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Estado Penal versus Estado Democrático de Direito:
A Hipertrofia do Poder Punitivo e a Pauperização da Democracia
Taiguara L. S. e Souza Professor de Direito Penal da Faculdade de Direito IBMEC-RJ, Professor da Pós-graduação em Crimino-logia, Direito Penal e Processual Penal da UCAM, Pro-fessor da Escola Superior da Polícia Militar do Rio de Janeiro, Doutorando em Direito pela PUC-Rio, Mem-bro do Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura, Membro do IBCCRIM.
Introdução
PrestesàcelebraçãodosvinteecincoanosdaConstituiçãoFede-ralde1988,assistimosàdifícilconjunturanoqueserefereàconsagraçãodedispositivos e princípios norteadores deumEstadoDemocráticodeDireitoasseguradordegarantias.
Nestesentido,foiemreaçãoaoautoritarismomilitar,àsviolaçõesfrequentesaosdireitosfundamentaiseaopositivismocego,quesede-senvolveramostrabalhosdaAssembleiaNacionalConstituintede1987.Nessecontexto,emmeioàdisseminaçãodasconstituiçõesdemocráticas,a dignidadedapessoahumana foi constitucionalmente acolhida junta-mentecomumvastoroldegarantiasaseremtuteladas.ACartaMagnade1988configura-seemummodelosubstancialistaedirigente,inscrevendonadoutrinabrasileira,pelaprimeiravez,anormatividadedosprincípios.
Inobstante,omundocontemporâneotemsecaracterizadoporumcrescenterecrudescimentonasmedidasdecontrolesocialinstitucionali-zadoemâmbitoglobal.Aatmosferacriadaapósoatentadoem11dese-
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tembro de 2001, nos EUA, com a edição do U.S.A. Patriot Act - pacote de leisantiterrorismoqueimplicouarestriçãodedireitoscivis-,sedisseminaemdiversospaíses.Asensaçãopúblicadeinsegurançaemedodáense-joao incrementoeexpansãodedoutrinas conservadorase repressivasquantoaosistemapenal.
Nessa esteira, o Estado Democrático de Direito vê-se ameaçadopelaexpansãodoEstadoPenal,poisocorreabuscadasegurança1emlu-gardabuscadaliberdade,odiscursodasegurançapúblicaemlugardodiscursodedireitoshumanos,aproteçãodepoucos,emcontraposiçãoàproteçãodetodososindivíduos.Presencia-seapolíticadedespolitização,com a exacerbação do individualismo,multiplicação das desigualdadessociaisereificaçãodahumanidade.Assiste-seàpassagemdoEstadoPro-vidênciaparaoEstadoPenal,atravésdacriminalizaçãodasconsequênciasdamiséria,segundoWacquant2.Verifica-seadisseminaçãodomedo3, do medodocrime,domedodooutro.Comooutrora,noBrasil,secentravanomedodoescravonegrodetomaropoder4.Agora,dirige-se,particular-mente,aomedodonegropobre.Dessaforma,comarevoluçãocomuni-cacional,omedoseproliferaportodooplaneta,efomentaumdiscursoautoritárioquesetraduzemnovosinimigosaseremcombatidos5.
Nestecontexto,HassemerbemdemonstraocaráterrepressivodosatuaisMovimentosdeLeieOrdem.Vaialém,analisa,especialmente,aexperiênciadosriscosedaerosãonormativaquedeterminamnossavidacotidiana,provocandoumasensaçãodeparalisia.DetalsortequeoEsta-do,antesumLeviatã,passa,consoanteoautor,aserconcebidocomoo“companheirodearmasdoscidadãos,dispostoadefendê-losdosperigosedosgrandesproblemasdaépoca”6.
Assim,crescemaspolíticascriminaisbélicas,osaparatospoliciais,asexecuções sumárias, aprofusãodos cárceres,as longaspunições7, o
1DENNINGER,Erhard."Security, diversity, solidarity instead of freedon, equality, fraternity" In.: Constellation. V. 7. N.4.Oxford:BlackwellPublischersLtd,2000.
2WACQUANT,Loic.Punir os pobres: a nova gestão da miséria nos Estados Unidos.RiodeJaneiro:FreitasBastos,2001b.
3BATISTA,VeraMalaguti.O medo na cidade do Rio de Janeiro: dois tempos de uma história. Rio de Janeiro: Revan, 2003.
4CHALHOUB,Sidney."Medobrancodealmasnegras:escravoslibertoserepublicanosnacidadedoRiodeJaneiro".In.: Revista Discursos Sedicioso.V.1.ICC.RiodeJaneiro:RelumeDumará,1996.PERROT,Michele."Prisioneiros".In.: Os excluídos da história.RiodeJaneiro:PazeTerra,1992.PINSKY,J.A escravidão no Brasil.19ª.Ed.SãoPaulo:Contexto, 2004.
5ZAFFARONI,EugenioRaúl."Oinimigonodireitopenal".Pensamento Criminológico.V.14.ICC.Trad.:S.Lamarão.Rio de Janeiro: Revan, 2007, p. 53.
6HASSEMER,Winfried.Persona, mundo y responsabilidad. 2003, p. 254 -7; e p. 270.
7WACQUANT,Loic.Os condenados da cidade.Trad.:J.R.MartinsFilho.RiodeJaneiro:Revan,2001a.
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EstadodePolícia,especialmentediantedasvidasnuas8. Em contraponto, restringem-seosdireitoseasliberdadesindividuais9.
NoPoder Legislativo nota-se a presença do Estado de Polícia naelaboraçãodeprojetosdeleisenaediçãodenormaspenaiseprocessu-aispenaispunitivas,comdecisivacontribuiçãodasagênciasmidiáticas10. Debates estes que passam pela utilização de videoconferências para ointerrogatório,fimdoprotestopornovojúri,reduçãodamaioridadepe-nal, alteraçãonaprogressãode regimepara crimeshediondos, criaçãodo regimedisciplinar diferenciado, propostado regimedisciplinar dife-renciadomaximizado,e,monitoramentoeletrônicoparaosapenados.JánoPoderExecutivo,nota-seapresençadoEstadodePolícianasdiretrizesencaminhadaspelosgovernos,emâmbitofederal,estadualemunicipal,nasincursões,respectivamente,daForçaNacionaldeSegurançaedaPo-líciaFederal11,daPolíciaMilitar,eaindadaGuardaMunicipal.Finalmente,noPoderJudiciáriofaz-sepresenteoEstadodePolícia,desdeapressãodaopiniãopúblicaparaacondenação,àscondenaçõesapenaselevadíssimas,receiodosmagistradosdeaplicarempenasrestritivasdedireitos,posterga-çãodeconcessãodegarantiasàExecuçãoPenaleanimus punitivo.
Nestaesteira,opresenteartigopretendebrevementepôremaná-liseoembateentreoEstadoPenaleoEstadoDemocráticodeDireito,noBrasilcontemporâneo.Noprimeirocapítulo,sãotrabalhadasasbaseshis-tóricaeprincipiológicadoEstadoDemocráticodeDireito.Jánosegundocapítulo,seráabordadaahipertrofiadoEstadoPenal,emseusmaisdiver-sosâmbitos,perpassandoosPoderesLegislativo,ExecutivoeJudiciário.Porfim,àguisadeconclusão,serãodestacadososdesafioscolocadosàobservânciadaDemocraciaedosDireitosFundamentaiscomocontensãodopoderpunitivoestatal.
8Trata-sedoconceitodematabilidade,relacionadoaohomosacerdeAgamben.AGAMBEN,Giorgio.Homo sacer: o poder soberano e a vida nua.Trad.:H.Burigo.BeloHorizonte:UFMG,2002.Nessesentido,valetambémconferiraschamadasvidasdesperdiçadas,porBauman.BAUMAN,Zygmunt.Vidas desperdiçadas.Trad.:C.A.Medeiros.RiodeJaneiro:JorgeZahar,2005.
9ANDRADE,VeraReginaPereirade.Sistema penal máximo x cidadania mínima.PortoAlegre:LivrariadoAdvoga-do, 2003.
10BATISTA,Nilo. "Mídiae sistemapenalno capitalismo tardio". In.: Revista Discursos Sediciosos. V. 12. Rio de Janeiro: Revan, 2002.
11“APFprende,aleisolta:navalhaII–asrazõesdodescompassoentreasoperaçõespoliciaiseoritodaJustiça”.Carta Capital, nº 446, 30 de maio de 2007, p. 25-26.
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1. O ESTADO DEmOCRáTiCO DE DiREiTO E A PREVALênCiA DOS Di-REiTOS FUnDAmEnTAiS
AcategoriaEstadoDemocráticodeDireitomerececuidadosaaná-lise.Primeiramente,cumpredestacarquenãosepodefazeraassociaçãodiretadanoçãodeEstadodeDireitocomadeEstadoDemocrático.Sabe-sequepodeexistiroEstadodeDireitosemquesetenhademocraciaevice-versa.Nesse âmbito, vale recordar acerca dos Estados totalitários,como os nazifascistas, que, embora se caracterizassem, formalmente,comoEstadosdeDireito,jáqueaarbitrariedadepúblicaeraexcluídaeorespeitoàleiassegurado,primavam,emtermosefetivos,peloexacerba-dodesrespeitoaosdireitosfundamentais.
AconstruçãodoEstadoDemocráticodeDireitoadveio,embriona-riamente,doEstadodeDireitoClássico(liberal).Nessesentido,fincava-seaafirmaçãodequeoDireitoeaLeigeralabstratatinhamsuaorigemnavontadegeral,ondesesedimentavaoinstrumentaldegarantiaqueoEs-tadodeDireitoClássico(liberal)dispensavaaosindivíduosfrenteaoPoderPolítico.ALei,nesseaspecto,éamelhorformadegarantiadoindivíduofrenteaoPoder.PoisestenãopoderáatuaràmargemdaLei,masapenasdentrodeseuslimites.Namesmadireção,aLeitambéméoinstrumentomaisidôneoparagarantirasliberdadesindividuais,poisépormeiodelaqueopovoconverte-senavozquepronunciaoDireito.
A justificaçãohistórica e racional da autoridadedoPoder, entre-tanto,agoranãomaisembasadanafiguradaAutoridadeDivina(EstadoAbsolutista),terminoucriandoumaimagemirrealdoEstado,proclamadointegrador,igualitaristaeorientadoàgarantiadavida,dapropriedadeedaliberdadedosindivíduos.Comisso,oDireitotambémfoiafastadodequal-querreferênciasubstancialoumaterial,passandoaserummoldecujocon-teúdoseriapreenchidopelasdecisõespolíticas.Destaforma,contribuindopordesmantelaropotencialgarantistadaLeicomolimiteaoPoder.
SeoimpériodaLeieraconsideradoagarantiamáximacontraoar-bítrioeainjustiçadosgovernantes,umavezassentadoomodelojurídico-políticoburguês;assiste-seaumgironarealidadedoEstadodeDireito,queabreasportasanovasexpressõesabsolutasou totaisdePoder.OEstado legislativo (Estado de Direito Clássico), portanto,mesmo tendopresenteafiguradaConstituiçãocomocartalimitadoradoPoder,nãofoicapazdecumpriroseupropósitodecontenção.
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Assim,paraassegurarasubsunçãodetodososPoderesPúblicosaoDireito, foiafirmadaasupremaciaconstitucionaleocaráterplenamentenormativodasconstituições,comoformadereforçaramáximavinculaçãodetodososPoderesdoEstadoedesuaproduçãonormativaaoDireito.Demodoque,apassagemdoEstadodeDireito(legislativo)paraoEstadoCons-titucional(democráticoasseguradordedireitos)pressupõearatificaçãodocaráternormativodasconstituições,queintegramumplanodejuridicidadesuperior,vinculanteeindisponívelparatodosospoderesdoEstado12.
AcercadatransiçãodoEstadodeDireitoliberalaoEstadoDemocrá-ticodeDireito,valerememoraradistinção,sugeridaporBobbio13. Posto queparaojuristaitaliano,otermoEstadodeDireitopodesignificarduascoisas:Governoper legesoumedianteleisgeraiseabstratas,eGovernosub legeousubmetidoàsleis,acrescentandoaindaque,dequalquerfor-ma,aLei,noEstadodeDireito,deveserfrutodavontadegeral,entendidaemsentidoamplo.
Notadamente,paraoautor,oGovernoper legescaracteriza-se:a)pela generalidadedanorma, imperativapara todosos sujeitos face aoOrdenamento;b)pelaabstraçãodaLei,quedevereferir-seasituaçõesnasquaisqualquerpessoapossaencontrar-se;c)pelaNormaquedevedecorrerdavontadegeral,evitando-segovernosabsolutistasouautori-tários. Logo,estes trêselementos configuramopotencial garantistadaLeienquantoformajurídica,poisenquantoLeigeraleabstratarespondeàsexigênciasda igualdadeeenquantofrutodavontadegeralatendeàexigênciadeliberdade(entendidacomoautonomia).
Aindaconsoanteoautor,oGovernosub lege,porsuavez,corres-pondeà vinculaçãoe submissãodosPoderesPúblicos aoDireito e, nosentido forte indicadoporFerrajoli14, significaque todopoderdeveserlimitadopela Lei, aqualdeterminanãoapenas suas formaseprocedi-mentos de ação, normativa ou executiva,mas tambémo conteúdo doqueelapodeounãodispor.Talcaracterística,mesmoemsuaconotaçãomaisfraca,oudemeralegalidade,foifundamentalparaaconsolidaçãodoEstadodeDireito (liberal, legislativo).Portanto,passa-seanãomaisaceitaropoderquenãofosseodisciplinadoelimitadoporLei.Umavezquetantoa“existência”(aspectoformal)comoavalidade(aspectosubs-12 FREIRE,AntônioManuel Peña. La garantía en el estado constitucional de derecho.Madrid: Editorial Trotta,1997, p. 58.
13BOBBIO,Norberto.A era dos direitos.Trad.deCarlosNelsonCoutinho.RiodeJaneiro:Campus,1992,p.25.
14FERRAJOLI,Luigi.O direito como sistema de garantias.PortoAlegre:LivrariadoAdvogado,1997,p.89-91.
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tancial)dasnormasestácondicionadapeloEstadoDemocráticodeDirei-to.Estepossuiumnúcleo imperativo intangível,constituídodevalores,regraseprincípiosancoradosnosdireitosfundamentais(queconfiguramachamadarealidade“teleológico-axiológica”daConstituição).Essenú-cleoconsubstancia-senoquesedenomina“Constituiçãomaterial”,comoconsequênciadeque“opróprioconteúdodecadaumadasnormasquecompõemoOrdenamentoJurídicoseachanecessariamenteafetadopelanormabásica”15.
EsseEstadoDemocráticodeDireito,comoumefetivogovernosub lege,portanto,asseguraacentralidadedapessoahumanaeagarantiadeseusdireitosfundamentaiscomovínculosestruturaisdetodaadinâmi-capolíticaqueimplicaoprincípiodemocrático.Contrapõe-seaoEstadoqueeraconhecidonoabsolutismocomoà“margemdalei”eou“acimada lei”; quepassará, agora, a ser “dentroda lei” ou “submetidoà lei”.Porconseguinte,nãoerareconhecida,a priori,nenhumasupremaciadoEstado,porque todosos sujeitos jurídicos, incluindo tambémopróprioEstado,passaramaserdisciplinadospelaLei.
Noparadigmacontemporâneo,ouseja,noEstadoDemocráticodeDireito,ascategoriasdoDireitoConstitucional,parapoderemservircomocritériodeaçãooudejuízo,paraoconjuntodeatividadeshumanas,indis-pensáveisàexistênciadasociedade,devemencontrarumacombinaçãoque jánãoderivadofundamento indiscutíveldeumcentrodeordena-ção.ParausarumaimagemdeZagrebelsky16,oDireitoConstitucionaléumconjuntodemateriaisdeconstrução,porémoedifícioconcretonãoéobradoDireitoConstitucionalenquanto tal,massimdeumaPolíticaConstitucional,queversa sobreaspossíveis combinaçõesdessesmate-riais.NavisãodeCanotilho,onovoDireitoConstitucionalremeteaum“clarojuízodevalor”e,nofundoestamosdiantedeuma“TeoriaNormati-vadePolítica”17.Istoporque,semdúvida,oconstitucionalismomodernoéumaordenaçãosistemáticaeracionaldacomunidadepolítica,atravésdeumdocumentoescrito,noqual,sedeclaramasliberdadeseosdireitosesefixamoslimitesdoPoderPolítico18.
OEstadoDemocráticodeDireitoapresenta-separasercolocadoaserviçodasociedade, jáqueéprodutodavontadedamesma.Porisso,15BOBBIO,Norberto.Estado, governo, sociedade.RiodeJaneiro:PazeTerra,1995.
16ZAGREBELSKY,Gustavo.El derecho dúctil, ley, derechos y justicia, 1998, p. 12.
17CANOTILHO,JoaquimJoséGomes.Direito constitucional e teoria da constituição. 2a. ed. Coimbra: 1998, p. 51.
18CANOTILHO,JoaquimJoséGomes.Direito constitucional e teoria da constituição. 2a. ed. Coimbra: 1998, p. 52.
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nãodesignasimplesmenteum“EstadodeDireito”ou“reguladopelaLei”,masummodelodeEstadonascidocomasmodernasConstituiçõesecomsuascaracterísticasespecíficas,como:a)noplano formal,preocupaçãocomoPrincípiodaLegalidade,peloqualtodooPoderPúblicoestásub-metidoaleisgeraiseabstratas,cujoexercícioestásujeitoaocontroledelegitimidadeporpartedejuízesindependentes;b)noplanosubstancial,preocupaçãocomafuncionalizaçãodetodososPoderesEstataisaservi-çodagarantiadosdireitosfundamentaisdoscidadãos, incorporadosàsConstituiçõessobaformadeproibiçõesdelesarosdireitosdeliberdadeeobrigaçõesdesatisfazerosdireitossociais.19.
ÉnesseespectroqueseenquadraaConstituiçãodaRepúblicaFe-derativaBrasileirade1988,atribuindocentralidadeàdignidadedapessoahumanajuntamenteaumvastoroldedireitosfundamentais.
Entretanto, mesmo diante da proximidade da celebração de vinte e cincoanosdaConstituiçãoCidadã,oBrasil,comopaísdecapitalismotardio,apresentaumacentuadodéficitdeefetivaçãonoquetangeaoscomandosdoEstadoDemocráticodeDireito.Sejaemâmbitofederalouestadual,as-siste-seàinobservânciadeseuspreceitosfundamentais,naproduçãonor-mativaorientadapelodiscursopenaldeemergência,naatuaçãoabusivaevioladoradoaparatopolicial,naspunitivassentençassemlastroconstitu-cional,ediantedasarbitrariedadesdosistemapenitenciário.SobaégidedoEstadoDemocráticodeDireito,atémesmoaproduçãodoDireitotemquesesubsumiràsregrasconstitucionais(sejadopontodevistaformal,sejadopontodevistasubstancial).Poisoprocessodeproduçãodasnormasjurídi-casestáformalesubstancialmenteconstitucionalizado.
ODireito,agoraconcebidocomo“sistemadegarantias”,aindaden-trodalinhadepensamentodeFerrajoli20, nãosóécondicionante(regeasociedade)senãotambém“condicionado”,issoquerdizer,seuconteúdo,suasubstância,nãopodeextrapolaroslimitesdaConstituição,especial-menteosdadospeloseunúcleomaterial.Nessaordem,cabeverificaradisjuntivaenfocadaporZaffaroni21, acerca da “vontade irrestrita da maio-
19Omodelojurídicodecunhomarcadamenteliberal,namaioriadasvezesindiferenteàspressõesdasmassaspo-pulareseàslutaspelodireito,vemsendopaulatinamentesuplantadoporummodelodeEstadodeConstitucionalDemocráticodeDireitoinclusivo.Assim,localiza-seotextoconstitucional,porapresentarumcorponormativodevalores,possuicontornosclaramentesubstancialistas.
20FERRAJOLI,Luigi.Direito e razão: teoria do garantismo penal.Trad.:JuarezTavares,FauziHassanChoukr,AnaPaulaZomereLuizFlávioGomes.SãoPaulo:RevistadosTribunais,2002,p.851-854.
21ZAFFARONI,EugenioRaúl.Poder judiciário: crise, acertos e desacertos.Trad.:JuarezTavares.SãoPaulo:RevistadosTribunais,1995,p.36ess.
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ria”ouda“supremaciadaConstituição”,queencontraumaprontarespos-tadentrodoEstadoDemocráticodeDireito:poisnenhumamaioria,pormaiscontundentequeseja,podedecidiralgumasmatérias(assalvaguar-dadaspelascláusulaspétreas,porexemplo)oudeixardedecidiroutras(nemtampoucopodeiralémdoqueaConstituiçãolhepermite).Dessaforma,cumpreaolegislador,aointérpreteeaoadministradorpúblico,acompreensãodequeocorreuatransiçãodoEstadodeDireitotout court paraoEstadoDemocráticodeDireito.Logo,todasasvezesqueselegisla,interpretaou executa a lei, especialmenteno âmbito criminal, deve-seobservarestritamenteamatériaqueseachaconstitucionalizada.
2. A HiPERTROFiA DO ESTADO PEnAL E A PAUPERizAçãO DA DEmO-cracIa
Hodiernamente,constata-se,diantedavigênciadoEstadoDemo-cráticodeDireito,comomodelodefendidopelamagnaCartaBrasileira,aescaladadoEstadoPenal,outambémchamadoEstadoPolicial.OEstadoPenalseexpandequandoarespostaviolentaédistribuídaparaasmaisdiversassituaçõesehipóteses.Oesgotamentodomododeproduçãoca-pitalista,acrisedomodeloneoliberal,baseadonaproduçãofabrilenareengenhariasocial,quelevaramaoesvaziamentodoEstadodeBem-Es-tarSocial;conduziramaumanovaestratégiadegestãodapobreza.Logo,comoafirmouosociólogo francêsLoicWacquant,aeraneoliberaldes-montouoEstadoSocial,substituindo-opeloEstadoPenal.
Nestecenário,asociedadeexigeumdiscursopenalampliado,oua prevalência doDireito Penal de Emergência, que se expressa atravésdoeficientismopenal(comopropostavinculadaaoMovimentodeLeieOrdem,aomodelointituladode“TolerânciaZero”).Nessediapasão,fun-damenta-seoEstadodePolícia,quetrazumaplataformaquepropõeareduçãodamaioridadepenal,aaplicaçãodapenacapital,aampliaçãodaspenasdeprisãoparapequenastransgressões,oencarceramentoemmassadeindivíduosintegrantesdeclassessociaismaisbaixasesegmen-tosemsituaçãodevulnerabilidade.
Nessaseara,NiloBatistaafirmaqueoEstadoPolicial“éaquelere-oEstadoPolicial“éaquelere-gidopelasdecisõesdogovernante.Pretende-secomcertosimplismoes-tabelecerumaseparaçãocortanteentreoEstadodePolíciaeoEstado
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deDireito:entreomodelodeEstadonoqualumgrupo,classesocialousegmentodirigente,encarnaosaberacercadoqueébomoupossível,esuadecisãoélei,eoutro,noqualobomouopossivelédecididopelamaioria, respeitandoosdireitosdasminorias, paraoque tantoaquelaquantoestasprecisamsubmeter-searegrasquesãomaispermanentesdoquemerasdecisõestransitórias.Paraoprimeiromodelo,submissãoàleiésinônimodeobediênciaaogoverno;paraosegundo,significaacata-mentoàsregrasanteriormenteestabelecidas.Oprimeiropressupõequeaconsciênciadobompertenceàclassehegemônicae,porconseguinte,tendeaumaJustiçasubstancialista.Osegundopressupõequepertenceatodooserhumanopor igual,e,portanto,tendeaumaJustiçaproce-dimental.Atendênciasubastancialistadoprimeiroofaztenderparaumdireito transpersonalista (a serviço de algo meta-huamano: divindade,casta,classe,estado,mercadoetc...);oprocedimentalismodosegundo,paraumdireitopersonalista(paraoshumanos)”22.
Nessaperspectiva,quando,apretextodedirimirocrime,ignora-seoOrdenamentoJurídico,suprime-seoEstadoDemocráticodeDireito,eoqueseestabeleceéoEstadoPolicial.ComosalientaoministroCelsodeMello23, “oEstadoPolicialéanegaçãodasliberdades,indiferentementedeposiçãosocialouhierarquia.Trata-sedeumaantítesedosistemademocrático”.
OsistemapenalnãopodeatuaremnomedoEstadoPolicial,vistoqueosdireitos fundamentaisalémdabasetrípliceprocessual-constitu-cionaldosdireitosdocidadão:contraditório,ampladefesaedevidopro-cesso legal,devepermanecerrespeitadapelacomunidade jurídica.Taisgarantias,noentanto,nãosãoasseguradasnasmaisdiversasesferasdeatuaçãodoEstado,queseconectamaosistemapenal,noquedizrespeitoaosPoderes:Executivo,LegislativoeJudiciário,emâmbitotantofederal,quantoestadual.
Porsistemapenal,comoprelecionaZaffaroni,entende-se“ocon-trolesocialpunitivoinstitucionalizado”24,queabarcaváriasagênciasregu-ladoras,desdeaelaboraçãodocrime,passapelapersecução,julgamento,imposição da pena25eexecuçãopenal.Pressupõeaatividadenormativa,22ZAFFARONI,EugenioRaúl;BATISTA,Nilo;ALAGIA,Alessandro;SLOKAR,Alessandro.Direito penal brasileiro. V. I. Rio de Janeiro: Revan, 2003, p. 93 e 94
23 Revista VEJA,ediçãode22deagostode2007.
24ZAFFARONI,EugenioRaúl;BATISTA,Nilo;ALAGIA,Alessandro;SLOKAR,Alessandro.Direito penal brasileiro. V. I. Rio de Janeiro: Revan, 2003.
25ZAFFARONI,EugenioRaúl.Poder Judiciário: crise, acertos e desacertos.Trad.:JuarezTavares.SãoPaulo:RevistadosTribunais,1995,p.36ess.
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dolegislador;deperseguiçãoaosdesviantes,dapolícia,edecondenaçãoefixaçãodasanção,dosjuízeseadministraçãodapena,dosjuízesefun-cionáriosdaexecuçãopenal.
Emnossosdias,todasessasagênciasdosistemapenalsãoestimu-ladaspelorecrudescimentodoEstadoPenal,quesesobrepõeaosdireitosegarantiasfundantesdoEstadoDemocráticodeDireito,configurando,detalmaneira,flagranteameaçaàsociedade.NessediapasãoanalisaremossuasmanifestaçõesemcadafacetadosistemapenalnostrêspoderesdaRepública:nanormaincriminadoraatravésdoPoderLegislativo;noPoderExecutivo,atravésdaatuaçãodasPolíciasedoSistemaPenitenciário;e,porfim,nasdecisõesjudiciaisatravésdoPoderJudiciário.
a) Poder Legislativo:aatuaçãodoLegislativo,noquetangeaosis-temapenal,recaisobreadimensãodacriminalizaçãoprimária,atravésdaproduçãodanormapenal incriminadora.Nocenárionacional,especial-menteapartirdadécadade90,observa-seoincrementonaproduçãodenormaspunitivas,comoformadecontrolesocial.
Nota-seapresençadodiscursodoDireitoPenaldeEmergência26, quepreconizasaídasimediatistasparaosuposto“assustadoraumentodacriminalidade”.Taismedidaspressupõemacriaçãodenovostipospenaiseoendurecimentodassançõespenais.
Nestesentido,oBrasiltemvivenciadoumagrandeexpansãodatu-teladebensjurídico-penais,passandoaabrangerbenssupraindividuais,comacriaçãodecrimesdeperigoabstrato27, a exemplo dos crimes am-bientais(Leinº9.605/98),crimesdetrânsito(Leinº9.503/97)ecrimesdoâmbitodoDireitoPenalEconômico(CrimescontraoSistemaFinanceiroNacional-Lei7.492/86;CrimescontraaOrdemTributáriaecontraaOr-demEconômica-Lei8.137/90;CrimescontraoMercadodeCapitais-Lei6.385/76;Lavagemdedinheiro-Lei9.613/98).
NoqueserefereàrepressividadearbitráriadoexpansionismopenalcabedestacaraLeideDrogas(Leinº11.343/06),aLeidosCrimesHedion-dos(Leinº8.072/90),aLeidoCrimeOrganizado(Leinº12.694/12)eo
26CHOUKR,Fauzi Hassan. Processo Penal de Emergência.RiodeJaneiro:LumenJuris,2002.
27SILVASÁNCHEZ,Jesús-María. A expansão do Direito Penal: aspectos da política criminal nas sociedades pós industriais;traduçãoLuizOtaviodeOliveiraRocha.SãoPaulo:RevistadosTribunais,2002,p.42.BOTTINI,PierpaoloCruz.Crimes de perigo abstrato e princípio da precaução na sociedade de risco.SãoPaulo:EditoraRevistadosTribunais,2007,p.119.GRACIAMARTÍN,Luiz,Revista Electrónica de Ciencia Penal y Criminología. N. 07-02, 2005, p. 02:1 -02:43. (http://criminet.ugr.es/recpc/07/recpc07-02.pdf).
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RegimeDisciplinarDiferenciado28.Valemencionaraindaoelevadonúme-rodeprojetosdeleiepropostasdeemendaconstitucionalcomcunhore-pressivoeemergencialista,comoasempreaventadapropostadereduçãodaidadepenaleaproposiçãodeRDDMax29.TaismedidassãoimbuídasdoqueMassimoSozodenominadePopulismoPunitivo,poisestãoine-briadasdepragmatismopolítico,vistoqueaopiniãopúblicamajoritária,movidapelasdeturpaçõesmidiáticas,clamapormedidasrepressivas.
b) Poder Judiciário:assiste-seàusurpaçãodegarantiasnabuscapelaceleridadeaqualquercustoepelamidiatizaçãodoprocesso,espe-lhadanabanalizaçãodaprisãocautelar,decisõesjudiciaisquedãoensejoà criminalização dosmovimentos sociais, autorização demandados debuscaeapreensãogenéricos,permissãoparainterceptaçõestelefônicassemfundamentaçãoeaplicaçãodapenaprivativadeliberdadeemcasosdesnecessários.
Movidopeloeficientismopenal,oPoder Judiciárionaturalizaen-tendimentosqueremetemàdoutrinadoDireitoPenaldoInimigo,preco-nizadaporJakobs30,suspendendogarantiaspenaiseprocessuaispenaisdiantededeterminadascategoriassociais,aexemplodoréuacusadodetráficoilícitodesubstânciasentorpecentes.
Dentreasmuitasquestõesquetêmprovocadograndecontrovérsianodebatepúblicoencontram-seas interceptações telefônicasautoriza-dasjudicialmentesemcritériosclaros31. Vale ainda mencionar a recorren-teutilizaçãodemandadosdebuscaeapreensãogenéricos,exemplodeetiquetamentopenalproduzidopormeiodadistorçãodoProcessoPenal,
28ORDD foi instituídopelaResoluçãodenº.26/01,editadapelaSecretariadeAdministraçãoPenitenciáriadoEstadodeSãoPaulo.Éflagrantesuanaturezainconstitucional,poisédecisãoemmatériapenaldoPoderLegislativodaUniãoenãodoPoderExecutivodoestado,quesótemcompetênciaadministrativa.Assim,em2002,olegisladorfederaleditouMedidaProvisóriadenº.28/02,estabeleceuemâmbitonacionaloregime.Paradesvencilhar-sedainconstitucionalidadeformalveioalumeaLeinº.10.792/03,quealterouoartigo52daLEPeinstituiuoRDD.AcriaçãodoRDDtevecomomoteareaçãosocialalavancadapelamídianocasoemblemáticodeLuizFernandodaCosta(FernandinhoBeira-Mar).ORDDfoiaplicadoemSãoPaulo(PresidenteBernardes),agorafuncionanoParaná(Catanduvas)enoMatoGrossodoSul(CampoGrande).
29ORESMjáfoiaprovadopelaComissãodeConstituiçãoeJustiçadoSenado(CCJ),em2006,emdecorrênciadoepisódioocorridoemSãoPaulo,05/06,queculminoucomamortedemaisde260“suspeitos”pelapolíciaedemaisde30representantesdoEstadoporex-detentos.Asmortesproduzidasporestesúltimospodemserinterpretadascomoviolentoatopolítico,semprecedentesnahistória,dereivindicaçãoàimplantaçãodoRDD.Comoresposta,emmenosde48horas,17/05/06,aCCJaprovouPLdenº.72/06,doSenadorDemóstenesTorres,quecriouoRESM.Nesteregimeopresopoderáficar isolado, incomunicável,poratéquatroanos ininterrutos.Aaudiênciapúblicasobreamatériaocorreuem03/10/07,sendoodeputadoChicoAlencarorelatordesignadoparaelaboraroprojetofinal.
30JAKOBS,Günter&CANCIOMELIÁ,Manuel.Derecho Penal del Enemigo.Navarra:EditorialAranzadi,2006,p.16.
31NICOLITT,André. manual de Processo Penal. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013.
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quepermiteummandadovagoeabertoquepossibilitaqueumacomuni-dadeinteirasejaaviltadaemumadeterminadaoperaçãopolicial32.
c) Poder Executivo:NoâmbitodoPoderExecutivo,destaca-seare-alidadedebarbárieemqueseencontraosistemaprisional,comosistemáticodescumprimentodaLeideExecuçõesPenais;eatuaçãobelicosadoaparatopolicial,valendo-sedautilizaçãodoblindado“caveirão”,usoda torturacomométodo investigativo,megaoperações comdespropor-cionalusodaforçaletal,policizaçãodocotidiano,atravésdaschamadasUnidadesdePolíciaPacificadora;construçãodemurosde“ecolimites”e“barreirasacústicas”paradelimitaçãodefavelasecomunidadesdeperi-feria,utilizaçãodasForçasArmadasparafinsdepoliciamento,operaçõesdiscriminatóriasdasguardasmunicipaiscomooChoquedeOrdem,e,emespecialageneralizaçãodosautosderesistência,contribuindodemododecisivo para o incremento da letalidade policial.
CabeaindamencionarasmegaoperaçõesrealizadaspelaPolíciaFe-deral.Nãoraro,taisoperaçõessãoacompanhadasdeumaparatobélicocinematográfico,emcumprimentosdemandadosdeprisãodeindivíduosquenãoapresentamqualquerresistênciaaocumprimentodasordensju-diciais.Outrofatocotidianoàsreferidasaçõeséaindevidaimposiçãodesigilosobreoconteúdodasinvestigaçõeseparaodeferimentodemedi-dascautelaressemcomprovaçãodofumus boni iuris e da necessidade33, comosevêtambémemepisódiocomoaditaOperaçãoNacionaldaPo-líciaCivil,realizadaem23demarçode200734-35. Recorrentemente, a opi-niãopúblicamove-seemaplauso,fartadasensaçãodeimpunidadeaoscrimesdocolarinhobranco,einsurge-sesemprequeumdospresosnasmegaoperaçõesépostoemliberdadepormeiodehabeas corpus.
Outropontorelevanteaser lembradoemrelaçãoaosaparatosde segurança, se refere à polêmica utilização das Forças Armadas emfunçõesdePolícia.OGovernadordoEstadodoRiodeJaneiro(daatual
32Segundooart.178doCPPM,“omandadodebuscadeveráindicar,omaisprecisamentepossível,acasaemqueserárealizadaadiligênciaeonomedoseumoradorouproprietário;ou,nocasodebuscapessoal,onomedapessoaqueasofreráouossinaisqueaidentifiquem”.
33"APolíciaFederal,oPoderJudiciárioeasmegaoperações".Boletim iBCCRim,Ano15,nº179,SãoPaulo,2007,p.1.
34Nodia23demarçode2007foiaintitulada“OperaçãoNacionaldaPolíciaCivil”,apenasnoEstadodeSãoPaulo,realizou583flagrantes,773termoscircunstanciados,1.675prisões,cumprimentode1.395mandadosdebuscaeapreensãoe1.559mandadosdeprisão,257pessoasforamrecapturadas,70estabelecimentoscomerciaisforamlacradosouinterditados,maisde36milveículosforamvistoriados,emaisde42milpessoasforamabordadas.
35 http://www.ssp.sp.gov.br/home/noticia.aspx?cod_noticia=10533, acesso em 24 de março de 2007.
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gestãoiniciadaem2007)envioudiversospedidosaoGovernoFederalso-licitandoousodasForçasArmadasnoRiodeJaneiroparapoliciamento.Recentemente,soldadospresentesnaocupaçãodoExércitonoMorrodaProvidênciaentregaramtrês jovensa facçõesdo tráfico.Ocaso trazidoàtonaexplicitouqueapresençadastropasdoExércitoeratemeráriaeilegal,poispermitiuqueumaOperaçãodeGarantiadaLeiedaOrdem(GLO)fosseempreendidamesmosemaaprovaçãooficialdoPresidentedaRepúblicaedoCongressoNacional36.
Noqueserefereàpolíticacriminaldesegurançapública,éca-Noqueserefereàpolíticacriminaldesegurançapública,éca-racterísticacomumdasPolíciasCivileMilitaraimplementaçãodepolíti-casmilitarizadaserepressivas,tendoporbaseametáforadaguerraaoinimigo37. Talmodelobélico acarretaumelevadíssimograude letalida-depolicial, acobertadopelodispositivodenominadoautosde resistên-cia38.Apenasnosúltimos10anos,aspolíciasdoEstadodoRiodeJaneiroperpetraramamortedemaisde10.000civiscomputadosemautosderesistência39.Númerosdeumpaísemguerraprovocadosporumapolí-ticacriminalcomderramamentodesangue,parafazerusodaexpressãocunhadaporNiloBatista40.
Porfim,cumpreapontarasmazelasdosistemapenitenciáriobra-sileiro.Convive-secomumarealidadedebarbárieemquesãorotineirasaspráticasdetortura,condiçõesdegradantes,insalubridade,doenças,su-perlotação,rupturadelaçosafetivos,familiares,sexuais.OBrasilpossuihojea4ªmaiorpopulaçãoprisionaldomundoemnúmerosabsolutos,commaisde550.000presos,sendocertoquemenosde10%estáinseridoematividadeseducacionaisemenosde20%realizaatividades laborati-vas.Maisde70%dapopulaçãocarceráriaécompostaporacusadosdoscrimesdetráficodeentorpecentes,furtoeroubo41.
36“ALeiComplementar117prevêqueadecisãodautilizaçãodoExércitonessescasosédopresidente,comaconcordânciadoCongresso.Issosópodeacontecerdepoisqueeleouogovernadorconsiderarem“esgotadososinstrumentosdestinadosàpreservaçãodaordempública”.Alémdisso,otextorecomendaqueasaçõessedesen-volvam“deformaepisódica”,“portempolimitado”.
37DORNELLES, JoãoRicardoW.Conflito e Segurança – Entre Pombos e Falcões.Riode Janeiro:EditoraLumenJuris,2003.
38VERANI,Sérgio.Assassinatos em nome da Lei. Rio de Janeiro: Aldebarã, 1996.
39 SOUZA, Taiguara L. S. e. "Constituição, Segurança Pública e Estadode ExceçãoPermanente".DissertaçãodeMestradodoPPGDPUC-Rio.Orientador:JoséMariaGoméz.RiodeJaneiro:2010.Dadosdisponíveisem: www.isp.rj.gov.br.
40BATISTA,Nilo."Políticacriminalcomderramamentodesangue". In.: Revista Discursos Sediciosos: crime, direito e sociedade.V.5/6.InstitutoCariocadeCriminologia.RiodeJaneiro:FreitasBastos,1998,p.84.
41 Ver mais http://global.org.br/wp-content/uploads/2013/01/RELAT%C3%93RIO-ANUAL-MEPCT-RJ-2012-FINAL.pdf e http://portal.mj.gov.br.
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Comoexposto,oEstadoDemocráticodeDireitoencontra-seame-açadopelaenunciaçãodoEstadoPenal,quesepropagaportodasases-ferasdavidahumana.Nestaesteira,valelembrarosaudosoAlessandroBaratta,quandodefendiaaaplicaçãodosdireitoshumanosesereferiuaocrimedeEstado,intitulando-oviolênciainstitucional.AssinalouqueaviolênciainstitucionalocorrequandooagenteéumórgãodoEstado:ogoverno,oexércitoouapolícia42.Barattafrisaquealutapelacontençãodaviolênciaestruturaléamesmalutapelaafirmaçãodosdireitoshuma-nos43.PeloPrincípiodaSuperioridadeÉtica,oEstadonãopodeseigualaracriminosos.Nessesentido,devecaminharoDireitoPenal,comointuitodepreservarosdireitoshumanos,oquesignificapreservarummínimoéticodecadaindivíduo,noprimadodoEstadoDemocráticodeDireito.
COnSiDERAçõES FinAiS
Todoosistemapenal,comdestaqueparaoDireitoPenal,deveatu-ar a serviçodoEstadoDemocráticodeDireito, atravésda limitaçãodopróprioPoderPunitivo,naobstaculizaçãodaviolênciainstitucional,visan-do, acimade tudo, àdefesadadignidadehumana, epicentrodenossaordemjurídica.
Nesse sentido, não poderão ser aceitas práticas perpetradas nocotidiano,que caracterizamoEstadoPenal, o EstadodePolícia, como:mandadosdebuscaeapreensãogenéricos,prisõesprovisórias arbitrá-rias,proliferaçãodosautosderesistência,usodosblindadoscaveirões,empregodasForçasArmadasparafinsdepoliciamento,utilizaçãodear-masdegrossocalibreemoperaçõesurbanas,execuçõessumárias,con-denaçõesacálculoselevadíssimosnassentençaspenais,superlotaçãoeprecarizaçãodospresídios,dentretantasoutras.
Cumpresalientar,comoafirmaoeminenteprofessorNiloBatista,que“seletividade,repressividadeeestigmatizaçãosãoalgumascaracte-rísticascentraisdosSistemasPenais”44.Dessemodo,pelofatodosistema
42BARATTA,Alessandro."DireitosHumanos:entreaviolênciaestruturaleaviolênciapenal". In.: Fascículos de Ciên-cias Penais.Trad.:AnaLúciaSabadell.Ano6.V.:6.N.2.PortoAlegre:SergioAntonioFabris,1993,p.48.
43BARATTA,Alessandro."Principiosdelderechopenalminimo". In.:Conferencia InternacionaldeDireitoPenal:outubrode1988.RiodeJaneiro:CentrodeEstudosdaProcuradoriaGeraldaDefensoriaPúblicadoEstadodoRiode Janeiro, 1991, p. 25.
44BATISTA,Nilo. introdução crítica ao direito penal brasileiro. 4ª ed. Rio de Janeiro: Revan, 1999, p. 26.
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penaltrazertantasmáculasàdignidadehumana,oDireitoPenal,enquan-toelementoquecompõeosistemapenal,deveseruminstrumentodoEstadoDemocráticodeDireito.
NaspalavrasdeFerrajoli,oDireitoPenalsóéválidoenquanto“ins-trumentodedefesaedegarantiadetodos:damaioria‘nãodesviada’,mastambémdaminoria‘desviada’,que,portanto,seconfiguracomoumDireitoPenalMínimo,comotécnicademinimizaçãodaviolêncianasociedade”45.
SomenteapartirdeumDireitoPenalinseridonoparadigmadoEs-tadoDemocráticodeDireitoéquesepodefreiaroEstadoPenaleclamarporumapráticasocialimbuídadevaloresderespeitoinexoráveisaoserhumano, quepriorizema dignidade humana. Apenas umDireito Penalancoradosobabaseprincipiológicaeconstitucionalpodeconterasar-bitrariedadesdoprópriopoderpunitivoepropiciaraconstruçãodeummodelodesociedademaistoleranteeharmônica,aptoaerigirideaisdejustiçaeigualdade.
Énecessárioestaratentoàsviolaçõesaoserhumano,àsafrontascotidianas,sobretudoemtemposhodiernos,quandoemnomedaordemedasegurançapública,direitosfundamentaiscomoadignidadehumanatêmsidocotidianamenteaçambarcados.Nessesentido,ograndedesafiopostoparaademocracia,éacontençãodabarbárieperpetradapelosmo-delosopressores,quesetraduzemnosEstadosdePolícia.
ComoensinaRadbruch,“nãoprecisamosdeumDireitoPenalme-lhor,masdealgomelhorqueoDireitoPenal”.Nesteprisma,oDireitoPenaljamaispodeserconcebidoparâmetrolegitimadordoEstadoPenal,a con-trario sensudeveservirapenascomolimiteaopoderpunitivoestatal,comoproteçãoàpessoahumanadiantedoEstadoDemocráticodeDireito.
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