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ESTRATÉGIAS E RECURSOS ARGUMENTATIVOS DO ARTIGO JORNALÍSTICO Por DANIEL RODRIGUES BRAZ

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ESTRATÉGIAS E RECURSOS ARGUMENTATIVOS DO ARTIGO

JORNALÍSTICO

Por

DANIEL RODRIGUES BRAZ

Rio de Janeiro, 1º semestre de 2010

Trabalho apresentado à profª Sandra Bernardo, na disciplina LET 1090 – Comunicação e Expressão I, do Curso de Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).

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Os militares e a política23/06/2010 - 23:34 | Enviado por: Mauro Santayana

Por Mauro Santayana

Ao demitir, ontem, o general Stanley McChrystal do comando das tropas norte-americanas

no Afeganistão, o presidente Obama venceu o primeiro 

grande teste de autoridade em seu governo. A los militares, disse o presidente argentino

Arturo Illia – “o se les manda, o se les obedece”. Obama mandou. Mandou, como Truman,

em abril de 1951, demitiu o general MacArthur, velho herói da Guerra na Ásia, responsável

pela democratização manu militari do Japão, por desobediência às diretrizes políticas

estratégicas da Casa Branca no caso da Guerra da Coreia.

O argumento de Truman foi definitivo: a Constituição estabelece que os militares têm que

se subordinar ao comando civil. Se não demitisse MacArthur, estaria faltando ao juramento

que fizera, de sustentá-la e defendê-la. O general McChrystal, com toda a sua importância,

se encontra a anos-luz da personalidade de MacArthur.

São difíceis as relações entre militares e o poder civil, em todos os tempos e em todas as

latitudes. Já se tornou lugar-comum lembrar o aviso de Clemenceau de que a guerra é

assunto muito grave para ser confiado aos militares. Mas há momentos em que o homem de

Estado se vê obrigado a suportar militares petulantes. Nas discussões de ontem sobre o caso

McChrystal, a historiadora Doris Kearis lembrou a desfeita sofrida por Lincoln, em 1862.

Percebendo que o general McClellan, comandante das tropas da União contra os

confederados, não estava atuando de acordo com suas diretrizes, resolveu visitar o chefe

militar em sua residência, em companhia de dois auxiliares, para uma conversa amistosa. O

general não estava, e os visitantes esperaram mais de uma hora. McClellan chegou, viu-os,

passou por eles sem os cumprimentar, subiu as escadas, e mandou avisar que já se recolhera

ao leito. O grande presidente engoliu a ofensa: não lhe convinha demitir logo o insolente

militar, porque não tinha como substituí-lo no comando. Esperou dois anos para fazê-lo.

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McClellan estava sendo eficiente na luta, e chegou a ser chamado de Little Napoleon.

Quando começou a esmorecer, foi facilmente substituído.

Os militares, pela própria natureza de sua formação, de seu trabalho e de sua posição na

sociedade, sentem-se diferentes da população em geral. Em grande parte – e este é o caso

do general McChrystal – são filhos de militares, passam a infância em companhia de

crianças da mesma origem e se acostumam, desde cedo, a viver separados da sociedade

civil. 

O general George Marshall foi tido como o exemplo de discrição, de tal maneira que,

segundo seus contemporâneos, evitava rir das anedotas de Roosevelt, para não demonstrar

intimidade com o presidente. Nunca revelou os conselhos que, como o militar de mais alta

posição nos Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial, dava ao chefe de Estado.

Mas nem todos agem assim.

No caso do Brasil, as vicissitudes de nossa formação trouxeram os problemas conhecidos.

Ainda em 1826, Bernardo Pereira de Vasconcelos advertiu contra a decisão de Pedro I de

mandar o Exército reprimir os revoltosos da Confederação do Equador, dando às comissões

militares o poder de condená-los e os executar. Abriu-se o precedente para tudo o que veio

depois.

O presidente Obama encarregou o general Petraeus de acumular o comando das operações

do Afeganistão com as suas responsabilidades atuais, mas falta saber o que os Estados

Unidos farão para sair de uma guerra já perdida – como perdida se encontra a do Iraque.

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Introdução

O objetivo deste trabalho é analisar algumas das táticas características desse tipo de

discurso. Para esse fim, será dissecado o artigo Os militares e a política (JB Online,

23/06/2010), publicado por Mauro Santayana em seu blog Coisas da Política. Será, ainda,

feito um apanhado geral em torno do estilo e do posicionamento assumido pelo autor. A

escolha do texto em questão teve como critério o seu gênero, por ser pertinente ao tema

proposto, além do fato de Santayana possuir um histórico profissional de mais de 40 anos, o

que o torna uma autoridade em sua área de atuação: o jornalismo político.

Estratégias e recursos argumentativos do artigo jornalístico

As teses apresentadas no artigo são apoiadas, principalmente, na citação de episódios

históricos. Segundo Abreu (1999, p.63), esse tipo de recurso caracteriza a argumentação

pelo exemplo, fundamentada na estrutura do real, podendo, ainda, ter como foco o modelo

ou o antimodelo. O fato de Santayana utilizar como ilustração ações de Harry Truman ou

Abraham Lincoln sugere que tais atitudes devem ser encaradas como pontos de vista, já que

essas personalidades são tidas pelo senso-comum como modelos de homens públicos,

embora com características bem distintas. A ilustração que narra em detalhes um fato

verdadeiro é descrita por Garcia (1978, pp. 370-381) como uma manifestação de evidência.

Considerando tais premissas, é possível desmontar o texto em quatro interpretações: a de

Truman, a de Lincoln, a dos militares e a do Brasil.

“O argumento de Truman foi definitivo: a Constituição estabelece que os militares têm que

se subordinar ao comando civil. Se não demitisse MacArthur, estaria faltando ao

juramento que fizera, de sustentá-la e defendê-la.”

O segundo parágrafo, além de evocar Truman, constrói uma espécie de silogismo. Em seu

artigo Eficácia e Falácias da Comunicação (1978), Garcia descreve o silogismo como a

expressão formal do método dedutivo, formado por uma premissa maior, universal, que

possui um termo em comum com uma premissa menor, particular, e que, juntas, dão origem

a uma terceira premissa, a conclusão. Ainda nas palavras de Garcia, o silogismo aplicado a

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Os militares e a política seria um epiquirema, tendo em vista o fato de que a primeira

premissa vem acompanhada de uma explicação. Portanto, é valido avaliar o argumento

seguindo o seguinte método:

Premissa maior: Os militares devem se subordinar ao comando civil, porque é o que a

Constituição estabelece.

Premissa menor: McChrystal é militar.

Conclusão: McChrystal deve se subordinar ao comando civil.

“Nas discussões de ontem sobre o caso McChrystal, a historiadora Doris Kearis lembrou a

desfeita sofrida por Lincoln, em 1862. Percebendo que o general McClellan, comandante

das tropas da União contra os confederados, não estava atuando de acordo com suas

diretrizes, resolveu visitar o chefe militar em sua residência, em companhia de dois

auxiliares, para uma conversa amistosa. O general não estava, e os visitantes esperaram

mais de uma hora. McClellan chegou, viu-os, passou por eles sem os cumprimentar, subiu

as escadas, e mandou avisar que já se recolhera ao leito. O grande presidente engoliu a

ofensa: não lhe convinha demitir logo o insolente militar, porque não tinha como substituí-

lo no comando. Esperou dois anos para fazê-lo. McClellan estava sendo eficiente na luta, e

chegou a ser chamado de Little Napoleon. Quando começou a esmorecer, foi facilmente

substituído.”

O caso de Lincoln, por si só, já traz um argumento forte. “Temos dito mais de uma vez, que

só os fatos provam, só eles convencem” (Garcia, 1978, pp. 370-381). Os bons resultados

consequentes da decisão do presidente são fatos, portanto irrefutáveis. Desse modo, a tese

de que Obama talvez devesse ter esperado um pouco mais para demitir McChrystal é

estruturada e reforçada pelo fato de Lincoln compor um lugar de essência (Abreu, 1999,

p.90), sendo idolatrado, sobretudo para os norte-americanos, como um representante da

essência daquilo que seria um presidente.

“Os militares, pela própria natureza de sua formação, de seu trabalho e de sua posição na

sociedade, sentem-se diferentes da população em geral. Em grande parte – e este é o caso

do general McChrystal – são filhos de militares, passam a infância em companhia de

crianças da mesma origem e se acostumam, desde cedo, a viver separados da sociedade

civil.”

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Santayana, no quarto parágrafo de seu artigo, defende a tese de que fatores como a

formação e a posição dos militares na sociedade determina neles uma série de valores

diferentes daqueles aceitos pela população civil, o que seria uma justificativa para o

comportamento truculento do general demitido por Barack Obama. No parágrafo seguinte,

esse posicionamento do autor é, mais uma vez, ilustrado por um fato histórico seguido da

aplicação de um lugar de essência. O general George Marshall é descrito, através de relatos

de sua época, como um oficial discreto e respeitoso, e apresentado como exemplar,

sugerindo que a maioria dos outros não detêm os mesmo atributos.

“Ainda em 1826, Bernardo Pereira de Vasconcelos advertiu contra a decisão de Pedro I

de mandar o Exército reprimir os revoltosos da Confederação do Equador, dando às

comissões militares o poder de condená-los e os executar. Abriu-se o precedente para tudo

o que veio depois.”

A censura de D. Pedro I à advertência de Bernardo Pereira de Vasconcelos sobre a

Confederação do Equador é descrita como causa dos problemas imperiais que se

precederam. Assim, Santayana abre por completo seu leque de pontos de vista, pois o fato

conduz o leitor a perceber a importância da humildade dos chefes de Estado perante as

questões militares. Dessa maneira, o apaziguamento da relação entre Obama e McChrystal

e um diálogo amistoso entre ambos começa a soar como uma solução cabível.

“No artigo jornalístico, declarações, opiniões, definições e interpretações são feitas de

forma direta e categórica (...). Desaparecem as dúvidas os questionamentos, as várias

abordagens do assunto, predominando a posição adotada pelo autor” (Pereira & Bastos,

1995, pp. 9-10). Por conseguinte, podemos perceber que as constantes afirmações

explícitas feitas em Os militares e a política são marcas estilísticas características do artigo

jornalístico. Ainda segundo Pereira & Bastos (1995, p.3), o propósito desse gênero textual é

apenas colocar temas atuais em discussão, o que explica o fato de Santayana explorar o

mesmo fato de diversos pontos de vista, deixando para os leitores a tarefa de formar suas

próprias opiniões.

Considerações finais

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Abreviando a análise feita, é plausível afirmar que Mauro Santayana utilizou como

estrutura primordial de seu artigo a argumentação pelo exemplo, através da citação de

episódios históricos, tendo ela diversos efeitos e métodos persuasivos no desenrolar do

texto. É fundamental a percepção do foco jornalístico na opinião indubitável do autor. Foi,

ainda, presumível inferir que o objetivo da veiculação de tais reflexões foi formar opiniões,

o que não é o mesmo que impô-las, e, por isso, o mesmo fato foi abordado de maneiras

distintas.

Referências Bibliográficas

PEREIRA, Maria das Graças Dias e BASTOS, Liliana Cabral. Lingüística,

imprensa e academia: artigo jornalístico e acadêmico. 17ª edição, Rio de Janeiro,

Cadernos Didáticos UFRJ, 1995.

GARCIA, Othon M. Comunicação em prosa moderna. 7ª edição, Rio de Janeiro,

FGV, 1978.

ABREU, Antônio Suárez. A Arte de Argumentar: Gerenciando Razão e Emoção.

12ª edição, São Paulo, Ateliê Editorial, 1999.