eu quero ver eu quero ver baddi choufbaddi chouf · você encarna uma figura de matriarca do cinema...

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Eu Quero Ver Eu Quero Ver Eu Quero Ver Eu Quero Ver Baddi Chouf Baddi Chouf Baddi Chouf Baddi Chouf

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Eu Quero VerEu Quero VerEu Quero VerEu Quero Ver Baddi ChoufBaddi ChoufBaddi ChoufBaddi Chouf

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UUUUm filme de Joana Hadjithomas e Khalil Joreigem filme de Joana Hadjithomas e Khalil Joreigem filme de Joana Hadjithomas e Khalil Joreigem filme de Joana Hadjithomas e Khalil Joreige Selecção oficial Un Certain Regard Selecção oficial Un Certain Regard Selecção oficial Un Certain Regard Selecção oficial Un Certain Regard Cannes 2008Cannes 2008Cannes 2008Cannes 2008

Julho de 2006. Começa a Guerra no Líbano. Uma nova guerra mas não apenas mais uma. Uma guerra que esmaga a esperança de paz e o momentum da nossa geração. Já não sabemos o que escrever, que histórias contar de novo, que imagens mostrar.

Perguntamo-nos: o que pode o cinema fazer? Essa questão, decidimos traduzi-la pela realidade. Vamos a Beirute com um ícone,

uma actriz que, para nós, simboliza o cinema, Catherine Deneuve. Ela vai encontrar-se com o nosso actor mais querido, Rabih Mroué. Juntos, eles irão passar nas regiões mais devastadas pelo conflito.

Através da sua presença, deste encontro, esperamos encontrar a beleza que os nossos olhos já não conseguem ver.

É o início de uma imprevisível e inesperada aventura…

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Excerto de uma entrevista comExcerto de uma entrevista comExcerto de uma entrevista comExcerto de uma entrevista com Catherine Deneuve Catherine Deneuve Catherine Deneuve Catherine Deneuve (…) Você encarna uma figura de matriarca do cinema francês no filme de Despleschin, e Você encarna uma figura de matriarca do cinema francês no filme de Despleschin, e Você encarna uma figura de matriarca do cinema francês no filme de Despleschin, e Você encarna uma figura de matriarca do cinema francês no filme de Despleschin, e prestaprestaprestapresta----sesesese a uma av a uma av a uma av a uma aventura muito experimental em Eu Quero Ver. É uma bela entura muito experimental em Eu Quero Ver. É uma bela entura muito experimental em Eu Quero Ver. É uma bela entura muito experimental em Eu Quero Ver. É uma bela esparregata.esparregata.esparregata.esparregata. Sim, e até filmei o documentário de Joana Hadjithomas e Khalil Joreige – falaria mais de uma semi-ficção – durante a rodagem do Desplechin! Porque os acontecimentos no Líbano nos tinham impedido de filmar na data inicialmente prevista. Viver isto no ano passado, estes dois filmes misturados, foi uma coisa verdadeiramente espantosa. Conhecia o trabalho destes dois jovens cineastas libaneses?Conhecia o trabalho destes dois jovens cineastas libaneses?Conhecia o trabalho destes dois jovens cineastas libaneses?Conhecia o trabalho destes dois jovens cineastas libaneses? Não muito. Vi os seus filmes depois de termos falado do projecto. Queriam filmar estes locais destruídos pela guerra, no Sul do país, antes que não restasse mais nada. A Hezbollah arrasa e constrói com uma velocidade fenomenal. Tive vontade de fazer este filme em vez de sempre ter que responder a questões sobre o que penso de tal ou tal situação. Apresentaram-me um pequeno guião, sem diálogos, e perguntaram-me se me convinha. Agradava-me. Era uma maneira para mim de participar em alguma coisa pelo Líbano. Tem algum apego especial por esse país?Tem algum apego especial por esse país?Tem algum apego especial por esse país?Tem algum apego especial por esse país? Não, é um país que conheceu muitas guerras, sofreu muito. Provavelmente teria podido fazer isso por outro país.

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Você é cada vez mais dirigida por jovens cineastas…Você é cada vez mais dirigida por jovens cineastas…Você é cada vez mais dirigida por jovens cineastas…Você é cada vez mais dirigida por jovens cineastas… Filmei muitas vezes com jovens cineastas. O que acontece é que eu continuo a crescer. É isso que os faz parecer cada vez mais novos. Mas gosto de trabalhar com pessoas entusiastas.

Os realizadoresOs realizadoresOs realizadoresOs realizadores Nascidos em 1969 em Beirute, trabalham juntos como artistas visuais e realizadores. Escreveram e realizaram curtas como Ramad (Ashes) em 2003 e Open the Door em 2006, bem como dois filmes de ficção, em 1999, Al Bayt el Zaher (Around the Pink House) e, em 2006, A Perfect Day, que foi entusiasticamente recebido. São também autores de documentários, como Khiam, em 2000, e El Filme el Mafkoud (The Lost Film), em 2003. Os seus filmes já foram exibidos em vários festivais e acumularam diversos prémios, e também foram mostrados em centros de arte, galerias e museus. Além dos filmes, criaram também instalações de vídeo e fotografia. Ensinam na Universidade do Líbano e colaboram com diversas publicações.

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Entrevista comEntrevista comEntrevista comEntrevista com Joana HadjithomasJoana HadjithomasJoana HadjithomasJoana Hadjithomas e Khalil Joreige e Khalil Joreige e Khalil Joreige e Khalil Joreige O iníO iníO iníO iníciociociocio No dia 12 de Julho de 2006, na véspera de partirmos para Beirute, começou a guerra no Líbano e ficámos presos em Paris. Pela primeira vez, estávamos a viver a guerra à distância, como espectadores. Para nós foi uma perturbação enorme. Pôs fim à esperança de paz e acabou com o momentum da nossa geração. O impacto da guerra em nós foi muito forte porque na altura tínhamos trinta anos, a mesma idade que os nossos pais tinham quando passaram pela guerra civil. Não foi só uma guerra ou apenas mais uma guerra. Ao mergulhar-nos neste ciclo de violência, marcou uma evolução histórica e fez parte de uma divisão mais global do mundo, radicalizada pelo 11 de Setembro. Para além do conflito em si, a guerra de 2006 aumentou a agitação no Líbano, as tensões internas, os projectos antagónicos que dividem a população. Mais uma vez, fomos confrontados pela dificuldade de ter de viver lado a lado. Nessa altura questionámos o nosso trabalho em curso, o argumento que estávamos a escrever. Estávamos cheios de dúvidas quando conhecemos Tony Arnoux que, inversamente, estava retido no Líbano por causa da guerra. Ele tinha voltado com a intenção de fazer algo. Estava disposto a ajudar-nos a encontrar uma grande actriz, se nós quiséssemos. Começámos então a escrever. O projecto nasce deste sentimento de urgência, deste conceito de cinema.

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Perante a GuerraPerante a GuerraPerante a GuerraPerante a Guerra Face-a-face com uma violenta Guerra, com as imagens espectaculares da televisão, que tipo de imagens poderíamos nós produzir? O que pode o cinema fazer nestas situações de extrema violência? A nossa tristeza e dor tinham de ser equilibradas por algo no reino da aventura. Rapidamente encontrámos o fio condutor do filme: introduzir a ficção através de um ícone de cinema, numa situação que parece apenas admitir um fluxo de imagens reais ou documentais. E através da presença do ícone, fazer algumas perguntas: o que pode a ficção, e o cinema, fazer? Sugerir a Catherine Deneuve, uma actriz que muito admiramos, e que representa o cinema, para viajar até ao sul do Líbano de carro, juntamente com Rabih Mroué, um artista e actor com quem trabalhamos constantemente. A ideia parecia quase alquimia. Neste contexto, o que é que o seu encontro poderia produzir? Que emoções poderiam despertar?

Um filme, uma aventuraUm filme, uma aventuraUm filme, uma aventuraUm filme, uma aventura A preparação do filme foi muito complexa, confusa. Depressa percebemos que filmar nesses locais iria ser difícil, até perigoso. A produção teria de obter autorizações de quase toda a gente. Do exército libanês, da UNIFIL, da Hezbollah, de Israel, da embaixada francesa… desta forma, fazer o filme tornou-se numa das etapas da história. Tornou-se numa aventura que tínhamos de captar e que modificou a forma como tínhamos concebido o filme: escolhemos trabalhar em HD e filmar quase

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ininterruptamente. Decidimos que se algo de inesperado acontecesse, ficaríamos contentes e até ajudaríamos a que isso acontecesse. Catherine e Rabih fariam o seu papel, assim como todos nós: os realizadores, a equipa, o guarda-costas, os soldados que conhecemos, o comandante da UNIFIL, o embaixador francês… De início, supostamente o filme deveria ser pequeno. Enquanto filmávamos, já não pensávamos em termos de duração: a rodagem com a Catherine demorou seis dias, e mais um sem ela… estávamos totalmente livres a nível temporal e de ritmo, uma vez que o não estávamos condicionados pelo lado comercial. A duração não foi contemplada no início mas sim durante a montagem. O filme foi um sonho tornado realidade, em todos os aspectos. Tivemos altura em que pequenos milagres aconteceram, por exemplo, uma estrada em que filmámos, onde teria sido impossível fazê-lo se tivesse sido uma semana antes ou uma semana depois. É como se as tensões internas tivessem ficado em pause para que pudéssemos fazer o filme. Catherine DeneuveCatherine DeneuveCatherine DeneuveCatherine Deneuve Sempre foi uma evidência. Tínhamos um grande desejo de filmar com ela. A Catherine Deneuve encarna uma determinada ideia de cinema, de um cinema com uma longa história. E também é símbolo de inteligência. Sente-se que ela mantém a distância certa. As suas escolhas no filme reflectem um espírito, uma linha de pensamento. Ela é muito mais do que um ícone, ela é livre. Ela poderia ter receado pela sua integridade física e até pela sua imagem, mas disse que sim imediatamente. A presença de Catherine cria uma atmosfera quase de sonho, uma visão improvável, entre ruínas e paisagens do sul do Líbano. De facto, ela irradia ficção, uma aura que nos recorda da definição dada por Walter Benjamin “a aparência de algo inalcançável que parece estar perto de nós” Rabih MrouéRabih MrouéRabih MrouéRabih Mroué Rabih, de alguma forma, representa-nos a nós, aos realizadores, no filme. Ele é o actor com quem costumamos trabalhar no Líbano. Ele é um artista importante que trabalha sobre a realidade libanesa e cria uma nova relação com o teatro e a representação. Já colaboramos juntos há muito tempo e partilhamos os mesmos interesses estéticos e políticos. Assim, estávamos plenamente confiantes durante o filme. Ainda por cima o Rabih é de uma aldeia de Sul do Líbano, Bint El Jbeil, que foi quase completamente destruída durante a guerra de 2006. Ele não voltava lá desde essa altura e, nas suas próprias palavras, tinha algum receio de voltar. O local teve

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uma alargada cobertura por parte dos media e foi visitado por muita gente. Rabih sentiu-se despojado, como se fosse «um turista no próprio país». Também nos interessou a atitude dele. Sugerimos-lhe que fosse para o sul com Catherine e que fosse à sua aldeia. Como ele colocou a questão: «Com ela as coisas vão ser diferentes.». E lá estava ele na imagem, ao lado dela, embora ele não confie nas imagens.

O encontroO encontroO encontroO encontro Uma das apostas do filme era como é que o encontro entre a Catherine e Rabih iria acontecer. Esse encontro aconteceu realmente em frente às nossas câmaras. Gravámos esse instante, o embaraço dos dois, e a forma como eles foram construindo a sua relação a pouco e pouco. Normalmente, com o nosso modus operandi, os actores não estão presos a um argumento. Catherine e Rabih partilharam o momento sem saber para onde se dirigiam. Filmámo-los de forma a apanhar o imprevisto, o que lhes deu espaço para improvisar nos vários sítios e com as várias pessoas que encontravam. Filmámos por ordem cronológica e testemunhámos o que se passava à nossa frente. A Catherine e o Rabih partilharam uma experiência, a descoberta das ruínas, das recordações do Sul do Líbano, da beleza das paisagens, a descoberta um do outro, mas também do medo. Foi importante o facto de o Rabih não ser fluente em Francês, e de não recorrer ao inglês. O “encontro” foi mais eficaz devido a coisas que ficaram por dizer, silêncios,

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uma certa forma da partilha de experiências quase impossível ou invisível. Embora tenham simpatizado, cada um viveu pessoalmente as suas emoções. Entre Catherine e o Líbano, houve um verdadeiro encontro. Ela não estava lá como enviada humanitária, ela representava-se a si própria e não o mundo ocidental. Reagiu como pessoa e não conheceu os libaneses no geral mas algumas pessoas em particular. Quando vamos para um país, não o percepcionamos como um todo, vivemos as experiências, estabelecemos relações. Esta pode ser uma forma de construir o conhecimento de um país.

Eu quero verEu quero verEu quero verEu quero ver Há muitas coisas que devem ser vistas mas o que é que nós vemos? Não necessariamente o que estamos à espera. Nós não queríamos dar a nossa própria visão de Beirute, dizer “isto é Beirute” mas sim um ponto de vista mais complexo, que não fosse tendencioso. A Catherine nunca finge que sabe, ela não afirma nada. Ela faz perguntas e Rabih tenta, com ela, arranjar respostas. A própria Catherine diz: “não sei se vou perceber alguma coisa mas quero ver”. No mundo de hoje, é importante questionarmos. Nunca acaba verdadeiramente o que há para ver, o importante é o sentimento. No filme, há uma partilha da visão. Como realizadores, pedimos a Catherine e a Rabih que nos ajudem a ver de novo. O Rabih precisa da visão da Catherine e ela da dele. No nosso cinema, o outro, o espectador, trabalha e contribui também conosco nesta partilha de sensibilidades.

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As ruínasAs ruínasAs ruínasAs ruínas As ruínas são um dos pontos de partida do nosso trabalho. Como aceitar as ruínas, viver com os seus fantasmas? Passámos anos a filmar as ruínas da guerra civil, a pensar como íamos conseguir viver com o problema, como as colocar sem as tornar num ponto de vista estético, sem ficar fascinados por elas. E uma vez mais, em 2006, fomos confrontados com novas ruínas, novos sítios devastados, e tensões latentes e permanentes que surgiam dos milhares de estilhaços de bomba espalhados pelas paisagens do sul. Filmar a Catherine Deneuve no meio das ruínas foi uma proposta arriscada. Mas interessava-nos este tipo de perigo, esta experiência. Tínhamos de evitar explorar um e outro, permanecer a uma certa distância de cada um. No final do filme, no caminho de volta, ao longo da costa, há um local enorme, com gruas, bulldozers, camiões, cheios de pó, homens com as suas faces cobertas por uma pedaço de tecido a vasculhar entre as ruínas dos edifícios destruídos, que foram demolidos depois da guerra, e os restos trazidos para aqui, junto ao mar. Ferro, metal, tudo aquilo que possa ser vendido é escolhido, o resto é esmagado e atirado ao mar. Edifícios, quartos, salas de estar, paredes, mobília… vidas inteiras desaparecem na água, que se tornou castanha. Aquela cidade atirada para dentro de água, essas ruínas submersas são parte de vidas que estão a desaparecer. De forma geral, isto revela algo sobre a condição humana: destruição, recuperação, reconstrução e tudo começa de novo… A fronteiraA fronteiraA fronteiraA fronteira No lado libanês da fronteira com Israel há uma pequena estrada fechada. Algum tempo antes de começarmos a filmar, o nosso pedido tinha sido rejeitado: estava fora de questão caminhar ao longo da estrada ou até fotografar. Quanto mais pensávamos nisso mais queríamos utilizá-la no filme. Podia a presença da Catherine Deneuve ajudar-nos a obter o acesso temporário àquela estrada, apenas pelo tempo necessário para filmar uma cena? Pode o cinema fazer com que uma estrada se abra? Caminhar naquela estrada foi certamente bastante simbólico. De repente, num ambiente fortemente militarizado, algo como isto se torna possível. A estrada torna-se num território paralelo que transcende nacionalidades, nas palavras de Godard “mais um país, mais um continente”, o da arte e do cinema.

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Documentário ou ficção?Documentário ou ficção?Documentário ou ficção?Documentário ou ficção? EU QUERO VER é documentário ou ficção? É muito difícil, neste filme, fazer uma distinção. Conhecíamos bem os locais, e tínhamos vivido pessoalmente as aventuras que a Catherine e o Rabih viveram e inserimo-las no argumento. O argumento do filme é muito parecido com o produto final. Contudo, tudo o que acontece pertence à categoria de documentário da aventura. Os actores não sabiam o que ia acontecer, onde iriam. Foram colocados em situações pelas quais nós tínhamos passado, mas houve acidentes, ocorrências inesperadas, que integrámos no filme. No nosso trabalho como artistas visuais e realizadores, recorremos frequentemente ao seguinte plano: esperar que alguma coisa aconteça, aceitar uma realidade e incorporá-la no filme… podemos dizer que vivemos uma verdadeira aventura cinematográfica. Um filme de pazUm filme de pazUm filme de pazUm filme de paz O que sobressaiu primeiro desta aventura não foi violência ou destruição mas uma altura de encontro, de construção. Quando acabámos o filme, sentimo-nos aliviados. Não fizemos o filme a pensar em lados ou ideologias, não era o nosso objectivo. Está livre de propaganda, acusações ou linhas politicas. O facto de a Catherine, o Líbano e Rabih possam juntar-se desta forma é uma esperança de paz. É essencial que este filme seja considerado um filme de paz, que nós tentemos, através das imagens, contrariar a crescente divisão do nosso pais em duas partes. O Líbano também pode

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ser um lugar de encontro, de paz, de beleza. Imagens que não são vistas normalmente, imagens inesperadas. É difícil admitir que vivemos numa terra que provavelmente estará em guerra durante muito tempo. EU QUERO VER exprime o fim de uma vida mais despreocupada mas também a esperança de que ainda haja vida, um processo de renovação que seja eco do ciclo humano de destruição/reconstrução, e queríamos que o filme exprimisse este movimento. Precisamos de ficção, sonhos e beleza. Entrevista de CEntrevista de CEntrevista de CEntrevista de Claire Vassélaire Vassélaire Vassélaire Vassé

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ImprensaImprensaImprensaImprensa Os cineastas libaneses Joana Hadjithomas et Khalil Joreige destacaram-se em 2006 pelo seu belo filme A PERFECT DAY, e não é a primeira que fazem uma estreia em Cannes. Documentário rodado entre Beirute e o sul do Líbano, com Catherine Deneuve, JE VEUX VOIR será apresentado dia 16 de Maio na secção Un Certain Regard. Um jovem actor libanês guia a actriz pelas ruínas da casa da sua avó e pelas paisagens de um pais minado (sentido lato e sentido figurado) pelos seus conflitos políticos. O acontecimento promete ser uma festa. A actualidade mudou o acordo. Profundamente afectado pelo estado instável do país, este jovem casal, que cresceu durante a guerra civil, vê o seu sonho de Cannes tornar-se em angústia. O aeroporto de Beirute estava fechado, a equipa, família, amigos, todos os que queriam vir a Cannes apoiar o filme, não estariam lá. O produtor tentou vir de barco, Via Chipre, mas a obtenção do visto é problemática. Anularam a festa prevista em torno do filme. Joana Hadjithomas e Khalil Joreige vêm a Cannes para falar de cinema. Vamos pedir-lhes que falem de guerra. “É justamente para a evitar que fazemos os filmes: escapar

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à actualidade. Tentámos fugir do imediatismo, do espectacular, do esquematizado, e reintroduzir a nuance, a ambiguidade.” Sem mensagemSem mensagemSem mensagemSem mensagem Alguns dias antes da sua chegada a Cannes, eles tinham a impressão que contavam com eles para, no mundo árabe, falar sobre o Líbano. “Nós não somos os embaixadores de uma ideia do Líbano e a Catherine Deneuve não é uma embaixatriz de França que vem socorrer o Líbano. No filme, não falamos directamente de Israel, nem da Hezbollah. Nós não queremos ser salvos.” Joana Hadjithomas e Khalil Joreige querem escapar ao fio de acontecimentos que “danificou” a sua geração. Eles reduzem a tendência que quer que os filmes resumam um país. “Nós ficámos surpreendidos pela forma como a Catherine Deneuve se manteve, no filme, à distância certa dos acontecimentos. A nós cabe-nos agora saber encontrar esta mesma distância.” Falar de uma situação politica, em vez do filme, foi uma experiência que tiveram em 2005, quando A PERFECT DAY foi apresentado no festival de Locarno, mas a situação era diferente: o país estava a atravessar um momento de esperança. Em 2006, o momento da invasão israelita, foi outra coisa: “esta guerra foi uma surpresa. Todo o mundo tinha vontade de falar. Desta vez foi diferente. Os libaneses viraram as armas uns contra os outros. O que temíamos mais, este receio dos conflitos latentes de que falávamos nos nossos filmes, tornou-se realidade. Estamos aterrorizados, terrivelmente tristes. Não temos nenhuma mensagem para entregar.” IIIIsabelle Regnier, Le Msabelle Regnier, Le Msabelle Regnier, Le Msabelle Regnier, Le Monde, Maio de onde, Maio de onde, Maio de onde, Maio de 2008200820082008 A ideia aqui é surrealista: fazer algo como um documentário com a estrela francesa Catherine Deneuve e com o reconhecido actor/artista libanês Rabih Mroué, numa viagem desde Beirute até às ruínas do Sul do Líbano causadas pela investida israelita em 2006. O casal de realizadores Hadjithomas e Joreige, que já demonstraram as suas capacidades criativas com a ficção libanesa A Perfect Day de 2005, conseguiram fazê-lo. E de forma brilhante. Estes co-realizadores politicamente activos desbravaram novo território na discussão da fusão documentário/ficção, e não apenas com o elenco fantástico. Assim que se souber que EU QUERO VER é um trabalho tão original, vai ser mostrado um pouco por todo o mundo. E claro que a participação de Deneuve vai dar-lhe uma grande ajuda. No filme, Deneuve está em Beirute para uma glamorosa, mas insiste que “quer ver” a carnificina de que foram alvo civis inocentes durante a perseguição de Israel a

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membros da Hezbollah no verão de 2006. “Sinto que é impossível ficar à margem”, acrescenta ela. E é sentido. Este não é o clássico cenário de Hollywood do encontro de estrelas que buscam a obra de caridade certa para manter a imagem. Está pleno de sinceridade e curiosidade. Assim, Hadjithomas e Joreige, que sabem de antemão os sítios que Deneuve e Mroué vão visitar, arranjam um encontro – está filmado – e os dois embarcam numa surpreendente e bela viagem de duas horas ao Sul do Líbano, a tempo de voltar para o compromisso agendado dela. Para bem deles, os realizadores não são didácticos. Os dois passageiros falam sobre a vida e cintos de segurança e Belle de Jour : parece quase normal. Estabelecem uma confortável intimidade sem exageros. Ocasionalmente, algo que encontram perturba-os: edifícios destruídos durante a Guerra Civil, aviões israelitas que voam demasiado perto, mas mais do que tudo, o destino deles – onde não há imagens exaustas de casas sem telhados, estradas destruídas, porque já tudo desapareceu. Vemos a equipa apenas ocasionalmente, que é como devia ser. Deneuve não faz de estrela, embora os homens libaneses façam fila só para olhar para ela. A única nota estranha segue-se à elipse para a gala, quando Deneuve aguarda Mroué ansiosamente. Algo aqui dá a ilusão de ficção cinematográfica, como se um romance devesse surgir desta compaixão partilhada. A actriz está linda, mas não tão bela ao ponto de se impor sobre um filme tão importante. Este é para os livros de história. Howard Feinstein, Screen Daily, Maio de 2008Howard Feinstein, Screen Daily, Maio de 2008Howard Feinstein, Screen Daily, Maio de 2008Howard Feinstein, Screen Daily, Maio de 2008

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Quando a Guerra começou no Líbano em Julho de 2006, dois realizadores de Beirute pensaram como haviam de filmar o seu país em ruínas, através de uma nova perspectiva. A solução parece improvável: convidar Catherine Deneuve para fazer uma road trip pelo Sul do Líbano com o actor libanês, Rabih Mroué. Mas uma das estrelas mais inacessíveis do cinema francês disse que sim e a viagem foi basicamente filmada em tempo real. É difícil diferenciar entre o que estava escrito no guião e o que foi improvisado. A paisagem devastada revela-se através das janelas do carro: edifícios destruídos pelas bombas, ruínas que flutuam no mar, o tráfego caoticamente anárquico. Várias vezes vemos Deneuve agarrar-se ao cinto de segurança para acalmar a ansiedade. A tensão torna-se palpável, à medida que um avião israelita passa a barreira do som mesmo por cima deles: o som parece uma bomba e o medo de Deneuve é definitivamente real. Ao lado dela, Rabih Mroué, conta o seu Líbano aos pedaços. De inicio os actores estão um pouco presos mas, gradualmente, vão desenvolvendo a mesma concentração no olhar. Não podemos deixar de pensar em Hiroshima, Mon Amour. O objectivo deste notável filme não é compreender ou contar uma história, mas sim mostrar o pesadelo fora-de-campo, de uma guerra a mais. Jennifer Lesieur, Metrofrance.com, Maio de 2008Jennifer Lesieur, Metrofrance.com, Maio de 2008Jennifer Lesieur, Metrofrance.com, Maio de 2008Jennifer Lesieur, Metrofrance.com, Maio de 2008

Esta viagem lançada pela declaração do seu título – titulo que reivindica por vezes uma espécie de dignidade cidadã minimal e um impulso voyeurista – tornam-se numa

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sucessão de mudanças que fazem vibrar as certezas, trazem o reconhecimento de imagens de ruínas vistas já cem vezes (…) Quando as questões são tão presentes, tão perigosas e tão invisíveis quanto as minas enterradas por todo o lado. JeanJeanJeanJean----Michel Frodon, Cahiers du CinémaMichel Frodon, Cahiers du CinémaMichel Frodon, Cahiers du CinémaMichel Frodon, Cahiers du Cinéma Uma envolvente mistura de factos e ficção James Mottram, The TimesJames Mottram, The TimesJames Mottram, The TimesJames Mottram, The Times Uma mulher à janela, olha para Beirute. O seu staff adoraria colocá-la num acolhedor palácio. Mas não. O seu desejo, ela faz sabê-lo: “Eu quero ver”. Catherine Deneuve, ícone nacional e mundial do cinema, relembra-nos em 2008 que o tempo passa mas que o desejo de arriscar persiste, na sua profissão de actriz. Comprometeu-se então voluntariamente com o projecto dos cineastas/artistas plásticos Joana Hadjithomas e Khalil Joreige (autores do fabulosamente sensorial Perfect Day). O seu objectivo é simples: inspirar através da beleza um Líbano destruído. É assim que começa esta aventura por vezes humana e totalmente cinematográfica. Catherine Deneuve faz de si própria, mas fá-lo bem. Ficção e documentário confundem-se para nos convidar para o coração de Beirute, terreno por vezes angustiante (o medo de uma bomba que explode nunca longe demais) e fascinante (a beleza de certas paisagens deixa-nos sem palavras). E fascinante, EU QUERO VER é-o inegavelmente, do princípio ao fim. O espectador tem a impressão de estar na viatura com Deneuve e Rabih Mroué (libanês e actor-fetiche dos realizadores). Seguimos as suas primeiras impressões embaraçadas, depois progressivamente, como em todos os bons road movies que se respeitam, os laços estreitam-se. Agradavelmente, à volta de um cinto de segurança (o que poderia ser mais metafórico?) relembram o passado (a história de um país, de uma região, de uma família, do cinema) … Mais diremos: EU QUERO VER é um filme relativamente indefinível. Por vezes ficção, documentário, road movie, filme activo, social, narração de um encontro amistoso (talvez possa ser até amoroso), reflexão sobre a guerra, o passado, a herança em todas as suas formas. Um projecto que transpira aventura e descoberta, que testemunha uma sensibilidade a cada instante e um realismo surpreendente. Este realismo das situações (assistimos por vezes a um filme a ser feito, com a presença da equipa técnica e dos realizadores que negociam para filmar em certos locais, cenas interrompidas pelas autoridades…) opõe-se a uma certa artificialidade no sentido mais

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nobre do termo. Embora não o esqueçamos, Hadjithomas et Joreige são também artistas plásticos, à procura de uma beleza formal. E é assim que por momentos, ajudado por uma câmara inspirada e uma banda sonora exaltante, EU QUERO VER, ascende, leva o espectador de encontro a pequenos choques oníricos completamente jubilantes. Saímos da sala conquistados, surpresos por ter encontrado tanta beleza (plástica, humana) num projecto tão humilde. O cinema livre, inspirado e com mestria. Devemos (re)ver! Jonathan FischerJonathan FischerJonathan FischerJonathan Fischer, ecranlarge.com, ecranlarge.com, ecranlarge.com, ecranlarge.com, Maio de 2008, Maio de 2008, Maio de 2008, Maio de 2008

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ComComComCom Catherine DeneuveCatherine DeneuveCatherine DeneuveCatherine Deneuve

Rabih MroueRabih MroueRabih MroueRabih Mroue

RealizaçãoRealizaçãoRealizaçãoRealização Khalil Joreige

Joana Hadjithomas Produzido porProduzido porProduzido porProduzido por Edouard Mauriat, Anne-Cécile Berthomeau, Farès Ladjimi (Mille et une

productions - France), Georges Schoucair (Abbout productions – Lebanon), Tony Arnoux

ArgumentoArgumentoArgumentoArgumento Khalil Joreige e Joana Hadjithomas Fotografia Fotografia Fotografia Fotografia Julien Hirsch

Som Som Som Som Guillaume Le Braz, Sylvain Malbrant, Emmanuel Croset Montagem Montagem Montagem Montagem Enrica Gattolini

AssistenteAssistenteAssistenteAssistentessss de realização de realização de realização de realização Wael Deeb, Emile Sleilaty Música original Música original Música original Música original Scrambled Eggs

Direcção de produção Direcção de produção Direcção de produção Direcção de produção Marianne Katra GuardaGuardaGuardaGuarda----roupa roupa roupa roupa Nadine Fenianos Maquilhagem Maquilhagem Maquilhagem Maquilhagem Mina Matsumura Guião Guião Guião Guião Zeina Saab de Melero

Fotografia de cenaFotografia de cenaFotografia de cenaFotografia de cena Patrick Swirc, Nadim AsfarPatrick Swirc, Nadim AsfarPatrick Swirc, Nadim AsfarPatrick Swirc, Nadim Asfar

Líbano / França – 2008 – cor - Árabe / Francês – 75’