etnoictiologia dos pescadores da barra do superagui, guaraqueçaba/paraná
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Dissertação de mestrado sobre conhecimento ecológico tradicional de pescadores artesanaisTRANSCRIPT
ETNOICTIOLOGIA DOS PESCADORES
DA BARRA DO SUPERAGÜI,
GUARAQUEÇABA/PR:
aspectos etnotaxonômicos, Etnoecológicos e utilitários
Érika Fernandes-Pinto
São Carlos
2001
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS CENTRO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS E DA SAÚDE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECOLOGIA E RECURSOS NATURAIS
EETTNNOOIICCTTIIOOLLOOGGIIAA DDOOSS PPEESSCCAADDOORREESS DDAA
BBAARRRRAA DDOO SSUUPPEERRAAGGÜÜII,, GGUUAARRAAQQUUEEÇÇAABBAA//PPRR::
AASSPPEECCTTOOSS EETTNNOOTTAAXXOONNÔÔMMIICCOOSS,, EETTNNOOEECCOOLLÓÓGGIICCOOSS EE
UUTTIILLIITTÁÁRRIIOOSS
Pós-graduanda: Érika Fernandes-Pinto Orientador: Dr. José Geraldo W. Marques Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Ecologia e Recursos Naturais do Centro de Ciências Biológicas e da Saúde da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Ecologia e Recursos Naturais.
- SÃO CARLOS - 2001
Ficha Catalográfica
Fernandes-Pinto, Érika ETNOICITIOLOGIA DOS PESCADORES DA BARRA DO
SUPERAGÜI, GUARAQUEÇABA/PR: ASPECTOS
ETNOTAXONÔMICOS, ETNOECOLÓGICOS E UTILITÁRIOS/ Érika Fernandes-Pinto, São Carlos: UFSCar, 2001 158p. ilust. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de São Carlos, 2001 1. Guaraqueçaba; 2. Pescadores artesanais; 3. Etnobiologia e Etnoecologia; 4. Etnoictiologia; 5. Recursos pesqueiros.
AAGGRRAADDEECCIIMMEENNTTOOSS
À Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), através do Programa de Pós-Graduação
em Ecologia e Recursos Naturais (PPG-ERN), pela oportunidade. À CAPES (Coordenadoria de
Aperfeiçoamento de Pesquisa de Nível Superior) pela bolsa de estudos concedida. À WWF (World
Wildlife Foundation), através de seu programa Natureza e Sociedade, pelo apoio concedido para
realização do trabalho de campo.
Ao apoio logístico do Centro de Estudos do Mar (CEM) da Universidade Federal do Paraná,
especialmente ao Laboratório de Ictiologia. Ao IBAMA, na pessoa de Guadalupe Vivekananda,
diretora do Parque Nacional do Superagüi, pelo apoio para a realização do trabalho de campo. À
Pousada Sobre as Ondas, por ter fornecido a hospedagem na Barra do Superagüi. Aos amigos que
me acolheram em suas casas durante minhas estadas em São Carlos, especialmente à Carlos
Henke ("Bixo") e Luís Augusto Mestre, José Mourão e Ana Thé.
Ao meu orientador, José Geraldo W. Marques, por sua dedicação, seus ensinamentos, pela
oportunidade e por seu exemplo profissional. Ao finalmente "Dr." Marco Fábio Maia Corrêa, eterno
"desorientador", pela identificação científica dos peixes e valiosas contribuições para o texto, pelo
exemplo, amizade e apoio nos momentos difíceis. À Pedro Carlos Pinheiro, eterno "co-
desorientador", por minha iniciação na ictiologia, apoio e amizade. À Franco Amato pelo auxílio na
elaboração do mapa da área de estudo.
À Nivaldo Nordi, que quebrou inúmeros "galhos", pela prontidão em ajudar, abertura e
disponibilidade em utilizar o material e infra-estrutura do Laboratório de Ecologia Humana (UFSCar),
pelas "etno-conversas" e por sua amizade. Aos colegas do Laboratório de Ecologia Humana da
UFSCar, Elisa Madi, Ana Thé, Sineide Montenegro, José Mourão e Marcelo Cavallini, pela
agradável e divertida convivência, apoio e discussões, apesar das minhas muitas passagens
relâmpago. À Natália Hanazaki, Nivaldo Peroni e Renato Silvano do NEPAM/UNICAMP pela troca
de informações, material bibliográfico e pela amizade. À Eraldo Costa-Neto, pela bibliografia cedida
e Francisco José Souto ("Franzé"), da UEFS/BA, pelo incentivo.
À todos os moradores da comunidade de Barra do Superagüi, que me receberam com
muita boa vontade, amizade e desprendimento. Aos pescadores que partilharam sua sabedoria
comigo e aos que me permitiram participar de suas atividades. Ao Carioca (Valdeir da Silva
Teixeira), Denise e Flavinho, pela hospitalidade, informações, auxílio e principalmente pela amizade.
À Roberto Xavier, por ter me apresentado a etnobiologia, que mudou os rumos de minha
carreira profissional e da minha vida pessoal. Às amigas Sonia Nicolau e Cimone Rozendo,
companheiras nas "missões impossíveis", pelo apoio, incentivo e sugestões.
Às minhas colegas do rafting, Mirela, Patrícia, Sirlene, Laine, Nayara, Rossana e Tatiana,
cuja companhia permitiu que eu não enlouquecesse neste período, pelo apoio e pelas conquistas. À
Silvana Meira, minha amiga-irmã e meu suporte emocional virtual, pelas palavras exatas nas horas
certas.
Ao meu pai, José Adriano Pinto, por ter se encantado com a região de Guaraqueçaba
quando eu era pequena e me propiciado viver este mundo de forma livre e intensa. Pelas sugestões
nos textos, apoio incondicional e discussões. À ele e Elisabete Ferreira ("Bete"), por terem me
aceitado em sua casa, permitindo que eu tivesse um pouco da paz de espírito necessária para
terminar este trabalho.
À minha mãe, Maria Tereza Fernandes Abrahão, por mais uma vitória, pelo exemplo de
força e coragem, pelo apoio incondicional e por sempre cantar "mãezinha do céu" quando eu mais
preciso. Às minhas irmãs, Juliana e Ruth Fernandes Pinto e ao novo anjinho da casa, Gabriel, que
já chegou fazendo barulho.
À Christoph Jaster, com quem partilhei "rebojos" e "tormentas", mas também "calmarias" e
"noites de luar". Pela companhia nas idas para o campo, auxílio na revisão de textos infindáveis, por
ouvir meus "etnodevaneios". Agradeço enormemente por ter tido você ao meu lado durante este
tempo e pela certeza de poder contar com a sua amizade por todos os tempos. Ao Rapa Nui e ao
Rapa Iti que sempre nos conduziram no mar com segurança e nos proporcionaram momentos de
muita alegria e diversão.
Ao Pai-do-Mato e à Mãe-d'água, que nos protegeram em todas as empreitadas floresta
adentro e nas travessias noturnas mar afora. Às ardentias, por sempre iluminarem nossos
caminhos...
À este nenezinho, que meio de surpresa começou a crescer dentro de mim. Se não
planejado, de forma alguma menos desejado. À Luis Renato Angelis, meu companheiro nesta nova
empreitada, pelo enorme presente que foi encarregado de me conceder. Por fazer meus olhos
brilharem e pela certeza de muitas coisas boas pela frente.
Ao forró, que não deixou de tocar...
RREESSUUMMOO
A região de Guaraqueçaba, litoral norte do Paraná, engloba uma grande diversidade de
ecossistemas e abriga cerca de 60 comunidades humanas, para as quais a pesca está entre as
principais atividades econômicas. Nas últimas três décadas esta região tem passado por uma série
de transformações econômicas, sociais e culturais, com influências diretas sobre as relações entre
os pescadores artesanais e o ambiente. Como conseqüência, apesar da grande interação entre a
população e os ecossistemas circundantes, o conhecimento do universo local está ficando cada vez
mais restrito e as comunidades estão passando por uma descaracterização de sua forma tradicional
de vida, num processo aparentemente irreversível. O presente trabalho teve por objetivo principal
estudar os modelos cognitivos dos pescadores da região de Guaraqueçaba, com ênfase em
aspectos etnotaxonômicos e no conhecimento etnoecológico sobre peixes, e aspectos conexivos
voltados para as formas de apropriação e uso dos recursos pesqueiros, tomando a comunidade da
Barra do Superagüi como estudo de caso. Os resultados obtidos demonstraram que pescadores
desta comunidade possuem uma etnotaxonomia consistente e complexa, envolvendo nomeação,
identificação e classificação dos peixes de seu ambiente. Na classificação dos pescadores mais
idosos, a categoria "peixes" é extensa e elástica e os sistemas envolveram classificações
hierárquicas, seqüenciais e cíclicas. O conhecimento sobre distribuição espacial e temporal das
espécies ícticas foi bastante detalhado. O ambiente pode ser categorizado de acordo com vários
critérios, que determinariam a distribuição diferenciada dos peixes nos habitats e épocas do ano.
Possuem também um conhecimento complexo e detalhado sobre os hábitos alimentares dos peixes
e das interações tróficas entre diferentes grupos de organismos, elaborando cadeias tróficas com
até seis níveis. Pescadores do Superagüi atualmente realizam práticas pesqueiras voltadas
principalmente para o ambiente marinho-costeiro e relacionadas com poucos recursos,
especialmente camarões e alguns peixes. Mantém uma estrita dependência dos comerciantes da
vila para escoamento da produção e do Município de Paranaguá para comercialização final. O peixe
é a principal fonte de proteína para a maioria da população. Uma série de tabus foram
reconhecidos, regulando comportamentos e a utilização alimentar dos recursos pesqueiros,
principalmente aqueles relacionados aos períodos de "resguardo". Vários recursos foram citados
como de uso medicinal, reforçando a "hipótese da universalidade zooterápica".
AABBSSTTRRAACCTT
The Guaraqueçaba's region, North coast of Paraná State, includes a high diversity of ecosystems
and cover about 60 human communities, for which fishing is among the main economic activities. In
the last three decades this area has been going through a economic, social and cultural
transformations, with direct influences in the relationships between artisanal fishermen and the
environment. As consequence, in spite of the great interaction between the population and the
surrounding ecosystems, the knowledge of the local universe is being more and more restricted and
the communities are suffering a "descharacterization" of their traditional way of life in an apparently
irreversible process. The main goal of this work is to study the cognitive model of the fishermen of
Guaraqueçaba's region, emphasizing the "ethnotaxonomic" aspects and "ethnoecological"
knowledge about fishes and connective aspects linked to the appropriation forms and use of the
fishing resources, taking Barra do Superagui's community as case study. The results obtained
demonstrated that the fishermen of this community have a consistent and complex "ethnotaxonomy",
involving nomination, Identification and classification of the fish in their environment. According to the
oldest fishermen, the "fish" category is extensive and elastic and the systems involved hierarchical,
sequential and cyclical classifications. The knowledge about spatial and temporal distribution of the
fish species were quite detailed. The environment can be classified according several criterias, that
determine the differentiated of fishes in the habitats and seasons of the year. They also have a
complex and detailed knowledge about feeding habits of the fishes and of the trofic interactions
among different groups of organisms, elaborating trofic chains with until six levels. Fishermen of
Superagüi accomplish fishing practices dedicated mainly to the coastal marine ecosystem and
related with few resources, which include shrimps and some kind of fishes. They keep a strict
dependence of the villa's merchants to drainage their production and of Paranaguá city for the final
commercialization. The fish is the main source of protein for the majority population. Many taboos
are recognized, regulating behaviors and the feeding use of the fishing resources, mainly those
related to protection periods called "resguardo". Several resources were mentioned as of medicinal
use, reinforcing the "zootherapical universality hypothesis."
SSUUMMÁÁRRIIOO
DEDICATÓRIA ............................................................................................................... AGRADECIMENTOS ...................................................................................................... RESUMO ........................................................................................................................ ABSTRACT .................................................................................................................... . SUMÁRIO ....................................................................................................................... LISTA DE TABELAS ....................................................................................................... I LISTA DE FIGURAS ....................................................................................................... II
INTRODUÇÃO ......................................................... ......................................................... 1 METODOLOGIA ......................................................... ...................................................... 9
CAPÍTULO 1 - GUARAQUEÇABA: PAISAGENS E PESSOAS ............................................ 14 1. CARACTERIZAÇÃO GERAL .................................................................................. 14 2. ASPECTOS FÍSICOS E BIOLÓGICOS ...................................................................... 16 3. ASPECTOS SÓCIO-ECONÔMICOS, HISTÓRICOS E CULTURAIS ................................ 20 4. SITUAÇÃO ATUAL ............................................................................................... 23 5. RELAÇÕES ENTRE A POPULAÇÃO E OS RECURSOS NATURAIS ............................... 26 5.1. A ATIVIDADE PESQUEIRA ..................................................................... 26 5.2. A ATIVIDADE AGRÍCOLA E PECUÁRIA ..................................................... 27 5.3. EXTRATIVISMO E USO DAS PLANTAS NATIVAS ....................................... 29 5.4. CAÇA E USOS DA FAUNA SILVESTRE ..................................................... 31 6. OS MECANISMOS LEGAIS DE PROTEÇÃO AMBIENTAL ............................................ 32 7. SOBRE A APLICAÇÃO DA DENOMINAÇÃO "CAIÇARA" À POPULAÇÃO DE
GUARAQUEÇABA ............................................................................................................... 34 8. BARRA DO SUPERAGÜI: CARACTERIZAÇÃO DA COMUNIDADE ESTUDADA ................ 37
CAPÍTULO 2 – ASPECTOS ETNOTAXONÔMICOS ............................................................ 40 1. INTRODUÇÃO .................................................................................................. 40 2. RESULTADOS E DISCUSSÃO ............................................................. ................ 42
2.1. PADRÃO DE INCLUSIVIDADE E EXCLUSIVIDADE ..................................... 43 2.2. NOMENCLATURA ................................................................................. 47 2.3. Classificação Etnobiológica: "Os peixes da mesma geração".......... 52
2.3.1. CLASSIFICAÇÃO HIERÁRQUICA ............................................. 52 2.3.2. CLASSIFICAÇÃO SEQÜENCIAL ............................................... 57 2.3.3. CLASSIFICAÇÃO CÍCLICA ....................................................... 59 2.3.4. PADRÃO DE SOBREPOSIÇÃO HIERARQUIA/ ECOLOGIA ............. 60
CAPÍTULO 3 – ASPECTOS ETNOECOLÓGICOS ............................................................... 61 1. INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 61 2. RESULTADOS E DISCUSSÃO ............................................................................... 61 2.1. DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL HORIZONTAL ................................................. 61 2.2. DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL VERTICAL ..................................................... 70 2.3. VARIAÇÃO TEMPORAL ......................................................................... 73 2.4. ECOLOGIA TRÓFICA ............................................................................ 77 2.9. PREDAÇÃO NATURAL .......................................................................... 82
CAPÍTULO 4 - ASPECTOS UTILITÁRIOS .......................................................................... 88
1. INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 88 2. RESULTADOS E DISCUSSÃO ......................................................................... ...... 89
2.1. A ATIVIDADE PESQUEIRA ..................................................................... 89 2.1.1. A PESCA NA BARRA DO SUPERAGÜI ..................................... 90 2.2. UTILIZAÇÃO COMERCIAL ..................................................................... 95 2.2.1. FORMAS DE TRATAMENTO E ESCOAMENTO DA PRODUÇÃO ..... 95 2.2.2. RECURSOS COMERCIALIZADOS E VALOR COMERCIAL ............. 98 2.3. UTILIZAÇÃO ALIMENTAR ............................................................. ......... 102 2.3.1. IMPORTÂNCIA NA ALIMENTAÇÃO ............................................ 102 2.3.2. PREFERÊNCIAS ALIMENTARES .............................................. 103 2.3.3. QUALIDADE DA CARNE ......................................................... 104 2.3.4. FORMAS DE PREPARO .......................................................... 107 2.3.5. TABUS E RESTRIÇÕES ALIMENTARES .................................... 110 2.3.6. A QUESTÃO DOS "RESGUARDOS" ......................................... 115 2.4. UTILIZAÇÃO MEDICINAL ....................................................................... 121 2.4.1. RECURSOS UTILIZADOS ........................................................ 121 2.4.2. MATÉRIAS-PRIMAS, ELABORAÇÃO DOS MEDICAMENTOS E
PRESCRIÇÕES ....................................................................................................... 126 2.4.3. EXEMPLOS SELECIONADOS .................................................. 127 2.4.4. SIMPATIAS ........................................................................... 130 2.4.5. OBTENÇÃO DOS RECURSOS ................................................. 131 2.4.6. CONHECIMENTO TRADICIONAL E UTILIZAÇAO ATUAL DOS
ZOOTERÁPICOS ..................................................................................................... 133 2.4.7. HIPÓTESE DA UNIVERSALIDADE ZOOTERÁPICA E HIPÓTESE DA
FARMÁCIA ............................................................................................................. 134 2.5. OUTROS USOS ................................................................................... 135
CONCLUSÕES ................................................................................................................. 136 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................... 140 ANEXO ............................................................................................................................ 149
I
LLIISSTTAA DDEE TTAABBEELLAASS
CAPÍTULO 2
TABELA 2.1 – Padrão de inclusividade/exclusividade na categoria "peixes": exemplos para a classificação dos pescadores antigos da comunidade de Barra do Superagüi ....................... 43
TABELA 2.2 - Caracteres e critérios utilizados por pescadores da Barra do Superagüi para nomear os peixes de seu ambiente ......................................................................................... 50
TABELA 2.3 - Critérios utilizados para identificação das etnoespécies da "família dos bagres" por pescadores da Barra do Superagüi ................................................................................... 55
TABELA 2.4 - Exemplos de genéricos politípicos e número de específicos relacionados por pescadores da Barra do Superagüi .......................................................................................... 56
CAPÍTULO 3
TABELA 3.1 - Grandes divisões hidrográficas percebidas por pescadores da Barra do Superagüi e ictiofauna associada ............................................................................................ 62
TABELA 3.2- Zonação do ambiente aquático e microhabitats associados às áreas marinha, estuarina e fluvial reconhecidos por pescadores da Barra do Superagüi e ictiofauna correspondente ........................................................................................................................ 63
TABELA 3.3 - Principais tipos de manchas de fundo ou substratos reconhecidos por pescadores da Barra do Superagüi e ictiofauna associada ..................................................... 66
TABELA 3.4 - Microhabitats associados aos principais tipos de manchas de fundo reconhecidos por pescadores da Barra do Superagüi ............................................................. 66
TABELA 3.5 - Características hidrológicas relacionadas com a salinidade reconhecidas e categorizadas por pescadores da Barra do Superagüi e ictiofauna associada ....................... 69
TABELA 3.6 - Percepção de pescadores da Barra do Superagüi sobre a distribuição vertical dos peixes na coluna d'água .................................................................................................... 70
TABELA 3.7 - Categorias reconhecidas por pescadores da Barra do Superagüi com relação à distribuição temporal da ictiofauna ........................................................................................ 75
TABELA 3.8 – Animais relacionados como predadores naturais de recursos pesqueiros por pescadores da Barra do Superagüi .......................................................................................... 82
CAPÍTULO 4
TABELA 4.1 - Valoração do pescado segundo categorias êmicas estabelecidas por pescadores do Superagüi ........................................................................................................ 99
TABELA 4.2 - Valor de comercialização dos principais recursos pesqueiros citados por pescadores da Barra do Superagüi (valores em R$ por kg, entre março/1999 e março/2000) 100
TABELA 4.3 - Categorias êmicas estabelecidas por moradores da Barra do Superagüi segundo o nível de preferência de consumo de peixes ........................................................... 103
TABELA 4.4 - Critérios considerados para a categorização dos recursos pesqueiros segundo a qualidade da carne por moradores da Barra do Superagüi .................................................. 105
II
TABELA 4.5 - Tipos de tabus alimentares e peixes e outros recursos pesqueiros relacionados por moradores da Barra do Superagüi ............................................................... 111
TABELA 4.6 - Recursos pesqueiros relacionados com a medicina popular por moradores da Barra do Superagüi ..................................................................................................................
121
TABELA 4.7 - Recursos pesqueiros relacionados na medicina popular por moradores da Barra do Superagüi .................................................................................................................. 122
LLIISSTTAA DDEE FFIIGGUURRAASS
FIGURA 1 - Pescador idoso identificando exemplares de peixe coletados durante as atividades de pesca .................................................................................................................. 12
CAPÍTULO 1
FIGURA 1.1 - Mapa de localização da região de Guaraqueçaba: divisas e sede municipal, PR-405, limites da APA e do PARNA do Superagüi e comunidade da Barra do Superagüi (LAB.SIG-SPVS) ....................................................................................................................... 15
FIGURA 1.2 - Vista geral da região continental e estuarina de Guaraqueçaba ......................... 17
FIGURA 1.3 - Manguezal na região de Guaraqueçaba .............................................................. 17
FIGURA 1.4 - Escola Municipal em uma das comunidades estuarinas da APA de Guaraqueçaba .......................................................................................................................... 24
FIGURA 1.5 - Canoas de "um pau só" utilizadas na pesca estuarina na região de Guaraqueçaba .......................................................................................................................... 26
FIGURA 1.6 - Criação de búfalos na região de Guaraqueçaba ................................................. 28
FIGURA 1.7 - Violeiro tocando em viola de caxeta utilizada para a prática do fandango na região de Guaraqueçaba .......................................................................................................... 30
FIGURA 1.8 - Menino com periquitos na região de Guaraqueçaba ........................................... 32
FIGURA 1.9 - Faixa de praia e trapiche de desembarque na comunidade da Barra do Superagüi ................................................................................................................................. 38
CAPÍTULO 2
FIGURA 2.1 - "Morera" (Família Muraenidae), exemplo de exclusão total da categoria "peixes" por pescadores da Barra do Superagüi ..................................................................... 45
FIGURA 2.2 - "Baiacu" (Família Tetraodontidae), exemplo de exclusão circunstancial da categoria peixes por pescadores da Barra do Superagüi ........................................................ 46
FIGURA 2.3 - Exemplos do sistema de classificação seqüencial registrados entre pescadores da Barra do Superagüi .......................................................................................... 58
FIGURA 2.4 - Classificação cíclica da tainha reconhecida por pescadores da Barra do Superagüi com base no ciclo reprodutivo e migratório ............................................................ 60
III
CAPÍTULO 3
FIGURA 3.1 - Ambiente denominado "ressaca", representado pela faixa do mar sujeita a ondas, de acordo com a percepção de pescadores da Barra do Superagüi ........................... 64
FIGURA 3.2 - Ambiente denominado "baixio", representado por depósitos arenosos que ficam aparentes nos períodos de maré baixa .......................................................................... 68
FIGURA 3.3 - Categorias de distribuição temporal dos peixes reconhecidas por pescadores da Barra do Superagüi ............................................................................................................. 77
FIGURA 3.4 - Fragmento de uma cadeia trófica elaborada segundo o conhecimento de pescadores da Barra do Superagüi .......................................................................................... 72
FIGURA 3.5 - Fragmento de uma teia alimentar elaborada de acordo como conhecimento de pescadores da Barra do Superagüi mostrando peixes que se alimentam de camarão ........... 79
FIGURA 3.6 - Biguás (Phalacrocorax brasilianus), espécie predadora natural de peixes e outros recursos pesqueiros ...................................................................................................... 86
CAPÍTULO 4
FIGURA 4.1 - Principais recursos pesqueiros capturados nas pescarias na costa na Barra do Superagüi, Guaraqueçaba ....................................................................................................... 91
FIGURA 4.2 - Bote equipado com "trangones" para a captura de camarões na Barra do Superagüi, Guaraqueçaba ....................................................................................................... 91
FIGURA 4.3 - Pescaria de mar aberto da cavala/sororoca com rede de nylon malha 10 cm na costa próxima à Praia Deserta na Ilha do Superagüi ............................................................... 92
FIGURA 4.4 - Espinhéu utilizado para captura de bagres e outros peixes de fundo ................. 93
FIGURA 4.5 - Cerco fixo de taquara utilizado para captura de tainha e outros peixes .............. 94
FIGURA 4.6 - Pescaria de praia da pescada-galhetera na Ilha do Superagüi ........................... 94
FIGURA 4.7 - Peixes in natura conservados no gelo em caixas de isopor na Barra do Superagüi ................................................................................................................................. 95
FIGURA 4.8 - Moradora da Barra do Superagüi "consertando" peixes ..................................... 96
FIGURA 4.9 - "Descascadeiras" na Barra do Superagüi ........................................................... 97
FIGURA 4.10 - Pedaços de raia secando ao sol na comunidade da Barra do Superagüi, Guaraqueçaba .......................................................................................................................... 107
FIGURA 4.11 - Morador da Barra do Superagüi consumindo camarões secos ......................... 108
FIGURA 4.12 - Tainhas assando na brasa na comunidade da Barra do Superagüi .................. 109
FIGURA 4.13 - "Mata-mão", exemplo de tabu total para consumo no Superagüi ...................... 114
FIGURA 4.14 - Acará, peixe que deve ter seu consumo evitado durante o resguardo quando presentes características morfológicas especiais .................................................................... 120
FIGURA 4.15 - Percentual das categorias taxonômicas dos recursos pesqueiros utilizados na medicina popular na Barra do Superagüi ................................................................................. 121
FIGURA 4.16 – Recursos pesqueiros mais citados na medicina popular por moradores da Barra do Superagüi e porcentagem relativa de citação ........................................................... 125
IV
FIGURA 4.17 - "Cavalinhas-do-mar" secas utilizadas na medicina popular no Superagüi ........ 129
FIGURA 4.18 - Couro de "peixe-porco" utilizado na medicina popular da Barra do Superagüi . 129
FIGURA 4.19 - Recursos exógenos de aplicação medicinal comercializados em Paranaguá ... 132
1
IINNTTRROODDUUÇÇÃÃOO
Ecologia e etnoecologia podem ser definidas, em um sentido geral, como o estudo das
relações entre organismos e a totalidade de fatores físicos, biológicos e sociais com os quais
interagem. Uma das diferenças entre estas abordagens é o ponto de referência de onde partem
as explicações para as inter-relações: na ecologia a maioria dos autores estuda as relações
entre organismos não humanos; no caso da etnoecologia, o enfoque central está nas pessoas
em interação com os sistemas (GRAGSON & BLOUNT, 1999).
O conhecimento que vários grupos humanos tem acumulado sobre o seu habitat e os
recursos bióticos e abióticos que utilizam e com os quais interagem, é chamado na literatura
especializada de conhecimento ecológico tradicional ou local.
A etnobiologia e a etnoecologia, de forma geral, estudam as interações entre os seres
humanos e os componentes do ambiente, buscando entender como a natureza é percebida,
conhecida, utilizada, categorizada e classificada por diversas culturas humanas. Não existe
consenso entre os diversos autores na conceituação destes termos e etnobiologia é, muitas
vezes, mais utilizada nos estudos dos sistemas de classificação etnobiológica.
O termo "etnoecologia" foi utilizado pela primeira vez na literatura científica por CONKLIN
em 1954, em um estudo com os Hanunoo das Filipinas. A conceituação do termo ainda não
chegou a um consenso, bem como a delimitação dos campos de pesquisa abordados.
NAZAREA (1999) definiu etnoecologia como "um modo de olhar" as relações entre seres
humanos e o mundo natural, com ênfase no papel da cognição em moldar comportamentos.
MARQUES (1999) propôs a linha da Etnoecologia Abrangente, considerada como um campo de
pesquisa (científica) transdisciplinar que estuda os pensamentos (conhecimentos e crenças),
sentimentos e comportamentos que intermediam as interações entre as populações humanas
que os possuem e os demais elementos dos ecossistemas que as incluem, bem como os
impactos ambientais daí decorrentes.
Até recentemente a maioria das discussões sobre manejo e sustentabilidade dos
recursos naturais centravam-se em questões ambientais, econômicas ou tecnológicas. A
maioria dos estudos considerava isoladamente os aspectos sócio-econômicos e ambientais,
raramente ocupando-se das relações culturais, causas e condições que influenciam a inter-
relação homem/natureza. Esta visão tem contribuído para muitas deficiências nos processos
2
legislativos e fiscalizatórios, resultantes da falha no reconhecimento das complexidades
culturais e étnicas. Em geral, as políticas ambientais não levam em consideração a importância
e utilização dos recursos naturais pelas populações locais, sendo estas informações essenciais
para o controle e a fiscalização das atividades de caça, pesca e extrativismo.
A partir da década de 1980 surgiu internacionalmente um interesse em incorporar as
populações nativas no manejo das áreas naturais protegidas nas quais habitam. Também
passou-se a valorizar a perspectiva cultural, onde o conhecimento tradicional e as pessoas que
o possuem, antes vistas como obstáculo ao desenvolvimento, passaram a ser consideradas
essenciais a ele (HANBURY-TENISON, 1991).
Nos últimos anos, informações etnobiológicas obtidas junto a populações humanas têm
representado uma importante ferramenta para estudos conservacionistas, auxiliando no
conhecimento da fauna, flora e ecologia dos ambientes e indicando vários elementos úteis para
o desenvolvimento de uma região. As pesquisas sobre uso de recursos biológicos estão sendo
apontadas como prioritárias para a biologia da conservação, ao identificar as condições que
promovem padrões de uso dos recursos (NAS, 1992). Além disto, estes trabalhos têm
contribuído para que a biodiversidade seja devidamente valorizada, não só do ponto de vista
ecológico, mas também do econômico e cultural, contribuindo para a implantação de planos de
manejo e de conservação das espécies embasados em uma realidade social.
A manutenção da diversidade biológica tornou-se, em anos recentes, um dos objetivos
mais importantes da conservação. Para a ciência moderna, a variabilidade biológica é
entendida como produto da própria natureza, sem a intervenção humana. Vários estudos, no
entanto, têm mostrado que a biodiversidade pode também ser produto da ação das sociedades
e culturas humanas, em particular das sociedades tradicionais não-industriais. O que os
cientistas chamam de biodiversidade, traduzida em longas listas de espécies de plantas e
animais, descontextualizadas do domínio cultural, é muito diferente da biodiversidade em
grande parte construída e apropriada, material e simbolicamente, pelas populações tradicionais
(DIEGUES & ARRUDA, 2001).
O Brasil, além de apresentar uma das maiores taxas de diversidade biológica do
planeta, é um dos países de maior diversidade cultural. Existem mais de quinhentas áreas
indígenas reconhecidas pelo Estado, habitadas por cerca de duzentas sociedades indígenas
culturalmente diferenciadas. Acrescentam-se a estas as sociedades tradicionais não-indígenas,
3
hoje reconhecidamente representadas pelos açorianos, babaçueiros, caiçaras,
caipiras/sitiantes, campeiros, jangadeiros, pantaneiros, pescadores artesanais, praieiros,
sertanejos/vaqueiros, varjeiros (ribeirinhos não amazônicos), caboclos/ribeirinhos amazônicos e
quilombolas (DIEGUES & ARRUDA, op. cit.).
Em uma publicação recente o Ministério do Meio Ambiente afirma que "o conhecimento,
as inovações e práticas das comunidades locais e populações indígenas com modo de vida
tradicional são essenciais para a conservação e utilização sustentável da diversidade biológica
e estão se perdendo em proporções alarmantes. Salienta que é fundamental realizar
inventários do conhecimento, usos e práticas das sociedades tradicionais indígenas e não-
indígenas, pois estas são, sem dúvida, depositárias de parte considerável do saber sobre a
diversidade biológica hoje conhecida (DIEGUES & ARRUDA, op. cit.).
A busca da compreensão do fenômeno de interação entre seres humanos e os peixes,
em particular, é objeto de estudo da etnoictiologia (MARQUES,1995). Os primeiros estudos
realizados especificamente nesta área foram os de MORRIL (1967), que trabalhou com os
pescadores Cha-cha do Caribe e os de ANDERSON JR. (1967), com os “Boat People”,
pescadores artesanais de Hong-Kong. Internacionalmente destacam-se ainda os trabalhos de
AKIMICHI (1978), que estudou aspectos ecológicos do conhecimento sobre peixes do povo Lau
e de JOHANNES (1978 e 1981), que relacionou o conhecimento tradicional de pescadores da
Oceania com o manejo e a conservação dos recursos.
No Brasil, os estudos em etnoictiologia iniciaram-se com o trabalho de MARANHÃO
(1975) com pescadores da Praia de Icaraí no Ceará, que descreveu os esquemas cognitivos
por eles utilizados na navegação e as técnicas e tomadas de decisão frente às informações
dadas por sinais naturais como condições do mar, do tempo, movimento das ondas, entre
outros.
Comunidades marítimas foram também estudadas por FORMAN (1967 e 1970), que
analisou o conhecimento de pescadores de jangada na costa do Nordeste brasileiro. MARQUES
(1991) documentou um sistema etnoictiológico muito detalhado entre pescadores do Complexo
Lagunar Mundaú-Manguaba em Alagoas, realizando um dos mais significativos e abrangentes
estudos da etnoictiologia brasileira. O autor analisou principalmente o conhecimento dos
pescadores sobre etnotaxonomia, distribuição espacial e temporal e ecologia trófica.
Posteriormente este mesmo autor estudou o comportamento dos peixes segundo a percepção
4
dos pescadores (MARQUES, 1994). COSTA-NETO (1998) avaliou a etnoictiologia dentro do
contexto do desenvolvimento e sustentabilidade no litoral norte da Bahia. MOURÃO (2000)
estudou os modelos cognitivos de pescadores artesanais do estuário do Rio Mamanguape na
Paraíba, com relação à classificação dos peixes e à compreensão de aspectos de sua ecologia
e comportamento.
Com relação a comunidades caiçaras, MUSSOLINI (1980) descreveu o conhecimento de
pescadores de São Paulo sobre ecologia da tainha (Mugil platanus), relatando detalhes de seu
comportamento migratório. SILVA (1988) analisou aspectos da classificação dos recursos
naturais, especialmente peixes, para pescadores de Piratininga no Rio de Janeiro. As
comunidades pesqueiras da Ilha de Búzios e da Baía de Sepetiba foram estudadas por
BEGOSSI (1989 e 1992), BEGOSSI & FIGUEIREDO (1995) e PAZ & BEGOSSI (1996), com relação a
escolhas alimentares e restrições ao consumo de peixes, suas relações com a medicina
popular, etnotaxonomia e conhecimento dos pescadores sobre aspectos da ecologia e
comportamento das espécies ícticas. O uso do pescado na alimentação da população da Ilha
de Búzios foi estudado por BEGOSSI & RICHERSON em 1992, aplicando a teoria do
forrageamento ótimo e em 1993, utilizando as teorias de nicho ecológico. A relação entre os
pescadores e os intermediários na comercialização do pescado na Ilha de Búzios foram
retratados em BEGOSSI (1996). Uso do pescado, incluindo tabus e preferências alimentares,
também foi estudado por SEIXAS & BEGOSSI (1996) em Ilha Grande (RJ) e na Ilha de São
Sebastião (SP). As estratégias pesqueiras de pescadores na Ilha de Búzios foram relatadas em
BEGOSSI (1996a e 1996b). KANT-LIMA (1997) avaliou vários aspectos relacionados ao saber dos
pescadores de Itaipu (RJ). HANAZAKI (1997) estudou a atividade de pesca e a dieta alimentar
em comunidades de Ubatuba (SP) e HANAZAKI & BEGOSSI (2000) analisaram a pesca e a
dimensão do nicho para consumo alimentar entre pescadores de Ponta da Almada (SP).
Trabalhos etnoictiológicos com pescadores ribeirinhos foram realizados por BEGOSSI &
GARAVELLO (1990), com comunidades do médio Rio Tocantins, sobre os sistemas de
classificação usados pelos pescadores, definindo os critérios e as formas de utilização.
Posteriormente, nestas mesmas comunidades, BEGOSSI & BRAGA (1992) analisaram as
restrições alimentares relacionadas ao consumo de peixes e a utilização dos mesmos na
medicina popular.
5
MARQUES (1995a e b) descreveu a etnoictiologia de pescadores do baixo Rio São
Francisco, através da abordagem da etnoecologia abrangente. A pesca e o uso dos peixes por
comunidades ribeirinhas do Alto Juruá (AM) foram estudados por BEGOSSI et al. (1999).
No Rio Piracicaba, SILVANO & BEGOSSI (1998) estudaram a pesca artesanal e os efeitos
da poluição e dos desmatamentos das margens sobre os estoques pesqueiros; MADI & BEGOSSI
(1997) analisaram o consumo de pescado pela população da Rua do Porto e a relação dos
tabus alimentares com a poluição das águas do rio e SILVANO & BEGOSSI (2000) avaliaram a
composição dos desembarques pesqueiros.
Na Represa de Três Marias (MG), THÉ (1998) estudou o conhecimento etnoecológico
dos pescadores e estimou a produção pesqueira e MADI (1999) analisou os usos e critérios de
escolha do pescado por famílias de pescadores.
Comunidades indígenas do alto Rio Negro foram estudadas por RIBEIRO (1995); a
comunidade dos Wayana por VELTHEN (1990); a pesca dos índios Kayapó por PETRERE Jr.
(1990) e a etnoictiologia dos índios Desâna por RIBEIRO & KENHÍRI (1996).
Os estudos na área da etnoictiologia têm mostrado que os conhecimentos adquiridos
por comunidades tradicionais pesqueiras são aprofundados, ricos em detalhes e muitas vezes
concordantes com as observações científicas, envolvendo relações taxonômicas e vários
aspectos da biologia e ecologia de diferentes espécies de peixes.
O conjunto de informações teórico-práticas que os pescadores apresentam sobre o
comportamento, hábitos alimentares, reprodução e ecologia dos peixes oferece uma grande
fonte de conhecimentos praticamente desconhecida pela ciência ocidental sobre como
manejar, conservar e utilizar os recursos naturais de maneira mais sustentável. Este
conhecimento, que está baseado na experiência, em muitas regiões está tão ameaçado de
extinção quanto os próprios recursos biológicos.
A Área de Proteção Ambiental (APA) de Guaraqueçaba, localizada no litoral norte do
Estado do Paraná, engloba uma grande diversidade de ecossistemas e abriga cerca de 60
comunidades humanas, constituídas principalmente por pescadores artesanais e agricultores
familiares.
6
A população local pode ser entendida como população tradicional segundo a
conceituação estabelecida por DIEGUES (1993)1, caracterizando-se por manter uma grande
integração com os ecossistemas circundantes. A pesca artesanal está entre as principais
atividades econômicas, juntamente com a agricultura e o extrativismo.
Diversas transformações econômicas, ambientais, sociais e culturais vêm acontecendo
nas últimas três décadas no litoral do Paraná, com influências sobre as relações entre os
moradores locais e seu ambiente. Ocorreram mudanças no panorama do desenvolvimento
regional e ordenação territorial do litoral, como a criação de unidades de conservação (e
conseqüentes restrições ambientais), a expansão turística e influências da economia de
mercado, modificações nas técnicas e práticas de pesca e, ainda, modificações das
características ambientais.
Conforme constatado por diversos autores (COUTO et al., 1990; LIMA, 1996; LIMA at al.,
1998; KARAM & TOLEDO, 1997 e FERNANDES-PINTO, 1998), estas mudanças têm refletido no fato
de que o conhecimento do universo local está ficando cada vez mais restrito e as comunidades
estão sofrendo uma descaracterização de sua forma tradicional de vida, num processo que,
apesar de lento, parece irreversível.
As relações das populações de Guaraqueçaba com os recursos naturais, de uma forma
geral, e a atividade pesqueira em particular, têm sido negligenciadas no planejamento e manejo
das unidades de conservação da região, com implicações também para a cultura e as
condições de vida locais. O conhecimento de como o uso dos recursos acontece e em que
contexto ocorre, pode fornecer informações valiosas para o gerenciamento das unidades.
Considerando-se ainda que, nesta região, mais de 70% da população têm na pesca a sua
principal fonte de renda (CORRÊA et al., 1997), emerge também como prioritária a avaliação do
grau de dependência desta com relação aos diferentes tipos de recursos ícticos.
Partindo-se do princípio de que o conhecimento dos pescadores artesanais de
Guaraqueçaba sobre os peixes representa um importante recurso e uma ferramenta essencial
1 Populações tradicionais são entendidas como grupos sociais que têm um “modo de vida” diferente das populações urbano-industriais e que, via de regra, mantêm com os recursos naturais uma relação de dependência pautada no respeito aos ciclos naturais. O manejo dos recursos ocorre através de um complexo de conhecimentos adquiridos pela tradição herdada dos mais velhos, resultando na adequação de uso e manutenção dos ecossistemas naturais (DIEGUES, 1993).
7
para o manejo e conservação da região e que o mesmo encontra-se localmente ameaçado de
extinção, considera-se o seu resgate e registro como de fundamental importância.
Desta forma, o presente trabalho tem como objetivo principal estudar os modelos
cognitivos dos pescadores da região de Guaraqueçaba, com ênfase em aspectos
etnotaxômicos e do conhecimento etnoecológico sobre peixes e aspectos conexivos voltados
para as formas de apropriação e uso dos recursos pesqueiros, tomando-se a comunidade de
Barra do Superagüi como estudo de caso. Os objetivos específicos serão detalhados em cada
capítulo.
Este trabalho pretende contribuir para a compreensão das populações tradicionais da
APA de Guaraqueçaba como parte integrante do ecossistema em que estão inseridas e
fornecer subsídios para o planejamento ambiental da região e para futuras propostas
conservacionistas embasadas na realidade das populações locais.
MMEETTOODDOOLLOOGGIIAA
O trabalho de campo foi realizado na comunidade da Barra do Superagüi, Município de
Guaraqueçaba, no período compreendido entre março de 1999 e dezembro de 2000, através
de idas mensais ao campo com duração de aproximadamente sete dias.
Os dados foram inicialmente obtidos através de entrevistas casuais e não estruturadas2
com 54 moradores da comunidade. As finalidades destas entrevistas foram identificar os temas
gerais e as categorias êmicas3 reconhecidas pela população nos aspectos relacionados à
ictiofauna local e obter uma lista de nomes vernaculares para os peixes.
A transgeracionalidade do conhecimento etnoictiológico local foi analisada
entrevistando-se pessoas de diferentes idades. Além disso, a homogeneidade do
2 Considerou-se como entrevistas casuais aquelas realizadas informalmente, sem um contexto de entrevista; entrevistas não-estruturadas como aquelas realizadas sem um roteiro, mas onde o contexto de entrevista existe e a pessoa está informada disto; e entrevistas semi-estruturadas, aquelas que seguem um roteiro temático pré-estabelecido. 3 Os conceitos "êmico" e "'ético" derivam lingüisticamente de "fonêmico" e "fonético" e são usados na etnobiologia como pontos de vista diferenciados para analisar as informações. A perspectiva "êmica" considera a abordagem interna da população em estudo, as categorias por elas nomeadas e descritas. A perspectiva "ética" é a visão externa, que considera as categorias e interpretações dos pesquisadores e da ciência oficial.
8
conhecimento foi testada entrevistando-se pessoas de ambos os sexos, de diferentes classes e
papéis sociais.
A partir dos temas identificados, trabalhou-se com entrevistas semi-estruturadas, onde
o número de entrevistados variou de acordo com o assunto, sendo abordados moradores
reconhecidos como "especialistas" e indicados por outros membros da comunidade. No geral,
foram realizadas um total de 60 entrevistas semi-estruturadas, com 38 moradores locais. A
diferenciação social e cultural existente atualmente na Barra do Superagüi dificultou a análise
de alguns temas, especialmente etnotaxonomia.
Uma análise preliminar da variação intracultural com relação à nomeação dos peixes
permitiu diferenciar um grupo mais ou menos homogêneo, formado pelos pescadores mais
antigos, com idade superior a 65 anos e que nasceram e sempre moraram na região de
Guaraqueçaba. De forma a facilitar a análise e na medida em que a principal proposta deste
trabalho é realizar um resgate do conhecimento tradicional, optou-se por separar as
informações provenientes deste grupo (n=11) no estudo da classificação etnobiológica.
Na parte de etnotaxonomia, as entrevistas semi-estruturadas foram conduzidas
procurando obter a descrição de cada peixe nomeado e identificar possíveis agrupamentos.
Perguntas cruzadas foram utilizadas para averigüar eventuais nomes esquecidos, a partir das
categorias êmicas relacionadas. Para efeito de análise das informações foram considerados
apenas os nomes citados por mais de um pescador e as referências para os nomes
considerados sinônimos foram agrupadas. Foi considerado como nome principal aquele citado
pelo maior número de pescadores e os demais, tratados como sinonímias.
A análise dos padrões classificatórios considerou o universo amostral de todos os
peixes "conhecidos" pelos entrevistados e não apenas aqueles coletados. Para analisar a
classificação hierárquica adotou-se neste estudo o modelo estabelecido por BERLIN (1973 e
1992). Os demais padrões classificatórios seguiram o proposto por MARQUES (1991).
Foram adotadas técnicas da observação participante para a descrição das práticas
pesqueiras atuais e a "técnica da turnê" proposta por SPRADLEY & MCCURDY (1972), realizando-
se excursões guiadas pelos pescadores, principalmente para o reconhecimento dos diferentes
tipos de habitat. Alguns eventos observados foram documentados fotograficamente, bem como
os atores sociais, as atividades de pesca e os recursos pesqueiros.
9
Para a análise da importância comercial do pescado, além das entrevistas com os
pescadores e com os comerciantes da comunidade, foram realizadas visitas sazonais aos
mercados populares localizados nos centros comerciais próximos à comunidade estudada.
As entrevistas foram realizadas apenas pela autora e registradas por escrito e/ou
eletromagneticamente. Todas as informações levantadas foram transcritas e codificadas
segundo o assunto relacionado, a partir dos temas e categorias êmicas previamente
identificadas, sendo então organizadas em um banco de dados.
Optou-se por uma abordagem essencialmente qualitativa e de análise de discursos,
recorrendo-se à quantitativa em situações específicas. Os valores de freqüência relativa
calculados representam o percentual de entrevistados que citaram espontaneamente um
determinado recurso.
Os dados foram analisados segundo o modelo de "união das diversas competências
individuais" (HAYS in MARQUES, 1991) e a análise dos discursos utilizou uma nova técnica
denominada “análise do discurso do sujeito coletivo”, proposta por LEFÈVRE et al. (2000)4.
Os controles foram feitos através da verificação de consistência e de validade das
respostas, recorrendo-se a entrevistas repetidas em situações sincrônicas (quando uma
pergunta é feita a pessoas diferentes em tempos próximos) e diacrônicas (quando uma
pergunta já feita anteriormente é repetida à mesma pessoa em tempos distintos).
Exemplares de peixes e outros recursos pesqueiros foram adquiridos durante o
acompanhamento das atividade de pesca, sendo registrado o nome vernacular correspondente
citado pelos pescadores. Estes exemplares foram posteriormente apresentados a moradores
idosos da comunidade para confirmação da identificação (FIGURA 1).
4 Esta metodologia consiste em agregar discursos individuais e obter discursos coletivos através de quatro figuras metodológicas básicas: ancoragem (marcas lingüísticas), idéia-central (a essência de cada discurso), expressões-chave (transcrições literais) e discursos do sujeito coletivo, resgatando o total dos discursos existentes sobre um tema ou objeto.
10
FIGURA 1 - Pescador idoso identificando exemplares de peixe coletados durante as atividades de pesca.
Recorreu-se, complementarmente, a identificações cruzadas (quando exemplares
identificados por um pescador eram submetidos a outros para confirmação) e identificações
repetidas (quando exemplares já identificados por um pescador eram novamente submetidos à
mesma pessoa, decorrido um certo espaço de tempo, para nova identificação).
Além dos exemplares coletados durante o acompanhamento das atividades pesqueiras,
outros foram doados por comerciantes de pescado da comunidade. Os peixes foram
congelados e transportados para o Laboratório de Ictiologia do Centro de Estudos do Mar
(CEM/UFPR). A identificação científica foi feita por especialistas na ictiofauna da região, com
base na seguinte bibliografia: FIGUEIREDO, 1977; FISHER, 1978; FIGUEIREDO & MENEZES, 1978 e
1980; MENEZES & FIGUEIREDO, 1980 e 1985; MENEZES, 1983; CORRÊA, 1987; BARLETTA &
CORRÊA, 1992 e CERVIGÓN et al., 1992 e por comparação com exemplares depositados na
11
coleção ictiológica do CEM. Os exemplares foram fixados em formol a 10%, conservados em
álcool a 70% e depositados na coleção ictiológica da referida instituição.
Para os peixes cujos exemplares não foram coletados, procurou-se estabelecer uma
relação com as identificações populares consideradas no trabalho de CORRÊA (1987) e
correspondências tentativas a partir de "pistas taxonômicas" das descrições fornecidas pelos
pescadores. As identificações científicas para os peixes citados ao longo do texto encontram-se
listadas no ANEXO.
Os resultados foram apresentados na forma de capítulos, sendo o primeiro referente à
caracterização da região estudada; o segundo, a aspectos etnotaxonômicos; o terceiro, ao
conhecimento etnoecológico e o quarto, a aspectos utilitários da relação entre pescadores da
Barra do Superagüi e os peixes de seu ambiente. O tempo verbal utilizado no texto foi o
presente etnográfico. Procurou-se manter literalmente os depoimentos dos pescadores, sem
adequações e correções ortográfica, de forma a aproximar o máximo possível o texto escrito do
discurso passado oralmente.
12
CAPÍTULO 1 - GGUUAARRAAQQUUEEÇÇAABBAA:: PPAAIISSAAGGEENNSS EE PPEESSSSOOAASS
1. CARACTERIZAÇÃO GERAL
O município de Guaraqueçaba situa-se no litoral norte do Paraná, entre as coordenadas
UTM X 718.000 e 800.000 e Y 7.176.000 e 7.250.0005. A Área de Proteção Ambiental (APA)6
de Guaraqueçaba, unidade de conservação criada em 1985 com cerca de 314 mil ha, engloba
integralmente este município, além de partes dos municípios vizinhos de Antonina, Paranaguá
e Campina Grande do Sul (FIGURA 1.1).
A estrada PR-405 é a única via de acesso viário à região, em um trecho de 78 km de
estrada não pavimentada. Esta estrada foi aberta por volta de 1970, mas permaneceu
intransitável durante muitos anos. A dificuldade de acesso viário resultou num relativo
isolamento político-geográfico que, associado à baixa densidade demográfica (cerca de 4
hab/km2) contribuiu para o bom estado atual de conservação ambiental e cultural da área.
A região de Guaraqueçaba, de uma forma geral, apresenta uma série de
particularidades climáticas, hidrográficas, topográficas, ecológicas, históricas, sócio-
econômicas e culturais que a distingue de outras regiões do Paraná e do Brasil.
A APA de Guaraqueçaba abriga um rico patrimônio natural, compreendendo, em sua
extensão continental, costeira e estuarina, uma grande diversidade de ambientes, sobre os
quais atualmente incidem uma série de mecanismos legais federais e estaduais visando sua
proteção. Permeando este rico mosaico de ecossistemas encontram-se diversas comunidades
que revelam uma diversidade sócio-cultural tão importante quanto a diversidade física e
biológica, representando uma cultura peculiar e diferenciada.
5 Projeção Universal Transversa de Mercator - Meridiano Central -51oW.Gr. Datum SAD-69. 6 As Áreas de Proteção Ambiental (APA) representam uma categoria de Unidade de Conservação de manejo sustentado, instituída em 1981 e regulamentada em 1990. Constituídas por áreas públicas e/ou privadas, têm o objetivo de disciplinar o processo de ocupação de terras e promover proteção dos recursos bióticos e abióticos dentro de seus limites, de modo a assegurar o bem estar das populações humanas que aí vivem, resguardar ou incrementar as condições ecológicas locais e manter paisagens e atributos culturais relevantes (IBAMA, 2002).
13
FIGURA 1.1 - Mapa de localização da região de Guaraqueçaba: divisas e sede municipal, PR-405, limites da APA e do PARNA do Superagüi e comunidade da Barra do Superagüi (LAB.SIG-SPVS).
14
2. ASPECTOS FÍSICOS E BIOLÓGICOS7
A parte continental da APA de Guaraqueçaba é constituída por vastas serras (como a
Serra da Virgem Maria, Serra Negra, da Utinga e do Itaqui), áreas de planície litorânea e
planalto.
A parte estuarina é formada pelas baías das Laranjeiras, dos Pinheiros e de
Guaraqueçaba e pelas Enseadas do Benito e Itaqui, fazendo parte do Complexo Estuarino-
Lagunar que se estende de Iguape a Paranaguá (FIGURA 1.2). Grandes baixios (depósitos de
areia e lodo) são encontrados em toda a região, impondo limites e uma estreita dependência
dos ciclos de maré para a navegação.
As baías são margeadas por extensas áreas de manguezais, que ocupam cerca de 18
mil ha na região, ainda em bom estado de conservação (FIGURA 1.3). Vários rios drenam para
estas áreas, sendo os principais o Rio Guaraqueçaba, o Serra Negra, o Tagaçaba, o Medeiros
e o Itaqui.
Nas baías também encontram-se várias ilhas sedimentares de diversos tamanhos, que
surgiram lentamente ao longo dos últimos sete mil anos, através de sucessivas deposições
marinhas. As maiores são a Ilhas das Peças, a Ilha Rasa e a Ilha artificial do Superagüi8.
Na parte exposta formam-se praias e na plataforma continental surgem pequenas ilhas
oceânicas graníticas, como a da Figueira.
A linha de costa de todo o litoral paranaense encontra-se em contínua alteração, pela
ação da erosão e sedimentação de material, num processo extremamente dinâmico e que
aparenta ter caráter cíclico.
7 Texto escrito com base principalmente no "Zoneamento Ecológico-Econômico da APA de Guaraqueçaba", convênio IPARDES & IBAMA (1997). 8 Em 1953, a abertura do Canal do Varadouro transformou em ilha o braço do continente até então denominado "Península do Superagüi", permitindo a comunicação marinha entre o litoral sul de São Paulo e o do norte do Paraná.
15
FIGURA 1.2 - Vista geral da região continental e estuarina de Guaraqueçaba.
FIGURA 1.3 - Manguezal na região de Guaraqueçaba.
16
O clima regional, segundo a classificação de KOEPPEN, é do tipo "CFA", definido como
subtropical úmido mesotérmico. A temperatura média anual gira em torno de 20oC e a umidade
relativa do ar em 85%, com pouca variação ao longo do ano. A pluviosidade é elevada (média
de 2.400 mm anuais e 207 dias de chuva por ano), com precipitações regulares bem
distribuídas entre os meses, sem estação seca definida. Os maiores índices pluviométricos
ocorrem no verão (dezembro a março) e os menores no final do outono e durante o inverno
(abril a agosto).
A APA de Guaraqueçaba faz parte do Domínio da Floresta Ombrófila Densa (Floresta
Atlântica) e representa atualmente, junto com a porção de Iguape e Cananéia no litoral sul de
São Paulo, a maior e mais bem preservada área contínua de remanescente deste tipo florestal
e de seus ecossistemas associados9. A vegetação na região apresenta dois ambientes
fisionômica e ecologicamente distintos: as áreas de formações pioneiras e a região da floresta
ombrófila densa propriamente dita.
As formações pioneiras são os ambientes de primeira ocupação, que se instalam sobre
áreas onde ocorrem deposições sedimentares ao longo do litoral. Abrangem tipos distintos de
vegetação, diferenciados pela intensidade com que são influenciados pela água do mar, dos
rios ou pela ação combinadas de ambos. As formações pioneiras de influência marinha são
representadas pela vegetação de dunas e de restinga; as de influência flúvio-marinha, pelos
manguezais e áreas de transição; e as de influência fluvial, pelos brejos e caxetais.
As regiões de Floresta Ombrófila Densa, em função da situação topográfica e das
condições edáficas locais, são formadas por diferentes tipos florestais, subdivididos de acordo
com a faixa altimétrica em de Terras Baixas ou das Planícies Quaternárias (até altitudes de 40-
50 metros acima do nível do mar - a.n.m.); Sub-Montana ou do início das encostas (de 40-50 a
500-700 m a.n.m.); Montana (500-700 a 1000-1200 m a.n.m.) e Alto-Montana (a partir de 1000-
1200 m a.n.m.).
Ao longo das várzeas dos grandes rios estabelecem-se, ainda, áreas de Floresta
Ombrófila Densa das Planícies Aluviais.
A maior parte das áreas de floresta na APA de Guaraqueçaba, especialmente a da
9 Este bioma, que se estendia ao longo de toda a costa brasileira, sofreu grande pressão antrópica ao longo da história e atualmente encontra-se reduzido a menos de 8% de sua cobertura original, sendo considerado um dos ecossistemas mais ameaçados do planeta (FUNDAÇÃO SOS MATA ATLÂNTICA &
INPE, 1993).
17
planície e a sub-montana, sofreram intervenção humana em diferentes níveis a partir de
meados do século passado, principalmente pela extração seletiva de madeira e a abertura de
roças. É possível observar nesta região todos os estágios sucessionais da vegetação
secundária, desde comunidades pioneiras de primeira ocupação até florestas secundárias bem
desenvolvidas, passando por capoeiras e capoeirões e formando um verdadeiro mosaico
vegetacional. A APA representa atualmente um ambiente florestal extenso e relativamente
contínuo que, associado à diversidade de ecossistemas existentes, fazem desta região um
importante reduto natural, ocorrendo um grande número de espécies vegetais e animais.
Com relação à fauna de vertebrados terrestres, foram registradas para a região cerca
de 70 espécies de mamíferos, 340 espécies de aves, 50 de répteis e 35 de anfíbios. A região,
no entanto, carece de levantamentos e estudos mais aprofundados e sistemáticos, tendo-se
pouco conhecimento da abundância e distribuição das espécies, bem como de aspectos da sua
biologia e ecologia. Ressalta-se a ocorrência de muitas espécies endêmicas da Floresta
Atlântica e outras raras e/ou ameaçadas de extinção em outras regiões do Estado do Paraná e
do Brasil.
Quanto à ictiofauna, no litoral do Paraná foram registradas um total de 313 espécies
pertencentes a 92 famílias, sendo 289 espécies e 80 famílias de Actinopterygii e as demais, de
Chondrichthyes. Dentre os Actinopterygii, a família Myctophidae é a que apresenta maior
registro de número de espécies na região da plataforma continental (37 espécies) e Sciaenidae
e Carangidae, nas regiões costeiras (com 22 e 17 espécies, respectivamente) (CASTELLO et al.,
1994).
Para o sistema estuarino da Baía de Paranaguá foram registradas 173 espécies de
Actinopterygii e 28 de Chondrichthyes. As famílias mais abundantes foram Mugilidae, Ariidae,
Sciaenidae, Gerreidae, Atherinidae, Clupeidae, Carangidae, Serranidae e Tetraodontidae
(CORRÊA, 1987 e 2001).
A composição específica desta região apresenta uma similaridade maior com a fauna
de águas quentes tropicais ou caraíbicas (CORRÊA, 1987). Por tratar-se de uma área
intermediária entre rios e o oceano, a região está diretamente relacionada com migrações de
várias espécies ícticas (CASTELLO et al., 1994). A temperatura e a salinidade da água
(associada à pluviosidade e às marés) parecem ser os principais fatores determinantes da
distribuição da ictiofauna (CORRÊA, 1987).
18
De modo geral, os trabalhos sobre recursos pesqueiros realizados no litoral do Paraná
mostraram que o conhecimento sobre composição e diversidade íctica evoluiu rapidamente
para os ambientes estuarinos da região. Contudo, aspectos do ciclo biológico (reprodução,
crescimento, alimentação), da dinâmica das populações naturais, da estrutura e dos padrões
de distribuição espacial e temporal, permanecem ainda pouco conhecidos (CORRÊA, 1995).
3. ASPECTOS SÓCIO-ECONÔMICOS, HISTÓRICOS E CULTURAIS10
Os primeiros indícios da ocupação humana e da utilização dos recursos naturais no
litoral do Paraná foram constatados através de vestígios arqueológicos denominados
"sambaquis" ou "casqueiros" (formados por depósitos de restos alimentares, principalmente
conchas de moluscos e, em alguns casos, utensílios diversos e urnas funerárias). Estima-se
que existam mais de 100 espalhados pela região de Guaraqueçaba e os mais antigos datam de
até 6.000 anos.
Os grupos indígenas que habitavam a região no início do contato com os primeiros
colonizadores europeus estavam representados por Carijó e Tupiniquim, com uma população
estimada entre seis e oito mil. Estes grupos, além de pesca, caça e coleta de frutos, cultivavam
algumas plantas e eram exímios ceramistas. As causas do despovoamento indígena no litoral
paranaense não são bem conhecidas, sendo que referências diversas apontam para o
aprisionamento de índios como escravos, o processo de miscigenação e o abandono da região.
A colonização portuguesa iniciou-se por volta de 1530, como conseqüência do
povoamento de São Vicente no litoral de São Paulo, de onde partiram expedições para
aprisionamento de índios e busca de ouro. Entre 1630 e 1640 foram descobertas várias jazidas
de ouro na região de Guaraqueçaba, o que levou à instalação de muitos mineiros na área,
intensificando a ocupação e a miscigenação. O ciclo do ouro começou a declinar no século
XVII, com a descoberta de minas mais produtivas no interior do país.
O primeiro povoado de Guaraqueçaba foi a Vila do Ararapira, fundada em 1767. Por
volta de 1770, missionários de Cananéia criaram uma redução agrícola-religiosa na região do
Superagüi. A partir do final do século XVIII começaram a instalar-se grandes fazendas com
mão-de-obra de escravos negros. Várias localidades se desenvolveram, espalhadas por toda a
10 Texto escrito principalmente com base nos trabalhos de BEHR (1991), SPVS (1994) e FERNANDES-PINTO & NICOLAU (2001).
19
região.
Em 1835 foi construída a capela de Bom Jesus dos Perdões de Guaraqueçaba e em
torno desta foram surgindo as primeiras edificações que deram origem ao povoado de
Guaraqueçaba, que se tornou município em 1880.
Na segunda metade do século XIX, imigrantes de vários países europeus e de outras
partes do mundo vieram para a região do litoral do Paraná, tendo-se registro de italianos,
suíços, alemães, franceses, letos, mouros, árabes, entre outros. Em 1852 foi fundada na região
do Superagüi uma colônia de imigrantes principalmente suíços mas também franceses,
alemães e italianos.
Nessa época, as populações humanas da região formavam pequenos núcleos
baseados nas relações de parentesco e desenvolviam principalmente a agricultura. A ocupação
das terras era minifundista e a posse era estabelecida a partir do seu uso. As atividades
produtivas caracterizavam-se por uma relativa auto-suficiência, por utilizarem força de trabalho
familiar e estarem organizadas a partir das habilidades pessoais e dos laços históricos com as
produções. O modo de vida estava baseado na utilização conjugada de uma grande
diversidade de recursos e de diferentes ambientes, dependendo de um profundo conhecimento
dos ecossistemas da região, sua fauna e flora, através de um processo histórico passado e
aperfeiçoado de geração a geração. O transporte fazia-se essencialmente por via fluvial e
marítima e o porto de Guaraqueçaba centralizava as atividades comerciais do litoral
paranaense.
O apogeu econômico da região ocorreu entre o final do século XIX e início do XX.
Excedentes da produção agrícola, principalmente banana e arroz, além de produtos
extrativistas, eram comercializados nos municípios vizinhos e exportados para a Argentina e
Paraguai.
Em meados do século XX, o crescimento populacional e econômico de Antonina e
Paranaguá e a ligação terrestre através destes municípios do litoral ao planalto paranaense
dão início a um processo de estagnação econômica em Guaraqueçaba. Além disso, a abertura
de novas fronteiras agrícolas no interior do Estado leva ao declínio da importância da produção
agrícola local, que se volta basicamente para a subsistência familiar, conjugando-se com a
pesca.
O número de habitantes diminuiu consideravelmente entre a década de 1930 e 1950,
20
sendo que a partir desta data até os dias atuais, permanece estável.
No final da década de 1950 e ao longo da de 1960, instaurou-se na região de
Guaraqueçaba um intenso processo de apropriação de terras por grandes grupos econômicos,
principalmente empresas agropecuárias, gerando vários conflitos e excluindo parte dos
produtores locais (sem vínculo legal com as propriedades) do acesso à terra. Este processo,
conjugado ao declínio da importância comercial da atividade agrícola, gerou como
conseqüência uma migração de parcelas da população para centros urbanos (Paranaguá e
Curitiba) e o deslocamento de outras para áreas mais propícias para a pesca, onde esta
atividade intensificou-se. O processo de especulação imobiliária aumentou ainda mais na
década de 1970, com a abertura da estrada PR-405.
Na década de 1980, uma "avalanche" de leis federais e estaduais e de Unidades de
Conservação criadas na região em um curto espaço de tempo vão contribuir para limitar ainda
mais o processo de trabalho artesanal e o modo de vida tradicional.
Uma boa parte das atividades historicamente exercidas pelos moradores foram sendo
sistematicamente proibidas ou regulamentadas por órgãos externos, em geral sem a
participação da população local e sem levar em consideração a realidade social da região. Para
os moradores locais, após um ciclo de perda de suas terras, dá-se um novo processo, desta
vez de tomada dos direitos de uso dos recursos naturais, não sendo reconhecidas suas
necessidades de sobrevivência.
Com relação ao uso dos recursos naturais, os efeitos deste processo se fazem sentir na
especialização das comunidades no uso de determinados recursos. Uma série de conexões
com a flora e fauna são perdidas ou enfraquecidas, como exemplo de muitas atividades
relacionadas com a cultura material e o uso de plantas e animais na medicina tradicional.
Por outro lado, atividades que encontram um mercado legal ou ilegal, vão se
fortalecendo, como a extração do palmito, por exemplo, que passou a ser realizada em toda a
região e o aumento da exploração de alguns recursos pesqueiros como camarões e ostras.
Resumidamente, o quadro passa a apontar para uma situação de concentração das pessoas
da região, convivendo em áreas cada vez menores e utilizando de forma mais intensa
determinados recursos naturais.
21
4. SITUAÇÃO ATUAL11
Estima-se que na região da APA de Guaraqueçaba existam atualmente cerca de 60
comunidades espalhadas pela porção continental e nas ilhas do estuário, totalizando
aproximadamente 10.000 habitantes.
As principais atividades desenvolvidas pela população ativa são a pequena lavoura, a
pesca, o extrativismo (principalmente de palmito, Euterpe edulis), o pequeno comércio, os
serviços públicos (sendo a Prefeitura Municipal de Guaraqueçaba o principal empregador) e
uma remanescente prática de artesanato ou, mais adequadamente, produção de objetos
utilitários.
Nos últimos anos têm aumentado a importância de atividades como prestação de
serviços temporários (pedreiro, carpinteiro, transporte de material, etc.) e serviços voltados
para o turismo e para os veranistas (serviços em pousadas e restaurantes, acompanhamento
de pesca esportiva e comércio de iscas, guias para trilhas, caseiros, barqueiros, etc.).
A APA de Guaraqueçaba é considerada uma das regiões mais pobres do Estado do
Paraná, segundo os índices que são utilizados como padrões para avaliação econômica, com
uma economia formal de pequeno crescimento e baixos níveis de qualidade de vida.
Não existe saneamento básico nem coleta de resíduos sólidos. Atualmente quase todas
as vilas possuem energia elétrica e a maioria não conta com sistema de tratamento de água. O
acesso aos cuidados médicos é precário e a maioria das vilas não tem posto de saúde ativo.
Os índices de mortalidade infantil na região estão entre os mais altos do país, sendo as
parasitoses uma das principais causas.
A maioria das escolas atende a alunos da primeira à quarta série em turmas
multisseriadas e enfrentam problemas de manutenção da estrutura física, falta de material
escolar adequado e de qualificação dos professores (FIGURA 1.4). Cerca de 65% da população
é considerada semi-analfabeta.
11 Texto baseado principalmente nos trabalhos de IPARDES (1989); SPVS (1992a e b); IBAMA & SPVS (1995) e KARAM & TOLEDO, 1997.
22
FIGURA 1.4 - Escola Municipal em uma das comunidades estuarinas da APA de Guaraqueçaba.
A região tem sérios problemas fundiários e de conflitos pela posse da terra. A
sobreposição de títulos de propriedade leva a uma situação em que a área dos imóveis
declarados junto ao INCRA é quase o dobro da área total do município. A grande maioria dos
pequenos proprietários locais não têm título de propriedade das áreas que ocupam.
A maior parte dos imóveis declarados são de propriedade de não residentes no local
(fazendeiros de Curitiba e outros municípios), gerando um quadro em que atualmente mais de
95% da área da APA não pertence à população que nela habita e dela vive.
O intenso processo de transformações econômicas, sociais e culturais, que
Guaraqueçaba vem passando nas últimas décadas, teve influências diretas nas relações entre
a população e os recursos naturais. Atualmente a região é marcada por uma série de
problemas de gestão, desenvolvimento e conservação, com graves conflitos fundiários, entre
as atividades econômicas e entre as práticas humanas e a fiscalização.
A introdução de novos processos sociais, decorrentes da "modernização" e
"desenvolvimento" da sociedade vem provocando alterações nos hábitos, valores e modo de
vida da população local, nas suas concepções de natureza e conseqüentemente, na forma de
utilização do espaço e dos recursos naturais. O quadro atual aponta para uma crescente
descaracterização sócio-cultural das comunidades e esta situação reflete-se em um novo
desafio frente à questão ambiental e cultural da região.
A constituição de uma APA visa conciliar a preservação dos recursos naturais e a
manutenção e melhoria das condições de vida das populações que habitam a área. No entanto,
23
na prática a realidade observada é bastante complexa e a conciliação do desenvolvimento com
a conservação dos recursos apresenta-se como um grande desafio, ainda carente de exemplos
de sucesso.
5. RELAÇÕES ENTRE A POPULAÇÃO E OS RECURSOS NATURAIS
5.1. A ATIVIDADE PESQUEIRA
A pesca no Complexo Estuarino da Baía de Paranaguá é descrita como essencialmente
artesanal e de subsistência, com a comercialização dos excedentes de produção nos mercados
regionais (KRAEMER, 1982; CORRÊA, 1987; SPVS, 1992; ROUGEULLE, 1993; IPARDES, 1989a e
b e 1995; IBAMA/SPVS, 1995 e 1996).
A atividade pesqueira na região pode ser dividida em dois segmentos produtivos
distintos: pesca estuarina e pesca marinha/costeira (SPVS, 1992). A pesca estuarina é
realizada principalmente pelas comunidades das regiões internas das baías e utiliza-se de
apetrechos de pesca diversificados. É realizada com pequenas canoas monóxilas ("canoa de
um pau só"), produzidas localmente, movidas a remo ou impulsionadas por motores de centro
de baixa potência (5 a 11 Hp) (FIGURA 1.5). A pesca marinha/costeira é realizada por
comunidades praieiras localizadas nas barras de acesso à região estuarina. Utiliza
embarcações maiores confeccionadas com tábuas e motores mais potentes (15 a 30 Hp).
FIGURA 1.5 - Canoas de "um pau só" utilizadas na pesca estuarina na região de Guaraqueçaba.
24
Nos últimos anos ocorreram muitas mudanças na atividade, tanto com relação aos
apetrechos, técnicas e embarcações utilizados, quanto às espécies capturadas. As poucas
informações disponíveis sobre a pesca artesanal no litoral do Paraná e informações obtidas
junto aos pescadores apontam, por um lado, uma diminuição no volume de pescado capturado
e intensificação da exploração de outros recursos pesqueiros (como camarões, ostras e
caranguejo) e por outro, para o agravamento da situação sócio-econômica das comunidades
pesqueiras tradicionais (IPARDES, 1989; CUNHA et al., 1989; SPVS, 1992; CORRÊA et al., 1997;
KARAM & TOLEDO, 1997).
A legislação pesqueira atual incidente na região foi reunida e revista por CORRÊA
(2000). Segundo o autor, esta apresenta um caráter eminentemente regulamentar, carecendo
de dispositivos controladores. Não são estimulados estudos de biologia e avaliação de estoque
pesqueiro. Os controles de desembarque não estão sendo realizados e não se tem estatísticas
sobre a produção. Contribuem ainda para o descontrole do setor, as freqüentes criações,
extinções e fusões, com transferência das responsabilidades entre os órgãos governamentais e
sobreposições do poder do estado e da união. A legislação não exige nem relaciona requisitos
básicos para o exercício da pesca.
5.2. A ATIVIDADE AGRÍCOLA E PECUÁRIA
Os solos da região de Guaraqueçaba apresentam, em geral, uma baixa aptidão
agrícola. O sistema tradicional de cultivo era o "pousio", chamado na região de "roça de
coivara". O Código Florestal proibiu o corte de estágios avançados de sucessão florestal e o
uso de terras de várzeas de rios (os mais propícios para agricultura na região). Nas
comunidades continentais, a diminuição da atividade agrícola foi causada por imposições
legais, influências de mercado, limitações do uso das terras e conseqüentemente, a
impossibilidade de utilizar o sistema tradicional de cultivo (IPARDES & IBAMA, 1997).
A área ocupada com agricultura é pouco significativa, mesmo nas localidades onde a
produção é relevante. Atualmente, a atividade é voltada principalmente para subsistência, com
poucas culturas comerciais (IPARDES & IBAMA, 1997).
Os principais produtos plantados são mandioca, banana, arroz, milho e feijão. A
bananicultura tem maior representatividade na região em termos de área ocupada e envolve
grande parte das comunidades continentais. Espécies frutíferas como goiaba, jaboticaba,
25
carambola, laranja-grande e laranja-mimosa também são cultivadas. O cultivo da mandioca
(Manihot esculenta) foi muito importante no passado, mas hoje está voltado principalmente
para o consumo familiar e para a produção de farinha (IPARDES & IBAMA, op. cit.).
A pecuária na região é representada principalmente pela bubalinocultura extensiva nas
grandes e médias propriedades (FIGURA 1.6). Já nas pequenas propriedades é comum a
criação de galinhas, patos ou porcos para consumo familiar (IPARDES & IBAMA, op. cit.).
FIGURA 1.6 - Criação de búfalos na região de Guaraqueçaba.
5.3. EXTRATIVISMO E USO DAS PLANTAS NATIVAS
Resultados de estudos etnobotânicos em comunidades continentais da APA de
Guaraqueçaba encontram-se relatados em LIMA (1992); SPVS (1992b e 1995), LIMA (1996) e
LIMA et al. (2000) e nas comunidades adjacentes ao Parque Nacional do Superagüi em MATER
NATURA (1998). Estes trabalhos demonstraram que as populações que habitam a APA de
Guaraqueçaba possuem grande conhecimento sobre as espécies da flora regional e utilizam-
nas com diversas finalidades (uso medicinal, para alimentação, desdobro de madeira, artefatos
de pesca, uso comercial, artesanato, uso silvicultural, ornamental, agrícola, ração animal,
mágico-religioso, uso veterinário, obtenção de fibras e cercas vivas, entre outros).
Cerca de 320 espécies de plantas foram citadas como de uso medicinal nas
comunidades continentais da APA de Guaraqueçaba e aproximadamente 240 espécies, nas
26
comunidades adjacentes ao Parque Nacional do Superagüi. Destacaram-se o cipó-milome
(Aristolochia spp.), o hortelã (Mentha sp.), a goiabeira (Psidium guajava) e o quebra-pedra
(Phyllanthus spp.).
A cultura material desta região é representada por muitos tipos de objetos utilitários,
produzidos pela população a partir dos recursos naturais locais, como balaios e cestos (de
taquara e cipó), esculturas em madeira (usando principalmente a caxeta e representando
elementos da fauna da região, miniaturas de "farinheiras" e embarcações, etc.), instrumentos
musicais (violas, rabecas e pandeiros, utilizados na prática do "fandango" - FIGURA 1.7),
utensílios para uso doméstico (peneiras, gamelas, etc.), cabos de ferramentas manuais,
gaiolas, esteiras, chapéus, pilões, redes de dormir, equipamentos das "casas de farinha ou
farinheiras" (como tipiti, prensas, cochos, etc.), apetrechos de caça e pesca (redes, canoas,
remos, armadilhas de pesca, "cóvos", etc.), as próprias casas e ranchos, coberturas de palha,
entre outros. Em algumas vilas estas produções ainda persistem, particularmente nas mais
isoladas e com menor inserção na economia de mercado.
FIGURA 1.7 - Violeiro tocando em viola de caxeta -prática do fandango na região de Guaraqueçaba.
27
A extração de madeiras nativas já foi uma importante atividade no passado, mas,
atualmente, principalmente em função da legislação em vigor, declinou bastante. Segundo
levantamento de LIMA et al. (2000), a população de Guaraqueçaba reconhece cinco categorias
de uso para as espécies madeireiras da região: tábuas, vigas, cerne, fabricação de móveis,
cabo de ferramentas. Dentre as madeiras mais citadas estão as da guaricica (Vochisia
bifalcata), do guapuruvu (Schizolobium parahybae) e do guanandi (Calophyllum brasiliensis).
O extrativismo do palmito (Euterpe edulis) é uma atividade muito importante na região
atualmente. Segundo dados da SPVS (1995), mais da metade da população de Guaraqueçaba
obtém a maior parte da sua renda desta atividade.
O beneficiamento dá-se, em geral, nas fábricas instaladas na própria região, algumas
delas legais e muitas outras clandestinas. A falta de controle da atividade e a existência de
inúmeras fábricas não regulamentadas dificultam a avaliação da real importância da atividade e
do impacto por ela causado nos ecossistemas naturais. O palmito é considerado uma espécie-
chave da Floresta Atlântica, por fornecer alimento para uma grande parcela da fauna.
5.4. CAÇA E USOS DA FAUNA SILVESTRE
A importância da fauna silvestre, a extensão e os impactos da atividade de caça na
APA de Guaraqueçaba, bem como para a maioria das regiões de Floresta Atlântica, não é bem
conhecida. A atividade de caça em Guaraqueçaba foi discutida por ANDRIGUETTO FILHO et al.
(1998), KRÜGER & NORDI (1998) e KRÜGER (1999).
ANDRIGUETTO-FILHO et al. (op.cit.) observaram 19 espécies utilizadas como alimento na
região. Posteriormente, KRÜGUER (1999) realizou um diagnóstico geral da atividade, registrando
45 espécies como alvo de caça, com finalidade alimentar (para o quê foram citadas 36
espécies), para xerimbabos (criações em cativeiro ou em condições semi-domésticas, para o
quê foram relacionadas 20 espécies) e comercial (14 espécies).
Além destas, o uso de animais silvestres na medicina local foi relatado para a
comunidade do Tromomô por FERNANDES-PINTO & CORRÊA (1998); para as comunidades
adjacentes ao Parque Nacional do Superagüi por FERNANDES-PINTO et al. (1998) e MATER
NATURA (1998); e para comunidades continentais de Guaraqueçaba por LIMA et. al. (2000).
Os animais mais citados dentre os mamíferos foram paca (Agouti paca), tatu (Família
Dasypodidae), cateto (Pecari tajacu), veado (Mazama spp.), porco-do-mato (Tayassu pecari),
28
quati (Nasua nasua) e capivara (Hydrochaeris hydrochaeris) e, dentre as aves, macuco
(Tinamus solitarius) e jacu (Penelope obscura). Os métodos de caça mais utilizados são
praticados com mundéu, trepeiros, armadilhas com laços, covos e armas de fogo de diversos
calibres.
Existem evidências de que a atividade de caça, apesar de proibida, continue sendo
praticada ao longo de toda a região da APA de Guaraqueçaba. No entanto, esta parece ser de
pequena escala e necessita de mais estudos para a correta avaliação de sua importância para
a subsistência das populações locais e impactos decorrentes (FIGURA 1.8).
FIGURA 1.8 - Menino com periquitos na região de Guaraqueçaba.
6. OS MECANISMOS LEGAIS DE PROTEÇÃO AMBIENTAL
No final da década de 1970 e início da década de 1980 a acelerada devastação dos
últimos remanescentes de Floresta Atlântica gerou uma enorme pressão nacional e
internacional, levando o governo brasileiro a reconhecer a importância de criar mecanismos
legais para garantir a preservação das áreas restantes. Desta forma, a década de 1980 foi
marcada pela incidência de numerosos instrumentos de conservação, que incidiram direta e
29
indiretamente sobre Guaraqueçaba.
Além das várias legislações federais (como o Código Florestal, a Lei de Proteção à
Fauna e o Decreto Mata Atlântica, entre outros) e estaduais (como a Legislação de uso e
ocupação do solo e o Macrozoneamento do litoral do Paraná), o bom estado de conservação
dos ecossistemas naturais da região do litoral norte do Paraná levou à criação de várias
Unidades de Conservação. Atualmente há em torno de dez unidades federais e estaduais12.
Nos últimos anos, têm-se também somado a estas as Reservas Particulares do
Patrimônio Natural (RPPN) e outras áreas de reserva não oficiais, adquiridas por entidades
ambientalistas, universidades e particulares (que atualmente já somam pelo menos seis na
região).
A legislação ambiental que atualmente incide sobre a região da APA de Guaraqueçaba
é extensa e numerosa, sendo que com freqüência vários instrumentos jurídicos sobrepõem-se
em uma mesma área.
As leis implementadas são, de uma forma geral, altamente restritivas com relação ao
uso dos recursos naturais e as unidades de conservação foram criadas sem participação da
população local e sem levar em conta suas origens e relações com o ambiente. Estes fatores,
dentre outros, têm gerado ao longo dos últimos anos conflitos com as comunidades da região e
não têm garantido a proteção efetiva das áreas.
7. SOBRE A APLICAÇÃO DA DENOMINAÇÃO "CAIÇARA" À POPULAÇÃO DE
GUARAQUEÇABA
Entende-se por caiçara aquelas comunidades formadas pela mescla étnico-cultural de
indígenas, colonizadores portugueses e, em menor grau, de escravos africanos. Os caiçaras
têm uma forma de vida baseada em atividades de agricultura itinerante, pesca artesanal,
extrativismo vegetal e artesanato. Esta cultura desenvolveu-se principalmente nas áreas
12 Estação Ecológica de Guaraqueçaba (criada em 1982, com uma área de cerca de 14 mil ha); declarado Patrimônio Natural a Ilha do Superagüi (em 1983); Área de Proteção Ambiental de Guaraqueçaba Estadual (de 1982); Área de Proteção Ambiental de Guaraqueçaba Federal (de 1985); Área de Relevante Interesse Ecológico das ilhas do Pinheiro e do Pinheirinho (de 1985, com 109 ha); Declarado Patrimônio Natural a Serra do Mar (em 1986); Parque Nacional do Superagüi (criado em 1989 e ampliado e redelimitado em 1997); Reserva da Biosfera da Mata Atlântica Vale do Ribeira-Serra da Graciosa (de 1991); Declarado Patrimônio Natural da Humanidade - Costa Sudeste o PARNA do Superagüi e a Reserva Natural do Salto do Morato(em 2000).
30
costeiras dos atuais estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná e norte de Santa Catarina
(DIEGUES & ARRUDA, 2001).
Esta denominação deriva do vocábulo indígena "Kai'sara" que representava o nome
dado às cercas de proteção das aldeias e também a uma espécie de curral feito de troncos de
árvores para a captura de peixes. Mais tarde o termo passou a ser usado para designar as
palhoças construídas junto à praia pelos pescadores para abrigar canoas e apetrechos de
pesca (ADAMS, 2000).
Em tempos mais recentes o termo adquiriu uma conotação pejorativa, encontrando-se
dicionarizado em MICHAELIS (1998) como "1. Caipira, asselvajado; 2. Caboclo sem préstimo; 3.
Pescador que vive na praia, caipira do litoral; 4. Indivíduo muito estúpido; 5. Vagabundo; 6.
Malandro".
As comunidades caiçara passaram a chamar a atenção de pesquisadores e órgãos
governamentais em virtude de ameaças à sua sobrevivência material e cultural e também por
causa da contribuição histórica que estas populações têm dado à conservação da
biodiversidade, pelo conhecimento que possuem da flora e fauna e pelos sistemas tradicionais
de manejo dos recursos naturais que dispõem. Uma das maiores ameaças enfrentadas por
estas populações está no avanço da especulação imobiliária, iniciada na década de 60,
principalmente pela construção de residências secundárias de veranistas ao longo do litoral.
Além disso, o turismo sem controle contribuiu para a desorganização de muitas das atividades
produtivas tradicionais e das características sócio-culturais das comunidades (DIEGUES &
ARRUDA, 2001).
Outro processo importante para a desestruturação das comunidades caiçaras, já
mencionado, deve-se ao fato de grande parte de seu território ter se transformado em áreas
naturais protegidas, resultando em limitações e proibições de atividades exercidas
tradicionalmente, gerando conflitos com os órgãos gestores das unidades e migrações de parte
da população para áreas urbanas.
Em meio a este processo, no entanto, várias organizações não-governamentais e
institutos de pesquisa passaram a apoiar estas comunidades, notadamente no Estado de São
Paulo, no esforço para permanecerem em seus territórios de origem. Começaram a surgir
associações locais que se fizeram ouvir em reuniões governamentais e congressos, dando
início a um processo de reafirmação da identidade cultural caiçara. Pesquisas inovadoras na
31
área ambiental partiram do pressuposto de que os caiçaras não eram adversários da
conservação da natureza, mas seus aliados, e constataram a existência de um grande
conhecimento acumulado sobre a biodiversidade, dos mares e florestas, e de engenhosos
sistemas tradicionais de manejo. Os meios de comunicação também ressaltaram a importância
da cultura caiçara, sendo produzidos vários programas e documentários sobre o modo de vida
desta população (DIEGUES & ARRUDA, 2001).
A população de Guaraqueçaba, e a do litoral paranaense, de uma forma geral, não é
categorizada como "caiçara" pela grande maioria dos pesquisadores que atuam na região. Os
únicos trabalhos que fazem referência à população de Guaraqueçaba enquanto pertencentes à
cultura caiçara são aqueles realizados por pesquisadores de São Paulo, notadamente do
NUPAUB/USP (Núcleo de Pesquisas sobre Populações Humanas e Áreas Úmidas do Brasil).
Nos trabalhos realizados por instituições do estado (Organizações Não-Governamentais, UFPR
- Universidade Federal do Paraná e instituições governamentais como IAP - Instituto Ambiental
do Paraná, EMATER - Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Paraná, IPARDES
- Instituto Paranaense de Desenvolvimento Sócio-econômico e o IBAMA regional - Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), o termo "caiçara" não é
utilizado.
Apesar disto, alguns autores (SPVS, 1995 e 1996 e POLINARI, 1998) discutiram a
adequação da população de Guaraqueçaba ao que se entende por "caiçara". POLINARI (1998)
considerou que este conceito aplica-se mais ao litoral paulista e carioca e que é inadequado
para o litoral paranaense, devido principalmente a diferenças na história de ocupação e da
composição étnica das regiões. Em São Paulo e no Rio de Janeiro a colonização foi
principalmente portuguesa, enquanto no Paraná ocorreu uma mescla de uma série de etnias,
do que teriam resultado tradições diferenciadas. Segundo POLINARI (op.cit.), na memória dos
pescadores mais antigos de Guaraqueçaba, o significado do termo "caiçara" não é conhecido.
As construções rústicas de troncos de palmáceas nas praias eram designadas de "casas de
tronco" e não de "caiçaras".
O fato da população local não se auto-identificar como caiçara tem sido apresentado
como a principal justificativa para a não aceitação desta população enquanto representantes da
cultura caiçara. Além disso, apesar da maioria dos trabalhos no Paraná reconhecerem a
população de Guaraqueçaba enquanto população tradicional, pouca atenção foi dada ao
32
conhecimento dos moradores e à sua participação efetiva nos processos de gestão.
No entanto, convém ressaltar que na maior parte das vezes, a auto-identificação das
populações tradicionais não-indígenas foi resultado de processos de reivindicações por
território e por direitos (exemplo dos seringueiros e quilombolas).
Para efeito deste trabalho, considera-se que existe continuidade ambiental e cultural
entre Guaraqueçaba e as demais regiões apontadas como área de ocorrência da cultura
caiçara, notadamente com a região sul do estado de São Paulo, com a qual o litoral norte do
Paraná forma um único grande Complexo Estuarino. O isolamento histórico de Guaraqueçaba,
que até hoje possui ligação viária precária; o abandono das agências governamentais e a
predominância de entidades ambientalistas atuando na região podem ser apontados como as
principais razões para o "atraso" no envolvimento dos moradores locais nos processo de
reivindicação de seus direitos.
8. BARRA DO SUPERAGÜI: CARACTERIZAÇÃO DA COMUNIDADE ESTUDADA13
A comunidade de Barra do Superagüi localiza-se na parte sul da ilha artificial de mesmo
nome, entre as coordenadas UTM N 800.109.94S 7210.535.58W e S 767.246.27S
7178.358.07W, no entorno do Parque Nacional do Superagüi14. A Ilha do Superagüi tem cerca
de 21.400 ha e apresenta um relevo predominantemente plano, com a presença de alguns
morros na parte oeste (altitude máxima de 245m).
A vegetação da ilha é formada predominantemente por restingas e floresta ombrófila
densa de terras baixas, ocorrendo também vegetação de dunas, caxetais, floresta ombrófila
densa submontana e manguezal (JASTER, 1995). Não foram realizados levantamentos
sistematizados da fauna, mas destaca-se a ocorrência do mico-leão-da-cara-preta
13 Caracterização com base nos levantamentos realizados por SPVS (1999) e VIVEKANANDA (1999) e informações pessoais da autora e da Presidente da Associação de Moradores eleita em 2000, Denise Corrêa Ramos.
14 O Parque Nacional (PARNA) do Superagüi foi criado em 1989, abrangendo uma área de 21.000 ha nas ilhas do Superagüi e das Peças. Em 1997 sua área foi ampliada e redelimitada, totalizando cerca de 34.000 ha e passando a abranger também uma parte continental do Vale do Rio dos Patos, anexando as categorias de ARIE e EE próximas. Também foram incluídas seis comunidades tradicionais dentro desta nova delimitação (Vila Fátima, Rio dos Patos, Barbados, Canudal, Ararapira e Barra do Ararapira).
33
(Leontophitechus caissara) na ponta sul da Ilha.
O acesso à comunidade é exclusivamente por via marítima e a vila possui um trapiche
para desembarque (FIGURA 1.9). A comunicação com o mar aberto se dá através do Canal do
Superagüi, com cerca de 1 km de largura, entre as ilhas do Superagüi e das Peças.
A população atual da vila é de aproximadamente 1.100 habitantes, distribuídos em
cerca de 230 residências, representando a maior comunidade de Guaraqueçaba depois da
sede do município. As casas distribuem-se paralelamente à faixa de praia e a vila está dividida
nos "bairros": Vila da Butuca, Vila Rápida e Estrada.
FIGURA 1.9 - Faixa de praia e trapiche de desembarque na comunidade da Barra do Superagüi.
A maioria da população é católica e atualmente encontram-se também representadas a
Igreja Batista, a Congregação Cristã do Brasil e a Assembléia de Deus. A comunidade possuiu
uma Associação de Moradores e uma Associação Cristã Feminina. Na área de educação a
comunidade dispõe de uma escola que atende alunos da primeira à quarta série do ensino
fundamental.
A água é canalizada de uma nascente e armazenada em uma caixa d'água, nem
sempre com o tratamento adequado. Não existe sistema de saneamento básico, nem serviço
regular de coleta de resíduos sólidos.
O sistema de fornecimento de energia elétrica foi implantado no final de 1998, através
de um cabo submarino proveniente de Pontal do Sul. Antes disso, a luz provinha de geradores
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particulares movidos a óleo diesel ou era fornecida por lampiões e velas.
Existe um posto de saúde na comunidade e uma agente de saúde contratada pela
prefeitura, mas não há constância no recebimento de remédios e materiais de primeiros
socorros, sendo necessário que os moradores desloquem-se para as cidades mais próximas
(principalmente a sede dos municípios de Guaraqueçaba e Paranaguá e, nos casos mais
graves, para Curitiba).
Existem alguns estabelecimentos comerciais como pequenos mercados, mercearias,
panificadora, além de bares, lanchonetes e restaurantes.
Como meio de comunicação comunitário a vila contava com um posto telefônico, que
foi desativado em novembro de 2000 e substituído por um telefone público a cartão. Alguns
comerciantes e donos de pousada possuem rádios e telefones celulares.
A pesca ainda é a principal atividade que organiza econômica, social e culturalmente a
comunidade. A atividade é caracterizada como pesca artesanal comercial com grande inserção
no mercado, realizada principalmente na plataforma costeira (ANDRIGUETTO-FILHO, 1998). Os
principais recursos explorados são os camarões e peixes como pescada, tainha, cavala e
cação. Existem cerca de 80 embarcações pesqueiras na vila.
O turismo é uma atividade em expansão e várias famílias trabalham com serviços
ligados ao setor (pousadas, campings, restaurantes, lanchonetes ou bares, condutores de
embarcações para transporte de pessoas e/ou materiais).
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CCAAPPÍÍTTUULLOO 22 -- AASSPPEECCTTOOSS EETTNNOOTTAAXXOONNÔÔMMIICCOOSS
1. INTRODUÇÃO
As diversas culturas humanas respondem à diversidade biológica de seu ambiente
agrupando os seres vivos pelas semelhanças e separando-os pelas diferenças. Os processos
de categorização são influenciados culturalmente (categorias cognitivas) e organizados em
padrões lógicos (estruturas taxonômicas) que apresentam várias semelhanças para as diversas
sociedades humanas (BERLIN et al., 1973; HUNN, 1977; HAYS, 1983; BROWN, 1984 e BERLIN,
1992).
A sistemática popular é caracterizada por três práticas: nomear, identificar e classificar.
Estudos de nomenclatura envolvem aspectos lingüísticos e a análise das regras e critérios
utilizados para dar nome aos organismos; identificação envolve o estudo dos critérios que os
povos utilizam para reconhecer e diferenciar os organismos de seu ambiente e classificação
está relacionada com a maneira de agrupá-los e categorizá-los.
Os estudos sobre classificação etnobiológica iniciaram-se a partir do trabalho pioneiro
de CONKLIN (1954 e 1962), que sugeriu a existência de hierarquia na classificação das plantas.
BERLIN foi um dos maiores estudiosos da classificação etnobiológica. Em 1972 propôs
alguns padrões gerais de classificação e em 1973 postulou que apesar dos grupos humanos
poderem classificar os organismos usando diferentes critérios, aparentemente existem alguns
aspectos universais neste processo. Posteriormente, este mesmo autor revisou seus estudos e
propôs que os táxons seriam ordenados de tal maneira a estabelecer uma hierarquia formada
por classes decrescentes de inclusividade taxonômica, denominadas como os seguintes níveis:
reino, forma de vida, intermediário, genérico, específico e varietal (BERLIN, 1992).
De acordo com CARRARA (1997), os trabalhos pioneiros sobre classificação
etnobiológica no Brasil foram realizados por IHERING (1904) com índios Guarani; por BALDUS
(1947) com os Kaingang do Paraná e por VANZOLINI (1956, 1958) com os Canela do Maranhão.
Destacam-se ainda os trabalhos de HARTMANN (1967) sobre a categorização e classificação
Bororo das plantas; de JANSEN (1985) sobre a classificação das aves pelos Wayampi; de
POSEY (1984) sobre os padrões de classificação e nomenclatura utilizados pelos Kayapó da
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aldeia Gorotire para insetos e o de GIANNINI (1991) sobre classificação de aves e cosmologia
entre os Kayapó-Xikrin.
Os estudos no Brasil sobre etnotaxonomia de peixes foram realizados por diversos
autores (MARANHÃO, 1975; SILVA, 1988; BEGOSSI & GARAVELLO, 1990; MARQUES, 1991; PAZ &
BEGOSSI, 1996; COSTA-NETO, 1998 e MOURÃO, 2000) e demonstraram o profundo
conhecimento que os pescadores têm para relacionar (etno)taxonomicamente as diversas
espécies de peixes do seu ambiente .
Para a região estuarina da APA de Guaraqueçaba são registradas cerca de 200
espécies ícticas (CORRÊA, 2001). Apesar de alguns trabalhos tentarem relacionar a
nomenclatura vernacular utilizada pelos pescadores da região (CORRÊA, 1987 e COUTO et al.,
1990), esta permanece ainda muito pouco conhecida, bem como os sistemas de classificação
etnobiológica locais.
Neste sentido, os objetivos deste capítulo são registrar e analisar aspectos da
etnotaxonomia de pescadores da comunidade de Barra do Superagüi com relação a
nomeação, identificação e classificação dos recursos ictiofaunísticos, identificando os padrões,
categorias e critérios utilizados.
2. RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os pescadores da Barra do Superagüi demonstraram possuir um conhecimento
extremamente detalhado dos peixes de seu ambiente natural. Os dados levantados revelaram
a existência de uma etnotaxonomia consistente e complexa, envolvendo nomeação,
identificação e classificação, além de uma descrição detalhada dos peixes.
No contexto geral das entrevistas foram feitas cerca de 3.500 menções a "peixes", que
resultaram numa listagem de 588 nomes vernaculares diferentes, envolvendo peixes (467
nomes) e outros grupos (121 nomes), principalmente crustáceos e moluscos. Analisando-se
separadamente as informações provenientes do grupo de pescadores mais antigos (n=11), o
número de nomes registrados foi de 395.
A diversidade de nomes vernaculares relacionados foi grande se comparada com
outros trabalhos de etnoictiologia no Brasil. Por exemplo, enquanto neste estudo foram
relacionados 467 nomes vernaculares para peixes, BEGOSSI & FIGUEIREDO (1995) listaram 115
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para a Ilha de Búzios e 73 para a Baía de Sepetiba, no litoral sudeste do Brasil; COSTA-NETO
(1998) registrou 168 nomes entre pescadores do norte da Bahia e MOURÃO (2000) observou
134 nomes para peixes entre pescadores da Paraíba.
Estas variações podem ser explicadas por diferenças na metodologia utilizada. Muitos
autores realizaram suas análises a partir dos exemplares coletados, mas o número de espécies
que se consegue coletar ao longo de um trabalho de campo de um ou dois anos representa
apenas uma parcela da diversidade de espécies que ocorrem num dado local. Principalmente
em ecossistemas estuarinos onde muitas espécies são raras (ocorrendo apenas em uma
determinada época ou em habitats particulares), a dificuldade de realizar uma amostragem
consistente sobre a composição ictiofaunística local aumenta.
Neste trabalho procurou-se investigar, além dos peixes coletados junto aos pescadores,
os peixes por eles conhecidos. Isto está em concordância com a metodologia sugerida por
DIAMOND (2000), onde, além de listar nomes de animais a partir de figuras, espécimes mortos
ou animais vivos encontrados na natureza, deve-se pedir aos informantes para nomear e
descrever todos os animais que eles conhecem.
2.1. PADRÃO DE INCLUSIVIDADE E EXCLUSIVIDADE
Na Barra do Superagüi, a categoria denominada "peixes" mostrou-se extensa e
elástica, incluindo animais que a taxonomia científica não considera peixe e excluindo algumas
espécies ícticas desse agrupamento. Este fenômeno foi observado por vários autores para
comunidades pesqueiras (AKIMICHI, 1978 e BAHUCHET, 1992 e, no Brasil, MARQUES, 1991; PAZ
& BEGOSSI, 1996; COSTA-NETO, 1998; MOURÃO, 2000) e foi sugerido por MARQUES (1995a)
como possível regra geral para pescadores do litoral brasileiro, denominado "padrão de
inclusividade/exclusividade". De modo geral, animais aquáticos vertebrados e invertebrados
podem ser incluídos nesta categoria de acordo com critérios classificatórios circunstanciais.
Na comunidade da Barra do Superagüi, a categoria "peixes" na classificação realizada
pelos pescadores antigos apresentou inclusões e exclusões, totais e circunstanciais (TABELA
2.1).
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TABELA 2.1 – Padrão de inclusividade/exclusividade na categoria "peixes": exemplos para a classificação dos pescadores antigos da comunidade de Barra do Superagüi.
CATEGORIA EXEMPLOS
INCLUSÃO TOTAL boto, baleia
EXCLUSÃO TOTAL cavalo-marinho, morera
INCLUSÃO CIRCUNSTANCIAL camarão, siri, caranguejo, tartaruga-marinha
EXCLUSÃO CIRCUNSTANCIAL baiacu
A categoria "peixe" foi caracterizada principalmente por dois critérios: o hábitat ("viver
na água") e a forma característica do corpo.
Mamíferos como os botos e as baleias foram categorizados como "peixes" por
ocuparem o mesmo hábitat ("vivem na água") e pela semelhança da forma do corpo. Na
etnotaxonomia dos pescadores do Superagüi foram incluídos no grupo dos cações.
Répteis como as tartarugas-marinhas e invertebrados como camarões, siris e
caranguejos, apesar de ocuparem o mesmo hábitat, diferem muito da forma padrão do corpo
dos "peixes". Apresentaram uma posição alternante, podendo circunstancialmente também
serem considerados "peixes".
"Baleia é tipo o boto, é tipo de um cação, um cação grande. É um dos
maior cação que existe."
"Tartaruga ele é tipo dum pexe, né?"
"Camarão ele é tipo de um pexe porque ele vive na água, só que dá uma diferença".
"Camarão não é pexe, é diferente porque tem barba e tem perna pra andá na lama. É separado dos pexe."
Exclusões da categoria "peixes" entre pescadores da Barra do Superagüi foram
verificadas no caso do "cavalinho-marinho" (Família Syngnathidae) e da "morera" (Família
Muraenidae). O "cavalo-marinho" não foi considerado "peixe" por apresentar uma forma muito
peculiar e não pertencia a nenhum grupo definido.
Já a "morera" foi considerada "cobra", sendo inclusive chamada de "cobra-do-mar"
(FIGURA 2.1). No caso da "morera", a diferença morfológica e o aspecto serpentiforme parecem
não ser suficientes para caracterizar sua exclusão da categoria de "peixes", uma vez que
outras espécies que apresentam estas mesmas características não são excluídas, como os
"muçuns" (Família Ophichthidae). Um outro caráter distintivo das "moreras" é o fato de
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apresentarem dentes e “morderem como cobras”, sendo a agressividade um fator determinante
na classificação.
FIGURA 2.1 - "Morera" (Família Muraenidae), exemplo de exclusão total da categoria "peixes" por pescadores da Barra do Superagüi.
MARQUES (1991) e PAZ & BEGOSSI (1996) também verificaram a exclusão de
determinadas espécies da categoria "peixes" e sua relação com a categoria "cobra".
Critérios utilitários também podem influenciar a categorização, como no caso dos
"baiacus" (famílias Tetraodontidae e Diodontidae), que podem ser considerados exemplos de
exclusões circunstanciais da categoria "peixes" (Figura 2.2). Ao serem questionados sobre os
baiacus, muitos pescadores responderam, em um tom de brincadeira, com a seguinte questão:
"E baiacu é pexe?".
Na comunidade estudada os baiacus foram considerados "nojentos", não sendo
consumidos. Estes peixes representam importantes recursos pesqueiros para muitas
comunidades estuarinas da APA de Guaraqueçaba e parecem ser amplamente consumidos em
outras comunidades da região (FERNANDES-PINTO & CORRÊA, 1998).
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FIGURA 2.2 - "Baiacu" (Família Tetraodontidae), exemplo de exclusão circunstancial da categoria peixes por pescadores da Barra do Superagüi.
Apesar dos baiacus serem considerados pelos moradores locais e reconhecidos pela
ciência como peixes extremamente venenosos (produzem tetraodontoxina), os pescadores
conhecem as técnicas apropriadas para a sua limpeza. No entanto, na comunidade de Barra do
Superagüi, os baiacus não foram citados como recursos alimentares e, apesar dos pescadores
reconhecerem que moradores de outras vilas os consomem, afirmam que no Superagüi eles
nunca foram utilizados, sendo descartados quando capturados acidentalmente.
Ao contrário do observado por MARQUES (1991), não foi registrado nenhum caso de
espécies ícticas incluídas na categoria de "inseto".
Além da categoria "peixes", os pescadores da Barra do Superagüi reconheceram outras
como "camarão", "marisco", "caranguejo", “siri”, etc. Os "mariscos" diferenciavam-se por
possuírem "conchas" e os "camarões" por possuírem "barba" e "pernas". Estes grupos
pareceram estar reunidos em uma categoria maior, não nomeada e estritamente relacionada
com a dependência do ambiente aquático.
Por outro lado, alguns mamíferos como foca, "lobo d'água", lontra e capivara, além de
répteis como o jacaré foram considerados "caça", apesar de "morarem na água".
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2.2.NOMENCLATURA
A nomenclatura utilizada para os “peixes” na Barra do Superagüi mostrou-se
extremamente dinâmica e versátil, sendo que para a maioria deles os pescadores entrevistados
reconheceram a existência de mais de um nome, tendo sido registradas até oito sinonímias
para um mesmo peixe. A utilização de sinonímias é descrita por vários autores (MARANHÃO,
1975; MARQUES, 1991; COSTA-NETO, 1998 e MOURÃO, 2000) para comunidades pesqueiras de
diferentes regiões do Brasil.
Além das sinonímias, para algumas espécies os pescadores citaram os nomes
utilizados em outras regiões do Brasil, principalmente no Estado de Santa Catarina (chamado
de "sul") e no litoral sul de São Paulo, região de Iguape e Cananéia ("norte"). Também
reconheceram alguns nomes que são utilizados em outras comunidades da região.
"Mata-braço ele tem vários nome, tem gente que chama ele de pexe-elétrico, mata-mão, treme-treme..."
"Bagre-bugre lá pra Iguape chama de urutu, pro norte, aqui pra nóis é bugre."
"Parati-pema no sul chama parati-sabão."
"Sardinha-charuto chamam em Santa Catarina a sardinha-parati."
"Na Barra do Ararapira o bagre-bugre chama congo. É a mesma ilha, mas já usa nome diferente pros pexe."
Para alguns peixes foram citados ainda "apelidos". Em alguns casos estes nomes
alternativos eram utilizados de forma semi-velada por referirem-se a termos pejorativos.
"Muitos chama o bagre-sari de cabo-de-machado, isso já dos tempos do meu avô, bisavô. Ele é comprido e esquisito."
"Sargo-de-dente chama sargo-de-camisa-xadrez, porque ele veste uma camisa xadrez. E o de sargo-de-beiço é de camisa preta."
"Camiseta a turma chama de flamengo, é o apelido dele, é todo listradinho."
"A pescadinha-branca tratam ela por perna-de-moça, porque é branca e roliça."
"Bagre-bacia chamava ele de cagão. Tinha o apelido de cagão porque pega ele ele suja. "
"O apelido da raia-ticonha é peidona, porque ela faz muito barulho."
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Alguns nomes podem ser de uso generalizado para vários grupos, como "cumidiu", que
se refere "a aquilo que o peixe come", envolvendo manjubas, sardinhas e camarões e
"mistura", termo relacionado aos peixes de pequeno tamanho e pouco valor econômico como
camiseta, betara, cangulo e pescadinha, entre outros, capturados nos arrastos de camarão.
Uma comparação preliminar entre os dados provenientes dos pescadores mais antigos
em relação aos mais novos revelou a ocorrência de muitos nomes emergentes, que apenas
recentemente começaram a ser utilizados na comunidade. Os pescadores mais novos
desconheceram vários nomes consistentemente apontados pelos pescadores mais antigos e
vice-versa.
Os resultados obtidos mostram ainda algumas evidências de nomes de uso localizado
quando comparados com os obtidos em outras comunidades pesqueiras do litoral do Paraná
(CORRÊA, 1987; COUTO et al., 1990 e FERNANDES-PINTO, 1998).
Os dados mostraram uma grande diversidade de nomes sendo utilizados na Barra do
Superagüi e uma grande variabilidade nas informações. Possivelmente isto reflita a
estruturação social atual da comunidade e suas mudanças recentes (aumento da atividade
turística, especialização da pesca, migrações), bem como as inovações tecnológicas na pesca.
Vários autores têm apontado que certos aspectos, como grau de escolaridade, idade e
gênero, dentre outros, podem estar relacionados com variações no conhecimento etnobiológico
(ELLEN, 1979; BOSTER, 1980 e 1985; BERLIN, 1992). CABALLERO (1997) acrescentou que
variações podem ser causadas por diferenças no acesso ao conhecimento, resultantes de
mudanças sócio-culturais, como pareceu ser o caso da comunidade de Barra do Superagüi.
A nomenclatura binominal foi bastante utilizada para nomear “peixes”, como por
exemplo, "bagre-bacia", "pescada-galhetera", "baiacu-pinina", "robalo-peva", entre outros. O
uso de nomenclatura binominal é uma das universalidades da sistemática “folk” sugeridas por
BERLIN et al. (1973).
Na Barra do Superagüi a nomenclatura binominal dos peixes seguiu o mesmo padrão
geral descrito por outros autores, onde um nome genérico é acrescido de modificadores no
nível inferior.
A análise dos critérios utilizados pelos pescadores entrevistados na nomeação dos
“peixes” mostrou que características morfológicas e ecológicas foram os principais aspectos
considerados (TABELA 2.2). COSTA-NETO (1998) observou que para os pescadores do litoral
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norte baiano os nomes dos peixes estavam relacionados principalmente com morfologia,
comportamento, hábitat e tabus alimentares. Para MOURÃO (2000), entre pescadores da
Paraíba, a cor foi o fator predominante na nomeação.
Dentre os critérios morfológicos, considerou-se principalmente a morfologia externa dos
animais, mas foram registrados também nomes relacionados com a morfologia interna (como
"escrivão-sebudo" e "pescadinha-sete-bucho"). Aos aspectos externos gerais, como forma,
tamanho e coloração do corpo, seguiram aspectos mais específicos de determinadas partes do
corpo como cabeça, “galha” (nadadeiras), “bico” (projeção da mandíbula), boca, escamas, olho,
etc. e a presença de estruturas diferenciadas como espinhos, “barba” (barbilhões maxilares),
dentes (placas dentárias), “beiço” (mandíbula), “fita” (prolongamento de raios das nadadeiras),
entre outras.
TABELA 2.2 - Caracteres e critérios utilizados por pescadores da Barra do Superagüi para nomear os peixes de seu ambiente.
CRITÉRIOS EXEMPLOS SELECIONADOS
CRITÉRIOS MORFOLÓGICOS – anatomia externa geral
Forma do corpo Linguado-redondo, sardinha-chata, maria-redonda.
Tamanho do corpo Cambevuçu, cambevão, amborê-guaçu, baiacu-mirim, baiacu-guará, jamantinha.
Coloração do corpo Cambeva-preto, cambeva-branco, raia-pintada, bagre-vermelho.
CRITÉRIOS MORFOLÓGICOS – anatomia externa específica
Forma de partes específicas do corpo
Cação-cabeça-redonda, cangulo-boca-rasgada, sardinha-boca-rasgada, sardinha-garguelo, cascudo, sardinha-cascuda.
Tamanho de partes específicas do corpo/ partes salientes
Bagre-cabeçudo, pescada-bicuda, pescadinha-olhuda, sardinha-lombuda, cação-galhudo, raia-rabuda, pescada-galheteira.
Coloração de partes específicas do corpo
Cação-galha-preta, bico-de-fogo.
Presença de estruturas diferenciadas
Baiacu-de-espinho, parati-barbudo, muçum-fita, sargo-de-beiço, sargo-de-dente, sardinha-de-fita, galo-de-penacho.
CRITÉRIOS MORFOLÓGICOS – anatomia interna
Quantidade de gordura Escrivão-sebudo, cação-gordinho.
Vísceras Pescadinha-sete-bucho.
CRITÉRIOS MORFOLÓGICOS – analogias
Analogias com outros animais Raia-morcego, bagre-urutu, baiacu-arara, cavalinho-do-mar, cobra-do-mar, peixe-galo, peixe-porco, língua-de-vaca.
Analogias com objetos Cação-viola, raia-xita, bagre-bacia, cabo-de-machado, tainha-facão, camiseta, remendo, emprasto, manjuba-prego, peixe-espada, sardinha-charuto, sardinha-bandera, peixe-agulha.
Analogias com partes do corpo humano
Linguado, pescada-perna-de-moça.
Analogias com alimentos Cação-banana, raia-mantega.
CRITÉRIOS ECOLÓGICOS E BIOLÓGICOS
Habitat Cambeva-do-lagamar, acará-do-rio, acará-da-pedra, amborê-do mar-grosso, amborê-da-lama.
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Alimentação Cambeva-comedora-de-siri, papa-terra, curvina-marisqueira.
Reprodução Cação-filhento.
CRITÉRIOS ETOLÓGICOS
Saltar/voar Salteador, sartera, voador.
Grudar (comensalismo) Pegador-de-jamanta.
Efeito comportamental prejudicial Mata-mão, mata-braço.
OUTROS
Qualidade da carne Sardinha-dura.
Toxicidade Mata-porco.
Dimorfismo sexual Caçoa, machote.
A nomeação segundo tamanho do corpo foi muito comum e normalmente utilizada em
comparação com outro peixe do mesmo grupo. Foram citados os termos "grande", “guará",
"guaçu" e os sufixos "ão", "açu" ou "uçu", utilizados em oposição a "pequeno", “mirim”, “peva”,
"miúdo" ou "mínimo" e o sufixo "inho", existindo ainda a nomeação como "médio". As
"manjubas", seguindo um critério utilitário de comercialização, foram nomeadas de acordo com
o tamanho de forma crescente como "manjuba-zero" (menor), "manjuba-um", "manjuba-dois" e
"manjuba-três" (maior).
A nomeação a partir da coloração utilizou três termos básicos: preto, branco e
vermelho. “Preto”, de uma forma geral, agrupava as cores escuras; “branco”, as cores claras e
“vermelho”, diversos tons de amarelo, laranja, rosa e vermelho.
Foram comuns analogias com outros animais (como "raia-morcego" e "peixe-galo"),
objetos (por exemplo, "cação-viola", "bagre-bacia") ou alimentos ("cação-banana", "raia-
mantega") e com partes do corpo humano ("pescada-perna-de-moça", "linguado").
Os critérios biológicos e ecológicos utilizados na nomeação dos peixes estavam
relacionados a aspectos da reprodução (como "cação-filhento"), da alimentação e do
comportamento alimentar das espécies (por exemplos, "curvina-marisqueira", "papa-terra" e
"cambeva-comedora-de-siri") e ao hábitat (como "cambeva-do-lagamar", "acará-do-rio e
"amborê-da-lama"). Os nomes dos peixes daí decorrentes podem transmitir muitas informações
ecológicas, que serão tratadas com mais detalhes no Capítulo 3.
Além destes, também foram relacionados critérios comportamentais, de qualidade da
carne, de toxicidade e de efeitos prejudiciais sobre o homem ou outras espécies. Nomeação
diferenciada relacionada a dimorfismo sexual da espécie foi observada apenas no caso do
“cação mangona”, onde os machos foram chamados de “machote” e as fêmeas de “caçoa”.
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2.3. CLASSIFICAÇÃO ETNOBIOLÓGICA: "Os peixes da mesma geração"
2.3.1. CLASSIFICAÇÃO HIERÁRQUICA
Na comunidade da Barra do Superagüi a categoria denominada "peixes" pode ser
considerada uma forma de vida segundo a conceituação proposta por BERLIN (1992). Os
“peixes” foram sub e supercategorizados, sendo agrupados com base na percepção das
semelhanças e diferenças entre grupos de organismos em níveis compatíveis com o modelo
berliniano de classificação hierárquica. No entanto, várias especificidades foram observadas.
Segundo BERLIN (1992), os seres agrupados numa mesma forma de vida
compartilhariam padrões de hábitat e forma corpórea. MARANHÃO (1975) afirmou que a
concepção de forma era um importante critério na delimitação dos limites semânticos da
categoria "peixes" entre pescadores do Ceará. Para os pescadores da Baía de Sepetiba (RJ),
PAZ & BEGOSSI (1996) observaram que os peixes eram reconhecidos como tal porque eles
tinham escamas, guelras, não tinham pêlo e viviam, respiravam e reproduziam-se na água.
Na Barra do Superagüi os “peixes” foram separados inicialmente em dois grandes
grupos: aqueles que apresentavam escamas, tratados como "peixes de escama", envolvendo a
maior parte dos grupos relacionados e aqueles que não apresentavam, chamados de "peixes
de couro", envolvendo os grupos dos cações, raias, bagres e o "mata-mão". Esta categorização
não foi comum a todos os entrevistados e um detalhamento maior das informações seria
necessário para estabelecer sua real posição no sistema classificatório dos pescadores de
Guaraqueçaba.
O peixe denominado "marta" representa um exemplo interessante de como vários
critérios podem ser mesclados no processo classificatório, neste caso, o místico-religioso. A
"marta" foi reconhecida pelos pescadores como um peixe que não tem escama, mas que
pertence ao grupo dos que têm escamas.
A explicação para o fenômeno se dá através de um mito em que Nossa Senhora estaria
preparando um peixe para o almoço e este escapou de sua panela, conforme o depoimento
abaixo:
"A marta escapou da panela de Nossa Senhora. Nossa Senhora tava preparando ela, descamou, fez os lanho e ia fritar quando a marta pulou da panela. Por isso que ela não tem escama e tem os lanho do lado."
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Assim, a "marta" pertenceria ao grupo dos "peixes de escama", mas, no entanto, não as
apresenta por ter sido descamada por Nossa Senhora. Os "lanhos" referem-se a uma prática
dos pescadores para o preparo de peixe frito, que consiste em fazer dois a três corte
longitudinais com a faca em cada lado do peixe e estariam relacionados com as três listras
escuras que a marta apresenta.
Várias "famílias" foram citadas pelos pescadores, correspondendo estes agrupamentos
ao nível intermediário de BERLIN (1992). MOURÃO (2000) considerou que a nomeação de vários
genéricos como "famílias" entre pescadores da Paraíba não indicava claramente uma
subcategorização e estaria mais relacionada à importância cultural ou econômica desses
genéricos. Porém, para os pescadores entrevistados na Barra do Superagüi as "famílias"
mostraram-se como níveis bem estruturados e consistentes, agrupando um conjunto de táxons
a partir de características compartilhadas e que as diferenciavam dos demais. Estes
agrupamentos podem envolver apenas um ou mais de um genérico, mas nem todos os
genéricos foram supra-ordenados desta forma.
A categoria êmica das "famílias" parece ser padrão para pescadores brasileiros, tendo
sido relatada por vários autores para comunidades pesqueiras de diferentes regiões do país
como uma categorização consistente (SILVA, 1988; MARQUES, 1991; PAZ & BEGOSSI, 1996 e
COSTA-NETO, 1998). PAZ & BEGOSSI (1996) alertaram para o fato de que o agrupamento de
peixes em famílias pode ser uma estratégia classificatória popular mais geral do que
previamente considerado.
Entre pescadores do Superagüi foi muito comum a citação de que peixes pertencentes
a uma mesma família eram da mesma "geração" ou “parentes”. BERLIN (1992) observou termos
como "relativo de" e "companheiro de" sendo usados pelos Tzetal Maya do México para
espécies similares e que espécies chamadas de "irmãos" eram consideradas "membros de
uma mesma família" pelos Aguaruna e Jívaro no Peru.
A nomeação dos grupos normalmente foi dada pelo nome "família do/da" seguido pelo
nome de um táxon genérico pertencente à família. Desta forma, as principais famílias
observadas na comunidade de Barra do Superagüi (relacionadas pela maior parte dos
pescadores) foram as famílias da tainha, do parati, do bagre, da raia, do cação, da pescada, do
badejo, da garoupa, da cavala, do linguado, da sartera, do robalo, da sardinha e da manjuba.
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A "família dos bagres", por exemplo, agrupou espécies que apresentavam "esporas" e
"barbas" e eram peixes de "couro" ("não tem lixa, são liso"), que não tinham dentes e que
apresentavam outros aspectos morfológicos semelhantes, como forma geral do corpo (TABELA
2.3). A família estava dividida em dois sub-grupos, de acordo com critérios ecológicos, em
"bagres-de-água-doce" e "bagres-de-água-salgada". Este é um exemplo claro da sobreposição
hierarquia/ecologia na etnotaxonomia dos pescadores.
"Os bagre tudo tem espora e barba. A cara deles é tudo igual, muda o tamanho e a cor. São pexe de coro, não tem lixa, é tudo liso. E não tem dente."
Na Barra do Superagüi o termo “família” também foi utilizado para agrupar peixes em
conjuntos relacionados com fatores ecológicos, como habitat ("família dos peixes do rio" e
“família dos peixes de pedra"), distribuição temporal ("peixes de tempo frio" e "peixes de tempo
quente"), entre outros. A classificação dos peixes segundo critérios ecológicos será tratada no
próximo capítulo (3) e segundo critérios utilitários no capítulo 4.
TABELA 2.3 - Critérios utilizados para identificação das etnoespécies da "família dos bagres" por pescadores da Barra do Superagüi.
NOME VERNACULAR
DESCRIÇÃO ÊMICA
"bagres-de-água-salgada"
Bagre-bacia É um bagre azul e branco. É bagre branco igual ao guiri, mas é menor, é mais barbudo, tem a cabeça mais chata que o guiri e tem fita. Tem fita igual ao sari, mas é mais curto e mais grosso que o sari.
Bagre-sari É um bagre amarelo, que tem as fita. Na espora tem tipo uma barbatana comprida, são 3 fita e 3 espora, sai daquela firidura na ponta da galha dele. É mais comprido que o bacia, a cabeça é mais redondo, é menor que o bacia.
Bagre-vermelho É um bagre amarelo inteirinho, não cresce, pequeno, é o menor bagre.
Bagre-guiri Bagre branco, grande.
Bagre-pararê É um bagre preto da barriga branca. A serra da espora dele é bem aguçada, é mais venenoso. É um bagre médio, mais pequeno que os otro, a cabeça é mais roliço, parece o cangatá.
Bagre-bugre É um bagre amarelo, mesma cor e tamanho do cangatá. A cabeça é maior que do cangatá, pontadinha, bicudo, bocudo, a espora é maior que o cangatá.
Bagre-cangatá Bagre amarelo da barriga branca. Memo jeito do guiri, ma o guiri é branco e ele amarelo. Cangatá é pequeno, guiri é grande. Parece o bugre, mema cor e tamanho, mas a cabeça do cangatá é menor e do bugre maior e bicuda.
"bagres-de-água-doce"
Bagre-jundiá Tem espora e barba igual a bagre do mar, ma é da água doce, do rio. É preto.
Bagre-guacari Tipo jundiá, quase igual, mas é de casca. É tipo de um bagre, barbudinho, cascudinho de água doce.
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Os táxons do nível genérico são os mais numerosos e são considerados os principais
em qualquer sistema de classificação etnobiológica. Representam a categoria mais fácil de ser
reconhecida e freqüentemente é o genérico a primeira menção a aparecer nas entrevistas que
buscam taxonomias folk (BERLIN, 1992). Quando os genéricos incluem táxons de ordenamento
inferior (específicos) são considerados politípicos e quando não incluem, monotípicos ou
terminais. De acordo com BERLIN (1992), a maioria dos táxons genéricos na sistemática folk
são monotípicos (cerca de 80% dos casos) e aqueles que se subdividem em específicos,
referem-se principalmente a classes de organismos de importância cultural. É importante
salientar que muitas vezes o reconhecimento de genéricos politípicos é resultado da
diversidade biológica de uma região.
Na Barra do Superagüi foram reconhecidos pelos pescadores entrevistados pelo menos
18 genéricos politípicos (TABELA 2.4). Nestes casos os pescadores reconheceram diferentes
"qualidades", "marcas" ou "tipos". O genérico com maior número de específicos relacionados
foi "cação" (19 específicos), seguido por "pescada" (dez específicos), "bagre" (nove), "raia"
(oito) e "sardinha" (seis específicos). A construção dos nomes específicos foi, na maioria dos
casos, binominal, com o genérico acrescentado de um adjetivo.
O número de genéricos politípicos observados na Barra do Superagüi pode ser
considerado alto quando comparado com outros trabalhos realizados com comunidades de
pescadores. BEGOSSI & FIGUEIREDO (1995) relacionaram apenas seis genéricos politípicos para
a Baía de Sepetiba, sendo que este número foi ampliado para 11 no trabalho de PAZ & BEGOSSI
(1996).
TABELA 2.4 - Exemplos de genéricos politípicos e número de específicos relacionados por pescadores da Barra do Superagüi.
GENÉRICO No. DE ESPECÍFICOS GENÉRICO No. DE ESPECÍFICOS
CAÇÃO 19 AMBORÊ 3 PESCADA 10 PARATI 3
BAGRE 9 CARATINGA 2
RAIA 8 BETARA 2 SARDINHA 6 SARGO 2 BAIACU 3 ACARÁ 2 BETARA 3 CARATINGA 2 ROBALO 3 RONCADOR 2 LINGUADO 3 SARGO 2
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Além da categorização hierárquica, outros modelos classificatórios foram utilizados por
pescadores da Barra do Superagüi na classificação dos peixes de seu ambiente, muitas vezes
sobrepostos (como sistemas co-existentes). Desta forma, registrou-se também o emprego dos
sistemas seqüencial e cíclico.
2.3.2. CLASSIFICAÇÃO SEQÜENCIAL
De acordo com o sistema de classificação seqüencial, indivíduos de uma mesma
espécie podem ser arranjados em categorias que refletem seu posicionamento ontogenético,
recebendo nomes diferentes de acordo com o tamanho ou morfologia dos indivíduos e
seguindo uma ordenação seriada. Segundo MARQUES (1991), para pescadores do litoral
brasileiro este sistema geralmente se aplica a poucos casos e os níveis de seqüenciamento
variam de dois a sete.
Para os pescadores da Barra do Superagüi foram registrado oito casos de classificação
seqüencial. A maioria apresentou dois níveis de seqüenciamento e referiram-se ao caso em
que um dado nome é aplicado aos exemplares considerados "filhotes" ou "filhos" de outro.
Desta forma, a "tainhota" seria filha da "tainha", o "gorrete" da "miraguaia", o "calafate" da
"pescada-amarela", o "parati-poá" do "parati-guaçu", o "robalinho-branco" do "robalo-peva", o
"camarão-branco" do "camarão-pistola" e o "camarão-perereca" do "camarão-rosa". As
manjubas, conforme citado anteriormente, receberam denominações numéricas seguindo uma
escala de tamanho com uma distribuição continuada, que variou de zero a três. No caso da
tainha, a seqüenciação se deu em três níveis: tainhota, tainha e tainha-celeste (FIGURA 2.3).
"Tainhota é o fio da tainha grande."
"Tem a miraguaia mermo e o gorrete, que é pequeno, mas é o memo pexe. O gorrete cresce e vira miraguaia."
"Calafate chama quando eles tão menor, tão pequeno chama calafate, depois que cresce é pescada-amarela."
"Parati-apoá e guaçu deve de sê o mesmo, então é que depois de ficando grande..."
"Robalinho-branco é o mesmo peva. Peva é quando tá maior, grandão, aí eles chamam de peva."
"Esse camarão que é matado aqui pra cima ele sai fora, engrossa e daí chamam de pistola."
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"Manjuba quando ela é pequenininha primeiro chama zerinho, depois chama número 1, depois número 2, depois número 3."
FIGURA 2.3 - Exemplos do sistema de classificação seqüencial registrados entre pescadores da Barra do Superagüi.
Segundo depoimentos dos pescadores, o critério utilizado para diferenciar um espécime
como juvenil de outro exemplar adulto estaria relacionado com a questão reprodutiva, onde a
formação da “ova” seria um fator determinante.
“O parati-poá ele é filho do guaçu porque nunca ninguém viu ele com ova. Ele cresce e vira guaçu.”
“O robalinho-branco não é filho do robalão porque o robalinho-branco de pequeno ele já tem ova.”
Classificação seqüencial foi observada por vários outros autores para diferentes
comunidades pesqueiras no Brasil (MARANHÃO, 1975; MARQUES, 1991; PAZ & BEGOSSI, 1996;
MOURÃO & NORDI, 1996; COSTA-NETO, 1998 e MOURÃO, 2000).
A seqüenciação morfológica entre mugilídeos parece ser um padrão para os
pescadores brasileiros, tendo sido relatada por diversos autores. Este fato parece ser antigo,
pois segundo SANTOS (1982 apud MARQUES, 1991), os indígenas nomeavam "tapiara" aos
filhotes de tainha. MARANHÃO (1975) citou que os pescadores de Icaraí (CE) chamavam de
"curimã" as tainhas adultas e "curimaí" os jovens. Para pescadores de Alagoas, MARQUES
(1991) encontrou os mugilídeos arranjados de forma crescente em um continuum de sete
TAINHOTA
TAINHA
TAINHA-CELESTE
GORRETE
MIRAGUAIA
MANJUBA-ZERINHO
MANJUBA-UM
MANJUBA-DOIS
MANJUBA-TRÊS
CALAFATE
PESCADA-AMARELA
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categorias. MOURÃO & NORDI (1996) citam este tipo de seqüenciação para pescadores da
Paraíba e COSTA-NETO (1998), para o litoral norte da Bahia.
A nomeação distinta para fases ontogenéticas de uma mesma espécie parece refletir
principalmente diferenciações de nicho entre juvenis e adultos. Por exemplo, entre os paratis,
"guaçu" e "poá" representam diferentes fases de uma mesma espécie e são capturados
utilizando-se estratégias de pesca diferenciadas. Assim, uma dada espécie receberia
nomeações diferentes quando em algum estágio forma um estoque pesqueiro diferenciado.
MARQUES (1991) acrescentou também que algumas etnoespécies podem ser arranjadas
preferencialmente desta maneira refletindo um aspecto mais utilitarista. Para BERLIN (1992),
estas nomeações seriam de importância cultural ou econômica, não sendo incluídas nas
análises hierárquicas.
2.3.3. CLASSIFICAÇÃO CÍCLICA
O sistema classificatório cíclico foi descrito pela primeira vez para pescadores do litoral
brasileiro por MARQUES (1991), sendo caracterizado pela ordenação de fases diferentes de
acordo com o ciclo de vida dos indivíduos de uma mesma espécie, em um esquema que se
fecha.
Na Barra do Superagüi evidenciou-se apenas um caso de classificação cíclica,
relacionado ao ciclo reprodutivo e migratório da tainha (FIGURA 2.4). Desta forma, os espécimes
receberam a denominação de "tainha-corso" quando estão se preparando para a migração,
época em que as ovas estão formadas. Após a migração (a “corrida” para o “norte”) elas
retornariam sendo então denominadas de “tainha-de-volta” ou “tainha-de-torna”, ou ainda
“tainha-facão”, por estarem então no período pós-reprodutivo, sem ova e “magras”
(representada pela perda de tecido adiposo).
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FIGURA 2.4 - Classificação cíclica da tainha reconhecida por pescadores da Barra do Superagüi com base no ciclo reprodutivo e migratório.
A classificação dos mugilídeos é um importante exemplo de como diferentes sistemas
de classificação podem sobrepor-se, no caso o hierárquico, o seqüencial e o cíclico.
Diversificações semelhantes na classificação de mugilídeos foram encontradas por MARQUES
(1991) entre pescadores de Alagoas. O uso de sistemas classificatórios múltiplos foi observado
por diversos autores para várias comunidades de pescadores brasileiros (MARQUES, 1991;
COSTA-NETO, 1998 e MOURÃO, 2000).
2.3.4. PADRÃO DE SOBREPOSIÇÃO HIERARQUIA/ ECOLOGIA
Além das classificações de base morfológica aqui descritas, pescadores da Barra do
Superagüi também agruparam os “peixes” de acordo com uma série de critérios ecológicos, no
que MARQUES (1995a) chamou de "padrão de sobreposição hierarquia/ecologia". Segundo este
autor, os pescadores classificam os peixes de múltiplas maneiras e, ao fazê-lo, mantêm um
esquema cognitivo hierárquico que pode acoplar-se ou manter-se paralelo a uma detalhada
classificação de cunho ecológico, relacionada a aspectos do habitat, distribuição espacial e
temporal, entre outros. Além destas, foram também observadas classificações com propósitos
utilitários, como comestibilidade, comercialização e utilização medicinal, que serão tratadas nos
próximos capítulos (3 e 4).
TAINHA-CORSO
TAINHA-DE-VOLTA, TAINHA-DE-TORNA
OU TAINHA-FACÃO
TAINHA
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CCAAPPÍÍTTUULLOO 33 -- AASSPPEECCTTOOSS EETTNNOOEECCOOLLÓÓGGIICCOOSS
1. INTRODUÇÃO
Este capítulo teve por objetivos resgatar, registrar e analisar o conhecimento ecológico
local de pescadores da Barra do Superagüi sobre peixes de seu ambiente, dando ênfase a
aspectos da distribuição espacial, variabilidade temporal e ecologia trófica das espécies.
2. RESULTADOS E DISCUSSÃO
2.1. DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL HORIZONTAL
O conhecimento e a percepção dos diferentes espaços em que os peixes podem
ocorrer é de grande importância para a atividade pesqueira e pescadores da Barra do
Superagüi demonstraram possuir um conhecimento detalhado sobre a distribuição espacial das
espécies ícticas.
Os pescadores categorizaram o ambiente aquático do seu entorno em três grandes
divisões hidrográficas, denominadas "mar", "baía" e "rio", que correspondem aos ambientes
marinho, estuarino e das águas continentais, respectivamente. Reconheceram também a
ocorrência de organismos diferenciados em cada tipo de ambiente (TABELA 3.1). A maioria das
citações foram relacionadas com peixes associados ao ambiente de "rio", provavelmente
devido ao fato de que eles foram agrupados em um conjunto diferenciado, denominado "família
dos peixes de rio". Para os demais ambientes não ocorreu esta categorização direta.
As áreas estuarinas foram também denominadas "mar de dentro", em oposição ao
ambiente marinho, chamado de "mar de fora". A presença da "barra" (zona localizada na saída
dos canais estuarinos para o mar aberto, marcada pela presença de baixios arenosos) define o
limite entre estes dois ambientes, sendo relacionada também a oposição "barra adentro" e
"barra afora".
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TABELA 3.1 - Grandes divisões hidrográficas percebidas por pescadores da Barra do Superagüi e ictiofauna associada.
DIVISÕES HIDROGRÁFICAS EXEMPLOS
MAR (BARRA AFORA, MAR DE FORA)
amborê-de-fora, atum, bonito, bonito-calderão, bonito-bombinha, cação, cação-chapéu, cação-gordo, cação-mangona, cação-pitu, cação-viola, cangulo, caratinga, caratinga-itê, cavala, curvina-do-mar-de-fora, enchova-grande, escrivão-comprido, espadarte, merlim, morera, salema, sargo, sororoca, xerne.
BAÍA (BARRA ADENTRO, MAR DE
DENTRO)
bagre-bugre, betara-branca, cangulo-de-barra-adentro, curvina-do-mar-de-adentro, enchova-pequena, escrivão-chatinho, manjuba, parambiju, pescada-amarela, sardinha-parati.
RIO
acará, acará-do-rio, amborê, barrigudinho, cangulo, caratinga, cunguito, cascudo, escrivão, guacari, inhaceraia, bagre-jundiá, lambari, marta, muçum-do-barranco, oveva, oveva-do-rio, parati-poá, paru-pretinho, peixe-rei, piava, robalão, robalo, robalo-peva, tainha, caratinga-vivóca, traíra, tainhota, tainha-do-rio.
Os pescadores reconheceram os peixes com ocorrência restrita a apenas um destes
grandes ambientes (por exemplo, "só dá na baía", "só dá no mar" ou "só dá no rio"); os que
ocorrem em mais de um ambiente, mas com abundância diferenciada ("dá mais no mar" e "na
baía também dá, mas é menos"); e os que estão distribuídos de forma mais ou menos
homogênea ("dá em qualquer lugar"). Diferenciaram, ainda, os ambientes onde um
determinado peixe "vive" ou "mora" (normalmente no estágio adulto), onde "cria" ou "cresce"
(estágio juvenil) e onde "desova" (fase reprodutiva).
Além desta grande divisão, os pescadores entrevistados diferenciaram uma série de
microhabitats e reconheceram uma zonação espacial horizontal do ambiente aquático (TABELA
3.2). Algumas unidades espaciais foram mais notáveis, destacando-se: "fora", "dentro", "costa",
"praia", entre outras. O detalhamento na descrição do espaço levou a subcategorizações dos
diferentes ambientes, como "lagamar", "ilha", "barranco", "buraco", "poço", entre outros.
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TABELA 3.2- Zonação do ambiente aquático e microhabitats associados às áreas marinha, estuarina e fluvial reconhecidos por pescadores da Barra do Superagüi e ictiofauna correspondente.
HABITATS EXEMPLOS
AMBIENTE MARINHO
praia marta, peixe-rei, raia-gereva
ressaca saltera-guajuvira
lagamar robalão
em terra/ costa betara-branca, caratinga-branca, cação-gordinho, cação-tira-tinta, linguadinho, parati-pema, pescada-galhetera, raia-gereva, raia-mantega, robalão, saltera-branca, salema-amarela, sororoca, tainha
fora (golfo, mar aberto, mar alto/alto mar, mar grosso)
agulhão, amborê-de-fora, bagre-bacia, bagre-guiri, baiacu-guará, bonito, bagre-sari-sari, cação, cação-bagre, cação-filhento, cangulo-do-mar-grosso, caratinga, caratinga-itê, cavalinho-marinho, curvina-do-mar-grosso, curvina-catita, enchova, espadarte, galo-de-penacho, linguado-grande, mangona, manjuba-branca, merlin, mata-porco, merluza, morera, oveva-do-mar-grosso, paraipi, parati, peixe-porco-do-oceano, peixe-tábua, pescada-cambuçu, pescadinha-membeca, pescada-branca, robalão, robalinho, saguá, saltera, saltera-guaivira, sororoca.
mais fora/ bem fora agulhão, atum, bonito, cação-cabeça-redonda, cavala, espadarte, merlin, maromba
ilha fora cavala, xerelete
água do estrangeiro tubarão
AMBIENTE ESTUARINO
dentro da baía bagre-vermelho, betara-preta, caratinga-itê, curvina-marisqueira, galo, linguado-de-dentro, pescadinha-malhera, manjuba, paraipi, pescadinha-branca, pescada-amarela, pescadinha-membeca, robalo-peva, saltera, sardinha-chata, sororoca
pra cima bagre-bugre
ilha na baía bagre-guiri, miraguaia
qualquer parte da baía peixe-elétrico, pregereva
AMBIENTE FLUVIAL
beira d'água/ beira de rio/ beirada de rio/
bagre-jundiá, salema
barra de rio barrigudinho
poço acará, inhaceraia, oveva, oveva-do-rio, piava
barranco/ parte de dentro do rio
muçum
trancada ou galhada caratinga-vivóca
folha seca na beira do rio bagre-jundiá
MICROHABITATS GERAIS
barranco muçum, muçum-do-barranco, amborê, amborê-do-barranco
buraco amborê-do-buraco
lugar trancado/ trancada salema
galhada de pau/ galho parati-pema
A zonação horizontal do ambiente aquático foi percebida de acordo com a profundidade
e com a proximidade/afastamento da costa em direção ao mar aberto e para dentro da área
estuarina até a cabeceira dos rios. O ambiente costeiro foi denominado genericamente de
"costa" e foi relacionado aos peixes que ocorrem no ambiente marinho nas proximidades da
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plataforma continental ou "em terra". Estes peixes, aos quais atribuiu-se a característica de "dar
acostado" (ou seja, de serem capturados próximos à costa), representam as principais
espécies exploradas comercialmente pela comunidade.
Alguns peixes foram ainda relacionados na categoria "acosta na praia", que se refere a
espécies que comumente chegam mortas na linha de deixa da maré, entre elas o "peixe-porco"
e os baiacus. A categoria denominada de "ressaca" corresponde à faixa variável do mar entre-
marés, próximo à praia, sob influência das ondas (FIGURA 3.1) e "lagamar", corresponde à faixa
intermediária entre duas zonas de arrebentação de ondas.
FIGURA 3.1 - Ambiente denominado "ressaca", representado pela faixa do mar sujeita a ondas, de acordo com a percepção de pescadores da Barra do Superagüi.
Afastando-se da costa, os pescadores relacionaram as seguintes categorias: "fora" (a
partir de cerca de 15 m de profundidade15), "mais fora/ muito fora/ bem fora/ mar bem forão" (a
partir de cerca de 50 m de profundidade) e "água do estrangeiro". Esta última denominação foi
usada para qualificar peixes que os pescadores têm conhecimento da existência através dos
barcos de pesca industrial que ocasionalmente ancoram na região, mas que não são por eles
diretamente capturados nas atividades pesqueiras.
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No ambiente estuarino os pescadores diferenciaram os peixes que ocorrem dentro da
baía (zona estuarina propriamente dita) daqueles que ocorrem "pra cima" (na zona de transição
próxima à desembocadura dos rios). Alguns peixes foram relacionados como ocorrendo "em
qualquer parte ou lugar", indicando a não preferência por ambientes específicos (como a
"pregereva" e o "peixe-elétrico").
Os ambientes genericamente denominados de "ilha" referiam-se a ilhas estuarinas ("ilha
na baía", como Pinheiro e Pinheirinho), costeiras ("ilha na costa", como a Ilha das Peças e do
Superagüi) ou oceânicas ("ilha fora", como a Figueira).
De forma semelhante ao observado para ambientes marinhos, também os ambientes
fluviais apresentaram várias subdivisões como: "beira" (margens), "barra" (próximo à
desembocadura), "poço" (locais mais profundos de água parada) e "trancada" (locais do leito
do rio onde acumulam-se materiais como galhos de árvores, entre outros).
Além dos anteriormente citados, vários microhabitats gerais (ou seja, não associados a
nenhum tipo de ambiente em particular) foram reconhecidos, descritos e nomeados pelos
pescadores, como "barranco" (que pode estar relacionados com as margens de rios - "barranco
de rio" - ou com manguezais - "barranco de mangue"), "buraco" (diferenciando-se as espécies
que fazem buraco e as que usam buracos já prontos), "lugar trancado" e "galhada de pau".
Além da categorização dos habitats, os pescadores entrevistados reconheceram
diferentes substratos e identificaram a associação de alguns peixes a estes ambientes
específicos. Os principais tipos de manchas de fundo relacionados foram "pedra", "lama" e
"areia" (TABELA 3.3).
TABELA 3.3 - Principais tipos de manchas de fundo ou substratos reconhecidos por pescadores da Barra do Superagüi e ictiofauna associada.
TIPO DE FUNDO
EXEMPLOS
"PEDRA"
acará-da-pedra, amborê-da-pedra, badejo, badejão, baiacu, calafate, caraputanga, caratinga, corocoroca, curvina-da-pedra, escrivão, garoupa, garoupão, mero, miraguaia, morera, oveva, paru, peixe-porco-da-pedra, pescada-amarela, pescada-galhetera, pirajica, piramangava, pregereva, robalo, saguá, salema, sargo-de-beiço, sargo-de-dente, tainha, velha, vermelho, xerne
"LAMA" amborê, amborê-da-lama, bagre-pararê, emplastro, linguado, linguado-grande, língua-de-vaca, mata-mão, muçum, muçum-da-lama, parati, tainha
"AREIA" amborê-guaçu, linguado, muçum, raia-ticonha, tainhota
15 Valor estimado pelos pescadores, através do uso das redes de fundeio, arrastos e outras técnicas de
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De acordo com os tipos principais de manchas de fundo, vários microhabitats foram
reconhecidos, identificados e relacionados pelos pescadores e comportamentos específicos
dos peixes podem ser a eles associados (TABELA 3.4).
TABELA 3.4 - Microhabitats associados aos principais tipos de manchas de fundo reconhecidos por pescadores da Barra do Superagüi.
MICROHÁBITATS RECURSOS PESQUEIROS
FUNDOS ROCHOSOS - "PEDRA"
costão/ costa de pedra enchova, enchova-grande, olho-de-boi, pampano, pexe-vermelho
lage/parcéu badejo, garoupa, pescada-amarela, xerne
ponta/ beira de pedra cavala, tainha
costão/ lugar de ilha enchova
embaixo de pedra salema
FUNDOS LODOSOS - "LAMA"
buraco na lama amborê-da-lama, linguado
bacucuzal bagre-pararê
mangue muçum-do-mangue
FUNDOS ARENOSOS - "AREIA"
baxio muçum, raia-ticonha, tainhota
enterrado na areia amborê-de-fora, linguado
Os fundos denominados genericamente de "pedra" corresponderam a afloramentos
rochosos que se sobressaem nos períodos de maré baixa no interior das baías ou no leito dos
rios ("pedra" ou "ponta/beira de pedra"), fundos rochosos no ambiente marinho ou estuarino
("parcéu" ou "lage") e costões rochosos na borda da plataforma continental ou em ilhas
("costão de pedra" ou "costão de ilha"). Aos peixes que ocorrem nestes ambientes os
pescadores associaram comportamentos de ficar "perto de lugar de pedra" ou "embaixo da
pedra". Os peixes relacionados a fundos de pedra foram categorizados na "família dos peixes
de pedra". Pescadores de outras regiões também reconheceram a categoria dos "peixes de
pedra", conforme descrito por AKIMICHI (1978), MARANHÃO (1975) e MARQUES (1991).
Os peixes associados a substratos lodosos ("lama") foram categorizados na "família dos
peixes de lama". Os pescadores diferenciaram fundos de "lama dura" e de "lama mole" e os
hábitos de ficar "em cima de lugar de lama", "se enterrar na lama" e "fazer buraco na lama".
Um outro tipo de ambiente lodoso, denominado "bacucuzal", referia-se a um substrato
diferenciado, caracterizado por uma lama dura e com presença de adensamentos de um tipo
de marisco denominado "bacucu".
pesca.
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Os manguezais foram localmente referidos pelos pescadores como "mangue" e estes
ambientes também estavam relacionados com substratos lodosos. Semelhante ao observado
por MARQUES (1991), poucas espécies foram relacionadas com exclusividade a estes
ambientes. Uma unidade espacial particular referia-se ao "nhundu" ou "nundu", que
corresponde à linha de maré ou, na linguagem dos pescadores, "é onde a maré chega no
mangue e que daí ela volta, que fica meio sujo, meio embaçado". Os bancos de marisma que
se desenvolvem nos baixios arenosos nas áreas de transição entre o ambiente marinho e
fluvial (vegetação de gramíneas dominada por Spartina sp.) foram denominados localmente de
"praturá". Outros ambientes de áreas de transição relacionados foram as áreas de "cebolana"
(Crinum spp.) e de "piri" (Rhynchospora cephalotes).
Nas regiões de formações pioneiras com influência fluvial podem ocorrer ainda áreas
brejosas dominadas por "taboa" (Typha dominguensis) associada ao "lírio-do-brejo"
(Hedychium coronarium). Semelhante ao observado para os manguezais, também não foram
feitas referências espontâneas a espécies ícticas que habitem preferencialmente estes locais.
Os fundos arenosos ("areia") também foram subdivididos (por exemplo, "areia da beira
da praia" e "areia do fundo do mar") e relacionados com unidades espaciais particulares
denominadas "baixios", depósitos arenosos ou bancos de areia que ficam aparentes nos
períodos de maré baixa (FIGURA 3.2). Semelhante ao observado para fundos lodosos, aos
peixes encontrados em fundos arenosos foram associados alguns tipos de comportamentos,
como "ficar em cima de lugar de areia" ou "se enterrar na areia".
60
FIGURA 3.2 - Ambiente denominado "baixio", representado por depósitos arenosos que ficam aparentes nos períodos de maré baixa.
A minúcia do conhecimento dos pescadores sobre a distribuição espacial dos peixes
envolveu a percepção de movimentação ou migrações entre habitats e a ocupação de habitats
diferenciados ao longo do ciclo de vida (por exemplo, no período reprodutivo) e do ciclo
ontogenético (por exemplo, diferenças de habitat entre juvenis e adultos). Os pescadores
entrevistados reconheceram ainda a ocupação de alguns ambientes relacionada ao hábito
alimentar dos peixes, categorizando os que "comem lama", "comem lodo" ou "comem areia".
No entanto, a associação de um peixe a um habitat preferencial não significaria que a sua
ocorrência seja exclusiva deste sítio.
De acordo com as características hidrológicas de salinidade, os pescadores
reconheceram "água salgada", "água misturada" ou "salobra" e "água doce" (TABELA 3.5).
Foram também utilizadas as denominações "mar salgado", "mistura de rio" ou "rio salgado" e
"rio doce" ou "rio de água doce" para designar estas condições. Esta classificação não se
sobrepõe obrigatoriamente à descrição dos grandes ambientes aquáticos "mar", "baía" e "rio",
como também demonstrado por MARQUES (1991), entre pescadores de Alagoas.
61
TABELA 3.5 - Características hidrológicas relacionadas com a salinidade reconhecidas e categorizadas por pescadores da Barra do Superagüi e ictiofauna associada.
SALINIDADE EXEMPLOS
ÁGUA SALGADA (MAR SALGADO) acará-da-pedra, amborê-do-mar-grosso, badejão, cação, caranha, cavalinha-do-mar, gorrete, miraguaia, parambiju, paru, pirajica
ÁGUA MISTURADA/ ÁGUA
SALOBRA (MISTURA DE RIO, RIO
SALGADO)
bagre-pararê, caratinga, cangulo, escrivão, marta, oveva, robalo, tainha, tainhota, tainha-facão
ÁGUA DOCE (RIO DOCE, RIO DE
ÁGUA DOCE)
acará, acará-do-rio, amborê, bagre-de-água-doce, bagre-jundiá, barrigudinho, cascudo, cunguito, guacari, inhaceraia, lambari, mandi, piava, purquinho, tainha-do-rio, traíra
Condições meteorológicas específicas também influenciam na ocorrência e abundância
dos peixes. A precipitação, por exemplo, pode alterar a turbidez da água diferenciando-se
"água pura" (sem água da chuva) e "água vermelha" (com água da chuva). As "águas
vermelhas" foram associadas ao período de grandes chuvas e enchentes no verão , com
grande influência nas atividades pesqueiras. Algumas práticas, como por exemplo a pesca do
robalão no interior da baía, são realizadas apenas nestas condições.
CORRÊA et al. (1995 e 1997) constataram que a temperatura e salinidade da água,
associadas à pluviosidade e às marés, são os principais fatores determinantes da distribuição
da ictiofauna no litoral do Paraná.
2.2. DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL VERTICAL
O conhecimento da segregação vertical dos peixes na coluna d'água é de grande
importância para a atividade pesqueira e pescadores da Barra do Superagüi reconheceram que
os peixes podem posicionar-se em seis níveis diferenciados (TABELA 3.6).
TABELA 3.6 - Percepção de pescadores da Barra do Superagüi sobre a distribuição vertical dos peixes na coluna d'água.
NÍVEL EXEMPLOS
PEIXE ENTERRADO/ PEIXE QUE SE ENTERRA (NA AREIA
OU NA LAMA) linguado
FICA BEM NA BERA DO FUNDO/ ANDA ENCOSTADINHA
NO FUNDO linguado, pescadinha-membeca
PEIXE APROFUNDADO/ PEIXE DEFUNDADO/ DO FUNDO/ PEIXE DE FUNDO/ PEIXE FUNDERO/ ANDA
APROFUNDADO/ SE APROFUNDA/ VIVE DO FUNDO
bagre-bugre, bagre-cangatá, bagre-guiri, corocoroca, parambiju, paru, peixe-porco, pescadinha-branca, pescadinha-membeca, pirajica, saguá, xerne
PEIXE DE MEIA-ÁGUA/ ANDA NO MEIO DO LAGO/ ANDA
NA MEIA-ÁGUA cavala, manjuva, robalo
PEIXE BOIERO/ ANDA BOIADO/ ANDA NA OLHERA
D'ÁGUA bagre-vermelho, bagre-sari-sari, cavala, parati-pema, paru, pregereva, tainha
62
PEIXE QUE PULA/ PULADOR/ PULENTO/ PULA PRA FORA
D'ÁGUA E PEIXE QUE VOA/ VOADOR/ VOA FORA DA
ÁGUA parati, saltera, tainha, voador
Três níveis foram os principais, denominados genericamente de "fundo", "meia-água" e
"boiada". Os peixes associados a estes níveis foram classificados e categorizados como "peixe
aprofundado ou fundero", "peixe de meia-água" e "peixe boiero". A estes níveis acrescentou-se
os "peixes que se enterram" (subcategorizados nos que "se enterram na lama" e nos que "se
enterram na areia"), "peixes que pulam" e "peixes que voam". Outros organismos,
principalmente moluscos, podem ainda "viver agarrado na pedra".
"A tainha ele é um pexe que não é fundero, ele é um pexe que anda só na olhera d'água. Não se aprofunda no fundo pra comê, é só boiero."
"O parati-pema ele anda boiado, anda só correndo por cima d'água. A tainha também é pexe boiado"
"O robalo ele não anda boiado, só se ele vê o cardume da sardinha daí ele vai pegá eles. Também não é de fundo, é de meia água."
"A corocoroca vive do fundo, é pexe aprofundado".
Os níveis descritos acima representam espaços preferenciais, mas não exclusivos. Os
pescadores reconheceram que vários peixes não estavam restritos a um determinado
ambiente, podendo ocupar mais de um nível alternativamente, de acordo com circunstâncias
comportamentais, ambientais e/ou temporais. Diferenciaram os peixes que "só dão num lugar",
os que "andam mais num lugar", os que "preferem um lugar" e os que estavam associados a
um determinado ambiente, podendo "andar também noutro lugar". Além disso, os pescadores
reconheceram também que alguns peixes "não tem posição", podendo ocupar toda a coluna
d'água.
"A sororoca é pexe que anda mais boiado, ele só afunda quando a sardinha tá no fundo, quando a sardinha tá boiado ele só vem correndo por cima d'água."
"Pescadinha-branca e membeca são pexe defundado, só que quando tem manjuba eles sobe."
"A cavala ela não anda só por cima da água, pra ela não tem distância, ela vai em qualquer parte."
A percepção dos níveis diferenciados de distribuição vertical indica o que é preferencial
e mais comum para um peixe e este conhecimento está estreitamente relacionado com as
técnicas e estratégias de pesca utilizadas para a captura dos recursos. No caso das redes de
63
espera, estes apetrechos podem ser instalados em três posições diferentes: "fundeada" (bordo
inferior encostando no fundo), "boiada" (bordo superior rente à lâmina d'água) ou "lanceada ou
caceada" (posicionada no meio da coluna d'água).
A percepção da profundidade da coluna d'água ("fundura") de um dado local também é
fundamental para a instalação de apetrechos de pesca e para navegação. Foi muito comum
entre os pescadores a oposição "raso" (associado a locais com presença de baixios) e "fundo"
(associado aos canais de navegação). No litoral do Paraná a profundidade das baías com
maior influência oceânica é de cerca de dez metros; nas partes mais interiorizadas ela é inferior
a cinco metros e fora dos canais principais de navegação, é inferior a dois metros (IPARDES,
1997).
A classificação da distribuição dos peixes na coluna d'água por pescadores foi
analisada também por vários outros autores para diferentes regiões do mundo (MARANHÃO,
1975; AKIMICHI, 1978; POSEY, 1984; ROYERO, 1989; MORÁN, 1990; MARQUES, 1991 e 1995a;
RIBEIRO, 1995; MOURÃO & NORDI, 1996; COSTA-NETO, 1998; THÉ, 1999; COSTA-NETO &
MARQUES, 2000 e MOURÃO, 2000).
Entre comunidades pesqueiras brasileiras, de uma forma geral, o número de níveis
encontrado pelos autores variou de três a sete e os resultados em muito se assemelham aos
encontrados entre pescadores da Barra do Superagüi. MARANHÃO (1975) encontrou três níveis
entre pescadores do Ceará, denominados "flor-d'água", "meia-água" e "fundo". COSTA-NETO
(1998) encontrou, entre pescadores da Bahia, cinco níveis ("veia d'água", "meia água" e
"fundo"), somando-se a estes os peixes que "pulam/voam" e os que "se enterram". MOURÃO
(2000) também encontrou cinco níveis entre pescadores da Paraíba ("flor d'água", "meia-água
pra cima", "meia-água pra baixo", fundo" e "enterrado").
MARQUES (1991) sugeriu uma universalidade com relação à percepção da segregação
vertical da coluna d'água de cinco níveis, sendo os três níveis correspondentes a superfície,
fundo e intermediário, os de maior destaque.
2.3. VARIAÇÃO TEMPORAL
Em ambientes estuarinos a sazonalidade das espécies ícticas é um fator muito
marcante, pois a maioria das espécies não são residentes do estuário, ocorrendo apenas em
uma determinada época do ano. A percepção do ciclo sazonal de distribuição temporal dos
64
peixes pelos pescadores está estreitamente relacionado com a atividade pesqueira, cujo
calendário anual reflete este conhecimento.
Na Barra do Superagüi os pescadores entrevistados reconheceram duas épocas
principais em que o ano é dividido: "inverno" ou "tempo frio" e "verão" ou "tempo quente". Estas
épocas não correspondem necessariamente às estações do ano do calendário oficial e o
outono e a primavera foram incluídos nesta classificação de forma mais generalizada.
COSTA-NETO (1998) e CARVALHO (1999), entre pescadores do litoral baiano e MARQUES
(1991) entre pescadores alagoanos, observaram este mesmo padrão de divisão do ano e
relacionaram estas categorias aos períodos de maior precipitação e de estiagem. MOURÃO
(2000) também encontrou, entre pescadores da Paraíba, o reconhecimento de dois períodos
climáticos, um seco e um chuvoso, relacionados ao inverno e verão.
Quanto à distribuição temporal dos peixes, pescadores do Superagüi categorizaram
inicialmente os "peixes que dão o ano inteiro" ("sempre tem" ou "não tem época") e os "peixes
que não dão o ano inteiro" ("tem época", "não é sempre que tem" ou "não dá seguido") (FIGURA
3.3).
FIGURA 3.3 - Categorias de distribuição temporal dos peixes reconhecidas por pescadores da Barra do Superagüi.
Dentre os peixes que ocorrem ao longo do ano todo, os pescadores diferenciaram os
que têm uma abundância mais ou menos homogênea ao longo de todo o período (por exemplo,
as paratis), daqueles que têm "safra", épocas ao longo do ciclo anual de maior abundância ("dá
PEIXES QUE DÃO O ANO INTEIRO
PEIXES QUE NÃO DÃO O ANO
INTEIRO
ABUNDÂNCIA HOMOGÊNEA AO LONGO DO ANO
PERÍODOS DE MENOR E MAIOR ABUNDÂNCIA
TEMPO QUENTE OU VERÃO
TEMPO FRIO OU INVERNO
65
o ano inteiro, mas tem tempo que ele dá mais", "dá mais numa época", por exemplo a
pescadinha-membeca, a sardinha-parati e as manjubas).
“Parati é um pexe que não tem tempo de dá, não tem época. Parati-pema esse é diariamente, sempre tem, tudo tempo, diariamente encontra-se por aí.”
Dentre os peixes que "tem época", os pescadores reconheceram duas categorias
principais: "peixes de tempo quente ou de verão" e "peixes de tempo frio ou inverno" (TABELA
3.7). Além destas grandes categorias, alguns peixes foram relacionados a períodos de
ocorrência mais curtos, como o exemplo da miraguaia, pescada somente no mês de outubro.
“Nessa época de tempo quente, de água quente, pra janeiro, fevereiro, março, vem muito pexe que são os pexe de tempo quente, robalo, sartera-guivira, caratinga.
TABELA 3.7 - Categorias reconhecidas por pescadores da Barra do Superagüi com relação à distribuição temporal da ictiofauna.
CATEGORIAS TEMPORAIS EXEMPLOS
TEMPO QUENTE/ VERÃO raia, cação, pescada-galhetera, sartera-guivira, sardinha-xingó, caratinga, robalo.
TEMPO FRIO/ INVERNO peixe-porco, raia-gereva, manjuba, cavala, tainha
ANO INTEIRO pescadinha-membeca, parati-pema
Os movimentos migratórios realizados por algumas espécies de peixes foram
reconhecidos pelos pescadores como “corridas” e os peixes que os realizam como “peixes de
corrida”. Dentre os peixes citados nesta categoria encontram-se: tainha, parati-guaçu, parati-
poá, manjuba-branca, cação-mangona, saltera-guaivira, cação-machote, bagre-bacia, cavala e
raia-gereva. De forma semelhante, o período migratório foi categorizado como “corrida da
saltera”, "corrida da tainha", "corrida do robalão", entre outros.
Dentre os movimentos migratórios reconhecidos por pescadores do Superagüi ("de
onde o peixe sai e para onde ele faz a corrida") encontrou-se as seguintes categorias:
"sobe rio" ou "faz enfiada no rio" (migração do mar ou do estuário para os rios, por exemplo
a tainha);
"entra mais na baía" (do mar aberto para a área estuarina) e
"corre a costa" (exemplo do robalão e da tainha, que "correm a costa do sul para o norte").
Após a "corrida" para um determinado ambiente, local ou direção, acontece a "torna" ou
"volta", com o regresso dos peixes para o ambiente original. Os pescadores relacionaram
também a época em que estes eventos acontecem ("quando faz a corrida"). Esses movimentos
66
foram relacionados principalmente com aspectos reprodutivos do ciclo biológico das espécies.
A “corrida” estaria também relacionada com um processo comportamental de agrupamento dos
peixes em cardumes ("se encarduma pra corrê").
“Cavala ela tem a corrida, corre a costa todinha. Tempo quente ela fica nas água do norte, porque ela vem do norte também. E agora com esse tempo ela vem, faz corrida, ela corre por essas época agora até o mês de agosto.”
“Cação-machote só dá nessas época, quente, janeiro, fevereiro e março. É uma corrida que ele faz, vai do norte pro sul. Vai pro sul porque começa a pegá nas água quente do norte e vai pras água fria e depois quando chega abril ele tá aqui no sul.”
“Mangona ela vem, ela passa, ela faz essa corrida também do norte, vem aqui e entra, ela fica na boca da barra.”
“Parati-guaçu ele tem a corrida dele também, é mês de abril, ele faz corrida. Parati-poá ele faz a corrida antes do guaçu, mês de abril. Se encarduma pra corrê. O pema não tem corrida, esse é diariamente encontra-se por aí, sempre tem, tudo tempo.”
“A sartera mesmo dá pra dentro, faz corrida pra dentro e depois sai pra fora. Talvez ela vem desová aqui dentro e daí ela sai pra fora, ela faz a corrida da saltera”.
“Depois que termina a corrida do guaçu (em abril), daí vem a da tainha. Mês de abril em diante já começava a chegá a época da tainha. Ela vem do Sul e vai pro Norte. Quando ela sai, depois que ela fala com o rio, daí então entra pra criá. Quando ela volta da corrida, depois do mês de agosto, depois que ela desova, que fica magra, chama tainha-facão. Ela perde a gordura dela, fica muito magra, esticada.”
Segundo LOWE-MCCONNELL (1987) as migrações dos peixes estuarinos na América do
Sul são ainda pouco conhecidas. O conhecimento adquirido por pescadores artesanais de
diferentes regiões pode auxiliar na busca de informações sobre estes eventos, fundamentais
de serem entendidos para qualquer proposta de manejo de pesca.
2.4. ECOLOGIA TRÓFICA
Pescadores da Barra do Superagüi demonstraram possuir um conhecimento complexo
e detalhado sobre os hábitos alimentares dos peixes e das interações tróficas entre os
diferentes grupos de organismos. Reconheceram interações do tipo presa-predador,
descrevendo “o que os peixes comem” ou “a mistura do peixe” e “quem come eles” (predadores
naturais).
67
“Cavala o principal alimento dela é a manjuba, ela anda atrás do cardume da manjuba. Não tem manjuba ela come otra coisa, sardinha-parati ela come, aquela sabelha, tudo pexe que dá boiado que ele vê. E cação, boto, esses come ela.”
“Pescadinha come camarão, manjuva. A manjuva que ela pega é uma bem pequena, um pouquinho maior que a zero. Não come sardinha e camarão é só o sete-barba. O peixe-espada é o que mais persegue a pescadinha. O cação também persegue.”
Nas cadeias tróficas elaboradas a partir do conhecimento dos pescadores observou-se
até seis níveis tróficos, envolvendo produtores primários, consumidores primários, carnívoros
primários, carnívoros secundários, carnívoros terciários e predadores de topo de cadeia
(FIGURA 3.4).
FIGURA 3.4 - Fragmento de uma cadeia trófica elaborada segundo o conhecimento de pescadores da Barra do Superagüi.
Detalhamentos semelhantes ao observado no conhecimento sobre ecologia trófica de
pescadores do Superagüi foram verificadas por MARQUES (1991), a partir do conhecimento
tradicional de pescadores artesanais de um estuário de Alagoas e por este mesmo autor
(1995), para pescadores da várzea da Marituba no Rio São Francisco, identificando cadeias
tróficas de até cinco níveis. SILVANO (1997) observou a descrição de até quatro níveis tróficos
entre pescadores do Rio Piracicaba. MORRIL (1967) trabalhando com os pescadores Cha-Cha
das Ilhas Virgens encontrou cadeias alimentares mais curtas do que o previamente esperado,
TINTURERA
JAMANTA CAÇÃO
BOTO
CAVALA
MANJUBA SARDINHA
SORO
BAGRE
RAIA
68
com apenas dois níveis, atribuindo esta simplicidade à dificuldade de visualização e o não
reconhecimento de organismos que fazem parte dos níveis tróficos mais baixos. Este trabalho
foi pioneiro no estudo do conhecimento de pescadores sobre ecologia trófica de peixes e o
pouco detalhamento pode ser conseqüência de dificuldades metodológicas.
No Superagüi, pescadores reconheceram e nomearam diferentes organismos como
parte da base das cadeias alimentares, que foram incluídos em diversas categorias êmicas:
“lama" ("lama do baixio", "lama da beira do rio" ou "sujeira da lama"), "areia", "caliça", "limo da
pedra", "sujeira da maré" ("purvio", "soro", "limo d’água" ou "limo da maré"), "espuma da maré"
("espuma do mar" ou "escuma da maré") e "folhas" (incluindo "folha podre", "folha de mangue"
e "praturá").
Os consumidores primários citados foram relacionados principalmente a mariscos,
camarões e peixe detritívoros, os quais formam a base da maioria das cadeias tróficas tropicais
e exercem um importante papel na reciclagem de nutrientes e na produtividade dos
ecossistemas aquáticos.
“Manjuba a boca dele é só pra comê esse limo d’água, né? A tripa dela é bem miudinha, não tem como vê o que ele come. Come soro, eu acho.”
“Parati-guaçu certamente ele pára pra comê o limo, o cardume pára no lugar do mangue, então ele fica se alimentando com aquela escuma do rio, do limo, que tem no baxio, a sujera do baxio.”
“Caratinga vive do limo das água, dentro do baxio, tudo esses pexe são muito de baxio, come sujera do baxio, parada de maré elas fica ali comendo.”
As sardinhas, camarões e manjubas foram consideradas a base alimentar para várias
espécies carnívoras primárias (FIGURA 3.5). Estes organismos receberam uma denominação
especial, sendo referidos como “cumidiu”, que significa “aquilo que os peixes comem”.
“A manjuba quando é pequena chama cumidiu, que é aquilo que o pexe come. Tudo quanto é pexe come a manjuba, é o alimento dos pexe mesmo.”
“Camarão é isca pra tudo quanto é pexe, tudo quanto é pexe come camarão. Até quando junta casca de camarão o pexe vem comê.”
“Tudo quanto é pexe gosta de comê sardinha, tudo quanto é sardinha. Tirando a tainha, né?”
69
FIGURA 3.5 - Fragmento de uma teia alimentar elaborada de acordo como conhecimento de pescadores da Barra do Superagüi mostrando peixes que se alimentam de camarão.
MORRIL (1967) observou pouco conhecimento dos pescadores Cha-cha das Ilhas
Virgens sobre invertebrados marinhos na ecologia trófica das espécies ícticas. SILVANO (1997)
contatou que moluscos e crustáceos não foram citados na dieta do "mandi" entre pescadores
de São Paulo e atribuiu isso a uma possível dificuldade de visualização e reconhecimento dos
pescadores sobre estes grupos.
Na Barra do Superagüi, os pescadores entrevistados demonstraram possuir um
conhecimento detalhado sobre hábitos alimentares de invertebrados marinhos, discorrendo
sobre suas dietas alimentares, sobre as várias espécies de peixes que deles se alimentam e o
comportamento de captura (predação).
“Marisco eles vive só com a sujera da maré. A maré enche eles abre a boca pra apará a sujeirinha da maré, purvio, soro.”
“Batuíra come bichinho na bera da praia, pexe não come.”
“Caranguejo um pexe morto que ele encontra ele leva pra toca pra comê.”
“Miraguaia se alimenta do porrudo também, vem no baxio.”
“Bacucu dá no baixio, é comida dos pexe, bagre, miraguaia, sargo, salema. Bacucu todos os bagres comem, só que o pararê ele se cria em cima de bacucuzal, então ele é o bagre que mais come. Ele quebra, você acha dentro os pedaço de concha.”
“Quem come ostra é salema, sargo, baiacu. A gente vai assim nas pedra e vê, eles quebram tudo pra comê o marisco de dentro. Bagre não pode comê ostra.”
Vários peixes foram enquadrados em uma categoria equivalente a peixes piscívoros,
como os cações, badejo, robalo, entre outros. Os botos, considerados “peixes" na classificação
CAMARÃO
PESCADA-BRANCA
SALTERA
ROBALO BAGRE
70
etnobiológica dos pescadores mais antigos (Capítulo 1), foram também citados como
predadores de vários peixes. Os pescadores diferenciaram diversos comportamentos para a
captura das presas, dentre eles a categoria dos “peixes de bote”, que se alimentam
exclusivamente de presas vivas.
“O boto vai na cavala. Eu acho que boto só come pexe, porque a gente
só vê ele atrás do pexe. O que ele mais come é parati e tainha.”
“O badejo-branco ele come pexinho, as criaçãozinha que tá no limo da pedra ele come.”
“Robalo come sardinha, camarão, ele se alimenta, ele chega no cardume da sardinha e fica. Só come pexe vivo, morto não. É pexe de bote, pega no bote, só pega vivo, não come morto.”
Além disso, os pescadores identificaram espécies mais especializadas, que se
alimentam de poucos itens alimentares e espécies generalistas (onívoros), para as quais foi
mencionada uma maior diversidade de alimentos.
“Cavala ele só se alimenta de manjuba, por onde anda o cardume da manjuba, quando chega o tempo da cavala, sororoca, onde tá a manjuba eles se ajunta ali pra comê. A gente vê, eles começa a pulá no meio da manjuba. Come sardinha também, sardinha-chata.”
“Raia come bichinho de fundo assim. A raia pedra come siri, as otra raia já come mais pexinho pequeno, come bagrinho miúdo, o bagrinho vermelho elas podendo pegá elas come. A raia gereva é a que mais come bagre, só o que ela come é o bagre-vermelho. Qualqué bagre, sendo pequeno que ela possa comê.”
“O bagre come quase tudo, camarão, peixe, ostra, marisco, tudo eles come a mesma coisa, come qualqué coisa.”
“O cação ele come qualqué coisa que vê boiado, até madera.”
Os animais mencionados pelos pescadores que correspondem a espécies de topo de
cadeia foram, além do homem, os cações, diversas aves, répteis e mamíferos.
“Os cação grande não ataca pexe miúdo. A tinturera qualqué coisa que pinche na água ela vai atrás pra comê, qualqué coisa ela come, passarinho, ela pega vivo e come, pega no bote, caiu na água se ela tivé por perto ela come.”
71
2.5. PREDAÇÃO NATURAL
Trinta e cinco aves, sete mamíferos e quatro répteis foram relacionados como
predadores (ou oportunistas) de 31 recursos pesqueiros, envolvendo peixes, camarões, siris,
caranguejos e mariscos (TABELA 3.8).
TABELA 3.8 – Animais relacionados como predadores naturais de recursos pesqueiros por pescadores da Barra do Superagüi.
NOME VERNÁCULO IDENTIFICAÇÃO ALIMENTAÇÃO
AVES
ANDORINHA-DO-MAR Sterna spp. Peixe
BIGUÁ Phalacrocorax brasilianus Peixe de água doce e salgada, bagre, bagrinho-vermelho, pararê, camarão
CARAPINHÉ Milvago sp. Peixe, siri, cangulo, pescadinha, bagre
CARACACHÁ Polyborus plancus Peixe
COLHERERO/ COLHORERO Platalea ajaja Peixe, camarão, tambarutaca, não come bagre
CORUJA-DO-CAMPO Speotyto cunicularia Peixe morto, caranguejo garoçá
CORVO Coragyps atratus Peixe
GARÇA-BRANCA Egretta thula Peixe pequeno, filho de parati, de betara, amborê, barrigudinho, maratimba, birê, tambarutaquinha, caranguejinho
GARÇA-AZUL Egretta caerulea Peixe
BAGUARI Casmerodius albus Peixe
PAI-JOÃO Ardea cocoi Peixe
GAIVOTA Larus dominicanus Camarão, peixe miúdo, pescadinha-membeca, parati, amêja
GAIVOTA-BRANCA-PEQUENA Larus sp. Peixe
GAIVOTA-CARIJÓ Larus dominicanus (juvenil) Peixe
GAIVOTA-BRANCO-DA-ASA-PRETA
Larus dominicanus (adulto) Peixe
GAIVOTÃO (...) Peixe
GAVIÃO-PEXERO/ GAVIÃO-BÓIA/ GAVIÃO-DE-RAPINA
Pandion sp. Peixe
MARTIM-PESCADOR/ MARTIN/PASSARINHO-PESCADOR
Chloroceryle spp. e/ou Ceryle torquata
Peixe de água doce e salgada, peixinho, parati, robalinho, amborê, camarão-de-água-doce
MARTIM-DO-COLAR-BRANCO Chloroceryle sp. Peixe de água doce e salgada, peixinho, parati, robalinho, amborê, camarão-de-água-doce
MARTIM-DO-COLAR-ROSADO Chloroceryle sp. Peixe de água doce e salgada, peixinho, parati, robalinho, amborê, camarão-de-água-doce
MARTIM-PESCADOR-PEQUENO Chloroceryle aenae e C. inda Peixe de água doce e salgada, parati, robalinho, amborê, camarão-de-água-doce
72
CONTINUAÇÃO TABELA 3.8 – Animais relacionados como predadores naturais de recursos pesqueiros por pescadores da Barra do Superagüi.
NOME VERNÁCULO IDENTIFICAÇÃO ALIMENTAÇÃO
MARTIM-PESCADOR GRANDE Ceryle torquata Peixe de água doce e salgada, peixinho, parati, robalinho, amborê, camarão-de-água-doce
MERGULHÃO/MARGULHÃO Sula leucogaster Peixe da água salgada, sardinha, manjuva
PINGÜIM/NAUFRAGADO/ PATO-MARINHO
Spheniscus magellanicus Camarão, peixe
SARACURA-PEQUENA Aramides cajanea ou A. mangle
Marisco, peixe, camarão, ostra, peixe miúdo, birê, caranguejo
SARACURA-GRANDE/ SARACURÃO
Aramides cajanea ou A. mangle
Peixe
SOCÓ Família Ciconiidae Peixe, bacucu
SOCOZINHO-DIABO Família Ciconiidae Peixinho miúdo, da água salgada e doce
SOCÓ-DE-PENACHO Família Ciconiidae Peixe, camarão-de-água-salgada
SOCÓ-GALINHA Família Ciconiidae Peixe de água doce, piava, camarão-pitu, bagre-jundiá
SOCÓ-BOI Família Ciconiidae Peixe de rio
SOCÓ-JARARACA Família Ciconiidae Peixe
TESORERO (ATOBÁ) Fregatta magnificens Peixe
TIA-BENTA (...) Peixe
TRINTA-RÉIS Sterna spp. Peixe, caratinguinha
MAMÍFEROS
ARIRANHA Pteronura brasiliensis Peixe de água doce
CACHORRINHO-POLICIAL-DO-MATO
Cerdocyon thous Peixe morto
CAPIVARA Hydrochaeris hydrochaeris Peixe, traíra, acará, nhundiá
FOCA Fam. Phocidae Peixe
LEÃO-MARINHO Otaria byronia Peixe
LONTRA Lontra longicaudis Peixe de água doce e água salgada, betara, bagre, peixe do rio, acará, robalo, traíra, caranguejo
MANGUERO/ GUAXINIM Procyon cancrivorus Peixe, caranguejo
RÉPTEIS
CÁGADO Hydromedusa sp. Camarão de água doce, peixe do rio, peixinho miúdo
JACARÉ Cayman latirostris Peixe de água doce e água salgada, peixe do rio, cará, robalo
LAGARTO Tupinambis teguixim Peixe morto
TARTARUGA Fam. Chelonidae Camarão, peixe, ostra, craca-da-pedra
Para a maioria das espécies relacionadas, os pescadores não diferenciaram os tipos de
organismos utilizados na alimentação, sendo as afirmações generalizadas como “come peixe”,
“come caranguejo”, etc.
“O colherero come pexe, camarão, não sei bem a qualidade de pexe, tirando bagre otros pexe ele come, de escama”.
73
“Foca também acosta aqui. Ele é do mar, acho que vive só de peixe, não sei”.
A não seletivitidade quanto ao hábito alimentar para algumas espécies foi apontada por
expressões como “come qualquer peixe” e “não tem o que ele não coma”.
“A lontra come qualqué pexe que ele pudé pegá, betara, robalo, acará, bagre...”
“Corvo não tem o que ele não coma, é aproveitador de tudo.
Come tudo que acosta, coisa podre, cabeça de peixe.” “Jacaré come peixe de água doce e salgada, qualqué pexe, tudo
que pudé pegá... “
Os pescadores entrevistados reconheceram que algumas espécies alimentavam-se
exclusivamente de peixes de água doce, outras exclusivamente de peixes de água salgada,
existindo ainda aquelas que se alimentavam dos dois tipos. Relacionaram estas
especificidades com o habitat das espécies.
“Ariranha só come pexe de água doce porque ele só vive na água doce, não gosta da água salgada, vive debaixo do barranco na beira do rio.”
“Lontra come pexe de água doce e água salgada, qualqué pexe
que pudé pegá, betara, bagre, entra no cerco pra comê pexe, come pexe do rio, acará, robalo, traraíra, come caranguejo. Lontra é um pexe, tanto pra nadá quanto pra comê pexe, escangalha a rede.”
“Socó de penacho come só pexe e camarão de água salgada.”
Para algumas espécies, no entanto, as informações foram bastante detalhadas e
envolveram a citação de diferentes espécies de presa.
“Saracura come marisco e pexe, camarão, ostra, birê na maré, pexe miúdo. O caranguejo pega o marisco, bate e come.”
O conhecimento sobre predação de recursos pesqueiros foi baseado principalmente na
observação direta e foram relacionados também vários aspectos do comportamento das
espécies envolvidas. As informações relacionadas às estratégias de captura das presas foram
bem detalhadas.
Os pescadores reconheceram espécies que capturam peixes vivos e pescam
ativamente e as que capturam peixes mortos, relacionado a animais que não pescam
74
ativamente, mas alimentam-se de peixes quando os encontram mortos na praia (“que
acostam”), como por exemplo a "coruja-da-praia". Algumas espécies, ainda, podem alimentar-
se de peixes oportunisticamente, como o "manguero".
“Coruja não come pexe, só aquela da praia que faz buraco que come pexe que acha morto na praia.”
“Cachorrinho policial é do mato, mas anda muito pela praia e
come pexe que acosta.”
“Manguero come pexe, mas ele não desce na água pra pegá, só quando encontra pelo caminho, pela praia, daí ele come.”
Dentre os animais citados que capturam peixes vivos, algumas espécies os apanham
na superfície da lâmina d’água (“boiado”) e não mergulham, como o martim-pescador,
enquanto outras capturam na meia água (“aprofundado”) mergulhando, como os "biguás"
(FIGURA 3.6). A captura na superfície pode ser efetuada com o bico ou com os pés e a captura
na lâmina d’água pode ser através de visualização da presa e mergulho direcionado de curta
duração ou mergulhos de longa duração e localização das presas durante o mergulho.
“Martim-pescador fica no galho de mangue que parece que tá dormindo, quando vê um peixinho... Pega parati, amborê, robalinho...”
“Biguá ele margulha no fundo, só vive na água mergulhando. Ele pega aprofundado, procura o pexe no fundo, ele leva tempo no fundo e depois ele sobe pra comê”.
“Tesorero come pexe só se pegá boiado, com o bico, não mergulha, pega sem chegá a asa na água.”
“Mergulhão come pexe de água salgada, sardinha, manjuva, o mais é manjuva. Pega arpofundado, sobe lá em cima, cai, pega o pexe e sobe em cima pra engoli, no mergulho ele já pega e sai, não fica no fundo..."
“Gaivota é da terra, mas anda pelo mar também. Come pexe boiado, garra com o pé e come em terra.”
75
FIGURA 3.6 - Biguás (Phalacrocorax brasilianus), espécie predadora natural de peixes e outros recursos pesqueiros.
Alguns animais foram, ainda, associados ao comportamento de “mariscar”, a exemplo
das garças.
“Garça ele marisca em cima do baxio, come amborê, maratimba, barrigudinho, pega filho de peixe que anda na ressaca, come bichinho da lama.”
Comportamentos específicos descritos detalhadamente pelos informantes envolveram a
captura de caranguejos pelo "mangueiro", a estratégia das gaivotas para quebrar "amêjas" e o
comportamento alimentar dos biguás com relação aos bagres, conforme descrito nos próximos
depoimentos.
“Guaxinim come pexe e caranguejo. Ele tira o caranguejo, mete o rabo dentro do buraco, o caranguejo pega no rabo dele daí ele bate com o rabo na terra”
. “Gaivota pega amêja na praia, sobe lá em cima no ar e sorta na
praia, ela quebra e come, se não quebra pega de novo e leva mais alto, pra comê o marisquinho”.
“Biguá come pexe de água doce e salgada. A comida dele a
maioria é bagre, pega bagre, quebra as espora com o bico pra depois engoli, pega bagrinho vermeio, pararê, camarão”.
76
MARQUES (1995) observou que na várzea da Marituba alguns animais predadores de
peixes como as lontras e jacarés, geravam um sentimento negativo nos pescadores, sendo por
esta razão muitas vezes abatidos.
Na Barra do Superagüi vários animais foram citados como prejudiciais para as práticas
pesqueiras. Os siris, por exemplo, podem comem parcialmente peixes emalhados nas redes,
que passam a não ter mais ter valor comercial. As lontras podem entrar nos cercos de taquara
destinados à pesca e comer peixes aí aprisionados, além de também causar estragos nas
redes. A jamanta possui "chifres" que podem engatar nas redes de pesca, danificando-as.
No entanto, apesar deste animais serem considerados prejudiciais, não evidenciaram-
se sentimentos negativos gerados pela competição entre os predadores naturais e os
pescadores.
77
CCAAPPÍÍTTUULLOO 44 -- AASSPPEECCTTOOSS UUTTIILLIITTÁÁRRIIOOSS
1. INTRODUÇÃO
Em todas as regiões do mundo as populações humanas apresentam relações
particulares com os recursos naturais, com os quais interagem e dos quais se apropriam
através de estratégias adaptadas a cada realidade local.
Com relação aos peixes, diversos trabalhos têm mostrado que o modo como os
diferentes recursos são percebidos e classificados influencia na intensidade e freqüência com
que as espécies são capturadas, consumidas e/ou comercializadas (BEGOSSI, 1989 e 1992;
BEGOSSI & RICHERSON, 1992 e 1993; BEGOSSI, 1996; SEIXAS & BEGOSSI, 1996; HANAZAKI, 1997;
COSTA-NETO, 1998; HANAZAKI & BEGOSSI, 2000).
Segundo MARQUES (1995), muitas vezes não são em simples cadeias tróficas que o
homem insere-se como elo conectado aos peixes. Com freqüência tecem-se complexas redes
em que cadeias trófico-culturais contribuem de forma acentuada para sua configuração.
A região de Guaraqueçaba caracteriza-se por apresentar uma grande diversidade de
ambientes, que suportam uma rica diversidade de espécies animais e vegetais. Historicamente,
a população vivia quase exclusivamente do uso dos recursos naturais locais. A dieta protéica
dependia basicamente dos animais de caça (mamíferos, répteis e aves), da pesca (peixes,
camarões e outros crustáceos) e da coleta de moluscos. Nas últimas três décadas uma série
de transformações ocorreram na região, com influências diretas nas relações da população
local com os recursos naturais. Com a proibição da caça, a fonte principal de proteína para
muitas comunidades passou a ser quase exclusivamente baseada em peixes e outros tipos de
recursos pesqueiros.
Os objetivos gerais deste capítulo foram identificar e caracterizar as formas de
utilização dos peixes pela comunidade de Barra do Superagüi. Os objetivos específicos foram:
1) caracterizar as práticas pesqueiras exercidas pela comunidade; 2) analisar as formas de
tratamento e comercialização do pescado; 3) detectar os peixes localmente utilizados como
alimento, o modo como são percebidos e classificados e as restrições alimentares a eles
relacionadas; 4) registrar o uso medicinal dos peixes pelos pescadores com relação às
espécies utilizadas, matérias-primas e doenças localmente tratáveis, testando a "hipótese da
78
universalidade zooterápica" (MARQUES, 1994) e a "hipótese da farmácia" (BEGOSSI, 1989).
2. RESULTADOS E DISCUSSÃO
2.1. A ATIVIDADE PESQUEIRA
No litoral do Paraná a atividade pesqueira foi estudada por DECONTO & SKROCK (1970),
que realizaram o primeiro diagnóstico da atividade na região. A produção pesqueira foi avaliada
por LOYOLA E SILVA & NAKAMURA (1975), que acompanharam os desembarques em várias
localidades e LOYOLA E SILVA ET AL. (1977), que analisaram a produção de cinco municípios
litorâneos e descreveram os aparelhos utilizados nas capturas. Em IAPAR (1979) foi feita uma
avaliação da situação geral da pesca na região, sendo caracterizada como essencialmente
artesanal e de subsistência.
KRAEMER (1982) observou aspectos sócio-econômicos da pesca em duas comunidades
litorâneas. Para a APA de Guaraqueçaba, o primeiro diagnóstico da pesca foi realizado por
SPVS (1992), no plano integrado para conservação da região, distinguindo dois segmentos
produtivos: de pesca estuarina e de pesca costeira-marinha.
ROUGEULLE (1993) procurou traçar as origens da queda da produção pesqueira a partir
do final dos anos 70 e demostrou que a desestruturação da atividade podia ser conseqüência
das transformações do espaço litorâneo.
CUNHA & ROUGEULLE (1989) observaram a presença de pescarias especiais, como a
pesca do "iriko" e da tainha, que constituíam importantes fontes de renda para inúmeros
pescadores da região, sendo estas descritas e analisadas posteriormente por diversos autores
(a pesca da manjuba ou "iriko" por OTTMANN ET AL., 1992; PINHEIRO ET AL., 1994; SPACH ET AL.,
1995a e b e BAZALUK, 1996 e a pesca da tainha, por CORRÊA ET AL., 1993).
FERNANDES-PINTO (1998) caracterizou a pesca artesanal na região da Enseada do
Benito, identificando 28 recursos pesqueiros explorados, descrevendo os apetrechos de pesca
e embarcações utilizadas, as técnicas de pesca, o tratamento e comercialização do pescado.
Verificou que os pescadores não exploram todos os recursos disponíveis numa determinada
época e que a escolha parece estar relacionada principalmente a fatores históricos e à tradição
interna da comunidade. Constatou ainda a especialização das comunidades em determinados
recursos.
79
2.1.1. A PESCA NA BARRA DO SUPERAGÜI
Foram identificados três ambientes principais onde a atividade pesqueira é exercida
pelos moradores da Barra do Superagüi: o mar aberto ("pesca na costa"), o estuário ("pesca na
baía") e a faixa de mar próxima à praia ("pesca de praia"). Diferenciam-se entre estes
ambientes as espécies capturadas, as embarcações, os apetrechos e as técnicas de pesca
utilizadas.
A "pesca na costa" é a principal e que envolve a maior parte dos moradores da
comunidade. É realizada principalmente na faixa costeira ao longo da Praia Deserta, na Ilha do
Superagüi. As embarcações utilizadas são principalmente botes e bateras de tábuas,
impulsionadas por motores de centro de potência média de 20 Hp. Os barcos saem da
comunidade próximo ao horário do nascer do sol e retornam no final do dia. Está voltada
principalmente para a captura de peixes como a sororoca/cavala, os cações e a pescadinha-
membeca; e os camarões branco e sete-barba (FIGURA 4.1).
FIGURA 4.1 - Principais recursos pesqueiros capturados nas pescarias na costa na Barra do Superagüi, Guaraqueçaba.
As embarcações destinadas à captura de camarões possuem estruturas especiais
denominadas "trangones", que sustentam redes de arrasto com portas (FIGURA 4.2).
PESCA NA
COSTA
PEIXES
CAMARÕES
CAVALA/SOROROCA
CAÇÕES
PESCADINHA-MEMBECA
CAMARÃO-SETE-BARBA
CAMARÃO-BRANCO
80
FIGURA 4.2 - Bote equipado com "trangones" para a captura de camarões na Barra do Superagüi, Guaraqueçaba.
Para a captura dos peixes utiliza-se redes de emalhar de nylon. As principais malhas
utilizadas são a de 6 cm entre nós consecutivos, destinada à captura da pescadinha-membeca
e a malha 10 cm, para a captura de cavala no inverno e cações no verão (FIGURA 4.3). A
maioria dos pescadores possui apenas um tipo de rede e dedica-se a apenas um tipo de
pesca. Os que possuem os dois tipos de rede alternam o uso ao longo do ano, dependendo do
recurso que está disponível com maior abundância.
81
FIGURA 4.3 - Pescaria de mar aberto da cavala/sororoca com rede de nylon malha 10 cm na costa próxima à Praia Deserta na Ilha do Superagüi.
Para a pesca estuarina são utilizadas principalmente canoas monoxilas (de "um pau
só"), empulsionadas a remo ou através de motores de centro movidos à óleo diesel com
potência entre 8 e 11Hp. Os principais recursos visados são os camarões branco e preto,
diversas espécies de bagres, a tainha e paratis.
Para a captura de camarões utiliza-se um instrumento chamado de gerivau ou
tarrafinha. Para a pesca de bagres e outros peixes de fundo utiliza-se espinhéis (FIGURA 4.4);
para a captura de paratis utiliza-se tarrafas e para a pesca da tainha, cercos fixos de taquara
(FIGURA 4.5).
82
FIGURA 4.4 - Espinhéu utilizado para captura de bagres e outros peixes de fundo.
83
FIGURA 4.5 - Cerco fixo de taquara utilizado para captura de tainha e outros peixes.
As pescarias de praia ocorrem em épocas específicas do ano e estão relacionadas
principalmente com a captura da pescada-galhetera, da saltera e da tainha. São utilizadas
principalmente redes de nylon (FIGURA 4.6).
FIGURA 4.6 - Pescaria de praia da pescada-galhetera na Ilha do Superagüi.
84
2.2. UTILIZAÇÃO COMERCIAL
2.2.1. FORMAS DE TRATAMENTO E ESCOAMENTO DA PRODUÇÃO
A maior parte do pescado comercializado na Barra do Superagüi é estocado in natura,
conservado em caixas de isopor com gelo (FIGURA 4.7). Apesar da comunidade contar
atualmente com serviço de energia elétrica, o congelamento ainda não é uma prática usual,
sendo realizado apenas em pequena escala nas pousadas locais, visando atender à demanda
interna das mesmas.
FIGURA 4.7 - Peixes in natura conservados no gelo em caixas de isopor na Barra do Superagüi.
O processo de evisceração e descamamento dos peixes é localmente referido como
"consertar o peixe". Este procedimento normalmente não é realizado nos peixes destinados ao
comércio, que são vendidos inteiros, apenas naqueles exemplares que serão utilizados para
consumo. Esta atividade pode ser realizado tanto pelos homens quanto pelas mulheres
(FIGURA 4.8).
85
FIGURA 4.8 - Moradora da Barra do Superagüi "consertando" peixes.
Os camarões podem ser comercializados in natura com casca ("sujo"), totalmente
descascados ("limpo" ou "miolo") ou descascados parcialmente ("rabinho"). A forma de
processamento depende do valor de mercado. No processo de descascamento ocorre uma
grande perda de peso bruto do produto, sendo que, em geral, um quilo de camarão "sujo"
rende meio quilo de camarão "limpo".
"Camarão agora tá vendendo ele com casca porque o preço tá bom,
não vale a pena descascar. Eu perco muito com o miolo, dá dois por um. O miolo tão pagando até R$5,00 e o sujo paga R$2,30, R$2,20. Tá dando poco ele sobe o preço."
Na Barra do Superagüi, o processo de descascamento dos camarões é realizado por
um grupo de mulheres da comunidade chamadas de "descascadeiras". A atividade é feita
sobre mesas próximas aos ranchos dos comerciantes e as mulheres recebem R$0,80 por kg
de camarão "limpo" (valor no período estudado) (FIGURA 4.9).
86
FIGURA 4.9 - "Descascadeiras" na Barra do Superagüi.
As barbatanas de cação apenas recentemente começaram a ser aproveitadas no
Superagüi, a partir da iniciativa de comerciantes de outras regiões. Este processo foi detectado
em um estudo do MATER NATURA (1998), quando era praticado por poucos moradores. As
barbatanas eram secas ao sol e toda a produção era escoada por comerciantes de Cananéia,
não sendo utilizadas para consumo local.
A maioria dos pescadores entrevistados vende o resultado de suas pescarias aos
comerciantes locais. Durante o período estudado foram identificados quatro comerciantes de
pescado na Barra do Superagüi, sendo que, segundo informações dos moradores, este número
já foi maior (chegando a treze). Em geral, existem laços de confiança e fidelidade baseados
nas relações pessoais entre os pescadores e os comerciantes, de modo que os pescadores
entregam seu produto sempre para a mesma pessoa.
Estes comerciantes são os responsáveis pelo escoamento da produção pesqueira da
comunidade, pela estocagem do produto e pelo seu transporte até os centros de
comercialização. Em geral, garantem a compra de quase todos os tipos de recursos pesqueiros
87
capturados, em qualquer quantidade e com pagamento à vista ou a curto prazo. Apesar da
maioria dos pescadores dependerem dos comerciantes, alguns estocam sua produção e
comercializam diretamente.
Os intermediários mantém o pescado estocado por dois ou três dias, até atingir uma
quantidade considerável que justifique o escoamento.
O principal centro de receptor da produção pesqueira da Barra do Superagüi é o
Mercado Municipal de Paranaguá, somando-se a este as peixarias deste município.
Os comerciantes, em geral, possuem voadeiras com motor de popa de 40Hp e a
viagem Superagüi-Paranaguá demora cerca de uma hora. Os peixes são transportados nas
caixas de isopor, que retornam com gelo para o próximo período.
Comerciantes de outras regiões, principalmente dos mercados locais de Cananéia e
Iguape buscam determinados produtos na comunidade, como o caso dos camarões secos e
das barbatanas de cação.
Alguns pescadores vendem, ainda, parte de sua produção para as pousadas e
restaurantes locais.
2.2.2. RECURSOS COMERCIALIZADOS E VALOR DE MERCADO
A maioria dos recursos pesqueiros capturados na Barra do Superagüi são citados como
tendo utilização tanto para alimentação quanto para comércio. Alguns peixes são citados como
não apresentando valor de mercado, sendo relacionados apenas para alimentação. Mas,
quando capturados em grandes quantidades, estes recursos podem também ser
comercializados a preços irrisórios. Outros peixes possuem um alto valor de mercado e
praticamente não são relacionados com o uso na alimentação local.
Estas informações são concordantes com o observado por CORRÊA et al. (1997), que
apontaram que os pescadores da APA de Guaraqueçaba, em geral, separam os peixes
maiores e as espécies mais valiosas para o comércio e consomem aquelas que não têm valor
de mercado ou estão abaixo do tamanho desejado.
O modo como os peixes foram percebidos e selecionados como alimento reflete em seu
valor de mercado. Pescadores do Superagüi categorizam os recursos com base na procura
pelo mercado em: peixes que "tem pouco comércio"; os que "tem comércio" ou "é vendável" e
os que são "muito vendável".
88
Os pescadores classificam os recursos também com base no preço alcançado,
envolvendo as seguintes categorias: "peixe de classe", "peixe de valor" ou "caro" (cujos valores
de comercialização variavam de R$3,50 a R$7,00); "peixe que não tem valor", "peixe de classe
baixa" ou "barato" (valores entre R$0,20 e R$0,80); aqueles de valores intermediários (entre
R$0,80 e R$3,00)16 e aqueles que não são comercializados porque "não tem preço" ou "não se
vende" (podendo ser eventualmente consumidos) (TABELA 4.1).
"Raia é um pexe que tem poco comércio. Eu gosto de raia, mas o comércio é poco, é muito barato."
"Pegando de bastante tudo se vende, até pexe miúdo, cangulo, camiseta. Tubarana não se vende, não tem preço, mas se come."
TABELA 4.1 - Valoração do pescado segundo categorias êmicas dos pescadores do Superagüi.
CATEGORIA EXEMPLOS
COM BASE NA PROCURA
TEM POUCO COMÉRCIO raia
TEM COMÉRCIO, VENDE, É VENDÁVEL maria-redonda
MUITO VENDÁVEL sardinha-parati, manjuba-branca
COM BASE NO PREÇO
PEIXE DE CLASSE, DE VALOR, CARO tainha, camarão-rosa, pescada-galhetera, robalão, linguado, robalo, pescada
PREÇO MÉDIO betara
PEIXE DE CLASSE BAIXA, NÃO TEM VALOR, BARATO
camiseta, cangulo, parati-pema, raia, caratinga, curvina, sargo, paru, cambevuçu, manjuba-quatro
NÃO SE VENDE, NÃO TEM PREÇO tubarana, bagre-vermelho
Os recursos pesqueiros citados pelos pescadores como de maior importância comercial
foram tainha, cavala/sororoca, pescadinha-membeca, pescada-galhetera, robalo e camarões
sete-barba e branco.
Comparando-se o preço pago ao pescador e o preço pago aos comerciantes constatou-
se que os intermediários ganhavam cerca de R$0,20 a R$0,50 por kg de peixe e/ou camarão e
que os negociantes de Paranaguá ganhavam entre R$1,00 e R$7,00 (TABELA 4.2).
16 Valores médios para o período estudado.
89
TABELA 4.2 - Valor de comercialização dos principais recursos pesqueiros citados por pescadores da Barra do Superagüi (valores em R$ por kg, entre março/1999 e março/2000).
RECURSO PREÇO PAGO AO
PESCADOR PREÇO PAGO AO
COMERCIANTE DA VILA
PREÇO PAGO PELO
CONSUMIDOR NO MERCADO
DE PARANAGUÁ
TAINHA SEM OVA 1,20 1,80 2,50 a 3,50 COM OVA 2,50 3,00 4,00 a 5,00 SECA 2,00 2,50 5,00
SOROROCA/CAVALA 1,20 1,70 3,00
PESCADINHA-MEMBECA GRAÚDA 1,50 2,00 3,00 MIÚDA 1,00 1,50 2,50
PESCADA-GALHETERA 3,00 3,50 5,00 a 6,00
CAMARÃO-SETE-BARBA "SUJO" 0,60 1,00 a 1,20 3,00 a 5,00 "LIMPO" OU "MIOLO" 0,60 (+0,80-descascar) 3,30 6,00 a 7,00
CAMARÃO-BRANCO (...) 5,00 12,00
BETARA 0,40 0,70 1,50 a 2,00
ROBALO 1,50 2,00 6,00
O preço dos recursos variou de acordo com a sua disponibilidade e abundância ao
longo do ano. Desta forma, nas épocas de "safra" (período de maior abundância do recurso) o
preço do produto tendeu a diminuir e nas "entre-safras" (período de ocorrência do recursos,
mas com menor abundância), a aumentar. O valor de mercado variou também em função do
tamanho do exemplar capturado.
"O pexe não dá de dizê o preço, porque se tem bastante o preço diminui, se tem poco ele sobe. "
"Cavala agora que não tem tão pagando bem. Porque quando tem bastante diminui o preço."
"O preço da cavala tá bom agora, dá pra pagá R$1,50 pro pescador.
Mas se ela dé muito já baixa pra R$1,20, R$1,00. Ela tá dando um pexe muito grosso e muito grosso não tem preço. Pode subi até R$2,00 e daí não sobe mais."
"A pescadinha tavam pagando R$1,50, mas agora tá pagando R$1,30 porque o pexe tá miúdo."
Outros fatores que alteraram o valor de mercado dos peixes estavam relacionados com
características de qualidade da água e riscos de contaminação. Neste sentido, a deficiência de
saneamento básico na região pode trazer sérias implicações na qualidade do pescado e,
conseqüentemente, na comercialização.
Por exemplo, no ano de 1998 ocorreu um surto de cólera na região litorânea do Paraná
90
e o comércio de pescado praticamente estagnou. A pequena quantidade de pescado aceito
recebeu valores muito baixos. Por exemplo, o camarão-pistola, um dos recursos mais caros e
que alcança até R$20,00, foi comercializado a R$7,00 nesse período.
No Superagüi, a sororoca é comercializada com o nome de "cavala", apesar dos
pescadores reconhecerem que cavala representa um outro peixe, ocasionalmente capturado
na região. Eles afirmam que com o nome de "cavala" o valor de mercado é maior do que para o
produto chamado de "sororoca".
"Sororoca é vendido com nome de cavala porque essa aí é rala e daí a sororoca pega valor."
A ova da tainha foi considerada um recurso importante e que altera significativamente o
valor do peixe. As fêmeas reprodutivas valem cerca de R$1,30 a mais do que os peixes sem
ova (machos e fêmeas não reprodutivas). Para saber se o peixe está "ovado", os pescadores
"apertam a barriga dele pra vê se sai pelo buraquinho". As ovas também podem ser retiradas e
comercializadas separadamente, in natura ou secas ao sol, alcançando um alto valor de
mercado. As tainhas salgadas e secas ao sol também alcançam um valor mais elevado que o
peixe in natura.
"Ova da tainha usa pra comê, é mais cara. Ova que tem mais valor é da tainha e é a mais preferida."
Algumas espécies de menor tamanho e pouco valor comercial, capturadas como fauna
acompanhante nos arrastos de camarão são comercializadas genericamente como "mistura".
A qualidade da carne também influenciou no valor de mercado. Por exemplo, a
sardinha-parati, considerada a melhor sardinha alcança um preço mais elevado que os outros
tipos de sardinha; o cação-mangona, considerado o melhor tipo de cação também alcança
maior valor que os demais.
"Sardinha-parati é a mais vendável, as otra sardinha não são. É a
melhor que tem, mais caro."
91
2.3. UTILIZAÇÃO ALIMENTAR
2.3.1. IMPORTÂNCIA NA ALIMENTAÇÃO
A diferenciação sócio-econômica recente na comunidade de Barra do Superagüi, tornou
complicada uma avaliação da importância do pescado na alimentação da população como um
todo. Para os moradores de maior poder aquisitivo (donos de pousadas, bares, restaurantes e
comerciantes), os recursos pesqueiros locais já não são mais essenciais na alimentação, pois
os mesmos têm acesso aos mercados de centros comerciais próximos e condições de comprar
outros produtos.
Apesar disto, estes grupos ainda utilizam amplamente peixes, camarões, crustáceos e
moluscos capturados na região, notadamente os de maior valor comercial e maior apreciação.
Nas pousadas e restaurantes locais são servidos aos turistas pratos que utilizam
principalmente os camarões branco e sete-barba e filés de pescadinha-membeca e cação.
No total das entrevistas foram relacionados cerca de 110 peixes e outros recursos
pesqueiros como de uso alimentar. Segundo depoimentos dos moradores, os peixes
representam a principal fonte de proteína animal ingerida.
A refeição usual é constituída de peixe frito ou cozido, farinha de mandioca, arroz e
feijão ou macarrão. O consumo de peixe pode ser eventualmente intercalado com carne de boi
ou de frango. A dieta também pode eventualmente ser complementada pela caça de mamíferos
(principalmente tatus, pacas e capivaras), aves (como macuco e jacu) e répteis (principalmente
lagarto), mas esta atividade atualmente é secundária.
CORRÊA et al. (1997) analisaram a importância dos peixes na alimentação dos
moradores de comunidades estuarinas da região de Guaraqueçaba, verificando que os peixes
eram o alimento principal para a maioria das famílias.
2.3.2. PREFERÊNCIAS ALIMENTARES
Na Barra do Superagüi os moradores entrevistados classificaram os peixes segundo o
nível de preferência em seis categorias: "peixe que não se come", "peixe que se come, mas é
ruim", "peixe que se aproveita", "peixe que se come", "peixe bom" e "peixe muito bom, preferido
ou apreciado" (TABELA 4.3).
92
TABELA 4.3 - Categorias êmicas estabelecidas por moradores da Barra do Superagüi segundo o nível de preferência de consumo de peixes.
CATEGORIA EXEMPLOS
PEIXE QUE NÃO SE COME baiacu-de-espinho, baleia, boto, jamanta-grande, mata-mão, piramangava, morera
PEIXE QUE SE COME, MAS É RUIM cambevaçu, parati-pema, tubarana
PEIXE QUE SE APROVEITA betara, camiseta, espada, linguado-redondo, língua-de-vaca
PEIXE QUE SE COME agulha, baiacu-pequeno, baiacu-guará, timucu, raia, língua-de-vaca, caratinga, curvina, sargo, paru, maria-redonda, cação-viola
PEIXE BOM caratinga-branca, escrivão, tainha, robalinho, robalo-branco, pescadinha-membeca, parati-guaçu, parati-poá, baiacu-guará, cambevinha, sargo, bagre-jundiá, sabelha, sarteador, raia-gereva
PEIXE MUITO BOM, PREFERIDO, APRECIADO
badejo, bagre-bacia, bagre-sari-sari, betara-preta, sabelha, pescadinha-branca, raia, cação, cação-grafia, cação-gordinho, curvina-de-fora, tainha, robalo, pescadinha-membeca, pampano, caratinga-itê, mangona, raia-gereva, sardinha-parati, linguado
A categoria denominada "peixes que não se come" representa aqueles que não são
utilizados para alimentação, enquanto os "peixe que se come, mas é ruim" representam
recursos que só são consumidos em casos extremos.
"Baiacu-de-espinho não presta pra comê, não usa, não dá nem pra pegá nele, ninguém come."
"Boto é pexe que não dá pra comê, é só um azeite aquilo. Pra nóis não presta pra nada."
"Tubarana é ruim de comê, ô pexe desgraçado pra tê espinho, é só osso aquilo."
A categoria denominada "peixe que se aproveita" é representada por recursos que
somente são utilizados para consumo na falta de outros mais preferenciais, sendo relatados
como "peixes que o povo come quando não tem coisa melhor". Os "peixes que se come" são
aqueles comumente utilizados na alimentação familiar.
“Língua-de-vaca a gente come ele, o pessoal lida ele e frita. É bom, gostosinho. Argum não come porque tem otros pexe.”
“Caratinga, camiseta, cangulo, curvina, esses são pexe de crasse
baixa, são pexe que o povo prefere coisa melhor, já não dão muito valor pra essas qualidade de pexe.”
A categoria denominada "peixes bons" é representada pelos recursos consumidos com
alguma preferência, enquanto os "peixes muito bons", "apreciados" ou "preferidos" são aqueles
considerados de melhor sabor e qualidade da carne.
93
"Linguado é pexe prefirido, pexe de crasse, é um dos melhor pexe que tem."
"Mangona é o melhor cação, é o cação mais apreciado, junto com o cação-gordinho."
2.3.3. QUALIDADE DA CARNE
De acordo com os moradores entrevistados, a qualidade das carnes dos recursos
pesqueiros pode variar segundo vários critérios como coloração, consistência, quantidade de
gordura, cheiro, aparência, gosto ou sabor, digestibilidade e presença ou ausência de espinhos
(TABELA 4.4).
TABELA 4.4 - Critérios considerados para a categorização dos recursos pesqueiros segundo a qualidade da carne por moradores da Barra do Superagüi.
CRITÉRIOS EXEMPLOS
COLORAÇÃO
CARNE PRETA/ ESCURA cambevaçu, jamanta-grande, tinturera-preta, raia-pintada,
CARNE BRANCA/ PARDA tinturera-branca, sardinha-boca-rasgada, mangona, cação-grafia, cação-gordinho, raia-ticonha, caratinga-itê, maria-redonda
CARNE VERMELHA/ ARROXEADA jamanta, parati-chorão, raia-chita
CONSISTÊNCIA DA CARNE
MOLE sardinha-garguelo, sardinha-xingó, raia-gereva
DURA cação-filhento, sardinha-dura, bagre-ferra, goete
QUANTIDADE DE GORDURA
PEIXE MAGRO/ SECO parati-pema
PEIXE GORDO bagrinho-vermelho, sabelha, sardinha-garguelo, sardinha-parati, oveva, parati-poá, cação-gordinho, raia-gereva
CHEIRO
CHEIRO DE MELANCIA maria-redonda
CHEIRO MUITO FORTE parati-pema
MAU CHEIRO boto
CHEIRO DE MARESIA betara-branca
APARÊNCIA
CARNE MUITO FEIA jamanta
SABOR/ GOSTO
CARNE MEIO DOCE bagre-bugre
CARNE FORTE/ PEXE FORTE baleia, parati-pema, raia, cação
CARNE PARECIDO COM CARNE DE
BÚFALO jamanta
CARNE PARECIDO COM CARNE DE BOI tartaruga-grande
DIGESTIBILIDADE
CARNE PESADA raia
PRESENÇA OU AUSÊNCIA DE ESPINHOS
NÃO TEM ESPINHO/ OSSINHO manjuba-preguinho
TEM MUITO ESPINHO/ OSSINHO tubarana, sabelha, sardinha-boca-rasgada, sardinha-de-gato, sardinha-garguelo, oveva
94
Em geral os peixes considerados de "carne branca" foram preferidos frente aos de
"carne escura" e os de "carne mole", frente aos de "carne dura".
“Cambevuçu é uma carne meio escuro, carne preta, não é boa, não é lá essas coisa. Não tem valor, só o que tem valor é a galha dele.”
“Raia-gereva é raia boa, carne boa, gorda pra caramba. É a melhor raia pra comer, carne gorda que é uma beleza, carne mole, não arranha a boca, é a raia mais cobiçada.”
“O camarão-vermelhinho é um cascudinho, o miolo é bem vermelho. Tem uma época que quem compra camarão tem que tirá, senão estraga o dos otro. Ele é mais duro, o gosto dele perde, camarão ruim.”
Com relação à quantidade de gordura, em geral os peixes foram mais apreciados
quando considerados "gordos", mas aqueles cuja carne era tida como "toucinho" ou "azeite"
(exemplo dos botos e baleias, consideradas "peixe" no sistema de classificação dos
pescadores mais antigos) em geral não foram citados como utilizados para consumo.
"Baleia e boto a carne é quase um toucinho, um azeite, não se come."
A quantidade de gordura na carne pode variar ao longo do ano, dependendo do estágio
do ciclo de vida da espécie, principalmente com relação ao período pós-reprodutivo ou pós-
migratório, quando a taxa de gordura tende a estar mais baixa (o peixe fica "magro").
“Bagre a época dele chocá é agora, de outubro pra novembro. Na época da criação ele fica magro e daí não presta, não se pesca ele. “
A presença e a quantidade de espinhas (ou "ossinhos") foram um importante aspecto
considerado na determinação das preferências alimentares com relação aos peixes, que são
classificados como "sem espinha", "com pouca espinha", "com muito espinha" e aqueles que
"são só espinha". Alguns peixes, como a tubarana, são completamente evitados pelo excesso
de espinhas. Em geral "peixes sem espinha" são indicados para o consumo por crianças.
BEGOSSI & RICHERSON (1992) encontraram que peixes com espinhas eram
considerados alimentos de menor status na Ilha de Búzios/RJ e que os peixes de alto valor
comercial freqüentemente apresentavam poucas espinhas. Para moradores das margens do
Rio Piracicaba/SP, as preferências alimentares com relação a peixes foram explicadas com
base em critérios como cheiro, gosto, morfologia, menor quantidade de espinhas e maior
quantidade de gordura (MADI & BEGOSSI, 1997).
95
Algumas carnes foram citadas como utilizadas na medicina popular para o tratamento e
prevenção de enfermidades ("é remédio"), como por exemplo as do caranguejo-guaçu e da
betara-branca.
2.3.4. FORMAS DE PREPARO
A "defumação" dos peixes ainda é praticada na Barra do Superagüi, principalmente
para estocagem do produto para consumo familiar. Neste processo, os exemplares são limpos,
salgados e pendurados em um "varal" sob o qual se faz uma pequena fogueira de fogo brando,
permanecendo por um período de cerca de um dia. Os peixes mais citados com relação à esta
prática foram as paratis e os bagres de tamanho pequeno (principalmente o bagrinho-
vermelho).
Uma variação deste sistema consiste em secar os peixes ao sol (FIGURA 4.10). O
camarão-sete-barba também pode ser processado desta maneira para consumo familiar e as
tainhas, para consumo e comercialização (FIGURA 4.11).
FIGURA 4.10 - Pedaços de raia secando ao sol na comunidade da Barra do Superagüi, Guaraqueçaba.
96
FIGURA 4.11 - Morador da Barra do Superagüi consumindo camarões secos.
Algumas espécies são cortadas na forma de filés para posterior fritura (como a
pescadinha-membeca, a merluza, as raias e cações) ou são cortadas na forma de postas para
o preparo de "calderadas" e ensopados (exemplo da cavala e bagre-guiri). Os peixes secos
também são preparados preferencialmente na forma de ensopados, acompanhados de "pirão
do mesmo".
"A raia pra prepará tira a asa, abre do lado e tira só o filé, bem limpo."
Exemplares de pequeno tamanho (como os linguados pequenos e o bagrinho-
vermelho) são fritos inteiros, apenas descamados e eviscerados. É costume fazer "lanhos",
pequenos cortes transversais na lateral dos peixes, para facilitar a fritura.
97
Outra forma comum de preparo de alguns peixes são assados na brasa, especialmente
tainha e saltera (FIGURA 4.12).
FIGURA 4.12 - Tainhas assando na brasa na comunidade da Barra do Superagüi.
Dentre as receitas regionais, destaca-se o "peixe seco com banana verdolenga"
(ensopado preparado preferencialmente com paratis secos e molho com banana caturra,
tomate e cebola) e o "peixe puta-que-pariu" (tainha temperada e enrolada na folha de
bananeira, enterrada na areia com uma fogueira por cima para assar).
Algumas espécies podem fornecer outros produtos além da carne, utilizados na
alimentação e/ou para comércio. Por exemplo, de algumas espécies, as ovas são retiradas
para consumo e/ou comercialização (além da tainha, também da saltera, da parati-pema, da
pescada-amarela, dos bagres e da pescadinha); as "barbatanas" ou "galhas" dos cações são
retiradas para comercialização e a banha do cação-gordinho e de alguns peixes, como garoupa
e tainha, podem ser retiradas e estocadas em frascos e utilizadas para fritar peixes.
2.3.5. TABUS E RESTRIÇÕES ALIMENTARES
Tabus alimentares são regras sociais que controlam o comportamento humano
(COLDING & FOLK, 1997). Restrições de consumo relacionadas a peixes são comumente
encontradas entre comunidades de pescadores e envolvem questões importantes para o
98
manejo da pesca e para o entendimento das relações entre a população e ictiofauna local.
COLDING (1995) classificou os tabus alimentares em seis categorias:
1) tabus de restrição temporária (restrições em determinados dias ou estações);
2) tabus sobre estágios específicos do ciclo de vida das espécies;
3) tabus espécie-específicos (restrições sobre espécies particulares);
4) tabus protetores de habitats (sobre áreas ou volume de captura);
5) tabus sobre métodos específicos de coleta e/ou caça e
6) tabus segmentários (restrições para determinadas pessoas em condições especiais).
Na comunidade da Barra do Superagüi, 26 recursos pesqueiros foram relacionados a
tabus alimentares. Destes, 24 recursos foram relacionados a tabus segmentários e dez a tabus
espécie-específicos, segundo a classificação de COLDING acima citada (TABELA 4.5).
As restrições do primeiro tipo foram relacionadas principalmente aos períodos
localmente denominados de "resguardos". Os tabus espécie-específicos envolveram tabus
totais e parciais e as razões citadas para restrição de consumo foram muito variadas,
envolvendo aspectos morfológicos, toxicológicos, odoríferos e alimentares das espécies.
TABELA 4.5 - Tipos de tabus alimentares e peixes e outros recursos pesqueiros relacionados por moradores da Barra do Superagüi.
TIPO DE TABU EXEMPLOS
TABUS ESPÉCIE-ESPECÍFICOS
CARACTERÍSTICAS MORFOLÓGICAS morera
CARACTERÍSTICAS TOXICOLÓGICAS baiacu
CARACTERÍSTICAS ODORÍFERAS parati-pema, boto, betara-branca
CARACTERÍSTICAS COMPORTAMENTAIS peixe-elétrico/mata-mão/mata-braço
CARACTERÍSTICAS ALIMENTARES raia-gereva, jamanta, raia
CARACTERÍSTICAS DE DIGESTIBILIDADE boto, baleia, jamanta, raia, parati-pema, bagre-guiri, camarão-sete-barba, cação
TABUS SEGMENTÁRIOS
RESGUARDO DE DOENÇA bagre-pararê, parati-pema, raia, cação
RESGUARDO DE GRAVIDEZ caranguejo, raia
RESGUARDO DE FAMÍLIA
camarão-sete-barba, cação, cangulo, calafate, caratinga-vivóca, corvina, escrivão-grande, escrivão-sebudo, robalinho-bicudo, raia, bagre-pararê, bagre-guiri, parati-pema, acará, amêja, pescada, pescada-grande, pescadinha-vermelha, parati-poá, mangona, camiseta, paru, ostra
RESGUARDO DE REMÉDIO parati-pema, raia, cação
RESGUARDO DE INFLAMAÇÃO parati-pema, bagre-pararê, camarão-sete-barba, raia, calafate, cação
Sobre as "moreras", devido à sua característica ofidiomorfa, incide um tabu total para
consumo. Outros exemplos de restrições de consumo de peixes ofidiomorfos foram observados
99
por MADI (1999) para o sarapó e por COSTA-NETO (1998) para o muçum.
“Morera não se come, Deus o livre, aquilo é cobra.”
Os baiacus foram considerados, de forma geral, como "peixes venenosos" e "peixes
perigosos". Os pescadores afirmam que o veneno concentra-se no "figo" (fígado) e no "féu"
(que corresponde à vesícula biliar). Estas informações coincidem com a análise da toxicidade
das espécies de baiacu da Baía de Paranaguá, realizada por CORRÊA ET AL. (1988).
Os pescadores utilizam uma técnica especial para o tratamento destes peixes,
chamada de "descascar o baiacu", que é realizada por especialistas e que evita que o veneno
se espalhe pela carne. Segundo os pescadores, quando tratados desta forma os baiacus
podem ser consumidos sem riscos.
Alguns pescadores relacionaram ainda a toxicidade do baiacu com o período lunar,
afirmando que não devem ser consumidos na lua crescente, quando o "féu está derramado" e
o veneno encontra-se espalhado na carne, que apresenta uma coloração levemente
esverdeada. O efeito da ingestão da carne do baiacu nestas condições acarretaria a morte do
indivíduo, não sendo reconhecido pela população nenhum mecanismo ou remédio para evitá-
la. Contudo, não foram relatados casos fatais por consumo de baiacu e não existe registro
deste tipo de acidente para o litoral do Paraná.
“Baiacu é venenoso o féu dele. Pra lidá ele tem que sabê lidá pra não cortá o féu. Se ofendê o fé derrama na carne e contamina tudo. Furô o féu tá acabado, ele mata qualqué coisa.”
"Baiacu-guará na crescente não presta porque o féu tá derramado. A carne dele fica verdeada, não pode comê."
Na Barra do Superagüi a utilização alimentar de baiacus foi bastante restrita. Estes
peixes não são pescados intencionalmente nem comercializados na comunidade. Os
pescadores relataram que tem "medo" ou "cisma" de consumi-los, enquanto outros
consideram-nos como "peixes nojentos" ou "peixes feios".
"Baiacu ninguém come ele porque ele é muito feio."
"Eu não como baiacu, é um bichinho nojento. Não se comia porque tinha cisma, um dizia uma coisa, dizia que tinha veneno. Nóis quando matava deixava na praia, porque não tinha valor. É nojento ele, ninguém usava, quando saiu a notícia de que baiacu se comia ninguém acreditô."
100
"Baiacu não é comigo, eu não como, tenho muito medo. A maioria aqui não come, ma tem uns que come, tem uns que diz que se ele mesmo limpá ele come... "
No entanto, conforme os próprios moradores de Superagüi reconheceram, em outras
comunidades de Guaraqueçaba os baiacus são utilizados na alimentação e para comércio,
além de considerados carne de boa qualidade ou "gostosos".
"Baiacu não é todo mundo que come, eu não como. Uma vez eu comi, gostoso pra danado, mas é muito perigoso. Tem muito lugar por aí que come, mas aqui na ilha é poca gente."
"Baiacu até se vende, é carne boa. Não fura o fé sai uma carne limpa, aí não tem problema. Aqui quase ninguém usa, mas tem lugar que eles descasca pra vendê."
Na Vila do Tromomô, por exemplo, os baiacus representaram um dos principais
recursos pesqueiros explorados pela comunidade, de grande importância comercial e
preferência alimentar, sendo capturados com um aparelho de pesca especial ("puçá"),
destinado exclusivamente à pesca destes peixes (FERNANDES-PINTO & CORRÊA, 1998).
Em outras regiões do Brasil também foram relacionados tabus alimentares envolvendo
baiacus, como observado por COSTA-NETO (1998) no litoral norte da Bahia.
As propriedades tóxicas do baiacu devem-se à tetrodontoxina (TTX), um componente
bioativo e, mais raramente, à saxitoxina, uma neurotoxina bloqueadora de canais Na+
dependentes de voltagem de nervos e músculos (OLIVEIRA & FREITAS, 1996).
A comercialização das espécies da Família Tetraodontidae foi proibida no litoral do
Paraná, mas as mesmas continuam a ser vendidas sob a denominação de "cascudinhos".
Na Barra do Superagüi, tabus parciais podem estar também relacionados com características
odoríferas indesejáveis dos peixes, como "mau cheiro" ou "cheiro de maresia".
“Da betara-branca não pode comer, tem muita caliça, tipo uma maresia, quando tá na panela se sente o cheiro de maresia.”
"Parati-pema tem um cheiro muito forte. Ele é um peixe muito forte porque a vida que ele tem, por cima das água, ele come tudo. Pra muitas pessoa faz mal."
Algumas espécies são evitadas por características de seus hábitos alimentares. Desta
forma, as raias em geral e a raia-gereva em particular foram consideradas "perigosas" de
comer ou peixes que "tem que comer com cuidado", devido à característica que lhes é atribuída
101
de alimentar-se de bagres.
"Tudo as raia são bom de comê, raia é muito bom. Só que ela é muito perigosa porque ela mata bagre embaixo da asa e quebra a espora na carne dela, no corpo dela, então é muito perigoso comê."
“A gereva tem pirigo comê. Ela come bagre e quando ela quebra a espora no bucho, a espora corre na carne. O lado de baixo é pirigoso, precisa cortá ela pra vê se não tem espora. A espora anda na carne."
Tabus totais foram observados com relação às baleias e botos, relacionados com a
indigestibilidade das carnes, causada pelo excesso de gordura.
“Baleia não presta pra comê, acho que é muito forte. A carne dela é quase um toucinho, o lombo dela, é branco.”
“Boto é pexe que não dá pra comê, pra nóis não presta pra nada. Às veiz cai na rede da gente aí é por engano, não que a gente tente matá. Uma vez pegaram um lá em casa eu fui exprimentá, é a mema coisa que tá comendo pexe cru, aquele mau cheiro todo.”
Outros recursos, cujas carnes foram consideradas "fortes", são restringidos
parcialmente, como é o caso das raias e cações, do camarão-sete-barba, da jamanta, do
parati-pema e do bagre-guiri. Estas espécies foram categorizadas como "peixe forte" ou "peixe
que faz mal".
“Jamanta a carne dá de comê. Mas é uma carne muito escura, sanguenta, muito feia demais, parece carne de búfalo, muito forte.”
Sobre o "mata-mão" ou "peixe-elétrico" incide um tabu total de consumo por ser um
peixe que se tem "suspeita de comer" (FIGURA 4.13).
"Peixe-elétrico não come ele. Ninguém come ele porque o povo tem uma suspeita dele por causa da eletricidade dele."
102
FIGURA 4.13 - "Mata-mão", exemplo de tabu total para consumo no Superagüi.
2.3.6. A QUESTÃO DOS "RESGUARDOS"
Tabus segmentários são muito comuns no Brasil e foram relacionados por diversos
autores (BEGOSSI & BRAGA, 1992; MADI & BEGOSSI, 1997; COSTA-NETO, 1998). Referem-se a
proibições de consumo de certos alimentos para determinadas pessoas em condições
especiais, como por exemplo, mulheres menstruadas, grávidas ou no pós-parto, pessoas
doentes, etc. Os alimentos envolvidos nesta categoria são denominados popularmente de
"reimosos" ou "carregados".
Na barra do Superagüi, o termo "resguardo" foi utilizado como referência para uma
gama de situações diferenciadas, podendo ser entendido como um tipo de regra relacionada a
um tabu segmentário. As principais categorias êmicas de resguardo relacionadas foram:
"resguardo de gravidez", "resguardo de família", "resguardo de desmame", "resguardo de
doença", "resguardo de inflamação", "resguardo de remédio" e "resguardo de cobra" ou "de
bicho".
Cada categoria apresentou regras específicas envolvendo restrições alimentares e
comportamentais, que devem ser respeitadas por um determinado período de tempo. O
período de restrições alimentares foi chamado de "dieta". Durante a "dieta", uma regra geral
consiste em não ingerir alimentos considerados "fortes" nem comida "requentada".
Foram observadas várias regras regulamentando a utilização de recursos pesqueiros
na alimentação durante os períodos de "resguardo" na Barra do Superagüi. Dos 24 recursos
pesqueiros relacionados nesta categoria, o mais citado foi o parati-pema (80% dos
entrevistados), seguido pelos cações e raias (60%) e pelo camarão-sete-barba (40%). O bagre-
103
pararê, o bagre-guiri, a amêja e o acará foram relacionados por 20% dos entrevistados; a
curvina, o calafate, o parati-poá e a pescadinha-vermelha, por 13%; os demais foram citados
por 7% dos entrevistados.
"Pra essas coisa de resguardo, resguardo de família, resguardo de
remédio e resguardo de inflamação, o que não presta é parati-pema."
O "resguardo de gravidez" refere-se a todo o período de gestação das mulheres. Está
relacionado principalmente a restrições comportamentais, como não se assustar, não fazer
força, não passar por cima de corda. Restrições de recursos pesqueiros para mulheres durante
a gravidez foram verificadas apenas com relação ao consumo de caranguejos e raias.
"Quando tá de barriga a mulhé não pode passá por cima de cabo que a criança fica com o imbigo enrolado no pescoço."
"Susto não é bom levá, se levá susto logo no começo da gravidez muitas mulhé até perde o nenê. Levantá peso pra quem tem o útero fraco também não é bom."
“Não pode comê caranguejo quando tá grávida que as criança sai muito cabeluda.”
"Raia não presta pra mulher grávida porque sai muita ferida nas criança quando nasce."
O "resguardo de família" compreende o período pós-parto, categoria exclusivamente
feminina, com duração de um mês e meio. Antigamente os partos eram realizados na própria
comunidade, por parteiras. Em tempos mais recentes as mulheres passaram a recorrer ao
hospital de Guaraqueçaba ou Paranaguá e os partos nas comunidades eram realizados
apenas em situações de emergência. À parteira da vila da Barra do Superagüi foram atribuídos
cerca de 320 partos. A função de parteira representava uma importante categoria social nas
comunidades, passada de mãe para filha.
Após o parto era comum a ingestão de chás quentes chamados de "queimadas" com a
função de "limpar por dentro". Também utilizava-se banhos de sal torrado, principalmente na
região da barriga e membros inferiores, para evitar inchaços. Banho com as folhas do algodão
também eram utilizados, com a mesma finalidade. A semana posterior ao parto envolvia uma
série de cuidados. Em geral, a mãe e a criança permaneciam durante sete dias dentro do um
quarto, onde todas as frestas eram vedadas para impedir a entrada de qualquer vento. Muito
cuidado deveria ser tomado com o sol forte e com friagem excessiva.
104
Segundo os moradores, vários peixes e outros recursos pesqueiros devem ser evitados
durante o período da dieta pós-parto, como cações, raias, cangulo, camiseta, pescadinha-
vermelha, corvina, amêja, ostra, entre outros.
"Ameia, pescada-grande, não pode comê por um ano depois do parto, dá recaída."
“Camiseta é um veneno pra mulhé que teve nenê.”
O "resguardo de desmame" foi relacionado ao período de supressão da amamentação
das crianças. Segundo os costumes locais, a criança deve mamar no peito da mãe até
aproximadamente os três anos de idade. Geralmente o desmame se dá entre o segundo e
terceiro ano. Durante o período de uma semana a criança deve ser alimentada com tipos
variados de comida, sempre em pequena quantidade, enquanto o leite materno deve ser
totalmente suprimido da alimentação. Os alimentos não ministrados neste período não devem
ser utilizados durante o "resguardo de desmame", normalmente com um mês e meio de
duração. Caso ministrados, podem acarretar problemas futuros para as crianças, chamados de
"alergias".
O "resguardo de doença" refere-se ao período do decurso de algumas doenças
específicas (sarampo e mal de sete dias, entre outras) ou ao período após a realização de
cirurgias. O "resguardo de remédio" foi relacionado ao período de uso de determinadas
medicações ou de realização de tratamentos médicos.
“Parati não pode comê no resguardo, o pema. Não pode comê porque esse é quase um pexe que não se pode comê mesmo, faz mal pra quase tudo que é doença. Pra ferida, desinteria, vômito."
“Cação, raia não é bom pra resguardo, faz mal, qualqué qualidade, pra resguardo de remédio ou outro resguardo qualqué.”
O "resguardo de inflamação" foi relacionado com as conseqüências de cortes ou
machucados que possam inflamar. Vários recursos foram relacionadas como de consumo
evitado neste período, dentre eles o parati-pema, o bagre-pararê, o calafate, o camarão-sete-
barba e as raias e os cações.
“Calafate, sete-barba, parati-pema não pode comê quando tá de resguardo. Se tivé uma feridura na mão, em qualquer parte, uma inflamadura, se comê ele se cuida... Carregado, isso é pexe carregado.”
105
"Se a pessoa tá com um corte não pode comê o sete-barba, se comê inframa. Se tivé com argum negócio não inventa de comê que se comê inframa e faz doê"
Uma outra categoria de resguardo foi denominada "resguardo de cobra" ou "resguardo
de bicho" e compreende um período de um mês e meio após acidentes com serpentes
peçonhentas. Semelhante aos exemplos anteriores, envolve restrições comportamentais e
alimentares. Dentre as comportamentais, o contato direto com água fria é a principal (não
tomar banho com água fria, não pisar na água, não lavar a cabeça e não tomar chuva).
Segundo os depoimentos, a friagem pode provocar anemia e inchaço. Prescreve-se tomar
banhos quentes e com ervas.
Os acidentes com serpentes peçonhentas faziam parte do cotidiano das comunidades
de Guaraqueçaba, que, tendo um acesso muito restrito aos serviços médicos convencionais,
conheciam várias técnicas para o tratamento de tais situações. Não foi incomum encontrar
pessoas que declaram já terem sido "ofendidos de cobra" mais de uma vez. Várias plantas e
produtos animais foram relacionados como "contra-veneno", principalmente o alho, espora de
raia, entre outros. Eram encontrados na região também os "rezadores de cobra".
A não obediência às regras dos resguardos resultaria na “recaída”, com sintomas
relacionados principalmente a problemas intestinais como cólicas e diarréias, além de vômitos
e dores de cabeça.
"Se comesse raia no resguardo, esses pexe forte, dava recaída, dor de cabeça, desinteria."
Quando a "recaída" se dá em função de algum alimento ingerido deve ser preparado
um remédio, o qual consiste em torrar o alimento causador do mal, moê-lo e ministrá-lo na
forma de chá. A não realização destes procedimentos pode resultar em conseqüências
vitalícias.
Segundo os depoimentos, o período mais crítico são os dias finais do resguardo, pois,
no caso de acontecer alguma recaída, pode não haver tempo hábil para serem tomadas as
devidas providências. No caso de recaídas no período de "resguardo de família", as
conseqüências são temporárias, durando até a próxima gravidez. As recaídas foram encaradas
como problemas sérios e os entrevistados citaram vários exemplos de moradores da
comunidade que tiveram problemas deste tipo.
As razões para se aceitar ou evitar o consumo dos recursos variou entre as espécies.
106
De modo geral, observou-se a restrição dos peixes sem escama ou "peixes de couro" e
daqueles considerados "vermelhos", que teriam a carne "forte" ou "carregada", enquanto os
peixes com escama ou de carne "branca" foram considerados "fracos", podendo ser
consumidos (com algumas exceções).
Dentre os peixes com escama relacionados por moradores como de consumo restrito
durante os resguardos, alguns remeteram a uma característica morfológica especial de
apresentar, durante a época de reprodução ou desova, uma "tripa para fora". A restrição de
consumo neste caso se dá sobre os exemplares que apresentam tal característica e não sobre
a espécie em geral. Esta condição foi relacionada para cinco peixes: curvina, paru, pescadinha-
vermelha, cangulo e acará (FIGURA 4.14).
“Curvina, paru e pescada-vermelha que sai aquela ova, aquele
bucho pra fora, solta uma tripa pra fora, não prestava pra comê no resguardo.”
“Acará que mia, que espirra uma aguinha, esse a mulher de resguardo pode comê. Acará que a tripa empola para fora não pode comê.”
“Cangulo não pode comê no resguardo, solta uma tripa pra fora.”
107
FIGURA 4.14 - Acará, peixe que deve ter seu consumo evitado durante o resguardo quando presentes características morfológicas especiais.
Dezesseis outros recursos, principalmente o robalinho-branco e a parati-guaçu (citados
por 63% dos entrevistados), foram relacionados como “bons para comer no resguardo”, sendo
seu consumo prescrito e estimulado nestes períodos. Outros recursos relacionados nesta
categoria foram: parati-poá, caratinguinha-branca e bagrinho-vermelho (citados por 37% dos
entrevistados), tainha e bagre-branco (citados por 25%), pescadinha-membeca, betara,
pescadinha-branca, escrivão, traíra, camarão-branco, siri e ostra (12%).
Semelhante ao observado na Barra do Superagüi, MARQUES (1995) descreveu a
existência de uma categoria denominada "peixes de resguardo" entre pescadores de Alagoas.
"Robalinho-branco é peixinho bom, pudia comê no resguardo, qualqué mulhé que tivé de dieta pode comê, peixinho bom."
“Caratinguinha-branca é peixinho muito bom, muito gostosa, muito boa. Comia na dieta, pode comê no resguardo.”
108
2.4. UTILIZAÇÃO MEDICINAL
A utilização terapêutica de animais, de matérias-primas deles extraídas ou de produtos
do seu metabolismo é chamada na literatura científica de “zooterapia”.
O termo "zooterapia" encontra-se dicionarizado como sinônimo de "zooterapêutica",
significando "terapêutica dos animais" (MICHAELIS, 1998). Neste trabalho utiliza-se o termo
como uma alusão à "fitoterapia". Enquanto o último significa "tratamento com remédios de
origem vegetal", adotou-se "zooterapia" com o significado de "tratamento com remédios de
origem animal".
A utilização de peixes na medicina popular de comunidades pesqueiras parece ser um
padrão bastante consistente ao longo da costa brasileira e tem sido também registrada por
vários autores (BEGOSSI, 1992 no Sudeste; BEGOSSI & BRAGA, 1992 em regiões banhadas pelo
Rio Tocantins; COSTA-NETO, 1996, 1998, 1999a e 1999b nos estados da Bahia e Alagoas;
MARQUES, 1995b no Rio São Francisco; MADI, 1999 em Minas Gerais). Segundo MARQUES
(1995a), este é um fenômeno de ampla distribuição geográfica e de profundo corte histórico,
podendo-se propor o aforisma de que “onde tem pescador, tem peixe ... medicinal”.
2.4.1. RECURSOS UTILIZADOS
Na Barra do Superagüi foram citados 37 recursos pesqueiros marinhos/estuarinos
indicados para o tratamento e a prevenção de enfermidades, incluindo 29 peixes
(representando 78% do total), sete crustáceos (19%) e um molusco (3%) (FIGURA 4.15 e
TABELA 4.7).
78%
19%3%
peixes
crustáceos
moluscos
FIGURA 4.15 - Percentual das categorias taxonômicas dos recursos pesqueiros relacionados na medicina popular na Barra do Superagüi.
109
TABELA 4.7 – Recursos pesqueiros relacionados na medicina popular por moradores da Barra do Superagüi17.
NOME VERNÁCULO IDENTIFICAÇÃO PARTE
UTILIZADA PRESCRIÇÕES
Freq. Rel. (%)
“PEIXES”
RAIA (GERAL)* (Condrichthyes) várias espécies
espora
Contra-veneno: mordida de cobra, imbira, formiga, aranha. Derrame. Estrepadura. Této. Diabete. Chio
76,9 capinha (ovo) (...)18
fígado (...)
língua Contra-veneno
dente (...)
BAGRE (GERAL)* (Fam. Ariidae) várias espécies
olho Esporada/esporadura/cutucadura de bagre
34,6 banha Verruga, rachadura de calcanhar.
bucho Esporada/esporadura de bagre. Contra-veneno.
CAVALINHA/ CAVALINHA-DO-MAR/ CAVALINHO-MARINHO*
(Fam. Syngnathidae) Hippocampus erectus e H. reidi
corpo inteiro Chio, tosse, bronquite, alcolismo.
30,8
PEIXE-PORCO
(Fam. Monacanthidae)
Stephanolepis
hispidus
couro/ pele Problema de garganta, bronquite, chio. Cortadura.
26,9
banha Reumatismo
RAIA-GEREVA (Fam. Dasyatidae) Dasyatis centoura
espora Contra-veneno: mordida de cobra, imbira, formiga, aranha. Derrame. Estrepadura. Této. 23,0
língua Contra-veneno: mordida de cobra, imbira, formiga, aranha.
RAIA- PEDRA (Fam. Myliobatidae) Myliobatis freminnillei
espora Contra-veneno: mordida de cobra, imbira, formiga, aranha. Derrame. Estrepadura. Této. 23,0
língua Contra-veneno: mordida de cobra, imbira, formiga, aranha.
* Recursos também relacionados com tabus alimentares.
17 A seqüência dos recursos citados na tabela segue como principal a ordem decrescente por freqüência relativa de citação e, secundariamente, a ordem alfabética.
18 A simbologia (...), por convenção, significa dado faltante.
110
CONTINUAÇÃO TABELA 4.7 – Recursos pesqueiros relacionados na medicina popular por moradores da Barra do Superagüi.
NOME VERNÁCULO IDENTIFICAÇÃO PARTE
UTILIZADA PRESCRIÇÕES
Freq. Rel. (%)
BAGRE-GUIRI* (Fam. Ariidae)
Netuma barba
olho Esporada/esporadura de bagre
19,2 banha
Pra tirá espora de dentro da carne, espora de tucum, de bagre. Pra feridura na pele.
RAIA-TICONHA/ RAIA-MORCEGO/ PEIDONA
(Fam. Rhinopteridae) Rhinoptera sp
espora
Contra-veneno: mordida de cobra, imbira, formiga, aranha. Derrame. Estrepadura. Této. Reumatismo, bronquite.
19,2
MATA-BRAÇO/ MATA-MÃO/ PEIXE-ELÉTRICO*
(Fam. Narcinidae) Narcine brasiliensis
banha Reumatismo, dor, dor no fígado 15,4
choque Nervos
BAGRE-AMARELO/VERMELHO*
(Fam. Ariidae) Cathorops spixii olho Esporada/esporadura de bagre 11,5
BAGRE-PARARÊ* (Fam. Ariidae) Genidens genidens olho Esporada/esporadura de bagre 11,5
CAÇÃO-GORDINHO (Fam. Carcharhinidae) Carcharhinus sp.
banha Fígado do pé
11,5 fígado, banha do fígado
Chio, fortificante, evita humores no sangue
CAÇÃO-MANGONA*
(Fam. Odontaspididae) Engomphodus taurus
carne Câncer
11,5 fígado (...)
RAIA-CHITA/ RAIA-PINTADA
(Fam. Dasyatidae) Dasyatis sp.
espora Contra-veneno: mordida de cobra, imbira, formiga, aranha. Derrame. Estrepadura. Této. 11,5
língua Contra-veneno: mordida de cobra, imbira, formiga, aranha.
RAIA-DARIN-DARIN (Condrichthyes)
espora Contra-veneno: mordida de cobra, imbira, formiga, aranha.
11,5
língua Contra-veneno: mordida de cobra, imbira, formiga, aranha.
BAGRE-BACIA (Fam. Ariidae) Bagre marinus
olho Esporada/esporadura de bagre 7,7
BAGRE-BUGRE (Fam. Ariidae) Notarius grandicassis
olho Esporada/esporadura de bagre 7,7
BAGRE/BAGRINHO-DE
ÁGUA-DOCE/NUNDIÁ (Fam. Pimelodidae) banha Dores em geral. 7,7
111
CONTINUAÇÃO TABELA 4.7 - Recursos pesqueiros relacionados na medicina popular por moradores da Barra do Superagüi.
NOME VERNÁCULO IDENTIFICAÇÃO PARTE
UTILIZADA PRESCRIÇÕES
Freq. Rel. (%)
BAGRE-SARI (Fam. Ariidae) Bagre bagre
olho Esporada/esporadura de bagre 7,7
CURURVINA/CURVINA* (Fam. Sciaenidae) Micropogonias spp.
pedra da cabeça (otólito)
Ataque epilético, problema de coração. Simpatia para sorte na pescaria.
7,7
BAGRE-CANGATÁ* (Fam. Ariidae) Sciadeichthys luniscutis
olho Esporada/esporadura de bagre 3,8
BAGRE-CABEÇUDO (Fam. Ariidae) olho Esporada/esporadura de bagre 3,8
BETARA-BRANCA*
(Fam. Sciaenidae) Mentichirrhus
littoralis carne Reumatismo 3,8
CAÇÃO (GERAL)* (Condrichthyes) várias espécies
osso (...) 3,8
MERLIN (Fam. Istiophoridae) bico Reumatismo 3,8
PESCADA-BRANCA (Fam. Sciaenidae) Cynoscion leiarchus
camarão do bucho
Enjôo 3,8
RAIA-MANTEGA (Fam. Gymnuridae) Gymnura altavela
espora Contra-veneno: mordida de cobra, imbira, formiga, aranha. Derrame. Estrepadura. Této.
3,8
RAIA-RABUDA (Fam. Dasyatidae) Dasyatis guttata
espora (...) 3,8
SAGUÁ*
(Fam. Haemulidae) Genyatremus
lutheus olho Cutucadura 3,8
“MOLUSCOS E CRUSTÁCEOS”
OSTRA* (Fam. Ostreidae) Crassostrea spp.
carne Febre do dente 7,7
BATUÍRA-DA-PRAIA (Fam. Ocypodidae) fezes (...) 3,8
CAMARÃO (GERAL)* (Fam. Peneidae) várias espécies
carne Enjôo 3,8
CAMARÃOZINHO-DA-ÁGUA-DOCE/ PITU
(Fam. Peneidae) corpo inteiro Chio 3,8
CARANGUEJO-DA-PRAIA (Fam. Ocypodidae) banha (...) 3,8
CARANGUEJINHO-DO-MANGUE
(Fam. Ocypodidae) carne Enjôo 3,8
CARANGUEJO-GUAÇU (Fam. Ocypodidae) Ucides cordatus
dedos Chio 3,8
GAROÇÁ/ GARUÇÁ (Fam. Ocypodidae) corpo inteiro, vivo Para criança pequena andar 3,8
112
CONTINUAÇÃO TABELA 4.7 – Recursos de outros grupos relacionados na medicina popular por moradores da Barra do Superagüi.
NOME VERNÁCULO IDENTIFICAÇÃO PARTE
UTILIZADA PRESCRIÇÕES
Freq. Rel. (%)
“OUTROS GRUPOS”
BALEIA* (Cetaceae)
óleo (...)
15,4 barbatana (...)
osso da espinha Dor nas costas
TARTARUGA/TARTARU-GA-DO-MAR
(Fam. Cheloniidae) várias espécies
banha (...) 7,7
CÁGADO/ TARTARUGA-DO-RIO
Hydromedusa sp. osso do pescoço (...)
7,7 banha (...)
BOTO* Sotalia guianensis olho Simpatia para sorte no amor. 3,8
A utilização de peixes predominou sobre os demais grupos, destacando-se as raias
(várias espécies, citadas por aproximadamente 76% dos entrevistados), os bagres (várias
espécies das famílias Ariidae e Pimelodidae, citados por 35%), as "cavalinhas-do-mar"
(Hippocampus erectus e H. reidi, 30%), o peixe-porco (Stephanolepis hispidus, 27%) o "mata-
mão" (Narcine brasiliensis, 15%) e os cações (várias espécies). Dentre os crustáceos, várias
utilizações foram relacionadas para espécies de camarões (Família Peneidae) e caranguejos
(Família Ocypodidae). Apenas a ostra (Crassostrea spp.) foi citada dentre os moluscos (FIGURA
4.16).
0
10
20
30
40
50
60
70
80
raia
s
bagr
es
cava
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s-do
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peixe-
porc
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caçã
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curv
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ostra
FIGURA 4.16 – Recursos pesqueiros mais citados na medicina popular no Superagüi.
Além dos recursos pesqueiros, alguns mamíferos (baleias e botos) e répteis (tartarugas-
do-mar e cágado ou tartaruga-do-rio), considerados “peixes” na classificação etnobiológica dos
pescadores antigos, foram incluídos, bem como alguns animais que não ocorrem na região
113
(bacalhau e peixe-boi), mas que apresentavam produtos derivados comercializados nos
mercado municipais das cidades mais próximas (Paranaguá e Guaraqueçaba).
2.4.2. MATÉRIAS-PRIMAS, ELABORAÇÃO DOS MEDICAMENTOS E PRESCRIÇÕES
A utilização medicinal de recursos pesqueiros no Superagüi envolveu desde o uso do
corpo inteiro dos animais (vivos ou mortos), até a manipulação de descargas elétricas ou
"choque". Além disso, vários compostos podem ser preparados a partir de cerca de 60
matérias-primas, envolvendo partes do corpo (como "olho", "espora", "banha", "osso", "dente",
"couro", entre outros), produtos do metabolismo (excretas como fezes e urina) e o conteúdo
estomacal ("de dentro do bucho").
Os produtos mais citados foram o “olho” (principalmente dos bagres e outros peixes
com espinhos), a "espora" (principalmente das raias), a gordura ou “banha” e a carne (de várias
espécies).
De aproximadamente 27% dos recursos pode ser retirada mais de uma matéria-prima e
a maioria dos produtos citados podem ser utilizados para o tratamento de mais de uma
enfermidade. Para 14 dos recursos mencionados, os entrevistados não souberam relacionar a
enfermidade para o qual ele era empregado, relacionando seu uso a um tempo passado na
história da comunidade.
A aplicação dos produtos variou de acordo com a natureza da enfermidade, do objetivo
do uso e dos ingredientes utilizados. As formas mais comuns foram a utilização dos produtos
através do preparo de chás a partir das partes secas, torradas e moídas e o preparo da gordura
ou "banha" para aplicação na forma de emplastros e/ou ingestão. Ocorreu ainda o uso direto
como alimento e o uso simbólico através de simpatias.
A preparação de remédios envolvendo zooterápicos pode estar associada com
produtos da flora, destacando-se o uso do chá da folha da laranja-grande (Citrus sinensis) para
misturar com os produtos que são administrados na forma de pó.
Dentre as doenças e injúrias localmente tratáveis a partir de produtos extraídos de
recursos pesqueiros, destacaram-se as “esporaduras" (ferimentos com espinhos e esporas de
organismos marinhos, principalmente dos bagres e raias), os acidentes envolvendo “picadas”
de animais considerados venenosos (serpentes, aranhas, formigas, imbiras, entre outros),
"reumatismo", “chio” e "problemas de pulmão", dores em geral, afecções da pele (“cutucadura",
114
"cortadura", "estrepadura"), além de outras doenças localmente denominadas de "derrame",
"diabete", "této", "ataque epiléptico", "problema do coração", "câncer", "problema dos nervos",
"febre do dente", "fraqueza", "humores do sangue" e "fígado do pé".
Estas moléstias, diagnosticadas localmente, fazem parte de um contexto cultural mais
amplo e aqui foram registradas segundo uma abordagem êmica, ou seja, de acordo com a
perspectiva interna da população, respeitando-se sua nomenclatura vernacular. Interpretações
e paralelismos com patologias reconhecidas pela ciência médica oficial exigiriam esforços
específicos para entender a lógica interna de conceituação e classificação de doenças, não
sendo objetivo deste estudo.
2.4.3. EXEMPLOS SELECIONADOS
As raias foram relacionadas por aproximadamente 76% dos entrevistados, destacando-
se a utilização das esporas destes animais para o tratamento de várias enfermidades,
principalmente como “contra-veneno” para “picadas” de animais considerados venenosos
(cobra, formiga, aranha, imbira, entre outros), além de outras enfermidades como derrame,
“této” (tétano), diabete e “chio”. O procedimento mais utilizado consiste em secar as esporas ao
sol, raspá-las extraindo o pó e misturá-lo à água, chá, café ou vinho. Algumas raias do grupo
foram reconhecidas pela população como tendo uma “língua” dura, que também pode ser
utilizada, seguindo-se o mesmo procedimento.
O uso na medicina popular ou caseira de raias foi relatado também para outras regiões
brasileiras, como entre moradores das margens do Rio Tocantins (BEGOSSI & BRAGA, 1992),
onde as raias foram os peixes mais importantes na medicina popular.
A utilização do globo ocular envolveu principalmente espécies da Família Ariidae. Estas
espécies caracterizam-se pela presença de espinhos serreados nas nadadeiras que
eventualmente causam acidentes denominados localmente de “esporada” ou “esporadura”. O
uso medicinal do “olho” dos bagres foi citado por cerca de 35% dos entrevistados. O globo
ocular deve ser retirado, pode ser aquecido ou não e é então prensado sobre o machucado. O
mesmo procedimento foi verificado para ferimentos causados pelos espinhos do saguá
(Geniatremus luteus). As vísceras dos bagres também podem ser utilizadas, seguindo-se o
mesmo procedimento. Segundo os pescadores, o preferível é utilizar o mesmo peixe que
causou o ferimento, mas, na falta deste, um outro exemplar pode substituí-lo. Esta prática foi
115
relatada também para outras localidades brasileiras (COSTA-NETO, 1999c), como entre
moradores da costa da Bahia.
A indicação de "cavalinhas-do-mar" (Hippocampus erectus e H. reidi) para o tratamento
de "problemas de pulmão" foi relacionada por 30% dos entrevistados (FIGURA 4.17). O
procedimento envolve secar o corpo inteiro do animal, moê-lo e administrar o pó na forma de
chá. A utilização destes animais na medicina popular brasileira teria sido introduzida no Brasil
pelos escravos africanos (BOTSARIS, 1995) e representa um fenômeno bem distribuído
geograficamente, já tendo sido registrado em treze estados brasileiros (MARQUES, comunicação
pessoal, 2000).
O peixe-porco (Stephanolepis hispidus) e o "mata-mão" (Narcine brasiliensis) foram
relacionados por 27% e 15% dos entrevistados, respectivamente. Do peixe-porco é retirado o
"couro", indicado para o tratamento de "problemas de pulmão" e "de garganta" e a “banha”,
prescrita para o tratamento de "reumatismo" (FIGURA 4.18). Do "mata-mão" pode ser utilizada a
“banha” para preparação de pomadas auxiliares no tratamento de "reumatismo" e o “choque”
para “problemas de nervos”.
FIGURA 4.17 - "Cavalinhas-do-mar" secas utilizadas na medicina popular no Superagüi.
116
FIGURA 4.18 - Couro de "peixe-porco" utilizado na medicina popular da Barra do Superagüi.
Destaca-se a citação do uso dos camarões encontrados no conteúdo estomacal
(“dentro do bucho”) da pescada-branca (Cynoscion leiarchus) para prevenir enjôo das crianças
quando estas saem de barco. Este fato foi relacionado espontaneamente por apenas 4% dos
entrevistados e deve ser melhor analisado, visto que provavelmente corresponda ao primeiro
registro de utilização medicinal de conteúdo estomacal de espécies ícticas.
2.4.4. SIMPATIAS
Além dos produtos indicados para o tratamento e prevenção de enfermidades, outros
foram relacionados a “simpatias”. As “simpatias”, segundo definição de SALES (1991),
consistem no emprego da força do pensamento, através de um ritual de cunho místico, mágico
e/ou religioso, para auxiliar na resolução de alguns problemas do cotidiano.
Desta forma, a "pedra da curvina" (correspondente ao otólito de Micropogonias furnieri)
foi citada como tendo o poder de atrair sorte para as pescarias.
Cavalos-marinhos secos foram relacionados como utilizados para atrair sorte e afastar
“mau-olhado”, devendo ser colocados em locais estratégicos das residências. Esta prática
parece ser bem difundida na região litorânea do Paraná, sendo que a mesma foi observada em
várias residências, bem como a comercialização destes recursos nas cidades próximas.
117
Outras simpatias relacionadas foram: olhar através do olho esquerdo do boto (Sotalia
guianenses) para ter sorte no amor e esfregar o “garoçá” (Família Ocypodidae) nas pernas das
crianças na idade apropriada para facilitar o aprendizado do “andar”. Curandeiros, benzedeiras
e rezadeiras são ainda encontrados na região e respeitados por boa parte da população local.
2.4.5. OBTENÇÃO DOS RECURSOS
Segundo depoimentos dos entrevistados, a maioria das matérias-primas utilizada na
preparação de remédios zooterápicos são obtidas através da atividade pesqueira, podendo ser
consideradas subprodutos da finalidade alimentar dos organismos. A maioria dos produtos
podem ser estocado durante vários anos, a exemplo das banhas, esporas e couros. Apenas
nos casos do uso do globo ocular e do consumo alimentar da carne dos animais, estes
necessariamente devem ser utilizados frescos.
Foram observadas várias evidências de sistemas internos de troca destes produtos
dentro da comunidade, de acordo com a necessidade das famílias.
Além disso, observou-se a comercialização de alguns produtos medicinais de origem
animal nos mercados municipais dos centros urbanos mais próximos (Paranaguá e
Guaraqueçaba), envolvendo, além dos derivados de recursos pesqueiros locais (esporas de
raia e cavalinhas-do-mar), produtos de outros animais da fauna regional (banha de capivara,
de tartaruga e de jacaré, espinho de ouriço, entre outros) e produtos de origem externa.
Os valores de venda variaram de R$ 5,00 a R$ 10,00 a unidade no caso dos cavalos-
marinhos e esporas de raia e R$ 10,00 o frasco de 10 ml de banha (dos vários animais)19.
Estes valores podem ser considerados relativamente elevados considerando-se os padrões de
renda da população local. Segundo os comerciantes, os compradores são usualmente pessoas
dos centros urbanos próximos, que não têm acesso direto aos recursos naturais.
A comercialização de produtos zooterápicos foi registrada por vários autores em feiras
livres e mercados populares de vários estados brasileiros (MARQUES, 1997 em Campinas/SP;
COSTA-NETO, 1999a em Feira de Santana/BA; SOUTO et al., 1999 no Município de Andaraí/BA,
entre outros).
19 Valores médios para o período estudado.
118
Os recursos exógenos estão relacionados principalmente a produtos referidos como
"banha de peixe-boi", "banha de peixe-elétrico", "banha ou óleo de tartaruga-da-Amazônia",
"óleo de bacalhau" e "óleo de tigre", que são comercializados em pequenas “latinhas” ao custo
de R$ 3,00 cada (FIGURA 4.19).
Estes produtos atualmente estão disseminados por todo o país, sendo facilmente
encontrados nos mercados populares de diversas regiões brasileiras. Por serem produtos
supostamente derivados de espécies raras e/ou ameaçadas de extinção, provavelmente sejam
provenientes de outros animais, como galinhas domésticas. Exemplos de fraudes etnomédicas
foram registrados na literatura por MARQUES (1997 e 1999).
FIGURA 4.19 - Recursos exógenos de aplicação medicinal comercializados em Paranaguá.
119
2.4.6. CONHECIMENTO TRADICIONAL E UTILIZAÇÃO ATUAL DOS ZOOTERÁPICOS
A zooterapia deve ser vista como um fenômeno histórico e passível de ser
contextualizado no presente. Conforme ressaltou SOUTO et al. (1999), um problema
metodológico, ainda pouco explorado em trabalhos sobre este assunto, diz respeito a distinguir
o "saber" (ou seja, ter o conhecimento) de efetivamente "usar".
Na comunidade de Barra do Superagüi, durante o período estudado, registrou-se a
utilização e/ou posse de alguns produtos ictioterápicos, como espora de raia, cavalo-marinho,
couro de peixe-porco e olho de bagre. Além disso, durante as entrevistas obteve-se dados de
utilização recente de vários compostos. No entanto, a maior parte dos moradores declarou
conhecer o uso dos produtos sem nunca ter efetivamente usado e muitos declararam lembrar
que determinado produto servia para uma doença específica, mas não lembravam a forma de
preparo e administração do mesmo.
Segundo os depoimentos dos entrevistados sobre a forma de aprendizado, os
conhecimentos e práticas envolvendo zooterápicos eram transmitidos principalmente de forma
transgeracional, mas também na horizontalidade, por meio da tradição oral e das interações do
cotidiano, estando integrados com outros aspectos da cultura.
Apesar dos registros de utilização recente e/ou atual de vários destes produtos,
observou-se na comunidade estudada evidências de perda deste tipo de conhecimento. Os
informantes mais idosos, de uma forma geral, demonstraram acreditar na eficácia destes
produtos, enquanto os mais novos referiram-se a este tipo de conhecimento como "coisa dos
antigo" ou "crendice". Além disso, nos últimos anos este tipo de tratamento tem perdido espaço
para a medicina oficial.
Considerando-se que a diversidade cultural também encontra-se “ameaçada de
extinção” em diversas partes do mundo, o registro deste conhecimento e o entendimento do
mesmo enquanto fenômeno cultural torna-se urgente. A interação entre o conhecimento
tradicional acumulado e o conhecimento científico pode tornar mais eficaz a busca de soluções
para os problemas que afetam a saúde e a qualidade de vida das populações.
120
2.4.7. HIPÓTESE DA UNIVERSALIDADE ZOOTERÁPICA E HIPÓTESE DA FARMÁCIA
Segundo a “hipótese da universalidade zooterápica”, formulada por MARQUES (1994),
toda cultura com um sistema médico desenvolvido utiliza-se de animais no seu arsenal
terapêutico. Os resultados obtidos entre moradores da Barra do Superagüi sobre o
conhecimento da aplicação de produtos derivados de recursos pesqueiros e as evidências de
uso atual de alguns produtos reforçam esta hipótese.
A noção de que peixes evitados como recursos alimentares relacionam-se àqueles
utilizados na medicina popular levou BEGOSSI (1992) a formular a "hipótese da farmácia",
segundo a qual, "os recursos considerados importantes para o tratamento de doenças em
populações humanas isoladas podem ser interditados para consumo alimentar para estarem
disponíveis para a medicina popular".
Na Barra do Superagüi, as raias, os cações, alguns tipos de bagre ("bagre-pararê",
"bagre-guiri", "bagre-vermelho" e "bagre-cangatá"), o "mata-mão", a "betara-branca", a curvina,
o "cação-mangona", o saguá, dentre os peixes; a ostra, dentre os moluscos e o camarão,
dentre os crustáceos, foram citados como recursos medicinais e apresentaram tabus
alimentares relacionados, sendo a maioria do tipo segmentário.
A existência dos tabus, no entanto, parece não influenciar na freqüência de captura
destes recursos ou nas outras formas de uso, como comercialização. Desta forma, apesar da
alta correlação entre organismos medicinais e aqueles considerados como tabus, não
evidenciou-se, à princípio, relação entre os resultados observados na Barra do Superagüi com
a "hipótese da farmácia".
BEGOSSI (1992) e BEGOSSI & BRAGA (1992) observaram que a maioria dos peixes
citados como não consumidos eram utilizados na medicina popular para a Ilha de Búzios/RJ e
margens do Rio Tocantins, respectivamente. COSTA-NETO (1998) encontrou, entre pescadores
do litoral norte da Bahia, que peixes medicinais pareceram ser indistintamente pescados e
consumidos.
2.5. OUTROS USOS
Além das utilizações comercial, alimentar e medicinal, alguns recursos foram
relacionados a categorias pontuais de uso. Desta forma, barbatanas de baleia foram
relacionadas como utilizadas para fazer agulhas para a confecção de redes de pesca, tendo
121
inclusive valor comercial; as esporas de raia eram usadas antigamente para fazer agulha de
crochê; o rabo da raia-rabuda era utilizado para fazer chicote; as cascas de ostras eram usadas
para produzir cal; a banha de cação era passada na "sapata" das casas pra evitar o ataque de
cupins.
"Barbatana de baleia, baleia que acostava na praia, tirava pra fazê
agulha, dava agulha muito boa. Agora já usa plástico, né?"
"Pegava uma espora de raia grande, fazia aquela ferpa na ponta, raspa aqueles dentinho pra ficá bem lisinha e só na ponta ficava a ferpa. Usava de agulha pra fazê crochê."
"Fazia uma pilha grande de casca de ostra, queimava e fazia cal, usava pra piso."
"Casca de ostra era juntado num monte grande pra usá pra fazê cal."
"Rabo da raia-rabuda era tirado. Muita gente usava fazê chicote pra batê nas criança malcriada."
"Banha de cação passava na sapata de casa pra não dá cupim, era uma beleza."
CCOONNCCLLUUSSÕÕEESS
Com relação à etnotaxonomia:
Pescadores da Barra do Superagüi possuem uma etnotaxonomia consistente e
complexa, envolvendo nomeação, identificação e classificação dos peixes de seu ambiente.
Na etnotaxonomia dos pescadores mais antigos da comunidade, a categoria "peixes" é
extensa e elástica, com inclusão total de alguns organismos pertencentes à classe dos
mamíferos e circunstancial de alguns invertebrados marinhos e répteis, apresentando também
exclusão de algumas espécies ícticas deste agrupamento.
A nomenclatura dos peixes utilizada pelos pescadores entrevistados mostrou-se muito
dinâmica, versátil e sujeita a uma grande variabilidade intra-cultural. A diversidade de nomes
registrados foi alta, envolvendo muitas sinonímias, nomes conhecidos para outras regiões,
"apelidos", nomes de uso localizado e nomes emergentes. Critérios morfológicos e ecológicos
foram os principais na nomeação dos peixes, principalmente aqueles relacionados à morfologia
externa e ao habitat, respectivamente.
122
A categoria "peixes" pode ser considerada uma forma-de-vida do modelo berliniano e
os organismos podem ser classificados seguindo um modelo hierárquico. Os níveis
intermediário ("famílias"), genérico e específico estiveram representados e a nomeação
binominal foi bastante utilizada.
Os pescadores empregam também os sistemas classificatórios seqüencial e cíclico
como co-existentes com o hierárquico e mantêm sistemas baseados em critérios ecológicos em
paralelo (padrão de sobreposição hierarquia/ecologia).
Com relação à etnoecologia:
Pescadores da Barra do Superagüi possuem um conhecimento detalhado sobre
distribuição espacial e temporal das espécies ícticas, bem como da ecologia trófica.
O ambiente aquático pode ser categorizado pelos pescadores de acordo com diferentes
critérios, como grandes divisões hidrográficas, microhabitats, substratos ou manchas de fundo,
características hidrológicas relacionadas com a salinidade da água e influências de fatores
abióticos como a precipitação. Estes fatores determinam a distribuição diferenciada dos peixes
no ambiente. Os pescadores reconhecem, ainda, uma distribuição vertical dos peixes na coluna
d'água.
Os pescadores entrevistados possuem um conhecimento detalhado da distribuição
temporal dos peixes de seu ambiente e dos ciclos migratórios por eles realizados e
categorizam os recursos de acordo com a época em que ocorrem. A sazonalidade é fortemente
marcada por duas épocas, influenciadas principalmente pela diferença de temperatura e
precipitação. Possuem também um conhecimento complexo e detalhado sobre os hábitos
alimentares dos peixes e das interações tróficas entre diferentes grupos de organismos,
elaborando cadeias tróficas com até seis níveis.
Com relação a aspectos utilitários:
Pescadores da Barra do Superagüi realizam práticas pesqueiras voltadas
principalmente para o ambiente marinho costeiro e relacionadas com poucos recursos,
principalmente camarões e peixes (cavala, cações e pescadinha-membeca). Apesar do grau
crescente de especialização da pesca na comunidade, os pescadores ainda mantém interação
com ambientes variados.
123
Os pescadores do Superagüi comercializam uma grande variedade de recursos
pesqueiros, principalmente in natura e têm uma estrita dependência dos comerciantes da vila
para escoamento da sua produção, bem como do município de Paranaguá para
comercialização final.
Os moradores locais têm no pescado a sua principal fonte de proteína e uma grande
dependência destes recursos para sua subsistência. Os peixes também podem ser
classificados com base em vários critérios como níveis de preferência e qualidade da carne.
Uma série de tabus são reconhecidos pela população local, regulando comportamentos
e a utilização alimentar dos recursos pesqueiros. Restrições alimentares relacionadas aos
períodos de "resguardo" mostraram-se particularmente importantes.
Os moradores conhecem o uso medicinal de diversos peixes e outros organismos
aquáticos, dos quais podem ser retirados uma grande diversidade de produtos, aplicados para
o tratamento e prevenção de várias doenças e moléstias de diagnóstico local. Os resultados
confirmaram a "hipótese da universalidade zooterápica" e, apesar de uma alta correlação entre
peixes medicinais e aqueles considerados como tabus, a princípio não se evidenciou a
confirmação da "hipótese da farmácia".
As relações entre pescadores e recursos pesqueiros na Barra do Superagüi é complexa
e envolve vários aspectos cognitivos e conexivos. O conhecimento ecológico tradicional é único
e específico para uma área geográfica em particular. Assim como as comunidades, o
conhecimento também é dinâmico e está constantemente se adaptando. É, consequentemente,
extremamente vulnerável à mudanças rápidas.
A comunidade da Barra do Superagüi têm sofrido nos últimos anos um acelerado
processo de desorganização social e cultural, com o aumento desordenado da atividade
turística. As condições sociais de produção do conhecimento tradicional relacionado aos
recursos pesqueiros encontram-se ameaçadas com as mudanças ocorridas na comunidade.
Muito do conhecimento ecológico local está sendo perdido rapidamente. Esta perda concretiza-
se quando as atividades ligadas ao uso dos recursos naturais são gradativamente
abandonadas. O conhecimento acumulado por gerações é colocado em uma posição de perda
de caráter utilitário. Hoje, uma das principais ameaças ao saber local consiste na perda das
condições de produção deste conhecimento.
124
A etnoictiologia pode incrementar o nível de conhecimento a respeito da ecologia e das
inter-relações entre os organismos aquáticos em uma região de forma relativamente rápida,
consistindo em uma ferramenta útil para subsidiar planos de manejo de recursos pesqueiros.
Informações fornecidas por pescadores podem servir de guia para novas hipóteses de
pesquisa e para subsidiar decisões ambientais que precisem ser tomadas rapidamente.
Identificar e entender as relações das comunidades com os recursos naturais também é
essencial para a elaboração de estratégias de conservação eficientes.
No planejamento de propostas de manejo para a região de Guaraqueçaba devem ser
pensadas soluções que levem em conta a participação da população local e relevem o seu
conhecimento. Compreender as populações tradicionais da APA de Guaraqueçaba como parte
integrante dos ecossistemas em que estão inseridas é um passo essencial para o
desenvolvimento adequado da região.
125
RREEFFEERRÊÊNNCCIIAASS BBIIBBLLIIOOGGRRÁÁFFIICCAASS
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AANNEEXXOO
134
IIDDEENNTTIIFFIICCAAÇÇÃÃOO CCIIEENNTTÍÍFFIICCAA DDOOSS PPEEIIXXEESS EE OOUUTTRROOSS
RREECCUURRSSOOSS PPEESSQQUUEEIIRROOSS CCIITTAADDOOSS NNOO TTEEXXTTOO
NOME VERNACULAR CLASSE OU FAMÍLIA GÊNERO E/OU ESPÉCIE
CAÇÃO Condrichthyes -
CAÇÃO-TINTURERA Carcharhinidae Galeocerdo cuvieri
CAÇÃO-TINTURERA-PRETA Carcharhinidae Galeocerdo cuvieri
CAÇÃO-TINTURERA-BRANCA Carcharhinidae Galeocerdo cuvieri
CAÇÃO-SALTEADOR, CAÇÃO-TIRA-TINTA Carcharhinidae Carcharhinus sp.
CAÇÃO-GORDINHO, CAÇÃO-GORDO Carcharhinidae Carcharhinus sp.
CAÇÃO-FILHENTO Carcharhinidae Carcharhinus sp.
CAÇÃO-GALHUDO Carcharhinidae Carcharhinus milberti
CAÇÃO-GALHA-PRETA Carcharhinidae Carcharhinus limbatus
CAÇÃO-CABEÇA-REDONDA Carcharhinidae Carcharhinus leucas
CAÇÃO-CAMBEVA, CAÇÃO-CHAPÉU, MARTELO
Sphyrnidae Sphyrna spp.
CAMBEVUÇU, CAMBEVAÇU, CAMBEVÃO, CAMBEVA-PRETO
Sphyrnidae Sphyrna lewini ou S. zygoene
CAMBEVA-BRANCA, CAMBEVA-COMEDORA-DE-SIRI, CAMBEVA-DO-LAGAMAR, CAMBEVINHA
Sphyrnidae Sphyrna tiburo ou S. tudes
CAÇÃO- MANGONA Odontaspididae Engomphodus taurus
MACHOTE Odontaspididae Engomphodus taurus
CAÇOA Odontaspididae Engonphodus taurus
CAÇÃO-VIOLA Rhinobatidae Rhinobatos percellens
CAÇÃO-ANJO Squatinidae Squatina sp.
CAÇÃO-GRAFIA Carcharhinidae Carcharhinus sp.
CAÇÃO-BANANA (...) (...)
CAÇÃO-BAGRE (...) (...)
CAÇÃO-PITU (...) (...)
RAIA Condrichthyes -
RAIA-RABUDA Dasyatidae Dasyatis guttata
RAIA-GEREVA Dasyatidae Dasyatis centoura
RAIA-TICONHA, RAIA-PEIDONA, RAIA-MORCEGO
Rhinopteridae Rhinoptera sp.
RAIA-MANTEGA Gymnuridae Gymnura altavela
RAIA-PEDRA Myliobatidae Myliobatis freminnillei
RAIA-CHITA, RAIA-PINTADA Dasiatidae Dasyatis sp.
RAIA-DARIN-DARIN (...) (...)
JAMANTA Mobulidae -
JAMANTA-GRANDE Mobulidae Monte birostris
JAMANTA-PEQUENA, JAMANTINHA Mobulidae Mobula rochebrunei
MATA-MÃO, MATA-BRAÇO, PEIXE-ELÉTRICO, TREME-TREME
Narcinidae Narcine brasiliensis
ESPADARTE Istiophoridae Istiophorus albicans
MERLIN Istiophoridae Istiophorus albicans
DORADO Coryphaenidae Coryphaena hippurus
135
ACARÁ - -
ACARÁ-DO-RIO Cichlidae Geophagus brasiliensis
ACARÁ-DA-PEDRA Pomacentridae Abudefduf saxatilis
AMBORÊ Gobiidae -
AMBORÊ-DO-MAR-GROSSO, AMBORÊ-DE-FORA, AMBORÊ-GUAÇU
Gobiidae Gobionellus oceanicus
AMBORÊ-DA-PEDRA Gobiidae Gobionellus smaragdus
AMBORÊ-DA-LAMA, AMBORÊ-DO-BARRANCO, AMBORÊ-DO-BURACO
Gobiidae Bathygobius soporator
BARRIGUDINHO Eleotridae Dormitatos maculatus
CASCUDO, CUNGUITO, PEIXE-CASCUDO Loricariidae Hypostomus spp.
INHACERAIA - Crenicichla lacustris
LAMBARI Cichlidae Astyanax spp.
PIAVA Cichlidae
TRAÍRA, TRARAÍRA - Hoplias spp.
BAGRE Ariidae -
BAGRE-GUIRI Ariidae Netuma barba
BAGRE-VERMELHO, BAGRINHO-VERMELHO, BAGRE-AMARELO
Ariidae Cathorops spixii
BAGRE-BACIA, BAGRE-CAGÃO Ariidae Bagre marinus
BAGRE-SARI, BAGRE-SARI-SARI, CABO-DE-MACHADO
Ariidae Bagre bagre
BAGRE-PARARÊ, BAGRE-BRANCO Ariidae Genidens genidens
BAGRE-BUGRE, BAGRE-URUTU, BAGRE-CONGO
Ariidae Notarius grandicassis
BAGRE-CANGATÁ, BAGRE-FERRA, BAGRE-CABEÇUDO
Ariidae Sciadeichys luniscutis
BAGRE-JUNDIÁ, NUNDIÁ, BAGRE-DE-ÁGUA-DOCE
Pimelodidae (...)
BAGRE-MANDI Pimelodidae (...)
BAGRE-GUACARI (...) (...)
BAIACU Tetraodontidae -
BAIACU-GUARÁ, BAIACU-ARARA Tetraodontidae Lagocephalus laevigatus
BAIACU-PINIMA, BAIACU-MIRIM, CASCUDINHO, BAIACU-PEQUENO, BAIACU-PINTADO
Tetraodontidae Sphoeroides testudineus, S. tyleri e S. greleuri
BAIACU-DE-ESPINHO Diodontidae Chilomycterus spinosus
BADEJO Serranidae Epinephelus spp.
BADEJÃO Serranidae Epinephelus nigritus (?)
XERNE Serranidae Epinephelus niveatus (adulto)
MERO Serranidae Epinephelus itajara
GAROUPA Serranidae Serranus sp.
GAROUPÃO Serranidae Epinephelus guaza
136
BETARA, PAPA-TERRA Sciaenidae Menticirrhus spp.
BETARA-BRANCA Sciaenidae Menticirrhus littoralis
BETARA-PRETA Sciaenidae Menticirrhus americanus
CANGULO Sciaenidae Stellifer spp.
CANGULO-BOCA-RASGADA Sciaenidae Stellifer sp.
CANGULO-DE-BARRA-ADENTRO Sciaenidae Stellifer sp.
CANGULO-DO-MAR-GROSSO Sciaenidae Stellifer sp.
OVEVA Sciaenidae Larimus breviceps
OVEVA-DO-MAR-GROSSO Sciaenidae Larimus breviceps
OVEVA-DO-RIO Sciaenidae Bairdiella ronchus
VELHA Sciaenidae Larimus breviceps
MIRAGUAIA Sciaenidae Pogonias cromis
GORRETE Sciaenidae Pogonias cromis (juvenil)
PURQUINHO Sciaenidae (...)
PARAIPI Sciaenidae (...)
CURVINA, CORVINA, CURURVINA Sciaenidae Micropogonias spp.
CURVINA-DO-MAR-GROSSO, CURVINA-DE-FORA, CURVINA-CATITA
Sciaenidae Micropogonias undulatus
CURVINA-PEQUENA, CURVINA-MARISQUEIRA, CURVINA-DO-MAR-DE-ADENTRO
Sciaenidae Micropogonias furnieri
CAMISETA, FLAMENGO Sciaenidae Paralonchurus brasiliensis
PESCADA, PESCADINHA Sciaenidae -
PESCADA-GALHETERA Sciaenidae Macrodon ancylodon
PESCADINHA-BRANCA, PESCADINHA-PERNA-DE-MOÇA
Sciaenidae Cynoscion leiarchus
PESCADINHA-MEMBECA Sciaenidae Macrodon ancylodon (juvenil)
CALAFATE Sciaenidae Cynoscion acoupa (juvenil)
PESCADA-CAMBUÇU Sciaenidae Cynoscion striatus
PESCADA-AMARELA, PESCADA GRANDE Sciaenidae Cynoscion acoupa
PESCADA-MALHERA Sciaenidae Isopisthus parvippinis
PESCADINHA- VERMELHA Sciaenidae Macrodon ancylodon
PESCADINHA-SETE-BUCHO Sciaenidae Nebris microps
GOETE Sciaenidae Cynoscion jamaiscensis
PESCADINHA-OLHUDA Sciaenidae Cynoscion shidus
RONCADOR-BRANCO Sciaenidae Bairdiella ronchus
PARATI-BARBUDO Polynemidae Polydactyllus spp.
CARATINGA Gerreidae -
CARATINGA-VIVÓCA Gerreidae Eugerres brasilianus
CARATINGA-ITÊ, CARATINGA-BRANCA Gerreidae Diapterus rhombeus
ESCRIVÃO Gerreidae Eucinostomus spp.
ESCRIVÃO GRANDE, ESCRIVÃO-COMPRIDO Gerreidae Eucinostomus argenteus
ESCRIVÃO-PEQUENO, ESCRIVÃO-SEBUDO, ESCRIVÃO-CHATINHO
Gerreidae Eucinostomus melanopterus
137
CARANHA Lutjanidae Lutjanus cyanopterus ou L. gryseus
PEXE-VERMELHO, VERMELHA, OLHO-DE-BOI
Lutjanidae Lutjanus purpureus ou L. analis
CARAPUTANGA Lutjanidae Lutjanus purpureus
CAVALA Scombridae Scomberomorus brasiliensis ou S. cavalla
SOROROCA Scombridae Scomberomorus maculatus
BONITO Scombridae Auxis sp. ou Euthynnus sp.
BONITO-BOMBINHA Scombridae (...)
BONITO-CALDERÃO Scombridae (...)
ATUM Tunidae Thunnus sp.
ENCHOVA Pomatomidae Pomatomus spp.
ENCHOVA-GRANDE Pomatomidae Pomatomus saltator
ENCHOVA-PEQUENA Pomatomidae Pomatomus saltator (juvenil)
CAVALINHO-DO-MAR, CAVALINHA-DO-MAR, CAVALINHO-MARINHO
Syngnathidae Hippocampus erectus e H. reidi
PEGADOR-DE-JAMANTA (PEGADOR) Echeneidae Remora remora ou Echeneis spp.
PEIXE-ESPADA, ESPADA Trichiuridae Trichiurus lepturus
LINGUADO Bothidae, Paralichthyidae, Cynoglossidae e Soleidae
-
LÍNGUA-DE-VACA Cynoglossidae Symphurus plagusia
LINGUADINHO Paralichthyidae e Bothidae Paralichthys spp. (juvenil) ou Citharichthys spp.
REMENDO, LINGUADO-REDONDO Soleidae Trinectes sp. ou Achirus sp. (?)
LINGUADO-GRANDE Paralichthyidae Paralichthys spp.
LINGUADO-DE-DENTRO (...) (...)
MATA-PORCO (...) (...)
EMPRASTO, EMPLASTRO Soleidae Achirus sp. ou Trinectes sp. (?)
MANJUBA, MANJUVA Engraulidae Anchoa spp.
MANJUBA-ZERO, MANJUBA-PREGUINHO, MANJUBA-PREGO, MANJUBA-BRANCA
Engraulidae Anchoa spp.
MANJUBA-UM, Engraulidae Anchoa spp.
MANJUBA-DOIS Engraulidae Anchoa spp.
MANJUBA-TRÊS Engraulidae Anchoa spp.
MANJUBA-QUATRO Engraulidae Anchoa spp.
SABELHA Engraulidae Lycengraulis grossidens
MORERA, COBRA-DO-MAR, MORÉIA Muraenidae Gymnothorax spp.
MUÇUM Ophichthidae Ophichthus spp. e Myrophis sp.
MUÇUM-DA-LAMA, MUÇUM-DO-BARRANCO Ophichthidae (...)
MUÇUM-DO-MANGUE Ophichthidae (...)
MUÇUM-FITA Ophichthidae (...)
138
PARATI Mugilidae Mugil spp.
PARATI-GUAÇU Mugilidae Mugil curema
PARATI-PEMA, PARATI-SABÃO Mugilidae Mugil gaimardianus
PARATI-POÁ Mugilidae Mugil curema (juvenil)
TAINHA Mugilidae Mugil platanus
TAINHOTA Mugilidae Mugil platannus (juvenil)
TAINHA-FACÃO, TAINHA-DE-VOLTA, TAINHA-DE-TORNA
Mugilidae Mugil platannus
TAINHA-CELESTE Mugilidae Mugil platannus
TAINHA-CORSO Mugilidae Mugil platannus
RONCADOR Haemulidae (Pomadasyidae incluída) e Sciaenidae
-
RONCADOR-AMARELO, RONCADOR-VERMELHO
Haemulidae Conodon nobilis
MARIMBÁ Haemulidae Diplodus argenteus
SAGUÁ Haemulidae Genyatremus lutheus
CORCOROCA, COROCOROCA Haemulidae (...)
SARGO Haemulidae -
SARGO-DE-BEIÇO, SARGO-DE-CAMISA-PRETA
Haemulidae Anisotremus surinamensis
SARGO-DE-DENTE, SARGO-DE-CAMISA-XADREZ
Sparidae Archosargus probatocephalus e A. rhomboidalis
SALEMA Haemulidae Anisotremus virginicus
SALEMA-AMARELA Haemulidae (...)
PEIXE-PORCO Monacanthidae -
PEIXE-PORCO-DA-PEDRA Monacanthidae Monacanthus ciliatus
PEIXE-PORCO-DO-OCEANO Monacanthidae Stephanolepis hispidus
PARU Ephippidae Chaetodipterus faber
PARU-PRETINHO, ENXADINHA Ephippidae Chaetodipterus faber (juvenil)
MERLUZA Gadidae Urophycis brasiliensis
PIRAJICA Kyphosidae Kyphosus incisor ou K. sectatrix
PREGEREVA Lobotidae Lobotes surinamensis
PARAMBIJU Rachycentridae Rachycentrun canadus
SARTERA, SALTERA, SALTERA-BRANCA Carangidae Oligoplites saliens
SALTERA-GUAJUVIRA, GUAIVIRA, GUAJIVIRA, GUIVIRA, SALTERA-AMARELA
Carangidae Oligoplites saurus
PEIXE-GALO, GALO Carangidae Selene setapinnis
PEIXE-GALO-DE-PENACHO Carangidae Selene vomer
XARÉU Carangidae Caranx spp.
XERELETE Carangidae Caranx latus
RABO-AZEDO Carangidae Hemicaranx amblyrhynchus
MARTA Carangidae Trachinothus goodei
MARIA-REDONDA Carangidae (...)
PAMPANO Carangidae Trachinotus carolinus
PALOMBETA Carangidae Chloroscombrus chrysurus
139
ROBALO Centropomidae -
ROBALÃO Centropomidae Centropomus undecimalis
ROBALINHO-BICUDO Centropomidae Centropomus undecimalis (juvenil)
ROBALO-PEVA Centropomidae Centropomus parallelus
ROBALINHO-BRANCO, ROBALINHO Centropomidae Centropomus parallelus (juvenil)
SARDINHA Clupeidae -
SARDINHA-PARATI, SARDINHA-CHARUTO Clupeidae Sardinella brasiliensis
SARDINHA-XINGÓ Clupeidae (...)
SARDINHA-CHATA Clupeidae Opisthonema aglinum
SARDINHA-BOCA-RASGADA, SARDINHA-DE-GATO, SARDINHA-GARGUELO
Clupeidae cetengraulis edentulus
SARDINHA-CASCUDA Clupeidae Harengula clupeola
SARDINHA-BANDERA, SARDINHA-DE-FITA Clupeidae (...)
SARDINHA-DURA Clupeidae (...)
SARDINHA-LOMBUDA Clupeidae (...)
TIMUCU Belonidae Strongylura timucu
BICO-DE-FOGO, PEIXE-AGULHA, AGULHA Hemirhamphidae Hemirhamphus unifasciatus
PEIXE-REI Atherinidae Xenomelaniris spp.
TUBARANA Elopidae Elops saurus
VOADOR Dactylopteridae dactylopterus volitans
CABRITINHO Triglidae Prionotus punctatus
PIRAMANGAVA Gobiesocidae Gobiesox strumosus
INVERTEBRADOS
CAMARÃO Peneidae -
CAMARÃO-SETE-BARBA Peneidae Xiphopenaeus kroyeri
CAMARÃO-BRANCO Peneidae Penaeus schimitti
CAMARÃO-ROSA Peneidae Penaeus brasiliensis
CAMARÃO-PRETO, CAMARÃO-FERRO Peneidae (...)
CAMARÃO-PERERECA Peneidae (...)
SIRI Portunidae Callinectes spp.
CARANGUEJO Ocypodidae -
CARANGUEJO-GUAÇU Ocypodidae Ucides cordatus
MARISCO Molusca -
OSTRA Ostreidae Crassostrea spp.
BACUCU Mytilidae Mytella guyanesis
OUTROS GRUPOS
BOTO Cetaceae Sotalia guianensis
TONINHA Cetaceae (...)
BALEIA Cetaceae (...)
FOCA Phocidae (...)
TARTARUGA-MARINHA, TARTARUGA-DO-MAR, TARTARUGA-GRANDE
Chelonidae (...)
CÁGADO, TARTARUGA-DO-RIO Chelonidae Hydromedusa sp.