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Estrutura e Significado: Implicações Fenomenológicas e Políticas do Sotaque Regional Brasileiro Evandro Câmara Emporia State University Sumário. O presente trabalho considera a diáspora portuguesa no Brasil com referência ao desenvolvimento da língua colonizadora e suas manifestações atuais. Recorremos à fenomenologia social de Alfred Schutz para explorar a problemática de poder cultural entre as regiões do país, no contexto das práticas linguísticas e suas variações interregionais. Primeiramente, serão postos em relêvo alguns aspectos fonéticos centrais do idioma português no Brasil, destacando certas formas de falar que separam de modo geral a fala do Norte da fala do Sul. Esses traços fonéticos não só distinguem as duas falas, mas também estabelecem sua identidade e status cultural (dominante ou minoritário), dentro da sociedade total. Como tal, sobrepôem-se tanto às subdivisões fonéticas internas dessas regiões, como também aos intercruzamentos linguísticos entre as mesmas. Daí, podermos elaborar uma tipologia linguística binária dessas áreas em termos de duas categorias gerais, Grande Norte e Grande Sul, a qual deverá beneficiar a análise das relações de poder entre essas duas grandes áreas culturais do país. O enfoque fenomenológico é utilizado nesta análise como amparo teórico, afim de ampliar, de um ponto de vista diferente, nosso entendimento da questão de dominância/subordinação cultural, e especificamente linguística, entre as regiões de uma sociedade, focalizando a predominância de formas particulares de falar, e a adaptação e submissão do grupo minoritário a estas formas. Por fim, salientamos em traços breves como esse nivel simbólico da vida social tem repercussões concretas, traduzindo-se em vantagens ou desvantagens para as pessoas, tanto no contexto de interação informal como nas relações institucionais e profissionais. Palavras-chave: Fenomenologia, sociolingüística, o sotaque regional brasileiro Abstract. The present work takes into account the Portuguese diaspora in Brazil, with reference to the evolution of the colonizing language and its current manifestations. The social phenomenology of Alfred Schutz was utilized in order to explore the problematic of cultural power between regions of the society, in terms of linguistic practices and their interregional variations. First, we will focus on some central phonetic traits of the Portuguese language in Brazil, highlighting certain forms of speech that distinguish, in a general way, Northern speech from Southern speech. These phonetic traits not only distinguish the two linguistic patterns, but also establish their cultural identity and status (dominant or minority) in the larger society. As such, they override both the phonetic variations within the regions, and the linguistic overlap between them. This makes it possible to elaborate a binary linguistic typology for these areas in terms of two general categories, Greater North and Greater South, which should benefit the analysis of power relations between these two broad cultural areas of the country. The social-phenomenology approach is used as theoretical support in order to enhance, from a different standpoint, our understanding of the question of cultural, and specifically linguistic, dominance/subordination between regions of a society, by focusing on the predominance of particular speech forms, and the adaptation and submission of the non- 155

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Estrutura e Significado: Implicações Fenomenológicas e Políticas do Sotaque Regional Brasileiro

Evandro Câmara Emporia State University

Sumário. O presente trabalho considera a diáspora portuguesa no Brasil com referência ao desenvolvimento da língua colonizadora e suas manifestações atuais. Recorremos à fenomenologia social de Alfred Schutz para explorar a problemática de poder cultural entre as regiões do país, no contexto das práticas linguísticas e suas variações interregionais. Primeiramente, serão postos em relêvo alguns aspectos fonéticos centrais do idioma português no Brasil, destacando certas formas de falar que separam de modo geral a fala do Norte da fala do Sul. Esses traços fonéticos não só distinguem as duas falas, mas também estabelecem sua identidade e status cultural (dominante ou minoritário), dentro da sociedade total. Como tal, sobrepôem-se tanto às subdivisões fonéticas internas dessas regiões, como também aos intercruzamentos linguísticos entre as mesmas. Daí, podermos elaborar uma tipologia linguística binária dessas áreas em termos de duas categorias gerais, Grande Norte e Grande Sul, a qual deverá beneficiar a análise das relações de poder entre essas duas grandes áreas culturais do país.

O enfoque fenomenológico é utilizado nesta análise como amparo teórico, afim de ampliar, de um ponto de vista diferente, nosso entendimento da questão de dominância/subordinação cultural, e especificamente linguística, entre as regiões de uma sociedade, focalizando a predominância de formas particulares de falar, e a adaptação e submissão do grupo minoritário a estas formas. Por fim, salientamos em traços breves como esse nivel simbólico da vida social tem repercussões concretas, traduzindo-se em vantagens ou desvantagens para as pessoas, tanto no contexto de interação informal como nas relações institucionais e profissionais.

Palavras-chave: Fenomenologia, sociolingüística, o sotaque regional brasileiro

Abstract. The present work takes into account the Portuguese diaspora in Brazil, with reference to the evolution of the colonizing language and its current manifestations. The social phenomenology of Alfred Schutz was utilized in order to explore the problematic of cultural power between regions of the society, in terms of linguistic practices and their interregional variations. First, we will focus on some central phonetic traits of the Portuguese language in Brazil, highlighting certain forms of speech that distinguish, in a general way, Northern speech from Southern speech. These phonetic traits not only distinguish the two linguistic patterns, but also establish their cultural identity and status (dominant or minority) in the larger society. As such, they override both the phonetic variations within the regions, and the linguistic overlap between them. This makes it possible to elaborate a binary linguistic typology for these areas in terms of two general categories, Greater North and Greater South, which should benefit the analysis of power relations between these two broad cultural areas of the country.

The social-phenomenology approach is used as theoretical support in order to enhance, from a different standpoint, our understanding of the question of cultural, and specifically linguistic, dominance/subordination between regions of a society, by focusing on the predominance of particular speech forms, and the adaptation and submission of the non-

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dominant group to these forms. Finally, we will briefly refer to how this symbolic dimension of social life has concrete consequences, either as advantages or disadvantages, for the lives of people, both in the context of informal interaction, and in institutional and professional relations.

Keywords: Phenomenology, sociolinguistics, regional Brazilian accent

A Diáspora Portuguesa no Brasil Este trabalho busca, no sentido mais lato, debater a questão da atribuição de significado social à produção de sons linguísticos. Fundamenta-se, em primeiro lugar, na relação íntima entre a língua falada ou escrita e o movimento diaspório de um povo, a qual se expressa a partir dos estágios iniciais de coloni-zação, tornando-se mais complexa no contexto dos afluxos migratórios dos períodos subsequentes. Na nova terra, a dispersão ou irradiação demográfica e cultural de uma dada civilização terá impacto especial na área linguística, e portanto a evolução e manifestações do idioma irão refletir os movimentos políticos, economicos, e culturais dessa diáspora, como também as estruturas sociais e padrões de estratificação criados e impostos pelos grupos dominantes.

Em regra, os padrões de distribuição do povo colonizador – a diáspora, em outras palavras – determinam diretamente os desdobramentos culturais e suas múltiplas variações, as estruturas de estratificação social distinguindo as diversas camadas da população, e finalmente, as estruturas de consciência dos gru-pos dominante e não-dominante, quer dizer, a auto-concepção de cada grupo como também sua percepção dos modos de vida, inclusive linguísticos, dos grupos restantes. Esse último aspecto, em particular, é de suma importância em termos de como se enquadra no enfoque fenomenológico deste estudo.

No que diz respeito às diferenças linguísticas entre as áreas rurais e urbanas, destaquemos aqui o fato de que o padrão de povoamento lusitano na terra brasileira, segundo João Ribeiro (1967) partiu de cinco células fundamen-tais: Maranhão/Pará, Pernambuco, Bahia, Rio, e São Paulo. As regiões do sertão serviram na era colonial como refúgio para as camadas da população (mormente os grupos indígenas e os descendentes de africanos) que tentavam escapar do maior contrôle administrativo exercido nos centros de povoamento litorâneos (Caio Prado Junior, cited in Neto 168–169 ). Daí, as distinções marcantes que até hoje perduram entre a estrutura ou composição étnica e cultural dos sertões, e o mesmo aspecto no litoral.

Nas cidades costeiras, centros de poder economico, político, e cultural, deu-se um reaportuguesamento mais acentuado, não só linguístico, mas também num sentido cultural maior. Do ponto de vista linguístico, ocorreu uma aproximação mais sensível da fala urbana à língua padrão. Esta, naturalmente, era expressada por gente oriunda de regiões diversas de Portugal, mas ao longo dos anos passou por um processo homogeneizante, tornando-se um “falar planificado” (Neto 174, 185).

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Com relação a isto, preservaram-se certos traços e tendências básicas, vigentes em diversas regiões de Portugal naquela época. De início, convém assinalar que a transcrição dos sons das falas regionais através do texto se fará sistematicamente de forma ortográfica, ao invés de fonética, uma vez que este ensaio é um trabalho de sociologia interpretativa, e não, rigorosamente, de linguística. Nosso interêsse principal é explicar, do ponto de vista fenomeno-lógico, os significados sociais das variações da língua. A transcrição ortográfica, portanto, será adequada para a execução dessa tarefa.

Identifiquemos, então, algumas dessas tendências ou sons da fala colo-nizante, que persistiram no português do Brasil: a nasalização das vogais finais da sílaba tônica precedendo a consoante inicial nasal da sílaba seguinte (e.g., dono, pena); a redução do ditongo ei a e, quando este ocorre antes de consoante (e.g., peixe passa para pêxe); a redução do ditongo ui nasal para u, como na palavra muito, a qual torna-se munto; a mudança palatalizadora no s, tanto em consoantes surdas, quando soa como x (e.g., esfera = exfera), como nas sonoras, onde adquire um som de j (e.g., rasgar = rajgar ; mesmo = mejmo); a conversão do e nasal protônico em i, como, por exemplo, nas palavras embaraço, embotido, enganar, etc., que dão imbaraço, imbotido, e inganar; a frequente pronúncia do o nasal, ou precedido de nasal, como u, tal como nas palavras comida (cumida), compadre (cumpadre) (Nascentes 23–38). A partir dessa absorção inicial do idioma português, as falas regionais no Brasil se subdividiram em múltiplas outras variações.

O enfoque no entrelaçamento entre a diversidade linguística de uma comunidade nacional e as condições estruturais dessa comunidade, impostas pelo processo de colonização; e nos significados e níveis variáveis de prestígio social associados com modos particulares de falar; torna este um trabalho tanto de sociolinguística (mais precisamente, sociolinguística da diáspora; ver Hinrichs 2011) como de sociologia cultural. Do ponto de vista estritamente linguístico, é preciso que se explore a maneira como a língua, na sua condição de recurso semiótico, expressa a “ politica de representação de comunidades diaspóricas” (Hinrichs 2)

Destacaremos, em primeiro plano, certos aspectos fonéticos caracterís-ticos da língua portuguesa no Brasil, os quais servirão de base para uma classificação binária da fala das diversas regiões, para depois enquadrá-los na fenomenologia social de Alfred Schutz, usando essa perspectiva teórica para esclarecer a dinâmica de poder cultural entre as regiões culturais majoritária e minoritária, com referencia particular às variações inter-regionais de sotaque.

O Som da Língua O problema socio-antropológico de variação cultural dentro de uma dada sociedade, e as assimetrias de poder e prestígio decorrentes dessa variação entre as áreas culturais hegemônicas e não-hegemônicas dessa sociedade, se manifes-tam de várias formas, tais como nos modos de conduta, de pensamento, de comunicação, entre outras. Neste ensaio examinaremos a língua falada, o

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linguajar do povo – em particular, o aspecto fonológico da língua geral, ou seja, o sotaque – e suas variações regionais, para depois interpretar isto do ponto devista da fenomenologia social Schutziana.

Sem que tenhamos que adentrar no debate sobre a legitimidade e maior poder normativo da langue vs. parole (ver, e.g., Neto 16–23), podemos no entanto acentuar a estabilidade e efeito integrativo da língua escrita ao nível nacional. De uma forma ou de outra, a língua como um todo – nas suas versões escrita e falada – influencia poderosamente a existência das pessoas como base da identidade cultural das mesmas, na medida em que estabelece as normas de comunicação, e mais importante ainda, em que exerce as funções generativas de definir e construir a realidade, chegando assim a estruturar a própria relação das pessoas com o mundo.

Do ponto de vista da análise presente, o mundo cultural se entrelaça com o mundo político no sentido de que certos grupos sociais, graças à suapreponderância econômica e política na sociedade total, têm o poder de impor seus atributos culturais particulares como padrões naturais de pensamento e conduta, os quais eventualmente se tornam o critério normativo para a sociedade como um todo. Noutros termos, esses grupos tem a capacidade de impor algo que é temporal e espacialmente variável como sendo algo absoluto, universal, e eterno.

Isto, portanto, se estende à questão específica das variações da fala nacional, no sentido de que os padrões linguísticos majoritários são natura-lizados, ou seja, são tidos como uma realidade natural, tornando-se o standard de normalidade e legitimidade, enquanto que as outras versões regionais serão vistas como reproduções subculturais – e até certo ponto, ilegítimas – do idioma nacional.

A maneira de articular o sistema linguístico de uma dada sociedade é um processo que se viabiliza, a partir dos dias iniciais da vida de cada pessoa, através do desenvolvimento sistemático dos órgãos da fala, uma estrutura bem complexa com elementos de funcões interrelacionadas, incluindo os pulmões, os brônquios, a traquéia, a laringe, a glote, a faringe, a boca e os órgãos adja-centes (i.e., lábios, bochechas, arcadas dentárias, lingua, palato mole e palato duro, e úvula), e as fossas nasais (Cegalla 27–28; Sapir 46–48).

As pessoas normalmente não estão conscientes das particularidades técnicas dos idiomas que falam, nem do caráter altamente complexo das estruturas físicas do corpo que tornam possivel as práticas linguísticas mais diversas (Sapir 42–56). Pensa-se que a produção dos sons da fala, e a combinação sistemática dos mesmos a fim de que haja a comunicação social, é algo que se opera espontâneamente. Essa falta generalizada de conhecimento básico da estrutura física e modus operandi da língua, como também do significa-do social ligado às suas diversas manifestações empíricas dentro da sociedade, reforça o etnocentrismo intranacional, e afeta eventualmente as relações de poder entre os grupos. Daí o valor heurístico desta linha de pesquisa, em têrmos de proporcionar um maior entendimento dessa questão.

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O processo complexo e sistemático de aprendizado linguístico, possibilitado pela forma metódica com que as pessoas, já nos seus primeiros anos de vida, exercitam e desenvolvem, de um modo particular, as funções de seu sistema vocal, é a razão pela qual uma pessoa que estuda uma língua estrangeira, tornando-se fluente na mesma depois de certa idade, poderá certa-mente dominar a estrutura formal, e até mesmo, em maior ou menor medida, a fonética, dessa língua, mas quase sempre exibirá desvios, por mínimos que sejam, aqui e acolá, no que toca à reprodução exata da acústica da língua estrangeira. Ou seja, da maneira como os falantes nativos a articulam. Isto se deve a dificuldades de ordem técnica no que diz respeito à reprodução de sons desconhecidos, mas também fenomenológica, por ser a língua estrangeira, de modo geral, um mundo estranho e misterioso, não raro intransitável e amedrontador (sobretudo no período inicial de sua aprendizagem), cuja coerência interna só se expõe ao noviço depois de longa vivência. Alguns dos sons estranhos da nova língua poderão até se assemelhar a sons da língua nativa do aprendiz, mas a maior parte não encontrará equivalencia alguma. Por exemplo, a pronuncia do t em certas palavras russas e inglesas, a despeito de uma semelhança básica, difere contudo no processo da articulação dental deste som, nos dois idiomas (Sapir 42–56). De modo geral, isto implica nos falantes de um idioma já terem por anos e anos condicionado especificamente os músculos dos órgãos da fala para reproduzir os sons tradicionais deste idioma; daí, a dificuldade de reajustar essa estrutura muscular para a reprodução dos mesmos sons, e, mais ainda, de sons diferentes, em outro idioma. Sirvam de exemplo aqui o som interdental th em inglês, que é particularmente dificíl para falantes não-nativos desse idioma; ou, por outro lado, a nasalização correta do ditongo ão em português, ou a pronuncia correta do ditongo eu em francês. Por exemplo, a grande maioria dos falantes nativos de inglês tendem a reproduzir o português mão como mau, ou o francês adieu como adiú.

Nosso interesse principal aqui, como ja falamos, não é a estrutura formal da língua falada em si, e suas variações dentro da comunidade nacional, mas antes, suas implicações culturais e políticas, com referencia ao domínio ou sujeição cultural das pessoas ou grupos, em torno dessas variações. No Brasil, como em outras sociedades1, o modo de falar das regiões econômica e cultural-mente hegemônicas torna-se o padrão linguístico de maior prestígio, e portanto legitimidade, para a sociedade inteira, com atribuições de maior sofisticação urbana e cultural2.

As variações linguísticas dentro do país são afetadas significantemente pelo nivel socioeconomico das pessoas, e com relação a isto, pelo seu nível educacional. Em certas sociedades industrializadas modernas, estruturadas e estratificadas na base de classes, e nas quais o estilo de vida entre as classes alta e baixa se diferencia notadamente (tal como, por exemplo, a Inglaterra), as di-ferenças associadas com classe social são bem marcantes, ao ponto de sobrepujar as variações por região do país (Wells 1982). No Brasil, também, o linguajar popular reflete clara e inegàvelmente o desnível educacional das camadas

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da população, seja dentro da mesma região ou entre regiões, daí assumindo importancia capital em qualquer estudo do português brasileiro Por exemplo, o uso comum entre as camadas populares de ais pranta [português vernacular] para as plantas (português culto); ou, nói vai, no linguajar inculto, ao invés de nós vamos; nói sêmu, ao invés de nós somos; vem mais eu, ao invés de vem comigo – e daí por diante.

Em contrapeso, uma vez que estaremos tratando das relações de poder entre áreas linguísticas da sociedade brasileira, recorreremos a uma tipologia mais geral e abrangente, passando por cima da diversidade decorrente de classe social, nível de instrução, etc., para focalizar certos aspectos básicos da fala, que dividem a população em dois grandes blocos linguísticos: o Grande Sul3,3

aglomerando os estados da Bahia para baixo (incluindo a Bahia)4, e represen-tando a area cultural dominante, e o Grande Norte, compreendendo os estados do Norte-Nordeste, representando a área cultural minoritária.

Esses dois grandes blocos culturais da sociedade brasileira, como se sabe, são altamente diferenciados internamente, tanto de um modo geral como linguisticamente (veja-se James 87; Neto 172). Contudo, para melhor analisar o problema versado neste ensaio, agruparemos essas variações internas dentro dessas duas categorias binárias.

Brasil-Norte vs. Brasil-Sul Queremos por em relêvo aqui alguns aspectos linguísticos, que são sobejamente conhecidos e mencionados na literatura, e que marcam singular-mente essas duas grandes áreas culturais do Brasil, a despeito das variantes dentro de cada região. Reforçam, portanto, a classificação binária das falas regionais, a qual põe em foco certos sons, padrões de intonação, vocábulos, construções, etc., que não só são reonhecidos pela grande massa popular como características basilares ou da fala do Grande Norte, ou do Grande Sul, mas que são também empiricamente verificáveis.

O primeiro e mais notável desses traços distintivos separando o modo o falar dos nortistas do falar dos sulistas é a pronuncia das consoantes oclusivo-linguodentais t e d seguidas da vogal i em silabas tônicas, como nas palavras tio, dia, matiz, etc; ou seguidas da vogal e, formando com esta um monossílabo átono, como nas frases “Vou te dizer,“ ou “Pedro é de Recife”. Dado a frequencia com que usamos essas construções, uma pessoa nativa de uma dessas duas grandes regiões culturais do país, achando-se em qualquer parte da outra, terá certamente sua identidade regional imediatamente reconhecida por todos.

No Grande Norte, a articulação oclusiva desta consoante se faz no molde dento-alveolar, envolvendo um contato mais direto entre a língua e a arcada dentária, sem que haja um “acolchoamento” ou “estofamento” palatal.

No Grande Sul, em maior ou menor medida (e de forma bem marcante no linguajar carioca), o encontro dessas duas consoantes tanto com o i quanto

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Evandro Câmara / Estrutura e significado: Implicações fenomenológicas │ 161 com o e, é suavizado pelo contato da língua com o palato, tendendo assim para a africação, desde a média até a maxima. A esse respeito, o di e o de (como, por exemplo, em dívida, saudade) se aproximam do som dj em inglês, ou do som da interjeição do inglês estadunidense Gee!, enquanto que o ti e o te (como, por exemplo, em tiro, pente, etc.) soam como o tch em inglês (como na palavra peach, por exemplo)5.

Esse contraste básico se verifica a despeito dos típicos cruzamentos fonéticos que operam entre as regiões de qualquer sociedade. No caso do Brasil, algumas partes do Grande Norte – como, por exemplo, os estados do Pará e Maranhão – usam essas sílabas (em palavras como, e.g., titio, lente ) de forma mais africada do que seria o caso no Nordeste, onde a enunciação dessas consoantes se faz rigorosamente de acordo com o padrão dento-alveolar, envolvendo um contato mais direto entre a língua e a arcada dentária.

Outro aspecto distintivo de especial importancia no que toca à enunciação do t e o d seguidos de i, tem a ver com o timbre. No Grande Norte, as vogais pretônicas geralmente são proferidas de forma mais aberta que no Grande Sul. Por exemplo, “teclado” torna-se têclado no Grande Sul, t(é)clado no Grande Norte; “pedaço” é dito como pêdaço no Grande Sul, p(é)daço no Grande Norte. O e átono pretônico vira i no Grande Norte (predominantemente no Nordeste, mas poder-se-ia expandir a generalização): “Recife” converte-se em Ricífi; “cebôla”, em cibôla; e “pequeno”, em piquenu – contràriamente ao Rêcife, cêbôla, e pêqueno, do Grande Sul.

É bom acentuar também a maneira como o r é pronunciado – no início, meio, e fim das palavras – no Grande Norte ao oposto do Grande Sul. O contraste mais geral é que o povo do Grande Sul usa maior firmeza na sua enunciação, enquanto o povo do Grande Norte arrasta e suaviza mais essa consoante.

Para o Brasil como um todo, diríamos que vigora a pronúncia do r inicial das palavras (por exemplo, na palavra rato) no estilo aspirado, ou fricativo velar (M. Azevedo 224), que soa como o h em inglês, se bem que nos estados do Rio Grande do Sul e São Paulo o uso do r vibrante-simples é mais acentuado (aproxima-se do r em espanhol). As divisões regionais quanto a isto, entretanto, se manifestam principalmente no meio e no fim das palavras.

A esse respeito, no meio de um vocábulo – (por exemplo, nas palavras carta, porta, etc.) – no Grande Norte o r se arrasta mais, como o r do francês parisiense, tomando uma forma que oscila entre a fricativa-velar e a fricativa-aspirada, esta última operando predominantemente em Recife (Leite & Callou 44); ao passo que no Grande Sul a tendencia é usar a versão vibrante simples. Além disso, no interior do estado de São Paulo predomina o r vibrante retroflexo, o qual faz lembrar o r do inglês estadunidense (M. Azevedo 224).

Como consoante final das palavras, falantes do Grande Norte tendem, de um modo geral, a deixá-lo essencialmente mudo – e.g., doutô, ao invés de doutor; fazê, ao invés de fazer, dirigih, ao invés de dirigir – ao passo que no Grande Sul é

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162 │ InterDISCIPLINARY Journal of Portuguese Diaspora Studies Vol. 3.1 (2014) pronunciado com maior firmeza, como se constata na versão vibrante simples de São Paulo e Porto Alegre (Leite & Callou 43–44). Foge a essa regra a cidade do Rio.

Por fim, vejamos a questão da cantoria – que é, rigorosamente, uma propriedade da fala de pràticamente qualquer região de qualquer sociedade, tomando feições diferentes em cada uma, sendo desse modo relativa à sua percepção pelos nativos de outras regiões da sociedade. No entanto, tende a ser vista como uma característica exclusiva dos grupos culturais não-prestigiados. Neste caso, como no caso do Brasil, vem com atribuições depreciativas, com referencia ao falar do Grande Norte – dos estados do Nordeste, em particular – versus a suposta ausência de cantoria no falar do povo do Grande Sul (ver Nascentes 20; Leite & Callou 49). Em termos rigorosamente objetivos, esse aspecto teria que ser examinado no contexto nacional de variações de inflexão, curvas entonacionais, modulações ascendentes e descendentes, etc. que marcam cada área linguistica de uma determinada sociedade, para que pudesse ser relativizado. Entretanto, quando consideramos isto ao nível das relações de politica cultural, a atribuição de valor diferenciado aos modos de falar das áreas majoritária e minoritária torna-se inevitável. A cantoria que possa matizar a fala do grupo majoritário (o que não raro ocorre) passa despercebida pelos seus usuários – faz parte do seu estilo de vida, o qual é tido como algo natural e dado, enquanto que a cantoria da fala do grupo não-prestigiado é posta em relêvo, e identificada como símbolo da alteridade e, por conseguinte, inferioridade, cultural do mesmo.

A Sobreposição dos Sons Regionais Nesta análise lançamos mão de uma divisão linguística binária do português brasileiro, com relação ao sotaque, destacando um certo numero de peculiari-dades ou elementos básicos comuns a cada um dos dois grandes blocos linguísticos, afim de melhor elucidar a problemática das relações de poder cultural entre os mesmos.

Essa abordagem naturalmente leva em conta o fato de que existe uma rêde de traços fonéticos que se sobrepõem, tanto entre as regiões como dentro das mesmas. Por exemplo, uma das sobrevivências do modêlo linguístico transplantado para o Brasil pelos portugueses6, é o uso do s pós-vocálico palata-lizado, ou “chiado”, como por exemplo, nas palavras dois, três, falsos. No estado de Pernambuco essa pronúncia é comum na fala do Recife, mas não do interior do estado, onde predomina o s sibilante. No Rio, cerca de 90% da população enuncia o s chiado, ou seja, é prática geral. Isto se deve à grande leva de Portugueses chegados com a Corte Real Portuguesa no inicio do século XIX, segundo nos informa M. Azevedo (256). O influxo dessa gente teria represen-tado “a origem da articulação do s pós-vocálico como uma consoante palatal-fricativa, o que é tipico da pronúncia Carioca, mas tambem se constata em áreas da região nordestina, tais como os estados de Alagoas e Pernambuco”.

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No caso de Pernambuco, essa prática ocorre com um percentual mais baixo, na base de uns 70% da população (Leite & Callou 45–46). Mesmo assim, o uso do s chiado naquela cidade e redondezas é digno de destaque, e isto se atribue à avultada imigração portuguesa na região, em particular no litoral. Com efeito, de modo geral, deu-se uma diferenciação cultural na maioria dos estados costeiros devido ao padrão de povoamento das áreas litorâneas, ao contrário do povoamento do interior (ver Diégues Jr. 109ff). Portanto, no caso de Pernambuco, a cultura do litoral, em particular do Recife, diverge em vários planos, inclusive o linguístico, da cultura do interior. Foi na cidade, como ja frisamos, onde se buscou um rapprochement maior com a fala do colonizador lusitano. A aristocracia dos engenhos de açúcar das areas litorâneas do estado, uma camada social cuja vida cultural se lastreava no processo colonizador lusitano, adaptado aos trópicos, teria imposto também seu sistema de valores, modos de ser, e influencia linguística lusitana, na região imediata, e em particular nos centros urbanos que se desenvolveram nas regiões costeiras – o caso do Sobrado, como disse Freyre, substituindo a Casa-Grande, “como expressão de domínio do sistema patriarcal sobre a paisagem brasileira” (Freyre, Sobrados e Mocambos 57).

No que tange ao índice mais baixo do uso do s chiado no Recife com relação ao Rio, isto dever-se-ia ao fato da primeira cidade e sua área metropoli-tana terem atuado como importante centro receptor de migrações de outros estados do Nordeste e do próprio interior do estado7 durante a maior parte do seculo XX, fenômeno este que diversificou os padrões fonéticos da área de forma mais intensa que no Rio de Janeiro.

Há de reconhecer-se ainda que enquanto a grande massa da cidade do Rio usa esta consoante, quando é medial; como palatal surda quando a mesma pre-cede uma consoante surda (e.g., nas palavras testa, rôsca, etc.); como palatal sonora quando precede uma consoante sonora (e.g., nas palavras bismuto, vesgo, etc.), e ainda, no final de certas sílabas (e.g., em pés, tez, rapaz), no linguajar cor-rente das ruas (das “classes incultas”), do Recife outros fatôres adicionais se assomam, distanciando mais ainda o nível de frequencia do s palatalizado nesta cidade, do nivel mais elevado da região do Rio de Janeiro. Um desses fatores é o que os círculos mais puristas rotulam de vícios de linguagem. Tal se pode ver na suppressão do que potencialmente poderia surgir como sons pala-tais – numa frase como, por exemplo: Não faz isso não, rapaz!, transformando-se em: Nu fái isso não, rapái! (ver Marroquim 36–39 a esse respeito); ou a transformação do s medial em r , como por exemplo em Eu mêrmo nu vô!, substituindo Eu mesmo não vou!; ou: Me dá essarmeiaí !, para Me dá essas meias aí!

A pronúncia do s não-sibilante, palatalizado – o s mais recheado, por assim dizer – seria percebido pelo falante nativo de inglês como o sh em inglês, como por exemplo, nas palavras cash,dish, push, etc.

Em São Paulo, aparentemente, o grande afluxo de imigrantes não-portugueses – tanto os que chegaram de 1885 até as vésperas da Primeira Grande Guerra, que eram na grande maioria imigrantes italianos, como os que

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164 │ InterDISCIPLINARY Journal of Portuguese Diaspora Studies Vol. 3.1 (2014) chegaram de 1920 até o fim do decênio de 1940, que representavam diversas nacionalidades (Levy 62) – teria neutralizado a pronúncia do s palatalizado característico da maior parte de Portugal, além de outros traços linguísticos portugueses (Nascentes 34).

Na maior parte da Bahia, incluindo Salvador – além de São Paulo, Minas Gerais, e os estados do Sul em geral, como também vários estados do Norte e Centro-Oeste – predomina o s pós-vocálico alveolar, ou sibilante – (como por exemplo nas palavras voz, dois, casas, etc.). Para falantes dessas regiões onde impera o s sibilante, a execução do s pós-vocálico palatalizado, ou chiado, usado repetidamente numa frase como, por exemplo: Vejamos a causa histórica das graxas e óleos poluentes nas águas dos rios – pode soar como uma torrente fonética caudalosa, esparramando-se e impondo-se avassaladoramente sobre a frase inteira. É um som bem característico, mais dramático, menos sutil – diríamos até mais barrôco e menos apolíneo – que o s sibilante.

A Fenomenologia da Dominância Cultural Partindo dessa breve exposição e contraste dos padrões fonéticos do Grande Norte e Grande Sul, cuidemos agora da dinâmica das relações de poder entre as duas regiões. Isto será empreendido à luz da fenomenologia social de Alfred Schutz, usando seus conceitos básicos para enfocar o exercício de dominio cultural na esfera de consciência, intersubjetividade, e significado.

O tratamento fenomenológico da língua elaborado neste trabalho se justifica plenamente, visto ser a comunicação um processo intersubjetivo, portanto, algo alicerçado nas relações sociais. A vida social, focalizada aqui em termos dos processos intergrupais de poder, determina as manifestações comportamentais do grupo, inclusive suas expressões linguísticas. Como salientou-se no início, o enfoque utilizado aqui vai além da linguística, da qual lançamos mão essencialmente para desvendar a dinâmica das relações de poder entre os grupos regionais em jogo.

A fenomenologia Schutziana difere nitidamente da versão de Edmund Husserl, o qual se interessou acima de tudo em revelar o caráter dado da consciência, Schutz se ocupou mais com a análise do mundo social como uma realidade interpretada (Ferguson 243). Nosso ponto de partida será então a maneira como os atores sociais encaram o mundo-da-vida-cotidiana como algo que se lhes apresenta como pressuposto, como uma realidade primária. Essas pessoas permanecem dentro do que Schutz chamou a atitude natural – ou seja, o modo como as pessoas vivenciam e interpretam o mundo social, suspendendo dúvida sobre essa realidade cotidiana, tomando a mesma como dada, real, e auto-evidente. Uma realidade que emerge da experiencia intersubjetiva das pessoas, mas que é tida como uma realidade objetiva. Daí, não ser problematizada, mas antes, se oferecer ao nosso conhecimento através do senso comum. Dessa forma, a investigação fenomenólogica propriamente dita não parte do ponto de vista do observador, mas sim da interpretação do mundo do dia-a-dia feita intersubjetivamente pelos observados: um processo hermenêutico duplo, no

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Evandro Câmara / Estrutura e significado: Implicações fenomenológicas │ 165 sentido de que apreendemos um universo social determinado, em termos da interpretação desse universo feita por aqueles que o povoam.

O exercício da atitude natural implica na naturalização do mundo social – daquilo que na realidade é construido. Isto quer dizer que a vida sociocultural das comunidades humanas, a despeito de ser inerentemente arbitrária (no sentido de que poderia ser diferente), é naturalizada pelos membros de cada comuni-dade, e vista como sendo a maneira normal de se viver, algo naturalmente coerente, racional, legítimo. Por conseguinte, o modo de vida de todos os outros grupos torna-se anormal, na medida em que diverge do modelo cultural do grupo que está fazendo o julgamento.

A vivência das pessoas no mundo-da-vida-cotidiana se rege por um complexo de tipificações, quais sejam os significados e entendimentos de senso-comum ou conhecimento-á-mão, compartilhados pelos membros da coletividade, e atribuídos às coisas em geral. As tipificações, portanto, são a base da interação social – visto que esta é mediatizada simbolicamente – e, por conseguinte, a base da vida cultural do grupo. Adquirem, portanto, um caráter ontológico, no sentido de que nós somos o que somos culturalmente. Neste ensaio, isto se evidenciará com relação às tipificações linguísticas, ou seja, à construção social de sons particula-res do idioma como critérios de maior ou menor valor, através dos quais se manifesta o sistema de comunicação da sociedade.

A atribuição de valor positivo ou negativo, de prestígio ou desprestígio, para os diversos aspectos da realidade social, tem implicações políticas imediá-tas, uma vez que é um reflexo do maior poder do grupo cultural majoritário. As tipificações associadas a esse grupo recebem um valor positivo, não só por parte dos integrantes desse grupo, mas também pelo resto da população. Nesta análi-se, o maior valor atribuido aos padrões fonéticos específicos de uma região é sintomático, portanto, do maior poder cultural dessa região. A atenção especial que emprestaremos ao aspecto de poder permite-nos encarar uma das críticas mais acerbas feitas à abordagem estritamente fenomenólogica, em termos desta não levar em conta as relações de poder na vida social (e.g., Giddens 1996).

A Quebra da Atitude Natural Como já salientamos, as pessoas em todas as culturas vivem na atitude natural, sem consciência direta de sua forma de vida, de suas tipificações culturais. Existe uma segurança e confôrto básico nessa condição, como a forma natural de se viver, apesar da mesma predispor os grupos sociais em geral para tendencias negativas e exclusivistas com relação aos outros grupos. Em regra, tende a promover a alteridade do grupo alheio, ao mesmo tempo em que reforça e reafirma a universalidade (daí, legitimidade) do nosso grupo (Sumner 1906).

No contacto direto entre grupos culturais diferentes dá-se o choque de sistemas de tipificações, os quais abrangem, como indicamos, toda uma gama de práticas, atitudes, modos de pensamento e de comunicação. Os integrantes de cada grupo se tornarão automaticamente conscientes da diferença dos outros grupos com relação ao que lhes é familiar ou dado, isto é, seu modo de vida. As

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166 │ InterDISCIPLINARY Journal of Portuguese Diaspora Studies Vol. 3.1 (2014) maneiras de ser do(s) grupo alheio(s) representarão desvios do padrão de normalidade exibido pelo nosso grupo. Nessa ocasião, normalmente surgem sentimentos mútuos de etnocentrismo e rivalidade entre os grupos envolvidos.

Entretanto, quando isto acontece em condições de desigualdade de poder cultural (que já resulta da desigualdade econômica e política) entre as regiões do país, o grupo cultural hegemônico, em virtude de seu acesso ao poder social (Dreher 484–85), leva os integrantes do grupo minoritário a se aperceberem de sua existência cultural com relação aos demais grupos. De maior importância ainda, são levados a tomar conhecimento de sua alteridade perante o padrão de universalidade exibido pelo grupo cultural majoritário.

A alteridade é, naturalmente, um contexto nivelador, no sentido de que pessoas e grupos dominantes também representam alteridade para os outros. Todavia, a posição estrutural hegemônica dessas pessoas faz com que não se dêem conta disto. Esse fenômeno se verifica na esfera de interação linguística, no sentido de que no contacto intergrupal as pessoas de fala minoritária são levados a problematizar algo que normalmente tomam como pressuposto: seus hábitos linguísticos. Não se trata, então, de uma mera diversidade linguística entre grupos da sociedade, os quais reconhecem suas respectivas peculiaridades com relação uns aos outros, mas antes, a predominância de um grupo sobre o outro, ocorrendo por meio da idéia da alteridade do linguajar minoritário, com implicações imediatas do maior valor social da fala hegemônica. Além disso, dado o caráter ontológico da língua com referência aos seus usuários – ponto já realçado – essas diferenças de traços fonéticos são apreendidas como qualida-des essenciais dos grupos em consideração. A fala minoritária surge, dessa forma, como uma espécie de comportamento desviado – uma versão exótica do idioma nacional. Essa transformação de consciência para o grupo subalterno equivale à ruptura de sua atitude natural8.

O grupo minoritário é posto, desse modo, na condição típica do outro cultural – o estrangeiro, na concepção de Schutz (“The Stranger”) – com uma série de atribuições negativas. Como imigrante, o estrangeiro tem obviamente um status subalterno com relação à sociedade acolhedora. No intercurso de falas regionais, o grupo dominante também se expõe a sons diferentes, mas dá-se ao luxo de permanecer na atitude natural, “no seu modo de vida costumeiro” (Schutz, “The Stranger” 507), porque sua fala não será problematizada ou questionada. Ao contrário, maior valor lhe será conferido, tanto pelos seus usuários, como pela gente das áreas linguísticas não prestigiadas. Esse aspecto é descrito fenomenologicamente como a predominância do esquema de referencia linguístico de uma área particular da sociedade sobre os das áreas restantes.

O Eu Defeituoso No mundo da interação social o Eu de cada pessoa interage com os Eu’s das demais pessoas, os quais são percebidos como Outros, ou seja, aqueles que estão fora de mim. Esse processo intersubjetivo congrega atores sociais conscientes da forma como estão se apresentando uns aos outros.

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A língua, seja falada ou não-falada, é aspecto crucial da apresentação do Eu – é um sign-vehicle (transmissor-de-sinal), segundo Goffman (1) – o veículo indispensável de significados comuns numa dada comunidade, sem o qual o processo de interação seria inviável. Como vários outros aspectos da atuação social de cada um, a língua é tida como um pressuposto, e só se torna um objeto de consciência quando a atitude natural dos seus usuários é desfeita. Quando isso acontece num contexto de assimetria de poder entre grupos (no caso aqui, entre o Grande Norte e o Grande Sul), a ruptura da atitude natural para os integrantes do grupo minoritário complica a situação para os mesmos, pois, como já dissemos, faz com que sua fala, algo que consideram natural, se converta em algo problemático. Dado a dinâmica, tanto estrutural como ideológica, das relações de poder entre grupos, a supravalorização ou depreciação do modelo linguístico de cada grupo é validada pelos membros de ambos os grupos. A partir daí, o Eu dos usuários da fala minoritária volta-se para dentro, para si próprio, torna-se um objeto de sua própria atenção, vê-se forçado a confrontar sua propria alteridade, ou deficiência: um estado óbvio de desconforto psicológico, o qual estanca o processo de interação. Poderiamos comparar isto à produção incorreta de sons por parte de um integrante de uma orquestra, o que destruiria a harmonia do grupo e impediria a continuação da performance. Diríamos então, quanto a isto, que o projeto coletivo de construção comum da realidade, por parte da orquestra, qual seja a execução correta da peça musical, é abruptamente desmanchado. Do mesmo modo, na interação linguística, a atenção de todos voltar-se-á para o julgamento – ou definição da situação (Thomas 1923) por parte do grupo hegemônico – quer dizer, para os sons “incorretos” do falar minoritário, cujos usuários se vêem numa situação paralela à do músico, o qual, por nao ler música corretamente, produz acordes dissonantes em seu instrumento.

A Primazia dos D’s e T’s Africados Consideremos agora um exemplo concreto de como um traço fonético específico demonstra a assimetria de poder cultural e linguístico entre as duas grandes regiões do país. A meu ver, mais que qualquer outro aspecto fonético no Brasil, o modo como são pronunciados os t’s e d’s diante do i ou e surdo assinala decisivamente a distinção fundamental entre as falas “nortista” e “sulista”, e portanto identifica a procedência regional dos falantes. Como tal, desempenha um papel preponderante na dinâmica do poder cultural entre os dois grandes blocos linguísticos do país.

A tendencia geral é construir-se a forma palatalizada de se pronunciar essas consoantes, característica do Grande Sul, como símbolo de legitimidade e prestígio cultural, e a versão predominantemente dento-alveolar do Grande Norte, como a marca de provincianismo cultural. Diríamos mais, em que pesem as implicações ontológicas da língua, conforme frisamos acima, essa construção social da fala do Grande Norte sugere a deficiência essencial, quase metafísica, da cultura que ela representa.

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Em termos fenomenológicos, as pronúncias respectivas dessas consoantes nos dois blocos linguísticos estabelecidos expressam como as pessoas nativas de cada área são, em termos culturais – ou seja, como elas são – o que significa que este padrão fonético em cada região é um aspecto crucial de como o mundo da vida se manifesta, ou se dá. Afinal de contas, a qualidade existencial do grupo se revela através de suas tipificações culturais, as quais tomam a forma, ora de estruturas ou processos institucionais, ora de processos comunicativos. A língua e a comunicação, como já foi dito (Kieling 11) “estão no cerne da socia-bilidade”. Visto sob essa luz, o mundo do cotidiano se manifesta enquanto comunidade comunicativa, o que evidencia a dimensão ontológica dessa estrutura linguística – da língua em geral – como expressão do modo de ser da coletividade.

Mas, nosso intuito principal é ir além da mera descrição fenomenológica para ressaltar o significado do comportamento verbal no contexto das relações de poder entre os grupos em apreço. Portanto, a forma palatalizada dos nativos do Grande Sul enunciarem essas consoantes não se trata simplesmente de uma variação do padrão linguístico nacional, mas antes, torna-se esse próprio padrão, enquanto que a versão dento-alveolar característica (da maior parte) do Grande Norte – Nordeste, em particular – é tratada como uma forma sub-cultural do português brasileiro.

Ao adentrar-se na interação com os outros, as pessoas se apoiam no pressuposto que os procedimentos linguísticos dos quais irão lançar mão são comuns a todos que compõem a coletividade em que vivem, sendo assim mecanismos que viabilizam e dão continuidade ao processo comunicativo (Kieling 6). Entretanto, as inovações dialetais expressadas pelo grupo minori-tário são recebidas como desvios do modo correto de se falar. Com efeito, a objetificação explícita das mesmas impedirá a continuidade da interação, enfraquecendo esse pressuposto inicial. Tornam-se um entrave, uma pedra no caminho, por assim dizer9.

Essa variação na pronúncia regional dessas consoantes se prende à desigualdade de poder entre o Grande Norte e o Grande Sul, vindo a afetar, positiva ou negativamente, a vida social e profissional das pessoas, no contexto nacional. Daí, seu caráter intrinsicamente hierarquizante e político. As consequências sociais para os usuários das falas prestigiada e não-prestigiada, respectivamente, exercerão um impacto tanto no nivel psicológico (de auto-estima), como no estrutural (socio-econômico). Em última análise, o grupo cultural dominante na sociedade brasileira tem a capacidade de fazer valer seu esquema de referencia cultural, e portanto linguístico – suas definições do que constitue normalidade ou tipicalidade (Schutz, “The Stranger”) – e a partir daí, de promover a expansão, a nível nacional, de uma consciência do que é linguistica-mente válido e prestigioso10.

O Fenômeno do Passing Linguístico A temática versada acima assinala uma caracteristica marcante das relações culturais de dominancia/subordinação, qual seja o de colonização de

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Evandro Câmara / Estrutura e significado: Implicações fenomenológicas │ 169 consciência. Isto se evidencia claramente no fenômeno de passing, que se refere à adoção, por membros do grupo subalterno, dos valôres, significados, e modos de ser majoritários, visando maior inclusão e prestígio sociais. O uso da analogia de passing aqui se estriba na semelhança entre a maneira semelhante como esse processo se opera em dois contextos sociais distintos: o de raça e o de linguagem. Em ambos os casos, o aspecto crucial é a formação de uma auto-consciência de inferioridade entre os membros dos grupos não-dominantes, que chega a induzí-los, na sua interação com o grupo dominante, a disfarçar, sutil ou abertamente, seu modo cultural de ser, afim de não serem vistos como estrangeiros, e sim como membros do grupo majoritário. Visto do ângulo Schutziano, o contacto entre os dois grupos faz com que as pessoas do grupo não-dominante se tornem conscientes da “incongruência das linhas de contorno dos sistemas de relevância mútua” (Schutz, “The Stranger” 506), e em muitos casos, tratem logo de remediar isto. Nesta análise, os sistemas de relevância mútua tem a ver com os falares respectivos dos grupos.

A pressão para que se adote o comportamento de passing pressupõe, em primeiro lugar, uma relação assimétrica de poder, e a consciência dos que compõem o grupo subalterno de existir na sociedade com status minoritário. Nisso também essa experiência corresponde à do estrangeiro de Schutz, em termos das dificuldades que esse tipo enfrenta ao se confrontar diàriamente com um universo cultural contrário ao seu, ao qual terá que se adaptar mais cedo ou mais tarde. É verdade que o estrangeiro normalmente poderá optar por se isolar do padrão cultural dominante (i.e., o da sociedade acolhedora), mas esta decisão lhe poderá ser prejudicial, pois atrasará sua assimilação e integração na sociedade, e transformá-lo-á num homem marginal (Park 1928)11. Por outros termos, diríamos que a persistência de seus padrões culturais nativos o forçará a envergar o manto do exótico, do pitoresco; as peculiaridades de seu sotaque o tornarão alvo de chacota. Devido a isto, na maioria dos casos, o estrangeiro buscará sua assimilação, implicando em ter que aprender e reproduzir os modos de vida da nova terra.

Isto se pode ver em vários contextos de desigualdade intergrupal. Um caso clássico é o da sociedade estadunidense, onde até hoje em dia o elemento de raça continua sendo peça fundamental da organização social, e presença constante na consciência e discurso coletivos, malgrado as transformações formais e informais que vêm marcando a esfera de relações raciais nessa sociedade desde a abolição do Jim Crow, o sistema de segregação legal que vigorou de 1896 até o fim da década de 1960. No periodo anterior, isto é, o da escravidão, passing era algo a que poderiam recorrer escravos recém-fugidos das fazendas – favorecendo neste caso os mulatos de aparência bem clara, cuja conformação fenotípica lhes permitiria passar como membro de grupo racial dominante. No entanto, a semelhança física não era suficiente, pois tinham que interagir com os outros, e isto logo os desmascarava, pois não tinham os modos de se portar dos brancos, e além do mais falavam o dialeto Afro-Americano da plantation. No fim do século instaurou-se o sistema Jim Crow,

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170 │ InterDISCIPLINARY Journal of Portuguese Diaspora Studies Vol. 3.1 (2014) fundamentado num rígido separatismo físico e social entre os “brancos” e “não-brancos,” orientado pela idéia de bipolaridade racial. Durante esse período, o passing manifestou-se através da tentativa dos membros do grupo subalterno de esconder seus traços fisicos naturais, enquanto incorporavam, na medida do possível, os do grupo dominante. Este procedimento tinha como meta maior aceitação e prestígio, tanto na sociedade em geral, como também dentro de seu próprio grupo subcultural. Foi comum naquela época, por exemplo, o uso dos cremes para alisar os cabelos, para clarear a pele, etc. (acêrca disto, ver, e.g., Charles, 2011). Este exemplo mostra uma caracteristica crucial da dinâmica de poder entre grupos sociais, que é a hierarquização do valor social atribuído às características dos diversos grupos, e a tendência dos grupos minoritários de supravalorizar e adotar os hábitos dos grupos majoritá-rios – uma clara mostra de alienação, de inferioridade internalizada.

Na esfera de interação linguística entre falantes de áreas diversas da sociedade, as variações dialetais internas normalmente não causam problemas comunicativos dignos de nota, não obstante o fato do linguajar de cada área constituir um conjunto particular de pressupostos, significados, e definições da realidade. No entanto, a assimetria de poder cultural entre essas áreas faz com que usuários da fala não-prestigiada, achando-se na região cultural majoritária, não raro procurem também suprimir certos aspectos de sua fala, ao mesmo tempo que incorporam aspectos da fala da nova terra. Essas pessoas logo percebem que sua fala, a qual comporta sons pronunciados diferentemente, inflexões e curvas entonacionais distintas, modismos peculiares, etc., tornar-se-á inadequada com relação ao modêlo dominante de comunicação (ou sistema de relevancias linguisticas, para usar os termos Schutzianos).

No caso do Brasil, isto ocorreria na interação entre falantes do Grande Norte e Grande Sul. A predominância histórica deste último na vida econômica e política do país propicia o aparecimento do passing por parte dos falantes do Grande Norte, os quais, achando-se nas regiões sulistas, não raro tentam dissimular os traços mais salientes de seu modo de falar – dissimular sua alteridade – a fim de desaparecer na multidão. Assim, por exemplo, uma pessoa nativa de um estado do Grande Norte (e.g., Pernambuco), achando-se num estado do Grande Sul (e.g., Paraná), e não querendo ter sua procedência nortista reconhecida, tentará suavizar, ou se possível reprimir, a reprodução oclusiva-alveolar dos ts and ds – ensaiando, digamos, uma elocução mais palata-lizada, como na saudação: “Bom dia, gente!” – além de outros aspectos fonéticos e até sintáticos, típicos do linguajar do Grande Norte. Enfim, uma tarefa espinhosa12.

O passing bem executado por parte dos falantes do grupo subalterno evita que haja interrupções causadas pela objetificação de sua maneira de falar, o que levaria à quebra do processo comunicativo. Como observaram Berger e Luckmann: “Contanto que as rotinas da vida cotidiana continuem sem interrupção, elas serão apreendidas como não-problematicas” (24). Portanto, de um ponto de vista prático e funcional, o passing favorece o bom andamento da

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Evandro Câmara / Estrutura e significado: Implicações fenomenológicas │ 171 comunicação entre grupos linguisticamente diversos. Mas, o que mais nos interessa aqui são as implicações políticas dessa adaptação dos usuários da fala não-prestigiada à fala prestigiada, a partir da supravalorização dos traços culturais do grupo cultural hegemônico, e a depreciação desses mesmos aspectos no grupo subalterno. A assimetria de poder cultural é o fator crucial que impele as pessoas a praticarem o passing, e explica também porque o nivela-mento fonético e estabilidade comunicativa que daí resultam,constitui algo que os usuários da fala prestigiada simplesmente tomam como pressuposto (acêrca disto, ver Goffman 6). Esse processo inconsciente, por sua vez, é um reflexo da posi-ção estrutural do grupo dominante na sociedade total, e das relações objetivas de poder que propiciam o domínio cultural de uma região sôbre as outras13.

Sendo assim, pondo-se de lado o aspecto puramente técnico de dificuldade de reprodução de sons, o que se sobressai no passing é a situação clássica da estratificação de poder, através da qual membros do grupo subalterno adotam os modos do grupo dominante, em virtude de desenvolver-em uma identidade e auto-consciência minoritárias, com implicações automáticas de inferioridade. Como declara Dreher (477), trata-se de uma manifestação simbólica de “relações sociais reais” – ou seja, da desigualdade econômica e política, e também cultural, entre as regiões, manifestando-se no mundo linguístico através da determinação do que será o modelo padrão – o sistema de tipificações linguísticas – para a sociedade. Este fenômeno é caracterizado (Lengermann & Niebrugge 31) como “a produção social do que está dado”, com consequências tanto subjetivas como materiais para as pessoas envolvidas. As consequências materiais teriam a ver com o fato de certas formas de comportamento verbal tenderem a favorecer ou, alternativamente, prejudicar, as pessoas nas relações profissionais, no mercado de trabalho, e assim por diante; enfim, no que diz respeito à mobilidade social.

Em síntese: o patamar fenomenológico em que se fundamenta este ensaio é o pressuposto que existe uma ordem inteligível, coerente, e explicável através do conhecimento-à-mão, qual seja o mundo da vida cotidiana, ou uma realidade social, intersubjetiva, na qual existe suficiente congruência de significado para todos que a compõem. Entretanto, no mundo da vida cotidiana a posição estrutural dos grupos sociais em aprêço é altamente diferenciada no que diz respeito ao acesso desses grupos ao poder, riqueza, e prestígio. Daí, a capaci-dade das camadas sociais dominantes de fazerem prevalecer seus interesses e definições da realidade, sua construção particular do mundo do senso comum, sobre as interpretações desse mundo elaboradas pelas camadas não-dominantes.

Aí está a medula da questão: a emergência de uma realidade cultural não se opera de forma neutra e espontânea, mas sim provém das estruturas e processos de poder entre os grupos da sociedade. Consequentemente, as tipicali-dades atribuidas ao mundo do cotidiano, sejam linguísticas ou quaisquer outras, não fazem mais que expressar a operação de poder cultural entre os grupos sociais, e a capacidade do grupo hegemônico de fazer vigorar suas construções sociais como a realidade primária ou pressuposta para a sociedade inteira, uma realidade

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172 │ InterDISCIPLINARY Journal of Portuguese Diaspora Studies Vol. 3.1 (2014) que não precisa de nenhuma autenticação “além de sua simples presença” (Berger & Luckmann 23).

É possível que em certos casos onde o separatismo intergrupal vem sendo mantido formal ou informalmente, os grupos subalternos decidam periodica-mente resistir ao efeito planificador da cultura dominante, optando assim por um modo de vida e identidade subculturais (e.g., o uso do estilo Afro de cabelo dos anos 70 na comunidade Afro-Americana dos EUA). Contudo, o mais comum é o grupo subalterno se submeter a essa disparidade de poder cultural intergrupal, e à ordem social que dela emerge, garantindo dessa forma, conforme Natanson (7), “o processo originário [ou inicial] através do qual as pessoas [são asseguradas] de um mundo fiável e predizível”. Como sustentam Lengermann e Niebrugge (33), os sistemas de relevância não são simplesmente construídos subjetivamente, mas criados inter-subjetivamente dentro do contex-to das relações de dominância, e de um fundo de conhecimento prático da vida cotidiana, que é embasado pela dominância. É cabivel se dizer, então, que aos grupos dominantes cabe o privilégio de controlar a reificação das coisas – visto que cultura resume-se a uma realidade coletiva construída, e depois naturalizada e preservada através do tempo.

No que diz respeito especificamente à interação linguística e, mais ainda, à variação de sotaques regionais, isto se atém à capacidade do grupo privilegiado de determinar que tipo de sons se coadunarão com o sistema de relevâncias fonéticas vigente na sociedade, ou alternativamente, que sons constituirão formas “desviadas” de comportamento verbal. Isto é, quais serão os sons definidos e mantidos na sociedade como tipificações linguísticas, como mecanismos atraves dos quais a continuidade da vida comunicativa, e social como um todo, será assegurada.

O quadro explicativo empregado neste ensaio teve por objetivo expor certos padrões fonéticos característicos da língua portuguesa no Brasil, suas variações principais com respeito ao binômio Grande Norte / Grande Sul, e as implicações políticas quanto a isto. A análise crítica foi empreendida a partir de princípios fundamentais da fenomenologia social de Alfred Schutz, propiciando um esclarecimento das relações de poder cultural entre essas duas grandes regiões, ao nível de consciência e intersubjetividade. Notes 1 Consideremos, acêrca disto, a sociedade estadunidense, onde o inglês-padrão se situa nas regiões do Centro e Norte, enquanto a versão mais desprestigiada historicamente tem sido o inglês do Sul como um todo, área que é também a menos favorecida econômicamente. Outros exemplos nacionais disto se vêem na disparidade de prestígio entre as versões costeira e montanhosa-central do espanhol falado na Colombia – o espanhol costeno vs. o cachaco de Bogotá (Garrido 2007); ou no caso da Escócia, onde se verifica o mesmo fenômeno de assimetria social no contraste entre a fala de Glasgow, tida como inferior, e o modelo-padrão de inglês do sudeste da Inglaterra, em virtude desta última ser um centro de grande poder econômico, político, e social (Menzies 1991). 2 Veja-se o comentário de Freyre, Sobrados e Mocambos (662, 693, vol.2) com referencia à opressão dos valores rurais pelos urbanos.

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Evandro Câmara / Estrutura e significado: Implicações fenomenológicas │ 173 3 No decorrer deste último século, a parte do Brasil que denominamos Grande Sul estabeleceu o padrão cultural, logo, linguístico, a ser seguido pelo resto da sociedade. As razões disto, como é de se esperar, foram econômicas e políticas. A cidade do Rio de Janeiro tornou-se, através do século XIX e a primeira metade do século XX, o centro do que mais se valoriza culturalmente na sociedade brasileira. Hoje em dia, a despeito da diversificação gerada pelo surto de industrialização em grande escala pelo país, o Rio ainda enverga esse status, juntamente com São Paulo. A ascensão do Rio como capital cultural tomou grande impulso com a vinda da corte real Portuguesa para o Brasil em 1808. Naquela época, não obstante ser capital da Colônia desde 1763, o Rio ainda era uma cidade provincial de 45 mil almas, mas com a chegada de D. João VI e a Corte Real desperta para uma nova vida, tornando-se capital do Imperio Português, e mais tarde, capital da República (F. Azevedo 326). Nesta posição atuou como centro da vida política, econômica, cultural, e intelectual do Brasil, mantendo esta posição até a época da Segunda Grande Guerra, quando São Paulo (cidade e estado) se agigantou politica e economicamente, ultrapassando todos os outros estados, com quase metade da produção manufatureira nacional (Burns 376–379). 4 A cultura baiana (pelo menos a soteropolitana) difere nitidamente da cultura nordestina em geral, nos costumes e no modo de falar do povo. A tendência sulista, de modo geral, de classificar a Bahia como pertencente ao polo cultural do Grande Norte deve-se simplesmente a uma falta generalizada de conhecimento da distinção entre a cultura urbana de Salvador e sua periferia imediata, e a cultura do interior baiano. As atribuições de “fala cantada” e, sobretudo, vogais abertas, para o linguajar baiano, não correspondem em regra à realidade de Salvador, mas sim às áreas interioranas da Bahia. 5 Esse aspecto do sotaque do Grande Sul se confirma reiteradamente na maneira como não-falantes de português o percebem. Por exemplo, em 2011 uma cantora estadunidense, ao terminar um show em São Paulo, planejava dizer para a platéia paulistana: “Eu te Amo, Brasil”, e para tal façanha preparou de antemão um teleprompter o qual reproduziria em inglês os sons dessa frase, da seguinte maneira: Eh-oo Chee Am-oo, Brah-zeew. O chee é o que nos interessa mais aqui, porque revela como os falantes não-nativos, ouvindo a pronúncia palatalizada do t e d antes do i ou e, percebem a existência de um som intermediário entre a consoante te a vogal – daí, o exagêro na sua pronúncia. 6 A propósito da herança linguística dos portugueses, cumpre destacar aqui a presença concentrada dos mesmos em duas áreas que se tornaram os dois focos principais de irradiação de sua colonização: Pernambuco, de onde se iniciou a colonização do Norte, e São Paulo, de onde partiu a do Sul (Nascentes 19). Por outro lado, Levy (58) destaca “a Guanabara e São Paulo” como os locais em que mais de 63% da população de descendência estrangeira, de acordo com os recenseamentos feitos em 1920, 1940, 1950, e 1970, teria sido constituida de portugueses. No caso do Rio, a grande leva de portugueses vindos para aquela cidade com a Corte Real Portuguesa no início do século XIX teria sido o fator critico quanto à articulação palatal-fricativa do s pós-vocálico que caracteriza a fala carioca. Do mesmo modo, a forte presença portuguesa no Recife teria contribuido para a palatalização do s nos estados de Pernambuco e Alagoas, “em grandes contingentes” (Leite e Callou 32). 7 Estudos das migrações para o Recife (ver, e.g., Melo 43–47) indicam que, na segunda metade do século passado, a proporção das pessoas naturais do Recife estava em torno de 41%, enquanto que um total de 42% a 45% da população urbana se compunha de gente vinda do interior do estado, cujo background cultural e linguístico diverge claramente do contexto histórico-cultural da capital. 8 Essa caracterização negativa dos falares minoritários, no caso específico do Brasil, se evidencia fortemente num possível comentário de uma pessoa nativa do Grande Sul – digamos, do estado de São Paulo ou Espírito Santo – sobre alguém vindo de um estado do Grande Norte: “Gilberto chegou aqui do Rio Grande do Norte (ou Ceará, Pernambuco, etc.) há dois anos atrás, com um sotaque carregadíssimo. Mas agora já está bem melhor!” Tal comentário inegavelmente constrói o sotaque não-prestigiado como um defeito ou enfermidade, condição esta que, no entanto, pode ser remediada, ou pelo menos, melhorada.

9 É interessante notar, a esse respeito, como essas variantes da pronúncia de um fonema específico podem despertar nos ouvintes o sentido de prazer ou desprazer, familiaridade ou estranheza, etc. Assinale-se de imediato quanto a isto que essa percepção ou reação estética é

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174 │ InterDISCIPLINARY Journal of Portuguese Diaspora Studies Vol. 3.1 (2014) relativa à posição estrutural de cada grupo na sociedade, e à maneira como essa posição molda a relação da Consciência com o mundo da vida, moldando portanto a imputação de significados particulares aos diversos aspectos desse mundo. O primeiro procedimento (i.e., o uso dos t’s e d’s palatalizados) reafirma e tranquiliza, e sugere sofisticação, enquanto o segundo (i.e., o uso da versão dento-alveolar) desequilibra a interação (ponto já ferido nestas páginas), e suscita a percepção de rudeza e provincianismo. Enquanto isso, o r rolado, do interior do estado de São Paulo, ou mais precisamente, do dialeto caipira paulista – o chamado r vibrante retroflexo, que soa essencialmente como o r do inglês estadunidense – (ver Azevedo, 224ff; Leite & Callou, 43) não é desdenhado nem estigmatizado como uma expressão de rusticidade ou falta de refinamento típicos do campo (esse comentário não se aplica à situação dentro do próprio estado de São Paulo, e à existência de uma hierarquia de valores relativa aos padrões fonéticos urbanos vs. rurais), simplesmente por se originar na região cultural prestigiada. Ao invés disso, é culturalmente sancionado, não obstante suas origens rurais, as quais seriam normalmente associadas com vida simples, falta de sofisticação, etc.(para uma caracterização do ambiente rural, ver, e.g., o conceito de folk society, em Redfield, 1967). Assim, como já indicamos anteriormente, os nativos dessa área geográfica podem permitir-se o luxo de usar esse traço dialetal normalmente, praticamente em qualquer lugar na sociedade brasileira (pressupondo, naturalmente, o reconhecimento de sua procedência sulista), sem temer que haja objetificação ou questionamento dessa prática. 10 Para uma discussão das realidades construídas com referência à questão de identidade nacional, veja-se Hall. 11 A assimilação ou integração sociocultural das pessoas é, latu sensu, um processo complexo, em torno do qual se guerreiam vários esquemas explicativos. Portes e Zhou apresentam uma proposta alternativa à de Park, com o conceito de assimilação segmentada, ou seletiva, como a opção mais favorável para as minorias étnico-raciais nos E.U.A. Isto deve-se à organizacao biracial (i.e., branco/nao-branco) da sociedade estadunidense, mantida através dos últimos dois séculos, a qual continua a ser fator fortemente determinante do tipo e nível de inclusão social das pessoas – mesmo que, hoje em dia, isto aconteça ao nivel informal da vida cotidiana. A assimilação segmentada é um conceito que ressalta a incorporação estrutural, ou concreta, dos imigrantes, e também se dirige mais exclusivamente ao figurino étnico-racial dos E.U.A. Como tal, reflete e resulta da persistência do padrão separatista nessa sociedade – a herança de mais de 70 anos do sistema Jim Crow – e corresponde ao surgimento da política de diferença no inicio dos anos 90, como o novo paradigma dominante na esfera das relações intergrupais. Essa politica tem como objetivo a maior representação pública dos grupos minoritários, sem que isto incorra na perda total das diferenças subculturais desses grupos. Essa orientação formal da sociedade tem levado, no decorrer do tempo, à cristalização do status de minoria social e da identidade minoritária, a despeito dos avanços socio-econômicos que possam ter ocorrido na vida das pessoas em jôgo. (Para um contraste com esse modêlo de assimilação, veja-se, e.g., Freyre, Problemas 20–27; Rodriguez). O homem marginal de Park, por outro lado, se atém ao aspecto de consciência – especificamente, à maneira como a consciência dupla de se viver num espaço intermediário entre a cultura dominante e a cultura de origem, constitue o contexto onde “o processo civilizatório pode ser compreendido da maneira mais eficaz” (Park 881). Esse enfoque se encaixa melhor no tratamento da alteridade grupal feito à luz da fenomenologia social de Alfred Schutz. 12 O inverso disto – isto é, a reprodução da fala não-prestigiada por usuários da fala prestigiada – normalmente não acontece, o que não deve surpreender, seja nesta ou em qualquer outra situação semelhante de variações linguísticas entre regiões de uma dada sociedade, a não ser em tom de galhofa. No caso do Brasil, pessoas de fala sulista encontrando-se em terras do Grande Norte, certamente não se darão ao trabalho de reproduzir a fala local afim de se misturar na multidão. Ao contrário, por via de regra, esses aspectos da sua interação linguística com a gente nativa da região lhes passaria despercebidos. O que poderia possivelmente acontecer é que tomassem consciência mais aguçada da distinção de sua fala, e de sua maneira sulista de ser, certos de que seus padrões fonéticos (e culturais, de modo geral) não só lhes confeririam maior prestígio, mas também, grosso modo, simbolizariam a supremacia cultural das regiões do Grande Sul. É uma prerrogativa do grupo hegemônico poder se manter alheio a isto, simplesmente prosseguindo na sua maneira habitual de viver (Schutz, “The Stranger” 507).

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13 Uma exceção a essa regra geral seria o interêsse e aprêço popular com relação a certas formas culturais no Brasil, a partir dos anos 60, expressando o avivamento de tendências regionalistas na cultura nacional. É bem provável que muita gente naquela época, inconscientemente tivesse visto nessas formas culturais um certo exotismo regional, algo típico das subculturas. Um exemplo disto seria a recepção nacional nos decênios de 1950-1980, da música sertaneja do Nordeste, liderada por Luiz Gonzaga. Sem falar na questão da música em si, o linguajar desse artista e dos integrantes de seu grupo manteve-se deliberadamente inalterado, preservando assim a percepção tradicional de exotismo da fala do Grande Norte. Num sentido paralelo, o mesmo fenômeno ocorreu nos E.U.A. durante o decênio de 1920, no auge da segregação do sistema Jim Crow, quando as revistas musicais dos negros – em cidades como New York, por exemplo (les revues negres, como vieram a ser chamadas na França) despertaram um interêsse crescente nas platéias brancas. Essa gente vinha aos bandos para os teatros de Harlem, movidos por uma curiosidade voyeurística, assistir a esses espetáculos, aos quais se referiam de forma depreciativa como música da selva (jungle music) – uma reafirmação do exotismo cultural do grupo subalterno.

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Evandro de Morais Camara is Associate Professor of Sociology at Emporia State University. Born in Recife, Brazil. Education in Brazil up to the secondary level. He holds a Ph.D. from the University of Notre Dame. His areas of research include sociological theory, sociology of religion, sociology of race and ethnic relations, and sociology of culture. He has written The Cultural One or the Racial Many, a comparative work in race and ethnic relations. He has recently published in the sociology of religion “Puritanos Modernos: Caráter Nacional e Ideologia Religiosa na Sociedade Estadunidense,” in Estudos de Sociologia.