estado, famÍlia e serviÇo social: um estudo das relações
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL
GILIANE ALVES DE CARVALHO
ESTADO, FAMÍLIA E SERVIÇO SOCIAL: Um estudo das relações
envolvidas na efetivação da Proteção Social Básica (PSB) em Natal/ RN a
partir do CRAS Pajuçara
NATAL-RN
2013
GILIANE ALVES DE CARVALHO
ESTADO, FAMÍLIA E SERVIÇO SOCIAL: Um estudo das relações
envolvidas na efetivação da Proteção Social Básica (PSB) em Natal/ RN a
partir do CRAS Pajuçara
Monografia apresentada ao Curso de Serviço
Social da Universidade Federal do Rio Grande
do Norte como requisito parcial para obtenção
do título de Bacharel em Serviço Social.
Orientadora: Josivânia Estelita Gomes de
Sousa
NATAL-RN
2013
Catalogação da Publicação na Fonte.
UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA
Carvalho, Giliane Alves de.
Estado, família e Serviço Social: um estudo das relações
envolvidas na efetivação da Proteção Social Básica (PSB) em
Natal/RN a partir do CRAS Pajuçara / Giliane Alves de
Carvalho. - Natal, RN, 2013.
91f.
Orientadora: Prof.ª Josivânia Estelita Gomes de Sousa.
Monografia (Graduação em Serviço social) - Universidade
Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Sociais
Aplicadas. Departamento de Serviço social.
1. Serviço social – Monografia. 2. Apoio à família -
Monografia. 3. Proteção Social Básica - Monografia. 4.
Trabalho social - Monografia. I. Sousa, Josivânia Estelita
Gomes de. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
III. Título.
RN/BS/CCSA CDU 364-
787.24
GILIANE ALVES DE CARVALHO
ESTADO, FAMÍLIA E SERVIÇO SOCIAL: Um estudo das relações envolvidas na
efetivação da Proteção Social Básica (PSB) em Natal/RN a partir do CRAS Pajuçara
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Banca Examinadora, como exigência parcial
para a obtenção de título de Graduação do Curso de Serviço Social da Universidade Federal
do Rio Grande do Norte.
Aprovado em ______/_______/______.
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________________
Ptofª. Josivânia Estelita Gomes de Sousa
Orientadora – UFRN/DESSO
_____________________________________________________
Profº. Esp. Fernando Gomes Teixeira
Membro – UFRN/DESSO
_______________________________________________________
Assistente Social Wanessa Eliana de Medeiros Rodrigues Gomes
Membro Externo– CRAS Pajuçara
AGRADECIMENTOS
Sem sombra de dúvidas, tenho muito a agradecer!
A Deus, por ter me dado a oportunidade de trilhar este caminho, por ter me dado todas
as forças quanto eu precisei em todos os momentos de dificuldades, enfim, por ter estado
comigo dia após dia;
Aos meus pais, que sempre torceram para que eu alcançasse as minhas vitórias, em
especial a minha mãe Ivanete;
A minha querida irmã Gil, por estar sempre ao meu lado, por ser sempre o apoio que
eu tive a certeza de poder contar;
Aos que me compreenderam nos momentos de ausência, de angustias, de nervosismo,
e que sempre estiveram ao meu lado, acreditando e me apoiando;
As minhas amadas companheiras de turma, e amigas da vida Ariane Pinheiro, Amanda
Araújo, Dízia Marinho, Ênia de Oliveria, Fernanda Rocha, Lívia Teixeira e Thaise Bruna, por
todos os momentos compartilhados ao longo desses anos, e por terem feito os meus dias mais
felizes, na alegria ou na tristeza;
As grandes profissionais que tive o prazer de conhecer ao longo desses quatro anos,
que com maestria transmitiram seus conhecimentos e me inspiram na busca pela competência
e compromisso com a profissão, em especial a minha ex supervisora de campo Giliana Vale;
A minha orientadora, Josivania Estelita, por ter empenhado os seus conhecimentos na
construção deste trabalho, pelas palavras de apoio e incentivo;
Ao Serviço Social, por ter me dotado de uma capacidade crítica que me fez rever
conceitos e enxergar o mundo da maneira como ele realmente é, por me fazer acreditar que a
busca por uma sociedade humanamente mais justa pode ser construída através da prática
profissional cotidiana;
Enfim, meu muito obrigada a todos aqueles que de forma direta ou indireta fizeram
parte e contribuíram para a realização desta importante fase da minha vida que se encerra
aqui, para que novas coisas boas possam ter início.
Giliane Carvalho
“Tão grande quanto seja nossa
necessidade de auto-crítica e tão
largos quanto sejam os limites que
lhe traçamos. Deve existir,
entretanto, um mínimo de
princípios constituindo nossa
essência e nossa própria
existência”
(Rosa de Luxemburgo)
RESUMO
O trabalho de conclusão de curso que apresentamos a seguir se propõe a debater, mediante a
centralidade sócio-familiar no âmbito da Política Nacional de Assistência Social, como as
demandas das famílias estão sendo atendidas pela Proteção Social Básica do município de
Natal/RN, a partir da perspectiva de trabalho adotada pelo Estado, e intervenções dos
assistentes sociais, como profissionais que atuam na linha de frente para a operacionalização
dos serviços, programas e projetos ofertados em nível de proteção social básica, através do
CRAS Pajuçara, localizado neste município. Partindo do pressuposto de que a família precisa
da intervenção do Estado para que possa desenvolver suas potencialidades, e assim efetivar
sua função social na proteção de seus membros, buscamos através de pesquisa bibliográfica,
observação de atendimentos e visitas domiciliares, aplicação de questionário e entrevistas,
orientados pelo método histórico dialético, identificar as formas de organização destas na
busca por proteção social, os serviços, programas e projetos ofertados pelo CRAS, e as
condições de trabalho do Assistente Social para a efetivação das demandas postas nesta
instituição. Os resultados obtidos mostraram, através de uma relação direta, a ausência de
investimentos do Estado, as dificuldades de efetivação do SUAS em nível local, a
culpabilização das famílias no tocante as suas demandas, as dificuldades de operacionalização
dos serviços por parte dos Assistentes Sociais, e ainda a busca destes para a efetivação de sua
prática em uma perspectiva de superação da responsabilização dos indivíduos e consolidação
da Assistência Social na perspectiva de ampliação da cidadania e do direito.
PALAVRAS-CHAVE: Estado. Família. Proteção Social Básica. Serviço Social.
ABSTRACT
This course completion assignment aims to discuss upon the centrality sociofamily under the
National Social Assistance, as the demands of families are being met by the Basic Social
Protection of Natal / RN, from the perspective of work adopted by the State, and interventions
of social workers as professionals working on the front line for the operationalization of the
services, programs and projects offered at the basic level social protection, through the CRAS
Pajuçara located in this municipality. Assuming that the family needs the intervention of the
State so that it can develop its potential, and thus effect its social role in the protection of its
members. We seek through a literature review, observation of consultations and home visits,
questionnaire and interviews, guided by historical dialectical method, identify the forms of
organization of these in the search for social protection, services, programs and projects
offered by CRAS, and working conditions of the social worker for the realization of the
demands put in this institution. The results showed, through a direct relationship, the absence
of State investment, difficulties in realization of SUAS at local level, the culpability of
families regarding their demands, difficulties in the operationalization of services by social
workers, and those still searching for the effectiveness of their practice from the perspective
of overcoming the accountability of individuals and consolidation of social assistance in view
of the expansion of citizenship and rights.
KEYWORDS: State. Family. Basic Social Protection. Social Work.
LISTA DE SIGLAS
ASD- Auxiliar de Serviços Diretos
BPC- Benefício de Prestação Continuada
CFESS- Conselho Federal de Serviço Social
CEP- Código de Ética Profissional
CF- Constituição Federal
CMAS- Conselho Municipal de Assistência Social
CNAS- Conselho Nacional de Assistência Social
CRAS- Centro de Referência em Assistência Social
CREAS- Centro de Referência Especializado em Assistência Social
ECA- Estatuto da Criança e do Adolescente
FHC- Fernando Henrique Cardoso
FMI- Fundo Monetário Internacional
FUMAS- Fundo Municipal de Assistência Social
IAP- Instituto de Aposentadorias e Pensões
INSS- Instituto Nacional de Seguridade Social
LBA- Legião Brasileira de Assistência
LOA- Lei Orçamentária Anual
LOAS- Lei Orgânica da Assistência Social
MDS- Ministério do Desenvolvimento Social
NOB- Norma Operacional Básica
NOB- RH- Norma Operacional Básica de Recursos Humanos
PAEFI- Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos
PAIF- Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família
PNAS- Política Nacional de Assistência Social
PSB- Proteção Social Básica
PSE- Proteção Social Especial
SEMTAS- Secretaria Municipal de Trabalho e Assistência Social
SENAC- Serviço Nacional de Aprendizagem do Comércio
SUAS- Sistema Único de Assistência Social
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 11
2 ESTADO, QUESTÃO SOCIAL E POLÍTICA SOCIAL ................................................ 14
2.1 ESTADO AMPLIADO EM GRAMSCI E SOCIEDADE CIVIL: CONCEITOS
INTRODUTÓRIOS .......................................................................................................................... 15
2.2 AS POLÍTICAS SOCIAIS E O TRATO DA QUESTÃO SOCIAL SOB A ÉGIDE DO
ESTADO NEOLIBERAL ................................................................................................................. 19
3 ASSISTÊNCIA SOCIAL ENQUANTO POLÍTICA PÚBLICA .................................... 32
3.1 POLÍTICA NACIONAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL E SERVIÇOS SOCIOASSISTENCIAS
EM NÍVEIS DE PROTEÇÃO .......................................................................................................... 33
3.2 PROTEÇÃO SOCIAL BÁSICA: UM OLHAR SOBRE O CRAS ............................................ 42
3.3 A CENTRALIDADE DA FAMILIA NA PNAS ........................................................................ 54
4 FAMÍLIA: CONCEPÇÕES, FORMAS DE ORGANIZAÇÃO E DEMANDAS .......... 61
4.1 AS NOVAS CONFIGURAÇÕES FAMILIARES E A BUSCA POR PROTEÇÃO SOCIAL .. 61
4.2 O ATENDIMENTO DAS DEMANDAS PELA PROTEÇÃO SOCIAL BÁSICA (PSB) EM
NATAL E O PAPEL DO SERVIÇO SOCIAL................................................................................. 70
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................. 80
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 82
APÊNDICES ........................................................................................................................... 87
11
1 INTRODUÇÃO
Trabalhar as necessidades sociais das famílias se configura como um desafio para os
profissionais que atuam no âmbito da Assistência Social, visto que tendências neoliberais para
o trato da questão social tende cada vez mais para a redução de investimentos na esfera social,
na qual as políticas públicas caminham para uma perspectiva subsidiária, quando deveriam se
dar de maneira universal.
Neste sentido, as respostas do poder público vinculam- se apenas aquilo que é
emergencial e superficial, levando à manutenção da ordem e a reprodução das desigualdades
sociais, com uma visão de que a assistência social é política que tem como objetivo único o
combate à pobreza, reduzindo o acesso do cidadão ao direito à proteção social, ao passo em
que atribui- se aos indivíduos a responsabilidade pelos problemas sociais gerados pelo plano
econômico.
Diante de uma política que possui ênfase da matricialidade sócio- familiar, na qual o
Estado tende a intervir somente quando se esgota as capacidades da mesma, este trabalho de
conclusão de curso busca debater como se configura esta centralidade no âmbito da proteção
social básica, a partir da organização das famílias na busca pela proteção social, dos serviços
ofertados pela proteção social básica através do Centro de Referência em Assistência Social
(CRAS), e da análise das condições de trabalho do Assistente Social no atendimento as
demandas postas nesta instituição.
Em torno deste eixo, compreendendo que a família necessita da intervenção do Estado
para que as suas potencialidades possam ser desenvolvidas, nos propomos a analisar como se
efetiva as respostas para estas demandas na esfera da proteção social básica, especificamente
no município de Natal.
As condições políticas vivenciadas atualmente pelo município, que se encontra em
uma mudança de gestão, na qual as condições anteriores, no que tange especificamente à
Assistência Social, não se apresentavam de maneira otimista, com sinais de estado de
calamidade, serviços básicos sem efetivo funcionamento, denuncias de irregularidades em
empresas terceirizadas, contratos e alugueis, dentre outras inúmeras dificuldades, colocou um
novo desafio para este trabalho.
Foi, portanto, mediante serviços paralisados, mudanças estruturais da administração
local, e questões burocráticas, que refletiram nas dificuldades de inserção no campo para uma
pesquisa mais ampla, que adotamos como estratégia para subsidiar a análise proposta por este
12
trabalho focalizar na realidade de um único CRAS, na qual optamos pelo CRAS Pajuçara
como o universo de pesquisa.
O processo metodológico desenvolvido para subsidiar a obtenção de dados e análise
dos mesmos se orientou pelo método histórico dialético, com o intuito de considerar os
processos sociais em questão desde a essência de seus fenômenos.
As análises das demandas foram feitas tomando como base o trabalho realizado pelos
Assistentes Sociais que atuam nesta instituição, na qual faremos referência utilizando nomes
fictícios com o intuito de resguardar a identidade das mesmas.
Durante o período de março à maio de 2013 buscamos acompanhar e identificar
através de aplicação de questionários, entrevistas , acompanhamento de atendimentos e visitas
domiciliares, como se configura a organização das famílias na busca pela proteção social de
seus membros, as principais demandas postas ao CRAS e o processo de atendimento das
mesmas. Para compreensão deste processo, levamos em consideração ainda a capacidade de
atendimento e condições de trabalho do Assistente Social para efetivar as ações da instituição.
Partindo do pressuposto de que as famílias necessitam de um Estado que possa dotar-
lhe de condições para efetivar seu papel histórico de proteção social, e que para tanto a
política precisa dar condições de trabalho para aqueles que atuam na linha de frente,
operacionalizando os serviços socioassistenciais, os resultados desta pesquisa encontram- se
estruturados neste trabalho em três capítulos.
Considerando que o contexto sócio- econômico é o fator responsável pelo modelo de
política adotado pelo Estado, abordamos no primeiro capitulo “Estado, questão social e
política social”, o modelo de Estado necessário às políticas sociais, e as condições sócio-
historicas em seu contexto mundial e brasileiro, que nos levou ao atual formato das políticas
sociais, e mais especificamente à Política de Assistência Social.
A partir desta analise inicial, que nos possibilita vislumbrar o terreno pela qual
caminham as políticas sociais, adentramos no capítulo 2 “Assistência Social enquanto
Política Pública”, para o campo da Assistência social, indicando sua trajetória da caridade ao
direito, sua estruturação em forma de política, sua divisão em níveis de proteção social.
Apresentamos ainda as normativas legais para estruturação do CRAS e a realidade do CRAS
Pajuçara, e finalizo o capítulo apresentando a perspectiva de efetivação de direitos através da
centralidade da família adotado pela Política Nacional de Assistência Social e os limites da
mesma.
No último capítulo “Família: Concepções, formas de organização e demandas”,
buscamos elucidar a construção histórica das novas formas de organização familiar, e como
13
esta vem buscando efetivar o seu papel na promoção da proteção social de seus membros
mediante a ausência do Estado. Encerrando o capítulo apresentamos as dificuldades
apresentadas pelos entrevistados na efetivação de respostas às demandas como conseqüência
do modelo de política adotado pelo Estado, e as possibilidades de trabalho elencadas pelo
Serviço Social na trilha do seu compromisso ético- político com os seus usuários.
14
2 ESTADO, QUESTÃO SOCIAL E POLÍTICA SOCIAL
A intenção deste capítulo é colocar no centro do debate as tendências atuais das
Políticas sociais no Brasil, através da explanação da conjuntura política e social que, ao longo
das transformações históricas, condicionou a partir da década de 1990 as formas de
enfrentamento da questão social adotadas pelo Estado, diante da ampliação das demandas
sociais, delimitando assim os contornos que moldaram as Políticas Sociais no formato atual.
A discussão é composta por dois tópicos, na qual no item 2.1 Estado ampliado em
Gramsci e sociedade civil: conceitos introdutórios buscamos definir o conceito de Estado
adotado por este trabalho, a partir de uma abordagem da perspectiva gramsciana de Estado
ampliado, utilizando para tanto os estudos de Pereira (2008) sobre as concepções de Estado e
Sociedade, de Simionatto (2011) em sua análise da teoria Gramsciana, e de leituras dos
cadernos do cárcere de Gramsci (2000).
Esta concepção de Estado é essencial para compreensão deste trabalho, visto que tal
perspectiva se fará presente na análise dos diferentes contextos e formas de posicionamento
do Estado, mediante sua relação com a sociedade civil e o plano econômico.
No item 2.2 deste capítulo As políticas sociais e o trato da questão social sob a égide
do Estado neoliberal nos propomos a abordar, à luz de uma análise critica e dialética
enriquecida com estudos de grandes autores como Behring e Boschetti (2010), Santos (2012),
Montãno (2010), dentre outros, os componentes sócio-históricos que levaram às formas de
enfrentamento da questão social tal como vivenciamos atualmente.
A partir do posicionamento do Estado, diante dos diferentes momentos econômicos,
enfatizamos os processos internacionais que incidiram sobre a realidade brasileira, bem como
as transformações nacionais diante destes, considerando suas particularidades históricas.
Mediante a conjuntura delineada, propomos ainda uma abordagem das configurações
das Políticas Sociais sob a égide do Estado Neoliberal, compreendendo-a como formas de
enfrentamento no trato da questão social. Para tanto, buscamos fazer uma síntese da
introdução e expansão das políticas sociais no Brasil em diferentes momentos históricos, por
meio das análises de Behring e Boschetti (2010), dando visibilidade às conseqüências
advindas da contra reforma do Estado, que colocou a seguridade social em nosso país num
patamar de adaptação a lógica neoliberal.
Para finalizar o capítulo, enfatizamos alguns elementos essenciais constituintes deste
processo, como a lógica do desfinanciamento das Políticas Sociais e a abertura das demandas
15
para o setor privado, bem como a apologia do Estado a responsabilização do indivíduo pelas
respostas de suas próprias demandas sociais.
2.1 ESTADO AMPLIADO EM GRAMSCI E SOCIEDADE CIVIL: CONCEITOS
INTRODUTÓRIOS
A compreensão do conceito de Estado requer a afirmação da relação de reciprocidade
e antagonismo existente entre esta instituição e a sociedade, na qual levando em consideração
as particularidades e interesses próprios a cada um, veremos que as implicações são mútuas.
Conforme problematizou Pereira (2008) o Estado tornou-se instituição
verdadeiramente política no século XVII, com seu afastamento de influências religiosas e
relativo distanciamento da sociedade civil. Tal fato proporcionou uma ascensão da burocracia,
que combinou estrutura técnico-administrativa e criação e manutenção de forças armadas,
possibilitando o desenvolvimento do poder coercitivo do Estado. A autora destaca, porém,
que para além do poder coercitivo, há outras funções, conforme destacou Gramsci, na qual o
Estado deve desenvolver, sugerindo um lado da ação estatal não restritivo. A autora destaca
que uma visão rígida e autoritária de Estado estaria subestimando as forças de resistência
organizadas da sociedade. (PEREIRA, 2008, p. 135- 136)
A partir do exposto, levamos em consideração a dinâmica da realidade e introdução de
novas determinações na vida social, que exigiram a superação dialética da noção de estado
restrito, conforme nos mostra Simionatto (2011), fazendo alusão a perspectiva de Estado em
Gramsci, que formulou novos conceitos1 propiciando uma análise do Estado numa
perspectiva ampliada, referenciando que a visão de “revolução permanente” vivida por Marx,
que explicou o Estado a partir da análise do Estado moderno, precisava ser substituída pela
estratégia da “hegemonia civil”, diante de um período de novas relações sociais. Para a
autora:
Pode-se afirmar que o ponto de chegada para o Marx do Manifesto do
Partido Comunista é exatamente o ponto de partida para Gramsci. Se, para o
primeiro, o Estado é um aparelho coercitivo, para o segundo, o Estado não é
1Neste trabalho tomamos como referência o conceito de Estado Ampliado elaborado por Gramsci. Para uma
melhor compreensão das demais categorias abordadas por ele ver: “Gramsci: sua teoria, incidência no Brasil,
influencia no Serviço Social” SIMIONATTO (2011).
16
algo impermeável às lutas de classe, mas é atravessado por elas.
(SIMIONATTO, 2011, p. 68)
A respeito da substituição da visão de “revolução permanente” em Marx para
“hegemonia civil” em Gramsci, a partir da análise das forças políticas do Estado e da
sociedade, o mesmo destaca:
No período posterior a 1870, com a expansão colonial européia, todos os
elementos se modificaram, as relações de organização internas e
internacionais do Estado tornaram-se mais complexas e robustas; e a fórmula
de "revolução permanente”, própria de 1848, é elaborada e superada na
ciência política com a fórmula de “hegemonia civil”. (GRAMSCI, 2000, p.
24)
O autor justifica, pois, a superação dialética do conceito de Estado restrito em Marx,
pois, segundo ele, no período histórico em que se funda a teoria de “revolução permanente” o
aparelho estatal era pouco desenvolvido, em um contexto de inexistência de partidos políticos
de massa, permitindo assim uma maior autonomia do Estado em relação à sociedade civil,
sendo também possuidor de autonomia econômica diante das relações internacionais. Tais
elementos foram modificados, e a conjuntura posterior apresentou novos elementos,
requerendo, portanto a leitura dos mesmos para a compreensão da realidade.
No processo de demarcação do que seria teoricamente o Estado, vemos que este
passou desde uma visão vinculada a teologia, e dos manuais destinados aos príncipes, até se
chegar a Hobbes (1558-1679) que abordou o Estado como uma entidade artificial, construído
pelos homens, separado de governo e dos governantes, reconhecendo a diferença entre as
esferas pública e privada. (PEREIRA, 2008)
Como se pode perceber a partir do exposto, o conceito de Estado não é absoluto nem
abstrato, pois, por ser um fato histórico, existe em diferentes modelos e configurações, se
funda na política como atividade humana, e é um processo em movimento que relaciona o
passado, o presente, e o futuro. Além desses fatores, o Estado é relacional, pois interage com
outros meios para atingir objetivos, não se configurando como auto- suficiente, mas sim
possuidor de uma autonomia relativa. Por esses fatores, Pereira destaca que a relação exercida
pelo Estado possui caráter dialético, em que:
A relação dialética realizada pelo Estado comporta simultaneamente
antagonismos e reciprocidades e, por isso, permite que forças desiguais e
contraditórias se confrontem e interajam de tal forma que um deixa sua
marca na outra e ambas contribuem para um resultado final. (PERERA,
2008, p. 146)
17
Gramsci considera, pois, a partir de uma nova realidade que se delineava, que os
mecanismos de dominação antes utilizados pelo Estado-coerção não davam conta de enfrentar
a complexidade das relações políticas na sociedade, diante da emergência de novos atores na
arena política, e isto requeria novas estratégias político-ideológicas para além da coerção.
(PEREIRA, 2008)
É nesse sentido que, por meio das relações dialéticas com a sociedade, o Estado
assume diferentes responsabilidades além das de poder coercitivo, pois mesmo se
caracterizando como instituição dividida por interesses diversos, precisa se relacionar com
todas as classes para se legitimar, e é no interesse da legitimação que ele atende a demandas e
reivindicações discordantes.
O Estado corresponde também a uma arena de disputas contraditórias, em que, no
contexto capitalista, interesses e objetivos tanto do capital quanto da classe trabalhadora se
expressam na busca por influências no bloco do poder, revelando a relação de dominação
existente através do Estado, que para tanto utiliza-se do poder público de controle político e
ideológico, influenciando na formação das relações no interior da sociedade. Para Pereira
(2008):
É por isso que se diz que Estado é ao mesmo tempo uma relação de
dominação, ou a expressão política da dominação do bloco no poder, em
uma sociedade territorialmente definida, e um conjunto de instituições
mediadoras e reguladoras dessa dominação, com atribuições que também
exploram a coerção. (PEREIRA, 2008, p. 148)
Para Simionatto (2011), é nesta perspectiva, de ampliação da socialização da política,
dada a complexidade das relações de poder, que Grasmici evidencia as relações entre Estado/
sociedade civil, este último como esfera social que emergiu a partir do protagonismo das
massas, colocando esta relação como forma de análise para as sociedades contemporâneas.
Gramsci reinterpreta o conceito Marxista de Estado, colocando novos elementos para
acompanhar as novas configurações do capitalismo.
Gramsci vai conceber o Estado a partir da consideração de existência de duas esferas
na superestrutura, a sociedade civil, como sendo os aparelhos privados de hegemonia, e a
sociedade política, que seria o Estado, dotado de uma hegemonia direta ou poder de coerção.
A sociedade civil em Gramsci não se encontra, como em Marx, no plano da estrutura, ela é
evidenciada no lugar aonde se organizam os interesses em confronto, considerando, pois, que
estrutura e superestrutura se relacionam dialeticamente. Nas palavras do autor:
18
O Estado é certamente concebido como organismo próprio de um grupo,
destinado a criar condições favoráveis à expansão máxima desse grupo, mas
este desenvolvimento e esta expansão são concebidos e apresentados como a
força motriz de uma expansão universal, de um desenvolvimento de todas as
energias “nacionais”, isto é, o grupo dominante é coordenado concretamente
com os interesses gerais dos grupos subordinados e a vida estatal concebida
como uma contínua formação e superação de equilíbrios instáveis (no
âmbito da lei) entre os interesses do grupo fundamental e os interesses dos
grupos subordinados, equilíbrios em que os interesses do grupo dominante
prevalecem, mas até um determinado ponto, ou seja, não até o estreito
interesse econômico-corporativo. (GRAMSCI, 2000, p.41-42)
A relação dialética entre sociedade civil e sociedade política irá determinar as relações
de hegemonia através do consenso, ou de dominação por meio da coerção. O que determina a
relação que irá se destacar será “a autonomia relativa das estruturas e de como se colocam no
interior do Estado as organizações de cada esfera” (SIMIONATTO, 2008, p.71).
A partir desta afirmativa, percebe-se que há uma relação dialética entre Estado e
sociedade civil, na qual o Estado utiliza o poder de consenso dos aparelhos privados de
hegemonia da sociedade civil para obter êxito nas suas ações e se manter hegemônico. Isto
significa dizer ainda que a sociedade civil é, enquanto esfera de relativa autonomia,
possuidora da capacidade de mediatizar as relações entre Estrutura econômica e Estado-
coerção, em que a sociedade política é reabsorvida pela sociedade civil.
Constituiu, portanto, o Estado ampliado às relações sociais estabelecidas entre
governantes e governados, na qual as funções do Estado vão sendo democratizadas, e volta-
se para os interesses da maioria, em que os organismos coercitivos e autoritários tendem a
desaparecer. Ou ainda, em outras palavras:
Trata- se, portanto, a sociedade civil em Gramsci, de um momento da
superestrutura, da hegemonia, diferente do momento do puro domínio. Nela,
não prevalece a forma, mas a direção espiritual e cultural, voltado para todo
o complexo das relações ideológico-culturais – escolas, religião,
comunicação – por meio do qual as classes exercem a sua hegemonia de
forma consensual. Em contrapartida, a sociedade política constitui o
momento da coerção e da força, usada por um Estado restrito, dominador. E
o conjunto formado pela sociedade civil e pela sociedade da política
constitui o que Gramsci denomina de Estado ampliado. (PEREIRA, 2008,
p.158)
Nessa perspectiva de análise, podemos compreender contradições inerentes ao Estado
em sua relação com a sociedade civil, pois, como já evidenciamos anteriormente, nesta
relação, o Estado vai buscar sua hegemonia não puramente pelo uso da dominação, mas
19
também pela via do consenso como mecanismo de legitimação perante a sociedade, e para
tanto, faz-se necessário o atendimento de demandas próprias das classes dominadas.
Mediante determinadas conjunturas abordadas no próximo ponto deste capítulo,
Estado e Sociedade civil serão tomados como parte da superestrutura, em uma relação
constituída de antagonismos e reciprocidades, determinantes do papel assumido pelo Estado
ao longo da história, tendo como plano de fundo as relações econômicas, se configurando,
portanto, como arena de disputas da relação entre estrutura e superestrutura, conforme em
Gramsci e sua teoria de Estado ampliado.
Deste modo, é mediante os elementos acima evidenciados que faremos a leitura das
políticas sociais no capítulo seguinte, consideração que tais políticas se configuram como um
elemento para a busca do consenso e se apresentam como demandas próprias da sociedade
civil, sendo possível, portando, a sua compreensão, somente através da relação estabelecida
entre Estado e Sociedade civil, e levando em conta as contradições presentes nesta relação,
que se tornam um componente decisivo nas respostas engendradas pelo Estado no trato da
questão social ratificadas no seio da sociedade.
2.2 AS POLÍTICAS SOCIAIS E O TRATO DA QUESTÃO SOCIAL SOB A ÉGIDE DO
ESTADO NEOLIBERAL
Temos, a partir de Netto (2001) que a expressão “questão social” surge paralelamente
a instauração do capitalismo em sua fase concorrencial, para dar conta do fenômeno mais
evidente de tal processo, o pauperismo, através da nova dinâmica em que a pobreza se
generalizava na razão direta do aumento da capacidade de produção de riquezas, na qual:
A “questão social” nessa perspectiva teórico-analítica, não tem a ver com os
desdobramentos de problemas sociais que a ordem burguesa herdou ou com
traços invariáveis da sociedade humana; tem a ver, exclusivamente, com a
sociabilidade erguida pelo comando do capital. (NETTO, 2001, p.46).
Portanto, tendo como base fundante as contradições geradas pelo modo de produção e
reprodução social oriundos do sistema capitalista, a questão social, em meio ao processo de
exploração, ampliação das contradições e lutas sociais vem, através de suas formas de
20
enfrentamento, configurando a luta dos sujeitos históricos pela sobrevivência, conforme
explicitam Behring e Boschetti, 2010:
Esse processo- a configuração da desigualdade, e que tem relação com a
exploração dos trabalhadores, e as respostas engendradas pelas classes
sociais e seus segmentos, a exemplo das políticas sociais- se expressa na
realidade de forma multifacetada através da questão social. (BEHRING;
BOSCHETTI, 2010, p. 52)
Em uma análise histórico-crítica da questão social vemos que no modo de produção
capitalista a acumulação é condição essencial para o seu desenvolvimento, e trás como
consequência a desigualdade em suas diversas formas de manifestação, que tem como causa,
em sua essência, o fator econômico.
Sendo assim, temos que o processo de acumulação do capital, baseado na lei do valor
de uso e de troca, com fins de valorizar mercadorias e gerar mais valia, cria uma sociedade
injusta, transferindo as desigualdades do processo de produção, que acumula a riqueza
socialmente produzida, para o nível da reprodução social, que tem suas refrações explicitas na
distinção entre as classes sociais, implicando no processo de pauperização e desigualdades
que se fazem presentes na vida dos sujeitos. (BEHRING E BOSCHETTI, 2010).
Diante do exposto, a questão social é compreendida aqui conforme em Santos (2012),
tendo por base a teoria social de Marx, em que a gênese questão social se funda no modelo de
acumulação capitalista, explicada pelo processo de produção e acumulação inerentes a tal
sistema, no seu processo de exploração do trabalho e apropriação da riqueza socialmente
produzida, intensificando o pauperismo e ampliando as desigualdades conforme se aprofunda
o desenvolvimento de suas forças produtivas. E para conceitua- la:
[...] não é senão as expressões do processo de formação e desenvolvimento
da classe operária e do seu ingresso no cenário político da sociedade
exigindo seu reconhecimento como classe por parte do empresariado e do
Estado. É a manifestação, no cotidiano da vida social, da contradição entre o
proletariado e a burguesia, a qual passa a exigir outros tipos de intervenção
mais além da caridade e da repressão (IAMAMOTO; CARVALHO, 1995,
p.77 apud SANTOS, 2012, p. 77)
Neste sentido, a busca por formas de enfrentamento da questão social adotadas em
todo o período de desenvolvimento do capital está impregnada pelas lutas de classes, sendo
este o principal elemento de resistência à barbárie da exploração do trabalho e do trabalhador.
21
É nesse sentido que compreendemos as políticas sociais como respostas engendradas
pelo Estado e pela sociedade às expressões da questão social, mediante os processos de
produção e reprodução social, na qual sua materialização em padrões de proteção social
surgiu como resultantes da relação estabelecida entre as modificações econômicas, políticas,
culturais e ideológicas, estando, portanto, condicionadas pela conjuntura que lhe antecede, ou
ainda, nas palavras de Behring e Boschetti, (2010):
As políticas sociais e a formatação de padrões de proteção social são
desdobramentos e até mesmo respostas e formas de enfrentamento- em geral
setorializadas e fragmentadas-às expressões da questão social no
capitalismo, cujo fundamento se encontra nas relações de exploração do
capital sobre o trabalho. (BEHRING; BOSCHETTI, 2010, p. 51).
Fazendo uma contextualização sobre os acontecimentos históricos que se fizeram
presentes nas transformações da economia mundial que nos trouxe ao contexto mais atual,
sem a pretensão de esgotar o tema, e levando em consideração que o Brasil está diretamente
condicionado por estas transformações, destacamos sobre o sistema capitalista uma
característica primordial que condicionou tais modificações: as crises sistêmicas que fazem
parte da sua história.
Como exemplo podemos citar a crise de 1929, que teve como proposta para
reorganização da política econômica o pacto social, com base na política do bem – estar social
keynesiana2, em que o Estado atuou na regulação do mercado e dos direitos sociais,
reconhecendo a necessidade de inclusão da classe trabalhadora, com políticas de pleno
emprego, proporcionando ao trabalhador a capacidade de consumo, reduzindo desigualdades
sem ameaçar o modo de produção capitalista. (SILVA, 2005)
Behring e Boschetti (2010) apontam que o controle sobre o ciclo do capital, segundo a
política keynesiana, seria possível por meio de medidas tais como: planificação da economia,
intervenção nas relações capital/trabalho, política fiscal e política social. O Estado como
agente regulador da economia garantiria os períodos de prosperidade por meio das políticas de
pleno emprego e maior igualdade social, com incremento das políticas sociais.
Silva (2005) enfatiza que esta política econômica aliou-se aos moldes de produção e
consumo fordista para sustentar a acumulação, proporcionando um longo período de expansão
2John Maynard Keynes (1883-1946) buscando respostas para a crise rompe com o ideário liberal clássico,
segundo a qual a economia é auto-regulável. Em sua política econômica, Keynes faz referências à intervenção
estatal na economia, como um agente externo que agiria para restabelecer o equilíbrio econômico em períodos de
crise, através do controle das flutuações da economia por meio de medidas econômicas e sociais, e em períodos
de crescimento o Estado deveria arrecadar para que o superávit pudesse ser investido nos períodos de recessão.
Análise disponível em Behring e Boschetti (2007), capitulo 3.
22
da economia. Foram os anos de ouro, que manteve-se até a década de 1970 nos países centrais
capitalistas, entretanto, apresentou sinais de esgotamento em fins da década de 1960, com
nova crise deflagrada em 1973, conhecida como crise do petróleo.
A crise de 1970, mediante a situação de recessão da economia, introduziu mudanças
tanto na esfera produtiva, quanto na esfera do Estado com o intuito de reestruturar a
economia, baseando-se nos preceitos do neoliberalismo3.
Behring em seu texto “Fundamentos da Política Social” aponta que reinventando a
teoria liberal clássica, o neoliberalismo culpabiliza o pacto social pela crise deflagrada, e
busca uma economia livre de regras, com Estado máximo para o capital e mínimo para o
social, na qual as medidas a serem adotadas como fórmula para superar a crise são: ajuste
fiscal, com contenção de gastos sociais, busca excessiva por estabilidade monetária, e
conseqüente desmonte de direitos sociais resultantes do período anterior.
Com base nessas premissas, tem-se então o fim do pacto social, com a introdução de
uma nova forma de acumulação, agora flexível e globalizada, que necessita de liberdade de
mercado para se proliferar, sem preocupação com as condições de reprodução social dos
trabalhadores, tal como no pacto social. Diante do quadro exposto, teremos a partir de então,
conforme afirma Montãno (2010):
Mudanças na cultura (cf. Mota, 1995), alterações na racionalidade e valores
sociais (ditos “pós- modernos”, cf Harvey, 1993), significativas alterações
no perfil do cidadão (cada vez mais ligado ao consumo no lugar do
trabalho), transformações na legislação trabalhista (“flexibilização” e
eliminação de leis que visam garantir direitos conquistados do trabalhador) e
na base democrática (cada vez menos participação da sociedade nos
processos decisórios nacionais), constituição de um “novo contrato social”
(que visa substituir aquele característico do período fordista/ keynesiano),
tudo isso emoldura para nós um processo central: a configuração de uma
nova modalidade de trato à “questão social. (MONTÃNO, 2010, p. 186-
187).
É, portanto, diante do quadro de crise do sistema capitalista e de suas estratégias de
supera- la, e compreendendo como intrínseca a relação entre o fator econômico e a ampliação
das desigualdades sociais, que analisaremos as tendências econômicas que nos levam ao
quadro da década de 1990 e suas inflexões nas condições de vida da população brasileira, com
o aprofundamento das expressões da questão social no país.
3Behring em seu texto “Fundamentos da Política Social” discorre sobre o neoliberalismo, afirmando que este
surgiu como reação à política keynesiana, encontrando terreno fértil para se proliferar a partir do ciclo
econômico de crise, no final dos anos 1960, entretanto, desde a década de 1940, o fundador das teses neoliberais,
Friederich Von Hayek, afirmava a intervenção do Estado como uma ameaça a liberdade econômica.
23
No Brasil, o capitalismo desenvolve-se de maneira diferente dos países centrais, na
qual desde sua fase inicial, no período colonial, teve sua economia destinada aos mercados
externos. A partir deste fato, e fazendo uma referência ao processo histórico da formação
social brasileira, do período colonial à proclamação da república, e paralelamente a eles ao
processo de consolidação das relações capitalistas, afirma Behring e Boschetti (2010):
A transição- claramente não- clássica- para o capitalismo no Brasil, então, é
marcada por uma visão estreita de dinamismo do mercado interno e destina-
se a impedir qualquer crescimento a partir de dentro. [...] Qualquer
semelhança com os desdobramentos ulteriores do capitalismo brasileiro não
é, portanto, mera coincidência. (BEHRING; BOSCHETTI, 2010, p. 77)
Dadas, portanto, as circunstâncias da formação do capitalismo no Brasil, e sua clara
dependência dos processos internacionais, cabe expor as conseqüências da crise do modelo de
acumulação fordista/keynesiano, na qual se desenvolve até os dias atuais.
Diferenciando-se dos países centrais, em que o fordismo clássico baseava-se em um
pacto social aliando planificação da economia com políticas de pleno emprego e ganhos
sociais, tivemos no país um “fordismo à brasileira”, na qual não houve a constituição de um
Estado de Bem-estar social devido a um contexto de desigualdade acentada na concentração
de renda e ausências de reformas estruturais, com o Estado cumprindo, portanto, suas ações
inerentes aos setores econômicos, porém esquivando-se das tarefas de caráter social.
Para Santos (2012), as características do “fordismo à brasileira” em nada se
assemelham ao fordismo clássico, pois este foi o momento da economia capitalista em que
obteve-se notáveis índices de democracia nas relações sociais, estabilidade de emprego,
consumo em massa e ampla proteção social. Para esta autora, o que tivemos no Brasil foi um
lamentável adiantamento às tendências futuras do desenvolvimento capitalista, com relações
de produção flexibilizadas. A partir disto, podemos afirmar que nos países como o Brasil, em
que o Estado de bem- estar social não se efetivou de fato, o enfrentamento da questão social,
mediante as inflexões do novo modelo de acumulação baseado em um Estado não
intervencionista, torna- se cada vez mais reduzido.
A partir das tendências supracitadas, veremos que no atual contexto de crise do
capitalismo há uma clara regressão no trato da questão social, com um retrocesso no que diz
respeito ao papel do Estado, transferindo a responsabilidade pelo problema para o indivíduo,
tal como afirma Montãno (2012):
24
Neste quadro, o pensamento neoliberal concebe o pauperismo mais uma vez
como um problema individual-pessoal e, portanto “devolve” à filantropia
(individual ou organizacional) a responsabilidade pela intervenção social:
surge o debate do “terceiro setor” (cf. Montaño, 2002), da filantropia
empresarial (ou “responsabilidade social”), do voluntariado. A autoajuda, a
solidariedade local, o benefício, a filantropia substituem o direito
constitucional do cidadão de resposta estatal (tal como no keynesianismo).
(MONTÃNO, 2012, p. 276)
O espraiamento da política neoliberal nos países centrais ocorreu a partir da década de
1970, entretanto, diante das particularidades brasileiras tivemos a chegada tardia do
neoliberalismo, em fins dos anos 1980, reconfigurando a partir de então o papel que o Estado
passa a assumir nas respostas dadas a questão social.
A década de 1980 marca o período em que o país começa a sentir os impactos da crise
mundial, com sinais de esgotamento do projeto modernizador empreendido pela ditadura
militar, elevação da dívida externa e da inflação provocado pela fragilidade do setor público,
condicionando a posterior adesão do país às orientações neoliberais, impossibilitado a priori
devido ao fôlego do movimento popular e operário. (SANTOS, 2007)
Para Behring e Boschetti (2010), o impacto social da crise, que fomentou a
importância política dos movimentos populares, esteve na raiz do movimento político contra a
ditadura, e refletiu a disputa de interesses distintos, com a agenda neoliberal já em campo. No
momento em que esboçávamos um Estado social, atendendo as demandas da classe
trabalhadora, mediante as forças reivindicatórias do processo de redemocratização do país e
promulgação da constituição de 1988, já encontrava-se em curso, em escala mundial, o
avanço da política de desmonte do bem-estar social, que tratou de impossibilitar a
concretização dos ganhos desse processo ao longo da década de 1990.
As autoras acima supracitadas apontam que a corrida presidencial de 1989 também
representou uma arena de disputas entre interesses distintos, na qual a vitória de Fernando
Collor de Mello, apoiado pelas elites, delineou o que já vinha sendo contornado para a década
seguinte.
O governo Collor (1990-1992) foi marcado por uma política claramente voltada para o
mercado, com ampla abertura comercial na busca de enfrentar a inflação, característica
herdada pelo governo seguinte de Fernando Henrique Cardoso (FHC).
Em seu governo, FHC intensificou as políticas de ajuste neoliberal, em um movimento
de Contra-Reforma do Estado4, com desmonte das conquistas reformistas da constituição de
4Enfatizando que Reforma é patrimônio de esquerda, possui viés social-democrata dotado de estratégias que
visam melhoria nas condições de vida e de trabalho para as maiorias, o termo Contra-Reforma é utilizado em
25
1988. Através de um amplo programa de privatizações de setores básicos da economia
(petróleo, eletricidade, água), cortes orçamentários com gastos sociais, publicização na
execução de políticas públicas, com medidas tais como a regulamentação do terceiro setor,
dentre outras.
Para Guerra (2005), foi característica do governo FHC a busca de consenso entre as
classes para o enfrentamento da questão social. Diante de uma crise sem precedentes na
história, evidenciada pelos índices de desemprego, seu governo buscou mediações através da
utilização de recursos públicos para incentivar ações no âmbito privado, e assim atingir tanto
os interesses de ampliação do capital quanto à manutenção da ordem social através dos
consensos sócio-políticos.
Ademais, seu governo institucionaliza as diretrizes neoliberais no país e legitimava o
esvaziamento do Estado de suas responsabilidades sociais, subordinando e isolando as
políticas sociais e a questão social da relação com o plano econômico, em um contexto de
crescimento de desemprego e pobreza. Nas palavras de Guerra (2005):
O resultado foi catastrófico para as classes trabalhadoras: o sucateamento
dos serviços públicos, a refilantropização da questão social, a focalização,
mercantilizarão e privatização dos serviços sociais e políticas sociais que
perdem seu caráter de políticas públicas, universais e gratuitas inscrito na
Constituição Brasileira. (GUERRA, 2005, p. 2)
A partir do exposto, temos como panorama na década de 1990 um retrocesso no trato
da questão social, em que a lógica democrática é deslegitimada, e imperam as lógicas da
sociedade civil e do mercado, onde aquele que necessita é o mesmo que tem a
responsabilidade de suprir a sua necessidade.
Há, portanto, a partir destas tendências, uma alteração no trato à questão social, com
clara tendência de transferência de responsabilidades e retrocessos, sendo novamente a
questão social atribuída ao indivíduo, direcionando a busca por respostas para o âmbito da
família, da sociedade e do mercado, conforme afirma Mota (2010) sobre o processo histórico
do capital, e concomitante a ele do trato da questão social e desenvolvimento das políticas
sociais ao longo da história do capitalismo:
Behring e Boschetti (2010) para destacar que o contexto de Reformas se caracterizou anteriormente, mediante as
conquistas sociais obtidas pelas classes trabalhadoras nas reformas dos anos de ouro, e que no Brasil se fez
presente nas conquistas incorporadas pela Constituição de 1998, sendo, portanto, a Contra- Reforma do Estado
uma reação ao contexto anterior, através do redimensionamento do Estado sob as bases ideológicas do
neoliberalismo. Para mais ver Behring e Boschetti (2010) capítulo 5.
26
Obviamente, de meados do século XIX até este início do século XXI, o
modo de produção capitalista, na concreção das formações econômico-
sociais que o corporificaram planetariamente, transformou- se notavelmente.
Hoje, a diferença central, em relação ao passado, é o diminutivo e restringido
horizonte economicamente expansivo do capitalismo, no quadro da crise
geral do assalariamento, dos mecanismos públicos de proteção aos riscos
sociais do trabalho e da organização política dos trabalhadores e no marco da
expansão e hipertrofia do capital financeiro, do desemprego massivo e da
subtração das responsabilidades sociais do Estado. (MOTA, 2010, p. 26)
Para Laurell (2002) como conseqüências para a conjuntura atual, a partir da reestruturação
do papel do Estado, veremos o agravamento das desigualdades sociais, com má distribuição
de renda, desemprego e subemprego, e total padrão de desproteção social. Há ainda que se
falar na apologia neoliberal a um discurso vazio que minimiza o Estado para o social e
maximiza- o para o capital, em que expande-se as intervenções do terceiro setor, não como
complementar as ações do Estado, mas sim como substituto, como um novo padrão de
respostas à questão social, que se radicaliza de forma diretamente proporcional a
modernização das forças produtivas e desregulamentação das relações e conquista no âmbito
da classe que vive do trabalho, nos termos de Antunes.
Temos, portanto, diante desta conjuntura expressa, a luta pelo reconhecimento de
direitos de cidadania, em que as condições socioeconômicas dos diferentes contextos
históricos vem determinando os modelos de Políticas Sociais adotadas como respostas por
parte do Estado.
Tratando especificamente da introdução das políticas sociais no contexto brasileiro,
temos na análise de Behring e Boschetti (2010) que as primeiras ações voltadas ao
enfrentamento da questão social que podem ser caracterizadas como introdutórias da política
social no país, são datadas da década de 1930, no contexto de inflexão das relações sociais
tipicamente capitalistas, em que se faziam presentes a disputa por hegemonia, como uma
conseqüência da crise de 1929-1932, ocasionando uma alteração na correlação de forças, o
que possibilitou um “Estado de compromisso”, colocando em pauta na agenda do governo a
superação da questão social como caso de polícia.
A exemplo disto temos no Brasil a implantação da cobertura dos riscos provenientes
do trabalho, seguida da regulamentação das relações de trabalho através da Carteira de
Trabalho, ampliação do sistema público de previdência através dos IAP’s (Instituto de
Aposentadorias e Pensões) de caráter contributivo, ações em saúde vinculadas a medicina
previdenciária e campanhas sanitaristas. No tocante à assistência social temos em 1942 a
criação da LBA (Legião Brasileira de Assistência), que desde sua fase inicial denota
27
características de tutela, favor e clientelismo na relação entre Estado e sociedade,
características estas que perpassam todo o processo de constituição das políticas sociais
brasileiras.
Para Behring e Boschetti (2010) é fato que tivemos uma expansão lenta e seletiva das
políticas sociais em sua fase inicial, na qual a instabilidade institucional do período
ocasionada pelo suicídio de Vargas, renúncia de Jânio Quadros e o golpe militar dificultaram
os consensos em torno da implementação da política social, que permaneceram em formatos
corporativistas e fragmentados da era Vargas.
Com o golpe de 1964 temos o momento de modernização conservadora, com
desenvolvimento do “fordismo à brasileira”, caracterizado pelo crescimento econômico em
um contexto de perda de liberdades democráticas. Buscando legitimar a ordem, o governo
procurou cooptar apoio por meio da modernização e expansão das políticas sociais, que
ganharam neste período uma tônica de controle das massas, mesclando assistência e
repressão. (BEHRING; BOSCHETTI, 2010)
A partir da crise do “milagre brasileiro” que possibilitou uma abertura lenta e gradual
do regime ditatorial para o democrático, veremos a ascensão dos movimentos sociais, bem
como a abertura de espaços necessários para a fixação das políticas neoliberais, que passa a
ser efetivada de forma mais contundente a partir da década de 1990. É neste contexto que
teremos então as disputas de hegemonia em torno da constituição de 1988, com significativos
ganhos para o campo das políticas sociais, e posteriormente com relativas perdas.
A presença do movimento operário e popular na década de 80, que ultrapassou ao
controle das elites diante do contexto de crise econômica e aprofundamento da questão social,
desencadeou uma arena efervescente de lutas em torno da redemocratização, na qual a busca
pela reafirmação das liberdades democráticas se propagaram nas disputas em torno da
constituinte, tornando-se um ingrediente decisivo para a conquista dos eixos pautados na nova
constituição, tais como a afirmação dos direitos sociais. (BEHRING; BOSCHETTI, 2010)
A partir do exposto acima, fica evidenciado mais uma vez que as políticas sociais
surgiram e se institucionalizaram como respostas do Estado e da sociedade para o
enfrentamento das contradições advindas da relação capital/trabalho, mediante o
reconhecimento da questão social como ônus deste processo a partir das pressões exercidas
pela classe trabalhadora.
Neste contexto de lutas em torno de projetos societários distintos, obteve-se as
políticas sociais brasileiras, concebidas em 1988 pela Constituição Federal (CF) em seu Título
VIII-Da ordem Social, Capítulo II- Da seguridade Social, e que tem a Assistência Social,
28
Sessão IV, como política não contributiva e direito de todo cidadão que dela necessitar,
direito este conquistado a duras penas pelos movimentos que lutaram para que esta fosse
inscrita na carta magna.
Entretanto, mesmo tendo sido incorporadas na constituição sob bases social-
democrática (dada a força reivindicatória dos movimentos sociais presentes neste contexto),
os ganhos obtidos no sentido de incorporação do conceito de seguridade social com vistas a
ampliação de direitos e acesso foram de maneira regressiva redirecionadas devido as
condições econômicas da década de 1990, que passou a combater as tendências de reformas
efetivas no Estado brasileiro, configurando um quadro de forte tensionamento por parte das
ofensivas neoliberais, mediante o contexto de Estado mínimo instituído pelas orientações
internacionais para com as políticas sociais.
O receituário neoliberal que fora incorporado pelo Estado Brasileiro trouxe consigo
graves inflexões para as políticas sociais constitutivas de direitos de cidadania, pois estas sob
a égide do neoliberalismo são acusadas de esvaziar os cofres públicos e passam por um
processo de desfinanciamento para acompanhar as orientações de redução com gastos sociais.
Na perspectiva de Duarte (2007), a nova roupagem dada às políticas sociais a partir de
então vai, portanto, de contraponto ao que foi introduzido na constituição. Derruba-se o
direito à universalidade e igualdade de acesso em detrimento de políticas pontuais e
compensatórias como respostas as expressões da questão social, crescente em nosso país. Para
Iamamoto (2009):
As múltiplas expressões da questão social, sob a órbita do capital, tornam-se
objeto de ações filantrópicas e de menemerencia, e de “programas
focalizados de combate a pobreza”, que acompanham a mais ampla
privatização da política social pública, cuja implementação passa a ser
delegada a organismos privados da sociedade civil, o chamado “terceiro
setor”. Ao mesmo tempo, expande-se a compra e venda de bens e serviços,
alvo de investimentos empresariais que avançam no campo das políticas
públicas. (IAMAMOTO, 2009, p. 36-37)
É, portanto, em nome da reordenação econômica e manutenção do sistema capitalista
que vemos um período de forte tensionamento das conquistas do período anterior, em que o
argumento da crise fiscal do Estado legitima a desestruturação das políticas sociais, no sentido
de ganhos para a classe trabalhadora. (BEHRING ; BOSCHETTI, 2010)
Conforme afirma Laurell (2002), a lógica da privatização e abertura do Estado para o
capital privado chega aos serviços sociais e vem esvaziando o sentido de seguridade social
como direito, pois agora tais serviços fazem parte da lógica do mercado. É neste contexto que
29
se insere as políticas sociais atuais, ofertadas via ação estatal, que destina-se somente aos mais
pobres, abrindo então espaços para a mercantilização do que deveria ser direito, através das
ações das empresas, destinadas para a população que possui a capacidade de compra, ou
ainda, na atuação do terceiro setor, através das ações de filantropia.
Temos que a implementação do padrão de proteção social tal como foi delineado no
período de redemocratização se coloca atualmente como uma pedra no sapato do Estado, que
mediante a ampliação das desigualdades geradas, busca consensos para a manutenção da
ordem hegemônica, entretanto, a busca de mediações por parte do Estado se dá em um
momento de fragmentação das forças de resistência, estando, portanto, tais mediações
balizadas pelas tendências de contenção dos encargos sociais.
Evidenciamos a partir de então uma forte sintonia entre as recomendações dos
organismos financeiros internacionais, tal como o FMI e Banco Mundial, e a maneira com
que o Estado conduz as políticas sociais. Com o intuito de favorecer os interesses
econômicos, nos deparamos com a diminuição de espaços efetivamente públicos para as
políticas sociais, de um lado com a transferência de responsabilidades para o chamado
terceiro setor, e do outro com a abertura para o capital privado através da mercantilização dos
serviços.
A falta de compromissos democráticos e redistributivos por parte do Estado fez com
que o processo de construção de um padrão de proteção social no país ficasse inconcluso,
distanciando-se o direito da realidade. Behring e Boschetti (2010, p.156) nos mostram que “a
tendência geral tem sido a de restrição e redução de direitos, sob o argumento de crise fiscal
do Estado, transformando as políticas sociais [...] em ações pontuais e compensatórias
direcionadas para os efeitos mais perversos da crise”, articulado ao ideário neoliberal para
intervenção em áreas sociais, sejam eles: privatização, focalização e descentralização.
Laurell (2002) aponta que para legitimar a ênfase na privatização, o Estado
mercantiliza o bem-estar social através da insuficiência dos serviços públicos, criando as
demandas rentáveis para o capital privado, tendências expressas para a saúde e previdência
social, ficando ao seu cargo apenas serviços seletivos de assistência social destinados somente
aos mais pobres, cujo objetivo, segundo Montãno (2010) é:
Acabar com a condição de direito das políticas sociais e assistenciais, com
seu caráter universalista, com a igualdade de acesso, com a base de
solidariedade e responsabilidade social e diferencial (todos contribuem com
o financiamento e a partir das capacidades econômicas de cada um). No seu
lugar, cria-se uma modalidade polimórfica de respostas as necessidades
30
individuais, diferente segundo o poder aquisitivo de cada um. (MONTANO,
2010, p. 189)
Há ainda que se falar na transferência de responsabilidades para o indiviíduo, na qual
Montãno (2010) define o papel do terceiro setor como uma estratégia de
desresponsabilização, na qual este age como meio de “compensar” as atividades precarizadas
pelo Estado, e assim transfere-se a responsabilidade para ação dos próprios indivíduos e da
família.
Nesse sentido, vemos o Estado se especializando no mau atendimento, com um
discurso de que Estado é sinônimo de ineficiência, diminuindo sua capacidade regulatória e
de execução de políticas públicas, e assim, orienta-se a seguridade social para a seletividade e
restrição de direitos, reduzindo os investimentos sociais, e buscando legitimar a execução das
políticas sociais a cargo das ações do terceiro setor, que vem cada vez mais substituindo as
responsabilidades estatais.
Se o momento econômico é de desregulamentação das políticas públicas, temos no
aumento do desemprego estrutural o crescimento das demandas por programas sociais, que
esbarram na escassez de recursos, a oportunidade criada pelo Estado, sob a hegemonia do
capital, para que as portas se abram e as respostas das demandas sociais se condicionem ao
mercado e ao apelo a sociedade civil, criando-se a figura do cidadão-consumidor.
Borón (2008) aponta que as condições desfavoráveis na qual foram colocadas as
políticas sociais a partir das concepções neoliberais vêm acarretando um custo social sem
precedentes, com aumento da desigualdade social e da miséria, dentro de uma democracia que
não é plena, visto que só cresce o número de excluídos e marginalizados, e com uma
cidadania distorcida, constituída por um conjunto de deveres a partir do que é funcional ao
capital, quando deveria ser caracterizada por um conjunto de direitos, incluindo os direitos
sociais.
O horizonte é, portanto, de regressão de políticas sociais estatais, seja pela
privatização, seja pela refilantropização, como formas de legitimação do desmonte da
seguridade social, reformulando conceitos constitucionais segundo a ideologia neoliberal,
sendo, portanto, características das políticas sociais na atualidade seu teor compensatório, na
tentativa de embutir a falta de reformas estruturais e as refrações negativas da política
econômica para a condição de vida da maioria da população, sem a intenção de satisfazer as
necessidades sociais que requer os indivíduos.
31
Devido, entre outros fatores, ao aumento da demandas sociais, uma das políticas que
mais vem sofrendo com o teor compensatório adotado na atual conjuntura é a política de
Assistência Social, que será foco de análise no próximo capítulo.
32
3 ASSISTÊNCIA SOCIAL ENQUANTO POLÍTICA PÚBLICA
O intuito deste capítulo é situar o contexto de institucionalização da Assistência Social
enquanto política pública, mediante o trajeto histórico de construção das normativas que dão
suporte às ações que se desenvolvem atualmente no âmbito da proteção social.
Para tanto descrevo no item 3.1 Política Nacional de Assistência Social em níveis de
proteção, a partir de uma síntese da trajetória histórica da Assistência Social no Brasil e
construção de seus marcos legais, os pressupostos das proteções afiançadas na Política
Nacional de Assistência Social (PNAS), de seus equipamentos sociais e serviços
disponibilizados nos mesmos, de acordo com os objetivos de materialização da PNAS e das
diretrizes do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) que os mesmos expressam em suas
descrições da Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais.
De forma intencional, porém sem a pretensão de colocar determinado nível de
proteção em um grau de maior importância em detrimento do outro, faço o caminho inverso
ao elencado na Tipificação Nacional para a descrição dos níveis de proteção social. A
abordagem aqui realizada traz inicialmente Proteção Social Especial (PSE), e posteriormente
a Proteção Social Básica (PSB), com ênfase neste último, visto que se configura como o foco
de análise deste trabalho.
No item 3.2 Proteção Social Básica: Um olhar sobre o CRAS, explicito a
implementação da Proteção Social Básica nos municípios, a partir de uma análise inicial
normativas do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), e
posteriormente abordo as ações desenvolvidas pelo Centro de Referência de Assistência
Social (CRAS) em nível local, a partir da realidade do CRAS Pajuçara, destacando os
serviços ofertados no mesmo.
Este caminho foi escolhido em virtude do município de Natal se encontrar atualmente
em processo de estruturação de uma nova gestão, na qual os serviços passam por dificuldades
de operacionalização, motivos pelas quais os processos burocráticos nos impediram de uma
análise da realidade local em uma ótica global.
No item 3.3 A centralidade da família na PNAS busco apontar os pressupostos
abordados pela política para dar centralidade à família, visto que a PNAS vem definindo a
implementação do SUAS, em torno de ações socioassistencias, tendo como âncora a família a
partir de tais justificativas.
33
Finalizando este capítulo, enfatizo as implicações da perspectiva de trabalho com
famílias abordado pela Política Nacional e suas refrações para a realidade destas e de seus
membros.
3.1 POLÍTICA NACIONAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL E SERVIÇOS
SOCIOASSISTENCIAS EM NÍVEIS DE PROTEÇÃO
Para a compreensão da importância da Assistência Social no Brasil, enquanto política
pública de direito, é necessário um breve resgate sobre do trajeto histórico da assistência,
compreendendo este processo mediante o papel assumido pelo Estado diante da necessidade
de enfrentamento às expressões múltiplas da questão social a partir das particularidades
históricas no nosso país, que sempre reforçaram uma perspectiva assistencialista das políticas
sociais.
Essa perspectiva assistencialista tem relação com práticas ulteriores da humanidade,
baseados na ajuda e apoio aos pobres, doentes e incapazes, tendo ao longo da história vínculo
com práticas morais em diferentes sociedades, e se atrela principalmente a grupos religiosos.
Tais práticas foram sendo incorporadas por diferentes sociedades como forma de
solidariedade e compromisso, naturalizando assim as diferenças de classes, na qual sempre
existiria pobres, doentes e incapazes necessitando da ajuda de outrem. (YAZBECK apud
DAMASIO, 2009).
Tem-se assim, portanto, além da naturalização da questão social, a culpabilização do
indivíduo que deve buscar as formas de superação de suas necessidades, encontradas sob esta
forma de conceber a assistência, através das práticas de benemerência e caridade,
configurando esta como um instrumento de dominação da classe hegemônica.
Damasio (2009) aponta que já durante o antigo regime na Europa existiam ações para
atender aos pobres que comprovavam a incapacidade de trabalho, com ajuda social de
responsabilidade da igreja. Somado a isto havia o controle da mendicância e repressão da
vagabundagem. Essas ações eram desenvolvidas por meio das poor laws (Lei dos pobres), na
qual os incapazes e necessitados perdiam seus direitos políticos em troca de ajuda social.
No Brasil, tais características foram incorporadas mediante o contexto sócio-político
vivenciado em diferentes épocas, em que o Estado se apropria das práticas sociais como
forma de benemerência e solidariedade social, colocando a pobreza como fato natural.
34
A assistência surge no país vinculada à práticas de caridade das instituições religiosas,
na qual a pobreza era vista como disfunção social, baseado no ponto de vista da moral cristã.
O trato a questão social por parte do Estado até a década de 1930 era, portanto, de caráter
repressivo, na qual diversas expressões da questão social eram tratadas como caso de polícia.
(DAMASIO, 2009)
A partir da década de 1930 temos no país a inflexão das relações sociais burguesas
capitalistas, com implantação do processo de industrialização do país, e conseqüente
mudanças nas condições de vida da população, através da ampliação dos centros urbanos e
pauperização das condições de vida da população.
Diante deste fenômeno novo, de criação de uma classe operária no país, o Estado
passa a intervir com o intuito de regular as novas relações de trabalho, criando caixas de
aposentadoria e pensões através da lei Eloy Chaves (1923). (YAZBECK apud DAMASIO,
2009)
A consideração a ser feita é que os direitos legais reconhecidos a partir deste período
tem relação com as reivindicações da classe trabalhadora, na qual o Estado brasileiro passou
lentamente a reconhecer a questão social como questão política que necessitava de sua
intervenção. Entretanto, tais direitos foram reconhecidos somente para aqueles com vínculos
no mercado formal de trabalho, para os indivíduos que não conseguiam se enquadrar nesta
condição não havia, portanto, proteção social.
A questão social se configura, deste modo, associada às relações de trabalho como de
responsabilidade do Estado para o provimento do mínimo de bem-estar, enquanto que os
desempregados continuavam sob a responsabilidade da filantropia. (CONH apud DAMASIO,
2009)
Foi somente em 1942 que o Estado desenvolve uma intervenção destinada àqueles que
não se inseriam no mercado formal de trabalho, através da Legião Brasileira de Assistência
(LBA), conservando a assistência em práticas de mecanismo político e de caráter conservador
e moralizador, com programas assistencialistas estabelecidos pelas articulações entre Estado e
instituições privadas, ficando a assistência social ainda na esfera do favor e da benemerência,
através de ações filantrópicas, destinada para os que não conseguiram se inserir no mercado
de trabalho.
Mesmo com o aprofundamento das relações capitalistas e pauperização das condições
de vida da população, o Estado continua a intervir durante longa data somente nas
necessidades sociais consideradas essenciais para o desenvolvimento da acumulação do
capital.
35
O país veio a experimentar um avanço em programas sociais no período da
modernização conservadora da ditadura militar, como estratégia para controle das massas e
legitimação da ordem. Foi assim que obteve- se algumas mudanças no âmbito das políticas
sociais, com ampliação de programas, como a política de seguridade social, nos marcos da
estratégia autoritária dos governos militares. Temos nesse período uma ampliação gradual da
seguridade social, entretanto direitos sociais ainda eram tratados como ajuda direcionada para
os mais pobres, como uma maneira de compensação pelo agravamento da questão social.
(DAMASIO, 2009).
A partir dos sinais de esgotamento do modelo econômico adotado pelo governo
militar, e da emergência dos movimentos sociais na luta pela redemocratização do país,
conforme abordado no capítulo anterior, temos o terreno necessário para a construção de
debates e pressão da sociedade civil pela democracia e extensão da cidadania, na qual em
torno dessas lutas se inserem as lutas por direitos sociais no formato de políticas públicas.
É a partir deste processo histórico que podemos afirmar que ações no campo da
assistência social, tal como se estrutura hoje em nosso país, como forma de política, com
serviços socioassistenciais organizados através de um sistema único, foi um marco das
conquistas sociais brasileiras.
Resultante dos avanços sociais obtidos no processo histórico de lutas e reivindicações
por mudanças sociais em torno da constituinte, as conquistas obtidas pela Assistência Social,
desde a sua institucionalização enquanto política pública de direito (1988), até o formato atual
em que seus serviços estão organizados, percorreu um longo caminho, sempre tensionado pela
conjuntura política e econômica. Sua regulamentação sob forma de lei se deu no ano de 1993,
através da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), nº 8.742, de 7 de dezembro, que
estabelece normas e critérios para a organização da Assistência. Para dar materialidade as
diretrizes da LOAS o Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) aprovou sob
resolução nº 15 de 15 de outubro de 2004 a Política Nacional de Assistência Social (PNAS), e
para consolidar e implementar as definições e objetivos presentes na LOAS, foi aprovada a
Norma Operacional Básica do SUAS-NOB-SUAS, através da resolução nº 130, de 15 de
julho de 2005, que recentemente foi revogada, através da aprovação da nova NOB-SUAS no
dia 12 de dezembro de 2012. É, portanto, sob essas bases legais que se processam as ações da
Assistência Social no Brasil.
Importante levar em consideração a perspectiva de Mota (2010), que nos mostra que a
conquista de todos os marcos legais em torno da Assistência Social foi fortemente tensionada
por interesses de classes, fazendo com que desde sua fase inicial a Assistência Social viesse a
36
ser superestimada pelas classes dominantes, não como forma de conceber, juntamente com as
políticas de Saúde e Previdência Social, o sistema de Proteção Social brasileiro pautado na
concepção de direito, mas sim como uma forma de enfrentar as desigualdades geradas pelo
sistema capitalista, pautando a Assistência Social como política que administra a pobreza e as
desigualdades.
Nesse sentido, temos a política de assistência numa clara funcionalidade aos interesses
capitalistas, sem a intenção de modificar a essência do sistema (diga- se de passagem, a
essência que gera a questão social), e meramente conformar as massas, que sofrem as
conseqüências da expansão de políticas compensatórias, do desemprego estrutural e das
desigualdades oriundas desse processo. E sendo assim:
Enquanto avançam a mercantilização e privatiação das políticas de saúde e
previdência, restringindo o acesso e os benefícios que lhes são próprios, a
assistência social se amplia, na condição de política não contributiva,
transformando- se num novo fetiche de enfrentamento a desigualdade social,
na medida em que se transforma no principal mecanismo de proteção social
no Brasil. (MOTA, 2010, p. 133-134).
O redimensionamento do cenário político e econômico, resultantes do avanço das
políticas neoliberais a partir da década de 1990, que colocou na ordem do dia a contra-
reforma do Estado, definem as diretrizes da seguridade social brasileira e da assistência social
que se precede, na qual teremos como tendências a assistencialização das políticas sociais, em
que pesa a Assistência Social responder por tudo aquilo que não é coberto pelas demais
políticas, e assim, naturalizando a questão social, colocando a pobreza como passível de ser
banida meramente por esta política.
Larissa Dahmer Pereira, em seu texto “Polítcas Públicas de Assistência Social
brasileira: avanços, limites e desafios” faz uma retrospectiva das principais ações dos
governos, a partir da insurgência e fixação neoliberal no país, na qual destaco alguns dos fatos
elencados pela autora.
Durante o governo Collor, em que se inaugura o projeto neoliberal brasileiro tivemos
como ônus para a Assistência Social o veto da LOAS, momento em que o governo ignorou o
que preconizava o artigo 203 da Constituição Federal (CF), retardando a consolidação da
Assistência Social enquanto política púbica.
A LOAS veio a ser sancionada somente no governo de Itamar Franco, em 1993,
mediante a intensidade do processo de mobilizações sociais. O governo seguinte, de FHC
também tratou de deixar suas contribuições negativas para a seguridade social como um todo,
37
e em especifico para a assistência social. Seu governo deixou de cumprir a lei, não só
ignorando a necessidade da construção do SUAS, como também por meio da criação de
programas sociais de caráter assistencialistas que desconsideravam os princípios da LOAS.
O governo Lula chega ao poder embasado por promessas de mudanças para a área
social, e mesmo dando continuidade às orientações neoliberais, com graves inflexões para as
políticas sociais, a assistência social obteve como um mérito deste governo avanços positivos
como ampliação de espaços de controle democrático, aprovação de uma Política Nacional,
com prerrogativa para construção e implementação de um Sistema Único de Assistência
social, representando os anseios dos atores sociais que buscaram a efetivação desta política
em lei, assegurando a responsabilidade do Estado na gestão, financiamento e execução da
política.
Podemos afirmar, portanto, que diante dos limites, avanços e desafios ao longo dos
diversos posicionamentos tomados pelo Estado, ao se instituir a PNAS em forma de lei, deu-
se um salto no que se refere à superação da visão de assistência como assistencialismo,
caridade, clientelismo, colocando a Assistência ainda mais na esfera do direito e de
responsabilidade do Estado, o que acaba por ser o desafio cotidiano para os que atuam no
campo da Assistência Social.
A partir da sua aprovação em 2004, a PNAS surge então com o objetivo de
materializar as diretrizes presentes na LOAS, tomando-a por base, além de também possuir
suas diretrizes baseadas na CF de 1988 e da intenção de instituir o SUAS, com fins a integrar
as ações socioassistenciais, tendo como princípios:
I- Supremacia do atendimento às necessidades sociais sobre as
exigências de rentabilidade;
II- Universalização dos direitos sociais, a fim de tornar público o
destinatário da ação assistencial alcançável pelas demais políticas públicas;
III- Respeito à dignidade do cidadão, à sua autonomia e ao seu direito a
benefícios e serviços de qualidade, bem como a convivência familiar e
comunitária, vedando- se qualquer comprovação vexatória de necessidade;
IV- Igualdade de direitos no acesso ao atendimento, sem discriminação de
qualquer natureza, garantindo- se equivalência às populações urbanas e
rurais;
V- Divulgação ampla dos benefícios, serviços, programas e projetos
assistenciais, bem como dos recursos oferecidos pelo Poder Público e dos
critérios para sua concessão. (BRASIL, 2005, p 32.)
Na linha do SUAS, de defesa dos usuários não contribuintes da Assistência Social, são
diretrizes da PNAS, definidas pelo texto de 2004: descentralização nas três esferas
governamentais, com participação representativa da população no controle das ações e
38
formulação das políticas, responsabilidade do Estado na condução da política, além de
centralidade na família5, no que se refere às suas ações. (BRASIL, 2005)
A PNAS se coloca como responsável pela instituição do SUAS, e pauta-se em dois
níveis de proteção social: A proteção social básica (PSB), e a proteção social especial (PSE),
com a finalidade de “garantir as seguintes seguranças: segurança de sobrevivência (de
rendimento e de autonomia); de acolhida; de convívio ou vivência familiar” (BRASIL, 2005,
p. 31), com a perspectiva de promover condições para atender as necessidades sociais dos
usuários de forma a universalizar os direitos sociais, visando objetivar serviços, programas,
projetos e benefícios em todos os níveis de proteção social para famílias, indivíduos e grupos;
contribuir para inclusão e equidade dos usuários, ampliando seu acesso aos serviços
socioassistenciais; e assegurar que as ações no âmbito da assistência tenham por base a
centralidade da família.
Nessa perspectiva, e no sentido de unificar e uniformizar os serviços
socioassistenciais, de acordo com o que propõe o SUAS, esses serviços foram tipificados a
partir das proteções afiançadas, de acordo com a resolução do CNAS nº 109, de 11 de
novembro de 2009, em que a PSB, e a PSE de média e de alta complexidade possuem seus
serviços devidamente organizados de acordo com a resolução.
Tendo a família como eixo matricial, a PNAS define que os patamares de proteção
social se organizem de forma que a proteção social básica, através do CRAS (Centro de
Referência da Assistência Social) como equipamento técnico, seja responsável por ofertar
serviços no sentido de fortalecer os vínculos familiares onde estes ainda não foram quebrados,
através das potencialidades, aquisições e fortalecimento dos vínculos familiares e
comunitários, enquanto que a proteção social especial, através do CREAS (Centro de
Referencia Especializado em Assistência Social), em seus dois níveis de complexidade,
direciona seus serviços para famílias e indivíduos em situação de direitos violados.
Nesse sentido, a proteção social a partir da gestão do SUAS e baseado em suas
diretrizes busca responder as vulnerabilidades e riscos sociais das famílias e indivíduos em
seus ciclos de vida, viabilizando condições materiais e sociais para suprir suas necessidades
de reprodução social, desenvolvendo o protagonismo e autonomia dos sujeitos, com ações de
caráter descentralizado e participativo na busca de efetivar o enfrentamento às crescentes
demandas da assistência social.
5A centralidade da família se caracteriza como foco de análise deste trabalho, e terá o ponto 3.3 deste capítulo
destinado para sua discussão.
39
A PNAS afirma que os equipamentos sociais, tanto na PSE quanto na PSB possuem
ênfase nos princípios de territorialização e descentralização, e são decorrentes da gestão local,
que implementam suas ações com o acompanhamento de instâncias federais.
A territorialização deve favorecer o acesso aos direitos socioassistenciais a partir do
conhecimento das desigualdades sociais do território, visando favorecer a constituição de
redes de proteção social dentro dos territórios vulnerabilizados a partir de suas
particularidades e especificidades, possibilitando a construção de uma perspectiva de
universalidade na cobertura no âmbito da política de assistência social. (BRASIL, 2009a)
Considerando então, as situações de risco e vulnerabilidade social gerada por diversos
fatores que afetam a vida dos sujeitos, famílias e comunidades, a partir das Orientações
Técnicas do CREAS temos descrito que as ações desenvolvidas pela PSE visam a
reconstrução dos vínculos familiares e comunitários já rompidos, buscando a partir de então
fortalecer o caráter protetivo das famílias e indivíduos para o enfrentamento das situações de
violação de direitos.
Continuando no sentido daquilo que é elencado como objetivo da política e diretrizes
para materialização do SUAS, temos que os serviços da PSE possuem caráter continuado para
a superação e prevenção de agravamento das situações de risco social advindas da violação de
direitos tais como negligencia, violência física e psicológica, violência sexual, situação de rua,
dentre outros.
Para o desenvolvimento de seus projetos, programas e serviços a PSE entende a
família como lócus privilegiado, compreendendo sua heterogeneidade e os múltiplos fatores
que incidem sobre as mesmas, considerando que dentro delas também pode ocorrer
inseguranças e violações, e reconhecendo o papel do Estado para prestar-lhe apoio e viabilizar
acesso ao direito através das diversas políticas. (BRASIL, 2011, p. 18)
Levando em conta que as situações de violação de direitos que se apresentam possuem
diferentes níveis de agravamento, a PSE organiza-se assim em dois níveis, configurando a
PSE de Media complexidade, e a PSE de Alta Complexidade, ficado a oferta dos serviços a
cargo dos municípios ou Estado.
De acordo com as orientações técnicas para o CREAS, as unidades de referência para
atendimento no âmbito da média complexidade se apresentam através desta instituição, que
oferta obrigatoriamente o serviço de proteção e atendimento especializado a Famílias e
Indivíduos (PAEFI) e do Centro POP- Centro de Referencia Especializado para População em
Situação de Rua, que oferta obrigatoriamente o serviço especializado para estes usuários em
específico. Já a PSE de Alta complexidade tem seus serviços ofertados em diferentes
40
equipamentos sociais para garantir a acolhida aos indivíduos que se encontram fora de seu
âmbito familiar, caracterizando-se por seu caráter de proteção integral, moradia, alimentação,
higienização, trabalho de proteção para aqueles que estão em situação de ameaça.
No sentido de integrar os serviços de PSE o CREAS tem o papel de referenciar os
serviços especializados, afiançando as seguranças na perspectiva da proteção social previstas
pela PNAS.
Para a PSB, cujas ações são desenvolvidas pelo CRAS, temos de acordo com as
orientações técnicas do MDS (Ministério do Desenvolvimento Social) que este equipamento
social deve ser implantado possuindo vínculos estreitos com os princípios do SUAS,
abarcando no território implantado o diálogo entre os diferentes níveis de proteção social,
atentando para as responsabilidades das esferas governamentais no que tange ao
financiamento, além da rede de serviços existentes no território, vinculando o público e o
privado sem fins lucrativos. Estes últimos devem estar devidamente referenciados ao CRAS.
Nesse sentido o CRAS, como unidade de PSB caracteriza-se como porta de entrada do
SUAS, dada a sua abrangência nos territórios, que deve subsidiar o desenvolvimento de todos
os serviços socioassistenciais de caráter preventivo, protetivo e proativo6, ou seja:
O CRAS é uma unidade de proteção social básica do SUAS, que tem por
objetivo prevenir a ocorrência de situações de vulnerabilidade e riscos
sociais nos territórios, por meio do desenvolvimento de potencialidades e
aquisições, do fortalecimento de vínculos familiares e comunitários, e da
ampliação de acesso aos direitos de cidadania. (BRASIL, 2009a, p. 9)
Além das funções de oferta de serviços e ações, o CRAS possui a função exclusiva de
ofertar o serviço público de trabalho social com famílias do PAIF-Programa de Atenção
Integral à Família e realizar a gestão territorial da rede de PSB.
A PSB tem por finalidade ampliar o acesso aos direitos de cidadania, considerando a
matricialidade da família na PNAS, sendo necessário para tanto o amplo mapeamento das
famílias que vivem no território, para identificação de suas necessidades, potencialidades e
6Tendo por referência para o desenvolvimento das ações a família e os conceitos de vulnerabilidade e risco
social adotados pela PNAS 2004, temos que esta compreende que o caráter preventivo tem como finalidade o
fortalecimento dos vínculos de pertencimento entre os membros da família, mediante o desenvolvimento de suas
potencialidades; O caráter protetivo configura-se no sentido de reduzir os danos e evitar agravos advindos das
situações de risco e vulnerabilidade social; O caráter proativo configura-se a partir do conjunto das ações com
capacidade para reduzir a ocorrência dos riscos e danos sociais. (BRASIL, 2005)
41
situações de risco e vulnerabilidade social, e a partir de então se colocar como serviço de
referencia e contra-referencia.7 (BRASIL, 2009a, p. 9)
O PAIF é o principal serviço da PSB para a materialização dos eixos que estruturam o
SUAS, por isso todos os outros serviços que compõem a PSB deve articular-se a ele. Outros
serviços de caráter protetivo, preventivo e proativo podem ser desenvolvidos pelo CRAS,
desde que sejam articulados ao PAIF e responda as demandas do território, estando
articulados com os objetivos da PSB.
Dando ênfase aos serviços de proteção social básica, objeto de estudo neste trabalho, a
Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais define-os como: Serviço de Proteção e
Atendimento Integral à Família (PAIF), Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos
e Serviço de Proteção Social Básica no domicílio para pessoas com deficiência e Idosas.
No que se refere aos objetivos de cada programa, de acordo com o disposto na
tipificação dos serviços observa-se:
PAIF: Deve ser desenvolvido com o intuito de fortalecer os vínculos familiares e/ ou
prevenir a ruptura dos mesmos, no sentido de ampliar a função protetiva das famílias,
promovendo acesso aos direitos através de uma ampla articulação da rede socioassistencial,
bem como com as demais políticas públicas. Tais ações devem ainda respeitar as diversidades
de arranjos familiares e a subjetividade dos sujeitos. É um programa de caráter protetivo,
proativo e preventivo, que deve ser desenvolvido de forma continuada.
Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos: Pauta-se na emancipação dos
indivíduos, para promover a superação de situações de vulnerabilidade social. É realizado
através de grupos, podendo este ser organizado a partir da diferenciação por faixas etárias,
com trocas de vivências para ampliar a identificação dos indivíduos e o fortalecimento dos
vínculos familiares. Possui caráter preventivo e proativo e devendo manter articulação com o
PAIF.
Serviço de Proteção Social Básica no domicílio para pessoas com deficiência e Idosas:
Visa desenvolver a autonomia e inclusão dos indivíduos e prevenir situações que possam
levar ao rompimento dos vínculos familiares, promovendo qualidade de vida a partir do
acesso aos serviços da rede, bem como das demais políticas públicas. Possui caráter protetivo
e também deve estar articulado as ações do PAIF.
7A função de referencia se caracteriza pelo atendimento as demandas identificadas em situação de risco e
vulnerabilidade, através do acesso aos serviços do CRAS ou encaminhamentos a rede de proteção social
especial. A Contra- referencia é definida pelos encaminhamentos recebidos do nível de maior complexidade,
garantindo ao usuário a proteção social básica. (BRASIL, 2009a, p. 10)
42
No item a seguir faremos uma abordagem de como os serviços socioassistenciais da
PSB se estruturam e materializam em nível de gestão local, mais especificamente no
Município de Natal-RN.
3.2 PROTEÇÃO SOCIAL BÁSICA: UM OLHAR SOBRE O CRAS
Dentre os princípios estabelecidos para a gestão do SUAS, a política nacional destaca
a descentralização e territorialização como elementos essenciais, pois, segundo a PNAS, estes
elementos definem as formas de como os serviços socioasistenciais irão se organizar nos
territórios, no que tange a sua implementação, execução e financiamento.
Desde a LOAS dispõe-se sobre o caráter descentralizado e a organização da
Assistência Social através da articulação de meios, esforços e recursos, com instâncias
deliberativas de diversos setores, conforme seu artigo 8º: “A união, os Estados, o Distrito
Federal e os municípios, observados os princípios e diretrizes estabelecidos nesta lei, fixarão
suas respectivas políticas de Assistência Social.” (BRASIL, 2009c, p.11)
De acordo com o artigo 11º da LOAS, a coordenação e execução dos programas
ficam a cardo dos estados e municípios. Cada esfera governamental tem, portanto, a
responsabilidade de formular, co-financiar, monitorar, avaliar e sistematizar as ações em torno
dos serviços socioassistenciais, respeitando os princípios e diretrizes da PNAS.
Temos, portanto, que a PNAS tem comando único em cada nível da federação no que
tange a sua implementação e execução, sendo necessário para a sua gestão o funcionamento
de um conselho de ordem paritária entre sociedade e governo, um fundo para centralização de
recursos da assistência, e um plano de assistência social que expressa as inter-relações com as
demais políticas e com a rede socioassistencial. (BRASIL, 2005)
Com relação ao funcionamento da proteção social básica nos municípios, de acordo
com as Orientações Técnicas para o CRAS, temos que o Plano Municipal de Assistência
Social é o instrumento que deve, em nível local, através das intervenções territorializadas,
mover os esforços para a prevenção e enfrentamento das situações de risco e vulnerabilidade
social, a partir do planejamento, estabelecendo os procedimentos e métodos para o
atendimento as necessidades das demandas mediante o tempo e recursos disponíveis. Tal
planejamento deve ter por base os objetivos da PNAS com vista a organizar o SUAS no
43
município, realizando a leitura da realidade para promover mudanças na situação encontrada.
Sendo assim, o plano municipal se constitui como:
Instrumento de gestão da política de assistência social no âmbito local. O
plano deve ser elaborado pelo órgão gestor, aprovado pelo conselho de
assistência social, manter coerência com a política nacional de assistência
social, NOB-SUAS e NOB-RH e ser expresso no orçamento. (BRASIL,
2009a, p. 15)
O plano municipal é, portanto, um instrumento obrigatório para a gestão local do
SUAS, e deve ser constituído dos seguintes elementos:
1- Realização de estudos e diagnóstico da realidade;
2- Mapeamento e identificação da cobertura da rede prestadora de
serviços;
3- Definição de objetivos;
4- Estabelecimento de diretrizes e prioridades;
5- Determinação de metas e previsão de custos;
6- Previsão de fontes de financiamento (recursos municipais, estaduais e
federais);
7- Estabelecimento de ações de monitoramento e avaliação (BRASIL,
2009a, p.15)
Destaca-se como desafio a necessidade de conhecimento da realidade do município
para nela atuar, e nesse sentido, as Orientações Técnicas para o CRAS elegem a definição dos
territórios de vulnerabilidade social e o planejamento das instalações da referida instituição
como um objeto que deve fazer parte do Plano Municipal, aonde o levantamento da rede
socioassistencial também deve ser realizado.
A partir do mesmo documento, temos ainda a sugestão de implantação dos CRAS
tomando por base os cadastros de programas sociais (Cadastro Único e BPC-Benefício de
Prestação Continuada), para traçar os territórios que devem priorizar a instalação deste
equipamento.
A implantação do CRAS constitui-se como:
Uma estratégia de descentralização e hierarquização de serviços de
assistência social e, portanto, elemento essencial do processo de
planejamento territorial e da política de assistência social do município.
(BRASIL, 2009a, p. 16)
O CRAS surge, portanto, a partir de um estudo do território das situações de risco e
vulnerabilidade social, utilizando-se como base os dados obtidos nos cadastros dos programas
44
de transferência de renda, podendo também utilizar outros índices das condições
socioeconômicas da população. Somado a isto, temos um levantamento da rede
socioassistencial existente, para que se possa planejar as ações futuras.
O Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) coloca, a partir das Orientações
Técnicas para o CRAS, exigências para a implantação do mesmo nos municípios, visando a
qualidade dos serviços ofertados. O cumprimento de tais exigências ficam sob
responsabilidade da gestão da Assistência Social do Município.
As providencias para a efetivação das exigências do MSD tem relação direta com o
Plano Municipal, visto que ele é o instrumento que irá subsidiar o conhecimento do território
e a necessidade de serviços, definindo, portanto, o número de CRAS necessários naquela
localidade, bem como a capacidade de atendimento nas unidades, que dependem do número
de famílias referenciadas e dos serviços ofertados pelo CRAS. (BRASIL, 2009a)
A implantação das unidades deve seguir o disposto no Plano Municipal, para que o
acesso aos direitos socioassistenciais sejam assegurados, dadas as características de
descentralização e territorialização que a proteção social básica possui.
O alcance dos objetivos deste equipamento depende, pois, da sua implantação
respeitando as singularidades de cada território, bem como da efetivação dos meios para a
constituição de suas atividades.
É nesse sentido que elege-se para a implantação do CRAS os territórios diagnosticados
como de maior incidência de riscos e vulnerabilidade social. Entretanto, devido à obtenção
dessas informações se configurarem como uma tarefa complexa, a NOB/SUAS (2005) define
como critério para elegibilidade dos territórios os de maior concentração de famílias com
renda per capita inferior a ½ salário mínimo. A justificativa para tal critério é a de que o
empobrecimento das famílias se coloca como fator agravante das vulnerabilidades sociais,
demandando para estas famílias uma maior atenção por parte do Estado. (BRASIL, 2009a, p.
34)
A NOB/SUAS define a capacidade e necessidade dos municípios para o
referenciamento das famílias no CRAS, conforme abaixo:
Pequeno Porte I- mínimo de 1 CRAS para até 2.500 famílias referenciadas;
Pequeno Porte II- mínimo de 1 CRAS para até 3.500 famílias referenciadas;
Médio Porte- mínimo de 2 CRAS, cada um para até 5.000 famílias
referenciadas;
Grande Porte- mínimo de 4 CRAS, cada um para até 5.000 famílias
referenciadas;
45
Metrópoles- mínimo de 8 CRAS, cada um para até 5.000 famílias
referenciadas; (BRASIL, 2005, p. 100)
É definido ainda pela NOB/SUAS os tipos de gestão local, que se diferenciam em três
níveis: Inicial, básica e plena. Os três níveis diferenciam-se quanto aos recursos que recebem
do Fundo Nacional da Assistência Social, requisitos, responsabilidades e incentivos. Somente
os municípios de Gestão inicial não possuem CRAS estruturados.
Nos demais tipos de gestão, os CRAS devem ser implantados respeitando, portanto, os
critérios de elegibilidade descritos na NOB-SUAS, definindo localidades que facilitem o
acesso das demandas em situação de vulnerabilidade social.
Nos municípios de pequeno porte I e II o CRAS poderá localizar-se em áreas centrais
ou rurais, a depender das necessidades do território, enquanto que nos municípios de médio e
grande porte, bem como nas metrópoles o equipamento deve se localizar diretamente na área
de abrangência, e em caso de impossibilidades, em local próximo, visando a cobertura do
território.
Ainda sobre os municípios de grande porte e metrópoles as Orientações Técnicas
mostram situações diferenciadas, como nos casos em que a área de abrangência é maior do
que a estipulada pela NOB-SUAS, sendo necessário nestes casos a ampliação das equipes
técnicas do CRAS. Os casos de extensão da área de abrangência da instituição para além do
padrão estipulado deve ser de caráter provisório, sendo redefinidas as áreas na medida em que
novos CRAS forem surgindo. (BRASIL, 2009a)
O número de famílias referenciadas na área de abrangência de instalação do CRAS
torna-se o parâmetro para a capacidade de atendimento nesta unidade, conforme quadro
apresentado nas Orientações (2009a), que faz as estimativas conforme o Censo CRAS 2008:
FONTE: BRASIL, 2009a, p. 35
Com a finalidade de planejar a cobertura da proteção social básica nos municípios, é
recomendado que o Plano Municipal apresente um mapa, dividido em territórios em situação
de vulnerabilidade, indicando a quantidade de famílias referenciadas por cada CRAS.
46
Estas informações são essenciais, pois a estrutura física das unidades e a equipe
técnica devem ser estruturadas de acordo com o número de famílias referenciadas e serviços
ofertados na unidade.
Para a efetiva implantação do CRAS é necessário um planejamento que engloba:
elaborar diagnóstico socioterritorial e identificar as necessidades de serviços, planejar com
outras instancias sociais a implantação da unidade, implantar as condições físicas
institucionais e materiais necessárias, selecionar, admitir e capacitar a equipe de referencia.
Sobre estes aspectos as Orientações Técnicas para o CRAS destaca:
O efetivo cumprimento dessas ações é importante para o funcionamento do
CRAS e dos serviços e programas nele ofertados [...] constituem elementos
essenciais para a qualidade dessa unidade e dos serviços nela ofertados, para
o efetivo desempenho do papel da gestão territorial da rede de proteção
social básica e para a ampliação e consolidação da rede de proteção social do
SUAS. (BRASIL, 2009a, p. 38)
Como elementos básicos para a qualidade dos serviços socioassistencias ofertados no
CRAS são elencados seu espaço físico, sua identificação e seu horário de funcionamento, com
o intuito de superar a visão de assistência como política pobre, e colocá-la no patamar das
demais políticas. (BRASL, 2009a)
A identificação e horário de funcionamento proporcionam a capacidade do usuário
acessá-lo e reconhecê-lo em qualquer território, quanto ao seu espaço físico, temos que ele
reflete sobre a qualidade do trabalho desenvolvido na unidade, sendo necessário uma infre-
estrutura condizente com os mesmos, bem como com as especificidades das famílias
atendidas.
O imóvel da unidade pode ser alugado, cedido, ou público, desde que garanta plena
acessibilidade a todos os usuários, e deve-se priorizar sua fixação na localidade para que o
CRAS possa ser identificado como espaço de proteção social para as famílias nele
referenciadas.
Todo CRAS deve dispor de espaços mínimos, que são: recepção, sala de atendimento,
sala de uso coletivo, sala administrativa, copa e banheiros. A quantidade de espaços devem
aumentar proporcionalmente a capacidade de atendimentos na unidade. (BRASIL, 2009a)
Quanto ao número de profissionais por unidade, a partir do disposto na Norma
Operacional Básica de Recursos Humanos- NOB-RH/SUAS, as equipes que operacionalizam
a proteção social básica na instituição devem ser compostas de acordo com o número de
famílias referenciadas, conforme quadro abaixo:
47
Fonte: BRASIL, 2009a, p. 61
As Orientações Ténicas para o CRAS enfatiza que a NOB-RH/SUAS faz clara
referência ao vínculo empregatício dos membros da equipe, que deve ser composta em sua
totalidade por funcionários efetivos, visando a baixa rotatividade de profissionais e,
conseqüentemente o caráter continuado das ações por eles desenvolvidas, e destaca:
Para municípios (ou DF) que estão estabelecendo vínculos de trabalho
precários, como contratos particulares, pregão, dentre outros, recomenda-se
a adequação da contratação dos profissionais da equipe de referencia do
CRAS ao disposto na NOB/RH. (BRASIL, 2009a, p. 61)
Os profissionais constituem a linha de frente para a efetivação do direito à proteção
social, sendo, portanto, essencial a garantia de condições dignas de trabalho para o
desenvolvimento de suas atribuições, e nesse sentido a precarização do trabalho significa a
precarização dos serviços socioassistencias ofertados nas unidades.
Estando o CRAS em condições de desenvolvimento de suas ações, de acordo com as
orientações acima descritas, tem-se ainda, a partir das normativas do MDS, outro fator
essencial para o bom desenvolvimento das atribuições da unidade: a organização e registros
dos atendimentos para possibilitar o devido acompanhamento das famílias. Sobre este fator
destaca o MDS: “A fim de coletar e organizar tais informações, recomenda-se a adoção, pelo
CRAS, de prontuários, preferencialmente padronizados pelo órgão gestor da assistência social
do município, para uso da rede socioassistencial.” (BRASIL, 2009a, p.42)
48
A relevância de padronização dos registros de atendimentos por parte do gestor
municipal é necessário para a realização do monitoramento e avaliação da efetivação dos
serviços em nível local.
Estando o CRAS estruturado, a partir das condições mínimas acima elencadas, ele
estará, de acordo com o MDS, em condições de desenvolver as ações da proteção social
básica no município, diante das particularidades e singularidades do território em que o
mesmo se insere.
Dados nacionais obtidos através do Censo SUAS/CRAS revelam, segundo o MSD,
que a instituição, por meio do seu principal serviço, o PAIF, tem se solidificado como
garantidor de direitos sociais na tentativa de superação da pobreza e das desigualdades
sociais. (BRASIL, 2012)
A afirmação acima é dada com base nos dados de abrangência da implantação dos
CRAS nos municípios brasileiros, e da permeabilidade do PAIF no contexto familiar,
permitindo assim que se evidenciem as situações vividas diretamente neste espaço,
configurando-se a partir do CRAS e do PAIF as possibilidades de esclarecimentos, trocas de
experiências, aquisições, fortalecimento de vínculos e construção de alternativas para
situações adversas a partir da identificação de suas causas.
O PAIF como principal serviço do CRAS, e na qual os demais serviços oferecidos
devem estar vinculados, possui como ações a acolhida, oficinas com famílias, ações
comunitárias, ações particularizadas e encaminhamentos. Tais ações são desenvolvidas
devendo ter sempre por base os objetivos que o programa pretende alcançar. (BRASIL, 2012)
É de relevância levantar, diante do exposto, a importância do comprometimento da
gestão local para com os serviços sociassistenciais, que se coloca como peça fundamental
para o alcance dos objetivos do PAIF, pois ele depende de uma articulação da rede de
serviços, bem como da interlocução da política de Assistência com as demais políticas
públicas, para que o fluxo de encaminhamentos não se finde em incompletudes e as ações
sejam efetivadas.
No município de Natal, lócus desta pesquisa, a estruturação da Assistência Social, com
base no que a PNAS coloca como necessário para a gestão local do SUAS já data de 1995,
com a criação do Conselho Municipal de Assistência Social-CMAS, bem como do Fundo
Municipal, em 26 de julho de 1995, através da lei ordinária número 04657/95 que dispõe
sobre a organização da Assistência Social no município.
49
No primeiro capítulo da lei temos os dispostos sobre o Conselho Municipal, seus
objetivos e forma de funcionamento, na qual em seu artigo 2º destaca como funções do
Conselho:
Art. 2°- Respeitada as competências exclusivas do legislativo municipal,
compete ao Conselho Municipal de Assistência Social:
I- Definir as prioridades da política de Assistência Social;
II- Estabelecer as diretrizes a serem observadas na elaboração do Plano
Municipal de Assistência Social;
III- Aprovar a Política Municipal de Assistência Social;
IV- Atuar na formulação de estratégias e controle da execução da política de
Assistência Social;
V- Propor critérios para a programação, para as execuções financeiras e
orçamentárias do Fundo Municipal de Assistência Social, e fiscalizar a
movimentação e a aplicação dos recursos
VI- Elaborar o seu Regimento Interno,
VII- Acompanhar critérios para a programação e a execução financeira e
orçamentária do Fundo Municipal de Assistência Social, fiscalizar a
movimentação do recursos;
VIII- Acompanhar, avaliar e fiscalizar os serviços de Assistência Social
prestados à população pelos órgãos, entidades públicas e privadas no
Município;
IX- Definir critérios de qualidade para o funcionamento dos serviços de
assistência social públicos e privados no âmbito municipal;
X- Definir critérios para celebração de Contratos de Convênios entre o setor
público e as entidades privadas que prestam serviços de Assistência Social
no âmbito municipal;
XI- Apreciar previamente os Contratos e Convênios referidos no inciso
anterior;
XII- Zelar pela efetivação do sistema descentralizado e participativo de
Assistência Social;
XIII- Aprovar Projetos de Combate à Fome e a Pobreza encaminhados pelo
Prefeito Municipal, do Programa Comunidade Solidária;
XIV- Convocar ordinariamente a cada 02 (dois) anos, ou
extraordinariamente, por maioria absoluta de seus membros, a Conferência
Municipal de Assistência Social, e propor diretrizes para o aperfeiçoamento
do sistema;
XV- Acompanhar e avaliar a gestão dos recursos, bem como os ganhos
sociais e desempenho dos programas e projetos aprovados. (NATAL, s/p,
1995)
A mesma lei dispõe em seu capítulo II sobre a constituição e objetivos do Fundo
Municipal, e destaca no 11º artigo:
Art. 11- Fica criado o Fundo Municipal da Assistência Social - FUMAS,
especialmente mantido na forma da lei e regido segundo normas e diretrizes
estabelecidas pelo Conselho Municipal de Assistência Social - CMAS, em
conta própria vinculada orçamentariamente Secretaria Municipal de
Promoção Social - SEMPS, com a finalidade de custear a execução da
Política Municipal de Assistência Social através dos seguintes serviços,
50
atividades e obras, de interesse da Assistência Social para o Município do
Natal:
I- Elaboração, implantação e utilização do plano da Assistência Social;
II- Executar projetos de enfrentamento da pobreza;
III- Atender às ações assistenciais de caráter de emergência;
IV- Outras atividades do interesse no atendimento da Assistência Social.
(NATAL, s/p, 1995)
No que tange aos serviços socioassistencias no município, estes se configuram em
uma gestão plena desde o ano de 2005, na qual o município deve assumir a organização da
PSB e PSE. Estes serviços estão estruturados atualmente em torno da SEMTAS-Secretária
Municipal de Trabalho e Assistência Social, na qual seus recursos são fixados de acordo com
a LOA-Lei Orçamentária Anual, que no ano de 2013 foi estabelecido pela lei nº 6.372, de 11
de janeiro de 2013. Todo o processo, desde a formulação do Plano Municipal até a aprovação
da LOA e utilização dos recursos devem ser acompanhados e fiscalizados pelo CMAS,
podendo contar com o apoio do Ministério Público Estadual.
Para o planejamento e execução das ações da Proteção Social Básica do Município, de
acordo com o decreto nº 9.423 de 21 de junho de 2011, a SEMTAS possui a seguinte estrutura
organizativa:
1.Secretaria Adjunta de Assistencia Social;
1.1 Departamento de Proteção Social Básica;
1.1.1 Centros de referência de Assistência Social- CRAS;
1.1.2 Programas e Projetos;
1.1.3 CadÚnico.
Especificamente sobre a estrutura dos CRAS no município, temos com base no
disposto na NOB/SUAS sobre a capacidade e necessidade dos municípios para
referenciamento na instituição, que o município de Natal se configura como uma metrópole,
que deve possuir no mínimo 8 CRAS com capacidade para 5 mil famílias referenciadas em
cada um deles.
Mediante as necessidades de uma cidade com porte de metrópole, observado o
disposto nas Orientações Técnicas, e levando em conta principalmente os critérios de
elegibilidade dos territórios que apresentam situações de risco e vulnerabilidade social para a
implantação do CRAS, o município de Natal conta atualmente com 9 CRAS distribuídos em
diferentes regiões, conforme abaixo:
CRAS NORTE I- Comunidade da África
CRAS NORTE II- Salinas
CRAS NORTE III- Pajuçara
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CRAS NORTE IV- Nossa Senhora da Apresentação
CRAS NORTE V- Lagoa Azul
CRAS OESTE I– Felipe Camarão
CRAS OESTE II- Guarapes
CRAS OESTE IV- Planalto
CRAS LESTE I- Passo da Pátria
De acordo com a SEMTAS, os CRAS do município devem realizar serviços de:
Acolhida e orientação com equipe psicossocial; acompanhamento familiar; realização de
palestras socioassistenciais; cursos de qualificação profissional; encaminhamentos para a
rede; grupos sociais, devendo ser subdividos em: grupos de crianças (0-6 anos e 7-11 anos),
grupos de adolescentes (12-14 anos), grupo de mulheres, grupo de gestantes, grupo de idosos
e grupo de homens.
Para a análise dos atendimentos realizados e serviços ofertados nos CRAS do
município de Natal, tomamos por base o CRAS região NORTE III, conhecido popularmente
como CRAS Pajuçara, por estar instalado neste bairro, na Rua Flor do Paraíso, 319,
loteamento Dom Pedro I, zona norte da cidade.
As condições de infra-estrutura, apesar da unidade estar instalada em prédio alugado, é
considerada suficiente, e inclusive, foi a unida do município de Natal aprovado pela análise
do MDS, por contar com placa de identificação e todos os espaços de atendimento
necessários.
De acordo com informações obtidas através da equipe técnica que compõe a
instituição, ele conta atualmente com o seguinte quadro de profissionais:
1 Auxiliar Administrativo;
1 Porteiro;
2 ASD- Auxiliar De Serviços Diversos;
1 Coordenadora (Assistente Social);
2 Técnicas (Assistente Social);
1 Técnica (Psicóloga);
2 Estagiárias (Cadastro Único);
2 Estagiárias (Curriculares- Serviço Social).
Esta equipe é responsável pelos serviços desenvolvidos neste equipamento social, que
possui em sua área de abrangência atualmente uma quantidade estimada de 3.500 famílias
cadastradas.
Este número já foi maior em anos anteriores. Até o ano de 2010, o CRAS Pajuçara
atendia além da área de abrangência atual, os bairros de Nossa senhora da Apresentação e
Potengi. Em 2010 o município de Natal instalou um CRAS no bairro de Nossa Senhora da
52
Apresentação, que levou cerca de 600 cadastros do CRAS Pajuçara. No ano de 2012 houve
uma nova divisão, a partir da instalação do CRAS lagoa azul, ficando o CRAS região norte III
somente com o bairro de Pajuçara.
Os cadastros realizados na instituição, devido a condições estruturais (falta de
computadores, redes e manutenção), não são informatizados, o que dificulta e controle,
podendo, por exemplo, uma mesma família possuir mais de um cadastro. Outro fato é que as
formas de controle de cadastros não possuíam um padrão até o momento, cada CRAS
realizava e mantinha seus cadastros organizados de acordo com sua preferência. Sobre este
fato afirma uma das Assistentes Sociais da unidade:
Pois é... A gente não tem uma padronização, cada CRAS faz do jeito que
quiser. A gente conta por ano: cadastros de 2012, 2013... aí tem CRAS não,
que conta desde o começo, tem CRAS que organiza por conjunto ou
loteamento, tem CRAS que organiza por ordem alfabética. (Cora Coralina)
Recentemente surgiu um novo tipo de cadastro das famílias, o prontuário SUAS, que
será padronizado tanto para o CRAS quanto para o CREAS. Tem-se a expectativa por parte
dos profissionais da unidade de que ele venha a facilitar o acesso aos dados das famílias,
entretanto ainda não se sabe como se dará a organização quanto a utilização e controle desses
prontuários.
É portanto diante de uma organização própria que os profissionais do CRAS,
mediante a construção de estratégias de ação a partir dos recursos disponibilizados ou não
pela gestão local, devem buscar desenvolver suas ações.
Sobre os serviços a serem desenvolvidos na instituição as profissionais entrevistadas
destacam: Cadastro Único dos programas Sociais, referenciamento dos serviços do PAIF,
inclusão e renovação cadastral do bolsa família, acompanhamento familiar com atendimento
individualizado ou em grupo, busca ativa, palestras e oficinas com grupos do serviço de
convivência e fortalecimento de vínculos.
No que tange aos serviços referenciados atualmente pelo CRAS Pajuçara, foram
destacados o PRO JOVEM adolescente-15 a 17 anos (parado devido a problemas de contratos
e alugueis da prefeitura municipal), Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos
(parado devido aos mesmos motivos do serviço anterior) e o projeto Projeto Vira Vida-
SENAC, que atende a indivíduos de faixa etária entre 15- 21 anos retirados de situação de
exploração sexual. O projeto visa a capacitação profissional e inclusão no mercado de
53
trabalho, ofertando bolsas para o período de capacitação. É executado pelo sistema “S” em
parceria com a prefeitura do Natal (em funcionamento).
Dos grupos que deviriam funcionar no CRAS, de acordo com o que coloca a
SEMTAS, temos atualmente em funcionamento no CRAS Pajuçara somente o grupo de
idosos. Os demais não estão funcionando devido à falta de recursos do município, existindo a
expectativa de que retomem os trabalhos no segundo semestre deste ano.
A instituição realiza ainda diversos encaminhamentos, destacado-se por sua maior
incidência os relacionados à prática jurídica, serviços de saúde para atendimento psicológico,
e benefícios do INSS (Instituo Nacional de Seguridade Social), principalmente referente à
redução da contribuição previdenciária para dona de casa.
As visitas domiciliares realizadas pelo CRAS têm priorizado o acompanhamento das
famílias cadastradas no PAIF, análise das condicionalidades do programa Bolsa Família e do
BPC ou os encaminhamentos de outros órgãos, não necessariamente nesta ordem de
prioridade. Elas variam conforme as necessidades identificadas, bem como dependem da
disponibilidade dos veículos da secretaria municipal de assistência social, visto que o CRAS
não possui veículo exclusivo para subsidiar suas ações.
O esforço em desenvolver as ações de forma qualificada e competente ficou evidente
por parte dos profissionais da unidade, que se articulam como podem para manter a unidade
em funcionamento, mesmo diante das ausências. Isto ficou evidenciado em diversas falas, na
qual eles expressam a falta de recursos humanos e materiais, bem como falta de apoio para
desenvolver a própria estrutura organizativa do CRAS, ficando a cargo dos mesmos além das
suas atribuições e competências, a construção coletiva de estratégias para manter a unidade
em funcionamento. Mesmo tendo a consciência de que as ações estão longe do ideal, eles
acreditam que estão realizando aquilo que se encontra diante de suas possibilidades.
Mas para além das possibilidades dos profissionais, mediante estas condições em que
se inserem, está o atendimento e acompanhamento das famílias na perspectiva de viabilização
de respostas efetivas as suas demandas, pois, sem a participação efetiva do Estado, teremos
apenas as demandas se voltando para elas mesmas.
A importância da família e de suas demandas será tratado a seguir, mediante a
centralidade dada a esta na PNAS.
54
3.3 A CENTRALIDADE DA FAMILIA NA PNAS
A família como uma forma de organização social se construiu historicamente,
configurando-se como lócus privilegiado dos primeiros processos de socialização do
indivíduo. Através da identificação entre realidade objetiva e a subjetividade, constitui-se o
processo de contribuição para construção da identidade social do indivíduo, formado a partir
de um contexto mais amplo de relações sociais que moldam e sustentam o processo inicial.
(MACIEL, 2002)
Desde as sociedades antigas a proteção social se apresenta como modo de regulação
da vida social, no intuito de promover subsistência aos desamparos, realizando-se por meio de
redes de solidariedade e ajuda mútua no interior das famílias, que tinha por base as relações
de gênero e gerações. Tais práticas possuíam fortes significados na regulação das relações
sociais. (COSTA, 1995 apud LIMA, 2006).
Nesse sentido a família vem sendo historicamente compreendida através das suas
funções sociais referentes ao processo de socialização de seus membros. Entretanto, é
necessário desmistificar a identificação destas funções como formadora de indivíduos prontos
para uma vida saudável em sociedade.
Podemos tomar a família como lócus privilegiado de proteção social se considerarmos
que desde suas origens a ajuda mútua entre os indivíduos se fez presente, porém, na
identificação do nível de proteção social de seus membros torna-se necessário a análise dos
diversos fatores que incidem sobre eles, visto que o papel da família na proteção social não é
algo pré- determinado, ao contrário, possui determinantes sócio-históricos.
Lima (2006) aborda esta concepção, e evidencia que a família é uma instituição que
carrega as contradições da sociedade, devendo ser evidenciada para além de suas instâncias
privadas. Segundo a autora, para compreender as particularidades presentes na família é
necessário a identificação dos múltiplos determinantes que se colocam na esfera do público,
que estão refletindo sobre o privado, e que vem promovendo as transformações que esta
instituição vem passando ao longo da história, em que:
Dessa forma, depreende-se, que se por um lado as mudanças atuais são
propulsoras de maior liberdade e autonomia dos indivíduos no âmbito
familiar, por outro elas tornam mais frágeis as organizações familiares no
que se refere ao desenvolvimento das funções de cuidado e proteção social,
pois a família pode contar menos com a rede familiar. (LIMA, 2006, p. 11)
55
Ainda sobre o papel da família na provisão de proteção social nas sociedades antigas,
Lima (2006) aponta que derivava desta a maior responsabilidade, ficando a cargo da
sociedade somente quando os recursos da família se esgotavam, tornando-se então um
problema de ordem pública, na qual outras instituições como a igreja passavam a intervir,
através de ações regidas por princípios morais e caritativos. Foi, portanto, somente no século
XX que a proteção social deixou de se configurar como prática de caridade, passando a ser
reconhecida como responsabilidade pública e direito do cidadão.
Partindo da constatação de que a família vem sendo tratada como base estratégica das
políticas sociais, vemos a importância que lhe é atribuída até os dias de hoje como espaço de
socialização do indivíduo, construção do bem-estar, e mais especificamente, como agente
privado de proteção social. As políticas cada vez mais se estabelecem para buscar atender as
suas limitações e possibilidades enquanto organização social privilegiada neste sentido,
entretanto, mais do que ser compreendida em seus aspectos privados, a família necessita de
uma compreensão ampla quanto às inflexões e marcas que estas sofrem a partir da sociedade e
de suas transformações políticas, sociais e econômicas.
Visto que para proteger a família precisa ter garantido condições mínimas de bem-
estar, o lugar ocupado por esta instituição na provisão da proteção social é, neste sentido, um
reflexo da conjuntura econômica, que determina a formatação dos padrões de proteção social
adotados pelo Estado. Ainda na perspectiva de Lima (2006), é o Estado que determina a
intensidade das funções da família, a partir do momento que ele se torna mais ou menos
atuante, na qual esta emite respostas de acordo com suas necessidades e especificidades.
Sendo assim, vivenciamos mediante a adoção de um Estado neoliberal, já
contextualizado nessa produção anteriormente, a insuficiência de serviços de proteção social,
na qual, conforme afirma Lima (2006) prevalece o apelo aos mecanismos de solidariedade,
buscando-se assegurar a proteção social, e conseqüentemente a coesão social, através da
família, como sendo esta a responsável pela garantia de fortalecimento de vínculos de seus
membros.
O direcionamento de políticas voltadas para a família sem análise do contexto sócio-
político e econômico nos leva a crer erroneamente que se encontra nesta instituição a solução
de seus próprios problemas, entretanto, o conhecimento mínimo das condições de vida das
famílias demandantes de serviços de proteção social nos mostra que estas se inserem em um
ciclo de privações de direitos e acesso à necessidades básicas, na qual a ênfase no
desenvolvimento de suas potencialidades irá fragilizar ainda mais sua capacidade de proteção
social.
56
É neste sentido que cabe aqui problematizar a família e sua importância social para
além da unidade privada, como instância que sofre as refrações da dinâmica da realidade
social e que necessita de políticas públicas que garantam a emancipação dos indivíduos, a
atenção integral às suas necessidades e conseqüentemente, o acesso aos direitos e à cidadania.
Assim, ao definir a família como eixo estruturante das ações socioassistenciais, a
PNAS 2004 afirma que na busca de analisar suas demandas, parte de um olhar que capta a
realidade social, compreendendo os sujeitos como partes da situação social coletiva, e
buscando a partir disto promover a proteção social mediante o conhecimento dos riscos
sociais e das possibilidades de enfrentá-los. Considera também as particularidades de cada
indivíduo e família, entendendo suas necessidades e possibilidades para o desenvolvimento
das capacidades possíveis, diante de suas fragilidades advindas das situações vividas e do
desejo de superar a situação.
A partir desta visão para a promoção da proteção social é possível afirmar que a PNAS
busca considerar para a viabilização dos direitos relativos à Assistência Social as pessoas, as
circunstâncias em que estas se inserem, e o seu núcleo de apoio, a família.
Nesse sentido, se analisar-mos os objetivos de cada um dos programas desenvolvidos
no âmbito dos níveis de proteção social contemplados a partir da gestão do SUAS, veremos
que a ênfase na família será evidenciada, pois é a partir deste eixo que se desenvolvem as
ações da PNAS, compreendendo-a como instância primeira de proteção social e
considerando-a como um espaço privilegiado de relações sociais, tanto no que se refere a
subjetividade dos sujeitos, seus modos de vida, quando nas inflexões da vida em sociedade
sobre as mesmas.
Para justificar a adoção da centralidade da família em suas ações, a PNAS destaca as
incidências das transformações da sociedade na esfera privada, que acentuam o processo de
exclusão e a fragilidade das famílias na promoção do seu insubstituível papel de proteção e
socialização primária, que dada a sua importância na vida social, é também merecedora de
proteção, pois se constitui por sujeitos de direitos.
É, portanto, a partir desta concepção que a PNAS tem primazia das ações na
matricialidade sócio-familiar, conceituando-as como tal independente de seus formatos e
modelos, afirmando que seus arranjos são dialéticos e condicionados pelas transformações
societárias, em que:
O novo cenário tem remetido à discussão de que a família, uma vez que as
três dimensões clássicas de sua definição (sexualidade, procriação e
57
convivência) já não tem o mesmo grau de imbricamento que se acreditava
outrora. Nesta perspectiva, podemos dizer que estamos diante de uma
quando encontramos um conjunto de pessoas que se acham unidas por laços
consanguíneos, afetivos e, ou, de solidariedade. (BRASIL, 2005, p.41).
A família para a PNAS é tida, portanto, como espaço contraditório, mediadora de
relações sociais e geradora de modos de vida, que expressam os conflitos da dinâmica
cotidiana, além de não serem imutáveis, pois estão condicionadas pelas transformações
societárias.
Ao definir família respeitando e incorporando em seu conceito as modificações por
que esta veio passando ao longo da história, seja por fatores sociais ou culturais, a PNAS
afirma direcionar seu trabalho para as necessidades das famílias em sua integralidade, ou seja,
com foco em seus membros, respeitando as diferentes dinâmicas familiares, entretanto, sem
isolar o indivíduo, compreendendo-o dentro de um contexto sócio-familiar.
A partir disto, os princípios da PNAS colocam as famílias no centro das ações
justificando que pautando-se nas necessidades das famílias e de seus membros torna-se
possível superar a focalização dos serviços, visto que as ações com base na família irão
possibilitar as condições de sustentabilidade para que esta venha a prevenir e proteger, e nessa
lógica a PNAS irá tornar possível tanto o fortalecimento dos vínculos familiares, quanto o
direito a convivência familiar.
Sendo assim, a política traz o objetivo de desempenhar o papel de promover a
emancipação dos sujeitos coletivos e a extensão dos direitos, estando os serviços
socioassistenciais articulados em torno da família com este objetivo.
Entretanto, no próprio texto da política, encontramos afirmações em que a
matricialidade da família reforça a universalidade do acesso, no sentido de que as
transformações contemporâneas resultam em mudanças radicais nas organizações das
famílias, aonde estas, em seus aspectos negativos, fragilizam os vínculos entre os indivíduos,
tornando-as vulneráveis. Nesse sentido, sob a óptica do Estado, a PNAS busca superar a
focalização dando ênfase na família como detentora de capacidade de prevenir, promover e
proteger os seus membros.
Dentre os diversos momentos em que o texto da PNAS 2004 confirma o
posicionamento acima mencionado, destacamos:
Uma visão social capaz de entender que a população tem necessidades, mas
também possibilidades ou capacidades que devem e podem ser
desenvolvidas. Assim, uma análise situacional não pode ser só de ausências,
58
mas também das presenças e até mesmo como desejos em superar a situação
atual. (BRASIL, 2005, p. 15)
E ainda reafirma “Uma visão social capaz de identificar forças e não fragilidades que
as diversas situações da vida possua”, bem como diante das três vertentes de proteção social
destaca “as pessoas, as suas circunstâncias e dentre elas seu núcleo de apoio primeiro, isto é, a
família.” (BRASIL, 2005 p. 15).
Essa condição da política pode ser observada ainda em seus níveis de proteção social,
na qual a PSB busca evitar que a fragilidade da família comprometa seus laços de
solidariedade, atuando na tentativa de fortalecê-los, enquanto que na PSE tem-se uma
tentativa de unificar os laços que já foram rompidos, com o mesmo intuito da proteção
anterior.
A partir disto, fica evidente que o Estado atua em uma perspectiva de falência das
famílias, em que as ações desenvolvidas no âmbito do SUAS tem como finalidade garantir
condições de sustentabilidade para tal, afim de que esta não venha a ficar impossibilitada de
prover as necessidades sociais de seus membros, momento este em que o Estado irá atuar.
Mais do que alvo das políticas sociais a partir da identificação de suas necessidades e
demandas, a família torna-se o elemento essencial para o desenvolvimento da política, pois
configura-se como o sujeito ativo das suas ações.
Mioto (2011) nos mostra que esta forma de conceber a relação família- proteção social
se gestou no bojo do desenvolvimento da sociedade capitalista, através da separação entre
casa e empresa, produção e reprodução, e a partir disto, observou-se a responsabilzação das
famílias por problemas e conflitos gerados na esfera da produção, tratando estes como se não
possuíssem relação com a gênese questão social. E complementa a autora:
Nessa perspectiva é que a família, no contexto da proteção social, vem sendo
resgatada e responsabilizada como instancia principal pela provisão do bem-
estar desde os anos de 1970. Nesse sentido, o que se observa atualmente é
que a falta de integração numa sociabilidade sócio-familiar ou a imersão
numa sociabilidade sócio-familiar vista como problemática, são entendidos
como fatores de risco e passam a ser um foco importante de preocupação das
políticas sociais. [...] Os valores familiares tendem, assim, a ser outra vez
enaltecidos. (MIOTO, 2011, p. 111-112)
Nesse sentido, identifica-se a estratégia de desresponsabilização do Estado diante das
seqüelas da questão social, em que a centralidade da família propaga a visão de que a
superação dos problemas sociais estaria neste mesmo âmbito.
59
Para Lima (2006) as sociedades historicamente tem se pautado na concepção de
mínimos sociais8 para a provisão do bem estar social. Isto reflete diretamente na condição das
políticas sociais, configurando-as como seletivas, minimalistas e focalizadas, em que estas
possibilitam apenas o mínimo para a sobrevivência, enquanto que espera-se do beneficiário o
máximo de suas potencialidades para que este deixe de ser usuário do sistema de proteção
social.
Costa e Aguiar em sua publicação “Centros de Referência da Assistência Social-
CRAS: Materializações e contradições da Política Nacional de Assistência Social” destacam
que a PNAS argumenta que a centralidade da família se configura como uma estratégia de
enfrentamento à questão social que não é fragmentada, entretanto verifica-se no cotidiano
uma abordagem da problemática da criança, do idoso, da mulher, de maneira isoladas,
configurando-se como além de individualistas, redutivistas, pois passam a não contemplar
suas relações com determinações estruturais e conjunturais da sociabilidade capitalista.
Há, portanto, uma disfunção clara entre as pretensões da política, com relação ao
objetivo de suas ações, com o que se aplica a realidade, pois a partir desta concepção de
Estado subsidiário tem-se ações temporárias e compensatórias.
A intervenção sob a lógica de serviços geralmente possui essa característica, de
orientar-se para as famílias que falharam no cuidado e proteção dos seus membros, na qual as
formas de intervenção direcionam esforços cada vez mais para a contração de danos.
(MIOTO, 2004)
Enxergar a importância da centralidade da família, não na perspectiva de falência, mas
sim na perspectiva de Estado como principal instância de proteção social, vendo esta como a
maneira em que se garante proteção social de fato, sem responsabilizar os indivíduos pelos
problemas sociais, que são gerados pelo plano econômico, fazendo análise das necessidades
sociais das famílias em sua totalidade é o desafio que se coloca para a concretude da
assistência na perspectiva dos direitos sociais.
Aos que se encontram na linha de operacionalização da política, faz-se necessário uma
constante reflexão crítica, que irá subsidiar a compreensão de que para as ações direcionadas
as famílias se configurem no sentido de construção da cidadania e defesa de direitos, tal como
8 Lima (2006) toma por base a concepção abordada por Pereira (2002) na qual os mínimos sociais se configuram
como uma noção heterogenia, de acordo com questões políticas, sociais e culturais de cada país, sendo mais
comumente identificado em países de orientação neoliberal. Nestes, os mínimos sociais se revestem de um
formato de recursos mínimos, enquanto que as políticas sociais a partir desta concepção de provisão do bem-
estar vai destinar-se somente aqueles que se encontram nas piores condições de vida. Nesse sentido, a partir da
noção de mínimos sociais para a proteção social, não se concebe se quer as condições básicas de vida, dentro de
patamares adequados de bem-estar social. Lima, 2006, p. 50.
60
se propõe a PNAS, é necessário evidenciar os problemas que eclodem no contexto da família
como expressão das contradições da sociedade. É o que aponta Mioto (2004), como forma de
possibilidade para o trabalho com famílias:
Ao eixo do conflito e das transformações estariam vinculadas as ações
direcionadas às famílias, enquanto sujeitos sociais, objetivando a construção
da cidadania e a defesa de seus direitos. Dessa forma, as condutas,
dificuldades, e problemas expressos pelas famílias enquanto grupo ou pelos
seus membros são interpretados como expressão de conflitos instaurados no
contexto de uma dinâmica familiar. Porém, tal dinâmica é recorrente de uma
história e de uma estrutura familiar, profundamente marcada pelas
contradições de uma sociedade em um determinado momento histórico. Daí,
a postulação de um processo de intervenção integrado que contemple as
ações em diferentes níveis, a saber: o da proposição, articulação e avaliação
das políticas sociais; o da organização e articulação de serviços; e o da
intervenção em situações familiares (intervenção direta). (MIOTO, 2004, p.
11-12)
Portanto, para a apropriação dos avanços obtidos com o direcionamento dos serviços
para as famílias e seus membros, torna-se essencial a compreensão de que a centralidade da
família materializada no SUAS não pode esgotar-se em si mesma, sendo necessário a
compreensão das relações sociais em sua totalidade, identificando as relações que eclodem no
seio familiar como expressões fenomênicas dos conflitos da sociedade como um todo.
61
4 FAMÍLIA: CONCEPÇÕES, FORMAS DE ORGANIZAÇÃO E DEMANDAS
Com o intuito de reafirmar a importância de um Estado garantidor de proteção social,
este capítulo apresenta no ponto 4.1 As novas configurações familiares e a busca por
proteção social as transformações históricas pela qual vem passando o conceito de família,
mediante as refrações incidentes da realidade social na esfera privada, que refletem na
maneira pela qual esta instituição vem se reorganizando na busca pela efetivação de suas
funções sociais, compreendidas aqui a partir de suas necessidades socioeconômicas.
Inicialmente abordo um retrato histórico das transformações na família, mediante a
construção de Gueiros (2002) para caracterizar a família moderna. Posterior a este período,
com base em Lima (2006) e Sarti (2008) destaco o contexto contemporâneo em que a família
se insere, e que possibilitou uma abordagem que supera sua conceituação de maneira rígida e
funcionalista. A partir das modificações sociais que condicionaram a sua diversidade de
configurações familiares, aponto para a organização interna de suas estruturas, na busca pela
efetivação de suas funções sociais, determinados pelo posicionamento do Estado quanto às
responsabilidades colocadas sobre a família, trazendo para tanto reflexões de autores como
Gueiros (2002) e Carvalho (2008).
A partir da trajetória vivenciada pela instituição família, na busca por proteção social,
apontamos no ponto 4.2 O Atendimento das demandas pela Proteção Social Básica (PSB) em
Natal e o papel do Serviço Social, a partir dos dados coletados em pesquisa de campo, como o
modo de promover proteção social adotado pelo Estado esta refletindo nas respostas dadas às
demandas. Para tanto, realizamos neste capítulo uma breve contextualização da trajetória do
Serviço Social enquanto profissão, e encerramos o capítulo refletindo sobre o papel do serviço
social diante das suas demandas, expressando as possibilidades de trabalho do profissional e
os limites impostos pela realidade vivenciada, a luz do código de ética profissional.
4.1 AS NOVAS CONFIGURAÇÕES FAMILIARES E A BUSCA POR PROTEÇÃO
SOCIAL
Considerando que as refrações da realidade social incidem diretamente sobre as
formas em que a família vem se organizando ao longo das décadas, expressando que suas
62
necessidades estão diretamente vinculadas a contextos históricos específicos, mostra-se
necessário para a compreensão da importância do Estado na provisão da proteção social das
famílias problematizar esta instituição, conforme evidenciado no capítulo anterior, para além
da unidade privada, abordando para tanto as transformações históricas pela qual esta vem
passando, na busca pela garantia de suas necessidades socioeconômicas.
Para elucidar um pouco do processo histórico de transformação pela qual vem
passando a família, abordamos uma retrospectiva construída por Gueiros (2002) com base em
Áires (1981). A autora aponta que até o século V a família era uma instituição sem
expressividade, ganhando força somente a partir das preocupações com divisão de patrimônio.
A partir do século XV as crianças do sexo masculino começam a freqüentar escolas e a
família passa a se concentrar em torno delas, para a transmissão de conhecimentos entre as
gerações. Entre os séculos XIV e XVII mudanças na família medieval formalizam a
incapacidade jurídica da mulher e normatizam a soberania do homem nas relações familiares.
A supremacia do gênero masculino fica evidente quando levamos em conta que a mulher só
passa a ter acesso à escolaridade entre os séculos XVIII e XIX.
A autora referida nos mostra que o surgimento da família moderna está vinculado ao
enfraquecimento das características da idade média, e trouxe como transformações para a
família a separação entre o público e o privado, com ênfase na privacidade dos indivíduos,
provocando mudanças no cotidiano destas. Tais mudanças atingem todas as camadas sociais
somente a partir do século XVIII. (GUEIROS, 2002)
O século XIX, através do processo de modernização e participação do movimento
feminista passa a possibilitar o questionamento do modelo patriarcal de família, na qual os
papeis entre os gêneros e as fronteiras entre público e privado são definidos de forma rígida.
Ganha espaço então, o desenvolvimento da família conjugal moderna, aonde “o casamento se
dá por escolha dos parceiros [...] tendo como perspectiva a superação da dicotomia entre amor
e sexo e novas formulações para os papeis do homem e da mulher no casamento” (GUEIROS,
2002, p. 107)
Especificamente no contexto brasileiro, o período colonial nos séculos XVI e XVII
esteve vinculado a um modelo de família patriarcal com papel dos sexos bem definidos, na
qual o homem era protetor e provedor.
Vignoli (2007) aponta que, embora este modelo definisse a legitimidade da família,
variações já existiam, e foram intensificadas com a mudança do eixo econômico para a região
mineradora por volta de 1690. A migração das populações mais pobres provocou a
intensificação da vida urbana, aumentaram o número de concubinatos, filhos ilegítimos,
63
mulheres exercendo atividades econômicas e assumindo papel de provedoras da família, e
paralelo a intensificação das transformações econômicas, modificaram-se as relações
familiares.
Esse processo de modificações prossegue no século XVIII, com declínio das
atividades rurais, e no século XIX, com o desenvolvimento econômico da cafeicultura, e em
fins deste século com o desenvolvimento da industrialização no sul do país.
Todo este curso propiciou a transição da sobrevivência que antes era baseada na economia
familiar, para a dependência do trabalho, através do rendimento individual, na qual a família
foi perdendo a sua capacidade detentora dos meios de produção, passando a ser uma unidade
produtiva em meio a uma sociedade capitalista. (VIGNOLI, 2007)
O aumento da participação das mulheres no mercado de trabalho se acentuou, porém
através de setores informais. Estas buscavam reforçar ou manter o orçamento familiar, e foi
neste contexto de industrialização e urbanização que a abertura de postos de trabalho
ocupados por mulheres propiciou um movimento pela emancipação destas, como titulares de
direitos civis, políticos e sociais, através dos movimentos feministas da década de 1960.
(Vignoli, 2007, p. 27, 28) Para Samara (2002, p. 6):
Assim, especialmente no meio urbano, os papeis informais, embora não
oficialmente reconhecidos e pouco valorizados integravam a vida cotidiana,
servindo também para desmistificar, no sistema patriarcal brasileiro, o papel
reservado aos sexos e à rígida divisão de tarefas e incumbências. (p. 6)
Esse processo se vinculou aos posteriores avanços tecnológicos que acarretaram,
principalmente a partir do século XX, em importantes transformações que se materializaram
nas estruturas familiares da sociedade brasileira.
Para caracterizar a família em um contexto mais contemporâneo, Lima (2006), aponta
que a década de 1970 se destaca quanto aos estudos sobre a família, pois se configurar como o
momento em que este debate passa a dar maior visibilidade a outras formas de organização,
para além do modelo nuclear burguês, na qual a família se constitui pela presença do pai, mãe
e filhos.
As polêmicas desenvolvidas em torno desse debate possibilitou a consideração de que
a instituição família não se encontra em falência, como muitos consideraram, ao contrário, ela
espelha outros arranjos antes não conceituados, devido principalmente a cristalização da
64
leitura funcionalista9 desta instituição, que buscaram tipificar a família em modelos rígidos
cuja importância fundamental era a integração social dos indivíduos.
O que se quer afirmar a partir de novas leituras sobre os arranjos familiares é que a
instituição não só se mantem com o passar das épocas, como também absorve as mudanças da
realidade em sua estrutura e forma de organização.
A conjuntura atual reafirma as considerações acima elencadas, pela qual a família se
coloca em constante processo de modificações a partir da realidade, pois as mudanças
aceleradas em todo o mundo, mediante o processo de globalização, vem cada vez mais
intensificando o avanço cientifico e tecnológico, penetrando em todas as esferas das relações
sociais e provocando mudanças de práticas e hábitos. (LIMA, 2006)
Em consonância com este debate, Sarti (2002) afirma em seus estudos sobre os
padrões de famílias nas últimas décadas que as mudanças nas formas de relacionamento estão
diretamente vinculadas às mudanças tecnológicas, pois, segundo a autora, atrelado a
diferentes momentos históricos estão diferentes necessidades que incidem sobre as
concepções de família cristalizadas na sociedade, sejam elas instituídas por dispositivos
jurídicos, religiosos, ou outros, que constituem modelos de como é e de como deve ser a
família, na qual possuem como referência para tais definições de seus modelos uma visão
baseada nas leis da natureza. Para a autora:
Desde a revolução industrial, que separou o mundo do trabalho do mundo
familiar e instituiu a dimensão privada da família contraposta ao mundo
público, mudanças significativas a ela referentes relacionam-se ao impacto
do desenvolvimento tecnológico. (SARTI, 2008, p.21)
A exemplo disso temos a noção de reprodução humana vinculada a escolha, com base
nas tecnologias de anticoncepção e reprodução assistida, que contraria a noção dada pela
condição de reprodução de acordo com a natureza, e que possibilitou as transformações do
papel que a mulher assume hoje na sociedade, bem como nas formas de organização social
das famílias. Em 1980 novas tecnologias reprodutivas dissociaram a noção de reprodução
baseada nas relações entre homem e mulher, e novas mudanças substantivas foram
apresentadas para a identificação do conceito de famílias. Somado a isto temos os avanços na
legislação, que tenta superar as noções patriarcais de família, tornado a sociedade conjugal
9 Segundo a teoria funcionalista durkheiminiana, família é naturalizada como um fato social para integração dos
indivíduos, mantida em meio a solidariedade, aonde os indivíduos estabelecem uma relação de dependência
entre si, cada um assumindo seu papel pré-determinado pela condição de gênero. Esta perspectiva teórica coloca
a família na condição de uma relação integrada e harmônica, ausente de conflitos e transformações. (LIMA,
2006, p. 19)
65
compartilhada entre homens e mulheres, a afirmação das crianças como sujeitos de direitos,
segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a paternidade comprovada por DNA,
além das diferentes relações conjugais que se estabelecem.
Vale ressaltar que a incidência dos avanços tecnológicos nas formas de organização
familiar, e na superação do modelo patriarcal de família, teve maior espaço para se reafirmar
devido a uma característica primordial da modernidade, que é o processo de individualização,
pois, foi devido a este fator que consolidou-se a condição de sujeitos de diretos, ampliando a
autonomia e independência desses indivíduos, desbancando assim, a autoridade patriarcal, e
abrindo então os espaços necessários para relações democráticas no seio familiar, no que
tange a modos de vida, diferenças étnicas, de gênero e de gerações. (LIMA, 2006)
Em artigo publicado na revista Serviço Social & Sociedade, Kaslow apud Szymansky
(2002) apresenta tipos de composição familiar que podem ser consideradas família:
1) Família nuclear incluindo duas gerações, com filhos biológicos;
2) Famílias extensas, incluindo três ou quatro gerações;
3)Famílias adotivas temporárias(Foster);
4)Famílias adotivas, que podem ser bi- raciais ou multiculturais;
5) casais;
6) Famílias monoparentais, chefiadas por pai ou mãe;
7) Casais homossexuais com ou sem crianças;
8) Famílias reconstituídas depois do divorcio;
9)várias pessoas vivendo juntas, sem laços legais, mas com forte
compromisso mutuo. (KASLOW, 2001, p. 37 apud SZYMANSKY, 2002,
p.10)
Diante das modificações históricas elencadas é possível, portanto, compreender a
família como um conceito não rígido, como algo que se modifica a partir do que é atribuído
por quem a vive, como algo simbólico, que segundo Sarti (2002) é:
Uma abordagem de família como algo que se define por uma historia que se
conta aos indivíduos, ao longo do tempo, desde que nasceram, por palavras,
gestos, atitudes ou silêncios, e que será por eles reproduzida e ressignificada,
à sua maneira, dado os seus distintos lugares e momentos na família. Dentro
dos referenciais sociais e culturais da nossa época e de nossa sociedade, cada
família terá uma versão da sua historia, a qual dá significado à experiência
vivida. (SARTI, 2002, p. 26)
Tal concepção, diante da multiplicidade dos arranjos familiares, permite o
entendimento da realidade dos sujeitos, em sua singularidade, sem desvinculá-lo da totalidade
em que o mesmo está inserido e que lhe condiciona a determinado modo de produção e
reprodução social.
66
É, portanto, esta singularidade dos sujeitos, determinada pelo lugar ocupado pelos
mesmos, dentro de suas particularidades, que nos permite elucidar, a partir do processo
histórico que vem alterando o modelo patriarcal que envolvia a organização familiar, que tais
modificações não se deram de forma linear, sendo vivenciadas de diferentes formas nas
diferentes camadas sociais.
Nesse sentido, Gueiros (2002) fala de uma coexistência entre os modelos patriarcal e
conjugal, em que determinados traços de um ou de outro predominam sobre os demais, a
depender da camada social que venha a pertencer a família, havendo uma tendência de que o
modelo patriarcal seja referência para as famílias de camada baixa, enquanto que o modelo
conjugal seria idealizado pelas camadas média e alta.
Há ainda que se evidenciar outros elementos da modernidade que também
contribuíram para que se estabelecessem relações assimétricas nas relações familiares.
Arraigada (s/d) aponta as mudanças no processo produtivo, desde as sociedades agrárias,
passando pela industrialização e mais recentemente pelo processo de mundialização da
economia. Aponta ainda a concentração da população urbana, o aumento na expectativa de
vida, os padrões de consumo, e acesso a bens e serviços sociais (saúde, educação e assistência
social), como fatores responsáveis pelas transformações societárias, na qual a família se
insere. (ARRAIGADA, s/d apud LIMA, 2006)
Importante ressaltar, como nos mostrou Gueiros (2002) fazendo referência aos
modelos patriarcal e conjugal, que o acesso à riqueza socialmente produzida também se
materializa nas organizações familiares de maneira diferente a depender das camadas sociais,
visto que estes bens e serviços se configuram na realidade das famílias de camadas baixas
através de políticas seletivas e fragmentadas ofertadas pelo Estado, conforme sinalizado no
primeiro capítulo deste trabalho, através das tendências para as políticas sociais. Essa
diferenciação só ressalta que as classes subalternas são as mais afetadas pelo padrão de
proteção social atual.
A partir dos fatores acima mencionados, que são apenas alguns no universo das
transformações dialéticas da sociedade, podemos afirmar ainda que tais fenômenos, diante da
sua diversidade, multiplicam-se por vezes, pois se apresentam de maneiras distintas nos
diferentes segmentos da nossa sociedade desigual, e que por este motivo não se pode
enquadrar a realidade cotidiana das famílias em determinado modelo, pois as relações
familiares vivenciadas por estes são diversas e definidas por diferentes elementos sociais,
culturais, políticos e econômicos.
67
Sendo assim, depreende-se que as mudanças da sociedade contemporânea afetaram
três dimensões que definem família: sexualidade, procriação e convivência. O que para Lima
(2006) nos remete a uma multiplicidade de formas de se conceber a família, pois modificou-
se as estruturas e as relações. Entretanto, o que permanece mesmo diante da diversidade de
configurações é o lugar de desenvolvimento humano e preservação da vida, ou em outras
palavras, a função social inerente a família, independente de sua heterogeneidade de arranjos.
Foi, portanto, nesse contexto de transformações sociais e econômicas, e
conseqüentemente, de modos de vida, que a estrutura e organização familiar ganhou diversos
formatos com uma ressignificação do papel masculino e feminino na dinâmica familiar,
abarcando novos arranjos, e que diante de uma sociedade com distribuição desigual da
riqueza, chega até as famílias pobres expondo-as às situações de privação, tornando-as mais
frágeis e expostas para efetivarem o papel social que lhes é atribuído.
Assistimos nas décadas atuais uma ênfase na responsabilidade da família no que tange
a produção e reprodução social, assemelhando suas responsabilidades as elencadas pelas
políticas sociais, colocando tais políticas num patamar de compartilhamento entre Estado e
família, sendo esta última co-responsável pelo desenvolvimento dos cidadãos. Para Carvalho:
É bom lembrar que tanto a família quanto o Estado são instituições
imprescindíveis ao bom funcionamento das sociedades capitalistas. Os
indivíduos que vivem em sociedade precisam consumir, além de bens e
mercadorias, serviços que não podem ser obtidos pela via do mercado. Para
alguns destes, dependem dos serviços públicos ofertados pelo Estado; outros
bens e serviços dependem da família, pela via de sua condição de provedora
de afeto, socialização, apoio mútuo e proteção.( CARVALHO, 2008, p.268)
A autora acima reafirma que tanto a família quanto o Estado, em seus respectivos
espaços atuam na regulamentação e normatização das relações, redistribuindo bem- estar,
trabalho e recursos. Entretanto, Lima (2006) ressalta que as contradições entre o que expressa
as legislações e o direcionamento que vem tomando as políticas de proteção social no nosso
país, somada as transformações econômicas, que enfatiza o empobrecimento da população e o
agravamento das expressões da questão social que atingem sobremaneira as famílias mais
pobres, demonstra que o suporte para o bem-estar destas famílias precisa ser integral,
viabilizando acesso a direitos primordiais para condições mínimas de sobrevivência, pois
esses elementos são essenciais para manter a famílias protegidas nas suas relações intra-
familiares, e só então estas tornam-se capazes de operacionalizar suas funções sociais.
68
Em consonância com a necessidade de promoção das condições necessária para a
emancipação da família, no sentido de efetivar suas funções sociais, Carvalho (2002) aponta
que a família expressa as relações de inclusão na vida em sociedade, no tempo em que
assegura aos indivíduos a segurança de pertencimento social, principalmente no momento em
que lhes faltam um outro elemento integrador, que é o trabalho. Entretanto, o equívoco das
políticas tem sido disponibilizar uma assistência compensatória, que não investe na autonomia
do grupo familiar, e não compreende que as suas condições de vida se transformam em
vulnerabilidades que refletem no desenvolvimento de suas potencialidades. Para Gueiros
(2002):
A família, ao longo da história moderna, foi se caracterizando como espaço
de inserção e apoio ao individuo, embora não se negue também a existência
nela da reprodução das desigualdades e da violência. Além disso, nas últimas
décadas, a sociabilidade familiar parece estar sendo ainda mais valorizada,
talvez porque o trabalho – assumido historicamente como principal
representante de integração e de acesso à cidadania, apesar de sua dimensão
de exploração – está deixando de fazer parte da vida de muitos indivíduos,
especialmente na condição de emprego, em decorrência de políticas
neoliberais (GUEIROS, 2002, p.118)
Isto se dá pelo fato de as políticas idealizarem um padrão de desempenho para as
famílias, que só poderá ser cumprido no momento em que se considerar que a família
continua sendo um forte agente de proteção social, independente de alterações em sua
configuração, entretanto, para que haja cobrança desta capacidade, deverá haver um forte
apoio para o desenvolvimento deste potencial, conforme afirma Carvalho (2008), deve haver
uma via de mão dupla.
Paralelo às transformações acima mencionadas, dentro de um contexto de caráter
familista de proteção social, baseado na capacidade da família de cuidar e proteger, temos
modificações no que se refere a divisão das responsabilidades econômicas, diante das
dificuldades vividas, principalmente nas famílias pobres, que passam a se organizar em redes
na busca pela provisão de suas necessidades sociais, enquanto que nas famílias de classe
média e alta prevalecem a organização em núcleos.
Na organização em rede, as relações de parentesco se dão de forma horizontal, e se
sobrepõem aos laços consanguíneos, constituindo redes de ajuda mútua, em que os indivíduos
se envolvem em um sistema de obrigações, viabilizando as condições básicas para
sobrevivência diante de suas dificuldades. (SARTI, 2008)
69
É assim que as famílias ultrapassam a noção de agregado doméstico, que compreende
os indivíduos que vivem no mesmo espaço, dividindo o mesmo teto. A família em rede de
relações constitui um sistema de solidariedade entre pessoas que mantem relações sem
necessariamente dividirem o mesmo espaço. (LIMA, 2006)
As redes de solidariedade e ajuda mútua vão se estabelecendo como rede de
obrigações sem se limitar aos vínculos de parentesco, e dessa maneira funcionam como apoio
as funções sócio-econômicas para as famílias pobres, que se encontram mais vulneráveis
diante da ausência do Estado, imersas em um contexto de necessidades sócio-econômicas, que
as deixam expostas ao risco social.
No universo de pesquisa deste trabalho, através do acompanhamento de visitas
domiciliares e de atendimentos individualizados nos deparamos com redes de solidariedade
como alternativas engendradas pelas famílias nos momentos de maior vulnerabilidade em que
se encontravam inseridas.
As situações identificadas destacam que a rede de ajuda vai se tecendo para assegurar
o mínimo de condições de sobrevivência para estas famílias, dentro de uma complexidade das
estruturas familiares e das situações limite na qual as mesmas se inserem, evidenciando
diversas problemáticas sociais, que diante da ausência de suporte do Estado não conseguem se
manter, rompendo seus vínculos e configurando novos contextos de inúmeras violações de
direitos.
Diante das políticas sociais atuais e do enxugamento do Estado, com adoção de um
padrão de “desproteção social” as consequências para o seio familiar ficam evidentes. O atual
formado das políticas sociais impossibilita que o Estado ofereça respostas condizentes com as
expressões diversas da questão social que se fazem presentes na vida dos sujeitos, e colocar a
responsabilidade de instância primeira de proteção social nas famílias acaba indo de encontro
com os interesses de redução do Estado no trato da questão social.
Desta forma, cabe demonstrar a insuficiência do modelo neoliberal adotado pelo
Estado para responder as demandas das famílias que se colocam como usuárias dos serviços
socioassistenciais, visto que estas já se encontram em situação de vulnerabilidade social, e
ainda abarcam uma sobrecarga em que pesa sobre si mesma a responsabilidade para com a
situação socioeconômica de seus membros.
Esta é uma questão que nos leva a refletir sobre os arranjos familiares que vão se
configurando nas camadas mais baixas da nossa sociedade, em que as redes de solidariedade
passam a ser alternativas de sobrevivência diante das refrações da questão social, em que
muitas vezes esta rede encontra-se desprovida das condições necessárias para prevenir,
70
promover e proteger seus membros, e diante da ausência de políticas públicas e das limitações
das mesmas, famílias inteiras ficam sem condições básicas de inserção social e acesso a
cidadania.
4.2 O ATENDIMENTO DAS DEMANDAS PELA PROTEÇÃO SOCIAL BÁSICA (PSB)
EM NATAL E O PAPEL DO SERVIÇO SOCIAL
Com o intuito de delimitar a vinculação histórica da profissão com o campo da
Assistência Social, que se gestou concomitante às suas primeiras ações, consideramos
importante abordar alguns elementos que condicionaram a atual perspectiva de trabalho do
Assistente Social em consonância com a efetivação da Assistência Social em seu caráter atual
de política pública de direito.
O Serviço Social enquanto prática se legitima em nossa sociedade ao responder as
necessidades sociais próprias de determinados contextos históricos, a partir de seus modos de
produção e reprodução social. Partindo desta concepção, cabe aqui, para que possamos
abordar o trabalho do Serviço Social, nos moldes atuais de vinculação a práticas em defesa de
um projeto profissional ético-político e em uma perspectiva crítica de análise da realidade,
levantar uma breve contextualização histórica, situando alguns marcos do desenvolvimento da
profissão, que segundo Iamamoto (2011) se vincula as forças de enfrentamento à questão
social em meio à correlação de forças do processo de lutas de classes, e aprofundamento das
relações capitalistas no nosso país.
Partindo da análise da autora em questão, temos que o Serviço Social se gesta e se
desenvolve enquanto profissão no contexto de afirmação da hegemonia do capital industrial e
financeiro, e emergência das diversas expressões da questão social oriundas desse contexto,
configurando- se esta como a base de sustentação desse profissional especializado.
Mediante a ampliação da intervenção do setor público junto à sociedade civil, balizada
pela expansão crescente do capital e ampliação da desigualdade, a profissão se insere no
Brasil estreitamente ligada à prestação de serviços sociais subsidiadas pelo Estado, bem como
no âmbito do controle da sociedade civil, vinculada a empresas privadas, como trabalhador
assalariado a serviço destas. (IAMAMOTO, 2011)
A autora aponta ainda que as origens da profissão se encontram vinculadas a ação
social da igreja católica, em seu contexto de profissionalização do apostolado social a partir
de uma perspectiva modernizadora. Esta se configura como a fonte de legitimação social da
71
profissão em seus primórdios, pautando o Serviço Social como uma profissão vocacional a
partir de ações de benemerência e filantropia, baseado em uma moral religiosa, dotando – a de
um caráter missionário. É neste contexto que o Estado amplia os espaços de trabalho para este
profissional, cooptando esta para desenvolver as estratégias dos setores dominantes no o
enfrentamento à questão social. (IAMAMOTO, 2010)
Para a autora é através da ação política da igreja católica que a intervenção assistencial
se dará pela via de enquadramento das populações pobres e carentes, com base em um
programa conservador na defesa das relações sociais vigentes, por meio de moças e senhoras
burguesas da sociedade (IAMAMOTO, 2011).
As bases para o surgimento do serviço social no Brasil estão, portanto, vinculadas ao
desenvolvimento da ação assistencialista engendrada pelas elites para o controle da classe
operária emergente, mediante o aprofundamento do capitalismo que requeria uma ação
complementar ao estado coerção, bem como vinculado ao papel assumido pela igreja dentro
do novo contexto da sociedade brasileira.
Segundo Bulla (2003) o contexto de surgimento do Serviço Social enquanto profissão
no Brasil data especificamente da década de 1930, nos marcos de promulgação de políticas
sociais através do governo populista de Vargas, na qual ao mesmo tempo em que ampliava- se
os mercados de trabalho eram criadas as condições para expansão de escolas de Serviço
Social.
Nos marcos do Estado Novo tem-se o aprofundamento das relações capitalistas no
país, com uma política econômica voltada para a industrialização, originando um crescente
proletariado urbano, na qual a integração dessa camada emergente passa a ser vista como
elemento de legitimação dos interesses da burguesia. (IAMAMOTO, 2011)
É neste cenário que se ampliam as instituições assistenciais, legitimando o trabalho do
assistente social dotado de métodos e técnicas, mesmo que ainda vinculado à sua origem
católica. Para Iamamoto (2011) o processo de institucionalização do Serviço Social marca o
processo de profissionalização da categoria, agora remunerada, passando a ser ocupado
também por outros segmentos de classes.
Entretanto, esta atuação com base na visão inicial de preceitos éticos, morais e
filosóficos mostrou- se insuficiente diante da realidade, e a partir da década de 1940 o Serviço
Social busca um aprimoramento técnico e metodológico pautado nas ciências sociais,
passando a sofrer influencias da visão funcionalista norte- americana. (BULLA, 2003)
Na década de 1960 esses fundamentos da prática passaram a ser discutidos, mediante
estudos que revelavam a condição de dependência e subdesenvolvimento da economia do
72
país. O Serviço Social nesse período passa a questionar a situação o seu papel diante da
questão social expressa na sociedade.
A consciência de processos que desafiavam a sua prática profissional fez emergir a
busca de um novo enfoque teórico e metodológico, através do movimento de reconceituação,
propondo uma revisão da teoria, da prática e do ensino da profissão, através da crítica ao
sistema vigente, sob influência de uma perspectiva dialética- marxista (BULLA, 2010)
É, portanto, diante deste longo processo histórico expresso aqui de forma breve e
sucinta, vinculado a construção das políticas sociais, que o Serviço Social construiu sua
história no Brasil, ampliando sua intervenção social, laicizando-se e se desenvolvendo
teóricamente no sentido de enfrentar os desafios impostos pelo aprofundamento da questão
social no contexto da sociedade brasileira, se legitimando socialmente e adentrando como
profissional capacitado para atuar no contexto das políticas sociais emergentes, em detrimento
de suas demandas.
Reconhecendo essa vinculação histórica do Serviço Social na execução de políticas
sociais, bem como a vinculação de sua historia à política de Assistência Social, que passou de
ações de caridade e benemerência ao patamar de direito social, abordamos aqui o papel
ocupado pelo serviço social no contexto do CRAS, e para tanto, analisamos a partir das
percepções dos profissionais assistentes sociais que atuam na instituição, quais as principais
demandas apontadas, os instrumentos movidos para viabilizar respostas condizentes com as
mesmas, bem como o papel ocupado pelo serviço social em meio às dificuldades de
efetivação da sua prática profissional.
Adentrando na realidade do CRAS, e mais especificamente tratando dos atendimentos
realizados pelo Serviço Social na instituição, foi possível observar através da pesquisa
realizada, que estes se processam em sua maioria pela via de demanda espontânea, visto que o
contingente profissional não possibilita a realização plena da busca ativa, que se configura
como uma das atribuições do CRAS para realizar a gestão do seu território e a cobertura das
famílias em situação de risco e vulnerabilidade social, conforme visa o PAIF, e as Normas
Técnicas do MDS.
As demandas espontâneas expressas através da busca das próprias famílias pelos
serviços do CRAS se configuram como a dimensão mais imediata da realidade destas, em
seus contextos de privação de acesso a bens, serviços e direitos, que as colocam as margens
das condições mínimas para o pleno desenvolvimento de suas capacidades.
Podemos afirmar que este fato por si só já compromete, portanto, o alcance dos
objetivos dos serviços ofertados pelo CRAS, que se colocam na tentativa de desenvolver a
73
capacidade e potencialidade das famílias referenciadas nesta instituição. Entretanto, para que
possamos compreender o porquê do atendimento a demandas imediatas, vamos elencar a
realidade vivenciada pelos profissionais nesta instituição.
Na implantação dos CRAS e execução de suas atividades, a gestão local tem se
baseado nas normativas, no que diz respeito a vincular suas ações ao cadastro de programas
de transferência de renda, visto que as visitas domiciliares realizadas, mediante a escassez de
veículos, têm priorizado as listas que chegam até o CRAS para eventuais verificações destes
programas. Ademais, tem-se mantido este como o critério a ser levado em conta, enquanto
que outros índices para levantamento de condições socioeconômicas da população, bem como
levantamento da rede socioassistecial, vem sendo um elemento negligenciado.
Estes elementos deveriam ser levantados anteriormente a implantação do CRAS no
território a fim de possibilitar as ações futuras, tendo sua gestão realizada através da
coordenação da unidade após sua implantação e pleno funcionamento. A ausência deles, no
processo de implantação do CRAS, fragiliza os serviços na unidade, por não garantir um
ponto de partida para a gestão do território por parte de sua coordenação, que diante da falta
de recursos humanos já teria dificuldades por si só de geri- lo,
Para se ter idéia das dificuldades encontradas para a gestão do território e realização da
busca ativa, o CRAS não possui sequer mapa de suas áreas, o que demonstra a ausência de
planejamento para sua vinculação a determinado território, conforme relatado por uma
profissional em entrevista quando questionada sobre os mapas para a identificação das áreas
de abrangência do município. A profissional aponta que o CRAS utiliza um mapa da lista
telefônica, pois a SEMTAS não disponibiliza este importante instrumento de trabalho para a
equipe.
Era obrigação da SEMTAS fazer a plotagem de três mapas: uma com a
nossa... os CRAS em Natal, dividindo justamente assim, como ta aqui
pintadinho, outro só com a nossa área, e outro com a nossa área mas
marcando posto de saúde, escola, as unidades de atendimento dentro... (Cora
Coralina)
Para a realização de visitas domiciliares, os profissionais do CRAS se organizam
como podem para atender as demandas advindas de solicitações de outros órgãos, além
daquelas elencadas pela SEMTAS através das listas dos programas sociais, bem como
daquelas famílias cadastradas no PAIF que requerem acompanhamento efetivo, nos casos em
que não há possibilidade de resolubilidade através de atendimento na unidade.
Sobre este fato observa-se:
74
Tipo assim, de tarde você sai pra visita, pra ficar sem profissional aqui para
atender (Cecília Meireles)
Vemos, portanto, a partir das aproximações feitas com a realidade do município, por
meio do CRAS Pajuçara, que a instalação e expansão das unidades no município de Natal não
acompanham muitos dos critérios elegidos pelo MDS como mínimos para o bom desempenho
das atividades e alcance dos objetivos, e podemos afirmar ainda que as ausências estão para
além dos mínimos.
Verifica-se um grande esforço por parte dos profissionais para viabilizar o alcance dos
objetivos das ações, que fica comprometido pela falta de conhecimento efetivo da gestão do
município sobre a realidade cotidiana e necessidades das famílias daquela determinada área.
A equipe do CRAS, diante da demanda que necessita do atendimento da unidade, é
considerada insuficiente por parte dos profissionais, que acabam por não realizar, segundo os
mesmos, 10% do que a unidade poderia ter capacidade para desenvolver, o que acarreta em
80% dos atendimentos ali realizados serem advindos de demanda espontânea. Segundo uma
das profissionais entrevistadas na unidade, este fato ocorre:
Por falta de recursos! A gente tinha que fazer palestras nas escolas,
conselhos comunitários, e às vezes a gente só consegue trabalhar com quem
ta perto da gente. Porque aí a gente divulgava, eles teriam conhecimento,
aumentaria a demanda espontânea também. A gente não faz 10% do que a
gente tem capacidade de fazer não. (Cora Coralina)
E complementa:
Se você olhar esse livro de orientações técnicas do CRAS, esse azulzinho,
você vai ver que tem um montão de atribuição [...] que eu nunca consegui
fazer. Eu precisava que tivesse uma pessoa aqui pra atender, que as meninas
estivem em visitas, pra eu ta em campo, visitando essas instituições e
fazendo a gestão do território, orientando eles do que é o CRAS, como
funciona, fazendo parceria, mas eu fico preza aqui. Por mais que eu fosse
por minha própria conta, tem dias que fica complicado, porque hoje a gente
não tem nem equipe mínima. (Cora Coralina)
Temos, portanto, como empecilhos para o atendimento das demandas postas além da
deficiência quanto aos recursos humanos, a ausência de diversos outros recursos primordiais
como um veículo, extremamente necessário para um território extenso e que deveria atender a
75
mais de 3.500 famílias cadastradas, e um telefone, que em inúmeros casos viabilizaria um
encaminhamento de maneira a facilitar a vida do usuário.
Telefone é o mínimo que a gente precisa. Eu não tenho nem como marcar
uma visita, eu fico aqui ligando pro pessoal do bolsa família, quando eu vou
ver meus bônus acabaram.” (Cora Coralina)
Como se pode perceber, os profissionais da unidade buscam utilizar de todos os meios
para efetivarem os serviços a partir daquilo que se coloca ao seu alcance, fazendo uso
inclusive de seus recursos pessoais para possibilitar que o CRAS seja de fato uma unidade de
referência para as famílias que dele precisarem.
É uma dificuldade tão grande, mas ninguém deixa de fazer não o trabalho
sabe? Eu já vi profissionais que cruzam os braços, as vezes assim: “não tem
caneta não vou fazer cadastro, não tem carro eu não posso atender a família
não”. Mas a gente nunca deixou de fazer o trabalho aqui, nem quando a
gente não recebe salário. (Cora Coralina)
Na busca de compreender os motivos da não efetivação de determinadas serviços e
atendimento a demandas, e a conseqüente inconcretude dos objetivos da proteção social
básica conforme as normativas, bem como conforme as necessidades sociais das famílias,
cabe aqui elencar a relação causal entre elementos constitutivos deste processo.
Vemos a escassez de investimentos, especificamente na política de Assistência social,
que tem sua gênese na relação macroestrutural das políticas públicas no contexto neoliberal,
refletindo nas especificidades do município de Natal. São as tendências para a política de
assistência social abordadas no capítulo um deste trabalho, na qual a falta de investimentos na
área social tende a precarizar e focalizar os serviços, responsabilizando o indivíduo e a família
pelas suas necessidades sociais, na qual a população pobre é a que mais sofre. Por não se
configurarem como demandas do crescente mercado privado, voltam- se para a assistência
social, que por sua vez não consegue abarcar o seu público cada vez mais largo, devido às
condições objetivas impostas pela nossa realidade social, que coloca as diversas expressões da
questão social em uma escala ascendente.
No âmbito da proteção social básica, especificamente em nosso universo de pesquisa
esse processo refletiu ainda nas condições de trabalho do assistente social, que deve atuar
mediante um número de profissionais insuficientes, falta de veículos disponíveis, telefone e
recursos mínimos, tendo a responsabilidade de desenvolver atribuições diversas, além de
atender a um volume de demandas crescente, sejam estas espontâneas ou não.
76
Neste sentido, as respostas às demandas ficam comprometidas a partir da relação
causal entre os elementos acima elencados, tornando ainda mais deficiente a promoção da
proteção social a partir da perspectiva de um Estado que possibilite à família as condições
para o desenvolvimento de suas capacidades.
Os fatores acima refletem não só a dificuldade para o desenvolvimento das ações, mas
na excessiva responsabilidade que acaba pesando sobre os próprios sujeitos que necessitam do
cuidado e da proteção, diante da ausência do Estado garantidor dos recursos mínimos às
famílias que buscam atendimento, e àquelas que não conseguem se quer acessar tais serviços.
Iamamoto (2010) aponta que o projeto político institucional de resposta à questão
social de inspiração neoliberal são indissociáveis dos processos de trabalho na qual estão
inseridos os assistentes sociais, pois no momento em que o esgotamento da estratégia de
“intervenção estatizante” tenciona a defesa dos direitos sociais universais, implica nas
condições e relações de trabalho do assistente social.
A partir do exposto podemos demonstrar ainda que a operacionalização dos serviços
socioassisteciais em nível de proteção social básica fica superestimado à capacidade
profissional daqueles que se encontram na linha de frente, como é o caso dos assistentes
sociais, que historicamente teve sua profissão vinculada a este espaço sócio-ocupacional.
Considerando ainda que a NOB- RH/ SUAS determina como um dos critérios para o
quadro de profissionais no CRAS o mínimo de um profissional de Serviço Social10
, mostra-se
necessário com base nos marcos legais que normatizam e norteiam a profissão, discutir a
importância deste profissional para a consolidação da assistência social a partir das
condições técnicas que se requer, bem como das competências éticas que permeiam a prática
profissional do assistente social.
No cotidiano de sua ação, o profissional desenvolve através de seus pressupostos
ético- políticos, técnico- operativos e teórico- metodológicos, mediante os recursos parcos
existentes, as vias de possibilidades de efetivação do compromisso com sua prática.
É com base nesses pressupostos que, na busca pelo cumprimento integral das suas
atribuições e competências, as profissionais entrevistadas utilizam-se de instrumentos tais
como: acompanhamento através de atendimento em grupo ou individualizado, mediante o
preenchimento do prontuário SUAS, fazendo uso de escuta qualificada para identificar as
problemáticas sociais presentes no contexto, visitas domiciliares, orientação social para
10
O número de profissionais varia conforme a capacidade de atendimento da unidade. Para mais ver o quadro
sobre equipe de referência que se encontra no capítulo 2 deste trabalho.
77
acesso a serviços e benefícios, atendimento pisicossocial e encaminhamentos para a rede
socioassistencial.
Para materializar o trabalho do serviço social na instituição as profissionais não só
meramente executam as ações, mas também refletem a prática, analisando-a criticamente,
com o intuito de atuar na perspectiva de efetivação de direitos. Para tanto realizam reuniões
da equipe técnica, buscando as mediações necessárias para a concretização efetiva das
demandas, construindo planos de acompanhamento familiar, e movendo os recursos
disponíveis, buscando articular a rede socioassistencial para atender de forma efetiva as
demandas das famílias.
Temos a compreensão de que a busca pela consolidação de uma política pública na
perspectiva de universalização de acesso à direitos requer sem sombra de dúvidas empenho
por parte dos profissionais de sua capacidade critica e de seus princípios ético-políticos, e
sobre o exposto já sinaliza os parâmetros para atuação dos profissionais de serviço social na
política de assistência social:
Nessa perspectiva, a intervenção profissional na política de Assistência
Social não pode ter como horizonte somente a execução das atividades
arroladas nos documentos institucionais, sob o risco de limitar suas
atividades à “gestão da pobreza’ sob a ótica da individualização das
situações sociais e de abordar a questão social a partir de um viés
moralizante [...] não deve restringir a intervenção profissional, sobretudo a
do/a assistente social, as abordagens que tratam as necessidades sociais
como problemas e responsabilidades individuais e grupais. Isso porque todas
as situações sociais vividas pelos sujeitos que demandam a política de
Assistencia Social tem a mesma estrutural e histórica raiz na desigualdade de
classe e suas determinações (CFESS, 2011, p.7)
O compromisso ético-político da categoria, que se funda na democracia como valor
ético central para a defesa da liberdade e equidade como princípios fundamentais que
norteiam a prática coloca em evidência a vinculação do profissional com os interesses dos
usuários dos seus serviços, conforme destaca o código de Ética Profissional (CEP) em seus
princípios fundamentais: “compromisso com a qualidade dos serviços prestados à população”
(CFESS, 2012b, p. 24)
Diante do compromisso ético-político assumido na defesa da democracia, dos direitos
e da cidadania, o assistente social coloca sua prática voltada para a promoção da emancipação
e expansão dos indivíduos sociais, defendendo as demandas próprias da sociedade civil, o que
pressupõe a busca por um Estado no sentido ampliado.
É neste sentido que para Iamamoto (2010) o compromisso com os valores do CEP:
78
Possibilita decifrar as situações particulares com que se defronta o assistente
social no seu trabalho, de modo a conecta- las aos processos sociais
macroscópicos que as geram e as modificam. Mas, requisita também, um
profissional versado no instrumental técnico- operativo, capaz de
potencializar as ações em níveis de assessoria, planejamento, negociação,
pesquisa e ação direta estimuladora da participação dos sujeitos sociais nas
decisões que lhes dizem respeito, na defesa de seus direitos, e no acesso aos
meios de exercê- los. (IAMAMOTO, 2010, p.208)
O CEP é, portanto, o instrumento através do qual o profissional deve espelhar a
execução de suas competências e atribuições privativas, vislumbrando as possibilidades de
desenvolver seu trabalho na busca de enfrentamento das situações que se expressam no seu
cotidiano profissional, tendo a clareza das situações limites em suas relações causais e
conjunturais, compreendendo e denunciando que prover proteção social não é papel de uma
profissão, nem deve ser reduzida a uma única política.
O desafio cotidiano que se coloca na implantação dos preceitos deste código é o de
remar na contramão da corrente neoliberal, movendo os esforços dentro de um campo de
contradições, na busca de vislumbrar as formas de objetivação do mesmo na realidade, e neste
sentido passar ao largo dos dilemas fatalistas e messiânicos. Nos termos de Iamamoto:
Há que superar essa posição fatalista, como também aquelas visões idealistas
[...] Por vezes esquecemos que a mudança desse quadro assinalado não
depende apenas de nós, como frequentemente almejamos de maneira
voluntarista. (IAMAMOTO, 2007, p. 162)
Compreendemos, portanto, a ética como parte da práxis, de uma ação consciente, que
tem valores como mediação da sua objetivação na realidade social. Entretanto, ao nos
depararmos com demandas imediatas no cotidiano da prática profissional incorre- se no risco
de outros valores se sobressaírem em detrimento da ética profissional, em uma repetição
acrítica da realidade, favorecida pelas características da cotidianidade, que propicia a
alienação. (CFESS, 2012a)
Nesse sentido, os parâmetros para atuação do Assistente Social na Política de
Assistência Social sinaliza que é necessário a superação de duas grandes tendências:
A primeira é restringir a atuação aos atendimentos emergenciais a
indivíduos, grupos, ou famílias, o que pode caracterizar os CRAS e a atuação
profissional como um “grande plantão de emergências”, ou um serviço
categorial de registro e controle das famílias para acessos a benefícios de
transferência de renda. A segunda é estabelecer uma relação entre o público
79
e o privado, onde o poder público transforma- se em mero repassador de
recursos a organizações não governamentais, que assumem a execução direta
dos serviços socioassistenciais. (CFESS, 2011, p. 24)
Nesse sentido, o Assistente Social deve ter a clareza, ainda que lidando com demandas
imediatas, para atuar no sentido de reproduzir valores que neguem a mera singularidade da
realidade social, e assim, desenvolver uma ação consciente, mesmo nas situações que impõem
limites à sua atuação.
Vislumbrar uma prática voltada para suas demandas, buscando superar a perspectiva
de fragmentação das políticas e de culpabilização das famílias requer, portanto, mais do que
vontade profissional, requer um nível de consciência permeado por valores que possibilitem
uma leitura da complexidade das relações sociais, construindo no cotidiano as articulações
dos meios para que a sua prática seja dotada de um compromisso ético no fim, de maneira a
reproduzir os valores que pretendemos defender.
80
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
As considerações feitas neste trabalho buscaram mostrar como o município de Natal/
RN vem respondendo às necessidades sociais das famílias, expressas através das demandas
que se apresentam no CRAS, sem possuir no entanto a pretensão de esgotar o tema.
As limitações para a realização de uma pesquisa mais aprofundada nos levaram a
focalização na realidade vivenciada no CRAS Pajuçara, entretanto os elementos identificados
a partir da prática profissional dos assistentes sociais serviram como base para refletir a
realidade da PSB no município, considerando os limites existentes nesta reflexão, e tendo
como parâmetro o compromisso ético-político destes profissionais, bem como os elementos
essenciais para estruturação da PBS e para e efetivação da PNAS, de acordo com as normas
do MDS.
As análises dos dados coletados durante a pesquisa reafirmaram a nossa perspectiva de
que as demandas das famílias só poderão ser atendidas de fato quando estas puderem contar
com um Estado presente, que oferte os serviços de forma integral, através de uma rede
socioassistencial estruturada e articulada com a realidade na qual o CRAS se insere,
possibilitando assim que estas desenvolvam suas potencialidades e superem as condições de
risco e vulnerabilidade social na qual estão inseridas.
A PNAS deixa claro o papel da gestão local para a operacionalização do SUAS, ao
passo que a omissão do município no que tange as suas responsabilidades tende a
comprometer a efetivação de todos os avanços obtidos através desta política.
As deficiências identificadas na estruturação dos CRAS no município passam por
dificuldades desde a sua fase de implantação, quando não realiza o diagnóstico prévio do
território, tal como propõe a PNAS para estruturação do SUAS quanto a sua territorialização.
Estas se expandem durante a operacionalização dos serviços, visto que as dificuldades na
implantação terão reflexos na execução destes, que passam ainda por déficits quanto a
recursos materiais e humanos.
Neste sentido, constatamos que os trabalhos a serem desenvolvidos pelo CRAS ficam
comprometidos no que se refere a sua efetivação, devido a fatores de ordem estrutural que se
relacionam com o formato atual do Estado, reiterando o papel de profissionais que sejam
meramente executores terminais das políticas sociais.
81
Diante desta realidade, a família tende a ser superestimada, ficando a leitura do seu
papel de proteção social sujeita a culpabilização dos seus membros, na qual elementos sociais,
culturais, políticos e econômicos não são levados em consideração.
Identificamos neste sentido a contradição entre o que a política expressa e o que os
seus serviços ofertam, agravando as expressões da questão social, fragilizando as relações
intra-familiares e inviabilizando a emancipação dos indivíduos, implicando na ausência de
possibilidades para a superação das condições que implicam em vulnerabilidades.
É, portanto, diante das dificuldades expressas, que constatamos na perspectiva de
trabalho dos assistentes sociais a busca por possibilidades no sentido de romper com o ciclo
das dificuldades, mediante uma prática profissional crítica, criativa, comprometida e
competente, para vislumbrar o caminho de superação de focalização da política de assistência
social e de tutela das famílias, negando a perspectiva na qual os indivíduos são
responsabilizados por problemas de ordem conjuntural, e reafirmando o papel do Estado
garantidor dos direitos sociais, buscando ampliar as vias de possibilidade de efetivação
concreta da Política de Assistência Social.
82
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SILVA, M. R. T. As implicações da nova configuração da Assistência Social para a
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SIMIONATTO, I. GRAMSCI: Sua teoria, incidência no Brasil, influencia no Serviço Social.
4. ed. São Paulo: Cortez, 2011.
SYMANSKI, H. Viver em família como experiência de cuidado mútuo: desafios de um
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THERBORN, G; BORÓN, A. ANDERSON, P. Pós- neoliberalismo. In: SADER, Emir;
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8. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2008. p.181-202.
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brasileiro. 2007. 105 p. Dissertação (mestrado em Serviço Social) - Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, São Paulo, SP, 2007.
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APÊNDICES
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APÊNDICE A- FORMULÁRIO DE ENTREVISTA- ASSISTENTES SOCIAIS DO CRAS
FORMULÁRIO DE QUESTÕES- ASSISTENTES SOCIAIS
I- DADOS DE IDENTIFICAÇÃO:
1. Nome:
2. Idade:
3. Sexo:
4. Cor:
5. Religião:
6. Ano de graduação:
7. Instituição de ensino:
8. Possui pós- graduação ( ) sim ( ) não
Se sim, qual o nível:
9. Possui experiência de trabalho com famílias ( ) sim ( ) não
Em caso de resposta afirmativa, especificar as ações:
10. Já atuou em outras áreas ( ) sim ( ) não
Quais?
11. Há quanto tempo atua no CRAS?
II- DADOS ACERCA DO FAZER PROFISSIONAL:
1. Tipo de vinculo com a instituição:
2. Quais as atividades desenvolvidas na instituição?
3. Quais as atividades desenvolvidas pelo serviço social na instituição?
4. Quais serviços da instituição são direcionados às famílias?
5. Quais as principais demandas apresentadas pelas famílias que buscam o CRAS?
6. Como essas demandas são atendidas pela instituição? E pelo serviço social?
7. Quais os instrumentos utilizados pelo serviço social no atendimento às demandas de tais
famílias?
8. Quais as configurações familiares que se observa ao atender os usuários?
9. Qual o instrumento de trabalho utilizado para caracterizar as condições socioeconômicas
das famílias que buscam atendimento?
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10. Considera que a política de proteção social básica acompanha as demandas dos novos
arranjos familiares? Por quê?
11. De que forma a instituição faz a avaliação do atendimento que realiza? E o serviço social?
12. Mediante quais ações se realizam o acompanhamento das famílias que demandam os
serviços no CRAS?
13. Quais as maiores dificuldades enfrentadas pela instituição? E pelo serviço social?
14. Quais os recursos necessários para o bom desempenho do seu trabalho?
15. A instituição oferece tais recursos ( ) sim ( ) não
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APÊNDICE B- FORMULÁRIO DE ENTREVISTA- COORDENAÇÃO DO CRAS
ENTREVISTA- COORDENAÇÃO DO CRAS
1. Qual a área de abrangência do CRAS?
2. Como monitora os atendimentos?
3. Quais os serviços referenciados?
4. Quais as principais demandas?
5. Quais as condições de trabalho para atender as demandas?
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APÊNDICE C- PERFIL PROFISSIONAL DAS ENTREVISTADAS
PERFIL PROFISSIONAL DAS ASSISTENTES SOCIAIS ENTREVISTADAS
RACHEL DE QUEIROZ CECÍLIA MEIRELES CORA CORALINA
COR BRANCA BRANCA NEGRA
SEXO FEMININO FEMININO FEMININO
RELIGIÃO EVANGÉLICA CATÓLICA CRISTÃO
ANO DE FORMAÇÃO 2012 1999 2006
INSTITUIÇÃO UFRN UERN UFRN
NÍVEL DE ESCOLARIDADE GRADUADA PÓS- GRADUANDA PÓS- GRADUANDA
EXPERIÊNCIA DE TRABALHO COM
FAMÍLIASNÃO SIM SIM
TEMPO DE ATUAÇÃO NO CRAS 2 MESES 3 ANOS 3 ANOS
VINCULO EMPREGATÍCIOCARGO
COMISSIONADOSERVIDOR PÚBLICO SERVIDOR PÚBLICO
PERFIL PROFISSIONAL