor, seu personagem
mais freqüente. Alaor diverte crianças de
todas as idades ao dramatizar suas aventu-
ras, sempre resgatando lendas, fábulas, pe-
quenas histórias e canções interpretativas.
No entanto, se enxergar a platéia com os
olhos brilhando diante a encenação de um
conto já é único, ver Martina Riegel na pri-
meira fila é impagável. O sobrenome não
é mera coincidência. A menina de quatro
anos e rosto angelical fica sentadinha, mui-
to atenta, assistindo o pai, ou então o “Seu
Alaor”, que é como chama o autor do livro
Adeus Sarita.
O companheirismo de pai e filha,
aliás, já rendeu boas histórias, uma redun-
dância para quem vive de contá-las. Uma
delas aconteceu quando a menina recém
dava os primeiros passos. “Eu fazia o espe-
táculo no palco e ela estava na platéia. De
repente, vejo-a caminhando no tablado en-
quanto eu fazia a apresentação. O público
reagiu na hora: “Oh!”, dramatiza Riegel.
Ana Flávia HanttAtor e produtor desde 1988, Riegel
conta que não costuma dizer que esco-
lheu a ocupação. Sempre brinca dizendo
que foi o teatro que o escolheu. “Muitas
vezes tentei deixar a profissão por ser de
grande dificuldade viver desse ofício, mas
com o tempo e a experiência, tudo vai se
encaixando e a tão sonhada estabilidade
chega”, exalta.
alaOr surgiu cOm O tempOAlex Riegel nasceu em Taquara e,
aos sete anos, a família mudou-se para
Novo Hamburgo, para onde o contador
de histórias voltou para fixar residência
anos mais tarde. Já o personagem Alaor
foi criado em 1999, para um espetáculo
de teatro. “Depois de alguns anos, passei
a trabalhar somente com espetáculos cria-
dos para o Alaor. O personagem surgiu ao
longo do tempo, por isso considero essa
criação bastante orgânica. Ele vai se adap-
tando e vai crescendo conforme o tempo
passa”, explica Riegel, complementando
que, na trajetória de quase 10 anos, mais
de meio milhão de pessoas já assistiram o
espetáculo.
Atualmente as histórias que Alaor
conta são inéditas e escritas para o seu uni-
verso: ele tem família, irmãos, uma cidade
e uma casa. Riegel também cresceu com o
personagem. Hoje, possui sua empresa de
produção artística que administra todos os
negócios do Alaor, além de outros traba-
lhos que faz em empresas, prefeituras, es-
colas e em feiras do livro, sua participação
mais forte.
O tempo gasto na estrada, que ocu-
pa a maior parte dos seus dias ao viajar de
uma cidade para outra, parece não inco-
modar o contador de histórias. “Conheço
mais gente fazendo o que gosto”, resume.
Nestas andanças, Riegel também guardou
em sua caixinha de memórias alguns fatos
especiais. “Um fato muito marcante foi na
Feira do Livro de Veranópolis, quando uma
editora assistiu o espetáculo e depois foi
me dizer que eu não poderia morrer sem
deixar a minha obra para a humanidade”,
conta. Na verdade, a editora se referia a
um livro que poderia ser escrito sobre o
Alaor. “Naquele momento eu decidi tra-
balhar também com livros, e, em 2007 foi
lançado Adeus Sarita, que obteve enorme
sucesso. Uma grande surpresa em minha
vida”, comemora.
a escócia NãO sairá da memóriaEmbora afirme que vai com a mes-
ma intensidade para todos os lugares,
Riegel explica que um lugar em especial
o marcou. Foi o Festival de Edimburgo,
na Escócia, onde participou em 2000. O
contador de histórias conta que este é um
evento que recebe em média dois milhões
de turistas durante todo o mês de agosto.
São diversas manifestações artísticas que
ocorrem em várias salas de espetáculos,
que por sua vez, podem ser os locais mais
inusitados: garagens, porões de igrejas, ba-
res, escolas, praças, entre outros.
“Foi sem dúvida a melhor experiên-
cia de trabalho que tive na carreira. Pude
levar meu espetáculo, traduzido e interpre-
tado na língua inglesa para uma platéia di-
versificada assistir. Eram pessoas vindas de
longe, japoneses, africanos, americanos,
chineses e europeus de todos os países”,
conta, complementando que atores famo-
sos como Sean Connery e Robin Williams
também passaram pelo festival.
E a pequena Martina no meio de
tudo isso? O contador de histórias avisa:
“Tudo o que faço na minha vida e no meu
ofício é pelo amor a minha filha”.
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dOna ondina deixOu O hospitalQuando muitos lutavam para deixar a cama de um Hospital
a velhinha do 401 fez daquele lugar o seu lar. Mas, no dia 03
de outubro, o quarto ficou vazio, ainda assim as histórias de
Ondina continuam mais vivas do que nunca.
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Sancler ebert
O dia nem bem havia nascido,
os corredores ainda estavam
escuros e mais frios do que
normalmente, o som das ro-
das das macas sendo arrastadas pelo piso
lustroso era constante, assim como o de
passos sempre apressados que andam de
um lado a outro. De vez em quando, um
choro podia ser ouvido ao longe, ou um
lamento de alguém que não queria estar
onde está, não queria estar doente, não
queria estar num hospital.
A manhã estava mais fria do que
normalmente, e o 401 estava vazio. Se fos-
se qualquer outro dia, a paciente do quarto
401 da Ala São Francisco já estaria acorda-
da. Não se incomodaria com os sons, se-
jam eles de felicidade ou dor. Também não
perderia seu tempo imaginando com quem
dividiria o quarto, porque, na verdade, ele
era só seu. Diferente de todos os outros pa-
cientes que ansiavam e aguardavam pelo
momento da saída, Ondina nem cogitava
abandonar o local que há 15 anos era o
seu lar.
Conforme o céu ficava mais claro,
aumentava a movimentação nos corredo-
res. Em qualquer outra manhã, a moradora
do Hospital Santa Cruz já estaria acordada
e tomando banho em seu quarto, auxiliada
por uma daquelas moças bonitas que vêm
vestidas de branco. As mesmas, que de vez
em quando, transformavam o 401 num
verdadeiro instituto de beleza e produziam
o visual de Ondina: pintavam as unhas,
passavam a tintura no cabelo e faziam a
maquiagem. Depois de pronta, a senhora
tomava seu café da manhã e aguardava as
primeiras visitas. Durante o dia, dezenas de
enfermeiras e outros funcionários passa-
vam por aquele quarto para ouvir os cau-
sos e histórias da Dona Ondina, como era
chamada por lá.
Histórias dela ainda bem pequeni-
ninha, quando ainda morava em Riveira,
no Uruguai, sua cidade natal. Ou dos seus
primeiros anos em Rio Pardo, com o pai
transferido para a cidade gaúcha, em sua
casa no bairro Boa Vista. Apesar dos seus
89 anos, Dona Ondina, lembrava muito
bem das coisas, principalmente daquelas
das quais tinha mais saudade, como dos
pais. Dona Manuela e seu Serafim Borges
deixaram a filha sozinha muito cedo. O pai
faleceu quando Ondina tinha 32 anos, a
mãe foi enterrada dezesseis anos depois.
Desde então, ela ficou sozinha, ou melhor,
nem tanto.
Ainda quando morava na casa que
herdara dos pais, na Vila Esperança, em
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Santa Cruz do Sul, era conhecida como a
“Velha dos gatos”. O apelido carinhoso
dado pela vizinhança, que se acostumou
a passar em frente à casa da simpática se-
nhora e observar as dezenas de gatos espa-
lhados pelo local. Eram felinos nas janelas,
na soleira das portas, brincando no grama-
do da frente, pulando de um lado a outro
dos muros. Todos sabiam que, dia sim, dia
não, Ondina ia ao açougue pegar alguns
retalhos de carne para fazer para os “bi-
chinhos”.
Engana-se quem acreditava que ela
amava apenas os felinos. Ondina amava to-
dos os “bichinhos”. Sob sua mesa sempre
se encontravam farelinhos, que ela deixava
para as moscas comerem e quando podia,
ficava observando os insetos se fartando
com o banquete que ela lhes proporcio-
nava. Suas janelas também estavam sem-
pre abertas para receber os pássaros que
vinham se alimentar com os pedacinhos
de fruta que a doce senhora colocava no
parapeito da janela. Os animais que ela
não podia ver em seu quarto, acabavam se
tornando mais nomes para suas listas, es-
critas todas a mão em pequenos cadernos
escolares.
Faltavam poucas páginas para que
o terceiro caderno ficasse cheio. As anota-
ções de Ondina possuíam muitas listas. Lis-
ta dos jornalistas que trabalham na Rádio
Gaúcha, das feras das selvas, dos funcio-
nários do hospital, das flores que ela co-
nhecia, das capitais e estados do país. Entre
uma anotação e outra, desenhos de flores,
exercícios de caligrafia com letras e nú-
meros, assinaturas e versos. Porque Dona
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Ondina não fazia nem poema, nem poesia,
fazia versos. Bastava chegar em seu quar-
to, dar um tema e pronto. Estava feito o
verso, com rima e graciosidade como só ela
fazia. Outros predicados também não lhe
faltavam. Antes de ser conhecida como a
“velha dos gatos”, ela era “A” bordadeira.
Não havia na cidade quem fizesse melhor
um bordado na máquina do que ela. Ela
também era capaz de prever o tempo to-
cando na parede, bastava sentir que estava
morna para saber que iria chover.
Na gaveta da cômoda guardava
suas relíquias. Mapas antigos, onde a ca-
pital do Brasil ainda era o Rio de Janeiro,
um pequeno pote com colares e brincos,
produtos para maquiagem, espelho e pen-
te, sua indispensável lupa, que ampliava as
letrinhas para que ela pudesse ler, além dos
seus preciosos cadernos de anotação. Den-
tro da cômoda guardava algumas das suas
roupas, colocando as azuis e brancas em
cima da pilha, porque eram suas cores pre-
feridas e do time do seu coração, o Grêmio
e escondendo as roupas de cor amarela,
que ela tanto odiava. Por fim, a parte supe-
rior da cômoda servia de mesa, onde frutas
e biscoitos disputavam o lugar.
Se existe uma coisa que Ondina gos-
tava de fazer era comer. Houve uma época
em que ela comia as refeições que vinham
da copa e pedia para o seu assistente social
trazer docinhos para ela. Ondina chegou a
lanchar meia melancia, mais salgadinhos e
docinhos como rapadura, merengue no in-
tervalo entre as refeições do hospital. Não
demorou muito para ela entrar na dieta,
da qual só saía nas quintas-feiras, dia do
churrasco. Quando o seu assistente social
trazia carne assada e maionese (maisena,
segundo ela).
Dona Ondina viveu durante anos
na geriatria do Hospital Santa Cruz. Depois
que a ala foi fechada, ela passou por duas
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os objetos que fizeram companhia a ondina, hoje são guardados pelos funcionários do hospital
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clínicas geriátricas, mas não se adaptou a
nenhuma. Não restou alternativa a não ser
voltar para o hospital, o local que serviu
de cenário para um momento dramático
da sua vida. Foi caminhando no pátio que
ela se acidentou, quebrou a perna e des-
de aquele momento parou de andar. Após
uma dieta de emagrecimento e anos de
fisioterapia, ela aos poucos encenava seus
primeiros passos, como uma criança que
descobria um brinquedo que esquecera
que tinha.
Embora vivesse sozinha em seu
quarto, a moradora do 401 nunca esta-
va só. Quando não estava na companhia
de um funcionário ou enfermeiro, estava
acompanhada das suas lembranças, dos
seus amigos. Porque “não há nem no Brasil
e nem no mundo quem Ondina não possa
chamar de amigo”. Segundo ela, entre os
ilustres estavam a governadora do estado,
Yeda Crusius e o presidente do país, Luiz
Inácio Lula da Silva.
Todo ano, 17 de junho era dia de
festa no hospital, com direito a brigadei-
ro, salgadinhos, balões, bolo de chocolate
e vela. Quando Ondina fazia aniversário,
quando todo o pessoal da ala se reunia e
organizava a festa, era quando ficava mais
evidente que eles eram uma família e que o
hospital era o seu lar.
Quando o seu coração parou de ba-
ter na manhã fria do dia 3 de outubro de
2008, muitos pensaram que o dia em que
Ondina deixaria o Hospital havia chegado.
Mas aos poucos, percebeu-se que Dona
Ondina não havia abandonado o local que
considerava o seu lar. Ela havia deixado um
pedaço de si em cada um dos funcionários
com quem havia convivido, deixou suas his-
tórias, seus “versos” e sua alegria.
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nçao quarto 401 , agora
vazio, foi o lar de ondina por mais de
quinze anos
SUmário
O grande barato é ser fake08O dia em que o Avenida venceu o Grêmio de Ronaldinho11A cura que nasce das pirâmides15Ser cosplay é diferente18No tempo em que as novelas eram no rádio23Quando o mocinho é um bandido26Como ser diferente em um mundo de iguais?30O lado humano do jornalismo34Quem disse que os papeleiros são todos iguais?37O padre que duvida de milagres40Retratos do Santo Daime45Longe de todos e de lugar algum46O afiador49O contador de histórias52Dona Ondina deixou o hospital54
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Publicação do Curso de Comunicação Social da UNISC - Santa Cruz do Sul - Ano 3 - Nº 3 - Distribuição gratuita
AVENTURAS dementirinha