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ESTUDOS DECOLONIAIS: UMA ANÁLISE DO MOVIMENTO DO FEMINISMO
AGROECOLÓGICO NAS COMUNIDADES QUILOMBOLAS DO VALE DO
RIBEIRA (SP)
Paula Simone Busko1
RESUMO
Esta comunicação é parte de uma pesquisa de doutoramento em educação científica e
tecnológica e tem como seu principal objetivo estabelecer um diálogo entre a educação
popular, agroecologia e o trabalho das mulheres do campo, caracterizados em um movimento
chamado “feminismo agroecológico”. Ao se tratar de uma comunicação que dialoga com o
fazer da mulher nos meios rurais, a pesquisa realizada no Vale do Ribeira (SP) comprova que
os estudos da agroecologia não deixam de respeitar e contribuir para preservar e melhorar as
condições naturais do solo, das reservas hídricas e dos recursos naturais por meio da educação
popular. A metodologia decolonial proposta para este trabalho de pesquisa e detalhada mais
adiante, sugere um mover-se junto ao grupo de interação. Isto significa participar do cotidiano
daquelas mulheres em seus modos de viver o trabalho e nas relações familiares e com a
comunidade. Os resultados iniciais desta pesquisa, a partir da imersão e observação, em meio
aos quilombos e aldeias indígenas, trouxeram para as primeiras análises um conhecimento
sobre os aspectos agroecológicos a partir da educação popular.
Palavras-chave: Educação Popular; Agroecologia; Mulher; Relações étnico-raciais.
ABSTRACT
This communication is part of a doctoral research in scientific and technological education
and its main objective is to establish a dialogue between popular education, agroecology and
the work of rural women, characterized in a movement called "agroecological feminism". In
the case of a communication that interacts with women in rural areas, the research carried out
1 Doutoranda em Educação Científica e Tecnológica (PPGECT-UFSC); Mestre em Educação e Formação -
História, Política e Gestão das Instituições Escolares (UNISANTOS-SP); Graduação em Comunicação Social:
ênfase Jornalismo (UniFMU-SP). E-mail: [email protected] / Orcid: http://orcid.org/0000-0002-6300-
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in the Ribeira Valley (SP) confirms that the studies of agroecology do not fail to respect and
contribute to preserving and improving the natural conditions of the soil, water reserves and
natural resources through popular education. The decolonial methodology proposed for this
research work and detailed later, suggests a move along with the interaction group. This
means participating in the daily lives of those women in their ways of living their work and in
family and community relations. The initial results of this research, from the immersion and
observation, among the indigenous quilombos and villages, brought to the first analyzes a
knowledge about the agroecological aspects from popular education.
Palavras-chave: Popular Education; Agroecology; Woman; Ethnic-racial relations.
1. INTRODUÇÃO
Esta comunicação é parte de uma pesquisa de doutoramento em educação científica e
tecnológica e tem como seu principal objetivo estabelecer um diálogo entre a educação
popular, agroecologia e o trabalho das mulheres do campo, caracterizados em um movimento
chamado “feminismo agroecológico”. Evidencia-se também o trabalho das chamadas redes
de interação e cooperação no Vale do Ribeira, espaço onde este movimento tem sua origem,
além de apresentar como se manifesta um processo decolonial (WALSH, 2009; 2012) por
meio de uma ética comunitária (DUSSEL, 1995) e de preservação de culturas ancestrais.
Ao se tratar de uma comunicação que dialoga com o fazer da mulher nos meios rurais,
a pesquisa realizada no Vale do Ribeira (SP) comprova que os estudos da agroecologia não
deixam de respeitar e contribuir para preservar e melhorar as condições naturais do solo, das
reservas hídricas e dos recursos naturais por meio da educação popular. O aprendizado que as
mulheres obtêm e que repassam adiante por meio das lideranças comunitárias procura seguir
os passos da própria natureza que as orienta neste meio de “modo outro” de trabalho com a
terra, numa junção mulher-natureza, trazendo a estabilidade dos ecossistemas naturais
(MACHADO e MACHADO FILHO, 2014).
O feminismo agroecológico, que sinaliza para um protagonismo da mulher
trabalhadora rural, parte em busca de uma alteridade de fazer, dizer e ser (WALSH, 2012) que
eleva esta mulher a uma conscientização do estar no mundo. Desse modo, tem-se um dos
aspectos da formação do feminismo agroecológico que é o de compartilhar experiências em
seus modos de produção e comercialização em suas produções familiares (SILIPRANDI,
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2009). Somando-se a esse elemento, elas também representam a luta concreta nos territórios:
as feiras locais, as relações solidárias, os circuitos próximos de comercialização e os
encontros de educação popular em agroecologia são importantes para entender a relação
mulher-educação-agroecologia. Desse modo, acabam por não aceitar certos projetos de
economia verde que as mulheres consideram uma ilusão para as comunidades.
Diante destes elementos, pode-se dizer que a dinâmica deste movimento caminha em
busca de uma emancipação social e política daquelas mulheres, primeiro porque dialoga com
“a consciência transformada”, “crítica” e “reflexiva” (HABERMAS, 1987) do grupo
envolvido. Segundo, porque valoriza outros espaços de pesquisas e outras formas de
linguagens, interculturais e multilinguísticas, que promovem “metodologías’ otras’ en la
investigación social, humana y educativa” (OCAÑA et. al, 2018, p. 172).
Quanto à educação popular, Libâneo (2004) a define como “educação não-formal” e
em que nela “encontra-se os processos educativos que acontecem fora das unidades
escolares, abrangendo também movimentos sociais, organizações não-governamentais e
outras entidades que atuam na área social”. Segundo o autor, deve ficar claro que a educação
não-formal também pode ser dotada de uma certa intencionalidade, seja cultural ou política, e
a educação popular mais ainda, porque identifica o grupo àquela formação. Portanto, muitas
das práticas educativas encontradas no Vale acontece por um viés freireano, em que revela os
efeitos da aprendizagem através de temas geradores propostos por Paulo Freire (1967; 2005) e
que promoveu uma crítica ao sistema vigente da época e as formas tradicionais na educação
de adultos. Conforme Freire (2005): “a palavra tem o papel de pronunciar o mundo, de
problematizá-lo, de modificá-lo”.
A metodologia decolonial proposta para este trabalho de pesquisa e detalhada mais
adiante, sugere um mover-se junto ao grupo de interação. Isto significa participar do cotidiano
daquelas mulheres em seus modos de viver o trabalho e nas relações familiares e com a
comunidade. Isso significa não apontar, mas reconhecer-se nos sujeitos, portanto, não apenas
observar para julgar. Constata-se de uma metodologia de imersão, em que o processo é
dialógico e não monológico. Nesse sentido, é saber que mesmo sendo um processo
decolonizante, é político: “Todo processo decolonizante é político e ideológico” (OCAÑA,
2018, p. 182).
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Por meio da observação e da imersão junto aos grupos de interação no Vale, à
agricultura familiar e aos coletivos de resistências, pôde-se analisar os dados coletados
também a partir da luta pelo direito a terra e ao trabalho. Somaram-se a estas análises os
materiais didáticos como livros, cartilhas e impressos utilizados em encontros de formação de
mulheres, além de documentos, relatórios, fotografias e vídeos do acervo pertencentes à
Equipe de Articulação e Assessoria às Comunidades Negras do Vale do Ribeira (EAACONE)
e do Movimento dos Ameaçados por Barragens (MOAB), localizados em Eldorado (SP), que
viabilizaram tais práticas educativas.
Os resultados iniciais desta pesquisa, a partir da imersão e observação, em meio aos
quilombos e aldeias indígenas, trouxeram para as primeiras análises um conhecimento sobre
os aspectos agroecológicos a partir da educação popular.
2. AS MULHERES DO VALE DO RIBEIRA – O MOVIMENTO DO
FEMINISMO AGROECOLÓGICO
Conforme Gonçalves (2006), historicamente, desde o surgimento das
comunidades do Vale do Ribeira no século XVI, que seus povos originários: imigrantes
portugueses, espanhóis e negros, no primeiro ciclo de imigração, da exploração mineral, ao
sul do estado de São Paulo, mais próximos da divisa com o estado do Paraná, e de japoneses,
após a década de 1940, na região de Iguape, além de quilombolas, ribeirinhos e caiçaras que
vivem de acordo com a agricultura de subsistência e da venda de suas colheitas para as
cooperativas que vendem seus produtos. Estes moradores ainda pescam no Rio Ribeira de
Iguape, o principal rio formador da Bacia Hidrográfica do Ribeira e Litoral Sul, e o
consideram como uma riqueza que através da qual podem manter suas plantações, sua pesca
artesanal e sua diversidade cultural.
A vida da trabalhadora rural é extremamente dura. Enfrentando dupla jornada de
trabalho para suprir um orçamento doméstico e sem minimizar as dificuldades que enfrentam
nas condições de trabalho, é preciso reconhecer que a produção da vida vai apagando,
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rapidamente, a vida no corpo de todos os trabalhadores, em especial das trabalhadoras bóias-
frias. Aos quarenta anos, muitas aparentam sessenta. O sol, a chuva, o peso do facão, a
enxada, a postura corporal, tudo contribui para um desgaste acelerado e um envelhecimento
precoce. (SILVA, 1999, p.8)
No ano de 1998, a Sempreviva Organização Feminista2 lançou um caderno intitulado
Gênero e Agricultura Familiar no qual destacava a importância de uma reflexão em torno dos
conceitos descritivos de gênero, feminismo, soberania alimentar e agroecologia. A partir daí,
com a experiência da SOF, configuraram-se diversos projetos com base agroecológica em
treze municípios indígenas e quilombolas. A organização conseguiu formar cerca de quinze
grupos de mulheres no Vale do Ribeira. Essa experiência contou a participação de diversas
entidades, ao formarem uma rede de apoio, estudos e práticas educativas de iniciativa
popular. O desafio estava em vencer a opressão das mulheres do meio capital que as
explorava, de vencer as dificuldades de produção e consumo de seus produtos oriundos da
agricultura familiar e trazer-lhes o conhecimento de seus direitos enquanto produtoras rurais.
De acordo com a SOF o Vale do Ribeira, situado no extremo sul do estado de São
Paulo e nordeste do Paraná
é a maior área de remanescente contínuo de Mata Atlântica do Brasil. A
presença de inúmeras comunidades tradicionais tornou possível a
conservação destas áreas. Na região estão presentes 24 aldeias indígenas da
etnia guarani, 66 comunidades quilombolas e 7.037 estabelecimentos da
agricultura familiar que envolve camponeses tradicionais (os caipiras),
pescadores tradicionais (caiçaras) e migrantes oriundos das metrópoles
brasileiras, em geral, filhos de pais agricultores expulsos da terra no passado
e empurrados para áreas urbanas e que agora retornam à atividade rural.
(SOF, 2018, p. 8)
Neste cenário, há uma relação estreita entre a agroecologia e a agricultura realizada
pelas mulheres. Tradicionalmente, são as mulheres que selecionam, guardam e trocam as
2 A SOF Sempreviva Organização Feminista é uma organização não governamental com sede em São Paulo que
faz parte do movimento de mulheres no Brasil e em âmbito internacional. Promovem oficinas, seminários,
debates, palestras, boletins, cartilhas entre outros materiais voltados para questões de gênero, agroecologia,
economia solidária e feminismo.
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sementes. Os quintais e locais de plantio combinam horta, pomar, criação de pequenos
animais, plantas comestíveis, medicinais e decorativas. Como um tema novo, recentes
debates, propostos por lideranças femininas da região, consideram a agroecologia a partir da
“proteção ambiental”, de acordo com Machado e Machado Filho (2014, p. 194). Ao passo que
o sistema de produção de monoculturas provoca a contaminação da natureza, o manejo
correto do solo, por meio de técnicas agroecológicas, permite o aumento de matéria orgânica
(MACHADO e MACHADO FILHO, 2014) que contribui para as produções agrícolas locais.
O feminismo agroecológico evidencia a presença da mulher nos espaços agrícolas. Por
meio de diversos movimentos sociais no campo, percebe-se que as mulheres constituem uma
memória e uma ética comunitária capaz de alterar o cotidiano de tudo o que envolve seus
modos de viver. Logo, a “história da gente comum” (ROLIM, 1998) ganha uma força capaz
de resistir à influência de um sistema que reflete e refrata a miséria e o abandono de
comunidades mais distantes dos grandes centros urbanos. Portanto, se ganha força no
coletivo. E nesse coletivo, a dialética é um caminho fundamental dessa busca.
A interconexão entre educação popular, agroecologia e feminismo, que nesta pesquisa
traz uma perspectiva crítica, evidencia a importância do papel da mulher trabalhadora rural
nos estudos agroecológicos, apontando o feminismo que é atuante (sai de seus modelos
conceituais) como um novo movimento, nunca antes pesquisado na região do Vale do Ribeira
(SP), que interliga a agricultura familiar feita por e para as mulheres, destacando as lutas por
seus direitos enquanto trabalhadoras da terra e pela preservação de suas culturas.
Pressupõe-se que as mulheres, ao buscarem um aprendizado coletivo que as
fortaleçam e de vivenciar lutas e resistências, poderão usar melhor seu tempo e tomar decisões
que envolvem seu corpo, sua vida familiar e seu trabalho. Assim, participar mais ativamente
de questões sociais e políticas que as envolvem. Nesse sentido, “é a partir de ações coletivas
que nós, mulheres, teremos vigor para revolucionar a sociedade e construir novas relações
sociais, superando todos os mecanismos de manutenção da opressão” (SOF, 2018, p.16).
O feminismo agroecológico é um movimento formado por mulheres que compartilham
experiências em seus modos de produção e comercialização agroecológicas. Somando-se a
esses elementos, elas também representam a luta concreta nos territórios: as feiras locais, as
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relações solidárias, os circuitos próximos de comercialização e os encontros de educação
popular agroecologia são importantes para entender a relação mulher-agricultura e não aceitar
os projetos de economia verde que as mulheres consideram uma ilusão para as comunidades.
Para elas, as empresas que vem de longe para estudarem seus territórios, apenas querem usá-
lo, mais tarde expulsando as populações locais para trazer apenas o desenvolvimento para o
grande capital.
Diante desses apontamentos, o feminismo agroecológico é uma maneira de vivenciarem
e sentirem, no dia a dia, a resistência frente aos projetos ilusórios da economia verde proposto
por empresas mineradoras, madeireiras e do agronegócio. Tais empresas se utilizam de
discursos que promovem o desenvolvimento econômico aliado à preservação da natureza,
porém, vários problemas que colocam por terra certas falas nessa perspectiva já acorreram
como a contaminação de alguns rios e destruição da mata nativa. Portanto, a resistência que
parte das mulheres e da forma como se organizam demonstram que continuar existindo,
morando, transitando e ocupando o território é hoje uma maneira de resistir ao avanço da
financeirização da natureza.
3. A EDUCAÇÃO POPULAR NO VALE DO RIBEIRA E AS REDES DE
INTERAÇÃO
De acordo com a perspectiva de Fávero (2006), e educação popular só assim pode ser
chamada se realmente contribuir para a libertação de um determinado grupo social oprimido.
Trabalhar somente com educação para as camadas populares sem um caráter social, proposto
talvez por um movimento que atua como um pano de fundo, não tem caráter de educação
popular. Já Calvo (1982) evidencia que os processos de educação popular são diferentes em
cada cultura, de acordo com as necessidades de cada geração. Por isso, cada etnia ou grupo
social conhece suas necessidades durante um tempo histórico. Daí as necessidades se tornam
materiais pelos processos educativos instaurados, pelas novas metodologias, estratégias e
práticas educativas que visam à mudança de condutas, assim como os comportamentos
individuais e coletivos.
A educação popular realizada nestes espaços rurais reconhece os sujeitos que
compõem uma história de resistência, luta e sobrevivência. Nos chamados Encontros de
Formação e Encontro de Mulheres, a interculturalidade nas relações étnico-raciais também
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ficou evidente, o que contribuiu para salientar os aspectos culturais e sociais do Vale, além de
possibilitar o aprendizado de novos modelos de educação popular propostos para mulheres
trabalhadoras rurais. Com direito a conhecer e se reconhecer na história, os movimentos de
educação popular que ali se encontram procuram narrar por si próprios os acontecimentos e
suas consequências a partir dos que lutaram contra a opressão, o preconceito e o desprezo que
vem de um processo cultural bem antigo e que remete aos séculos de imigração e exploração
das riquezas daqueles espaços, portanto, advém de uma totalidade europeia colonial.
Quanto às redes de interação que compõem várias instituições e organizações não
governamentais temos, desde os anos 1980, a experiências das religiosas pertencentes à
Congregação Jesus Bom Pastor, que na região são conhecidas como As Pastorinhas. Esta
congregação tem ajudado na emancipação social e política daquelas populações empobrecidas
mais distantes dos meios urbanos. A proposta das religiosas em parceria com as Comunidades
Eclesiais de Base (CEBs), a Pastoral da Terra, o Movimento dos Trabalhadores sem Terra
(MST), o Instituto Socioambiental (ISA) e ao Movimento dos Ameaçados por Barragens
(MOAB), configurou práticas de ensino voltadas para a educação popular que apontam um
trabalho com vistas à decolonialidade, a serem explicitados mais adiante.
No acervo do EEACONE e do MOAB todo o material de estudo está relacionado à
preservação ambiental, luta de camponeses e valorização da mulher nos espaços rurais. Ali
também se encontram muitas cartilhas e panfletos enviados por sindicatos rurais da região que
estão relacionados à agroecologia e à educação em ciências. Consta materiais da Frente
Nacional dos Trabalhadores Rurais que tratam de movimentos populares, de educação
popular, da teologia da libertação e de igualdade nas relações etno-raciais.
Articulando o material às práticas educativas foram possíveis pequenas análises de
como se dão as experiências das mulheres agricultoras familiares nesta região. Nas reuniões e
encontros, nos materiais didáticos de apoio, manifestações e entrevistas com as mulheres
sobre seus modos de fazer - trabalho, família e coletivos, tornou-se possível evidenciar a
presença da mulher nestes espaços agrícolas. Ademais, viabiliza-se o potencial para o
aumento de uma rede de pesquisa nesta temática, sobretudo no ensino de ciências, num
campo que se abre para novas perspectivas sobre o estudo da agroecologia e da participação
feminina nestes espaços de interação, ao buscar novas técnicas e parcerias, com a possível
divulgação dos resultados de trabalho para expansão dos conhecimentos adquiridos.
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A atuação das instituições e ONGs citadas vão ao encontro da fala de Martinho (2004)
que traz alguns parâmetros que norteiam o trabalho das redes em que aponta os propósitos do
coletivo. São eles:
● Intencionalidade: Rede é uma comunidade e, como tal, deve possuir objetivos
claros e definidos. Ela mesma sugere um caminho a seguir com suas normas e
formas de controle.
● Objetivos e valores compartilhados: Ações, projetos e discursos devem estar em
sintonia com o conjunto.
● Participação: O funcionamento de uma rede se dá pela participação de todos
seus integrantes, afinal, uma rede só existe se está em constante movimento.
● Colaboração: A participação de todos de ocorrer de forma colaborativa. Por
meio de uma premissa de trabalho a rede se mantém viva e colaborativa.
● Horizontalidade e Multiliderança: Um projeto poderá ter diversos agentes que
são líderes em suas bases de apoio. As decisões também são compartilhadas.
● Conectividade: Como uma teia, uma costura, uma rede de interação é a
interconexão entre seus participantes. Um tipo de comunicação comum com
mídias a que todos têm acesso facilita a interatividade entre todos.
● Realimentação e Informação: A informação circula livremente, emitida de
pontos diversos, podendo ser encaminhada de maneira não linear a uma
infinidade de outros pontos, que também são emissores de informação
● Descentralização e Capilarização: Uma rede não tem centro definido. O centro
se dá por projetos, portanto, é variável.
● Dinamismo: Uma rede é uma estrutura plástica, dinâmica, cujo movimento
ultrapassa fronteiras físicas ou geográficas. As redes são multifacetadas.
Tais características de rede citadas acima poderão se sobressair de acordo com cada
ação. Atuando sob os princípios de uma pedagogia decolonial, conforme Walsh (2012), tais
redes ao atuarem dentro da própria cultura dos grupos envolvidos, “com ela e por meio dela”,
trazem novas possibilidades de compreender a importância do trabalho em conjunto e de
vincular os saberes coletivos, das memórias daquelas populações e da ciência agroecológica a
um projeto maior transformador daquelas gentes, em especial com o grupo feminino.
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De acordo com Freire:
[...] ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a
sua produção ou a sua construção [...]. Ensinar inexiste sem aprender e vice-
versa e foi aprendendo socialmente que, historicamente, mulheres e homens
descobriram que era possível ensinar. (FREIRE, 1996, p. 9)
De fato, redes sociais são redes de práticas sociais. Elas também possuem uma
linguagem e uma forma de comunicar, além de um comportamento e objetivos bem definidos
de trabalho. Por meio de uma educação popular em agroecologia, as redes que aqui chamo de
decoloniais se constituem em um fazer diferente diante das adversidades. momentos de
“práticas sociais” em que o sujeito é constituído de várias identidades contraditórias,
momentos sociais, em que ele se rearranja politicamente. Portanto, o sujeito é
necessariamente fragmentado, pós-moderno. Sobre isso, Hall argumenta: “uma vez que a
identidade muda de acordo com a forma como o sujeito é interpelado ou representado, a
identificação não é automática, mas pode ser ganhada ou perdida. Ela tornou-se politizada”
(HALL, 1998, p. 21).
Para Hall (1998, p. 7) e Fairclough (2006, p. 33) o sujeito pós-moderno está
constantemente em busca de uma auto-identidade. Essa busca está baseada na reflexão e na
busca pelo conhecimento. Ou seja, a classe social não pode mais determinar uma identidade
uma e fixa, conforme propunha Althusser. O sujeito para Hall e Fairclough é,
simultaneamente, constituído e constitutivo do social, das estruturas, da ideologia e da ordem
hegemônica. Não se trata de um sujeito autônomo e “senhor de seu dizer”, mas que pode
operar mudanças nos discursos por ser de natureza também política.
Sem dúvida, como objetivo principal da educação não formal está a cidadania e o
meio de aprendizagem é a própria prática social. Com a troca de experiências e com a
absorção de conteúdos sistematizados, o conhecimento é adquirido por meio de ações
interativas principalmente no plano da comunicação verbal e oral carregada de representações
e tradições culturais. Portanto,
o processo ocorre a partir de relações sociais, mediadas por agentes
assessores, e é profundamente marcado por elementos de intersubjetividade
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à medida que os mediadores desempenham o papel de comunicadores.
(GOHN, 2011, p. 111)
Dentro desta perspectiva, pode-se dizer que a educação popular compreende um
projeto político-pedagógico, assim como um projeto político-ideológico, que possui uma
intencionalidade e determina uma prática social. Ao contribuírem com o desenvolvimento
social e promoção humana de populações em meios rurais, muitas vezes pautados pela
resistência a um sistema capitalista que os consome, elas têm um papel fundamental de
romper com certos modelos dominantes de produção e consumo no campo.
3.1. Encontros de Formação e Encontro de Mulheres
O Encontro de Mulheres realizado no Vale por iniciativa de religiosas com a ajuda de
outros movimentos sociais realiza debates sobre os problemas que as mulheres ainda
enfrentam: preconceito, falta de oportunidades em educação, opressão dos homens, falta de
conhecimento que gera doenças, trato com crianças e religiosidades. Dussel citado por Grolli
(2004, p. 93) argumenta que “é na vida diária do pobre, da mulher, do velho e da criança, que
a justiça está ausente: a justiça que se constitui na exigência fundamental da dignidade
humana”.
Deve-se levar em conta que a libertação da mulher, conforme Dussel (1995),
considerada como emancipação em muitas passagens deste trabalho surge primeiramente em
sentido filosófico, ou seja, emancipação humana, de formação do ser social, cidadão, de valor
moral. Depois, em sentido coletivo, de formação social, de convivência familiar, na
participação ativa da mulher enquanto cidadã, visando, sem dúvida, uma participação política
em seu meio.
Paiva (1984) enfatiza que em uma tarefa pedagógica, o educador deve ir “junto com o
grupo”, acompanhando e intervindo o menos possível, como “um companheiro na
caminhada”: “A idéia de que o conhecimento não pode ser transmitido, mas resulta de uma
“vivência” da qual é extraído através do trabalho de grupo perpassa todo este movimento”
(PAIVA, 1984, p. 229). A partir dos encontros realizados os educadores das instituições
envolvidas e citadas anteriormente, procuraram criar um ambiente propício para estabelecer
estas relações dialógicas. Ao estabelecerem essas relações, os educadores instigaram a
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vontade do saber mais, mas que antes de tudo era preciso um engajamento político e social, e
isto só poderia ocorrer através de uma educação popular.
Os Encontros de Formação pauta-se em questões políticas. Ao romper com o papel
feminino tradicional, as mulheres que formam o movimento do feminismo agroecológico, que
antes se limitavam à esfera familiar, começam a conhecer e a “se construir” nos espaços
públicos – que sejam os bairros distantes do meio urbano mais próximo - e também em suas
relações com a família, no âmbito da qual elas assumem as responsabilidades da manutenção
de seus lares, ainda que dando continuidade às relações tradicionais de submissão para com os
maridos.
A mulher, ao participar dos Encontros e ao se tornar consciente de sua condição passa
pelo chamado “espanto”, conforme Dussel (1995) e começa seu processo de libertação.
Indícios de práxis libertadora, conforme Dussel (1995) que propõe a valorização e a
emancipação do ser antes oprimido pelo meio. Algumas delas, ao serem colocadas como
líderes rurais de suas comunidades começaram a perceber que há outros valores do quais
poderiam trazer ara suas vidas, como respeito pelo seu trabalho na lavoura e dignidade diante
da opressão do meio. Nesse caminho já sem volta poderiam suscitar desejos e conquistá-los,
pela ação, pela práxis.
O Instituto Socioambiental (ISA) cedeu cartilha para os Encontros de Formação
intitulada Olhares Cruzados: o Vale do Ribeira segundo seus habitantes (1999), uma cartilha
com informações sobre a vida das pessoas nesta região, dos pescadores e dos lavradores,
argumentando sobre os perigos das construções das barragens e da necessidade de se resgatar
a história dessas populações, além de seus aspectos culturais e históricos. A cartilha acima
citada dá sugestões de atividades para aprofundar os debates dos temas abordados segundo
seus próprios habitantes. Segue abaixo algumas destas atividades realizadas nos Encontros da
Mulher e nos Encontros de Formação com participação de alunos do ensino superior:
1) Resgatando nossa história: são exibidas algumas imagens do Vale, de moradores
antigos, de locais que ainda não foram habitados, de cachoeiras e cavernas, da exploração dos
minérios e do Rio Ribeira. Após a exibição, cada participante aponta a imagem que mais lhe
chamou atenção e o porquê; alguém vai anotando na lousa as ideias expostas em tópicos
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(formato chuva de ideias). Os apontamentos são separados os temas e debatidos um a um.
Ainda pode ser usada uma linha do tempo imaginária, onde se reconstrói os momentos
históricos da história do Vale. Cada participante ainda poderá contar um pouco a história de
sua família e suas dificuldades e como fazem para combater estes enfrentamentos.
2) A população do Vale: A atividade é realizada em dois momentos. Realiza-se uma
colheita de ideias sobre o que significam populações tradicionais para as alunas e divide-se a
lousa em duas partes (antes e depois) na qual são anotadas as opiniões na primeira parte.
Após os comentários, faz a passagem de um vídeo sobre as populações do Vale.
Depois de assistido, volta-se a colher opiniões através das perguntas: “E agora, quais destes
grupos podem ser considerados tradicionais? Por quê?” Utilizando a segunda parte da lousa,
anota as ideias principais que forem surgindo nas discussões. Depois confronta as ideias
expostas na primeira etapa, anotadas na parte do “antes” na lousa. Fazem-se as seguintes
perguntas: “Quem são os caiçaras? Quem são os pescadores, os quilombos, os guaranis?
Vocês têm alguma relação com populações tradicionais? Por que será que as populações
tradicionais tem forte relação com o ambiente?” Na segunda parte da atividade surge a
questão: Para vocês, quais são os problemas que estas populações tradicionais enfrentam? A
educadora poderá levantar os principais conflitos e associá-los a atores locais (pescadores,
índios, quilombolas). Depois desta discussão, a sala é dividida em alguns grupos: caiçaras,
quilombolas e índios guaranis (origem das populações da região) e propõem uma lista de tudo
o que envolve estas populações e seus costumes: comida típica, música, dança, artesanato,
linguagem ou apresentação oral. Há também nesses encontros vídeos a respeito do meio
ambiente e sobre o que seriam as “unidades de conservação”, falando um pouco sobre as
barragens que ameaçam a vida dos moradores. A educadora cria uma discussão a respeito do
tema: Que são as unidades de conservação? Alguém já visitou uma? Existem pessoas
morando dentro de alguma destas unidades? Como é a vida destas pessoas? Um exemplo é
apresentar um mapa com os limites do município e do estado e escolher uma das cidades do
Vale para aprofundar a discussão. Com a localização da construção das barragens do Rio
Ribeira de Iguape e sobre as terras dos quilombos, tem a possibilidade de apresentar uma aula
detalhando o que são barragens e as consequências da construção destas para o meio
ambiente.
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Diferentemente do passado, quando então o interesse maior da mulher poderia ser o
casamento, o bordar, o cozinhar, o cuidar da casa e do marido, muito respeitado e bem
ensinado pela Assistência ao Litoral de Anchieta3, onde religiosas que chegaram ao Vale do
Ribeira nos anos 1930, as mulheres desta região agora precisavam de emprego e de dinheiro
para ajudar a construir seus lares: “O mundo mudou”, conforme disse Ir. Liz em entrevista,
“ainda bem”, disse, “já pensou se tudo permanecesse igual”? (ROLIM, 1998). Agora as
mulheres dessa região precisavam se sentir mais úteis, as profissionais da agricultura não
precisavam sentir vergonha de serem chamadas “mulheres do campo” (FIG.1).
Figura 1 – Cartilha Trabalhadora Rural
Fonte: Articulação Nacional de Mulheres Trabalhadoras Rurais ANMTR (1997)
Constituindo-se como trabalhadoras rurais, conquistando respeito social e até o direito
digno de uma aposentadoria, as educandas começaram a participar ativamente dos encontros
sindicais. Essa ideia de “mulher da roça” que remete a uma ideia de “desleixo” precisava ser
combatida, e assim as religiosas juntamente com as entidades assistenciais passaram a
valorizar os ensinamentos que empregavam. Gustavo Gutierrez escreveu que precisamos
“conceber a história como um caminho para a libertação de homens e mulheres no qual este
vão assumindo conscientemente seu próprio destino.” (ALENCASTRO, 2000 p. 95). Partindo
3Conhecida como ALA e citada em BUSKO, P. S. Revista de Educação Popular, UFU, v. 10, p. 31-37,
jan./dez. 2011. Disponível em:
<http://www.seer.ufu.br/index.php/reveducpop/article/view/20208/10787>Acesso em 04 de ago. 2018.
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dos próprios interesses das classes populares, o trabalho de educação emprega múltiplas
formas de atingir seus objetivos, seja de conscientização ou de emancipação política (FIG.2).
Figura 2 – Cartilha Trabalhadora Rural.
Fonte: Articulação Nacional de Mulheres Trabalhadoras Rurais ANMTR (1997)
Outro exemplo de material educativo é o da Associação Difusora de Treinamentos e
Projetos Pedagógicos (Aditepp) localizada em Curitiba-PR. Esse material trabalha com
relações de gênero, exclusivamente com educadores populares. Na cartilha intitulada Somos
Iguais... e Diferentes (1995), os textos e as mensagens retratam as diferenças entre homens e
mulheres e trabalha a conscientização da mulher como ser social que tem seu lugar no mundo,
suas expectativas e sua participação política. Abaixo segue informações veiculadas em alguns
capítulos o texto da cartilha da Aditepp (1995) citada abaixo define bem esta busca:
Ser Homem & Ser Mulher:
“Homem não chora!” Bobagem, todo mundo chora quando está triste e chorar faz
bem.
“Mulher minha só põe o pé na rua quando a casa pega fogo”. Ora bolas, a mulher tem
todo direito de trabalhar fora e conhecer novas pessoas. Apesar de terem corpos diferentes,
homens e mulheres têm as mesmas capacidades de realizar os mesmo trabalhos. E como todo
ser humano devem ter os mesmos direitos. O que você pensa disso?
Diferenças & Costumes:
“A filha de seu Onofre trabalhava de dia e queria estudar à noite, mas ele não deixou:
“Estudar à noite pra quê”? Estudar é coisa pra homem, mulher só precisa saber fazer o serviço
de casa”.
Este costume interferiu no relacionamento de seu Onofre com sua filha...
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Masculino & Feminino:
“Entre ser homem e ser mulher existem muitas diferenças. Mas a única diferença
natural é a diferença do corpo. As outras diferenças são criadas pelos costumes. Essas
características de masculino e feminino são o que chamamos representações de gênero”.
(Aditepp, 1995)
A importância das três cartilhas apresentadas no artigo: Do Instituto Socioambiental
(ISA) do ano de 1999, da Articulação Nacional de Mulheres Trabalhadoras Rurais (ANMTR)
do ano de 1997 e da Associação Difusora de Treinamentos e Projetos Pedagógicos (Aditepp)
de 1995 demonstram a discussão do papel da mulher nos espaços rurais porque são espaços
de cidadania. A partir do reconhecimento da mulher como sujeito de direitos - que possuem
condições iguais a dos homens - todos passaram a respeitar as diferenças para dar novas
oportunidades da participação da mulher nestes espaços. Entretanto, pode-se perceber que
ainda existe uma grande distância entre os direitos conquistados e a aplicação destes direitos
na vida prática das mulheres. Por isso, tais debates se fazem importantes, tanto pela busca da
igualdade em todas as esferas sociais, quanto pela denúncia de violações dos direitos humanos
dessas mulheres.
Nessa linha de pensamento, Lobo (1991) ressalta a participação mais ativa das
mulheres nos movimentos sociais. Elas acabam por construir a identidade dos movimentos
sociais ou coletivos a partir das necessidades, experiências e visões de mundo das mulheres, o
que favorece o processo da construção da cidadania.
Pode-se considerar a construção de um sujeito coletivo, mas que, atuando localmente
poderiam vencer as barreiras impostas pelas esferas mais altas. Somente através da
participação e da conscientização nos grupos é que se vencem as dificuldades, impondo suas
vozes. A participação das mulheres em movimentos coletivos privilegia as reivindicações e
abre espaços para a prática política. O lugar destas mulheres na esfera política é algo
crescente, por isso deve ser valorizado por instituições que atuam diretamente nas decisões da
população. Sader (1988) utiliza-se do conceito de sujeito coletivo:
no sentido de uma coletividade onde se elabora uma identidade e se
organizam práticas através das quais seus membros pretendem defender seus
interesses e expressar suas vontades construindo-se nessas lutas. Trata-se
sim de pluralidades de sujeitos, cujas identidades são resultados de suas
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interações em processo de reconhecimento recíproco, e cujas posições são
mutáveis e intercambiáveis. As posições dos diferentes sujeitos são desiguais
e hierarquizáveis, mas essa ordenação não é anterior aos acontecimentos,
mas resultados deles. E, sobretudo, a racionalidade da situação não se
encontra na consciência de um ator privilegiado, mas é, também, resultado
do encontro das várias estratégias. (SADER, 1988, p. 55).
Os movimentos sociais tratados aqui correspondem ao que Dussel (1986) chama de
ética comunitária. Portanto, Dussel argumenta que o que faz a ética é a formação de um
pensamento coletivo direcionado que se transforma em ação.
4. METODOLOGIA DE IMERSÃO E OBSERVAÇÃO
A partir de experiências de imersão onde são realizados os processos de agricultura
familiar, quilombos e aldeias indígenas e observação dos modos de ser e das narrativas das
mulheres do Vale, além dos Encontros de Formação e dos Encontros de Mulheres podem ser
analisados os modos como se dá o movimento do feminismo agroecológico nestes espaços.
Proposta por Ocaña (2018) tal metodologia segue um modelo decolonial que significa
mover-se junto ao grupo de interação, participar não apontar, reconhecer-se nos sujeitos e não
julgá-los. Um processo dialógico e não monológico, sobretudo, político: “Todo processo
decolonizante é político e ideológico” (OCAÑA, 2018, p. 182). Diante dessas considerações,
uma metodologia decolonial consiste em criticar a ciência clássica, moderna. Criticar seus
modos do fazer pesquisa colonial, das práticas impostas como certos modelos de observação
sem a imersão necessária para uma coleta de dados condizente com os modos de vida de um
grupo pesquisado.
O apontar, julgar, não respeitar os sujeitos e suas ações ou falas caracteriza, segundo
Ocaña (2018), pensamentos obsoletos e conservadores que não ajudam os pesquisadores em
suas próprias pesquisas, pois colocam uma visão fechada em torno de uma realidade. Para ser
decolonial em pesquisa é necessário ser: “democrático, procurar ser justo, compartilhar e
solidarizar-se” (OCAÑA, 2018, p. 183). Além disso, trata-se de acompanhar o dia-a-dia dessa
mulher, elemento essencial do movimento apontado, seu cotidiano, como se percebe enquanto
ser mulher. Observar como interage com a natureza à sua volta, além de como é representada
pelo coletivo. Portanto, ao acompanhar e coletar as narrativas daquelas populações, do
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movimento promovido pelas redes de interação que apontam para um feminismo
agroecológico e como se organizam nas lutas sociais, nas resistências, nas formas de interação
e cooperação, de acordo com a metodologia decolonial, têm-se as análises que caracterizam
os modos de ser, dizer e fazer do movimento de mulheres que configuraram a temática desse
artigo.
5. RESULTADOS
De acordo com a metodologia aplicada percebeu-se que os Encontros realizados
trouxe para o movimento do feminismo agroecológico uma nova forma de pensar sobre o
acesso ou a falta de direitos ao trabalho, saúde, educação, etc. Não tardou para que a
necessidade de mudança fosse entendida como um ato de libertação e emancipação delas
próprias, e no debater suas experiências se conscientizaram que poderiam ir além de suas
casas e comunidades. Portanto, está aí a formação do movimento do feminismo
agroecológico, que une o aprendizado pela educação popular e respeito à natureza por meio
das resistências de preservação do meio ambiente e correto uso dos recursos naturais para
suas lavouras.
Imprescindível que exista uma articulação entre teoria e práxis, sobretudo pelos
processos educativos, para que haja movimentos de ações humanizantes, preenchendo as
sementes da libertação. Esta libertação, que muitas vezes no decorrer deste estudo o termo foi
utilizado como um sinônimo de emancipação, ocorrer de diversas formas, conforme os
movimentos de educadores aqui propostos, mas que abre novas perspectivas através de
pesquisas, tanto no campo histórico quanto das ciências sociais.
No que tange à educação popular aponta-se que a possibilidade de expandir certas
práticas educativas com viés freireano nas comunidades mais distantes dos centros urbanos.
Atualmente, muitos encontros estão sendo projetados, num trabalho em conjunto entre
comunidades e instituições de apoio citadas ao longo desta comunicação.
Nas comunidades as mulheres que participaram dos processos educativos e que antes
se consideravam socialmente marginalizadas passaram a constituir um novo pensamento: que
as necessidades são diversas, mas ainda assim muitas causadas pelas desigualdades sociais.
Ao conhecerem a razão destas desigualdades começaram a enfrentar mais os elementos de
resistência que a educação popular trouxe como um incentivo aos desejos de sobrevivência
daquela gente. Outro fator importante é que a Igreja católica, juntamente com outras
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organizações de classe, a exemplo da Pastoral da Terra, de Comunidades Eclesiais de Base
(CEBs) e de organizações não governamentais, muitas vezes se tornam responsáveis por
projetos de alfabetização no campo e de formação cidadã de jovens carentes.
As mulheres começaram a perceber que coletivamente aprenderiam sobre seus direitos
e se fortaleceriam. Nesse sentido, o artigo procurou evidenciar as redes de interação e os
sujeitos envolvidos nesses processos educativos e, em seguida, de como foram trabalhadas
algumas das práticas pedagógicas em favor de ações sociais que emanciparam a mulher
dentro de comunidades carentes onde viviam.
Faz-se, portanto, necessário conhecer tais estudos do saber empregado e das práticas
utilizadas propostas no sentido de conscientizar e libertar a mulher que ali se encontrava. Mas
não para tirá-la de seu meio de origem a princípio, mas antes afastá-la de uma consciência
restrita e oprimida que a conserva, talvez por gerações, possivelmente identificando as lutas e
as vitórias alcançadas pelo aprendizado popular como resultado desta libertação.
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