estudar vocabúlario
TRANSCRIPT
r$tüüil uom[tllirio: uomo r [arl rutr
^BAGAçqU
Conselho Editorial
José Hélder Pinheiro Alves, da UFCG (presidente)Luiz Francisco Dias, da UFMG
Evandro Silva Martins, da UniversidadeFederal de Uberlândia - MG
Manoel Fernandes de Sousa Neto, da UFC
'Êr'-.11*-i1 - Í,('i't#.-
Estudar vocabulário:
como e para quê?
Maria Auxiliadora Bezerra (OrS.)Audria Albuquerque Leal
Karine Viana Amorim
Coleção Linguagem e Ensino
BagagemCampina Grande
2004
Editoração EletrônicaMagnoNicolau
Capa
$iceia
RevisãoKléber J. C. dos SantosAna Cristina Marinho
rsBN 85-89254-r0-0
E7 9 Estudar vocabulário: como e para quê? / MariaAuxiliadoraBezerra (org.). Campina Grande : Bagagem, 2004.
117p.
l. Lingüística - Língua Poúuguesa
CDU:801
Todos os direitos desta edição reservados àEditora Bagagem Ltda.Rua Lourival Andrade, 309 - BodocongóCampina Grande - PB - Cep. 58109-160Telefax : 0xx83 333 -7 28 4
Sumário
O voceeurÁRlo NA pESeuÌsA E No ENSTNo
Maria Auxiliadora Bezerra
Vocesur.Ánro E ASpECTos r-rNcüÍsncos ooPonrucuÊs EM LrvRos nroÁrrcosAudria Albuquerque Lea|........ ....... 39
A urnlzeçÃo oo olcroNÁnro EM sALA DE AULA
Karine Viana Amorim ............
l1
83
ApnBsmneÇÃo
Meu interesse por vocabulário vem desde os
tempos de adolescente, quando passava horas lendodicionário de língua portuguesa. Tudo me chamava a
atenção: definições, sinônimos, antônimos (quando
havia), abonações, procura da(s) letra(s) com maiorou menor número de palavras, aspectos morfológicose outras informações. Tempos depois,li muitas outras
obras da lexicografia, da lexicologia e da terminologia,fiz algumas pesquisas sobre vocabulário, escrevialguns artigos sobre seu ensino e consegui despertaro interesse de vários estudantes do Curso de Letras
da UFCGiCampina Grande para esse assunto:ftzeram pequenas pesquisas e escreveram mono-grafias. Alguns deles continuaram seus estudoslexicológicos em programas de pós-graduação e se
encontram no presente livro, contribuindo para a
ampliação dos conhecimentos da ëtrea.
Este livro se dirige a professores(as) de língua
B
materna da educação básica, em serviço e/ou emformação, e a interessados por palavras, vocábulos,léxico e ensino. Caraçterizando-se como dedivulgação científica, pois apresenta, numa linguagemmais acessível a um grande público, resultados depesquisas sobre léxico de modo geral, o livro estácomposto por três capítulos, envolvendo teorialexicológica e lexico-gráfica e reflexões sobre oensino de vocabulário. Tem como objetivo contribuircom os estudos de lexicologia/lexicografia na sala deaula, dando alguns subsídios para o tratamento das
palavras no processo de ensino/aprendizagem, tantovoltado para a compreensão como para a produçãode textos.
O primeiro capítulo, O Vocabulário napesquisa e no ensino, apresenta conceitos e
princípios teóricos básicos e sugestões de trabalho,que podem fundamentar o fazer didático deprofessores(as) de língua materna relativo ao estudode vocabulário.
O segundo capítulo, Vocabulário e aspectoslingüísticos do português em Livros Didáticos,volta-se para a descrição e análise de exercícios emlivros didáticos de português de 5u a 8u séries,
9
contribuindo para que professores(as) do ensinomédio e fundamental façam uma avaliação dessematerial e saibam utilizáylo, de modo a não se limitarao esfudo de sinônimo/antônimo tão recorrente emlivros didáticos de português (e como está mostradonesse capítulo, por meio de gráficos).
O terceiro capítulo, O Dicionário na sala deaula, descreve o uso do dicionário em sala de aula(como o título já informa) do ensino fundamental I,desde a sua escolha, passando por sua apresentaçãoaos alunos, até as consultas feitas por eles a esse
tipo de livro. E interessante considerar os depoimentosdas professoras entrevistadas, ao se referirem aodicionário. No final, são apresentadas algumasreferências bibliográficas, como sugestão para oaprofundamento do assunto pelo leitor.
1.1,
O voceeulÁnro Ne
PESQUISA ENO ENSINO
Maria Auxiliadora Bezerra
Nos itens lexicais de uma língua cruzam-seconhecimentos fonético-fonológicos, morfológicos,sintáticos, semânticos, pragmáticos e discursivos, que
os tornam objeto de interesse incessante para os
estudiosos, desdg a antigüidade clássica: orarelacionando-os ao pensamento, ora buscando a sua
origem, ora reconstruindo sua história, ora procurandoexplicar seus sentidos e valores, ora analisando seus
aspectos lingüísticos e tantos outros estudos. Obrashá que se dedicam ao estudo Íilosófico, ou histórico,ou filológico, ou lingüístico dos itens lexicais; cada
uma com um interesse específico e destinado a umpúblico leitor também específico.
Essas perspectivas teóricas diversas foramcriando conceitos teóricos fundamentais que tentam
t2
explicar esse objeto de estudo. Alguns deles merecemser incluídos, aqui, tendo em vista que, por nosdirigirmos a professores em formação básica e
continuada, poderão ser utilizados em suas atividadesdocentes, já que o vocabulário é um componente doensino/apren dizagem de língua materna.
Convencionou-se chamar d.e léxico todo oconjunto de palavras de uma língua (dicionarizadasou não, tidas como cultas ou não, escritas ou faladas)e de vocabulário o subconjunto que se encontra emuso efetivo, por um determinado grupo de falantes,numa determinada situação (o grupo de palavras deum determinado texto, o grupo de palavras utilizadopor um determinado escritor em sua obra, por umprofissional no exercício de sua proÍissão, porjovensem seu grupo de amigos, pelo professor e seus alunosna sala de aula, por crianças entre si e tantas outrassituações).
A unidade do léxico é o item lexicall , enquantovocábulo é a do vocabulário. O termo palavra e
I Vários teóricos apresentam termos diferentes paraexplicar qual é a unidade básica do léxico. Vamos nosbasear em Vilela(1994) e Perini (1995), que defendem otermo "item lexical".
13
um termo genérico, tradicionalmente utilizado na
língua, fazendo parte do vocabulário de todos os
falantes (e por isso utilizada, mesmo pelosespecialistas que apontam ambigüidade no termo),mas sem o rigor científico, preconizado pelalexicologia, disciplina que estuda o léxico em suas
relações lingüísticas (fonomorfossintáticas e
semânticas), pragmâticas, discursivas, históricas eculturais. Ao lado da lexicologia,hâ a lexicografia,que se dedica ao estudo e à elaboração de dicionáriose glossários, e a terminologra, disciplina mais recente,
que estuda os termos de natureza técnico-científica,também chamado de temáticos ou especializados de
uma dada área científica, técnica ou tecnológica.Neste capítulo, vamos nos restringir a aspectos
que envolvem pesquisa e ensino de vocabulário em
língua matema, embora, para compreendê-los melhor,
façamos uma breve incursão na história dos estudos
lexicais.
Um vôo panorâmico sobre estudos lexicais
Um dos estudos mais antigos sobre o léxicovem da Índia e se encontra na gramâtica de Panini
74
(s. IV a.C.), que estudou o sânscrito e definiu oselementos significativos da língua como palavras reais(verdadeiras) - os itens lexicais - e palavras fictícias
- os morfemas. Sua preocupação maior foi com aforma, sendo notável seu estudo de morfologia.
No ocidente, as primeiras reflexões conhe-cidas, envolvendo o léxico, nos vêm dos gregos, quese preocuparam com apalavra como conceito, coma relaçáo entre a idéia e a forma (materialidade dapalavra), constituindo-se em reflexões filosóficas, quealicerçaram o campo da semântica.
Os latinos, desenvolvendo estudos gramaticais,contribuíram com a explicação de que as formaslexicais mantêm entre si e com os significados relaçõesinexplicáveis e aparentemente anárquicas, ao contrá-rio da gramática (e conseqüentemente da morfologialexical) que apresenta regularidade. Ou seja, atuali-zando essa explicação, trata-se da oposição entresistema (gramática da língua) e norïna (uso socialefetivo), que atuam como forças que conservam alíngua, ao mesmo tempo em que lhe permitemmudanças. Também estudaram a controvérsia entreanalogia (regularidade de relações entre palavras eidéias) e anomalia (inegularidade).
A ldade Média, continuando a tradição greco-
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latina, retoma essa controvérsia acerca da exatidão
das palavras, opondo realistas (aqueles para quem
as palavras são apenas o reflexo das idéias) enominalistas (que crêem que os nomes foram dados
arbitrariamente às coisas).
Do Renascimento até o século XVIII (Rey,
1980), o estudo do léxico se desenvolveu,principalmente, em torno de dois eixos: a confecção
de dicionários e o estudo dapalavra, numaperspectiva
filosófica. Em relação ao primeiro, embora jáhouvesse, desde os antigos, listas lexicais (listas de
ideogramas chineses, listas de palavras de linguasaparentadas, por exemplo), foi no século XVI, no
ocidente, que se iniciou a descrição ordenada do léxico,
e com a invenção da imprensa surgiram os dicio-nários monolíngües e plurilíngües. Anecessidade de
preservar-se as línguas em desaparecimento, de
facilitar aaprendizagem de línguas estrangeiras e o
cuidado em preservar a língua de cada povo, fazendoprevalecer as regras do "bom uso", conduziram o
aparecimento desses tipos de dicionários2. Emrelaçãoao segundo eixo, os estudos filosóficos consideravam
2 Outras informações sobre dicionário se encontram nocapítulo 3.
16
a relação entre palavras, idéias e coisas, anaíxezada palavra no discurso individual, que corresponde aum conteúdo variável, e na língua, que deve ter umconteúdo estável, para possibilitar a comunicação.Esses fundamentos filosóficos influenciaram os
gramáticos da época, que procuravam definir os
fatores constitutivos da linguagem e das línguas.Criaram a lexicologiâ, que estudava a língua falada,analisando o conteúdo lexical em elementosconceituais (sentido "básico" da palavra), funcionais(sentido "específico") e morfossintáticos (sentido"acidental"), e defendiam os aspectos formal e
histórico da palavra subordinados aos aspectossemântico e sócio-cultural.
No século XIX, a lexicologia mudou deperspectiva e apalavrapassou a ser vista como formacuja natureza fonetica e morfológica deveria ser
observada. A relação entre pensamento e palavradeixa de ser preocupação dos estudiosos, passando
o interesse a ser a comparação das palavras(característica predominante desse século), quepermitiu a recuperação da história das línguas.
No século XX, os estudos lexicológicos se
diversificaram, atrelados às várias correntes
1.7
lingüísticas em vigor nesse século. As correntesestruturalistas americanas e européias influenciaramos estudos do léxico, desde a discussão sobre adefinição de palavra e a delimitação da unidadelexical, até a concepção de léxico, que passou a ser
visto com um conjunto cujos elementos são
interligados e formam subconjuntos, que por sua vez
também são ligados entre si por meio de diversos
laços. Percebemos, subjacentes, as noçõessaussurianas de língua como sistema, de sintagma e
de paradigma.Esses conjuntos e subconjuntos constituem os
chamados campos lexicais (semânticos, associativos)
abordados por vários autores, ao estudarem o
vocabulário de áreas as mais diversas, como, porexemplo, o campo lexical de "parentesco", de
"democracia", do o'seringal", da "aviação"...Correspondem ao levantamento de substantivos,verbos, adjetivos e advérbios, que mantêm umarelação de sentido entre si e o tema principal.
Ateoria gerativista (Chomsky, 1999) estuda o
léxico do ponto de vista cognitivo, diferentemente das
estruturalistas (que o estudam do ponto de vista formale social). Para os gerativistas, o sistema cognitivo
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humano consiste num sistema computacional (asintaxe de modo amplo) e num lexical, e o léxico éum conjunto de elementos lexicais, cada um delessendo um sistema articulado de traços fonéticos,semânticos e sintáticos. O sistema lexical funciona,fornecendo as informações de som, de significado e
sintáticas ao sistema computacional, que as selecionae integra para formar expressões lingüísticas. Ou seja,
os gerativistas procuram conhecer aorganização e ofuncionamento do léxico no nosso sistema cognitivo.
As teorias funcionalistas estudam o léxico doponto de vista do uso social e o consideram como oconjunto de todos os lexemas básicos de uma língua,que constituem os predicados e os termos básicos.Seu estudo visa contribuir para a determinação domodo como as pessoas conseguem comunicar-se pelalíngua.
Em relação aos estudos lexicográficos, houveum grande impulso no século XX, com o apare-cimento de novas características nos dicionários(relativas às informações contidas, aos destinatários,ao suporte): além dos de língua (monolíngües e
bilíngües), há os dicionários trilíngües, enciclopédicos,etimológicos, terminológicos, de especialidade,
19
eletrônicos, digitais, destinados a crianças... Todaessa variedade se beneficia dos resultados obtidosnas pesquisas de lexicologia, lexico grafra e termi-nologia.
Pesquisas sobre vocabulario
As informações dadas no item acima resultamde pesquisas desenvolvidas sobre o léxico, emboranem todas se baseiem no conceito moderno depesquisa (científica), que se propagou no século XX.Os estudos sobre vocabulárjo realizados nesse século,no Brasil, caracterizam-se como pesquisas teóricase aplicadas, dentre essas, destacam-se as de campoe as bibliográficas. Poderiam ser agrupadas em quatrograndes blocos: pesquisas sobre formação depalavras, sobre vocabulário de especialidade, sobreensino de vocabulário e sobre terminologia. Os seusresultados vêmpouco apouco influenciando o ensinode vocabulário, como vemos em alguns liwos didáticosde língua portuguesa e em orientações dadas aprofessores em formação continuada. A influêncianão se dâ tao rapidamente, como está acontecendocom outros componentes de aprendizagemda língua
20
(por exemplo, a leitura, a escrita, o discurso). Como
informação, serão dadas algumas referências de
pesquisas, principalmente, a partir das duas últimas
décadas do século XX, com o objetivo de desenhar-
se um quadro geral (sem aprofundamento) do que se
tem realizado sobre vocabulário.
A) Pesquisas sobre formação de palavras
Nesse grupo, encontramos pesqulsas que,
baseadas em teorias estruturalista ou gerativista,
analisam os processos de formação de palavras, novos
processos e os mais produtivos, em língua portuguesa.
1. ALVES, Ieda. Neologismo. São Paulo: Atica,1990.
2. BASÍLIO, Margarida. Estruturas lexicais do
português. Petrópolis: Vozes, 1 980.
Teoria lexical. São Paulo: Ática, 1987.
CARVALHO, Nelly. Linguagem iornalística.Aspectos inovadores. Recife : SEC/Pernambuco,
1983.
J.
4.
27
5. _. Empréstimos lingüísticos. São Paulo:Ática, 1989.
6. SANDMANN, Antônio J. Competência lexical.Curitiba:UFPR, 1991.
B) Pesquisas sobre vocabulário de especialidade
Nesse grupo se destacam as pesquisasdesenvolvidas com base em teorias estruturalistas,principalmente a de campos lexicais, referentes a
vocabulários usados por pessoas que fazem parte de
um grupo sócio-profissional, ou a obras escritas. Essas
pesquisas, em geral, têm o objetivo de registrar umaparte do léxico português em uso, numa dada época,
e aspectos da estilística lexical de profissionais da
língua.
ALDRIGUE, Ana C. A linguagem do serin-gueiro no estado do Acre. Recife: UFPE, 1986.
ALMEIDA, Ma.de Fátima. O místico-religiosoem Jos<i Lins do Rego: uma visão léxico-semân-tica de Pedra Bonita. João Pessoa: UFPB, 1988.
FAULSTICH, Enilde. Lexicologia: a linguagemdo noticiário policial. Brasília: Horizonte, 1980.
1.
2.
J.
22
4.
5.
GOMES, Núbia. A linguagem do pescador emMinas Gerais. Rio de Janeiro: UFRJ, 1979.MACHADO, Leo. A linguagem da cana-de-açúcar em Campos-R-l. Rio de Janeiro: UFzu,1987.
6. TRINDADE, Aldema. O léxico do cavalo. PortoAlegre: PUC,1979.
C) Pesquisas sobre ensino de vocabulário
Essas pesquisas, baseadas em teoriasestruturalistas (principalmente até os anos 80 do séculopassado) e em teorias textuais (a partir dos anos 90),se voltam tanto para o livro didático quanto para asala de aula de ensino fundamental e médio.Obj etivam, principalmente, diagnos ticar a realidadedo ensino de vocabulário e propor alternativas, combase nos princípios teóricos sobre texto, consideradaa unidade maior para o ensino.
L AMOzuM, Karine. O dicionário: do livro didáticoà sala de aula. Recife: UFPE, 2003.AZEYEDO, Solimar. O ensino do vocabulárioe os livros didaticos. João Pessoa: UFPB, 1998.
2.
4.
5.
23
KLEIMAN, A. O vocabulário no texto: duasabordagens de ensino. In _. Oficina deleítura. Campinas:Pontes, I 993, p.67 -82.LEAL, Audria. Os exercícios de vocabulário:o léxico no livro didático. Recife: UFPE,2003.LEFFA, Vilson. Aspectos externos e.internos daaquisição lexical. In _ (org.). As palavrase suo companhia.Pelotas: EDUCAT,2000, p.15-44.
TRINDADE, João. Para uma pedagogia dovocabulário. Porto Alegre: PUC, 1980.
D) Pesquisas sobre terminologia
As pesquisas sobre terminologia são as maisrecentes (a partir da década de 1990), motivadas pelaexpansão da tecnologia, que repercute nas línguas,umavez que elas estão relacionadas a cada máquina,equipamento ou instrumento criado e posto emfuncionamento, a cada processo de produçãopraticado, a cada negócio realizado, possibilitandocom seus recursos a formação de novos termos, paranomeá-los.
6.
24
1.
2.
3.
BEVILACQUA, Cleci. A fraseologia jurídico-ambiental. Porto Alegre: UFRGS, 1996.
BORGES, Marlise. Identificaçiio de sin-tagmasterminológicos em geociências. Porto Alegre:UFRGS,1998.FINATTO, Ma.José. Definição terminológica:fundamentos teóricos e metodológicos para sua
descrição e explicação. Porto Alegre: UFRGS,2001.KRIEGER, Ma. da Graça. Terminologia emcontextos de integração: funcionalidade e
fundamentos. Organon, Porto Alegre, v.I2, n.26,p.19-32,1998.
Ensíno de vocabulário
Assim como as pesquisas sobre vocabuláriovão seguindo os paradigmas teóricos, seu ensinotambém vai recebendo influência desses paradigmas
e dos resultados de pesquisas (embora maislentamente, como foi dito acima). É assim que, até
os anos de 1970, o ensino se restringia ao item lexicalisolado ou em frases curtas, com suas relações de
4.
.25
sinonímia e antonímia, pois predominava o estudo da
lexicologia estrutural.Com os estudos de texto, oral ou escrito,
divulgados pela lingüística textual e lingüísticaaplicada, a abordagem de vocabulário na sala de aulacomeça a ser alterada: aos poucos o item lexical(unidade de estudo) vai sendo estudado no âmbito do
texto, não mais simplesmente da frase ou de formaisolada3. Além das relações semânticas (sinônimo,antônimo, polissemia), é necessário também iden-tificar o funcionamento dos itens lexicais no texto,para se construir uma unidade de sentido, fazetinferências, generalizações, perceber o papel das
figuras de linguagem no texto; e para construir umaunidade, ao produzir-se um texto, selecionandovocabulário adequado ao tema, ao destinatário, ao
registro lingüístico e às intenções do autor. Assim, o
estudo de vocabulário na sala de aula poderá ser
produtivo.Como sugestão, apresentamos a seguir,
algumas propostas de trabalho com vocabulário, tantopara a compreensão quanto para aprodução textual,
3 Outras informações a esse respeito estão no capítu-lo2.
26
que o professor poderá adaptar para suas aulas,segundo a realidade de ensino que vive.
Partimos da leitura do texïo A palavra dePabloNeruda, no qual ele faz referência às conseqüênciasda colonização espanhola naAmérica e à importânciadas palavras em sua vida.
A Palavra
...Sim senhor, tudo o que queira, mas são as
palavras as que cantam, as que sobem e baixam...Prosterno-me diante delas...Amo-as, uno-me a elas,
persigo-as, mordo-as, derreto-as...Amo tanto as
palavras...As inesperadas...As que avidamente agente espera, espreita até que de repente caem...Vocábulos amados...Brilham como pedras coloridas,saltam como peixes deprata, são espuma, fio, metal,orvalho...Persigo algumas palavras...São tão belasque quero colocá-las todas em meu poema...Agarro-as no vôo quando vão zumbindo, e capturo-as, limpo-as, aparo-as, preparo-me diante do prato, sinto-ascristalinas, vibrantes, ebúrneas, vegetais, oleosas,como frutas, como algas, como ágatas, co'mo
27
azeitonas...E então as revolvo, agito-as, bebo-as,sugo-as, trituro-as, adorno-as, liberto-as...Deixo-ascomo estalactites em meu poema, como pedacinhosde madeira polida, como carvão, como restos de
naufrágio, presentes na onda...Tudo está napalavra...Uma idéia inteira muda porque uma palavramudou de lugar ouporque outra se sentou como umarainha dentro de uma frase que não a esperava e que
a obedeceu... têm sombra, transparência, peso,plumas, pêlos, têm tudo o que se thes foi agregado de
tanto vagar pelo rio, de tanto transmigrar de pâtria,de tanto ser raízes... São antiqüíssimas e recen-tíssimas. Vivem no feretro escondido e na flor apenas
desabrochada...Que bom idioma o meu, que boalíngua herdamos dos conquistadores torvos...Estesandavam apassos largos pelas tremendas cordilheiras,pelas Américas encrespadas, buscando batatas,butifarras, feijõezinhos, tabaco negro, ouro, milho,ovos fritos, com aquele apetite voraz que nunca maisse viu no mundo...Tragavam tudo: religiões, pirâmides,tribos, idolatrias iguais às que traziam em suas
bolsas...Por onde passavam a terra ficava arrasada
... Mas caiam das botas dos bárbaros, das barbas,dos elmos, das ferraduras, como pedrinhas, as
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palavras, as palavras luminosas que perïnaneceramaqui resplandecentes...o idioma. Saímos perdendo ...
saímos ganhando... Levaram o ouro e nos deixaramo ouro... Levaram tudo e nos deixaram tudo...Deixaram-nos as palavras.
(Pablo Neruda, Confesso que vivi: memórias.
Trad. Olga Savary. Rio de Janeiro: Difel,l974,p.5l-52)
I) Questões relacionadas à construçãode sentidos do texto
A exploração do vocabulário deve sercontextualizada, para auxiliar a compreensão do texto;por isso, não é conveniente elaborar-se uma ativida-de específica de vocabulário, independente dasquestões de compreensão/interpretação que,normalmente, são feitas. Além de possibilitar a
compreensão do texto, o estudo também contribuipara a ampliação do vocabulário ativo (conjunto de
vocábulos em uso) e passivo (vocábulos conhecidos,mas não empregados, e reconhecidos) do leitor.
l) Qual a importância das palavras para o narrador?Explique sua resposta.
2S
2) Que julgamento o narrador faz da ação do
colonizador? Justifique sua resposta, ilustrando-a com fragmentos retirados do texto.
3) O texto está escrito em dois eixos: as palavras e
os conquistadores. Faça o levantamento dos
substantivos, adjetivos e verbos que se referema cada um, formando dois campos lexicais.
(Palavras
Cantam, sobem, brilham, peixes de prata, cristalinas...
Conquistadorestorvos, andavam a passos largos, tragavam...)
Observe os dois campos e diga qual ó osentimento do narrador em relação às palavras e aos
conquistadores. Explique sua resposta.
4) Compare a resposta dada à questão 3 com as
dadas às questões 1 e 2. Elas se confirmam ou
divergem? Por quê?
5) Que sentidos as metáforas e sinestesias podematribuir ao texto? (Identifique algumas metáforas
e sinestesias e explique o processo conotativo que
está em jogo no texto).
30
6)
7)
8)
e)
O texto ftnaliza com "Saímos perdendo...saímosganhando...Levaram o ouro e nos deixaram oouro...Levaram tudo e nos deixaram tudo...".Esse fragmento está incoerente? Como vocêexplica essa redação? E como interpreta otrecho?A que/quem o narrador se refere, quando afirma"Tragavam tudo: religiões, pirâmides, tribos,idolatrias iguais às que eles traziam..."? Comovocê encontrou sua resposta?Considerando os contextos "Conquistadorestorvos... buscando batatas, ouro... ovos fritos;tragavam tudo; a terra ficava arrasada...", o quesignifïca "apetite v oraz" ?
Em países governados por reis, é possívelencontrar vassalos que se curvam até o chãodiante de sua majestade em sinal de respeito eadmiração. No início do texto em estudo, onarrador afirma ter essa atitude para com aspalavras. Identifique e transcreva apassagem queconfirma essa atitude.
l0) No texto há uma referência, de forma indireta, àdinâmica de ampliação do léxico e à riqueza desentidos que os vocábulos podem ter. Identifiqueos fragmentos que podem ser relacionados a:
c)
d)
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a) arcaísmos e neologismos: (são antiqüíssimas e
recentíssimas, vivem no féretro escondido e na florapenas desabrochada).
b) empréstimos lingüísticos: (de tanto transmigrar de
pátria, de tanto ser raízes...)
conjunto de sentidos de uma palavra, por ser
empregada em vários contextos: (têm sombra,transparência... têm tudo o que se lhes foi agregado de
tanto vagar pelo rio).uso inadequado da palavra: (uma idéia inteira muda
porque uma palavra mudou de lugar ou porque outra
se sentou ...dentro de uma frase que não a esperava...)
As questões 1,2 e 4 se referem à compreensãodo texto de forma global, sendo para isso necessário
o aluno conìparar informações.A questão 3 exige a elaboração de campos
lexicais, que permitem explicitar as relaçõessemânticas entre as palavras e o tema do texto.
As questões 5 e 6 exploram a conotação, sendo
necessário ao aluno o conhecimento das figuras de
linguagem, para melhor compreender o texto.A questão 7 acionao conhecimento de mundo
(história da colonização espanhola) do leitor para
chegar à resposta.As questões 8 e 9 exigem inferência lexical
32
por parte do leitor, para dar sentido às palavras emfoco.
A questão 10 relaciona conhecimento da teorialexical com as metáforas do texto, possibilitando aoleitor dar um sentido ao texto.
II) Questões relacionadas à produção textual
O processo de ensino/aprendìzagemda escritaestá diretamente ligado às práticas de letramento e ateorias de gênero textual, para que a atividade deescritura, na escola, não se limite apenas a uma tarefaescolar, cujo leitor é o próprio professor. Assim, aescolha lexical por parte do aluno está relacionadaao gênero textual, ao registro lingüístico, ao tema, aointerlocutor, enfim às condições deprodução do texto.
l) Escreva uma carta a um amigo, dizendo-lhe que leu o texto de Neruda e resuma-o.Ao usar as palavras que seu amigopossivelmente não conheça, utilize algunsdos recursos que a língua portuguesaoferece, para explicá-las (ísto ë, ou seja,em outras palavras, dois pontos, parên-teses, vírgula, travessões).
33
(Olá, Fulano, tudo bem?Essa semana li um texto muito bom, que você podia
ler também. Se chama A Palavra e foi escrito por PabloNeruda (um escritor chileno). O texto fala da importânciadas palavras para um poeta. Em uma parte, ele diz que as
palavras são cristalinas, vibrantes, ebúmeas, quer dizer.lisas ou alvas como o marftm, vegetais, oleosas.'..)
2) Nos textos, de modo geral, há sempredescrições de pessoa, de personagem, de
ambiente, do tempo etc. No texto abaixo,
incluauma descrição, de tal modo que possa
ser substituída por uma palavra. Dê seu
texto para seu colega ler e peça-lhe que
substitua a descrição pela palavra ade-
quada.
São 1l horas da manhã e a temperatura é de
quase 30 graus. Cheiro insuportável e moscas tão
grandes que parecem ter saído de um filme de ficção
científica. Entre os enorïnes caminhões que quase
atropelam os menos atentos, coffem crianças, jovens,
adultos e velhos (pessoas pobres, analfabetas ou que
sabem ler e escrever muito pouco, sem qualificação
profissional, sem emprego formal, que vivem naquele
34
local procurando. escolhendo, selecionando,
considerados inúteis, velhos, podres por moradoresda cidade), que iniciam seu dia de trabalho.(catadores de lixo)
3) Leia a seqüência nanativaabaixo e substituao verbo dizer por outros verbos de elocuçãomais adequados às situações demons-tradas.
Na casa de mamãe Elena a preparação dochouriço tinha todo um ritual. (...) Sentavam-se pelastardes na mesa de jantar e entre conversas ebrincadeiras o tempo passava voando até começar aescurecer. Então Mamáe Elena dizia:
- Por hoje, terminamos com isto.Dizemque para bom entendedor meia palavra
basta; sendo assim, depois de escutar esta frase todossabiam o que tinham de fazer. (...) Numa tardesdessas, antes que Mamãe Elena dissesse que podiamse levantar da mesa, Tita, que então contava quinzeanos de idade, lhe disse com voz trêmula que pedroMuzquiz queria vir falar com ela...
- E de que este senhor tem de vir me falar? -
35
disse Mamãe Elena depois de um silênciointerminável que fez a alma de Tita se encolher'
Com voz apenas perceptível disse:
- Não sei.
Mamãe Elena lançou-lhe um olhar que para
Tita encerrava todos os anos de repressão que haviamflutuado sobre a família e disse:
- Pois mais vale que lhe informes que se é
para pedir tua mão, não o faça. (...) (Laura Esquivel,
Como âgua para chocolate, São Paulo: MartinsFontes, 1993,p.7, com cortes).
4) Reescreva o texto informativo abaixo, em
registro formal, para enviá-lo a alguém de
sua família ou da escola que não entende
por que você prefere a amizade de outro/aadolescente à de seu irmão ou irmã.
Amigo é coisa para se guardar do ladoesquerdo do peito, jâ dizia Milton Nascimento em
Canção da Américc. No comecinho da ado-lescência, então, nem se fala. Amigo é companhia, é
confidente, é até inimigo - basta a melhor amiga
arrumar um rolo e a parte abandonada logo ficaenfurecida. Nessa fase, é normal que seu filho, ou
36
filha, procure alguém com quem possa trocarsegredinhos (quase sempre inocentes), fofocas e falarmal de você pelas costas (sempre da boca parafora...).
Não é regra geral, mas a companheira idealcostuma ter a mesma idade e partilhar os mesmosinteresses. Elas se vêem todos os dias e ainda têmassunto para conversar horas no telefone. (...) Nema mãe é páreo para ela. É um relacionamento tãointenso que a alma gêmea acaba se tomando quaseum membro da família.
(Crescerem família. São Paulo: Globo, n.27,
fevereiro de 1996, p.85,86, fragmento).
As questões I e 2 exigem de quem estáescrevendo o texto conhecimentos de vários recursosda língua (pontuação, explicação, descrição),apropriados ao que se quer enfatizar,dependendo doque vai ser dito a quem.
A questão 3 trabalha com a ampliação do usode verbos de elocução que leva o aluno a expressar-se de forma mais adequada ao que se quer informar.
A questão 4 favorece o uso do registro formal,
37
partindo de um texto informal, uma vez que o
destinatário mudou, acarretando uma mudança
também na forma de escrever, pois interlocutores
diferentes, em geral, provocam alterações no estilo
dos textos.Acreditamos que essas sugestões de trabalho
com o vocabulário, relacionadas ao texto, contribuem
para diversificar os exercícios tão previsíveis de
sinônimos e antônimos, que muitas vezes não chegam
nem a ampliar o vocabulário passivo dos alunos.
Como se trata de sugestões, também acredi-
tamos que os(as) professores(as) saberão avaliá-las,
alterá-las e elaborar outras a partir delas, de modo
que contemplem o ensino de vocabulário em suas
aulas de língua materna.
39
VocesurÁRro E ASpECTos lrNcúsrlcosDo PoRTUGuÊs su LIVRos nnÁrlcosl
Audria Albuquerque Leal
O domínio do vocabulário, além de outros
aspectos, é também parte essencial no aprendizado
de uma língua, principalmente na aquisição da
proficiência em leitura e escrita. Por isso precisa ser
ensinado, levando-se o aluno a conhecer o significado
das palavras, bem como reconhecer novos signi-
ficados em novos contextos, suas relações em
universos semânticos e o uso de acordo com seu grau
de formalidade ou informalidade.
Reconhecendo a importância do vocabulário
I Este capítulo foi extraído, com modificações, de nossadissertação de mestrado, defendida em 2003, na UFPE,tendo recebido auxílio financeiro do CNPq.
40
no aprendizado da língua, propomo-nos, neste capítu-lo,fazerumaanálise dos assuntos abordados nos exer-cícios de vocabulário de quatro coleções de livrosdidáticos de português (LDP)2, de 5u a 8u série, apro-vadas pelo PNLD (Programa Nacional do LivroDidático).
Aspeclos da língua portuguesa enfatizados nosexercícios de vocabulario
A necessidade de levar o estudante de línguaportuguesa a conhecer o vocabulário e saber utilizâ-lo condicionou seu ensino a considerar as palavrasem vários aspectos. Dessa forma, os exercíciosprocuram mostrar o léxico e sua relação com outroscampos lingüísticos, como a morfologia, por exemplo.Os exercícios encontrados nos LDP em análise estãodistribuídos em vários assuntos diferentes:significado e relações lexicais; variação lingüís-tica; morfologia; campo semântico; dicionário;figuras de linguagem e terminologia.
O total de exercícios corresponde a635 e estãodistribuídos como segue o assunto 1 (41) significadoe relações lexicais compreendendo mais da metade
41.
desses exercícios, num total de 368 (57,95%). Esse
assunto refere-se aos exercícios que abordam o
significado das palavras ou algum tipo de relaçãolexical, isto é, sinônimos, antônimos e parônimos. Av ar i a ç ã o lin güí s tic a (A2), num to tal de 1 2 I (1 9,0 5%)
exercícios, é explorada no campo da formalidade e
informalidade. Esse assunto irá compreender os
exercícios com gírias, regionalismos, linguagemformal e informal, estrangeirismos ou empréstimoslingüísticos e expressões idiomáticas. A morfologia(A3) é estudada num total de 70 exercí cios (11 ,02%o),
explorando-se desde as partes que compõem as
palavras até siglas e classes de palavras. O campo
semântico (44) é abordado em um total de 13
exercícios (2,04o/o), que tratam, basicamente, da rede
semântica que as palavras formam entre si, ou o que
poderíamos chamar de frames. Os exercíciosrelativos a dicionario (A5) perfazem um total de 15
(2,36%) tratando, especifìcamente, do seu manuseio,
sua estruturação e a sua função. As figuras de
linguagem (46) são estudadas num total de 38
exercícios (5,98o/o), que trabalham a palavra e suas
variadas conotações. Esse assunto compreende os
fenômenos conhecidos como metáfora, metonímia,onomatopéia, eufemismo, entre outros. O assunto
2 Ver as indicações nas Referências.
42
terminologia (A7) é o menos recorrente nos nossosdados e encontra-se em um total de l0 exercícios(1,6%). Esse último lida com termos técnicos ecientíficos ou palavras especializadas de alguma área,como, por exemplo, o jargão.
Neste capítulo, faremos uma abordagem dostrês primeiros assuntos, ou seja, significado erelações lexicais, variação lingüística e morfo-logia, visto que são os mais recorrentes nos LDP.
A1-Significado e relações lexicais
Segundo Ilari (1 985), as posições teóricas sobresignificação são inúmeras e vão desde a idéia de queas coisas nomeiam a língua, ou seja, a crença da línguacomo uma nomenclatura, até a idéia de que a estruturada língua determina nossa capacidade de perceber omundo. Hâ ainda a noção de que não é possíveladivinhar o significado das palavras e suas relaçõessem que elas estejam envolvidas numa atividade.Essas posições seguem, em particular, o conceito delíngua adotado por cada estudioso. Lyons (1987),mesmo reconhecendo a problemática de se definirsignificado, ressalta a importância do estudo dessetópico numa busca de identificação de conceitos.Significado e relações lexicais são assuntos ligados
43
à semântica e, pof isso, colocamo-los, para efeito de
análise, num só bloco.É interessante notar que os exercícios de
vocabulário que exploram o significado e relações
Iexicais nos LDP são a grande maioria. As atividades
que tratam apenas do significado toializam 288 dos
368 exercícios que versam sobre esse tema' Já os
exercícios que abordam as relações lexicais, isto é,
sinônimos, antônimos e parônimos, perfazem um totalde 80 exercícios. Podemos melhor visualizar esses
dados no gráfico I apresentado abaixo:
Gráfico iComparando exercícios de Significado e
Relações Lexicais
350
300
250
200
150
100
50
0
SigniÍicâdoRêlacões Lexic
Ouantidade dê exercícios
44 .-
a. Significado
Os vários significados que podem seratribuídos uma palavra são determinados pelocontexto no qual a palavra está inserida, ou seja,quando falamos de palavras e seus respectivossignificados, devemos falar, também, dos fatores quecercam a enunciação dessa palavra.
É sabido que somos produtores e intérpretesde textos (Marcuschi, 2}}2;Fairclough,200l) e, comotal, entramos em contato com uma rede de palavrase seus múltiplos significados implícitos. Como destacaFairclough (op. cit., p.230), a relação que as palavraspossuem com seus significados são de muitos paraum e não de um para um. Desta forma, para cadapalavra haverá diversos significados, quanto diversosforem os contextos em que ela se realize e não ocontrário, ou seja, uma palavra não é possuidora deum significado isolado, mas possui significados que aacompanharam em suas enunciações. Podemosmesmo falar em palavras plurissignifìcativas ou quetoda palavra é plurissignificativa. Assim, comoprodutores e intérpretes, estamos diante de escolhassobre que palavra usar e como usá-la precisamente,
45
isto é, escolhas sobre como expressar um deter-minado significado por meio de certas palavras que orepresentarão ou que mostrarão aquilo que queremosdizer. Além disso, como intérpretes, deparamo-noscom decisões sobre corno interpretar as palavrasescolhidas pelo outro no ato comunicativo e, também,como atribuir valores a elas.
Desta forma, Fairclough (2001:230) reitera queessas escolhas e decisões não são de natutezapuramente individual, mas nascem da interação entresujeitos situados sócio-historicamente, ou seja, ossignificados das palavras e a lexicalização designificados são questões que são variáveissocialmente e socialmente contestadas, e facetasde processos sociais e culturais mais amplos. Porisso, o ensino das palavras deve considerar aplurissignifi caçáo, devendo abarcar seus váriossignificados bem como o seu contexto, uma vez queesse fator será determinante para a compreensãodesse vocabulário. Considerando o que foi dito,analisemos os exemplos 1,2 e 3 de exercícios queabordam o significado de palavras e expressões nosLDP.
46
(01)11- Qual o significado da expressão "virou a
mesa"? Escreva uma frase em que elaapareça.
(Faraco e Moura,200l,6" série, p. 60)
(02)2-O que é censo?
(Tiepolo, Gregolin e Medeiros,1998, 5" série, p.4l)
(03)1- Qual o significado do verbofazer em cadauma
dessas frases?a) Provavelmente o artesão ainda não haviafeito
doze anos de idade.b) Podemos fazer uma idéia da sua dedicação.c) O garoto pediu uma certa quantia pelo tapete,
mas acabou fazendo por menos para ofreguês.
d) Ele sempre .faz descontos em suas mer-cadorias?
e) O compradorfez um bom negócio.(Cavéquiae Souza, 1999,5^ série, p. 32)
47
Nos exemplos (01) e (02), há a solicitação dadefinição da expressão "virou a mesa" retirado dotexto "O carnaval e o menino", euo antecede aatividade, e da palavra "censo", retirada do texto"IBGE cataloga nomes estranhos", que tambémantecede aatividade. O objetivo dos exercíciosefazeros alunos apropriarem-se dos significados dessestermos que se encontram no texto. Apesar dessestermos estarem inseridos em um contexto, conformepodemos verificar nos exemplos, a abordagem detrabalho, ou seja, perguntar simplesmente qual osignificado de x? ou o que é.rZ pode não contribuirpara que o estudo do significado seja voltado paraacompreensão textual. Para que se atinja o objetivode levar o aluno à apreensão da palavra e sua relaçãodentro do texto, é necessário que o exercíciopossibilite-lhe perceber o significado das palavrasatravés de um processo de inferência, ou seja, o alunoprocura as pistas que apontam para a compreensãolexical. Além disso, o LDP deveria fornecer outroscontextos em que a palavra figurasse, para que oaprendiz observasse as várias possibilidades de usoe verificasse outras conotações dessa palavra, emcontextos diferentes.
48
Ainda com relação a essa abordagem, que-remos chamar a atenção para o exemplo (03), que
apresenta o verbo "fazeÍ" e solicita que se reconheçao significado desse verbo mediante diversas situaçõesde comunicação. O verbo "fazer" fazparte do texto"Abdulla" que inicia a unidade de estudo. Esseexercício pode ser considerado um avanço, apesarde apresentar contexto frasal, uma vez que apresenta
vários pequenos contextos em que o verbo o'fazer"
figura com significados diferentes: "não haviafeitodoze anos de idade" (completar anos), "Podemos
fazer uma idéia da sua dedicação" (imaginar).Contudo, o exercício seria mais eftcaz se o alunovoltasse para o texto e percebesse a utilização doverbo "fazeÍ" com várias concepções dentro de umcontexto mais amplo. Muito já foi ressaltado danecessidade de que as palavras não sejam retiradasdo seu contexto social e histórico, pois a significaçãodos itens lexicais é determinada por seu contexto maisamplo. Um exercício que trabalha com frases, apenas
mantérn a idéia defendidapor Saussurre, que consideraa língua como um código dentro de um sistema e que
a sua significação pode ser aprendida pelas partes
que a compõem, seja ao nível da forma, seja ao níveldo conteúdo.
49
Numa visão que se contrapõe à saussuriana,
Fairclough (2001) defende que as palavras trazem
consigo uma carga ideológica que não pode ser
ignorada. Reiteramos aqui as palavras desse autor,
completando-as ao postular que o ensino do
significado do léxico não pode deixar de considerar o
aspecto ideológico das palavras e nem a situação
sócio-histórica que determina grande parte dessa
significação. Nos exemplos analisados, percebemos
que não há uma adoção dessa postura defendida porFairclough.
b. Relações lexicais
Ao discutirmos sobre relação lexical, pensamos
nas relações de sinonímia e antonímia que fazem
parte da semântica mais tradicional, segundo Ilari e
Geraldi (1985).
Os exercícios que abordam a sinonímia são a
grande maioria, totalizando mais da metade dos
exercícios que tratam as relações lexicais das palavras
(67 de um total de 80), além disso, compreendem,
também, quase 20o/o dos que se enquadraram no
50
assunto Al (Sígnirtcado e relações lexicais). Emseguida, estão os exercícios com antônimos emnúmero de 10. Considerando o total de 368 exercíciossobre Al, são apenas 2,7oÁ dos exercícios quetrabalham o significado e a relação lexical. Essesdados revelam uma disparidade entre a quantidadede atividades encontradas sobre sinônimos e sobreantônimos, o que sinaliza a não preocupação com oestudo da antonímia. O gráfico 2 a seguir permitevisualizar essas informações.
GráÊtco2
Gráficos dos assuntos de Relações Lexicais
80
70
60
50
40
30
20
10
0
51
Sinonímia
A sinonímia e a relação lexical que se
caractenza qttando temos signifi cantes diferentes, mas
os significados são quase idênticos. A sinonímia pode
ser considerada sob duas acepções, a saber: dois
termos são considerados quase sinônimos quando umpode substituir o outro em um determinado enunciado
e dois termos são considerados sinônimos, quando
são intercambiáveis em todos os contextos. Essa
mesma idéia é postulada por Ilari e Geraldi (1985),
Lyons (1987) eTerzi (1986).
Lyons (1937) apresenta o sinônimo sob duas
concepções que denomina de sinonímia completa e
sinonímia absoluta. A primeira acepção se
caracteriza pela identidade de significados e estes
podem ser substituidos em apenas certas faixas de
contextos que são determinados por questões
descritivas, sociais e expressivas ou, como afirma
Duarte (2000), por parâmetros de equivalência entre
significados cognitivo e afetivo. A sinonímia absoluta
se refere a palavras cujo significados são
intercambiáveis em todos os contextos. Asinonímiaabsoluta é praticamente inexistente, sendo, talvez
52
restrita a um vocabulário especializado ou técnico, jáque este tipo de vocabulário é bastante descritivo.
Essa mesma questão apontada sobre sinonímiatambém o é sobre antonímia, ou seja, a concepçãode que não há sinônimos e antônimos perfeitos,concepção defendida por Lyons (op.cit.) e tambémpor Terzi (op.cit.) a qual faz uma apresentação danoção de sinonímia e antonímia contida nos livrosdidáticos. Quanto aos sinônimos, Terzi afirma que os
LDP apresentam, em geral, uma concepção de que
existe para cada palavra uma outra de significadoigual, sem considerar a não-existência de sinônimosperfeitos. Assim, os exercícios de sinônimos dos livrosdidáticos levam o aluno a pensar em apenas umsignificado para cada palavra, impedindo que eleperceba que o significado irá depender da situaçãode uso dessa palavra, e que esta mesma palavta e
portadora de múltiplos signifi cados.
De acordo com Martin (1973, apud Vilela,1994), podemos dar uma definição referencial à
sinonímia (os lexemas a e b sáo sinônimos se denotamo mesmo objeto, o que se verifica em coisas muitoconcretas), como também, uma definição em termos
53
de abrangência das ocorrências e da correspondênciasignificativa entre os lexemas: sinonímia relativa -em que os lexemas a e b têm o mesmo valordenotativo, mas não o mesmo valor conotativo;sinonímia total - em que os lexemaS a e b sáocomutáveis em todos os contextos; e sinonímia parcial
- em que a e b apenas são comutáveis em algunscontextos.
Esse autor afirma ainda que a sinonímia pode
ser: a) total e absoluta, em que há identidadedenotativa e conotativa e ainda comutabilidade entreos lexemas sinônimos, o que se verifica apenas nostermos técnicos; b) sinonímia absoluta mas não total,em que a comutabilidade se restringe a algunscontextos; e c) a sinonímia em que há identidadedenotativa e comutabilidade geral, mas há divergênciana conotação.
Nos dados coletados, observamos aquelesexercícios que admitem a existência de sinônimosperfeitos e aqueles que trazem a concepção darelatividade de significado entre os sinônimos. Os doprimeiro tipo, que compreendem62 exercícios, podemser exemplificados como vemos em (04) e (05):
54
(04)1- Substitua as palavras em destaque nas frases
porsinônimos:a . "Tu crês deveras nessas coisas?"b. "Vilela seguiu a carreira de magistrado.'oc. "Vilela cuidou do enterro, dos sufrágios e do
inventário."d." Pode ser que entrasse nisso também um pouco
de amor-próprio, uma intenção de diminuir osobséquios do marido, para tornar menos duraa aleivosia do ato."
e. "...a virtude é preguiçosa e zvara, não gasta
tempo nem papel; só o interesse é ativo e
pródigo."(Faraco e Moura,200l, 8" série, p. 204)
(0s)1- Reescreva as frases a seguir, completando-as
com um sinônimo da palavra destacada.a) De repente, ouviu o ruído daporta se abrindo.
Aquele r assustador deixou-o atenorizado.b) O local estava repleto de pessoas. Todos
estavam curiosos para saber o que o rapazfazia naquele o.
55
c) Ao amanhecer, percebeu que havia algoestranho. Olhou ao redor e . que nem o casal.
e nem os objetos estavam mais ali.d) Apanhou sua carteira, abriu, e . a única
fotografia que tinha dos pais.
e) O pavor fez com que ela andasse cadavezmais depressa. Estava com . de estar sendo
seguida.(Souza e Cavéquia, 1999,7'série, p. 48)
Nos exemplos acima há a solicitação dos
sinônimos, seja para reescrever e substituir (04), seja
para reescrever e completar (05). Queremos chamar
a atenção pàra a concepção de sinônimos seguidapelos LD e que pode ser percebida nessas atividades
em questão. Os exercícios analisados apresentam a
concepção de que existem palavras que possuem os
mesmos significados e que podem ser mutáveis, istoé, as palavras podem ser substituídas em qualquercontexto que se apresentem. É o
"uto do exemplo
(04). Na ftase Tu crês deveras nessas coisas?, ao
solicitar-se a substituição do termo destacado pelo
seu sinônimo, deve-se levar em consideração a
adequaç ão à situação comunicativ a da palavr a. Uma
56
simples substituição não é tão facil; substituir deveraspor realmente não condiz com a linguagem formalapresentada no texto. Esses tipos de exercícios queconsideram a existência de sinônimos perfeitos e
intercambiáveis em qualquer situação comunicativarepresentam grande parte dos exercícios sobresinônimos. Isto vem a confirmar que, nos LDP, se
mantêm os estudos tradicionais da língua,considerando a palavra sem os aspectos queenvolvem a sua enunciação, conforme as indicaçõesde Terzi (1986).
O segundo tipo de concepção de sinônimosapresentado nos exercícios corresponde a palavrasque possuem significados relativos, elas podem virou não a se substituir, dependendo do contexto emque se encontrem. Contudo, mesmo nos casos emque é possível a substituição, esses vocábulos nãoterão o mesmo valor de significado. Sempre haveráalguma diferença, isto é, as palavras jamais terão omesmo valor semântico. Neste trabalho, foi-nosconveniente denominarmos esse tipo de concepçãode sinônimos não perfeilos e, de todos os exercícioscoletados nos LD sobre relações lexicais,encontramos apenas 5 que utilizam essa concepção.Vejamos dois desses exercícios:
57
(06)
7- "Achei mesmo que fosse despencardesmaiada no buraco da escuridão!" E possível
substituir o verbo destacado por cair, sem
prejudicar o sentido da frase? Se for preciso,
consulte um dicionário. Justifique sua resposta.
(Faraco e Moura, 7u série, 2001,P.34)
A pergunta E possível substituir o verbodestacado por caír sem prejudicar o sentido da
frase?, encaminha o aluno para a reflexão de que,
apesar de cair ser sinônimo de despencar' essas
palavras não são intercambiáveis em todos os
contextos, pois possuem valores semânticosdiferentes. Nesses exercícios, o aluno é levado aperceber que nem todas as palavras que são
consideradas sinônimas podem substituir sim-plesmente uma outra palavra, sem que mude o sentido
do que se quer expressar, isto é, o aluno percebe que
não há sinônimos perfeitos e que por mais que os
significados se assemelhem jamais terão o mesmo
peso semântico.
58
Antonímia
Segundo Castim (1983), duas palavras,expressões ou grupos de palavras são consideradasantônimas quando possuem sentidos opostos. Estaoposição de sentido pode ser revelada através de umaincompatibilidade total ou parcial de semas.
Para Vilela (1994), a relação de oposição queexiste entre os antônimos pode ser designada comoumarelação de contraste que implicaum determinadonúmero de elementos opositivos, que apontam tantopara âs relações opositivas binárias, como para as
não-binárias. As relações opositivas bináriascompreendem a antonímia (em sentido estrito), acomplementaridade, a reciprocidade e a oposiçãodirecional; as não-binárias abrangem os conjuntosseriais e os conjuntos cíclicos.
Terzi (1986) destaca que a concepção deantônimos proposta nos livros didáticos traz a ideiade que as palavras possuem um significado rígido quese opõe de forma extrema a outras palavras. Destamaneira, os antônimos são apresentados comopalavras de significação oposta, no entanto, quandopensamos que rico é o contrário de pobre, porexemplo, esquecemos que nem toda pessoa que não
59
ericaé pobre e que não podemos pensat preto comoo contrário de branco, sem esquecerïnos as outrascores e nuances como o cinza. Portanto, osexercícios mecânicos de apresentar um sinônimo ouantônimo para cada palavra não permitem que o aluno"pense" a língua e "descubra as variações contextuaisde significado" (Terzi, 1986: 7).
Os exercícios de antonímia somam um totalde l0 ocorrências. Escolhemos, dentre esses, trêsque podem dar uma visão geral de como se
apresentam, anunciando uma mudança na abordagemde antônimos.
(07)l- Leia um trecho do texto: "...como se ele
estivesse coçando o peito com uma incontidaalegria..."Se substituirmos a palavra destacada pelo seu
antônimo, que palavra ficará incoerente na liúa17 do texto?
(Faraco e Moura, 7u série,2001, p. 205)
(08)
1. No poema abaixo foram empregados algunspares de antônimos. Identifique-os.
60
Motivo
Eu canto porque o instante existe Se desmorono ou se edifico,
E a minha vida está completa. Se permaneço ou me desÍaç0,
Não sou alegre nem sou trisle: - não sei, não sei.
Sou poeta. Não sei se fico ou passo.
lrmão das coisas fugidias, Sei que canto. E a canção é tudo.
Não sinto gozo nem tormento. Tem sangue eterno asa ritmada.
Atravesso noites e dias E um dia sei que estarei mudo:
No vento. - e mais nada.
(Cecília Meir eles, vaga- mús ic a.
Rio de Janeiro, Nova Fronteira,l9S2)
a) De que maneira esse poema está estruturado?
b) Qual das estrofes melhor justifìca o título do
poema? Explique por quê?
c) Qual poderia ser a função dos antônimos nesse
poema?
(Souza e Cavéquia, 6u série, 1999, 196)
Os exemplos (07) e (08) são interessantes uma
vez que estão voltados para a compreensão do texto
e para o papel que os antônimos exercem nesta
compreensão. O (07), ao perguntar se a substituição
61
da palavra alegria pelo seu antônimo causa umaincoerência, procura fazer com que o aluno percebaa relação entre as palavras e as idéias expressas notexto. Já o (08), além de pedir a identificação, solicitaque o aluno perceba o papel que os antônimosexercem dentro do texto. Vemos, com isso, queambos os exercícios procuram trabalhar o vocabuláriode maneira contextualizada, mostram que as palavrasexercem um papel dentro do texto e que, como leitorese produtores, devemos perceber esse papel e
relacioná-lo com os outros elementos que participamda construção textual.
A2. Variação lingüística
Ao ensinar uma língua, o professor deveconceber a idéia da pluralidade de discursos quepermeia as atividades comunicativas dos falantes. Deacordo com Travaglia ( 1 996), uma das dimensões que
compõem essa pluralidade é a variação lingüística. Ésabido que as variações se dão a partir de diferentessituações de uso da língua e que, como falantes,devemos saber usar a variaçáo requerida em cada
situação comunicativa.
62
A esse respeito os PCN, além de considerar a
existência de variantes, reconhecem que o aluno ao
chegar à escola domina pelo menos uma dessas
diversas variantes que compõem a língua portuguesa
e advertem para o fato de que o aluno é capaz de
perceber que a língua varia e que é usada de acordo
com cada circunstância, isto é, que determinadas
palavras e expressões são específicas para cada
situação. Assim, o aluno sabe, por exemplo, que
existem formas mais ou menos delicadas de se dirigira alguém, falas próprias de cerimônias e aindareconhece determinadas palavras usadas pela sua
faixa etária ou grupo que freqüenta.
Quando falamos de variação lingüística,consideramos pelo menos dois tipos de variações: os
dialetos e os registros. O primeiro, nas palavras de
Travaglia (1996), trata das variedades que ocorremem função das pessoas que usam a língua. Já o
segundo, os registros, são variações que ocoffem apartir do uso da língua. De acordo com esse autor, os
dialetos podem ser agrupados em seis dimensões da
variação dialetal: a territorial, geográfica ouregional representa a variação de falares entre as
pessoas de diferentes regiões de uma mesma língua;
?
63
a social diz respeito às variações que ocorrem de
acordo com a classe social a que pertencem os
indivíduos, uma vez que há uma maior semelhança
nos falares de pessoas que fazem parte de um mesmo
setor sócio-cultural, é o caso, por exemplo, do jargão
profissional; a dimensáo idade representa as
diferenças que ocoÍrem no modo de usar a língua de
pessoas que possuem idades diferenciadas; adimensão sexo retrata diferenças lingüísticas de
acordo com o sexo de cada falante; a dimensãogeração representa estágios no desenvolvimento da
língua, o que alguns estudiosos consideram comodimensão histórica; e, por fim, a dimensão funçãorefere-se às mudanças de falares devido à função
social que o indivíduo ocupa. Com relação às
variações de registro, elas classificam-se em três
tipos: a) grau de formalismo - representa urna escala
de variedades que vai do mais formal, aproximando-se cada vez mais da norma culta, até o informal; b)modo - diz respeito à contraposição das variedades
na língua falada e na língua escrita (nesse ponto
discordamos do autor, pois ele leva em conta que há
dicotomia entre fala e escrita, quando acreditamos
haver um continuum); e c) sintonia - trata-se do
64
ajuste que o falante faz no seu texto com base eminformações específicas que tem sobre o ouvinte.
Como já afirmamos anteriormente, conheceruma palavra não se limita a saber apenas o seu
significado, identificar novos significados em novoscontextos e usá-la corretamente em um níveladequado de formalidade ou informalidade.Reiteramos aqui a concepção de que a variaçãolingüística é um traço constitutivo da língua (Dionisio,2001) e, como tal, deve ser analisada, estudada e
respeitada.Segundo os PCN de língua portuguesa, o
estudo da variação lingüística cumpre papelfundamental na formação da consciênciaIingüística e no desenvolvimento da competênciadiscursiva do aluno (1998:82). Assim, a escola temo papel de propiciar um ensino do léxico, no qual essas
variedades devem ser observadas sem o preconceitousualmente referido aos diferentes falares. Os PCNainda alertam para o fato de que a escola deve se
responsabilizar parc que não se reproduza a
discriminação lingüística em seu espaço. Não se
pode tratar as variações como desvios ou incorreções,já que há uma grande variedade que depende de
ï
65
vários fatores e que, assim, será complicado dizer
quais as formas padrões. Dessa maneira, os
exercícios de vocabulário que privilegiem a variação
devem banir o preconceito e mostrar a diferença
numa lógica de adequado/inadequado à situação
comunicativa e não na concepção da oposição certo/
errado.Ilari (1985) aftma que a falta do estudo de
neologismos e estrangeirismos nos LDP vemconfirmar que o ensino de vocabulário é inflexível.Este fato trazumprejuízo ao aluno,rrmavez que nem
a linguagem utilizada por ele, nem novos tipos de
palavras e expressões são trabalhados, recaindo no
velho erro de estudar a língua, mas não aprender a
usá-la. Com relação a esse assunto, Suassuna (1995:
56) faz a seguinte afirmação:
"É raro encontrarmos, nos livros didáticos de
Portuguôs, abordagens de fenômenos vocabulares
como a gíria, o neologismo, o estrangeirismo. Caso
apareçam, estarão listados "vícios de linguagem".
E que dizer da variação regional e social das
palavras? Do badoque, que às vezes é bedoque,
outras estilingue, outras baleadeira? Onomatopéia?
66
E uma figura de linguagem, segundo a gramática. Asigla? Não é uma palavra. E os sentidos se
consagram, se cristalizam, fechando o campo parao diferente; levando a uma só forma de escrever;congelando a língua, enfim."
No entanto, percebemos que já há umapreocupação com a variação lingüística nos LDP, fatoassinalado por Dionisio (200 I ) e verificado em nossos
dados, como veremos abaixo. Deste modo, reiteramosa necessidade de atentar para as variações nãoapenas com o intuito de identificá-las, mas tambémde privilegiar outros falares, sabendo que conhecera língua também é ter o domínio de usar a variedadede acordo com a situação comunicativa.
Os exercícios de variação lingüística estão
distribuídos pelos assuntos gíria, com27 ,3%o do total,seguido de linguagemformal e informal com23,9%o
e regionalísmo com I9,8o/o. Estes assuntos são os
hês mais recorrentes encontrados nos LDP. O trêsassuntos restantes, expressões idiomáticas (com17,4%ü, empréstimos lingüísticos (com 9,9%o) e as
diferenças entre português de Portugal e do Brasil(com 1,7%) sáo os menos recorrentes, mas
67
Noigualmente importantes a serem trabalhados.gráfico 3, podemos visualizar essas recoffências:
GráÍìco 3
Para melhor ilustrar os dados, exemplifi-caremos os quatro assuntos mais recorrentes de
variação lingüística.
(0e)
4.Leia um texto que mostra o "papo" de umadolescente ao telefone. Você conseguiriaentender essa conversa?
Gráfico dos assurúos de Vai4tu LingüÍsüca
36
30
n15
10
5
0
BGiÍia
BljrEl€gmtumle
g Regidldisrc
EExil6õ6 idõÍEti6
tErtÍéstirc lirgüístic
B Pcnrguês de PoÍtugpl e do86il
Osìtidade de qffiicic
6B
"Qual é cara, beleza? Você não sabe da maior!Chamei um camarada meu, que está na maiorralaçiio comopai, paruumanightforte. Como ele
estâ encoleirado, resistiu um pouco, mas acaboutopando. Quando chegamos no agito, ele ficouempolgadaço porque estava mó crowd. Eu tive que
regular o cara, que quase perdeu a linha com umaperua que estava dando condição. Ele disse que
estava a ftm de zoar a garota. Só que o meu brothernão sabia que o irmão dela, que éum sarudo meiomsrrento, estavaligado na situação. Como sei que
é de Ieí esse cara amrmarbriga, a gente foi emborade chavado. Achei vacilo ter acontecido essa
história, porque eu queria passar o rodo. lr4euamigo me consolou, dizendo que jâ roloa e agoraera melhor deletar essa história e arumar umanamorada para deixar de ser guerreiro."
a) Nesse texto, há a presença de várias gírias.
Quais delas você conhece?
b) A linguagem é um meio de expressão e
comunicação entre as pessoas. Você acha que
esse texto pode ser compreendido por qualquerleitor? Justifique sua resposta.
(Souza e Cavéquia, 1999,7^ série, p. 93)
69
No (09), é interessante percebemos que a
vaúaçáo encontra-se dentro de uma situaçãocomunicativa específica, texto que tenta retratar umac o nv e r s a t e I efô n i c a . E s s a c ontex t:ualizaçáo p ermiteao aluno verificar que a norïna varia de acordo como processo comunicativo e, nesse exemplo emparticular, que o uso de gírias está ligado a grupos
como o dos adolescentes. O exercício aproxima-seda linguagem da faixa etária dos próprios alunos,contribuindo para eles acionarem o conhecimento de
mundo que possuem, o que auxilia o processo de inferirsignificados, segundo Marcuschi ( I 985).
(10)1- Compare: "- A mãe é que nem a gente."- A
mãeécomoagente.As duas frases são equivalentes. Qual das
expressões, entre as destacadas, empregamosmais freqüentemente na linguagem do dia-a-dia?A linguagem do dia-a-dia é chamada de
linguagem coloquial. A linguagem formalé menos espontânea, mais cuidada. Reescrevaas frases, empregando a linguagem formal no
lugar dos termos destacados:
70
a) A mãe pulou que nem um sapo.b) Estava vestido que nem um astronauta.c) "Que mãe Íiteira!"d) "Foram rir dela numa grande gozaçáo..."e) "...encostou a cabeça neles, feito menina
pequena."(Faraco e Moura, 5o série, 2001 , p. I 7)
Esse exercício representa um dos mais comunsdentro da variação lingüística que é a reescritura. Aatividade apresenta o estudo da linguagem formal einformal com o intuito apenas de fazer substituiçõesde um tipo para outro, contudo, apesar do objetivoser o de fazer o aluno pèrceber os diferentes grausde formalidade lingüística mediante mudanças desituações formais e informais, a apresentação dovocabulário em frase não é suficiente parapercepçãodo contexto que determina, entre outros aspectos dapalavra, este grau de formalidade. Apesar datentativade levar o aluno a perceber a diferença que ocorreno formal e no informal, através da comparação entreas frases A mãe é que nem a gente e A mãe é comoa gente, é necessário que o exercício também atentepara o fato de que essa variaçáo se dará numa
o uso seja
7t
dasituação comunicativa que permitevariação formal ou da informal.
(Souza e Cavéquia, 6u serie, 1999,p. l4l)
Esse último exemplo parece interessante portratar as expressões idiomáticas dentro de um textonão-verbal, o cartum.Isso facilita a percepção da
situação de uso. Nesse exercício, a expressão queixocaído e representada pela imagem da mulher que
entra na sala e se surpreende ao ver uma criança
72
com um lápis, dando a impressão de ser ela a fazer
os cálculos rabiscados na parede, que estão num nívelde dificuldade superior à sua idade. Nesse caso, os
alunos devem responder aos questionamentos O que
está acontecendo nessa cena? Que expres-são(ões) idiomática(s) melhor explicaria(m) a
rgação da pessoa que entra na sala?. A resposta
parte da percepção do aluno em relação às expressões
ditas próprias da língua, como as idiomáticas. Essas
expressões são mais facilmente apreendidas e
analisadas a partir de situações reais de comunicação,
ou melhor, expressões que aparecem no nosso dia-a-dia.
Queremos reiterar a necessidade de estudar a
variação lingüística dentro de contextos reais de
comunicação, facilitando, desse modo, a percepção
do aluno sobre quando e onde usar determinadas
construções da língua. Ainda alertamos para a
preocupação que o ensino de vocabulário deve terde combater o preconceito que há para determinadas
variações, principalmente aquelas ligadas a classes
sociais e a grupos específicos.
73
A3. Morfologia
Seguindo a orientação de vários autores (cf.Freitas, 1997;Laroca,1994; Kehdi, 1992; Tréville e
Duquette, 1996), acreditamos que as palavrascomportam duas faces: uma formal e outrasemântica. Essas duas faces são indispensáveis parao funcionamento das palavras no ato comunicativo.As palavras possuem como característica essencialo fato de conterem elementos de significação quepodemos chamar de morfemas: uma base ou radicale elementos adicionais conhecidos como sufixos eprefixos. As palavras ditas compostas possuemmorfemas livres que podem ser encontrados emoutros contextos. O contexto interno das palavrasconstruídas pode ajudar a decifrar o sentido dasmesmas. Contudo, é certo que a identificação de
afixos não é tão aparente em certas palavras. Aindasegundo esses autores, a análise de palavras é maisfacilmente perceptível quando satisfaz algumascondições básicas, entre elas podemos destacar o fatode os constituintes da estrutura morfológica dapalavra poderem ser categorizados e associados a
um sentido de forma reprodutível e, também, o fato
74
de seu sentido perceptível estar associado à sua
estrutura morfológica por uma regra de construção,
de ta1 forma que esse sentido nasça pela sua relação
composicional com a estrutura.É importante termos em mente que uma
palavrc construída não é, apenas, uma simplesassociação da forma com o conteúdo, mas de uma
estrutura morfológica que, muitas vezes, não é
facilmente observável. Tréville e Duquette (1998)
notam que, ao se ensinar morfologia, os exercícios
levam o aluno a observar o que chamamos de
contexto interno das palavras e, a partir dai, fazer a
tentativa de inferir o sentido pela análise dessas
palavras e seus constituintes imediatos. Com isso,
dizemos que o ensino de morfologia deve levar o aluno
a perceber as regras que estruturam as palavras e
procurar agrupá-las segundo tais regras com o
objetivo de apreender as palavras, agrupando-as na
memória de longo termo. Só assim, esses alunos
geraráo, eles mesmos novas palavras com base em
elementos já conhecidos.
O objetivo de estudar morfologia é procurar
analisar as palavras construídas, observando as
75
regularidades dos mecanismos de construção, taiscomo derivação, flexão, composição, que são própriosda língua, na tentativa de dar conta da interpretaçãosemântica dos elementos de formação e de formarregras que permitam dizer e predizer o sentidoderivacional ou composicional e sua relação com osentido lexicalizado de certas palavras.
Os exercícios de Morfologia encontrados nosLDP foram distribuídos em 5 assuntos, como sintetizao gráfico 4:
Grâfrco 4
Gráfico dos assuntos de Morfologia
40
30
20
10
5
0
de palavíãs
76
O assunto classe de palavras é o maisrecorrente dentre os exercícios de morfologia'totalizando quase a metade desses exercícios(49,32%). O segundo assunto foi sufixo e prefixo(29,60Á), sendo este caracterizado pelo trabalho com
as palavras e as partes que as compõem. Slgla(9,82Vo), onomatopéia (7,04%) e neologismo(4,22%) foram os que tiveram menores ocorrências,
confirmando o que Ilari (1987) jâalettzva: que o estudo
do neologismo ainda é quase inexistente nos LDP.
Mostraremos, dentre os assuntos de
Morfologia, exemplos dos três mais recorrentes:
Classe de palavras, Sufi.xo e Prefixo e Sigla.
(t2)1- Compare:I Pedrinho acordava às sete emponto. Almoçava
às oito, vigiado pelo médico. Ao meio-dia,jantava, sempre vigiado pelo médico, a
camarista e o camareiro.
1 Pedrinho acordou às sete em ponto. Almoçouàs oito, vigiado pelo médico. Ao meio-dia,jantou, sempre vigiado pelo médico, a
camarista e o camareiro.
77
Em ambos os trechos os verbos estão nopassado, mas há uma diferença de sentidoentre eles. Procure explicar que diferença é
ESSA.
2- Faça o mesmo em relação aos trechos abaixo,em que os verbos estão no futuro.
I Pedrinho acordará às sete emponto. Almoçaráàs oito, vigiado pelo médico. Ao meio-dia,jtntarí, sempre vigiado pelo médico, acamarista e o camareiro.
I Pedrinho acordaria às sete emponto. Almoçariaàs oito, vigiado pelo médico. Ao meio-dia,jantaria, sempre vigiado pelo médico, a
camarista e o camareiro.(Garcia e Amoroso, 5u série, I 999, p. 85)
(13)3- Veja:cambito@ cambiteiro (empregado quetransporta cana, capim etc., em lombo de
animais)bagaço@ bagaceiro (trabalhador que removeo bagaço da cana)
7B
caldeira@ caldeireiro (operário que trabalha nas
caldeiras cozinhando e tirando as impurezas
do açúcar)a) cambiteiro, bagaceiro e caldeiro são
palavras derivadas. Nessas palavras, o que a
terminação -eiro indica?
b) Dê exemplos de mais cinco palavras em que o
sufixo -eiro indique Profissão.(Faraco e Moura,2001,5" série, p.133)
(14)5- Relacione as siglas indicadas ao significado
correspondente. Copie o exercício no caderno.
( ) No HC são feitas diariamente dezenas de
cirurgias.( ) A nova lei já foi publicada no DOU.
( ) Estudantes da USP fazem reivindicações.
( ) O piloto ficou alguns dias no CTI.(a) Universidade de São Paulo
(b) Centro de TeraPia Intensiva(c) Hospital de Clínicas(d) Diário Oficial daUnião
(Tiepolo; Gregolin e Medeiros, 1998, 5" série, p' 59)
7S
O exemplo (12) requer que o aluno expliqueas diferenças de sentido existentes entre os temposverbais assinalados. Este exercício marca um avançonas atividades de morfologia, uma vez que procurafazer o aluno perceber que há diferença de significadopresente no morfema da flexão verbal. Já os exemplos(13) e (14) apresentam um estudo bastante formal.Em (13), pede-se o significado do sufixo -eiro,e em(14), que se relacione a sigla à sua definição. Eimportante salientar que o trabalho com o aspectoformal da palavra é relevante, sobretudo quando se
leva em consideração o estudo do processo deformação ligado a um contexto sócio-histórico. Ficaclara a importância de trabalhar a palavra e seucontexto de produção, mesmo que, no caso, o aspectoformal seja bastante ressaltado.
Observações finais e sugestão de trabalho
As palavras surgem, ganham significação esofrem mudanças dentro de processos enunciativosque envolvem o momento histórico e social. Estudaro vocabulário implica conhecer os significados daspalavras, suas relações dentro do universo semântico,
80
sua variação de acordo com a situação comunicativa
e, também, seu aspecto formal' Ao longo desse
capítulo, enfatizamos a necessidade de se trabalhar
o vocabulário dentro de um contexto mais amplo - o
texto. Para melhor visualizar essa nossa proposta,
reformulamos o exercício apresentado no exemplo
(3.1)2- Yocè já sabe que uma mesma palavra pode
apresentar vários significados. Agora, releia o
texto "Abdulla" e procure definir os diferentes
significados associados ao verbo "fazer"-Emseguida, redija o verbete desse verbo como se
você estivesse fazendo um dicionário. Não
esqueça de acrescentar exemPlos.
Num primeiro momento, esse exercício procura
fazer comque o aluno perceba os vários significados
do verbo "fazer",procurando pistas dentro do próprio
texto. Essa atividade auxilia no aprendizado da leitura,
pois, na busca da interpretação da palavra, o aluno
percebe a sua relação no universo discursivo do texto.
Como já declarado porKleiman (1996) e Marcuschi
B1
(1985), o uso de inferência para o entendimento deuma palavra faz com que não seja interrompido ofluxo da leitura e não ocorra uma quebra noentendimento por parte do leitor. Vemos, com isso, oquão necessârio é a percepção do valor semânticoda palavra, o seu papel dentro do texto e sua relaçãocom o contexto. O segundo comando alia o estudodo vocabulário à produção textual. Ao elaborar umverbete, o estudante terá que compreender osmúltiplos significados da palavra. Lembremos, pois,que para conduzir esse dluno a uma proficiência emescrita, é necessário ainda que o gênero textualsolicitado àprodução lhe seja familiar. Outrapropostaseiatrazer outros textos para sala de aula nos quaisfigure o verbo estudado, nesse caso, o verbo "fazeÍ",possibilitando, desse modo, a percepção dessa palavraem outros contextos.
A utilização de mais de uma estratégia em ummesmo exercício leva o aluno a perceber que otrabalho com o vocabulário não se limita apenas àdefinição da palavra, ao conhecimento da sua formaou da sua variação como categorias estanques, masque vários aspectos devem ser apreendidos para odesenvolvimento da sua competência lexical. Aaquisição do vocabuláúo faz parte das habilidades
82
que os alunos devem possuir para desenvolver suaproficiência em leitura e escrita. Afinal, é pelo uso
contínuo e sistemático que a palavra se fixa novocabulário do usuário da língua.
Mais uma vez reiteramos a necessidade de
que as palavras figurem num contexto mais amplopara que se facilite o entendimento dos seus conceitos.
Além disso, ao inseri-las num contexto, o aluno podeperceber a situação comunicativa em que elas são
perfeitamente aceitáveis. Com o conhecimento de
seus significados e com acesso a diferentes contextosnos quais esses significados possam ser observados,o aluno apreende apalavra e torna-se apto a produzirtextos em que figurem essas expressões. Partindodesse ponto, ficaria mais fácil para o aluno apropriar-se do seu significado, como também, saber usá-lo
em outras situações comunicativas, fugindo da
solicitação da definição pura que faz com que o aluno
apenas copie a resposta.
Õ.1
A urrrzaçÃo lo DrcroNÁRro
EM SALA DE AULA1
Karine Viana Amorim
' Esse texto é uma versão reformulada de um dos capítulosda dissertação O dicionário: do livro didótico à salade aula, defendida em fevereiro de 2003, na UFPE erealizadacomo apoio financeiro do CNPq.
ffiWffiM'(Toda Mafalda, Quino, p. 02)
No âmbito dos estudos lexicográficos, odicionário é estudado sob perspectivas diferentes,gerando objetos de estudo também distintos. Segundo
B4
Vilela (1995: 78), o dicionário é "o conhecimentogenérico culturalmente partilhado por uma comu-nidade lingüística e codificado no léxico, ou é acodificação desse saber, concebido de forma estática,
em suporte papel ou electrónico, arquivando esse
saber e que pode ser consultado por pessoas ou
máquinas." Ainda segundo Vilela, "o dicionárioabrange uma macro-estrutura: o conjunto das
entradas e as partes complementares (comointrodução, apêndices etc.) e uma micro-estrutura:a entrada e o tratamento dado a essa entrada através
da rede de relações definicionais, relaçõesgramaticais, relações semânticas (como sinonímia,antonímia, polissemia etc.) e relações pragmáticas
(área de uso, freqüência, níveis de língua etc.)" (grifos
do autor).Costa (1994), que estudou alguns minidi-
cionários e o ensino/aprendizagem de vocabulário,defende que os dicionários estão diretamente ligados
ao desenvolvimento da comunicação escrita e
possuem um caráter pedagógico e informativo,estando vinculados aos sistemas de ensino. Cano(1998: 206) completa essa idéia ao concluir que "odicionário tem, pois, um papel fundamental na
B5
transmissão do saber científi co, permitindo melhorara competência comunicativa do usuário da língua, e,dessa maneira, facultar-lhe o acesso a ambientessocialmente distintos". Esses posicionamentos jásão vistos em Dubois (I971:11), que assegura que"os dicionários de língua possuem um fim pedagógi-co; fornecendo respostas didáticas a questões e ten-tando cobrirtotalmente a distância entre o consulentee uma norma lingüística e cultural anteriormentedefinida."
Alves (1988: 59) considera que uma definiçãomais completa do que aquela que denomina odicionário como uma lista ordenada de palavras,somada ao texto informativo sobre cada um dos itenslexicais, mostrará que o dicionário é um texto comapresentação característica. "A linguagem lexi-cográfica constitui uma seqüência de enunciados quenão permite uma leitura contínua: é um conjunto demensagens independentes e não um todo dividido.Consiste essencialmente numa obra de consulta, poissua procura supõe resposta a uma necessidadeespecífica e não uma leitura seqüencial". Essa autoradenuncia que os professores praticamente nãoestimulam os alunos a usarem o dicionário e quando
B6
o fazem se limitam àbusca de sinônimos e significados
ou da ortografia da palavra. No entanto, é necessário
mostrar ao aluno que o texto lexicográfico pode ser
um grande aliado como complemento didático, por
exemplo, na solução de exercícios para ampliar o
vocabulário através dos processos da derivação,
composição e dos encontros sintagmáticos'
Como é possível observarmos, o dicionário
assume diferentes faces diante de perspectivas
distintas de estudo, ora é um conjunto de entradas
mais as partes complementares, ora é um livro ligado
ao desenvolvimento da comunicação escrita, ora é o
acervo léxico-cultural de uma sociedade, ou ainda
uma obra usada como complemento didático na
resolução de exercícios. É necessário entendermos
que, além de ser uma obra de consulta, seja do
significado, seja da ortografia das palavras, oferece
também outras possibilidades de uso' cabendo ao
professor se sensibilizar e abrir espaço em sua prática
pedagógica para um trabalho completo e eficaz com
o dicionário, esgotando todos os possíveis usos'
No presente capítulo, analisaremos o dicionário
em sala dè aula, com base numa pesquisarcalizada
com professores de escolas particulares e públicas
87
do Ensino Fundamental I. Nessa pesquisa, foiverificado como 23 professores (aqui indicados porP, seguido do número dado a cada um deles: pl, p2,P23) utilizam o dicionário de língua portuguesa emsala de aula, desde a escolha das obras até asatividades didáticas realizadas. Trata-se deminidicionários de língua, ou seja, pequenos dicionáriosdestinados a um público infantil, focalizando,sobretudo, o vocabulário fundamental de nossa línguamaterna.
Seleção dos dicionários nas escolas
A seleção dos minidicionários de línguaportuguesa é realizada somente nas escolasparticulares, pois na escola pública,2 houve umadoação de dicionários para os alunos, assim nem
2 Esta pesquisa foi realizada no início do ano de 2002 e,nesse período, o MEC fez a doação sem a préviaavaliação dos minidicionários por uma equipepedagógica. No entanto, em 2003, foi enviada às escolasa avaliação dos minidicionários, também realizada peloMEC, para que professores, supervisores possam esco-lher a obra mais indicada para o uso em sãla de aula.
B8
professores, nem coordenadores opinaram na escolha
ãas obras. Os dicionários foram enviados pelo MEC,já selecionados.
Nas escolas particulares' a preocupação dos
professores com a seleção está relacionada a critérios
como a linguagem adequada aos alunos, o acervo
lexical compatível com o público infantil, a apre-
sentação de ilustrações e das letras em tamanho maioq
gírias e neologismos. Com esse tipo de preocupação,
õ professor tem condições de trabalhar com uma obra
adequada às crianças, desenvolvendo de forma mais
eftcazas atividades que podem variar de uma simples
busca de significado de palavras até o estudo das
variações e mudanças lingüísticas. Podemos conferir
esses fatos nos trechos abaixo:
(01) Trecho da entrevista com P14
primeiro éh: ele ser infantil ... a gente procurô
po.qu. a gente sempre observa que quando a
letra é pequenininha demais"'eles não se
interessam muito ( ) aquela luta pra procurá e
tudo E O infantil já tem essa preocupação de
trazê a letra um pô/ um pouquinho maió "'ilustração né? porque normalmente a criança
se interessa mais
B9
(02) Trecho da entrevista com P15existe algumas autoras que a escola eh: valonzamais né? Ruth Rocha por exemplo é uma delasné? porque éh éh a gente percebeu que é umdicionário mais completo uma linguagem bemacessível às crianças ... né? e que: geralmentetem as palavras que a gente precisa porquetem alguns dicionários que a gente recorre e
não encontra palavra né? e ele não é umdicionário o de Ruth Rocha é um exemplo ...mas também oAurélio
(03) Trecho da entrevista com P2los critérios utilizados aqui na escola a gente é:o da qualidade é justamente o Aurélio porexemplo ele tem gí:rias ele tem:: os neologismosné?(..)no dicionário por exemplo a gente sabe que alíngua escrita ela tem ela ela evolui menosrápido do que a línguafaladaentão por exemploneo neologismos eles estão noAurélio Buarquede Holanda e são palavras a gente util utilizamas qué dizê e que às vezes a gente precisatrabalhâ isso em sala de aula (...)
90
Em algumas escolas particulares, a coor-denação pedagógica juntamente com a diretoria são
responsáveis pela seleção do material didático a ser
adotado, podendo o professor opinar sobre o dicioná-rio utilizado no ano letivo que está terminando (se os
alunos conseguiram pesquisar, se o dicionátio traztodas as informações necessárias ou não, se houve
um trabalho sistemático com essa obra). Vejamos
alguns trechos que comprovam isso:
(04) Trecho da entrevista comP22os dicionários são escolhidos pela escolajuntamente com a coordenação e a direção da
escola num é? e os critérios que eles usarampodia sê o que um um dos melhores dicionários
que tivesse no mercado né?
(05) Trecho da entrevista com Pl6quando a gente recebe a lista de material a
gentejá recebe pronta da coordenação a gente
professô não senta com a coordenação pra
decidi isso agora ... como uma lista de material
ela fica de exemplo para o ano vindouro então
nesse momento sim os professores sentam ...
tá certo? e discutem o que deu certo o que
não deu material a sê acrescentado ... ou
91
retirado ... nesse ínterim a gente entende que... a criança não pesquisou legal em de-terminado dicionário porque ... ou ele nãotraztodas as informações que a gente precisa ouele está lacunado em alguma questão ou eleestá ... além... do do conhecimento da criançanum é?
Como foi possível observarmos, de uma formageral, a seleção dos dicionários é realizada porprofessores, coordenadores e diretores, no sentidode adotar a obra mais adequada aos alunos.Entretanto, em apenas uma escola, o critério utilizadofoi o econômico, ou seja, os alunos podem aproveitarqualquer dicionário que já possuírem. O trecho abaixoconfirma esse fato:
(06) Trecho da entrevista com Plisso é como assim:: num houve num houvecritérios nós pensamos justamente se o alunojâtem o dicionário então a gente num podiapedi exigi porque cê sabe é um problema ospais: já tem dicionário eu não compro en-tendeu?
92
EVITA num é? a gente tem que vê o gasto o
material tudo isso né? então a gente aproveita
o que eles têm em casa
É intetessattte o procedimento dos professores
e coordenadores das escolas particulares ao
selecionarem o dicionário, considerando o critério de
mais adequaçáo ao aluno. Ao escolherem, prin-cipalmente, dicionários infantis que condizem com as
necessidades das crianças, certamente o trabalho
didático com esse tipo de livro surtirá mais efeito.
Embora nas escolas públicas, a equipe pedagógica
não tenha participado dessa seleção, espera-se que
os professores façam uso desses livros de modo que
os alunos reconheçam-nos como fonte de infor-mações diversificadas.
Apresentação do dicionario aos alunos
Para que o aluno tenha condições de utilizar o
dicionário, é necessário que ele conheça a obra e
suas possibilidades de uso. Pensando nesse possível
uso, procuramos verificar como o professor insere o
dicionário em sala e apresenta-o aos alunos.
93
A maior parte dos professores entrevistadosinicia o trabalho com o dicionário, apresentando as
informações da capa (autor, editora), a ordemalfabética, os verbos, que vão aparecer no infinitivo,as partes que o compõem (verbete) e como se deveconsultar. Esse tipo de atividade é válido, pois, namaioria das vezes, o aluno não possui familiaridadecom o dicionário, sobretudo, se for aluno de escolapública e alunos da primeira série que já foramalfabetizados e estão iniciando sua prática de leitura.Podemos constatar essa postura nos exemplos aseguir:
(07) Trecho da entrevista com Plgeralmente a gente no início a gente mostra o::como é que se diz a as partes né? o estudo dolivro num é? no caso ( )essa semana nósestamos fazendo isso né peles conhecê o livroé uma viagem que eles fazem né? e do mesmojeito que a gente trabalha com o livro didáticomostrando autor as partes todinha a gentetrabalha também com o dicionário mostrandocomo eles devem usar o dicionário pela ordemalfabética ( ) dependendo da dos tipos de
94
dicionário que tenha na sala de aula manda
que eles ... veja né?
(08) Entrevista com P7
sobre a estrutura é de fundamental importância
(abriu um dicionário e começou a ler algumas
partes) primeiro eles saibam como é que tá
sendo o verbete tá eh dividido né? no caso
assim primeiro vem o quê? primeiro vem a
palavra quanto à separação de sílabas depois
tem a pronúncia pra ele quando ele for manuseá
ele sinta necessidade de conhecê como está
sendo dividido e que ele facilite o seu acesso
também questão assim: quando vamos dar a
ordem alfabética é sempre bom a genteúilizâ
o dicionário como instrumento pra ficá uma
aula mais participativa mais concreta
Outra postura adotada é iniciar o estudo do
dicionário a partft do seu conceito e da sua
importância dentro e fora de sala de aula, embora os
próf.r.or., apresentem conceitos incompletos, pois
hern A. sinônimos, os dicionários possuem definições,
descrição do referente, a ortografia das palavras,
abonações, exemplos e' por vezes, informam a
95
provável data em que a palavra foi empregada pelaprimeiravez. E, ainda, se comparaÍmos com o conceitode dicionário de Biderman (1998), que afirma que odicionário é considerado um depositário do acervolexical, "é uma obra essencialmente didática eptagmíúica,para assessorar os falantes na sua práxislingüística", teremos a cetteza da incompletudedemonstrada pelos professores. No entanto, devemosreconhecer que eles estão em turmas de alunos de 2"série, iniciantes na leitura e na escrita, o queprovavelmente impedeum estudo mais detalhado dosdicionários.
(09) Trecho da entrevista compl2o ano passado a gente eu eu pelo menosmostrei assim: que era que era um livro quecontinha todas as letras em ordem alfabétiçae que qualquerpalavra que a gente imaginassese Íô palavra usada tá tá no dicionário às vezeseu ainda falei mais que esse pequenininho nãotem to::das as palavras agora quando é o maió... a gente pega aquele Aurélio bem grandãogrossão
96
(10) Trecho da entrevista com P13
eh::: ... como:: assim o autor do dicioná:rio pra
que serve o dicioná:rio qual autilidade que ele
tem na vida da gente qual a utilidade que ele
vai tê fora da sala de aula e dentro da sala de
aula então eu apresento dessa forma
Os exemplos (09) e (10) demonstram que o
dicionário é apresentado na escola desvinculado de
qualquer exercício, ou seja, o professor prepara uma
aula expositiva, fornecendo as informações quejulganecessárias sobre o dicionário. Entretanto, alguns
professores adotam uma metodologia distinta: inicial-mente, utilizam um exercício do livro didático sobre
definição, para depois introduzir o esfudo com o di-cionário. Essa atividade, proposta pelo livro didático,
tem o objetivo de comparar as várias definições do
terrno e s c ol a, utilizando o dicionário e o coúecimentoprévio do aluno. Partindo disso, o professor explica a
ordem alfabética e trabalha, ainda, com inferências
lexicais. Com essa atividade, os alunos vão construindo
o conceito sobre essa obra, podendo utilizar os
conhecimentos prévios e, ao mesmo tempo, estudam
aspectos lexicais. Vamos conferir isso no exemploabaixo:
97
(11) Trecho da entrevista com P14
bom a gente começa ... éh fazenopor exemplono livro deles tem um capítulo das deÍìnições... definição por exemplo de escola ... entãoapresen/ o livro apresenta a defìnição de escola... retirada de três três dicionários diferentes... (...) a gente analisa as definições ... éh:: ...
(...) depois eles vêm pra o livro deles observamcomparam como o dele e depois a gente pegao alfabeto todas as letras eu vou butano escolhoum cantinho da sala boto na ordem alfabéticae a gente vai procuráAQUELApalavra que agente tava: ... querendo estudá que é escolano caso né? ... então aí a gente vai procurá ...
inicialmente pela primeiraletraquando eles jáestão mais acostumados...aí a gente vai as
segunda a terceira e depois eles/ no final doano elesjá tão bem craque assim abre o ..- odicionário bem:: numa forma bem (...) natural... sim ... depois que eles procuram ai a genteexpõe a a definição deles expõe a definiçãodo dicionário e começa todo o trabalho de deordem alfabética apartir do dicionário ...(...)como é que a gente procura uma palavra no
9B
dicionário? a gente vai lá procura ... apalavradiscute com a turma ( ) bem discutido o que é
que significa? o que ELES ACHAM depois oque/ o que que o dicionário acha ... disso a
respeito daquela palavra ... então o dicionáriopra gente é uma coisa bem: noÍrna assim de
de usá no dia-a-dia
Apenas três professores dos vinte e três não
ftzeramesse trabalho de apresentação do dicionário,pois os seus alunos já tinham esse conhecimento, jásabiam utilizâ-lo, tinham aprendido em sériesanteriores, como nos mostram os exemplos abaixo:
(11) Trecho da entrevista comP22os meus alunos eles já vêm da de uma primeirasérie já sabeno né? manuseá o dicionário então
( ) fica mais fácil eles JÁ: vê já que letrinhacomeça né? vê a segunda letra terceira letrafica tudo mais facil pra ele na segunda série ...
não tem tanta dificuldade como tinha tinhamna primeira né?
99
(12) Trecho da entrevista comP23eh:: essa apresentação na verdadejá foi feitaeh:: no ciclo eu acho que da primeira sérieporque eles já vêm fazeno esse trabalho háalgum tempo então eles já conhecem aestrutura do dicionário e eles já trabalham deuma certa forma boa com o dicionário semnenhum problema basicamente falando
Os professoresP22 e P23 ensinam na mesmaescola particular e afirmam que o estudo com odicionário é iniciado naprimeira série. Esse fato nosfaz pensar que existe uma preocupação maior nasescolas particulares quanto àutilizaçáo do dicionário,embora em uma dessas escolas, um professor daprimeira série não tenha participado dessa entrevistapor não usar essa obra em sala.
Emresumo, afirmamos que, considerado comoum material didático a ser usado em sala de aula, odicionário é apresentado aos alunos através dediferentes metodologias: a obra é apresentada atravésde uma exposição oral do professor sobre aorganizaçáo e as partes que compõem o dicionário;são dados o conceito e a importância dessa obra
100
dentro e fora de sala de aula; ou é apresentado de
maneira contextualizada, a partir de uma atividade
didática sobre definição de palavras.
Uso do dicionário na sala de aula
E sabido que o dicionário é considerado o
acervo léxico-cultural de uma sociedade e que pode
funcionar como um recurso didático na sala de aula'
Por isso, observamos como se dâ attilização dessa
obra na prática pedagógica dos professores. A grande
maioria a utiliza quando a atividade em questão exige
o significado de algum termo (seja em atividades
elaboradas previamente, seja na leitura de algum texto
que contém palavras desconhecidas para os alunos),
ou quando é necessário o estudo ortográfico das
palavras. Dois professores dos vinte e três alegam
ser impossível utilizar o dicionário por causa da pouca
experiência com leitura que seus alunos têm.
O dicionário de língua é visto pelo professor
como um instrumento 'sanador' de dúvidasrelacionadas ao significado e à ortografia das
palawas, em exercíciãs desenvolvidos em sala de aula,
de tal maneira que se constitui uma estratégia de
101
aprendizagem, para os alunos, consultá-lo nomomento em que estejam com alguma dúvida.Vejamos os exemplos l3 a 15:
(13) Trecho da entrevista com P10eh geralmente em atividades ..já preparadasantecipadamente e até: no dia-a-dia depen-dendo da receptividade do próprio aluno ( )uma palavra que surgisse que ele tivessedificuldade em um outro texto em outrasatividades ou em palavras que eu mesma usavae que eles não soubessem o significado ai agente sempre recorria ao dicionário
(14) Trecho da entrevista com P21(...) é fundamental pra mim usá de formacontextualizada agora só que sempre que agente trabalha um texto e que há palavrasnovas no no texto então a gen/ eu recorro dodicionário até mesmo pra criá um hábito debusca de pesquisa dessa natureza (...)(...) às vezes eu eu eu faço de forma de formaplanejadadigamos assim esseuso do dicionárioagora ah eu aproveito isso eu a a acoplo isso
t02
por exemplo ao estudo de vocabulário eu nunca
faço isso de forma contex/ descontextualizada
eu faço isso quando a gente tá estudando
alguma alguma classe gramatical entendeu?
então eu sempre e outra coisa fundamen-
talmente que: eu acho que e/eu fundamental é
o a idéia maior é enriquecê o vocabulário dos
alunos efazè com que o léxico deles se torne
cada vez MAIOR e que eles Possamjustamente na hora de fala na hora de construir
textos principalmente eles possam lançá mão
dessas desses novos apren'/aprendizados né?
internalizâ a língua pra pudê fazê uso dela
(15) Trecho da entrevista com P23
ah: geralmente a gente sempre ttabalha faz
algum trabalho levando: o texto e: trabalhando
palavras desconhecidas dentre desse texto
então a gente pede pra que eles eh:: procurem
essas palavras coloquem o que eles acham que
essas palavras significam e daí eles possam
procurá o sig/ significado no dicionáfio pra vê
se realmente condizem com o que eles
colocaram que achavam
103
O exemplo (13) refere-se às atividades com odicionário realizadas em sala de aula. O dicionário é
utilizado para ampliar o vocabulário passivo do aluno,em situações em que surgisse alguma palavradesconhecida, seja na leitura de textos, seja na escutados textos da própria professora.
No exemplo (14), o professor fala sobre a
aquisição de palavras novas para o vocabulário ativodo aluno, com o fìm de serem usadas naprodução de
algum texto. Ampliando os vocabulários passivo e
ativo, conseqüentemente, o aluno poderá se tornarum leitor proficiente. Segundo Kleiman (1996: 66),
as habilidades lingüísticas vão desde o uso doconhecimento gramatical na percepção das relaçõesentre as palavras, até a capacidade de usar o
vocabulário para perceber estruturas textuais, atitudese intenções. Essas habilidades não são exclusivas doprocesso de leitura, mas mostram correlações muitofortes com a capacidade de leitura. Assim,entendemos que a aquisição de novos vocábulosauxiliará na formação de um leitor proficiente.
No exemplo (15), o professor estuda as
palavras desconhecidas de um texto através doprocesso de inferência lexical. Segundo Kleiman
104
(1996: 69), "a inferência lexical é um processo
adequado de aprendizagem de vocabulário quando o
sentido aproximado da palavra é sufïciente para
compreender a leitura." E, principalmente, para
leitores iniciantes (a quem esta pesquisa se refere -alunos das séries iniciais do Ensino Fundamental I)que, por vezes, se deparam com algumas palavras
desconhecidas no texto, impossibilitando a leitura
fluente, assim, a inferência dessas palavras evita que
o aluno pare a leitura. Esse tipo de atividade, além de
considerar as palavras inseridas num contexto, ponto
que facilita a compreensão textual, leva o aluno a
inferir, dando-lhe a possibilidade de usar os seus
conhecimentos prévio e lingüístico ,fazendo também
com que, antes de ir ao dicionário, ele pense sobre a
palavra.Entretanto, se esse tipo de atividade não for
bem conduzido, pode levar o aluno a reforçar aidéiade que só o dicionário pode fornecer a resposta
correta, não sendo um processo confiável a inferência
dos significados das palavras.
Além de usar o dicionário na busca de
significados, alguns professores, como já foi dito,
optaram pelo seu uso como forma de ensinar/
105
aprender a ortografia das palavras, como podemosconferir nos trechos abaixo:
(16) Trecho da entrevista com P20(...) professora essa palavra é com x ou comch então vamos vê no dicionário vamos vê lácomoéocertoocorreto
(17) Trecho da entrevista com P7(...) é utilizado quando eles sentem dificuldadena separação silábica ele também pesquisa
Nos exemplos (16) e (17), os professoresdeixam transparecer a idéia de que o dicionário é umlivro escrito em registro formal, portanto, apresentaa maneira correta de esçrever todas as palavras dalíngua. Além disso, com as dúvidas de ortografia, osprofessores proporcionam uma situação em que osalunos são levados a terem autonomia no manuseiodo dicionário para saná-las.
Com relação aos professores que se referiramà impossibilidade de usar o dicionário na sala de aula( dois dos 23), eles se baseiam no pouco domínio deleitura apresentado pelos alunos, embora não elimi-
106
nem a possibilidade de usá-lo, à medida que esses
alunos conseguem ler melhor. Vejamos os trechos a
seguir:
(18) Trecho da entrevista com P4
(...) o uso na primeira série então aí é que vai
sê difícil né? vai sê muito difícil porque
realmente as crianças não estão alfabetizadas
não estão prontas e:: eu creio que lá pro final
do ano né? a gente talvez consiga apresentá e
dizë pra que que serve como é que usa mas
agora mesmo não dá pra usá não pela falta
dele, né? e pela condição mesmo da da turma
que não acomPanha
(19) Trecho da entrevista com P9
eh raramente nós usamos o dicionário em
nossa sala de aula porque no início o: nível da
turma é mui:to: assim: eles num têm uma certa
habilidade nem no manuseio do dicionário eles
num têm habilidade então só no segundo
bimestre em diante é que nós conseguimos
assim eh eh mostrá pra eles explicá o porquê
deles utilizá aquele livriúo né? e:: dizê pra eles
707
que eles vão encontrá palavras novas signi-ficados também daquelas palavras
O exemplo (18) retrata a dificuldade daprofessora em utilizar o dicionário em sua sala deaula: os alunos não estão alfabetizados e como sãode escolas públicas talvez nem recebam os dicionáriosque deveriam ser enviados pelo MEC. Existe somenteapossibilidade de apresentar-lhes o dicionário no finaldo ano, mostrando para que serve e como deve serusado.
No exemplo (19), o professor declara que usararamente o dicionário em virtude do nível da turma.A possibilidade de usá-lo fica sendo aguardada parao segundo bimestre, mesmo assim o professor deveapenas mostrar o dicionário , dizer para que serve e oque eles vão encontrar nesse livro.
Tanto o exemplo (18) como o (19) esbarramna impossibilidade de uso em função do baixo nívelde leitura da turma, vale ressaltar que o professor P4trabalha com uma turma da primeira série do EnsinoFundamental I e o professor P9 da segunda sérietambém do Fundamental I. Esses professores vêemo dicionário apenas como uma obra de consulta para
108
as possíveis dúvidas, desconsiderando que afamiliaridade com esse livro poderia contribuir para
o desenvolvimento das práticas de letramento dos
alunos.Como foi possível observar, o dicionário, em
sala de alula, é solicitado apenas paru a verificação
do significado de palavras, seja em atividadeselaboradas paratal fim, seja no surgimento de algum
termo desconhecido, através do processo de
inferência lexical, ou para o aluno se certificar de
questões ortográficas das palavras. Embora o
dicionário possua apenas essas duas finalidades, para
esses professores, reconhecemos que algumas
atividades nos chamaram a atenção, como, por
exemplo, aquela citada no exemplo (15), sobre a
inferência dos termos desconhecidos no texto
estudado pelo aluno. É necessário, agora' tentar
ampliar esse leque de Íìnalidades, mostrando que essa
obra lexicográfica pode se transformar num
complemento didático para o estudo da pronúncia das
palavras, para o estudo da derivação (ao serem
apresentadas as palavras formadas pelo mesmo
morfema lexical), da variação lingüística (quando os
verbetes informam em que situação ou região uma
109
determinada palavra e utilizada), da regência verbalou nominal (quando os exemplos ou explicações dapalavra apresentam a preposição que a ela se liga), amudança lingüística (quando se observa osneologismos e os arcaísmos em dicionários de épocasdiferentes) e outras possibilidades que o professorpoderá encontrar.
Possibilidade de uso do dicionário em sala de aula
Além das possibilidades de uso supra-citadas,descreveremos uma, referente à produção de texto,ou seja, a elaboração de um dicionário e, conse-qüentemente, a de verbetes. Vale ressaltar que essapossibilidade é baseada numa atividade encontradano livro didático da coleção Rosados-Ventos, vol. 3,p.79.
Inicialmente, o professor deve explicar o queé o dicionário, como é organizado e as partes que ocompõem e, assim, dizer que, a partir daquelemomento, irá começar a confecção de um dicionáriopessoal. Essa atividade será dividida em duas partes:na primeira, o aluno deve anotar qualquer palavra
110
desconhecida, inferir o seu significado, conferir em
um dicionário esse significado e depois inseri-la no
seu dicionário particula\ na segunda, quando o
dicionário particular estiver repleto de palavras, o
aluno deve reescrevê-lo em um caderno ou em folhas
de forma que fique em um formato de um livro'Essa atividade envolverá as três habilidades
do ensino de línguaportuguesaT: leitura, produção de
texto e análise lingüística. Quanto mais o aluno ler,
mais palavras poderá encontrar. Ao encontrar tais
palavras, ele necessita inferir o significado pelo
contexto e produzir um texto (o verbete), depois
conferir se o processo de inferência está correto e
assim inserir a palavra no dicionário, em forma de
verbete (mais uma produção ou até retextualização8)'
Com relação à análise lingüística, o professor pode
trabalhar a ordem alfabética, palavra por palavra, e,
no interior das palavras, deixando claro que a ordem
alfabéticadentro do dicionário, vale não somente para
7 Mais informações sobre os três eixos de ensino de língua
portuguesa, ver Geraldi (1991).* ür Marcuschi (2001), Dafala para a escrita: atividades
de retextualização. l
l
l
l
tL7
a primeira letra, mas também para todas as outras dapalavra. Essa primeiruparte deve ocorrer em fichasconforme o modelo a seguir:
Essa atividade pode ser realizadaem períodoslongos do ano letivo, dois bimestres, ou, quatrobimestres, dependendo do objetivo de cada professor.Para a opção de dois bimestres, a seqüência é aseguinte: no primeiro, o aluno deverá coletar aspalavras e preencher a ficha e, no segundo, iráreescrever os verbetes já no dicionário, obedecendoà ordem alfabética. IJmavezque o dicionário já estejasendo elaborado, o professor deverá incentivar o usodessas novas palavras com o intuito de se tomaremparte do vocabulário ativo dos alunos. No fìnal, cada
Eu não sei o signiÍi-
cado desta palavra...... mas eu achoque ela signiÍica...
No dicionário,ela significa...
712
aluno terá a consciência de que ele, enquanto falante
e usuário da língua, é responsável pelo uso ou não de
determinadas palavras e, conseqüentemente, da
inclusão delas nas obras lexicográficas e da própria
elaboração dos dicionários.
l
I
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