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Evellyn Juliane da Rocha Brandão AGORA É SUPER DIFERENTE: Prática Exploratória e a coconstrução de entendimentos sobre a qualidade de vida de uma turma de primeiro ano do Ensino Médio Dissertação de Mestrado Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem da PUC-Rio como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Letras/ Estudos da Linguagem. Orientadora: Profa. Inés Kayon de Miller Rio de Janeiro Setembro de 2016

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Evellyn Juliane da Rocha Brandão

AGORA É SUPER DIFERENTE: Prática Exploratória e a coconstrução de

entendimentos sobre a qualidade de vida de uma turma de primeiro ano do Ensino Médio

Dissertação de Mestrado

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem da PUC-Rio como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Letras/ Estudos da Linguagem.

Orientadora: Profa. Inés Kayon de Miller

Rio de Janeiro Setembro de 2016

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Evellyn Juliane da Rocha Brandão

AGORA É SUPER DIFERENTE: Prática Exploratória e a coconstrução de

entendimentos sobre a qualidade de vida de uma turma de primeiro ano do Ensino Médio

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre pelo Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem da PUC-Rio. Aprovada pela Comissão Examinadora abaixo assinada.

Profa. Inés Kayon de Miller Orientador

Departamento de Letras – PUC-Rio

Profa. Adriana Nogueira Accioly Nóbrega Departamento de Letras – PUC-Rio

Profa. Isabel Cristina Rangel Moraes Bezerra UERJ

Profa. Monah Winograd Coordenadora Setorial do Centro de Teologia

e Ciências Humanas – PUC-Rio

Rio de Janeiro, 29 de setembro de 2016.

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Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou

parcial do trabalho sem autorização da universidade, da autora

e do orientador.

Evellyn Juliane da Rocha Brandão

Graduou-se em Letras (Português – Inglês) na Universidade do

Estado do Rio de Janeiro – Faculdade de Formação de

Professores, em 2012. Foi bolsista de Iniciação Científica CNPq

por dois anos durante a graduação. Cursou Pós Graduação Lato

Sensu em Educação Básica – Ensino de Língua Inglesa na

Faculdade de Formação de Professores da UERJ. Atua como

professora de Língua Inglesa na rede estadual de ensino. Sua

área de interesse compreende as pesquisas em Linguística

Aplicada, sobretudo, pesquisas em Prática Exploratória voltadas

para entender a vida na escola.

Ficha Catalográfica

CDD: 400

Brandão, Evellyn Juliane da Rocha Agora é super diferente: prática exploratória e a

coconstrução de entendimentos sobre a qualidade de vida de uma turma de primeiro ano do ensino médio/Evellyn Juliane da Rocha Brandão; orientadora: Inés Kayon de Miller. – 2016.

146 f.: il. color. ; 30 cm Dissertação (mestrado)–Pontifícia Universidade Católica

do Rio de Janeiro, Departamento de Letras, 2016. Inclui bibliografia 1. Letras – Teses. 2.Prática exploratória. 3. Qualidade de

vida. 4. Estigma. 5. Reflexão. 6. Entendimentos. I. Miller, Inés Kayon de. II. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Departamento de Letras. III. Título.

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Para a minha família, em

especial, para a minha tia

Patrícia Brandão, por todo o

apoio e incentivo.

Aos alunos das turmas

1005/2014 e 1001/2015 pelo

aprendizado e parceria.

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Agradecimentos A Deus, por todos os caminhos e oportunidades que me fizeram chegar com força

edeterminação ao final de mais uma etapa.

Aos meus pais que, ao longo da minha caminhada acadêmica, perceberam o

quanto eu gostava do que fazia, o quão importante era pesquisar, passar por cada

obstáculo e até por algumas noites sem dormir. Agradeço a eles pela compreensão

e confiança.

À minha família, pelo apoio e incentivo e, especialmente, à minha tia Patrícia

Brandão, por não ter medido esforços para me deixar de herança bem tão

precioso: o estudo.

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), e à

PUC-Rio, pelos auxílios concedidos, sem os quais este trabalho não poderia ter

sido realizado.

À minha orientadora, Prof. Dra. Inés Kayon de Miller, pelo exemplo, pela

sabedoria e conhecimento admiráveis; pelo incentivo, confiança e carinho; pelos

momentos de desenvolvimento mútuo e coconstrução de entendimentos.

Aos professores do Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem da

PUC-Rio, em especial à Adriana Nóbrega, por não ter me deixado desistir e por

ter aceitado fazer parte da banca examinadora deste trabalho. Agradeço à Profa.

Liliana Bastos pelo incentivo constante.

A todos os funcionários do Departamento de Letras da PUC-Rio, em especial, à

Chiquinha, por toda a ajuda recebida.

À Prof. Isabel Cristina Rangel Moraes Bezerra, por ter me apresentado a Prática

Exploratória ainda na graduação e por ter me feito apaixonar por suas questões e,

dado oportunidade com toda a generosidade do mundo para que eu pudesse

descobrir as minhas. Pelo exemplo, inspiração e amor. Hoje, sua filha acadêmica

agradece por toda a ajuda ao longo dessa jornada e por ter a honra de ter este

trabalho lido e avaliado por você.

Aos meus amigos e colegas de profissão, pelos momentos de crescimento e até

mesmo de embate; pelos momentos de luta e alegria. Em especial, ao Edgard, à

Gabriella, Jardel, Felipe, Laís e Natália; e aos colegas de mestrado Alexandre e

Wilson.

Ao meu amigo-irmão Diego Fernandes, por todos os conselhos, puxões de orelha

e ombro amigo. Agradeço por toda a humildade e carinho.

Ao Douglas Araujo, por ser meu “amor-amigo”, pelo cuidado, paciência, carinho,

apoio e amor.

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Aos meus companheiros do NEPPE – FFP, minha escola para a vida, em especial

às professoras Isabel e Renata pela troca de experiências e até pelas reuniões

“chororô” e aos demais praticantes exploratórios que contribuíram para a

realização deste trabalho.

Aos alunos e à direção do Colégio Arte de ser Feliz1 que possibilitaram a

realização deste trabalho. Obrigada pela parceria, confiança e oportunidades de

aprendizagem.

1 Nome fictício escolhido por mim para me referir à escola em que esse trabalho foi realizado.

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Resumo

Brandão, Evellyn Juliane da Rocha; Miller, Inés Kayon de (Orientadora).

Agora é super diferente: Prática Exploratória e a coconstrução de

entendimentos sobre a qualidade de vida de uma turma de primeiro

ano do Ensino Médio. Rio de Janeiro, 2016. 146p. Dissertação de

Mestrado – Departamento de Letras, Pontifícia Universidade Católica do

Rio de Janeiro.

Neste trabalho busco refletir e gerar entendimentos sobre a qualidade de

vida de uma turma de primeiro ano do Ensino Médio de uma escola pública do

estado do Rio de Janeiro. Assim, investigo como re(construímos) nossas

identidades em interação, além de como (des)construímos estigmas e afetos em

interação face a face. Para tanto, utilizarei o referencial teórico-metodológico da

Análise da Conversa Etnometodológica (Sacks, Schegloff e Jefferson, 1974;

Goodwin e Heritage, 1990; Garcez, 2012) e dos Estudos de Narrativas (Bastos,

2005), aliados à Teoria da Avaliatividade (Martin; White, 2005) assim como os

estudos sobre Estigma de Goffman (1978) e Biar (2012) para refletir sobre o

estigma (des)construído em interações sobre o que vivemos na escola.

Fundamentada nos pressupostos da pesquisa qualitativa, dentro da perspectiva

ético-metodológica da Prática Exploratória, sobretudo a partir do conceito de

pesquisa do praticante [practitioner research] (Allwright & Hanks 2009),

apresento a análise de excertos de conversas exploratórias (Nunes &Moraes

Bezerra, 2013) e de APPES - Atividades Pedagógicas com Potencial Exploratório

geradas em contexto escolar entre meus alunos e eu. Desta forma, por entender o

processo de formação de professores como permanente (Miller & Moraes Bezerra,

2004) e considerar a Prática Exploratória (Miller, 2011) como arcabouço teórico-

metodológico que orienta meu olhar à minha prática pedagógica e de pesquisa,

entendo que essa oportunidade de aprendizagem (Allwright, 2005) me auxilia

tanto a construir entendimentos sobre a qualidade de vida da turma investigada e

sobre as identidades que emergem nos discursos dos alunos, quanto sobre a minha

formação continuada e sobre o meu processo de construção identitária

profissional.

Palavras-chave Prática Exploratória; Qualidade de Vida;Estigma; Reflexão;

Entendimentos

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Abstract

Brandão, Evellyn Juliane da Rocha; Miller, Inés Kayon de (Advisor). Now

it's super different: Exploratory Practice and the co-construction of

understandings about the quality of life of a first year class in High

School. Rio de Janeiro, 2016. 146p. Masters Dissertation – Departamento

de Letras, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

In this dissertation I seek to think and engender understandings about the

quality of life of a first year High School class in a public school in the state of

Rio de Janeiro. Thus, I investigate how we (re)construct our identities in

interaction through discourse, as well as how we (de)construct stigma in face-to-

face interaction. To do so, I will use constructs from the Ethnomethodological

Conversation Analysis perspective (Sacks, Schegloff and Jefferson, 1974;

Goodwin e Heritage, 1990; Garcez, 2012), Narrative studies (Labov, 1972;

Bastos, 2005; Linde, 1993;1997) with the pressupositions of the Appraisal Theory

(Matin; White, 2005) and from studies about Stigma (Goffman, 1988; Biar,

2012). Based on the presuppositions of qualitative research, within the ethical and

methodological perspective of Exploratory Practice, mainly starting from the

concept of practitioner research (Allwright & Hanks, 2009), I present the analysis

of excerpts from exploratory conversations (Nunes & Moraes Bezerra, 2013) and

PEPAs- potentially exploitable pedagogical activities created in the school

context between my students and I. This way, comprehending the teachers'

professional development process as permanent (Miller and Moraes Bezerra,

2004) and considering Exploratory Practice (Miller, 2011) as the theoretical and

methodological basis which guides the view of my teaching and research practice,

I assume that this learning opportunity (Allwright, 2005) helps not only to

construct understandings about the quality of life in the investigated class and the

identities which emerge from the students' discourse, but, mainly, about my

continuing professional development and the construction process of my

professional identity.

Keywords

Exploratory Practice; Quality of life; Stigma; Reflection; Understandings

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Sumário

1. Introdução 15

1.1. Da minha Janela: a Prática Exploratória e a minha trajetória

profissional

15

1.2. No canal oscilava um barco: sou ou não sou uma professora

exploratória?

20

2. Arcabouço teórico 25

2.1. A Linguística Aplicada 25

2.1.2. Linguística Aplicada e a pesquisa em sala de aula: o que a

Prática Exploratória tem a ver com isso?

2.1.3. Sobre professores e aprendizes: a Prática Exploratória e sua

proposta reflexiva

27

29

2.2. A vida em sala de aula 32

2.2.1. A sala de aula como uma comunidade de prática 34

2.2.2. A importância do afeto 37

2.3. Estigma

2.3.1. Processo de elaboração de faces

39

44

2.4. Sala de aula e interação 46

2.4.1. A Análise da Conversa Etnometodológica 46

2.4.1.1. A noção de piso conversacional e estrutura de participação 48

2.4.2. Estudos de Narrativa 49

2.4.2.1. A contribuição laboviana

2.4.2.2. A contribuição de Linde

2.4.2.3. Discurso e coconstrução de identidades

2.4.3. A Teoria da Avaliatividade

2.4.3.1 O sistema de atitude e a instanciação de afeto

50

51

52

54

55

3. Metodologia e contexto de pesquisa 58

3.1. A pesquisa do Praticante e a natureza da pesquisa 58

3.1.1. O pesquisador como praticante, agente e Bricoleur 60

3.1.2. O cunho (auto)etnográfico 61

3.2. A cidade feita de giz: o contexto 62

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3.2.1. O Programa Autonomia 63

3.2.2. A 1001 e eu 64

3.3. A geração de dados 64

3.4. A transcrição dos dados 65

3.5. Os praticantes

65

4. Explorando o jardim: análise dos dados 68

4.1 A aspersão sobre o jardim: primeiras tentativas 68

4.2. Explorando o jardim: análise dos dados 76

4.2.1 - “a gente tinha que provar pra eles que é diferente” 77

4.2.2. “agora é super diferente” 90

4.2.3. “errar é humano” 107

4.2.4. “mas a gente riu tanto”

113

5. Eis o jasmineiro em flor: a janela abriu ou o olhar mudou? –

considerações finais.

118

5.1. Sobre a análise dos excertos: a (des)construção do self

estigmatizado

119

5.2. Sobre os desafios de ser uma professora-pesquisadora-

praticante exploratória

124

5.3. Sobre ser aluno e professor na 1001: minhas reflexões

124

6. Referências bibliográficas 127

Anexo I - Termos de autorização da pesquisa

135

Anexo II - Prova de Pedro 137

Anexo III - Excertos 138

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Lista de figuras Figura 1 - A sala de aula como uma comunidade de prática 35

Figura 2 - Exemplo de Puzzles que retratam o aspecto físico da

escola

71

Figura 3 - Exemplo de Puzzles que retratam tanto questões sobre o

que se vive em sala de aula, quanto em outros momentos na

escola.

72

Figura 4 - Exemplo de Puzzles que retratam busca por

entendimentos sobre a função da escola e ressaltam o papel dos

alunos no processo de ensino-aprendizagem e as relações

interpessoais na escola

72

Figura 5 - Puzzles de Pedro 74

Figura 6 - Definição de estereótipo 77

Figura 7 - Atividade proposta pelo livro didático após a apresentação

do termo estereótipo

78

Figura 8 - APPE: teachers can X teachers can’t, students can X

students can’t

108

Figura 9 - Sobre trabalho de face e as interações em sala de aula 123

Figura 10 - Reunião Halloween – retorno dos dados aos praticantes:

alunos da 1001 e eu.

126

Figura 11 - Questão da prova 137

Figura 12 - Resposta de Pedro e Cleber. 137

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Lista de quadros Quadro 1 – Instanciação de afeto

Quadro 2 – Os praticantes da pesquisa

56

66

Quadro 3- Sobre ser aluno do PA e sobre o PA 121

Quadro 4 - Sobre ser aluno e professor 122

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Convenções de transcrição2

. (ponto final) Entonação descendente

? (ponto de interrogação) Entonação ascendente

, (vírgula) Entonação de continuidade

↑ (seta para cima) Mais agudo

↓ (seta para baixo) Mais grave

palavr- (hífen) Marca de corte abrupto

pala::vra (dois pontos) Prolongamento de som

(maior duração)

palavra (sublinhado) Sílaba ou palavra enfatizada

PALAVRA (maiúscula) Intensidade maior

(“volume”alto)

ºpalavraº (sinais de graus) Intensidade menor

(“volume baixo”)

>palavra< (sinais de maior do que e menor do

que)

Fala acelerada

<palavra> (sinais de menor do que e maior do

que)

Fala desacelerada

hh (série de h’s) Aspiração ou riso

.h (h’s precedidos de ponto) Aspiração audível

= (sinais de igual) Elocuções contíguas, sem

intervalo

[ ] (colchetes) Início e fim de falas

simultâneas/sobrepostas

(2.4) (números entre parênteses) Medida de silêncio (em

segundos e décimos de

segundos)

(.) (ponto entre parênteses) Micropausa de até 2/10 de

segundo

( ) (parênteses vazios) Fala que não pode ser

transcrita

(palavra) (segmento de fala entre parênteses) Transcrição duvidosa

((olha para

baixo))

(parênteses duplos) Comentário do analista,

descrição de atividade não-

vocal

2 Convenções de Transcrição adaptadas de Garcez, Bulla e Lorder, 2014.

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A arte de ser feliz

Houve um tempo em que a minha janela se abria para um chalé. Na ponta do chalé brilhava um

grande ovo de louça azul. Nesse ovo costumava pousar um pombo branco. Ora, nos dias límpidos,

quando o céu ficava da mesma cor do ovo de louça, o pombo parecia pousado no ar. Eu era

criança, achava essa ilusão maravilhosa, e sentia-me completamente feliz.

Houve um tempo em que a minha janela dava para um canal. No canal oscilava um barco. Um

barco carregado de flores. Para onde iam aquelas flores? Quem as comprava? Em que jarra, em

que sala, diante de quem brilhariam, na sua breve existência? E que mãos as tinham criado? E

que pessoas iam sorrir de alegria ao recebê-las? Eu não era mais criança, porém minha alma

ficava completamente feliz.

Houve um tempo em que a minha janela se abria para um terreiro, onde uma vasta mangueira

alargava sua copa redonda. À sombra da árvore, numa esteira, passava quase todo o dia sentada

uma mulher, cercada de crianças. E contava história. Eu não a podia ouvir, da altura da janela; e

mesmo que ouvisse, não entenderia, porque isso foi muito longe, num idioma difícil. Mas as

crianças tinham tal expressão no rosto, e às vezes faziam com as mãos arabescos tão

compreensíveis, que eu que não participava do auditório imaginava os assuntos e suas peripécias

e me sentia completamente feliz.

Houve um tempo em que a minha janela se abria para uma cidade que parecida feita de giz. Perto

da janela havia um pequeno jardim quase seco. Era uma época de estiagem, de terra esfarelada, e

o jardim parecia morto. Mas todas as manhãs vinha um pobre homem com um balde e, em

silêncio ia atirando com a mão umas gotas de água sobre as plantas. Não era uma rega: era uma

espécie de aspersão ritual, para que o jardim não morresse. E eu olhava para as plantas, para o

homem, para as gotas de água que caíam de seus dedos magros, e meu coração ficava

completamente feliz.

Às vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor. Outras vezes encontro nuvens espessas.

Avisto crianças que vão para a escola. Pardais que pulam pelo muro. Gatos que abrem e fecham

os olhos, sonhando com pardais. Borboletas brancas, duas a duas, como refletidas no espelho do

ar. Marimbondos: que sempre parecem personagens de Lope da Vega. Às vezes, um avião passa.

Tudo está certo, no seu lugar, cumprindo o seu destino. E eu me sinto completamente feliz.

Mas, quando falo dessas pequenas felicidades certas, que estão diante de cada janela, uns dizem

que essas coisas não existem, outras dizem que essas coisas só existem diante das minhas janelas,

e outros, finalmente, que é preciso aprender a olhar, para poder vê-las assim.

Cecília Meireles

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1. Introdução

“Tudo na vida tem um porque e cada porque tem um sentido diferente

Às vezes não entendemos certas coisas por quê?

Porque não existe um por que.

Agora vem o meu por que.

Por que não existe um professor dedicado como antigamente?

Por que não se existem alunos como antigamente?

Não entendo mais nada

Por que nós alunos não queremos nada com a hora do Brasil?

Por que não melhoramos em vez de complicar?

Pedro, aluno do primeiro ano do Ensino Médio.

1.1. Da minha Janela: a Prática Exploratória e a minha trajetória profissional

Ser professora era algo que chamava a minha atenção desde a infância.

Sempre que podia escolher sobre o que brincar com meus amigos, certamente, as

brincadeiras que envolviam a escola eram as preferidas.

Com o passar dos anos, a admiração por aqueles que foram os grandes

responsáveis pela minha escolha profissional só aumentava, assim como a minha

paixão por estudar a Língua Inglesa. Por isso, decidi que prestaria vestibular para

a Faculdade de Formação de Professores da UERJ, escolhendo, assim, o curso de

Letras – Português/Inglês. Concomitantemente, trabalhava como monitora de

Inglês no curso de idiomas em que eu estudava. Tão logo fui aprovada no

vestibular, os diretores do curso me convidaram a virar estagiária e, seis meses

depois, instrutora de ensino.

Poucas são as recordações sobre os conteúdos das disciplinas do início da

faculdade, já que, por achar que eu já era professora, cursava as matérias com o

objetivo de cumpri-las para terminar o curso de licenciatura mais rápido. Eis que,

na metade da graduação, cursei a disciplina Fundamentos e Práticas de Ensino de

Língua Inglesa II, lecionada pela professora Isabel Cristina R. Moraes Bezerra.

Membro do grupo de Prática Exploratória do Rio de Janeiro, a professora buscava

integrar a disciplina aos princípios da Prática Exploratória. Ao longo de suas

aulas, meus colegas e eu fomos conhecendo um pouco mais essa nova forma de

pensar e viver a sala de aula.

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No final daquele semestre, tive a oportunidade de participar do processo

seletivo que buscava um bolsista de iniciação científica para o projeto Formação

Profissional Reflexiva do Professor de Línguas em Serviço e Pré-serviço,

coordenado pela professora Isabel. Após a aprovação, fui bolsista por dois anos

deste projeto e foi a partir dele que pude conhecer e viver, de fato, o que é a

Prática Exploratória.

A Prática Exploratória surgiu a partir da ressignificação do termo inicial

Exploratory Teaching (Ensino Exploratório), utilizado por Allwright (1991) para

denominar a maneira como deveria ser o ensino de línguas estrangeiras.

Ao rever de forma crítica as pesquisas realizadas àquela época em sala de

aula, percebendo que os próprios professores já se questionavam sobre o que

viviam em seus contextos, Allwright salienta que os professores de língua

estrangeira deveriam trabalhar junto aos seus alunos não apenas para o

aprendizado de conteúdos. Mas, sobretudo, para a busca de entendimentos locais

sobre questões que envolvam o processo de ensino-aprendizagem, as relações

interpessoais e sua influência para a qualidade de vida em sala de aula (Moraes

Bezerra, 2012, p.60), ou seja, não dependendo de pesquisadores externos para

elaborar/criar essas questões, já que elas são vividas pelos participantes daquele

contexto, seres humanos com suas histórias, crenças, marcas identitárias e

emoções (Rodrigues, 2014).

Além disso, o autor convida professores e alunos a atrelarem o fazer

pedagógico a essa busca por entendimentos de questões que os aflijam. Desse

modo, ao propor que o trabalho para a investigação de tais questões fosse

realizado de maneira integrada ao ensino, considerando alunos e professores

enquanto agentes não só no processo de ensino, mas também nos processos de

busca por entendimentos, o termo Exploratory Teaching deixou de ser utilizado,

dando origem ao que hoje conhecemos como Exploratory Practice (Prática

Exploratória), como ressalta Miller (2012, p.321):

Foram, precisamente, a integração do fazer investigativo com a prática

pedagógica bem como o reconhecimento das agentividades dos alunos e dos

professores que deram origem ao nome Prática Exploratória (cf. Exploratory

Practice), como ela é conhecida até o presente.

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Assim, a ideia é que tanto professores quanto alunos sejam vistos como

praticantes (practitioners) e se engajem em atividades pedagógicas cotidianas, ou

seja, aquelas as quais já estão acostumados a realizar em sala de aula a fim de

buscar entendimentos para suas questões instigantes (puzzles), que segundo Ewald

(2015, p 50-51) são:

[...] perguntas instigantes, normalmente iniciadas com “por que”. Os puzzles

podem partir de qualquer praticante envolvido, pois, como nessa modalidade

todos os participantes são agentes e responsáveis pelo processo reflexivo, os

questionamentos não partem necessariamente dos praticantes que têm posição

“superior”, como o professor na sala de aula e o formador ou consultor em outros

contextos.

Tais atividades, denominadas atividades pedagógicas ou profissionais

com potencial exploratório - APPEs (Miller et al., 2008; Allwright e Hanks,

2009), podem ser planejadas com este objetivo ou, simplesmente, adaptadas ou

“levemente adaptadas”, nas palavras de Ewald (2015, p.7). Contudo, devem

proporcionar o envolvimento de todos no processo de ação para entender (action

for understanding) os puzzles dos praticantes, pois eles estão imbricados à nossa

vida pessoal e profissional (Rodrigues, 2014).

Em suma, diferentemente da “pesquisa parasítica” (parasitic research)

(Miller, 2012), em que os dados são apenas coletados e os participantes não se

envolvem participando ativamente da mesma, a Prática Exploratória tem como

foco a “ação para o entendimento” integrada ao próprio trabalho de pesquisa e

ensino, tendo como elemento inovador, a agência dos praticantes. Assim, as

decisões acerca do planejamento e dos passos a serem dados durante o processo

de investigação não seguem apenas a agenda do pesquisador, isto é, são

compartilhadas e decididas com todos os praticantes envolvidos no processo de

busca por entendimentos.

Dessa forma, pesquisas que envolvem estudos em Prática Exploratória têm

ganhado cada vez mais espaço no meio acadêmico (Miller, 2012), já que

possibilitam um trabalho inclusivo-investigativo que prioriza a “ação para

entender” os puzzles dos praticantes e a qualidade de vida do grupo, em vez de a

“ação para mudança” (action for change) (Miller et al, 2008, p. 147).

Embora não seja prioridade, ao olhar com mais cuidado as questões que

nos intrigam, a mudança pode acontecer, pois o processo de mudança faz parte da

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vida das pessoas (Ewald, 2015; Moraes Bezerra e Nunes, 2013), e pode ocorrer na

medida em que as questões ao longo do processo de busca por entendimentos são

refinadas pelos praticantes a partir de suas reflexões iniciais sobre o que visam a

entender.

Entendo Prática Exploratória como “[...] uma maneira indefinidamente

sustentável em que praticantes, dentro de seus contextos de trabalho e enquanto

exercem suas práticas profissionais, se engajam para desenvolver o seu

entendimento da vida nesses contextos.” (Miller, 2010, p.113). Alinho-me a essa

definição de Miller em razão da minha inserção na comunidade de Prática

Exploratória.

De maneira diferente ao que comumente se esperava sobre a iniciação de

pesquisadores na realização de pesquisas em Prática Exploratória, meu primeiro

contato com essa proposta para entendimento da vida dentro e fora de sala de aula

foi através da pesquisa. Durante o período em que fui bolsista, procurei entender

através do meu questionamento inicial “Por que eles não querem ser professores

de Inglês? ”, como meus colegas de graduação construíam discursivamente suas

identidades e revelavam seus questionamentos sobre a nossa formação inicial

através de narrativas que surgiram ao longo das aulas da disciplina “Fundamentos

e Práticas de Ensino II”.

Além disso, em Brandão (2012), destaco, em meu trabalho de final de

curso, não somente como a pesquisa se encaminhou e meus entendimentos sobre o

que vivi com meus colegas (o que já vinha sendo realizado em apresentações de

trabalho em eventos acadêmicos e nos relatórios de pesquisa), mas também a sua

influência na minha certeza sobre a escolha profissional que fiz. Ter participado

do projeto, indubitavelmente, me fez crescer enquanto pesquisadora e professora

em formação inicial, e me deixou com mais vontade para estudar a formação de

professores e os possíveis questionamentos que possam surgir ao longo deste

processo.

Em 2013, ingressei no curso de especialização lato-sensu em Educação

Básica – Ensino de Língua Inglesa na mesma universidade em que concluí a

licenciatura. Ainda sob o efeito que a pesquisa em iniciação científica havia me

deixado, continuei a participar dos encontros com os bolsistas que passaram a

integrar o grupo do qual eu fazia parte. No mesmo ano, comecei a exercer a

função de coordenadora pedagógica no curso de idiomas em que trabalhava. Isto,

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para mim, só não foi muito difícilpor conta do suporte ético que obtive com o

aprendizado através dos entendimentos de minhas questões.

A responsabilidade era grande. Agora, não respondia só por mim, pelo

trabalho que realizava ou pelos meus alunos, mas também, pela função

institucional em que me coloquei. Os embates eram enormes. Após o trabalho

com a Prática Exploratória, imaginei que estar nessa posição me ajudaria a

modificar as rotinas às quais tinha que me submeter e com as quais eu não

concordava. Acreditava que, ao fazer isso utilizando o meu poder institucional,

ajudaria também os meus colegas de profissão. No entanto, estava enganada.

Quanto mais o tempo passava, mais vontade eu sentia de sair daquele contexto.

Sentia-me cada vez com menos autonomia sobre as minhas decisões tanto como

professora quanto como coordenadora pedagógica. Na verdade, a única alternativa

que eu tinha era continuar investindo em minha formação profissional, realizando

concursos públicos para a área do magistério e concluindo a pós-graduação.

Perto da finalização das disciplinas, com o incentivo dos professores e de

meus colegas, participei do processo seletivo de mestrado da PUC- Rio. A minha

escolha em continuar minha formação nesta universidade tinha como motivo

poder ficar mais perto do Grupo de Prática Exploratória do Rio de Janeiro e,

assim, dar continuidade aos trabalhos que já realizava na graduação.

Era 2014, mesmo ano em que comecei o curso de mestrado, quando fui

nomeada servidora pública do estado, começando a atuar como professora regente

de Inglês em uma escola pública no município de Niterói.

O início mostrou-se complicado, pois cumpria a carga horária de dezesseis

horas semanais em três escolas diferentes e ainda trabalhava no curso de idiomas

todos os dias da semana, além de cursar as primeiras disciplinas no mestrado e

precisar terminar o meu trabalho final de pós-graduação, no qual, mais uma vez,

decidi voltar o meu olhar para a formação de professores.

Junto a dois estagiários que recebi logo no início daquele ano, busquei

entendimentos sobre o meu processo de formação continuada e sobre a

importância do estágio supervisionado como espaço para a construção conjunta de

entendimentos acerca do nosso processo de formação profissional (Brandão,

2014). Assim, logo no início de minha jornada nesse novo contexto, tive o auxílio

desses dois colegas em formação, que também estavam ali para compartilhar seus

questionamentos e buscar novos entendimentos sobre o que era ser ou tornar-se

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professor. Porém, logo seu período de estágio acabou, e foi a partir daquele

momento em que eu estava sozinha naquele novo contexto que de fato comecei a

apurar o meu olhar para aquela nova paisagem que se instaurava diante de minha

janela. A seguir, saliento as minhas primeiras inquietações dentro da escola.

1.2. No canal oscilava um barco: sou ou não sou uma professora exploratória?

Ao nos convidar a olhar o familiar, o antropólogo Gilberto Velho

certamente estava nos convidando a olhar para as minúcias do nosso cotidiano,

para aquilo que parece ser, mas que talvez não seja, ou simplesmente para o que é

“incomum e espetacular”, nas palavras de Ben Rampton (2006, p. 117). Contudo,

pensar no que possa ser incomum e mereça o nosso olhar com mais cuidado,

torna-se uma tarefa complexa, uma vez que estamos inseridos em contextos nos

quais a familiaridade pode denunciar apreensões da realidade expostas ao

julgamento e opiniões diversas (Velho, 2013, p.77).

A sala de aula, sobretudo a de línguas estrangeiras, é um espaço que deve

proporcionar aos alunos e professores o desenvolvimento de uma consciência

crítica sobre o que se vive no contexto escolar. Cabe aos professores provocar

esse estranhamento ao que parece familiar junto aos alunos, para que reflitam

sobre a escola, sobre seus professores e sobre eles mesmos.

Porém, essa tarefa não é fácil. Assim como eu, meus alunos são seres

humanos, atravessados por discursos que os ajudam a se constituírem enquanto

sujeitos, cada um com sua história, desejos, vontades e questões. Embora a minha

formação tenha sido balizada nos pressupostos e princípios da Prática

Exploratória, que detalharei com mais cuidado nos capítulos subsequentes, senti

muita dificuldade em meus primeiros meses na escola.

Apesar de saber que deveria trabalhar para promover o surgimento de

questões sobre a vida em sala de aula, na escola e fora dela, era mais fácil

começar com os exercícios de fixação de conteúdo, pois, influenciada pelos

moldes do curso de idiomas, acreditava que ao fazer isso estava facilitando o meu

trabalho, já que era dessa forma que, a meu ver, conseguiria ter controle sobre as

turmas.

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No entanto, mesmo agindo dessa maneira, algo me incomodava. Não era

daquele jeito que eu gostaria de trabalhar. Não era para agir desse modo que a

minha trajetória acadêmica me guiava, nem tampouco os entendimentos que eu

havia gerado até ali. Afinal, por que eu não tinha certeza se era uma professora

exploratória?

Para minha surpresa, encontro junto a um grupo de alunos motivação para

ir contra a maré; para não me acomodar com os discursos pré-estabelecidos sobre

a escola, sobretudo, no que se refere aos discursos que envolvem o desinteresse

dos alunos, as questões de indisciplina, e sobre o trabalho que é desenvolvido

dentro deste contexto, atravessados pelas questões institucionais e políticas.

Esta turma era considerada a pior da escola, tanto em desempenho quanto

em comportamento, mas havia um diferencial: eu os adorava. A minha relação

com aquele grupo de alunos era ótima a ponto de, apesar de tantas conversas

paralelas durante as aulas e até mesmo da desmotivação em relação à disciplina

que leciono, não haver impedimento para que tivéssemos um bom relacionamento

e conversássemos sobre as questões que nos cercavam. Como percebi que a

indisciplina era um fator que incomodava os outros professores e até mesmo

alguns estudantes, resolvi trabalhar com essa turma através de algumas APPEs

para que juntos pudéssemos entender e aprender a lidar com as situações que

envolviam esse questionamento.

Era 2014, final do meu primeiro ano letivo enquanto professora regente de

Inglês naquela escola pública desses alunos. Finalmente, tinha conseguido sair do

curso de idiomas e da caixinha em que eu mesma havia me colocado durante os

anos em que trabalhei nele. Lembro-me, como se fosse hoje, do quão feliz eu saí

da escola no dia em que os alunos daquela turma de primeiro ano do Ensino

Médio participaram do XV Evento de Prática Exploratória. Eles estavam radiantes

e felizes, assim como eu.

Na pausa para o intervalo, em uma ida à cantina, uma das funcionárias

resolve pergunta-los sobre quem eu era. Sem muita demora, um deles responde

que eu era a professora de Inglês: “a melhor professora da escola”. Em um misto

de surpresa e curiosidade, permaneço ali, parecendo saber que a interação não

acabaria naquela afirmação.

Eu estava certa. Outro aluno, em resposta à funcionária que os indagara

sobre o porquê eu era a melhor professora da escola, acrescenta: “ela é a melhor

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professora da escola, porque além de professora, ela é a psicóloga da nossa

turma”. De repente, daquele misto de curiosidade e felicidade, minha mente se

inundou de diversos questionamentos sobre o meu papel enquanto professora,

sobre a minha escolha profissional, sobre a vida que se vive na escola em que eu

trabalho e outras questões instigantes que busquei entender ao longo de minha

pesquisa de mestrado.

Infelizmente, não pude buscar entendimentos sobre os questionamentos

que me fiz junto àquela turma, já que leciono para alunos de primeiro ano do

Ensino Médio, e, portanto, no ano seguinte, eles tiveram aula com outra

professora. No entanto, foram aquelas palavras que me motivaram e me guiaram

à pesquisa que desenvolvi junto aos estudantes do ano subsequente e que

resultaram nesta dissertação de mestrado.

Logo, tal como a cronista que passa a observar os pequenos

acontecimentos cotidianos de sua janela e que, apesar de toda a diversidade que

encontra, se sente completamente feliz, convido você, caro leitor, a compartilhar

de minhas alegrias, inquietações e questionamentos ao longo deste trabalho em

que busco entender como eu, professora-pesquisadora, e meus alunos

(re)construímos identidades e estigma durante nossas interações em contexto

escolar. Para tanto, escolhi iniciar essa dissertação com a crônica de Cecília

Meireles na epígrafe deste trabalho, uma vez que a cada momento em que a leio,

sou convidada a refletir sobre a minha vida. Encontro, nessa crônica, a inspiração

para refletir sobre a minha trajetória profissional e sobre a vida que vivemos na

troca de experiências e saberes com meus companheiros de pesquisa: meus

alunos.

Portanto, motivada pelos meus questionamentos enquanto professora,

neste trabalho, busco refletir sobre a coconstrução discursiva de identidades

coletivas de uma turma do primeiro ano do Ensino Médio, além de buscar indícios

de pertencimento e não pertencimento através da análise de interações geradas em

sala de aula à luz dos princípios da Prática Exploratória (Miller, 2001; Moraes

Bezerra, 2007; Allwright and Hanks, 2009, inter alia), tendo como principais

objetivos:

Entender o processo de coconstrução do self e de estigmas através

da análise de interações geradas em contexto escolar;

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Analisar as interações geradas em sala de aula, bem como as

atividades desenvolvidas durante o processo de busca por

entendimentos sobre a vida na escola e, principalmente, sobre ser

aluno e professor de uma turma de primeiro ano do Ensino Médio

em uma escola pública;

Partilhar os meus entendimentos com os demais praticantes da

pesquisa, atendendo, então, a proposta ético-inclusiva da Prática

Exploratória.

Ao alcançar esses objetivos, pretendo refletir sobre o meu processo de

formação continuada e buscar novos entendimentos sobre o meu papel dentro da

escola.Em relação à estrutura organizacional, este trabalho divide-se em seis

capítulos.

Após a introdução do tema e de minhas motivações iniciais feitas no

presente capítulo, segue o capítulo 2, que apresenta os construtos teóricos que

fundamentam este estudo.

Ele versa, a princípio, sobre a Linguística Aplicada Contemporânea e a

Prática Exploratória, tecendo elos entre a prática do linguista aplicado na

contemporaneidade (Rajagopalan, 2003; Moita Lopes, 2006; 2013) e a proposta

ético-inclusiva da Prática Exploratória (Miller, 2013), que considero o fio

condutor para minha prática profissional como professora e linguista aplicada.

Além disso, apresento na sua segunda seção, sob o título “A vida em sala de

aula”, a minha visão acerca da sala de aula, a partir das contribuições de Prabhu

(1992) e Nóbrega Kuschnir (2003). Destaco, também, a importância da dimensão

afetiva para os processos de ensino-aprendizagem e reflexão.

O conceito de Estigma é apresentado na terceira seção do capítulo 2, a partir

da premissa de Goffman (1988) e das contribuições de Biar (2012).Já a última

seção versa sobre a dinâmica entre a interação face a face em sala de aula, a partir

de alguns construtos da Análise da Conversa Etnometodológica (Sacks,Schegloff,

Jefferson, 2003[1974]) e dos Estudos de Narrativa (Labov, 1972; Linde,

1993;1997 e Bastos, 2005), aliados à Teoria da Avaliatividade (Martin e White,

2005) que através de seus ferramentais teóricos me auxiliaram na tentativa de

mapear discursivamente o que aconteceu no “aqui e agora” de nossos encontros.

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O capítulo 3inicia-se com a discussão acerca da natureza da pesquisa

(Denzin e Lincoln, 2006) e sobre a pesquisa do praticante (Miller, 2001;

Rodrigues, 2014; Ewald, 2015). A seguir, são descritos o contexto de pesquisa,

assim como uma breve descrição do Programa Autonomia e dos processos de

geração e transcrição de dados. Além disso, apresento ao final do capítulo os

praticantes desta pesquisa.

O capítulo 4destina-se à análise dos dados gerados. Este capítulo está

dividido em dois blocos: o primeiro, sob o título “A aspersão sobre o jardim:

primeiras tentativas” refere-se às primeiras tentativas de realização do trabalho

com a turma investigada; o segundo contém quatro subseções de análise dos

dados gerados em áudio. Para analisar os excertos que compõem este capítulo,

utilizo osconceitos revisitados no capítulo 2.

No capítulo 5 busco refletir sobre a análise dos dados gerados à luz dos

princípios da Prática Exploratória para, finalmente, retomar os objetivos da

pesquisa com o intuito de apesentar algumas considerações finais sobre os

questionamentos que surgiram ao longo do trabalho.

Compõem os anexos deste trabalho as autorizações para a realização desta

pesquisa, assim como a resposta a uma questão de prova realizada por dois alunos

que é retomada durante a interação transcrita no capítulo quatro, subseção4.2.2 -

“agora é super diferente” e os excertos que compõem a seção de análise.

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2. Arcabouço teórico

Neste capítulo, apresento as concepções teóricas que orientarão o meu

olhar à análise dos dados gerados para esta pesquisa de mestrado. Primeiramente,

saliento a importância da Linguística Aplicada (Moita Lopes, 2006; 2013) e da

Prática Exploratória (Miller et al, 2008) para as pesquisas sobre/na sala de aula,

assim como insiro esta pesquisa neste campo dos Estudos da Linguagem.

Em seguida, destaco a minha visão acerca da sala de aula, considerando-a

a partir das visões de Prahbu (1992) e Nóbrega Kuschnir(2003), sob o olhar de

uma perspectiva sociointeracional de construção de conhecimento.

A terceira subseção deste capítulo destina-se ao conceito de Estigma,

especialmente, aos estudos de Goffman (1988) e Biar (2012). Já a quarta e última

subseção refere-se ao ferramental teórico relacionado à sala de aula e à interação,

que me servirão como lente para a análise dos dados. Assim, faço uma breve

apresentação acerca da ACE (Análise da Conversa Etnometodológica), dos

Estudos de Narrativa (Labov, 1972; Linde, 1993;1997; Bastos, 2005) e da Teoria

da Avaliatividade (Martin, 2003; Martin e White, 2005).

2.1. A Linguística Aplicada

Desde o seu surgimento, a Linguística Aplicada3 sofreu duras críticas e foi

alvo de grande discussão entre linguistas. Muitos teóricos consideravam a LA

como aplicação da Linguística teórica, isto é, a aplicação prática das teorias

linguísticas ao ensino. Contudo, ao longo do tempo, ela tem se firmado como uma

área de estudo independente.

Nas décadas de setenta e oitenta, os primeiros trabalhos em LA começam a

ser publicados em periódicos científicos, como o Journal of Applied Linguistics e

o Annual Review of Applied Linguistics, alcançando, assim, maior visibilidade

(Celani, 1992). No Brasil, nesta mesma época, a LA começa a ganhar espaço com

a implementação dos cursos de pós-graduação, mais especificamente na década de

3 Para me referir ao termo Linguística Aplicada, utilizarei de agora em diante a sigla LA.

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70, quando é criado, na PUC-SP, o primeiro programa de pós-graduação em

Linguística Aplicada.

Somente na década de noventa, após a divulgação do livro Linguística

Aplicada: da aplicação da linguística à linguística transdisciplinar (Paschoal e

Celani, 1992) é que a disciplina passou a ganhar notoriedade no Brasil, com a

publicação do artigoAfinal, o que é Linguística Aplicada? (Celani, 1992).

Apesar de os estudos sobre a sala de aula de línguas serem a área de maior

desenvolvimento em nosso país (Moita Lopes, 2013, p.16), a LA passa a ganhar

identidade própria e ir além de pesquisas acerca do ensino-aprendizagem de

Línguas Estrangeiras, como salienta Moita Lopes (2006, p.19):

Ao contrário do que frequentemente acontece em outras partes do mundo, no

Brasil, a pesquisa em LA tem se espraiado para uma série de contextos diferentes

da sala de aula de LE: da sala de aula de LM para as empresas, para as clínicas de

saúde, para a delegacia de mulheres, etc., ainda que predominem aspectos

referentes à educação linguística.

Assim, diferente dos linguistas que se preocupam com a descrição e

teorização sobre as línguas, o linguista aplicado é, segundo Rajagopalan (2003,

p.106):

Um ativista, um militante, movido por certo idealismo e convicção inabalável de

que, a partir de sua ação, por mais limitada e localizada que ela possa ser, seja

possível desencadear mudanças sociais de grande envergadura e consequência.

Moita Lopes aponta que essa variedade de questões em contextos diversos

de usos da linguagem fez com que as pesquisas em LA passassem a ser

construídas de maneira interdisciplinar (Moita Lopes, 2006, p.19). O autor ainda

nos alerta para a necessidade constante de repensar os modos de teorizar e fazer

LA, já que lidamos com pessoas que não estão em um vácuo social e agem sobre

o mundo em que vivem (Moita Lopes, 2006, p.21). Desta forma, por vivermos na

chamada modernidade recente (Chouliaraki & Fairclough, 1999 apud Moita

Lopes, 2006, p. 22), em um mundo que se encontra em constante mudança e sob

grande influência da globalização, Moita Lopes nos apresenta uma Linguística

Aplicada Indisciplinar, que se propõe autorreflexiva, fugindo aos padrões de

disciplinariedade, convidando-nos a desconfiar das verdades absolutas e do que

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não muda, já que nós somos responsáveis pela mudança e podemos ajudar a

(re)criar a nossa realidade.

Isto posto, por que ainda é necessário pensar sobre a escola embora sejam

numerosas as pesquisas acerca deste assunto (sobretudo, a sala de aula), além dos

avanços de pesquisas em Linguística Aplicada? A resposta encontra-se no fato de

que alunos e professores são agentes de mudança e convivem neste mundo em

transformação contínua, sendo influenciados pelos discursos que os cercam,

construindo e (re)construindo em conjunto saberes sobre serem alunos,

professores e sobre o papel da escola na contemporaneidade.

Logo, enquanto linguista aplicada e professora em formação continuada,

busco, em minha prática docente, agir como intelectual transformadora. Alinho-

me à ideia de Giroux (1997), por acreditar que os professores devem buscar

desenvolver a capacidade crítica de seus alunos, entendendo o nosso papel

político, uma vez que podemos agir como legitimadores de práticas sociais e

colaborar para a formação de cidadãos críticos, capazes de questionar e refletir

sobre o que é viver na contemporaneidade.

2.1.2. Linguística Aplicada e a pesquisa em sala de aula: o que a Prática Exploratória tem a ver com isso?

Enquanto ainda estava na graduação, fui apresentada, pela minha

professora de Fundamentos e Práticas de Ensino em Língua Inglesa, a uma nova

maneira de olhar a vida que se vive na escola: a Prática Exploratória. Desde então,

busco trabalhar a partir desta proposta para entendimento da vida dentro e fora da

sala de aula (Miller et al, 2008).

Acredito que a Prática Exploratória fez com que meu olhar se expandisse

para as necessidades de ruptura que a LA contemporânea nos propõe, já que, em

vez de agir para a mudança (Miller et al, 2008, p.147), aquela busca agir para

entender os puzzles, i.e., questionamentos sobre a vida em sala de aula e em outros

contextos. Da mesma maneira, Moita Lopes (2006, p.20), em reflexão sobre seu

texto de 1996, nos lembra que a LA não busca resolver problemas, mas “ao

contrário, a linguística aplicada procura problematizá-los ou criar inteligibilidade

sobre eles, de modo que alternativas para tais contextos de usos da linguagem

possam ser vislumbradas”.

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Outra articulação possível entre a Prática Exploratória e a LA

Contemporânea está na reconfiguração da LA como prática investigadora, como

aponta Fabrício (2006, p.49). Assim como a autora, destaco aqui a necessidade de

uma agenda ética de pesquisa, preocupação também das pesquisas em Prática

Exploratória (cf. Miller 2010; Rodrigues, 2014), que consideram todos os

envolvidos nas pesquisas como praticantes, reconhecendo sua agência e a

responsabilidade de todos para a coconstrução de entendimentos sobre as questões

e sobre a agenda de pesquisa. No que tange a questão ética, Fabrício (2006, p.62)

assinala que

Não devemos almejar o saber pelo saber, ou a invenção pela invenção,

deslocados de compromissos éticos. Não devemos, tampouco, nos relacionar com

o conhecimento que produzimos como “captura teórica do real”. Embora

tecnicidades analíticas sejam parte necessária de nossas pesquisas, elas não

deveriam se converter em mera atividade técnico-cognitiva. Nossas construções

devem objetivar uma vida melhor.

Desta forma, acredito que a Prática Exploratória possa ajudar linguistas

aplicados a entender, por exemplo, alguns questionamentos apontados por Bohn

(2013, p. 83), quando o autor, ao citar a leitura do livro Pode o subalterno falar?,

reflete sobre de quem seria a voz da sala de aula: dos alunos ou dos professores?

Como ele mesmo aponta, alunos e professores alternam suas posições enquanto

falantes e ouvintes, mas me questiono até que ponto suas vozes são respeitadas.

Concordo com Miller (2012, p. 323) quando a autora ressalta que

A Prática Exploratória reinventa a vida em sala de aula e as formas de produzir

conhecimento nelas, na medida em que Allwright reconhece a capacidade do

professor e dos alunos para produzir conhecimento a respeito de suas vivências –

ensino aprendizagem. Allwright (2006) clama por uma Linguística Aplicada que

valorize, com urgência, os professores como aqueles capazes de teorizar (cf.

theory-building) sobre suas questões locais e situadas.

Neste sentido, busco, no presente trabalho, alinhar-me aos pensamentos da

Linguística Aplicada contemporânea (in)disciplinar (Moita Lopes, 2006),

transgressiva (Pennycook, 2006), da desaprendizagem (Fabrício, 2006), da ruptura

(Bohn, 2013), na tentativa de olhar com mais cuidado e ouvir atentamente ao que

as vozes do sul, dos que estão à margem, têm a nos mostrar sobre a vida na escola.

Assim, os princípios da PE têm orientado o meu olhar à pesquisa e aos alunos da

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turma investigada, promovendo a reflexão sobre nossos papéis no contexto escolar

em que estamos inseridos. São eles, segundo Miller et al (2008, p.147):

Priorizar a qualidade de vida.

Trabalhar para entender a vida na sala de aula ou em outros contextos

profissionais.

Envolver todos neste trabalho.

Trabalhar para a união de todos.

Trabalhar para o desenvolvimento mútuo.

Integrar este trabalho com as práticas de sala de aula ou com outras

práticas profissionais.

Fazer com que o trabalho para o entendimento e a integração seja

contínuo.

Portanto, considero a PE como fio condutor do meu trabalho enquanto

professora e linguista aplicada, uma vez que, à luz de seus princípios, posso

buscar entendimentos sobre meus alunos e suas questões, assim como as minhas,

realizando a pesquisa dentro do meu próprio contexto, integrando-a com a prática

docente. Acredito que, assim, possa trabalhar não só para o entendimento, mas

para a conscientização a respeito de questões locais.

2.1.3. Sobre professores e aprendizes: a Prática Exploratória e sua proposta reflexiva

A Prática Exploratória, a partir de sua proposta inclusiva de busca por

entendimentos, seja na prática docente, seja na pesquisa, tem caminhado no

sentido de incentivar a agência do aprendiz. Allwright e Hanks (2009, p.2), ao

tecerem considerações sobre a ação docente e a ação discente na sala de aula de

línguas, questionaram:

Os professores estão oficialmente incumbidos da prática de ensino da língua nas

salas de aula, mas eles devem deixar a prática real de aprendizagem de línguas

para os aprendizes. Só os aprendizes conseguem fazer sua própria aprendizagem.

E é sua prática paralela como aprendizes que irá ou não completar efetivamente o

esforço dos professores e de outros profissionais de língua que operam no

background do processo [...] para tornarem as salas de aulas mais produtivas.

Então, por que não tentar pensar nos aprendizes como praticantes da

aprendizagem e não apenas como “alvos do ensino”?

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Essa afirmação dos autores traz para o primeiro plano o aprendiz e o seu

papel no processo de aprendizagem de uma língua. Ao invés de ‘alvos do ensino’,

o aprendiz é visto como agente, como colaborador. Reforçando essa ideia,

Allwright e Hanks (ibid.), sem ignorar a ação do professor, indicam que os

aprendizes podem construir seus entendimentos sobre as questões e sobre suas

vidas de aprendizes, de seres no mundo e, portanto, podem se desenvolver como

‘praticantes da aprendizagem’[cf. practitioners of learning].

Mesmo tendo conhecimentode que não são noções novas na área de

ensino-aprendizagem de línguas, os autores apresentam cinco proposições sobre

aprendizes. São elas:

1- Os aprendizes são indivíduos únicos que aprendem e se desenvolvem melhor

de suas próprias maneiras;

2- Os aprendizes são seres sociais que aprendem e se desenvolvem melhor em um

ambiente de apoio mútuo;

3- Os aprendizes são capazes de levar sua aprendizagem a sério;

4- Os aprendizes são capazes de tomar decisões de forma independente;

5- Os praticantes são capazes de se desenvolver como praticantes de

aprendizagem (Allwright & Hanks, 2009, p.2).

A primeira proposição caminha no sentido inverso ao caminho das práticas

docentesque trazem em seu bojo a ideia de que os aprendizes devem ser tratados

como massa. Embora um grupo de aprendizes possa apresentar habilidades

similares e/ousaberes semelhantes,cada um tem uma experiência escolar e de vida.

Por isso, não devem ser tratados de forma reducionista, como se todos

aprendessem sempre e igualmente a partir das mesmas atividades propostas, por

exemplo.Logo, a primeira proposição destaca a individualidade do aprendiz e suas

próprias capacidades.

A segunda proposição nos lembra de que o processo de aprendizagem acontece

em ambientes em que os aprendizes trazem suas peculiaridades para somá-las com

as de outros aprendizes. Allwright e Hanks destacam o ambiente de aprendizagem

como um evento social.

Os aprendizes, professores e alunos,podem ser fonte de apoio mútuo nos

diversos momentos, no processo de aprender. Embora não saibamos se os autores

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tinham isso em mente, ao mencionar ‘apoio’, estamos nos referindo também a

questões de afeto, no sentido que Vygotsky ([1987] apud Silva, 2008) propôs, ao

vincular cognição e afeto, no processo de construção de conhecimento (cf. 2.2.2).

Assim, a qualidade do afeto gerado discursivamente, em situações de sala de aula

e/ou nas interações entre os praticantes, influencia a aprendizagem.

Allwright e Hanks comentam, em relação à terceira proposição, que

muitos professores acreditam que seus alunos não tratam com seriedade o

processo de aprender. Consequentemente, essa crença pode balizar a forma como

esses profissionais conduzem sua prática docente, podendo, por sua vez, levar os

alunos a agirem de forma diferente da expectativa do professor. Por isso, tratar os

aprendizes como pessoas que levam a sério o processo de aprender pode encorajá-

los, fazendo com que se sintam reconhecidos e capazes pelo seu próprio

aprendizado.

A quarta proposição aponta na direção de um aprendiz ao qual não é

preciso estar sempre dizendo o que fazer, quando, como e com quem fazer.

Allwright e Hanks trazem a crítica de que, via de regra, os currículos,

planejamentos, planos de aulas e livros deixam pouco espaço para o aluno

aprender a tomar suas próprias decisões acerca do que aprender, quando aprender,

etc. A proposta da Prática Exploratória seria exatamente a de orientar o ensino no

sentido de incentivar o aprendizado nas práticas discentes cotidianas.

Finalmente, com relação à quinta proposição, Allwright e Hanks buscam

chamar atenção para o fato de que, como não se pode esperar que os aprendizes já

iniciem o processo de aprender totalmente desenvolvidos, eles são capazes de se

desenvolverem e de se construírem enquanto agentes de seu processo de

aprendizagem.

Além disso, acredito que, quando o desenvolvimento dos aprendizes

passar a ser entendido como “um processo social mútuo em que todos ganharemos

mais ao partilharmos compreensões, ideais e experiências” (ibid., 2009, p.6),

temos maiores possibilidades de exercitarmos nossa agência e de colaborarmos

para o processo coletivo de construção de entendimentos de forma mais

consciente.

Essas questões levam-nos a outro construto fundamental da Prática

Exploratória: qualidade de vida em sala de aula. Gieve e Miller (2006) descartam

a construção de uma possível relação desse construto com algo cuja eficiência

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possa ser mensurável, afastando-se assim de um modelo tecnicista de educação.

Segundo eles, a ideia de ‘qualidade de vida’, a partir de uma visão humanista,

propõe o imbricar da vida que se vive no contexto escolar e a vida fora dele.

Dessa forma, professores e alunos constituem uma comunidade de prática (cf.

2.2.1), na qual suas múltiplas e complexas identidades estão em constante

interação.

Assim, as tensões e/ou os momentos de entrosamento vivenciados e

decorrentes das práticas docentes e discentes, em sala de aula e fora dela,

configurarão a qualidade de vida dessa comunidade de prática de natureza mais ou

menos conducente à aprendizagem e, da mesma forma, à construção de relações

de apoio mútuo.

Portanto, após apresentar alguns de meus entendimentos sobre como a

Prática Exploratória têm norteado o meu trabalho enquanto professora da

Educação Básica e Linguista Aplicada, na próxima seção, discorro acerca da

minha visão sobre a sala de aula.

2.2. A vida em sala de aula

Nesta dissertação de mestrado, faço uma tentativa de transformar em texto

o que vivi com meus alunos em sala de aula. Destaco que é apenas uma tentativa

por acreditar que seja imensurável definir ou delimitar, dentro destas páginas, o

que de fato vivemos ao longo do período em que estivemos juntos. Da mesma

forma, considerar a sala de aula apenas como o espaço físico, no qual nossos

encontros eram realizados semanalmente, seria o mesmo que ignorar toda a

complexidade que envolve esse contexto.

Nóbrega Kuschnir (2003, p. 26) sinaliza que “devemos considerar a sala

de aula como um ambiente de interação e aprendizagem, onde um misto de

atividades ocorrem simultaneamente”. Esta forma de interpretar a sala de aula

associa-se ao que Prabhu salienta (1992) ao designar a sala de aula a partir de duas

dimensões. O autor esclarece que a aula não é somente um evento pedagógico,

destacando, assim, a importância da dimensão social e das relações pessoais.

Prabhu (1992) postula que a aula pode ser compreendida a partir de

diversas perspectivas; dentre elas, há a visão de que a aula é “uma unidade

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sequencial do currículo” (idem. p.225), isto é, a execução de sequências didáticas

para que o currículo seja consolidado. Outra visão é a de aula como

implementação de um método (ibid., p. 226). A partir desta concepção, a aula

estaria relacionada ao conjunto de técnicas necessárias para que seja possível

assimilar os conteúdos propostos por determinado currículo.

Contudo, apesar dos diferentes enfoques, ao considerar a sala de aula

como um evento social, o autor destaca os aspectos social e interpessoal. Ao

ressaltar essa perspectiva, Prahbu (1992, p. 228), além disso, enfatiza que alunos e

professores podem assumir diferentes identidades durante a participação nesse

evento, uma vez que estes acabam sendo determinados com suporte em diferentes

ações que fazem parte das rotinas que acontecem cotidianamente em sala de aula.

Para o autor, esse aspecto ritualístico permite que os participantes se

sintam mais seguros em relação aos acontecimentos da sala de aula, uma vez que

estes se tornam previsíveis. Assim, alunos e professores podem se sentir menos

ameaçados e mais confortáveis a exercerem seus papéis.

No entanto, é importante ressaltar que não é possível determinar de fato o

que acontecerá em sala de aula, apesar da expectativa que os participantes podem

ter sobre isso. Há professores, por exemplo, que podem imaginar que, por conta

dessas práticas rotineiras, o esperado é que ele assuma o controle sobre as

atividades, podendo, assim, delegar ou não tarefas aos alunos, que devem cumpri-

las sem hesitar. A figura de autoridade do professor, mesmo que patente, pode não

dar espaço aos alunos que sintam que a sua participação em seu processo de

ensino-aprendizagem seja relevante.

Desta forma, o conceito de aula e de sala de aula se configura de forma

dinâmica, pois está, necessariamente, relacionado às múltiplas identidades e

histórias dos participantes do evento social.

Ao concordar com Kramer (2002), Nóbrega Kuschnir destaca, assim como

a autora, o caráter heterogêneo das práticas pedagógicas ao acrescentar que tanto

professores quanto alunos “possuem diferentes experiências, conhecimentos,

valores, religiões, raízes culturais, sexos, classes sociais, etnias, etc,” (2003. p.29).

Assim, a autora salienta o aspecto multidimensional da sala de aula, destacando

que em sua dissertação de mestrado dará atenção ao que considera como o “o tripé

estrutural da sala de aula: as dimensões social, afetiva e cognitiva” (ibid. p.28). À

vista disso, concordo com a autora, por considerar, assim como ela, que

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A sala de aula caracteriza-se por um misto de atividades e de identidades que

coexistem e encontram-se em constante mudança, de acordo com os interesses e

necessidades de diferentes naturezas, apontados pelos participantes da aula, bem

como pelas necessidades advindas da aula como um fenômeno social (ibid,

p.27).

Essa visão parece ir ao encontro do que Prabhu assinala em relação à sala

de aula como uma arena de interações humanas (1992, p.229), no sentido em que

ela extrapola as rotinas daquele contexto e passa a ser entendida como “um grupo

de indivíduos – um professor e muitos alunos – com variadas personalidades,

motivos, autoimagens, medos e aspirações, níveis de tolerância, e graus de

maturidade”.4

2.2.1. A sala de aula como uma comunidade de prática

Essas concepções me remetem ao conceito de Communities of Practice,

proposto inicialmente por Lave e Wenger (1991), que se referia a grupos unidos

por um objetivo comum e com práticas em comum. Segundo Wenger (1998), ao

longo de nossas vidas, nós participamos de diversas comunidades de prática. Elas

se tornam, assim, partes de nossas vidas.

Ewald (2015, p.19) ressalta a afirmação do autor de que “as pessoas

aprendem ao agir participando em diferentes contextos”. Em relação a isso,

Wenger destaca que,

a aprendizagem não é uma atividade em separado. Não é algo que optamos por

fazer quando não estamos fazendo nada ou paramos de fazer quando fazemos

uma outra coisa qualquer. Há momentos em nossa vida nos quais a aprendizagem

torna-se mais intensa, por exemplo, quando determinadas situações perturbam

nosso senso de familiaridade, quando somos desafiados a ir além da nossa

capacidade ou quando desejamos nos engajar em novas práticas e buscamos nos

unir a novas comunidades.

Assim, a partir desta perspectiva, poderíamos considerar a sala de aula

como uma comunidade de prática, na qual alunos e professores dividem a

4 Essa reflexão vem da minha tradução para o texto original “Behind the conventionalized roles

and routines of a lesson are a group of individuals – a teacher and many learners – with varied

personalities, motives, self-images, fears and aspirations, levels of tolerance, and degrees of

maturity” (Prabhu, 1992, p.229).

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responsabilidade e buscam se ajudar mutualmente com o objetivo de inserirem-se

em novas comunidades de prática e em novas práticas sociais, já que “a sala de

aula não existe isolada do mundo que a cerca” (Nóbrega Kuschnir, 2003, p. 58).

Em relação a 1001, meus companheiros de vida em sala de aula e nesta

pesquisa, percebo que nós estamos inseridos em uma comunidade de prática

comum às outras turmas: a escola.

Reconheço a 1001 e cada turma da escola também como uma comunidade

de prática, já que possuem características particulares, bem como peculiares a

cada indivíduo que a compõe. Além disso, percebo que, dentro da comunidade de

prática “1001”, existem outras comunidades de prática.

Destaco aqui que os alunos dessa turma, geralmente, se dividem entre a

comunidade de prática dos alunos que terminaram o ensino fundamental no

sistema regular, os alunos oriundos do Programa Autonomia e os alunos que estão

cursando novamente o primeiro ano do Ensino Médio. Todos nós, digo, os alunos

e eu, circulamos entre essas e outras comunidades de prática e, apesar de nos

afiliarmos àquelas que apresentam características que vão ao encontro de nossas

vivências, percebo que esses grupos, que aqui chamarei de pequenas comunidades

de prática, se misturam, trocam de participantes, se afiliam, formando a

comunidade de prática maior: a turma 1001.

Figura 1 - A sala de aula como uma comunidade de prática

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Alinho-me a Moita Lopes (1996, p.95), por acreditar que “o conhecimento

é um processo para o qual colaboram aqueles envolvidos na prática de sala de

aula”. Desse modo, os envolvidos nessa comunidade de prática estão a todo

instante negociando seus saberes a fim de atingir um objetivo comum: a

aprendizagem.

Portanto, dentro da comunidade de prática da qual somos integrantes,

meus alunos e eu trabalhamos para o aprendizado de língua estrangeira e também

buscamos entendimentos sobre nossas vidas, a partir de uma perspectiva

sociointeracionista de aprendizagem (Vygotsky, 1984), já que considero que o

conhecimento é socioconstruído a partir de nossas interações cotidianas. Assim, a

linguagem tem papel essencial nesse processo, pois, como afirmou Bakhtin(1981,

p.113) “a palavra é uma espécie de ponte lançada entre mim e os outros. Se ela se

apoia sobre mim numa extremidade, na outra apoia-se sobre o meu interlocutor”.

Em relação a isso, Moita Lopes (1996, p.96), aliado às ideias de Bruner

(1986) e Vygotsky (1978), ressalta que “a educação é um processo essencialmente

cultural e social, no qual alunos e professores participam interagindo na

construção de um conhecimento conjunto”. No caso desta dissertação de

mestrado, meus alunos e eu tentamos construir em conjunto conhecimento sobre

nossas relações em sala de aula, por exemplo.

Ao considerar os processos de amadurecimento (nível de desenvolvimento

real), ou seja, aquilo que já conseguimos fazer sozinhos, sem a ajuda de um

outrem; e os processos em formação (nível de desenvolvimento potencial), aquilo

que se pretende conseguir fazer sem auxílio, Vygotsky (1984) postula o conceito

de Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP). Dessa forma, o autor sinaliza que a

aprendizagem acontece na interação entre pares mais competentes, i.e, aqueles

que já conseguem fazer alguma coisa sozinhos e aqueles que ainda estão em

processo de maturação, atribuindo, assim, papel primordial à linguagem.

Ainda sob essa mesma ótica, Wood, Bruner e Ross (1976) conceituam

andamento (scaffolding), isto é, o processo interacional que ocorre dentro da zona

de desenvolvimento proximal e se refere ao auxílio de um par mais competente,

para que, o que ainda está em processo de desenvolvimento potencial possa se

desenvolver, a partir desta ajuda, e realizar a tarefa de maneira autônoma.

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Assim, atuo, neste trabalho, como par mais competente em relação à

pesquisa e em relação ao trabalho realizado em Prática Exploratória, buscando

criar andaimes interacionais e afetivos com meus alunos, na tentativa de despertar

o interesse para o questionamento do que nos parece comum. Considerando-me

aprendiz, trabalho em conjunto com eles, para que, além das comunidades de

prática as quais já fazem parte, também se sintam membros da comunidade de

Prática Exploratória. Por isso, em alguns momentos da análise de dados, faço

algumas interrupções no fluxo das narrativas, questiono os alunos sobre o que eles

pensam, sobre o que estão falando, assim como também faço aqui, no meu próprio

texto.

Creio que esta dissertação é um grande andaime, pois, a cada momento de

escrita, reflexão e interação com o meu próprio texto, também estou caminhando

no meu processo de aprendizagem e de construção enquanto pesquisadora e

professora em Prática Exploratória.

Logo, seguindo esta linha de pensamento, acredito que cabe a mim e aos

professores criar oportunidades de interação em sala de aula, para que andaimes

possam ser coconstruídos, a fim de que os alunos se tornem cada vez mais ativos e

se sintam agentes responsáveis pelo seu próprio aprendizado e entendimento.

Igualmente, creio que isso só seja possível dentro de uma atmosfera motivadora,

na qual a dimensão afetiva, assim como a linguagem, atue como coadjuvante,

nesse processo.

2.2.2. A importância do afeto

Arnold e Brown (1999), ao discorrem sobre o afeto, relacionam-no a

“aspectos de emoção, sentimento, humor ou atitude que condicionam

comportamento” (ibid, p.1). Ao longo do texto, os autores apresentam outras

definições para o termo, apoiando-se em estudos de outros autores; no entanto, o

que torna este texto uma referência em relação aos estudos sobre a dimensão

afetiva é a relação entre o afeto e a dimensão cognitiva. Os autores postulam que

O lado afetivo da aprendizagem não se encontra em oposição ao lado cognitivo e

quando os dois são usados juntos, o processo de aprendizagem pode ser

construído em uma base mais sólida. O lado afetivo não se sobrepõe ao lado

cognitivo, nem vice-versa. Na verdade, um não pode ser separado do outro.

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A fim de sustentar tal concepção, os autores citam Damásio (1994, apud

Arnold e Brown, 1999, p.1), que ressalta que a emoção é essencial para que nossa

capacidade racional se desenvolva. Logo, o autor relaciona a importância dos

sentimentos e emoções à racionalidade e à aprendizagem.

Porém, cabe salientar que emoções e sentimentos negativos também

podem interferir e criar barreiras nesse processo. Sentimentos como medo e

ansiedade ou raiva, podem comprometer o processo de ensino-aprendizagem.

Estendo, aqui, tal concepção, ao engajamento em processos reflexivos, já que,

para tal, é necessário que os praticantes estejam engajados a buscar não somente

entendimentos para suas questões, mas também apoio mútuo para o

desenvolvimento coletivo.

Brown e Arnold acrescentam que devemos ressaltar os sentimentos

positivos e citam Goleman (1995), que sugere que em sala de aula sejam

desenvolvidos “mente e coração”, extrapolando assim a noção de que a escola ou

a sala de aula é espaço apenas para a transmissão de conteúdos.

Essa visão também era a compartilhada por Vygotsky ([1987] 2008, p. 9),

que acreditava que “haveria um sistema dinâmico de significados em que o

afetivo e o intelectual se unem”. Ainda sobre o processo de construção de

conhecimentos desenvolvido por Vygotsky, Moraes Bezerra (2013, p.258) nos

lembra que:

o movimento dialético entre o nível interpessoal e intrapessoal de aprendizagem

no processo de construção de conhecimentos também viabiliza a construção de

parâmetros de comportamento afetivo, da forma como vivê-lo e demonstrá-lo de

acordo com a cultura e o espaço social em que o processo acontece.

Assim, fica evidente a relação entre cognição e afeto, assim como a

relevância de trabalharmos em busca de objetivos de vida e não somente de

objetivos para aprendizagem de línguas. Desta forma, os alunos também seriam

capazes de se desenvolver e se educar afetivamente para conseguir viver em

sociedade e se engajarem nas práticas às quais estão envolvidos. Desse modo,

ignorar tal questão significa ignorar que somos seres humanos, revestidos por

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nossas crenças5 e emoções, e que a nossa motivação e sentimentos positivos

facilitam o processo de ensino-aprendizagem.

Logo, assim como a aprendizagem, acredito que o afeto também é

coconstruído nas interações. Assim, alunos e professores podem se desenvolver

em interação. O discurso tem papel importante nesse processo, uma vez que é nele

e através dele que professores e alunos podem estabelecer até que ponto podem

chegar em uma interação e que papeis podem assumir. Veremos, na seção a

seguir, porém, como o discurso e a linguagem também têm papel decisivo na

mediação de conflitos e na (des)construção de estigmas em interação.

2.3. Estigma

“‘ah...o pessoal do autonomia’ aí já pensa logo que a gente é idiota,

que a gente não sabe ler, não sabe escrever, que a gente é tudo um

bando de neandertais”.

Iuri (conversa exploratória – 27/03/2015)

Goffman (2013[1988]), ao discorrer sobre o termo estigma, salienta que

ele não estaria relacionado, necessariamente, a um atributo negativo que algum

indivíduo possa possuir. Segundo o autor, tal conceito surge das relações sociais

entre os indivíduos estigmatizados e aqueles considerados “normais”6, isto é,

aqueles que se enquadram dentro das expectativas sociais. Desta forma, ele

ressalta o caráter interacional do estigma, uma vez que é socioconstruído. Sobre

isso, o autor assinala que

O termo estigma, portanto, será usado em referência a um atributo profundamente

depreciativo, mas o que é preciso, na realidade, é uma linguagem de relações e

não de atributos. Um atributo que estigmatiza alguém pode confirmar a

normalidade de outrem, portanto ele não é em si mesmo, nem honroso e nem

desonroso (Goffman, 2013[1988] p.13).

5 Alinho-me ao conceito de Barcelos (2006 p.18), no qual crenças são “uma forma de pensamento,

como construções da realidade, maneiras de ver e perceber o mundo e seus fenômenos, co-

construídas em nossas experiências e resultantes de um processo interativo de interpretação e

(re)significação. Como tal, crenças são sociais (mas também individuais), dinâmicas, contextuais e

paradoxais”. 6 Goffman (2013[1988]p.14) utiliza o termo “normal” para se referir aos não estigmatizados. Em

suas palavras, “nós e os que não se afastam negativamente das expectativas particulares em

questão”.

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Em relação a essa noção, o autor ainda destaca que “a sociedade estabelece

os meios de categorizar as pessoas e o total de atributos considerados como

comuns e naturais para os membros de cada uma dessas categorias” (ibid, p.11).

Desta forma, ao conhecermos um indivíduo, utilizamos o nosso conhecimento

prévio, i.e., tudo o que já nos foi dito e tudo que vivenciamos para enquadrá-lo em

um determinado grupo.

É a partir dessa nossa primeira impressão, baseada em nossas expectativas

sociais, que podemos apurar se aquela pessoa possui alguma marca desviante, ou

seja, pouco desejada em relação as nossas crenças ou não. Assim, ao conferir aos

indivíduos características de acordo com as nossas regras e perspectivas,

concedemos-lhes uma identidade social.

Goffman (2013[1988] p.12) diferencia identidade social virtual de

identidade social real. Se identidade social virtual está relacionada aos padrões

normativos de uma sociedade, i.e., aos atributos esperados para que um indivíduo

pertença a uma determinada categoria a qual ele representa, o autor afirma que a

identidade social real é aquela que o indivíduo, como ator social, “na realidade,

prova possuir” (idem.). Desta forma, o autor salienta que em interação os

indivíduos podem ou não apresentar esses atributos. Portanto, é desta oposição

entre as identidades sociais virtual e real que se manifesta o estigma, uma vez que

é entre o estereótipo desejável e as particularidades que o diferencia que o sujeito

torna-se

uma pessoa estragada e diminuída. Tal característica é um estigma, especialmente

quando o seu efeito de descrédito é muito grande - algumas vezes ele também é

considerado um defeito, uma fraqueza, uma desvantagem - e constitui uma

discrepância específica entre a identidade social virtual e a identidade social real

(Goffman, 2013[1988] p.12).

Em síntese, conforme salienta Biar (2012, p.50),

De forma mais elaborada, a ideia básica é que, quando estamos em uma situação

em co-presença, prevemos virtualmente certos atributos que comporiam a

identidade social de nossos pares. Transformamos, então, essas pré-concepções

em expectativas normativas sobre como o indivíduo que está a nossa frente

deveria ser ou agir. Essas expectativas, entretanto, precisam ainda ser

confrontadas com aquilo que é atualizado na interação: os atributos efetivamente

ali reconhecíveis. Quando há uma discrepância entre o “virtual” e o “atual”, tem-

se a constituição do estigma, em geral, identificado por um atributo

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profundamente depreciativo; algo que possa ser considerado um defeito, uma

fraqueza, uma desvantagem. Em resumo, estigma seria o resultado de uma tensão

entre atributo e estereótipo.

Além dessa distinção entre identidades sociais virtual e real, Goffman

postula que o termo estigma está relacionado a uma dupla perspectiva. Assim,

também apresenta duas definições sobre os indivíduos estigmatizados: os

desacreditados e os desacreditáveis. Os primeiros seriam aqueles que assumem

que “a sua característica distintiva já é conhecida ou é imediatamente evidente”

(ibid, p.14), tais como as deformidades físicas, por exemplo. Já a segunda

perspectiva, a dos desacreditáveis, se refere aos indivíduos cujo atributo

estigmatizante “não é nem conhecida pelos presentes, nem imediatamente

perceptível por eles” (idem.), o que torna possível que em interação essas marcas

possam ser ocultadas. São exemplos de indivíduos desacreditáveis os

desempregados, os viciados, os homossexuais.

Ao considerar as noções debatidas por Goffman, observo que, dentro do

contexto no qual esta pesquisa acontece, as tensões entre os “normais” e os

estigmatizados também fica evidente. É comum ouvir, em discursos que se

referem à escola ou às relações dos sujeitos da comunidade escolar, características

que os categorizem de acordo com o que é esperado pelo senso comum. Dessa

maneira, torna-se habitual considerar que os alunos são aqueles que estão na

escola para aprender e o professor é aquele que os ensina. Contudo, essa

classificação prévia das identidades sociais ignora a individualidade dos sujeitos e

parece surgir a partir de entendimentos particulares sobre o que é ser aluno e

professor.

De acordo com o que é adequado à escola, para que o aluno não se

enquadre em categorias de estigmatização, ele deve ser reconhecido por ser

estudioso, bem comportado, esforçado, inteligente, por exemplo. Assim como

seus professores devem ser preparados, dinâmicos, atenciosos, aqueles que não

podem errar.

No entanto, quando algum aluno ou professor apresenta alguma qualidade

que não vá ao encontro do que é esperado pela sociedade, eles acabam sendo

inseridos na condição de desacreditáveis, incapazes de pertencer àquele grupo ou

de exercer aquela função.

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Essa discussão torna-se relevante para a presente pesquisa, uma vez que,

desde os meus primeiros encontros com a turma 1001, pude perceber que aquela

turma era marcada por atributos depreciativos. Isso acontecia porque,

diferentemente das outras quatro turmas de 1º ano do Ensino Médio, ela era

formada por alunos que concluíram o Ensino Fundamental no sistema regular, isto

é, em nove anos, alunos advindos do Programa Autonomia e alunos que estavam

cursando novamente a primeira série do Ensino Médio.7

Assim, era comum ouvir dos professores dessa turma, da direção da escola

(que chegou a pedir que fosse realizado um trabalho diferenciado com esses

estudantes), das outras turmas e dos próprios alunos da 1001 características que os

diferenciavam das turmas consideradas “normais”. Porém, cabe aqui ressaltar que

essa distinção da turma 1001 em relação às demais ocorria de forma mais

acentuada devido a parte dela ser formada pelos alunos do Programa Autonomia,

que, por participarem do programa de aceleração de estudos, na tentativa de evitar

o fracasso escolar, já eram categorizados pela comunidade escolar como

incapazes.

Sempre busquei olhar para aquele grupo como uma turma, mesmo

reconhecendo as peculiaridades da turma como um todo e das demais

comunidades de prática (cf.2.2) daquele contexto, apesar de perceber que o

estigma em relação aos alunos do Programa Autonomia era perceptível a cada

aula, já que

Quando normais e estigmatizados realmente se encontram na presença imediata

uns dos outros, especialmente quando tentam manter uma conversação, ocorre

uma das cenas fundamentais da sociologia porque, em muitos casos, esses

momentos serão aqueles em que ambos os lados enfrentarão as causas e efeitos

do estigma (ibid. p. 23).

Logo, a aula era um dos momentos de “contato misto” 8, de encontro entre

os alunos, suas idiossincrasias e eu. Era em interação que coconstruíamos e

(des)construíamos os estigmas que emergiam nesses encontros. Desta forma, era

em interação que buscávamos sustentar nossa identidade social real, procurando

7 No próximo capítulo, apresento o contexto da pesquisa de forma mais detalhada. 8 Nas palavras de Goffman (2013 [1988] p.22) “os momentos em que os estigmatizados e os

normais estão na mesma “situação social”, ou seja , na presença física imediata um do outro, quer

durante uma conversa, quer na mera presença simultânea em uma reunião informal”

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minimizar os conflitos que pudessem surgir. Portanto, igualmente, construíamos

nossa face, outro conceito proposto por Goffman (1955) e definido pelo autor

como

O valor social positivo que uma pessoa efetivamente reclama para si mesma

através daquilo que os outros pressupõem ser a linha por ela tomada durante um

contato específico. Face é uma imagem do self delineada em termos de atributos

sociais aprovados (Goffman, [1955] 1980, p.76).

O autor ainda postula que, quando o indivíduo está sob uma orientação

diferente da esperada e percebe que está fora da face, esta pode se sentir

“envergonhada ou inferior pelo que aconteceu à atividade por culpa sua ou pelo

que pode acontecer à sua reputação como participante” (ibdem, p.79).

Por isso, faz-se necessário recorrer também ao conceito de Self, já que

ambos estão interligados. O autor (1959), ao comparar a vida cotidiana das

pessoas a performances teatrais, sinaliza que, em encontros face a face, os

indivíduos tendem a controlar suas ações a fim de persuadir o outro sobre a

imagem que este terá sobre ele. Assim, a partir de sua projeção em interação,

buscamos o tempo todo deixar impressões sobre as quais gostaríamos de ser

lembrados. Do mesmo modo, nossos ouvintes também tentam elaborar

entendimentos sobre nós.

A respeito do conceito de Self, Pereira (2002, p.16) nos lembra que

O que nós somos (ou acreditamos ser) advém não apenas de processos sociais que

operam a nível de instituições sociais (por exemplo a família, a escola, o trabalho)

mas de processos sociais embutidos nas situações, ocasiões, encontros e rituais do

dia a dia. Tais processos de micronível ajudam-nos a organizar e dar sentido aos

nossos comportamentos do dia a dia e ajudam a nos prover o sentimento do self.

Com relação à comparação da vida cotidiana como uma peça teatral,

Goffman salienta que, assim como a performance teatral, nas interações que

ocorrem na região que denomina como fachada, os atores, i.e, os indivíduos que

estão à frente de sua plateia, ressaltam as impressões que desejam que os outros

tenham sobre eles, ou seja, os aspectos positivos do self.

Já a atuação nos bastidores revela o que os indivíduos pensam sobre si

mesmos. Desta forma, Goffman reconhece que, assim como em uma peça teatral,

os indivíduos podem assumir diferentes papéis em interação, podendo ser

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espectadores ou atores. Além disso, quando estão no papel de atores, tentarão ao

máximo ressaltar sua face positiva, guiando sua audiência para a mesma

perspectiva, ou seja, para que sejam aceitos de forma favorável e do jeito que

preferem.

Acredito que, nos encontros mistos entre os alunos da turma 1001 e eu,

pudemos apreciar tanto ocasiões de ameaça quanto de proteção à face. Uma vez

que se considerarmos que os rótulos sobre os estigmatizados são passíveis de

mudança ao longo das interações, o trabalho de face surge como uma estratégia de

defesa na qual tanto eu quanto os alunos podemos nos valer para “salvar a nossa

face”, assim como para “salvar a face dos outros” (Pereira, 2002, p.16). Na

tentativa de (re)estabelecer o equilíbrio dentro das interações, evitando assim, que

conflitos possam surgir.

Desta forma, uma vez que um dos objetivos deste trabalho é refletir sobre

a vida que vivemos na 1001, não poderia desconsiderar os rótulos que emergem

em nossas interações, já que para entender um pouco mais sobre o que era esse

grupo, eles se tornam relevantes, mesmo que, como Goffman, eu creia que eles

sejam instáveis. Para tanto, ao considerar a importância de olharmos com cuidado

para o que acontece no “aqui e agora” de nossas vidas, apresento, na subseção a

seguir, algumas considerações sobre o trabalho de face.

2.3.1. Processo de elaboração de face

A todo instante somos inseridos ou nos inserimos em encontros sociais,

característica inerente ao mundo em que vivemos. Estamos a todo o momento,

seja em encontros face a face ou não, tentando atender a uma expectativa do que

se considera padrão nesses encontros. Logo, nossos atos verbais e não verbais

buscam atender à expectativa de nossos interlocutores.

Igualmente, eles também expressam e avaliam a situação em que estamos

inseridos. Goffman (1980, p.76) postula que a cada encontro social tentamos

seguir uma linha, isto é, buscamos atender às expectativas de nossos

interlocutores.

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Goffman (1980, p.76-77) define face como o valor social positivo que uma

pessoa clama para si, por meio daquilo que os interlocutores presumem ser a linha

seguida por ela em interação, isto é,

face é uma imagem do Self delineada em termos e atributos sociais aprovados –

embora se trate de uma imagem que pode ser partilhada por outros, como quando a

pessoa consegue fazer uma boa exibição profissional ou religiosa fazendo uma boa

exibição para si mesma(ibid).

Portanto, as pessoas buscam, por meio dos processos de elaboração de face,

manter a harmonia e o equilíbrio das interações nas quais estão inseridas,

permanecendo na face esperada, uma vez que qualquer desequilíbrio pode

configurar uma ameaça à face construída no encontro. Acerca disso, cabe salientar

que, para o pesquisador (ibid.p.78), face é algo que se localiza nos eventos

interativos e se manifesta ao longo dos encontros, de acordo com a maneira pela

qual é interpretada pelos participantes das interações.

Isto posto, ainda segundo Goffman (ibid. p. 79), diz-se que se está na face

certa quando ocorre a aprovação dos participantes da interação sobre a maneira

pela qual os interlocutores se apresentam, o que lhes traz segurança e alívio.

Porém, o evento torna-se expressivo quando uma pessoa está na “face errada” ou

“fora da face”, conforme postula o autor. Esta situação se destaca, pois pode fazer

com que as pessoas se sintam envergonhadas, já que “estar na face errada” pode

significar estar em desacordo com os demais participantes da interação.

Portanto, o processo de elaboração de face ou, simplesmente, o trabalho de

faceé uma ferramenta social que nos auxilia nas práticas interacionais do dia a dia,

visto que é nas relações sociais que faces aprovadas são ratificadas e as

reprovadas são preteridas.

Ainda sobre o processo de elaboração de face, Goffman (ibid. p.84) destaca

que ele pode ocorrer a partir de dois processos: o processo de evitação e o

processo corretivo. O processo de evitação consiste em evitar contato com o

interlocutor, na tentativa de prevenir ameaças à face. Mudanças de assunto e

preferência por não contar/dizer qualquer detalhe de algum acontecimento, na

tentativa de se precaver de possíveis ameaças e desconfianças acerca da linha

seguida pelo falante,são exemplos desse processo.

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No processo corretivo, a possível ameaça à face recebe atenção dos

interagentes, pois pode salientar uma quebra da linha de conduta seguida pelo

falante. Assim, ele se esforçará ao máximo para amenizar esta tensão, a fim de

corrigir os efeitos da possível ameaça. Destaco, porém, que esse processo também

pode ser realizado pelos interlocutores, uma vez que, ao perceberem que o falante

mostra-se na linha errada, isto é, em desacordo com a linha escolhida por ele para

seguir, eles podem se valer desta estratégia para denunciar que o falante encontra-

se na face errada.

Portanto, uma vez que, em minha pesquisa de mestrado, observo e analiso

como utilizamos a linguagem em interação para nos entendermos enquanto

aprendizes/praticantes exploratórios/ professora e alunos, valho-me do conceito de

elaboração de facepara melhor compreender como nos afiliamos, construindo ou

desconstruindo estigmas sobre o que vivemos em sala de aula, sobre a pequena

comunidade de prática de alunos oriundos do Programa Autonomia e sobre nós

mesmos.

2.4. Sala de aula e interação

Como já mencionei nas seções anteriores, a linguagem, sobretudo, o

discurso, tem papel fundamental nas relações em sala de aula. Nesta seção, me

dedicarei a apontar os aparatos teóricos que me ajudaram a olhar com mais

cuidado para o que vivemos nesse cenário. Logo, apresentarei a priori algumas

considerações acerca das pesquisas que levam em consideração a interação em

sala de aula, bem como sua importância para entendermos melhor esse contexto a

partir das lentes da Análise da Conversa Etnometodológica. Depois, aproveito

para discutir, mesmo que de forma breve, alguns construtos da Sociolinguística

Interacional, que também se tornam relevantes para este estudo.

2.4.1. A Análise da Conversa Etnometodológica

A Análise da Conversa Etnometodológica (doravante ACE) surge a partir

dos estudos de Garfinkel (1967), que questionou os métodos utilizados àquela

época para investigar a vida em sociedade. No entanto, é somente na década

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seguinte que esta tendência advinda dos estudos sociológicos passa a ganhar

notoriedade, a partir do reconhecimento de tais questionamentos pelos analistas da

conversa, que buscaram respondê-los a partir das primeiras noções básicas a

respeito de como deveriam ser observados os dados.

Dentre estes analistas, estão Sacks, Schegloff e Jefferson, que, em

(2003[1974]), descrevem a sistemática de tomada de turnos nas conversas. Essa

sistematização evidenciou que a fala em interação acontece de forma organizada,

assim como os falantes a organizam a fim de alcançarem uma meta fim, i.e, seja

para projetarem suas identidades, para convencer alguém, para dar resposta a uma

pergunta, por exemplo.

No Brasil, os estudos em ACE, sobretudo sobre as interações em sala de

aula, passaram a ganhar destaque a partir das pesquisas de Paulo Gago e Garcez.

Garcez (2006), por exemplo, retoma a noção de organização de aula proposta por

Sinclair e Coulthard (1975), na qual os autores postulam que as aulas tendem a

seguir uma organização padrão. Para esta organização padrão, utilizam a sigla

IRA – Iniciação – Resposta – Avaliação. Garcez, assim como Sinclair e

Coulthard, observa que as aulas costumam seguir uma sequência previamente

planejada pelo professor, quando este quer garantir que os objetivos daquela aula,

em relação às informações que deseja compartilhar com os alunos, sejam por eles

compreendidas. Essa estrutura ajuda a reforçar a autoridade do professor em

relação aos alunos uma vez que “reforça a hierarquia entre os participantes”

(Garcez, 2006, p.69).

Desse modo, o trabalho desenvolvido por Garcez insere-se no que Drew e

Heritage (1992, p.22) delineiam como fala em interação institucional, posto que

“a interação em institucional envolve uma orientação por parte de pelo menos um

dos interagentes para alguma meta, tarefa ou identidade fulcral (ou o conjunto

delas) convencionalmente associada com a instituição em questão”.

Assim, a conversa institucional distingue-se da conversa cotidiana, uma

vez que naquelas as identidades institucionais, bem como as dos participantes,

tornam-se relevantes, para que uma meta seja atingida.

Nesta dissertação, mesmo que em alguns momentos as conversas sejam

semelhantes às conversas do cotidiano, cabe ressaltar que elas aconteceram em

contexto institucional, na escola onde trabalho e na qual os alunos da 1001

estudam. Portanto, para melhor compreendermos como lidamos com as nossas

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questões, por instantes, será necessário retomar nossos papéis sociais dentro

daquela instituição. Sendo assim, apresento, a seguir, algumas contribuições da

ACE para o entendimento das análises de fala institucional apresentadas em

minha seção de análise.

2.4.1.1. A noção de piso conversacional e estrutura de participação

A noção de piso conversacional apresenta-se de forma relevante para a

análise deste trabalho, uma vez que ela está relacionada à forma de “engajar-se em

uma conversa, obter um turno, ter o direito à palavra e a ser ouvido, ser ratificado

como participante legítimo e até mesmo como membro da comunidade sala de

aula” (Schulz, 2007, p.35).

Ainda segundo Schulz (2007 p.32),“as diferentes formas de participar

envolvem a tomada de turno e o acesso ao piso, ou seja, ser ouvido e estar no

mesmo foco de atenção que os demais participantes”. Assim, em interação, os

participantes se monitoram a todo instante a fim de sustentarem, ao longo do

encontro interacional e em um esforço coletivo, suas ações de forma coordenada,

i.e., orientada pelos diferentes participantes para um mesmo ponto.

Sobre a ideia de piso conversacional, Philips (2001) aponta, porém, que o

aspecto interacional das estruturas de participação são passíveis de mudança, i.e,

segundo o autor, dependendo dos momentos dos encontros em que nos

engajamos, nossos papéis podem mudar de acordo com as orientações conjuntas

que os participantes dão ao longo do evento. Desta forma, isto nos remete à

distinção entre ouvintes e falantes, proposta por Goffman (2013 [1979]), que

aponta que “no curso da interação, ocorrerá o intercâmbio dos papéis de falante e

ouvinte, com vistas à manutenção de um formato afirmação/resposta, sendo que o

direito legitimado de falar neste instante – a palavra – vai e vem” (ibid. p. 114).

A respeito desta distinção, Goffman afirma que as diversas noções de

falantes e ouvintes funcionam como indícios da negociação socialmente

construída dos diferentes papéis que os participantes podem assumir. Dentro dessa

perspectiva, para Goffman (2013[1979] p118.), ouvintes ratificados são aqueles

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cujas falas são direcionadas em interação. Diferentemente, os não ratificados

podem ocorrer de duas formas. Nas palavras do autor:

Podemos fazê-lo propositalmente, resultando da “intromissão” (escutar às

escondidas, por atrás da porta, espichar a orelha), ou a oportunidade ocorrer de

forma inadvertida e não intencional, como quando “ouvimos por acaso”. Em

suma, um participante ratificado pode não estar escutando, e alguém que esteja

escutando pode não ser um participante ratificado.

Em relação à noção de falante, Goffman (ibid. p.133) salienta três

distinções. A primeira refere-se ao falante como animador, cujo papel seria

apenas analítico. Já o falante autor é aquele que “selecionou os sentimentos que

estão sendo expressos e as palavras nas quais eles estão codificados” (ibid, p.

114). Já o falante responsável surge como aquele “cujas crenças são verbalizadas,

alguém que está comprometido com o que as palavras expressam” (idem.).

Neste trabalho, tais noções tornam-se relevantes uma vez que, a partir

delas, é possível mapear como nossas relações se estabelecem em interação, já

que posso observar se as falas foram provocadas partindo da minha seleção de um

ouvinte ratificado ou não, assim como posso levar em consideração o que os

alunos que não se expressam verbalmente também têm a me mostrar.

2.4.2. Estudos de Narrativa

Como um dos focos deste estudo recai sobre o sentimento de

pertencimento a um grupo, revelado através do discurso, o estudo de narrativas

faz-se necessário, visto que, através delas, é possível retomar como os

participantes desta pesquisa, isto é, eu, professora-pesquisadora em formação

continuada, e meus alunos, percebemos e vivemos a qualidade de vida da turma, e

sentimos esse processo de coconstrução de estigmas e afeto. Digo isto alinhada à

Bastos (2005) , que, ao discorrer sobre a importância das narrativas, destaca que

elas estão presentes em nosso cotidiano e nos auxilia no entendimento acerca do

mundo que nos cerca. Além disso, podemos revelar nossas crenças, emoções e

avaliações sobre nós mesmos e sobre o outro, através de narrativas, nos

construindo, assim, como sujeitos e (re)construindo a nossa realidade.

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Podemos, desta forma, compreender o relato da narrativa mais como uma

construção social do que como uma representação do que aconteceu, no sentido

de que construímos as estórias que contamos em função da situação de

comunicação (quando, onde e para quem contamos), de filtros afetivos e

culturais, e do que estamos fazendo ao contar uma história. (Bastos, 2005, p.80)

Moraes Bezerra (2007), por sua vez, salienta que “as estórias que contamos

não são contadas ingenuamente”. Logo, as narrativas que geramos em interação

não são construídas apenas para o relato de experiências, já que, ao narrar,

também construímos significados sobre o que foi vivido. Assim, cada vez que a

narrativa for (re)contada, ela adquirirá novas interpretações sobre a narrativa em

si, sobre a pessoa que conta a história e sobre seus interlocutores.

2.4.2.1. A contribuição laboviana

Pioneiro nos estudos de narrativas, Labov postula que a narrativa é “um

método de recapitular experiências passadas” (ibid, 1972). Segundo ele, portanto,

toda narrativa é estruturada em uma sequência temporal, isto é, possui orações

narrativas com verbos no passado. Além disso, ela deve ter um ponto e ser

contável (ibid.).

Bastos (2004, p.19) destaca que o ponto da narrativa é “o motivo pela qual

ela é contada”, o motivo pela qual ela existe. Labov (idem) ainda destaca que elas

devem se referir à algo extraordinário, que a tornaria contável. Desta forma, ela

assevera outra característica importante para que haja uma narrativa: a

reportabilidade. Portanto, para que possamos reconhecer uma narrativa, segundo

aos postulados labovianos, devemos observar se ela tem um ponto, ou seja, uma

razão para que seja contada, se ela se possui sequencialidade e a

reportabilidade.

Labov foi criticado pelos teóricos que o sucederam, pois, em seus estudos,

interessava-lhe mais a estrutura da narrativa do que o conteúdo em si. Contudo,

suas contribuições acerca da estrutura das mesmas são extremamente relevantes e

auxiliam os estudiosos que o sucederam.

A seguir, apresento os elementos básicos da estrutura narrativa propostos

por Labov, conforme Bastos (2005, p. 75-76apud Brandão, 2011, p.4):

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Resumo – aparece no início da narração sumarizando a narrativa;

Orientação – Identifica o tempo, o espaço, as pessoas envolvidas e a

situação em que estão envolvidas na narrativa. Situa-se, principalmente, no

início das narrativas, porém, podem ocorrer em outros momentos;

Ação complicadora – Sequência de orações narrativas construídas no

pretérito perfeito. É o único elemento obrigatório em uma narrativa;

Avaliação – Para Bastos, o mais complexo e o mais fascinante elemento da

estrutura narrativa, pois indica o seu ponto –carga emocional e dramática.

Pode ocorrer de duas formas: ser externa – quando o fluxo da narrativa é

suspenso pelo narrador a fim de relatar como este se sentiu durante

determinado momento do evento narrado –, ou interna/encaixada – quando

o fluxo da narrativa é mantido, mas a avaliação é feita através de alguns

recursos discursivos, tais como: diminuição ou aceleração do ritmo de fala,

repetições, alongamentos de vogais, entre outros;

Coda – Traz o narrador e oouvinte para o presente e marca o fim da

narrativa.

Além das contribuições de Labov, outros autores se preocuparam em

dedicar-se aos estudos de narrativas. Dentre esses estudos, destaca-se o de

Charlotte Linde, sobre o qual discorro a seguir.

2.4.2.2. As contribuições de Linde

Sem desconsiderar os constructos labovianos, Linde (1993) também

contribui para os estudos de narrativas, nos apresentando o conceito de histórias

de vida. Linde (ibid, p. 11) postula esta noção como “uma unidade oral que é

contada em muitas ocasiões. Convencionalmente, inclui certos tipos de eventos

marcantes tais como a escolha da profissão, casamento, divórcio ou conversão

religiosa ou ideológica”9. A autora ainda o define como um conjunto coerente de

narrativas formado por unidades discursivas.

Além disso, a pesquisadora discute outro conceito importante, o conceito

de coerência. Segundo ela (ibid, p.12), para que um discurso possa ser entendido

pelos ouvintes, faz-se necessário que falante e ouvinte negociem seus

significados para que haja uma construção conjunta de sentidos, evitando, assim,

9Minha tradução para a seguinte citação original: “In summary a life story is an oral unit that is

told over many occasions. Conventionally, it includes certain kinds of landmark events, such as

choice of profession, marriage, divorce and religious or ideological conversion of any”. (Linde,

1993, p. 11)

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possíveis discrepâncias entre o que é projetado pelo falante e o que é

compreendido pelos seus interlocutores.

Retomando a discussão sobre o conceito de histórias de vida, outra

contribuição feita por Linde é o acréscimo de duas outras noções acerca da

estrutura das histórias de vida: a crônica e a explanação/explicação.

Por crônica, a autora compreende o relato de eventos encadeados

temporalmente. O que difere a crônica da narrativa laboviana são seus elementos

constitutivos, já que, na primeira, o resumo, a orientação e a coda não aparecem.

Contudo, a crônica, assim como a narrativa, geralmente, possui um ponto

avaliativo ou várias seções avaliativas, não necessariamente referentes à toda a

unidade narrativa.

Já por explanação/explicação (ibid. p. 94), a autora concebe unidades do

discurso compostas por uma afirmação que ocorre seguida por evidências lógicas

que tentam explicá-la, na tentativa de conferir coerência à história de vida.

Em seus estudos, Linde também contribui para a noção de avaliação. Esse

conceito, de acordo com a autora (1997, p.152), se refere às normas sociais. Em

outras palavras, a avaliação produzida por um falante está sempre vinculada a uma

forma de julgamento da vida social, seja sobre uma pessoa ou um acontecimento.

Assim, como Linde entende a avaliação como uma prática social, esta se torna a

parte mais importante da narrativa para a compreensão da relação das dimensões

linguísticas e sociais.

Além das contribuições dos trabalhos de Linde (1993; 1997), outros

estudos contemporâneos revisam os postulados de Labov, ampliando a visão

acerca dos componentes constitutivos e as noções acerca do que seja a narrativa.

Destaco, porém, que utilizo as contribuições de Labov, no presente estudo,

contudo, não levo apenas em consideração a presença, ausência ou maior

ocorrência de determinado componente para a construção das narrativas, mas

observo como estes elementos podem ajudar a mim e aos praticantes exploratórios

na busca por entendimentos sobre nossas questões intrigantes, através do discurso

produzido por nós em interação.

2.4.2.3. Discurso e coconstrução de identidades

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O entendimento de identidade que fundamenta este estudo alinha-se à

perspectiva de socioconstrução, pois, assim como Moita Lopes (2003), “entendo

as identidades sociais como construções sociais e, portanto, discursivas, visto que

aprendemos a ser quem somos nos encontros interacionais de todo o dia”. Além

disso, acredito que seja através da análise das práticas sociais que podemos

coconstruir significados sobre nós mesmos e sobre o outro.

Assim, ao agirmos socialmente, carregamos alguns traços identitários, tais

como: idade, religião, raça, classe social, que ajudam a nos definir nas diferentes

interações que participamos, uma vez que as identidades não são estruturas fixas e

contínuas (Mishler, 1999, p.11), mas sim coconstruídas no discurso, já que todo

discurso pressupõe um interlocutor (Bakhtin, 1981 apud Moita Lopes, 2001, p.58)

e é localizado sócio-historicamente.

Entender a fragmentação das identidades significa assumi-las dentro de

sua multiplicidade e de seu caráter performativo, ou seja, as ações do sujeito pós-

moderno, em sociedade, evidenciam esta fragmentação e a existência de um “eu

evidentemente performativo” (Hall [2000]2002, p.103). Contudo, é no contexto

no qual as identidades emergem que as performances identitárias são negociadas.

Neste sentido, trago a perspectiva de Bastos e Oliveira (2006) em relação à

identidade. Segundo Bastos e Oliveira (ibid.), a identidade é:

Um ato performativo realizado quando as pessoas expõem quem são a cada

momento em interações sociais específicas. [...] nós a vemos também como um

processo negociado de exposição e de interpretação de posições sociais,

afiliações, status e outras categorias sociais.

Em outras palavras, nossas múltiplas identidades são acionadas e

negociadas nas interações, sendo validadas ou não. É necessário analisar o “aqui e

agora”, “o que está acontecendo” (Goffman, 1974) na interação, para entender os

processos interacionais e, decorrente disso, tentar mapear as identidades

projetadas, para compreendero que cada participante faz discursivamente, bem

como as possíveis motivações interacionais que os movem na interação.

Os estudos de narrativa nos auxiliam a compreender o processo de

construção identitária. Segundo Bruner (1997),

O que as pessoas fazem nas narrativas nunca é por acaso, nem estritamente

determinado por causa e efeito; o que elas fazem é motivado por crenças, desejos,

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teorias, valores e outros “estados intencionais”. As ações narrativas implicam

estados intencionais.

Na verdade, a ação narrativa não se constitui apenas no mundo da

narrativa. Ela entrelaça o mundo da narração e o da narrativa, trazendo

implicações interacionais, bem como a construção de identidades sociais no

mundo da estória. Como assevera Moita Lopes (2006, p. 294), “narrar é uma

forma de fazer coisas em relação a pessoas no mundo da interação e no contexto

interacional”.

Além disso, neste trabalho, por exemplo, utilizarei a narrativa como

ferramenta teórica, também inspirada pelo trabalho de Fabrício e Bastos (2009, p.

46), pois as autoras entendem que “as identidades não são autônomas, uma vez

que adquirem sentido em relação a outras identidades, em processos que emergem

na interação social”.

2.4.3. A Teoria da Avaliatividade

Halliday (1994), para postular conceitos fundamentais à Linguística

Sistêmico Funcional, salienta que a linguagem se subdivide em três metafunções:

metafunção ideacional, metafunção interpessoal e metafunção textual.

A primeira está relacionada ao contexto de campo, isto é, está relacionada

à expressão das percepções sobre o mundo no momento em que a língua é

utilizada. A segunda refere-se aos papéis sociais dos sujeitos e suas relações em

interação, assim, esta metafunção está relacionada ao julgamento, opiniões e

atitudes do falante sobre seus interlocutores e sobre o mundo que o cerca.

A metafunção textual, por sua vez, está relacionada à forma de

organização do discurso, do texto em si. Logo, refere-se à linguagem utilizada

para a construção de significados e da mensagem.

É a partir das contribuições da Linguística Sistêmico-Funcional e,

principalmente, dos conceitos supracitados que surge a Teoria da Avaliatividade.

Esse desdobramento da Linguística Sistêmico-Funcional está relacionado à

metafunção interpessoal, já que ela nos auxilia a compreender como os sujeitos

posicionam-se discursivamente em relação ao outro e ao mundo. Dessa forma, ela

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está relacionada às avaliações geradas e negociadas nas interações em que o

escritor/falante está envolvido.

Martin (2001) salienta que a Teoria da Avaliatividade é um recurso

semântico que pode ser utilizado pelos sujeitos em interação, para negociar

emoções, julgamentos e apreciações. Desse modo, Martin e White (2005)

destacam que essa teoria se subdivide em três sistemas inter-relacionados, a saber,

sistema da atitude, sistema do engajamento e sistema da gradação.

O sistema da atitudese refere à maneira emque as atitudes do autor

refletem nos textos, isto é, refere-se à forma como os sentimentos, emoções,

avaliações positivas e negativas de comportamentos são expressos pelo

falante/escritor.

O sistema de engajamentonos remete ao conceito de polifonia

bakhtiniano, uma vez que estesistema “lida com a fonte de atitudes e o jogo de

vozes em torno de opiniões no discurso”10 (Martin e White, 2005, p.35). Logo,

está relacionado a como nos afiliamos ou nos distanciamos, discursivamente, em

relação aos diferentes pontos de vista lançados em interação.

O sistema da gradação, por sua vez, está relacionado ao aumento ou

diminuição no grau das avaliações, isto é, permite graduar entre a força e o foco

das avaliações.

Como esta pesquisa de mestrado objetiva buscar entendimentos sobre a

qualidade de vida de uma turma de primeiro ano do ensino médio, percebo que,

em muitos instantes, ao interagir com os alunos, salientamos como estamos nos

sentindo ou como nos sentimos em determinada situação ou, ainda, acabamos

destacando como avaliamos alguma determinada atitude nossa ou de outra pessoa.

Portanto, dedicarei maior atenção, a seguir, ao sistema de atitude.

2.4.3.1. O sistema de atitude e a instanciação do afeto

Martin e Rose (2003) destacam que o sistema da atitude se divide em três

subsistemas: afeto, julgamento e apreciação. O subsistema de afeto relaciona-se

às emoções e sentimentos; o de julgamento, ao posicionamento ético dos

falantes/escritores; e o da apreciação, aos conceitos estéticos.

10Minha tradução para a seguinte citação original: “Engagement deals with sourcing attitudes and

the play of voices around opinions in discourse”. (Martin e White, 2005, p. 35)

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Como comentado anteriormente, já que, nos dados dessa pesquisa,

destacam-se as relações entre as pessoas e seus sentimentos, darei focoao

subsistema do afeto, nesta seção.

O subsistema de afeto está relacionado a sentimentos e emoções. Dessa

forma, a avaliação manifesta o grau de envolvimento emocional entre as pessoas,

os textos ou a situação em que estão inseridos, assim como pode servir para

designar e descrever qualidades de uma pessoa e/ou situação.

Este se divide em três categorias opositivas, que podem ser expressas em

nível lexical ao utilizarmos adjetivos, advérbios, verbos, nominalizações e

modalizações. São elas: felicidade/ infelicidade; segurança/insegurança e

satisfação/insatisfação.

A fim de melhor ilustrar como isso ocorre em interação, utilizarei, no

quadro a seguir, exemplos encontrados nos dados que foram gerados, durante a

pesquisa, e encontram-se na seção de análise dos dados:

Felicidade “A gente tinha uma professora de

matemática aqui na escola que ela era a

melhor professora de matemática da

escola”

“Mas a gente riu tanto da cara de

vocês”

Infelicidade “porque simplesmente pelo fato de

entrar dentro da sala o [professor] já

olhar assim “Autonomia - Autonomia”

“Isso era horrível”

Segurança “Agora que eu cheguei no primeiro

ano, agora dá tempo para eu recuperar”

“Agora eu vou falar, porque quando eu

falo o bagulho fica”

Insegurança “Eu vou ficar escrevendo um negócio

que eu sei que não vou conseguir

concluir?”

“Eu não sei quanto eu vou tirar agora

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[nessa prova agora]”

Satisfação “Sabe aquela pessoa que é ridícula na

matéria ela fazia tirar nota boa e não é-

ela não dava nota não, ela realmente

ensinava mesmo”

Insatisfação “Por que na hora do intervalo dá suco e

no almoço não”

“Vocês falaram falaram, falaram

daquele negócio de preconceito mas

será que vocês também não tão

deixando?”

Quadro 1: Instanciações de afeto

Em suma, vimos que é em interação que os participantes constroem

significados sobre o que estão fazendo no “aqui e agora”, no momento em que a

interação acontece.

Isto posto, tendo apresentado as lentes que orientarão o meu olhar para a

análise dos dados gerados com meus alunos, encerro este capítulo e apresento, a

seguir, os aspectos metodológicos balizadores deste trabalho.

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3. Metodologia e contexto de pesquisa

Embora não exista fórmula pronta para se aprender a pesquisar, é

importante, primeiro, considerar que não se trata de tarefa especial,

muito menos excepcional, porque é parte da vida.

Demo (2004)

O mundo não é. O mundo está sendo. Como subjetividade curiosa,

inteligente, interferidora na objetividade com que dialeticamente me

relaciono, meu papel no mundo não é só de quem constata o que

ocorre, mas também o de quem intervém como sujeito de ocorrências.

Não sou apenas objeto da História, mas seu sujeito igualmente.

Freire (1996, apud Moraes Bezerra, 2011, p. 94)

O objetivo principal deste capítulo é apresentar as orientações teórico-

metodológicas que norteiam o meu olhar à pesquisa desenvolvida junto aos meus

alunos durante o percurso da referida investigação. Ao longo deste capítulo

discutirei, primeiramente, acerca da natureza da pesquisa e como ela se

desenvolve dentro da perspectiva da Pesquisa do Praticante (“Practitioner

Research”). Depois, apresento o contexto da pesquisa, além de uma breve

descrição do Programa Autonomia, do processo de geração de dados e dos

procedimentos utilizados para a análise.

3.1. A pesquisa do Praticante e a natureza da pesquisa

O presente estudo está situado dentro da abordagem qualitativo-

interpretativista de pesquisa (Denzin e Lincoln,2006; André, 1995) e à luz dos

princípios da Prática Exploratória (Miller, 2001; Moraes Bezerra, 2007; Allwright

e Hanks, 2009, inter alia), a partir da perspectiva do paradigma da pesquisa do

praticante (cf. practitioner research) (Miller, 2001; Rodrigues, 2014; Ewald,

2015).

Como aponta Rodrigues (2014, p. 67), ao vincular sua pesquisa àquelas

que encontraram representação no meio acadêmico a partir desta perspectiva

metodológico-investigativa, tais como as teses de doutorado de Miller (2001) e

Moraes Bezerra (2007) e a dissertação de Nóbrega Kuschnir (2003), a autora

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destaca que a Pesquisa do Praticante, como postura investigativa, encontra sua

importância no “desejo de entender a situação de ensino/aprendizagem”.

Desta forma, a autora retoma a proposição inicial de Allwright (2003,

p.137), a qual o autor postula que os professores podem investigar suas próprias

práticas, não necessitando de um pesquisador externo para determinar ou apontar

o que seria melhor ou o que deveria ser modificado em seus contextos de trabalho.

Logo, ao contrário das pesquisas cujo pesquisador faz uma intervenção e espera os

resultados obtidos para, por meio desta, poder avaliá-los, a Prática Exploratória

surge como uma forma de investigação que possibilita aos próprios professores

promoverem, junto aos seus alunos e aos demais envolvidos no processo de busca

por entendimentos de questões, engajamento coletivo em reflexões sobresuas

vidas dentro e/ou fora desses contextos.

Alinho-me a Ewald (2015), que, ao apresentar as motivações ético-

epistemológicas para o estabelecimento da Prática Exploratória como modalidade

de pesquisa do praticante, destaca as diferentes pesquisas que vêm sendo

desenvolvidas em trabalhos acadêmicos sob esse paradigma, não só no que se

refere à vida na escola, mas também em outros contextos profissionais, tais como

as dissertações de mestrado recentes de Vitoriano (2015), que buscou

entendimentos sobre o contexto socioeducativo; Melo (2015), que se debruçou

sobre questões de formação inicial a partir da participação de licenciandos de

letras no programa PIBID/CAPES e sobre sua formação continuada; e as teses de

doutorado de Souza (2016) e Moura (2016), ambas motivadas pelas suas atuações

em seus contextos profissionais. A primeira, psicóloga educacional, dedicou-se a

buscar entendimentos sobre o mal-estar apresentado por alunos encaminhados à

orientação psicológicajunto a suas professoras em reuniões de trabalho. Já a

segunda, dedicou-se a entender o processo de construção colaborativa de sua

pesquisa de doutorado junto a alguns alunos de uma universidade privada do Rio

de Janeiro em contexto virtual.

Assim, é possível perceber o caráter híbrido (Miller, 2012) da prática

investigativa desenvolvida em pesquisas à luz dos princípios da Prática

Exploratória, uma vez que, ao contrário de pesquisas que se desenvolvem dentro

da tradição positivista, cuja busca da verdade e resultados são o foco, a Prática

Exploratória apoiada em seus próprios pressupostos e aliada aos suportes teóricos

oferecidos por outras áreas do conhecimento – tais como ciências sociais,

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antropologia, psicologia, educação –, apresenta-se dentro da natureza

interpretativista, já que o contexto e o processo por busca de entendimentos é feito

a partir de um olhar qualitativo ao contexto e a todos os envolvidos, i.e, um olhar

que “envolve uma abordagem naturalista, interpretativista, para o mundo, o que

significa que seus pesquisadores estudam as coisas em seus cenários naturais,

tentando entender, ou interpretar, os fenômenos em termos dos significados que as

pessoas a eles conferem” (Denzin e Lincoln, 2006, p.17), já que este modelo de

pesquisa caracteriza-se epistemologicamente por “uma preocupação em entender

o outro”. (Denzin e Lincoln, 2006, p. 15).

3.1.1. O pesquisador como praticante, agente e Bricoleur

Acredito que a pesquisa desenvolvida por mim e por meus alunos localiza-

se dentro da postura ético-inclusiva de ensinar, aprender e pesquisar da Prática

Exploratória, uma vez que buscamos entender o contexto ao qual estamos

inseridos de forma agentiva, atuando como praticantes (practitioners) no

“trabalho para entender” o que é ser aluno e professor de uma turma do primeiro

ano do Ensino Médio. Assim, apesar de ser a professora daquele grupo, não impus

que a pesquisa se realizasse, nem tampouco possuía uma agenda pré-determinada.

Nossas decisões foram negociadas em conjunto ao longo do processo de busca por

entendimentos, e a nossa participação ao longo das interações que surgiam dentro

das aulas ou em outros encontros era o que determinava como a pesquisa

prosseguiria.

Porém, apesar de reconhecer que a pesquisa tenha ganhado formato a

partir de nossas vivências ao longo deste período, reconheço o meu papel

bricoleur, posto que cabe a mim reunir e organizar, nesta dissertação, o que foi

vivido por nós. Desta forma, alinho-me ao posicionamento de Denzin e Lincoln

(2006, p.20):

O produto do trabalho do bricoleur interpretativo é uma bricolagem complexa

(que lembra uma colcha), uma colagem ou uma montagem reflexiva – um

conjunto de imagens e de representações mutáveis, interligadas. Essa estrutura

interpretativa é como uma colcha, um texto de performance, uma sequência de

representações que ligam as partes ao todo.

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Portanto, ao entender que esta pesquisa se desenvolveu dentro de uma

perspectiva socioconstrucionista do discurso (Moita Lopes, 2001; 2003), cuja

realidade é socialmente construída nos e pelos discursos em que estamos

envolvidos, posiciono-me como um bricoleur interpretativo, já que entendo “que

a pesquisa é um processo interativo influenciado pela história pessoal, pela

biografia, pelo gênero, pela classe social, pela raça e pela etnicidade dele e

daquelas pessoas que fazem parte do cenário” (Denzin e Lincoln, 2006, p. 20),

como discutirei na subseção a seguir.

3.1.2. O cunho (auto)etnográfico

A pesquisa de cunho etnográfico (André, 2001) é uma abordagem de

investigação aliada à prática de pesquisa qualitativa. André (1995) conceitua

etnografia como “um tipo de pesquisa realizada por Antropólogos para estudar

uma cultura ou uma sociedade através da descrição” (Garcez e Schulz, 2015, p.

19).

Ainda de acordo com André (idem.), as pesquisas em contextos

educacionais deveriam ser consideradas de tipo etnográfico, já que uma das

características das pesquisas etnográficas é a longa permanência do pesquisador

em um mesmo local (campo). Além disso, as pesquisas no contexto escolar, em

especial, em sala de aula, contam com as dinâmicas instituídas pelas instituições

escolares e seus regimentos. Desta forma, acompanhar um mesmo grupo de

alunos, professores, ou outros membros da comunidade escolar por um longo

período torna-se mais difícil. Logo, faz-se necessário que os métodos utilizados

pelos pesquisadores em pesquisas educacionais sejam adaptados para que seja

possível olhar atentamente para as questões que possam emergir dentro deste

contexto.

Melo (2015) destaca em sua dissertação de mestrado a articulação possível

entre a Prática Exploratória e as pesquisas de cunho etnográfico ao afirmar que “a

Prática Exploratória como pesquisa educacional de cunho etnográfico valoriza o

instrumento humano no processo investigativo ao criar oportunidades de

mediação da geração dos dados da pesquisa entre os praticantes”. Sobre isto, a

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autora cita Miller (2002 apud Moraes Bezerra, 2007) que destaca a Prática

Exploratória como uma prática investigativa autoetnográfica que

[...]promove uma profundidade em termos de entendimentos que falta a outras

abordagens investigativas. Nossa experiência tem mostrado que, quando os

praticantes percebem que podem trabalhar sobre suas práticas e de suas maneiras,

eles não apenas acham isso intelectual e emocionalmente gratificante, mas

também emancipatório dos modelos de aprendizagem de déficit.

Assim, no caso da pesquisa que aqui descrevo, ressalto o meu papel

enquanto mediadora do processo de pesquisa e busca de entendimentos,

procurando envolver a todos em nossas conversas exploratórias. Além disso, ao

fazê-lo, também ajudo a promover momentos de reflexões sobre o que vivemos na

escola, sobre nossas práticas cotidianas e sobre nós mesmos.

3.2. A cidade feita de giz: o contexto

Os dados deste trabalho foram gerados entre os meses de maio e novembro

de 2015 em uma escola pública da rede estadual de ensino, localizada na cidade

de Niterói, próximo às comunidades do Cubango e Bumba, que ainda se

recuperam das consequências de um grande deslizamento de terras provocado por

uma forte tempestade que atingiu a cidade em abril de 2010, ocasionando o

soterramento de casas que foram construídas em terreno irregular.

Atuo nesta escola como professora regente de Inglês e realizei este

trabalho, mais especificamente, na sala de aula de uma turma de primeiro ano do

Ensino Médio. A turma 1001, meus parceiros neste estudo, era composta por 27

alunos no início do ano letivo de 2015, dentro da faixa etária de 14 a 18 anos. Essa

turma era considerada por seus professores uma das piores da escola tanto em

relação à indisciplina, quanto em relação à assimilação de conteúdo. Além disso,

era formada por alunos que cursaram o Ensino Fundamental no sistema regular,

isto é, do 1º ao 9º ano; e por alunos que finalizaram o Ensino Fundamental II no

Programa Autonomia.

O livro didático adotado pela escola para a utilização no Ensino Médio é a

coleção High Up, da editora MacMillan. Além do livro didático, a escola

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disponibiliza fotocópias, caso eu escolha utilizar algum material extra, tais como

atividades de leitura, por exemplo.

Para a realização das APPES (cf.cap 1), levei o meu próprio material,

cartolina, canetinhas, cola, tesouras, uma vez que esses materiais ficam sob

domínio dos professores de Artes.

3.2.1. O Programa Autonomia

O Programa Autonomia (doravante PA) é um programa de aceleração de

estudos realizado pela Secretaria Estadual de Educação em parceria com a

Fundação Roberto Marinho, cujo objetivo é corrigir a distorção idade/série,

proporcionando formação básica aos alunos, que por algum motivo, não

conseguiram progredir nos estudos. Porém, existem algumas diferenças em

relação ao ensino regular.

Os alunos que participam do Programa Autonomia estudam de segunda a

sexta-feira, com uma carga horária reduzida de quatro horas por dia. Além disso,

eles têm aula com apenas um professor, que utiliza a metodologia da Telessala11

para trabalhar com todas as disciplinas. Desta forma, eles finalizam o ensino

fundamental em dois anos, dividido em quatro módulos, sendo as disciplinas de

Língua Portuguesa e Matemática as únicas disciplinas comuns aos quatro

módulos. 12

Devido a este fato, o ingresso desses estudantes no Ensino Médio regular

causou estranhamento tanto aos alunos, que levaram certo tempo para se adaptar

ao novo sistema de ensino, quanto aos seus professores e outros colegas da turma.

Ressalto, aqui, que, além desta dificuldade de adaptação inicial, os alunos

oriundos deste projeto acabam sendo estigmatizados por alguns professores e por

parte da comunidade escolar, uma vez que muitos deles apresentam dificuldades

11 Sobre a metodologia da Telessala, Almeida (2015, p. 74), em sua dissertação de mestrado em

Eduacação sobre os alunos inseridos em programas de aceleração escolar, nos lembra que “a

Metodologia Telessala foi desenvolvida pela Fundação Roberto Marinho como uma prática

pedagógica de ensino presencial mediada por um professor, utilizando livros e teleaulas do

Telecurso. Desde 1995 essa metodologia é aplicada no atendimento de jovens e adultos que não

concluíram a Educação Básica e aos que se encontram em defasagem idade-série.” 12 As informações sobre o Programa Autonomia podem ser conferidas na página da Secretaria

Estadual de Educação do Rio de Janeiro através do link

http://www.rj.gov.br/web/seeduc/exibeconteudo?article-id=1218602

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de aprendizagem. Contudo, mesmo com todos os rótulos que receberam ao longo

do ano, sempre tive empatia por esse grupo de alunos.

3.2.2. A 1001 e eu

Logo nos primeiros contatos, percebi que a turma 1001 era um grupo

especial. Diferentemente de outras turmas e até mesmo daquela do ano anterior

(cf. cap 1), esta chamou a minha atenção por eu perceber nitidamente, por conta

da organização espacial da sala de aula, que se sentavam em dois grupos distintos:

os alunos oriundos do Autonomia, no canto esquerdo da sala de aula, próximo à

porta, estendendo-se até o final da sala. Já os alunos que haviam concluído o

ensino fundamental na modalidade regular sentavam-se próximo à mesa do

professor e ao quadro negro.

Tal divisão, a meu ver, seria bastante comum se considerarmos que os

alunos iniciantes do Ensino Médio passam por um período de transição entre o

Ensino Fundamental e este; além disso, a escola recebe novos estudantes, e,

assim, novos grupos são formados. No entanto, aos poucos comecei a perceber

que, naquela turma, esta divisão era singular. Era habitual ouvir, durante as aulas,

frases como: “Ei, fica quieto, isso aqui não é Autonomia não!” ou “Vai, abre o

caderno. Tá pensando que isso aqui é Autonomia?”. Porém, talvez o que mais

tenha chamado a minha atenção foi ouvir, de meus colegas de profissão, que eles

não sabiam o que fazer, chegando, inclusive, a propor para a direção da escola que

fosse criada uma turma somente para os alunos oriundos do programa,

justificando ser impossível trabalhar com estes, pois “atrapalhariam” demais.

Assim, motivada por essa minha observação inicial, resolvi buscar junto à

1001, entendimentos sobre o que estávamos vivendo não somente em nossas

aulas, mas sobre esses discursos que circulavam na escola e que nós mesmos

ajudávamos a construir.

3.3. A geração de dados

A partir da minha questão instigante “Por que eu gosto da 1001?”, resolvi

que ao longo do ano desenvolveria APPEs (cf. APPESs cap. 1) que nos

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auxiliassem a entender como era o grupo. Para mim, a 1001 era uma turma do

primeiro ano do Ensino Médio como as demais, com alunos que tinham suas

histórias pessoais, suas crenças e opiniões e, por isso, sua heterogeneidade ficava

evidente.

Os meus entendimentos prévios despertaram a minha curiosidade para

buscar inteligibilidade sobre o motivo pelo qual os próprios alunos faziam essa

segregação e colaboravam para a manutenção do estigma sobre aqueles do

programa autonomia. Desta forma, achei necessário mapear o discurso que

emergia em nossas interações em sala de aula, a fim de buscar indícios de que isso

acontecia, pois, o meu receio era agir como alguns colegas e acabar segregando os

alunos. Por isso, resolvi que as atividades que desenvolveria seriam realizadas por

todo o grupo. Durante as aulas em que as APPEs eram desenvolvidas, gravamos

nossas interações em busca de entendimentos locais sobre o que nos afligia.

O conjunto de dados deste trabalho é composto por excertos das gravações

de nossas interações geradas através da realização das APPEs, que serão descritas

no capítulo de análise dos dados antes das transcrições dos excertos, bem como

pelas próprias atividades.

3.4. A transcrição dos dados

Os dados, gerados através da gravação de áudio das interações realizadas

ao longo das APPES, foram transcritos por mim seguindo as convenções de

transcrição baseadas nos estudos da Análise da Conversa Etnometodológica

(Sacks, Schegloff e Jefferson, 1974; Goodwin e Heritage, 1990; Garcez, 2012),

utilizando os símbolos adaptados de Garcez, Bulla e Lorder (2014).

Minha escolha em utilizar o ferramental teórico-metodológico da ECE,

aliada aos estudos da Sociolinguística Interacional, deve-se à oportunidade de

observar de forma mais cuidadosa as minúcias micro discursivas, i.e, o que os

participantes engajados em uma interação fazem durante a mesma, e como nossas

perspectivas e formas de perceber o que é dito ficam marcadas em nossos

encontros face-a-face.

3.5. Os praticantes

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Como já foi mencionado ao longo do texto, os alunos da turma 1001 são

considerados, aqui, praticantes da pesquisa [practitioners]. Contudo, vejo a

necessidade de informar ao leitor certos pontos a respeito de alguns estudantes

que, ao participarem como falantes e ouvintes ratificados em nossas interações,

ajudaram-me a tecer os entendimentos sobre a vida que vivemos em nossa escola.

Desta forma, organizei, com a ajuda dos alunos, o quadro a seguir com suas

informações, que podem nos ajudar na leitura e interpretação dos dados:

Nome 13 Idade Informações adicionais

Evellyn 25 Professora de Inglês das turmas do primeiro ano

do Ensino Médio da escola há 2 anos.

Bianca 16 Terminou o Ensino Fundamental em 2014 no

sistema regular.

Iuri 16 Terminou o Ensino Fundamental em 2014 no

Programa Autonomia. Diagnosticado com Dislexia

Sabrina 17 Terminou o Ensino Fundamental em 2014 no

sistema regular.

David 17 Terminou o Ensino Fundamental em 2013. Em

2015, cursou pela segunda vez o 1º ano do EM.

Raissa 16 Terminou o Ensino Fundamental em 2014 no

Programa Autonomia

Hanna 15 Terminou o Ensino Fundamental em 2014 no

sistema regular.

Flávia 17 Terminou o Ensino Fundamental em 2014,

cursando o 8º e 9º anos no Programa Autonomia. Foi

aluna destaque por duas vezes no Programa Autonomia.

Bruna 16 Terminou o Ensino Fundamental em 2014.

Adriana 16 Terminou o Ensino Fundamental em 2014, no

sistema regular.

Pedro 16 Terminou o Ensino Fundamental em 2014 no

Programa Autonomia.

Sandra 15 Terminou o Ensino Fundamental em 2014 no

sistema regular

Cleber 15 Terminou o Ensino Fundamental em 2014 no

13 Cabe evidenciar que todos os nomes dos alunos, exceto o meu, uma vez que sou autora deste

trabalho de participante da pesquisa, foram alterados por questões éticas na tentativa de preservar o

anonimato dos demais participantes-colaboradores.

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sistema regular.

Quadro 2 – Os praticantes da pesquisa

Decidi organizar desta forma as informações sobre esses alunos, uma vez

que é através de suas vozes e de suas percepções que pudemos coconstruir saberes

locais acerca de nossas questões.

Contudo, gostaria de ressaltar que, ao fazê-lo, não ignoro, nem tampouco

menosprezo a participação dos demais alunos desta turma. Apenas optei por esta

organização devido à importância do contexto para a construção de significados

sobre as interações face-a-face, defendidas por Ribeiro e Pereira (2002), que

destacam o papel dos participantes para a coconstrução discursiva de tais

contextos em interações. Além disso, mesmo que não se expressassem

verbalmente nas interações, os alunos contribuíam com outras pistas de

contextualização14, tais como o próprio silêncio, o riso, a troca de olhares, o

balançar da cabeça em concordância ou em desacordo com o que havia sido dito

por seus colegas ou por mim, entre outros.

Dedico o próximo capítulo à descrição de minhas primeiras tentativas em

envolver todos nesse processo de busca por entendimentos sobre o que, para nós,

é a vida daquele grupo, e à análise dos dados em áudios gerados através de nosso

compartilhamento de saberes e questões.

4.

14 Conceito proposto por Gumperz (1982) para se referir às pistas/dicas que damos a nossos

interlocutores acerca do contexto sobre o qual estamos nos referindo em interação. Nas palavras de

Gumpers: “o termo tipo de atividade não é usado para representar uma estrutura estática, mas para

refletir um processo dinâmico que se desenvolve e sofre alterações à medida em que os

participantes interagem. Além disso, a base do seu significado reflete algo que está sendo feito,

algum propósito ou objetivo que os participantes estão tentando atingir”(GUMPERZ, 1998, p. 99).

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Explorando o jardim: análise dos dados

Escutar é obviamente algo que vai mais além da possibilidade

auditiva de cada um. Escutar, no sentido aqui discutido, significa a

disponibilidade permanente por parte do sujeito que escuta para a

abertura da fala do outro, aos gestos do outro, às diferenças do outro.

Paulo Freire (2002, p.135)

Apresento, neste capítulo, a análise dos dados gerados ao longo do

processo de investigação com a turma 1001, sobre a qualidade de vida do nosso

grupo e sobre como problematizamos, discursivamente, nossos questionamentos

sobre estar na escola. Desta forma, resolvi dividir o capítulo em dois blocos. O

primeiro versa sobre as primeiras tentativas em realizar o trabalho com aquele

grupo de alunos. Descrevo as minhas impressões, sob as lentes da Prática

Exploratória, sobre os puzzles dos alunos, que surgiram durante uma conversa

exploratória com o grupo, sobre o que era a Prática Exploratória, o mestrado

acadêmico e o meu papel enquanto professora-pesquisadora.

O segundo bloco compreende quatro subseções de análise dos dados,

gerados em áudio, durante o período em que esta pesquisa aconteceu. Apresento

15 excertos de conversas exploratórias que surgiram a partir das atividades com

potencial exploratório, as quais desenvolvi junto à turma 1001. Nesta seção de

análise, me debruço sobre a transcrição de nossas interações, buscando indícios

que evidenciem, em nossos discursos, a qualidade de vida da turma e como nós

percebemos e tornamos discursivas nossas crenças e ideias sobre a sala de aula, os

professores, o Programa Autonomia e sobre nós mesmos. Para tanto, me valerei

dos conceitos revisitados na fundamentação teórica deste trabalho (cf. cap. 2) para

analisar os excertos que compõem este capítulo.

4.1. A aspersão sobre o jardim: primeiras tentativas

Apesar de ter conhecido a Prática Exploratória antes de iniciar meus

estudos no mestrado, senti a mesma dificuldade de Silva Barbosa (2010), que

afirma tê-la conhecido durante as aulas de uma das disciplinas oferecidas pelo

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programa de pós-graduação da PUC-Rio. A autora salienta que a escolha se deu a

partir de sua identificação com aquela maneira inovadora de olhar para a sala de

aula e pela oportunidade de poder pesquisar o seu próprio contexto de trabalho

junto aos alunos.

No dia 13/05/2015, a aula de Inglês começou diferente: pedi que os

estudantes sentassem em um grande círculo e disse que precisávamos conversar.

Escrevi no quadro o meu puzzle “Por que eu gosto da 1001?” e falei sobre as

impressões que eu tinha sobre a turma, até o momento. Além disso, expliquei o

que era puzzle, utilizando o meu como exemplo, e os convidei a buscar

entendimentos sobre a minha questão e sobre as que pudessem surgir ao longo do

ano letivo.

Do mesmo modo que os alunos de Silva Barbosa (2010) se sentiram

maravilhados em saber que a sua professora fazia um curso de mestrado e não

hesitaram em participar, os meus também aceitaram e fizeram muitas perguntas a

respeito de como seria quando participariam. Então, embora não houvesse

programado nada a priori para aquele dia além de finalizar as atividades iniciadas

na aula anterior, pedi que removessem uma folha de seus cadernos e, após alguns

minutos de conversa com os colegas, escrevessem nesta os seus questionamentos

sobre as aulas de Inglês, sobre o que viviam na escola e, especialmente, sobre a

sua turma.

Agora, ao redigir a dissertação, consigo reconhecer o quanto, naquele

momento, eu parecia querer controlar/guiar os alunos para a tarefa que eu

esperava que fosse realizada.Percebo que os direcionei a escrever aquilo que eu

gostaria de ler posteriormente; algo que correspondesse à minha expectativa:

sobre tópicos relacionados à turma, o preconceito15 que os alunos do Programa

Autonomia relatavam que sofriam por alguns professores ou pelos próprios

colegas de turma.

Por reconhecer que o “trabalho para entender” (Allwright, 2003) deve

estar atrelado às atividades que são realizadas cotidianamente por estudantes e

professores, senti que, ao falar sobre o meu puzzle e realizar uma atividade

diferente de tudo o que estávamos acostumados a fazer, não estava seguindo o que

15A palavra “preconceito” é utilizada, nesta dissertação, considerando-a comoideia ou conceito

formado antecipadamente e sem fundamento sério ou imparcial.

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era esperado de um processo de pesquisa em Prática Exploratória. Contudo, após

refletir sobre a atitude que tomei, percebi que convidar meus alunos a

participarem desta pesquisa e contar as minhas impressões era apenas o início do

trabalho coletivo para entender nossas questões. Ao tomar tal atitude, localizei

este estudo dentro da perspectiva ético-inclusiva (Miller, 2012; Rodrigues, 2014)

a que a Prática Exploratória se propõe. Seria injusto, e até mesmo desleal, focar a

minha pesquisa em minhas aulas olhando somente através das minhas lentes, da

minha janela.

Sinto que, com essa primeira tentativa, ao compartilhar o meu puzzle com

aquele grupo de alunos, o fiz como o jardineiro ao semear a flor. Como praticante

mais experiente, procurei envolvê-los na atividade, para que, ao buscarem suas

questões, pudessem entender melhor como a nossa prática de pesquisa se

desenvolveria, “ao criar oportunidades para os praticantes exploratórios se

‘apaixonarem’ pelas questões, pela prática de questionar” (Miller et al. 2008,

p.147).

Logo, essa primeira APPE serviu como uma primeira aspersão sobre esse

jardim, que, assim como o de Cecília Meireles, se apresentava, a cada olhar, de

uma maneira diferente, diante de minha janela. Ela serviu como uma primeira

tentativa para que os alunos pudessem se questionar e para que eu também os

pudesse ouvir.

Quando terminaram de escrever suas questões, recolhi as folhas e, ainda

em círculo, li os puzzles que haviam surgido, sem citar os nomes dos alunos que

os escreveram. Percebi, ao longo desta atividade, que a maioria deles mencionou

algum questionamento relacionado à parte física da escola, isto é, ao prédio em si,

à falta de manutenção do ar condicionado e de uma quadra poliesportiva, por

exemplo. Além disso, também foi mencionado o fechamento da cantina, uma

questão que extrapola os muros da escola, uma vez que ocorreu por conta de uma

ação judicial que proíbe o funcionamento de cantinas dentro da instituição.

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Figura 2 - Exemplo de Puzzles que retratam o aspecto físico da escola

Legenda: Data 13/05/15

Turma 1001

Nome:

Por que não reabre a cantina?

Por que não conserta o ar condicionado e os ventiladores da sala.

À medida que realizava a leitura das questões, entrávamos em discussão

sobre o que os alunos haviam apontado, e eu também tive a oportunidade de

esclarecer algumas de suas dúvidas. Desta forma, a conversa e troca de ideias fez

parte do nosso processo de investigação para entender as questões que emergiam

durante a realização da tarefa, na busca pelo engajamento coletivo no “trabalho

para entender” tais questões. Sobre isso, Miller (2012, p. 325), ressalta que

Na Prática Exploratória, a investigação é considerada um amplo “trabalho para

entender” as questões relevantes para os agentes e que se realiza de forma

integrada à própria prática profissional e de forma conjunta, com outros

praticantes envolvidos.

Em relação ao fechamento da cantina, por exemplo, os estudantes

imaginavam que havia sido uma decisão da direção da escola. Aproveitei esta

oportunidade para salientar que, dentro do contexto escolar, nem todas as decisões

cabem à direção ou aos professores, mas que nada impedia que esses

questionamentos surgissem ali.

Alguns alunos ressaltaram questões a respeito do dia a dia na escola e

também sobre o que estavam vivendo no início daquele ano letivo em sala de aula,

como podemos observar na figura a seguir:

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Figura 3 - Exemplo de Puzzles que retratam tanto questões sobre o que se vive em sala de aula,

quanto em outros momentos na escola.

Legenda: Por que a maioria dos professores da 1001 têm discriminação16 com a autonomia?Por

que a maioria dos professores se acha superiores?Porque na hora do intervalo dá suco e no almoço

não?

Ao escrever seus questionamentos, conforme a figura acima, a aluna

também salienta a vontade de refletir sobre o papel de seus professores dentro

daquele contexto, ressaltando a possível discriminação que eles têm pelos alunos

do programa autonomia. Além disso, revela o desejo de entender o motivo pelo

qual estes acreditam serem superiores aos estudantes.

Igualmente, questionamentos sobre o relacionamento interpessoal dos

alunos, sobre a escola e sobre o papel daqueles no processo de ensino-

aprendizagem foram destacados:

Figura 4 - Exemplo de Puzzles que retratam busca por entendimentos sobre a função da escola e

ressaltam o papel dos alunos no processo de ensino-aprendizagem e as relações interpessoais na

escola

Legenda: Por que os professores discriminam o autonomia?/Por que os alunos não têm vontade de

conhecer uns aos outros?/Por que ninguém pensa em melhorar a turma?/Por que a maioria dos

16 Utilizo o termo discriminação ao longo desta dissertação no mesmo sentido de estabelecer

diferença.

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professores que acham a turma ruim, não fazem nada para ajudar?/Por que hoje em dia é muito

difícil ver a escola como local de aprendizado?/Por que alguns alunos não querem aprender?

Os questionamentos presentes nas figuras 2 e 3 foram os que mais

chamaram a minha atenção. Os da figura 2 me afetam diretamente, pois, por

tratarem de questões acerca dos professores daquele grupo, lembraram-me de que

eu também pertencia a este quadro.Já os puzzles da figura 3 evidenciam o nível de

reflexão profundo que aquele momento pode proporcionar. A aluna consegue

passar para a folha de papel o que a incomoda, o que a inquieta não somente em

sala de aula, como também nas relações com os colegas, com os professores, e

destes com os seus colegas.

Outro ponto relevante a ser exposto aqui é que as estudantes que

escreveram os puzzles presentes nestas duas figuras não haviam participado do

programa autonomia, e ambas ressaltam a discriminação que os alunos deste

programa estariam sofrendo pelos professores. Contudo, a que escreveu os

questionamentos da figura 3 também salienta que os professores não só

discriminam, como também nada fazem para ajudar a turma que consideram ruim.

Logo, estes puzzles clamam por uma mudança de atitude, tanto por parte dos

professores em relação à turma como um todo, como dos alunos, já que alguns

“não querem aprender”.

Destaco, aqui, o meu reconhecimento de que nem todos os estudantes

atingiram esse nível de reflexão, uma vez que, por ser uma atividade diferente das

demais desenvolvidas por mim e pelos outros professores deste grupo, alguns

alunos preferiram não escrever – embora tenham participado da discussão durante

a leitura dos questionamentos. Pedro, um dos alunos oriundos do Programa

Autonomia, por exemplo, parece fazer um desabafo “não entendo mais nada”,

utilizando aquele pedaço da folha de papel como um canal. No entanto, o que a

princípio mereceu o meu olhar foi a reflexão inicial que o estudante faz sobre o

ato de se questionar. Ainda sem saber o que era a Prática Exploratória, Pedro

relaciona a atividade que eu havia proposto – isto é, refletir sobre a escola – com a

vida, posto que “tudo na nossa vida tem um porque”. Assim, parece reconhecer

que o que vivemos em contexto escolar faz parte de nossas vidas; deste modo,

refletir sobre o que se vive na escola implica refletir sobre quem somos e como

agimos socialmente dentro e fora daquele contexto (Gieve e Miller, 2006, p. 20).

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Figura 5 - Puzzles de Pedro

Legenda: Tudo na vida tem um porquê e cada porque tem um sentido diferente as vezes não

entendemos certas coisas porquê? Porque não existe um porquê. Agora vem o meu porquê.

Por que não se existe um professor dedicado como antigamente? Por que não se existe alunos

como antigamente? Não entendo mais nada! Por que nós alunos não queremos nada com a hora do

Brasil. Por que não melhoramos em vez de complicar?

Pedro, ainda, afirma que não há professores e alunos dedicados como

antigamente, e responde ao seu questionamento dizendo que estes, incluindo-se ao

utilizar o pronome nós, não querem “nada com a hora do brasil”.

Optei por trazer os puzzles de Pedro, pois, na sessão de análise, retomarei

os questionamentos que surgiram nessa primeira atividade, em uma conversa

exploratória (cf. Moraes Bezerra, 2007; Ewald, 2015) com o aluno.

Noto, porém, que a maioria dos puzzles dos alunos que emergiram nesta

atividade, apesar de aparecerem em formato de pergunta, surgem como

instanciações de afeto, salientando sua insatisfação e infelicidade em relação ao

espaço escolar e à escola em si. Dessa forma, é possível dizer que, a partir dos

puzzles dos alunos, podemos começar a mapear, discursivamente, as instanciações

de afeto que auxiliam a (des)construir o estigma sobre os alunos do programa

autonomia e sobre a escola pública.

A fim de elucidar o que foi explanado, destaco que os alunos, nas três

primeiras figuras ilustradas, nessa seção, utilizam o espaço físico da escola e seus

professores para se (re)construírem afetivamente, como podemos perceber com os

puzzles da figura 3. A aluna, ao escrever “Por que a maioria dos professores da

1001 tem discriminação com a autonomia?” Por que a maioria dos professores se

acham superiores?” e “Porque na hora do recreio dá suco e no almoço não”,

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expressa, através de suas escolhas lexicais, sua insatisfação em relação ao

contexto em que está inserida e em relação aos professores.

Ao construir seus dois primeiros puzzles, a aluna repete a estrutura “Por

que a maioria”. A carga semântica do termomaiorianos remete à quantidade, além

disso, o uso dessa estrutura sinaliza o sentimento da aluna em relação aos

professores do grupo. Ademais, ao questionar “Por que a maioria dos professores

se acham superiores?”, a aluna reitera o questionamento anterior sobre a possível

discriminação dos professores com os alunos do programa autonomia e instaura

uma dicotomia entre professores e alunos. Ao dizer que eles, os professores, se

acham superiores, na verdade, a aluna indica o seu sentimento de inferioridade e

sua posição e a dos demais colegas, em relação aos primeiros. Dessa forma, os

puzzles supracitados salientam instanciações de sentimentos negativos,

insatisfação.

Os puzzles de Pedro, por sua vez, ressaltam instanciações de insegurança,

o que pode ser percebido ao observarmos a própria estrutura de formação de suas

questões instigantes.

Pedro (cf. figura 5) inicia seus questionamentos com um advérbio de

intensidade tudo,a fim de justificar que, a todo o instante, estamos nos

questionando. Porém, talvez por saber que, ao final da atividade, a folha seria

entregue a mim, ele faz alguns rodeios e não formula suas questões de imediato.

Apenas quando anuncia “agora vem o meu porque”, o aluno parece se sentir mais

confortável e com confiança para dizer o que o aflige.

Contudo, a insegurança inicial de Pedro também expressa sua insatisfação

em relação a seus professores e a ele mesmo (“Por que não existe um professor

dedicado como antigamente?/ Por que não existe alunos como antigamente), se

referindo a um tempo passado “antigamente”, que, no imaginário tanto de

professores como de alunos, sempre é lembrado, em termos escolares, como um

tempo em que os professores eram mais respeitados e os alunos eram mais

responsáveis. Assim, Pedro também nos ajuda a começar a mapear essas

identidades sobre ser aluno e professor na contemporaneidade.

Ao enunciar “Não entendo mais nada!”, o advérbio de negação nada

indica sua insegurança. O processo reflexivo de geração de puzzles requer o

esforço de Pedro que, apesar de ressaltar que não entende mais nada, instancia sua

insatisfação, ao utilizar o pronome pessoal nós incluindo o grupo de alunos e a ele

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mesmo no papel daqueles que “não querem nada com a hora do Brasil” e que “não

fazem nada para melhorar”. Portanto, os questionamentos de Pedro declaram, ao

mesmo tempo, sua insegurança e insatisfação em relação a ele mesmo e à

comunidade de prática a qual está inserido.

Em suma, ao ouvir com cuidado e atentar para as questões que emergiram

da atividade, pude chegar a um primeiro entendimento: não poderia ficar somente

olhando da janela;o meu olhar deveria ir além. Talvez, até aquele momento, eu o

tenha voltado para a sala de aula apenas como pesquisadora, preocupando-me em

entender a qualidade de vida daquele grupo,mas focando em minhas próprias

questões. Portanto, diferente da cronista, que olha para o cotidiano através de suas

lentes e sempre de sua janela, eu precisava sair daquele lugar que me permitia o

estatismo e a contemplação. Eu precisava,sim, atender ao chamado dos alunos,

mesmo que o objetivo não fosse a mudança; mas eu necessitava, também, olhar

para mim.

Depois daquela atividade, confesso que não soube o que fazer, não sabia

qual seria o próximo passo a ser dado nem como começaria novamente alguma

outra atividade. Entrei em conflito.

Apesar de o meu desejo de compreender a qualidade de vida daquele

grupo ter se tornado mais aguçado, não sentia que estava sendo exploratória.

Porém, resolvi que levaria o gravador para todos os encontros com a turma, e,

para minha surpresa, os dados gerados para este trabalho – que se encontram no

capítulo a seguir – surgiram a partir da realização de tarefas em sala de aula (com

o livro didático ou não), de maneira espontânea, a partir da adaptação de alguma

atividade, e considerando cada um de nossos encontros como oportunidades de

aprendizagem e de pesquisa.

4.2. Explorando o jardim: análise dos dados

Neste capítulo apresentarei a análise de conversas exploratórias que

surgiram a partir das atividades com potencial exploratório que desenvolvi junto à

turma 1001. Nesta seção de análise, me debruço sobre a transcrição de nossas

interações, buscando indícios que evidenciem em nossos discursos a qualidade de

vida da turma, assim como o estigma sobre o grupo do autonomia e suas crenças

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que emergem e se sustentam ou não ao longo das interações. Para tanto, me

valerei dos conceitos revisitados na fundamentação teórica deste trabalho (cf. cap.

2) para analisar os excertos que compõem este capítulo.

4.2.1. “a gente tinha que provar pra eles que é diferente”

Os excertos que compõem essa seção são fragmentos de uma interação

com duração de 42”19’ que ocorreu no dia 27 de Março de 2015. Neste dia,

realizava uma atividade no livro didático adotado pela escola. Tal atividade

abordava questões culturais dos países falantes de língua Inglesa e, em uma de

suas atividades, apresentava a seguinte definição para o termo estereótipo17:

Figura 6 - definição de estereótipo apresentada no livro didático adotado pela escola (High UP 1 –

MacMillan – p. 28)

Legenda: stereotype/¹sterie taip/ noun [C] simplistic generalization about a group

Na atividade anterior, havia uma lista de estereótipos sobre o Brasil e os

alunos deveriam dizer se concordavam ou não. Na atividade seguinte, deveriam

relacionar se os estereótipos de uma outra lista se referiam a pessoas

americanasou britânicas.

17Utilizo o termo estereótipo ao longo desta seção de análise de dados tendo em mente a definição

sobre o termo mencionado que aparece no livro didático adotado pela escola para o ensino de

língua inglesa, para as turmas de primeiro ano do Ensino Médio: “A simplistic generalization

about a group” – uma generalização simples sobre um grupo(tradução minha).

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Figura 7 - atividade proposta pelo livro didático após a apresentação do termo estereótipo

Percebi que os alunos estavam interessados em discutir sobre oassunto e vi

naquela atividade a oportunidade de continuar o trabalho para entender, que havia

começado alguns dias antes. Assim, de forma não previamente planejada, escrevi

no quadro a seguinte questão: Vocês acham que a turma 1001 tem um estereótipo?

Esse questionamento levou a turma a pensar sobre essas e outras questões que

serão iluminadas a partir da análise dos trechos a seguir:

Excerto 1 - “[o que eu falei foi] que a autonomia tem estereótipo”

Bianca 1 que foi que ele falou? Iuri 2

3 4 5 6 7

[o que eu falei foi] que a autonomia tem

estereótipo porque quando a gente chega na sala

assim as vezes assim “ah...o pessoal do

autonomia” aí já pensa logo que a gente é idiota

que a gente não sabe ler, não sabe escrever que a

gente é tudo um bando de neandertais Sabrina 8 [↑gente calmaÊ] Evellyn 9

10 11

mas o Iuri, olha só, isso é uma pergunta para

Iuri e pra- para todo mundo. Porque você acha

isso, Iuri? Iuri 12

13 14 15

porque simplesmente pelo fato de entrar dentro da

sala o [professor] já olhar assim “Autonomia -

Autonomia” [aí começa] tipo assim a ficar em cima

do autonomia e esquece dos outros alunos= David 16 [para de falar certo] Raissa 17 [é verdade]

A fala de Iuri salienta o preconceito sofrido pelos alunos do Programa

Autonomia. Ele responde à minha pergunta sobre se a turma tinha um estereótipo

dizendo que o Autonomia, isto é, os alunos oriundos deste programa, tem um

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estereótipo: [O que eu falei foi] que a autonomia tem estereótipo porque quando

a gente chega na sala assim as vezes assim “ah...o pessoal da autonomia (linhas

4-5). Ademais, Iuri se inclui nesse grupo utilizando o termo “a gente”.

Em “ah...o pessoal do autonomia” (linhas 4 – 5), o aluno utiliza uma fala

reportada, uma estratégia que lhe confere mais legitimidade para o que diz, uma

vez que ao utilizar tal recurso, reproduz a fala utilizada em contexto real de

produção. Contudo, Iuri decide não especificar quem pratica essa ação. Em

seguida, do mesmo modo, ele apresenta uma sequência de escolhas em períodos

assertivos para mostrar como o grupo do qual faz parte é visto: aí pensa logo que

a gente é idiota que a gente não sabe ler, não sabe escrever, que a gente é tudo

um bando de neandertais (linhas 5-7).

O aluno chama atenção para o estigma relacionado aos alunos do

Programa Autonomia. Biar (2012, p.51) analisa o conceito de Goffman, segundo

o qual, o estigma está relacionado às “relações sociais, de assimetria, de poder”. É

um atributo sempre negativo, de acordo com as normas da sociedade de

determinada época. Em suas análises, apresenta a definição de Goffman (1988,

p.7) de que o estigmatizado é “aquele que não está habilitado para a aceitação

social plena”. A fala de Iuri, então, apresentaria o tratamento dos alunos do PA

como aqueles identificados pela não-adequação à turma 1001, por carregarem

atributos negativos, como os que “não sabem ler”, “não sabem escrever”.

A partir do que emergiu dessa interação, faz-se necessário salientar o papel

do discurso para a construção e manutenção das identidades que surgem em

nossos encontros face a face. A fala de Iuri começa a nos mostrar como as

identidades coletivas desses alunos são construídas discursivamente e

socialmente. Sobre isso, Duszak (2002), nos alerta que

não há dúvidas de que a linguagem nos dá as mais poderosas ferramentas para

transmitir identidades sociais, para dizer (e fazer) amigos e inimigos. A

construção e o gerenciamento de identidades sociais são feitas por meio do

discurso e, por meio de vários mecanismos e estratégias linguísticas.18

18Minha tradução para a seguinte citação no original “No doubt language gives us most powerful

tools for conveying social identities, for telling (and making) friends and foes. The construction

and the management of social identities are done through discourse and by means of various

linguistic mechanisms and strategies” (Duszak, 2002).

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Dessa forma, Iuri não somente nos revela como a identidade coletiva do

grupo de alunos do PA é construída pelo outro, mas também, como ele constrói a

sua identidade a partir da fala do outro, uma vez que ele faz parte desse grupo.

Duszak (ibid) ainda destaca que, em interação, buscamos sinais de

solidariedade (solidarity) e distanciamento (detachment). Logo, ao utilizar o

pronome pessoal nós de maneira informal (a gente), Iuri se apresenta como

“porta-voz” do grupo, o que evidencia seu pertencimento ao grupo e a

solidariedade em relação aos demais alunos oriundos do PA, pois, sua fala,

também, traz à tona os conflitos/frustrações e o distanciamento em relação a

“eles”: aos professores da turma e aos alunos que terminaram o Ensino

Fundamental no sistema regular.

Na linha 8, a sobreposição da fala de Sabrina à fala de Iuri ocorre para

chamar a atenção para que o aluno pudesse manter o turno e ser ouvido. Desta

forma, a fala ocorre como uma solicitação de silêncio para que ela pudesse ouvir o

que o colega estava falando. Apesar de em turno seguido ao de Iuri, eu anunciar

que farei uma pergunta para o aluno e para seus colegas de turma, pareço solicitar

e esperar como resposta uma explicação, uma justificativa de Iuri ao que foi

exposto por ele, anteriormente, uma vez que inicio o turno com a conjunção

adversativa "mas" - mas o Iuri (linha 9), parecendo não concordar com o que ele

havia dito e, também, endereço a minha fala a ele, ao final do turno, após a

pergunta.

Em seguida, Iuri responde ao meu questionamento: Porque simplesmente

pelo fato de entrar dentro da sala o [professor] já olhar assim “Autonomia -

Autonomia” [aí começa] tipo assim a ficar em cima da autonomia e esquece dos

outros alunos= (linhas 12-15). Mais uma vez, o aluno utiliza uma fala reportada

em relação ao “Autonomia”, entretanto, aqui, é possível saber que essa fala é do

professor, o que nos faz pensar que a fala reportada utilizada por Iuri, no turno

anterior, também se refere aos professores da turma. O aluno a utiliza como

estratégia para dar credibilidade a sua fala, já que serve como um account

(justificativa) que ele encontra para sustentar o piso conversacional e sua ideia,

como é possível observar a partir de suas escolhas: “simplesmente”, “pelo fato”.

Ao fazer uso dessas escolhas, Iuri parece tornar seu enunciado

inquestionável, já que, ao introduzir sua fala com esses termos, o aluno apresenta

como argumento a fala do professor, que, muitas vezes, é considerado como

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aquele que possui legitimidade para falar sobre os assuntos referentes ao contexto

escolar. Assim, ele atribui, discursivamente, aos professores o olhar

estigmatizador em relação aos alunos do Autonomia.

Logo em seguida, o aluno se preocupa em deixar mais claro para seus

interlocutores a sua tese, uma vez que utiliza o marcador "tipo assim" (linha 14)

para articular uma explicação a respeito do que foi dito anteriormente. Além

disso, ao utilizar a expressão metafórica "a ficar em cima" para se referir à

cobrança dos professores em relação aos alunos oriundos do Programa

Autonomia, parece elucidar a distinção entre o tratamento recebido pelos alunos

do PA em relação aos outros alunos, o que é confirmado por Raissa, em turno

sobreposto ao de Iuri ("é verdade" – linha 17).

Excerto 2 – “é porque com eles foi diferente gente sei lá” Evellyn 18 =mas já aconteceu alguma coisa que:: Iuri 19 já= Fábio 20 =heleno= Hanna 21 =é porque com eles foi diferente gente sei lá Sabrina 22

23 ficar falando que não vai fazer o exercício e

ficar dormindo não dá não Flávia 24 é Sabrina 25 é se ele [falar isso (que você tá dormindo)]= Iuri 26

27 28 29 30 31

[mas ele não pode falar que nós somos] idiotas

porque cara a gente pelo fato de já ter passado

[pelo autonomia] [a gente prova que tem um

intelecto bom cara] a gente fez várias séries em

menos de- menos de- [menos de três anos] –fizemos

em [dois anos]

A fim de saber mais sobre o assunto, tento provocar através de minha fala

“mas já aconteceu alguma coisa” (linha 18) que os alunos, nos turnos seguintes,

iniciem uma narrativa que exemplifique o relato de Iuri.

Creio que esta postura deva-se a minha formação enquanto pesquisadora,

já que, em outras oportunidades de pesquisa, me vali dos Estudos de Narrativa

para guiar o meu olhar para a análise dos dados. Noto, assim, a relevância das

diferentes comunidades de prática às quais me inseri ao longo da minha trajetória

acadêmica, já que foi a partir das experiências e vivências que construí

significados sobre o que era pesquisar e sobre as minhas expectativas como

professora-pesquisadora.

No entanto, mesmo alinhada aos princípios da Prática Exploratória e

entendendo que as pesquisas que se realizam a partir deste posicionamento

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teórico-metodológico costumam seguir uma agenda de pesquisa negociada entre

os praticantes em seus contextos, pareço, aqui, tentar controlar/guiar a interação.

Após a pronta resposta de Iuri – Já – (linha 19), Fábio, também ex-aluno

do PA, cita o nome de um dos professores da turma. Dessa forma, é possível

deduzir que eles acreditam que esse é um dos professores que estigmatizam esse

grupo de alunos.

A fala de Hanna (linha 21), que terminou o Ensino Fundamental no

Sistema Regular, nos mostra que a aluna percebe que o processo com o outro

grupo de alunos – “eles”- foi diferente. Sabrina, por sua vez, utiliza o turno

seguinte para expor uma atitude de Iuri, o fato de ele dizer que não fará os

exercícios e ficar dormindo, com a qual ela parece não concordar:não dá não

(linha 23). Flávia, no turno seguinte, concorda com a colega de turma (linha 24).

Em turno sobreposto ao de Sabrina que, mais uma vez, provoca Iuri (linha

25), o aluno argumentaque isso não justificaria a atitude dos professores. Ele

utiliza como argumento o fato de os alunos terem feito várias séries em menos de

dois anos, o que “provaria” que eles têm um intelecto bom (linha 29). Noto, mais

uma vez, a utilização do pronome “nós” (linha 26) para se referir aos alunos do

PA e não aos alunos da turma como um todo. Pode-se perceber, então, que, ao

utilizar uma micronarrativa para defender os alunos do grupo estigmatizado,do

qual faz parte, Iuri mantém a divisão de posicionamentos e ideias: “eles” de um

lado e “nós” do outro.

Biar (2012) apresenta as análises de Goffman, segundo as quais o

indivíduo estigmatizado não fica isolado. Quando é possível, quando o atributo do

estigma não é visível, o indivíduo tenta encobri-lo ou neutralizá-lo, tentando

sempre se enquadrar às normas sociais.

Ao utilizar a frase a gente prova que tem um intelecto bom cara (linha 28-

29), Iuri tenta se alinhar ao grupo de alunos que não sofre estigma, o que aparece

como uma estratégia de evitação, pois, dessa forma, tenta seguir a mesma linha de

conduta adotada por ele, no excerto anterior. Ressalto, aqui, que tal estratégia já

havia sido utilizada pelo aluno, quando o mesmo prefere utilizar expressões vagas

para se referir aos professores que tratam o grupo de alunos do PA de forma

diferente – a gente chega na sala assim às vezes “ah, o pessoal do autonomia”.

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Na tentativa de fazer com que Iuri olhe para si, algumas alunas que

terminaram o Ensino Fundamental no sistema regular apresentam mais facilidade

em problematizar as atitudes dos professoresrelatadas pelos alunos da turma.

Excerto 3 – “todo mundo aqui consegue” Evellyn 32 [GENTE olha só] Hanna 33

34 35 36

[não mas olha só mas não é isso não porque::]

[mas oh olha só] Ô Iuri mas Flávia era do

autonomia e Flávia é totalmente diferente [das

outras pessoas]= David 37 =[mas nem todo mundo é igual cara] Iuri 38

39 todo mundo aqui consegue mas o professor [já

entra na sala]= Flávia 39

40 41 42 43

=[não não mas agora] eu vou falar, vou falar

porque quando eu falo o bagulho fica- mas você

sabe por que pensam que é diferente? por que você

abre o caderno quando o professor [tá

explicando]?= Alunos 44

45 [é::] ((a maioria dos alunos concorda com a fala

de Flávia em coro)) Flávia 46 = você copia [a matéria, Iuri?] Hanna 47 [que nem] -que nem na aula [de –de Português] Flávia 48 [é cara e professora de Biologia cara]=

Iuri 49 [eu copiei a matéria] eu só não sei Flávia 50

51 50 51 52 53

=eu tava do lado dela e ela disse “chama Iuri

para fazer a recuperação”. “não quero” (.) “por

quê?” “vou ficar de dependência mesmo” ((após a

fala de Flávia os alunos começam a falar ao mesmo

tempo e fica difícil transcrever este momento))

pois é, aí você vê. você não copia a matéria Iuri 54 mas isso não justifica cara Flávia 55 a:::-h eu acho que isso justifica sim= Evellyn 56 mas olha só já= Bruna 57 =não copia a matéria=

Aumento a voz buscando a atenção do grupo (linha 32). As sobreposições

de turno aparecem, no excerto a seguir, como tentativa de conquistar o piso

conversacional, para que, assim, quem o conseguisse, pudesse colocar o seu ponto

de vista. Mais uma vez, tento expor a minha opinião, mas não tenho sucesso.

Eu tento recuperar o turno, mas o debate continua. Hanna, não

concordando com a fala de Iuri, que parece o tempo todo atribuir a

responsabilidade sobre o estigma do grupo Autonomia aos professores, lembra ao

colega que Flávia era aluna do Autonomia e era diferente das outras pessoas

(linhas 33 a 36). Dessa forma, Hanna utiliza o termo diferente de maneira

apreciativa, destacando Flávia do grupo de alunos do Programa Autonomia.

Porém, mesmo sem utilizar os pronomes nós e eles, ao salientar a diferença de

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Flávia em relação aos demais colegas oriundos do PA, Hanna ajuda a manter o

estigma sobre aqueles alunos e ameaça a face de Iuri.

No turno seguinte, Iuri parece discordar de Hanna, salientando que todos

os alunos conseguem obter bons resultados: todo mundo aqui consegue (linha 38),

na tentativa de desconstruir o estigma e, mais uma vez, desvinculá-lo das ações

dos alunos eatribuí-lo à ação dos professores, como é possível observar a partir da

utilização da conjunção adversativa mas–mas o professor já entra na sala(linha

39). Além disso, realiza sua escolha na tentativa de salvar a sua face, isto é, a

linha que vem tentando manter desde o início de nossa conversa, buscando

também a evitação do confronto.

No entanto, após sobrepor o turno de Iuri, dizendo: mas agora euvou falar

porque quando eu falo o bagulho fica (linha 39-40), percebo que Flávia não faz

isso na tentativa de proteger ou defender os amigos do antigo grupo ao qual

pertencia: o grupo de alunos do PA.

Os turnos de Flávia aparecem ao longo desse excerto, também, para mostrar,

para seus demais colegas e para mim, que Iuri estava na face errada19, e para

sustentar, discursivamente, a imagem que Hanna construiu da amiga, em turno

anterior – Flávia é totalmente diferente [das outras pessoas]= (linha 35-36).

Ao indagar diretamente o aluno sobre o porquê as pessoas pensam que é

diferente - Por que você (Iuri) abre o caderno quando o professor tá explicando?

(linha 41-43); =você copia [a matéria, Iuri?] (linha 46), Flávia se constrói como a

aluna que abre o caderno e é diferente de Iuri, que não faz isso, como salientam

seus colegas, ao concordarem em coro com o que é dito por ela (linha 44).

Flávia, além de falar com legitimidade, uma vez que fez parte do mesmo

grupo de alunos que Iuri, expressa seus sentimentos com confiança e segurança, o

que geralmente ocorre quando “uma pessoa sente que está em face” (cf. Goffman,

1955), já que “sente que pode manter sua cabeça erguida e apresentar-se

abertamente para os outros.” (cf. Goffman, 1955). Logo, seus questionamentos

parecem surgir em uma tentativa de mostrar para Iuri que ela é diferente por conta

de seu esforço individual, o que faltaria ao colega.

19Segundo Goffman (1955): “Pode-se dizer que uma pessoa está na face errada quando, de algum

modo, surge uma informação acerca do seu valor social que não pode ser integrada, mesmo com

esforço, à linha que está sendo sustentada para ela.”.

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Hanna, concordando com a colega, apresenta um exemplo, mencionando a

aula de Português (linha 47), porém sem contar o que ocorreu. Em seguida, Flávia

cita a professora de Biologia e, ao retomar o turno, após Iuri dizer que copiou a

matéria, só não sabia (linha 49), mais uma vez tentando salvar a sua face, ela

reportaas falas do colega e da professora, para exemplificar a falta de esforço

daquele, que rejeita a proposta da professora de Biologia em fazer a recuperação.

Assim, Hanna e Flávia coconstroem discursivamente a identidade de suas

professoras como aquelas que ajudam os alunos, imagem contrária à que vinha

sendo construída ao longo da interação, por Iuri. Ainda assim, o aluno parece não

concordar com as colegas (linha 54), pois, para ele, independentemente de suas

atitudes, os professores não poderiam tratar o grupo de alunos de maneira

diferente. Mesmo após o debate, no qual as alunas tentam mostrar para Iuri que

suas atitudes como aluno não o ajudam, ele permanece voltando seu olhar para o

tratamento que diz receber dos professores, e não para si mesmo.

As falas desse excerto me remetem ao que Goffman (1955) ressalta em seu

texto sobre o uso agressivo da elaboração facial. Acerca disso, Magalhães (2013

p.45) salienta que:

[...] um evento comunicativo pode tornar-se não uma cena de consideração mútua

das faces20, mas uma competição cujo objetivo é marcar o maior número de pontos

contra o adversário e fazer o maior número de pontos para si mesmo. Tal situação

pode ocorrer quando um dos participantes da interação faz menção a fatos

lisonjeiros sobre si mesmo e a fatos desfavoráveis sobre os outros. Este caso é um

exemplo de interação agressiva, onde o vencedor demonstra que consegue lidar

consigo mesmo melhor que seus adversários.

Nesse sentido, diferentemente de Iuri, que utiliza como estratégia a

evitação, Hanna e Flávia parecem elucidar as atitudes do aluno, valendo-se de um

processo corretivo21. Dessa forma, elas parecem desafiar o aluno para que a sua

conduta desviada torne-se aparente.

Excerto 4 - “a gente tinha que provar pra eles que é diferente

David 58 =corta esse cabelo sansão= Evellyn 59 =Olha SÓ - ↑parou – GENTE OLHA SÓ. Ô Iuri, tá

20Destaque feito pela autora. 21 Diz respeito ao processo de elaboração de face, em que “os participantes tendem a dar à ameaça

ocorrida o status de incidente, para ratificá-la como uma ameaça que merece atenção direta, e

tentar corrigir seus efeitos.” (MAGALHÃES, 2013, p.45).

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60 61

falando isso porquê? Já aconteceu alguma situação

que você se sentiu assim= Iuri 62

63 64 65 66 67 68

=já. porque até a própria professora de Português

às vezes trata a gente como se a gente fosse-

isso não é desculpa para evadir o que eu tô

querendo falar mas isso não justifica porque é:::

a professora às vezes tá ali na frente aí ela

deixa às vezes de atender o que Pedro fala

achando que ele tá de deboche com a cara dela Flávia 69

70 71 72

não, mas sabe qual é o problema, já que o pessoal

tem tanto preconceito com a gente tinha que

provar para eles que é diferente. você vai provar

assim com o caderno fechado? Sabrina 73

74 ↑verdade ((alunos começam a falar ao mesmo tempo

sobre o assunto)) Iuri 75

76 eu vou ficar escrevendo um negócio que eu sei que

não vou conseguir concluir?

David, entendendo a interação a partir do enquadre22debate, afilia-se às

opiniões compartilhadas pelas colegas, e, em tom de brincadeira e ironia, parece

solicitar o silêncio de Iuri, uma vez que, após a fala de Hanna e Flávia, o aluno

parece não ter argumentos.

Em turno contíguo ao de David, por perceber que houve mudança no

enquadre inicial de nosso encontro, me coloco como mediadora desse debate e

chamo a atenção dos alunos: Olha SÓ -↑parou – GENTE OLHA SÓ(linha 59), na

tentativa de voltarmos para o enquadre conversa. Porém, ao analisar os meus

turnos ao longo da interação com os alunos, percebo que as minhas falas

assemelham-se mais ao que é esperado no enquadre entrevista, posto que meus

turnos, mesmo que sejam curtos, até o momento, são formados sempre por

perguntas direcionadas aos alunos.

Com a minha fala, convido o aluno a iniciar uma sequência explicativa,

para que todos compreendam quais situações vivenciadas em sala de aula

legitimam o seu posicionamento. O aluno responde prontamente já (linha 62).

Após uma pequena pausa que salienta, mais uma vez, a hesitação de Iuri, o

aluno apresenta uma situação na qual se sentiu desmerecido como ex-aluno do

Autonomia. Em porqueaté a própria professora de Português (linhas 62-63), a

construção “até a própria professora de português” enfatiza que mesmo uma

professora com a qual o aluno se identifica já apresentou uma atitude negativa em

relação aos alunos oriundos do PA. No mesmo turno, em –isso não é desculpa

22 O enquadre ou frame, conforme Bateson ([1972] 2013) é “um conjunto de instruções para que

o/a ouvinte possa entender uma dada mensagem”.

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para evadir o que tô querendo falar(linhas 64-65), Iuri parece reconhecer que a

própria explicação pode não ser suficiente, mas coloca-se de forma modalizada,

enquanto apresenta seu argumento na tentativa de ter sua fala validada.

A escolha de Iuri em proferir tal enunciado aparece como uma tentativa de

salvar sua face positiva de possíveis críticas e reprovações. Aqui, apesar de não

me ater, ao longo da fundamentação teórica desta dissertação, às proposições de

Brown e Levinson (1987) acerca da teoria de polidez, percebo que a fala de Iuri

parece servir de exemplo para o que os autores destacam como sendo uma das

quatro categorias de atos ameaçadores de face. Destaco que a escolha do aluno

pode ser entendida como um ato ameaçador de sua face positiva, uma vez que se

apresenta como uma autocrítica, como um pedido de desculpas antecipado para

seus interlocutores.

Ao iniciar seu turno com a pergunta retórica - mas sabe qual é o problema

(linha 69), Flávia apresenta uma nova linha de análise, segundo a qual os ex-

alunos do PA deveriam mudar as atitudes para não sofrer preconceito. Dessa

forma, após o embate inicial, agora, Flávia parece seguir o que Goffman propõe

como o segundo movimento do processo corretivo de elaboração da face. A aluna

ouve o colega, mas ressalta a necessidade de provar para eles que é diferente: a

gente tinha que provar para eles que é diferente. (linhas 70-71).

O pronome eles volta a aparecer, dessa vez, proferido, pela aluna, para se

referir aos professores, assim como fez Iuri, nos primeiros turnos. Porém, apesar

dessa possível aproximação, Flávia conclui sua fala com outra pergunta retórica,

uma vez que não tem dúvida da resposta. Iuri, por sua vez, a responde com uma

nova pergunta, manifestando sua dificuldade e assumindo não ser capaz de mudar

sua situação sem ajuda.

Iuri manifesta sua infelicidade e insatisfação em relação à professora de

Português, que é ‘aquela que acha que Pedro fica de deboche com a cara dela’, e

utiliza isso como justificativa para suas atitudes enquanto aluno que não copia a

matéria. A atitude do aluno pode ser justificada, também, se lembrarmos de que a

sala de aula deve ser compreendida a partir do tripé social, afetivo e pedagógico.

Ao salientar sua insatisfação, Iuri destaca a instabilidade e o desequilíbrio

presentes nesta sala de aula e parece reconhecer que apenas o pedagógico, já que a

professora passa a matéria e ele não copia, não seja o suficiente para que ele

alcance sucesso em sua vida estudantil.

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Ainda durante nossa conversa sobre se a turma investigada tinha ou não

estereótipo, os alunos relembram o primeiro dia de aula. A análise do excerto, a

seguir, se torna relevante, neste trabalho, uma vez que, ao relembrarmos como

aconteceu o primeiro encontro entre os alunos,Adriana mostra discursivamente

que, desde o primeiro encontro,os confrontos já eram evidentes.

Excerto 5 – O primeiro dia de aula foi assim

Adriana 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19

[peraí] gente –peraí. primeiro dia de aula foi

assim, a gente foi lá embaixo a gente tipo tinha

um grupinho ano passado eu, Hanna e meus amigos,

aí só vimos que eu e Hanna estávamos em uma

turma separada que era a deles, aí eu e Hanna

falou assim não-não vou ficar nessa turma porque

eu não conheço ninguém” ela entrou na sala e

falou “eu não gosto do autonomia” eu “Hanna não

fala assim vai pegar –é:: as garotas –as garotas

não vão gostar de você porque você falou isso”

mas foi isso Hanna chegou na sala e só falou “eu

não gosto do autonomia” e tinha um monte de

garota lá atrás eu acho que tava::você a tava no

dia não tava? tava essa menina ((alunos começam

a falar)) aí foi isso né gente ↑tipo eu também

não queria ficar nessa sala ((alguém pede

silêncio))- eu também não queria ficar nessa

sala mas POR MEDO eu não falei, eu botei minha

mochila e saí hhhhhh eu levantei e saí

Evellyn 20 medo de quê?

Adriana 21 eu sei lá vai que:: eu levantei e saí

Ao falar sobre o primeiro dia de aula, Adriana deixa evidente uma

separação existente na turma: os alunos que estudavam juntos no nono ano e a

turma do Programa Autonomia. Essa divisão pode ser notada pelo uso de

vocábulos como “a gente” (linhas 1-3) e “meus” - Hanna e meus amigos(linha 3),

em sua narrativa que não segue o molde canônico estabelecidos por Labov.

Para recontar o que ocorreu no primeiro dia de aula, Adriana pede atenção

de todos e anuncia o assunto (linhas 1-2). Porém, cabe ressaltar que o assunto não

é ponto dessa narrativa. A aluna decide narrar o primeiro dia de aula, porém, o

motivo pelo qual ela decide relembrar esse fato consiste em justificar o seu

distanciamento e o de seus colegas dos alunos oriundos do programa autonomia, o

que ocorre a partir da linha 2. Em uma narrativa que intercala sessões de

orientação, que auxiliam o leitor/ouvinte a compreender em que espaço e quem

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eram os envolvidos naquela situação, e avaliações encaixadas, utilizando fala

reportada para conferir maior legitimidade ao que é dito, a aluna também revela

seus sentimentos e emoções sobre esse dia, já que, na sentença avaliativa POR

MEDO (linha 18), ela, enfim, chega ao ponto de sua história, evidenciando, assim,

que o afeto negativo que sentia em relação aos alunos do Programa Autonomia a

fez tomar tal atitude – “eu não falei, eu botei minha mochila e saí” (linhas 18-19).

Além de filiar-se a um grupo, Adriana se distancia dos outros alunos, ao

afirmar que o seu grupo de amigos foi separado e que Hanna e ela ficaram na

turma que era a deles, dos alunos do PA. Nesse excerto, o pronome elesé utilizado

para se referir aos alunos do PA. Assim, Adriana reforça que não deveria ficar

naquela turma, já que não pertencia àquele grupo.

Essa dualidade/ rivalidade entre nós x eles fica evidente na sequência de

falas relatadas – não-não vou ficar nessa turma porque eu não conheço

ninguém(linhas 6 – 7) ; eu não gosto do autonomia (linhas 7-8); Hanna não fala

assim vai pegar –é:: as garotas –as garotas não vão gostar de você porque você

falou isso (linhas 9-11).

O distanciamento de Adriana em relação ao outro grupo de alunos

também é marcado pela utilização de verbos na primeira pessoa do plural (nós):

estávamos (linha 4), vimos (linha 4). Dessa forma, salienta a proximidade em

relação ao grupo no qual se inclui, os alunos que terminaram o Ensino

Fundamental no sistema regular e que agora estão na turma deles: os alunos do

PA.

Esse afastamento também fica evidente quando a aluna (linha 12) se refere

a um grupo de alunos que estavam sentados no final da sala como as garotas,

semelhante ao que ocorreria se ela utilizasse o pronome pessoal elas. Por

conseguinte, Adriana também se exclui desse grupo de alunas, o que nos leva a

crer que “as garotas” que não iriam gostar do que Hanna havia dito eram as alunas

do PA.

Em seguida, a aluna revela que, assim como Hanna, não queria ficar nessa

sala (linhas 16-17) e que,POR MEDO(linha 17), não agiu como a amiga e,

simplesmente, saiu. Ao considerar que Adriana tem como ouvintes seus colegas

de turma e eu, ela expõe a amiga, Hanna, e protege sua própria face, uma vez que,

apesar de declarar discursivamente pertencimento ao mesmo grupo de amigos, por

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agir de forma diferente, a aluna reforça como sua atitude ocorreu na tentativa de

evitar conflitos.

4.2.2. “agora é super diferente”

No dia 08 de julho, final do primeiro semestre letivo do ano de 2015, eu

estava na sala de aula da turma 1002 fechando notas e preenchendo o meu diário,

quando Pedro, um dos alunos da turma 1001 se oferece para me ajudar, pois

estava em um horário vago, sem aulas. Coincidentemente, eu estava lançando as

notas da turma 1001 no diário e me lembrei da prova de Pedro, que havia

chamado bastante a minha atenção durante a correção.

Ao longo daquele semestre havia desenvolvido algumas sessões de

reflexão sobre a vida na escola com a turma dele, como já foi dito anteriormente;

por isso, no momento em que precisei elaborar a prova das minhas turmas para

aquele final de semestre, decidi que colocaria, no final, uma questão que

promovesse reflexão, até mesmo para que eles tivessem, dentro de uma avaliação

formal, um espaço para que pensassem sobre nossas vidas. Dessa forma, escolhi

uma tirinha da Mafalda e pedi para que tentassem relacionar a tirinha com o que

viviam na escola. As provas não foram apenas aplicadas para a 1001, mas também

para as outras quatro turmas de primeiro ano da escola, das quais eu também era

professora. Tomei essa decisão, pois, ao longo do processo de busca por

entendimento junto à 1001, fui percebendo que não poderia me questionar sobre a

minha prática profissional se não olhasse e não me atentasse para os outros

espaços em que eu atuava. Assim, foi a partir do compartilhamento de ideias sobre

uma das questões da prova e a resposta dada por Pedro a ela (cf. ANEXO II) que

surgiu a conversa cujos excertos encontram-se, a seguir:

Excerto 6 - “agora entram professores, saem professores” Evellyn 1

2 3 4 5 6 7 8

eu achei legal isso aqui que eu estava lendo em

casa na hora que eu fui corrigir é::: esse

exercício sobre a tirinha aí eu achei legal que

você e o Cleiton fizeram separado né? ele colocou

que a melhor arma são palavras foi bem legal mas

eu fiquei curiosa com isso que você escreveu aqui

por que que você relacionou é::: o que tá na

tirinha com = Pedro 9

10 =é porque eu assim é muito diferente é porque a

gente estava no autonomia e agora eu comecei a vir

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91

11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26

27 28

para o primeiro ano agora que no autonomia a gente

via vídeo é televisão e tudo complicava aí chegou

no primeiro ano é super diferente porque é::

diferente porque a gente aprendia as coisas com as

pessoas explicando na televisão aí chego chega

aqui no primeiro ano é tudo diferente sai

professores e entram professores e vai complicando

mais, entendeu? é -bé sei lá é diferente não é tão

ruim nem tão bom mas é diferente é:: então isso os

professores tem professores que conseguem entender

e tem professores que também não conseguem

entender que tem aluno que ainda por si ainda

poderia até ter mesmo uma ajuda pra poder

conseguir mas tem professores que não enxergam que

o aluno tem dificuldade que tem aluno que tem

facilidade de aprender e tem outros também que não

tem eles tem gente que sei lá não sei explicar

muito essas coisas

Assim que inicio a conversa com Pedro, revelo como me senti ao corrigir a

prova que o aluno havia feito com o colega de turma, Cleber (eu achei legal –

linha 1; eu achei legal – linha 3; eu fiquei curiosa – linha 6). Em minha fala dou

destaque à resposta de Cleber (linhas 4-5) e começo a questionar Pedro, ao dizer

que fiquei curiosa para saber sobre a relação que ele havia feito entre a tirinha e a

situação que viveu dentro da escola.

Eu esperava que Pedro fosse mencionar ou até mesmo narrar a situação

que relatou na prova utilizando o turno seguinte ao meu, já que rapidamente se

engajou na interação, porém, Pedro começa uma longa sessão de reflexão sobre

como é diferente agora que é aluno do ensino regular, em comparação ao que

vivenciou enquanto ex-aluno do programa Autonomia. Essa reflexão permeará

toda a nossa conversa, logo, preferi dividir nossa interação em excertos, apesar de

eles terem acontecido em um mesmo encontro, para poder organizar melhor a

análise e para que possa olhar para as minúcias de nosso evento.

No primeiro turno de Pedro, observo que a resposta do aluno não segue o

meu questionamento, isto é, parecemos estar em enquadres diferentes. Talvez,

isso se deva ao fato de nos posicionarmos, normalmente, de forma assimétrica em

sala de aula: eu, a professora, e ele, o aluno.

No início de sua fala, Pedro dá ao seu turno um tom de justificativa à sua

resposta na prova – é porque eu assim é muito diferente (linha 9), se referindo à

diferença entre o sistema regular e o programa Autonomia. Ao longo do turno,

Pedro utiliza o adjetivo diferente para falar de dois momentos distintos: presente

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e passado. Isso pode ser notado quando o aluno utiliza intensificadores para

mencionar o quão diferente tem sido essa transição para o sistema de ensino

regular (muito diferente– linha 1;super diferente – linha 13; tudo diferente –

linha 16).

Pedro reforça que agora é muito diferente, pois quando era aluno do

autonomia, ele e os demais alunos do programa assistiam a vídeos na televisão e

tudo complicava (linha 12), porque eles aprendiam as coisas com as pessoas

explicando na televisão (linhas 14-15). Percebo que Pedro parece reconhecer que

essas pessoas que explicavam as coisas na televisão, não eram professores e como

estavam na televisão, existia um distanciamento entre elas e os alunos do

programa, o que fazia com que tudo complicasse.

Porém, Pedro salienta que agora é tudo diferente (linha 16). Para minha

surpresa, agora que estão no ensino regular e têm professores para todas as

disciplinas, Pedro ressalta que é tudo diferente, sai professores e entram

professores e vai complicando (linhas 16-17). Assim, percebo que, para o aluno, o

distanciamento que existia entre a televisão e as pessoas que transmitiam os

conteúdos através dos vídeos que ele e seus colegas assistiam, ainda permanece no

ensino regular em relação aos seus professores. Contudo, este distanciamento é

sentido, pelo aluno, de maneira significativa, uma vez que vai complicando mais

(linha 17-18).

A fala de Pedro apresenta a estrutura de uma crônica, isto é, apresenta uma

sequência de eventos encadeados temporalmente, contudo, sem alguns elementos

da narrativa tradicional laboviana, como o resumo, por exemplo. Porém, a crônica

gerada em interação com Pedro é formada por avaliações, durante todo o nosso

encontro. Além disso, noto que o aluno expressa seus sentimentos em relação à

mudança do Programa Autonomia para o ensino regular lexicalizando seus

sentimentos em gradação. Logo, ao dizer que agora que está no primeiro ano “é

muito diferente” (linha 9), o advérbio de intensidade muito expressa um grau de

intensidade baixo em relação à “é super diferente” (linha 13), que, por sua vez,

denota um grau de intensidade médio em relação ao grau alto “é tudo diferente”

(linha 16), todos eles escolhidos por Pedro para expressar como se sentia naquele

novo contexto.

Como professora desse grupo de alunos, a fala de Pedro me surpreende,

uma vez que, seguindo a maneira como acredito que seja o processo de ensino-

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aprendizagem, professores e alunos deveriam trabalhar em conjunto para que o

aprendizado ocorra de forma prazerosa, através da troca de experiências e saberes.

Logo, para mim, o sistema regular, por proporcionar essa troca e esse contato

entre professores e alunos, seria melhor para os alunos que estavam chegando do

programa autonomia, pois os professores poderiam compreender suas angústias,

dificuldades e dúvidas. Segundo Pedro, não é tão ruim nem tão bom mas é

diferente (linha 18-19).

Todavia, Pedro continua a falar apontando, em seu turno, o papel dos

professores nesse novo contexto (linhas 20 – 27), destacando que há professores

que entendem e professores que não entendem que existem alunos que não

conseguem aprender sozinhos, alunos que precisam de ajuda. Dessa forma, apesar

de ter apontado inicialmente o distanciamento dos professores que entram e saem

da sala de aula, Pedro reconhece a importância dos professores na mediação do

processo de ensino-aprendizagem. Cabe salientar que Pedro estava conversando

comigo, professora desta turma, e por isso, talvez, demonstre mais cautela ao falar

sobre os professores, como pude perceber a partir de expressões vagas nas linhas

26 e 27 (“sei lá, não sei explicar muito essas coisas”).

Pedro, assim como seu colega Iuri, se vale do processo de evitação para

prevenir ameaças à própria face. O primeiro movimento ocorre quando o aluno

parece entender a minha pergunta como uma possível ameaça.

Noto a minha tentativa em não tornar aquele momento ameaçador, posto

que em meu turno apresento grande hesitação – alongamento da vogal e (é:::)

(linha7) uma vez que não faço imediatamente a pergunta para o aluno. No

entanto, a minha pergunta se refere a uma avaliação feita por Pedro e Cleber.

Logo, também reconheço que ao questioná-lo sobre uma resposta dada em uma

prova, apesar dos meus rodeios, clamo pela participação do aluno. Ademais, por

se tratar de uma prova bimestral, admito que meu questionamento poderia deixar

o aluno inseguro, já que para muitos alunos, a avaliação formal é um instrumento

que não costuma admitir mais de uma resposta. Normalmente, espera-se o certo

ou o errado.

Pedro, porém, prefere não me responder e dá um novo rumo para nossa

conversa. Em um turno composto por enunciados truncados e vagos, busca se

esquivar de qualquer assunto que possa interferir na construção favorável de sua

imagem – sei lá é diferente não é tão ruim nem tão bom mas é diferente (linha 19

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- 20); tem professores que conseguem entender e professores que não conseguem

entender que tem alunos que ainda por si ainda poderia até ter mesmo uma ajuda

pra poder conseguir(linhas 20-24); mas tem professores que não enxergam que o

aluno tem dificuldade que tem aluno que tem facilidade de aprender e tem outros

também que não tem eles tem gente que sei lá não sei explicar muito essas coisas.

(linhas 24-28).

Ainda que utilize algumas estratégias de evitação para salvaguardar sua

face, Pedro se constrói em interação como um aluno que tem dificuldade.

Nossa interação continua e eu busco entender melhor o que Pedro estava

tentando me mostrar ao decidir não falar sobre sua resposta à questão da prova e

dedicar-se a tornar público como estava sentindo a transição para o Ensino Médio

regular.

Excerto 7 -“você não acha também que os alunos não colaboram?”

Evellyn 29

30 31 32 33 34 35 36 37 38 39

hhhhh não é legal a gente pensar só que eu fiquei

pensando sabe no que é:: eu tava vendo, né? eu

elogiei vocês no semestre passado porque eu achei

que é: a turma entregou bastante trabalhos nesse

semestre no último bimestre mas nesse bimestre

pouca gente entregou trabalho aí eu achei assim

poxa será que eles também não estão se

entregando, sabe? já que vocês falam falaram

muito daquele negócio de preconceito de que acha

que os professores tem preconceito mas será que

vocês também não tão deixando? Pedro 40

41 42

é é porque eu eu mesmo percebo que a turma tá::

deixando de sei lá desacreditando porque os

estudos não estão como antigamente Evellyn 43 por que? Pedro 44

45 46 47 48 49 50 51 52

porque tem professores que se interessam existe

não vou falar que não existe tem professores que

se interessam ao ensinar e tem professores que não

se interessam entendeu. “Ah lá, não sabe? Já

expliquei então você faz” aí fica por isso mesmo.

os alunos não deixa de acreditar. professor-a

gente pede para ir para sala dos professores, os

professores já se alteram e já tem outros

professores que explicam direito enten[deu] e=

Inicio meu turno através de um período marcado porhesitações – hhhh

não é legal a gente pensar só que eu fiquei pensando sabe no que é:: eu tava

vendo né(linhas 29-30) – para iniciar, de forma polida, uma problematização do

papel do aluno, no diálogo antes focado no questionamento das atitudes dos

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professores. Além disso, procuro me alinhar aos novos contornos que a conversa

tomou.

O uso da interjeição poxa indica o meu espanto com a colocação do aluno

que, assim como Iuri, parece responsabilizar seus professores, já que são eles que

não entendem que alguns alunos têm ou não dificuldade. Essa interjeição também

introduz o meu próximo questionamento – poxa será que eles também não estão

se entregando, sabe? – que me aproxima emocionalmente do aluno, salientando a

minha preocupação com o processo de ensino-aprendizagem, com o objetivo de

levá-lo a uma reflexão ainda maior sobre as questões que ele tentou apontar

anteriormente.

Após chamar atenção para o preconceito que os alunos dizem sofrer (linha

37), pergunto: mas será que vocês também não tão deixando?(linhas 38-39),

deixando elíptico o pensamento “a desejar” ou “de fazer a parte de vocês”,

sustentando a minha face de professora que se preocupa com os alunos, e na

tentativa de evitar o conflito e ressaltar a assimetria entre alunos e professores.

Pedro, então, escolhe o verbo desacreditarem a turma tá:: deixando de sei lá

desacreditando(linha 40-41) para se referir ao sentimento da turma, naquele

momento, e logo volta a focar seu discurso no comportamento dos professores.

Para problematizar o interesse de alguns professores em ensinar, Pedro,

primeiro, tenta defender sua linha de conduta denunciando que alguns professores

têm interesse, mas o aluno faz isso de forma hesitante: porque tem professores

que se interessam existe não vou falar que não existe tem professores que se

interessam ao ensinar e tem professores que não se interessam entendeu. (linhas

44 a 47). Pedro busca a minha concordância e confere se estou seguindo a sua

linha de pensamento com o emprego do termo entendeu no final do período.

Na sequência, ele reporta a fala de um professor para sustentar seu

argumento de que alguns não se interessam pelo processo de aprendizagem dos

alunos: Ah lá, não sabe? Já expliquei então você faz (linhas 47-48). A utilização

da expressão popular aí fica por isso mesmo(linha 48) sugere que cabe à

consciência e ao interesse do professor explicar novamente ou não. Logo, Pedro

talvez queira ressaltar que não há nenhuma forma de punição para o professor

desinteressado.

Para finalizar seu turno, Pedro repete o mesmo modelo de interação e

transmite a sua opinião de forma implícita: os alunos não deixa de

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acreditar[sic](linha 49). Por isso, o possível “desacreditar” do aluno seria

consequência das atitudes de um grupo de professores. Ao mesmo tempo, tenta

ser polido, ao deixar claro que nem todos os professores agem da mesma maneira,

direcionando a sua fala a mim: professor-a a gente pede para ir para sala dos

professores, os professores já se alteram e já tem outros professores que explicam

direito enten[deu] e= (linhas 49-52). Mais uma vez, percebo a preocupação de

Pedro em confirmar se estamos sob um mesmo enquadre.

Excerto 8 - “Eu não chego aqui e se entrego também” Evellyn 53

54 55 56 57 58 59 60 61 62 63

=[mas]então mas às vezes eu fico pensando assim

nos estudos –os estudos mudaram mas por que agora

os professores estão assim diferentes ou fecha

essa porta aí para mim Peterson, tá muito barulho.

((Pedro fecha a porta)) –é –não –deixa assim

encostada. Nossa, mas aí::: você falou desse

negócio do professor você tava dizendo que os

estudos tá diferente porque o professor você

procura os professores na sala dos professores

eles não ajudam uns ajudam você não acha também

que os alunos não colaboram? Pedro 64

65 66 67 68 69 70 71 72 73 74 75 76 77 78 79 80 81 82 83 84 85

tem alunos que –que fica desinteressado, têm

bastante. Eu –eu vou falar de mim – eu -eu me

interesso eu acho mas quando eu não sei eu tento

buscar mais daquilo para eu poder ver se eu

consigo me aproximar. Quando eu vejo que eu não tô

conseguindo-não é questão de desistir – eu tipo

assim – eu paro porque pô não vou conseguir então

eu vou parar porque fica difícil às vezes faço

prova às vezes fico nervoso não consigo pensar

direito porque eu fico com medo de errar mas é::

eu não chego aqui e se entrego também porque tem

alunos que se entregam não quer crescer eu-eu-

penso assim –eu quero crescer mas vendo por essa

dificuldade que eu tô passando eu acabo me

desinteressando também porque eu penso assim

“ah..eu não vou conseguir” porque Matemática eu

não às vezes agora no primeiro ano eu não tô

conseguindo pegar muito, Biologia também mas agora

eu tô conseguindo me recuperar História também

acabei de fazer agora a avaliação do segundo

((bimestre))que eu tirei em história, mas em

história eu tô com quatro na média Evellyn 86 huhum tá pertinho Pedro 87

88 e eu não sei quanto que eu vou tirar agora [nessa

prova agora]

Intrigada, após a fala de Pedro, pareço agir não só na tentativa de

problematizar o que o aluno falou, mas também na tentativa de me defender e

defender o grupo do qual faço parte: o grupo dos professores. Pedro, ainda que

não se posicione diretamente contrário às atitudes dos professores, não volta seu

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olhar para o grupo de alunos ao qual ele pertence. Assim, ao refletir sobre o que

havia ouvido, utilizo a expressão você falou desse negócio (linhas 58-59) para

retomar a fala de Pedro, conferindo a ele o status de autoria sobre aquele

enunciado. Em seguida, a reproduzo para que nós dois comecemos a pensar juntos

sobre a questão de os estudos terem mudado e sobre o papel de alunos e

professores neste processo. Para isso, pergunto você não acha também que os

alunos não colaboram? (linhas 62-63). Cabe salientar que, apesar de buscar o

envolvimento interacional mais natural típico da conversa espontânea, ainda nesse

momento de meu encontro com Pedro não consigo. Meus turnos, até então,

encerram-se com perguntas endereçadas ao aluno. Assim, o meu momento de

reflexão com Pedro, formado por perguntas e respostas, sejam estas às minhas

perguntas ou esquivas a elas, aproxima-se do que geralmente se espera de um

enquadre de entrevista de pesquisa.

Pedro inicia sua resposta de forma impessoal, usando o termo genérico

alunospara expressar sua opinião sobre um sentimento comum entre os colegas –

tem alunos que –que fica desinteressado, têm bastante (linhas 64-65). Entretanto,

na sequência, ele opta por focar seu discurso em sua experiência pessoal, usando

frases assertivas marcadas pela utilização do pronome pessoal em primeira pessoa

eu: eu –eu vou falar de mim – eu -eu me interesso (linhas 65-66). Pode-se

observar na fala de Pedro uma distinção entre alunos que não se interessam e ele,

que se diz interessado, apesar da marca de hesitação eu acho no fim da frase que

também lhe confere certa modéstia, mais uma vez, como estratégia de não ameaça

à face positiva que projeta em cena.

Em seguida, o aluno tenta se justificar ao falar sobre seu interesse: mas

quando eu não sei eu tento buscar mais daquilo para eu poder ver se eu consigo

me aproximar (linhas 66-68). Pedro se constrói como um aluno que tem

dificuldade e que procura melhorar, porém essa dificuldade acaba resultando em

desmotivação – quando eu vejo que eu não tô conseguindo-não é questão de

desistir – eu tipo assim – eu paro porque pô não vou conseguir então eu vou

parar porque fica difícil (linhas 68-71).

Contudo, Pedro parece não se orgulhar da desistência e manifesta

preocupação em como o que dirá será recebido por mim, que além de sua ouvinte,

também sou sua professora. Além disso, assumir que pode desistir poderia ser

extremamente ameaçador à fachada que vem construindo ao longo da interação, já

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que, apesar da dificuldade, é um aluno que se dedica. Pedro, então, prefere dizer

que não é questão de desistir (linha 69).

Depois, Pedro utiliza a expressão coloquial tipo assim para iniciar uma

sequência explicativa: eu tipo assim - eu paro porque pô não vou conseguir.

(linhas 69-70). A escolha da interjeição de uso popular pô expressa sua

insatisfação. Ele desiste porque acha que não vai conseguir – então vou parar

porque fica difícil (linha 71).

Em seguida, o aluno apresenta uma sequência marcada pelo uso da

locução adverbial às vezes para elucidar sua dificuldade e sua insegurança: às

vezes faço prova às vezes fico nervoso não consigo pensar direito porque eu fico

com medo de errar. (linhas 71-73).

Esse turno é inteiramente marcado pelo uso da conjunção adversativa mas

para justificar o desinteresse do aluno e, também, para restringir seus objetivos,

como se sempre houvesse um obstáculo separando-o de seus sonhos. Ele se coloca

como diferente dos outros, porque se interessa e tem um objetivo mas é:: eu não

chego aqui e se entrego também porque tem alunos que se entregam não quer

crescer eu-eu- penso assim –eu quero crescer (linhas 74 – 76). No entanto, há

sempre a dificuldade: mas vendo por essa dificuldade que eu tô passando eu

acabo me desinteressando também porque eu penso assim “ah..eu não vou

conseguir (linhas 76-79). Ele se interessa, mas...Ele tenta crescer, mas...Além

disso, Pedro, ao reportar seu pensamento “ah..eu não vou conseguir”, indica, mais

uma vez, sua insegurança e sua desmotivação.

Após essas sequências adversativas, o aluno inicia uma nova sequência

explicativa para exemplificar as dificuldades que possui em algumas disciplinas

do currículo escolar: porque Matemática eu não às vezes agora no primeiro ano

eu não tô conseguindo pegar muito, Biologia também mas agora eu tô

conseguindo me recuperar História também acabei de fazer agora a avaliação do

segundo ((bimestre))que eu tirei em história, mas em história eu tô com quatro na

média (linhas 79-85). Então, tento motivá-lo de forma solidária “Huhum tá

pertinho”, fazendo referência à média cinco estipulada pela Secretaria de

Educação. Ele, mais uma vez, manifesta insegurança - e eu não sei quanto que eu

vou tirar agora [nessa prova agora] (linhas 87-88), tornando público, assim, sua

preocupação também com as avaliações formais.

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Excerto 9 - “eu acho que tudo mudou” Evellyn 89

90 91

[você não acha que é muito diferente do ano

passado ou você acha que tipo você acha que você

mudou também? Será=

Pedro

92 93 94 95 96 97 98 99 100 101 102 103 104 105 106 107 108 109

110

111

112

113

114

115

tem as duas opções mudou e:: não tá- tá um

pouquinho sabe porque mudou? porque porque nana

autonomia a gente só tinha um professor- o

professor podia dar atenção para gente então a

autonomia toda ficava em dúvida o professor na

hora parava o que ele tava fazendo e explicava

agora na:: -na mil e um de tarde- não de tarde

não – de manhã a gente faz o- a gente fica com

uma dúvida os professores não tem paciência não

quer explicar porque falou que já explicou e a

turma –e a turma não prestou atenção tem alunos

que presta atenção tem alunos que não presta fica

conversando alto aquela algazarra aí não dá para

escutar direito. O professor fala e fala que tava

todo mundo conversando mas não é tem aluno que

presta atenção eu se eu tiver conversando e

alguém tiver falando comigo eu paro de conversar

com a pessoa para tentar entender o que a pessoa

fala às vezes eu escuto às vezes às vezes eu peço

para a pessoa parar para poder explicar de novo.

Antes o professor explicava tudo direitinho ele

dava atenção para todo mundo dentro da sala mas

quando chegou no primeiro ano tudo mudou. Eu acho

que tudo mudou.

Evellyn 116 hhhhhh Pedro 117 Agora é super diferente

Em turno sobreposto ao de Pedro, pergunto se ele não acha que é porque

as coisas mudaram em relação ao último ano e se ele também não mudou (linhas

89-91). Sem muito esperar, Pedro diz que “tem as duas opções” (linha 92). Apesar

de utilizar o termo pouquinho para se referir às mudanças, ele acaba revelando

mudanças significativas em relação ao ano letivo anterior, o que possibilita que eu

entenda melhor como funcionava o PA na escola em que trabalho.

Ademais, ao realizar essa escolha, Pedro também protege a minha face,

pois evita uma possível discordância, visto que dizer que algo mudou “um

pouquinho” é menos ameaçador do que admitir que mudou muito, por exemplo.

Através da pergunta retórica sabe porque mudou?(linha 93) e do uso da

conjunção explicativa porque, ele inicia a explicação do que considera ter

mudado, focando seu discurso nas atitudes diferentes dos professores perante as

dúvidas dos alunos. Enquanto a fachada do professor único do PA é construída

pelo aluno por atribuições de qualidades positivas – podia dar atenção para

gente(linha 95); na hora parava o que ele tava fazendo e explicava (linhas 96-97),

a face dos professores de sua turma atual é construída de forma contrária – os

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100

professores não tem paciência não quer explicar porque falou que já explicou e a

turma –e a turma não prestou atenção (linhas 100-102).

Ainda que na visão de Pedro haja professores que se interessam e

professores que não se interessam, ele direciona o seu olhar para o comportamento

dos alunos ao relatar que tem alunos que presta atenção tem alunos que não

presta fica conversando alto aquela algazarra aí não dá para escutar direito

(linha 103).

Pedro utiliza o substantivo algazarra(linha 104)para se referir ao barulho

que a turmaproduz quando todos conversam, expressão comumente associada a

esse contexto. No entanto, ele se defende e se distancia discursivamente, ao

utilizar o pronome eu, desses alunos que conversam durante as aulas: eu –se eu

tiver conversando e alguém tiver falando comigo eu paro de conversar com a

pessoa para tentar entender(linhas 108-109).

Noto que, ao se referir aos alunos, Pedro não o faz em relação somente aos

que estudaram com ele no Programa Autonomia, mas aos alunos da 1001 como

um todo. Em comparação ao ano anterior, ele reforça a ideia de que antes o

professor explicava a matéria, dava atenção a todos os alunos (linhas 113-114) e

que quando chegou no primeiro ano tudo mudou (linhas 114-115). No começo de

sua fala, Pedro diz que as coisas estão um pouquinho diferente, mas depois de

relembrar sua experiência tanto no Programa Autonomia, quanto como aluno da

1001, admite que agora é super diferente (linha 117).

Excerto 10 - “como que uma professora não sabe explicar um dever para um aluno?”

Evellyn 118

119 120 121 122

é...é que eu não consigo imaginar por isso que

eu tenho que conversar com vocês porque eu acho

que mesmo sabendo disso, acho que só vocês

contando mesmo, falando que-que tem como a

gente ter uma noção melhor do que acontece Pedro 123

124 125 126 127 128 129

é:: porque tudo –é –é tudo na conversa, como eu

falei com a professora Maria, ela conversa

bastante comigo também-ela é legal também-ela

explica, ela tem paciência para poder explicar,

mas tem alguns que já não vão gostar muito –não

tem professores que explicam bem mas tem u::ns

sabe Evellyn 130 [hhhhh] Pedro 131

132 133 134 135

[hhhhh] tem uns que ainda não sabe explicar –

se embola é:: no autonomia mesmo tinha uma

professora que não vou citar nomes né que todo

mundo já sabe já quem é:: ela precisava para os

alunos explicar a ela o dever que ela não sabia

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136 137 138

fazer. como que uma- como que uma professora

não sabe explicar um dever para um aluno?

aí:::= Evellyn 139

140 141

=mas você não acha que a gente também pode

aprender com vocês? Eu acho que eu super

aprendo com [vocês] Pedro 142

143 144

[não] pode –pode sim aprender mas aí já é

demais hhh abrir o livro e perguntar como se

faz o dever para os alunos hhhh Evellyn 145 hhhhhh Pedro 146

147 148 149 150 151 152 153

ela abriu o livro e perguntou “gente abre o

livro na página tal. como é que faz esse daqui?

eu não sei fazer isso daqui não- isso aqui é

muito diferente não sei o que” aí ficava todo

mundo de boca aberta porque acabava que ninguém

sabia também –vai fazer o que? A professora

ficar perguntando para gente como é que se faz

o dever?

Após ouvir as considerações de Pedro sobre o programa Autonomia e

sobre o que tem vivido na 1001, ressalto o quão importante é a minha conversa

com os alunos para entender o que de fato acontece em sala de aula e como era

quando estudavam no Autonomia. Para isso, utilizo enunciados procurando

transmitir a relevância de seus relatos – “eu não consigo imaginar por isso que eu

tenho que conversar com vocês”, “só vocês contando mesmo... tem como a gente

ter uma noção melhor do que acontece” (linhas 118-122).

Pedro parece reconhecer a importância da conversa entre professores e

alunos também (linhas 123-124). Talvez, para Pedro, os professores que

conversam com os alunos podem ter mais paciência para lidar com eles. O aluno

cita a professora Maria, dizendo que ela conversa bastante com ele também, que

ela é legal também, tem paciência, mas que nem todos os professores têm essa

atitude (linhas 124 – 127). Ao fazer isso, posso entender que Pedro me alinha a

professores como Maria, pois, assim como ela, também estou conversando com

ele, logo, tambémsou legal. Através da fala de Pedro, posso perceber como ele me

vê. Contudo, mais uma vez, Pedro ressalta que há professores e professores.

(linhas 128-129): tem professores que explicam bem mas tem u::ns sabe. O

emprego da conjunção adversativa mas e de sabe, semelhante ao entendeu

utilizado em turnos anteriores no fim da fala, sugere ideia oposta à expressa

anteriormente, isto é, na opinião do aluno, há professores que não explicam tão

bem.

Noto que aos poucos Pedro se sente mais à vontade para falar sobre as

coisas que o afligem, e nosso encontro ganha, finalmente, contornos de uma

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conversa espontânea, embora ainda estejamos em contexto institucional. A minha

assimetria em relação ao aluno, agora, não aparece de forma tão visível.

Uma das formas de perceber essa mudança em nossos footings23são os

risos das linhas 130 e 131 e a mudança na construção de meus turnos, que antes

eram formados apenas por perguntas, o que parece ajudar o aluno a sentir-se mais

confortável em nossa interação.

Para minha surpresa, ao falar de professores que, em seu entendimento,

não sabem explicar e se embolam (cf. linhas 131 – 138), ele não cita um professor

da 1001, mas sim do PA – no autonomia mesmo tinha uma professora que não

vou citar nomes né que todo mundo já sabe já quem é:: ela precisava para os

alunos explicar a ela o dever que ela não sabia fazer (linhas 132-136).

Até aquele momento da conversa, mesmo que eu soubesse que os alunos

do programa tinham aulas com apenas um professor em todos os módulos do

curso, a fala de Pedro me fez acreditar que o trabalho realizado era bom, já que ele

destacava o bom relacionamento com o professor, a paciência que ele tinha em

sanar as dúvidas, a ponto de “parar tudo” e explicar novamente o conteúdo.

Porém, para citar exemplos de professores que não sabem explicar e “se

embolam”, o aluno narra uma situação que ocorreu com uma professora na época

em que era do Autonomia. Segundo Pedro (linha 135), os alunos precisavam

explicar o exercício para a professora, o que o deixava indignado como assim uma

professora não sabe explicar um dever para um aluno? (linhas 136-137).

Em turno seguinte ao de Pedro, provoco sua reflexão ao questioná-lo se ele

não acha possível que os professores também aprendam com os alunos,

salientando que eu acho que eu aprendo com eles (linha 139-141) e, revelando,

dessa forma, como acredito que seja o processo de ensino-aprendizagem. Pedro,

por sua vez, não espera que eu termine de falar para concordar - [não] pode –pode

sim aprender (linha 142) , mas diz que não saber explicar o exercício já é demais

(linha 142-143); abrir o livro e perguntar como se faz o dever para os alunos

(linha 144).

23Em interação, os participantes assumem posições diferentes, a partir da necessidade de

adequarem-se à situação comunicativa em que estão engajados. Sobre isso, Goffman ([1987] 2013

p. 146) salienta que “uma mudança de footing implica uma mudança no alinhamento que

assumimos para nós mesmos e para os outros presentes, expressa na maneira como conduzimos a

produção ou a recepção de uma elocução. Uma mudança em nosso footing é um outro modo de

falar de uma mudança em nosso enquadre dos eventos.”

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103

A crítica de Pedro denuncia o não planejamento da professora e não

preparo para trabalhar todas as disciplinas com aqueles alunos. No turno seguinte,

ele utiliza uma pequena sequência de orações narrativas e falas reportadas da

professora para me contar a situação.

Creio que Pedro tenha usado esta pequena narrativa como ferramenta para

que eu pudesse acreditar que aquela situação de fato ocorria e para ressaltar como

os alunos se sentiam, já que ficavam de boca aberta (linha 150). A expressão

coloquial empregada indica surpresa, pois tal atitude não era a esperada pelos

alunos, já que a maioria vê o professor como o detentor do conhecimento, aquele

que sabe tudo. Aproveito a ocasião para perguntar a Pedro o porquê de ele ter

participado do Programa Autonomia.

Excerto 11 - “e por que você foi para o autonomia, Pedro?”

Evellyn 154 e porque você foi para o Autonomia, Pedro? Pedro 155

156 porque eu tinha muita dificuldade-eu-eu-eu era

igual o Iuri Evellyn 157 uhum Pedro 158

159 160 161 162

respondia tudo-assim- fa- é- falando –e – e-

quando chegava na hora eu sabia tudo –na hora

de fazer o dever –tava tudo certo mas quando

chegava na hora de fazer a prova eu não

conseguia= Evellyn 163 =uhum= Pedro 164

165 166 167 168 169 170

Então eu comecei a brincar na sala de aula

comecei a fazer um monte de coisa. matava aula.

depois que eu vi que isso não ia acontecer nada

–isso não ia me levar a nada –eu faltando aula

não ia ter uma vida que queria que eu sonho em

ser fisioterapeuta né:: eu quero ser

fisioterapeuta Evellyn 171 que chique Pedro 172

173 eu quero ser fisioterapeuta então foi assim. se

eu não estudar vou chega= Evellyn 174 =tem [que]= Pedro 175

176 177 178 179 180 181 182 183 184 185 186 187 188 189 190

[se eu não] estudar –se eu não fizer nada

da minha vida como é que eu vou ser um

fisioterapeuta –se eu não fizer nada da vida.

então, eu fui pensando e agora- agora que eu tô

caindo na real porque eu brincava muito no

ensino ih-eu brincava no ensino fundamental

assim – ficava brincando muito. matava aula. –

não queria saber de nada, as provas não fazia

deixava tudo em branco porque eu não sabia e no

primeiro ano agora eu tento fazer mesmo estando

errado eu tô fazendo porque eu tô vendo que

hoje em dia tá complicado para você arranjar um

trabalho você tem que ter pelo menos o primeiro

grau completo porque tá tudo difícil e depois –

e agora –e agora quando eu cheguei no primeiro

ano agora dá tempo para eu recuperar eu vou

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191 tentar correr atrás Evellyn 192

193 ai que bo::m mas aí ainda dá tempo tem que

estudar bastante biologia Pedro 194 é::agora eu tô sem tempo também

Ao perguntar o que o levou ao Programa Autonomia, Pedro me responde

com uma narrativa de história de vida (Linde, 1993) o motivo. Pedro tinha muita

dificuldade e se compara a outro aluno também oriundo do programa, acreditando

que eu entenderia o que desejava expressar a partir dessa comparação. Ele ressalta

novamente a dificuldade que sente quando precisa fazer uma prova:respondia

tudo-assim- fa- é- falando –e – e- quando chegava na hora eu sabia tudo –na

hora de fazer o dever –tava tudo certo mas quando chegava na hora de fazer a

prova eu não conseguia= (linhas 158-162). Talvez, mesmo que indiretamente,

Pedro faça isso em forma de crítica ao modelo de avaliação tradicional. A prova

não avaliaria o seu potencial, porque na hora de fazer o dever - tava tudo certo

(linhas 159-160).

A conjunção conclusiva então é empregada para iniciar uma sequência

explicativa das consequências de sua insatisfação com os resultados obtidos na

escola - então eu comecei a brincar na sala de aula comecei a fazer um monte de

coisa. matava aula. depois que eu vi que isso não ia acontecer nada –isso não ia

me levar a nada (linhas 164-167) . Entretanto, o aluno decidiu mudar sua postura

em relação aos estudos, porque tinha um objetivo: –eu faltando aula não ia ter

uma vida que queria que eu sonho em ser fisioterapeuta né:: eu quero ser

fisioterapeuta (linha 167- 170). Ao reconstruir sua sentença trocando o verbo

sonhar por querer, ele declara acreditar ser possível agir para alcançar esse sonho

e torna o seu objetivo algo real. Eu, em seguida, o incentivo: que chique (linha

171).

Pedro segue expressando seus desejos e relatando suas experiências

enquanto aluno: eu quero ser fisioterapeuta então foi assim. se eu não estudar vou

chega= (linha 174). Eu lhe sobreponho incentivando-o mais uma vez e

aconselhando-o a estudar para alcançar seu objetivo =tem [que]= (linha 174). Ele

continua o turno e destaca a importância do estudo para a realização de seu sonho:

[se eu não] estudar –se eu não fizer nada da minha vida como é que eu vou ser

um fisioterapeuta –se eu não fizer nada da vida (linhas 175-177).

Pedro constrói sua identidade como aluno do Ensino Fundamental e agora

do Ensino Médio. Para se referir negativamente às suas atitudes no Fundamental,

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utiliza expressões coloquiais associadas ao contexto escolar: eu brincava

muito(linha 179),matava aula(linha 181), não queria saber de nada(linha 182), as

provas não fazia deixava tudo em branco porque eu não sabia (linhas 182-183).

No entanto, no Ensino Médio, sua postura mudou: eu tô caindo na real (linha

179),eu tento fazer mesmo estando errado eu tô fazendo (linhas 184-185)

O aluno se projeta discursivamente como um aluno que tem um objetivo

na vida e precisa estudar para alcançá-lo. Como um ator social, Pedro constrói sua

identidade na interação com o outro, seguindo o que seria adequado social e

culturalmente. Biar (2012, p.48) analisa o conceito de self, de Goffman (1959),

isto é, “o ‘si mesmo’ (...) definido como o sentido subjetivo de si que um

indivíduo vem a obter como resultado de suas várias experiências sociais”.

Através de seu discurso, Pedro mostra-se maduro e consciente acerca do

mundo em que vive. Apesar de saber que tá tudo difícil (linha 188), expressa

entusiasmo e otimismo: agora quando eu cheguei no primeiro ano agora dá

tempo para eu recuperar eu vou tentar correr atrás (linhas 189-191). Eu o

incentivo e o aconselho novamente: ai que bo::m mas aí ainda dá tempo tem que

estudar bastante biologia (linhas 192-193). Em seguida, Pedro levemente

desconstrói o empenho que demonstrou anteriormente, substituindo o mas sempre

presente em sua fala pelo “é” que adquire significado adversativo nesse contexto:

é::agora eu tô sem tempo também.(linha 194).

Excerto 12 - “eu te convido a pensar”

Evellyn 195

196 197 198 199

mas a gente arranja tempo. eu fiquei curiosa

porque você colocou assim no cantinho? Você

lembra porque você escreveu isso? Não sei, eu

olhei assim e falei:: ge::nte porque Pedro

escreveu assim no cantinho? Pedro 200 não sei hhhhhh Evellyn 201

202 203 204 205 206 207 208 209 210 211 212 213

hhhhhhh eu tô pensando ainda. vamos ficar

pensando nisso. eu fiquei pensando mas assim eu

acho várias coisas assim –você sabia que eu ia

ler né? que a professora vai ler – não sei se

você ficou com vergonha porque era a professora

que ia ler, mas vamos- eu te convido a pensar

no porquê que será que você escreveu no

cantinho. não precisa me responder agora não

porque é uma coisa que tem que pensar porque a

gente vai continuar pensando nisso bimestre que

vem sobre aquelas coisas todas da sala e você

acha que tem questionamentos novos? Porquês

novos? novos puzzles? Pedro 214

215 pode ter não tenho muita certeza, mas pode ter

ou então pode não ter sei lá porque

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Evellyn 216 217 218

eu também achei muito interessante muito legal

aquilo que você escreveu sobre os porquês que a

vida tem vários porquês Pedro 219

220 tem muito porque, então, para poder explicar o

porque tem que ter um porque então Evellyn 221

222 223 224

é:: é – mas é né. eu acho que o mais legal é

isso a gente ter sempre um porque para gente se

movimentar, para gente pensar. Você vê, se não

fosse talvez um porque um motivo para você= Pedro 225 =se explicar Evellyn 226

227 228 229

é:: para você ué, você não queria – você não

quer ser fisioterapeuta. se Deus quiser você

vai ser. se não fosse isso talvez você não

estudasse mais. Pedro 230 é::

Em meu turno, continuo a encorajar Pedro e digo que a gente arranja

tempo (linha 195). Tento retomar o motivo do início de nossa conversa,

questionando novamente o motivo de ele ter escrito no cantinho da prova (ver

anexo II): eu fiquei curiosa porque você colocou assim no cantinho? Você lembra

porque você escreveu isso? Não sei, eu olhei assim e falei:: ge::nte porque Pedro

escreveu assim no cantinho?(linhas 195-199). Reporto, assim, meu pensamento

enquanto corrigia a prova. Em seguida, o aluno me responde vagamente - não sei

(linha 200)- e ri.

Encorajo-o a refletir sobre sua resposta às perguntas da prova, sem forçá-

lo a responder meu questionamento imediatamente: hhhhhhh eu tô pensando

ainda. vamos ficar pensando nisso. eu fiquei pensando mas assim eu acho várias

coisas assim. (linha 201-203). Depois, apresento um possível motivo: você sabia

que eu ia ler né? que a professora vai ler – não sei se você ficou com vergonha

porque era a professora que ia ler (linhas 203-206).

Reforço o convite à reflexão e digo que continuaremos a pensar sobre as

questões da turma, colocando-me discursivamente, assim, como uma professora

cuja prática é questionadora, exploratória, e que engaja seus alunos em busca de

entendimentos sobre questões acerca do que vivem, sejam elas sobre a sala de

aula ou questões pessoais. Aproveito, então, e pergunto a Pedro se ele tem novos

questionamentos (porquês ou puzzles) me referindo à primeira atividade que

realizei junto aos alunos da turma 1001.

Pedro, mais uma vez, responde vagamente e com hesitação - pode ter não

tenho muita certeza, mas pode ter ou então pode não ter sei lá porque (linhas

214-215). Acredito que o aluno tenha realizado tal escolha, visto que no turno

anterior eu digo que sou professora da turma, que leio o que eles escrevem na

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prova. Talvez, Pedro tenha agido dessa forma com medo de uma possível

avaliação negativa da minha parte.

A fim de ajudá-lo, relembro a atividade e digo que achei interessante o que

ele havia escrito sobre os porquês – eu também achei muito interessante muito

legal aquilo que você escreveu sobre os porquês que a vida tem vários porquês

(linhas 216-208). Dessa forma, acabo iniciando uma nova discussão. Sinto que o

aluno se apropria dessa nova discussão e, também, brinca com as palavras e seus

sentidos - tem muito porque, então, para poder explicar o porque tem que ter um

porque então (linha 219-220).

Continuo tentando engajá-lo na reflexão: é:: é – mas é né. eu acho que o

mais legal é isso a gente ter sempre um porque para gente se movimentar, para

gente pensar. você vê, se não fosse talvez um porque um motivo para você=”.

Pedro complementa o pensamento: “=se explicar (linha 223-224). Em seguida,

concluo: é:: para você ué, você não queria – você não quer ser fisioterapeuta. se

Deus quiser você vai ser. se não fosse isso talvez você não estudasse mais (linhas

226-229). A interjeição “ué” funciona como uma resposta ao provável espanto do

aluno.

A reformulação da sentença, trocando o tempo verbal do passado você não

queria (linha 226) para o presente você não quer (linhas 226-227) encoraja o

aluno a persistir em seu sonho. Faço uso da expressão coloquial “se Deus quiser”,

como uma interjeição para expressar meu desejo de que ele realize seu sonho. Na

sequência, chamo atenção para a relevância de ter um objetivo em sua decisão de

continuar estudando e se esforçar mais.

Neste excerto final do meu encontro com Pedro, noto que torna-se

evidente a minha tentativa e a minha postura enquanto praticante exploratória em

engajar o aluno em um processo maior de reflexão, para além do que costuma

acontecer na relação entre professores e alunos. Minha postura parece causar

estranhamento no aluno, que, na maior parte de nossa interação, coloca-se

discursivamente de maneira defensiva em relação a mim.

4.2.3. “errar é humano”

No dia 14 de Outubro de 2015, um dia antes do dia dos professores,

realizei com os alunos da turma 1001 uma APPE, cuja proposta inicial era que

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pensassem, em grupos, sobre o que os professores podem ou não fazer em sala de

aula e na escola, e o que os alunos podem ou não fazer dentro da escola. Desta

forma, a ideia era que eles utilizassem o verbo modal Can nas formas afirmativa e

negativa para formar sentenças de forma criativa, como na figura a seguir:

Figura 8 - APPE: teachers can X teachers can’t, students can X students can’t

Legenda: I can help students; I can educate students; I can teach students; I can advice students/

Students can: I can play sports/ I can dedicate/ I can work/ I can’t fight/ I can’t smoke/ Students

can’t use cellphones in the classroom.

Na aula seguinte, no dia 21 de outubro, levei para a turma as atividades

que os grupos desenvolveram e discutimos sobre o que eles haviam colocado

como o que os professores podiam fazer ou não e o porquê de eles acharem

aquilo. Essa discussão foi gravada em áudio e, nesta seção, analisarei alguns

trechos de nossa conversa que auxiliou a gerar uma narrativa coconstruída pelos

alunos, sobre uma professora de Matemática que eles haviam tido em alguns anos

atrás.

Excerto 13 -“tem que falar dos estagiários também né?” Hanna 1 tem que falar dos estagiários também né? Bruna 2

3 é..aquela do cabelo enroladinho eu acho que já é

professora Bianca 4

5 ela já é professora? é até que ela parece

melhorzinha mesmo Flávia 6

7 o pior mal dos estagiários é pensar que já é

professor Hanna 8 É né? Evellyn 9

10 11

que isso? oh...daqui a pouco a estagiária de

inglês tá chegando aí hein, e ela já dá aula, já é

professora

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Sabrina 12 13 14

essas estagiárias de matemática parece até que é

mais burra do que eu. O cara escreveu errado aqui

ó no quadro para todo mundo ver Flávia 15 é o cara ensinou o negócio errado para gente

Adriana 16 17 18

e..aí no meio do exercício que todo mundo fez

falou que tava certo e ele falou que tava errado,

“opa, como [assim?”]

Ao começar a atividade, Hanna (linha 1) salienta a necessidade de falar

sobre os estagiários também. Quando pensei em realizar a atividade, de fato, não

considerei os estagiários, mas deixo que a conversa siga e não dou uma pronta

resposta a Hanna, até mesmo para ver que rumos a conversa seguiria.

Bruna, imediatamente, cita a estagiária de Matemática: é..aquela do cabelo

enroladinho eu acho que já é professora (linhas 2-3). Bianca confere a

informação apresentada pela colega, e diz considerar a estagiária melhorzinha

por ela já ser professora. Porém, para isso, emprega o adjetivo de forma

depreciativa: até que ela parece melhorzinha mesmo (linhas 4-5). As alunas

parecem tentar criar maneiras de distinguir estagiários e professores, como se a

estagiária só pudesse ser boa por já atuar como professora.

Flávia, no entanto, expõe uma ideia contrária a das meninas: o pior mal

dos estagiários é pensar que já é professor (linhas 6-7). A aluna em questão, de

forma depreciativa, também revela a distinção entre professores e estagiários. Em

seguida, Hanna concorda com a colocação da colega (linha 8).

Na tentativa de tornar público que não concordo com as alunas, digo que a

estagiária de Inglês estava chegando e que ela também já era professora. Acredito

que tenha tomado tal atitude, não só para tentar começar a expor o que pensava,

mas também com receio de que a estagiária chegasse e se sentisse reprimida ou

que a conversa, que, para mim, ainda tinha muito assunto a ser discutido, fosse

terminada sem que eu expusesse o que achava naquele momento.

Sabrina prossegue com o questionamento sobre os estagiários:

essasestagiárias de matemática parece até que é mais burra do que eu. O cara

escreveu errado aqui ó no quadro para todo mundo ver (linhas 12-13). Primeiro,

a aluna utiliza um adjetivo depreciativo para qualificar a estagiária, depreciando

inclusive a ela mesma, pois se compara à suposta “burrice” da professora em

formação. Em seguida, inicia o relato de um acontecimento para suportar seu

argumento.

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Flávia concorda e apresenta outra situação envolvendo o estagiário: é o

cara ensinou o negócio errado para gente (linha 15). Por último, Adriana também

concorda e continua o relato de Flávia: é...aí no meio do exercício que todo

mundo fez falou que tava certo e ele falou que tava errado, “opa, como [assim?].

(linhas 16-18). O conectivo “aí”, no início da fala, é utilizado para dar

continuidade ao exemplo apresentado anteriormente pela colega. O emprego da

expressão opa, como assim (linha 18) expressa surpresa perante o acontecimento.

A aluna não esperava que o professor, ou o estagiário, cometesse erros.

Nesse excerto, o estigma coconstruído em interação em relação aos

professores e estagiários torna-se evidente, o que salienta que não só o aluno pode

se sentir estigmatizado na relação professor-aluno. O professor deve entender e

respeitar as diferentes habilidades e dificuldades de seus alunos, mas a mesma

postura não é apresentada pelos alunos em questão. Principalmente, quando

pensam que um estagiário, provavelmente por acreditarem que ele não tenha

experiência ou ainda não seja formado, não pode ter a mesma competência de um

professor, ou quando se referem a eles por adjetivos como “burro” e

“melhorzinha”, ou até mesmo quando se surpreendem com um possível erro de

um professor.

Excerto 14 -“uma vez é normal, mas errar sempre”

Evellyn 19 20 21

não mas o estagiário que tá na escola também vocês

não acham que aqui também é um espaço para eles

aprenderem? Sabrina 22

23 24

mas os que já são profe[ssores]? Hh eles tem que

dar o negócio certo para gente tem que ensinar

certo e não ensinar errado

25 26

[é]hhhh ((alguns alunos da

turma concordam)) Sandra 27 mas eles [são humanos]=

Flávia 28 [bem ou mal eu copiei]

Sabrina 29 30

=SEmpre? errar é humano errar uma vez é normal,

mas errar sempre? Sandra 31

32 mas isso não acontece sempre, você não pode pensar

[assim]= Sabrina 33 =não erra erra sim

Hanna 34 [tá certo] porque eu vejo

Evellyn 35 36

mas gente –mas gente, vocês não acham assim que

professor também pode errar? Sabrina 37

38 39 40

claro que pode né professora, mas sempre. você

passar uma coisa e não conseguir fazer? Um

professora vai ali no quadro colocar uma conta e

vai errar? um professor de matemática? (.)

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Após ouvir as alunas, sinto a necessidade de apontar a minha opinião e

mostrar outra perspectiva (linhas 19-21). Assim, pergunto à turma, quase que

sugerindo pelo uso de “não mas” no começo da fala, se eles não acham que os

estagiários também estão na escola para aprender. Sabrina, no entanto,

prontamente responde fazendo outra pergunta: “mas os que já são profe[ssores]?”

(linha 22).

Em seguida, continua sua fala enfaticamente: hh eles tem que dar o

negócio certo para gente tem que ensinar certo e não ensinar errado (linhas 22-

24) e é seguida em coro por seus colegas de turma.

Sandra, por sua vez, apresenta uma opinião diferente ao dizer que os

estagiários,eles [são humanos]= (linha 27). Entretanto, Sabrina é relutante e

insiste, afirmando que os estagiários erram sempre (linhas 29-30).

Sandra também se mantém firme em seu argumento: mas isso não

acontece sempre, você não pode pensar [assim]= (linhas 31-32). Porém, a

primeira não muda de opinião, contrariando o argumento da colega: =não erra

erra sim(linha 33). Hanna concorda dizendo que ela está certa, porque vê os

estagiários errando (linha 34). Noto, mais uma vez, a utilização da conjunção

adversativa masnão somente como uma conjunção que introduz uma ideia

contrária à que já foi exposta, mas também como uma conjunção utilizada pelos

alunos para introduzir uma argumentação que venha a sustentar a linha de conduta

à qual se alinham.

Incomodada com o rumo que a discussão estava tomando, uma vez que meu

objetivo ainda era seguir o que havia planejado, para que nós pudéssemos discutir

o que os alunos e professores podem fazer ou não, utilizo o meu turno como

oportunidade para que os alunos possam refletir sobre quem pode errar em sala de

aula e os indago se os professores também não podem errar (linhas 35-36).

Contudo, não obtenho sucesso, pois Sabrina permanece relutante: claro que pode

né professora, mas sempre. você passar uma coisa e não conseguir fazer? Um

professora vai ali no quadro colocar uma conta e vai errar? um professor de

matemática? (.). (linhas 37-40).

Apesar de responder claro que pode né professora (linha 37), Sabrina ainda

ressalta a questão da recorrência mas sempre(linha 37). Imagino que como a

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resposta foi dada a mim, professora daquele grupo, talvez, por receio de algum

tipo de repreensão da minha parte, Sabrina tenha dito que pode. Contudo, ao

longo de seu turno, fica claro que a aluna ainda mantém a sua opinião, e utiliza

como argumento situações como passar alguma coisa e não conseguir fazer e ir

até o quadro fazer uma conta e errar, sendo professor de matemática (linhas 38-

40).

A resposta empregada pela aluna claro que pode né professora poderia estar

relacionada ao trabalho de face, na tentativa de invisibilização da “identidade

deteriorada” do outro (aqui relacionada aos professores), com o objetivo de evitar

conflitos na interação, já que a aluna se refere de forma negativa à categoria da

qual faço parte. Biar (2012, p.86) analisa “estratégias de trabalho de face” como

“comportamentos discursivos que mitigam a possibilidade de conflito na

interação, tornando o estigma neutralizado a ponto de diminuir assimetrias e

choques potenciais entre entrevistado e entrevistador”. No entanto, apesar de

manter a polidez por estar diante de uma professora, a aluna não muda seu

pensamento e nem se mostra aberta a repensar sua visão.

Excerto 15 - “mas isso era relevante?”

Cleber

41 42 43 44

Professora, a gente tinha uma professora de

matemática aqui que ela era a melhor professora

de matemática da escola, mas só que ela tinha

erros de português Hanna 45 É:: peraí que eu vou lembrar o nome dela

Sabrina 46 47

Eu sei ó tá aqui ((aponta para a língua)) Vilma

hhhhhh ((risos dos alunos)) Flávia 48

49 Hhhhh [olha ela a pessoa fala para não falar

nomes e fala] Cleber 50

51 52 53

[ela a pessoa- sabe aquela pessoa que é ridícula

na matéria ela fazia tirar nota boa e não é- ela

não dava nota não, ela realmente ensinava mesmo,

mas tinha erro de português para caramba Hanna 54 Professora, ela falava po-bre-ma hhhhhh

Evellyn 55 Mas isso era relevante?

Cleber 56 [não]

Hanna 57 [isso era horrível, professora]

Cleber parece entender que tudo que for dito não vai mudar a opinião da

colega e que Sabrina e as outras meninas utilizam situações para corroborar a

opinião que tinham em relação aos estagiários. Assim, o aluno utiliza a mesma

estratégia e conta, para a turma e para mim, que eles tinham uma professora na

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escola que era a melhor professora de Matemática, mas cometia alguns erros de

Português (linhas 41-44). O emprego de mas só que, em sua fala, duas

conjunções de valor adversativo, a segunda mais presente no discurso oral,

transmite a ideia de que os erros de Português a desqualificam como boa

professora, mesmo trabalhando com Matemática.

Rapidamente, suas colegas reconhecem a situação e, assim como fizeram

antes, parecem querer colaborar para que Cleber reconstrua o que aconteceu. No

entanto, ao contrário dele, as alunas focam seus discursos apenas nos erros de

Português, ignorando o fato de a professora ser excelente, como relata o aluno, na

disciplina que leciona. Além disso, suas falas são produzidas de modo irônico, em

meio a risos, não apenas das alunas, mas também de outros colegas.

O aluno usa seu turno (linhas 50 – 53) para novamente tentar ressaltar as

habilidades da professora, dizendo que sua explicação era tão boa que até alunos

com dificuldade conseguiam um bom resultado: [ela a pessoa- sabe aquela

pessoa que é ridícula na matéria ela fazia tirar nota boa e não é- ela não dava

nota não, ela realmente ensinava mesmo, mas tinha erro de português para

caramba. No fim, ele volta a mencionar os erros de Português, entretanto não

desmerece as habilidades da professora, pois não foca seu discurso apenas nisso.

Hanna, por sua vez, ignora o relato sobre as qualidades da professora, e

permanece ressaltando os erros: professora, ela falava po-bre-ma hhhhhh (linha

54). Então, eu questiono a relevância dos erros: mas isso era relevante?(linha

55). Cleber prontamente responde que não, porém Hanna desqualifica a

professora mais uma vez ao dizer em turno sobreposto ao de Cleber que [isso era

horrível, professora](linha57).

Portanto, apesar de toda a argumentação ao longo da conversa, percebi ao

final daquela atividade que o erro só tinha espaço dentro da sala de aula para os

alunos. Para a maior parte daquele grupo, os professores, sejam eles pré-serviço

ou em serviço, não podem errar, nem mesmo o conteúdo de outras disciplinas que

não interferem diretamente no aprendizado dos alunos, durante aquela aula

específica. Pode-se perceber que o estigma em relação ao professor também é

construído e reconstruído o tempo todo na interação entre os alunos.

4.2.4. “mas a gente riu tanto”

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A última atividade que realizei com a turma 1001 foi uma atividade de

retorno dos dados gerados ao longo do ano de 2015. Escolhi a aula do dia 25 de

Novembro por ser a véspera do Dia de Ação de Graças e, assim, poderia

agradecer a participação dos alunos no meu processo de busca por entendimentos

sobre ser professora daquele grupo e sobre as questões que nos afligiam. Além

disso, durante essa aula, os alunos não só teriam a oportunidade de se ouvir, mas

também de buscarem novas questões. Novos entendimentos poderiam surgir e eu

atenderia desta forma à proposta ético-inclusiva da Prática Exploratória.

Como estávamos no final do ano letivo, decidimos que faríamos uma

festinha de Ação de Graças e que, antes da Confraternização, eu levaria os slides

que havia apresentado em dois eventos acadêmicos sobre a nossa pesquisa.

Em um dos slides, eu apresentava o excerto 5, que versa sobre o primeiro

dia de aula desses alunos. Porém, para minha surpresa, após comentar o que havia

falado sobre aquele excerto, eles novamente, em esforço coletivo, acabam gerando

uma nova versão sobre aquele evento, a qual analiso a seguir:

Excerto 16 - “a gente tinha ebola” David 1

2 3

adriana -adriana subiu cheia de vergonha porque a

diretora mandou ela voltar para a sala dela hhhh

((risos do grupo)) Adriana 4 Isso foi muito tempo depois= Flávia 5

6 =e a gente, olha, mas a gente riu tanto da cara de

vocês= Hanna 7 Foi [–fo::i –fo::i a diretora] hhhh Sabrina 8

9 [A tia do corredor veio e devolveu vocês hhhhh

(alunos riem) Flávia 10

11 12 13

[ no dia que vocês] –é –elas saíram da sala

professora hhhhhhh ((risos de Sabrina))porque a

gente tinha uma do[ença contagiosa] que elas não

podiam chegar [perto]hhhhh Adriana 14 [hhhhhh] David 15 [a gente] tinha ebola hhhh= Camila 16

17 18

= oh a gente ficou aqui só esperando a desgraça

chegou ela, chegou Ana, acho que chegou Vanessa

também NÃO Sabrina 19 NÃO ela ficou aqui Flávia 20 não foi quem? Sabrina 21 foi ela ((apontando para Adriana) Adriana 22 [foi]eu= Hanna 23 =foi ela [e Bia só] Flávia 24

25 26

[aí quando elas] chegaram e a diretora

falou ‘senta’ olha mas a gente riu, mas a gente riu

tanto Hanna 27

28 29

Cadê aquele garoto?Como que era? Como que era

aquele garoto que saiu da es[cola? Qual] o nome

dele?=

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Flávia 30 =[Julio]= Hanna 31

32 =[falou que ia tacar uma bomba na gente, gente, eu

olhei para cara dele]= Flávia 33

34 =[a gente riu tanto que a diretora chegou aqui e

colocou todo mundo de volta]= Sabrina 35

36 porque a tia chegou aqui falando “eu vou trazer

elas”= Hanna 37 =cagoetaram a gente NÉ safadas Adriana 38 foi Alice que cagoetou

Após terminarem de ouvir a apresentação de slides, sobretudo, sobre o

primeiro dia de aula, David parece continuar a contar o que aconteceu após

Adriana pegar a mochila e sair da sala. David lembra que a colega subiu cheia de

vergonha porque a diretora mandou ela volta para a sala de aula(linhas 1-2) e

todo o grupo ri. Começa, assim, um movimento coletivo de reparo à fachada

sustentada por Adriana no excerto 5.

Adriana (linha 3) diz que o que David falou ocorreu muito tempo depois.

Se a primeira versão foi contada por Adriana, aluna que cursou o nono ano no

Sistema Regular, nesta segunda, os alunos do Autonomia apresentam novos

pontos de vista da história, contando como viveram aquele momento.

Em =e a gente, olha, mas a gente riu tanto da cara de vocês=, Flávia

utiliza a gentepara se referir ao grupo de alunos oriundos do PA e vocês se

referindo aos alunos que não queriam estudar com eles. Hanna, uma das alunas

do Sistema Regular, ri ao lembrar-se da situação e ressalta foi [–fo::i –fo::i a

diretora] hhhh, iniciando o relato em conjunto de como as alunas tiveram que

voltar para a sala, na ocasião. Os risos de Hanna parecem indicar seu nervosismo

para o desenrolar daquela interação, já que foi ela que disse que não gostava do

grupo de alunos do PA.

Em uma sequência de turnos sobrepostos, os alunos tentam reconstruir o

primeiro dia de aula pelo olhar dos alunos do Autonomia. Sabrina lembra que a

tia do corredor veio e devolveu vocês (linha 8) e todos riem. Ainda rindo sobre a

situação, Flávia se dirige a mim contando é –elas saíram da sala professora

hhhhhhh ((risos de Sabrina)) porque a gente tinha uma do[ença contagiosa] que

elas não podiam chegar [perto]hhhhh. A aluna emprega o pronome elas para se

referir às alunas do Sistema Regular, e a gente, mais uma vez, para se referir ao

grupo a qual pertence, dos alunos do Autonomia.

Na sequência, Adriana ri, e David, em meio aos risos dos colegas, diz que

o grupo tinha ebola, doença altamente contagiosa (linha 12). Pode-se perceber que

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os alunos discutem de forma descontraída a separação que existia na turma, no

início do Ano Letivo, e o estigma que os alunos oriundos do PA sofriam por parte

de outros alunos da escola, que não eram oriundos do Programa.

Camila ressalta que os alunos do PA ficaram na sala esperando as meninas

voltarem para a sala de aula (linhas 16-18). A aluna emprega o termo pejorativo

desgraça, em tom cômico, e utiliza a partícula negativa NÃO, como um pedido

de ajuda dos colegas para conferir se estava certa sobre o que estava falando.

Sabrina tenta ajudá-la e diz que não foi Vanessa, já que ela havia ficado na

sala (linha 19). Flávia fica curiosa e tenta conferir a informação também: não foi

quem?. Então, Sabrina aponta para Adriana e diz que foi ela (linha 21), o que é

confirmado pela própria aluna (“foi eu” – linha 22). Hanna também confirma a

informação, e ainda acrescenta: “=foi ela [e Bia só]”.

Flávia, então, continua (linhas 24-25) dizendo que quando as alunas

chegaram e a diretora disse senta, olha mas a gente riu mas a gente riu tanto,

utilizando a partícula a gente para se referir aos alunos do Autonomia que riram

muito dos alunos que tiveram que voltar e ficar mesmo naquela turma. Hanna,

ainda, tenta lembrar o nome de um aluno que estava presente neste dia (linhas 27-

29), mas que acabou saindo da escola ao longo do Ano Letivo.

Com a ajuda de Flávia (linha 30), que lembra o nome do amigo que era

aluno do PA, Hanna lembra também que ele disse que ia tacar uma bomba “na

gente”. Agora, na gente é utilizado para se referir aos alunos do nono ano. Em

seguida, a aluna utiliza o vocativo gente para chamar atenção para a sua reação à

fala do colega gente, eu olhei para cara dele (linha 31-32).Parecendo não se

intimidar, Flávia retoma o turno e diz novamente que os alunos do Autonomia

riram muito quando a diretora chegou e “colocou todo mundo de volta” (linhas

33-34). Sabrina justifica que aquilo já era esperado pelos alunos do PA porque a

tia, se referindo à inspetora do corredor, tinha chegado à sala e dito que traria as

alunas.

Hanna, então, aproveita e diz que isso aconteceu porque as

alunascagoetaram a gente NÉ safadas (linha 37), ou seja, contaram que elas

haviam saído da sala para pedir para sair da turma. A aluna utiliza linguagem

coloquial para se referir à atitude das colegas. O verbo cagoetaram e o adjetivo

safadas, empregado aqui como vocativo, geralmente apresentam uma conotação

negativa, ofensiva, mas ela os emprega em tom de brincadeira. A aluna salva a sua

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face ao se defender da acusação feita pela colega dizendo que quem contou que

elas haviam descido foi Alice, a professora de Biologia da turma.

Assim, pude perceber, ao final daquela atividade, que os alunos, apesar de

se alinharem discursivamente aos seus grupos de origem, através da utilização dos

pronomes nós/ a gente versus vocês/ eles/ elas, se unem para reconstruir e criar

inteligibilidade sobre um fato relevante para o grupo como um todo: o primeiro

dia em que duas turmas viraram uma só. Pude sentir que, nesse caminho para

reconstruir o fato e coconstruir uma segunda versão, os risos dos alunos me

ajudam a perceber que aquela tensão que existia no início do ano foi sendo

contornada aos poucos, a ponto de agora, todos poderem rir juntos sobre o que

aconteceu.

Assim, após olhar com mais cuidado para o que aconteceu ao longo da

trajetória desta pesquisa, apresento no capítulo a seguir as considerações (quase)

finais sobre o que foi vivido por mim e por meus parceiros nesse trabalho para

entender a vida na escola.

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5. Eis o jasmineiro em flor: a janela abriu ou o olhar mudou? – considerações finais.

Ninguém é sujeito da autonomia de ninguém. Por outro lado, ninguém

amadurece de repente, aos vinte e cinco anos. A gente vai

amadurecendo todo dia, ou não. A Autonomia, enquanto

amadurecimento do ser para si, é processo, é vir a ser.

Paulo Freire (2002)

O excluído precisa saber pensar sua própria história, para refazer-se

como sujeito de suas soluções possíveis. Aprender é, no seu âmago,

saber fazer-se sujeito de história própria, individual e coletiva.

Demo (2001, p.51)

Neste trabalho, partindo do meu questionamento inicial - Por que eu gosto

da 1001? -, busquei entender junto aos alunos dessa turma, como eles se

construíam como alunos, como turma e como (des)construíam discursivamente o

estigma sobre os alunos advindos do Programa Autonomia. Desta forma, nesse

capítulo final, apresento algumas de minhas reflexões durante a trajetória dessa

pesquisa.

Logo no segundo capítulo desse trabalho, me preocupei em inseri-lo sob as

lentes transgressoras e híbridas da Linguística Aplicada Contemporânea, a partir

do caráter ético-inclusivo proposto pelas pesquisas em Prática Exploratória. Creio

que este meu olhar (in)disciplinar (Moita Lopes, 2006) e essa postura

questionadora e reflexiva da Prática Exploratória me permitiram enxergar além do

que as atividades desenvolvidas junto aos alunos pareciam me mostrar.

À vista disso, senti a necessidade de desenvolver essa pesquisa de natureza

interpretativista atuando como o bricoleur(cf. capítulo 3), tecendo conhecimentos

conjuntos com meus parceiros de pesquisa e praticantes em busca de

entendimentos sobre a vida que vivíamos na escola: meus alunos. Assim, além de

APPEs desenvolvidas ao longo do ano letivo de 2015, gravei as nossas interações

em sala de aula para buscar entendimentos mais profundos sobre como o self

estigmatizado dos alunos advindos do PA era (des)construído por seus colegas e

por eles mesmos.

Desta forma, por entender que a sala de aula é um espaço que não propicia

somente o aprendizado de conteúdos que atendam as proposições do currículo

escolar, mas também sobre a vida dentro e fora da escola, destaco, no segundo

capítulo deste trabalho, o meu posicionamento teórico sobre a sala de aula, a partir

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das contribuições de pesquisas como as de Phrabu (1992) e Nóbrega Kuschnir

(2003).

Ademais, aproveito os estudos de Lave e Wenger acerca das comunidades

de prática, para desenvolver o meu olhar sobre a turma investigada. Conforme

discuti ao longo do texto, entendo que a 1001 é formada por diferentes

comunidades de prática, cada uma com suas particularidades, mas que auxiliam na

formação da comunidade de prática maior na qual tanto eu, quanto os alunos,

sejam eles do PA ou os que terminaram o ensino fundamental no sistema regular,

nos inserimos a partir de nossas práticas discursivas: a turma 1001.

Busquei na teorização sobre Estigma de Erving Goffman (1988) e nos

estudos realizados por Biar (2012), atrelando-os às contribuições da

Sociolinguística Interacional e da Análise da Conversa Etnometodológica, as

lentes que me orientariam para a análise dos dados gerados em nossas aulas.

Ao voltar a minha atenção para as particularidades de nossa aula,

compreendendo-a como um evento situado, pude perceber como os diferentes

alinhamentos que assumíamos para nós e para o outro em interação nos ajudavam

a (des)construir ou coconstruir estigmas, conforme discutirei a seguir.

5.1. Sobre a análise dos excertos: a (des)construção do self estigmatizado

Em relação à transcrição dos dados gerados, é possível observar muitas

sobreposições de turno, o que impossibilitou, em alguns momentos, que a

transcrição fosse realizada de forma mais refinada e fiel ao que de fato ocorreu em

nossos encontros face-a-face. Contudo, torna-se relevante destacar a importância

das sobreposições e reparos produzidos ao longo da interação, de acordo com a

estrutura de participação da conversa.

Ao utilizar os conceitos advindos da Sociolinguística Interacional e da

Análise da Conversa Etnometodológica, noto que a estrutura de participação dos

meus alunos, durante a interação, varia de acordo com os diferentes

posicionamentos que reivindicamos para nós e para os outros em interação.

Na maior parte dos turnos em que ocorre sobreposição, ela não ocorre no

intuito de interromper o fluxo da interação e de “assaltar” o turno de quem está na

posição de falante. Assim como Tannen, ao observar uma conversa entre amigos

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(cf. Tannen, 1990), destaco que meus alunos, falantes de alto envolvimento,

parecem não se importar com a sobreposição de vozes. Na tentativa de garantir a

intersubjetividade (cf. Schegloff, 1992), i.e, para que todos os participantes

estejam sob uma mesma orientação, a fim de compreender o que está acontecendo

no aqui e agora da interação, as sobreposições e os assaltos24 aos turnos ocorrem,

neste tipo de interação, com a finalidade de auxiliar a coconstrução de

entendimentos e questionamentos sobre os puzzles que emergiram de nossos

encontros.

Por meio da análise de dados, notei que os alunos e eu, nos momentos de

interação face a face, na escola, estamos a todo instante nos reconstruindo como

sujeitos em um constante processo de elaboração de faces, que, por muitas vezes,

assemelha-se a um debate, como pude analisar nos quatro primeiros excertos, na

segunda subseção da análise de dados (cf. 4.2.1). Percebo que esse processo nos

auxilia a coconstruir entendimentos sobre sermos alunos e professores, sobre as

faces que precisamos sustentar/manter ou encobrir em determinadas situações.

Além disso, noto que estamos a todo o momento construindo e

descontruindo estigmas e afetos. Logo, o mapeamento de instanciações do afeto

negativo e positivo, no discurso dos alunos, nos auxilia a entender como eles

(re)significam suas vidas e sentimentos acerca da escola, de seus professores e de

seus colegas, a partir do que vivem e sentem. Destaco, porém, que, ao longo da

análise dos excertos e dos puzzles, podemos observar instanciações de afeto

positivo e dos subsistemas de felicidade, satisfação e segurança. Ouso dizer,

portanto, que o afeto negativo expresso por mim e pelos alunos ajuda, também, a

construir o estigma sobre o grupo de alunos do Programa Autonomia.

Fairclough (1992, p.3 apud Moita Lopes, 2001, p.59) já apontava que “os

discursos não somente refletem ou representam as entidades e relações sociais,

elas as constroem ou as constituem”, por isso, destaco, no quadro a seguir, alguns

exemplos de como era possível mapear em nossos discursos os estigmas e crenças

que nele emergiam.

24 Galembeck (2011, p. 2) ao retomar seu texto Galembeck, Silva e Rosa(1990, p. 75 e ss.)

define que existem “duas estratégias básicas pelas quais ocorre a troca de falantes: a passagem

de turno e o assalto ao turno. No primeiro caso, o ouvinte intervém num ponto em que – segundo

a sua percepção – o falante concluiu a sua fala: um final de frase ou uma pergunta. No assalto ao

turno, o ouvinte ‘invade’ a fala do seu parceiro conversacional, sem esperar a conclusão do

enunciado”.

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Interlocutor Excerto

Iuri (4.2.1) “(...) que a gente é idiota, que a gente não sabe ler, não

sabe escrever que a gente é tudo um bando de neandertais”

- Excerto 1 – Linhas 5-7

“(...) [a gente prova que tem um intelecto bom cara] a

gente fez várias séries em menos de-menos-de- [menos de

três anos] –fizemos em [dois anos] – Excerto 2 – Linhas

28-31

Pedro (4.2.2) “(...) no autonomia a gente via vídeo e televisão e tudo

complicava” – Excerto 6 – Linhas 11 -12

“(...) na autonomia a gente só tinha um professor- o

professor podia dar atenção para gente” – Excerto 9 –

Linhas 94-95

“(...) antes o professor explicava tudo direitinho ele dava

atenção” – Excerto 9 – Linhas 112-115

Quadro 3: Sobre ser aluno do PA e sobre o PA

Vitoriano (2015), ao buscar entendimentos sobre o ensino em contextos

socioeducativos, ressaltou que “quando o estigma não é evidente, a pessoa

marcada tende a manipular o estigma a fim de parecer o mais ‘igual’ quanto for

possível” (op.cit. p.84).

Iuri (cf. 4.2.1) e Pedro (4.2.2), além de culpabilizarem seus professores

pela distinção feita por eles em relação aos outros alunos, e de darem luz ao outro

para que se mantenham seguros e distantes de qualquer julgamento, tentam se

construir como alunos “normais”, ressaltando que todo mundo aqui consegue(cf.

4.2.1, excerto 3 – linha 38).

Percebi que também é comum nesse tipo de encontro misto valer-se de

estratégias de evitação de confronto, na tentativa de diminuir ou apagar atributos

negativos, tais como vaguezas, generalizações, hesitações (pausas, alongamentos

de vogais), não-resposta. Durante a análise dos dados gerados, vi que as

estratégias de evitação ocorrem com maior frequência do que as estratégias

corretivas, e também são utilizadas por mim na tentativa de dar continuidade ao

meu planejamento para entender [planning for understanding] a qualidade de vida

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daquele grupo e tornar a interação face a face um momento menos ameaçador. (cf.

4.2.2)

Dessa forma, como um dos objetivos dessa pesquisa diz respeito à busca

por entendimentos sobre ser aluno e professor de uma turma de primeiro ano do

Ensino Médio, pude resgatar em nossos discursos como as diferentes faces eram

atribuídas aos professores e aos alunos, assim como sobre os alunos do PA,

inclusive, por alunos que fizeram parte do programa. Destaco, no quadro a seguir,

alguns exemplos de como os alunos constroem significados sobre o que é ser

aluno e professor:

Interlocutor Excerto Significados

Flávia (4.2.1) “ (...) por que você abre o

caderno quando o professor [tá

explicando]? Excerto 3 –

Linhas 42 – 43)

“você copia a matéria, Iuri”

Excerto 3 – linha 46

Aluno tem que copiar a

matéria, abrir o caderno.

Sabrina (4.2.1) “(...)ficar falando que não vai

fazer o exercício e ficar

dormindo não dá não” –

Excerto 2 – linhas 22-23

Aluno tem que fazer o

exercício e não pode

dormir durante as aulas

Pedro (4.2.2) “(...)ela conversa bastante

comigo também-ela é legal

também-ela explica, ela tem

paciência para poder explicar”

– Excerto 10 – linhas 124-126

“como que uma professora

não sabe explicar um dever

para um aluno?(...)” – Excerto

10 – linhas 136-138

Para Pedro, um bom

professor é aquele que

conversa, que tem

paciência para explicar a

matéria;

O professor precisa saber

explicar o conteúdo e os

exercícios aos alunos.

Quadro 4: sobre ser aluno e professor

A priori, imaginei que os dados gerados para este trabalho me mostrariam

como o estigma sobre os alunos do PA era sentindo e coconstruído em interação.

Contudo, além de compreender que os estigmas também são desconstruídos,

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entendo que nossos encontros propiciaram o surgimento de alguns

questionamentos sobre a nossa vida e nossos papéis na escola, assim como a

coconstrução de inteligibilidade sobre tais questionamentos, como o lugar do erro

na escola, quem pode errar, os papéis de professores, estagiários e alunos (cf.

4.2.3).

Em suma, creio que a contribuição deste trabalho esteja no entendimento

de que as interações em sala de aula ultrapassam o que é delimitado pela estrutura

IRA – Iniciação, Resposta; Avaliação. Garcez (2006) reconhece que olhar para a

sala de aula considerando que as interações entre alunos e professores acontecem

apenas de uma maneira é desconsiderar que aquele contexto também seja

composto por interações aluno-aluno, que pode assumir outras configurações e

excluir toda a criatividade deste evento.

Assim como as práticas discursivas com as quais nos engajamos no nosso

cotidiano, as nossas interações na escola são marcadas por projeções do eu e do

outro. Logo, talvez, a maior contribuição desse estudo esteja no fato de propor um

novo olhar para o evento “aula”, em que o trabalho de face surge como uma das

estratégias interacionais evidentes para (des)construção de estigmas, para refletir

sobre a qualidade de vida dos grupos e sobre seus questionamentos e, neste

trabalho, para coconstruir entendimentos locais sobre ser aluno e professor.

Figura 9 - Sobre trabalho de face e as interações em sala de aula.

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5.2. Sobre os desafios de ser uma professora-pesquisadora-praticante exploratória

Assim como Silva Barbosa (2010) relata a dificuldade em começar o

trabalho tendo como base a Prática Exploratória, em sua dissertação de mestrado,

compartilho a seguir minhas percepções sobre o trabalho conjunto com a 1001.

Acredito que a minha sensação de não ser tão exploratória por, pelo

menos, algumas circunstâncias, se deva ao fato de perceber que os alunos não

consideravam os momentos de reflexão e de conversa como momento de aula,

como parte da aula. Fui surpreendida por alunos que me pediam para não dar aula

para quepudéssemos conversar. Embora, a meu ver, essas colocações fizessem

parte do processo dos alunos de tornarem-se exploratórios, entendia que esses

momentos eram não somente espaços que tínhamos de construir entendimentos

sobre as questões que nos afligiam, mas também momentos de aprendizagem,

mesmo que esta não se referisse a algum tópico gramatical, por exemplo.

Aprender a lidar com a minha autonomiafoi outra dificuldade que

enfrentei. Pode parecer contraditório que eu tenha sentido isso, mesmo havendo

desejado tanto estar em um contexto de trabalho que me permitisse tomar minhas

decisões. No entanto, ter muita liberdade e sair do planejamento, por muitas

vezes, me deixou intrigada e me vi compartilhando doquestionamento dos meus

alunos: será que o que estava acontecendo em sala de aula era, de fato, aula? Será

que os momentos de troca de saberes e reflexão estão sendo entendidos por eles

como parte do processo de aprendizagem?

5.3. Sobre ser aluno e professor na 1001: minhas reflexões

Allwright e Hanks (2009), ao delinearem as cinco proposições sobre

aprendizes, salientam a necessidade de tanto professores quanto alunos serem

entendidos como agentes no processo de ensino-aprendizagem. Ao atribuírem

papéis relevantes nesse processo a ambos os praticantes, os autores propõem que

os aprendizes não sejam vistos como “alvos do ensino” (op. cit., p.2), uma vez que

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eles “podem se desenvolver e, assim, se desenvolvem e se desenvolverão, com ou

sem o reconhecimento dos profissionais da linguagem”25 (idem.).

Como Linguista Aplicada e aprendiz/praticante, reconheço que os alunos

da turma investigada e eu nos encontramos em um processo constante de

aprendizagem sobre nós mesmos e sobre a vida que vivemos na escola.

Destaco, aqui, a importância do meu papel como professora para a

construção de andaimes que auxiliarão os meus alunos a construírem

conhecimento. Sobre isso, Rosiek (2003) discute a importância da “construção de

pontes entre o conceito e as experiências dos alunos”. Após a minha experiência

durante essa pesquisa e, ao longo da minha trajetória profissional, creio que seja

possível ir mais além.

Acredito que professores e alunos podem coconstruir pontes que

colaborem para o surgimento de puzzlessobre a vida em sala de aula e fora dela;

assim como andaimes que os ajudem no processo de reflexão na busca por

entendimentos para as questões intrigantes, uma vez que considero que “situações

que colocam a aprendizagem em foco não são necessariamente aquelas nas quais

nós mais aprendemos, ou aprendemos mais profundamente” (Wenger, 1998, p.8).

Durante a escrita desse trabalho, por inúmeras vezes, me questionei sobre

o quão relevante ele seria, sobre o porquê me dedicar às questões que apresentei

ao longo do texto, sobre os motivos em continuar a buscar entendimentos sobre a

vida em um contexto que se apresenta, por muitas vezes, como um pequeno

jardim seco, quase morto.

Talvez, a contribuição mais relevante dessa grande oportunidade de

aprendizagem tenha sido a possibilidade de dar voz aos que, geralmente, estão à

margem em pesquisas sobre a escola. Ouvir e ser ouvida por aqueles que

constroem o meu dia a dia contribuiu para que eu voltasse a pensar sobre o meu

processo de formação continuada, sobre o meu papel dentro daquele contexto e,

principalmente, sobre a vida. Da mesma forma, também me encontro em meio a

esses dilemas e questionamentos que me ajudam a construir minha identidade de

professora-pesquisadora em formação permanente (Moraes Bezerra, Cunha e

Miller, 2004).

25Tradução minha para a citação original: “Learners can develop, do develop and will develop,

whether or not language professionals recognize the fact”.

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Refiro-me aqui à vida, pois, assim como a cronista no texto que escolhi

para inaugurar esse estudo se dedica a olhar para o que parece rotineiro com mais

cuidado, tentei pensar sobre a sala de aula como um espaço de encontros e

desencontros, altos e baixos, espera, disputas e conflitos, mas, sobretudo, um

espaço de oportunidades e alegrias.

Assim como foram e são eles, hoje já são outros. Não tenho como

mensurar o quanto essa pesquisa foi importante para aqueles alunos, já que

seguiram seu caminho, mas, para mim, foi o motivo para continuar, para voltar a

acreditar na escola como uma instituição, para ir além do descrédito e da

desmotivação causadas por ordens políticas e que estão fora do meu alcance.

Guardo com carinho cada palavra, cada atividade e cada abraço, e

agradeço pela oportunidade de ter sido professora desse grupo de alunos. Hoje,

tenho a certeza de que essa dissertação não se encerra aqui, uma vez que falar

sobre a vida não cabe nos limites dessas páginas e ultrapassam as margens desse

texto.

Há muito caminho a ser seguido à luz da Prática Exploratória, pois discutir

e observar tais aspectos, de nada valeria se não mexesse com as pessoas e não

provocasse novos entendimentos. Espero que, a partir desse trabalho, eu possa

continuar a fazer o mínimo para sair do senso comum em sala de aula, mesmo

enfrentando dificuldades do sistema público de ensino, para aprender a lidar com

as adversidades que eu possa encontrar pelo caminho.

O olhar continua o mesmo: ávido pela busca de entendimentos e para o

surgimento de novas questões. A janela abriu, já que, além de contemplar a minha

paisagem e me sentir completamente feliz, a complemento, faço parte, saio da

inércia e, junto ao que vejo, construo suas cenas.

Figura 10 - Reunião Thanksgiving – retorno dos dados aos praticantes: alunos da 1001 e eu.

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Anexo I Termos de autorização da pesquisa Niterói, ____ de _______ de 2015

À Direção e Coordenação Pedagógica,

Gostaria de solicitar sua colaboração para viabilizar a participação dos alunos da

turma 1001 do Ensino Médio do Colégio Estadual Arte de Ser Feliz em pesquisa

de mestrado da professora Evellyn Juliane Da Rocha Brandão, professora regente

de Inglês desta instituição.

Esta pesquisa, que está vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos da

Linguagem da PUC-Rio, vem sendo desenvolvida sob orientação da professora

Dra. Inés Kayon de Miller, e insere-se no Projeto de Pesquisa Prática

Exploratória: ações pedagógico-investigativas para entender a vida em sala de

aula, ligado à Linha de Pesquisa Discurso, Práticas Cotidianas e Profissionais. A

pesquisa será realizada mediante a geração e análise de dados orais e Atividades

Exploratórias com Potencial Exploratórias produzidas pela professora e pelos

alunos ao longo do ano letivo.

Ao ter acesso às produções dos alunos, comprometo-me a não divulgar o nome da

instituição nem o nome dos estudantes cujos trabalhos forem utilizados na

pesquisa. Esperando poder contar com a sua colaboração, coloco-me à sua

disposição para quaisquer esclarecimentos.

Atenciosamente,

Evellyn Juliane da Rocha Brandão

Niterói, ____ de ________ de 2015.

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À Professora Evellyn Juliane da Rocha Brandão,

Em nome da direção do Colégio Estadual Arte de Ser Feliz, eu, Clementina Olívia

da Cunha Moreira da Hora, autorizo a realização de pesquisa de mestrado da

professora Evellyn Juliane da Rocha Brandão, vinculada ao Programa de Pós-

Graduação em Estudos da Linguagem da PUC-Rio, sob orientação da professora

Dra. Inés Kayon de Miller.

Autorizo, ainda, que os trabalhos desenvolvidos em suas aulas ao longo do ano

letivo sejam incluídos no corpus da pesquisa, sob a condição de que o nome dos

alunos e o da unidade escolar não sejam divulgados.

Atenciosamente,

Diretora

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Anexo II Prova de Pedro

Figura 11 - Questão da prova.

Legenda da tirinha: 1º quadrinho – “Péssimo! A professora me deu “péssimo” outra vez!, fala do

menino. / 2º quadrinho – É pra isso que a gente vai todo dia à escola?/ 3º quadrinho – Se eu viesse

de vez em quando, ainda vai!.../ 4º quadrinho – Mas fazer isto com um freguês?

Figura 12 - Resposta de Pedro e Cleber.

Legenda das respostas: Cleber desenha um microfone em formato de pistola e escreve – “A

melhor arma são as palavras”. Já Pedro, no cantinho da folha, responde: Sim, lembra que eu fiz

meu trabalho à mão e a professora não aceitou. Poxa!!! Me senti envergonhado por que eu fiz com

todo cuidado para ela não aceitar me senti péssimo também!!!

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Anexo III Excertos

Excerto 1 -“[o que eu falei foi] que a autonomia tem estereótipo”

Bianca 1 que foi que ele falou? Iuri 2

3 4 5 6 7

[o que eu falei foi] que a autonomia tem

estereótipo porque quando a gente chega na sala

assim as vezes assim “ah...o pessoal do

autonomia” aí já pensa logo que a gente é idiota

que a gente não sabe ler, não sabe escrever que a

gente é tudo um bando de neandertais Sabrina 8 [↑gente calmaÊ] Evellyn 9

10 11

mas o Iuri, olha só, isso é uma pergunta para

Iuri e pra- para todo mundo. Porque você acha

isso, Iuri? Iuri 12

13 14 15

porque simplesmente pelo fato de entrar dentro da

sala o [professor] já olhar assim “Autonomia -

Autonomia” [aí começa] tipo assim a ficar em cima

do autonomia e esquece dos outros alunos= David 16 [para de falar certo] Raissa 17 [é verdade]

Excerto 2 – “é porque com eles foi diferente gente sei lá”

Evellyn 18 =mas já aconteceu alguma coisa que:: Iuri 19 já= Fábio 20 =heleno= Hanna 21 =é porque com eles foi diferente gente sei lá Sabrina 22

23 ficar falando que não vai fazer o exercício e

ficar dormindo não dá não Flávia 24 é Sabrina 25 é se ele [falar isso (que você tá dormindo)]= Iuri 26

27 28 29 30 31

[mas ele não pode falar que nós somos]

idiotas porque cara a gente pelo fato de já ter

passado [pelo autonomia] [a gente prova que tem

um intelecto bom cara] a gente fez várias séries

em menos de- menos de- [menos de três anos] –

fizemos em [dois anos]

Excerto 3 – “todo mundo aqui consegue”

Evellyn 32 [GENTE olha só] Hanna 33

34 35 36

[não mas olha só mas não é isso não porque::]

[mas oh olha só] Ô Iuri mas Flávia era do

autonomia e Flávia é totalmente diferente [das

outras pessoas]= David 37 =[mas nem todo mundo é igual cara] Iuri 38

39 todo mundo aqui consegue mas o professor [já

entra na sala]= Flávia 39

40 41 42 43

=[não não mas agora] eu vou falar, vou falar

porque quando eu falo o bagulho fica- mas você

sabe por que pensam que é diferente? por que você

abre o caderno quando o professor [tá

explicando]?= Alunos 44 [é::] ((a maioria dos alunos concorda com a fala

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45 de Flávia em coro)) Flávia 46 = você copia [a matéria, Iuri?] Hanna 47 [que nem] -que nem na aula [de –de Português] Flávia 48 [é cara e professora de Biologia cara]=

Iuri 49 [eu copiei a matéria] eu só não sei Flávia 50

51 50 51 52 53

=eu tava do lado dela e ela disse “chama Iuri

para fazer a recuperação”. “não quero” (.) “por

quê?” “vou ficar de dependência mesmo” ((após a

fala de Flávia os alunos começam a falar ao mesmo

tempo e fica difícil transcrever este momento))

pois é, aí você vê. você não copia a matéria Iuri 54 mas isso não justifica cara Flávia 55 a:::-h eu acho que isso justifica sim= Evellyn 56 mas olha só já= Bruna 57 =não copia a matéria=

Excerto 4 - “a gente tinha que provar pra eles que é diferente

David 58 =corta esse cabelo sansão= Evellyn 59

60 61

=Olha SÓ - ↑parou – GENTE OLHA SÓ. Ô Iuri, tá

falando isso porquê? Já aconteceu alguma situação

que você se sentiu assim= Iuri 62

63 64 65 66 67 68

=já. porque até a própria professora de Português

às vezes trata a gente como se a gente fosse-

isso não é desculpa para evadir o que eu tô

querendo falar mas isso não justifica porque é:::

a professora às vezes tá ali na frente aí ela

deixa às vezes de atender o que Pedro fala

achando que ele tá de deboche com a cara dela Flávia 69

70 71 72

não, mas sabe qual é o problema, já que o pessoal

tem tanto preconceito com a gente tinha que

provar para eles que é diferente. você vai provar

assim com o caderno fechado? Sabrina 73

74 ↑verdade ((alunos começam a falar ao mesmo tempo

sobre o assunto)) Iuri 75

76 eu vou ficar escrevendo um negócio que eu sei que

não vou conseguir concluir?

Excerto 5 – O primeiro dia de aula foi assim

Adriana 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17

[peraí] gente –peraí. primeiro dia de aula foi

assim, a gente foi lá embaixo a gente tipo tinha

um grupinho ano passado eu, Hanna e meus amigos,

aí só vimos que eu e Hanna estávamos em uma

turma separada que era a deles, aí eu e Hanna

falou assim não-não vou ficar nessa turma porque

eu não conheço ninguém” ela entrou na sala e

falou “eu não gosto do autonomia” eu “Hanna não

fala assim vai pegar –é:: as garotas –as garotas

não vão gostar de você porque você falou isso”

mas foi isso Hanna chegou na sala e só falou “eu

não gosto do autonomia” e tinha um monte de

garota lá atrás eu acho que tava::você a tava no

dia não tava? tava essa menina ((alunos começam

a falar)) aí foi isso né gente ↑tipo eu também

não queria ficar nessa sala ((alguém pede

silêncio))- eu também não queria ficar nessa

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18 19

sala mas POR MEDO eu não falei, eu botei minha

mochila e saí hhhhhh eu levantei e saí

Evellyn 20 medo de quê?

Adriana 21 eu sei lá vai que:: eu levantei e saí

Excerto 6 - “agora entram professores, saem professores”

Evellyn 1 2 3 4 5 6 7 8

eu achei legal isso aqui que eu estava lendo em

casa na hora que eu fui corrigir é::: esse

exercício sobre a tirinha aí eu achei legal que

você e o Cleiton fizeram separado né? ele colocou

que a melhor arma são palavras foi bem legal mas

eu fiquei curiosa com isso que você escreveu aqui

por que que você relacionou é::: o que tá na

tirinha com = Pedro 9

10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26

27 28

=é porque eu assim é muito diferente é porque a

gente estava no autonomia e agora eu comecei a vir

para o primeiro ano agora que no autonomia a gente

via vídeo é televisão e tudo complicava aí chegou

no primeiro ano é super diferente porque é::

diferente porque a gente aprendia as coisas com as

pessoas explicando na televisão aí chego chega

aqui no primeiro ano é tudo diferente sai

professores e entram professores e vai complicando

mais, entendeu? é -bé sei lá é diferente não é tão

ruim nem tão bom mas é diferente é:: então isso os

professores tem professores que conseguem entender

e tem professores que também não conseguem

entender que tem aluno que ainda por si ainda

poderia até ter mesmo uma ajuda pra poder

conseguir mas tem professores que não enxergam que

o aluno tem dificuldade que tem aluno que tem

facilidade de aprender e tem outros também que não

tem eles tem gente que sei lá não sei explicar

muito essas coisas

Excerto 7 -“você não acha também que os alunos não colaboram?”

Evellyn 29 30 31 32 33 34 35 36 37 38 39

hhhhh não é legal a gente pensar só que eu fiquei

pensando sabe no que é:: eu tava vendo, né? eu

elogiei vocês no semestre passado porque eu achei

que é: a turma entregou bastante trabalhos nesse

semestre no último bimestre mas nesse bimestre

pouca gente entregou trabalho aí eu achei assim

poxa será que eles também não estão se

entregando, sabe? já que vocês falam falaram

muito daquele negócio de preconceito de que acha

que os professores tem preconceito mas será que

vocês também não tão deixando? Pedro 40

41 42

é é porque eu eu mesmo percebo que a turma tá::

deixando de sei lá desacreditando porque os

estudos não estão como antigamente Evellyn 43 por que? Pedro 44

45 46

porque tem professores que se interessam existe

não vou falar que não existe tem professores que

se interessam ao ensinar e tem professores que não

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47 48 49 50 51 52

se interessam entendeu. “Ah lá, não sabe? Já

expliquei então você faz” aí fica por isso mesmo.

os alunos não deixa de acreditar. professor-a

gente pede para ir para sala dos professores, os

professores já se alteram e já tem outros

professores que explicam direito enten[deu] e=

Excerto 8 - “Eu não chego aqui e se entrego também”

Evellyn 53 54 55 56 57 58 59 60 61 62 63

=[mas]então mas às vezes eu fico pensando assim

nos estudos –os estudos mudaram mas por que agora

os professores estão assim diferentes ou fecha

essa porta aí para mim Peterson, tá muito barulho.

((Pedro fecha a porta)) –é –não –deixa assim

encostada. Nossa, mas aí::: você falou desse

negócio do professor você tava dizendo que os

estudos tá diferente porque o professor você

procura os professores na sala dos professores

eles não ajudam uns ajudam você não acha também

que os alunos não colaboram? Pedro 64

65 66 67 68 69 70 71 72 73 74 75 76 77 78 79 80 81 82 83 84 85

tem alunos que –que fica desinteressado, têm

bastante. Eu –eu vou falar de mim – eu -eu me

interesso eu acho mas quando eu não sei eu tento

buscar mais daquilo para eu poder ver se eu

consigo me aproximar. Quando eu vejo que eu não tô

conseguindo-não é questão de desistir – eu tipo

assim – eu paro porque pô não vou conseguir então

eu vou parar porque fica difícil às vezes faço

prova às vezes fico nervoso não consigo pensar

direito porque eu fico com medo de errar mas é::

eu não chego aqui e se entrego também porque tem

alunos que se entregam não quer crescer eu-eu-

penso assim –eu quero crescer mas vendo por essa

dificuldade que eu tô passando eu acabo me

desinteressando também porque eu penso assim

“ah..eu não vou conseguir” porque Matemática eu

não às vezes agora no primeiro ano eu não tô

conseguindo pegar muito, Biologia também mas agora

eu tô conseguindo me recuperar História também

acabei de fazer agora a avaliação do segundo

((bimestre))que eu tirei em história, mas em

história eu tô com quatro na média Evellyn 86 huhum tá pertinho Pedro 87

88 e eu não sei quanto que eu vou tirar agora [nessa

prova agora]

Excerto 9 - “eu acho que tudo mudou”

Evellyn 89 90 91

[você não acha que é muito diferente do ano

passado ou você acha que tipo você acha que você

mudou também? Será=

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Pedro 92 93 94 95 96 97 98 99 100 101 102 103 104 105 106 107 108 109 110 111 112 113 114 115

tem as duas opções mudou e:: não tá- tá um

pouquinho sabe porque mudou? porque porque na-

na autonomia a gente só tinha um professor- o

professor podia dar atenção para gente então a

autonomia toda ficava em dúvida o professor na

hora parava o que ele tava fazendo e explicava

agora na:: -na mil e um de tarde- não de tarde

não – de manhã a gente faz o- a gente fica com

uma dúvida os professores não tem paciência não

quer explicar porque falou que já explicou e a

turma –e a turma não prestou atenção tem alunos

que presta atenção tem alunos que não presta

fica conversando alto aquela algazarra aí não dá

para escutar direito. O professor fala e fala

que tava todo mundo conversando mas não é tem

aluno que presta atenção eu se eu tiver

conversando e alguém tiver falando comigo eu

paro de conversar com a pessoa para tentar

entender o que a pessoa fala às vezes eu escuto

às vezes às vezes eu peço para a pessoa parar

para poder explicar de novo. Antes o professor

explicava tudo direitinho ele dava atenção para

todo mundo dentro da sala mas quando chegou no

primeiro ano tudo mudou. Eu acho que tudo mudou. Evellyn 116 hhhhhh Pedro 117 Agora é super diferente

Excerto 10 - “como que uma professora não sabe explicar um dever para um aluno?”

Evellyn 118 119 120 121 122

é...é que eu não consigo imaginar por isso que

eu tenho que conversar com vocês porque eu acho

que mesmo sabendo disso, acho que só vocês

contando mesmo, falando que-que tem como a

gente ter uma noção melhor do que acontece Pedro 123

124 125 126 127 128 129

é:: porque tudo –é –é tudo na conversa, como eu

falei com a professora Maria, ela conversa

bastante comigo também-ela é legal também-ela

explica, ela tem paciência para poder explicar,

mas tem alguns que já não vão gostar muito –não

tem professores que explicam bem mas tem u::ns

sabe Evellyn 130 [hhhhh] Pedro 131

132 133 134 135 136 137 138

[hhhhh] tem uns que ainda não sabe explicar –

se embola é:: no autonomia mesmo tinha uma

professora que não vou citar nomes né que todo

mundo já sabe já quem é:: ela precisava para os

alunos explicar a ela o dever que ela não sabia

fazer. como que uma- como que uma professora

não sabe explicar um dever para um aluno?

aí:::= Evellyn 139

140 141

=mas você não acha que a gente também pode

aprender com vocês? Eu acho que eu super

aprendo com [vocês] Pedro 142

143 144

[não] pode –pode sim aprender mas aí já é

demais hhh abrir o livro e perguntar como se

faz o dever para os alunos hhhh Evellyn 145 hhhhhh Pedro 146

147 ela abriu o livro e perguntou “gente abre o

livro na página tal. como é que faz esse daqui?

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143

148 149 150 151 152 153

eu não sei fazer isso daqui não- isso aqui é

muito diferente não sei o que” aí ficava todo

mundo de boca aberta porque acabava que ninguém

sabia também –vai fazer o que? A professora

ficar perguntando para gente como é que se faz

o dever?

Excerto 11 - “e por que você foi para o autonomia, Pedro?”

Evellyn 154 e porque você foi para o Autonomia, Pedro? Pedro 155

156 porque eu tinha muita dificuldade-eu-eu-eu era

igual o Iuri Evellyn 157 uhum Pedro 158

159 160 161 162

respondia tudo-assim- fa- é- falando –e – e-

quando chegava na hora eu sabia tudo –na hora

de fazer o dever –tava tudo certo mas quando

chegava na hora de fazer a prova eu não

conseguia= Evellyn 163 =uhum= Pedro 164

165 166 167 168 169 170

Então eu comecei a brincar na sala de aula

comecei a fazer um monte de coisa. matava aula.

depois que eu vi que isso não ia acontecer nada

–isso não ia me levar a nada –eu faltando aula

não ia ter uma vida que queria que eu sonho em

ser fisioterapeuta né:: eu quero ser

fisioterapeuta Evellyn 171 que chique Pedro 172

173 eu quero ser fisioterapeuta então foi assim. se

eu não estudar vou chega= Evellyn 174 =tem [que]= Pedro 175

176 177 178 179 180 181 182 183 184 185 186 187 188 189 190 191

[se eu não] estudar –se eu não fizer nada

da minha vida como é que eu vou ser um

fisioterapeuta –se eu não fizer nada da vida.

então, eu fui pensando e agora- agora que eu tô

caindo na real porque eu brincava muito no

ensino ih-eu brincava no ensino fundamental

assim – ficava brincando muito. matava aula. –

não queria saber de nada, as provas não fazia

deixava tudo em branco porque eu não sabia e no

primeiro ano agora eu tento fazer mesmo estando

errado eu tô fazendo porque eu tô vendo que

hoje em dia tá complicado para você arranjar um

trabalho você tem que ter pelo menos o primeiro

grau completo porque tá tudo difícil e depois –

e agora –e agora quando eu cheguei no primeiro

ano agora dá tempo para eu recuperar eu vou

tentar correr atrás Evellyn 192

193 ai que bo::m mas aí ainda dá tempo tem que

estudar bastante biologia Pedro 194 é::agora eu tô sem tempo também

Excerto 12 - “eu te convido a pensar”

Evellyn 195 196 197 198 199

mas a gente arranja tempo. eu fiquei curiosa

porque você colocou assim no cantinho? Você

lembra porque você escreveu isso? Não sei, eu

olhei assim e falei:: ge::nte porque Pedro

escreveu assim no cantinho?

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Pedro 200 não sei hhhhhh Evellyn 201

202 203 204 205 206 207 208 209 210 211 212 213

hhhhhhh eu tô pensando ainda. vamos ficar

pensando nisso. eu fiquei pensando mas assim eu

acho várias coisas assim –você sabia que eu ia

ler né? que a professora vai ler – não sei se

você ficou com vergonha porque era a professora

que ia ler, mas vamos- eu te convido a pensar

no porquê que será que você escreveu no

cantinho. não precisa me responder agora não

porque é uma coisa que tem que pensar porque a

gente vai continuar pensando nisso bimestre que

vem sobre aquelas coisas todas da sala e você

acha que tem questionamentos novos? Porquês

novos? novos puzzles? Pedro 214

215 pode ter não tenho muita certeza, mas pode ter

ou então pode não ter sei lá porque Evellyn 216

217 218

eu também achei muito interessante muito legal

aquilo que você escreveu sobre os porquês que a

vida tem vários porquês Pedro 219

220 tem muito porque, então, para poder explicar o

porque tem que ter um porque então Evellyn 221

222 223 224

é:: é – mas é né. eu acho que o mais legal é

isso a gente ter sempre um porque para gente se

movimentar, para gente pensar. Você vê, se não

fosse talvez um porque um motivo para você= Pedro 225 =se explicar Evellyn 226

227 228 229

é:: para você ué, você não queria – você não

quer ser fisioterapeuta. se Deus quiser você

vai ser. se não fosse isso talvez você não

estudasse mais. Pedro 230 é::

Excerto 13 -“tem que falar dos estagiários também né?”

Hanna 1 tem que falar dos estagiários também né? Bruna 2

3 é..aquela do cabelo enroladinho eu acho que já é

professora Bianca 4

5 ela já é professora? é até que ela parece

melhorzinha mesmo Flávia 6

7 o pior mal dos estagiários é pensar que já é

professor Hanna 8 É né? Evellyn 9

10 11

que isso? oh...daqui a pouco a estagiária de

inglês tá chegando aí hein, e ela já dá aula, já é

professora Sabrina 12

13 14

essas estagiárias de matemática parece até que é

mais burra do que eu. O cara escreveu errado aqui

ó no quadro para todo mundo ver Flávia 15 é o cara ensinou o negócio errado para gente

Adriana 16 17 18

e..aí no meio do exercício que todo mundo fez

falou que tava certo e ele falou que tava errado,

“opa, como [assim?”]

Excerto 14 -“uma vez é normal, mas errar sempre”

Evellyn 19 20 21

não mas o estagiário que tá na escola também vocês

não acham que aqui também é um espaço para eles

aprenderem?

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Sabrina 22 23 24

mas os que já são profe[ssores]? Hh eles tem que

dar o negócio certo para gente tem que ensinar

certo e não ensinar errado

25 26

[é]hhhh ((alguns alunos da

turma concordam)) Sandra 27 mas eles [são humanos]=

Flávia 28 [bem ou mal eu copiei]

Sabrina 29 30

=SEmpre? errar é humano errar uma vez é normal,

mas errar sempre? Sandra 31

32 mas isso não acontece sempre, você não pode pensar

[assim]= Sabrina 33 =não erra erra sim

Hanna 34 [tá certo] porque eu vejo

Evellyn 35 36

mas gente –mas gente, vocês não acham assim que

professor também pode errar? Sabrina 37

38 39 40

claro que pode né professora, mas sempre. você

passar uma coisa e não conseguir fazer? Um

professora vai ali no quadro colocar uma conta e

vai errar? um professor de matemática? (.)

Excerto 15 - “mas isso era relevante?”

Cleber

41 42 43 44

Professora, a gente tinha uma professora de

matemática aqui que ela era a melhor professora

de matemática da escola, mas só que ela tinha

erros de português Hanna 45 É:: peraí que eu vou lembrar o nome dela

Sabrina 46 47

Eu sei ó tá aqui ((aponta para a língua)) Vilma

hhhhhh ((risos dos alunos)) Flávia 48

49 Hhhhh [olha ela a pessoa fala para não falar

nomes e fala] Cleber 50

51 52 53

[ela a pessoa- sabe aquela pessoa que é ridícula

na matéria ela fazia tirar nota boa e não é- ela

não dava nota não, ela realmente ensinava mesmo,

mas tinha erro de português para caramba Hanna 54 Professora, ela falava po-bre-ma hhhhhh

Evellyn 55 Mas isso era relevante?

Cleber 56 [não]

Hanna 57 [isso era horrível, professora]

Excerto 16 - “a gente tinha ebola”

David 1 2 3

adriana -adriana subiu cheia de vergonha porque a

diretora mandou ela voltar para a sala dela hhhh

((risos do grupo)) Adriana 4 Isso foi muito tempo depois= Flávia 5

6 =e a gente, olha, mas a gente riu tanto da cara de

vocês= Hanna 7 Foi [–fo::i –fo::i a diretora] hhhh Sabrina 8

9 [A tia do corredor veio e devolveu vocês hhhhh

(alunos riem) Flávia 10

11 12 13

[ no dia que vocês] –é –elas saíram da sala

professora hhhhhhh ((risos de Sabrina))porque a

gente tinha uma do[ença contagiosa] que elas não

podiam chegar [perto]hhhhh

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Adriana 14 [hhhhhh] David 15 [a gente] tinha ebola hhhh= Camila 16

17 18

= oh a gente ficou aqui só esperando a desgraça

chegou ela, chegou Ana, acho que chegou Vanessa

também NÃO Sabrina 19 NÃO ela ficou aqui Flávia 20 não foi quem? Sabrina 21 foi ela ((apontando para Adriana) Adriana 22 [foi]eu= Hanna 23 =foi ela [e Bia só] Flávia 24

25 26

[aí quando elas] chegaram e a diretora

falou ‘senta’ olha mas a gente riu, mas a gente riu

tanto Hanna 27

28 29

Cadê aquele garoto?Como que era? Como que era

aquele garoto que saiu da es[cola? Qual] o nome

dele?= Flávia 30 =[Julio]= Hanna 31

32 =[falou que ia tacar uma bomba na gente, gente, eu

olhei para cara dele]= Flávia 33

34 =[a gente riu tanto que a diretora chegou aqui e

colocou todo mundo de volta]= Sabrina 35

36 porque a tia chegou aqui falando “eu vou trazer

elas”= Hanna 37 =cagoetaram a gente NÉ safadas Adriana 38 foi Alice que cagoetou

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